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Buscando um deus da chuva

por BESSIE AMELIA EMERY HEAD (1937-1986)


Tradução: F. V. Silva, 2018

É solitário nos campos aonde as pessoas vão para arar. Esses campos são vastas
clareiras no meio do matagal, e o matagal selvagem é solitário também. Aproximadamente
todos os campos ficam a uma distância do vilarejo que se pode percorrer a pé. Em certas
partes do matagal, onde a água subterrânea está bastante próxima da superfície, as pessoas
construíam para si pequenos postos de descanso e cavavam poços rasos para saciar sua
sede durante a jornada rumo a suas próprias terras. Elas vivenciavam toda a sorte de coisas
quando deixavam o vilarejo. Era possível descansar em balneários com sombras, cheios de
um exuberante emaranhado de árvores com delicadas flores de um dourado pálido e roxo
surgindo entre o musgo macio e verde, e as crianças podiam perambular em busca de figos
selvagens e quaisquer frutinhas que eventualmente estivessem em época de colher.
Contudo, a partir de 1958, uma seca de sete anos acometeu o país, e mesmo os balneários
ganharam uma aparência tão desoladora quanto a dos matagais de espinhos do interior; as
folhas das árvores encaracolaram e murcharam; o musgo tornou-se seco e duro e, sob a
sombra das árvores emaranhadas, o chão tornou-se um montão de poeira preta e branca,
pois não havia mais chuva. As pessoas diziam com certo humor que, se você tentasse
conter a chuva em uma xícara, só teria o suficiente para encher uma colher de chá.
Próximo ao início do sétimo ano de seca, a passagem do verão tornou-se uma angústia. O
ar estava tão seco e sem umidade que queimava a pele. Ninguém sabia o que fazer para
escapar do calor. Havia tragédia no ar. No início daquele verão, um grupo de homens
deixou suas casas e se enforcou nas árvores. A maioria das pessoas havia se sustentado com
as colheitas, mas nos últimos dois anos retornaram todas para suas terras, portando apenas
cobertores de pele enrolados e utensílios para cozinhar. Apenas os charlatões, encantadores
e curandeiros [witch-doctors] fizeram uma pilha de dinheiro nessa época, já que as pessoas
sempre recorriam a eles no desespero, buscando pequenos talismãs e ervas para esfregar no
arado de forma que as plantações crescessem e a chuva caísse.

As chuvas estavam atrasadas naquele ano. Vieram no início de novembro, com


promessa de boa temporada. Não era o aguaceiro farto, constante dos anos de boa chuva,
mas um chuvisco fino, parco, enevoado. Ele amaciou a terra e uma rica massa de coisinhas
verdes floresceu em toda a parte para que os animais comessem. As pessoas foram
chamadas ao kgotla1 do vilarejo para ouvir a proclamação do início da temporada de
aragem; elas se agitaram e famílias inteiras começaram a partir rumo aos campos para arar.

A família do velho Mokgobja estava entre aqueles que partiram cedo para os
campos. Eles tinham um carro de burros e nele empilharam tudo. Mokgobja — que tinha
mais de setenta anos —; duas garotinhas, Neo e Boseyong; sua mãe Tiro e uma irmã
solteira, Nesta; além do pai e provedor da família, Ramadi, que conduzia o carro de burros.
No ímpeto de esperança imediata de chuva, o homem, Ramadi, e duas mulheres, limparam
a terra de arbustos espinhentos e então cercaram a vasta área de aragem com o mesmo
espinheiro, de forma a proteger a futura plantação das cabras que trouxeram por causa do

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Um kgotla é uma reunião pública, conselho comunitário ou tribunal tradicional de uma aldeia do
Botswana. Geralmente é encabeçado pelo chefe ou líder da aldeia, e as decisões da comunidade são
sempre obtidas por consenso. Qualquer pessoa pode falar e ninguém pode interromper enquanto
alguém estiver falando.
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leite. Eles limparam e cavaram mais o antigo poço de água lamacenta, e ainda nessa chuva
leve, nevoenta, Ramadi aparelhou dois bois, revolvendo o solo com um arado de mão.

O campo estava pronto e lavrado, esperando pela colheita. À noite, a terra se


tornava vívida com insetos cantando e sussurrando por aí em busca de comida. Mas de
repente, na metade de novembro, a chuva foi embora. Nuvens foram embora e deixaram o
céu vazio. O sol dançava vertiginosamente pelo céu, com uma crueldade incomum. A cada
dia, a terra se cobria de um nevoeiro, como se o sol estivesse sugando até a última gota de
umidade do chão. A família sentou-se em desespero, esperando e esperando. Suas
esperanças haviam sido excitadas de sobremaneira; quando as cabras começaram a produzir
leite, eles avidamente despejaram-no em seu mingau, porém agora comiam mingau puro,
sem leite. Era impossível plantar sementes de milho, maíz, abóbora e melão no solo seco.
Eles ficavam sentados o dia inteiro na sombra das cabanas e até mesmo pararam de pensar,
pois a chuva tinha ido embora. Somente as crianças, Neo e Boseyong, estavam felizes em
seu mundinho de meninas. Elas levavam adiante sua brincadeira de casinha assim como
suas mães faziam, e tagarelavam uma com a outra em tons baixos, suaves. Elas faziam
crianças com galhos que havia por ali, os quais prendiam a trapos e a quem davam sermões
com severidade, em uma simulação exata de sua própria mãe. Dava para ouvir suas vozes
dando sermões o dia inteiro. “Sua estúpida, quando mando você buscar água, por que você
derruba metade dela do balde?!” “Sua estúpida! Não consegue cuidar da panela de mingau
sem deixar queimar!” E então elas batiam nos traseiros de suas bonecas com semblantes
severos.

Os adultos não prestavam atenção nisso; eles tampouco ouviam aquela tagarelice
divertida; eles permaneciam sentados aguardando a chuva; seus nervos estavam
tensionados a ponto de quebrar, desejosos de que a chuva caísse do céu. Nada além daquilo
importava. Todos os seus animais tinham sido vendidos durante os anos ruins para
comprar comida, e de todo o seu rebanho, apenas duas cabras sobraram. Foram as
mulheres da família que, por fim, tiveram um colapso sob o esforço da espera por chuva.
Foram mesmo as duas mulheres que causaram a morte das garotinhas. A cada noite elas
começavam um lamento bizarro, estridente, que começava com um tom baixo, lúgubre, e
se exaltava ao ponto de um frenesi. Então elas batiam os pés e gritavam como se tivessem
perdido suas cabeças. Os homens permaneciam sentados, quietos e contidos; era
importante aos homens manterem o autocontrole a todo momento, embora seus nervos
estivessem à beira de um colapso também. Eles sabiam que as mulheres estavam sendo
assombradas pela fome do ano que se avizinhava.

Por fim, uma memória antiga agitou o velho Mokgobja. Quando era bastante jovem
e os costumes dos ancestrais ainda governavam o país, ele fora testemunha de uma
cerimônia de invocação da chuva. E retomou um pouco da vivacidade se esforçando para
lembrar dos detalhes soterrados por anos e anos de orações na igreja cristã. Assim que os
nevoeiros dissiparam um pouco, ele começou a pedir orientação de seu filho caçula,
Ramadi. Havia, ele disse, um certo deus da chuva que só aceitava o sacrifício de corpos de
crianças. Então a chuva cairia, e as plantações cresceriam, ele disse. Ele explicou o ritual e,
conforme a mentira falava, sua memória tornou-se uma convicção. Então começou a falar
com autoridade inabalável. Os nervos de Ramadi foram destroçados pelo lamento
feminino. Logo os dois homens começaram a cochichar com as duas mulheres. As crianças
continuaram sua brincadeira: “Sua estúpida! Como você pode ter perdido o dinheiro a
caminho da loja! Você deve estar inventando de novo!”

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Quando tudo estava acabado e os corpos das duas garotinhas foram dispersos pelo
campo, a chuva não caiu. Ao invés disso, houve só o silêncio mortal pela noite e o calor
devorador do sol pelo dia. Um terror, extremo e profundo, acometeu toda a família. Eles
embalaram as coisas, enrolaram seus cobertores de peles e panelas, e zarparam de volta
para o vilarejo.

As pessoas no vilarejo logo deram falta das duas garotinhas. Elas morreram nos
campos e foram enterradas lá, a família disse. Mas as pessoas perceberam seus rostos
empalidecidos, apavorados, e surgiram murmúrios. O que matou as crianças? — eles
queriam saber. Então a família respondeu que elas simplesmente morreram. E as pessoas
comentaram entre si que era estranho que as duas mortes tivessem ocorrido ao mesmo
tempo. Houve um sentimento de grande inquietação em decorrência da aparência pouco
natural da família. Logo veio a polícia. A família lhe contou a mesma história de morte e
sepultamento nos campos. Elas não sabiam do que as crianças morreram. Então a polícia
pediu para ver os túmulos. Nisso, a mãe das crianças caiu em prantos e contou tudo.

Por todo aquele verão terrível, a história das crianças pairou sobre o vilarejo como
uma nuvem escura de sofrimento, e o sofrimento não se dissipou quando o velho e Ramadi
foram condenados à morte por assassinato ritual. Tudo o que constava nos livros do
estatuto era que assassinato ritual era contra a lei e devia ser eliminado à base de pena de
morte. A história penetrante de desgaste e fome e colapso era uma evidência inadmissível
em corte. Contudo, todas as pessoas que viviam das plantações sabiam em seus corações
que haviam sido salvas por um triz de um destino semelhante ao da família Mokgobja. Elas
poderiam ter matado algo para fazer a chuva cair.

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