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A escrita feminina nem sempre é produzida por mulheres. Segundo coloca Funck
(1994), a crítica literária francesa acreditava na existência de uma escrita feminina
produzida tanto por homens quanto por mulheres. Por isso, precisamos logo neste
momento fazer a distinção entre o que muitos teóricos entendem por escrita feminina –
tipo de escrita que traz marcas do feminino, podendo ser escrita por homens e mulheres – e
autoria feminina – escrita produzida por mulheres.
Aos homens sempre coube escrever sobre a humanidade e suas complexas redes
sociais, refletindo em seus escritos uma postura de visão masculina sobre o mundo,
enquanto que às mulheres cabia falar apenas sobre seus sentimentos ou assuntos
relacionados a si-mesmas.
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Sendo assim, embora alguns teóricos sejam contra a afirmação de que a escrita
tenha sexo e defendam que esse assunto já deveria ter sido encerrado, pretendemos analisar
a representação da condição feminina na literatura e expor o porquê e de que maneira a
escritora francesa deixa a marca do seu sexo na obra escrita por ela.
- que traz o mesmo título dado ao livro - temos como protagonista uma mulher traída por
um marido que já não a ama mais, porém, devido a uma forte dependência conjugal não
consegue deixa-lo.
Embora o livro apresente três histórias, nossa proposta é analisar apenas a última,
que como já foi citado anteriormente, traz o título de A mulher desiludida, o mesmo dado
ao livro. Toda a história é contada em forma de diário por sua protagonista, tendo início na
Segunda-feira de 13 de setembro e fim no dia 24 de março.
Monique mora na França, é casada com Maurice há mais de vinte anos, e tem duas
filhas com ele: Collete - que está casada e assim como sua mãe não trabalha fora de casa -
e Lucienne - que mora sozinha na América. Maurice é médico e insiste que sua esposa
volte a trabalhar, mas ela mesma admite em seu diário que prefere viver à disposição das
pessoas que necessitam dela.
No dia 26 de setembro Monique escreve sobre a descoberta de que seu marido a trai
com Noellie Guérrard, uma advogada bonita, atraente e bem sucedida. Ele chega em casa
de madrugada e ao ser questionando por Monique se há uma mulher em sua vida responde
naturalmente que sim. Apesar da descoberta chocante de que Maurice a estava traindo,
Monique prossegue com seu casamento, e pede conselhos à sua amiga Isabelle, que a
aconselha a ser compreensiva e paciente, pois em breve Maurice perderá o encanto por
Noellie, pois o que seduz os homens é a novidade.
Agora que Monique já sabe de toda verdade, Maurice se divide entre noites e fins
de semana em sua casa e em casa de Noellie. E embora ela “concorde” com essa situação,
escreve sempre em seu diário sobre o quanto sofre quando pensa no marido e na amante
juntos.
Depois desse episódio Monique começa a ficar obcecada em descobrir porque seu
marido não a ama mais - apesar de ele ter lhe pedido desculpas e jurado que só disse que
não a amava porque estava zangado – e passa a acreditar que a culpa é sua. Ela também
começa a perder a vontade de viver e escreve em seu diário que apesar de não querer
morrer, não consegue mais viver.
Continua a morar com seu marido - mas vive sob efeito de remédios e álcool
quando ele não está - e a pedido dele começa a frequentar um psiquiatra, o que a faz
apresentar uma leve melhora, até o dia em que ele sugere ir morar sozinho. Ela não aceita e
faz um escândalo, diz que ele quer deixá-la. Maurice pede que ela o compreenda, afinal
continuarão a se ver com a mesma frequência, e não irá viver com Noellie, apenas precisa
ficar um tempo sozinho.
Enquanto Maurice se muda, Monique vai à Nova York visitar Lucienne e tem a
esperança de que sua filha saiba o motivo que levou Maurice a não amá-la mais, mas não
obtém nenhuma resposta e ainda se surpreende com as opiniões de Lucienne, que diz achar
absolutamente natural que depois de quinze anos de casamento o marido não ame mais sua
mulher.
Monique então volta para casa, no dia 24 de março – que é quando termina a
história - e escreve em seu diário sobre o que está sente, agora que irá morar sozinha: que
tem medo e não tem a quem pedir socorro.
A marca do sexo
Ao ler essa história não há como negar que nela existem conflitos que são próprios
da condição feminina: uma mulher dona de casa, que se considerava bem casada, e que ao
descobrir as traições do marido não consegue deixa-lo, dividindo-o então com a amante,
mesmo sofrendo e desconfiando que ele não a ama mais. Perde até a vontade de viver
depois que descobre as traições e julga-se culpada por seu marido ter deixado de amá-la.
A própria Simone de Beauvoir disse que essa história deve ser lida como um
romance policial, pois traz em suas páginas indicações sutilmente disfarçadas, que
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permitem ao leitor descobrir o porquê Monique esforça-se tanto para manter seu
casamento.
As últimas palavras que a personagem escreve em seu diário, após voltar para sua
casa e encontra-la vazia é que ela tem medo e não tem a quem pedir socorro. Apesar de
não especificar o que realmente a faz sentir medo, se relembrarmos que Monique nunca
quis voltar a trabalhar porque preferia estar à disposição daqueles que ela ama – marido e
filhas – podemos compreender que todo esse tempo ela não quis abandonar seu casamento
porque era nele que encontrava motivos para viver, e com o fim ela sente medo, pois acaba
por perder a finalidade da sua vida.
Apesar de Morgado ter formulado esses conceitos a partir de situações vividas por
mulheres brasileiras, compreendemos que ela é aplicável à situação que se encontra a
personagem francesa criada por Beauvoir, sendo também comum às mulheres francesas – e
do mundo - da década de 60 serem programadas para o casamento e também para aceitar
as traições de seus maridos.
Portanto, não podemos esquecer que Beauvoir é mundialmente conhecida por seu
caráter feminista, e que a representação de uma mulher submissa em sua obra com base em
valores culturais, sociais e morais de sua época, serve para questionar essa condição
feminina, pois como afirma Cândido (2008) a obra literária é resultado das escolhas
individuais do escritor, a partir do repertório que a sociedade e o tempo oferecem, pois arte
e sociedade estão inseridas num vasto sistema solidário de influências recíprocas.
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. A Mulher Desiludida. Trad. Helena Slveira e Maryan A. Bom
Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1986.
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 10 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul,
2088.
XAVIER, Elóida. A Narrativa de Autoria Feminina: Ontem e Hoje. In: FUNCK, Susana
Bornéo (Org). Trocando Ideias Sobre a Mulher e a Literatura. Florianópolis: Universidade
Federal de Santa Catarina, 1994.