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Projeto de pesquisa

Alvaro Luis dos Santos Pereira

A economia política da construção de escalas institucionais no Brasil

contemporâneo: estratégias e conflitos

Concurso Público - Professor Adjunto A, Nível I


Área de conhecimento: Economia Política da Urbanização
Edital UNIFESP 252/2017

Agosto de 2017
Título: A economia política da construção de escalas: estratégias e conflitos no Brasil

contemporâneo

Justificativa

Os padrões de organização do espaço político e econômico da acumulação capitalista e

de seu tecido socioeconômico vêm passando por profundas transformações ao longo das

últimas décadas. A reflexão acerca do modo como o espaço figura nos processos de

produção econômica e reprodução social permeia vetores de transformação que se

desenrolam em diferentes temporalidades, e que assumem ritmos e modos de

manifestação variados. O estudo dessa temática envolve desafios teóricos e

metodológicos relacionados ao modo como as escalas geográficas são socialmente

concebidas e representadas, assim como às formas de articulação entre diferentes

unidades territoriais e arranjos institucionais nos processos de desenvolvimento.

Entre o final dos anos 1960 e meados dos anos 1970, Henri Lefebvre (2000)

desenvolveu uma série de reflexões que exerceriam grande influência sobre o

pensamento social crítico nas décadas seguintes. Dentre os traços fundamentais da obra

deste autor, pode-se destacar a afirmação do espaço enquanto categoria de análise

fundamental para se pensar as relações sociais e sua reprodução, bem como seus

conflitos e contradições. Para Lefebvre, o espaço teria sido amplamente marginalizado

no debate, sendo tratado como dimensão meramente passiva e não problemática de

processos sociais. A partir desta percepção, o autor busca empreender uma renovação

do pensamento social crítico a partir da exploração da temática da "produção do

espaço", apresentada como uma chave para se desvendar a dinâmica do processo de

reprodução social em sua totalidade. Um importante ponto de partida das formulações

teóricas desenvolvidas pelo autor é a proposição de que, a partir de um determinado

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estágio de desenvolvimento das forças produtivas, teria ocorrido uma mudança

qualitativa no modo como o espaço é socialmente apreendido, sintetizada como uma

passagem da mera produção de coisas "no" espaço para a produção "do" espaço. Esta

passagem teria como um se seus elementos constitutivos a inversão entre o que é raro e

o que é abundante. Enquanto os fatores decorrentes da ação cumulativa de

transformação exercida pelo trabalho humano sobre a "natureza", tais como

mercadorias, edificações, indústrias, cidades, e assim por diante, foram tornando-se

abundantes, os fatores "naturais", tais como a terra, a água, os recursos minerais, a

biosfera, entre outros, foram tornando-se progressivamente raros. Esta inversão figuraria

como condição objetiva para que ocorresse uma guinada epistemológica em direção ao

espaço, em que relações e conflitos sociais passassem a ser mais diretamente

apreendidos em sua dimensão (LEFEBVRE, 2000; SMITH, 2008).

A produção do espaço é concebida por Lefebvre como um processo dialético,

envolvendo uma contradição entre dois pólos antitéticos, o "espaço abstrato" e o

"espaço social" - categorias que, de certa forma, remetem à oposição entre valor de

troca e valor de uso. A noção de "espaço abstrato" expressa uma força tendencial de

apreensão progressiva do espaço enquanto forma instrumental ao processo de

acumulação capitalista, a subsunção generalizada dos elementos que constituem o

espaço e das atividades transformadoras que incidem sobre ele aos códigos que

informam o mundo da mercadoria e da reprodução do capital. As ações de planejamento

e organização territorial figurariam como dispositivos fundamentais de conformação do

espaço social e concreto às necessidades do processo de acumulação capitalista. O

conteúdo subjacente à noção de "espaço abstrato" não remete apenas à organização de

configurações morfológicas orientadas para racionalizar e potencializar a produção

capitalista em sentido estrito, mas também a um processo de mobilização do espaço

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enquanto dispositivo de programação da vida cotidiana e de reprodução de relações

sociais, que se assenta simultaneamente em fundamentos de natureza material e

ideológica. A noção de "espaço social", por sua vez, remete a relações sociais,

processos de atribuição de sentido e formas de uso que resistem à tendência de

subordinação do espaço aos imperativos da acumulação capitalista, figurando como

negativo do espaço abstrato. Esta categoria remete a modos de apreensão e apropriação

do espaço não controláveis e não redutíveis a uma lógica instrumental, a processos e

formas emanados de relações sociais que apontam para o alargamento de possibilidades

e construções de sentido que transbordam o mundo da mercadoria e do trabalho

alienado.

Embora as categorias e proposições centrais presentes nas reflexões de Lefebvre tenham

sido concebidas num contexto histórico e geográfico bastante específico, tendo como

referentes imediatos as configurações espaciais características das economias

capitalistas avançadas no estágio final do fordismo transatlântico do período pós-guerra,

sua obra fornece uma base conceitual que auxilia a pensar sobre os fatores

condicionantes da organização do território e seus conflitos em diferentes contextos

geográficos no mundo contemporâneo. O anúncio de uma passagem da mera produção

de coisas "no" espaço para a produção "do" espaço enquanto totalidade não expressa

uma transformação que possa ser associada a um acontecimento histórico ou época

específica, mas sim uma tendência que se desenrola numa temporalidade longa e que se

impõe de modo geograficamente desigual.

Buscando esclarecer quais seriam os sentidos desta proposição de Lefebvre e suas

implicações, Neil Smith (2008) associa a emergência da problemática da "produção do

espaço" ao alcance de um estágio de desenvolvimento das forças produtivas em que a

acumulação capitalista passa da predominância de um padrão extensivo, centrado na

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expansão geográfica absoluta do capital por meio da incorporação de novos territórios

aos seus circuitos, a um padrão intensivo, centrado na reconfiguração permanente de

territórios já integrados à sua dinâmica, que tem como desdobramento a ampliação da

densidade econômica do espaço. Segundo o autor, esta é a razão pela qual vêm se

difundindo na literatura acadêmica proposições em que se afirma a centralidade da

questão espacial no capitalismo contemporâneo. Ainda segundo este autor, o

aprofundamento de um padrão intensivo de desenvolvimento das forças produtivas teria

como um de seus desdobramentos um processo de desestabilização e redefinição

incessante das escalas geográficas, colocando em xeque os sentidos usualmente

atribuídos a categorias como o "global", o "nacional", o "regional", o "urbano" ou o

"local". Partindo da premissa de que as escalas geográficas não devem ser concebidas

como dados imutáveis, mas sim como expressões de processos sociais em constante

transformação, Smith (2008) identifica a questão escalar como um problema teórico

central para se entender a dinâmica da produção do espaço no mundo contemporâneo,

propugnando a necessidade de se atentar para a redefinição dos conteúdos usualmente

atribuídos às diferentes escalas geográficas, a emergência de novos níveis territoriais de

coordenação política e econômica, bem como a incessante reconfiguração da hierarquia

entre as escalas.

A reflexão sobre a escala geográfica e sua dimensão institucional é um tema que vem

suscitando ampla discussão no âmbito teórico ao longo das últimas décadas

(BRENNER, 2000; SMITH, 2008; KLINK, 2013). Este debate ganhou força na esteira

dos esforços para se compreender e teorizar as mudanças nos padrões de organização

espacial da acumulação capitalista e sua dimensão institucional a partir da crise do

fordismo e da reestruturação do capitalismo mundial iniciada nos anos 1970. Embora as

interpretações sobre as mudanças iniciadas neste período não sejam uniformes, pode-se

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observar certa convergência na identificação de alguns de seus vetores principais e de

seus desdobramentos no âmbito das concepções e práticas de planejamento territorial.

Nesse sentido, enfatiza-se frequentemente o declínio do papel da industrialização

enquanto elemento propulsor dos processos de acumulação, e uma afirmação crescente

da esfera financeira enquanto locus de valorização do capital e instância de coordenação

de processos econômicos (CHESNAIS, 2000; PAULANI, 2008; JESSOP, 1996;

BRENNER, 2000; SWYNGEDOUW, 1992). O processo de mundialização financeira

vivenciado neste período é amplamente associado à ascensão de uma agenda política

conservadora calcada no ideário neoliberal, cuja propagação resultou na retomada dos

fundamentos da economia neoclássica, na reafirmação do monetarismo e do utilitarismo

e no ataque ao intervencionismo estatal de matriz keynesiana que havia se tornado

hegemônico enquanto modelo de desenvolvimento no período pós-guerra. A leitura

referente aos impactos dos ajustes macroeconômicos promovidos na esteira da ascensão

da agenda neoliberal constitui um ponto de razoável convergência no âmbito do debate

teórico, sendo amplamente reconhecido que sua difusão conduziu a um processo

generalizado de arrocho fiscal, desmantelamento de direitos sociais e de políticas

redistributivas associadas ao pacto fordista, precarização das condições de trabalho,

acirramento das desigualdades socioeconômicas e dos desequilíbrios territoriais,

redução das taxas médias de crescimento econômico, dentre outros.

As concepções e práticas de planejamento territorial que emergiram nesse contexto

figuram ao mesmo tempo como produto e condição do ajuste macroeconômico

neoliberal em curso, podendo-se observar uma relação complexa entre ambos.

Apoiando-se na oposição entre "espaço abstrato" e "espaço social" proposta por

Lefebvre, os geógrafos Neil Brenner (2000) e Eric Swyngedouw (1992) caracterizam os

processos de ajuste espacial associados à reestruturação econômica que se seguiu à crise

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do fordismo como expressões de uma crescente assimilação do espaço enquanto "força

produtiva", em detrimento de seu reconhecimento enquanto locus da "reprodução

social". Segundo estes e outros autores (HARVEY, 1989; MASSONETO, 1996), as

concepções e práticas de planejamento e gestão territorial deixaram de gravitar em torno

do objetivo de dar suporte a um compromisso social orientado para a redistribuição, a

equalização das condições de desenvolvimento e a melhoria das condições de vida da

população em geral, passando a orientar-se primordialmente pelo imperativo de prover

condições favoráveis à remuneração dos capitais empregados nas diferentes atividades

relacionadas ao processo de produção do espaço. Essa guinada teria como um de seus

fatores constitutivos a influência crescente de uma lógica financeirizada de valorização,

marcada pela exacerbação do rentismo e das práticas especulativas, bem como pelo

aprofundamento da alienação nas relações sociais de produção, consubstanciando a

afirmação da primazia do que Lefebvre denominou "espaço abstrato" sobre o "espaço

social".

A progressiva inscrição desta lógica financeirizada engendrou uma mudança qualitativa

nos padrões espaço-temporais da acumulação capitalista. Estes reverberaram a ascensão

de uma racionalidade imediatista e de caráter localista, priorizando ações focalizadas e

fragmentárias em lugares ditos "estratégicos", percebidos como aptos a proporcionar

retornos econômicos de curto prazo, em detrimento de ações calcadas em perspectivas

universalistas e integradas de desenvolvimento territorial, que requerem longo tempo de

maturação (BRENNER, 2000; SWYNGEDOUW, 1992; VAINER, 2002). Neste

contexto, em suas diversas escalas geográficas e institucionais, as políticas relacionadas

ao desenvolvimento territorial passaram a sofrer influência crescente de uma lógica

pragmática e empresarial, incorporando conceitos e terminologias oriundos do mundo

dos negócios - tais como a doutrina do planejamento estratégico - e assumindo como

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seus papéis primordiais a promoção da competitividade de fragmentos territoriais

específicos, de modo a criar condições favoráveis à atração de investimentos (VAINER,

2002). Wilson Cano (2007) caracteriza metaforicamente as estratégias de

desenvolvimento territorial que emergiram na era neoliberal como verdadeiros leilões

de localização. Segundo este autor, as estratégias de inserção econômica passaram a ser

movidas pelo imperativo de oferecer maiores vantagens locacionais a potenciais

investidores, tais como incentivos fiscais, menores custos da força de trabalho,

legislações ambientais e urbanísticas mais permissivas, distanciando-se de preocupações

relacionadas à reprodução social e passando a gravitar em torno da provisão de

subsídios ao capital.

A mudança no modo de se conceber o papel das escalas geográficas e a hierarquia entre

elas figurou como um fator relevante dessa transição. Os discursos hegemônicos

forjados nesse contexto têm como traços marcantes a afirmação da primazia das escalas

global e local, e a alegação da perda de importância das escalas intermediárias, como o

nacional e o regional (BRANDÃO, 2007). Tanto no plano dos discursos quanto das

políticas de desenvolvimento territorial, propagou-se um ataque sistemático aos

mecanismos de coordenação e regulação associados a essas escalas, atingindo sobretudo

a escala nacional. Em sintonia com os fundamentos do ajuste macroeconômico ortodoxo

em curso, que teve como pilar fundamental a interdição da política fiscal redistributiva

que impulsionou os projetos de desenvolvimento organizados sob primazia dos estados

nacionais no período pós-guerra, as concepções e políticas territoriais passaram a se

organizar a partir de uma perspectiva atomística e distanciada de preocupações com o

desenvolvimento social em bases universais, reverberando a profusão de proposições de

teor normativo em que se assimila a globalização como força inexorável e se reserva às

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instituições políticas o papel de impulsionar a inserção competitiva dos lugares na

economia global.

O debate atinente à escala regional teve novo impulso recentemente, mas assumindo

conteúdos substancialmente distintos daqueles que orientavam o planejamento regional

durante o período de hegemonia do desenvolvimentismo de matriz keynesiana

(BRANDÃO, 2007). Proliferaram-se discursos propugnando a relevância de

mecanismos de coordenação de caráter "regional", observando-se processos de

regionalização tanto no nível infranacional como no supranacional. No primeiro caso, o

sentido atribuído ao "regional" assemelha-se a uma concepção geograficamente

ampliada do "local". Podem-se mencionar como exemplos desse tipo de construção

escalar noções como a de cidade-região, os arranjos de governança metropolitana, entre

outros. No âmbito supranacional, o debate sobre o "regional" remete à formação de

blocos de cooperação econômica entre países. Em sua grande maioria, tais articulações

vêm sendo formadas sem envolver a constituição de instâncias democráticas no nível

supranacional, inclusive figurando muitas vezes como vetores de supressão do espaço

da política no âmbito de países-membros. Tanto no caso dos arranjos regionais

supranacionais como no dos infranacionais que vêm emergindo nesse contexto, a tônica

do processo de integração gravita em torno de uma agenda produtivista, frequentemente

centrada no discurso de promoção de competitividade, e apenas marginalmente em

torno da estruturação de aparatos institucionais e pactos fiscais orientados para dar

suporte a políticas de redistribuição e equalização de condições de desenvolvimento.

Além das mudanças referentes ao modo de articulação entre escalas geográficas e

arranjos institucionais na organização espacial do processo de acumulação, a

mundialização financeira teve outros desdobramentos relevantes no tocante ao modo

como o território é integrado ao metabolismo geral do capital. Um dos pilares da

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reestruturação capitalista vivenciada nesse período foi o aprofundamento das conexões

entre a propriedade fundiária e a esfera financeira (HARVEY, 2006). A propriedade

fundiária passou a ser incorporada de modo mais direto e sistêmico aos processos de

valorização do capital financeiro. Nesse contexto, o processo de produção do espaço

passou a ser mais diretamente organizado em consonância com os requerimentos do

capital financeiro, afirmando-se a primazia de uma lógica abstrata de valorização e a

submissão de processos concretos de produção de valor a estratégias econômicas de

natureza especulativa. Tanto no meio urbano como rural, a propriedade fundiária passou

a ser mobilizada de modo sistêmico como lastro de ativos financeiros, tornando-se um

dispositivo primordial de captação de valor acionado para alimentar intrincadas cadeias

de obrigações no mercado mundial de capitais.

Os efeitos combinados da emergência de um regime de acumulação com dominância

financeira e da ascensão de políticas territoriais calcadas num paradigma localista e

competitivo vêm sendo estudados no contexto brasileiro em diferentes escalas

geográficas. Buscando analisar a interação entre essas tendências de escopo global e as

especificidades da formação social brasileira, diversos pesquisadores vêm investigando

o tema da produção do espaço e as transformações em sua dinâmica no contexto atual,

contribuindo para a construção de uma agenda de pesquisa e para a identificação de

velhos e novos desafios a serem enfrentados nos campos teórico e político para se

construir discursos e estratégias de desenvolvimento territorial que possam contribuir

para um projeto de transformação social.

No âmbito dos recortes analíticos centrados na escala urbana, vem sendo apontado

como traço marcante das atuais práticas de planejamento a proliferação dos chamados

megaprojetos em porções específicas do tecido urbano (VAINER, 2002).

Frequentemente associados ao discurso de matriz empresarial do planejamento

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estratégico, esses projetos são concebidos e apresentados como uma espécie de

catalisadores da modernização econômica das cidades onde são promovidos. As

estratégias discursivas de legitimação desses projetos mobilizam construções

ideológicos como a da cidade global, a da cidade criativa, a das chamadas smart cities,

entre outras, para respaldá-los. Os estudos críticos sobre o tema, entretanto, vêm

mostrando que, ao invés de contribuir substancialmente para a geração de empregos

qualificados e a dinamização econômica das cidades onde são promovidos, como

preconizado nos discursos que fazem apologia a projetos desse perfil, sua proliferação

vem favorecendo o aprofundamento das desigualdades socioespaciais, a segregação e a

apropriação de fundos públicos por agentes privados. Outro aspecto que vem sendo

pesquisado nos estudos urbanos no contexto atual é a transformação nos modos de

articulação entre o setor imobiliário e a esfera financeira (ROYER, 2009; FIX, 2011).

Esses estudos mostram como o aprofundamento das conexões entre os setores

imobiliário e financeiro vem intensificando a subordinação do processo de produção do

espaço a estratégias rentistas de acumulação, e contribuindo para reforçar as

desigualdades socioespaciais e a segregação.

Os estudos centrados na escala nacional, por sua vez, vêm sinalizando uma tendência

geral de regressão da estrutura produtiva da economia brasileira e de manutenção dos

desequilíbrios regionais no contexto dos ajustes macroeconômicos de orientação

neoliberal. Numa pesquisa sobre a trajetória da economia brasileira ao longo das últimas

décadas, Wilson Cano (2007) constatou uma tendência de reprimarização econômica a

partir da crise fiscal dos anos 1980, observando de um lado o crescimento da

participação da agropecuária, da extração mineral e dos segmentos industriais

produtores de commodities exportáveis de baixo valor agregado na composição do

produto interno bruto e, de outro, uma atrofia das atividades industrias de maior valor

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agregado. O autor mostra também que o crescimento da participação do setor terciário

no PIB e na geração de empregos não está ligado à sofisticação da economia de serviços

nas cidades, mas sim ao crescimento de ocupações precárias em face da retração do

emprego industrial e do acirramento da expulsão populacional no campo num cenário

de expansão do agronegócio mecanizado baseado na grande propriedade. Ao analisar a

dimensão territorial dessas transformações, Cano identifica um bloqueio do processo de

"desconcentração virtuosa" das forças produtivas vivenciado até o final da década de

1970. Embora ressalve que o modelo de desenvolvimento capitaneado pela

industrialização que perdurou no país entre os anos 1930 e a crise dos anos 1980 tenha

sido um projeto social e político conservador, tendo como traços fundamentais a

perpetuação da concentração fundiária, a baixa remuneração da força de trabalho, a

preservação das esferas mercantis de acumulação e o autoritarismo, o autor identifica

naquele período um processo de desconcentração produtiva, em que a periferia nacional

crescia a taxas maiores que as do centro e desenvolvia uma base produtiva mais

complexa e diversificada. Este processo, segundo o autor, teria como um de seus

pressupostos a existência de um vasto aparato de planejamento territorial orientado para

a equalização das condições de desenvolvimento e a formação de um espaço nacional

integrado de acumulação. Em face da crise dos anos 1980 e, acima de tudo, a partir dos

ajustes macroeconômicos dos anos 1990, as ações de planejamento territorial orientadas

para a formação de um espaço nacional de acumulação sofreram um forte abalo. A

agenda do desenvolvimento regional cedeu lugar à guerra fiscal entre estados e

municípios. As políticas fiscal, monetária e cambial deixaram de ter como elemento

norteador o fomento à industrialização, passando a favorecer as esferas mercantis de

acumulação. Diante deste cenário, as perspectivas de um projeto de desenvolvimento

nacional norteado pelo combate às desigualdades regionais foram obstruídas.

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Com o início do Governo Lula em 2003, este quadro geral sofreu algumas mudanças

relevantes. Embora os fundamentos da agenda macroeconômica neoliberal não tenham

sido questionados, pode-se observar um ressurgimento dos debates sobre o

desenvolvimento nacional e a implementação de políticas orientadas para a redução das

desigualdades regionais e sociais. Dentre os elementos mais representativos desse

processo, podem-se mencionar o lançamento da Política Nacional de Desenvolvimento

Regional e da Política Nacional de Ordenamento Territorial, a recriação da Sudam e da

Sudene, além da promoção de programas sociais, projetos de infraestrutura e ações de

política industrial com alguma orientação territorial. Ricardo Karam (2012) mostra que

as políticas relacionadas à problemática do desenvolvimento regional promovidas

recentemente não avançaram de modo homogêneo, além de enfrentarem uma série de

dificuldades no tocante à sua coordenação. No entanto, o autor reconhece que houve

avanços importantes no sentido da retomada de uma agenda desenvolvimentista sensível

à dimensão territorial. Também pode-se observar neste período o surgimento de

experiências de pactuação política e institucional não atreladas exclusivamente à agenda

da competitividade urbana, como a constituição de consórcios interfederativos, a

elaboração de planos de desenvolvimento metropolitano integrado, o fomento a arranjos

produtivos locais, dentre outras formas de articulação de caráter cooperativo norteadas

por objetivos de desenvolvimento territorial.

Clélio Campolina e Marco Crocco (2006) fazem uma leitura da proliferação dessas

iniciativas, tanto no Brasil como em outros contextos, como traços constitutivos de uma

terceira fase na trajetória histórica do planejamento territorial. Em termos simplificados,

a primeira fase, correspondente ao período fordista/desenvolvimentista do pós-guerra,

seria marcada pelo forte intervencionismo estatal, pela primazia da escala nacional, pela

forte perspectiva territorial e por mecanismos de coordenação verticalizados. A segunda

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fase, situada historicamente no período de difusão da agenda neoliberal, gravitaria em

torno da facilitação do "mercado". Teria como traços principais o desmantelamento de

aparatos institucionais e burocráticos voltados para o planejamento e a intervenção no

território herdados do período anterior e a proliferação de ações difusas e não integradas

de estímulo ao mercado e promoção de competitividade em fragmentos territoriais

específicos. A terceira geração combinaria elementos característicos das duas anteriores.

Em linhas gerais, envolveria a retomada da territorialidade nas estratégias de

desenvolvimento; a superação de uma oposição binária entre "estado" e "mercado"; a

passagem de um padrão verticalizado de coordenação institucional, com proeminência

do estado nacional, para um padrão mais horizontal, caracterizado por processos

dialógicos de concertação de interesses em diferentes escalas territoriais; pelo

surgimento de novas escalas territoriais de planejamento e intervenção; e pela

ampliação do rol de atores envolvidos nos processos de planejamento, expressando a

afirmação de um modelo de Estado participativo. Esta terceira fase seria representativa

de um processo mais amplo, caracterizado na literatura como um movimento de

passagem do "governo" à "governança" (BEVIR, 2009), em que o protagonismo não

estaria mais nas mãos da burocracia estatal ou dos agentes econômicos privados, mas de

redes sociais cada vez mais complexas, constituídas a partir da articulação de uma

pluralidade de atores e instituições (FREY, 2007).

Investigar as mudanças recentes nas concepções e práticas de planejamento territorial e

seus desdobramentos concretos, bem como refletir criticamente sobre as representações

teóricas que buscam descrever e explicar tais processos, constituem fatores de grande

relevância no âmbito de uma agenda de pesquisa comprometida com a busca de

transformações sociais.

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Objetivos

Este projeto busca oferecer uma contribuição para o estudo dos mecanismos de

planejamento orientados para o desenvolvimento territorial no Brasil contemporâneo.

Propõe-se como objeto de pesquisa a análise de processos de construção de escalas de

planejamento territorial. Entende-se aqui por construção de escalas de planejamento um

processo em que, partindo-se da existência de relações de identidade de um determinado

grupo social com uma porção específica do território, são concebidos projetos de

desenvolvimento visando ao alcance de determinados objetivos socialmente partilhados

no interior daquela unidade territorial, e estabelecidos mecanismos de cooperação e

coordenação orientados para o alcance dos objetivos em questão. Fenômenos desse tipo

assumem diferentes dimensões geográficas, abrangendo desde recortes territoriais no

interior de municípios até processos supranacionais de integração. Também apresentam

diferentes níveis de materialidade e relevância social, podendo oscilar da existência

meramente formal à constituição de instâncias capazes de provocar rearranjos na

configuração escalar de instituições políticas, processos econômicos e identidades

culturais no âmbito interno da unidade territorial em questão e em sua relação com

unidades territoriais externas.

Pretende-se estudar experiências de construção escalar que estejam inseridas em

contextos socioeconômicos e morfológicos distintos, e que envolvam relações de

articulação escalar de natureza e complexidade diversas. A análise dessas experiências

terá como foco os seguintes aspectos: os fundamentos da formação da identidade

territorial e suas representações discursivas; as concepções de desenvolvimento

territorial, objetivos e aspirações que norteiam o processo de construção escalar; a

arquitetura institucional associada ao processo de construção escalar, pesquisando-se as

formas de articulação horizontais e verticais entre diferentes entes federativos e agentes

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públicos, a eventual criação de novos níveis administrativos e os instrumentos de

planejamento territorial utilizados; a dimensão fiscal dos mecanismos de coordenação

voltados para o desenvolvimento regional, buscando-se observar como essas

experiências lidam com as desigualdades socioespaciais; o tratamento dado à questão

fundiária em estratégias de desenvolvimento territorial; e o modo como essas

articulações lidam com as questões da inserção produtiva de trabalhadores. A partir do

estudo de uma pluralidade de processos de construção escalar com características

distintas, buscarei identificar tendências, conflitos e desafios comuns, de modo a

oferecer elementos capazes de contribuir para o aprofundamento das reflexões teóricas

sobre o desenvolvimento territorial em sua fase contemporânea. A primeira experiência

de construção escalar que se pretende estudar é a trajetória de institucionalização da

Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Além de uma reflexão sobre o histórico da

constituição desta escala institucional, a pesquisa buscará estudar em profundidade o

processo de formulação do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI-

RMSP), buscando refletir criticamente sobre os objetivos e aspirações envolvidos em

sua concepção, sua formatação institucional, seus desdobramentos concretos e os

conflitos associados à sua formulação e implementação. Este recorte se justifica pela

relevância do caso em face dos objetivos teóricos da pesquisa proposta e por sua

potencial sinergia com os objetivos expressos no Projeto Político-Pedagógico do

Instituto das Cidades. A pergunta que norteia a pesquisa é qual o espaço para a

cooperação nos processos contemporâneos de formação de escalas institucionais.

Metodologia

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Primeira etapa: na fase inicial da pesquisa, será feita uma revisão bibliográfica sobre a

trajetória do planejamento territorial e suas características atuais. Esta etapa também

abrangerá o levantamento e sistematização de experiências de construção de arranjos

escalares orientados para o desenvolvimento territorial a partir de revisão bibliográfica e

pesquisa exploratória em documentos governamentais. Nesta etapa serão formuladas as

hipóteses de pesquisa, selecionados os estudos de caso e consolidados os procedimentos

metodológicos a serem adotados nas etapas subsequentes. Também serão pensadas

formas de interação entre o projeto e as atividades de extensão do Instituto das Cidades.

Ao final deste período inicial da pesquisa, serão encaminhados pedidos de

financiamento a agências de fomento.

Segunda etapa: por meio de pesquisa documental e levantamento de dados secundários,

serão analisadas os objetivos e a formatação geral dos arranjos de governança territorial

selecionados como estudos de caso, bem os desdobramentos e impactos socioespaciais

das iniciativas voltadas para o desenvolvimento territorial que apresentem relação direta

com o arranjo escalar em questão. A pesquisa será construída tendo como eixos

analíticos as questões apresentadas no item "objetivos".

Terceira etapa: serão realizadas entrevistas com atores relevantes, buscando-se observar

a percepção dos processos estudados por parte de diferentes grupos sociais, bem como

analisar em maior profundidade as transformações sociais e econômicas identificadas,

suas limitações, e os conflitos envolvidos.

Inserção no Projeto Político-Pedagógico do Instituto das Cidades

Diante de minha formação e do projeto proposto, acredito poder inserir-me mais

diretamente nas linhas de pesquisa em "Estado e Políticas Públicas", "Sociedade Civil e

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Direito à Cidade" e "Território, Trabalho e Desenvolvimento". Quanto às unidades

curriculares comuns, acredito poder contribuir em particular com o seguinte conjunto:

"Direito ambiental e urbanístico"; "Realidade Brasileira: formação social, geográfica e

econômica"; "Emergência urbana: Debates sobre as cidades"; "Gestão de metrópoles";

"Escritório de planejamento de metrópoles"; "Economia política e geografia da

urbanização e das cidades", "Escritório de mobilidade e usos do solo" e "Gestão de

cidades de pequeno e médio porte". O presente projeto poderá ter grande articulação

com o programa de extensão "Observatório de Políticas Públicas". Além disso, tenho

intenção de desenvolver unidades curriculares de natureza extensionista que tenham

como foco de reflexão e ação conflitos fundiários existentes nas imediações do Campus

da Zona Leste.

Cronograma de execução

2018 2019 2020

Atividade 1o. sem 2o. sem 1o. sem 2o. sem 1o. sem 2o. sem
Elaboração de pedidos de
financiamento
Revisão bibliográfica
Pesquisa de legislação
Seleção de casos
Concepção de unidade curricular de
extensão universitária específica
Realização de entrevistas com atores
relevantes nos casos selecionados
Elaboração de relatórios e
disseminação de resultados da pesquisa

Bibliografia preliminar

ARANTES, Pedro Fiori. O ajuste urbano: as políticas do Banco Mundial e do BID


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