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A primeira problemática que pode ser levantada seria uma possível não-

funcionalidade ético/prática da conceitualização dos termos normal e patológico para o


próprio exercício do fazer ciências, sobretudo as da saúde. Este aspecto é decorrente,
também, do fato de que as construções conceituais estruturadas em uma determinada
época, valem/vigoram, essencialmente, para o período contextual em que são
empregadas (Canguilhem, 2009, p. 44).

Tem-se, notado, na contemporaneidade, que os chamados diagnósticos têm


estado a serviço de algumas funções específicas, sendo elas: classificar, catalogar e
diferenciar; e quando não, estigmatizar, isolar e excluir, ainda que não haja uma
intenção explícita quanto a isso (Furham, 2015, p. 26-27).

A própria definição de anormalidade traz consigo problemáticas quanto à


angústia, desvio da norma, disfunção ou perigo enfrentado pelo dito diferente e/ou pelos
outros membros desta mesma sociedade. Portanto, geralmente entende-se ou percebe-se
o comportamento do anormal como sendo de difícil compreensão para os demais.
Todavia, há uma certa aceitação quanto ao entendimento dos padrões comportamentais
daqueles que não enquadram-se na curva padrão de normalidade, como sendo: pessoas
que apresentam características ou padrões de ação anticonvencionais, incomuns e não
desejáveis pela maioria (Furham, 2015, p. 9).

Para além disso, e revelando ainda mais as dificuldades de conceitualização


quanto ao que tange a este aspecto, seria o fato de que, muito possivelmente, uma
pessoa saudável (para os nossos padrões) que vivesse em uma sociedade doentia
(também para nossas concepções), seria considerada como anormal (Furham, 2015, p.
10). Diante do exposto, resta inferir que as definições de normalidade ou anormalidade
(loucura ou sanidade mental) possuam como características o serem: subjetivas,
culturais, normativas, clínicas e estatísticas, à medida que são construídas através de
relações humanas, tanto em níveis diário-comuns quanto em esferas científicas-
acadêmicas (Furham, 2015, p. 10).

Um outro ponto digno de nota é o fato da dificuldade que reside no fato de ser
por demais complexo para os profissionais, acima citados, compreenderem, em suma, o
que é vivenciado e/ou relatado pelo outro, devido a uma série de questões que fogem da
realidade dos fatos, isto é, o que é contato e observado pode sofrer influências
significativas de percepções e concepções pessoais/singulares (Canguilhem, 2009, p.
45).

Todavia, para alguns pensadores, não há, necessariamente, uma dicotomia ou


paralelismo entre o dito padrão normal e o patológico, isto é, estas não são situações
opostas em essência, mas ímpares em sua constituição. Além disso, não haveria
intenção explícita de reduzir ou enquadrar alguém em uma categoria marcada pela
doença, ou seja, os indivíduos não seriam sua característica elencada por terceiros (ou
por si mesmos), mas sim, em dadas circunstâncias, apresentariam determinado padrão
de ação, nos contextos diários da vida (Canguilhem, 2009, p. 45).

Estas ideias, entretanto, surgem a partir de uma construção social, visto que,
em determinadas circunstâncias espaço/temporais, há uma diferenciação na forma de se
encarar determinadas características de indivíduos específicos. Cita-se como exemplo o
contraste que se faz entre a doença que opera em nível somático e a que se manifesta em
esfera psíquica, isto é, geralmente, o dito enfermo no corpo não se destaca sobremaneira
sobre os demais nos contextos sociais (Canguilhem, 2009, p. 46). Isto implicaria dizer
que seria até comum pessoas sofrerem de determinados males, desde que na instância
corporal. Não haveria, portanto, fortes impactos psicossociais no que tange à
socialização, inclusão e aceitação destes sujeitos nos diversos setores da dada sociedade.
Questiona-se, contudo, se esta mesma ideia vigoraria para os que vivenciam patologias
mentais. Seriam tais indivíduos mais estigmatizados do que os outros? Assim, tem-se a
ideia de que, mesmo que não haja uma concepção clara de estereotipização do diferente,
isto operaria em realidade factual, ainda que os sujeitos inseridos nesta sociedade não se
deem conta disto (Furham, 2015, p. 9-10).

Ora, isto não implicaria dizer que as duas ideias supracitadas, respectivamente,
sejam as mesmas coisas. De fato, não há como os conceitos e percepções sobre as
patologias somáticas e psíquicas existirem em uma mesma instância linguística-
conceitual-vivencial. Infere-se, portanto, na afirmação (até óbvia) de que não há
possibilidade de serem encaradas da mesma maneira; entretanto, que tipo de
diferenciação tem sido construída, tanto pela sociedade de modo geral como pelos
profissionais (sobretudo da saúde), quanto ao que diz respeito a estas questões?
(Furham, 2015, p. 25-26).

As reproduções sociais e pessoais sobre o que seriam as doenças (psíquicas) e


como afetariam as vidas das pessoas, operariam, pois, em um sentido, quase metafísico,
de não ser (o que se espera ou se idealiza) e ser - em um compilado de características,
sinais e sintomas desagradáveis e indesejados, marcadamente limitantes e limitadores -
(Canguilhem, 2009, p. 47).

De acordo com o autor (Canguilhem, 2009, p. 73), o doente é doente por só


poder admitir uma norma do ser. Portanto, a doença não seria uma variação da
dimensão da saúde (uma saúde deteriorada, degradada ou empobrecida), mas uma nova
dimensão do ser. Portanto, todas as vezes que reduz-se alguém à uma característica,
manifesta-se uma anormalidade.

Para exemplificar o quanto se produz sinais patológicos na contemporaneidade,


pode-se pensar no próprio sofrimento como um sintoma social, à medida em que a
norma vigente prega a euforia e a felicidade a todo custo, sendo que a responsabilidade
se se obter sucesso ou fracasso nesta empreitada depende exclusivamente do indivíduo,
singularmente.

Portanto, ainda que a sociedade tenha chegado a um aparente ápice de


liberdade, ela continua submetida às ideologias opressoras. A diferença é que não há
mais ameaças de morte ou tortura, forçando as pessoas a serem felizes. Os próprios
sujeitos se submetem à uma prisão sem muros, sem ao menos se darem conta disto.
Portanto, tais pessoas não estão doentes por estarem tristes ou sofrendo; estão doentes
por não poderem enxergar nenhuma outra possibilidade de vida fora da felicidade.

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