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2.1.1 Introdução_________________________________________________
Fé e razão são fontes de autoridade sobre as quais as crenças se baseiam. A razão é
geralmente entendida como sendo baseada em uma análise metodológica, em algo que pode
ser demonstrado. Desde que algo possa ser demonstrado, sujeito a análise de um terceiro e
provado como verdadeiro, este passa então a ser tido como sendo autorizado pela razão.
Lógica e razão são diretamente ligadas, na medida em que é através de estruturas lógicas,
tidas como verdadeiras, que se estabelece a base sobre a qual a razão é provada e
demonstrada. Fé, por outro lado, envolve algo que, em princípio, não é prontamente
demonstrável através de algo reproduzivel em quaisquer condições e aceito como
verdadeiro por todos. Logo, a fé envolve uma atitude de concordância e crença por parte do
individuo, sendo, portanto, pessoal. A fé envolve, no final, um ato de desejo ou
concordância do agente. A fé religiosa envolve sempre uma referência, explícita ou
implícita, a uma fonte transcendental. A base da fé é sempre a autoridade da revelação. Esta
revelação, por sua vez, pode ser direta, através da experiência pessoal, ou indireta, através
do testemunho de um terceiro. A fé pode ser baseada em evidências de terceiros ou ser
apenas um sentimento pessoal. A definição bíblica de fé, coloca-a como sendo realmente
não-demonstrável por meios metodológicos. Em Hb 11.1 lemos: “Ora, a fé é a certeza das
coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem”. A convicção dos fatos que
se vêem seria, portanto, a razão.
Nosso primeiro assunto polêmico discutido está alicerçado na questão fé contra
razão, da qual surge o embate ciência contra religião, que já é o cerne da questão
criacionismo contra evolucionismo. Portanto, antes de estudarmos a questão criacionismo
contra evolucionismo, estudaremos a questão fé contra razão. Comecemos vendo a questão
como fé e razão podem ser vistas, prosseguiremos vendo como esta questão foi tratada
historicamente. Feita esta explanação, nos proporemos a responder a questões sobre fé e
razão, concluindo este tema e entrando no assunto em específico.
2.1.2.f – O Século XX
Tendo colocado o quadro histórico da questão fé e razão, vemos que esta é desde
sempre controvertida. Vemos também que de maneira alguma é consenso histórico que a fé
e a razão sejam opostas, como muitos querem fazer com que acreditemos hoje. De fato, fé e
razão caminharam de mãos dadas durante grande parte da história. Vemos que muitas das
descobertas científicas levaram a que a razão começasse a ser colocada contra a fé, numa
disputa que seria melhor conceituada como religião contra ciência. Vemos muitos dentro
das igrejas, mesmo importantes teólogos se sujeitarem a ideia incompatibilista, afirmando
que fé e ciência respondem a diferentes questões. É hora de nos determos e discutirmos a
questão.
Falamos anteriormente que Paulo escreveu sobre fé e razão. É chegada a hora de
analisarmos o que este tem a nos dizer.
O primeiro texto importante é Rm 1.20. Aqui Paulo afirma que os atributos de Deus
claramente se revelam desde o princípio do mundo através das coisas que foram criadas e
que os homens que não o reconhecem são indesculpáveis. Portanto, podemos deduzir que
neste texto Paulo defende uma forma de forte compatibilidade entre fé e razão, pois
defende que através da observação racional o homem pode chegar até a fé em Deus.
Uim segundo texto, que até parece contraditório com o primeiro, é 1 Co 1.23, onde
Paulo afirma que a pregação de Cristo é loucura para os gentios. Uma leitura mais atenta
verá porém que Paulo não está falando que o evangelho de Cristo seja irracional, mas
apenas que o é para os que não creram. Quando em seguida ele afirma que a loucura de
Deus é mais sábia que a dos homens, a ideia é de que a fé não é irracional, mas apenas que
os homens não tiveram sabedoria suficiente para entender que em Deus mora a razão.
Usaremos estes dois textos de Paulo como ponto de partida para nossa análise. Em
Romanos, Paulo está anunciando a revelação geral de Deus. A revelação geral,
manifestação de Deus através da natureza é uma das formas pela qual Deus se manifesta.
Em outra oportunidade fizemos um estudo sobre as manifestações de Deus. Agora não
detalharemos novamente todos os pontos, mas é interessante colocar uma explicação geral.
Deus se manifesta através da natureza, através das Escrituras (revelação especial), através
das pessoas e através do relacionamento pessoal com o homem. Todas estas formas de
manifestação são formas importantes e convergem na pessoa de Jesus; pois ele se fez
carne/matéria (revelação através da natureza), ele é o ponto central das Escrituras
(revelação através da Bíblia), ele se fez homem e viveu entre nós (revelação através dos
homens) e se relaciona conosco de forma pessoal (revelação pessoal). Se todas estas
manifestações são formas genuinas de Deus se manifestar, não podemos pensar que as
manifestações se contradigam. Este é o primeiro ponto.
O segundo texto mostra Paulo falando que o evangelho de Cristo é loucura para os
gentios. O argumento deste trecho é de que para os que não foram chamados a fé parece
algo totalmente irracional. Chamemos outros textos em nosso auxílio. Primeiramente Is
59.2, que diz que os pecados fazem separação entre Deus e o homem. Jesus diz que ele é a
Verdade (Jo 14.6) e que se conheceremos a Verdade ela nos libertará (Jo 8.32). Além disso
Ele afirmou em Mt 11.27 que ninguém conhece o Filho e o Pai a não ser aquele a quem ele
deseja revelar. A ligação entre os textos é clara. Os pecados do homem impedem que ele
conheça totalmente a verdade e impedem que receba a total manifestação de Deus em suas
vidas. Assim, longe de Deus a natureza aguarda a reconciliação dos filhos de Deus (Rm
8.19) e o homem não pode dominá-la e compreende-la (Gn 3.17-18); os relacionamentos
com os outros homens são influenciados e maus muitas vezes. E acima disto, os pecados
nos afastam do conhecimento correto da Palavra de Deus e do relacionamento pessoal com
Ele. Portanto, embora todos homens possam ter conhecimento e relacionamento com
natureza, semelhantes, Palavra e Deus este será sempre imperfeito, e somente pela vontade
de Deus este conhecimento se revelará totalmente. Este é o segundo ponto.
Com estes dois pontos em mente defendemos o ponto de vista da forte
compatibilidade entre fé e razão, mas com um acréscimo importante neste modelo.
Fé e razão são no fim duas faces de uma mesma coisa. Através da fé e da razão
tomamos conhecimento do mundo que nos cerca. Através de nossos sentidos nos
comunicamos com o mundo que nos cerca e nos relacionamos com natureza, outras pessoas
e com Deus, e aprendemos da sua Palavra. Este relacionamento nos traz conhecimento da
verdade (e também da mentira, pois o pecado permeia nossos relacionamentos quando
estamos longe de Deus) e este conhecimento entra em nossas mentes através da razão e da
fé. Talvez seja estranho para alguns pensar que fé e razão sirvam para um mesmo
propósito, mas a prática nos mostra que isto ocorre. Quando estamos na escola, por
exemplo, aprendemos muitas coisas sem ter nenhuma prova empírica ou sem compreender
a prova empírica fornecida. Nestes casos diz-se que estamos aprendendo “pela fé”.
Assimilamos algo, embora talvez não o compreendamos totalmente. Da mesma maneira,
aqueles que possuem fé estão convecidos racionalmente que ali reside a verdade. Fé e
razão, portanto, são formas como o homem aceita um fato. E muitas vezes para que
aceitamos algo é necessário fé e razão. Neste sentido, fé e razão são complementares.
Se fé e razão são as duas formas pelas quais nos convencemos da verdade que nos
rodeia, religião e ciência são o conjunto de verdades que foram compreendidas. Portanto, fé
e razão, ciência e religião respondem todas a mesma pergunta: o que é a Verdade? O
enfoque é diferente, a forma é diferente? Sim. Mas a Verdade é uma só. Portanto, fé e razão
não podem se contradizer, ciência e religão também não.
Alguns prontamente diriam que existem diversas religiões e diversas teorias
cientificas. Sim. Mas isso só ocorre por um motivo. O pecado que afasta o homem da
verdade. Portanto, enquanto o homem está em pecado ele é incapaz de conhecer a verdade
totalmente. Assim, distorções na ciência e religião ocorrem. Por isso surge a falsa religião e
a falsa ciência.
Dentro deste ponto de vista, ciência e religião nunca são contraditórias. Se no nosso
relacionamento com Deus e com a natureza encontramos algo que seja contraditório, em
algum ponto estamos errados. Ou na nossa interpretação da Palavra de Deus ou na
interpretação da natureza. Como saber quando estamos errados em cada ponto? Somente
através da análise comprometida de todas as verdades que conhecemos. E isto envolve a fé
e a razão.
Portanto, através da razão e do estudo da natureza é possível conhecer a Deus, pois
é exatamente isto que Rm 1.20 afirma. Como é que ninguém consegue chegar a Jesus
apenas pela razão e estudo da natureza? Pois é necessário que primeiro sejam tirados os
pecados, nos quais nascemos todos, e isto só ocorre pela graça e através de Jesus. Portanto,
Jesus só revela a Verdade aqueles a quem o Pai deseja que sejam reveladas, aqueles que
para isto foram predestinados. E onde fica o conhecimento da natureza, empírico e
científico? Ele é resultado da capacidade de fé e razão, do intelecto do homem, que vem
também de Deus. O homem pode descobrir na natureza algo que mude a verdade na Bíblia?
Não, de maneira nenhuma. Pode descobrir algo que mude a forma como interpretamos
detalhes do texto bíblico? Sim. Mas isto só ocorre pois o primeiro homem que leu a Palavra
era ele também pecador, e isto o impediu de compreender totalmente o texto, levando-o ao
erro. Então a ciência é uma forma de vencer os pecados, pois traz mais conhecimentos?
Sim e não. Sim, pois o conhecimento da natureza é no fim conhecimento de Deus, que a
criou. Não, pois o verdadeiro conhecimento de Deus está no relacionamento pessoal com
Ele, que só se dá através da salvação em Cristo Jesus. O verdadeiro conhecimento é o auge
do relacionamento, e saber se os animais evoluíram ou foram criados em sua forma atual,
nada é diante do Evangelho de Cristo, morto e ressuscitado. Portanto, embora a ciência
jogue luz sobre muitas coisas e apenas através do relacionamento com Deus que
compreendemos a Verdade mais importante. E esta Verdade está nos pontos centrais do
Evangelismo: o Cristo, a salvação, a fé que um dia com Ele estaremos. Fé e razão se juntam
no coração daquele que recebeu aquele que é a Verdade.
O cristão deve buscar crescer no seu relacionamento com Deus. Isto envolve todas
as formas de relacionamento e toda busca pela verdade. Portanto, ser cristão é zelar pelo
conhecimento e não pelo obscurantismo. Quem ainda tem dúvida disto, leia Cl 2.2-3, onde
nos é dito que em Cristo residem todos, vejam bem todos, tesouros da sabedoria e do
conhecimento (ou da ciência).
Por fim, fé e razão são formas próximas e até certo ponto desconhecidas pela qual o
homem processa informação que recebe do meio em que vive. A vida de fé é uma busca de
relacionamento e crescimento diário. A vida racional é a busca diária pelo conhecimento
que nos rodeia.
Buscar a verdade em todos os lugares e crescer no conhecimento e sabedoria de
Cristo. Eis um objetivo a ser buscado pelo cristão.
Tendo afirmado nosso ponto de vista sobre como fé e razão, religião e ciência
devem se relacionar, é hora de entrarmos em nosso primeiro assunto polêmico:
criacionismo e evolucionismo.