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Bioquímica e Fisiologia da Nutrição

Brasília-DF.
Elaboração

Carolina Biz Rodrigues Silva

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação................................................................................................................................... 5

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa...................................................................... 6

Introdução...................................................................................................................................... 8

Unidade i
INTRODUÇÃO AO METABOLISMO.......................................................................................................... 9

Capítulo 1
Princípios de bioenergética, moléculas e reações metabólicas................................... 9

Unidade iI
Metabolismo de carboidratos...................................................................................................... 19

CAPÍTULO 1
Digestão, absorção e transporte.................................................................................... 19

CAPÍTULO 2
Processos de carboidratos............................................................................................. 22

CAPÍTULO 3
Patologias relacionadas com a alteração do metabolismo
dos carboidratos............................................................................................................. 26

Unidade iI
Metabolismo de lipídios.................................................................................................................. 28

CAPÍTULO 1
Digestão, absorção e transporte.................................................................................... 28

CAPÍTULO 2
Lipoproteínas plasmáticas (quilomícrons, VLDL, LDL, HDL).............................................. 32

CAPÍTULO 3
Biossíntese de lipídios......................................................................................................... 35

CAPÍTULO 4
Oxidação de ácidos graxos: formação e utilização de corpos cetônicos........... 42

CAPÍTULO 5
Patologias relacionadas com a alteração do metabolismo dos lipídios................. 47
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO METABOLISMO

Unidade iV
Metabolismo de aminoácidos e proteínas................................................................................... 52

CAPÍTULO 1
Digestão, absorção e transporte.................................................................................... 52

CAPÍTULO 2
Biossíntese de aminoácidos e moléculas derivadas de aminoácidos......................... 56

CAPÍTULO 3
Vias de degradação de aminoácidos. Excreção de nitrogênio e ciclo da ureia.... 59

CAPÍTULO 4
Patologias relacionadas com a alteração do metabolismo dos aminoácidos e
proteínas............................................................................................................................ 62

Unidade V
Integração metabólica................................................................................................................. 64

CAPÍTULO 1
Especificidade do metabolismo tecidual em situações de absorção, pós-absorção
e jejum................................................................................................................................ 64

Para (não) finalizar....................................................................................................................... 70

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 71

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Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para não finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Tanto o estilo de vida quanto os fatores culturais ou geográficos e a posição socioeconômica de
determinada região influem na escolha e na elaboração de uma região, portanto, no estado
nutricional daquela população em estudo. Atualmente, a pressão social, a vida moderna e os meios
de comunicação têm alterado de modo significativo as características da alimentação da população
mundial, uma vez que muitas pessoas se veem obrigadas a se alimentar fora de casa e, nem sempre,
satisfatoriamente.

A má nutrição ou desnutrição está relacionada com a dieta. Ainda que os alimentos sejam suficientes
em quantidade, podem não estar devidamente equilibrados em nutrientes. Assim, pode haver excesso
de calorias com deficiência proteica, vitamínica e de minerais. Nesse contexto é o entendimento da
Bioquímica e da Fisiologia da Nutrição, isto é, dos nutrientes que fornecem energia ao homem; as
transformações desses constituintes em nosso organismo são necessárias para a prática profissional.

Cabe a nós, profissionais da saúde, a escolha mais criteriosa de alimentos, assim como a divulgação
na comunidade do papel da nutrição na promoção da saúde, a fim de que se previnam doenças e se
mantenha a qualidade de vida das pessoas. Estudar a função bioquímica e fisiológica de cada um
dos nutrientes dos alimentos, desde a ingestão até sua excreção, contribui para a escolha correta do
alimento de acordo com as condições culturais, sociais e econômicas de dada população.

O presente caderno de estudos foi desenvolvido com o objetivo de enriquecer seus conhecimentos
relativos aos princípios de bioquímica de macronutrientes, bem como sobre os processos de interação
metabólica. Cada capítulo representa um convite à reflexão de diferentes aspectos relacionados
à digestão, à absorção e ao metabolismo de macronutrientes e suas complexidades, sendo de
fundamental importância lembrar que a busca e aprimoramento de conhecimento não termina
ao final da leitura destas paginas. Ao contrário, nosso objetivo é orientá-lo de forma abrangente e
despertar o espirito crítico associado ao interesse pelo aprofundamento dos conhecimentos relativos
às questões aqui apresentadas.

Objetivos
»» Apresentar os principais conceitos relativos ao metabolismo de macronutrientes
(carboidratos, proteínas e lipídios).

»» Abordar processos metabólicos em determinadas situações fisiológicas e patológicas.

»» Apresentar a inter-relação entre o metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas.

»» Ampliar a compreensão da especificidade do metabolismo em situações de absorção


e pós-absorção, bem como da sua regulação.

»» Analisar os mecanismos de funcionamento dos sistemas orgânicos, tendo visão da


importância de cada um deles e do funcionamento integrado do organismo.

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INTRODUÇÃO AO Unidade i
METABOLISMO

Capítulo 1
Princípios de bioenergética, moléculas
e reações metabólicas

Se você só viver 65 anos ou mais, consumirá mais de 70 mil refeições e o seu notável
corpo terá utilizado 50 toneladas de alimento. Os alimentos que você escolhe tem
efeitos acumulativos sobre seu corpo. Aos 65 anos de idade, você verá e sentirá esses
efeitos, se souber o que procurar. Seu corpo renova suas estruturas continuamente e
a cada dia constrói um pouco de músculo, osso, pele e sangue, substituindo tecidos
velhos por novos. Acrescente também um pouco de gordura, se você consumir
energia alimentar em excesso, ou subtraia um pouco, no caso de consumir menos do
que precisa. Desse modo, o alimento que você ingere hoje, torna-se parte de “você”
amanhã. O melhor alimento, então, é o do tipo que dá suporte ao crescimento e à
manutenção de músculos fortes, ossos firmes, pele sadia e sangue suficiente para
limpar e nutrir todas as partes do seu corpo. Isso significa que você necessita de
alimentos que não somente forneçam energia, mas, também, nutrientes suficientes,
ou seja, quantidades suficientes de água, carboidratos, gordura, proteínas,
vitaminas e sais minerais. E se os alimentos ingeridos fornecem muito pouco, ou
demais, de um ou mais nutrientes todos os dias durante anos, então, quando você
estiver velho, pode vir a sofrer seus efeitos, manifestados em uma doença grave.
A questão é que uma variedade bem escolhida de alimentos supre a energia e a
quantidade necessária de cada nutriente para prevenir má nutrição. Má nutrição
inclui deficiências, desequilíbrios e excessos de nutrientes e qualquer um deles pode
cobrar um tributo da saúde ao longo do tempo. Portanto, é necessário compreender
a fisiologia humana relacionando os sistemas biológicos com a nutrição.

Introdução
Uma das características dos seres vivos é a permanente modificação que eles fazem em virtude de
modificações do meio externo, pelo desenvolvimento de uma função em determinado tempo que é
distinto para outro tempo equivalente. Essa variação funcional, como a própria função, precisa de
energia. Isso porque toda função, em si, é um processo de liberação de energia.

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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO METABOLISMO

Quando se analisam as manifestações energéticas de um organismo vivo, observa-se que podem ser
resumidas em quatro tipos principais e básicos:

»» Energia mecânica, ou seja, a energia é liberada na execução de um fenômeno físico


de natureza mecânica, como um movimento, uma postura, a movimentação ciliar,
ou o deslocamento de um leucócito.

»» Energia química é o processo pelo qual o organismo forma ou sintetiza corpos


químicos, seja com fins estruturais ou pela formação de secreções, internas ou
externas, ou por simples transformações.

»» Energia elétrica é o processo pelo qual a energia que se libera se expressa como
potenciais elétricos gerados, isto é, como potencial de repouso, potencial de ação,
potencial gerador pós-sináptico.

»» Energia térmica é a energia, nesse caso, liberada em forma de calor, que pode ser
dissipado ou estocado, determinando pela temperatura corporal.

Como o organismo vivo está permanentemente liberando energia, sob diferentes formas, e, mais
ainda, está continuamente modificando suas atividades físicas ou psíquicas, é preciso manter
equilíbrio dinâmico entre as entradas de energia (alimentos) e as saídas de energia (transformações
energéticas). Requer-se, então, um estrito steady-state energético.

Podem-se estabelecer duas condições em que há regimes estacionários (steady-state) diferentes.


Uma condição é aquela considerada mínima para manter a vida, e outra é aquela adequada para uma
sobrecarga energética. A primeira é considerada situação basal e sua necessidade é o metabolismo
basal; a segunda, é uma situação de sobrecarga e sua necessidade será variável, de acordo com a
magnitude da sobrecarga energética produzida.

O organismo está precisando constantemente do fornecimento de energia que possa utilizar de


acordo com seus programas funcionais. O aporte energético é exclusivamente químico, de modo
que os compostos que contêm energia química, que pode ser liberada e, logo após, utilizada ou
transformada, são chamados alimentos; mais especificamente, são os nutrientes dos alimentos.
Esses nutrientes são proteínas, carboidratos, lipídios, vitaminas, sais minerais, água e fibras, além
das substâncias como pigmentos, fotoquímicos e antioxidantes. Os únicos nutrientes capazes de
fornecer energia ao homem são os carboidratos, os lipídios e as proteínas. Por isso são chamados
de nutrientes energéticos. Os carboidratos e os lipídios são essencialmente energéticos, enquanto
as proteínas desempenham papel mais importante na síntese de novos tecidos, sendo conhecidas
como elementos construtores.

Os nutrientes, depois de serem liberados e absorvidos no trato gastrintestinal, são incorporados


ao chamado pool energético disponível, que é a quantidade total de energia química que pode
ser utilizada de imediato, e transformada em outros tipos de energia. De fato, a energia química
disponível é representada pelo Ácido Adenosina-Trifosfórico (ATP) de todos os tecidos em geral e
pela fosfocreatinina do músculo.

Desse modo, após o processo digestivo, a energia química é estocada nos reservatórios energéticos,
mas só quando a utilização de energia química for menor que o aporte energético da dieta.

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INTRODUÇÃO AO METABOLISMO │ UNIDADE I

Consideram-se como reservatórios de energia aqueles tecidos que têm a capacidade de armazenar
compostos químicos que contêm energia, e que podem liberá-la de acordo com os requerimentos
energéticos. Existem três reservatórios principais; o primeiro é o glicogênio hepático e muscular, e,
em grau menor em outros tecidos. O glicogênio é formado velozmente, como também é removido
rapidamente, mas, sendo um produto hidrossolúvel, requer grande volume aquoso, motivo pelo
qual a magnitude do reservatório de glicogênio é restrita, embora sua utilização seja imediata, de
acordo com as necessidades.

O segundo reservatório é representado pelas gorduras, basicamente pelos triglicérides do tecido


adiposo e de outros tecidos que os contêm, mas em percentagem baixa. Os lipídios são formados,
como também degradados mais lentamente que o glicogênio, mas apresenta uma característica
muito conveniente: pelo fato de as gorduras serem insolúveis em água, elas podem ser depositadas
sem precisar do solvente aquoso, isto é, o volume de depósito pode ser menor que o glicogênio. Além
disso, o seu valor calórico é elevado. O terceiro reservatório é constituído pelas proteínas teciduais
e plasmaproteínas, cujo turnover é bem mais lento que os dos reservatórios já mencionados. Por
outro lado, como se trata de produtos químicos que fazem parte da estrutura dos tecidos, sua
utilização representa a remoção dos próprios tecidos. Por essas razões, as proteínas representam
um reservatório energético que é utilizado só em condições extremas.

Apesar de termos uma gama de recomendações estabelecidas por diversas organizações de


saúde para melhorar a dieta e aumentar a atividade física, a prevalência da obesidade aumentou
dramaticamente nos EUA nas duas últimas décadas. O aumento do peso nos EUA gerou uma
indústria de perda de peso de bilhões de dólares, com a propaganda de livros sobre dieta, programas
de exercício físico e suplementos que oferecem soluções rápidas para aumentar o metabolismo e
derreter a gordura.

Dada a confusão, falta de informação e busca da “pílula mágica” que caracteriza a indústria de
perda de peso nos EUA, é particularmente importante que os profissionais de saúde reavaliem os
princípios científicos da regulação do peso corporal.

Conceitos básicos em bioenergética


Uma breve revisão de princípios bioenergéticos fornecerá a base para a compreensão de muitos
problemas no controle de perda de peso. Os seres humanos precisam de energia para realizar o
trabalho biológico, tais como a contração muscular, a biossíntese de glicogênio e proteína, transporte
de íons e moléculas contra o gradiente de concentração etc. A “moeda” primária de energia necessária
para tal trabalho é encontrada nas ligações químicas da molécula de adenosina trifosfato (ATP).

Essa energia é liberada pela quebra de ATP em adenosina difosfato (ADP) e fosfato inorgânico
(Pi). A maioria do nosso requerimento diário de ATP é atendida pela sintetização de ATP a partir
do ADP e de Pi na mitocôndria das células, sendo a energia necessária para este processo oferecida
indiretamente pela oxidação de macronutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas). A Figura
1 mostra que quando uma molécula de glicose sofre a oxidação para transformar-se em CO2 e
H2O, temos a oferta de energia para a síntese de ATP. A energia liberada pela quebra do ATP

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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO METABOLISMO

é então usada para o trabalho biológico. Observe que apenas uma porção da energia liberada a
partir da oxidação de glicose é conservada na molécula recém-sintetizada de ATP. Na realidade,
mais que metade da energia presente dentro da molécula de glicose é perdida como calor, um
fenômeno descrito pela segunda lei da termodinâmica, que dita que as reações químicas não são
necessariamente eficientes. Se a proporção de energia obtida a partir da glicose conservada como
ATP diminuísse e a produção de calor aumentasse, o processo seria menos eficiente do ponto de
vista energético que o normal.

Figura 1. Produção biológica de energia.

A oxidação completa de uma molécula de glicose resulta na energia necessária para a síntese de
ATP, que por sua vez oferece energia para o trabalho celular. Nesse processo, mais energia é perdida
como calor do que conservada como moléculas de ATP.

A determinação de energia disponível nos alimentos é baseada na sua combustão em um calorímetro


de bomba. A energia não é captada como ATP, mas, sim, convertida em calor; daí o uso da quilocaloria
(unidade de energia calorimétrica) para quantificar a energia disponível nos alimentos. A correção
dos dados da bomba calorimétrica para avaliar como o organismo consegue usar cada um dos
macronutrientes resulta em valores de energia metabolizáveis iguais a 4 kcal/g para carboidratos e
proteínas e de 9 kcal/g para gorduras. Bebidas alcoólicas (etanol) fornecem 7 kcal/g.

Balanço energético
A primeira lei da termodinâmica declara que a energia não é criada nem destruída, mas, sim, que se
transforma de uma forma para outra. Como a energia ingerida e a gasta devem ser contabilizadas,
essa lei serve como base para a equação do balanço energético. Colocado de maneira simples,
o excesso da ingestão energética comparada ao gasto promoverá o armazenamento da energia
corporal; por outro lado, o déficit da ingestão energética comparado ao gasto promoverá a perda dos
estoques de energia do organismo. O número de fatores que regulam a ingestão e gasto de energia
em seres humanos é grande e complexo. Com relação à ingestão, o hipotálamo integra os sinais
relacionados ao trato gastrintestinal, os sinais com origem no metabolismo de macronutrientes
(principalmente no fígado) e os sinais químicos do sistema nervoso central e do periférico que
são anabólicos (estímulo da fome, ex., neuropeptídeo Y) ou catabólicos (supressão da fome; ex.:
leptina) para determinar os fatores biológicos que estimulam ou não a ingestão de alimentos.
Além disso, esses sinais “biológicos” são associados a fatores psicossociais (ex.: cultura), fatores
comportamentais (ex.: ingestão de salgadinhos durante os comerciais da televisão) e fatores
ambientais (ex.: tamanho das porções, qualidades sensoriais dos alimentos). O comportamento

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INTRODUÇÃO AO METABOLISMO │ UNIDADE I

resultante não é o mero resultado do aumento ou redução do impulso biológico para comer, mas é
derivado da complexa integração de muitos fatores internos e externos. O gasto energético diário
total também é determinado por diversos fatores, como mostra a Figura 2.

Figura 2. Componentes do gasto energético diário total em um indivíduo que pratica exercícios.

Para indivíduos sedentários e moderadamente ativos, o gasto energético de repouso é, sem dúvida,
o principal componente. Seu principal determinante é o tamanho corporal, principalmente a
massa magra, incluindo os órgãos internos e o músculo esquelético. A contribuição da gordura
corporal para o gasto energético de repouso é muito menor, mas aumenta com o aumento da
massa de gordura.

O efeito termodinâmico dos alimentos representa o aumento no gasto energético relacionado à


digestão, à absorção e à assimilação de macronutrientes (termogênese obrigatória) assim como
gasto energético adicional resultante da atividade aumentada do sistema nervoso simpático. O
gasto energético da atividade física é responsável pelo restante do gasto calórico diário e inclui tanto
a termogênese de exercícios como a de atividades não físicas. Entre atividades não físicas temos a
manutenção da postura, as atividades de vida diária e demais movimentos. A quantidade de energia
gasta na atividade física é controlada em grande parte de forma voluntária e varia consideravelmente
entre indivíduos e até para o mesmo indivíduo em dias diferentes.

A equação do balanço energético costuma ser usado no aconselhamento para perda de peso para
prever a magnitude das perdas de gordura corporal em resposta à redução da ingestão energética
e/ou aumento do gasto energético relacionado à atividade física. Por exemplo, um indivíduo
com sobrepeso pode ser aconselhado a ter um déficit diário de 500 kcal, reduzindo a ingestão de
alimentos específicos da dieta.

Como 250 g de gordura equivalem a aproximadamente 3.500 kcal, pode-se prever que uma
pessoa teria um déficit semanal de 3.500 kcal (500 kcal/dia x 7 dias/semana), o que promoveria
a perda total de gordura corporal de mais de 25 kg por ano. Entretanto, como será discutido,
essas previsões são vagas, na melhor das hipóteses, demasiadamente simplistas e cometem um
erro ao não considerar o organismo como um sistema dinâmico, capaz de passar por importantes
ajustes metabólicos e comportamentais no gasto energético em resposta a mudanças na
ingestão energética.

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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO METABOLISMO

Figura 3. Balanço energético e termodinâmica biológica.

Esta figura apresenta uma visão geral simplificada do balanço energético. A energia disponível para
o organismo é denominada energia metabolizável, e reflete a ingestão bruta de energia menos as
perdas fecais e urinárias. Tanto a ingestão bruta quanto a ingestão calórica metabólica correspondente
sofrem o efeito de uma série de fatores, inclusive ambientais, efeitos específicos dos macronutrientes
na saciedade, densidade energética e qualidades hedônicas (sensoriais) dos alimentos. Além disso, os
sinais biológicos da fome/saciedade interagem com fatores ambientais e nutrientes específicos que
contribuem para a ingestão energética bruta. Uma vez que a energia metabolizável é disponível no
organismo, há muitas reações metabólicas que consomem o ATP. Mais ainda, há diversos processos
que contribuem para a termogênese “adaptativa” ou “flexível” (substrato ou ciclos sem propósito,
extravasamento de íons etc.). É importante observar que o metabolismo humano e a respectiva
regulação do balanço energético seguem tanto a primeira quanto a segunda lei da termodinâmica;
nenhuma energia metabolizável é “perdida”. Toda energia que não for armazenada nem usada como
ATP é responsável pela dissipação de calor. Praticamente, todas as reações de transferência de
energia que ocorrem no metabolismo humano são “ineficientes” (ou seja, nem toda energia potencial
é “captada” como ATP), de acordo com a segunda lei. Diferenças interindividuais na “eficiência” da
transferência e armazenamento de energia não representam violações das leis da termodinâmica,
elas correm devido às diferenças na termogênese adaptativa, o custo energético das interconversões
metabólicas entre os macronutrientes e outros processos de “desperdício energético”, tais como
ineficiências motoras/mecânicas, termogênese de atividades que não sejam a atividade física etc.

Reações químicas: armazenamento e


transferência de energia na célula
A existência de reações químicas é fundamental para o metabolismo celular, pois permite
a transferência de energia livre de um substrato químico para outro. A transferência de energia

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INTRODUÇÃO AO METABOLISMO │ UNIDADE I

é feita a partir de substratos energéticos mais complexos, com maior conteúdo de energia livre
(carboidratos, lipídeos e proteínas), por meio de várias etapas (vias metabólicas contendo várias
reações químicas em cadeia) para diferentes substratos com menor energia livre. Nesse caso, dizemos
que os substratos de menor energia livre foram energizados, ou seja, o conteúdo de energia livre foi
aumentado à custa da desorganização de um substrato mais complexo. Em cada transferência, parte
da energia é perdida na forma de calor e parte é conservada nas ligações químicas dos produtos,
ou entregue em algum local específico da célula para reconstituir a moeda energética, o ATP
(substrato de maior conteúdo de energia livre), a partir da ligação do Pi ao ADP (substrato de menor
conteúdo de energia livre), para finalmente ser utilizado como combustível para realizar algum
trabalho biológico (entrada e hidrólise da molécula de ATP na cabeça da miosina para provocar o
deslizamento dos filamentos finos sobre os grossos no processo de contração).

Considerando o papel central das reações químicas no metabolismo celular, vamos estender a
discussão sobre elas.

Definição: uma reação química é um processo que permite a transformação de uma ou mais formas
químicas (moléculas dos reagentes) em outras (moléculas dos produtos). A reação química depende
da colisão com orientação correta entre as moléculas dos reagentes, transformando-as em produtos.

Energia de ativação: só serão capazes de realizar uma colisão, as moléculas dos reagentes que
tiverem energia livre igual ou superior à energia de ativação característica da reação (barreira de
ativação), ou seja, as moléculas que alcançarem o estado excitado característico de cada reação
química. Apenas as moléculas de reagentes com energia superior à energia de ativação terão a
capacidade de colidir para formarem o produto. Assim, o tamanho da barreira de ativação determina
a velocidade da reação química. Quanto maior a barreira de ativação de uma reação química, menor
será a sua velocidade.

Armazenamento de energia: nas ligações químicas que compõem as várias moléculas


biológicas, por exemplo, glicogênio, ácido palmítico, ácido láctico, gordura etc.

Ligações de alta energia: são as ligações químicas do organismo que, ao serem quebradas,
liberam quantidade elevada de energia livre. Exemplo: ligação do grupo fosfato (Pi) na molécula de
creatina, formando o fosfato de creatina.

Principais reações químicas do metabolismo: entre as diversas reações que ocorrem no


organismo, destacamos dois acoplamentos:

»» reação de fosforilação/desfosforilação: envolve a transferência de grupo fosfato


inorgânico (Pi ou PO42-) entre dois substratos quaisquer. Geralmente, são
catalisadas por enzimas denominadas cinases. Assim, a transferência de energia
livre é feita por meio do grupo fosfato (o elemento em comum das duas reações);

»» reações de oxirredução: envolvem a transferência de elétrons entre dois substratos.


Assim, o substrato que sofre redução ou ganho de um par de elétrons representa
a reação endergônica do acoplamento, enquanto o substrato que doou o par de
elétrons sofre oxidação e é a reação exergônica do acoplamento. O elemento em
comum nesse caso é o par de elétrons.

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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO METABOLISMO

Na Biologia é muito importante também a velocidade com que as reações químicas ocorrem de
modo a permitir a adaptação do metabolismo às necessidades energéticas da célula. Estas se
alteram constantemente, dependendo do estado energético em que a célula se encontra. Apesar
de a bioenergética permitir identificar o sentido natural das reações químicas e o acoplamento
entre reações exergônicas e endergônicas, ela não permite dizer absolutamente nada a respeito
da velocidade das reações. De modo geral, todas as reações químicas presentes no organismo ou
nas células ocorrem com velocidade inferior àquela necessária para atender à demanda energética
celular. Daí, a necessidade de catalisadores biológicos, representadas pelas enzimas.

Definição: enzimas são catalisadores biológicos (proteínas) que regulam a velocidade das reações
químicas, sem interferir no mecanismo delas. São as principais controladoras das velocidades das
vias metabólicas.

Mecanismo: diminui a energia de ativação de uma reação química, aumentando, portanto, a sua
velocidade, sem interferir com o mecanismo dela.

Sítio de afinidade pelo substrato (chave-fechadura): toda enzima possui um sítio de ligação
ou reconhecimento do seu substrato. Uma enzima possui maior afinidade pelo substrato quanto
menor for o seu Km, isto é, quanto menor a constante de dissociação da enzima pelo substrato.
Este parâmetro representa a concentração de substrato na qual a velocidade de reação é igual à
metade da velocidade máxima. A velocidade da reação é proporcional à concentração de enzima
para qualquer concentração de substrato.

Sítio ativo ou catalítico: uma enzima contém uma região especializada em sua molécula, chamada
sítio ativo, o qual possui uma superfície tridimensional complementar ao substrato. Este sítio ativo
liga o substrato (portanto, contém o sítio de afinidade pelo substrato), formando o complexo enzima-
substrato (ES), que é convertido em complexo enzima-produto (EP), pelo processo de catálise,
que posteriormente se dissocia em enzima e produtos. As principais propriedades das enzimas:
especificidade, saturação, competição e alosteria.

Enzimas usuais no metabolismo:

»» quinases: acrescentam o grupo fosfato ao substrato, e, portanto são responsáveis


pelas reações de fosforilação.

»» fosfatases: removem grupos fosfatos dos substratos, e, portanto responsáveis pelas


reações de desfosforilação.

»» desidrogenases: removem hidrogênios (elétrons) do substrato, e, portanto,


responsáveis por reações de oxidação/redução.

»» ATP-ases: hidrolisam o ATP, transformando-o em ADP e fosfato inorgânico (Pi),


pela adição de uma molécula de água.

Os fatores que interferem na atividade enzimática: pH: -log[H+], parâmetro que mede a acidez de
uma solução, ou seja, a concentração de íons de hidrogênio livres na solução. As enzimas possuem um
pH ótimo, onde apresentam atividade máxima; e temperatura: as enzimas têm temperatura ótima,
onde a atividade é máxima, ou seja, a estrutura tridimensional correta para ligar-se ao substrato.

16
INTRODUÇÃO AO METABOLISMO │ UNIDADE I

Vias metabólicas
As características dos organismos vivos, sua organização complexa e sua capacidade de crescimento e
reprodução são resultantes de processos bioquímicos coordenados. O metabolismo é a soma de todas
as transformações químicas que ocorrem nos organismos vivos. São milhares de reações bioquímicas
catalisadas por enzimas. As funções básicas do metabolismo celular são: 1) obtenção e utilização de
energia; 2) síntese de moléculas estruturais e funcionais; 3) crescimento e desenvolvimento celular,
e 4) remoção de produtos de excreção. Conforme os princípios termodinâmicos, o metabolismo é
dividido em duas partes:

»» Anabolismo: são os processos biossintéticos a partir de moléculas precursoras


simples e pequenas. As vias anabólicas são processos endergônicos e redutivos que
necessitam de fornecimento de energia.

»» Catabolismo: são os processos de degradação das moléculas orgânicas nutrientes


e dos constituintes celulares que são convertidos em produtos mais simples com
a liberação de energia. As vias catabólicas são processos exergônicos e oxidativos.

Figura 4. Esquema do catabolismo e anabolismo.

O catabolismo ocorre em três estágios:

»» Primeiro estágio: as moléculas nutrientes complexas (proteínas, carboidratos


e lipídios não esteroides) são quebradas em unidades menores: aminoácidos,
monossacarídeos e ácidos graxos mais glicerol, respectivamente.

»» Segundo estágio: os produtos do primeiro estágio são transformados em


unidades simples como a acetil CoA (acetil coenzima A) que exerce papel central no
metabolismo.

»» Terceiro estágio: a acetil CoA é oxidada no ciclo do ácido cítrico a CO2 enquanto
as coenzimas NAD+ e FAD são reduzidas por quatro pares de elétrons para formar
três NADH e um FADH2. As coenzimas reduzidas transferem seus elétrons para o
O2 por meio da cadeia mitocondrial transportadora de elétrons, produzindo H2O e
ATP em um processo denominado fosforilação oxidativa.

A energia livre liberada nas reações catabólicas (exergônicas) é utilizada para realizar processos
anabólicos (endergônicos). O catabolismo e o anabolismo estão frequentemente acoplados por meio

17
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO METABOLISMO

do ATP (trifosfato de adenosina) e NADPH (nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato, forma


reduzida). O ATP é o doador de energia livre para os processos endergônicos. O NADPH é o principal
doador de elétrons nas biossínteses redutoras. A capacidade dos organismos vivos em regular os
processos metabólicos, apesar da variabilidade do meio interno e externo, é chamada homeostase.

Figura 5. Relação entre a produção de energia e a utilização de energia. ATP (trifosfato de adenosina), NADPH
(nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato, forma reduzida).

18
Metabolismo de Unidade iI
carboidratos

CAPÍTULO 1
Digestão, absorção e transporte

Introdução
Os carboidratos constituem a principal fonte de energia para o homem na maior parte das regiões
do mundo. Nas regiões menos desenvolvidas predomina o consumo de amido como alimento,
enquanto nos países mais industrializados há mais consumo de açúcar. Os carboidratos têm função
de reserva de energia, como o amido e o glicogênio; ou estrutural, como a celulose; ou de fonte de
energia, como a glicose. São encontrados nas folhas, no trigo e na batata, o carboidrato presente é o
amido, e em outros alimentos, como maçãs, laranjas e uvas está presente o açúcar.

Os carboidratos compreendem um grupo grande de compostos, todos eles contendo os elementos


químicos carbono, hidrogênio e oxigênio, podendo ainda existir em sua estrutura elementos como
enxofre, o fósforo e o nitrogênio. Sua representação química é (CH2O)n. Os carboidratos dividem-se
em três grupos principais: monossacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos.

Atualmente, são conhecidos aproximadamente 70 monossacarídeos, sendo 20 deles naturais, e o


restante, sintético. Dentre os naturais, os mais importantes são a glicose, a frutose, a galactose e
a manose. Os monossacarídeos são açúcares simples que não podem ser hidrolisados a unidades
menores. A glicose está amplamente distribuída na natureza, aparecendo em frutas, nos vegetais e
no mel. Constitui produto final da digestão da maltose, do amido, da dextrina e é um dos produtos
finais da digestão de sacarose e lactose.

Os oligossacarídeos são carboidratos que, mediante hidrólise, produzem de duas a 20 moléculas


de monossacarídeos. Entre eles, há a maltose, a sacarose, a lactose, a rafinose e a estaquinose. A
sacarose é encontrada principalmente na cana-de-açúcar e na beterraba; a lactose é encontrada no
leite; a maltose não é muito abundante na natureza, sendo obtida a partir da fermentação do amido,
e a rafinose é encontrada na beterraba.

Os polissacarídeos são formados pela combinação de um grande número de unidades de açúcares.


Os três polissacarídeos mais importantes na nutrição são: amido, glicogênio e celulose. O amido é
a principal forma de armazenamento de carboidrato no vegetal, tendo função nutritiva na planta.

19
UNIDADE II │ METABOLISMO DE CARBOIDRATOS

As dextrinas são produtos resultantes da degradação parcial do amido, formadas tanto no processo
de preparação de alimentos como, também, durante a digestão do amido. Se a hidrólise continua,
as dextrinas produzem maltose e, finalmente, glicose. A molécula do glicogênio é um polímero de
cadeia ramificada com 6.000 a 30.000 unidades de glicose. Sob hidrólise produz moléculas de
glicose. Tem função nutritiva nos animais.

A celulose é um polímero de cadeia reta constituída de unidades de glicose, não sendo absorvida
pelo organismo humano porque não há enzimas capazes de digeri-la. É absorvida pelos ruminantes
por ser degradada por bactérias. Para o homem, é importante para formar o bolo fecal. As melhores
fontes alimentares de celulose são as frutas secas, os cereais de grão integral, as castanhas e as
hortaliças frescas.

A principal função dos carboidratos consiste em fornecer energia para o organismo na forma de
glicose. Parte dessa glicose é usada para preencher as necessidades energéticas. Outra parte é
depositada na forma de glicogênio no fígado e nos músculos como reserva de energia, e o restante
é convertido em gordura e armazenada no tecido adiposo. Os carboidratos são necessários para
o metabolismo normal das gorduras, pois serão utilizados na oxidação energética, poupando as
gorduras para esse fim e diminuindo os riscos de produção de corpos cetônicos.

Certos carboidratos desempenham algumas funções específicas no organismo, como: a celulose,


que auxilia na eliminação do trato intestinal; a lactose, que facilita a absorção do cálcio e tem
ação laxativa por servir como fonte de fermentação de bactérias no intestino; a ribose, que é um
constituinte importante para a síntese de RNA; a desoxirribose que participa da síntese do DNA; o
ácido glicurônico, que combina com toxinas a fim de excretá-las.

Digestão, absorção e transporte


Os sistemas digestório e absortivo do corpo humano incluem o trato digestório e os órgãos acessórios
que fornecem os produtos químicos necessários para a sua ação e controle. Esses produtos químicos
incluem as enzimas sintetizadas pelas glândulas salivares, estômago, pâncreas e fígado, o ácido
gástrico que promove o pH adequado para a desnaturação de proteínas no estômago e o bicarbonato
de sódio que neutraliza o pH requerido para ação das enzimas do intestino delgado. Algumas enzimas
são secretadas na forma ativa, outros como zimogênios que são ativados no estômago ou no intestino
delgado. A secreção é estimulada pelos hormônios que circulam na corrente sanguínea ou por sinais
do encéfalo que são transmitidos por meio do nervo vago. Outra classe de produtos químicos, os sais
biliares, sintetizados pelo fígado, é necessário para transporte e absorção de nutrientes insolúveis.

As macromoléculas de carboidratos provenientes dos alimentos são degradadas especialmente em


glicose. Na boca, as secreções salivares contêm a enzima alfa-amilase salivar, que inicia a hidrólise
das moléculas de amido, quebrando parcialmente as longas cadeias polissacarídicas. A alfa-amilase
salivar hidrolisa as ligações internas alfa-1,4 do amido, gerando maltose, maltotriose e dextrina. No
estômago, a acidez estomacal inativa a alfa-amilase salivar. No intestino, a secreção de bicarbonato
de sódio neutraliza o quimo ácido proveniente do estômago e favorece a ação da alfa-amilase
pancreática que hidrolisa as ligações alfa-1,6 do amido. A liberação da alfa-amilase pancreática é

20
Metabolismo de carboidratos │ UNIDADE II

controlada pela influência da colecistoquinina (CCK) sobre o pâncreas exócrino. Ainda no intestino
delgado, os enterócitos sintetizam glicosidases (lactase, sacarase-isomaltase, maltase-glicoamilase)
que participam da digestão dos carboidratos.

Há uma proximidade muito grande entre as glicosidases e o sistema de transportadores. Este


último é composto por proteínas sintetizadas nos enterócitos de acordo com a disponibilidade de
monossacarídeos específicos. Durante a passagem da luz do intestino e para a corrente sanguínea,
os monossacarídeos devem atravessar duas membranas. A glicose atravessa a membrana apical do
enterócito por um tipo de transportador. Uma vez dentro do enterócito, a glicose passa pelo citosol e
sai pela da membrana basolateral por meio de um transportador diferente, e é transportada através
da veia portal para o fígado. Estes dois transportadores são chamados respectivamente de SGLT 1
(sodium glicose transporter 1) e GLUT-2. A glicose e a galactose compartilham um transportador
comum, o SGLT 1, responsável pelo transporte ativo desses monossacarídeos contra um gradiente
de concentração e consequente gasto de energia. A frutose é absorvida por transporte facilitado pelo
transportador GLUT 5 sem gasto de energia. O GLUT-5 ocorre na membrana apical do enterócito,
e também ocorre no músculo esquelético, adipócitos e células de esperma. Uma vez absorvida pelo
enterócito, a frutose desloca-se para a corrente sanguínea através do GLUT -2 (Figura 6).

Figura 6. Absorção de monossacarídeos.

Algumas pessoas portadoras de doença congênita não sintetizam glicosidases e não digerem os
respectivos carboidratos. A intolerância à lactose é uma condição permanente, que ocorre com o
avançar da idade, quando muitas crianças perdem a capacidade de digerir grandes quantidades
de lactose. A enzima lactase catalisa a hidrólise da lactose no lúmen do intestino. Geralmente, a
atividade da lactase intestinal ocorre em um nível máximo do nascimento até a primeira infância.
Em seguida, a atividade da lactase diminui e pode levar à intolerância à lactose, cujos sintomas
são diarreia e flatulência após o consumo de leite. O monossacarídeo galactose geralmente não é
encontrado na dieta, mas pode ser liberado a partir da lactose pelas enzimas bacterianas presentes
no iogurte. A hidrólise da lactose em glicose e galactose provavelmente não ocorre no iogurte,
mas no intestino humano após o seu consumo. Esta hidrólise pode explicar a menor incidência de
intolerância à lactose com o consumo de iogurte (derivados do leite) do que com o leite em si.

21
CAPÍTULO 2
Processos de carboidratos

Vários processos envolvem a utilização de glicose pelo organismo. Nos seres humanos, a glicose é
armazenada na forma de glicogênio, enquanto, nas plantas, a glicose é armazenada na forma de amido.
Glicólise é a oxidação da glicose para produção de energia. Glicogenólise é o catabolismo do glicogênio
para produção de glicose. Glicogênese é a síntese de glicogênio a partir de glicose. Gliconeogênese é a
síntese de glicogênio a partir de ácidos graxos e proteínas. A glicólise ocorre no citoplasma, à molécula
de glicose (6 carbonos) e oxidada (ou degradada) em duas moléculas de piruvato (3 carbonos/
cada) numa série de dez reações, na ausência de oxigênio (anaeróbico). Durante esse processo, duas
moléculas de NADH2 e duas moléculas de ATP são produzidas (Figura 7).

Figura 7. Representação esquemática da glicólise.

O piruvato formado pela glicólise pode seguir três rotas diferentes (Figura 8). Nos organismos
anaeróbicos, o piruvato pode ser transformado na ausência de oxigênio em etanol, como no caso das
leveduras, ou em lactato, como no caso das bactérias, das hemácias e do músculo. Na fermentação
alcoólica, a glicose é degradada anaerobicamente a etanol. Os produtos da fermentação alcoólica são:
álcool etílico, gás carbônico e energia. Na fermentação láctica, a glicose é degradada anaerobicamente
a lactato. Os produtos da fermentação lática são ácidos lácticos e energia. Etanol e lactato são os
produtos mais comuns obtidos por meio da fermentação, mas outros produtos também podem ser
obtidos como ácido acético, butírico e propiônico. Nos organismos aeróbicos, o piruvato e oxidado a
acetil-CoA, CO2 e H2O.

Figura 8. Os três destinos catabólicos possíveis do piruvato formado na glicólise. Princípios de bioquímica.

Fonte: Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.

22
Metabolismo de carboidratos │ UNIDADE II

Cada ácido pirúvico propicia o início de uma série de reações em fase aeróbica na mitocôndria da
célula conhecida como ciclo dos ácidos tricarboxílicos ou ciclo do ácido cítrico, ou ainda, ciclo de
Krebs, que gera grandes quantidades de NADH + H+, FADH2 e ATP. O ciclo de Krebs é uma via
anfibólica, ou seja, utilizada nos sentidos catabólico e anabólico (Figura 9). Ao final de uma volta
no ciclo de Krebs, uma molécula de glicose gera quatro moléculas de ATP: dois na glicólise e dois
no ciclo de Krebs. Quase todos os carbonos dos carboidratos e lipídios entram no ciclo de Krebs na
forma de uma unidade de dois carbonos. Outros nutrientes como o citrato e malato, podem entrar
no ciclo de Krebs intacto para a oxidação e degradação.

Figura 9. Representação esquemática do ciclo de Krebs.

Fonte: Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.

A cadeia transportadora de elétrons, cadeia respiratória ou fosforilação oxidativa é a convergência


final de todas as vias de degradação oxidativa. A oxidação dos mais variados combustíveis metabólicos
libera elétrons que são entregues pelas desidrogenases a transportadores específicos, reduzindo-os
(de NAD+ e FAD a NADH+ e FADH). Os elétrons são transferidos numa série de reações de óxido-
redução na membrana interna da mitocôndria. A cada passo, os elétrons caem para um estado
energético menor até serem transferidos ao oxigênio e formar água. Quando os elétrons de um
hidrogênio deixam uma molécula para serem captados por outra molécula, ocorre transferência de
energia. Os elétrons são transferidos a aceptores de hidrogênio chamados citocromos. Os citocromos
podem ser reduzidos (ao receberem elétrons) ou oxidados (ao doarem elétrons), com perda ou ganho
de energia acompanhado pela transferência de elétrons. O transporte de elétrons entre citocromos
leva à ligação de ADP e fosfato inorgânico (PI) para gerar ATP. O aceptor final de hidrogênio e
o oxigênio e quando o oxigênio recebe dois átomos de hidrogênio ocorre formação de agua. A
energia livre disponibilizada pelo fluxo de elétrons criado e acoplada ao transporte contracorrente
de prótons pela da membrana interna da mitocôndria (impermeável a estes prótons), conservando
parte desta energia como potencial eletroquímico transmembrana. O fluxo transmembrana dos
prótons “de volta”, a favor de seu gradiente de concentração através de poros proteicos específicos
fornece energia livre para a síntese de ATP.

A maioria dos elétrons removidos a partir de combustíveis durante o metabolismo energético e


transferida por meio de Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo (NAD). NAD coleta elétrons de

23
UNIDADE II │ METABOLISMO DE CARBOIDRATOS

muitos combustíveis energéticos diferentes em reações catalisadas por enzimas específicas. O NAD
reduzido, por sua vez, lança os elétrons para a cadeia respiratória. Flavina Adenina Desidrogenase
(FAD) também atua como transportador de elétrons. Em cada reação envolvendo NAD (ou FAD),
dois elétrons são transferidos, ou seja, dois elétrons são transportados ou lançados. NAD e FAD são
pequenas moléculas sintetizadas a partir da niacina e riboflavina, respectivamente. NAD, FAD e
citocromos fazem o transporte de hidrogênios liberados na glicólise e no ciclo de Krebs para a cadeia
respiratória. Os hidrogênios removidos são entregues ao oxigênio nas cristas da mitocôndria para
resultar em água e liberar energia na forma de ATP ou calor. Na cadeia respiratória são formados três
ATPs e o resto da energia liberada se dissipa na forma de calor. As ligações fosfato do ATP equivalem
a 8 kcal/mol. Na Figura 10 estão resumidos os processos metabólicos descritos anteriormente.

Figura 10. Representação esquemática do catabolismo de macronutrientes.

Fonte: Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.

Estágio 1: a oxidação de macronutrientes gera acetil-CoA. Estágio 2: a oxidação dos grupos acetil no
ciclo de Krebs inclui quatro etapas nas quais os elétrons são removidos. Estágio 3: os elétrons carreados
por NADH e FADH2 convergem para uma cadeia de transportadores de elétrons mitocondrial – a
cadeia respiratória – produzindo O2 e H2O. Esse fluxo de elétrons impele a produção de ATP.

24
Metabolismo de carboidratos │ UNIDADE II

Glicogênese: a glicose que não é imediatamente utilizada pelo organismo e removida do sangue e
armazenada no fígado e músculo esquelético na forma de glicogênio. Glicogênese é a conversão de
glicose em glicogênio por meio da polimerização de moléculas de glicose. A glicogênese é estimulada
pela insulina pancreática. O excesso de glicose que não pode ser armazenada como glicogênio é
convertido em ácidos graxos e armazenado no tecido adiposo.

Glicogenólise: quando o organismo necessita de energia extra, o glicogênio estocado no fígado


pode ser reconvertido em glicose é liberado no sangue. Esse processo ocorre sob o controle endócrino
do glucagon pancreático e da epinefrina da medula adrenal.

Gliconeogênese: é a produção de glicose a partir de fontes que não o carboidrato como o ácido
láctico, glicerol, e alguns aminoácidos. Ocorre essencialmente no fígado, mas, também, nas células
ósseas e córtex renal. Quando o nível de glicose está baixo e não há carboidrato prontamente
disponível, o hormônio glicocorticoide do córtex da adrenal desvia alguns aminoácidos para o
fígado onde eles são convertidos em glicose. A tiroxina também pode desviar lipídios do tecido
adiposo para o fígado onde estes são convertidos em glicose. O ácido láctico originado no músculo
esquelético também pode ser convertido em glicose no fígado. Quando há deficiência de glicose, o
corpo ajusta o seu metabolismo para fornecer corpos cetônicos, nutrientes derivados de lipídios, que
pode ser utilizado pelo encéfalo e outras partes do sistema nervoso central. No entanto, a produção
excessiva de corpos cetônicos pode resultar em acidose, uma diminuição do pH do sangue, que e
potencialmente tóxica.

25
CAPÍTULO 3
Patologias relacionadas com a
alteração do metabolismo
dos carboidratos
Alguns grupos populacionais apresentam carência de lactase na idade adulta. A deficiência dessa
enzima impede a hidrólise da lactose que se acumula no lúmen intestinal. A grande pressão
osmótica exercida pela lactose não absorvida promove um influxo de água para o intestino. A
lactose degradada pela ação bacteriana, forma vários ácidos com a liberação de dióxido de carbono.
A combinação desses efeitos provoca distensão abdominal, cólicas, náusea e diarreia. Essa condição
é conhecida como intolerância à lactose.

O diabete melito (DM) é uma síndrome de etiologia múltipla, decorrente da falta de insulina e/ou da
incapacidade da insulina de exercer adequadamente seus efeitos. Caracteriza-se por hiperglicemia
crônica com distúrbios do metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas. Pacientes portadores
de episódios hiperglicêmicos, quando não tratados, desenvolvem cetoacidose ou coma hiperosmolar.
Com o progresso da doença aumenta o risco de desenvolver complicações crônicas, tais como:
retinopatia, angiopatia, doença renal, neuropatia, proteinúria, infecção, hiperlipemia e doença
aterosclerótica. Diabetes melito tipo 1 (imuno-mediado). Resulta primariamente da destruição das
células pancreáticas e tem tendência à cetoacidose. Inclui casos decorrentes de doença autoimune
e aqueles nos quais a causa da destruição das células não é conhecida. O tipo 1 compreende 5-10%
de todos os casos de diabetes melito. Acredita-se que pacientes com DM tipo 1 têm suscetibilidade
genética no desenvolvimento do diabetes. A exposição a um desencadeador (viral, ambiental,
toxina) estimula a destruição imunologicamente mediada das células. A hiperglicemia está presente
quando 80-90% das células estão destruídas.

Diabetes melito tipo 2. Resulta, em geral, de graus variáveis de resistência à insulina e deficiência
relativa de secreção de insulina. A maioria dos pacientes tem excesso de peso e a cetoacidose ocorre
apenas em situações especiais, como durante infecções graves. Ao redor de 80-90% de todos os
casos de diabetes correspondem a esse tipo. Ocorre, em geral, em indivíduos obesos com mais de
40 anos, de forma lenta e com história familiar de diabetes. Os pacientes apresentam sintomas
moderados e não são dependentes de insulina para prevenir cetonúria. Nesses casos, os níveis de
insulina podem ser: normais, diminuídos ou aumentados.

O álcool é sintetizado por leveduras por meio da fermentação alcoólica. É um processo em duas
etapas em que a piruvato-descarboxilase remove o grupo carboxilato do piruvato para produzir
acetaldeído. A enzima requer Mg2+ e a pirofosfato de tiamina (TPP). A álcool-desidrogenase
catalisa a transformação do acetaldeído em etanol. O etanol é considerado um produto de excreção
do metabolismo da glicose; seu acúmulo é tóxico aos organismos que o produzem.

Existem vários distúrbios hereditários que afetam o metabolismo do glicogênio. São causadas
por deficiências de enzimas envolvidas na síntese e degradação do glicogênio, produzindo
glicogênio anormal em quantidade ou qualidade. Elas são coletivamente chamadas de doenças
de armazenamento de glicogênio e a condição é conhecida como glicogenose. Essas condições são
divididas em tipos distintos descritos na Tabela 1.

26
Metabolismo de carboidratos │ UNIDADE II

São conhecidos três defeitos hereditários do metabolismo da frutose. A frutosúria essencial é


uma desordem metabólica benigna causada pela deficiência de frutocinase que está normalmente
presente no fígado, ilhotas do pâncreas e no córtex renal. Os sintomas são: aumento no teor de
frutose no sangue e aparecimento de frutosúria após ingestão de frutose; mesmo assim, 80% a 90%
da frutose são metabolizadas e podes permanecer sem diagnóstico. Outro defeito mais sério, é a
intolerância hereditária à frutose, que consiste de deficiência da frutose-1-fosfato aldolase
(também chamada aldolase do Tipo B), provocando hipoglicemia severa após a ingestão de frutose.
Em crianças o consumo prolongado de frutose pode levar a uma condição crônica ou morte.

Nessa desordem, a frutose 1-fosfato acumula intracelularmente no fígado e rins, resultando em


lesão renal com distúrbios funcionais. Outros sintomas são: dor abdominal e vômitos. O tratamento
consiste na remoção de frutose e sacarose da dieta. A hipoglicemia presente nesses distúrbios é
provocada pela inibição da glicogenólise por interferência com a glicogênio-fosforilase pela frutose
1-fosfato. A deficiência hereditária da frutose-1,6-bifosfatase resulta em severa redução da
gliconeogênese hepática, provocando episódios de hipoglicemia, apneia, hiperventilação, cetose e
acidose láctica. Em neonatos, a deficiência pode ser letal. Em outras idades os episódios podem ser
desencadeados pelo jejum e infecções febris.

Tabela 1. Doenças de armazenamento de glicogênio

Epônimo Enzima deficiente Características


Pobre mobilização do glicogênio hepático.
Doença de von Gierke Glicose 6 fosfatase
Hipoglicemia em jejum.
Doença de Pompe α-1,4 Glicosidase (lisossomal) Acúmulo de generalizado de glicogênio lisossomal.
Doença de Cori (dextrinose limite) Amilo α -1,6 glicosidase (enzima de desramificação) Acúmulo de glicogênio com ramos externos curtos.
Doença de Hendersen Amilo (1,4 1,6)-transglicosilase (enzima de Acúmulo de glicogênio hepático com ramos
(amilopectinose) ramificação) externos longos. Hipoglicemia em jejum.
Doença de McArdle Glicogênio fosforilase muscular Cãimbras musculares durante exercícios.
Doença de Her‘s Glicogênio fosforilase hepática Acúmulo de glicogênio hepático.
Fosfofrutocinase (muscular) Acúmulo de glicogênio muscular.
Doença de Tarui
Fosforilase cinase (hepática) Acúmulo de glicogênio hepático.
Fosforilase cinase de todos os órgãos Todos os órgãos.
Doença de Fanconi-Bickel
Glicogênio sintase hepática Deficiência da quantidade de glicogênio.

A ausência hereditária da enzima galactose-1-fosfatouridiltransferas resulta na galactosemia.


Os indivíduos portadores desse defeito são incapazes de metabolizar galactose derivada do leite
(lactose) nos metabólitos de glicose, muitas vezes resultando na formação de cataratas hepatomegalia
e retardamento mental. O tratamento consiste em dieta isenta de lactose. A dieta deve ser realizada
durante a infância para evitar sérias lesões irreversíveis. Outro defeito mais sério é a intolerância
hereditária à frutose, que consiste de deficiência da frutose-1-fosfato aldolase (também
chamada aldolase do Tipo B), provocando hipoglicemia severa após a ingestão de frutose. Em crianças
o consumo prolongado de frutose pode levar a uma condição crônica ou morte. Outra forma de
galactosemia mais moderada envolve a ausência da enzima galactocinase, que leva ao acúmulo de
galactose nos tecidos e à excreção urinária desse açúcar. O excesso de galactose em tecidos é convertido
a galactitol (dulcitol), que leva à formação de catarata. O tratamento é o mesmo descrito acima.

27
Metabolismo de Unidade iI
lipídios

CAPÍTULO 1
Digestão, absorção e transporte

Introdução
Os lipídios incluem todas as substâncias insolúveis em água, que podem ser extraídas de um
material biológico com solventes usuais de gordura, como éter, clorofórmio, acetona e benzeno. Os
triglicerídeos são considerados gorduras neutras, por serem constituídos por um mol de glicerol e
três de ácidos graxos, e formam 95% da gordura corporal. O organismo possui grande capacidade
de armazenar gordura em seu tecido adiposo, que funciona como reserva energética. O homem tem
15% de gordura corpórea, enquanto que a mulher tem 25%.

Certos lipídios são utilizados pelo organismo como fonte de energia para as células, fornecendo 9
kcl/g; outros são componentes estruturais, como os fosfolipídios, que fazem parte da estrutura das
fibras nervosas e coagulação sanguínea; outros funcionam como coenzimas na forma de vitaminas
A e K, coenzimas Q e plastoquinonas; outros funcionam como hormônios na forma de vitamina
D e prostaglandina, participando da regulação da pressão sanguínea, dos batimentos cardíacos,
da dilatação vascular, da lipólise e do sistema nervoso central; outros, ainda, têm função de
transporte, como as lipoproteínas. Os hormônios são derivados de esteróis (colesterol); lipídios
(prostaglandinas); glicoproteínas (eritropoína, que atua na secreção de hemácias).

A estocagem de gorduras é vantajosa para a manutenção da temperatura corporal, uma vez que
a camada de gordura na pele atua como isolante térmico, protegendo o organismo de mudanças
bruscas de temperatura do meio ambiente. Essa característica é importante nos recém-nascidos, que
não dispõem de todos os mecanismos de regulação térmica suficientemente desenvolvida. Durante
a atividade física, os indivíduos mais gordos podem produzir calor corporal de 10 a 20 vezes acima
do normal. A gordura também tem função de proteger o corpo de injúrias mecânicas. As gorduras
ingeridas provocam a liberação de enterogastrona do duodeno, inibindo o esvaziamento gástrico e
proporcionando uma sensação de maior saturação e plenitude gástrica devido a sua permanência
mais prolongada no trato digestivo.

Os lipídios também têm a função de suporte às vísceras, de transporte de elétrons na atividade


enzimática, na reprodução, no funcionamento renal, no desenvolvimento do cérebro, além de

28
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

serem responsáveis pelas características de gosto, odor e aroma dos alimentos. Os ácidos graxos da
camada fosfolipídica da membrana associados a proteínas específicas determinam a seletividade
da membrana, controlando a passagem de substância para dentro e para fora das células. Os
fosfolipídios, sintetizados no fígado têm função estrutural da membrana plasmática, lisossomos,
mitocôndria, retículo endoplasmático e nervos; participam da coagulação sanguínea.

Outra função dos lipídios é a de funcionar como solvente de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K),
que tem papel importante de proteção da saúde por meio da participação da síntese de anticorpos.
Durante a refinação do óleo bruto ocorre perda dessas vitaminas e, portanto, a sua função de
proteção à saúde fica diminuída. Por isso, é necessário adição de vitaminas aos óleos e margarinas
depois do processo de refinação. Por definição, lipídio é a classe geral que engloba as gorduras e
os óleos. As gorduras são triglicerídeos, de cadeia média a longa, sólidas à temperatura ambiente
e contêm mais ácido graxo saturado que os óleos. Os óleos são triglicerídeos, de ácidos graxos de
peso molecular médio (12 a 20 carbonos); são líquidos à temperatura ambiente e contêm mais
ácido graxo insaturado que as gorduras. Ácidos graxos formados por cadeia de 4 a 8 carbonos são
encontrados, preferencialmente, em gorduras de laticínios. Os de cadeia entre 8 e 12 carbonos são
encontrados em óleos de coco e palmeira, e os de cadeia com número maior que 12 carbonos estão
presentes na gordura animal.

Os ácidos graxos poli-insaturados ω-3 (linolênico, formado por 18 carbonos e 3 duplas;


eicosapentanoico, formado por 20 carbonos e 5 duplas; docosapentanoico, formado por 22
carbonos e 6 duplas) são encontrados em óleos de peixe do Atlântico Norte. Os ácidos graxos ω-3
são considerados alimentos funcionais, pois evitam a formação de coágulos sanguíneos na parede
arterial, diminuem a pressão sanguínea, aumentam HDL e reduzem LDL. Os ácidos graxos ω-6
(linoleico e araquidônico) são responsáveis pela integridade da pele e pelo funcionamento renal.

Digestão, absorção e transporte de lipídios


A digestão dos lipídios inicia-se no estômago, catalisada pela lipase gástrica. Esta lipase é secretada
pelas glândulas no fundo do estômago e resiste à atividade proteolítica da pepsina, bem como aos
efeitos de desnaturação do ácido gástrico. Acredita-se que esta enzima seja responsável pela hidrólise
de 10-30% dos TG. A lipase gástrica é especialmente importante para a nutrição infantil, porque os
níveis de lipase pancreática são baixos nos recém-nascidos, enquanto a lipase gástrica ocorre nas
mesmas concentrações encontradas em adultos. A lipase pancreática é secretada em conjunto com
outros zimogênios e enzimas pancreáticas. A atividade da enzima é estimulada por uma pequena
proteína chamada colipase, secretada no suco pancreático em concentração similar à da enzima. A
colipase aumenta a capacidade de aderência da lipase pancreática às gotículas lipídicas e impede
que os sais biliares inibam a atividade máxima da lipase e altere o pH necessário para a atividade
máxima da lipase.

Para serem absorvidos, os TG ingeridos precisam ser convertidos de partículas gordurosas


macroscópicas insolúveis em micelas microscópicas finalmente dispersas. Os sais biliares, como
o ácido taurocólico, sintetizados no fígado a partir do colesterol, são estocados na vesícula biliar
e depois da ingestão de refeição gordurosa são liberados no intestino delgado. Esses compostos

29
UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDIOS

anfipáticos agem como detergentes biológicos, convertendo as gorduras alimentares em micelas


mistas de sais biliares e TG. A formação de micelas aumenta enormemente a fração de moléculas
lipídicas acessíveis à ação das lipases lipossolúveis no intestino e à ação dessas lipases converte
os TG em monoacilgliceróis (monoglicerídios), diacilgliceróis (diglicerídios), ácidos graxos livres
e glicerol.

Após a absorção no lúmen, os produtos de hidrólise são reesterificados a TG, fosfolipídios e ésteres
de colesterol. Como os lipídios são insolúveis na fase aquosa, eles são transportados no sangue
por meio das lipoproteínas. As lipoproteínas são moléculas anfipáticas, isto e, hidrofóbicas e
hidrofílicas. A monocamada das lipoproteínas é constituída por fosfolipídios, colesterol livre e
proteínas, que envolvem as moléculas hidrofóbicas, os TG e os ésteres de colesterol. As várias
combinações possíveis de lipídios e proteínas produzem partículas de densidades diferentes,
variando dos quilomícrons e das lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL, do inglês: Very
Low Density Lipoprotein) até lipoproteínas de alta densidade (VHDL, do inglês: Very High
Density Lipoprotein).

Figura 11. Digestão e absorção de lipídios da dieta ocorrem no intestino delgado, e os ácidos graxos liberados
dos triacilgliceróis são empacotados e distribuídos para o músculo e tecido adiposo.

Fonte:. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.

30
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

As primeiras lipoproteínas formadas são os quilomícrons (QM), sintetizados pelas células epiteliais
do intestino delgado e têm a função de transportar TG e colesterol provenientes da dieta para os
tecidos. Os QM possuem diâmetro grande, o que os impossibilita de atravessar as membranas dos
capilares endoteliais. Nos capilares do fígado, do músculo e do tecido adiposo, a enzima extracelular
lipase lipoproteica hidrolisa os TG em AG e glicerol, que são captados pelas células dos tecidos-
alvo. Nos músculos, os AG são oxidados para obtenção de energia; no tecido adiposo, eles são
reesterificados e armazenados como TG. Os remanescentes dos QM desprovidos da maior parte
dos seus TG viajam pelo sangue ate o fígado, onde eles são captados por endocitose. Os TG que
entram no fígado por esta via podem ser oxidados para fornecer energia ou servirem de precursores
para a síntese de corpos cetônicos. Os QM trocam TG por éster de colesterol com os HDL. Esta
troca é catalisada pela proteína transferidora de éster de colesterol (CETP). O HDL é sintetizado
no fígado e no intestino e captura o colesterol livre dos tecidos periféricos. O colesterol capturado
é esterificado pela ação da enzima colesterol acil-transferase e retorna ao fígado ou é transferido
a outras lipoproteínas. Parte do colesterol é utilizada na síntese de hormônios esteroides, síntese
de membranas, ou excretado pelo fígado na bile e, por último, nas fezes. Os hepatócitos secretam
VLDL rica em TG que, ao distribuir TG aos tecidos periféricos, forma a LDL (Figura 12).

Figura 12. Lipoproteínas e transporte de lipídios.

Fonte: Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.

31
CAPÍTULO 2
Lipoproteínas plasmáticas
(quilomícrons, VLDL, LDL, HDL)

Os produtos da digestão dos lipídios são absorvidos pela mucosa intestinal. Sendo os lipídios apolares
o suficiente para não circularem num meio aquoso como o plasma, há necessidade de compostos
como lipoproteínas e os quilomícrons para funcionarem como carregadores e levá-los aos tecidos.
A albumina é a proteína da estrutura das lipoproteínas que ajuda no transporte dos lipídios pela
corrente sanguínea. Tanto os quilomícrons como as lipoproteínas contêm triglicerídeos, fosfolipídios,
vitaminas lipossolúveis e colesterol, envolvidos por um envelope de proteínas. As proteínas parecem
formar uma camada externa em volta do lipídio, estando ligadas por forcas não polares.

Os lipídios são transportados na corrente sanguínea como lipoproteínas, existentes em diversas


formas variantes, cada uma com diferentes funções e com composições lipídica e proteica distintas,
portanto, com densidades diferentes.

»» VLDL é uma lipoproteína de muito baixa densidade, que contém maior porcentagem
de gordura e menor de proteína e é responsável por levar energia para as células.
Transportar os triglicerídeos sintetizados no fígado. Na circulação sofrem
degradação por etapas, com lipólise dos seus TG a glicerol e ácidos graxos livres,
que são liberados para os tecidos periféricos provendo substrato energético a eles.
Essa degradação é facilitada pela enzima lipase lipoproteica (LPL). Durante esse
processo, as VLDL são convertidas a lipoproteínas mais densas e, finalmente, a LDL.

»» LDL é uma lipoproteína de baixa densidade, que possui afinidade pela parede
arterial. A alta ingestão de gordura saturada provoca aumento de LDL e, com isso,
há risco de ataque cardíaco por ocorrer a aterosclerose, pois carregam colesterol
para dentro do tecido arterial. É aconselhável ingerir uma dieta pobre em gorduras
saturadas e em pouca quantidade. Danificam e estreitam as artérias. Altos teores de
LDL formam placas de gordura chamadas ateroma, que reduzem o fluxo sanguíneo
e, portanto, o transporte de oxigênio.

»» HDL é uma lipoproteína de alta densidade composta de maior porcentagem de


proteína e contém menos colesterol e tem como função proteger o indivíduo contra
ataques cardíacos. Compete com LDL para ingressar nas células do tecido arterial.
Funciona como o “caminhão de lixo” da célula, pois remove o colesterol dos tecidos,
levando-o para o fígado para ser eliminado como sais biliares (fezes). Se a dieta é
rica em gordura, principalmente saturada, o HDL não consegue carregar todo o
colesterol ingerido, ficando acumulado nas artérias e provocando arteriosclerose.

»» Quilomícrons são formados por maior quantidade de lipídios e são os primeiros


transportadores de gordura após sua digestão. Levam a gordura sintetizada na
borda das escovas do intestino para o fígado.

32
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

Os lipídios da dieta são empacotados em quilomícrons: a maior parte do seu conteúdo em


triacilgliceróis é liberada pela lípase lipoproteica nos tecidos adiposo e muscular, durante o
transporte ao longo dos capilares. Os quilomícrons remanescentes (contendo, na maior parte,
proteínas e colesterol) são captados pelo fígado. Os lipídios endógenos e o colesterol do fígado são
transportados para os tecidos adiposo e muscular pela VLDL. A extração dos lipídios da VLDL
(acompanhada pela perda de parte das apolipoproteínas) converte, gradualmente, parte da VLDL
em LDL, que transporta o colesterol para os tecidos extra-hepáticos ou de volta para o fígado. O
fígado capta LDL, remanescentes da VLDL (chamadas de lipoproteínas de densidade intermediária,
ou IDLS) e os remanescentes de quilomícrons por endocitose mediada por receptor. O excesso de
colesterol nos tecidos extra-hepáticos é transportado de volta ao fígado como HDL. No fígado, parte
do colesterol é convertida em sais biliares.

As apolipoproteínas são as proteínas específicas das lipoproteínas. As apos têm diversas funções
no metabolismo das lipoproteínas, como a formação intracelular das partículas lipoproteicas, caso
das apos B-100 e B-48, ligantes a receptores de membrana como as apos B-100 e E, ou cofatores
enzimáticos, como as apos C-II, C-III e A-I. Algumas das apos são necessárias como componentes
estruturais essenciais das lipoproteínas, não podendo, assim, serem removidas, enquanto outras
são livremente transferidas entre as lipoproteínas.

A apo B-48, sintetizada no retículo endoplasmático rugoso, é a apoliproteína característica dos


quilomícrons, apesar de não ser a única. Aliás, é nos quilomícrons que são encontradas as maiores
diversidades de apos (apos C, E, A-I, A-II e A-IV). Já a apo B-100, que é encontrada nas VLDL e
LDL, é sintetizada no fígado. Também são encontradas nas VLDL as apo E e C. As apos A-I e A-II
estão localizadas também nas HDL.

As LDL são formadas principalmente, ou talvez em sua totalidade, na circulação a partir das VLDL
e provavelmente da degradação dos quilomícrons, que são as partículas lipídicas mais aterogênicas
no sangue. Os níveis elevados de LDL estão diretamente associados no prognóstico de risco de
aterosclerose coronariana. Isso se deve ao fato de que quanto maior a concentração de LDL, maior
será a sua facilidade de penetrar no endotélio vascular. A LDL é capaz de passar pela parede endotelial,
penetrar na parede da artéria e sofrer oxidação na camada íntima desta. A consequência disso é a
formação de placas de ateroma e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Em geral, 1% de
diminuição nos níveis de LDL está associado a uma redução de 2-3% no risco de desenvolvimento
de doenças cardíacas.

As classificações dos valores de referência para as concentrações de LDL no plasma, de acordo


com o III Painel de Detecção, Evolução e Tratamento do Colesterol Alto em Adultos
do Programa Nacional de Educação ao Colesterol (NCEP, 2002) pertencente ao American
Heart Association, são as seguintes: ótimo <100 mg/dL, perto ou acima de ótimo entre 100 e 129
mg/dL, limítrofe entre 130 e 159 mg/dL, alto entre 160 e 189 mg/dL é muito alto ≥190 mg/dL.

Dentre os fatores principais que podem alterar as concentrações de LDL no plasma estão a
alimentação e a atividade física. O exercício em combinação com a perda de peso pode levar à
diminuição nos níveis de LDL plasmáticos. Há evidências que sugerem que indivíduos fisicamente
ativos possuem níveis inferiores de LDL quando comparados a sedentários. E essa diferença varia
em torno de 7% a 25% de redução desta variável nas pessoas ativas.

33
UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDIOS

Várias ações são atribuídas às HDL, que, em seu conjunto, tornam-se antiaterogênicas. Esse tipo
de lipoproteína é conhecido como “bom colesterol” em razão de sua principal função, que é a de
carregar o colesterol circulante dos tecidos para o fígado, ou seja, o transporte reverso do colesterol.
Porém, outros efeitos já foram descritos, tais como: antioxidante, anti-inflamatório, antiagregante
plaquetário, anticoagulante, pró-fibrinolítico e de proteção endotelial. A baixa concentração
plasmática da HDL tem sido apontada como um dos fatores de risco independentes para a doença
aterosclerótica coronariana.

34
CAPÍTULO 3
Biossíntese de lipídios

Introdução
Os ácidos graxos saturados são normalmente encontrados na forma sólida (gordura) e em produtos
de origem animal como leite integral, manteiga, creme de leite, chantilly, queijos gordurosos
(provolone, parmesão, mozzarella), banha, bacon, sebo, toucinho, gordura das carnes, pele das
aves e dos peixes. O consumo de alimentos contendo ácidos graxos saturados, além da quantidade
desejada, é prejudicial, pois contribui para o aumento das taxas de colesterol no sangue. Exemplos
de ácidos graxos saturados:

»» Ácido Láurico C 12:0;

»» Ácido Palmítico C 16:0;

»» Ácido Esteárico C 18:0;

Os ácidos graxos insaturados são normalmente encontrados na forma líquida (óleo) e em produtos de
origem vegetal. Contêm uma ou mais ligações duplas na cadeia. Quando os hidrogênios encontram-
se no mesmo lado do plano, são chamados de CIS; se estão em lados opostos, de TRANS. Os ácidos
graxos trans estão presentes em produtos industrializados, como na margarina e na gordura vegetal
hidrogenada. Em excesso, os ácidos graxos trans são tão ou mais prejudiciais que os ácidos graxos
saturados, no que diz respeito à elevação dos níveis de colesterol sanguíneos.

Quando o ácido graxo possui uma única dupla ligação, é conhecido como monoinsaturado; se
contém duas ou mais ligações duplas, é denominado poli-insaturado. Os monoinsaturados estão
presentes em maior quantidade no azeite de oliva e nos óleos de canola e de amendoim. Já os poli-
insaturados são encontrados em óleos vegetais (girassol, milho, soja, algodão). Os óleos vegetais
podem ser endurecidos com a adição de átomos de hidrogênio e a conversão de ligações duplas em
ligações simples. Esse processo é conhecido como hidrogenação. Os óleos vegetais hidrogenados
costumam estar presentes na margarina e em outros alimentos industrializados.

Ácidos graxos insaturados podem ser divididos nas seguintes categorias:

1. monoinsaturados: aqueles que contêm apenas uma ligação dupla.

2. poli-insaturados: aqueles que contêm muitas ligações duplas.

3. eicosanoides: que incluem as prostaglandinas, leucotrienos, prostaciclinas e


tromboxanos.

Exemplos de ácidos graxos insaturados:

»» Ácido Oleico C 18:1 (contém 1 ligação dupla);

35
UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDIOS

»» Ácido Linoleico C 18:2 (contém 2 ligações duplas);

»» Ácido Linolênico C 18:3 (contém 3 ligações duplas);

»» Ácido Araquidônico C 20:4 (contém 4 ligações duplas).

Nos ácidos graxos, os átomos de carbono são numerados, começando com o carbono da carboxila
como carbono 1. O carbono que é unido ao grupo carboxila (carbono 2) é também chamado de
carbono a, o carbono 3 é o carbono b e o carbono 4 é o carbono g. O carbono do grupo metila
terminal é chamado de carbono w, independentemente do comprimento da cadeia. Os carbonos
de um ácido graxo também podem ser contados começando pelo carbono ω (ou metila terminal).
O ácido araquidônico é referido como um ácido graxo ω-6, pois as ligações duplas começam 6
carbonos a partir da metila terminal. Outro ácido graxo w-6 é o ácido essencial ácido linoleico
18:2 (9,12). Por sua vez, o ácido linolênico, 18:3 (9, 12,15) é um ácido graxo ω-3.

São chamados de ácidos graxos essenciais os poli-insaturados não sintetizados pelas células do
organismo, portanto, devem ser adquiridos por meio da alimentação. Existem dois ácidos graxos
essenciais, são eles: Omega-3 (ácido linolênico) e Ômega-6 (ácido linoleico). O ácido graxo Ômega-3
é encontrado principalmente nos peixes e nos óleos de peixe. Por outro lado, as melhores fontes
alimentares de ácido graxo Ômega-6 são os óleos vegetais (girassol, milho, soja, algodão). O ácido
linoleico é precursor do ácido araquidônico (o substrato para a síntese das prostaglandinas) e o ácido
linolênico é precursor de outros ácidos ω-3 importantes para o crescimento e o desenvolvimento.

Uma grande proporção de ácidos graxos usados pelo organismo é suprida pela dieta: carboidratos,
proteínas e outras moléculas, quando obtidas da dieta em excesso em relação às necessidades desses
compostos, podem ser convertidos em ácidos graxos, que são armazenados como triacilgliceróis. Em
humanos, a síntese dos ácidos graxos ocorre principalmente no fígado e nas glândulas mamárias em
lactação e em menor extensão, no tecido adiposo. O processo incorpora carbonos a partir da acetil-
CoA na cadeia de ácido graxo em crescimento, usando ATP e (NADPH) reduzido.

Lipogênese
A lipogênese é o processo de síntese endógena de ácidos graxos. A principal fonte a partir da qual
o organismo sintetiza ácidos graxos são os carboidratos, quando estão na forma de Acetil CoA.
Adotando-se dietas ricas em carboidratos, o excesso de glicose é convertido em glicogênio no fígado,
quando na presença da insulina. Como esse armazenamento é limitado, a glicose entra para a via
das pentoses-fosfato ou para a via glicolítica, quando na presença de glucagon. O piruvato, produto
dessa via glicolítica, é convertido em Acetil CoA, por meio do complexo da piruvato desidrogenase
(reação irreversível). Dessa forma, com a ingestão elevada de carboidratos, o fígado passa a produzir
grandes demandas de ATP via ciclo de Krebs. Esse ATP, quando produzido em grandes quantidades,
atua como modulador negativo do Ciclo de Krebs, pois inibe a enzima isocitrato desidrogenase.

Começa, então, a haver um acúmulo de isocitrato na mitocôndria e, consequentemente, acúmulo


de citrato, uma vez que a reação citrato para isocitrato é reversível. Esse citrato acumulado sai da
mitocôndria e, no citoplasma, sofre ação da enzima citrato liase e, com gasto de energia, forma o

36
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

oxaloacetato e Acetil CoA, usando, para isso, uma CoA-SH. É a partir desse Acetil CoA, no citoplasma,
que o organismo sintetiza ácidos graxos e colesterol (Figura 13).

Figura 13. Via glicolítica e Ciclo de Krebs quando existe excesso de ATP.

Além da possibilidade de entrar no ciclo de Krebs, o Acetil CoA é precursor na síntese de lipídios.
E é justamente esta reação de conversão do piruvato a Acetil CoA que determina a impossibilidade
dos animais de fazer o inverso: a conversão de lipídios em carboidratos não é possível dada a
irreversibilidade dessa reação. Os animais não possuem qualquer forma de sintetizar carboidratos
partindo de um número de carbonos inferior a 3. A síntese de ácidos graxos requer uma grande
quantidade de NADPH, cuja fonte é oriunda da Via das Pentoses-Fosfato e por meio dessa conversão
do malato em piruvato. Para que haja síntese de ácidos graxos, é essencial o correto funcionamento
da Via das Pentoses: uma molécula de ácido graxo com 16 carbonos, por exemplo, requer 14
moléculas de NADPH para sua formação.

Para que haja síntese de ácidos graxos, é necessária a presença de dois compostos fundamentais:
o Acetil CoA e o Malonil CoA. Este, é sintetizado a partir da própria Acetil CoA. A primeira reação
que ocorre com o Acetil CoA no citoplasma é a sua carboxilação, pela ação da enzima Acetil CoA
Carboxilase (dependente do cofator biotina). Como a Acetil CoA tem apenas dois carbonos, ela
recebe um carbono de íons bicarbonatos para formar o Malonil CoA. Em seguida, ocorre a reação
de condensação, em que a Acetil CoA condensa-se com a Malonil CoA por meio da ação da enzima
cetoacil sintase. Nessa reação, há liberação de um carbono, formando, assim, uma cetona de quatro
carbonos. O próximo passo é a redução da cetona pela cetoredutase, formando álcool. Nessa reação
é utilizada a primeira molécula de NADPH (reduzido) liberando ao final um NADP+ (oxidado). Esse
álcool passa por uma desidratação, por meio da enzima desidrase, ocorrendo a liberação de H2O e a

37
UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDIOS

formação de uma instauração entre os carbonos e, em seguida, ocorre mais uma redução por meio
da enzima enoil redutase, formando, assim, um composto acil com quatro carbonos, ou seja, um
ácido graxo inicial. Nessa reação, tem-se a utilização da segunda molécula de NADPH. Esse ciclo
repete-se até a formação de um ácido graxo par do qual o organismo necessita no momento. A cada
ciclo, ocorre a adição de dois carbonos ao ácido graxo, o gasto de duas moléculas de NADPH e duas
moléculas de ATP: uma para formar Acetil CoA a partir de citrato e outra para formar Malonil CoA
a partir do Acetil CoA.

Síntese de triacilgliceróis (TAG)


A estrutura do triacilglicerol são três ácidos graxos que esterificam uma molécula de glicerol. A
síntese de glicerol-fosfato inicia-se com o glicerol-P, que é o aceptor inicial dos ácidos graxos durante
a síntese de TAG. Existem duas vias no fígado e uma via no tecido adiposo:

No fígado:

Glicose Glicólise → di-idroxiacetona-P (DHAP) glicerol-P-desidrogenase → glicerol-P;

Glicerol Glicerol-cinase → glicerol-P.

No tecido adiposo:

Glicólise → di-idroxiacetona-P (DHAP) glicerol-P-desidrogenase → glicerol-P

Os ácidos graxos, então, precisam ser convertidos em sua forma ativada (unidos à coenzima A)
antes de participarem da síntese de TAG.

Ácidos graxos sintetase dos acil-CoA graxos → Acil-CoA graxo

A síntese de TAG a partir do glicerol-P e acil-CoA graxo envolve quatro reações: inclui adição
sequencial de dois ácidos graxos a partir de acil-CoA, remoção de fosfato e adição de um terceiro
ácido graxo.

Glicerol-P aciltransferase → ácido lisofosfatidico aciltransferase → ácido fosfatídico fosfatase→


diaciltrigerol aciltransferase → triacilglicerol.

O principal ácido graxo produzido pelo organismo é o ácido palmítico (16C). A síntese do ácido
hexadecanóico (palmítico, 16:0) envolve sete ciclos enzimáticos. A síntese tem início a partir do
Malonil-CoA, mas a cadeia do ácido graxo crescente está ligada a uma proteína carreadora de acila
(PCA). Em cada ciclo da reação, a PCA é recarregada com um grupo Malonil e a cadeia acil cresce
em dois carbonos. Após sete ciclos, o palmitoil-PCA é hidrolisado, formando o palmitato. Durante
todos esses ciclos, ao se formar um ácido graxo com 16 carbonos, foram utilizadas 14 moléculas de
NADPH. A enzima tioesterase ativa e libera o palmitoil CoA e, no fígado, esterifica-se com o glicerol,
formando os triglicerídeos endógenos. Esses se associam com a proteína Apo B100, formando o
VLDL, que será exportada pelo fígado para ser armazenada no tecido adiposo.

38
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

A biossíntese de fosfolipídios ocorre primariamente na superfície do retículo endoplasmático liso,


apesar de algumas enzimas também estarem presentes no complexo de Golgi. Como cada enzima
é uma proteína associada à membrana com seu sítio ativo voltado para o citosol, a biossíntese dos
fosfolipídios ocorre na interface da membrana do retículo plasmático e o citosol. A composição
de ácidos graxos dos fosfolipídios altera discretamente após a sua síntese. (Tipicamente, os ácidos
graxos insaturados substituem os ácidos graxos saturados originais incorporados durante a síntese).
Parte do remodelamento é executada por certas fosfolipases e acil-transferases. Provavelmente, o
processo permite à célula ajustar a fluidez de suas membranas.

As sínteses da fosfatidiletanolamina e fosfatidilcolina são similares. A síntese da


fosfatidiletanolamina inicia-se no citoplasma quando a etanolamina entra na célula e é então
imediatamente fosforilada. Subsequentemente, a fosfoetanolamina reage com a CTP (trifosfato de
citidina) para formar o intermediário ativado CDP-etanolamina. Vários nucleotídeos servem como
carreadores de alta energia para moléculas específicas. Os derivados CDP têm importante papel na
transferência de grupos-cabeça polar na síntese de fosfoglicerídeo. A CDP-etanolamina é convertida
à fosfatidiletanolamina quando reage com o diacilglicerol (DAG). A reação é catalisada por uma
enzima no retículo endoplasmático.

A biossíntese da fosfatidilcolina é similar àquela da fosfatidiletanolamina. A colina necessária


nessa via é obtida da dieta. Entretanto, a fosfatidilcolina é também sintetizada no fígado a
partir da fosfatidiletanolamina. A fosfatidiletanolamina é metilada em três etapas pela enzima
fosfatidiletanolamina-N-metiltransferase para formar o produto trimetilado, a fosfatidilcolina. O
doador de metila é a S-Adenosilmetionina (SAM).

A fofatidilserina é gerada em reação na qual a etanolamina da fosfatidiletanolamina é substituída


pela serina. A reação, catalisada por uma enzima do retículo endoplasmático, é reversível. Na
mitocôndria, a fosfatidilserina pode ser convertida em fosfatidiletanolamina por descarboxilação. O
fosfatidilinositol é sintetizado pela condensação de CDP-diacilglicerol com o inositol. O turnover
dos fosfolipídios é rápido. Por exemplo, em células animais, cerca de duas divisões celulares são
necessárias para a substituição de metade do número total de moléculas de fosfolipídios. Os
fosfoglicerídeos são degradados pelas fosfolipases. As fosfolipases catalisam o rompimento de
ligações específicas em moléculas de fosfoglicerídeos e são denominadas de acordo com a ligação
clivada. As fosfolipases A1 e A2, que hidrolisam as ligações éster dos fosfoglicerídeos em C1 e C2,
respectivamente, contribuem para a remodelação fosfolipídica descrita.

Os esfingolipídios em animais possuem ceramida, um derivado do amino-álcool esfingosina.


A síntese da ceramina inicia-se com a condensação de palmitoil-CoA com a serina para formar
3-cetoesfinganina. A reação é catalisada pela 3-cetoesfinganina-sintase, uma enzima piridoxal-5’-
fosfato-dependente. A 3-cetoesfinganina é subsequentemente reduzida pelo NADPH para formar
esfinganina. Em processo de duas etapas envolvendo a acil-CoA e FADH2, a esfinganina é convertida
a ceramida. A esfingomielina é formada quando a ceramida reage com a fosfatidilcolina. (Em reação
alternativa, a CDP-colina é usada em lugar da fosfatidilcolina).

Quando a ceramida reage com a UDP-glicose, a glicosilceramida (um cerebrosídeo comum, às


vezes denominado como glicosilcerebrosídeo) é produzida. O galactocerebrosídeo, um precursor
de outros glicolipídios, é sintetizado pela reação da ceramida com a UDP-galactose. Os sulfatídeos

39
UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDIOS

são sintetizados quando os galactocerebrosídeos reagem com a molécula doadora de sulfato a


3’fosfoadenosina-5’-fosfosulfato (PAPS). A transferência de grupos sulfato é catalisada por
uma sulfotransferase microssomal. Os esfingolipídios são degradados nos lisossomos. As doenças
chamadas esfingolipidoses são provocadas pela falta ou defeito das enzimas necessárias para a
degradação dessas moléculas.

Os isoprenoides ocorrem em todas as células eucarióticas. Apesar da grande diversidade das


moléculas isoprenoides, os mecanismos pelos quais diferentes espécies são sintetizadas são
similares. De fato, a fase inicial da síntese isoprenoide (síntese do isopentenil pirofosfato) parece ser
idêntica em todas as espécies investigadas. Pela sua importância na biologia humana, o colesterol
recebeu enorme atenção dos pesquisadores. Por essa razão, o metabolismo do colesterol é mais bem
compreendido que qualquer outra molécula de isoprenoide.

O colesterol do organismo é derivado de duas fontes: dieta e síntese de novo. Quando a dieta
fornece colesterol suficiente, a síntese é inibida. A biossíntese do colesterol é estimulada quando a
dieta tem pouco colesterol. Apesar de quase todos os tecidos poderem produzir colesterol (p. ex.,
glândulas suprarrenais, ovários, testículos, pele e intestino), a maior parte da síntese ocorre no
fígado. A síntese do colesterol pode ser dividida em três etapas:

»» Síntese de HMG−CoA (β-hidróxi−β−metilglutaril−CoA) a partir de acetil−CoA.

»» Conversão do HMG−CoA a esqualeno.

»» Conversão do esqualeno em colesterol.

O colesterol livre pode ser esterificado para o armazenamento no fígado ou transportado em


partículas VLDL (lipoproteína de densidade muito baixa) para outros tecidos. Em presença de acil-
CoA:colesterol-aciltransferase (ACAT) o ácido graxo esterifica o grupo 3-OH do colesterol.

Todos os hormônios esteroides são derivados do colesterol. A reação inicial na síntese de


hormônios esteroides é a conversão do colesterol em pregnenolona, pela desmolase,
uma enzima mitocondrial complexa composta de duas hidroxilases, uma das quais a enzima
citocromo P450. Após a síntese, a pregnenolona é transportada ao retículo endoplasmático,
onde é convertida a progesterona. A pregnenolona e a progesterona são precursores de todos os
hormônios esteroides. Além do papel de precursor, a progesterona também atua como hormônio.
O seu papel primário como hormônio é a regulação de várias modificações fisiológicas no útero.
Durante o ciclo menstrual, a progesterona é produzida por células especializadas no interior do
ovário. Durante a gravidez é produzida em grandes quantidades pela placenta para previr as
contrações do músculo uterino liso.

As quantidades e os tipos de esteroides sintetizados em um tecido específico são cuidadosamente


regulados. As células respondem a sinais químicos que influenciam o metabolismo dos esteroides
por indução da síntese de enzimas específicas. Os mais importantes sinais químicos são os
hormônios peptídicos secretados pela hipófise e várias prostaglandinas. Por exemplo, o hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) é um hormônio peptídeo secretado pela hipófise que estimula a síntese
dos esteroides adrenais. Uma das consequências da ligação do ACTH aos receptores da adrenal é
o aumento da síntese do 17-α-hidroxilase e 11-β-hidroxilase. Em contraste, a prostaglandina F2α

40
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

inibe a indução da síntese de progesterona nos ovários. Esse último processo é estimulado pelo
hormônio luteinizante (LH), uma proteína também produzida pela hipófise.

Os eicosanoides são substâncias fisiologicamente ativas que atuam como potentes biossinalizadores
produzidos na maioria dos tecidos dos mamíferos. Mediam uma grande variedade de processos
fisiológicos, tais como a contração de músculos lisos, inflamação, percepção da dor e a regulação
do fluxo sanguíneo. Os eicosanoides também estão relacionados com várias doenças, tais como o
infarto do miocárdio e a artrite reumatoide. Como agem nos tecidos próximos das células que os
produzem, os eicosanoides são chamados reguladores autócrinos e não de hormônios que são
transportados pela corrente sanguínea até os sítios de ação.

A maioria dos eicosanoides são derivados do ácido araquidônico, sintetizado a partir do linoleato
pela adição de uma unidade de três carbonos seguida pela descarboxilação e dessaturação. Quase
todo ácido araquidônico é armazenado nas membranas celulares como ésteres no C2 do glicerol
nos fosfoglicerídeos. A produção de eicosanoides inicia-se após a liberação do ácido araquidônico
a partir de moléculas de fosfolipídios das membranas pela ação da enzima fosfolipase A2 ativada
por estímulo hormonal e outros. Os eicosanoides, que incluem as prostaglandinas, os tromboxanos
e os leucotrienos são ativos por curtos períodos (muitas vezes medidos em segundos ou minutos) e
produzidos em pequenas quantidades (Figura 14).

Figura 14. Ações biológicas de algumas moléculas de eicosanoides.

41
CAPÍTULO 4
Oxidação de ácidos graxos: formação
e utilização de corpos cetônicos

Introdução
As células que obtêm energia da oxidação de AG podem obter esses mesmos AG a partir de três fontes:

»» Gorduras presentes na alimentação.

»» Gorduras armazenadas nas células na forma de gotículas gordurosas.

»» Gorduras recém-sintetizadas em um órgão para ser exportada para outro.

Alguns organismos utilizam as três fontes em várias circunstâncias, enquanto outros obtêm AG
de apenas uma ou duas dessas fontes. Os seres humanos, por exemplo, obtêm gorduras mediante
a ingestão delas na alimentação, mobilizam gorduras armazenadas em tecido especializado
(tecido adiposo), e, no fígado, convertem os carboidratos em excesso da alimentação em
gorduras, exportando-as para outros tecidos. Os TG fornecem mais da metade das necessidades
energéticas de alguns órgãos, particularmente o fígado, o coração e o músculo esquelético
em repouso.

Lipólise
Em períodos de jejum, em que ocorre menor disponibilidade de ácidos graxos e triacilgliceróis, o
processo de lipólise, ou beta-oxidação, é ativado e o conteúdo energético armazenado anteriormente
sob forma de triacilglicerois é hidrolisado em diacilglicerol (DAG) e monoacilglicerol (MAG) para
finalmente ocorrer liberação de três moléculas de ácidos graxos e uma molécula de glicerol por
molécula de TAG para ser utilizado como fonte de energia. O processo de lipólise é dependente da
ativação da enzima lipase hormônio sensível (HSL) por meio de uma fosforilação realizada pela
cinase proteica A (PKA) e ocorre, principalmente, mediante estimulação por catecolaminas quando
há grande demanda energética, ou no estado de jejum.

A oxidação mitocondrial dos ácidos graxos ocorre em três estágios. No primeiro estágio, βoxidação,
os ácidos graxos sofrem a remoção oxidativa de sucessivas unidades de dois átomos de carbono na
forma de acetil começando pela extremidade carboxila da cadeia do ácido graxo. Por exemplo, o
ácido palmítico, que é o ácido graxo com cadeia de 16 átomos de carbono, sofre sete passagens por
meio desta sequência oxidativa, perdendo, em cada uma dessas passagens, dois átomos de carbono
como acetil-CoA. Ao final desses sete ciclos os últimos dois carbonos do palmitato estão na forma de
acetil-CoA. O resultado geral e final é a conversão da cadeia de 16 átomos de carbono do palmitato
em oito moléculas de acetil-CoA, cada uma com dois carbonos. A formação de cada molécula de

42
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

acetil-CoA requer a ação de desidrogenases para a remoção de quatro átomos de hidrogênio (dois
pares de elétrons e 4 H+) da porção acil-graxo da molécula.

No segundo estágio da oxidação do ácido graxo os resíduos acetila do acetil-CoA são oxidados até
CO2, por meio do ciclo do ácido cítrico, processo que também ocorre na matriz mitocondrial. As
moléculas de acetil-CoA derivadas da oxidação dos ácidos graxos entram nessa via final de oxidação
juntamente com as moléculas de acetil-CoA derivadas da glicose, por meio da glicólise e da oxidação
do piruvato. Os primeiros dois estágios do processo de oxidação de um ácido graxo produzem os
transportadores de elétrons reduzidos NADH e FADH2 que, em um terceiro estágio, transferem os
elétrons para a cadeia respiratória mitocondrial, por meio da qual estes elétrons são transportados
até o oxigênio.

Acoplada a esse fluxo de elétrons está a fosforilação do ADP para a ATP. Em um ciclo da sequência
de reações de oxidação dos ácidos graxos, a cadeia longa do acil-CoA graxo é diminuída por dois
átomos de carbono, por meio da retirada de uma molécula de acetil-CoA, dois pares de elétrons
e quatro H+. Após a remoção de uma unidade de acetil-CoA do palmitoil-CoA resta o tioéster de
coenzima A do ácido graxo encurtado, neste exemplo o miristato com 14 átomos de carbono. Este
miristoil-CoA pode, agora, entrar na sequência de β-oxidação e sofrer outro conjunto de quatro
reações, de forma exatamente análoga ao primeiro conjunto, liberando uma segunda molécula
de acetil-CoA junto com o lauroil-CoA, o tioéster do laurato, com 12 átomos de carbono. Em
conjunto, são necessárias sete passagens por meio da sequência de β-oxidação para oxidar uma
molécula de palmitoil-CoA em oito moléculas de acetil-CoA (Figura 15 e 16).

Figura 15. Mobilização de ácidos graxos dos adipócitos.

43
UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDIOS

Figura 16. Etapas da oxidação de ácidos graxos.

Cada molécula de FADH2 formada durante a oxidação dos ácidos graxos doa um par de elétrons
para a cadeia respiratória; gerando duas moléculas de ATP na fosforilação oxidativa. De maneira
similar, cada molécula de NADH formada fornece um par de elétrons para a NADH desidrogenase
mitocondrial; a transferência subsequente de cada par de elétrons até o O2 resulta na formação
de três moléculas de ATP. Dessa forma, cinco moléculas de ATP são sintetizadas para cada uma
das unidades de dois carbonos removidas em uma passagem por meio da sequência que ocorre
nos tecidos animais, tais como o fígado e o coração. Note que a água também é produzida neste
processo. Cabe ressaltar que a oxidação dos ácidos graxos nos animais hibernantes fornece energia
metabólica, calor e água − todos essenciais para a sobrevivência de um animal que não come e
não bebe por longos períodos. Acetil-CoA pode ser completamente oxidado por meio da via do
ácido cítrico.

O acetil-CoA produzido na oxidação dos ácidos graxos pode ser oxidado a CO2 e H2O pelo ciclo
do ácido cítrico. Cada grupamento acetil-CoA que entra no ciclo de Krebs para ser oxidado gerará
3NADH, 1FADH2 e 1ATP, ou seja, cada acetil-CoA é capaz de gerar 12ATP. Assim sendo, o rendimento
energético de oxidação de uma molécula de palmitato é de 131ATP. Entretanto, como a ativação do
palmitato em palmitoil-CoA consome dois equivalentes energéticos de ATP, o ganho líquido por
molécula de palmitato é igual a 129 moléculas de ATP.

44
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

A concentração do malonil-CoA, o primeiro intermediário na biossíntese citosólica dos ácidos


graxos de cadeia longa, a partir do acetil-CoA, aumenta sempre que o animal é bem suprido
com carboidratos; qualquer excesso de glicose que não pode ser oxidado ou armazenado como
glicogênio é convertido em ácidos graxos citosólicos para estocagem, na forma de triacilglicerol. A
inibição da carnitina aciltransferase I pelo malonil-CoA assegura que a oxidação dos ácidos graxos
seja diminuída sempre que o fígado tenha amplo suprimento de glicose como combustível e está
fabricando ativamente triacilglicerois a partir dessa glicose em excesso.

Corpos cetônicos
Durante a oxidação dos AG no fígado dos seres humanos, o acetil-CoA formado pode entrar no ciclo
de Krebs, ou pode ser convertido nos chamados corpos cetônicos (aceto acetato, beta-hidroxibutirato
e acetona) que são exportados para outros tecidos por meio da circulação sanguínea. A acetona,
produzida em menores quantidades que os outros corpos cetônicos, é exalada. O acetoacetato e
o beta-hidroxibutirato são transportados pelo sangue para os tecidos extra-hepáticos, como
músculos esquelético, cardíaco e córtex renal, onde eles são oxidados por meio da via do ciclo de
Krebs para fornecer a maior parte da energia requerida por esses mesmos tecidos. O encéfalo, que
normalmente utiliza apenas a glicose como combustível, em condições de fome, quando a glicose
não está disponível, pode adaptar-se para usar o acetoacetato ou o beta-hidroxibutirato na obtenção
de energia.

A disponibilidade de oxaloacetato para iniciar a entrada do acetil-CoA no ciclo de Krebs é o


principal fator determinante da via metabólica que será tomada pelo acetil-CoA na mitocôndria
hepática. Em algumas circunstâncias (como o jejum), as moléculas de oxaloacetato são retiradas
do ciclo de Krebs e empregadas na síntese de moléculas de glicose (gliconeogênese). Quando
a concentração de oxaloacetato está muito baixa, pouco acetil-CoA entra no ciclo de Krebs e,
assim, a formação de corpos cetônicos é favorecida. A superprodução de corpos cetônicos
pode ocorrer em condições de jejum severo ou de diabetes não controlado por tratamento.
O aumento nos níveis sanguíneos do acetoacetato e beta-hidroxibutirato diminui o pH do
sangue, provocando uma condição conhecida como acidose. A acidose extrema pode provocar
o coma e, em não raros casos, a morte. Os corpos cetônicos no sangue e na urina de diabéticos
não tratados podem atingir níveis muito altos; esta condição é conhecida como Cetose. Em
pessoas com dietas de conteúdo calórico muito baixo, as gorduras armazenadas no tecido
adiposo tornam-se a maior fonte de energia. Os níveis de corpos cetônicos no sangue e na urina
dessas pessoas devem ser acompanhados para evitar os perigos da ocorrência de acidose e
cetose (Figura 17).

45
UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDIOS

Figura 17. Formação de corpos cetônicos.

46
CAPÍTULO 5
Patologias relacionadas com a
alteração do metabolismo dos lipídios

Introdução
Numerosos estudos demonstraram a existência de uma associação definitiva entre as concentrações
plasmáticas elevadas de lipídios e o risco de doença cardiovascular. O risco aumentado de
mortalidade cardiovascular está mais estreitamente ligado a níveis elevados de colesterol LDL e
níveis diminuídos de colesterol HDL. Além disso, a hipertrigliceridemia representa um fator de
risco independente. O risco torna-se ainda maior quando a hipertrigliceridemia está associada a
baixas concentrações de colesterol HDL, mesmo se as concentrações de colesterol LDL estiverem
normais. Do ponto de vista clínico, as lipidemias podem ser divididas em hipercolesterolemia,
hipertrigliceridemia, hiperlipidemia mista e distúrbios do metabolismo das HDL.

São reconhecidas numerosas causas de hiperlipidemia, incluindo doenças monogênicas bem


definidas e as contribuições de polimorfismos genéticos, bem como interações menos definidas entre
os genes e o ambiente. Para muitos indivíduos, a elevação dos níveis de colesterol pode representar
a consequência de uma dieta rica em gordura saturada e colesterol, superposta a um perfil genético
suscetível. Esta seção descreverá as principais predisposições genéticas para a hiperlipidemia.

Dislipidemia
A dislipidemia é definida como distúrbio que altera os níveis séricos dos lipídios (gorduras). Assim
como a hipertensão, também é um dos fatores de risco para ocorrência de doenças cardiovasculares
(DCV) e cerebrovasculares. Para reduzir o risco de infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e
outros eventos cardiovasculares, são indicados tratamentos não medicamentosos (basicamente
relacionados à alteração do estilo de vida) e medicamentosos, dentre esses as estatinas. Devido ao
grande número de evidências científicas com diferenças em qualidade e desenho de estudo, não
existe um consenso sobre a superioridade delas na redução das DCV. Em uma análise por substância,
verificou-se que a diferença entre o mais caro e mais barato pode chegar a 383%, como no caso da
sinvastatina. A diferença pode chegar a 715%, quando se compara a sinvastatina mais barata com a
pravastatina mais cara do mercado.

Na dislipidemia há alteração dos níveis séricos dos lipídios. As alterações do perfil lipídico podem
incluir colesterol total alto, triglicerídeos (TG) alto, colesterol de lipoproteína de alta densidade
baixo (HDL-c) e níveis elevados de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-c).1 Em
consequência, a dislipidemia é considerada um dos principais determinantes da ocorrência de
doenças cardiovasculares (DCV) e cerebrovasculares, dentre elas aterosclerose (espessamento e
perda da elasticidade das paredes das artérias), infarto agudo do miocárdio, doença isquêmica do

47
UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDIOS

coração (diminuição da irrigação sanguínea no coração) e AVC (derrame)2. De acordo com o tipo
de alteração dos níveis séricos de lipídios, a dislipidemia é classificada como: hipercolesterolemia
isolada, hipertrigliceridemia isolada, hiperlipidemia mista e HDL-C baixo.

Os níveis de lipídios na corrente sanguínea estão associados ao hábito de praticar exercícios, de


ingerir bebidas alcoólicas, carboidratos e gorduras. Além disso, o índice de massa corpórea e a
idade influenciam as taxas de gordura sérica. A atividade física aeróbica regular, como corrida e
caminhada, constitui medida auxiliar para o controle da dislipidemia.

Tais exercícios físicos levam à redução de triglicerídeos e aumento do HDL-c (“colesterol bom”),
sem alterar na quantidade de LDL-c (“colesterol mau”). O hábito de fumar está associado à queda
das taxas de HDL-c e aumento do VLDL-c, enquanto o abandono do tabagismo leva a uma melhor
taxa de HDL-c, sem afetar as taxas de LDL-c. O consumo de grandes quantidades de gordura
saturada encontrada em alimentos de origem animal, em especial as vísceras, leite integral e seus
derivados, embutidos, frios, pele de aves e frutos do mar, está associado ao aumento das taxas de
LDL-c e colesterol total (CT). As taxas de colesterol total e suas frações também aumentam com a
idade nos dois sexos, contribuindo, também, a redução de estrógeno em mulheres em menopausa
para esse aumento.

Alguns autores afirmam que a redução do risco de eventos cardiovasculares depende muito mais do
grau da redução do colesterol do que da forma usada para reduzi-lo. O tratamento pode ser classificado
em medicamentoso e não medicamentoso, o qual é definido como mudança de estilo de vida.

De maneira geral, os hipolipemiantes, medicamentos usados no tratamento de dislipidemias,


devem ser empregados quando não houver efeito satisfatório do tratamento não medicamentoso
ou na impossibilidade de aguardar seus efeitos. Dentre os medicamentos, destacam-se os seguintes
grupos: fluvastatina; lovastatina; pravastatina e rosuvastatina.

De acordo com a IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose


da Sociedade Brasileira de Cardiologia, a escolha da classe terapêutica está condicionada ao
tipo de dislipidemia presente. Para o tratamento da hipercolesterolemia isolada são recomendadas
as estatinas (sinvastatina, lovastatina, pravastatina, fluvastatina, atorvastatina, rosuvastatina), que
podem ser administradas em associação à ezetimiba, colestiramina e eventualmente a fibratos ou
ácido nicotínico. Para o tratamento de hipertrigliceridemia, a diretriz recomenda o uso de fibratos,
ácido nicotínico e ácidos graxos de ômega três (como adjuvante ao tratamento).

Hipercolesterolemia
A hipercolesterolemia primária caracteriza-se por níveis plasmáticos elevados de colesterol total
e colesterol LDL, com níveis normais de triglicerídeos. As causas da hipercolesterolemia primária
consistem em hipercolesterolemia familiar, deficiência familiar de apo B100 e, com mais frequência,
hipercolesterolemia poligênica.

A hipercolesterolemia familiar (HF) é uma doença autossômica dominante caracterizada por defeitos
no receptor de LDL. As mutações no gene que codifica o receptor de LDL resultam em um de quatro

48
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

defeitos moleculares: ausência de síntese de receptores, incapacidade de alcançar a membrana


plasmática, ligação deficiente das LDL e incapacidade de internalizar partículas de LDL ligadas. Os
indivíduos heterozigotos (1 em 500 nos Estados Unidos) apresentam concentrações plasmáticas
elevadas de colesterol total desde o nascimento, com níveis no adulto que atingem, em média, de 275
a 500 mg/dL (normal, <200 mg/dL). As manifestações clínicas consistem em xantomas tendíneos
(causados pelo acúmulo intracelular e extracelular de colesterol) e arco corneano (depósito de
colesterol na córnea). A HF homozigótica é um distúrbio muito mais grave, porém raro (1 em 1
milhão nos Estados Unidos), que se caracteriza pela ausência de receptores de LDL funcionais.
Isso resulta em concentrações plasmáticas muito elevadas de colesterol (700 a 1.200 mg/dL) e em
doença cardiovascular, que se manifesta clinicamente antes dos 20 anos de idade. Os heterozigotos
para a HF respondem de modo satisfatório às estatinas e a outros fármacos que reduzem as LDL por
meio da suprarregulação da densidade de receptores de LDL sobre a superfície celular.

O defeito familiar da apoB100 é um traço autossômico dominante em que mutações na proteína


apoB100 levam a uma afinidade diminuída das partículas de LDL pelos receptores de LDL. Devido
ao catabolismo diminuído das LDL, as concentrações de colesterol no defeito familiar da apoB100
podem ser semelhantes àquelas de pacientes com HF. Esses indivíduos respondem de modo
satisfatório ao tratamento com estatina e niacina.

A hipercolesterolemia poligênica é um termo geral utilizado para incluir a maioria (>85%)


dos pacientes com hipercolesterolemia que não apresentam nenhuma causa genética definida para
o distúrbio. A hipercolesterolemia poligênica pode resultar de interações complexas entre genes
e o ambiente e/ou de múltiplas suscetibilidades genéticas não caracterizadas. Será necessária a
realização de pesquisa sobre predisposição genética para a hipercolesterolemia, a fim de identificar
etiologias bem definidas para a maioria dos pacientes com hipercolesterolemia.

Hipertrigliceridemia
A hipertrigliceridemia primária caracteriza-se por concentrações plasmáticas elevadas de
triglicerídeos (200 a 500 mg/dL; normal, <150 mg/dL), quando medidas depois de uma
noite de jejum. Foram identificadas três etiologias principais para a hipertrigliceridemia: a
hipertrigliceridemia familiar de causa genética desconhecida, a deficiência familiar de lipase de
lipoproteína (LPL) e a deficiência de apoCII. A hipertrigliceridemia desenvolve-se comumente com
a idade, o ganho de peso, a obesidade e o diabetes.

A hipertrigliceridemia familiar é um distúrbio autossômico dominante comum, caracterizado por


hipertrigliceridemia com níveis normais de colesterol LDL. Com frequência, o nível de colesterol
HDL encontra-se reduzido. Embora o defeito subjacente seja desconhecido nesse distúrbio, foi
aventada a hipótese de que o aumento na síntese hepática de triglicerídeos resulta na produção
acelerada de VLDL. A lipólise diminuída dos quilomícrons e das VLDL pela lipase de lipoproteína
constitui outra causa. Os fibratos constituem os fármacos de escolha para a hipertrigliceridemia,
embora a niacina e as estatinas possam ser adicionadas a esse esquema.

A deficiência familiar de LPL, que é transmitida de modo autossômico recessivo, é causada pela
ausência de LPL ativa. Esse distúrbio pode ser diagnosticado pela determinação da atividade

49
UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDIOS

da lipase no plasma, após a infusão de heparina, que compete pelos sítios de ligação nas células
endoteliais, desalojando as moléculas de LPL e liberando-as no plasma. Os pacientes com deficiência
de LPL apresentam hipertrigliceridemia profunda, caracterizada por elevação dos quilomícrons
na lactância e comprometimento da remoção das VLDL posteriormente, durante a vida. Os
lactentes ou os adultos jovens podem apresentar pancreatite, xantomas eruptivos, hepatomegalia
e esplenomegalia, atribuível ao acúmulo de células espumosas repletas de lipídios. O tratamento
consiste em dieta isenta de gordura e evitar substâncias que aumentam a produção de VLDL pelo
fígado, como álcool e glicocorticoides.

A deficiência de apoCII é um distúrbio autossômico raro, cuja manifestação e tratamento assemelham-


se aos da deficiência familiar de lipoproteína lipase. Pode ser diferenciada da deficiência de LPL pela
demonstração de uma redução dos níveis de triglicerídeos após infusão de plasma contendo apo-CII
normal; essa redução não é observada em pacientes com deficiência familiar de LPL.

Hiperlipidemia mista
Os pacientes com hiperlipidemia mista apresentam um complexo perfil de lipídios que pode consistir
em níveis elevados de colesterol total, colesterol LDL e triglicerídios. Com frequência, observa-se
uma redução do colesterol HDL. As etiologias da hiperlipidemia mista incluem a hiperlipidemia
combinada familiar (HCF) e a disbetalipoproteinemia.

A HCF é uma doença comum, associada a concentrações moderadamente elevadas de triglicerídios e


colesterol total em jejum, porém com concentrações diminuídas de colesterol HDL. Com frequência,
esses pacientes apresentam manifestações da síndrome metabólica, incluindo obesidade
abdominal, intolerância à glicose e à hipertensão. O defeito molecular ainda está sendo investigado.
As hipóteses atuais implicam resistência à insulina, resultando em aumento da lipólise no tecido
adiposo. Os ácidos graxos liberados do tecido adiposo retornam ao fígado, onde são novamente
utilizados na formação de triglicerídios.

O aumento dos triglicerídios eleva a produção de partículas de VLDL, resultando em aumento das
concentrações plasmáticas de lipoproteínas contendo apoB. Provavelmente, uma combinação de
diversas variantes genéticas está envolvida na etiologia da HCF, e a expressão diminuída de receptores
de LDL e/ou da LPL pode constituir um componente do fenótipo da HCF. A aderência rigorosa a
uma modificação da dieta pode constituir uma maneira efetiva de controlar a HCF. Entretanto, o
tratamento farmacológico é, com frequência, necessário, e as estatinas são comumente utilizadas.
Pode ser necessária uma terapia de combinação incluindo a adição de fibrato ou de niacina para
normalizar as concentrações de triglicerídios e de colesterol LDL, bem como para aumentar o
colesterol HDL.

A disbetalipoproteinemia é um distúrbio caracterizado por aumento dos quilomícrons ricos em


colesterol e partículas semelhantes à IDL. Esses achados derivam do acúmulo de remanescentes de
quilomícrons e de VLDL, resultando em hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia. As mutações
nas isoformas da apoE (E2, E3 e E4) foram implicadas na doença. Os quilomícrons e as partículas de
VLDL em pacientes com o fenótipo homozigoto apoE2/apoE2 apresentam uma afinidade reduzida

50
Metabolismo de lipídios │ UNIDADE III

pelos seus receptores de lipoproteína, resultando em acúmulo de partículas remanescentes no


plasma. Embora a apoE defeituosa esteja presente desde o nascimento, os sintomas geralmente
só se manifestam nos homens a partir dos 30 anos e nas mulheres por ocasião da menopausa.
O mecanismo subjacente a esse retardo na expressão do fenótipo não é conhecido, e podem ser
necessários fatores metabólicos adicionais (por exemplo, obesidade, diabetes ou hipotireoidismo)
para que o distúrbio manifeste-se. A disbetalipoproteinemia pode ser controlada com a redução na
ingestão de gordura e de colesterol, juntamente com a redução do peso corporal e abstinência de
álcool. Além disso, a niacina e os fibratos constituem um tratamento farmacológico efetivo.

Hiperlipidemia mista
A presença de níveis diminuídos de colesterol HDL constitui um fator de risco independente para o
desenvolvimento de aterosclerose e doença cardiovascular. Foram identificados numerosos defeitos
genéticos raros no metabolismo das HDL, incluindo defeitos na apoAI, na ABCA1 e na LCAT. Cada
um desses defeitos resulta em níveis diminuídos de HDL, para os quais não se dispõe, no momento
atual, de nenhum tratamento efetivo.

Recentemente, variações na atividade da proteína de transferência de ésteres de colesterol (CETP)


foram caracterizadas como fonte potencialmente mais comum de variação interpessoal nos níveis de
HDL. A diminuição da atividade da CETP resulta em concentrações plasmáticas elevadas de HDL,
atribuíveis a uma redução na transferência de colesterol das HDL para partículas remanescentes.
Embora se possa pressupor que os níveis elevados de HDL sejam cardioprotetores, isso nem sempre
é observado. A atividade diminuída da CETP pode aumentar o risco de aterogênese em alguns
casos, enquanto pode ser cardioprotetora em outros. São necessárias pesquisas adicionais para que
se possa identificar o papel dos polimorfismos da CETP no metabolismo dos lipídios e o risco de
doença cardiovascular.

51
Metabolismo de
aminoácidos e Unidade iV
proteínas

CAPÍTULO 1
Digestão, absorção e transporte

As proteínas são moléculas formadas a partir da ligação peptídica entre aminoácidos, sendo sua
estrutura formada por combinações dos 20 aminoácidos em diversas proporções. Os aminoácidos
são constituídos de um carbono ligado de forma covalente a um átomo de hidrogênio, um
grupamento amino (NH2), um grupamento carboxila (COOH) e uma cadeia lateral que caracteriza
as propriedades físico-químicas do aminoácido (Figura 18).

Figura 18. Representação esquemática de um aminoácido

Embora as proteínas sejam componentes estruturais de todas as células, elas são igualmente
importantes para manter a produção de secreções como enzimas digestivas e hormônios. As
proteínas também são necessárias para sintetizar proteínas plasmáticas, essenciais à manutenção
do equilíbrio osmótico, ao transporte de substratos no sangue e a manutenção da imunidade. A
maior parte da proteína do organismo é encontrada no músculo esquelético e em menor parte no
pool de proteínas viscerais que compreende as proteínas do soro (eritrócitos, granulócitos, linfócitos
etc.) e também as provenientes do fígado, dos rins, do pâncreas e do coração.

Embora não exista uma classe de proteínas de “armazenamento”, uma porcentagem da proteína
corporal sofre um processo constante de síntese e quebra. A reciclagem (turnover) de proteína é
um processo normal, característica essencial do chamado balanço nitrogenado (diferença entre a
quantidade de nitrogênio ingerida e excretada).

52
Metabolismo de aminoácidos e proteínas │ UNIDADE IV

O balanço nitrogenado negativo resulta de uma ingestão proteica inadequada, uma vez
que os aminoácidos utilizados para produção de energia e reações de biossíntese não são
repostos. Ocorre quando há lesões, destruição tecidual, traumas graves, doenças catabólicas,
senescência, dieta deficiente. No jejum, a quebra desse estoque de proteínas aumenta, e os
aminoácidos resultantes são utilizados para produção de glicose, síntese de outros compostos
nitrogenados que não proteína e síntese de proteínas de secreção e plasmáticas essenciais. A
amônia liberada dos aminoácidos é excretada como ureia, e não e reincorporada às proteínas
(Figura 19).

Figura 19. Balanço nitrogenado negativo.

O balanço nitrogenado positivo ocorre quando há aumento das reservas proteicas do organismo,
como em crianças em crescimento, gestantes, lactantes, adultos convalescentes. Com o avançar da
idade, ocorre diminuição da síntese proteica e aumento do catabolismo proteico.

Nutricionalmente, os aminoácidos são classificados em essenciais, não essenciais e


condicionalmente essenciais (Tabela 2). Dos 20 aminoácidos, 11 podem ser sintetizados pela
célula. Os outros nove devem ser supridos pela dieta e são chamados de aminoácidos essenciais.
Os alimentos que contêm os nove aminoácidos essenciais são chamados de proteínas completas e
incluem o ovo, o leite e as carnes.

53
UNIDADE IV │ METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS

Tabela 2. Exemplos de aminoácidos e seus respectivos produtos finais.

A digestão e a absorção de proteínas são processos altamente eficientes em pessoas saudáveis:


apenas 1-2 g de nitrogênio são eliminados por dia nas fezes, o que equivale a 6-12 g de proteína. A
digestão de proteínas inicia no estômago, onde as proteínas estimulam a mucosa gástrica a secretar
o hormônio gastrina. A gastrina estimula a secreção de ácido hidroclorídrico e pepsinogênio. O
ácido clorídrico confere pH ácido ao meio que propicia a desnaturação da proteína, isto e, quebra
das estruturas quaternárias e terciárias, expondo as ligações peptídicas da proteína e facilitando a
ação das enzimas digestivas. O pepsinogênio é convertido em pepsina e hidrolisa as longas cadeias
polipeptídicas em peptídeos menores.

À medida que o conteúdo gástrico passa para o intestino delgado, o pH ácido estimula a secreção
do hormônio secreta a. A secretina estimula o pâncreas a secretar bicarbonato de sódio no intestino
delgado a fim de neutralizar o conteúdo gástrico. A entrada de aminoácidos no intestino delgado
estimula a liberação do hormônio colecistoquinina (CCK) que estimula a liberação de enzimas
pancreáticas tripsinogênio, quimotripsinogênio e procarboxipeptidase. A enteropeptidase, também
chamada enteroquinase, uma enzima produzida pelas células epiteliais do intestino delgado, converte
o tripsinogênio pancreático inativo em tripsina ativa. A tripsina ativa mais tripsinogênio também atua
sobre outras pro-enzimas, liberando as endopeptidases quimotripsina, elastase e carboxipeptidases
A e B. No intestino delgado, os polipeptídeos provenientes do estômago sofrem ação das enzimas
tripsina (especificidade por ligações adjacentes à lisina ou à arginina), elastase (especificidade por
ligações adjacentes a aminoácidos alifáticos neutros) e quimotripsina (especificidade por ligações
adjacentes a aminoácidos aromáticos) formando peptídeos menores. Ainda no intestino delgado, os
peptídeos sofrem a ação de endo e exopeptidases. As endopeptidases atuam sobre ligações internas
e liberam fragmentos peptídicos grandes. As exopeptidases clivam um aminoácido de cada vez da
extremidade carboxi-terminal (carboxipeptidases) ou aminoterminal (aminopeptidases).

Em seguida, a degradação de pequenos peptídeos é realizada por outras peptidases. Amino e de


peptidases produzidas pela mucosa intestinal completam a digestão dos peptídeos em aminoácidos.
A maior parte da proteína, cerca de 60%, é absorvida na forma de oligopeptídeos. A absorção de di e
tripeptídeos ocorrem via PEPT-1, transportador próton-dependente e geralmente são hidrolisados
a aminoácidos no compartimento citoplasmático do enterócito antes de entrarem na circulação

54
Metabolismo de aminoácidos e proteínas │ UNIDADE IV

sanguínea e serem transportados ao fígado. A absorção de aminoácidos livres ocorre no jejuno e


íleo via transporte ativo e cotransporte de sódio. Os aminoácidos são absorvidos via transportador
Na+ dependente, a energia necessária para o transporte é derivada diretamente do gradiente
eletroquímico de Na+ e indiretamente do ATP (bomba de Na+ e K+). Após serem absorvidos, os
aminoácidos são transportados ao fígado via veia porta (Figura 20).

Figura 20. A digestão e a absorção de proteínas.

55
CAPÍTULO 2
Biossíntese de aminoácidos e
moléculas derivadas de aminoácidos

Os aminoácidos captados pelo fígado podem seguir diferentes vias metabólicas:

»» serem utilizados por órgãos na síntese de proteínas teciduais;

»» serem utilizados pelo fígado para renovar as proteínas hepáticas ou para sintetizar
proteínas plasmáticas;

»» serem degradados e convertidos em glicose para gerar ATP via ciclo de Krebs ou
serem convertidos em lipídios e serem estocados;

»» serem utilizados para síntese de nucleotídeos dos ácidos nucleicos, anticorpos,


hormônios ou outros compostos que contem nitrogênio.

Cerca de 20% dos aminoácidos que entram no fígado são liberados para a circulação, cerca de 50%
são transformados em ureia e cerca de 6% em proteínas plasmáticas. Os aminoácidos liberados na
circulação são metabolizados pelo músculo esquelético, pelos rins e por outros tecidos.

Conforme comentado anteriormente, o anabolismo e o catabolismo proteico são processos


dinâmicos específicos de cada tecido e caracteriza o turnover proteico. Aminoácidos livres são
encontrados tanto nos tecidos como na circulação sanguínea. O pool de aminoácidos livres e
proteínas é constantemente utilizado e reposto. A quantidade de aminoácidos livre reflete diversos
processos: absorção intestinal, degradação de proteínas e perda por incorporação de aminoácidos
em proteínas, oxidação e conversão em outros metabolitos.

Duas reações estão envolvidas no metabolismo dos aminoácidos: desaminarão oxidativa e


transaminação.

»» Desaminação oxidativa: ocorre no citoplasma dos hepatócitos, o grupo NH2 é


retirado do aminoácido por meio da desaminases e cadeia carbônica livre de NH2
segue para o ciclo de Krebs como será apresentado mais adiante.

»» Transaminação: ocorre no citoplasma e mitocôndria por ação de enzimas


chamadas transaminases ou aminotransferases. O nitrogênio é transferido
de um alfa-aminoácido para um alfacetoácido. Cada aminoácido possui um
cetoácido correspondente. Pela transaminacao, pares de aminoácidos podem ser
interconvertidos por transferência de grupo amino. Um aminoácido cujo grupo
amino foi retirado é chamado de 2-oxoacido ou cetoácido e é um precursor de
aminoácidos. Por ser facilmente permeável à membrana mitocondrial, o ácido
glutâmico e muito utilizado nas reações de laminação e transaminação, saindo
da mitocôndria para buscar NH2 e levá-lo de volta à mitocôndria para síntese

56
Metabolismo de aminoácidos e proteínas │ UNIDADE IV

de aminoácido. Resumidamente, o efeito das reações de transaminação é coletar


os grupos amino de muitos aminoácidos diferentes na forma de glutamato. O
glutamato conduz os grupos amino para serem utilizados em vias biossintéticas
ou para uma sequência de reações pela qual os produtos nitrogenados serão
excretados.

O anabolismo proteico ocorre na maioria das células corporais. A reação pela qual os aminoácidos
não essenciais são sintetizados e a transaminação. A síntese proteica é controlada em cada célula
pelo DNA (ácido desoxirribonucleico), o material genético do núcleo celular. O DNA funciona como
um molde para o RNA (ácido ribonucleico), que participa da síntese proteica.

O controle da síntese de proteína depende das necessidades do organismo e não da quantidade de


proteína da dieta. A síntese proteica é regulada por diversos hormônios: hormônio do crescimento,
que aumenta a síntese proteica; a insulina, que intensifica o transporte de aminoácidos para as
células e aumenta a disponibilidade de glicose; os glicocorticoides, que promovem catabolismo
proteico, aumentando a quantidade de aminoácidos nos fluidos corporais, os glicocorticoides
também agem nos ribossomos, aumentado à eficiência da tradução, e melhorando, assim, a taxa de
síntese proteica; a tiroxina que aumenta a taxa de síntese proteica quando carboidratos e lipídios
estão disponíveis como fonte energética, e que também degrada proteína para ser utilizada como
fonte energética quando outros nutrientes não estão disponíveis.

Cada aminoácido possui uma via metabólica especifica em diferentes tecidos. Os aminoácidos
de cadeia ramificada (leucina, isoleucina e valina) são preferencialmente captados pelo músculo
esquelético após a refeição e são transanimados e oxidados, promovendo fonte energética para
o músculo. Alanina e glutamina são aminoácidos glicogênios, isto é, podem ser convertidos em
glicose e promovem um link entre o metabolismo dos aminoácidos e dos carboidratos. A alanina
é captada avidamente pelo fígado, particularmente sob condições de gliconeogênese, estimulada
pelo glucagon. No fígado, que possui transaminases bastante ativas, a alanina transfere seu grupo
amino para o 2-oxoglutarato, deixando o seu esqueleto carbônico como piruvato, um substrato
da gliconeogênese.

O ciclo da alanina (Figura 21) é importante fonte de glicose e um método de transportar nitrogênio
do músculo esquelético para o fígado sem a formação de amônia. Assim, o ciclo glicose-alanina
funciona com dupla finalidade: fornecer ao músculo glicose sintetizada no fígado a partir do
esqueleto carbônico da alanina e transportar grupos amino do músculo esquelético para o fígado
para ser convertido em ureia. A glutamina é removida principalmente pelos rins e pelas células
da mucosa intestinal. Nos rins, a ação da glutaminase remove o grupo amino, formando amônia e
liberando glutamato, o qual pode ser convertido a 2-oxoglutarato. A glutamina é importante fonte
energética para células de divisão rápida como os enterócitos. Os enterócitos utilizam cerca de
20 g/dia de glutamina e o sistema imune 5 g/dia. A avaliação bioquímica da glutamina circulante
é um bom parâmetro em nutrição clínica. Sua redução está relacionada à diminuição da síntese
endógena, o que significa perda de massa muscular. A leucina é considerada um sensor nutricional,
informando as células sobre o estado nutricional do organismo. O excesso de leucina nas células é
indicação de anabolismo.

57
UNIDADE IV │ METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS

Figura 21. Ciclo da alanina. A alanina funciona como transportadora de amônia e do esqueleto carbonado do
piruvato desde o músculo até o fígado. A amônia é excretada e o piruvato é utilizado para produzir glicose, que é
devolvida ao músculo.

Fonte: Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.

58
CAPÍTULO 3
Vias de degradação de aminoácidos.
Excreção de nitrogênio e ciclo da ureia

Os aminoácidos podem ser oxidados assim como a glicose e os ácidos graxos. Os aminoácidos podem
sofrer degradação oxidativa em três circunstâncias metabólicas específicas:

»» Durante a síntese e degradação proteica, alguns aminoácidos liberados durante


a quebra de proteínas podem sofrer degradação oxidativa caso eles não sejam
necessários para a síntese de novas proteínas.

»» Quando os aminoácidos são ingeridos em excesso em relação às necessidades


corporais, o excedente é catabolizado.

»» Durante o jejum severo ou o diabetes mellitus, quando os carboidratos são


inacessíveis ou não utilizados adequadamente, as proteínas corporais são utilizadas
como fonte energética. Nestas circunstâncias, os aminoácidos perdem seu grupo
amino e os alfacetoglutarato podem sofrer oxidação até CO2 e H2O.

A oxidação de aminoácidos contribui com 10-20% do metabolismo oxidativo total do organismo


sob condições normais. Com relação ao catabolismo de proteínas e aminoácidos, antes da oxidação
do esqueleto carbônico do aminoácido, o grupo amino deve ser removido numa reação chamada
desaminação oxidativa, descrita anteriormente, com consequente formação de cetoácidos. Os
cetoácidos podem ser: 1. utilizados para produzir CO2 e ATP; 2. intermediários na síntese de glicose.
3. convertidos a acetil-CoA para sintetizar ácidos graxos e que por sobrecarregar o ciclo de Krebs
formam corpos cetônicos que são posteriormente eliminados. Uma vez que as proteínas não podem
ser armazenadas, estas utilizações alternativas ocorrem à custa da função de construção da proteína.
O grupo amino é desviado para uma via metabólica especializada e é liberado como amônia. Parte
da amônia é reciclada e empregada em uma grande variedade de processos biossintéticos, enquanto
a amônia em excesso, gerada em tecidos extra-hepáticos e transportada ao fígado na forma de grupo
amino para conversão na forma apropriada de excreção, isto é, em ureia e desta forma eliminada
pela urina (Figura 22).

59
UNIDADE IV │ METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS

Figura 22. Representação geral do catabolismo de aminoácidos.

Fonte: Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.

Em muitos animais, a amônia em excesso é convertida em um composto não tóxico antes de


ser transportada dos tecidos extra-hepáticos para o fígado e os rins. Os aminoácidos glutamato
e glutamina desempenham papel importante nesta via. Os grupos amino dos aminoácidos são
transferidos ao alfacetoglutarato no citosol dos hepatócitos para formar glutamato. O glutamato é,
então, transportado para o interior da mitocôndria, onde o grupo amino é removido para formar
amônia. Nos músculos, os grupos amino em excesso são transferidos para o piruvato, com a
respectiva formação de alanina que transporta grupos amino dos músculos para o fígado.

A síntese de ureia ocorre pelo ciclo da ureia nas mitocôndrias dos hepatócitos. O CO2 e a amônia
unem-se à ornitina por uma série de reações para produzir arginina que é hidrolisada para produzir
ureia e ornitina. A molécula de ornitina é repetidamente utilizada para formar arginina e ureia.
Quanto mais hiperproteica a dieta, maior é a disponibilidade de aminoácidos no sangue e a atividade
das enzimas do ciclo da ureia para excretar o nitrogênio.

Algumas consequências clínicas do catabolismo proteico:

»» prejuízo do processo de cicatrização;

»» prejuízo da resposta imune para infecções;

»» hipoalbuminemia;

»» aumento das proteínas de fase aguda (proteína é reativa, fibrinogênio etc.);

60
Metabolismo de aminoácidos e proteínas │ UNIDADE IV

»» diminuição da capacidade de coagulação;

»» translocação bacteriana intestinal;

»» degradação muscular;

»» diminuição da função da musculatura respiratória.

Algumas proteínas utilizadas para avaliação do estado catabólico: imunoglobulina, albumina, IGF-
1, proteína total plasmática, RBP, ferritina, aminograma. A creatinina urinária está relacionada ao
catabolismo proteico muscular.

Conforme descrito anteriormente, o excesso de proteína é tratado como fonte energética. Os


aminoácidos glucogênicos (alanina, glutamina) podem ser convertidos em glicose e os aminoácidos
cetogênicos (leucina) podem ser convertidos em ácidos graxos e cetoácidos. Ambos os tipos de
aminoácidos são convertidos em triacilglicerol no tecido adiposo. Os aminoácidos glucogênicos são
metabolizados a piruvato, 3-fosfoglicerato, alfacetoglutarato, oxaloacetato, fumarato ou succinil-
CoA e os aminoácidos cetogênicos produzem acetil-CoA ou acetoacetato (Figura 23).

Figura 23. Resumo do catabolismo dos aminoácidos.

Fonte: Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.

61
CAPÍTULO 4
Patologias relacionadas com a
alteração do metabolismo dos
aminoácidos e proteínas

A doença celíaca (DC) é autoimune, sendo causada pela intolerância permanente ao glúten, principal
fração proteica presente no trigo, no centeio, na cevada e na aveia, e se expressa por enteropatia
mediada por linfócitos T em indivíduos geneticamente predispostos. Estudos de prevalência da DC
têm demonstrado que ela é mais frequente do que se pensava, mas continua sendo subestimada. A
falta de informação sobre a DC e a dificuldade para o diagnóstico prejudicam a adesão ao tratamento
e limitam as possibilidades de melhora do quadro clínico. Outra particularidade é o fato de a DC
predominar em indivíduos faiodérmicos, embora existam relatos de sua ocorrência em indivíduos
melanodérmicos. Pesquisas revelam que a doença atinge pessoas de todas as idades, mas compromete
principalmente crianças de seis meses a cinco anos de idade. Foi também observada frequência
maior em pacientes do sexo feminino, na proporção de duas mulheres para cada homem. O caráter
hereditário da doença torna imprescindível que parentes em primeiro grau de celíacos submetam-
se ao teste para sua detecção. Três formas de apresentação clínica da DC são reconhecidas: clássica
ou típica, não clássica ou atípica e assintomática ou silenciosa.

Forma clássica ou típica


Caracteriza-se pela presença de diarreia crônica, em geral acompanhada de distensão abdominal e
perda de peso. Os pacientes também podem apresentar diminuição do tecido celular subcutâneo,
atrofia da musculatura glútea, falta de apetite, alteração de humor (irritabilidade ou apatia),
vômitos e anemia. Essa forma clínica pode ter evolução grave, conhecida como crise celíaca, que
ocorre quando há retardo no diagnóstico e na instituição de tratamento adequado, particularmente
entre o primeiro e o segundo anos de vida, sendo frequentemente desencadeada por infecção.
Essa complicação potencialmente fatal caracteriza-se pela presença de diarreia com desidratação
hipotônica grave, distensão abdominal por hipopotassemia e desnutrição grave, além de outras
manifestações, como hemorragia e tetania.

Forma não clássica ou atípica


Caracteriza-se por quadro mono ou oligossintomático, em que as manifestações digestivas estão
ausentes ou, quando presentes, ocupam um segundo plano. Os pacientes podem apresentar
manifestações isoladas, como, por exemplo, baixa estatura, anemia por deficiência de ferro
refratária à reposição de ferro por via oral, anemia por deficiência de folato e vitamina B12,
osteoporose, hipoplasia do esmalte dentário, artralgias ou artrites, constipação intestinal refratária
ao tratamento, atraso puberal, irregularidade do ciclo menstrual, esterilidade, abortos de repetição,
ataxia, epilepsia (isolada ou associada à calcificação cerebral), neuropatia periférica, miopatia,

62
Metabolismo de aminoácidos e proteínas │ UNIDADE IV

manifestações psiquiátricas (depressão, autismo, esquizofrenia), úlcera aftosa recorrente, elevação


das enzimas hepáticas sem causa aparente, adinamia, perda de peso sem causa aparente, edema de
surgimento abrupto após infecção ou cirurgia e dispepsia não ulcerosa.

Forma assintomática ou silenciosa


Caracteriza-se por alterações sorológicas e histológicas da mucosa do intestino delgado compatíveis
com DC, na ausência de manifestações clínicas. Essa situação pode ser comprovada especialmente
entre grupos de risco para a DC, como, por exemplo, parentes em primeiro grau de pacientes celíacos,
e vem sendo reconhecida com maior frequência nas últimas duas décadas, após o desenvolvimento
dos marcadores sorológicos para a doença.

A dermatite herpetiforme, considerada DC da pele, que se apresenta com lesões cutâneas do tipo
bolhoso e intensamente pruriginoso, relaciona-se também com intolerância permanente ao glúten.

A cistinúria é uma doença hereditária do transporte renal de aminoácidos, caracterizada pelo


aumento da excreção urinária de cistina e de aminoácidos básicos (lisina, arginina e ornitina).
A patologia é causada por um defeito no mecanismo de transporte luminal partilhado por estes
aminoácidos nas células epiteliais dos túbulos renais e do trato gastrintestinal. A expressão do déficit
em nível intestinal não tem consequências clínicas (uma vez que é compensada pela absorção de
oligopeptídeos), mas em nível renal verifica-se fraca reabsorção destes aminoácidos, o que conduz à
sua hipersecreção urinária. Dada a elevada concentração e a baixa solubilidade da cistina na urina a
pH fisiológico, esta precipita nos túbulos renais, levando à formação de cálculos.

Algumas outras patologias relacionadas ao metabolismo de proteínas e aminoácidos incluem:

»» Poliúria: intestino não absorve prolina e os rins não a reabsorvem;

»» Doença de HartNup: intestino não absorve aminoácidos neutros e os rins não os


reabsorvem.

63
Integração Unidade V
metabólica

CAPÍTULO 1
Especificidade do metabolismo
tecidual em situações de absorção,
pós-absorção e jejum

O equilíbrio das nossas reações químicas é dinâmico, ou seja, adapta-se às variações do


meio externo dentro de um intervalo, de modo a que as células funcionem bem, ainda que as
concentrações não sejam sempre exatamente as mesmas. O objetivo final das células é produzir
energia e manterem-se vivas, havendo várias vias metabólicas responsáveis por esta finalidade,
para além da preferencial.

A integração metabólica é a integração das várias vias metabólicas e o seu funcionamento conjunto
para o funcionamento da célula em questão. As inter-relações entre os diferentes tipos de compostos
são numerosas e deve considerar-se todo o metabolismo celular como um conjunto de reações
harmoniosamente integradas.

No estado alimentado, altas concentrações de glicose e aminoácidos advindos da dieta chegam ao


fígado. As moléculas de glicose são internalizadas pelos hepatócitos com ajuda do transportador
de glicose tipo 2 (GLUT-2), que eficientemente permite que a concentração de glicose na célula
hepática seja semelhante à encontrada no sangue. No entanto, a utilização de glicose pela célula só
é possível após a fosforilação desta molécula. No hepatócito, a enzima que catalisa esta reação, a
glicoquinase, tem baixa afinidade pela glicose, sendo necessárias altas concentrações de glicose para
sua fosforilação. Isso é possível devido à capacidade do fígado de utilizar preferencialmente ácidos
graxos e aminoácidos como fonte energética. Ainda que a insulina não influencie a captura de glicose
pelos hepatócitos, ela possui papel importante no uso deste substrato pelas células hepáticas. Uma
grande concentração de glicose aliada à presença significativa de insulina estimulará a glicogênese,
que será importante no fornecimento de substrato energético durante períodos iniciais de jejum.
Após ser internalizada pelo fígado, a glicose pode seguir a via glicolítica e, posteriormente, o ciclo de
Krebs, onde ocorrerá a oxidação e formação da maior parte de ATP; pode seguir a via das pentoses,
ou a via da glicogênese, que formará um polissacarídeo de reserva energética (glicogênio), liberado
durante períodos de restrição alimentar. A produção desse carboidrato ocorre em quantidade
relativamente pequena e, após saturação e estímulo insulínico, o excesso é convertido em AG após
formação de um composto intermediário chamado acetil-CoA.

64
Integração metabólica │ UNIDADE V

Durante a alimentação, boa parte dos aminoácidos que chegam ao fígado são retidos e não
alcançam a circulação sistêmica. No período pós-prandial, a alta concentração de aminoácidos
permite que o fígado extraia quantidade significativa de energia por meio de sua oxidação, além
de poder metabolizá-los da seguinte maneira: entram na via das proteínas, para a síntese proteica;
os aminoácidos sofrem desaminação, entram na via metabólica dos carboidratos para formação de
glicose ou glicogênio; e lipídios, para a síntese de ácidos graxos e corpos cetônicos.

Os AG são esterificados juntos a uma molécula de glicerol para a formação de TG. Por sua
vez, estes são liberados na corrente sanguínea como VLDL, que sofrerão hidrólise pela lipase
lipoproteica (LPL) presente nos capilares do tecido adiposo, liberando AG e glicerol para posterior
armazenamento neste tecido. Além do fígado, o músculo esquelético e o tecido adiposo também
contribuem para a regulação do metabolismo energético. Esses tecidos, principalmente o tecido
adiposo, são capazes de armazenar grandes quantidades de substrato energético, que serão
utilizados no período pós-absortivo.

O transporte de glicose no músculo esquelético é realizado pelo transportador de glicose tipo 4


(GLUT-4), que são dependentes de insulina. A glicose pode sofrer oxidação para produção de
energia ou ser armazenada como glicogênio. Já os aminoácidos que o fígado não capturou são
usados para a síntese proteica no músculo esquelético. As proteínas são degradadas de forma
contínua e os aminoácidos provenientes desse processo são acrescentados a um pool intracelular.
Ao mesmo tempo, novas proteínas são sintetizadas, apanhando aminoácidos desse mesmo pool.
Durante a alimentação, a quantidade de aminoácidos armazenados é grande devido a sua absorção.
Adicionalmente, a quantidade de aminoácidos que saem dos depósitos para o metabolismo oxidativo
é pequena, devido à alta disponibilidade de glicose para a oxidação. Por isso, grande quantidade de
aminoácidos é direcionada à produção de novas proteínas.

Desse modo, a taxa de síntese sobrepõe-se à taxa de degradação e os aminoácidos são estocados como
proteína muscular. No tecido adiposo, durante o período absortivo, a glicose pode ser transformada
em glicerol que se unirá à AG para formar TG, armazenados temporariamente nesse tecido. Os
AG constituintes dos TG podem ser oriundos de duas fontes: da lipogênese a partir da glicose no
próprio tecido adiposo ou da captação de quilomícrons e VLDL.

A grande quantidade de glicose sanguínea originada da absorção intestinal durante o estado


absortivo é a fonte energética imediata para a maioria dos tecidos, inclusive o sistema nervoso
central. A glicose é usada pela via da glicólise. Essa é a primeira etapa de oxidação, seguida pelo ciclo
de Krebs, de onde se completa a oxidação, sendo a principal via metabólica de geração energética
no organismo.

Concomitantemente, no fígado e no músculo esquelético há a formação de estoques de glicogênio


e, no tecido adiposo há síntese de TG. Sendo assim, o estado absortivo tem como característica
o armazenamento de substrato energético, que será utilizado durante a restrição alimentar. Ao
mesmo tempo, existe elevado uso imediato de glicose como fonte energética. Desse modo, a alta
concentração sérica de glicose observada logo após a alimentação é momentânea, atingindo seus
valores basais conforme sua captação tecidual.

65
UNIDADE V │ INTEGRAÇÃO METABÓLICA

As relações metabólicas entre os tecidos durante o período absortivo estão apresentadas na Figura 24.

Figura 24. Representação do metabolismo energético durante o estado absortivo.

Fonte: Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.

Durante o estado pós-absortivo, o fígado é a primeira fonte de glicose. Nessa fase, quando houver
preponderância do glucagon sobre a insulina, glicogênio estocado nesse órgão é degradado para
liberar glicose no sangue, processo chamado de glicogenólise O glicogênio é capaz de suprir
a necessidade energética do organismo por cerca de 4-5 horas apenas. Por isso, o fígado tem a
capacidade de produzir glicose por meio de um processo chamado gliconeogênese.

A gliconeogênese acontece com primazia no fígado por meio do estímulo pelo glucagon e ocorre
simultaneamente à glicogenólise hepática. Enquanto existir glicogênio, a gliconeogênese ocorre
com baixa velocidade, entretanto, quando exaurir o glicogênio hepático, este processo acontecerá
em velocidade máxima. Em vista disso, se durante o jejum prolongado a manutenção glicêmica fosse
feita apenas pela gliconeogênese, resultaria em um alto custo metabólico, devido ao fato de esta via
causar significativa perda de massa muscular que segue o jejum. O substrato precursor utilizado
para a gliconeogênese são aminoácidos provenientes do músculo esquelético (principalmente a
alanina), glicerol oriundo da lipólise no tecido adiposo, e lactato originado dos eritrócitos. O músculo
sintetiza e libera em maior quantidade os aminoácidos alanina e glutamina. A glutamina é utilizada
pelo epitélio intestinal, linfócitos e macrófagos.

Nesse processo, ocorre a conversão de glutamina em glutamato, que forma α-cetoglutarato e alanina,
a partir da transaminação com piruvato. O α-cetoglutarato será convertido em piruvato e entrará
na gliconeogênese juntamente com a alanina. Ausência de mitocôndria nos eritrócitos faz com que
essas células extraiam energia a partir da glicólise anaeróbica, tendo como um dos produtos finais o
lactato. Este, por sua vez, participa do ciclo de Cori (também conhecido como ciclo glicose-lactato),
que ocorre com a gliconeogênese hepática, transformando o lactato em glicose, disponibilizando-a
para tecidos dependentes de glicose (Figura 25).

66
Integração metabólica │ UNIDADE V

Figura 25. Ciclo de Cori.

Fonte: Devlin, T. M. Manual de bioquímica com correlações clínicas. 6ª Ed. São Paulo: Editora Blücher, 2007.

Nesse período, o fígado obtém energia a partir da oxidação de AG à acetil-CoA, processo denominado
beta-oxidação. Estes AGs são mobilizados na lipólise juntamente com o glicerol. Mesmo com a
alimentação, a gliconeogênese a partir de aminoácidos originados da dieta pode acontecer no tecido
hepático por algum tempo. Isso se chama gliconeogênese pós-prandial, sendo feito para fornecer o
armazenamento adequado de glicogênio hepático.

A redução da concentração de insulina acarreta diminuição da esterificação de AG captados pelo


fígado, provenientes do tecido adiposo, sendo estes levados à mitocôndria. Nesta organela, a
minimização da insulina sérica causa a repressão da enzima acetil-CoA carboxilase e consequente
redução da concentração de malonil-CoA. Isso ativa a Carnitina Palmitoil Transferase (CPT-1),
enzima que participa da oxidação dos AG, aumentando, assim, a produção de acetil-CoA, que será
usado para a síntese dos corpos cetônicos.

Nesse grupo estão inseridos a acetona, o acetoacetato e o beta-hidroxibutirato, que são compostos
solúveis em água advindos da oxidação lipídica, sintetizados nas mitocôndrias hepáticas e renais
durante o jejum prolongado. Neste caso, o acetil-CoA originado da beta-oxidação de AG no tecido
hepático está desviado para a gliconeogênese, juntamente com o oxaloacetato, reduzindo a atividade
do ciclo de Krebs.

Os corpos cetônicos produzidos têm como função fornecer substrato energético alternativo
à glicose e aos tecidos extra-hepáticos. O sistema nervoso central adapta-se lentamente à
mudança de disponibilidade de substrato energético e, dentro de alguns dias, começa a utilizar
preferencialmente corpos cetônicos ao invés de glicose. A capacidade adaptativa do sistema
nervoso central quanto ao uso de diferentes substratos como fonte de energia é um mecanismo de
preservação das proteínas do músculo esquelético, pois no jejum a continuidade da gliconeogênese
implicaria a degradação proteica. Contudo, a síntese contínua de corpos cetônicos causa uma
importante diminuição de lipídios, um estoque muito maior do que o proteico, e assim, disponível
em maior quantidade.

Devido à manutenção da gliconeogênese moderada e o aumento na produção de corpos cetônicos,


o organismo é capaz de manter o jejum prolongando. A função do fígado como liberador de glicose
e corpos cetônicos durante o período pós-absortivo é essencial para o funcionamento do sistema
nervoso central e outros tecidos.

67
UNIDADE V │ INTEGRAÇÃO METABÓLICA

Os adipócitos são as únicas células do organismo especializadas em estocar TG, com capacidade de
mobilizá-los (lipólise) de acordo com a necessidade energética do indivíduo. O acúmulo lipídico em
outros tipos celulares pode causar lipotoxicidade e indução da apoptose.

Para fornecer energia a partir de lipídios a outras células do corpo, é necessário que ocorra a hidrólise
dos TG presentes no tecido adiposo e, consequentemente, liberação de AG e glicerol na corrente
sanguínea, processo denominado de lipólise. A lipólise é regulada por vários hormônios, tendo que
a noradrenalina papel extremamente importante nesse processo. A liberação de noradrenalina,
pela ativação do sistema nervoso simpático, estimula os adipócitos, desencadeando uma cascata de
sinalização que resulta na fosforilação da lipase hormônio sensível (HSL), ativando-a e descolando-a
do citoplasma para a gotícula lipídica, fosforilando também as perilipinas, proteínas que envolvem a
gotícula de lipídios, dificultando a ação das lipases. As perilipinas, quando fosforiladas dissociam-se
da gotícula de lipídeos, permitindo a ação dessas enzimas.

Ao mesmo tempo, a presença de hormônios glicocorticoides estimula a ativação de uma lipase


chamada desnutrina, que catalisa a hidrólise dos triacilgliceróis em diacilglicerol (DAG). O HSL
ativado então hidrolisa DAG em monoacilglicerol (MAG), que posteriormente sofrerão a ação da
MAG lipase. O resultado dessa sequência de eventos é a geração de uma molécula de glicerol e
3 AG, sendo liberados na corrente sanguínea e utilizados para a síntese de glicose no fígado, no
caso do glicerol; e os AG serão usados por muitos tecidos ou para a produção de corpos cetônicos
no fígado. Os hormônios tireoideanos também exercem influência sobre o metabolismo. Um dos
efeitos da diminuição da triiodotironina (T3) é causar a redução geral do metabolismo basal em
até 25%, minimizando também a proteólise. No decorrer da primeira semana de jejum, ocorre o
favorecimento da liberação de epinefrina, contudo, as alterações esperadas relacionadas ao aumento
do metabolismo não acontecem, devido a esta elevação estar associada à redução das concentrações
de T3. As mudanças assim ocorridas contribuem para a redução da taxa metabólica, que ocorre
visando reduzir o consumo das reservas energéticas.

Além da insulina e do glucagon, outros hormônios atuam sobre a glicemia e o metabolismo de


macronutrientes. Um resumo dos efeitos de alguns hormônios sobre esses parâmetros está
apresentado na Tabela 3.

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Integração metabólica │ UNIDADE V

Tabela 3. Regulação hormonal sobre a glicemia e o metabolismo de macronutrientes.

O estado bem-alimentado: o fígado lipogênico. Imediatamente após uma refeição


rica em calorias, a glicose, os ácidos graxos e os aminoácidos entram no fígado. A
insulina, liberada em respota à alta concentração sanguínea de glicose, estimula
a captação do açúcar pelos tecidos. Parte da glicose é exportada para o encéfalo
para suas necessidades energéticas e parte para os tecidos adiposo e muscular. No
fígado, o excesso de glicose é oxidado a acetil -CoA, que é usada na síntese de ácidos
graxos que são exportados como triacilgliceróis em VLDLs para os tecidos adiposo
e muscular. O NADPH necessário para a síntese de lipídios é obtido pela oxidação
da glicose na via das pentoses-fosfato. O excesso de aminoácidos é convertido em
piruvato e acetil-CoA, que também são usados para a síntese de lipídios. As gorduras
da dieta de deslocam na forma de quilomicra, via sistema linfático, do intestino para
o músculo e o tecido adiposo.

O estado de jejum: o fígado glicogênico. Após algumas horas sem alimento, o


fígado torna-se a principal fonte de glicose para o encáfalo. O glicogênio hepático
é degradado, e a glicosoe 1. fósfato produzida é convertida em glicose-6. fosfato e,
a seguir, em glicose livre, que é liberada para a corrente sanguínea. Os aminoácidos
procedentes da degradação das proteínas no fígado e no músculo e o glicerol oriundo
da degradação dos TAGs no tecido adiposo são utilizados para a gliconeogênese. O
fígado usa os ácidos graxos como seu combustível principal, e o excesso de acetil-
CoA é convertido em corpos cetônicos que sãO exportados para outros tecidos; o
encéfalo é particularmente dependente deste combustível quando há deficiência
de fornecimento de glicose.

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Para (não) finalizar

A importância da bioquímica na nutrição deve-se ao fato de ela abordar o metabolismo dos alimentos
como um todo, desde o tipo de alimento ingerido até a atuação dos hormônios envolvidos na digestão
e absorção, lembrando que a bioquímica e a fisiologia assim como outras disciplinas, devem andar
juntas para nosso maior aproveitamento no curso. Importante lembrar que a bioquímica também
está envolvida no metabolismo de patologias diversas que atingem a população e trazem alterações
na fisiologia e na bioquímica do indivíduo, refletindo em seu estado nutricional.

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REFERÊNCIAS
BERNE, R.M.; LEVY, M.N. Fisiologia. 5. ed. São Paulo: Elsevier, 2007

CHAMPE PC, HARVEY RA. Bioquímica ilustrada. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2002

COZZOLINO, S.M.F. Biodisponibilidade de nutrientes. 3. ed. São Paulo: Manole, 2009.

CHEMIN, S.M.S.S.; MURA, J.D.P. Tratado de alimentação, nutrição e dietoterapia. 2. ed.


São Paulo: Roca, 2011.

DEVLIN, T. M. Manual de bioquímica com correlações clínicas. 6. ed. São Paulo: Editora
Blücher, 2007.

DOUGLAS, CR. Fisiologia aplicada à nutrição. Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 2007.

GIBNEY, M. J.(Ed.); MACDONALD, I. A.(Ed.); Roche, Helen M. Nutrição & metabolismo. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. 351 p. il.

GUYTON AC, HALL IE. Tratado de fisiologia médica. 11. ed. Editora Elsevier, 2004.

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SHILS ME, OLSON JÁ, SHIKE M, Ross AC. Tratado de nutrição moderna na saúde e na
doença. 9. ed. Manole Editora, 2010

SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre:


Artmed, 2010.

Sites
<http://www.fcf.usp.br/Ensino/Graduacao/Disciplinas/Exclusivo/Inserir/Anexos/
LinkAnexos/DeAngelis06_Prote%C3%ADnas.pdf>

<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pcdt_doenca_celiaca_
livro_2010.pdf>

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