Sie sind auf Seite 1von 10

CIENCIA Y ENFERMERIA XXII (3): 107-116, 2016 ISSN 0717-2079

DIFICULDADES DE PROFISSIONAIS NA ATENÇÃO À SAÚDE


DA PESSOA COM SURDEZ SEVERA1

PROFESSIONAL DIFFICULTIES IN HEALTH CARE OF


PATIENTS WITH SEVERE DEAFNESS

DIFICULTADES PROFESIONALES EN LA ATENCIÓN EN SALUD


A LA PERSONA CON SORDERA SEVERA

Eurípedes Gil de França *


Maiary Andrade Pontes **
Gabriela Maria Cavalcanti Costa ***
Inácia Sátiro Xavier de França ****

RESUMO

Objetivo: Investigar as dificuldades de profissionais da saúde para a realização da consulta com a pessoa com
surdez severa. Materiais e métodos: Estudo transversal, descritivo e qualitativo, realizado em março de 2011, na
rede de atenção primária em saúde de Campina Grande – Paraíba. Utilizou-se um questionário estruturado, e
89 profissionais da saúde da Estratégia de Saúde da Família responderam sobre dificuldades para a consulta ao
surdo. As respostas foram categorizadas por meio de Análise de Conteúdo na Modalidade Temática. Resultados:
Dentre as dificuldades, destacaram-se: comunicação prejudicada, déficit na formação de recursos humanos
para a consulta e reconhecimento das necessidades de saúde, infraestrutura inadequada para acolhimento e
atendimento ao surdo, incerteza com relação aos cuidados em saúde prescritos na consulta e prejuízo da au-
tonomia do paciente. Conclusão: Percebeu-se que a comunicação prejudicada constitui uma barreira para a
promoção de saúde e que profissionais e unidades de saúde não estão capacitados para acolher e atender às
necessidades de saúde da pessoa com surdez severa.

Palavras chave: Surdez, pessoal de saúde, atenção à saúde, barreiras de comunicação, enfermagem.

ABSTRACT

Objective: To investigate the difficulties for health care professionals when dealing with patients with severe
deafness in a medical appointment. Method: This is a cross-sectional, descriptive and qualitative study
conducted in March 2011 in the Primary Health Care Network of Campina Grande – Paraíba. We used a
structured questionnaire completed by 89 health professionals working in the Health Family Strategy. They

1
Artigo extraído da Dissertação de Mestrado intitulada: Atenção à saúde do surdo na perspectiva do profissional da
saúde. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, Brasil.
*
Enfermeiro. Doutorando. Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande, Paraíba, Brasil. Brasil. E-mail: euripedesgf@
gmail.com
**
Enfermeira. Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande, Paraíba, Brasil. E-mail: maiary.uepb@hotmail.com
***
Enfermeira. Professora Doutora. Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande, Paraíba, Brasil E-mail: gabymcc@
bol.com.br
****
Enfermeira. Professora Doutora. Universidade Estadual da Paraíba. Bolsista de Produtividade CNPq. Campina Grande,
Paraíba, Brasil. E-mail: inacia.satiro@gmail.co

107
CIENCIA Y ENFERMERIA XXII (3), 2016

were asked about the difficulties when dealing with deaf patients in a medical appointment. Their answers were
categorized by means of a Thematic Content Analysis. Results: Among the main difficulties we find: impaired
communication, a lack of trained human resources for these appointments and an insufficient recognition
of these health needs, inappropriate infrastructure for deaf patient reception and care provision, uncertainty
regarding the quality of the care provided at the medical appointment and the patient’s lack of autonomy.
Conclusions: We found that an impaired communication is a barrier to health promotion and that both health
professionals and health units are not able to receive and meet the health needs of a patient with severe deafness.

Key words: Deafness, health personnel, health care, communication barriers, nursing.

RESUMEN

Objetivo: Investigar las dificultades de los profesionales de salud para la realización de la consulta con la persona
con sordera severa. Materiales y métodos: Estudio transversal, descriptivo y cualitativo, realizado en marzo de
2011, en la red de atención primaria de salud de Campina Grande – Paraíba. Se utilizó un cuestionario estructu-
rado, y 89 profesionales de salud de la Estrategia de Salud de la Familia respondieron sobre las dificultades para
la consulta con el sordo. Las respuestas fueron categorizadas a través del Análisis de Contenido en la Modalidad
Temática. Resultados: Entre las dificultades, se destacaron: comunicación perjudicada, déficit en la formación
de recursos humanos para la consulta y reconocimiento de las necesidades de salud, infraestructura inadecuada
para acoger y atender al sordo, incertidumbre con respecto a la atención sanitaria prescrita en la consulta y per-
juicio de la autonomía del paciente. Conclusiones: Se observó que el déficit en la comunicación constituye una
barrera para la promoción de la salud y que profesionales y unidades de salud no están cualificados para acoger
y atender a las necesidades de salud de la persona con sordera severa.

Palabras clave: Sordera, personal de salud, atención a la salud, barreras de comunicación, enfermería.

Fecha recepción: 10/04/15 Fecha aceptación: 30/11/16

INTRODUÇÃO nifica refletir inicialmente sobre a qualidade


de vida, assistência à saúde da PcD e como
estas impactam na vida desses usuários (2,
A atenção à saúde da pessoa com deficiência 3). Mesmo considerando os avanços da ciên-
(PcD) diferencia-se entre aquilo que é pro- cia, dos sistemas de informação e tecnologias
posto e o que existe na prática cotidiana dos no processamento de dados, as informações
serviços de saúde, visto que a sociedade pare- quanto às reais necessidades de saúde das
ce não estar preparada para atender integral- PcD são incompletas, resumindo-se a dados
mente às necessidades de saúde desse públi- gerais (como aspectos sociodemográficos).
co, resultando em dificuldades para a prática Nesse contexto, percebe-se ainda a falta de
da inclusão social, acessibilidade e agrava- dados que evidenciem problemas de saúde
mento da deficiência. Diante disto, discute- de ordem biopsicossocial, discriminação e o
se a importância de se estabelecer estratégias preconceito, que dificultam tanto a emprega-
que envolvam a família, a comunidade, ser- bilidade quanto as condições propícias para
viços e profissionais da saúde, como meio de o desenvolvimento de atividades laborais (4),
integralizar a assistência às necessidades das além de casos de violência sexual e doméstica
PcDs (1). (5).
Discutir ressocialização e autonomia sig- Com o intuito de deter o desenvolvimen-

108
Dificuldades de profissionais na atenção à saúde da pessoa com surdez severa / E. Gil, M. Andrade, G. Cavalcanti, I. Xavier de França

to de doenças crônicas e investir na qualida- afetando também o acesso da PcSS aos servi-
de da atenção e da assistência aos pacientes, ços de saúde. A Unidade Básica de Saúde da
o Ministério da Saúde do Brasil ampliou a Família (UBSF) atua como porta de entrada
Política Nacional de Promoção da Saúde dos serviços de saúde; entretanto, há rela-
(PNPS) como forma de alcançar todos os tos (11) da precariedade no acolhimento às
públicos e considerando suas necessidades pessoas com limitação físico-sensorial visto
de saúde. A Estratégia de Saúde da Família à inacessibilidade aos ambientes e o despre-
(ESF) apresenta-se como método utilizado paro profissional.
para consolidação da Atenção Primária, mas Em se tratando disso, evidencia-se (11)
somente com as novas prioridades em saúde que profissionais da saúde não possuem ca-
possibilitou-se o alcance de populações com pacitação adequada para comunicar-se com
deficiência. A PNPS objetiva, por meio das a PcSS, resultando em déficit na qualidade
unidades de saúde, diagnosticar agravos em da consulta e grau de satisfação do usuário.
saúde, tratá-los em nível primário, educar a Verificou-se também que as PcSS possuem
população e prevenir novos casos (6). necessidades de saúde que vão além da defi-
As inadequações para acessibilidade e ciência, mas não são diagnosticadas devido à
consulta a PcDs são relatadas na literatu- falta de preparo do profissional em estabele-
ra e estão relacionadas ao déficit locomotor cer um elo de entendimento.
dessas pessoas, à falta de conhecimento dos Devido à incipiência das pesquisas em
profissionais da saúde em atender às neces- relação às consultas de saúde às PcDs (11),
sidades específicas das PcD, às barreiras físi- pouco se discute sobre a interação entre o
cas nas unidades de saúde e atitudinais, bem profissional da saúde e a PcSS, a percepção
como à falta do conhecimento do potencial do profissional e sua satisfação com o atendi-
das pessoas com deficiência (4, 7). Nesse sen- mento prestado. Investigar a opinião de pro-
tido, ainda que se considerem políticas, leis e fissionais com relação a esse tipo de assistên-
decretos que garantam direitos nos cuidados cia, conforme suas experiências assistenciais
em saúde e acessibilidade às PcD, este grupo no dia a dia, no âmbito do Sistema Único de
populacional possui restrições no que se re- Saúde, possibilitará auxílio para o fomento
fere ao usufruir dos benefícios garantidos nas de subsídios com fins de melhoria na forma-
legislações (7). ção e aperfeiçoamento de recursos humanos
Dentre as deficiências, a auditiva acome- em saúde, em especial na área de atuação em
te o usuário de três formas: surdez bilateral, questão.
parcial ou total (esta considerada também Diante do exposto, questionou-se: quais
surdez severa ou profunda) (8). Usuários do dificuldades os profissionais da saúde enfren-
terceiro nível, também chamados de surdos tam durante a consulta à PcSS? Para respon-
– ou pessoa com surdez severa (PcSS) – apre- der a esse questionamento, o presente estudo
sentam capacidade de escutar que varia desde teve como objetivo investigar as dificuldades
a diminuição severa à perda total da audição, de profissionais da saúde para a realização da
verificada por meio de exame de audiome- consulta à pessoa com surdez severa.
tria. Dentre os tipos de deficiência, a surdez
severa destaca-se especialmente em relação à
dificuldade em promover interação social, e MÉTODO
esta se reflete no dia a dia como resultante da
impossibilidade de estabelecer comunicação
interpessoal (9, 10). Estudo descritivo e transversal. O presente
No contexto da comunicação, a limitação estudo é uma análise qualitativa de parte de
auditiva restringe as relações interpessoais, dados originais da Dissertação de Mestra-

109
CIENCIA Y ENFERMERIA XXII (3), 2016

do intitulada: “Atenção à saúde do surdo na Para a autora, a categorização consiste no


perspectiva do profissional da saúde”. A pes- processo de redução do texto às palavras e
quisa foi realizada em Campina Grande – Pa- expressões significativas, sendo necessário,
raíba, em março de 2011, em 63 unidades de portanto, seguir as etapas: 1) pré-análise, 2)
atenção primária à saúde da população. exploração do material e 3) tratamento dos
Os dados foram coletados com 89 profis- resultados, inferência e interpretação. Des-
sionais de saúde de nível superior, sendo 36 tarte, emergiram as categorias temáticas:
enfermeiros, 27 médicos, 18 cirurgiões den- “deficiência na formação de recursos hu-
tistas, 5 assistentes sociais e, por fim, 1 fisiote- manos”, “infraestrutura inadequada para o
rapeuta, 1 psicóloga e 1 fonoaudióloga. Estes, atendimento ao surdo”, “incertezas quanto à
em sua prática clínica, já haviam consultado promoção da saúde do surdo” e “restrição à
uma PcSS. Logo, estavam aptos a responder autonomia do usuário”.
o seguinte questionamento: em sua opinião, Para cumprir o que determina a Resolu-
considerando sua última consulta a um pa- ção 466/2012, foi solicitada aos sujeitos a as-
ciente com surdez severa, quais foram as sinatura do Termo de Consentimento Livre
dificuldades encontradas para realização da e Esclarecido após compreenderem os obje-
consulta, considerando o atendimento em si? tivos da pesquisa e terem todas as informa-
Há de se registrar que, por se tratar de um ções sobre a garantia da não divulgação dos
recorte, este estudo não adotou qualquer cri- nomes e a confidencialidade das informações
tério para dimensionar a amostra qualitativa, por elas oferecidas, além da preservação do
a não ser o reconhecimento de experiência direito de interromper a sua participação
clínica declarada pelos profissionais. quando lhes fosse conveniente. A pesquisa foi
Adotou-se como instrumento um for- aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa
mulário estruturado em quatro seções, que da Universidade Estadual da Paraíba, confor-
abordava respectivamente: dados de identi- me o CAAE nº 0368.0.133.000-10.
ficação, dados do atendimento ao surdo, da-
dos sobre conhecimento de Libras (Língua
Brasileira de Sinais) e, por fim, dados sobre RESULTADOS
capacitações em comunicação com surdo.
Na seção dois deveriam falar sobre quais as
dificuldades enfrentadas para o atendimento Categoria 1: Deficiência na formação de
e quais as sugestões para minimizar as ditas recursos humanos
dificuldades. Cada profissional respondeu
individualmente ao instrumento de pesqui- Os profissionais reconheceram que possuem
sa, tendo sido, portanto, analisados 89 for- déficit de conhecimentos para consultar a
mulários. PcSS, bem como falta de preparo adequado
Para a coleta de dados, os encontros fo- para diagnosticar problemas de saúde e in-
ram agendados no serviço de saúde, em ho- teragir com essa clientela. Informaram não
rário e dias previamente pactuados com os terem recebido conhecimento específico na
profissionais. De posse do material empírico, graduação que possibilitasse discussões e ca-
adotou-se como técnica de análise de dados pacitação para o acolhimento e atendimento
a análise de conteúdo, na qual se faz o tra- ao surdo. Considerando suas opiniões com
tamento por inferências e interpretações. Se- relação à Gestão em Saúde da Família, ale-
gundo Minayo (12), diferentes são os tipos garam que não há oferta de cursos de trei-
de análise de conteúdo: de expressão, das re- namento para o aprendizado de formas de
lações, de avaliação, de enunciação e catego- comunicação com as PcSS. Essas ideias niti-
rial temática. damente são evidenciadas nos depoimentos:

110
Dificuldades de profissionais na atenção à saúde da pessoa com surdez severa / E. Gil, M. Andrade, G. Cavalcanti, I. Xavier de França

Falta de compreensão para poder passar melhor Dificuldade de comunicação e compreensão


as orientações (Enfermeira 6). (Assistente social 2).
Falta de domínio da linguagem Libras por mi- Não houve comunicação médico/paciente nem
nha parte (Enfermeira 19). vice-versa, deixando este vínculo não estabele-
Falta de habilidade na comunicação, tendo em cido (Médica 32).
vista a não capacitação para lidar com o surdo
(Enfermeira 34). Categoria 4: Restrição à autonomia do
Não tenho habilidade em falar com o surdo, usuário
nem fui capacitado para tal (Médico 29).
Registrou-se que alguns profissionais so-
Categoria 2: Infraestrutura inadequada licitaram que o surdo retornasse à unidade
para o atendimento ao surdo acompanhado de um ajudante (familiar ou
intérprete). Estes atuam como intermedia-
Registraram-se questões de infraestrutura dores, porém, por vezes, restringem a au-
inadequadas para o acolhimento e falta de tonomia do surdo quando a consulta se dá
recursos interativos para o auxílio durante a mais entre profissional e acompanhante,
consulta. Os profissionais lamentam a inexis- como evidenciado a seguir:
tência de recursos audiovisuais que pudes-
sem favorecer o entendimento da PcSS a res- Dificuldade de entender através de gestos, em-
peito de suas queixas e como informá-las ao bora a comunicação tenha se dado mais com a
profissional. Segundo os participantes, não mãe que a acompanhava (Enfermeira 13).
são todos os surdos que conseguem falar por Paciente não fala, quem fez a consulta foi a mãe
Língua Brasileira de Sinais (Libras), portanto que estava acompanhando o paciente (Médica
outros recursos para o uso da linguagem não 5).
verbal devem estar disponíveis: O fator comunicação foi totalmente comprome-
tido já que não soube me comunicar ou repassar
Faltam materiais (brinquedos...) (Fonoaudió- a informação clínica para o paciente, apenas
loga 1). para o seu acompanhante, algo frustrante, pois
Falta de algo visual que colaborasse na comu- não sei como a informação chegou à mesma
nicação com o usuário; também se houvesse um (Enfermeira 31).
tempo maior para o atendimento destinado a O usuário atendido estava acompanhado, por-
esse usuário [...] Incapacidade na linguagem de tanto é difícil dizer se os relatos do acompa-
sinais (Enfermeira 23). nhante corresponderam àquilo que o paciente
realmente sente ou quer dizer (Médica 31).
Categoria 3: Incertezas quanto à promoção
da saúde do surdo
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Os profissionais citaram a comunicação pre-
judicada com a PcSS como principal proble-
ma para a realização da consulta, conforme A boa prática em saúde imprescinde do ins-
evidenciado a seguir: trumento básico “Comunicação”. Ao não uti-
lizá-lo de forma eficaz e eficiente, corre-se o
Dificuldade de entender e ser entendida (Enfer- risco de a consulta apresentar lacunas, im-
meira 8). precisões ou incorreções. No caso específico
Quando o processo de fala e escuta não “ocorre”, da comunicação PcSS-profissional de saú-
não há como haver uma boa comunicação (En- de, o Estado brasileiro já tomou a iniciativa
fermeira 16). de legislar a respeito sancionando a Lei Nº

111
CIENCIA Y ENFERMERIA XXII (3), 2016

10.436/ 2002, regulamentada pelo Decreto nente a esse procedimento, o cuidar depende
5.626/2005. Neste Decreto, consta que a rede da interação entre cuidador e ser cuidado, e
de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) que as possíveis limitações durante a intera-
deve atender às pessoas surdas ou com defi- ção podem gerar entraves no processo comu-
ciência auditiva, além de apoiar a formação e nicativo e falhas nas intervenções.
capacitação dos seus profissionais para o uso As propostas quanto à melhoria do pro-
de Libras e sua tradução e interpretação (13). cesso de comunicação remetem prioritaria-
No presente estudo, foi uma queixa co- mente à formação acadêmica. Observa-se,
mum a falta de capacitação em Libras, con- na literatura, que profissionais da saúde e da
tribuindo com a dificuldade dos profissio- educação sentem a necessidade desse apren-
nais de saúde entrevistados em orientar dizado. Verifica-se, em estudo (16), que os
melhor as PcSS. Contudo, acredita-se que profissionais reconhecem os direitos da PcSS
a médio prazo essas queixas sejam minimi- e concordam que o processo de inclusão so-
zadas, dado que o ensino da Libras está se cial passa pela identidade individual, que no
disseminando nos cursos de formação de re- caso desses indivíduos trata-se de sua língua
cursos humanos para a saúde. Isto porque as peculiar.
Instituições de Ensino Superior já passaram Considera-se, contudo, que a escassez de
a inserir no Projeto Pedagógico dos cursos da recursos materiais e a infraestrutura ina-
área de saúde e afins o componente Libras, dequada das unidades de saúde dificultam
possibilitando aos formandos a aquisição de o processo de interação profissional-PcSS,
habilidades e competências em Libras e para considerando-se que, ainda que o profissio-
que a comunicação com a PcSS se desenvolva nal seja capacitado a comunicar-se por meios
a contento. não verbais, nem toda PcSS possui o conhe-
Apesar dos participantes deste estudo re- cimento formal da Libras. Dessa forma, e
velarem falta de habilidade e de competência consoante outros autores (14), diferentes es-
na comunicação com a PcSS, consoante rela- tratégias de comunicação devem estar dispo-
to de outros estudos (14), ao se afirmar essas níveis, como materiais ilustrativos, vídeo-au-
limitações, os participantes deixam latente a las, cartazes, peças anatômicas e brinquedos
necessidade de rever as próprias atitudes em que promovam essa interação.
relação à comunicação com essa pessoa, e de Na perspectiva de melhorar a comunica-
buscar a aquisição de recursos técnicos que ção do profissional de saúde com o surdo,
possibilitem respeito e valorização dos direi- pesquisadores locados na academia capa-
tos e desejos desse indivíduo. citam os seus alunos por meio de leituras,
No concernente às questões de infraes- debates e a utilização de vídeo nas vivências
trutura inadequadas para o acolhimento e com participação de pessoas surdas. Para os
de falta de recursos interativos para o auxí- autores, essa prática motivou os alunos a de-
lio durante a consulta, urge inferir que estes senvolverem conhecimentos, habilidades de
aspectos se constituem barreiras de acessi- comunicação e atitudes positivas em relação
bilidade aos serviços de saúde, visto que a a pacientes surdos (14).
ausência de recursos técnicos que facilitem a Em se tratando da promoção da saúde da
comunicação da díade PcSS-profissional de PcSS, também é preciso considerar que exis-
saúde possibilita a ocorrência de vieses de in- tem aquelas PcSS que só conseguem se co-
terpretação, seja relacionados com as queixas municar por meio da linguagem oral e aque-
da PcSS ou com as orientações do profissio- las que só conseguem se expressar por meio
nal. da Libras. Daí porque, para além dos resulta-
Em se tratando da consulta de Enferma- dos do estudo atual, o surdo se considera em
gem, autores (15) relatam que, no concer- desvantagem perante o ouvinte e exemplifica

112
Dificuldades de profissionais na atenção à saúde da pessoa com surdez severa / E. Gil, M. Andrade, G. Cavalcanti, I. Xavier de França

essa condição com a dificuldade em compre- diálogo direto, comprometendo as ações de


ender informações transmitidas em ambien- ressocialização deste indivíduo no âmbito da
te de trabalho, visto que costumam ser difun- assistência à saúde. Percebe-se que, mesmo
didas apenas pela modalidade oral (17). com acompanhantes ou intérpretes, o en-
Essas situações específicas da comunica- contro entre profissionais e PcSS é permeado
ção com a PcSS trazem implicações ao pro- por barreiras de comunicação que compro-
cesso assistencial porque dificultam o em- metem o vínculo e a assistência (19).
poderamento do indivíduo para tomar suas A intermediação da comunicação pelo
próprias decisões e usufruir os seus direitos acompanhante tem implicações negativas
de cidadania. Nesse sentido, autores alertam para a PcSS, pois à medida que o acompa-
para o fato de que as atividades inerentes à nhante pergunta e responde por ela, torna-se
promoção e prevenção em saúde auditiva notória a perda da sua autonomia. Uma vez
ainda são muito restritas. Há, pois, que se cassado o seu direito de diálogo direto com o
lançar mão de capacitações dos profissionais profissional, admite-se a sua exclusão da so-
de saúde atuantes nos processos de assistên- ciedade ouvinte. Também há que se pensar
cia à PcSS. Neste proceder, é preciso que o nas possíveis implicações éticas decorrentes
processo ensino e aprendizagem seja norte- de desrespeito à privacidade da PcSS e de
ado por métodos motivadores, reflexivos e quebra de sigilo acerca de agravos que ela
críticos para que os educandos sejam sujeitos não queira socializar com o acompanhante.
ativos (18). Em resposta à questão norteadora deste
Outrossim, o aprendizado das formas estudo, os participantes enfrentam dificul-
de comunicação não verbal, mais que uma dades na consulta a PcSS devido à infraes-
questão de saúde pública, remete à respon- trutura inadequada para o atendimento e à
sabilidade ética e social, pois o acolhimento falta de capacitação em Libras. Dessa forma,
da PcSS, por meio da compreensão das men- a possibilidade de malefício, em decorrência
sagens que elas emitem, resulta em inserção da falta de comunicação eficaz, não apenas se
social e valorização do ser humano. Entende- reflete na saúde da PcSS, mas pode resultar
se, portanto, que o principal instrumento de em frustração para o profissional ao reco-
trabalho do profissional passa a ser a comu- nhecer a sua inaptidão para a resolução de
nicação (19). problemas específicos do mundo da surdez.
Devido à inabilidade profissional em se Em meio às incertezas e demais sentimen-
comunicar por meio da Libras, uma prática tos de impotência que permeiam a assistên-
comum de alguns profissionais consiste em cia à saúde da PcSS, frustração e insegurança
solicitar que a PcSS se faça acompanhar por apenas serão minimizadas ao passo que o
um familiar para intermediar o diálogo no profissional for inserido no mundo da surdez
decurso da consulta. Entende-se que a con- por meio da compreensão das particularida-
vivência parental permite ao acompanhante des desta cultura (16). Pensar em prejuízo
definir formas de comunicação, muitas vezes unilateral (somente para o surdo) significa
informais, porém eficazes quanto ao enten- negligenciar as preocupações do profissio-
dimento entre usuário e familiar, além do nal, desvalorizar seu esforço e culpá-lo pela
conhecimento do estilo de vida e das necessi- incapacidade na resolução de problemas de
dades de saúde da PcSS. saúde.
A consulta em presença de acompanhan- Mesmo existindo capital jurídico que re-
te revela-se como estratégia para reduzir as gulamenta o atendimento às necessidades es-
possibilidades de diagnósticos e tratamentos peciais da PcSS e fomenta o aperfeiçoamento
errados, o que favorece diretamente a PcSS; profissional, os serviços de saúde e as insti-
no entanto, nega-se a esta pessoa o direito ao tuições formadoras ainda têm dificuldade em

113
CIENCIA Y ENFERMERIA XXII (3), 2016

atender às exigências ministeriais para o bom curricular. Esperamos, também, contribuir


desempenho de tais ações. Talvez porque não para a melhoria do processo de integraliza-
perceberam, ainda, essa legislação como um ção da PcSS nos serviços e capacitar novos
incentivo a processos inovadores, ampliado- enfermeiros para uma assistência mais gene-
res das chances de resolubilidade das ações ralista, que inclua o surdo, servindo de inspi-
em saúde para casos especiais como a surdez. ração para que outros cursos da área de saú-
Necessita-se, portanto, de ações progra- de adotem a mesma estratégia na formação
madas entre gestão dos serviços, instituições de recursos humanos.
de ensino, profissionais da saúde e comuni-
dades, a fim de que os currículos atendam
às necessidades prioritárias da cultura surda REFERÊNCIAS
e a integralidade seja de fato exercida como
direito do usuário nos cuidados à sua saúde.
Mediante isto, os profissionais conseguirão 1. Cruz DM, Nascimento LRS, Vieira da
desenvolver consultas mais eficazes e promo- Silva DMG, Dornelles Schoeller S. Rede
ver uma atenção integral como parâmetro de apoio à pessoa com deficiência física.
fundamental para as estratégias em Atenção Cienc. enferm. 2015; XXI(1): 23-33.
Primária. 2. França ISX, Coura AS, França EG, Basílio
Conclui-se que a falta de infraestrutura e NNV, Souto RQ. Quality of life of adults
de recursos adequados para o acolhimentos with spinal cord injuri: a study using the
da PcSS resultam em estratégias improvisa- WHOQOL-bref. Rev Esc Enferm USP.
das, informais, que restringem a identifica- 2011; 45(6): 1361-8.
ção da real necessidade deste usuário. A difi- 3. Falcão SC, França ISX. Morbidity and
culdade de interação profissional-PcSS com- mortality in disabled persons of the so-
promete a prescrição segura de tratamentos, cial security in Brazil. Cien Saude Colet.
visto que a imprecisão na coleta de informa- 2016; 15(2): 242-9.
ções sobre o histórico de saúde do usuário 4. Aragão JS, França ISX, Coura AS, Me-
gera incertezas. A presença de acompanhante deiros CCM, Enders BC. Vulnerability
reduz as possibilidades de erro, no entanto associated with sexually transmitted in-
limita a autonomia da PcSS em decorrência fections in physically disabled people.
da sua exclusão do processo de comunicação Cien Saude Colet. 2016; 21(10): 3143-52.
com o profissional. 5. Lee K, Devine A, Marco J, Zayas J, Gill-
Este estudo originou-se da preocupação Atkinson L, Vaughan C. Sexual and
de enfermeiros pesquisadores em relação a reproductive health service for women
qualidade da consulta a PcSS. Empondera- with disability: a qualitative study with
dos, por meio de estudos desenvolvidos em service providers in the Philippines. BMC
grupo de pesquisa (2-4, 9-11, 20), a respeito Womens Health. [Internet]. 2015 Oct.
das dificuldades de pessoas com deficiência [citado 07 nov 2016]; 15(87). Disponível
quanto ao acesso ao direito à integralidade em: http://bmcwomenshealth.
na assistência à saúde, os autores desta pes- biomedcentral.com/articles/10.1186/
quisa buscaram compreender as dificuldades s12905-015-0244-8
de profissionais da saúde para a realização da 6. UNA-SUS [Internet]. Brasil: Ministério
consulta ao surdo. da Saúde, Secretaria de Gestão do
Desta forma, esperamos contribuir incen- Trabalho e da Educação em Saúde,
tivando os cursos de graduação a ampliarem UNA-SUS. Ministério lança Política
as discussões a respeito da consulta a PcSS e Nacional de Promoção da Saúde; 2014
incorporarem a disciplina de Libras na grade Nov 3 [citado 03 nov 2016]. Disponível

114
Dificuldades de profissionais na atenção à saúde da pessoa com surdez severa / E. Gil, M. Andrade, G. Cavalcanti, I. Xavier de França

em: http://www.unasus.gov.br/noticia/ to: pesquisa qualitativa em saúde. 5. ed.


ministerio-lanca-politica-nacional-de- São Paulo: Hucitec-Abrasco, 1998. 269 p.
promocao-da-saude 13. Presidência Da República, Casa Civil,
7. Pereira PEC, Caldas ASC, Cabral AKPS. Subchefia para Assuntos Jurídicos (BR).
Inclusão profissional de pessoas com de- Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de
ficiência física em um serviço de saúde 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24
do Estado de Pernambuco. Rev Ter Ocup de abril de 2002, que dispõe sobre a Lín-
Univ São Paulo. 2016; 27(2): 146-55. gua Brasileira de Sinais - Libras, e o art.
8. Presidência Da República, Casa Civil, 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de
Subchefia para Assuntos Jurídicos (BR). 2000. Diário Oficial da República Federa-
Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de tiva do Brasil. 2005. [citado 27 nov 2016].
2004. Regulamenta as Leis nº 10.048, de 8 Disponível em: http://www.planalto.gov.
de novembro de 2000, que dá prioridade br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decre-
de atendimento às pessoas que especifi- to/d5626.htm
ca, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, 14. Costa LSM, Silva NCZ. Desenvolvendo
que estabelece normas gerais e critérios atitudes, conhecimentos e habilidades
básicos para a promoção da acessibilida- dos estudantes de medicina na atenção
de das pessoas portadoras de deficiência em saúde de pessoas surdas. Interface.
ou com mobilidade reduzida, e dá outras 2012; 16(43): 1107-17.
providências. Portal da Legislação. De- 15. Trigueiro Filho EPS, Silva JPG, Freitas
cretos. 2004. [citado 27 nov 2016]. Dis- FFQ, Alves SRP, Costa KNFM. Perception
ponível em: http://www.planalto.gov.br/ of nursing students on the communica-
ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/ tion with people with visual and hearing
D5296.htm disabilities. J Nurs UFPE on line [Inter-
9. Aragão JS, Magalhães IMO, Coura AS, net]. 2013 [citado 27 nov 2016]; 7(1):
Silva AFR, Cruz GKP, França ISX. Access 747-54. Disponível em: http://www.re-
and communication of deaf adults: a vista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.
voice silenced in health services. J. res.: php/revista/article/view/3577/pdf_2169
fundam. care online [Internet]. 2014 16. Machado WCA, Figueiredo NMA, Tonini
Jan-Mar [citado 27 nov 2016]; 6(1): 1-7. T, Silva CRL, Silva RCL. The search for a
Disponível em: http://www.seer.unirio. brazilian sing course: a descriptive explo-
br/index.php/cuidadofundamental/ ratory study. Online braz j nurs [Inter-
article/view/2989/pdf_1091 net]. 2012. [citado 25 julio 2013]; 11(2):
10. Oliveira YCA, Celino SDM, França ISX, [10 p]. Disponível em: http://www.obj-
Pagliuca LMF, Costa GMC. Conhecimen- nursing.uff.br/index.php/nursing/arti-
to e fonte de informações de pessoas sur- cle/view/3664/html
das sobre saúde e doença. Interface. 2015; 17. Lopes MAC, Leite LP. Concepções de sur-
19(54): 549-60. dez: a visão do surdo que se comunica
11. Oliveria YCA, Coura AS, Costa GMC, em língua de sinais. Rev. Bras. Ed. Esp.,
França ISX. Communication between Marília [Internet]. 2011 Mai-Ago. [citado
health professionals-deaf people. J Nurs 27 nov 2016]; 17(2): 305-20. Disponível
UFPE on line [Internet]. 2014 Feb. [ci- em: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.
tado 27 nov 2016]; 9(Suppl. 2): 957-64. br/Portals/1/Files/19774.pdf
Disponível em: http://www.revista.ufpe. 18. Ribeiro GM, Figueiredo MFS, Rossi-Bar-
br/revistaenfermagem/index.php/revis- bosa LAR. A importância da capacitação
ta/article/view/5502/pdf_7317 em saúde auditiva: uma revisão integra-
12. Minayo MCS. O desafio do conhecimen- tiva. Rev. CEFAC. [Internet]. 2014 Jul-A-

115
CIENCIA Y ENFERMERIA XXII (3), 2016

go. [citado 27 nov. 2016]; 16(4): 1318- view/j.1676-4285.2011.3210.2


25. Disponível em: http://www.scielo. 20. França ISX, Coura AS, França EG, Ca-
br/scielo.php?script=sci_arttext&pi- valcante GMC, Sousa FS. Application
d=S1516-18462014000401318 of principlist bioethics to public po-
19. Bentes IMS, Vidal ECF, Maia ER. Deaf licies for disabled people: systematic
person´s perception on health care in review. Online braz j nurs [Internet].
a midsize city: an descriptive-explora- 2010 [citado 21 mar 2017]; 9(1) [14
tory study. Online braz j nurs [Internet]. p]. Disponível em: http://www.objnur-
2011 [citado 25 jul 2013]; 10(1): [10 sing.uff.br/index.php/nursing/article/
p]. Disponível em: http://www.objnur- view/j.1676-4285.2010.2893/653
sing.uff.br/index.php/nursing/article/

116

Das könnte Ihnen auch gefallen