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DEMOCRACIA E CONSTITUIÇÃO
Dimensão Moral
Argumentação Jurídica
Dignidade Humana
Pluralismo Ideológico
Liberdade Religiosa
Consciência Laica
2 Teresinha Inês Teles Pires
ISBN: 978-85-362-
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Curitiba: Juruá, 2016.
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Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 3
DIREITO AO ABORTO,
DEMOCRACIA E CONSTITUIÇÃO
Dimensão Moral
Argumentação Jurídica
Dignidade Humana
Pluralismo Ideológico
Liberdade Religiosa
Consciência Laica
Curitiba
Juruá Editora
2016
4 Teresinha Inês Teles Pires
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 5
AGRADECIMENTOS
―The danger which threatens human nature is not the excess, but
the deficiency, of personal impulses and preferences‖.
―O perigo que ameaça a natureza humana não é o excesso, mas a
deficiência, de impulsos e preferências pessoais‖.
John Stuart Mill
10 Teresinha Inês Teles Pires
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15
Parte I
ABORTO E DEMOCRACIA: COMO INTEGRAR PRINCÍPIOS
MORAIS E POLÍTICOS AO SIGNIFICADO CONSTITUCIONAL DA
DIGNIDADE HUMANA
Capítulo 1 – O DIREITO AO ABORTO À LUZ DA CONCEPÇÃO DE
DEMOCRACIA DE RONALD DWORKIN E DE JOHN RAWLS .................. 33
1.1 Situando o tema do aborto nas esferas da ética, da moral e da política: uma
tensão entre a liberdade de consciência e os deveres morais ..................... 34
1.2 O aborto como um direito moral e como um direito legal ......................... 44
1.3 O pluralismo ideológico no regime democrático: o direito ao aborto como
expressão de uma doutrina ética aceitável sobre o valor da vida humana . 53
1.4 A concepção constitucionalista da democracia: legitimação da judicial
review na regulamentação do direito ao aborto ......................................... 60
1.5 Conclusão parcial ...................................................................................... 70
Capítulo 2 – O SIGNIFICADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE
HUMANA E DA LIBERDADE RELIGIOSA EM FACE DOS DIREITOS
REPRODUTIVOS .................................................................................................. 73
2.1 A dignidade humana no âmbito da concretização do direito ao aborto:
como moldurar a dignidade do nascituro e a dignidade da mulher ........... 74
2.2 A doutrina da personalidade do nascituro: resposta inadequada para o
problema da delimitação dos interesses jurídicos da vida potencial .......... 88
2.3 O princípio da igualdade em uma perspectiva de gênero ........................ 103
2.4 Concretização da liberdade religiosa e da liberdade moral na esfera
reprodutiva: releitura da tese de Dworkin................................................ 116
2.5 Conclusão parcial .................................................................................... 132
12 Teresinha Inês Teles Pires
Parte II
O CASO DO ABORTO NO DIREITO NORTE-AMERICANO:
PADRÃO PARADIGMÁTICO DE UMA DEMOCRACIA
CONSTITUCIONALISTA ...................................................................... 133
Capítulo 3 – A CONSTITUCIONALIDADE DO DIREITO AO ABORTO
VOLUNTÁRIO: PARADOXOS DA AUTONOMIA PROCRIATIVA DA
MULHER .............................................................................................................. 135
3.1 A discussão prévia da Suprema Corte acerca do direito de privacidade .. 136
3.1.1 Contracepção como liberdade básica derivada do direito de
privacidade e da cláusula do devido processo legal ........................... 136
3.1.2 Introdução da abordagem da cláusula da igual proteção em matéria
de contracepção e controle de natalidade ........................................... 149
3.2 A inclusão do direito ao aborto na Carta de Direitos (Bill of Rights):
privacidade pessoal, marital, familiar e sexual ........................................ 155
3.3 O valor da vida pré-natal e a autonomia moral da gestante na
regulamentação do direito ao aborto: contornos precisos às legislaturas
estaduais e à judicial review .................................................................... 162
3.4 Conclusão parcial .................................................................................... 168
Capítulo 4 – A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO À LUZ DAS CLÁUSULAS
DA LIBERDADE RELIGIOSA .......................................................................... 169
4.1 Colocação do tema a partir do significado específico da establishement
clause e da free exercise clause ............................................................... 169
4.2 O envolvimento da liberdade de consciência no conteúdo da free
exercise clause: laicidade como padrão para a definição individual do
significado da vida ................................................................................... 185
4.3 Delimitação da free exercise clause no tocante à objeção de
consciência na assistência médico-reprodutiva ....................................... 202
4.4 Conclusão parcial .................................................................................... 211
Capítulo 5 – AS RESTRIÇÕES LEGISLATIVAS À PRÁTICA DO ABORTO
VOLUNTÁRIO: NOVO PADRÃO DE ANÁLISE NAS DECISÕES
POSTERIORES A ROE V. WADE...................................................................... 213
5.1 A desconstrução da garantia da liberdade reprodutiva: redução da proteção
conferida pelas cláusulas do devido processo legal e da igual proteção
perante a lei ............................................................................................. 213
5.2 O novo padrão de análise da constitucionalidade do direito ao aborto:
necessidade de reformular Roe v. Wade à luz da autonomia ética
da mulher ................................................................................................. 227
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 13
Parte III
A IMPLEMENTAÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO
DEMOCRÁTICO NA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NO
BRASIL: ABORDAGEM DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
Capítulo 6 – O PRINCÍPIO DA AUTODETERMINAÇÃO INDIVIDUAL E A
TUTELA DO NASCITURO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL
BRASILEIRO: ADEQUABILIDADE DA APLICAÇÃO DA CLÁUSULA DA
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA ......................................... 249
6.1 O crime do aborto e sua desconformidade com a carta de direitos
fundamentais: dignidade humana, devido processo legal e igual proteção
perante a lei ............................................................................................. 250
6.2 O direito à vida e os interesses do nascituro: esquema de proteção da vida
pré-natal associado à garantia da dignidade da mulher ........................... 269
6.3 Liberdade de consciência e de crença na dogmática jurídica e na
Constituição ............................................................................................. 289
6.4 O direito ao aborto como um corolário da liberdade de consciência ....... 308
6.5 Conclusão parcial .................................................................................... 320
Capítulo 7 – A AUTORIZAÇÃO DAS PESQUISAS CIENTÍFICAS COM
CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS (CASO DA ADIn 3510):
IMPLICAÇÕES DA DECISÃO NA CRIAÇÃO DE UM PADRÃO
NACIONAL DE PROTEÇÃO À VIDA NASCITURA E À AUTONOMIA
PROCRIATIVA .................................................................................................... 323
7.1 Exposição dos fatos, interesses envolvidos e valorações morais ............. 325
7.2 Os argumentos jurídicos e os princípios constitucionais em debate ........ 331
7.3 As conclusões do julgamento e suas reverberações interpretativas na
abordagem do direito ao aborto ............................................................... 338
7.3.1 Soluções jurídicas encontradas: uma integração constitucional de
princípios fundamentais ..................................................................... 339
7.3.2 Os argumentos tecidos no julgamento da ação e a
constitucionalidade do direito ao aborto ............................................ 348
7.4 Conclusão parcial .................................................................................... 359
Capítulo 8 – A DESCRIMINALIZAÇÃO DA “ANTECIPAÇÃO
TERAPÊUTICA DO PARTO” DE FETO PORTADOR DE ANENCEFALIA
(CASO DA ADPF 54): APERFEIÇOAMENTO DAS CATEGORIAS
CONCRETIZADAS NA ADIn 3510 ................................................................... 361
14 Teresinha Inês Teles Pires
8.1 Breve histórico das etapas e do contexto argumentativo da arguição ...... 362
8.2 Avanços obtidos na conformação constitucional do princípio da
laicidade, do direito à vida e da autonomia procriativa ........................... 368
8.3 A aplicação dos princípios constitucionais legitimados na ação à demanda
feminina pelo direito ao aborto de feto compatível com a vida ............... 379
8.4 Um olhar crítico sobre as diretrizes metodológicas indicadas
no julgamento em vista da análise do direito ao aborto ........................... 390
8.5 Conclusão parcial .................................................................................... 397
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 399
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 407
ÍNDICE ALFABÉTICO ...................................................................................... 433
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 15
INTRODUÇÃO
2
Conforme FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista y constitucionalismo
garantista. Madri: Marcial Pons, 2012. p. 11-12, existem várias perspectivas da teoria do
constitucionalismo, sendo que todas têm em comum a ideia de que os poderes institucio-
nais se subordinam às normas de direitos fundamentais. A essência desta doutrina reside
na imposição de restrições, formais e materiais, ao exercício da autoridade normativa do
Estado a partir de uma análise jurídica da validade das leis consubstanciada na exigência
de “coerência dos seus conteúdos com os princípios de justiça constitucionalmente esta-
belecidos”. No original: “coherencia de sus contenidos com los principios de justicia
constitucionalmente estabelecidos”. No mesmo sentido, CHUEIRI, V. Karam GODOY,
M. G. Constitucionalismo e democracia: soberania e poder constituinte. Revista de Direi-
to Getúlio Vargas. São Paulo, 6(1), p. 159-174, jan./jun. 2010. Disponível em:
<www.scielo.br/pdf/ rdgv/v6n1/09.pdf>. Acesso em: 06 out. 2012. p. 166, esclarecem que
o constitucionalismo se estruturou no sistema norte-americano da Rule of Law, e tem por
principal implicação restringir a ação do Estado considerando a necessidade de se preser-
var a supremacia de determinadas normas fundamentais.
3
Para o aprofundamento sobre o controle de constitucionalidade do direito pré-
-constitucional, bem como sobre as diversas técnicas de interpretação constitucional, con-
sulte-se PIRES, Teresinha Inês Teles. Os direitos individuais e a revisão do direito pré-
-constitucional brasileiro em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Revista
da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, v. 59, n. 3, p.
37-54, 2014; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet e MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 17
direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 108-110, 1230-31 e 1261-
1288; MENDES, Gilmar Ferreira. Arguição de descumprimento de preceito funda-
mental. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 115-119 e 269-300; BARROSO, Luís Rober-
to. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 204-210; APPIO, Eduardo Fernando. Interpretação conforme a Constituição: ins-
trumentos de tutela jurisdicional dos direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2011, passim;
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios fundamentais do direito constituci-
onal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 119-20; MORAES, Alexandre de. Constituição
do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.
2531-2554; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constitui-
ção. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1314-1316; TAVARES, André Ramos. Tratado
da arguição de preceito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2001; BASTOS, Celso Ribei-
ro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
05.10.1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 2, p. 367.
4
Confira-se, neste aspecto, as palavras de FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princí-
pios fundamentais do direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 43: “Na
verdade, vigora atualmente a crença numa simbiose entre constitucionalismo e democra-
18 Teresinha Inês Teles Pires
americano por meio da cláusula do devido processo legal, e sua inserção nos padrões de
análise da judicial review, confira-se as lições de BARROSO, Luís Roberto. Curso de
direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do
novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 255-261; MARTEL, Letícia de Campos Ve-
lho. Devido processo legal substantivo: razão abstrata, função e características de
aplicabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 354-374; OMMATI, José Emílio
Medauar. Liberdade de expressão e discurso de ódio na Constituição de 1988. 2. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 121-129.
7
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 250-2.
8
Conforme GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve
manual de filosofia política. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 223-5.
20 Teresinha Inês Teles Pires
ficado da independência ética e moral em relação aos assuntos que não con-
figuram questão política a enquadrar-se nos interesses públicos passíveis de
tutela. A introdução dos requisitos do Estado laico é imprescindível para
uma melhor conceituação da categoria da liberdade de consciência e para sua
vinculação ao direito ao aborto, o que será afirmado em todo o estudo en-
quanto padrão central de análise de sua constitucionalidade.
Far-se-á uma recomposição da tese de Dworkin de que o funda-
mento último para a defesa do direito à interrupção voluntária da gestação se
encontra na garantia da liberdade religiosa, sendo que esta tem por raiz o
conceito genérico de liberdade de consciência. A ideia veiculada pelo autor
parte da compreensão de que o valor da vida pré-natal, nos estágios incipien-
tes do seu desenvolvimento, é intrinsecamente uma concepção de natureza
ética, se inserindo, portanto, no espaço da autonomia da consciência indivi-
dual. A moldura da dimensão do sagrado, das questões existenciais substan-
cialmente caracterizadas pela busca de respostas fundamentais que atribuam
sentido à vida humana, deve ser derivada de conceitos morais prévios, que
possam ser traduzidos para a linguagem jurídica. É preciso perceber que o
termo “religião” apresenta um conteúdo abrangente, no qual estão incluídas
não apenas as doutrinas religiosas, mas também as convicções de natureza
laica, esquema esse cuja essência está incorporada à resposta dada por
Dworkin ao problema do aborto.
Em parte destacada, será empreendida uma análise sobre a opera-
cionalidade do sistema norte-americano no que concerne à proteção das li-
berdades individuais básicas e, particularmente, em relação à constituciona-
lidade do direito ao aborto. É importante esclarecer que não se intenciona,
como escopo principal, realizar um estudo de direito comparado, daí porque
se reputou mais apropriado não expor ou discutir os fundamentos específicos
da legalização do aborto nos diversos países em que sua prática é aceita.
Tem-se por pressuposto a evidência de uma tendência crescente em direção
ao reconhecimento desse direito, em todo o mundo, com suporte na liberda-
de de escolha, cada vez mais aperfeiçoada em face da evolução internacional
dos direitos reprodutivos, e na garantia da saúde da mulher10.
10
Uma boa síntese sobre a regulamentação do aborto nos países europeus e latino-
-americanos é apresentada por SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Consti-
tuição, 2012. Disponível em: <www.daniel sarmento.com.br/contentemente/uplotes/2012/
09/Legalização-do-Aborto-versão-final.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2012. Destaquem-se os
seguintes países: a) na França o aborto foi legalizado em 1975 através de ato do poder le-
gislativo, tendo o Conselho Constitucional reconhecido, em seguida, a “compatibilidade
da norma” com a Constituição do país. Em 2001 uma nova lei aumentou o prazo de 10 pa-
ra 12 semanas para a admissibilidade da conduta; b) na Itália, a Corte declarou, em 1975,
22 Teresinha Inês Teles Pires
especial da Suprema Corte11. Ademais, foi nos Estados Unidos que se de-
senvolveu o significado do princípio da razoabilidade na qualidade de um
método autônomo de interpretação jurídica, sendo essa a visão que será ado-
tada na leitura da Constituição do Brasil no que possuir pertinência ao tema
do aborto.
A solidificação da jurisdição constitucional nos Estados Unidos foi
estabelecida no julgamento do caso Marbury v. Madison, no ano de 1803, no
qual se afirmou que a Suprema Corte Federal tem o poder de declarar a nuli-
dade de uma lei que contrarie uma norma constitucional. O precedente lan-
çou as bases para se retirar do poder legislativo o protagonismo na delimita-
ção do juízo último de validade dos seus atos. A afirmação do poder judicial
de revisão das leis fundamentou-se na sobreposição da Constituição em rela-
ção às leis ordinárias incompatíveis com os seus preceitos12.
Os padrões de julgamento estabelecidos pelas cortes judiciais norte-
-americanas, na busca de uma solução para a questão do aborto, são utilizados
em uma dinâmica estruturada nos chamados “testes” de constitucionalidade,
segundo os quais é possível definir critérios para decidir o que é o direito em
cada caso concreto, em consideração ao parâmetro da razoabilidade das políticas
legislativas. Tais “testes” partem do significado, procedimental e substantivo,
das cláusulas de direitos fundamentais. Ver-se-á, no estudo dos casos pertinen-
tes, como esses testes são efetivados na prática jurisdicional e como são edifica-
dos em um sistema unitário por meio da teoria dos precedentes13.
11
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os concei-
tos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 43-4. Ver,
também, MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral: co-
mentários aos arts. 1º e 5º da Constituição da República Federativa do Brasil: doutrina e
jurisprudência. Coleção Temas Jurídicos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 1. Sobre a
common law, A. Ribeiro Mendes, ao traduzir a obra de HART, Herbert L. A. O conceito
de direito. 2. ed. Tradução de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1994. p.
112, esclarece, em nota explicativa, que se trata de uma expressão cuja tradução não é
possível. Common law, para o autor, “significa aquela parte do direito da Inglaterra que
foi formulada e desenvolvida pelos antigos tribunais régios, a partir do século XIII, base-
ada originariamente nos costumes gerais do Reino (direito não escrito)”.
12
Marbury v. Madison, 1 Cranch 137, 1803, 176-179. Como ressalta FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.
73 e 75, esta decisão é considerada fonte originária do conceito de controle de constitucio-
nalidade, tendo gerado, à época, intensa reação por parte dos juristas europeus, que se mos-
traram hostis ao novo sistema implementado nos Estados Unidos. Sobre o caso Marbury v.
Madison, confira-se, ainda, ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fun-
damentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 349-350; GODOY, Arnaldo Sampaio
de Moraes. Direito nos Estados Unidos. Barueri: Manole, 2004. p. 64-66.
13
Em linhas gerais, a expressão “teste de validade” deriva da concepção tradicional do
direito anglo-saxão, estando incorporada até mesmo à linguagem dos autores positivistas.
24 Teresinha Inês Teles Pires
legal foi, pela primeira vez, explicitamente incluída na Constituição (art. 5º,
LIV), indicando-se, claramente, por influência do direito norte-americano,
uma abertura ao acolhimento do seu estatuto substantivo.
Nos Estados Unidos, há uma história de mais de quarenta anos de
debate legislativo e jurisdicional sobre o aborto, adensado no ano de 1973,
quando a conduta foi legalizada pela Suprema Corte no julgamento do caso
Roe v. Wade16, à luz do direito à privacidade enquanto uma derivação da
cláusula do devido processo legal em seu caráter substantivo. A análise dos
casos pertinentes ao direito à contracepção e ao aborto oferece oportunidade
ímpar de adensamento da teoria do devido processo legal substantivo, e,
particularmente, de sua aplicabilidade à proteção da autonomia procriativa.
Entretanto, a partir da década de 1980, algumas modificações foram imple-
mentadas no país por leis federais e estaduais, e endossadas pela Suprema
Corte com base em novos testes de constitucionalidade, acarretando lamen-
tável restrição ao efetivo acesso das mulheres ao procedimento abortivo17.
Como será proposto, ainda, na esteira de Ronald Dworkin, é perti-
nente invocar, na análise constitucional do tema, no contexto norte-
americano, o envolvimento das cláusulas da liberdade religiosa, cujo conteú-
do impõe a delimitação da incidência dos princípios da neutralidade do Esta-
do e do secularismo. O que significa neutralidade do ponto de vista da rela-
siliense de Direito Público-IDP, 2ª tir. São Paulo: Brasília Jurídica, 2002. p. 160-1, “o pa-
rágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos
fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos dire i-
tos fundamentais no Título II da Constituição”. [...] “Direitos não rotulados expres-
samente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser como tal
considerados, a depender da análise do seu objeto e dos princípios adotados pela
Constituição. A sua fundamentalidade decorreria da sua referência a posições jur í-
dicas ligadas ao valor da dignidade humana, que, por sua importância, não podem
ser deixadas à disponibilidade absoluta do legislador ordinário ”. Sobre a originali-
dade da Constituição vigente, no que concerne à proeminência das “liberdades públi-
cas” e ao caráter exemplificativo, não taxativo, da carta de princípios fundamentais,
consulte-se FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamen-
tais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 97-100.
19
BRASIL. Presidência da República. Lei 9.263, de 12.01.1966. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9263.htm>. Acesso em: 23 jul. 2014.
28 Teresinha Inês Teles Pires
23
Serão explicitadas, nas ocasiões oportunas, as principais regras contidas nos tratados
internacionais de direitos humanos, ratificados pelo governo brasileiro, em relação à im-
plementação do direito das mulheres ao planejamento procriativo, bem como em relação à
tutela da vida pré-natal. Para um aprofundamento acerca do estatuto normativo dos direi-
tos humanos na definição do conteúdo dos preceitos fundamentais consulte-se OLIVEIRA,
James Eduardo. Constituição Federal anotada e comentada: doutrina e jurisprudência,
2013, p. 331-3; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional In-
ternacional, 2007. p. 255-265.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 31
PARTE I
ABORTO E DEMOCRACIA: COMO INTEGRAR
PRINCÍPIOS MORAIS E POLÍTICOS AO SIGNIFICADO
CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE HUMANA
32 Teresinha Inês Teles Pires
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 33
Capítulo 1
24
DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambridge/Massachusetts: Harvard Univer-
sity Press, 2011. p. 1 e 193. É importante esclarecer que, em obra anterior, DWORKIN,
Ronald. Principles for a new political debate - is democracy possible here? Princeton/
Oxford: Princeton University Press, 2006. p. 9-10, Dworkin define a dignidade a partir
dos princípios do valor intrínseco da vida e da responsabilidade pessoal. O primeiro prin-
cípio sustenta que “toda vida humana” (“every human life”) tem uma espécie de “valor
objetivo” (“ojective value‖) e deve, em tese, ser vivida de maneira exitosa. O segundo
princípio sustenta que cada indivíduo é responsável por seu próprio bem-estar, de acordo
com seu próprio conceito de felicidade. No entanto, na obra DWORKIN, Ronald. Justice
for hedgehogs. Cambridge/Massachusetts: Harvard University Press, 2011. p. 210-11,
Dworkin reconstrói o significado moral da dignidade, a fim de elaborar sua tese da unida-
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 35
27
DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambridge/Massachusetts: Harvard Univer-
sity Press, 2011. p. 99. No original: “independence thesis‖ … “moral duties”.
28
Ibidem, p. 327-8, 330-1 e 379. Sobre a relação de complementariedade entre as categorias
da liberdade e da igualdade, bem como a natureza política do princípio da igual conside-
ração perante a lei, consulte-se OMMATI, José Emílio Medauar. Uma teoria dos direitos
fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 70-8. Ver, também, CHAMON JÚ-
NIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica: constitucionalismo e demo-
cracia em uma reconstrução das fontes do direito moderno. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009. p. 98 e 101. Ainda será explorado, especialmente na seção 1.4, a concepção
de “autogoverno” adotada por Dworkin na formulação de sua proposta de democracia co-
participativa, em contraposição à democracia majoritária. A título ilustrativo, mencione-se
a seguinte passagem: “According to the partnership conception, government by ‗the people‘
means government by all the people, acting together as full and equal partner in a collective
enterprise of self-government” (DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue: the theory and prac-
tice of equality. Cambridge/Massachusetts/ /London: Harvard University Press, Fourth
printing, 2002. p. 358). Em tradução livre: “De acordo com a concepção coparticipativa,
governo pelo povo significa governo por todas as pessoas, agindo em conjunto enquanto
parceiros plenos e iguais em um empreendimento coletivo de autogoverno”.
29
DWORKIN, Ronald. Justice in Robes. London: Harvard University Press, 2006. p. 35.
30
DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambridge/Massachusetts: Harvard Univer-
sity Press, 2011. p. 42, 44 e 95.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 37
31
DWORKIN, Ronald. Objectivity and truth: you'd better believe it. In: Philosophy and
Public Affairs, v. 25, n. 2, p. 95-99, Spring, 1996.
32
Ver, nesse sentido, TERSMAN, Folke. Moral disagreement. Cambridge/New York:
Cambridge University Press, 2006. p. 18.
33
DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambridge/Massachusetts: Harvard Univer-
sity Press, 2011. p. 37. No original: “adequate moral argument”.
34
Ibidem, p. 24-26.
38 Teresinha Inês Teles Pires
bem, criado pelo autor, assegura uma base não meramente subjetiva aos
juízos éticos, considerando que sua validade depende, na maioria dos assun-
tos, da aceitação social, obtida por meio da sobreposição de um consenso
argumentativo. O que de forma alguma importa na negação da instância
decisória ética, ou na cisão entre o público e o privado. A doutrina de Rawls
contém em si uma concepção moral de justiça, na medida em que exige de
todos o exercício das capacidades racionais necessárias para a adesão a um
acordo político que acolha todas as visões particulares de bem que se mos-
trem razoáveis, ou seja, um acordo que não importe na violação de direitos
fundamentais. A autonomia ética e a garantia do respeito próprio são valores
incorporados à perspectiva da justiça como equidade, e integram o sentido
político da aceitabilidade das compreensões de bem razoáveis. Pode-se dizer
que Rawls constrói um esquema próprio de unidade entre a ética, a moral e a
política, com o propósito de estabelecer critérios objetivos para o reconhe-
cimento público das doutrinas morais. Em outros termos, os requisitos do
sistema equitativo de cooperação social envolvem aspectos substantivos
conectados a valores e princípios que constituem o conteúdo da melhor con-
cepção política de justiça42.
Em linhas gerais, Rawls reformula o princípio da autonomia da
vontade de Kant no sentido literal de uma capacidade da razão prática para a
autodeterminação moral. No mesmo passo, enuncia uma concepção ideali-
zada de sociedade que se autodefine pela precedência da justiça em relação
às dimensões do bem moral. Do ponto de vista argumentativo, Rawls não
incide em um raciocínio circular na formulação do padrão da razoabilidade.
Os princípios da justiça permitem o reconhecimento de concepções diferen-
ciadas daquilo que constitui o bem à luz da vida pessoal de cada um. De
outro lado, espera-se que os cidadãos em conjunto possam chegar aos mes-
mos juízos acerca dos princípios do justo. É necessário tolerar as diferentes
visões, no tocante aos requisitos de uma boa vida, pois o que é bom para
algumas pessoas pode não o ser para outras43. A distinção entre a esfera da
justiça e a esfera da concepção individual do bem leva à conclusão de que
nem todas as ações humanas devem se sujeitar ao método do “equilíbrio
reflexivo”, no cenário político, simplesmente porque em alguns assuntos a
autoridade do Estado, ou o consenso social, encontra limites impostos pelo
respeito às liberdades individuais.
42
RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 54, 73, 77, 127,
131, 140 e 144. Roberto GARGARELLA apoia essa interpretação, em sua obra As teori-
as da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política, 2008. p. 232.
43
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 552-5.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 43
44
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 123.
44 Teresinha Inês Teles Pires
Muitas vezes, eles precisam apelar aos princípios da justiça, o que não quer
dizer que estejam utilizando padrões pessoais de moralidade, e sim que suas
decisões seguem regras de caráter mais abstrato. Nos casos difíceis, nos
quais os juízes parecem estar criando novas regras, estão, na verdade, crian-
do novos padrões de validade das regras estabelecidas. É nesse sentido que o
juízo sobre a validade das regras, em uma abordagem não convencional do
direito, envolve a análise dos princípios morais51.
Em sua obra O Império dos Direitos, ao aperfeiçoar sua concep-
ção do direito como integridade, Dworkin explicita melhor, ainda, a caracte-
rização dos direitos como direitos legais. Ensina o autor que os direitos le-
gais advêm das regras e decisões judiciais preexistentes, seja quando estão
nelas explicitamente enunciados, seja quando derivam de “princípios de
moralidade pessoal e política”, utilizados como pressupostos que justificam
sua a validade. Para definir o que é o direito, na prática jurídica, os juízes,
por exemplo, refletem não sobre as regras jurídicas, propriamente ditas, mas
sobre seus fundamentos. O ato de interpretar é teoricamente estruturado e as
novas dicções dos direitos são, em rigor, reafirmações de novos sentidos aos
direitos já incorporados às regras jurídicas. Em geral, alguns “paradigmas”
de análise são rejeitados, e outros, novos, são desenvolvidos. O cerne da
interpretação consiste em justificar o exercício da autoridade coativa do Es-
tado, levando-se em consideração as visões das minorias políticas. Trata-se
de demonstrar os fundamentos por meio dos quais as leis conferem legitimi-
dade à coação governamental. Em tal perspectiva, exige-se que o poder pú-
blico assegure, de forma igualitária, determinados direitos fundamentais,
permitindo-lhe restringir outros direitos que não estejam protegidos pela
Constituição52.
A permeabilidade dos direitos morais permite sua transposição pa-
ra a linguagem das liberdades individuais, fornecendo subsídios interpretati-
vos para que os mesmos sejam reconhecidos na qualidade de direitos legais
constitucionalmente garantidos. Os direitos morais básicos são inalienáveis,
invioláveis e apoiam-se, segundo a teoria de Dworkin, em argumentos de
princípios. Referindo-se a Dworkin, Neil MacCormick afirma que a função
dos princípios é racionalizar as normas de modo a pavimentar o caminho
para a averiguação de sua validade, tomando-se por pressuposto que as nor-
51
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge/Massachusetts: Harvard Uni-
versity Press, 1977/1978. p. 4-5 e 7.
52
DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Cambridge/Masschusetts: Harvard University
Press, 1986. p. 4-6, 89-90, 96-7, 185 e 190-2 e 244. No original: “principles of personal
and political morality” (...) “paradigms”.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 47
mas não são isentas de valores53. Pois bem, as normas proibitivas do aborto
se submetem ao sistema de princípios, razão pela qual as decisões, cujo obje-
to é determinar se tais normas se compatibilizam ou não com o esquema
constitucional, devem partir da interação conceitual entre os direitos morais
e os direitos legais. Guiando-se por essa interação, alguns direitos fundamen-
tados em princípios jurídicos são passíveis de ser derivados das normas posi-
tivadas, no âmbito da interpretação constitucional54, na qual o pensamento de
Dworkin se torna efetivo, pois a moral, a política e o direito se unem no pro-
cesso decisório.
No mesmo sentido, Rawls afirma que os limites estabelecidos pela
razão pública não se aplicam a todos os temas de natureza política, mas,
exclusivamente, às questões de direitos fundamentais constitucionais, as
quais assumem estatuto prioritário em relação ao exercício da autoridade
coativa do Estado. Temas relacionados a taxas e impostos legislativos, por
exemplo, não se submetem àqueles limites. Todavia, quando não existem
interesses políticos envolvidos e as razões apresentadas não possuem cono-
tação pública, a precedência dos direitos morais, sejam individuais, sejam de
grupos corporativos, impede a imposição de normas que atinjam sua efetivi-
dade, desconstituindo a imperatividade do padrão do majoritarianismo55. A
justificação da validade das leis, em conformidade com as salvaguardas
constitucionais, é articulada por Rawls, assim como por Dworkin, com fun-
damento na exigência de legitimidade do poder político56.
Desse modo, o direito ao aborto pode ser classificado como um di-
reito moral, ou constitucional, que não deve ser invadido pela ação gover-
namental, mesmo que a opinião majoritária considere sua prática um ato
censurável, por emanar dos requisitos do princípio da dignidade humana e
do princípio da razoabilidade. Os interesses da maioria, no caso, não compe-
tem com o direito moral da gestante de realizar o aborto. Somente direitos
53
MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 304-5.
54
Ibidem, p. 308-9.
55
RAWLS, John. Political liberalism. Expanded Edition. New York: Columbia University
Press. 2005. p. 214, 217 e 220. A expressão “razão pública” é aqui conceituada da se-
guinte maneira: “in a democratic society, public reason is the reason of equal citizens
who, as a collective body, exercise final political and coercive power over one another in
enacting laws and in amending their constitution”. Em tradução livre: “em uma sociedade
democrática, razão pública é a razão de cidadãos iguais que, enquanto um corpo coleti-
vo, exercem poder coercivo e político definitivo uns sobre os outros ao promulgarem leis
e emendarem suas constituições”.
56
Ibidem, p. 217.
48 Teresinha Inês Teles Pires
63
Ibidem, p. 81.
64
Palestra proferida por Betty FRIEDAN, First National Conference for Repeal of Abortion
Laws, Chicago, Feb 14, 1969, intitulada: Abortion: A Woman’s Civil Right. Apud
SIEGEL, Reva B. Roe’s Roots: the women’s rights claims that engendered Roe. Boston
University Law Review, [v. 90:1875], nov. 8, 2010, p. 1881 e nota 21, e 1882.
65
RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 121-2 e 363.
Confira-se a análise de SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e
historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 66-75, sobre a visão de Rawls e de
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 51
Dworkin, no tocante à garantia das liberdades básicas, que, como narra o autor, associa a
racionalidade do discurso dos direitos humanos à teoria moderna da moralidade política.
66
RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 368-9.
67
NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do direito. 2. tir. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2013. p. 495-6.
52 Teresinha Inês Teles Pires
68
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge/Massachusetts: Harvard Uni-
versity Press, 1977/1978. p. 191-2.
69
Sobre esse conceito, explica Ibidem, p. 198: “Formular os princípios de um sistema jurí-
dico com o qual a pessoa está comprometida envolve uma tentativa de lhe dar coerência
em termos de um conjunto de normas gerais que expressam valores justificatórios e ex-
planatórios do sistema‖.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 53
em regra, ser respeitada. O problema é que esse respeito pode afetar o respei-
to pela vida da gestante.
Dworkin sugere que, em tal caso, se deve “calcular” a gravidade do
prejuízo decorrente do argumento moral para os dois lados. Para a aplicação
do teste, a quantificação do prejuízo deve ser objetiva e não conforme a opi-
nião subjetiva de quem irá sofrer o dano80. O primeiro raciocínio, para cons-
truir o melhor argumento, pode levar, por exemplo, à seguinte conclusão:
destruir o embrião antes que ele adquira viabilidade fetal e destruí-lo após
esse tempo não produz o mesmo significado em termos de perda da vida
humana. Por outro lado, o prejuízo sofrido pela mulher, na sua expectativa
de felicidade, pode ser extremamente deletério, o que independe de sua opi-
nião subjetiva sobre o valor intrínseco da vida. A ideia de que a vida poten-
cial não merece o mesmo respeito em todos os seus estágios, para os fins de
um objetivo político importante, justifica a concepção do bem segundo a
qual o aborto não representa violação aos interesses do embrião. Essa con-
cepção do bem é convincente, à luz do pensamento de Dworkin, por unificar
um padrão adequado de responsabilidade moral, em relação ao respeito pela
vida humana, e um compromisso com a coerência pessoal ditada pelo prin-
cípio da autenticidade.
É claro que não é possível estabelecer uma metodologia exata, a
fim de apurar caso a caso o grau do prejuízo à vida da mulher derivado da
maternidade mandatória. Tentar responder até que ponto esse prejuízo priva
a mulher das “oportunidades ordinárias para perseguir uma boa vida”81
acabaria conduzindo a uma resposta incerta. Não há como escapar a uma
margem de independência ética da gestante para formular esse juízo, de ma-
neira que a decisão deve ficar ao seu encargo, sem a ingerência da sociedade.
Isso até o limite em que o interesse da sociedade de intervir, definindo um
juízo coletivo, não se mostra mais digno de aceitação. E a medida desse inte-
resse não é calculável, objetivamente, sem diferenciar o respeito a ser confe-
rido, na ordem jurídica, à vida do embrião, em conformidade com seu mo-
mento evolutivo.
É Dworkin quem pontua, ainda, que o poder coativo do Estado de-
ve atender um esquema integrado de valores, interpretado em conjunto. Nes-
se sentido, liberdade e igualdade interagem entre si, não sendo o caso de
escolher uma ou outra na definição da linha exata entre a intervenção pública
legítima e ilegítima na autonomia ética ou na liberdade de consciência de
80
Ibidem, p. 275.
81
Ibidem, p. 276. No original: “ordinary opportunities to pursue a good life”.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 59
direito fundamental dessa espécie, sendo tal classificação algo que decorre
da proteção da liberdade de consciência no regime democrático, os juízes
devem determinar quais os limites de sua aceitabilidade no âmbito legal. Na
leitura ora apresentada, o suporte jurídico, que serve de guia para essa deli-
mitação, seria exatamente a construção de um conteúdo satisfatório e justo
para a independência ética, e, particularmente, para a autonomia procriativa.
No entanto, tal resposta ainda é incompleta, considerando ser ne-
cessário justificar por que a decisão sobre a legalidade ou ilegalidade do
aborto não seria mais democrática se ficasse nas mãos dos legisladores. Em
rigor, os legisladores também estão autorizados a formular juízos morais e
políticos relativos aos direitos fundamentais. Eles podem cometer erros, mas
os juízes não estão isentos de incidir no mesmo risco. Se não fosse possível
considerar a categoria dos direitos morais, insiste Dworkin, todas as decisões
de moralidade política deveriam ser tomadas pelas instituições da democra-
cia representativa. O direito ao aborto é um direito moral, porque pode ser
reivindicado contra o Estado e contra a opinião majoritária. Regra geral,
decisões que envolvam os direitos das minorias não podem ser tomadas pe-
las maiorias, já que se lhe são contrapostas. Esse é o paradoxo lançado por
Dworkin: como os direitos morais, sendo caracterizados como direitos con-
tra o Estado e a opinião majoritária, podem ser decididos nos parâmetros de
sua “aceitabilidade social” (“social acceptability”)?89.
Aqueles que estão no exercício do poder político não devem “ser
os únicos juízes de suas próprias decisões”90. Em um contexto político histo-
ricamente proibitivo da prática do aborto, como conferir aos legisladores
poder exclusivo na interpretação das exigências do Estado constitucional? A
doutrina da justiça em Rawls proporciona base crítica apropriada para afir-
mar a legitimidade da autoridade judicial na apreciação do tema do aborto.
Qualquer tentativa de construir uma “democracia constitucional” pressupõe
a supremacia dos “valores” “incorporados à Constituição”. O esquema social
tem que assegurar a liberdade de consciência no sentido constitucional, não
somente no “sentido político”91.
Reservar à função adjudicatória dos juízes o poder de intervir na
regulamentação do direito ao aborto não conduz à desestabilização do poder
político. A concepção democrático-constitucional da justiça discrimina quais
são as liberdades fundamentais e possibilita a derivação de outras liberdades
89
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge/Massachusetts: Harvard Uni-
versity Press, 1977/1978. p. 141-3 e 146.
90
Ibidem, p. 143.
91
RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 79 e 213.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 63
não expressas, dado o caráter aberto da carta de direitos, sem que isso desfa-
ça a base do consenso político92. A legitimação da judicial review, na inter-
pretação da tutela jurídica do direito ao aborto, não cria um confronto irreso-
lúvel entre as fronteiras de cada um dos poderes institucionais. Simplesmen-
te, como já dito, tanto o poder legislativo quanto o poder judiciário têm legi-
timidade para regulamentar a prática do aborto com fundamento em testes
próprios da análise constitucional. O problema é que, em boa parte dos paí-
ses, o poder legislativo não conseguiu submeter o procedimento majoritário
às premissas da democracia constitucional, deixando à margem a abordagem
das restrições impostas pela linguagem dos direitos individuais93.
O exercício do poder político, em qualquer de suas instâncias, tem
por medida a correspondência dos seus veredictos às normas constitucionais.
Não basta a positivação jurídica dos direitos de liberdade. Há que se encon-
trar uma metodologia política que determine como as instituições governa-
mentais ou não governamentais devem ser organizadas, para viabilizar, da
maneira mais justa possível, o exercício da cidadania moral em igualdade de
condições94.
A Suprema Corte dos países democráticos pode desenvolver me-
lhores estratégias argumentativas para escapar ao domínio das maiorias, que
se mostram mais articuladas no avanço de suas posições na esfera da delibe-
ração coletiva. Nesse contexto, a atuação da Suprema Corte na garantia dos
direitos individuais tem conotação democrática no sentido da inclusão dos
interesses das minorias95. Se a Suprema Corte define a moldura do direito ao
92
RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 271-3.
93
Dworkin explicita essa constatação na seguinte passagem: “Judicial review may well be
less necessary in nations where stable majority have a strong record of protecting the le-
gitimacy of their government by correctly identifying and respecting the rights of individ-
uals and minorities. Unfortunately, history discloses few such nations, even among the
mature democracies” (DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambrid-
ge/Massachusetts: Harvard University Press, 2011. p. 398). Em tradução livre: “A revisão
judicial pode muito bem ser menos necessária em países onde a maioria estável tem um
forte histórico de proteção da legitimidade de seu governo por identificar corretamente e
respeitar os direitos dos indivíduos e das minorias. Infelizmente, a história revela poucas
dessas nações, mesmo entre as democracias maduras”.
94
RAWLS, John. Political liberalism. Expanded Edition. New York: Columbia University
Press. 2005. p. 338.
95
RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 182 e 284. Em
linhas gerais, a teoria da democracia de Rawls, assim como a de Dworkin, tem estreita
vinculação à incrementação do controle de constitucionalidade das leis. Ver, nesse senti-
do, MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido processo legal substantivo: razão abs-
trata, função e características de aplicabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.
344-7. A autora também reforça a natureza inclusiva da atividade do Poder Judiciário no
64 Teresinha Inês Teles Pires
que concerne à proteção das minorias políticas, na medida em que se entende que a “regra
da maioria” não se identifica com a democracia, sendo apenas “uma das técnicas à dispo-
sição” da efetivação do regime democrático. A Democracia não se define por critérios
procedimentais, e sim por padrões que garantam a concretização “de direitos materiais e
de real e igual participação” (Ibidem, p. 384-5).
96
RAWLS, John. Political liberalism. Expanded Edition. New York: Columbia University
Press. 2005. p. 223, 232-3 e 236.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 65
razoável pode conceder esse direito à mulher, mesmo após tal estágio, em
determinadas hipóteses97.
Observe-se que Rawls situa a análise do tema na perspectiva de um
modelo de interpretação constitucional, construído por meio da utilização
das categorias da liberdade e da igualdade na qualidade de padrões originá-
rios da garantia das liberdades básicas. O autor, mais adiante, no mesmo
texto, acrescenta que a regulamentação do direito ao aborto envolve a defini-
ção do âmbito central de proteção da independência ética, no sentido de de-
terminar o que está ou não incluído nesse espaço individual de formação de
valores morais. A liberdade de consciência é, assim, uma dimensão que inte-
gra o valor político da igual cidadania das mulheres. Isso é o mesmo que
dizer que a conversão do direito ao aborto de um direito puramente moral em
um direito legal tem por fundamento a garantia institucional da “igual liber-
dade de consciência”, seja majoritária ou minoritária no cenário político98.
É claro que a análise constitucional dos temas sensíveis é bem mais
complexa. No caso do aborto, não se propõe, neste estudo, a aplicação direta
da liberdade de consciência, em termos exclusivos, à proteção da autonomia
ética da mulher. A interpretação tem que englobar também a concretização
das cláusulas fundamentais do devido processo legal e da igual proteção
perante a lei. O direito ao aborto, na dimensão das restrições constitucionais
à prevalência da opinião majoritária, se configura pela unificação do rol de
liberdades fundamentais, que, em conjunto, conferem imperatividade aos
direitos morais. O direito ao aborto está protegido pela liberdade de cons-
ciência, porque a liberdade genérica e a igualdade, ambas em sentido subs-
tantivo, alicerçam a tese de que a categoria dos direitos morais seja articulá-
vel na descoberta de direitos fundamentais não expressos na Constituição99.
A cláusula da consciência acresce aos princípios abstratos maior exatidão
analítica, no tocante ao substrato moral da defesa constitucional do direito ao
aborto.
A validade da lei que proíbe ou restringe o aborto depende de uma
interpretação moral da Constituição, haja vista que seus preceitos não garan-
tem o reconhecimento da totalidade dos direitos morais, e sequer explicam o
que são esses direitos perante a lei100. Pode-se situar o direito ao aborto na
qualidade de um direito à liberdade de consciência, na medida em que o
97
Ibidem, p. 243-4, nota 32.
98
RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 351 e 366-7.
99
Ver, a esse respeito, DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cam-
bridge/Massachusetts: Harvard University Press, 1977/1978. p. 134-138.
100
Ibidem, p. 186.
66 Teresinha Inês Teles Pires
Capítulo 2
O SIGNIFICADO CONSTITUCIONAL DA
DIGNIDADE HUMANA E DA LIBERDADE
RELIGIOSA EM FACE DOS DIREITOS
REPRODUTIVOS
que possa ser respondida sem que se a posicione sob o prisma de sua notável
contraposição à dignidade da mulher de escolha de convicções individuais.
O status moral do embrião sempre foi questão ambivalente. Ne-
nhuma área do conhecimento humano, desde a filosofia até a medicina, con-
seguiu, até os dias de hoje, fornecer uma resposta unívoca no que diz respei-
to ao tratamento que deve ser conferido ao embrião na sistemática constitu-
cional e política, de modo a apaziguar com segurança as controvérsias que se
articulam no debate público sobre o assunto. De todo modo, o conceito jurí-
dico de personalidade não é o vetor correto da argumentação, como se mos-
trará abaixo. Pode-se, no máximo, legitimar a tutela da vida pré-natal de
acordo com o estágio de sua evolução biológica. Nesse caso, não seria refu-
tada, incondicionalmente, nenhuma das duas teses: nem a de que o nascituro,
na qualidade de um ente potencialmente predisposto ao nascimento com
vida, possua interesses tuteláveis, ao menos a partir de determinado estágio
da gestação, nem a de que a aquisição da personalidade plena somente ocor-
re após o nascimento. Quanto à primeira tese, a proteção do nascituro seria
legitimada, seja com espeque no conceito de viabilidade – possibilidade de
existência fora do útero – seja com espeque na formação das habilidades
cognitivas e sensitivas116.
No Brasil, diga-se de passagem, o Código Civil adota textual-
mente a teoria natalista, determinando que o início da personalidade civil
começa no nascimento com vida. O Supremo Tribunal Federal teve opor-
tunidade de firmar posicionamento nesse sentido, no julgamento da ADIn
3510, já mencionada na introdução do presente estudo. O Rel. Min. Carlos
Ayres Britto, adotando a tese de que a potencialidade da vida embrionária
não impõe que se atribua aos embriões congelados o mesmo tratamento
concedido às pessoas, nascidas com vida, concluiu que não se pode falar,
no caso, de “pessoa humana embrionária”, mas, no máximo, de “embrião
de pessoa humana”117. Essa constatação, por si só, não resolve o dilema
moral em torno do aborto, pois negar que o feto seja pessoa não importa
em negar que ele possua interesses passíveis de tutela por parte do Esta-
do, nem tampouco negar que a ideia de potencialidade da vida não seja
116
LUKER, Kristin. Abortion and the politics of motherhood. Berkeley/Los Ange-
les/London: University of California Press, 1985. p. 3, 5 e 180.
117
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 10 maio 2013, fl.
172. Ainda será objeto de análise, em capítulo próprio, o julgamento da ADIn 3510. A in-
tenção será mostrar que esse julgamento representa o primeiro precedente que deve norte-
ar a atuação futura do STF, se lhe for dada a oportunidade de construir uma interpretação
constitucional do direito ao aborto.
76 Teresinha Inês Teles Pires
dizer, que o aborto não é equivalente a matar uma pessoa nascida, e que o aborto não
deve ser punido como um homicídio”.
124
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2010. p. 45-6. O aborto não é objeto direto de análise no texto citado. Habermas trata aqui
dos limites morais da instrumentalização da vida humana no contexto da biotecnologia.
No seu entendimento, a total liberdade de pesquisa, nessa área, põe em risco “os funda-
mentos morais do Estado constitucional”. Deixa claro, porém, que “ao embrião” não se
pode atribuir, “desde o início”, “a proteção absoluta da vida”. O que evidencia que a no-
ção do autor de “indisponibilidade” da vida humana não é obstáculo para a moralidade do
aborto, restringindo-se sua crítica às pesquisas de seleção genética, assunto em relação ao
qual não se pretende adentrar nesse trabalho. A análise de Habermas do valor intrínseco
da vida se compatibiliza, nas suas próprias palavras, com o “pluralismo ideológico”, pa-
râmetro central para a defesa do direito ao aborto (Op. cit., p. 57 e 60). Em uma passagem
específica, deixa clara sua posição: “Quando não se leva em conta o aspecto da seleção
realizada intencionalmente, há, por certo, outro ponto de vista” “[...] que recobre o direi-
to da mulher à autodeterminação, numa situação de aborto, que é uma situação de outra
natureza: a capacidade dos pais de enfrentar as circunstâncias” (Ibidem, p. 95, nota 57).
80 Teresinha Inês Teles Pires
absoluta de nenhum dos dois polos: nem a primazia da vida nascitura desde a
concepção, nem a total rejeição do poder do Estado de regulamentar o abor-
to, em atendimento às premissas constitucionais, morais, e também às pre-
missas biológicas referentes ao estatuto do feto.
Outras teorias tentam avançar uma resposta correta ao problema
do aborto, estando todas, direta ou indiretamente, ligadas ao princípio da
dignidade da vida humana. Parte-se, em geral, do entendimento de que o
respeito antecipado à vida fetal, por si só, não legitima a imposição às mu-
lheres, em caráter incondicional, do dever de levar a termo a gestação.
Segundo Anja Karnein, por exemplo, obrigar as mulheres, desde o início
da gestação, a garantir o nascimento da criança fere a noção jurídica da
razoabilidade. Considerando que o desenvolvimento biológico do nascituro
depende do corpo da mulher, ela tem, em tese, o direito de recusar-se a
submeter-se a tal propósito, sem necessidade de apresentar razão justifica-
dora para tal recusa. O simples fato de não possuir a gestante condições
para assumir os encargos da maternidade pode caracterizar motivo sufici-
ente para a interrupção da gestação125.
Trata-se de um raciocínio muito interessante por levar à conclusão
de que a dignidade humana, enquanto aplicada à vida nascitura, não acarreta,
por si só, a responsabilidade da gestante de dar a vida ao ser em desenvolvi-
mento no seu útero, quando isso antagoniza com seus planos pessoais e, via
de regra, com sua condição socioeconômica. Ao optar pelo aborto, em um
prazo razoável, as mulheres exercem, de forma legítima, o controle sobre sua
integridade corporal e seu direito à autodeterminação em relação ao valor
dos embriões ou fetos, diante da circunstância de que estes ainda não estão
aptos à existência independente. Isso não representa um comportamento que
desrespeita frontalmente a vida pré-natal, e sim uma atitude de respeito que a
mulher explicita pelo valor de sua própria vida. Grosso modo, ao realizar o
aborto, a gestante atua a favor dos seus interesses e não contra os interesses
do nascituro126.
Na forma representada por Judith Thomson, obrigar as mulheres a
levar a termo a gestação é o mesmo que obrigar, por exemplo, uma pessoa a
permanecer por nove meses de repouso conectada a tubos a fim de salvar
uma outra pessoa estranha da morte por doença renal. A comentada figura do
famoso violinista inconsciente, criada pela autora, é o símbolo mais acurado
do direito à integridade corporal, no sentido de não ser legítimo impor a nin-
125
KARNEIN, Anja J. A theory of unborn life: from abortion to genetic manipulation.
Oxford/New York: Oxford University Press. 2012. p. 17, 26 e 48.
126
Ibidem, p. 49-50.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 81
nância com o modelo de vida política concebido por Dworkin em sua última
obra, Justice for Hedgehogs. O próprio Barroso afirma isso textualmente, ao
defender o status constitucional da dignidade, enquanto um princípio moral e
legal na esfera da normatividade dos direitos fundamentais137.
Para Dworkin, é bom lembrar, o princípio da “autenticidade” adi-
ciona ao conteúdo da liberdade a exigência do respeito à identidade moral
individual; e o princípio do “respeito próprio”, por sua vez, estabelece as
devidas balizas à autonomia, sem caracterizar um conflito de interesses. É da
própria essência da dignidade a consideração dos efeitos da ação voluntária
do indivíduo na vida dos outros. Nessa linha de raciocínio, direciona-se a
sugestão de Barroso no sentido de vincular a noção de sacralidade da vida ao
princípio da responsabilidade pessoal e aos limites da intervenção da moral
comunitária.
Pode-se indagar qual o fundamento para a diferenciação dos está-
gios da formação fetal no tocante à dignidade da vida em si mesma, se, em
geral, a dignidade da mulher, numa conotação filosófica e moral, confere ao
direito ao aborto o estatuto de um direito fundamental. Segundo Dworkin, a
viabilidade fetal, no aspecto da possibilidade de sobrevivência do feto fora
do útero, marca o fim da proteção prioritária dos direitos da gestante, consi-
derando o estágio avançado da formação do “cérebro” (brain) do nascituro
ao ponto de ser possível, inclusive, sua sensibilidade à dor, ainda que em um
nível primitivo de consciência. A partir daí, prossegue Dworkin, é razoável
137
BARROSO, Luís Roberto. Here, there and everywhere: human dignity in contemporary
law and in the transnational discourse. 35 Boston College International and Compara-
tive Law Review, Spring, 2012. p. 354-5. Nessa passagem, o autor, além de apoiar-se em
Dworkin, refere-se, ainda, ao pensamento de Robert Alexy, ao trazer à baila os princípios
da proporcionalidade e da otimização do peso dos princípios. Saliente-se que, na visão
adotada neste estudo, tais princípios não devem ser aplicados ao tema do aborto porque
poderiam comprometer a coerência da argumentação jurídica que se propôs, a qual toma
por premissa a inexistência de colisão de direitos. Já se disse na introdução da obra que a
investigação da matéria melhor se estrutura por meio da aplicação do princípio da razoa-
bilidade, cujo método se conforma aos pressupostos morais e políticos de Rawls e de
Dworkin. Tal posição será suficientemente explicitada nos capítulos finais, onde se espera
demonstrar a pertinência de se fundamentar o direito ao aborto, na prática brasileira, no
princípio da razoabilidade, sem necessidade de se o vincular à técnica de Alexy da pro-
porcionalidade. Nesse particular, no que pese a remissão de Barroso à teoria de Alexy, ao
tratar do princípio da dignidade, entende-se que isso não desconstrói o acerto do seu es-
forço em aperfeiçoar essa categoria como mecanismo constitucional primal na efetivação
dos direitos fundamentais, e, em especial, do direito ao aborto. De qualquer sorte, a base
originária do raciocínio do ministro são as teorias de Rawls e de Dworkin, na medida em
que ele defende a conexão intrínseca da dignidade ao pluralismo moral e à autonomia de
consciência.
86 Teresinha Inês Teles Pires
dizer que o feto passa a ter interesses próprios, e, sobretudo, que já foi con-
cedido à mulher grávida oportunidade e tempo suficiente para refletir e for-
mar sua convicção no que diz respeito a prosseguir ou não sua gestação.
Essas são as razões pelas quais, para Dworkin, o Estado tem legitimidade
para proibir o aborto a partir do sétimo mês de gestação, sem que a dignida-
de da mulher seja violada138.
Peter Wenz também defende a diferenciação entre os estágios ges-
tacionais como critério para a regulamentação do direito ao aborto e para a
acomodação das dimensões da dignidade. Em parâmetros distintos dos utili-
zados por Dworkin, o citado autor rejeita o critério da viabilidade fetal como
sendo o mais adequado para equilibrar os interesses do nascituro. Sugere a
noção de similaridade entre a condição biológica do nascituro e a do recém-
-nascido como critério orientador da extensão da autonomia procriativa,
considerando-a mais objetiva que a noção de viabilidade, porque não está
sujeita a modificações provenientes do avanço das tecnologias de sobrevi-
vência fora do útero. Wenz indica como momento determinante para a prote-
ção da vida fetal a idade de oito meses de gestação, ponderando que nesse
estágio o nascituro difere do recém-nascido somente por sua localização (no
útero da gestante), pela forma em que recebe oxigênio para respirar (por in-
termédio ainda do oxigênio transportado pelo corpo da gestante) e pela for-
ma em que é alimentado (igualmente ainda através do corpo da gestante)139.
Falar do estatuto moral do feto ou de sua dignidade (o que, em ri-
gor, é a mesma coisa), significa averiguar em quais circunstâncias o aborto
ou o descarte de embriões produzidos artificialmente devem ser legalizados.
No tocante ao aborto, em determinadas hipóteses, como as já permitidas pelo
ordenamento brasileiro – salvar a vida da gestante, estupro ou anencefalia –
a legalização do procedimento deve abranger período mais avançado da ges-
tação ou, até mesmo, ser acolhida não importando o estágio; adiante-se, ain-
da, que, em outras hipóteses, como a do aborto voluntário por livre escolha
da mulher ou do casal, há que se reconhecer sua admissibilidade no mínimo
nos estágios iniciais do desenvolvimento fetal. Como destacado por Luís
138
DWORKIN, Ronald. Life`s dominion: an argument about abortion, euthanasia and indi-
vidual freedom. New York: Vintage Books, 1994. p. 169-170.
139
WENZ, Peter. Abortion rights as religious freedom. Philadelphia: Temple University
Press, 1992. p. 53, 66-7 e 77. Ainda se irá esclarecer na segunda parte desse trabalho os
fundamentos constitucionais presumidos por Wenz na elaboração de sua doutrina, uma
vez que sua perspectiva adensa, de forma importante, os significados das cláusulas consti-
tucionais, no contexto norte-americano, protetivas das liberdades individuais. Ademais, a
questão do tempo gestacional adequado para se moldurar o direito da mulher de praticar o
aborto será problematizada adiante, em diversos capítulos.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 87
ta, como efeito epistemológico, a transformação do feto em um ser dotado de maior grau
de realidade do que a própria mulher gestante. No mesmo sentido, NELSON, Erin. Law,
police and reproductive autonomy. Oxford: Oxford and Portland, Oregon, 2013. p. 167-
8. Por fim, nas palavras de Laurence H. TRIBE: “Those who oppose abortion often use a
visualization process to move people. What they ask us to see is an isolated figure of a fe-
tus. Where is the person who develops, nurtures, and sustains the fetus for which we are
looking at? Where is the woman? In this view, she is meaningless, devalued. When a
woman somehow appears momentarily before our view, it becomes translucent, a ghost of
a real person” (In: Abortion: the clash of absolutes. New York/London: W. W. Norton &
Company, 1990. p. 136). Em tradução livre: “Aqueles que se opõem ao aborto frequente-
mente utilizam-se de um processo de visualização para emocionar as pessoas. O que eles
nos pedem para visualizar é uma figura isolada de um feto. Onde está a pessoa que de-
senvolve, alimenta, e sustenta o feto para o qual estamos olhando? Onde está a mulher?
Nessa visão, ela é insignificante, desvalorizada. Quando a mulher de alguma forma apa-
rece momentaneamente diante da nossa vista, ela se torna translúcida, um fantasma de
uma pessoa real”.
145
OHLIN, Jens David. Is the concept of the person necessary for human rights? 105 Co-
lumbia Law Review, p. 209-214, jan. 2005.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 91
jurídico, apto à aquisição de direitos legais. A pergunta que precisa ser feita,
portanto, não é se o nascituro é ou não pessoa humana, mas sim se a vida
humana biológica é significativa o bastante para justificar a titularidade de
direitos humanos. O discernimento da centralidade dessa pergunta é essenci-
al para a posição avançada no presente trabalho, no tocante ao atrelamento
do conceito de personalidade às características do sujeito capaz de autode-
terminação moral, com a rejeição das interpretações que o reduzam às pro-
priedades biológicas148.
Nessa abordagem, o conceito de “agente racional” é muito mais
amplo do que o de “pessoa” e está na base, antes que qualquer outro, da legi-
timidade da titularidade de direitos. Por conseguinte, às “entidades biológi-
cas” e aos “agentes racionais” são assegurados direitos diferenciados de
acordo com o tratamento moral que a natureza de cada um exige da sistemá-
tica constitucional. Não há nenhuma dificuldade em classificar o primeiro
grupo na qualidade de entes merecedores de determinado grau de proteção
jurídica, embora não pessoas, e classificar somente o segundo grupo na qua-
lidade de “pessoas”. O raciocínio contrário estaria focado exclusivamente no
significado terminológico-semântico de “personalidade”, não necessaria-
mente portador de valor normativo. O conceito de personalidade não tem
conteúdo próprio, pois sua função é apenas a de substituir as premissas mais
densas, de caráter moral, que estruturam os direitos humanos149.
Pontuou-se, antes, que o valor moral do nascituro corresponde à
avaliação dos limites de sua dignidade em sentido constitucional. Ambas
as expressões, “valor moral” e “dignidade humana”, permitem a constru-
ção de um modelo que delineie a legitimidade da intervenção do Estado
na tutela dos interesses da vida pré-natal. Porém, nesse esquema de pen-
samento, na esteira de Dworkin, não há a perspectiva de que o nascituro
possua interesses “em si mesmo” desde o princípio de sua formação ge-
148
OHLIN, Jens David. Is the concept of the person necessary for human rights? 105 Co-
lumbia Law Review, p. 227, 229 e 234-5, jan. 2005. No mesmo sentido, nas palavras de
BORGMANN, Caitlin E. The meaning of “life”: belief and reason in the abortion de-
bate. 18 Columbia Journal of Gender anad Law, 2009. p. 555: “The unsurprising
fact that an embryo or fetus is biologically ‗human life‘ simply does not respond to the
moral (or legal) question of whether and when it should be granted to this life some or
all rights of a person‖. Tradução livre: “O fato não surpreendente de que um embrião ou
feto é, biologicamente, ―vida humana‖ simplesmente não responde à questão moral (ou
legal) de se e quando devem ser concedidos a essa vida alguns ou todos os direitos de
uma pessoa”.
149
OHLIN, Jens David. Op. cit., p. 235-6, 238, 242-3, 246 e 248-9. Ver, também, RUBEN-
FELD, Jed. On the legal status of the preposition that “life begins at conception”. 43
Stanford Law Review, fev. 1991. p. 601.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 93
150
Essa é a opinião manifestada, por exemplo, por LOTIERZO, Amy. The unborn child, a
forgotten interest: reexamining roe in light of increased recognition of fetus rights. Tem-
ple Law Review. Spring 2006. p. 311-12. Pretende-se, nessa visão, inverter a ordem do
raciocínio jurídico, para afirmar que o nascituro possui direitos constitucionalmente pro-
tegidos que são afetados pelas decisões das gestantes de realizar o aborto. Na verdade, o
juízo correto vai na direção contrária, pois as gestantes é que possuem direitos constituci-
onalmente protegidos que são afetados, e de forma grave, pela pretensa prevalência dos
interesses do nascituro desde a concepção.
151
Cf. NELSON, Lawrence J. Of persons and prenatal humans: why the constitution is not
silent on abortion. Lewis & Clark Law Review, Spring 2009. p. 171, 156 e 159; No
mesmo sentido, RUBENFELD, Jed. On the legal status of the preposition that “life begins
at conception”. 43 Stanford Law Review, February 1991. p. 612; e GERTLER, Gary B.
Brain birth: a proposal for defining when a fetus is entitled to human life status. Southern
California Law Review, July 1986. p. 1066. Lembre-se que na visão de Dworkin é exa-
tamente a não equiparação do estatuto jurídico do feto ao da pessoa humana que justifica
o envolvimento da liberdade de consciência na regulamentação do direito ao aborto. De
94 Teresinha Inês Teles Pires
outro lado, ORREGO S., Cristóbal. Liberalismo y libertad religiosa en el debate político
sobre la justicia: argumentos sobre el aborto legal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Direito fundamental à vida. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 151, ressalta
que grande parte dos países democráticos reconhecem a personalidade jurídica do feto e
ainda assim permitem a prática do aborto sem apelar à liberdade de consciência. Esses pa-
íses, ao confeir tutela reduzida ao feto, em relação às pessoas nascidas com vida, rejeitam
a premissa basilar de Dworkin de que todos os sujeitos, reconhecidos como pessoas, pos-
suem iguais direitos fundamentais. Orrego argumenta no sentido de contrapor-se à respos-
ta de Dworkin ao problema, mas aponta, com razão, a incongruência da solução dada ao
caso do aborto, no contexto internacional, não norte-americano. Isso reforça a convicção
de que a não aplicação da cláusula da liberdade de consciência na liberalização do aborto
resulta em uma solução incompleta e violadora do princípio da igual proteção perante a
lei. A resposta correta para o caso deve partir do questionamento acerca da inclusão ou
não do nascituro na categoria de pessoa humana, perante a ordem jurídica. Se o melhor
argumento indicar uma resposta negativa, a liberdade de consciência, na definição do va-
lor intrínseco da vida potencial, passa a estar justificada enquanto um fundamento para o
direito ao aborto.
152
RUBENFELD, Jed. On the legal status of the preposition that “life begins at conception”.
43 Stanford Law Review, February 1991. p. 613.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 95
153
Ibidem, p. 625-6. Esclareça-se que células zigóticas são aquelas que se formam desde o
instante da fecundação até que o composto celular adquira o número de ao menos quatro
células, ponto a partir do qual recebe a designação de embrião. Nesse intervalo o compos-
to celular recebe o nome de “zigoto”. “Células não zigóticas”, portanto, são aquelas que
precedem a união dos gametas masculino e feminino, ou seja, as células nucleicas e não
nucleicas não fecundadas. Como se sabe, as células nucleicas de uma única pessoa são
passíveis de ser transformadas em células embrionárias através das técnicas de clonagem
de tecidos genéticos, dando início ao desenvolvimento da vida potencial sem terem sido
associadas a tecidos genéticos pertencentes a outro indivíduo. Ademais, tanto na hipótese
de fertilização natural quanto na hipótese de fertilização artificial, por meio de suas diver-
sas tecnologias, o zigoto pode dividir-se, durante os primeiros dias de sua evolução, dando
origem a dois ou múltiplos zigotos idênticos, criando assim “mono-zigotos” (mono-
zygotes) gêmeos ou triplos. Qual deles, pergunta WENZ, Peter. Abortion rights as reli-
gious freedom. Philadelphia: Temple University Press, 1992. p. 60-1, deve ser considera-
do uma pessoa que passou a existir no momento da fertilização? Quem são ou outros?
Eles também possuem plenos direitos humanos? Se possuem, sua personalidade passa a
existir não na fertilização (quando havia apenas um) mas algum tempo (possivelmente dias)
depois, quando o zigoto se divide? Como definir qual deles se tornou uma pessoa na ferti-
lização e qual(ais) adquiriu(iram) personalidade posteriormente?
154
Mostrar-se-á, na parte do estudo dedicada à constitucionalidade do aborto nos Estados
Unidos (segunda parte) que o direito à privacidade não é um fundamento satisfatório e
não resolve o problema sem ser associado a outros princípios.
155
BORGMANN, Caitlin E. The meaning of “life”: belief and reason in the abortion debate.
18 Columbia Journal of Gender anad Law, 2009. p. 568, 563 e 560.
96 Teresinha Inês Teles Pires
semanas da idade gestacional, de acordo com dados fornecidos nos seguintes estudos:
J. HUGHES, EGG in clinical practice. p. 69-70 (1982); D. SCOTT, Understanding
EEG: an introduction to electroencephalography; DREYFUS-BRISAC, The electro-
encephalogram of the premature infant, 3 World Neurology 5 (1962); EL-
LINGSON, Studies of the electrical activity of the developing human brain, 9 Progress
Brain Research, 26, 27 (1964).
160
Saliente-se que esses parâmetros estão distantes da realidade política da sociedade brasi-
leira, em que o debate gira em torno da proposta de legalização do aborto no primeiro tri-
mestre de gestação. Essa proposta, obviamente, ainda será discutida. No presente capítulo,
procura-se firmar, em linhas gerais, posição pessoal no que tange à abrangente doutrina da
atribuição de personalidade jurídica ao nascituro, e, consequentemente, em relação aos ar-
gumentos relativos à evolução biológica da vida. Seja para permitir o aborto durante o
primeiro trimestre ou até o segundo trimestre de gestação, a interpretação, no âmbito do
direito, deve envolver a consideração dos diferentes estágios gestacionais, já que a con-
trovérsia diz respeito à definição do momento a partir do qual se justifica a tutela dos inte-
resses do nascituro.
98 Teresinha Inês Teles Pires
163
TOOLEY, Michel. Why a liberal view is correct. In: TOOLEY, Michel et al. Abortion:
three perspectives. New York/Oxford: Oxford University Press, 2009. p. 23 e 36-7. Ob-
serve que o conceito do autor de “potencialidade” da vida humana se sustenta na capaci-
dade cognitiva, o que coincide com a proposição de Gertler, já mencionada, segundo a
qual o momento do “nascimento do cérebro” deve fixar o início da tutela da vida nascitu-
ra. Trata-se de um critério paradigmático na regulamentação do aborto e da eutanásia. No
primeiro caso, a ausência do cerebelo (cérebro superior) no embrião ou feto o tornaria um
organismo que, no que pese enquadrar-se, em tese, no conceito de “potencialidade”, não
reúne os requisitos para a inviolabilidade de sua vida; no segundo caso, a paralisação das
funções cerebrais estaria subsumida à definição médica do momento da morte encefálica
(conforme a Lei 9.434/97, que regulamenta, no Brasil, o transplante de órgãos), possibili-
tando a interrupção da vida por um ato de vontade. A permissão do testamento vital, do-
cumento no qual a pessoa declara sua intenção de não permanecer viva na hipótese de en-
contrar-se, no futuro, em situação de inconsciência, por doença em estágio terminal, sem
possibilidade de manifestar sua vontade, é um precedente interessante para a afirmação da
tese de que a vida humana não é necessariamente objeto de tutela do Estado. No Brasil
não há legislação específica sobre a formalização do testamento vital, mas não há nenhum
impedimento para sua validade. O Conselho Federal de Medicina manifestou-se sobre o
assunto na Resolução 1.995/2012, apoiando a liberdade de decisão individual na confec-
ção do testamento vital, o que se converteu, a partir de então, em comando a ser seguido
pelos médicos, sob pena de quebra do Código de Ética Médica. Consultem-se, a esse res-
peito, as informações disponibilizadas na internet. Disponível em: <http://www.portal.
cfm.org.bindex.php?option=comcontent&view=article&id=23585:testamentovital&catie6
>. Acesso em: 11 maio 2013. Em relação à mitigação do valor moral da vida, trata-se de
uma concepção que dá suporte à reflexão sobre o aborto. Claro que no caso do testamento
vital, a pessoa dispõe sobre a própria vida; já no caso do aborto, mais complexo em alguns
aspectos, a mulher estaria dispondo sobre a vida do nascituro. Mas a Resolução
1.995/2012 do CFM não deixa de significar um ponto de apoio para o balizamento da tu-
tela da vida humana, tendo por parâmetro a ausência de funcionamento das funções cere-
brais. Esse parâmetro está na base de uma das linhas de argumentação pró-aborto, pela
qual se defende que nos estágios iniciais do desenvolvimento fetal, quando ainda não
existe a formação do sistema neurológico, há justificativa para o reconhecimento constitu-
cional do direito de escolha reprodutiva.
100 Teresinha Inês Teles Pires
tro das teses que foram defendidas nos capítulos e seções anteriores, à luz
das teorias formuladas por Rawls e por Dworkin no dimensionamento de um
conteúdo unitário do princípio da dignidade humana.
O conjunto das considerações feitas, na presente seção, é suficiente
para demonstrar a não adequação da doutrina da “vida potencial” como pa-
drão para o início da personalidade jurídica, e para tornar também explícito
que a insistência nessa doutrina não tem por motivação as teses científicas da
embriologia e da medicina, como se apregoa, e sim as teses religiosas do
início da vida no momento da concepção, incorporadas que foram pela mo-
ralidade tradicional.
A esse respeito, mencione-se a expressão que Julieta Lemaitre
denomina de “constitucionalismo católico” (“catholic constitutiona-
lism”), a fim de se referir à doutrina que define a intangibilidade da vida
humana a partir da formação do DNA. Explica a autora que tal visão se
enraíza nas referências religiosas dos tempos medievais, segundo as quais
o início da vida ocorre no momento da entrada da alma no “corpo huma-
no” (“human body”). Nessa crença, e não em pressupostos constitucio-
nais, reside o raciocínio de que o aborto, desde a fertilização do óvulo, se
equipara ao homicídio. Vincular a definição da personalidade humana ao
momento da fertilização do óvulo somente tem significado dentro de uma
concepção religiosa da existência do mundo168. Regra geral, os opositores
ao aborto não desejam conectar seus argumentos às doutrinas teístas, por
isso não recorrem ao conceito metafísico da alma humana. Para tangenciar
o discurso religioso e tentar atribuir à defesa da personalidade do nascitu-
ro uma conotação laica e jurídica, apoiam-se nos resultados científicos da
embriologia, desviando o debate público sobre o aborto de sua dimensão
puramente constitucional 169.
A tese da tutela da “vida potencial”, desde a formação da indivi-
dualidade genética, vem conseguindo provocar, na esfera legal, um discur-
so equivocado, em termos conceituais, que identifica no “feto”, e não na
“mulher”, “o locus do direito”, especialmente do direito reprodutivo. Por
meio desse movimento, conferem-se direitos ao feto, considerado em si
mesmo, de modo a desequilibrar a perspectiva do nascimento com vida
enquanto marco inicial da personalidade jurídica. O que abre margem à
168
LEMAITRE, Julieta. Catholic constitutionalism on sex, women, and the beginning of life.
In: Abortion law in transnational perspective. Pennsylvania/Philadelphia: University
Pensylvania Press, 2014. p. 246-249.
169
BORGMANN, Caitlin E. The meaning of “life”: belief and reason in the abortion debate.
18 Columbia Journal of Gender and Law, p. 592, 2009.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 103
177
SIEGEL, Reva B. Op. cit., p. 75. Ver, também, TRIBE, Laurence H. Abortion: the clash
of absolutes. New York/London: W. W. Norton & Company, 1990. p. 33-4.
178
SIEGEL, Reva B. Abortion as a sex equality right: its bases in feminist theory. In:
Mothers in law: feminist theory and the legal regulation of motherhood. Editado por
Martha Albertson Fineman e Isabel Karpin. New York: Columbia University Press, jun.
1995. p. 49, 55 e 58.
179
MACKINNON, Catharine A. Reflexions on sex equality under law, 100 Yale Law Jour-
nal, Mar. 1991. p. 1308-9 e 1313-16. O mesmo raciocínio é adotado por TRIBE, Lauren-
ce H. Abortion: the clash of absolutes. New York/London: W. W. Norton & Company,
1990. p. 132-3. Observe-se que a delimitação da tutela da dignidade da vida fetal, investi-
gada na seção anterior, interage diretamente com a garantia da igualdade sexual e repro-
dutiva veiculada pelo princípio da igual proteção perante a lei.
106 Teresinha Inês Teles Pires
aborto, haja vista a evidência de que as leis elaboradas com esse intuito con-
têm, inegavelmente, uma medida classificatória sustentada na categoria do
gênero. Mesmo quando se considera que a gravidez é biologicamente uma
condição que diferencia a mulher como ser capacitado para o desenvolvi-
mento da reprodução, são as práticas jurídicas que convertem as diferenças
biológicas em fonte de desvantagem socioeconômica, procedimento e estru-
tura facilmente identificáveis na criminalização do aborto. As diferenças
advindas da natureza não devem produzir tão amplos efeitos nas oportuni-
dades sociais concretas das pessoas. As leis não podem transformar as ca-
racterísticas biológicas femininas em uma espécie de “prejuízo social sis-
têmico para as mulheres”, e menos ainda atribuir à natureza a inevitabili-
185
dade desse prejuízo .
A discriminação sexual suportada e fortalecida pela legislação
produz concretamente um ciclo de desvantagem na vida das mulheres,
através da conjugação de múltiplas searas de subordinação, que compreen-
dem o desemprego, a má formação educacional, a ausência de poder políti-
co e a pobreza, de modo a predispô-las à violência e ao crime. Para dar
uma resposta a esses problemas, o que se deve ponderar não é se existem
ou não diferenças de gênero, pois efetivamente elas existem, mas sim, se é
viável modificar a abordagem dessas diferenças, no âmbito da lei e das
relações sociais, a partir de uma justificação constitucional apropriada. Em
determinadas circunstâncias, as classificações distintivas, além de serem
arbitrárias, em sua adesão a valores morais específicos, criam desigualdade
para pessoas que integram grupos particulares e taxativamente definidos,
no caso, as mulheres. A organização sociopolítica, na medida em que acolhe
uma estrutura de classes hierarquicamente estabelecida, termina produzindo
dois níveis de cidadania:
185
SUNSTEIN, Cass R. The partial constitution. Cambridge/London: Harvard University
Press, 1993. p. 259 e 261. No original: “systemic social prejudice for women”. Essa
posição é também defendida por JOHNSEN, Dawn E. The creation of fetus rights: con-
flicts with women’s constitutional rights to liberty, privacy and equal protection. 95 Yale
Law Journal, January 1986. p. 600 e 620. Sunstein já havia afirmado essa mesma ideia
em Three civil rights fallacy, 1991. p. 771, ao pontuar: “Differences that imply inequali-
ty are the result of legal and social practices, not of nature, and not of the differences
themselves”. Tradução livre: “Diferenças que implicam desigualdade são o resultado de
práticas legais e sociais, não da natureza, e não das diferenças em si mesmas”. No que pe-
se o autor esclarecer, na obra The partial constitution. Cambridge/London: Harvard
University Press, 1993. p. 261, não ter a intenção de declarar a precedência da igualdade
sobre a liberdade, enquanto princípios constitucionais básicos, firma posição no sentido
de que o princípio da liberdade não captura todos os aspectos envolvidos na abordagem
do aborto, porque não assegura a proteção de todas as escolhas individuais.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 109
192
WENZ, Peter. Abortion rights as religious freedom. Philadelphia: Temple University
Press, 1992. p. 76.
193
SIEGEL, Reva B. Abortion as a sex equality right: its bases in feminist theory. In:
Mothers in law: feminist theory and the legal regulation of motherhood. Editado por
Martha Albertson Fineman e Isabel Karpin. New York: Columbia University Press, jun.
1995. p. 54, 58-60 e 64.
194
NELSON, Erin. Law, police and reproductive autonomy. Oxford: Oxford and Portland,
Oregon, 2013. p. 41 e 43. Nessa obra, o autor propõe uma refundação da autonomia re-
112 Teresinha Inês Teles Pires
197
A tendência mundial não é escolher o direito à saúde como fundamento primeiro para a
legalização do aborto, e sim os direitos de liberdade ou, na vertente feminista contempo-
rânea, os direitos de igualdade. No Brasil, como se verá adiante, a última tentativa de des-
criminalização do aborto, por meio de projeto de lei, teve por argumento essencial a ne-
cessidade ao combate ao aborto ilegal. A proposta não foi aceita pelo Congresso Nacio-
nal, resultando no arquivamento do projeto.
198
TRIBE, Laurence H. Abortion: the clash of absolutes. New York/London: W. W. Norton
& Company, 1990. p. 3 e 27.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 115
termo religião, aqui, como expressão de uma convicção particular sobre o valor
da vida humana. Segundo Dworkin, uma crença, para ser classificada como uma
crença religiosa, não exige a pressuposição da existência de uma divindade,
bastando que o seu conteúdo seja essencialmente religioso. Qualquer indagação
que se debruce sobre a busca de respostas aos significados mais profundos da
existência humana possui o estatuto de uma questão religiosa. As questões reli-
giosas são aquelas que distanciam o indivíduo de suas vivências subjetivas e o
conectam a valores transcendentes. Distinguem-se substancialmente das ques-
tões de moralidade política e das questões afetas à justiça como equidade e à
melhor distribuição de recursos, as quais claramente não possuem natureza reli-
giosa. Daí se nota que a definição do valor intrínseco da vida conduz o ser hu-
mano ao espaço reflexivo da religiosidade e da espiritualidade, nada tendo em
comum com os problemas práticos da justiça social203.
Observando-se a divisão de forças políticas no julgamento da mo-
ralidade do aborto, fácil é notar que o problema se apresenta sob uma forte
influência do pensamento religioso-teológico204. Por outro lado, a dimensão
religiosa está conceitualmente conectada à dimensão moral, cuja extensão
possibilita a inclusão do humanismo laico, enquanto doutrina ética merece-
dora da mesma importância, no espaço público, em comparação às visões
teístas. O significado da inviolabilidade da vida insere-se no contexto da
categoria genérica da moralidade, que envolve as crenças teístas e os princí-
pios éticos. A destruição do embrião ou feto, mesmo considerando que ele
não possui direitos próprios, irradia na mente humana um sentimento negati-
vo de perda, em sentido moral, cujo peso leva muitas pessoas a repelir a
aceitação do direito ao aborto em circunstâncias várias.
203
DWORKIN, Ronald. Life`s dominion: an argument about abortion, euthanasia and indi-
vidual freedom. New York: Vintage Books, 1994. p. 155-6 e 162-4. Consoante ensinado
por WENZ, Peter. Abortion rights as religious freedom. Philadelphia: Temple Univer-
sity Press, 1992. p. 112, as crenças possuem natureza religiosa quando não são suportadas
por raciocínios e metodologias seculares.
204
DWORKIN, Ronald. Life`s dominion: an argument about abortion, euthanasia and indi-
vidual freedom. New York: Vintage Books, 1994. p. 36. Para uma análise histórica e filo-
sófica da influência das visões teológicas na política, consulte a mesma obra. p. 36-50.
Dworkin aproveita-se de seu estudo sobre o assunto para reforçar seu ensinamento no sen-
tido de que nunca a opinião das instituições religiosas supôs que o feto seria pessoa. Essas
opiniões professam antes a ideia de que o aborto sempre representa um desperdício da vi-
da humana. A doutrina católica, enfatiza o autor, desenvolve atualmente um discurso di-
recionado à construção de uma “Consistente Ética da Vida” (“Consistent Ethic of Life”,
idem, p. 49). Não é o caso de se aprofundar a investigação sobre a histórica relação entre a
igreja e o poder, porque o tema da pesquisa não é a liberdade religiosa em si, razão pela
qual importa discutir diretamente o significado dessa cláusula fundamental em sua aplica-
bilidade ao direito ao aborto.
118 Teresinha Inês Teles Pires
207
GREENWOOD, Daniel J. H. Beyond dworkin’s dominious: investments, memberships,
the tree of life and the abortion question life’s dominium: an argument about abortion, eu-
thanasia and individual freedom by Ronald Dworkin. 72 Texas Law Review, February,
1994. p. 561, 563, 565 e 570-1. Igualmente, TRIBE, Laurence H. Abortion: the clash of
absolutes. New York/London: W. W. Norton & Company, 1990. p. 116, embora se posi-
cione a favor do aborto, afirma que a cláusula da liberdade religiosa não soluciona o pro-
blema, no tocante ao seu estatuto fundamental. Crítica assemelhada é feita, ainda, por
BRADLEY, Gerard V. Life’s Dominium: a Review Essay. 69 Notre Dame Law Review,
1993. p. 374-5, que chega a afirmar que Dworkin, na tentativa de abordar direitos na qua-
lidade de experiências subjetivas ou propriedades da consciência, não considera seriamen-
te os questionamentos que fragilizam o seu argumento.
208
GREENWOOD, Daniel J. H. Beyond dworkin’s dominious: investments, memberships,
the tree of life and the abortion question life’s dominium: an argument about abortion, eu-
thanasia and individual freedom by Ronald Dworkin. 72 Texas Law Review, February,
1994. p. 591-2 e 600.
120 Teresinha Inês Teles Pires
valor sagrado da vida está envolvido na decisão da mulher, que opta pelo
aborto, em nada altera a base argumentativa de Dworkin. O que está em
questão, à luz dos princípios da liberdade religiosa, é a ilegitimidade do Es-
tado de fundamentar a criminalização de uma conduta em uma convicção
religiosa de caráter não universal.
As arguições baseadas na realidade socioeconômica da gestante
podem ser adequadas na esfera penal, para a postulação de causas excluden-
tes da ilicitude do ato delituoso, como o estado de necessidade, ou excluden-
tes da culpabilidade, no âmbito da inexigibilidade da conduta diversa. Os
mesmos argumentos não são, porém, satisfatórios na postulação de que o
aborto é um direito constitucionalmente assegurado. Em outras palavras, o
princípio da responsabilidade pessoal deve ser estimulado pelo Estado, mas
não serve para demonstrar que o aborto é um direito fundamental. Já se disse
que na última obra de Dworkin, Justiça para Ouriços, o princípio da res-
ponsabilidade pessoal passou a ter expressão por meio do primeiro requisito
da dignidade, a autenticidade, cujo contorno não se torna claro sem a exten-
são do juízo ético ao dever de promover o bem para todos os membros da
comunidade política. Assim, a destruição do embrião ou feto envolve sim
um juízo sobre o dever moral para com a preservação de sua vida, nas cir-
cunstâncias em que um dever de tal espécie estiver caracterizado em bases
constitucionais.
Por fim, a terceira crítica, que alega ser prescindível a inclusão do
princípio da liberdade religiosa no debate sobre o aborto, desconsidera o
significado atribuído por Dworkin à dignidade humana. Há uma diferencia-
ção emblemática, no aspecto da interpretação constitucional, entre os direitos
fundamentais em espécie e o princípio da dignidade, sendo que este último,
por sua ligação à ideia do pleno exercício da cidadania, afirma o dever do
Estado de assegurar o reconhecimento público dos valores morais que estão
na base da linguagem dos direitos. O sistema de justiça é um pressuposto de
toda a argumentação de Dworkin a respeito da dignidade humana, cujo subs-
trato unifica as esferas do pensamento moral e político e introduz a necessi-
dade da proteção da independência ética. O direito à vida não é a única cate-
goria a ser concretizada no que concerne aos interesses do feto. A aborda-
gem da matéria, sob o enfoque do princípio da dignidade, torna possível
aperfeiçoar o debate, redimensionando o paradigma da justiça e do direito
como integridade de princípios.
Como foi visto na seção 2.1, nesse mesmo capítulo, mesmo que se
demonstre que o feto não é pessoa, a proibição do aborto poderia fundamen-
tar-se na garantia da dignidade de sua vida pela importância intrínseca ine-
122 Teresinha Inês Teles Pires
rente a toda espécie de vida humana. Dado esse segundo aspecto da impor-
tância da vida humana, Dworkin precisou situar o problema do aborto no
contexto das exigências da dignidade, em um primeiro momento, na obra O
Domínio da Vida, sedimentando o envolvimento da liberdade religiosa co-
mo um elemento reflexivo naturalmente presente na decisão da gestante; e,
em um segundo momento, reformulando o conceito de dignidade, na obra
Justiça para Ouriços, a fim de reforçar seu entendimento de que o aborto
pode ser proibido no terceiro semestre gestacional em face do respeito que se
deve ter pela vida pré-natal, considerando o valor de sua dignidade. Em úl-
tima instância, isso é o mesmo que dizer que o aborto é um ato injusto nos
estágios avançados da gravidez por violar a dignidade da vida fetal. A con-
trario sensu, não é um ato injusto nos estágios iniciais em face da proteção
assegurada pela dignidade conferida à vida da gestante, na dimensão dos
princípios da autenticidade e do respeito próprio.
É sempre importante pontuar que a discussão em torno da constitu-
cionalidade do direito ao aborto traz consigo a necessidade da concretização
de preceitos fundamentais portadores de alto grau de abstração, dentre os
quais se destacam os princípios da liberdade e da igualdade. Por um viés
lógico, a autonomia procriativa enquadra-se na proteção da liberdade en-
quanto liberdade de escolha na esfera do planejamento reprodutivo. Entre-
tanto, seja sob as vestes do conceito de privacidade, tradicionalmente utili-
zado nas sociedades democráticas, sobretudo nos Estados Unidos da Améri-
ca, como ainda se verá, seja sob as vestes da noção de autonomia em si
mesma, o princípio da liberdade é por demais genérico, o que dificulta sua
ampliação com o propósito de justificar o reconhecimento de determinados
direitos.
Por isso, acredita-se que a tentativa de Dworkin de situar a admis-
sibilidade do aborto na garantia da liberdade religiosa pode significar a supe-
ração dos limites encontrados na utilização exclusiva daquelas cláusulas
constitucionais genéricas, acima indicadas. Peter Wenz endossa o pensamen-
to de Dworkin quando defende que a liberdade religiosa, na qualidade de
uma categoria específica de direito fundamental, incorpora a autonomia pro-
criativa das mulheres. Segundo Wenz, a privacidade é um parâmetro instável
e encontra acolhimento apenas em uma visão liberal extrema, que confere
grande poder criativo aos juízes na declaração de novos direitos fundamen-
tais não explicitamente previstos na Constituição. O entendimento do autor é
por ele mesmo definido como uma posição politicamente moderada, que se
situa entre o respeito total ao critério majoritário e a tutela absoluta dos direi-
tos de liberdade. Nessa visão, o alcance interpretativo de cada categoria
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 123
dade individual, em um sistema de justiça, a não ser que se garanta seu exer-
cício de forma igualitária.
Convém enfatizar que Dworkin, ao escrever sua obra O Domínio
da Vida estava preocupado em reformular, no contexto da política norte-
americana, o poder do governo federal de controlar as novas tendências dos
estados federados de restringir o direito ao aborto. Certamente, o autor vis-
lumbrou, na estratégia veiculada pelo princípio da “igual proteção”, do ponto
de vista do gênero, tantas dificuldades interpretativas quanto as que podem
ser arguidas contra o padrão da privacidade familiar, razão pela qual empre-
endeu uma leitura moral-filosófica da autonomia procriativa, expandindo o
conceito de sacralidade213. Em realidade, o padrão da igual proteção perante
a lei está contido na tese da conexão entre o direito ao aborto e a liberdade
religiosa no sentido primal do igual reconhecimento das convicções e cren-
ças pessoais.
Entende-se, assim, que o antagonismo entre os argumentos da li-
berdade religiosa e da igualdade de gênero, na articulação constitucional do
direito ao aborto, é apenas aparente. O discurso da igualdade sexual, no de-
bate político, envolve também o pressuposto de que a coação do Estado so-
bre as decisões reprodutivas das mulheres é ilegítima, o que Dworkin se
esforça por defender. Além disso, o padrão da igualdade de gênero desconsi-
dera a necessidade da definição do estatuto jurídico do nascituro, dando
abertura ao crescimento da influência política das doutrinas que defendem
sua tutela desde a concepção. Apesar de todas as evidências da opressão
social das mulheres, tão marcantemente detalhadas pelas teorias feministas,
os dogmas religiosos afirmativos da supremacia do direito à vida pré-natal
persistem em franca projeção, minimizando os reflexos positivos das abor-
dagens de gênero no debate sobre o aborto. Daí porque a busca de novos
referenciais de análise constitucional, no que diz respeito à matéria, tal como
o que Dworkin sugere, da aplicação da cláusula da liberdade religiosa, se
torna tão importante.
As exigências do princípio da igualdade, em matéria de gênero, in-
clusive, têm interessante pertinência ao tema da liberdade religiosa, o que se
aplica significativamente à análise do direito ao aborto. Vale mencionar que
a interferência política do pensamento religioso cristão se contrapõe às ban-
deiras feministas pelo reconhecimento dos seus direitos, na qualidade de
direitos humanos, fato este que vem se fortalecendo mais e mais desde a
213
MECCAFFREY John C.; NOVKOV, Julie. Life’s dominion: an argument about abortion,
euthanasia, and individual freedom by Ronald Dworkin. 21 New York University Re-
view of Law & Social Change, 1993-1994. p. 223-4.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 125
217
Conforme BRADLEY, Gerard V. Life’s Dominium: a Review Essay. 69 Notre Dame
Law Review, 1993. p. 329 e 375, os ativistas Pro-Life muitas vezes utilizam-se da inter-
pretação de Dworkin, no sentido de que o aborto produz a interrupção da vida, para refor-
çar seus argumentos em defesa da personalidade do nascituro. Afirmam que a permissão
do aborto atribui à mulher o direito de destruir propositadamente a vida de um ser inocen-
te, incapaz de se defender, o que lhe daria o poder de controle sobre a vida e a morte. Tal
visão confunde o conceito de personalidade do nascituro com o valor moral que a ele se
atribui em razão do caráter inviolável da vida. Na realidade, contudo, as duas ideias repre-
sentam componentes bem diferenciados da dignidade, já que o conceito de personalidade
engloba não somente os aspectos morais, mas também a estrutura geral dos direitos legais.
128 Teresinha Inês Teles Pires
223
DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambridge/Massachusetts: Harvard Univer-
sity Press, 2011. p. 199-200. No original: [...] “ethical responsibilities” [...] “imoral acts”.
132 Teresinha Inês Teles Pires
Parte II
O CASO DO ABORTO NO DIREITO
NORTE-AMERICANO: PADRÃO PARADIGMÁTICO DE
UMA DEMOCRACIA CONSTITUCIONALISTA
134 Teresinha Inês Teles Pires
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 135
Capítulo 3
A CONSTITUCIONALIDADE DO DIREITO
AO ABORTO VOLUNTÁRIO: PARADOXOS
DA AUTONOMIA PROCRIATIVA
DA MULHER
224
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973).
Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013.
136 Teresinha Inês Teles Pires
uma reflexão, no que toca à afirmação dos seus direitos, a partir de uma lin-
guagem propriamente feminista, não focada apenas na privacidade familiar.
Não era ainda perceptível que ao falar-se em contracepção o sujeito direta-
mente envolvido na pretensão, em caráter primordial, era a mulher e não o
casal, o homem ou os médicos242.
Nesse contexto, o direito à privacidade foi delineado, em Griswold,
como um direito derivado, inicialmente, da proteção da vida íntima e da
inviolabilidade da casa das pessoas (Terceira e Quarta Emendas). Firmou-se,
ainda, que a privacidade estaria incluída nas garantias do processo crimi-
nal, como o direito de não testemunhar contra si mesmo (Quinta Emen-
da)243. Além disso, defendeu-se o entendimento no sentido de que os direi-
tos fundamentais protegidos pelas primeiras oito emendas foram incorpo-
rados à cláusula do devido processo legal, veiculada pela Décima Quarta
Emenda, seja explicitamente, seja implicitamente. Em outras palavras,
afirmou-se que aqueles direitos estão implicados no princípio da liberdade
protegida pela Décima Quarta Emenda. Este argumento permitiu, inclusive,
a identificação da privacidade enquanto um direito não enumerado, confor-
me previsão contida na Nona Emenda. A abordagem conjunta de diversas
cláusulas constitucionais protetivas do direito à contracepção contribuiu para
a afirmação, em termos gerais, de um sistema integral de garantia das liber-
dades individuais aplicável não somente à ação dos estados como também à
ação do governo federal244.
242
SIEGEL, Reva B. Roe’s Roots: the women’s rights claims that engendered Roe. Boston
University Law Review, [vol. 90:1875), Nov. 8, 2010. p. 1884-5.
243
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Griswold v Connecticut, 381 U.S.
479 (1965). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014. p. 484.
244
De acordo com BARRON Jerome A.; DIENES Thomas. Constitutional law in a nut-
shell. Eighth edition. St. Paul: West Publishing Co, 2013. p. 211-2, a teoria da incorpora-
ção integral dos direitos fundamentais ao princípio da liberdade da Décima Quarta Emen-
da foi proposta pelo juiz Black no caso Adamson v. People of State of Califórnia, 332 U.S.
46 (1947), como uma metodologia para interpretar a extensão da due process clause. Se-
gundo Black, tal compreensão confere maior objetividade e certeza de conformação à in-
tenção original dos autores da Constituição. A outra teoria apresentada no mesmo caso,
pelo juiz Frankfurter, arguiu que o comando da due process clause deve ser buscado no
sentido de justiça socialmente aceito. Para Black, contudo, essa teoria apenas levaria ao
resgate das superadas categorias do direito natural. Esclareça-se que existe uma discussão
na doutrina norte-americana em relação à aplicabilidade das primeiras emendas constitu-
cionais ao poder normativo dos estados federados. Como indicado na nota supra n. 226,
apenas a Décima Quarta Emenda determina textualmente, em sua parte final, que para li-
mitar direitos fundamentais os estados se condicionam ao imperativo da due process clau-
se. A Primeira Emenda, por exemplo, que prescreve a liberdade religiosa, de expressão,
de imprensa, e de assembleia, é dirigida ao Congresso, e não aos estados (Ibidem, p. LIX
144 Teresinha Inês Teles Pires
258
GRISWOLD, Estelle T.; BUXTON, C. Lee. Appellants, v. State Of Connecticut, Ap-
pellee, 1965, WL 92599 (Amicus Curiae).
259
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Einsenstadt v. Baird, 405 U.S. 438
(1972). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014. A mencio-
nada lei foi promulgada pelo Estado de Massachusetts com o intuito de regulamentar a
distribuição dos instrumentos contraceptivos. Em face da decisão Griswold v. Connecti-
cut, os legisladores entenderam legítima a proibição da disponibilidade de tais instrumen-
tos às pessoas solteiras para fins de prevenção da gravidez, permitindo-se-lhes o acesso
unicamente para o controle de doenças. Desse modo, perante a lei, a distribuição, por par-
te de qualquer pessoa, de métodos contraceptivos visando evitar a procriação, somente es-
taria autorizada às pessoas casadas. O autor do apelo dirigido à Suprema Corte, neste ca-
so, foi condenado por ter exibido, em uma palestra, mercadorias anticonceptivas e por ter
entregado a uma mulher jovem um pacote contendo esse tipo de artigo. A Corte estadual
já havia afastado, por unanimidade, a condenação dos apelantes pelo ato de exibirem os
instrumentos na palestra, com fundamento no seu direito de expressão (Primeira Emenda),
mas restou mantida a condenação pela distribuição do produto à mulher interessada, con-
siderando os termos da lei regulamentadora do assunto. A diferença em relação à lei de
Connecticut, que deu causa à ação julgada no caso Griswold, reside no fato de que neste a
lei invalidada proibiu o uso de instrumentos contraceptivos enquanto que no caso Einsens-
tadt a lei proibiu sua distribuição. Isso não modifica os aspectos debatidos para a concre-
tização do direito à privacidade. Ao contrário, observa-se que a reflexão seguiu, de um ca-
so para o outro, uma linha evolutiva em direção ao aperfeiçoamento do direito de decisão
quanto a ter ou não ter filhos e quanto ao momento de fazê-lo.
150 Teresinha Inês Teles Pires
260
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Einsenstadt v. Baird, 405 U.S. 438
(1972). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014. p. 442 e
449.
261
CHEMERINSKY, Erwin. Constitutional law: principles and policies. 3. ed. New York:
Aspen Publishers, 2006. p. 792-4.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 151
lha, pois o casal não configura, em si mesmo, um ser autônomo, mas uma
união entre duas pessoas, tendo cada uma delas personalidade independente,
nos planos emocional e intelectual. Se, para as pessoas casadas, o acesso à
contracepção é uma emanação do direito à privacidade, não havendo, assim,
fundamento para a sua proibição, sob o ponto de vista do significado moral
da prevenção da gravidez em si, o mesmo raciocínio há de prevalecer para as
pessoas solteiras264. Em Eisenstadt, o conceito de privacidade é desfocado do
contexto das relações familiares para ser aplicado diretamente à autonomia
procriativa, adquirindo o estatuto de um direito individual propriamente dito,
tal como fora anteriormente anunciado no caso Skinner265. Restringir o aces-
so ao planejamento procriativo simboliza um ato ainda mais invasivo, em
termos de privacidade, do que restringir a prática do aborto, porque impede o
exercício do controle sobre o próprio corpo e o direito a ter relações sexuais
sem assumir obrigatoriamente o risco de gravidez266.
No que concerne ao envolvimento das cláusulas constitucionais no
tema da contracepção, o aspecto mais interessante, no caso Einsenstadt, para
os propósitos deste estudo, é o da interação entre liberdade, enquanto priva-
cidade, e igualdade, apesar de ainda não se colocar em pauta a perspectiva
do gênero. De qualquer sorte, sob o prisma da garantia da igual liberdade,
para se restringir o direito ao controle de natalidade de uma classe específica
de pessoas seria preciso que o critério para essa diferenciação estivesse inti-
mamente relacionado ao objetivo visado pela lei, e, ainda, que esse objetivo
constituísse justificativa plausível para o banimento do acesso das pessoas
solteiras à contracepção267. Ocorre que nenhum dos requisitos exigidos por
essa diretiva interpretativa foi preenchido pelos argumentos dos apelados.
A análise da cláusula da igual proteção, entretanto, foi extrema-
mente superficial. Apenas o juiz Brennan deu a ela maior destaque. Os de-
mais votos concorrentes mantiveram o foco na liberdade de expressão da
Primeira Emenda, aplicável aos estados em razão da Décima Quarta Emen-
da. O juiz Douglas chegou a dizer que o caso Einsenstadt se resume a esse
ponto268, já que se trata simplesmente de justificar ou não a atitude do apela-
264
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Einsenstadt v. Baird, 405 U.S. 438
(1972). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014. p. 452-3.
265
WENZ, Peter. Abortion rights as religious freedom. Philadelphia: Temple University
Press, 1992. p. 28.
266
HUMAN RIGHTS FOR WOMEN, EINSENSTADT, Appelants, v. BAIRD, Appellee,
1971, WL 133621 (as Amicus Curiae).
267
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Einsenstadt v. Baird, 405 U.S. 438
(1972). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014. p. 487.
268
Ibidem, p. 455.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 153
269
BROWN Bárbara A.; EMERSON, Thomas I.; FALK, Gail; FREEDMAN Ann E. The
equal rights amendments: a constitutional basis for equal rights for womem. 80 Yale Law
Journal 871, April 1971. p. 905-6.
154 Teresinha Inês Teles Pires
270
CHEMERINSKY, Erwin. Constitutional law: principles and policies. 3. ed. New York:
Aspen Publishers, 2006. p. 824. No mesmo sentido, ressaltando que a articulação da equal
protection clause na fundamentação do aborto não teria o condão de assegurar o escrutí-
nio rígido como padrão de análise das restrições dos estados, consulte-se SMITH, Priscilla
J. Give justice ginsburg what she wants: using sex equality arguments to demand exami-
nation of legitimacy of state interests in abortion regulation. 34 Harvard Journal of Law
& Gender 377, Summer 2011. p. 406-7.
271
WARREN, Rachel. Pro (whose) choice: how the growing recognition of a fetus’s right to
life takes the constitutionality out of roe. 13 Chapman Law Review, Fall 2009. p. 223. A
autora refere-se à seguinte afirmação do juiz Brennan: “if the right of privacy means any-
thing, it is the right of the individual, married or single, to be free from unwarranted govern-
mental intrusion into matters so fundamentally affecting a person as the decision whether
to bear or beget a child” (Einsenstadt. p. 453). Tradução livre: “se o direito de privacida-
de significa alguma coisa, é o direito do indivíduo, casado ou solteiro, de estar livre de
uma intrusão governamental não autorizada em matérias que afetam tão fundamental-
mente a pessoa, como a decisão de sustentar ou gerar uma criança”. De fato, como bem
salientado pela autora, o padrão da proteção máxima conferida a esse tipo de decisão, nos
termos do pronunciamento do juiz Brennan, permite aplicar o direito de privacidade ao
aborto, o que efetivamente foi feito em Roe v. Wade.
272
TRIBE, Laurence H. Abortion: the clash of absolutes. New York/London: W. W. Norton
& Company, 1990. p. 94.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 155
vida do nascituro. Não está incluído nos poderes dos estados a possibilidade
de determinar que o nascituro tem personalidade jurídica ou que a vida co-
meça na concepção.
Quando a gestação envolve riscos à vida ou à saúde da mulher,
o procedimento do aborto pode ser feito a qualquer tempo. Não havendo
riscos, o critério é o da viabilidade fetal. Já foi discutido antes se esse
critério é ou não arbitrário. Em Roe, a questão foi posta sob um ângulo
pragmático. A ideia inicial do juiz Blackmun era garantir o aborto so-
mente no primeiro trimestre de gestação, mas outros juízes acolheram a
ideia de que muitas mulheres, sobretudo as mais pobres, não teriam con-
dições de se decidirem em tão curto tempo. Por essa razão, resolveram
fixar o prazo máximo de 28 semanas de gestação para a realização do
aborto. A regra foi elaborada de acordo com um critério razoável de jus-
tiça na visão dos magistrados. Entendeu-se que a mulher que não faz a
sua escolha até a viabilidade fetal consentiu tacitamente com a autoridade
do governo de intervir na regulamentação de sua conduta, em vista do
estágio adiantado do desenvolvimento fetal. Simplesmente traçou-se uma
linha divisória, sopesando-se que não é necessário assegurar o aborto
durante toda a gestação na hipótese de ser realizado por decisão da mu-
lher, ou seja, não por prescrições médicas, bastando conceder-lhe um
prazo suficiente, em igualdade de condições, para, tendo ciência do seu
estado, realizar ou não o procedimento 282.
Nesses contornos, a Suprema Corte assumiu o estatuto fundamen-
tal do direito ao aborto à luz da abordagem da due process clause feita em
Griswold. O poder dos estados de regulamentar o aborto, em decorrência do
seu interesse na tutela da vida pré-natal foi delimitado sob o prisma do pa-
drão do strict scrutiny. A origem dessa compreensão, como esclarecido no
julgamento, está na própria definição constitucional do termo “pessoa”, que
não inclui, no sentido da Décima Quarta Emenda, o nascituro. Foi também
rejeitado o argumento de que a restrição da lei visava proteger a saúde das
282
BALKIN, Jack M. Abortion and original meaning. constitutional commentary. v. 24:291,
n. 101, 2007; Yale Law School, Public Law Working Paper n. 128. Disponível em:
<http://ssrn.com/abstract=925558>. Acesso em: 13 abr. 2014. p. 345. É pertinente
enfatizar que conforme DWORKIN, Ronald. Freedom’s law: the moral reading of the
American Constitution. Cambridge, Massachussets: Havard University Press, 1996. p.
114-5, a justificativa para que o governo esteja autorizado a regulamentar e até proibir o
aborto após seis meses de gravidez reside justamente no argumento de que até esse tempo
a gestante teve tempo suficiente para agir com autonomia, sem nenhum tipo de interferên-
cia externa. Lembre-se de que o modelo de democracia de Dworkin acentua a fundamen-
tação moral do direito ao aborto, suportada pela categoria da dignidade.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 159
299
HARVARD LAW REVIEW ASSOCIATION. What we talk about when we talk about
persons: the language of a legal fiction. 114 Harvard Law Review Association, April
2001. p. 1747, 1755, 1759, 1762 e 1764. Ver, também, TRIBE, Laurence H. Abortion:
the clash of absolutes. New York/London: W. W. Norton & Company, 1990. p. 126.
300
NELSON, Lawrence J. Of persons and prenatal humans: why the constitution is not silent
on abortion. Lewis & Clark Law Review, Spring 2009. p. 160, 162 e 165. Ver, também,
RUBENFELD, Jed. On the legal status of the preposition that “life begins at conception”.
43 Stanford Law Review, February 1991. p. 601-2; WARREN, Rachel. Pro (whose)
choice: how the growing recognition of a fetus’s right to life takes the constitutionality out
of roe. 13 Chapman Law Review, Fall 2009. p. 243; e JOHNSEN, Dawn E. The creation
of fetus rights: conflicts with women’s constitutional rights to liberty, privacy and equal
protection. 95 Yale Law Journal, January 1986. p. 620.
301
BALKIN, Jack M. Abortion and original meaning. constitutional commentary. v. 24:291,
n. 101, 2007; Yale Law School, Public Law Working Paper n. 128. Disponível em:
<http://ssrn.com/abstract=925558>. Acesso em: 13 abr. 2014. p. 319-20. O autor propõe
que o aborto seja delineado como um direito básico à cidadania, que, conforme esclarece,
tem estreita relação com o argumento sustentado à luz da equal protection clause (Idem,
p. 336). Veja que a leitura apresentada nesse estudo acerca do princípio da igualdade, feita
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 167
na seção 2.3, coincide com a perspectiva da Balkin. Em uma outra linguagem, afirma-se
que a due process clause, em sentido substantivo, caracteriza o direito ao aborto como um
direito moral da mulher, e isso exatamente porque a garantia de sua liberdade de decisão,
no tocante à matéria, integra o princípio da autonomia moral, portanto, da plena cidada-
nia.
302
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973).
Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013. p. 156-7.
303
SCOTT, T. J. Why state personhood amendment should be part of the pro-life agenda. 6
University of St. Thomas Journal of Law & Public Policy, Fall 2011. p. 233, 244 e
253-4. Esclareça-se que, antes do julgamento Roe v. Wade, os estados tinham o poder de
regulamentar o aborto sem interferência do governo federal, por isso o autor toma essa re-
ferência como parâmetro condutor do seu argumento.
168 Teresinha Inês Teles Pires
Capítulo 4
A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO
À LUZ DAS CLÁUSULAS DA
LIBERDADE RELIGIOSA
304
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. School District of Abington v.
Schempp, 374 U. S. 203 (1963). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em:
01 fev. 2014. p. 232.
305
Ibidem, p. 221-3. Para o o juiz Brennan, a interação lógica entre as duas cláusulas pode
fazer com que uma alegação de violação à establishement clause seja, ao final, sustentada
em face das dimensões do agir humano asseguradas pela free exercise clause (Ibidem,
p. 247).
306
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Everson v. Board of Education of
Ewing Tp., 330 U. S. 1 (1947). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01
fev. 2014. p. 32 (conforme CHEMERINSKY, Erwin. Constitutional law: principles and
policies. 3. ed. New York: Aspen Publishers, 2006. p. 1187).
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 171
revisão judicial em relação à matéria foi modificado, de maneira que nem sempre prevale-
ce o escrutínio rígido.
311
CHEMERINSKY, Erwin. Constitutional law: principles and policies. 3. ed. New York:
Aspen Publishers, 2006. p. 1247.
312
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Cantwell v. State of Connecticut,
310 U. S. 296 (1940). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 08 out.
2013. p. 303-4. Ver, sobre este caso, GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito nos
Estados Unidos. Barueri/SP: Manole, 2004. p. 86.
313
Lembre-se de que, na seção 3.1, foi explicitada a teoria da incorporação dos direitos fun-
damentais na due process clause da Décima Quarta Emenda. Como esclarecido, a Supre-
ma Corte segue esta doutrina na interpretação do alcance da Bill of Rights na revisão judi-
cial das leis estaduais.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 173
314
WENZ, Peter. Abortion rights as religious freedom. Philadelphia: Temple University
Press, 1992. p. 198-9.
315
DWORKIN, Ronald. Unenumereted Rights: Wether and How Roe Should be Overruled,
59 University of Chicago Law Review 381, Winter 1992. p. 418 e 422; ver também, do
mesmo autor, Freedom’s law: the moral reading of the American Constitution. Cam-
bridge, Massachussets: Havard University Press, 1996. p. 106-110.
316
DWORKIN, Ronald. Life`s dominion: an argument about abortion, euthanasia and indi-
vidual freedom. New York: Vintage Books, 1994. p. 92-3, 156 e 161-2; e Unenumereted
Rights: Wether and How Roe Should be Overruled, 59 University of Chicago Law Re-
view 381, Winter 1992. p. 420-1.
317
Existe nos Estados Unidos, por exemplo, uma organização não governamental denomina-
da “Catholics for Choice”, que representa a voz daquelas pessoas que aderiram à religião
e, ao mesmo tempo, acreditam que a doutrina católica tradicional endossa, em sentido mo-
ral e legal, o direito da mulher de conduzir sua vida sexual e reprodutiva a partir dos de-
sígnios de sua consciência. Para conhecimento acerca dos propósitos e convicções da Or-
ganização, consulte-se o seguinte endereço: <http://www.catholicsforchoice.org/about/
default.asp>. No mesmo sentido, uma outra Organização – “Religious Coalision for Re-
productive Choice” (RCRC) – defende a posição Pro-Choice (Pró-Escolha) enquanto um
componente da perspectiva da justiça reprodutiva. Os membros da Coalisão pertencem a
174 Teresinha Inês Teles Pires
religiões diversas e defendem a capacidade decisória das mulheres e seu direito de ter
acesso ao aborto e à contracepção (conforme informações disponíveis em:
<http://rcrc.org/>). As duas organizações citadas estão sediadas em Washington D.C. e fo-
ram fundadas em 1973, ano em que foi proferida a decisão Roe v. Wade.
318
NELSON, Erin. Law, police and reproductive autonomy. Oxford: Oxford and Portland,
Oregon, 2013. p. 35-6. Ver, também, RICHARDS, David A. J. Toleration and the Con-
stitution. New York/Oxford: Oxford University Press, 1986. p. 140-1, 145 e 149, para
quem o interesse em desestimular o aborto deriva de sua disparidade com os princípios re-
ligiosos majoritários, segundo os quais o desenvolvimento natural da vida potencial deve
ser garantido desde a concepção. O autor presume, na perspectiva investigada no presente
trabalho, que a base moral da establishement clause reside no “igual respeito à consciên-
cia individual” (“equal respect for individual conscience”), demarcando, assim, os limites
da autoridade do Estado. O comando é claro, enfatiza Richards, ao exigir que o governo
não adote “valores sectários” (“sectarian values”) e não encampe propósitos religiosos,
endossando, assim, uma visão particular de moralidade.
319
DWORKIN, Ronald. Life`s dominion: an argument about abortion, euthanasia and indi-
vidual freedom. New York: Vintage Books, 1994. p. 160.
320
NUSSBAUM, Martha C. Liberty of conscience: in defense of american’s tradition of
religious equality, New York: Basic Books, 2008. p. 12, 16 e 21-2 e 57. Ver, também
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 175
AMAR, Akhil Reed. The Bill of Rights Primer: a Citizens’s Guidebook to the American
Bill of Rights. New York: Skyhorse Publishing, 2013. p. 238-39, que analisa a esta-
blishement clause na condição de um direito civil individual, em contraposição à conota-
ção de um direito de caráter público. Mesmo quando o ato do governo não cria uma reli-
gião mandatória, pode representar violação aos direitos de liberdade e de igualdade de re-
ligião. Veja-se que a establishement clause, em tal concepção, está conjugada à proteção
da free exercise clause. Segundo Amar, não é possível falar em liberdade religiosa se uma
determinada doutrina é beneficiada pelo Estado. No mesmo sentido, KURLAND, Philip
B. Religion and the law: of church and state and the Supreme Court. New Bru-
nswick/U.S. e London/U.K.: Aldine Transaction: a Division of Transaction Publishers,
2009. p. 17-8, pondera que a utilização de ambas as cláusulas, de forma conjugada, é
complicada, mas é necessária para a efetivação do seu comando. A separação entre a Igre-
ja e o Estado atribui realidade à tolerância prescrita pela free exercise. Os dois preceitos –
tolerância e separação – lidos, enquanto uma normatização unificada, impedem o governo
de adotar um padrão religioso de avaliação, seja quando concede benefícios, seja quando
impõe obrigações.
321
RAWLS, John. Political liberalism. Expanded Edition. New York: Columbia University
Press. 2005. p. 61-2, 138 e 151-3.
176 Teresinha Inês Teles Pires
325
Conforme declarado no caso ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Church
of the Lukumi Babalu Aye Inc. v. City of Hialeah, 508 U. S. 520 (1993). Disponível
em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013. p. 533.
326
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Thornburg v. American College of
Obstetricians and Gynecologists, 476 U.S. 747 (1986). Disponível em:
<www.supremecourt.gov>. Acesso em: 12 dez. 2013. p. 778. No original: “a powerful
theological argument‖ [...] “the governmental interest in protecting fetal life is equally
compelling during the entire period from the moment of conception until the moment of
birth‖.
327
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Webster v. Reproductive Health
Services, 492 U.S. 490 (1989). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 12
dez. 2013. p. 560 e 552-3. Como lembrado por MURRAY, Justin. Exposing the under-
ground establishement clause in the Supreme Court’s abortion cases. 23 Regent Univer-
sity Law Review 1, 2010-2011. p. 36, três outros juízes liberais (Blackmun, Brennan e
178 Teresinha Inês Teles Pires
defense of smith and free exercise revisionism, 58 University of Chicago Law Review
308, Winter 1991. p. 316-7. É oportuno mencionar, ainda, que, conforme RICHARDS,
David A. J. Toleration and the Constitution. New York/Oxford: Oxford University
Press, 1986. p. 138, no caso ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. U.S. v.
Ballard, 322 U.S. 78 (1944). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 08
out. 2013, a Suprema Corte rejeitou a perspectiva dos preceitos religiosos enquanto crité-
rios válidos na apreciação da constitucionalidade das políticas legislativas.
332
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. U.S. v. Seeger, 380 U.S. 163 (1965).
Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014.
333
Ibidem, p. 172. A mesma posição foi sustentada no caso ESTADOS UNIDOS. United
States Supreme Court. Welsh v. U. S., 398 U. S. 333 (1970). Disponível em:
<www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014. Como ensina CHEMERINSKY,
Erwin. Constitutional law: principles and policies. 3. ed. New York: Aspen Publishers,
2006. p. 1189, esta equiparação entre valores religiosos e valores seculares é positiva,
porque facilita a abordagem dos requisitos da establishement clause. GREENAWALT,
Kent. Religion and the constitution: free exercise and fairness, v. 1, 2006. Princeton and
Oxford: Princeton University Press. p. 155, chega ao ponto de afirmar que o favorecimen-
to aos motivos religiosos, se concedido, configura violação à establishement clause e à
equal protection clause. Far-se-á uma investigação separada, na próxima seção, sobre a
proteção da liberdade de consciência laica através da leitura das premissas adotadas na
formulação da free exercise clause, bem como das premissas subsumidas a outras deci-
sões da Suprema Corte, além das duas decisões citadas.
334
DWORKIN, Ronald. Life`s dominion: an argument about abortion, euthanasia and indi-
vidual freedom. New York: Vintage Books, 1994. p. 162.
180 Teresinha Inês Teles Pires
335
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Thomas v. Review Board of Indi-
ana Employment Section Division, 450 U. S. 707 (1981). Disponível em:
<www.supremecourt.gov>. Acesso em: 12 dez. 2013. p. 714-6.
336
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Employment Div., Dept. of Human
Resources of State of Oregon v. Smith, 485 U.S. 660 (1988). Disponível em:
<www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014; ESTADOS UNIDOS. United States
Supreme Court. Employment Div., Dept. of Human Resources of Oregon v. Smith, 494
U.S. 872 (1990). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014.
337
Ibidem, p. 876-9. Breve relato do caso pode ser lido na obra de GODOY, Arnaldo Sam-
paio de Moraes. Direito nos Estados Unidos. Barueri/SP: Manole, 2004. p. 92-3.
338
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Church of the Lukumi Babalu Aye
Inc. v. City of Hialeah, 508 U. S. 520 (1993). Disponível em: <www.supremecourt.gov>.
Acesso em: 23 nov. 2013. p. 521.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 181
monkey.com>. Acesso em: 15 out. 2015; BOWERS, Morris. Secular humanism: the
official religion of the United States of America. Maryland: America Star Books,
2007; e KURTZ, Paul. In: Defense of secular humanism. Amherst, New York: Pro-
metheus Books, 1983.
344
Conforme RICHARDS, David A. J. Toleration and the Constitution. New
York/Oxford: Oxford University Press, 1986. p. 141 e 144-6, a jurisprudência reduziu a
proteção da free exercise clause, em matéria religiosa, a fim de balizar as exigências da
establishement clause; mas, ao mesmo tempo, ampliou o alcance da primeira em relação
às decisões determinadas por convicções de consciência, não importando a natureza dos
princípios éticos adotados por cada pessoa. Esta tendência foi construída a partir da ex-
pansão do próprio conceito de religião, o que permitiu acomodar, de forma inclusiva, a to-
lerância ao direito de consciência quando inexistir interesse público que prescreva o seu
controle e a coação estatal. Sobre os paradoxos encontrados pela Suprema Corte em seu
propósito de definir, em termos amplos, um conceito constitucional de religião, consulte-
se GREENAWALT, Kent. Religion and the constitution: free exercise and fairness.
Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2006. v. 1, p. 125-9.
345
Sobre a regulamentação da reprodução humana assistida consulte-se a página da Ameri-
can Society for Reproductive Medicine (<www.asrm.org>). A Suprema Corte dos Estados
Unidos nunca chegou a apreciar o assunto da procriação no contexto da reprodução assis-
tida, mas no âmbito estadual a Suprema Corte do Estado de Tennessee julgou, em 1992, o
primeiro caso relativo à disposição dos embriões congelados. Com base nos precedentes
federais, sobretudo Griswold e Roe, a decisão foi no sentido de permitir que a escolha por
sua utilização, doação ou descarte seja feita pelo casal, de acordo com sua vontade mani-
festada prévia ou posteriormente ao procedimento reprodutivo (UNITED STATES. Su-
preme Court of Tennessee. Davis v. Davis, 842 S.W.2d 588 (1992). Disponível em:
<www.tncourts.gov>. Acesso em: 08 fev. 2014). As mesmas diretrizes foram, posterior-
mente, firmadas pela Suprema Corte do Estado de Iowa no caso In re Marriage of Witten,
(UNITED STATES. Supreme Court of Iowa. In: re Marriage of Witten, 672 N.W.2d 768
(2003). Disponível em: <www.iowacourts.gov/Supreme_Court>. Acesso em: 08 fev.
2014). Sobre a permissão do uso de células-tronco em pesquisas científicas, consulte-se as
informações fornecidas pelo Department of Health & Human Services – National Institu-
tes of Health. Disponível em: <http://stemcells.nih.gov>.
184 Teresinha Inês Teles Pires
354
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Reynolds v. United States, 98 U.S.
145 (1878). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014, con-
forme BERG, Thomas C. Introductory essay. In: The free exercise of religion clause
(the first amendment): its constitutional history and the contemporary debate. New
York: Prometheus Books, 2008. p. 59. TRIBE, Laurence H. American constitutional
law. 2. ed. Mineola/NY: The Fundation Press, Inc., 1988. p. 1271-2, coloca sob suspeição
a necessidade de promover o modelo monogâmico de casamento, que não configura, para
o autor, um “interesse convincente” (compelling Interest) do governo. Não é o caso de se
discutir aqui as implicações da proibição da poligamia à luz da establishement clause, im-
portando antes destacar a direção apontada pela Suprema Corte no que concerne ao trata-
mento a ser conferido aos objetores de consciência por motivos religiosos, motivos esses
que, conforme então assentado, não recebem proteção especial em comparação às visões
laicas. A solidificação da equivalência entre todas as espécies de convicções religiosas, na
acepção de Dworkin (teísmo e secularismo), é o que se introduz de importante, conforme
isso possa ser interpretado como uma diretriz aplicável à análise da constitucionalidade
das medidas políticas de controle da decisão da mulher de interromper ou não a gestação.
355
SAWICKI, Nadia M. The hollow promise of freedom of conscience, 33 Cardozo Law
Review 1389, April 2012. p. 1397. No mesmo sentido, vale transcrever as palavras de
CUOMO, Mário. Religion on the Stump: Politics and Faith in America. Pew Research:
Religion & Public Life Project, 2002. Disponível em: <www.pewforum.org>. Acesso
em: 02 mar. 2014: “The word religion has been defined by the Supreme Court quite clear-
ly to include belief systems like secular humanism, Buddhism, ethical culture, belief sys-
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 189
tems, which, in general, reject the notion of God”. Tradução livre: “A palavra religião
tem sido definida claramente pela Suprema Corte para incluir sistemas de crenças como
o humanismo secular, o Budismo, a cultura ética, sistemas de crenças, que, em geral, re-
jeitam a noção de Deus”. Como explicado, ainda, por ASHE, Marie. Womens’s wrongs,
religions’ rights: women, free exercise, and establishement in American Law. 21 Temple
Political & Civil Righs Law Review 163, Fall 2011. p. 182-5, a Suprema Corte teve uma
participação crucial no crescimento do pluralismo moral como elemento integrante da cul-
tura do país, principalmente no período compreendido entre as décadas de 1940 a 1990,
no qual foi proferida a maioria das decisões que, através da extensão da free exercise
clause às correntes não religiosas, limitaram significativamente a especial garantia das
crenças teológico-cristãs.
356
WITTE JR., John. The essential rights and liberties of religion in the american constitu-
tional experiment. In: The free exercise of religion clause (the first amendment): its
constitutional history and the contemporary debate. New York: Prometheus Books, 2008.
p. 42-3. Igualmente, na linguagem de RICHARDS, David A. J. Toleration and the Consti-
tution. New York/Oxford: Oxford University Press, 1986. p. 133-4, o livre exercício da
religião envolve vários sentidos de liberdade, desde a sua concepção negativa até a ideia
de autocondução da própria vida. A liberdade de consciência, assim entendida, representa
a supremacia da razão prática no tocante ao pleno exercício das duas capacidades morais
básicas: “racionalidade e razoabilidade” (rationality and reasonableness).
357
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. U. S. v. Macintosh, 283 U. S. 605
(1931). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 08 out. 2013. p. 634.
190 Teresinha Inês Teles Pires
parental, assunto em questão, pode ser restringida pelo estado para o bem-
-estar dos filhos menores, não importando se a regra legal criada nesse senti-
do é violada por motivos de crença religiosa ou por motivos seculares358. O
decreto diz, sem qualquer dubiedade, não haver justificativa para se conce-
der tratamento especial à consciência religiosa “em circunstâncias nas quais
arguições seculares assemelhadas seriam rejeitadas”359.
Oito anos depois, em Zorach v. Clauson, a compreensão da neutra-
lidade das leis, imposta pela Primeira Emenda, foi adensada, afirmando-se
que se trata de uma exigência aplicável tanto à não discriminação entre as
distintas crenças quanto à contraposição entre religião e secularismo360. Pos-
teriomente, no caso Torcaso v. Watkins, a Suprema Corte destacou sua preo-
cupação com a não coerção coletiva sobre a liberdade de pensamento laico.
Ao manifestar a opinião majoritária, o juiz Black afirmou que o governo não
pode validar as leis que contenham exigências desvantajosas para os não
crentes, auxiliando a opressão das ideologias independentes por parte das
religiões, entendendo-se que aquelas ideologias incluem qualquer conjunto
unitário de valores alicerçados em uma base filosófica originária. Do mesmo
modo, prossegue Black, o governo não pode endossar, em suas políticas, as
doutrinas teístas, em prejuízo ao exercício de outras crenças361.
Seguindo a linha dos precedentes mencionados, a decisão em um
novo caso, Engel v. Vitale, reafirmou a inclusão do pensamento laico no
requisito da neutralidade das leis, sob o enfoque da liberdade religiosa da
Primeira Emenda, o que foi corroborado pela manifestação do juiz Douglas,
358
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Prince v. Massachussets, 321 U. S.
158 (1944). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 08 out. 2013. O caso
apreciou conduta praticada por Testemunha de Jeová, que permitiu uma criança, sob
sua custódia, vender revistas religiosas nas ruas, contrariando as regras proibitivas do
trabalho de menores. Em seu apelo, a autora do ato sustentou que a criança estava
sendo preparada para tornar-se membro da Igreja e que teria que pregar a doutrina e
divulgar as revistas porque foi assim ordenada por Deus, razão pela qual o estado não
teria poderes para intervir.
359
MARSHALL, William P. What is the matter with equality? An assessement of the equal
treatment of religion and nonreligion in the first amendment jurisprudence. 75 Indiana
Law Journal 193, Winter 2000. p. 197. No original: “in circumstances where similar
claims by nonreligious claimants would have been denied”.
360
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Zorach v. Clauson, 343 U.S. 306
(1952). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014, conforme
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Engel v. Vitale, 370 U. S. 421
(1962). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014, 12 (U.S.,
2006).
361
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Torcaso v. Watkins, 367 U.S. 488
(1961). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014. p. 495.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 191
362
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Engel v. Vitale, 370 U. S. 421
(1962). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014. p. 443. No
original: “the atheist or agnostic—the nonbeliever—is entitled to go his own way”.
363
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Wallace v. Jaffree, 472 U.S. 38
(1985). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 12 dez. 2013. p. 52-3,
conforme STEVENS, John Paul. The bill of rights: a century of progress. 59 University
of Chicago Law Review 13, Winter 1992. p. 29-30.
364
DOUGLAS, Laicock. Sex, atheism and the free exercise of religion. 88 University of
Detroit Mercy Law Review 407, Spring 2011. p. 423-4 e 431. No mesmo sentido, LEI-
TER, Brian. Why tolerate religion? 25 Constitucional Comentary 1, Spring 2008. p. 12-
27; CONCKLE, Daniel O. Religious truth, pluralism and secularization: the shaking
foundations of american religious liberty. 32 Cardozo Law Review 1755, May 2011,
passim; PEPPER, Stephen. Taking the free exercise clause seriously: can it mean so
much? Can it mean so little? In: The free exercise of religion clause (the first amend-
ment): its constitutional history and the contemporary debate. New York: Prometheus
Books, 2008. p. 49-54.
365
MCCONNELL, Michael W. Freedom from persecution or protection of the rights of
conscience? A critique of justice scalia’s historical arguments in City of Borne v. Flores.
192 Teresinha Inês Teles Pires
39 William and Mary Law Review 819, February 1998. p. 832 e 836-7; City of Borne
v. Flores, 501 U.S. 507 (1997). p. 541.
366
BERG, Thomas C. Introductory essay, in The free exercise of religion clause (the first
amendment): its constitutional history and the contemporary debate. New York: Prome-
theus Books, 2008. p. 30.
367
RAWLS, John. Political liberalism. Expanded Edition. New York: Columbia University
Press. 2005. p. 310-11 e 337.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 193
dade de não seguir e de não se conduzir por nenhuma religião. Essa é a pro-
blemática central das restrições ao aborto, a sobreposição das visões religio-
sas cristãs, em relação às demais visões, explicitamente convertida em um
favorecimento normativo, produzindo o rompimento com o paradigma da
igualdade em matéria de dignidade e de pluralidade ideológica380.
No plano da jurisdição estadual e distrital, a compreensão sobre o
assunto também se apoia, em regra, na não especificidade da religião em
comparação com as idelogias laicas. A Corte de Apelação do Distrito de
Columbia, no julgamento do caso Washington Ethical Society v. District of
Columbia, esclareceu que os termos “religião” e “religioso” não correspon-
dem a ideias rígidas e não estão isentos de ambivalências. Incluem, em seu
significado cultural, não só o cristianismo, mas também outras visões sobre-
naturais e a noção de lealdade a valores alternativos nutridos no plano da
consciência381. Com maior ênfase, a Corte Distrital de Apelação da Califór-
nia, no caso Fellowship of Humanity v. Alameda County, sustentou a aplica-
ção do significado da palavra “religião” às questões vinculadas à consciência
moral. O parâmetro adequado, segundo então acentuado, consiste na preser-
vação da liberdade de consciência e de crença não apenas para os seguidores
de doutrinas teístas382.
Ressalte-se que a moralidade laica, em tal compreensão, passaria a
integrar igualmente a proteção da establishement clause, já que o governo
não poderia favorecer em suas políticas os valores religiosos, e reduzir o
espaço do pensamento secular. Lembre-se de que o objetivo da establishe-
ment clause é reparar as dissimilaridades entre o peso e a influência de gru-
380
MARSHALL, William P. In defense of smith and free exercise revisionism, 58 Universi-
ty of Chicago Law Review 308, Winter 1991. p. 312-13 e 320. É oportuno esclarecer que
o autor considera corretos os limites firmados em Smith I e II para a aceitação da recusa
de consciência por motivos religiosos. Sua crítica, no artigo citado, aplica-se somente ao
tema das exceções à imposição do comando legal. Não se busca, neste estudo, analisar a
aplicação da free exercise clause às práticas religiosas, mas se busca, no que se comporta
nos propósitos da pesquisa, chamar a atenção para a preocupação com a garantia da liber-
dade genérica de consciência. Assim, assume-se o parâmetro do pluralismo laico, pelo qual
se justifica tanto uma visão restrita no âmbito da regulação da objeção de consciência, ampa-
rada na interpretação de Marshall, quanto a ampliação do significado da liberdade de reli-
gião para integrar em seu conteúdo o direito à não interferência do pensamento religioso, no
tocante às decisões reprodutivas que envolvam a definição do valor da vida potencial.
381
UNITED STATES COURT OF APPEALS. District of Columbia Circuit. Washington
Ethical Society v. District of Columbia, 249 F.2d 127 (1957). Disponível em:
<https://www.cadc.uscourts.gov/>. Acesso em: 08 fev. 2014. p. 373.
382
UNITED STATES DISTRICT COURT OF APPEAL. First District, Division 1, Califor-
nia. Fellowship of Humanity v. Alameda County, 153 Cal.App.2d 673 (1957). Disponí-
vel em: <www.courts.ca.gov>. Acesso em: 08 fev. 2014. p. 402.
198 Teresinha Inês Teles Pires
410
STERLING, Steph; WATERS Jessica. Beyond religious refusal: the case for protecting
health care workers’ provision of abortion care. Harvard Journal of Law & Gender, v.
34:2, Summer 2011. p. 476-478, 491 e 495. No mesmo sentido, HARRIS, L.H., Recog-
nizing conscience in abortion provision. The New England Journal of Medicine,
367:981-983, set. 2012. Disponível em: <http://www.catholicsforchoice.org/topics/
abortion/RecognizingConscienceinAbortionProvision.asp>. Acesso em: 29 mar. 2014; e
DICKENS, Bernard M. The right to conscience. In: Abortion law in transnational per-
spective. Pennsylvania/Philadelphia: University Pensylvania Press, 2014. p. 212-213. A
Church Amendment já foi mencionada (nota 393). Quanto ao 1964 Civil Rights Act (42
U.S.C. § 2000e (j), 2006), tem por objeto restringir a discriminação, nas relações de traba-
lho, baseada em “raça, cor, religião, sexo ou origem nacional”. Esta lei presume uma vi-
são ampla no sentido de que o significado da religião não se limita às teses teológicas, in-
cluindo também as doutrinas morais e éticas (conforme EEOC Guidelines on Discrimi-
nation Because of Religion, 45 Fed. Reg. 72, 610, 1980. Disponível em: <www.
eeoc.gov>. Acesso em: 11 jan. 2014). Para um estudo sobre as disposições do 1964 Civil
Rights Act, Título VII, consulte-se GREENAWALT, Kent. Religion and the constitu-
tion: free exercise and fairness, v. 1, 2006. Princeton and Oxford: Princeton University
Press, p. 333-358; WATERS, Jéssica. Testing Hosanna-Tabor: implications for pregnancy
discrimination claims and employees’ reproductive rights. Stanford J. of Civil Righs &
Civil Liberties, v. IX, Issue 1, January 2013. p. 55-66; TRIBE, Laurence H. American
constitutional law. 2. ed. Mineola/NY: The Fundation Press, Inc., 1988. p. 1196-1199; e
o próprio texto legal em referência, disponível em: <http://www.eeoc.gov/laws/statutes/
titlevii.cfm>.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 211
tir o aborto, é razoável afirmar que a free exercise clause protege, da mesma
forma, o direito das mulheres de realizar o aborto à luz das suas convicções
morais, religiosas ou éticas. Muitas gestantes, ainda que não todas, praticam
o aborto porque não desejam ser mães, no tempo da gestação, e também
porque seus valores lhes obrigam a não permitir o nascimento de uma crian-
ça sem que se esteja em condições de suprir suas necessidades. Veja que se
fosse somente a não assunção dos encargos da maternidade, a entrega da
criança para adoção resolveria o problema. Mas não é só isso, porque o ato
em si de ter um filho representa uma questão de consciência411.
O embate é sensível, pois nem sempre a perspectiva da autoidenti-
dade moral merece proteção contra as prescrições legais. De qualquer sorte,
o padrão da liberdade de consciência, ou liberdade religiosa, deve assumir
papel central na solução do problema do aborto. A acomodação balanceada
da consciência individual, no âmbito das decisões reprodutivas, está na
agenda jurídica desde a decisão Roe v. Wade. É importante lembrar que no
caso do aborto, ao contrário do que ocorre em outros assuntos em cuja análi-
se se faz apelo à liberdade de consciência, a argumentação jurídica não se
relaciona à validação de exceções à aplicação da lei, mas antes à análise da
legitimidade da lei dentro do esquema constitucional. Em linguagem direta,
trata-se de definir qual é a “prioridade normativa” (“normative priority”), a
proteção da consciência da gestante ou a proteção da vida potencial412. Em
Roe v. Wade, se estabeleceu um modelo justo para a delimitação da “priori-
dade normativa” de acordo com os estágios da gestação.
Capítulo 5
AS RESTRIÇÕES LEGISLATIVAS À
PRÁTICA DO ABORTO VOLUNTÁRIO:
NOVO PADRÃO DE ANÁLISE
NAS DECISÕES POSTERIORES
A ROE V. WADE
cial no Distrito de Columbia. Lembre-se de que a Décima Quarta Emenda não se aplica ao
governo federal, portanto, ao Distrito de Columbia, a não ser através da adoção da tese da
incorporação, ao significado de suas cláusulas, dos direitos fundamentais expressos. Uma
vez solidificado tal entendimento, a estratégia, inicialmente usada no âmbito da discrimi-
nação racial, mostrou-se operante também no julgamento do caso Harris v. McRae.
417
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Harris v. McRae, 448 U.S. 297
(1980). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 12 dez. 2013. p. 314-6.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 217
anteriormente, apreciada nos casos Beal v. Doe e Maher v. Roe418. Nos dois
casos a Suprema Corte considerou que os estados podiam participar do pro-
grama do governo federal sem se obrigarem a financiar a assistência ao abor-
to “não terapêutico” (non-therapeutic)419. Já nestes dois casos (Beal v. Doe e
Maher v. Roe) foi declarado que os estados não estão submetidos, na imple-
mentação de suas políticas de alocação de recursos destinados à saúde, ao
escrutínio rígido, não precisando, assim, demonstrar uma rationale convin-
cente nas medidas escolhidas para regular os serviços reprodutivos. O padrão
do escrutínio de base racional adotado em tais precedentes refletiu em Harris
v. McRae que, igualmente, para sustentar a validade da Hyde Amendment,
em relação à restrição do financiamento ao aborto, avaliou apenas se a ratio-
nale do governo no favorecimento do nascimento da criança era aceitável,
levando-se em conta seu objetivo de proteger a vida do nascituro. Ressalte-
se que nos casos Beal e Maher as restrições julgadas legítimas concernem ao
aborto por livre escolha da mulher nas hipóteses de não existência de ne-
nhum risco à sua saúde (aborto não terapêutico), enquanto que em Harris v.
McRae as restrições estabelecidas, no âmbito federal, comprometeram ainda
mais os interesses das mulheres, por aplicarem-se também à maioria das
hipóteses do aborto terapêutico, excetuando-se somente os casos de necessi-
dade para salvar a vida da gestante, de estupro ou incesto.
No caso Beal v. Doe, o juiz Brennan, dissidente, acentuou a au-
sência, mesmo no rational-basis scrutiny, de uma justificativa secular que
legitimasse a opção do governo de financiar a assistência ao parto, com
base no alegado interesse na proteção da vida potencial, ao mesmo tempo
eliminando o repasse de recursos para a assistência ao aborto voluntário.
Sob o ângulo da due process clause, a medida, no seu entendimento, confi-
gura ingerência do Estado na relação médico-paciente quanto à liberdade de
escolha entre os dois procedimentos médicos à disposição das gestantes, ou
o parto ou o aborto420.
Efetivamente, é inegável que a diferenciação entre o auxílio finan-
ceiro aos procedimentos do parto e do aborto, em favorecimento do primei-
ro, representa uma forma de controle sobre o destino da gestação, que pode
418
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Beal v. Doe, 432 U. S. 438 (1977).
Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013; ESTADOS UNI-
DOS. United States Supreme Court. Maher v. Roe, 432 U. S. 464 (1977). Disponível em:
<www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013.
419
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Maher v. Roe, 432 U. S. 464 (1977).
Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013. p. 465-6.
420
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Beal v. Doe, 432 U. S. 438 (1977).
Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013. p. 449-50.
218 Teresinha Inês Teles Pires
421
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Webster v. Reproductive Health
Services, 492 U.S. 490 (1989). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 12
dez. 2013. p. 501.
422
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. City of Akron v. Akron Center of
Reproductive Health, 462 U. S. 416 (1983). Disponível em: <www.supremecourt.gov>.
Acesso em: 12 dez. 2013, Justice Powell. p. 444.
423
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973).
Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013. p. 160.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 219
427
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. City of Akron v. Akron Center of
Reproductive Health, 462 U. S. 416 (1983). Disponível em: <www.supremecourt.gov>.
Acesso em: 12 dez. 2013.
428
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Thornburg v. American College of
Obstetricians and Gynecologists, 476 U.S. 747 (1986). Disponível em:
<www.supremecourt.gov>. Acesso em: 12 dez. 2013.
429
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Hodgson v. Minnesota, 479 U.S.
417 (1990). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 12 dez. 2013. Obser-
ve-se que este caso foi julgado no ano seguinte ao julgamento do caso Webster.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 221
433
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Planned Parenthood Southeastern
Pennsylvania v. Casey, 505 U.S. 833 (1992). Disponível em: <www.supremecourt.gov>.
Acesso em: 12 dez. 2013.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 223
440
DWORKIN, Ronald. Life`s dominion: an argument about abortion, euthanasia and indi-
vidual freedom. New York: Vintage Books, 1994. p. 107.
441
ELY, John Hart. The wages of crying wolf: a comment on Roe v. Wade. 82 Yale Law
Journal 920, April 1973. p. 927, 943 e 946.
442
Ibidem, p. 932-3 e 948-9.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 227
445
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Planned Parenthood Southeastern
Pennsylvania v. Casey, 505 U.S. 833 (1992). Disponível em: <www.supremecourt.gov>.
Acesso em: 12 dez. 2013.
446
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Planned Parenthood Southeastern
Pennsylvania v. Casey, 505 U.S. 833 (1992). Disponível em: <www.supremecourt.gov>.
Acesso em: 12 dez. 2013. p. 837-840. Uma boa análise acerca da rejeição, em Casey, do
strict scrutiny, em favor do undue burden, é apresentada por GAYLORD, Scott W.;
MOLONY Thomas J. Casey and a woman’s right to know: ultrasounds, informed con-
sent, and the first amendment. 45 Connecticut Law Review 595, December/2012. Dis-
ponível em: <http://ssrn.com/abstract=2017041>. p. 620-627.
447
Ibidem, p. 847-8. Alguns autores posicionam-se no sentido de que a decisão em Casey
fortaleceu a aplicação das categorias constitucionais da dignidade, da liberdade e da
igualdade à autonomia da mulher, em relação ao aborto. Esta é a opinião de SIEGEL, Re-
va B. The constitutionalization of abortion. In: Abortion law in transnational perspec-
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 229
violam as convicções daquelas que são favoráveis à sua prática. Tal distin-
ção somente deixaria de ocorrer se houvesse “salvaguardas” (“safeguards”)
para a afirmação pública das crenças pessoais sem risco de hostilidade soci-
al459. Na prática, a doutrina do consentimento informado abre margem para
imposições governamentais arbitrárias e onerosas às gestantes que desejam
realizar o aborto, imposições estas que somente seriam justificáveis em uma
conotação protecionista clássica, sob cuja ótica a mulher necessita de orien-
tação do governo para tomar suas decisões reprodutivas. Do ponto de vista
dos seus interesses reais, acima da preocupação com o consentimento infor-
mado, o que precisa ser priorizado é a proteção de sua liberdade de consci-
ência e dignidade individual460.
Pode-se concordar com a colocação de Dworkin, já antes referida,
no sentido de que a opinião concorrente adotada no caso Casey desenvolveu
um argumento até mais poderoso do que o desenvolvido no caso Roe, pelo
juiz Blackmun, no que tange à configuração ética da autonomia procriativa e
à aplicação do princípio da liberdade religiosa, em relação ao aborto. Ade-
mais, acentuou-se a importância de delimitar a legitimidade do governo de
impor aos cidadãos juízos coletivos, em geral, sobre os “assuntos espirituais”
(“spiritual matters”). Em síntese, Dworkin chama a atenção para o fato de
que sua tese da proteção do direito ao aborto com fundamento na liberdade
religiosa se adequa totalmente aos argumentos contidos na decisão do caso
Casey, sendo que a mesma ênfase não se encontra tão fortemente em Roe.
Embora sem mencionar a ideia da sacralidade da vida, e sem apelar para a
459
SIMMONS, Paul D. Casey, Bray and beyond: religious liberty and the abortion debate. 13
Saint Louis University Public Law Review, 467, 1993. p. 482.
460
Ibidem, p. 480 e 483. Ver, também, DICKENS, Bernard M. The right to conscience. In:
Abortion law in transnational perspective. Pennsylvania/Philadelphia: University Pen-
sylvania Press, 2014. p. 222-3. Sobre o protecionismo baseado no gênero, ASHE, Marie.
Womens’s wrongs, religions’ rights: women, free exercise, and establishement in Ameri-
can Law. 21 Temple Political & Civil Righs Law Review 163, Fall 2011. p. 211, escla-
rece que a ideia de vulnerabilidade da mulher, como um ser que necessita de uma tutela
especial do Estado, começou a ser construída no caso ESTADOS UNIDOS. United States
Supreme Court. Reynolds v. United States, 98 U.S. 145 (1878). Disponível em:
<www.supremecourt.gov>. Acesso em: 01 fev. 2014, citado na seção 4.2. De fato, a não
aplicação da free exercise clause à aceitação da poligamia, por motivos religiosos, susten-
tou-se na preocupação de salvar a mulher, identificada com seu papel familiar de esposa e
mãe, do sofrimento de ter que se submeter a um regime matrimonial não monogâmico.
Nas decisões mais recentes, mais propriamente a partir de Casey, a marca da vulnerabili-
dade feminina expressa-se através do argumento de que a gestante precisa ser protegida
contra os efeitos negativos de sua decisão de realizar o aborto, ainda que o procedimento
seja, à luz de sua consciência, uma opção moralmente admissível no contexto do controle
da reprodução.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 235
461
DWORKIN, Ronald. Life`s dominion: an argument about abortion, euthanasia and indi-
vidual freedom. New York: Vintage Books, 1994. p. 171-2 e 175. A citação acima trans-
crita foi extraída de Planned Parenthood Southeastern Pennsylvania v. Casey, 1992,
851. No original: “At the heart of liberty is the right to define one‘s own concept of exist-
ence, of meaning, of the universe and of the mystery of human life” […] “Beliefs about
these matters could not define the attributes of personhood”.
462
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Burwell v. Hobby Lobby Stores,
Inc., 573 U.S.____ (2014). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 05 jul.
2014.
463
DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 173.
236 Teresinha Inês Teles Pires
472
CONGRESS.GOV. Partial-Birth Abortion Ban Act, S. 3 (108th Congress), 2003-2004. Dis-
ponível em: <https://www.congress.gov/bill/108th-congress>. Acesso em: 09 nov. 2013.
473
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Gonzales v. Cahart, 550 U. S. 124
(2007). Disponível em: <www.supremecourt.g ov>. Acesso em: 12 dez. 2013.
474
Ibidem, p. 162 e 167-8.
475
No original: “similarity to the killing of a newborn infant”, conforme: CONGRESS.GOV.
Partial-Birth Abortion Ban Act, S. 3 (108th Congress), 2003-2004. Disponível em:
240 Teresinha Inês Teles Pires
479
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Gonzales v. Cahart, 550 U. S. 124
(2007). Disponível em: <www.supremecourt.g ov>. Acesso em: 12 dez. 2013. p. 159. Sa-
liente-se que não existem estudos concludentes sobre os efeitos psicológicos da realização
do aborto na vida das mulheres. Conforme explica JOHNSEN, Dawn E. A progressive re-
productive rights agenda for 2020. In: The Constitution in 2020. Oxford/New York: Ox-
ford University Press, 2009. p. 265, muitas mulheres vivenciam o aborto de forma trágica,
mas muitas absorvem bem a experiência compreendendo que não tinham condições de ter
o filho, além de não atribuírem à sua decisão a carga moral veiculada pela opinião dos le-
gisladores. A retórica dos danos psicológicos contribui para avançar os esforços pro-life
no sentido de criar uma imagem das mulheres enquanto “vítimas” (victms) prejudicadas
pelo erro de interromper a gestação, na suposição de que elas foram influenciadas pelas
leis e pelos profissionais e instituições médicas que encorajam a conduta. Tal abordagem,
na visão da autora, foi “irresponsavelmente” (irresponsibly) assumida pelos juízes da Su-
prema Corte no caso em comento. Segundo DICKENS, Bernard M. The right to con-
science. In: Abortion law in transnational perspective. Pennsylvania/Philadelphia: Uni-
versity Pensylvania Press, 2014. p. 234-235, e notas 94 e 95, alguns estudos mostram, in-
clusive, que os riscos à saúde mental da mulher, decorrentes de um aborto realizado no
primeiro trimestre, não são maiores do que os mesmos riscos que derivam do nascimento
de um filho indesejado. Outro estudo mostra a não existência do aumento da procura por
serviços de assistência psiquiátrica, por parte das mulheres, após a realização do aborto, e
a existência de um leve aumento desta procura depois do nascimento da criança. O autor
refere-se aos seguintes estudos: o primeiro intulado “Abortion and Mental Health: Evalu-
ating the Evidence‖, publicado na American Psycologist 64 (2009): 863-85; e o segundo
intitulado “Induced First-Trimester Abortion and Risk of Mental Disorder”, publicado no
New England Journal of Medicine 364 (2011):332-39.
242 Teresinha Inês Teles Pires
480
GUTHRIE, Chris. Cahart, constitutional rights, and the psychologie of regret. 81 South-
ern California Law Review 877 (2007-2008). Disponível em: <http://ssrn.com/abstract
_id =1031235>. Acesso em: 15 mar. 2014. p. 879 e 886. O argumento desenvolvido em
Gonzales v. Carhart é criticado, igualmente, por vários autores, dentre eles: BALKIN,
Jack M. Abortion and original meaning. Constitutional commentary. v. 24:291, n.
101, 2007; Yale Law School, Public Law Working Paper n. 128. Disponível em:
<http://ssrn.com/abstract=925558>. Acesso em: 13 abr. 2014; TOOBIN, Jeffrey. Com-
ment five to four. New Yorker 35, June 25, 2007; POLLITT, Katta. Regrets Only, The
Nation, May 14, 2007 apud GUTHRIE, Chris. Cahart, constitutional rights, and the psy-
chologie of regret. 81 Southern California Law Review 877 (2007-2008). Disponível em:
<http://ssrn.com/abstract_id =1031235>. Acesso em: 15 mar. 2014, notas 2 e 9.
481
ASHE, Marie. Womens’s wrongs, religions’ rights: women, free exercise, and estab-
lishement in American Law. 21 Temple Political & Civil Righs Law Review 163, Fall
2011. p. 210-12. No original: “women's freedom and equality with regard to self-
definition and moral choice”.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 243
482
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Stenberg v. Carhart, 530 U.S. 914
(2000). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013, Justice
Breyer. p. 931.
483
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Colautti v. Franklin, 439 U.S. 379
(1979). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013, p. 400;
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Thornburg v. American College of
Obstetricians and Gynecologists, 476 U.S. 747 (1986). Disponível em:
<www.supremecourt.gov>. Acesso em: 12 dez. 2013. p. 768-769.
484
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Stenberg v. Carhart, op. cit., p. 1.006.
485
ESTADOS UNIDOS. United States Supreme Court. Stenberg v. Carhart, 530 U.S. 914
(2000). Disponível em: <www.supremecourt.gov>. Acesso em: 23 nov. 2013. p. 923.
244 Teresinha Inês Teles Pires
486
ASHE, Marie. Womens’s wrongs, religions’ rights: women, free exercise, and estab-
lishement in American Law. 21 Temple Political & Civil Righs Law Review 163, Fall
2011. p. 213-4. No mesmo sentido, STOPLER, Gila. The liberal blind: the conflict be-
tween women’s rights and patriarchal religion in the liberal state. 31 Soc. Theory &
Practice 191, (2005), passim.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 245
487
Exemplo emblemático do propósito dos estados de criar vários tipos de obstáculos à
realização do aborto está em um novo caso, que está prestes a ser julgado pela Su-
prema Corte norte-americana. Trata-se do caso ESTADOS UNIDOS. United States
Court of Appeals. Fith District, Texas. Whole Woman’s Health v. Cole: 2015. Dis-
ponível em: <http://www.ca5.uscourts.gov/opinions/pub/14/14-50928-CV0.pdf>. Acesso
em: 07 nov. 2015. O caso diz respeito a uma lei do estado do Texas, que impõe uma
série de exigências às clínicas prestadoras dos serviços de atendimento ao aborto, p a-
ra que mantenham seu funcionamento. Exige-se, por exemplo, que as instalações de
tais clínicas satisfaçam normas previstas para o funcionamento de centros cirúrgicos
ambulatoriais, o que significa que elas precisam se transformar em verdadeiros hosp i-
tais, sob pena de serem forçadas a fechar as portas. Além disso, impõe-se às clínicas
que apenas possam atender as mulheres que residem em áreas próximas à sua locali-
zação, especificamente determinadas na lei. Diante de tais medidas, dentre outras cri a-
das pela lei em referência, várias clínicas no Texas serão fechadas, e grande parte das
mulheres residentes no estado não terão acesso a nenhuma clínica apta a oferecer -
lhes os procedimentos e métodos abortivos. A lei foi declarada válida pela Court of
Appeals for the Fith Circuit, tendo algumas clínicas sediadas no estado apresentado
recurso perante a Suprema Corte Federal.
246 Teresinha Inês Teles Pires
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 247
Parte III
A IMPLEMENTAÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO
DEMOCRÁTICO NA DESCRIMINALIZAÇÃO DO
ABORTO NO BRASIL: ABORDAGEM DOUTRINÁRIA E
JURISPRUDENCIAL
248 Teresinha Inês Teles Pires
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 249
Capítulo 6
O PRINCÍPIO DA
AUTODETERMINAÇÃO INDIVIDUAL E A
TUTELA DO NASCITURO NO SISTEMA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO:
ADEQUABILIDADE DA
APLICAÇÃO DA CLÁUSULA
DA LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
E DE CRENÇA
490
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no Direito Constitucional
Contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial.
Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 11, 20, 40-2 e 55.
491
OMMATI, José Emílio Medauar. Uma teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janei-
ro: Lumen Juris, 2014. p. 49-51. Como acentuado pelo autor, nestas passagens: “não
faz sentido se falar em limites dos direitos fundamentais ou limites dos limites dos di-
reitos fundamentais. Ou, ainda, da proteção do núcleo ou conteúdo essencial dos direi-
252 Teresinha Inês Teles Pires
494
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no Direito Constitucional
Contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial.
Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 42-4. Barroso ressalta, inclusive, que no caso Planned
Parenthood of Southeastern Pennsylvania v. Casey (505 U.S. 833, 1992) a dignidade foi
textualmente pincelada nos votos de alguns juízes.
495
Remete-se, aqui, o leitor à seção 1.4 da obra, onde se explicou a distinção estabelecida por
Dworkin entre a democracia majoritária e a democracia coparticipativa, e as razões pelas
quais o autor elegeu o segundo modelo (coparticipativa) como sendo o único adequado
para a efetiva implementação de um regime democrático constitucionalista.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 255
498
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucio-
nal. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 114. Sobre o significado do princípio jurídico da
igualdade perante a lei, confira-se MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo ju-
rídico do princípio da igualdade. 3. ed., 21ª tir. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 15-19 e
37-40; MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral: comen-
tários aos arts. 1º e 5º da Constituição da República Federativa do Brasil: doutrina e juris-
prudência. Coleção Temas Jurídicos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 81-9; BASTOS,
Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 05.10.1988,
2001. p. 5-14; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Hori-
zonte: Mandamentos, 2000. t. I, p. 88-93; MIRANDA, Jorge. Manual de direito consti-
tucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1993. t. IV, p. 205-216.
499
Conforme MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação
constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 125, nos termos do art. 5º, inc. I, “ho-
mens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”; nos termos do art. 3º, inc. IV, é ob-
jetivo fundamental da República combater a discriminação de qualquer espécie, inclusive
a discriminação por motivo de sexo; o art. 7º, incs. XVIII e XIX, prevê o direito à licença-
-maternidade e à licença-paternidade; os arts. 40, § 1º, inc. III, e 201, § 7º, preveem o di-
reito à aposentadoria por tempo de serviço, com prazo diferenciado para homens e mulhe-
res; o art. 143, § 2º, prevê a isenção da mulher no tocante à prestação do serviço militar
obrigatório; por fim, o art. 226, § 5º, prevê a igualdade entre o homem e a mulher no
exercício dos “direitos e deveres referentes à sociedade conjugal”.
500
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucio-
nal. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 126. No mesmo sentido, SILVA, José Afonso da.
Comentário contextual à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 74-76.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 257
cidado na seção 2.3, bem como os gravíssimos riscos à sua saúde e à sua
vida, advindos da prática do aborto ilegal501.
O padrão da igualdade de gênero proporciona elementos de análise
hábeis a edificar uma ligação entre a autonomia procriativa da mulher e seu
direito de interromper o desenvolvimento da vida embrionária, representan-
do uma abordagem recepcionada pela Constituição de 1988. Tal perspectiva
é correta, sobretudo, em face da norma contida em seu art. 5º, § 2º, na parte
em que se determina a possibilidade da incorporação de novos direitos de-
correntes dos documentos internacionais, especificamente, no caso, aqueles
documentos cujas prescrições protegem os direitos das mulheres, conferindo
força ímpar ao dever do Estado de assegurar a equiparação sexual em todas
áreas do exercício da cidadania502.
501
Sobre o aborto ilegal no Brasil e o dever do Estado de tomar medidas legais e políticas
para eliminar a sua prática, consulte-se PIRES, Teresinha Inês Teles. O princípio da segu-
rança jurídica e o direito da mulher à saúde reprodutiva: uma análise acerca do dever do
Estado na prestação de assistência à saúde física e mental da mulher no contexto da ilega-
lidade do aborto. Revista de Informações Legislativas. Brasília, a. 51, n. 201, p. 129-49,
jan./mar. 2014. CDD 340.05/CDU 34(05). p. 137-9 e 142-5; VIANA, Paula (Coord.);
FREITAS, Ângela (Redação). Colaboração Beatriz Galli [et. al.]. Jornadas Brasileiras pe-
lo Direito ao aborto legal e seguro. Aborto: guia para profissionais de comunicação. Reci-
fe: Grupo Curumim, 2011. 70 p. CDU: 173.4 (817.1). Disponível em: <www.grupo
curumim.org.br/site/imprensa/kit_jornalistas6.pdf>. Acesso em: 14 maio 2013. p. 23-41;
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Aborto e saúde pública no Brasil: 20 anos. Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. Bra-
sília, 2009. Série B – Textos Básicos de Saúde. p. 17-38, e Magnitude do aborto no
Brasil. Aspectos epidemiológicos e sócio-culturais: abortamento previsto em lei em si-
tuações de violência sexual. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pro-
gramáticas Estratégicas. Brasília, 2008. Área Técnica de Saúde da Mulher, II, Título III.
Série B, passim; AQUINO, Estela M. L.; MENEZES, Greice. Pesquisa sobre o aborto no
Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad. Saúde Pública. Rio de
Janeiro, 25 Sup 2:S193-S204, 2009, passim; TORRES, José Henrique Rodrigues. Aborto
inseguro: é necessário reduzir riscos. 2008. Disponível em: <http://www.aads.org.
br/arquivos/Torres_2008.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2012. p. 5-11 e 22; SANTIAGO,
Ricardo Cabral. Saúde da mulher e aborto. In: MAIA, Mônica Bara (Org.). Direito de
decidir: múltiplos olhares sobre o aborto. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 33-9;
MEDEIROS, Patrícia Flores; GUARESCHI Neuza M. de F. Políticas públicas de saúde
da mulher: a integralidade em questão. Estudos feministas. Florianópolis, 17(1): 296,
jan./abr. 2009. p. 42-8; e MEDEIROS, Patrícia Flores; GUARESCHI Neuza; NARDINI
Milena; WILHELMS Daniela M. O aborto e as políticas de atenção integral à saúde da
mulher. Pesquisa e Práticas Psicossociais, 2 (1). São João Del Rey, p. 18-23, mar./ago.
2007.
502
Conforme art. 5º, § 2º, CF: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Esclareça-se que a
abordagem da igualdade de gênero, sob o prisma do direito internacional, já alcançou um
grau de aperfeiçoamento significativo, cujo adensamento não se comporta dentro dos pro-
258 Teresinha Inês Teles Pires
pósitos do presente trabalho. Pode-se mencionar, apenas para transmitir ao leitor um pa-
norama geral sobre o assunto, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher (CEDAW), ratificada pelo Brasil no ano de 1984, a qual
criou extensa plataforma de direitos em prol do crescimento do status das mulheres, tor-
nando-se uma referência para todo o mundo em termos de diretrizes públicas voltadas ao
combate às desigualdades sexuais. O texto integral da CEDAW está disponível para con-
sulta no site da United Nations: <www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/>. Acesso em: 24
nov. 2013. Vale salientar, ainda, que a Convenção Inter-Americana sobre Prevenção, Pu-
nição e Erradicação da Violência Contra as Mulheres (Convenção do Belém do Pará),
através dos seus arts. 2º e 3º, incluiu no conceito de violência qualquer ato, público ou
privado, que resulte em opressão física, sexual ou psicológica, em violação à liberdade
das mulheres. E, no art. 4º (b), (e) e (f), o mesmo documento reafirma o direito das mulhe-
res à integridade mental e moral, à dignidade e à igualdade. Ao dilatar o conceito de vio-
lência de modo a envolver qualquer espécie de restrição ao exercício das liberdades fun-
damentais, por parte das mulheres, inclusive, a opressão à sua integridade moral na toma-
da de decisões de natureza privada, os padrões de análise da Convenção do Belém do Pará
produzem efeitos importantes na garantia da autonomia procriativa. O documento está
disponível em: <www.oas.org/juridico/english/treaties/a-61.html>. Acesso em: 24 nov.
2013. Conforme SARMENTO Daniel; PIOVESAN, Flávia. Nos limites da vida: aborto,
clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro:
Lumen Juiris, 2007. p. 54-63 e 66, além dos documentos internacionais já mencionados,
vários outros contêm recomendações no sentido de que os Estados-Membros garantam o
exercício dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e revisem suas legislações pu-
nitivas no tocante ao aborto, enfrentando o problema do aborto ilegal como uma questão
prioritária. Pode-se pincelar, dentre tais documentos, a Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento, Cairo/1994, a Quarta Conferência Mundial sobre as Mu-
lheres, Beijing/1995, as Recomendações 19 (1992) e 24 (1999) dos Comitês da CEDAW,
os Comitês da ONU sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC (1966),
e a Segunda Conferência Mundial sobre a Mulher, Copenhagen/1980.
503
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do
Brasil: promulgada em 05.10.1988. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2001. v. 2, p. 20.
504
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 36. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013. p. 237-8. Ver, também, MORAES, Alexandre de. Constituição do Bra-
sil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 130-1.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 259
508
ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012. p. 90, 328 e 473. A fim de se ter uma breve noção acerca do
sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, caracterizado por ser um sistema
misto (controle concentrado e difuso) consulte-se a obra de FERREIRA FILHO, Manoel
Gonçalves. Princípios fundamentais do direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Sarai-
va, 2010. p. 141-9.
509
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999. p. 119-20. Vários outros autores brasileiros articulam a validade do
conceito interpretrativo-hermenêutico do direito, inspirado na doutrina norte-americana da
judicial review, segundo o qual as decisões judiciais não apenas desvelam o sentido da lei,
ou a vontade do legislador; muitas vezes ultrapassam o significado semântico da norma-
-texto, concretizando seu conteúdo material. Seguem essa vertente, fortemente consagrada
na seara dos direitos fundamentais, que pode ser chamada vertente substancialista, autores
como: ABBOUD, Georges. Op. cit., p. 60-77; SAMPAIO, José Adércio Leite. A Consti-
tuição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002;
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise uma exploração hermenêuti-
ca da construção do Direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 52-4;
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os concei-
tos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 87-93;
CHAMON JÚNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica: constituciona-
lismo e democracia em uma reconstrução das fontes do direito moderno. 2. ed. Rio de Ja-
neiro: Lumen Juris, 2009. p. 193-204; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
262 Teresinha Inês Teles Pires
531
SPOLIDORO, Cláudio Amerise. O aborto e sua antijuridicidade. São Paulo: Lejus,
1997. p. 10-11, 73, 84-5, 98 e 136-7. Ver, também KARAM, Maria Lúcia. Proibições,
crenças e liberdade: o direito à vida, a eutanásia e o aborto. In: Escritos sobre a liberda-
de. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. v. 2, p. 48-9; BATISTA, Nilo. Aborto: a Retórica
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 275
contra a Razão. In: Temas de Direito Penal. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984. p. 43-4;
CAVALCANTE, Alcilene; BUGLIONE, Samantha. Pluralidade de vozes em democraci-
as laicas: o desafio da alteridade. In: MAIA, Mônica Bara (Org.). Direito de decidir:
múltiplos olhares sobre o aborto. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 108, nota 2. Enfati-
zam as duas últimas autoras citadas que o art. 2º do Código Civil vigente (2002) salva-
guarda somente os direitos patrimoniais, especialmente, os direitos sucessórios, do nasci-
turo, os quais serão efetivados após o seu nascimento com vida, se for o caso.
532
Confira-se DWORKIN, Ronald. Life`s dominion: an argument about abortion, euthanasia
and individual freedom. New York: Vintage Books, 1994. p. 110, 113 e 115. Recomenda-
-se ao leitor o retorno às explicações contidas na seção 2.1 da presente obra.
276 Teresinha Inês Teles Pires
541
VIANA, Paula (Coord.); FREITAS, Ângela (Redação). Colaboração Beatriz Galli [et.
al.]. Jornadas Brasileiras pelo Direito ao aborto legal e seguro. Aborto: guia para profis-
sionais de comunicação. Recife: Grupo Curumim, 2011. inc. 70 p. CDU: 173.4 (817.1).
Disponível em: <www.grupocurumim.org.br/site/ imprensa/kit_jornalistas6.pdf>. Acesso
em: 14 maio 2013. p. 13. Ver, também, LACERDA, Gustavo Biscaia de. Sobre as rela-
ções entre Igreja e Estado: conceituando a laicidade. In: MINISTÉRIO PÚBLICO. Em
defesa do estado laico: coletânea de artigos. Brasília: Conselho Nacional do Ministério
Público, 2014. v. 1, p. 178 e nota 81, onde se relata o incremento das relações entre o Es-
tado e as igrejas a partir do ano de 2008. Sobre o histórico da apreciação e votação do PL
1.135/91, cuja tramitação perdurou por dezessete anos, ver DINIZ, Geilza Fátima Caval-
canti. Direitos humanos e liberdade religiosa: os domínios recalcitrantes do direito in-
ternacional: as tensões entre as diversidades religiosas e o processo de internacionalização
dos direitos humanos. Brasília: Edições do Senado Federal, 2014. v. 205, p. 143-8. Quan-
to ao PL 236/2012, que propõe a reforma do Código Penal, a parte referente à descrimina-
lização do aborto até doze semanas de gestação foi excluída, por meio de substitutivo ao
texto original, apresentado pelo relator, Senador Pedro Taques (PDT/MT), em
20.08.2013, à Comissão Especial que trata do assunto. Segundo o relator, permitir a práti-
ca do aborto por livre decisão da gestante importaria em violação à Constituição. O relató-
rio substitutivo manteve a proposta de legalização do aborto do feto anencefálico, em con-
sonância com a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida na ADPF 54/2012 (con-
forme matéria publicada em: <http://www.clicdanoticia.com.br/ ler.php?id=3687>. Aces-
280 Teresinha Inês Teles Pires
so em: 20 fev. 2015). Informe-se, ainda, que o posicionamento assumido por Pedro Ta-
ques contraria a recomendação encaminhada à Comissão do Senado (que aprecia o PL
236/12), pelo Conselho Federal de Medicina, no sentido da liberalização do aborto por es-
colha da mulher, no primeiro trimestre de gestação, independentemente da apresentação
de laudos médicos ou psicológicos, considerando que até este estágio o aborto não oferece
riscos à saúde da mulher e que o sistema nervoso central do embrião ainda não está for-
mado. O CFM adotou tal entendimento no “I Encontro Nacional de Conselhos de Medici-
na”, realizado em março de 2013 na cidade de Belém/PA (conforme PIRES, Teresinha
Inês Teles. O princípio da segurança jurídica e o direito da mulher à saúde reprodutiva:
uma análise acerca do dever do Estado na prestação de assistência à saúde física e mental
da mulher no contexto da ilegalidade do aborto. Revista de Informações Legislativas.
Brasília, a. 51, n. 201, p. 129-49, jan/mar., 2014. CDD 340.05/CDU 34(05). p. 143). In-
forme-se, por fim, que o PL 5.069/13, acima citado, de autoria do Deputado Eduardo Cu-
nha, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 10/2015, e
será encaminhado ao plenário da Câmara (Disponível em: <http://brasil.elpais.com/m/
brasil/2015/11/09/opinion/ 1447075142_888033. html>. Acesso em: 15 nov. 2015. Para a
consulta aos projetos de lei ora mencionados, utilizou-se o site do PORTAL DE LEGIS-
LAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL. Disponível em: <http://www4. planal-
to.gov.br/legislacao> e <www.camara.gov.br/ proposiçoesWeb/prop_mostra integra?cod
teor= 443584>.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 281
544
SPOLIDORO, Cláudio Amerise. O aborto e sua antijuridicidade. São Paulo: Lejus,
1997. p. 23-4, 60, 68 e 95. No mesmo sentido, DOMINGUES, Roberto Chateaubriand.
Entre normas e fatos, o direito de decidir: o debate sobre o aborto à luz dos princípios consti-
tucionais. In: MAIA, Mônica Bara (Org.). Direito de decidir: múltiplos olhares sobre o
aborto. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 70. Interessante comentar, ainda, que, conforme
BATISTA, Nilo. Aborto: a retórica contra a razão. In: Temas de Direito Penal. Rio de Ja-
neiro: Liber Juris, 1984. p. 40-41, nunca houve, na dogmática do direito penal, uma pacifi-
cação conceitual quanto ao objeto da tutela do crime do aborto. Além do direito à vida, vá-
rias outras respostas foram dadas à questão, propondo a doutrina que a punição da prática do
aborto se sustentaria também, dentre outras alternativas, no interesse do Estado de proteger a
moralidade pública, a organização familiar, a integridade corporal da gestante, o direito pa-
terno à filiação ou até mesmo o interesse público no crescimento demográfico.
545
O Pacto de São José, ratificado pelo Brasil em setembro de 1992, dispõe em seu art. 4º, §
1º (tradução livre): “Toda pessoa tem o direito de ter sua vida respeitada. Esse direito de-
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 283
ve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém deve ser
arbitrariamente privado de sua vida” (American Convention on Human Rights. Disponí-
vel em: <www.oas.org/dil/treaties_B-32_American_Convention_on_Human_ Rights.htm>.
Acesso em: 24 nov. 2013). A CEDAW, por sua vez, dispõe em seus arts. 2 e 12 (tradução
livre): “Art. 2. Os Estados Membros condenam a discriminação contra as mulheres em
todas as suas formas, concordam em estabelecer por todos os meios uma política para a
eliminação da discriminação contra as mulheres e, com essa finalidade, providenciar: a)
incluir o princípio da igualdade entre homens e mulheres em suas constituições nacionais
ou outra legislação apropriada, se ainda nelas não incorporado, e assegurar, através da
lei ou de outros meios apropriados, a realização prática desse princípio”. “Art. 12. 1. Os
Estados Membros devem tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discrimi-
nação contra as mulheres na área da saúde e assegurar, em uma base de igualdade entre
homens e mulheres, acesso aos serviços de saúde, incluindo aqueles relacionados ao pla-
nejamento familiar; 2. Além das disposições do § 1º desse artigo, os Estados Membros
devem assegurar às mulheres serviços apropriados em relação à gravidez, internação e
ao período pós-natal, assegurando serviços gratuitos onde necessário, assim como nutri-
ção adequada durante a gravidez e a amamentação” (CEDAW. Disponível em:
<www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/>. Acesso em: 24 nov. 2013). Além do Pacto de
São José e da CEDAW, o Brasil ratificou a Conferência Mundial sobre População e De-
senvolvimento (Cairo/1994) e a IV Conferência Mundial da Mulher (Beijing/1995). O
primeiro documento garante o direito da mulher ao planejamento procriativo e delimita a
questão do aborto como um problema sério de saúde pública (parágrafo 8.25) (Disponível
em: <http://www.unfpa.org/sites/default/files/event-pdf/icpd_eng_2.pdf>. Acesso em: 24
nov. 2013); o segundo documento afirma o direito à vida sexual para fins não reproduti-
vos, exigindo dos Estados-Membros medidas no sentido da revisão das leis punitivas da
prática do aborto (parágrafo 106k) (Disponível em: <http://www.un.org/womenwatch/
daw/beijing/fwcwn.html>. Acesso em: 24 nov. 2013).
546
No sentido da defesa do direito à vida, ver MELLO, Gustavo Miguez de. Direito funda-
mental à vida. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Direito fundamental à vi-
da. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 272-3; MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Pacto
de São José e o direito à vida desde a concepção, 2011. p. 503-7. No sentido da defesa
do direito ao aborto, ver OMMATI, José Emílio Medauar. O direito fundamental ao abor-
to no ordenamento jurídico brasileiro. In: FABRIZ, Daury Cesar et al. O tempo e os di-
reitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 551-561; PIOVESAN, Flávia. Di-
reitos sexuais e reprodutivos: aborto inseguro como violação dos direitos humanos. In:
SARMENTO, Daniel; PIOVESAN, Flávia. Nos limites da vida: aborto, clonagem huma-
na e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juirs, 2007.
p. 54-63 e 66; LOREA, Roberto Arriada. Aborto e direito no Brasil. In: CAVALCANTE,
Alcilene; XAVIER, Dulce (Orgs.). Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São
Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006. p. 176-9.
284 Teresinha Inês Teles Pires
ing.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2014. O caso resultou na revogação de uma decisão da Corte
Constitucional de Costa Rica que proibiu a prática, no país, do procedimento de Fertiliza-
ção in Vitro (FIV), com fundamento no direito à vida.
551
COSTA RICA. Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Artavia Murillo et
al v. Costa Rica (2000). Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/ articu-
lus/seriec_257_ing.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2014, parágrafos 188-9, 244, 262-4 e 168.
552
Comisión Interamericana de Derechos Humanos, Organización de los Estados America-
nos, Resolucion 23/81, caso 2141/1981, Estados Unidos. Disponível em:
<http://www.cidh.org/annualrep/80.81sp/estados unidos2141b.htm>. Acesso em: 26 jun.
2014. Informe-se que os Estados Unidos, embora tenham participado da Convenção Ame-
ricana (Pacto de São José), e assinado o documento, não firmaram sua adesão ao mesmo,
não se submetendo, portanto, ao cumprimento de suas regras. Sendo assim, a CIDH e a
CtIDH utilizam, em caráter prioritário, na análise dos casos que envolvem os Estados
Unidos, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, esta sim ratificada
pelo país (Disponível em: <www.cidh.oas.org/basicos/ portugues/b.Declaracao_Ameri
286 Teresinha Inês Teles Pires
Ademais, o Pacto de São José não se resume ao art. 4º (1), cuja in-
terpretação não pode ser feita de forma isolada, no aspecto da intenção e das
diretivas veiculadas no documento. Logo no art. 1º, o Pacto determina aos
Estados-Membros o respeito ao exercício pleno de todas as liberdades fun-
damentais, sem discriminação de qualquer espécie, seja por motivo de “raça,
cor, sexo, linguagem, religião” ou opinião política, dentre outros553. A auto-
nomia procriativa da gestante é, indubitavelmente, uma categoria interligada
à busca do conteúdo adequado para a tutela da vida nascitura. A decisão do
caso Artavia Murillo, inclusive, fundamentou-se nas premissas adotadas na
CEDAW, para concluir que os princípios da igualdade e da não discrimina-
ção exigem a precedência do direito de escolha da mulher em relação à pro-
teção da vida potencial ainda “em formação”. E que a intangibilidade da vida
do nascituro, desde a concepção, legitimaria a violação dos direitos da mu-
lher à integridade pessoal, à privacidade, à liberdade e ao planejamento fami-
liar, todos eles listados no Pacto de São José da Costa Rica554.
É importante pontuar que, neste caso, Artavia Murillo, a Corte ul-
trapassou os padrões tradicionais derivados da plataforma de direitos expres-
samente previstos no Pacto de São José, ainda não focados na perspectiva da
discriminação de gênero. O princípio da igual proteção perante a lei, no que
se refere à eliminação dos fatores de discriminação contra a mulher, foi utili-
zado, em larga extensão, para afirmar sua autodeterminação reprodutiva. A
Corte seguiu a definição de discriminação firmada no art. 1º da CEDAW,
segundo o qual qualquer restrição ao exercício de uma liberdade fundamen-
cana.htm>. Acesso em: 24 nov. 2013). No entanto, no caso citado (Resolução 23/81), a
decisão sustentou que o art. 4º (1) do Pacto de São José complementa, no tocante ao direi-
to à vida, a Declaração Americana, razão pela qual a norma foi objeto de discussão na so-
lução da questão apreciada, conduzindo à interpretação que se acabou de relatar. A CIDH,
vale acentuar, afirmou que a frase “em geral”, posta no referido dispositivo, tem por fina-
lidade reconhecer aos Estados-Membros a possibilidade da inclusão de diversas hipóteses
de aborto legal, desde que em circunstâncias justificáveis, para não ferir a segunda direti-
va do mesmo art. 4º (1), segundo a qual “ninguém pode ser arbitrariamente privado de
sua vida”. Isso quer dizer que somente a privação arbitrária, portanto, injustificável, da
vida nascitura deve ser proibida. Sobre o teor da opinião majoritária proferida no caso,
confira-se a explicação do voto do juiz Andres Aguilar M., §§ 1 a 8; e sobre o envolvi-
mento do Pacto de São José, art. 4º (1), no respectivo julgamento, confira-se o Relatório
Anual da CIDH, 1980/1981, Sumário do Caso, § 14 (b) e (c), ambos disponíveis no pri-
meiro endereço acima transcrito.
553
American Convention on Human Rights, art. 1º, item 1.
554
No original: “in formation” (COSTA RICA. Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH). Artavia Murillo et al v. Costa Rica (2000). Disponível em: <http://www.
corteidh.or.cr/docs/casos/articulus/ seriec_257_ing.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2014, pará-
grafos 227, 161, 302 e 316).
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 287
no § 2º do seu art. 5º, parte final, em nada compromete a defesa dos direi-
tos da mulher à interrupção da gestação, e até possibilita reforçar, com base
nos critérios internacionais de garantia dos direitos humanos, a tese de que
a tutela da vida do embrião não é obrigatória, devendo, ao contrário, ser
definida de forma gradualista557.
É interessante finalizar a seção lembrando que grande parte dos paí-
ses que confere valor importante aos direitos do nascituro está construindo
uma definição jurisdicional da questão, não através da proibição do aborto,
mas antes por meio de exigências de aconselhamento à mulher que deseja
realizar a conduta. No lugar de coagir a mulher a não praticar o aborto, sim-
plesmente ajudá-la a compreender a complexidade de sua decisão. Além
disso, ajudá-la a escapar da fatalidade de praticar o aborto inseguro, em con-
dições de clandestinidade, possibilitando, ao legalizar o procedimento médi-
co, uma mudança de atitude por parte dos profissionais da saúde. O fato de a
lei punitiva configurar, na prática, uma norma sem aplicabilidade alguma,
haja vista ser diariamente desobedecida pelas mulheres que não desejam
levar a gravidez a termo, não é motivo para que o Estado negligencie seu
dever de promover sua revisão. Isso porque a criminalização do aborto refle-
te na conduta dos médicos, os quais, por não poderem realizá-lo, terminam
conduzindo a gestante ao apelo aos serviços ilegais; a criminalização, no
caso, reflete, ainda, na visão da sociedade, em geral, que tende a minimizar a
gravidade do problema558.
557
Vale mencionar que na “Revisão Periódica Universal” do “Conselho de Direitos Huma-
nos das Nações Unidas‖, ocorrida em novembro de 2011, foi avaliado se o Brasil está
respeitando os direitos humanos consignados nos tratados internacionais, na área da saúde
sexual e reprodutiva da mulher (Brazil – 13th Universal Periodic Review Session” – Ge-
neva/Switzerland – 28.11.2011). A avaliação das Nações Unidas baseou-se nos dados já
consagrados, referentes à correlação entre países com leis restritivas em matéria de aborto
e altos índices de morbidade/mortalidade materna. Concluiu-se que a criminalização do
procedimento médico do aborto contraria os compromissos internacionais ratificados pelo
país em matéria de direitos humanos. O Conselho da ONU fez menção específica às nor-
mas previstas nos seguintes documentos: a) CEDAW – Convenção para a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; b) CESCR – Convenção Internacio-
nal sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e c) CCPR – Convenção Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos (conforme IMAIS – Instituto Mulher e Atenção Inte-
gral a Saúde. Rapporteur on the Right to Reproductive Health from Plataforma Brasileira
de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais. Rio de Janeiro, 2011. Disponí-
vel em: <http://www.conectas.org/arquivos-site/file/UPRsa%C3%BAde%20reprodutiva.
pdf>. Acesso em: 27 dez. 2012. p. 6.
558
FAÚNDES, Aníbal; BARZELATTO, José. O drama do aborto: em busca de um con-
senso. São Paulo: Komedi, 2004. p. 184.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 289
país implementar, como alicerce do seu sistema jurídico, aquele que melhor
assegura a efetivação do regime democrático. São eles: o Estado confessio-
nal e o Estado laico. O primeiro caracteriza-se pela identificação do Estado
com a Religião. O segundo, ao contrário, pela não identificação das duas
esferas institucionais. O Estado laico apresenta, ainda, duas ramificações:
pode unir-se a uma confissão religiosa específica, considerada como “reli-
gião de Estado”, ou pode definir-se no sentido da separação do Estado e da
Religião. O padrão da separação, por sua vez, pode ser relativo, quando se
confere tratamento privilegiado a determinada religião, ou absoluto, quando se
prima pela igualdade das confissões religiosas perante a lei. Miranda esclarece
que o Estado laico, em quaisquer de suas manifestações, não representa oposi-
ção à Religião. Esta oposição configura modelo diverso de organização jurídi-
ca, denominado “Estado laicista”, quando se trata de uma oposição relativa, ou
“Estado ateu”, quando se extirpa qualquer nível de participação do pensa-
mento religioso nas plataformas legislativas e políticas públicas562.
Uma vez assentadas as características do Estado laico, pressuposto
da fundamentalidade do direito à liberdade de consciência e de crença, é
necessário trazer a lume o significado do processo de secularização das socie-
dades democráticas, sem o qual não se conceberia a ideia de “aconfessiona-
lidade ou laicidade” do Estado. A secularização é um processo sociológico,
que desencadeou a premência da institucionalização política do Estado laico,
em substituição ao Estado confessional563. A expansão do secularismo de-
562
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1993. t.
IV, p. 355-6. No mesmo sentido, CUNHA, Luiz Antônio; OLIVA, Carlos Eduardo. Sete
teses equivocadas sobre o estado laico. In: Ministério Público: em defesa do estado laico:
coletânea de artigos. Brasília: Conselho Nacional do Ministério Público, 2014. v. I,
p. 207-8; SOUZA, Josias Jacintho de. Separação entre religião e estado no Brasil: uto-
pia constitucional? Tese de doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica –
PUC/SP, 2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/downloadtexto/cp09
0612.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2015. p. 137 e 139; TAVARES, André Ramos. Religião e
neutralidade do estado. In: MAZZUOLI, Valério de O.; SORIANO A. G. (Coords.). Di-
reito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o Século 21. Belo Horizonte: Fó-
rum, 2009. p. 58. Na esfera internacional, para um aprofundamento acerca dos distintos
modelos de laicidade, especialmente, as vertentes francesa e estadunidense, consulte-se
LACERDA, Gustavo Biscaia de. Sobre as relações entre Igreja e Estado: conceituando a
laicidade. In: MINISTÉRIO PÚBLICO. Em defesa do estado laico: coletânea de artigos.
Brasília: Conselho Nacional do Ministério Público, 2014. v. 1, p. 189-191; e, particular-
mente, sobre o modelo mexicano de Estado laico, consulte-se BLANCARTE, Roberto. O
porquê de um estado laico. In: LOREA, Roberto Arriada (Org.). Em defesa das liberda-
des laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 21-25.
563
HUACO, Marco. A laicidade como princípio constitucional do estado de direito. In:
LOREA, Roberto Arriada (Org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livra-
ria do Advogado, 2008. p. 39 e 47. Ver, também, LACERDA, Gustavo Biscaia de. Sobre
292 Teresinha Inês Teles Pires
568
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 36. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013. p. 243-4 e 250-1; e Comentário contextual à Constituição. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 93-4. No mesmo sentido, TAVARES, André Ramos. Religião
e neutralidade do estado. In: MAZZUOLI, Valério de O.; SORIANO A. G. (Coords.). Di-
reito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o Século 21. Belo Horizonte: Fó-
rum. 2009. p. 55 e nota 7; MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada
e legislação constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 150-1; BASTOS, Celso Ri-
beiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
05.10.1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 2, p. 52-4; MAGALHÃES, José Luiz
Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. t. I, p. 124-
130; MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. t. V, p. 109 e 116. Sobre a evolução normativa do
conceito de liberdade religiosa no Brasil, desde a Constituição de 1824 até a de 1969, e
sua consagração plena na Constituição de 1988, ver MARTINS, Humberto. Liberdade re-
ligiosa e estado democrático de direito. In: MAZZUOLI, Valério de O.; SORIANO A. G.
(Coords.). Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o Século 21. Belo
Horizonte: Fórum, 2009. p. 102-9; SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Religião e racismo: a
Constituição e o Supremo Tribunal Federal. In: MAZZUOLI, Valério de O.; SORIANO
A. G. (Coords.). Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o Século 21.
Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 330-2; COSTA, Maria Emília Corrêa da. Apontamentos
sobre a liberdade religiosa e a formação do estado laico. In: LOREA, Roberto Arriada
(Org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
p. 108-111.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 295
quer dizer que a primeira não possa ser interpretada como a gênese cate-
gorial da segunda. A liberdade de pensamento possui função diferencia-
da, razão pela qual está disposta em outro inciso do art. 5º, cuja intenção
é assegurar diretamente a livre expressão do pensamento. Por óbvio, a
liberdade de consciência se aproxima, conceitualmente, da liberdade de
pensamento, mas dela se distingue por conter um componente ético, mo-
ral e político. Ao colocar em um dispositivo separado a liberdade de
consciência e de crença, o constituinte brasileiro quis proteger o direito à
autonomia moral individual, e não o direito de expressão, contra imposi-
ções de valores morais ou religiosos por parte do Estado, materializadas
no conteúdo das leis e das políticas públicas. Trata-se efetivamente de um
âmbito interno do pensamento, mas diz respeito a uma modalidade parti-
cular de pensamento referida à formação independente de juízos éticos
que se compatibilizem com a ordem institucional 569.
É digno de nota que a Constituição de 1988 não consagrou expres-
samente o termo “liberdade religiosa”, estando ele incorporado à noção de
liberdade de crença. Além disso, falar em liberdade religiosa é também falar
em liberdade de consciência, na medida em que as duas categorias interagem
entre si, sob a raiz da primeira, pressupondo-se que a palavra religião tem
um significado extenso por dizer respeito a tudo o que se situa no universo
espiritual do “sagrado”, vinculando-se ou não à ideia do divino ou da exis-
tência de um Ser supremo570. Tal perfil conceitual permite postular que a
liberdade religiosa, veiculada pelo art. 5º, inc. VI, da Constituição, tem por
propósito o acolhimento da “maior inclusividade possível”, em assuntos
569
No Brasil, WEINGARTNER, Jaime Neto. Liberdade religiosa na Constituição: funda-
mentalismo, pluralismo, crenças, cultos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 63,
79-81 e 91, filia-se igualmente à doutrina portuguesa no sentido de considerar a liberdade
de consciência como fonte matricial da liberdade religiosa. Acentua o autor que a liberda-
de de consciência é o princípio constitucional de maior extensão, em matéria de autono-
mia ética, por incluir o direito de não ter religião alguma, ou seja, o agnosticismo e o ate-
ísmo.
570
Como afirmado por SOUZA, Josias Jacintho de. Separação entre religião e estado no
Brasil: utopia constitucional? Tese de doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Ca-
tólica – PUC/SP, 2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/
texto/cp090612.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2015, p. 255, a expressão “liberdade religiosa”,
mesmo não estando explicitamente referida no art. 5º, incs. VI e VIII, da Constituição, in-
tegra implicitamente o conteúdo subjetivo assegurado por estas cláusulas. Para FERREI-
RA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São
Paulo: Saraiva, 1997. v. 1, p. 31-2, a “liberdade de consciência é a liberdade do foro ín-
timo, em questão não religiosa. A liberdade de crença é também a liberdade do foro ínti-
mo, mas voltada para a religião”. Sendo assim, “crença significa”, na nossa Constituição,
“restritamente convicção religiosa”.
296 Teresinha Inês Teles Pires
576
Para se compreender, com maior profundidade, os elementos conceituais que definem a
expressão “pós-secularismo”, marcadamente gestada a partir do final do século XX, con-
fira-se DINIZ, Geilza Fátima Cavalcanti. Direitos humanos e liberdade religiosa: os
domínios recalcitrantes do direito internacional: as tensões entre as diversidades religiosas
e o processo de internacionalização dos direitos humanos. Brasília: Senado Federal, 2014.
v. 205, p. 17-24 e p. 95-101; WEINGARTNER, Jaime Neto. Liberdade religiosa na
Constituição: fundamentalismo, pluralismo, crenças, cultos. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. p. 38-41.
577
MACHADO, Jónatas E. M. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o
teísmo e o (neo) ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 28-30, 38 e 124.
578
Consulte-se a obra citada na nota supra. p. 126-9, onde Machado faz uma crítica explícita
ao modelo de Rawls, arguindo que o igual reconhecimento das doutrinas religiosas, com
base em razões públicas, privilegia as concepções seculares, deixando de fora da ideia de
razoabilidade os valores religiosos passíveis de aceitação universal. Não se pode concor-
dar com isto, pois Rawls não elimina do espaço público a participação das doutrinas reli-
giosas, mas antes as equipara às demais, sob o prisma do igual respeito a todas as concep-
ções de bem que sejam compatíveis com o sistema de justiça.
300 Teresinha Inês Teles Pires
585
Ver BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito
constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 312-316; SORIANO, Aldir G. O direi-
to à liberdade religiosa sob a perspectiva da democracia liberal. In: MAZZUOLI, Valério
de O.; SORIANO, A. G. (Coords.). Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas
para o Século 21. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 193-199.
586
Em sentido contrário, CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasi-
leira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. v. II, p. 210 e ss. (apud SOU-
ZA, Josias Jacintho de. Separação entre religião e estado no Brasil: utopia constitucio-
nal? Tese de doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, 2009.
Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ cp090612.pdf>.
Acesso em: 05 mar. 2015. p. 264-5). No entendimento de Cretella Júnior, a liberdade de
consciência não exige proteção jurídica, e o constituinte, ao estabelecer esta proteção (art.
5º, inc. VI), confundiu consciência “com projeção da consciência no mundo externo”. O
esforço empreendido na presente obra, é demonstrar, pela análise do caso do aborto, a im-
portância da tutela da liberdade de consciência nos assuntos sensíveis à opinião religiosa.
Os argumentos já tecidos na segunda parte (capítulo 4), e os que serão apresentados na
próxima seção, tentam evidenciar o acerto da tese de Dworkin, no sentido de que o caráter
fundamental do direito ao aborto é passível de reconhecimento através da aplicação das
cláusulas da liberdade religiosa.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 303
587
CAVALCANTE, Alcilene; BUGLIONE, Samantha. Pluralidade de vozes em democracias
laicas: o desafio da alteridade. In: MAIA, Mônica Bara (Org.). Direito de decidir: múlti-
plos olhares sobre o aborto. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 112.
588
SOUZA, Josias Jacintho de. Separação entre religião e estado no Brasil: utopia consti-
tucional? Tese de doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP,
2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp090612.
pdf>. Acesso em: 05 mar. 2015. p. 264.
589
TAVARES, André Ramos. Religião e neutralidade do estado. In: MAZZUOLI, Valério
de O.; SORIANO, A. G. (Coords.). Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas
para o Século 21. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 60 e 65.
304 Teresinha Inês Teles Pires
590
HUACO, Marco. A laicidade como princípio constitucional do estado de direito. In:
LOREA, Roberto Arriada (Org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livra-
ria do Advogado, 2008. p. 44-5.
591
SOUZA, Josias Jacintho de. Separação entre religião e estado no Brasil: utopia consti-
tucional? Tese de doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP,
2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
cp090612.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2015. p. 252-3.
592
DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana. Educação e laicidade. In: DINIZ, Débora; LIONÇO,
Tatiana; CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: Unesco,
Letras Livres, 2010. p. 25. Vale transcrever, ainda, as palavras de TAVARES, André Ra-
mos. Religião e neutralidade do estado. In: MAZZUOLI, Valério de O.; SORIANO A. G.
(Coords.). Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o Século 21. Belo
Horizonte: Fórum, 2009. p. 57: “[…] embora a neutralidade do Estado não seja essencial
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 305
596
MARTINS, Humberto. Liberdade religiosa e estado democrático de direito. In: MAZ-
ZUOLI, Valério de O.; SORIANO A. G. (Coords.). Direito à liberdade religiosa: desafios
e perspectivas para o Século 21. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 100.
597
Conforme SOUZA, Josias Jacintho de. Separação entre religião e estado no Brasil:
utopia constitucional? Tese de doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica –
PUC/SP, 2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
cp090612.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2015. p. 142-3, no Brasil as confissões religiosas ca-
tólicas e pentecostais possuem seus próprios partidos políticos: o Partido Social Cristão
(PSC), o Partido Trabalhista Cristão (PTC) e o Partido Social Democrata Cristão (PSDC).
De outro lado, e defendendo as mesmas visões dogmáticas do catolicismo oficial em di-
versos assuntos sensíveis, como o aborto e a união familiar homossexual, está o Partido
Republicano Brasileiro (PRB), fundado por integrantes da Igreja Universal do Reino de
Deus, atualmente um dos que apresenta maior representação na Câmara dos Deputados. É
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 307
604
CAVALCANTE, Alcilene; BUGLIONE, Samantha. Pluralidade de vozes em democraci-
as laicas: o desafio da alteridade. In: MAIA, Mônica Bara (Org.). Direito de decidir:
múltiplos olhares sobre o aborto. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 119-121.
605
OMMATI, José Emílio Medauar. O direito fundamental ao aborto no ordenamento jurídi-
co brasileiro. In: FABRIZ, Daury Cesar et al. O tempo e os direitos humanos. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 558-9.
606
No Brasil, BOFF, Leonardo. Entrevista. In: CAVALCANTE, Alcilene; XAVIER, Dulce
(Orgs.). Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito
de Decidir, 2006. p. 20, expressa uma opinião correta sobre o tema do aborto, em uma
abordagem que se conforma à tese de Dworkin, com as seguintes palavras: “Ademais, de-
vemos entender a vida humana processualmente. Ela nunca está pronta. Lentamente, ela
vai desenrolando o código genético que conhece várias fases até que o ser concebido
possa ter relativa autonomia. […] Todo esse processo é humano. Mas ele pode ser inter-
rompido numa das fases, quando não chegou ainda a sua relativa autonomia. Isso quer
dizer que houve a interrupção de um processo que tendia à plenitude humana, mas que
não foi alcançada. Nesse quadro pode ser situado o aborto. Devemos proteger o máximo
possível o processo, mas devemos também entender que ele pode ser interrompido por
múltiplas razões, uma delas pela determinação humana. Ela não é isenta de responsabili-
dade ética. Mas essa responsabilidade deve atender ao caráter processual da constitui-
ção da vida. Não é uma agressão ao ser humano, mas ao processo que tendia constituir
um ser humano”.
312 Teresinha Inês Teles Pires
609
Esclareça-se que tal proposta leva em conta as barreiras práticas ao avanço do assunto nas
instâncias competentes, eis que mesmo o Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar temas
sensíveis, utiliza, muitas vezes em larga escala, o ponto de vista da moralidade pública,
conferindo cuidadosa atenção à opinião politicamente prevalente, em sentido majoritário.
Sendo assim, propor a legalização do aborto voluntário, nos parâmetros defendidos por
314 Teresinha Inês Teles Pires
Dworkin, certamente, não teria nenhum eco, em vista do efetivo alcance de um resultado
favorável à ampliação da autonomia procriativa das mulheres.
610
RAWLS, John. Political liberalism. Expanded Edition. New York: Columbia University
Press. 2005. p. 243-4, nota 32.
611
Art. 5º (1): “Toda pessoa tem o direito ao respeito à sua integridade física, mental e mo-
ral” (“Every person has the right to have his physical, mental e moral integrity respec-
ted”); Art. 12 (1): “Todas as pessoas têm o direito à liberdade de consciência e de reli-
gião” (―Everyone has the right to freedom of conscience and of religion‖). PIOVESAN,
Flávia. Direitos sexuais e reprodutivos: aborto inseguro como violação dos direitos huma-
nos. In: SARMENTO Daniel; PIOVESAN, Flávia. Nos limites da vida: aborto, clonagem
humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007. p. 66, acentua que o Código Penal de 1940, ao punir o aborto, não reflete as aspira-
ções das mulheres, no que se refere à sua autonomia moral, e viola os direitos sexuais e
reprodutivos declarados pelo direito internacional.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 315
nos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006. p. 199-200, somente no século
XIX a Igreja Católica “declarou que a alma era parte do feto desde a sua concepção”,
não se tratando a questão, portanto, de um dogma religioso. O problema é que a partir daí
se passou a considerar, como algo inerente aos preceitos divinos, a tese de que o aborto é
um pecado punido, internamente, com a medida mais drástica, a excomunhão. Ver, tam-
bém, no mesmo sentido, KARAM, Maria Lúcia. Proibições, crenças e liberdade: o direito
à vida, a eutanásia e o aborto. In: Escritos sobre a liberdade. Rio de Janeiro: Lumen Ju-
ris, 2009. v. 2, p. 30; NUNES, Maria José Rosado. Aborto, maternidade e a dignidade da
vida das mulheres. In: CAVALCANTE, Alcilene; XAVIER, Dulce (Orgs.). Em defesa
da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006. p.
23-30; e FAÚNDES, Aníbal; BARZELATTO, José. O drama do aborto: em busca de
um consenso. São Paulo: Komedi, 2004. p. 129-136.
619
KARAM, Maria Lúcia. Proibições, crenças e liberdade: o direito à vida, a eutanásia e o
aborto. In: Escritos sobre a liberdade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. v. 2, p. 9-10,
13, 16 e 40-1; no mesmo sentido, MARTINELLI, João Paulo Orsini. Os crimes contra o
sentimento religioso e o direito penal contemporâneo. In: MAZZUOLI, Valério de Olivei-
ra; SORIANO, Aldir Guedes (Coords.). Direito à liberdade religiosa: desafios e perspec-
tivas para o Século XXI. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 77.
318 Teresinha Inês Teles Pires
configurações de cada época. Se a moral pública não pode ser definida por
uma “hierarquia” religiosa, os legisladores, mesmo contando com o apoio
eleitoral das doutrinas majoritárias e possuindo suas crenças pessoais, devem
primar seus veredictos pelo respeito aos direitos civis. A razão mais óbvia
para incluir o tema do aborto, e outros direitos reprodutivos, na definição do
significado substancial da laicidade advém da ligação entre a liberdade de
consciência e o pluralismo das crenças pessoais e da evidência da existência
de múltiplas visões morais sobre a interrupção do desenvolvimento da vida
pré-natal incipiente620.
A proteção da consciência individual, em relação à prática do abor-
to, conduz o intérprete a considerar, conjuntamente, a dimensão dos direitos
humanos e os princípios centrais da teoria da justiça. Os aplicadores do direi-
to, não somente os legisladores, devem estar atentos à promoção do bem
comum e não ao julgamento moral da decisão da mulher que opta por inter-
romper sua gestação. Neste sentido, as leis que restringem, excessivamente,
a prática do aborto violam o princípio da justiça “desde a perspectiva da
liberdade religiosa”621.
Como já se mencionou, a norma contida no art. 5º, inc. VIII, pri-
meira parte, da Constituição, diz textualmente que “ninguém será privado de
direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou políti-
ca”. Tal norma mostra que o “fenômeno religioso” não recebe amparo privi-
legiado em relação às doutrinas humanistas e materialistas, e que o signifi-
cado da liberdade religiosa está remetido à proteção dos interesses das mino-
rias, inclusive, seus direitos de defesa contra atos do legislador majoritá-
rio622. A potencialidade do critério majoritário para gerar fatores de discrimi-
620
BLANCARTE, Roberto. O porquê de um estado laico. In: LOREA, Roberto Arriada
(Org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.
26-7 e 30. Ver, também, PIOVESAN, Flávia. Direitos sexuais e reprodutivos: aborto in-
seguro como violação dos direitos humanos. In: SARMENTO Daniel; PIOVESAN, Flá-
via. Nos limites da vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos di-
reitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 67; e HUACO, Marco. A laicidade
como princípio constitucional do estado de direito. In: LOREA, Roberto Arriada (Org.).
Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 41 e 46.
O último autor, ora citado, destaca que é inegável a transgressão à igualdade perante a lei
em qualquer circunstância na qual os direitos reprodutivos são excluídos porque o Estado
apoderou-se de “certos pressupostos confessionais no momento de legislá-los, no lugar de
orientar-se pela doutrina dos direitos humanos”.
621
FAÚNDES, Aníbal; BARZELATTO, José. O drama do aborto: em busca de um con-
senso. São Paulo: Komedi, 2004. p. 170 e 178.
622
WEINGARTNER, Jaime Neto. Liberdade religiosa na Constituição: fundamentalismo,
pluralismo, crenças, cultos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 103 e 164.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 319
626
SARMENTO, Daniel; PIOVESAN, Flávia. Nos limites da vida: aborto, clonagem huma-
na e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
Apresentação, VII-VIII.
627
CUNHA, Luiz Antônio; OLIVA, Carlos Eduardo. Sete teses equivocadas sobre o estado
laico, 2014. p. 209.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 321
Capítulo 7
Federal derrubou a tese que afirma ser o valor intrínseco da vida justificativa
suficiente para a proteção da vida embrionária, sustentando, expressamente,
que, à luz da Constituição, o direito à vida não se estende à vida pré-natal.
Os votos majoritários partiram do entendimento de que a questão central a
ser analisada consistia na definição dos aspectos protegidos da vida humana,
considerada em si mesma. Nesta perspectiva, os juízes declararam que a
escolha dos genitores no sentido de autorizar o uso dos seus embriões conge-
lados, para fins terapêuticos, não viola o princípio da dignidade. Com base
em tal compreensão, a decisão construiu um conteúdo significativo para o
direito ao planejamento familiar, acolhendo a aplicabilidade de diversos
aspectos do princípio da liberdade à esfera da autonomia procriativa, desta-
cando-se, dentre eles, a liberdade decisória, em relação ao projeto reproduti-
vo, e a liberdade de consciência e de crença, em relação ao valor moral da
vida potencial.
A importância do estudo minucioso dos votos dos ministros, na
ação em referência, não se restringe ao seu substrato material. Também, no
que concerne à metodologia interpretativa utilizada, há muito o que se ana-
lisar, em reforço às sugestões avançadas na presente obra. Ver-se-á que a
maioria dos julgadores aplicou, de forma direta, o significado de determi-
nados princípios fundamentais para declarar quais os direitos em questão
estavam protegidos pela Constituição, e quais os que não possuíam o mes-
mo estatuto. Pronunciou-se, no julgamento, a inexistência de colisão de
direitos, portanto, a desnecessidade do recurso ao princípio da proporcio-
nalidade e às técnicas complementares, como, por exemplo, a da interpre-
tação conforme a Constituição. Assim, a argumentação dos juízes seguiu as
estratégias delineadas nas teorias de Dworkin e de Rawls, calcadas na bus-
ca de um padrão adequado de interpretação para a dicção de uma decisão
correta, padrão este caracterizado, ainda, pela perspectiva da razoabilidade
das concepções do bem moral.
Diante de tal diretiva substancialista, focada na imperatividade dos
direitos materiais, inevitável se mostra a reflexão sobre a aplicação das con-
clusões obtidas no caso da ADIn 3510 ao tema do aborto, no que diz respeito
à dignidade da vida pré-natal, aos direitos de liberdade, em sentido ético e
moral, e à igual proteção perante a lei. É preciso aperfeiçoar, particularmen-
te, os requisitos do direito ao planejamento familiar em sua conexão à liber-
dade de consciência e, supondo-se a legitimidade de uma redução criteriosa
da obrigação política para com os interesses da vida potencial, enfrentar a
problemática do estatuto jurídico do embrião intrauterino. O Supremo Tri-
bunal pacificou, na ADIn 3510, a tese de que a fertilização do óvulo não fixa
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 325
o ponto inicial da tutela da vida humana. Com isto, não há mais como deixar
sem resposta a demanda pelo reconhecimento do direito ao aborto por meio
de uma regra que especifique um contorno coerente para o exercício dos
direitos da gestante e para a preservação dos interesses do nascituro.
631
Ibidem, Antônio Carlos Campos de Carvalho, ADIn 3510, Audiência Pública, 20.04.2007,
fls. 1108, 1111 e 1114. No mesmo sentido, direcionou-se a posição de vários outros pro-
fissionais da medicina genética, que se manifestaram na Audiência. Destaque-se, dentre
eles, Mayana Zatz, ADIn 3510, fls. 917-19 e 921-22, que explica serem as células-tronco
embrionárias muito importantes no controle dos processos de degeneração muscular, e
que as células adultas não funcionam no trato destas doenças, bem como no trato das do-
enças genéticas, pois, no segundo caso, todas têm a mesma mutação. Além disto, pondera
que a pesquisa com células embrionárias permitirá o aperfeiçoamento da própria potencia-
lidade terapêutica das células adultas. Rosalia Mendes Otero, ADIn 3510, fl. 950, acres-
centa que as células embrionárias são as únicas capazes de gerar neurônios com perspec-
tiva de cura de doenças específicas, como Parkinson etc. sendo que a criação de neurô-
nios, através de tal técnica, já está sendo efetivada nos laboratórios de vários países do
mundo. Lygia Pereira, ADIn 3510, fls. 1081 e 1083, chama atenção para o fato de que a
pesquisa com as células embrionárias tornará possível o aprendizado futuro, no tocante ao
controle de sua diferenciação, a fim de produzir, exatamente, os tecidos necessários à
aplicação clínica em cada paciente. A pesquisa tornará possível, ainda, um conhecimento
ampliado sobre as etapas da evolução da vida embrionária, como, por exemplo, a forma-
ção do sistema nervoso. A superioridade terapêutica das células-tronco embrionárias, em
relação às adultas, foi igualmente enfatizada pelo representante da Advocacia Geral da
União e pelo representante da Advocacia Geral do Senado (ADIn 3510, fls. 85-7 e fl.
243), nas informações que prestaram nos autos. A despeito de tais evidências, uma mino-
ria de estudiosos emitiu, na Audiência Pública acima citada, opinião divergente, arguindo
que não há certeza quanto ao resultado positivo do uso terapêutico de células embrioná-
rias. Estes estudiosos defendem que as pesquisas com células adultas são promissoras e
que as embrionárias podem ser rejeitadas pelo organismo humano ou gerar tumores (con-
forme ADIn 3510, Alice Teixeira Ferreira, fls. 990-991; Marcelo Vaccari, fls. 1003 e
1007; e Herbert Praxedes, fls. 1055-7).
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 327
632
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014. O
Ministro LEWANDOWISKI apresenta, em seu voto, na ADIn 3510, fls. 1547-1548, um
bom relato sobre todas essas correntes do pensamento científico. Ver, também, DEL-
MANTO, Celso; DELMANTO Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO,
Fábio M. de Almeida. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 468.
Esclareça-se que os 14 dias da concepção representam o momento em que o embrião não
pode mais se dividir, dando origem a múltiplos embriões, bem como não pode mais se
unir a outro embrião, formando uma única vida biológica. Ou seja, tal marco representa o
momento a partir do qual se caracteriza a unicidade do código genético. Em relação ao
início da formação do sistema nervoso, considera-se que ocorra quando o embrião com-
pleta 8 semanas, etapa em que adquire forma humana; o córtex cerebral somente é intei-
ramente formado entre 22 a 25 semanas de vida pré-natal, quando se inicia a atividade ce-
rebral intelectual.
633
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Op. cit. Antônio José Eça, ADIn 3510, fls. 1013-1014.
634
Ibidem, Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello, ADIn 3510, fls. 1104-1105. O pesquisa-
dor faz referência à Resolução 33 da ANVISA (RDC 33 de 17.02.2006), que regulamenta
o funcionamento dos bancos de células e tecidos germinativos. Nos termos da Resolução,
as primeiras células que darão origem ao sistema nervoso surgem no estágio dos 14 dias
contados da fecundação do óvulo.
328 Teresinha Inês Teles Pires
635
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014. Eli-
zabeth Kipman Cerqueira, ADIn 3510, fls. 1020-1021 e 1036; e Rodolfo Acatuassú Nu-
nes, ADIn 3510, fl. 1040. Segundo ALONSO, Félix Ruiz. A inviolabilidade da vida. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Direito fundamental à vida. São Paulo:
Quartier Latin, 2005. p. 402, 404 e 412, o argumento da “totipotencialidade” do zigoto é
uma evidência de que a vida, no aspecto da individualidade genética, começou no mo-
mento da fecundação, entendendo-se esta como sendo o estágio compreendido entre a
“entrada do espermatozoide no óvulo” e “a formação do núcleo do zigoto”. Somente o zi-
goto é capaz de impulsionar o desenvolvimento biológico até o nascimento da pessoa. As
células subsequentes, sendo apenas pluripotentes, dão origem aos componentes dos distin-
tos tecidos do organismo humano, mas aquela primeira célula germinal, o zigoto, nunca
mais se repetirá, sendo, portanto, em tal visão, a marca do início da inviolabilidade da vi-
da. A favor da inviolabilidade absoluta da vida nascitura, na área da pesquisa bioética,
ver, também, SERRÃO, Daniel. Médicos, família e abortamento. In: MINAHIM, Maria
Auxiliadora et al (Coord.). Meio ambiente, direito e biotecnologia: estudos em homena-
gem ao Prof. Paulo Affonso Leme Machado. Curitiba: Juruá, 2010. p. 179-187.
636
COUTINHO, Francisco Ângelo; MAIA, Mônica Bara; SILVA, Fábio Augusto Rodrigues.
A polissemia do conceito vida. In: MAIA, Mônica Bara (Org.). Direito de decidir: múlti-
plos olhares sobre o aborto. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 9-10 e 17-18.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 329
moral que deve ser atribuída à vida do embrião. Tal referencial analítico
poderia ter levado a Corte, em princípio, a enfrentar a problemática que con-
torna a demanda por um estatuto do nascituro, construindo uma posição ju-
risprudencial que pacificasse os aspectos legais do tema, com a eliminação
de interferências conceituais de natureza metafísica ou religiosa639. A discus-
são não evoluiu, todavia, a este nível, mantendo-se o foco, exclusivamente,
nos eventuais direitos e interesses do embrião em estágio anterior ao proces-
so gestacional. Nem por isto, a abordagem dos elementos morais inerentes à
importância da vida, considerada em si mesma, margearam o envolvimento
da liberdade religiosa.
Com a mesma preocupação, Flávia Piovesan lembrou o paradigma
democrático do Estado laico, que impede a adoção pública da moral prescri-
ta, em particular, por qualquer religião. Aqui foi destacada a liberdade do
casal de escolher suas próprias convicções religiosas no que diz respeito ao
destino dos seus embriões excedentários640. O Procurador Geral rebateu tal
posição, afirmando que o tema abordado na ADIn não tem natureza religio-
sa, não sendo, portanto, o caso de apelar ao princípio da laicidade. Enfatizou
que os argumentos apresentados na formulação do seu pedido foram todos
científicos e se fundamentaram na tese de que a vida é inviolável desde o
momento da concepção641.
As prescrições estabelecidas no art. 5º da Lei 11.105/2005 conduzi-
ram, ainda, à análise de um último aspecto conceitual do conhecimento cien-
tífico: o da caracterização de um embrião como sendo inviável. O Ministro
Menezes Direito, em seu voto dissidente, sustentou que o embrião inviável,
em tese, é aquele inapto do ponto de vista do processo reprodutivo, ou cuja
639
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014.
Débora Diniz, ADIn 3510, Audiência, fls. 1121 e 1124.
640
Ibidem, Flávia Piovesan, ADIn 3510, Audiência, fls. 203 e 215. A garantia da escolha
ética individual relativa ao valor intrínseco da vida foi veiculada também por Luís Rober-
to Barroso, ADIn 3510, fls. 394 e 396, ao manifestar-se nos autos em nome do “Movi-
mento em Prol da Vida”, na qualidade de Amicus Curiae. O então advogado salientou que
o Congresso Nacional assegurou, por meio da Lei 11.105/2005, o direito de cada pessoa
de valorar livremente a importância da vida do embrião, ao menos em se tratando de em-
briões congelados, frutos dos processos de fertilização in vitro. Para Barroso, dizer o con-
trário pressuporia, forçosamente, uma motivação religiosa, segundo a qual a vida começa
na concepção. Veja-se que Barroso defende a ideia de que a tese do início da vida na fe-
cundação do óvulo, se transposta para a esfera jurídica, adquire conotação religiosa, en-
tendimento este capitaneado por Ronald Dworkin. Ver-se-á, adiante, que o mesmo argu-
mento será incorporado aos fundamentos da decisão proferida na ADIn 3510, através dos
votos majoritários dos Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello.
641
Ibidem, Cláudio Fonteles, ADIn 3510, fls. 370 e 373.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 331
645
Ibidem. Luis Roberto Barroso, ADIn 3510, Movimento em Prol da Vida (MOVITAE),
Amicus Curiae, fls. 397-9.
646
Nas palavras de Ives Gandra: “O argumento de que a Constituição apenas garante a vida
da pessoa nascida – não do nascituro – e que sequer se poderia cogitar de ‗ser humano‘,
antes do nascimento, é, no mínimo curioso: retira do homem a garantia constitucional do
direito à vida até um minuto antes de nascer, e assegura a inviolabilidade desse direito, a
partir do instante do nascimento” (conforme documento anexado aos autos da ADIn
3510, em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, fl. 1232). Sobre a
opinião do autor, frontalmente contrária à constitucionalidade da Lei de Biossegurança,
ver, também, seu ensaio O direito do ser humano à vida. In: MARTINS, Ives Gandra da
Silva (Coord.). Direito fundamental à vida. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 33-4.
647
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014.
Menezes Direito, ADI 3510, fl. 1443.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 333
direito e biotecnologia: estudos em homenagem ao Prof. Dr. Paulo Affonso Leme Ma-
chado. Curitiba: Juruá, 2010. p. 295-6.
651
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014.
Ayres Britto, ADIn 3510, fls. 1328-31.
652
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014.
Ayres Britto, ADIn 3510, fl. 1331.
653
Ibidem, Cármem Lúcia, ADIn 3510, fl. 1501.
654
Ibidem, Eros Grau, ADIn 3510, fls. 1606-1608.
655
Ibidem, Movimento em Prol da Vida (MOVITAE), ADIn 3510, Amicus Curiae, fls. 383-
408.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 335
gura uma convenção, por não estar incorporada à Constituição, nem explí-
cita nem implicitamente664.
664
Ibidem, Marco Aurélio, ADIn 3510, fl. 1692.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 339
aplica ao caso, o que somente teria sentido se existissem dois direitos confli-
tantes, em uma situação na qual a garantia de um deles conduzisse à restri-
ção do outro. A esfera da independência ética, no que se refere ao valor do
embrião congelado, envolve o juízo sobre a sacralidade da vida, não sendo
necessário nenhum tipo de monitoramento por parte do Estado com o intuito
de submeter as decisões dos genitores a padrões públicos de avaliação ética e
moral da aceitabilidade de suas convicções pessoais.
O Ministro Ayres Britto utilizou, expressamente, como fio condu-
tor do seu raciocínio, o pensamento de Dworkin, exposto na obra O Domí-
nio da Vida, para concluir que “o direito protege de modo variado cada eta-
pa do desenvolvimento biológico do ser humano”. A fim de delimitar a ex-
tensão de tal tutela, de acordo com o estágio evolutivo da vida pré-natal,
Ayres Britto partiu da natureza elástica do princípio da dignidade, cujo con-
teúdo pode aplicar-se ao embrião ou feto, em determinadas circunstâncias,
na hipótese de possuírem aptidão para progredir biologicamente até o mo-
mento do nascimento. Existindo esta aptidão, torna-se operacional a remis-
são ao conceito jurídico de nascituro669, justificando que se construam pa-
drões constitucionais de proteção aos seus interesses.
A primeira seta conclusiva de tal entendimento indica que o em-
brião, não sendo pessoa humana, não merece incondicionalmente proteção
constitucional com fundamento no sentido moral do princípio da dignidade.
O embrião produzido in vitro, particularmente, não se enquadra na categoria
do nascituro, pela ausência de sua implantação no útero. Sendo assim, não é
possível assegurar ao embrião congelado o direito à vida, uma vez que ele
não possui, por si mesmo, capacidade de evolução, independentemente do
útero materno670. Reforço importante da regra enunciada pelo ministro rela-
tor encontra-se nas palavras da Ministra Ellen Gracie, que disciplinou em
alto som o ponto controvertido, ao afirmar: “não se pode opor à Lei de Bios-
segurança nem a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) nem a invio-
labilidade da vida”. Ellen Gracie também apoiou a tese de que o embrião in
vitro não é nascituro porque não se pressupõe a probabilidade de que venha a
nascer671.
669
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014.
Ayres Britto, ADIn 3510, fls. 1318 e 1320.
670
É o que se infere das palavras de Ayres Britto, ao confirmar seu voto na ADI 3510, às fls.
1465-1467.
671
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014. El-
len Gracie, ADIn 3510, fls. 1363-1364.
342 Teresinha Inês Teles Pires
681
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014. Jo-
aquim Barbosa, ADIn 3510, fl. 1625.
682
Ibidem, Celso de Mello, ADIn 3510, fls. 1707-1710.
683
Essa diretiva é suportada por Ayres Britto, ADIn 3510, fl. 1743, ao esclarecer, logo após o
voto do Ministro Celso de Mello, o teor geral do seu voto.
684
Ibidem, Lewandowsky, ADIn 3510, fl. 1547.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 347
688
Ibidem, Mayana Zatz, ADIn 3510, Audiência Pública, fls. 923-924.
689
Ibidem, Patrícia Helena Lucas Pranke, ADIn 3510, Ibidem, fl. 929.
690
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014. Eli-
zabeth Kipman Cerqueira, ADIn 3510, ibidem, fls. 1022 e 1025.
691
Ibidem, Rodolfo Acatuassú Nunes, ADIn 3510, ibidem, fls. 1044-1045.
692
No mesmo sentido, a Ministra Cármen Lúcia, ADIn 3510, fl. 1492, declarou que o caso
das células-tronco embrionárias não envolve o aborto, tendo em vista a inexistência do
processo gestacional.
350 Teresinha Inês Teles Pires
706
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn 3510/DF. Relator Ministro Carlos Ayres
Britto. j. em 29.05.2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 ago. 2014.
Marco Aurélio, ADIn 3510, fls. 1698-1699.
358 Teresinha Inês Teles Pires
não desejada. É notório que o desejo de não engravidar não importa na re-
núncia à vida sexual, por isto, não poucas vezes, a mulher fica grávida sem
que o queira, em muitos casos, por falha no método contraceptivo utilizado.
Em tais circunstâncias, não se pode tomar como “inexorável” que a mulher
tenha abdicado de sua liberdade de escolha, em relação à maternidade, “no
momento da prática sexual”710.
Em síntese, a via metodológica para o envolvimento de todos os
significados da liberdade e da igualdade, que se intersectam na esfera da
fundamentação do direito à autonomia procriativa, particularmente da
mulher, está sedimentada nas premissas constitucionais adotadas no jul-
gamento da ADIn 3510. A sustentação de que o direito à vida não prote-
ge, incondicionalmente, o embrião conduz, como um prolongamento na-
tural da investigação constitucional, a uma releitura do tema do aborto, à
luz das categorias da dignidade, do planejamento familiar, do pluralismo
e da independência ética, com a extensão por elas conferida ao conteúdo
da liberdade de decisão e de ação.
Capítulo 8
A DESCRIMINALIZAÇÃO DA
“ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO
PARTO” DE FETO PORTADOR DE
ANENCEFALIA (CASO DA ADPF 54):
APERFEIÇOAMENTO DAS CATEGORIAS
CONCRETIZADAS NA ADIn 3510
719
Ibidem, Roberto Luiz D’Avila, ADPF 54, audiência pública de 28.08.2008, fl. 1150.
720
Ibidem, Jorge Andalaft, fl. 1158.
721
Ibidem, José Aristodemo Pinotti, fls. 1211-1213.
722
Ibidem, Marco Aurélio, fl. 1217.
723
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54/DF. Relator Ministro Marco Aurélio. J.
em 12.04.2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 nov. 2014. Eleonora
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 367
Menecucci de Oliveira, ADPF 54, audiência pública, 16.09.2008, fls. 1376 e 1379; e Tal-
vane Marins de Moraes, fls. 1403-4.
724
Ibidem, pela CNBB, falaram Luiz Antônio Bento, 26.08.2008, fls. 1084-1091, e Paulo
Silveira Martins Leão Júnior, Ibidem, fls. 1095-98; pela Igreja Universal do Reino de
Deus, pronunciou-se Carlos Macedo de Oliveira, Ibidem, fls. 1098-1102.
725
Ibidem, Maria José Fonteles Rosado Nunes, ADPF 54, audiência pública, 26.08.2008, fls.
1119-20. No mesmo sentido, Débora Diniz, idem, audiência pública, 02.08.2008, fls.
1246-7, ponderou que a antecipação terapêutica do parto deve ser compreendida na quali-
dade de um assunto afeto à ética privada de cada pessoa.
726
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54/DF. Relator Ministro Marco Aurélio. j.
em 12.04.2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 nov. 2014. Débora Ma-
cedo Duprat de Britto Pereira, ADPF 54, fl. 1026.
368 Teresinha Inês Teles Pires
727
De acordo com ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 362 e 368-9, a doutrina brasileira, apoiando-se
no modelo da common law, acentua que a consideração de uma decisão judicial como
precedente exige um raciocínio que demonstre a adequabilidade de sua aplicação na “pro-
blematização e fundamentação” de decisões em “casos análogos”. As principais funções
dos precedentes são as seguintes: a) “configura-se como a principal modalidade argu-
mentativa na perspectiva constitucional”; b) é “o principal preceito jurídico que possibili-
ta a solução das controvérsias jurídicas pelas cortes”; c) “funciona como efeito vinculan-
te persuasivo que possibilita a aplicação isonômica e coerente do direito”; d) facilita o
“diálogo nacional/constitucional sobre o significado e alcance da própria Constituição
Federal”; e) “forma e confere clareza para a estrutura constitucional”; f) “possui função
primordial para a formação histórica da nação e da sociedade”; g) “é visto como a forma
de o Judiciário educar a população a respeito do que é e o que significa a Constituição”; h)
“a cadeia de precedentes funciona como instrumento para a formação da própria identida-
de nacional”; i) assegura “a implementação e concretização dos valores constitucionais”.
728
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Op. cit., Cláudio Fonteles, ADPF 54, parecer às fls.
207-218. A questão foi levantada logo após a liminar concedida pelo Ministro Marco Au-
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 369
rélio, no dia 01.07.2004, que, com fundamento no direito à saúde, à liberdade e nos prin-
cípios da legalidade e da dignidade humana, autorizou a interrupção da gestação de feto
anencefálico (ADPF 54, fl. 163). O julgamento de tal questão de ordem resultou na revo-
gação da liminar e no reconhecimento do cabimento do instituto da ADPF, determinando-
-se, portanto, o prosseguimento da ação (ADPF 54, Acórdão, 27.04.2005, fls. 500-1).
729
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54/DF. Relator Ministro Marco Aurélio.
j. em 12.04.2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 nov. 2014. Cézar Pe-
luso, ADPF 54, fls. 417-8; Ellen Gracie, Ibidem, fls. 457-9; e Carlos Veloso, Ibidem,
fl. 476.
730
Ibidem, Ellen Gracie, fl. 470. Confira-se a crítica feita por CHAMON JÚNIOR, Lúcio
Antônio. Teoria da argumentação jurídica: constitucionalismo e democracia em uma
reconstrução das fontes do direito moderno. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p.
193-204, ao voto da Ministra Ellen Gracie, neste particular. O autor explica que a recep-
ção de normas antigas pela Constituição nunca ocorre de forma definitiva e em sua inte-
gralidade. Apreciar o fenômeno da recepção é uma “questão argumentativa” cuja condu-
ção pressupõe a ideia de que o apego ao texto da lei não é absolutamente imperativo
quando se está diante da tarefa de interpretar a Constituição. Ao submeter as normas ao
crivo dos direitos fundamentais, o Supremo Tribunal não atua como legislador positivo,
mas busca antes aplicar os princípios constitucionais da liberdade e da igualdade na pers-
pectiva de definir uma resposta correta para cada caso. Já se teve oportunidade de defen-
der, no Capítulo 6 da obra, esta posição, que segue os passos do método de Dworkin do
alcance de uma decisão correta.
370 Teresinha Inês Teles Pires
744
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54/DF. Relator Ministro Marco Aurélio.
j. em 12.04.2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 nov. 2014. Gilmar
Mendes, ADPF 54, fls. 1744 e 1746-7.
378 Teresinha Inês Teles Pires
754
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54/DF. Relator Ministro Marco Aurélio.
j. em 12.04.2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 nov. 2014. Rosa We-
ber, ADPF 54, fls. 1561 e 1563.
755
Ibidem, Cármen Lúcia, fl. 1667.
384 Teresinha Inês Teles Pires
aborto por vontade da mulher, a mesma metodologia deve ser utilizada. Isto
não quer dizer que o ministro tenha atribuído ao feto não portador de anence-
falia, em quaisquer circunstâncias, o direito constitucional à vida. No entan-
to, está explícito em seus argumentos que o princípio da proporcionalidade
seria igualmente o caminho correto para se julgar, em geral, a legitimidade
da tutela da vida pré-natal.
Permite-se sugerir que a descriminalização do aborto, em confor-
midade com o estágio da gestação, seria possível em duas vias: a primeira
por meio da tese de que a vida do embrião não constitui bem jurídico tutelá-
vel, salvo a partir, por exemplo, do aparecimento das funções neurológicas,
caso em que o princípio da proporcionalidade não seria aplicável; a segun-
da via por meio da sobreposição dos direitos das mulheres, ainda em face
do reconhecimento da importância da vida do embrião, desde a nidação,
por exemplo, e, neste caso, com fundamento no princípio da proporcionali-
dade. Não se vislumbra motivo para não se optar pela primeira via, o que
pode ser consistentemente estabelecido através da utilização do princípio
da razoabilidade, portanto, do devido processo legal substantivo e da liber-
dade de consciência e de crença. As ambivalências conceituais, notada-
mente explicitadas nas considerações dos ministros sobre a técnica da pro-
porcionalidade, bem mostram o maior acerto de se tomar por guia a estraté-
gia que ora se defende.
Com efeito, a Ministra Rosa Weber enfatizou o esquema de análise
apresentado na petição inicial e nas alegações finais da arguição, no sentido
de que o julgamento precisava fundamentar-se em uma das seguintes teses: a
atipicidade do fato, a criação de mais uma excludente de ilicitude, e/ou a
proteção da dignidade, da liberdade, da sáude e dos direitos reprodutivos da
mulher. A ministra posicionou a utilização do princípio da proporcionalidade
na abordagem da terceira tese, ou seja, na definição do conteúdo da dignida-
de e seus requisitos na esfera dos direitos reprodutivos, em sua interação
com o conceito jurídico de vida. Defendendo a independência do Direito em
relação à ciência médica, declarou que o conceito de vida estabelecido no
art. 5º, caput, da Constituição não se estende ao feto anencefálico, razão pela
qual proibir a mulher de decidir livremente interromper a gestação ou não,
em tal hipótese, viola os preceitos da dignidade e da liberdade767.
Observe-se que a ministra refutou a tese de que o feto anencefálico
tem direito à vida e, ao mesmo tempo, defendeu o envolvimento do princípio
767
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54/DF. Relator Ministro Marco Aurélio. j.
em 12.04.2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 nov. 2014. Rosa Weber,
ADPF 54, fls. 1547, 1557-8 e 1563-5.
392 Teresinha Inês Teles Pires
770
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54/DF. Relator Ministro Marco Aurélio.
j. em 12.04.2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 nov. 2014. Joaquim
Barbosa, ADPF 54, fl. 1600.
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 395
771
SILVA, Virgílio Afonso. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798 (2002),
23-50. p. 30-2. Em sentido contrário, ver BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da
proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos
fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2003. p. 103.
396 Teresinha Inês Teles Pires
772
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54/DF. Relator Ministro Marco Aurélio.
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Lúcia, ADPF 54, fls. 1632-4 e 1651.
773
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 54/DF. Relator Ministro Marco Aurélio.
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ADPF 54, fls. 1617-8 e 1621-2.
774
Na visão de DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge/Massachusetts:
Harvard University Press, 1977/1978. p. 40, dizer o contrário importaria no retorno à re-
gra enunciada na doutrina positivista de Hart, segundo a qual para se considerar uma lei
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 397
como sendo válida é suficiente que ela tenha sido estabelecida por uma “instituição com-
petente” para fazê-lo.
398 Teresinha Inês Teles Pires
CONSIDERAÇÕES FINAIS
cada pela presença maciça das bancadas religiosas à frente do debate. Por isto,
a invocação do princípio da independência ética, no caso, tem a função de
apresentar um contraponto à total desconsideração, no cenário político, dos
preceitos constitucionais que delimitam o direito à vida.
A revisão das regras legislativas em questão deve acolher, assim, o ar-
gumento de Dworkin, segundo o qual a importância intrínseca, ou sagrada, da
vida humana, é um assunto afeto à autonomia da consciência. No Brasil, o direito
ao aborto pode ser delineado, como se propôs, com a permissão de sua prática ao
menos até 14 (quatorze) semanas do período gestacional, por tratar-se de tempo
suficiente para que a mulher tome sua decisão e considerando-se, ainda, que o
feto está longe de alcançar alguma possibilidade de sobrevivência autônoma.
A análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510, que auto-
rizou a utilização científica de células-tronco embrionárias, demonstrou que
o Supremo Tribunal Federal deu início à concretização do direito à vida, em
relação à vida pré-natal, criando uma concepção jurisdicional sobre o assun-
to, que deve conduzir a apreciação da controvérsia em torno do aborto. Em
linhas gerais, a decisão da mencionada Ação rejeitou a tese de que o início
da tutela da vida ocorre no momento da fertilização do óvulo e declarou que,
antes do nascimento com vida, não há como invocar a titularidade de direitos
fundamentais, mas apenas os componentes da dignidade humana. Sustentou-
-se que a dignidade intrínseca da vida não é suficiente para restringir a auto-
nomia procriativa e familiar das pessoas. O julgamento do caso avançou,
igualmente, o envolvimento da cláusula da liberdade de consciência e de
crença na abordagem constitucional do direito ao planejamento reprodutivo,
ou familiar. Outro aspecto importante desta decisão, sob o prisma da argu-
mentação jurídica, reside na não adoção da tese da colisão de direitos e na
não aplicação dos princípios da proporcionalidade e da ponderação.
Em síntese, ao acolher a liberdade de decisão dos genitores, em re-
lação ao destino dos seus embriões congelados, o julgamento da ADIn 3510
propiciou, pela intermediação do direito ao planejamento familiar e da liber-
dade religiosa, importante evolução na busca de um conteúdo constitucional
para a categoria da autonomia procriativa. O Tribunal assumiu a compreen-
são no sentido de que a livre decisão quanto ao ato de procriar é uma especi-
ficação da dignidade humana, não podendo, portanto, estar sob o controle do
Estado, o que configuraria intervenção pública desarrazoada. Como se de-
monstrou, o padrão de análise adotado na solução do caso, sustentado no
método da razoabilidade, reflete naturalmente no debate sobre o aborto, se
conduzido à luz dos preceitos constitucionais. Uma vez pacificado que o
conceito de inviolabilidade da vida não se aplica ao embrião extrauterino,
objeto da Ação em comento, resta enfrentar a problemática do valor da vida
Direito ao Aborto, Democracia e Constituição 405
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432 Teresinha Inês Teles Pires
ÍNDICE ALFABÉTICO
434 Teresinha Inês Teles Pires
Editoração: Acabamento:
Elisabeth Padilha Afonso P. T. Neto
Thamires Santos Anderson A. Marques
Uyhara Zacarias Amora Carlos A. P. Teixeira
Lucia H. Rodrigues
Índices: Luciana de Melo
Emilio Sabatovski Maria José V. Rocha
Iara P. Fontoura Marilene de O. Guimarães
Tania Saiki Nádia Sabatovski
Rosinilda G. Machado
Impressão: Terezinha F. Oliveira
Lucas Fontoura
Marcelo Schwb
Marlisson Cardoso
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