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Resumo
Esta comunicação tem como finalidade divulgar o estágio atual de uma análise da
Klavierstück XI de Karlheinz Stockhausen. Esta análise é fundamentada numa investigação
estatística, investigação esta que tenta representar a obra como um conjunto de transformações
espectrais e/ou temporais de um timbre complexo. Esta abordagem se encontra em conformidade
com a própria definição que o compositor fez da obra: “a Klavierstück XI não é nada mais que um
som, onde os harmônicos, os formantes são organizados de acordo com regras estatísticas”.
Esboçamos para concluir um projeto de ampliação deste trabalho, integrando outras áreas do
conhecimento musical. Este projeto inclui a disponibilização, num site na internet, de uma
ferramenta interativa para a análise e execução da Klavierstück XI.
1.0 Introdução
Esta comunicação1 tem como finalidade mostrar o estágio atual de uma análise da
Klavierstück XI de Karlheinz Stockhausen. Esta análise faz parte da pesquisa PIBIC/CNPq/UFPB
“A Música Germânica para Piano no Séc. XX: Aspectos Formais”, sob a orientação do Prof. Dr.
Didier Guigue, pesquisa esta que integra o projeto intitulado “Validação e Aplicações de uma
Metodologia de Análise Musical Baseada no Conceito de Objeto” (CNPq 523580/96-7),
coordenado pelo mesmo.
A Klavierstück XI é uma obra bem particular do repertório pianístico deste século. Trata-se
de uma obra na forma aberta apresentada em uma página única com a dimensão de 93x53 cm -
uma apresentação por si inusitada2 . Ela contem 19 grupos de variados tamanhos, sendo a execução
destes orientada pelas instruções que se encontram no verso da partitura: “O intérprete se colocará
à frente da partitura sem idéia preconcebida e começará a execução da peça pelo primeiro grupo
que sua visão encontrar; ele decidirá o andamento, (...), o nível dinâmico fundamental e a forma
geral dos ataques segundo os quais os grupos devem ser articulados. Ao fim do primeiro grupo, ele
lerá as indicações de andamento, de intensidade fundamental e de forma de ataque. Em seguida,
sem intenção preconcebida, ele dirigirá sua visão em direção a um outro grupo qualquer e o tocará
de acordo com as três indicações anteriormente lidas, (...) encontrando um mesmo grupo pela
segunda vez, ele deve interpretar o grupo segundo as indicações entre parêntesis, (...) encontrando
um mesmo grupo pela terceira vez uma das possíveis realizações da peça se encontrará acabada3 ”.
Stockhausen certa vez colocou que “a Klavierstück XI não é nada mais que um som, onde os
harmônicos, os formantes são organizados de acordo com regras estatísticas(...)4 ”. É desta
asserção que parte a proposta desta análise: uma investigação estatística da obra que tenta mostrar
1 Fica aqui o meu agradecimento à árdua correção e às várias sugestões do Prof. Dr. Didier Guigue.
2 Goléa relata a impressão do tamanho da partitura sobre os ouvintes quando da primeira execução deste obra [Antoine
GOLEA, Vingt Ans de Musique Contemporaine - de Boulez à l’inconnu, Paris: Slatkine, 1981, pp. 141-142].
3 Helffer em seu artigo sobre a Klavierstück XI [HELFFER 1993, p. 55] trata da obrigatoriedade desta última asserção, a
terceira execução de um grupo. Segundo ele não fica claro se devemos executar um grupo pela terceira vez. Observando
outras gravações notamos que, por vezes, o grupo não é executado nem mesmo uma vez [ vide, por exemplo, a versão
de Henck, in: PIANO ARTissimo Wergo 6221-2 286 221-2].
4 Jonathan COTT, Conversations avec Stockhausen, tradução para o francês J. Drillon, J.-Cl. Lattès, Paris 1979, p 76.
Citado em Claude HELFFER, 1993.
a Klavierstück XI como sendo um timbre complexo que possui várias filtragens espectrais e/ou
temporais.
Por investigação estatística entendemos uma abordagem da obra a partir das dimensões
secundárias, tal como definidas em Berry, Meyer e Guigue 5 , a saber: densidades, timbres,
andamentos, dinâmicas, etc.
Fig. 1: grupo D4
Fig. 2: grupo F1
D4 F1
5 Leonard MEYER, Style and Music, Chicago: The University of Chicago Press, 1989 e W. BERRY, Structural
Functions in Music, New York: Dover, 1987.
6 A segmentação e classificação dos grupos utilizada nesta análise é a realizada por Bœhmer e citada em Claude
HELFFER, 1993. Cada família (A, B, C, etc.) representa a duração do grupo em semínimas: A=3 sem.; B=6 sem.; C=10
sem.; D=15 sem.; E=21 sem.; e F=28 sem. As variantes dos grupos são assinaladas com a letra “b” (p. e., A1-b).
Como podemos perceber, as estruturas acrônicas mostradas na fig. 3 têm como fundamental
lá# e uma estrutura espectral semelhante. Ela é caracterizada por uma densa banda (quase)
contínua de freqüências num âmbito aproximado de 4 oitavas. A principal diferença neste aspecto
é que D4 se situa uma oitava acima de F1, como se os graves deste tivessem sidos filtrados. Estas
semelhanças na estrutura acrônica não impedem que estes dois grupos tenham uma configuração
bastante diferente na superfície (fig. 1 e 2).
Verificamos procedimentos semelhantes em outros grupos, como se pode verificar nos
exemplos abaixo.
Fig. 6: estrutura acrônica de A1-b, seguido da distribuição de suas notas na série harmônica de fá7 .
Através da figura 5 observamos que A1 possui uma estrutura de terças superpostas, que
constituem um filtro do espectro harmônico de fundamental Fá. A1-b complexifica esta estrutura
8 Para uma melhor descrição dos parâmetros utilizados nesta análise vide Didier GUIGUE, 1995, 1997b ou
ainda 1997a. Nesta última fonte encontra-se uma descrição mais detalhada dos parâmetros aqui utilizados.
1,1 Tessitura
1 Registração
,9
,8
,7
,6
,5
,4
,3
,2
,1
0
A1 A2 A3 A4 B1 B2 B3 C1 C2 C3 D1 D2 D3 D4 E1 E2 F1 F2 F3
Fig. 9: gráfico dos parâmetros tessitura relativa e registração.
A curva mostra que quanto maior o grupo em termos de duração, maior é o índice de
registração e de tessitura, isto é, grupos grandes ocupam um amplo espaço assim como os registros
extremos do piano; grupos pequenos possuem uma tessitura pequena e tendem em se concentrar
por volta do registro central. Duas exceções são A3 e F3. A3 é um dos grupos pequenos mas possui
uma tessitura ampla, assim como a registração. Já F3, um dos grupos grandes, apresenta um índice
de registração baixo assim como o de tessitura.
Observemos agora a forma como este espaço é preenchido, através do estudo da densidade
relativa de notas, isto é, o número de notas que o grupo contem, comparado com o máximo
possível que ele poderia conter dentro de seus limites.
1,1
Densidade relativa
1
,9
,8
,7
,6
,5
,4
,3
,2
,1
0
A1 A2 A3 A4 B1 B2 B3 C1 C2 C3 D1 D2 D3 D4 E1 E2 F1 F2 F3
Fig. 10: gráfico do parâmetro densidade relativa de notas.
A curva nos mostra que a densidade dos eventos é proporcional à duração dos grupos, isto é,
quanto maior o grupo maior é sua densidade relativa de notas. Grupos grandes possuem uma alta
densidade de notas enquanto grupos pequenos possuem uma baixa densidade de notas.
2.3 Estrutura temporal dos grupos
,5
,4
,3
,2
,1
0
A1 A2 A3 A4 B1 B2 B3 C1 C2 C3 D1 D2 D3 D4 E1 E2 F1 F2 F3
Observado o gráfico percebemos a presença de grandes contrastes adjacentes (B3, C1, C2,
C3, D1 e D2). Observa-se a presença de grupos com trinados ou tremolos seguidos de grupos sem.
É esta oposição que gera grandes contrastes na estrutura temporal das sonoridades. De uma forma
geral, observamos que quanto maior o grupo menor a densidade relativa de ocupação do tempo.
Lembremos agora como Stockhausen descreveu sua obra: “a Klavierstück XI não é nada mais
que um som, onde os harmônicos, os formantes são organizados de acordo com regras
estatísticas(...)”. Como vimos, podemos analisar a estrutura de certos grupos como sendo o
resultado de transformações espectrais de outros. Talvez ao prosseguir esta análise poderíamos
identificar a estrutura timbral geradora de todos os grupos.
Stockhausen certa vez descreveu sua Klavierstück XI como sendo uma “imensa melodia”.
Através desta análise parcial poderíamos acrescentar que trata-se de uma imensa melodia de
timbres.
Bibliografia
GUIGUE, Didier. Para uma Análise Orientada a Objetos. In: KATER, Carlos (ed.).
Cadernos de Estudos: Análise Musical. São Paulo: Atravez, Vol. 8/9, pp. 47-57, 1995.
_____. Une Étude “pour les Sonorités Opposées” : Pour une analyse orientée objets de
l’œuvre pour piano de Debussy et de la Musique du XXe siècle. Villeneuve d’Ascq: Presses
Universitaires du Septentrion, 1997a.
_____. Sonic Object: A Model for Twentieth-Century Music Analysis. In: LEMAN, Marc
e BERG, Paul (eds.). Journal of New Music Research. Lisse: Swets & Zeitlinger, Vol. 26, Nº 4,
pp. 346-375, 1997b
HARVEY, Jonathan. The Music of Stockhausen. London: Faber & Faber, 1975.
HELFFER, Claude. La Klavierstück XI de Stockhausen. Analyse Musicale, vol. 30, pp. 52-
56, 1993.
MACONIE, Robin. The Works of Stockhausen. Londres: Marion Boyars Inc., 1981.
STOCKHAUSEN, Karlheinz. Momentform: nouvelles corrélations entre durée d’execution,
durée de l’œuvre et moment. Contrechamps. Paris: L’Age d’Homme, vol. 9, pp. 101-120, 1988.
_____. Composition par groupes: Klavierstück I (guide pour l’écoute). Contrechamps.
Paris: L’Age d’Homme, vol. 9, pp. 16-25, 1988.
_____. Klavierstück XI. Viena: Universal Edition, 1956 (UE 12654lw)
Dados biográficos: