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Resumo
As ocupações das escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro e o uso das redes
sociais caracterizaram a forma de luta estudantil secundarista ocorrida em 2016, no Rio
de Janeiro, Brasil. O movimento buscou uma educação pública de qualidade e
investimentos na infraestrutura das escolas. Essa comunicação é parte de uma pesquisa
de mestrado que procurou identificar reivindicações dos movimentos secundaristas de
ocupação e compreender as possíveis transformações ocorridas em duas ocupações
OCUPA CAIC/Reverendo e OCUPA Monteiro, envolvendo três escolas públicas
estaduais do Rio de Janeiro, no período de março a junho de 2016. A metodologia adotada
nesse estudo, de natureza qualitativa, utilizou a análise de conteúdo textual (BARDIN,
2016, GONÇALVES, 2008) e de imagens (DIDI-HUBERMAN, 2015). A técnica de
pesquisa foi aplicada nos manuais de ocupação, nas imagens oriundas das páginas oficiais
do Movimento secundarista no Facebook, no arquivo pessoal do pesquisador e no
conjunto de entrevistas semiestruturadas de estudantes que ocuparam os colégios. A
revisão da Teoria dos movimentos sociais contemporâneos de ação direta e o uso do
princípio da horizontalidade nas deliberações coletivas das assembleias estudantis são
mediadas pelas redes sociais. Essas são responsáveis pela visibilidade, engajamento e
propagação do movimento e tem como referência Castells, (2013). O agir político em
Hannah Arendt (2004) fundamenta teoricamente a pesquisa. A liberdade e pluralidade da
ação estudantil questiona o controle político do corpo e de seus movimentos pelo sistema
disciplinar das escolas. A busca da escola desejada se materializa nas ocupações das
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Introdução
As ocupações das escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro e o uso das redes
sociais caracterizaram a forma de luta estudantil secundarista, ocorridas em 2016, no Rio
de Janeiro, Brasil. O movimento reivindicou educação pública de qualidade e
investimento nas escolas. Essa comunicação é parte de uma pesquisa de mestrado que
procurou identificar suas reivindicações e compreender as possíveis transformações
ocorridas. A partir do enfoque nas ocupações OCUPA CAIC/Reverendo e OCUPA
Monteiro, de escolas públicas, no período de março a junho de 2016. A metodologia
qualitativa utilizou a análise de conteúdo textual (BARDIN, 2016, GONÇALVES, 2008)
e de imagens (DIDI-HUBERMAN, 2015) para o estudo dos manuais de ocupação
oriundos das páginas oficiais da ocupação no Facebook, em conjunto com entrevistas
semiestruturadas dos estudantes que ocuparam esses colégios. A Teoria dos movimentos
sociais contemporâneos de ação direta, Castells, (2013), mediados pelo Facebook e
articulados ao campo educacional subsidiaram a pesquisa. Os conceitos de ação de
Hannah Arendt (2004) e da experiência em Larrosa (2016) foram aplicados à área
educacional e contextualizados à luta estudantil.
Durante a ocupação, a fachada das duas escolas, do prédio com grades aparentes,
é coberta pela faixa #OCUPA CAIC e REVERENDO, ao longo de dois de seus andares
do prédio (Fig. 1).
Figura 1:
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Fonte:https://www.facebook.com/1064014160338123/photos/a.1064034573669415.1073741826.106401
4160338123/1065106550228884/?type=1&theater .
Acompanhando esse entendimento, Chauí (2006) apontou que nem todos podem exercer
os seus direitos sem serem criminalizados: “não é qualquer um que tem o direito de pensar
e dizer qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer tempo para quaisquer outros”
(CHAUÍ, 2006, p. 103-104).
A desigualdade social também pressiona a moratória social do tempo dedicado ao
estudo e à formação, segundo uma situação de disponibilidade para alguns jovens em
experimentar e escolher os modelos de autonomia adulta que “os espera”, enquanto que,
para outros, este é um processo que se encurta, já que partem, desde a infância ou da
adolescência, para o mundo do trabalho:
[...] os constrangimentos de geração encontram os constrangimentos próprios da
reprodução das classes. Nesse sentido, é necessário diferenciar autonomia de
classe de autonomia de geração, para entendermos como ambas se cruzam na
constituição de autonomias desiguais nos processos de transição para a vida
adulta (e mesmo que não seja nosso objetivo, no escopo desta análise, responder
a esta questão, é necessário mantermos no horizonte a pergunta: que situações
constrangem os sujeitos desigualmente posicionados em termos sociais em
processo de transição para a vida adulta? (ABRAMOVAY, 2015, p.27).
erráticos, inapreensíveis e resistentes enquanto tais [...] onde a política se encarnaria nos
corpos, nos gestos e nos desejos” (DIDI-HUBERMAN, 2014, p. 23 e 25).
Mas, a experiência não ocorre sem confrontos, resistências, vontade de saber ou
praticar o prazer. A proximidade no coletivo era a origem da participação nas atividades:
“um coletivo muito direto: essa pessoa que se relaciona com essa e todo o mundo se
relaciona entre si” (G). Os jovens podem se sentir muito diferentes entre si e também se
relacionar como um coletivo, num fluxo de encontros e desencontros. Nessas diferentes
formas de experiência, eles podem afirmar os seus desejos e corpos.
As rodas de conversa e culturais permitem diálogos que podem gerar descobertas
e compartilhamento do mundo. Pois, ao falarem de si e do mundo como eles o
perceberam, há uma criação conjunta. A questão de crescer junto, sem um ambiente de
repressão como o existente na escola normal, foi colocada por alguns entrevistados, a
própria forma do diálogo próximo, de igualdade desconstruiu a forma corrente na escola
de uma disciplina vertical:
Pessoas que tinham preconceito, por exemplo, muito cara machista,
muita gente homofóbica. Isso tudo foi desconstruído aqui, porque a gente
juntava lá na biblioteca e fazia debate: Por que isso é errado? Por que
você não gosta? Por que você não concorda? Todo mundo demonstrando
opinião. E foi como se a gente tivesse crescido junto (T);
fora dos padrões; o mundo é nosso; luta negra; contra racismo, machismo e homofobia;
ocupa tudo; ocupa Monteiro; arte grita” (Figuras 2 e 3).
Numa análise inicial dessas imagens foi sintomática a data escolhida para a Oficina:
13 de maio, dia da libertação dos escravos no Brasil e que os estudantes e participantes
da Oficina fossem afrodescendentes, na sua totalidade. No entanto, os dizeres grafados
nos corpos desses jovens incluíram além da luta contra o racismo, a questão do gênero,
homofobia, alusão à liberdade corporal e luta de “resistência” (palavra símbolo do perfil
da Página) a favor da qualidade da educação.
A afirmação emblemática de Darcy Ribeiro utilizada como assinatura da ocupação
Monteiro: “a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto” tem valor
simbólico equivalente ao da ocupação Ocupa CAIC/Reverendo: uma linha de punhos
erguidos e fechados em torno de um lápis (Fig. 2).
Figura 2:
Fonte:https://www.facebook.com/ocupamonteiro;https://www.facebook.com/ocupa
caic/reverendo.
Fonte: https://www.facebook.com/search/photos/?q=ocupa%20monteiro 1
A linguagem impressa nesses corpos não simplesmente descreve uma ação, mas,
como palavras de ordem, procuram enfatizar o caráter performativo dessas palavras.
Essas demonstram e asseguram ao serem enunciadas a “consecução do resultado”, no
caso, da ocupação da escola (SILVA, 2012, p.93).
Na figura 3, na foto em preto e branco, um jovem aparece de pé, com as costas
nuas da cintura acima, voltadas para a câmera, com a inscrição “ocupa tudo”, escrita de
branco sobre a pele negra. Ele está a 10 metros de frente para o Colégio, com os braços
estendidos e polegares apontados para o portão de ferro do Colégio fechado e encimado
por uma faixa “Ocupa Monteiro, não tem arrego”. Na frente do portão, outros cartazes
sobre a ocupação são vistos, apoiados no chão da rampa da entrada, próximos a outros
jovens.
Na figura 4, numa foto colorida, um jovem de costas para a câmera aparece em
pé, braços estendidos ao longo do corpo, em direção ao chão, tendo nas costas nuas uma
inscrição, com letras em amarelo emolduradas de verde, “o mundo é nosso”. Ele está de
frente e rente a um muro raspado ou sendo raspado, ainda com traços de um grafite. A
linha branca de uma máscara de pintura rodeia a parte de trás de sua cabeça.
No mesmo texto, Tadeu Silva (2012) discorre sobre a mobilidade entre diferentes
territórios de identidade. Os dizeres: “meu corpo livre, meu território” como um
documento de identidade (título de outro livro do autor) parece indicar que, assim como
o corpo pertence e faz parte da identidade desses estudantes, a escola também deve ser.
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Optamos por uma seleção de imagens que não identificassem os indivíduos retratados.
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Como dito pelos estudantes: “a escola deve ser um lugar na qual o aluno frequenta por
prazer e não por obrigação” (página da ocupação da Escola Estadual Eloy de Miranda
Chaves apud, CAMPOS, MEDEIROS e RIBEIRO, 2016, p.149).
As imagens não são espontâneas. As regras de ordem cultural que determinam as
condutas de como deve ser podem ser questionadas. Essa explicação importa para
esclarecer os enunciados que sobre as imagens desses corpos se produz e que são, por
meio da linguagem, construídos. No entendimento de Silvana Goellner (2012): “as
representações sobre os corpos variam conforme o tempo/lugar onde eles circulam”
(GOELLNER, 2012, p.29).
Nas sociedades heterogêneas há uma possibilidade do uso social dos corpos. Para
Breton, “hoje o corpo se impõe como lugar de predileção do discurso social [...] e dá ao
ator uma margem de manobra menos estreita que anteriormente”” (LE BRETON, 2009,
p.81). Nessa série de fotos, o discurso autonomista da resistência usado pelos estudantes
pareceu tornar o corpo instrumento de um discurso contra hegemônico da disciplina
imposta ao corpo e aparência. (Ver figura 5).
Figura 5
Fonte: https://www.facebook.com/search/photos/?q=ocupa%20monteiro
Na figura 5, numa foto colorida de frente a um grafite assinado por “Ael”, uma
jovem estudante tem inscrita nas costas, acima da parte traseira de um bustiê a mensagem
“fora dos padrões”, em letras brancas. O seu corpo está voltado de costas para a câmera,
os braços estão em descanso, estendidos sobre o corpo. As letras estão no mesmo estilo
do grafite. Ela veste uma saia justa, com listras horizontais de branco e negro ou azul
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marinho, as duas tranças rastafári dividem-se sobre a nuca e caem sobre o seu peito, não
visível na foto. Na sua nuca ainda aparece o fecho de um colar.
A imagem do corpo feminino talvez a enquadrasse como uma exposição da
mulher diante do homem, o “eterno feminino” comum nas fotografias e mensagens
publicitárias da sociedade contemporânea (LE BRETON, 2009, p.68). Não há
informações suficientes na imagem para saber como e se foram consideradas as relações
de gênero e sexualidade na produção da fotografia.
Na série de origem das fotos há outras com os dizeres contra o machismo e que o
“meu corpo é livre”. Na série de imagens, complementar à figura 5, a mesma modelo é
vista de frente. O bustiê de cor negra que recobre os seios tem o busto desenhado em
linhas brancas, em continuidade às costas nuas da jovem. Há uma semelhança e
correspondência aos jovens semidesnudos das figuras 3 e 4. A finalidade do bustiê de
cobrir os seios foi modificada e anulada pela forma artística de desenhar e demarcar o
busto da jovem.
Vale aqui recorrer à Hannah Arendt, citada por Sennett (1997) quando disse que
a palavra revolução tem a ver com liberdade, como a figura alegórica de “Marianne”,
símbolo da Revolução Francesa e da República, cujos seios retratados no quadro “França
republicana, abrindo seu peito a todos os franceses” do pintor revolucionário Clement não
cumpriam uma finalidade erótica, mas virtuosa da liberdade (SENNETT, 1997, pp.237-
8).
Não houve uma afirmação de força dos corpos jovens e/ou da negritude celebrada
pelas tranças rastafáris e dos corpos desnudos dos negros libertos, numa vinculação ao
treze de maio, data das fotos?
No tempo atual de individualização do eu, o corpo é uma realidade biopolítica,
devido à sua visibilidade se tornar premente e ser o local “primeiro” da identidade
(GOELLNER, 2012, p.39). No movimento negro, a produção dos cabelos, penteados e
tranças afirmam a identidade negra. A produção do corpo se opera tanto individual, como
coletivamente, alerta a pesquisadora. Na ação e reação à cultura, essa é uma dimensão
igualmente política.
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Figura 6 Figura 7
No final de tudo isso, todo o mundo era outra pessoa. Todo mundo tinha
outra cabeça e isso é uma coisa que tipo assim, não está registrado não tá
no papel e não está em lugar nenhum, mas é alguma coisa que todo
mundo carrega dentro de si. Esse período mudou todo o resto de nossa
vida porque, sei lá, acho que o tempo que a gente ganhou ali, das coisas
que a gente viveu e aprendeu logo, e que a gente não vai precisar passar
pra aprender, foi um tempo ganho mesmo. Sabe, parece que foi um tempo
ganho e muitas pessoas falavam que a gente não estava fazendo nada,
perdendo tempo e [todo esse tempo] a gente achava que estava ganhando
tempo, é isso. (G).
Considerações finais
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