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Introdução
1
A ética de Aristóteles é nitidamente teleológica. No entanto, também é feita a distinção entre a ação,
válida por si mesma, e a produção, que tem seu valor deduzido pelo que produz. Há diferença entre a
proposta da execução de certas ações porque as consideramos como corretas em si mesmas, e aquelas
que realizamos por serem as capazes de nos aproximar mais do bem. A distinção entre fins e meios parece
ter proeminência na ética aristotélica, e segundo Ross é “pela categoria de meio e de fim que interpreta
a acção humana.” No entanto, é justamente a distinção entre fim e meio que é tema de grande
controvérsia entre os intérpretes, como mostraremos.
humana, tampouco a razão deve servir de mero instrumento para fornecer o fim
pretendido pelo desejo. O que Aristóteles está propondo é que desejo e razão devem
estar conciliados para que o bem-viver seja alcançado pelo homem, porém não sem com
isso nos colocar algumas – e grandes – dificuldades. Como parece muito bem ter notado
Allan, muito mais poderia ter sido dito na Ética sobre esse desejável estado de coisas
em que “o desejo do bem e o ajuizar da sua natureza deverão ser amalgamados de
alguma forma numa unidade tal que nenhuma das partes se submeta à outra” 2.
Certamente, são bastante diversos os caminhos que os comentadores tomaram ao
interpretar essa obra admirável que é a Ética a Nicômacos. Contudo, parece-me que de
algum modo a ideia de Allan representa aquela que Aristóteles buscou realizar na Ética.
E tal ideia insere o desejo como elemento central dentro da proposta ética aristotélica.
2
D. J. Allan, A Filosofia de Aristóteles.
um produto distinto da ação, e aquelas atividades que são buscadas por si mesmas. Com
isso constata-se que os indivíduos agem tendo em vista fins particulares que podem ser
diferentes, mas que todos os fins particulares são desejados por causa de um fim último,
justamente o que Aristóteles vai considerar como o “bem para o homem”. Apesar da
constatação de que os indivíduos realizam coisas diferentes para alcançarem fins
particulares que variam, estes fins primários são sempre perseguidos em vista da
felicidade, o fim último. Aristóteles não conta o fim último ao lado dos outros fins; antes,
distingue entre os meios para um fim e o fim em si. Algo que pode ser desejado como
fim em si, quando em relação com o fim último, pode ser considerado um meio 3. A
cadeia de fins primários, dessa forma, não pode prosseguir infinitamente: há um fim
último comum para todas as ações que, por ser o fim último, é aquilo em vista do qual
toda as outras coisas são feitas e do qual nada mais pode ser buscado para além.
3
Comentadores como Tomás e Brewer vão explicar o caráter relativo do esquema meio-fim, mostrando
que sob a perspectiva do fim último todos os outros fins podem ser tidos como meios e, por
consequência, serem objeto de deliberação. Tal explicação será abordada quando buscarmos abordar o
problema se a razão pode deliberar sobre os fins ou apenas sobre os meios.
deliberação, apenas o fim último escaparia de ser colocado sob o trabalho da razão4.
Isso porque o bem é o que se pretende em toda ação, e mesmo havendo fins primários
que são desejados por si mesmos, estes são buscados em prol da felicidade. Ser o bem
final a que visam as ações é, portanto, uma das características da felicidade. A outra
característica é ser auto-suficiente, que Aristóteles define como “aquilo que, em si,
torna a vida desejável por não ser carente de coisa alguma” (EN I 5 1097b17). Segundo
essa afirmação, entende-se que a felicidade não é um fim desejado em detrimento dos
outros fins, mas pode entendida como um fim de segunda ordem e que se constitui
justamente pela realização de outros fins. Desse modo, o fim último não parece
partilhar do mesmo estatuto dos fins primários que o constituem, pois a felicidade como
fim último não admite deliberação e tem uma “força lógica” que a torna um fim
necessário5. Para o homem, isso significa que não está em seu poder não ter a felicidade
como o fim em razão do qual os outros fins são feitos. Ou seja, não é algo ao qual se
possa dizer sim ou não, pois não pode ser escolhido ou desejado diferentemente. Se o
fim último - que como vimos é a felicidade - é dado, os demais fins ou atividades que o
constituem, por sua vez, podem ou não representar um fim para o agente na medida
em que podem ser tomados ou não como um bem (ou mal). Em outros termos, os fins
primários que em conjunto podem promover a felicidade, diferentemente desta devem
ter a abertura a serem tomados ou não como fim pelo agente na medida em que são
apreendidos sob determinado ângulo.
Tem grande relevância para o propósito ético aquilo que está no poder do
homem, e Aristóteles introduz uma tese forte na Ética de que agir corretamente está ao
nosso alcance. Essa tese tem dois pontos principais: (i) que os fins que são objetos da
ação devem em alguma medida estar sob o poder (em grego: to eph´ hêmin) do homem,
e (ii) que deve estar sob o poder do homem realizar ou não a ação, que ocorre após o
assentimento do elemento que conclui a análise do meio em vista do fim. Os dois pontos
são centrais para o projeto da ética aristotélica porque o processo de ação é formado
também por dois momentos determinantes e, em certa medida, independentes.
Primeiramente, o sujeito tem um desejo que é o fim, isto é, o objeto da ação. Assim que
4
Kant chega a afirmar: felicidade
5
Ackril
o desejo é despertado na parte desejante, busca-se os meios para realizá-lo, e esse é o
processo de deliberação (bouleusis). Esse é o segundo momento, em que o agente toma
a decisão a partir de razões que reconhece como as melhores e que pode dar lugar à
escolha (prohairesis), que é o que desencadeia a ação. Assim, o desejo ou o fim é o
princípio da deliberação, e a escolha deliberada é o princípio da ação (EN VI 2 1139a31-
33). Deve-se ter presente que afirmar que esses momentos da ação são em certa medida
independentes não conduz ao sentido de que não estão em relação. A escolha não é um
ato distinto do fim que é desejado e do pensamento que é o exame da deliberação sobre
os meios, mas é justamente o ponto de junção do desejo com o pensamento6. Com
efeito, delibera-se sobre o meio7 sempre a partir de um desejo que é o fim. Ainda que a
instância do desejo e da razão são momentos de um mesmo processo, eles são
independentes, pois há um hiato entre o que o desejo coloca como fim e dá início à
deliberação, e o que esta, que por sua vez é a análise dos meios e não mais do fim,
conclui como objeto de deliberação e que funciona como princípio de ação. São dois
aspectos constituintes do mesmo processo do agir moral em Aristóteles, mas pode-se
entendê-los como independentes pois “uma vez estabelecido o fim, examina-se como e
por que meios ele será realizado”8 (EN III 5 1112b15-16). Aristóteles reafirma a tese da
independência dos momentos da ação no livro VI, afirmando que “a origem da ação (sua
causa eficiente, e não final) é a escolha, e a origem da escolha está no desejo e no
raciocínio dirigido a algum fim” (EN VI 2 1139ª31-33).
6
Gauthier. La Morale d´Aristote, pág. 30.
7
O termo meio é a tradução da expressão grega τò πρòζ τò τελοζ, isto é, “as coisas que se reportam ao
fim”. Cf. ZINGANO, pág 219.
8
Precisamente no mesmo capítulo e logo a seguir a essa passagem Aristóteles afirma que “quando, após
a deliberação, chegamos a um juízo de valor, passamos a desejar de conformidade com nossa deliberação”
(EN III, 3, 1113a25). Essa afirmação parece contrária e nega a conclusão que chegamos a partir da primeira
passagem, isto é, de que o fim é colocado inicialmente e que dá origem à deliberação. No entanto, no
capítulo dedicado ao estudo da incidência da razão sobre os fins buscaremos mostrar porque não há
inconsistência entre as passagens.
que tendo o poder de decidir em última instância por qual ação realizar a partir de uma
regra racional, somos senhores de nossas ações nos tornamos senhores, de certo modo,
dos fins tais como eles se nos apresentam. Aristósteles afirma expressamente que não
temos do mesmo modo9 o poder sobre a ação e sobre os fins, e a razão dessa diferença
está em que a deliberação está limitada unicamente aos meios, enquanto o desejo está
relacionado aos fins. Essa limitação, da razão aos meios e do desejo aos fins é visto
como uma das dificuldades que Aristóteles nos legou e tentativas foram feitas para
atenuá-la. Nossa tese, contudo, é de que essa limitação já manifesta a necessidade do
desejo ser aperfeiçoado, e que Aristóteles está justamente apontando para o papel
central do desejo na ação moral ao relacioná-lo com os fins. Como a possibilidade de
sermos de certa forma responsáveis dos fins aos quais nos inclinamos depende do modo
com que somos autores de nossas ações, cumpre primeiramente analisar em que
sentido a função deliberativa é importante para a ação e se relaciona com os meios para
a partir de então entender em que sentido é possível a razão incidir sobre o desejo e o
agente poder ser, de algum modo, causa e autor dos fins. Com efeito, se não estiver em
alguma medida sob o poder do homem ser responsável pela natureza dos fins tais como
lhe aparecem, o projeto ético estaria fadado ao fracasso, a ação correta seria
meramente questão de acaso e o plano humano estaria reduzido ao domínio natural.
Como parte de um mesmo processo, o desejo desperta um fim, que por sua vez
dá origem à deliberação que investiga os meios para realizá-lo. Embora delibera-se em
vista de um fim, o processo intelectual que é a deliberação pressupõe uma
9
EN.
10
“o desejo relaciona-se com o fim e a escolha com os meios” EN . “Não deliberamos acerca de fins,
mas a respeito de meios” EN
temporalidade estendida em que o homem, como ser de reflexão, pesa as razões que
possui em momento que precede a ação. Sabemos que é em referência à disposição do
agente que os fins aparecem de determinado modo. Contudo, no momento da
deliberação abre-se um hiato entre o desejo e a razão, e agora o agente delibera não
unicamente a partir de sua disposição, tampouco age automaticamente em função do
desejo, mas seu agir é agora resultado da apreensão das razões que reconhece como
verdadeiras. A deliberação busca a realização do fim tendo por base a investigação do
meio. O termo meio, como mostra Zingano, é a tradução da expressão grega τò πρòζ τò τελοζ,
isto é, “as coisas que se reportam ao fim”, e possui para além disso o sentido do modo de agir,
que está expresso na passagem em que Aristóteles relaciona a deliberação com os meios, e não
com os fins, pois “dão a finalidade por estabelecida e consideram a maneira e os meios de
alcançá-la;” (EN III, 5 1112b25). Dessa forma, analisar o meio não é simplesmente uma operação
intelectual subserviente e escrava do desejo, que unicamente busca alcançar um fim dado. É
nesta independência entre desejo e deliberação que a razão, que é designada como
aquilo que possui capacidade de estabelecer um plano ou regra, apropria-se do processo
que se iniciou com o fim desejado, e agora é dado ao agente poder orientar-se de acordo
com o que a razão prescreve como correto. De alguma forma, a deliberação tem por
base razões que não são hauridas da disposição de caráter, mas aquelas que o agente
se instituiu ou pode se instituir como regra de ação. Assim, a deliberação tem grande
importância para a ação moral, uma vez que ela instaura a “medida humana” para além
da physis, e possibilita ao homem agir de acordo com razões que se estabelece para si e
não unicamente em função de sua parte natural11. A noção de meio é, dessa forma,
intercambiável com a noção de ação, e por ser determinada pela função deliberativa faz
que aquilo que põe em movimento o agente seja o que foi decidido em função de exame
de razões e não mais a partir de sua disposição ou desejo.
Por ser aquilo que foi decidido através de deliberação que o agente passa a agir
e não mais a partir do desejo que a motivou, a deliberação pode fazer com que o
indivíduo desista de agir e neutralize o desejo que serviu como princípio da deliberação.
A razão é uma faculdade aberta aos contrários, isto é, aberta a possibilidade de dizer
11
Zingano interpreta que a recusa de realizar um fim que é possível ao agente mediante a deliberação
“instaura um plano humano para além do domínio natural” pág. 234
sim ou não para as razões que podem servir de princípio da ação, e com isso o filósofo
pode afirmar:
“Lá onde depende de nós agir, depende de nós também não agir, e lá onde
depende de nós dizer não, depende também de nós também dizer sim; por conseguinte,
se agir, quando a ação é boa, depende de nós, não agir, quando a ação é má, depende
também de nós;” (EN III, 7 1113b7-11)
12
Gauthier
13
Aubenque explora magistralmente o sentido objetivo e cosmológico em A prudência segundo
Aristóteles.
14
EN III, 3, 1113 a 1.
pode-se concluir que o homem é “um princípio motor e pai de suas ações como o é de seus
filhos”.
15
“raciocínio desiderativo ou desejo raciocinativo” (EN 1139b15)
Desta maneira, a deliberação não conduz sozinha à escolha, pois o conhecimento não
possui por si mesmo a infalibilidade que leva necessariamente à ação. A disposição de
caráter é uma “hexis proairetike”, ou seja, disposição que dirige a escolha, e Aristóteles
define a virtude moral no livro II da Ética a Nicômacos como “uma disposição de caráter
relacionada com a escolha”. A relação da disposição de caráter com a escolha é afirmada
porque a disposição de caráter intervém na escolha dos meios, pois para Aristóteles o
conhecimento da regra moral não basta e se requer a intervenção do desejo para a
realização efetiva da ação.
16
As citações não poderiam servir de base textual para a interpretação de que é possível desejar um fim
que foi determinado pela razão, pois contraria e é incompatível com a tese já bem estabelecida de
Aristóteles de que a deliberação concerne unicamente aos meios e não aos fins. Se as passagens que
foram citadas afirmam que passamos a desejar após e em conformidade com a deliberação forem
interpretadas dentro da doutrina aristotélica da deliberação que a limita unicamente aos meios em
detrimentos dos fins, impõe-se a leitura que, nessas passagens, embora não o afirme expressamente,
Aristóteles está dizendo que passamos a desejar após a deliberação não o fim, mas o meio.
17
Aristóteles não nega que podemos agir sem deliberação, mas agir por escolha tem como condição a
deliberação prévia.
respeito à correta interpretação da noção de escolha, que parece articular as duas
instâncias, raciocinativa e desiderativa, embora pareça no momento ser apenas a
conclusão da deliberação, ato por excelência da razão na estrutura da ação.
Para não haver qualquer mal-entendido, deve-se enfatizar que estamos tratando
da deliberação e da escolha que, como é afirmado ex professo na Ética, relacionam-se
com o meio e não com o fim. Portanto, estamos investigando a estrutura da ação a partir
do desejo inicial que coloca o fim e que dá início à deliberação, à escolha e à ação. Ou
seja, não estamos ainda considerando o desejo inicial que adota certo fim, o que
faremos na segunda parte da pesquisa. A questão de fundo, portanto, é se podemos
concluir que para Aristóteles o agente que delibera sobre o meio necessariamente
deseja em conformidade com o que deliberou, ou é possível que o agente não realize o
que foi deliberado, podendo realizar, inclusive, seu contrário?
Acrasia como fraqueza de vontade
18
A negação da acrasia afirmada por Sócrates parece ter sido amenizada por Platão aa República. Lá
está a famosa e significativa passagem que parece o retrato da acrasia: Deosdato, que ao ver um corpo
insepulcro e decomposto determina-se que o melhor é não observá-lo o olha a despeito de sua decisão.
caia em contradição prática e não agia em conformidade com o que foi deliberado, dessa
forma havendo um divórcio entre o que o agente conclui e o que faz. A investigação do
fenômeno da acrasia visa esclarecer como isso pode ocorrer, pois era de esperar que o
agente agisse conforme o que conclui por meio do cálculo racional.
19
Enquanto fraqueza de vontade, a acrasia pode ser entendida pela substituição do desejo, que deveria
concordar com a razão deliberativa, por uma paixão. E o agente agindo por paixão, pode ser que o faça
sem deliberação, ainda que a paixão não seja impulso completamente racional, porque também
apreendido como bem. Ainda assim, no VI, portanto fora do tratado dedicado à acrasia, Aristóteles afirma
que o “homem incontinente e o homem mau, se forem hábeis, alcançarão como resultado de seu cálculo
o que propuseram a si mesmos, de forma que terão deliberado corretamente, mas o que terão alcançado
é um grande mal para si mesmo”. Na passagem, Aristóteles também aproximou a figura do incontinente
(acrático), que deseja e conhece o bem mas é demovido de agir pela paixão, e o maldoso (kakos), cuja
intenção é já perversa, mas age habilmente para realizar o fim.
conhecendo como maus os seus apetites, recusa-se a segui-los em virtude do princípio
racional” (EN VII, 1)
20
Na segunda parte, abordarei em que sentido pode-se falar de um desejo em contexto racional,
mostrando que a interpretação de que a razão atua apenas após o desejo inicial que coloca o fim não
parece ser o que Aristóteles afirma.
21
No De anima, Aristóteles afirma que o conflito entre a razão e o desejo deve ser analisado não só pela
intensidade, mas também deve-se considerar a percepção do tempo do agente, pois o cálculo racional
conclui sobre a moderação com vistas ao futuro, e o apetite é influenciado pelo que aparece agradável e
bom aqui e agora, sem considerar o futuro (DA 433 b8-10)
faz com que o agente realize outra ação, que não é motivada pelo desejo racional. A
ideia do conflito está presente nesse sentido na seguinte passagem:
”tanto do homem que possui o conhecimento mas não o usa como daquele que
o possui e usa dizemos que sabem, [mas] fará grande diferença se o homem que pratica
o que não deve possui o conhecimento mas não o exerce, ou se o exerce; porque a
segunda hipótese parece estranha, mas não a primeira.”
Essa afirmação traz grandes dificuldades e, de certa forma, cria uma ruptura na
argumentação de Aristóteles, que até o momento do tratado da acrasia havia apontado
para o conflito entre a razão e o desejo, que tem por base o aparecimento do apetite
que pode ser preferido em detrimento da ação originada pelo desejo racional. Isso,
como vimos, colocava o problema no desejo enquanto incapaz de seguir o que foi
concluído racionalmente. Aristóteles parece agora nos dizer que o problema de alguma
forma está no tipo de conhecimento do agente, e não mais em razão de um elemento
novo que demoveria o agente de agir em conformidade com o que deliberou. De certo
modo, é a tese socrática sendo revisitada, pois o agente que não agiu conforme sua
reflexão o faz porque o resultado de sua reflexão não era ciência, pois quem possui o
“conhecimento propriamente dito” sem nenhuma deficiência, isto é, em sua expressão
completa, necessariamente age em conformidade com seu conhecimento e não pode
ser demovido de agir por outro elemento, como a paixão.
A questão da phronesis
22
Título do livro de uma obra do padre Gillet, citado por Aubenque em A prudência de Aristóteles, pág.
51.
23
O debate sobre a phronesis mostrou-se tão irresoluto na discussão em Aubenque e Gauthier que este
último faz a seguinte pergunta em seu comentário após ter lido a obra de Aubenque que trata
especificamente do tema; “A questão que fica em aberto é, afinal, o que é a phronesis?”
“conhecimento propriamente dito” (kyríos epistímis), de modo algum seu desejo
poderia deixar de dar consentimento à razão e não concluir realizando a ação motivada
pela deliberação. Como vimos, esses posicionamentos parecem de alguma forma
inconsistentes, negando e corroborando a doutrina platônica ao mesmo tempo;
negando-o quando visto como fraqueza da vontade em determinar-se pela razão, e
corroborando-o enquanto é entendida como uma deficiência de conhecimento, pois
como vimos Aristóteles também define a acrasia como um erro moral que provém da
ignorância do conhecimento propriamente dito, uma vez que o agente que erra é
porque desconhece o que é o melhor para si, do contrário o escolheria.
24
AUBENQUE, P., A prudência em Aristóteles, p.25.
Embora as referidas exegeses divergem quanto à forma de lidar com as
inconsistências das obras, parece haver um ponto sobre o qual convergem; os autores
representantes da exegese “sistemática” distinguem os tratados éticos de Aristóteles
diferenciando-os a partir do público a que se destinam25, mas apesar das conclusões
divergentes acerca da autenticidade dos tratados e do público ao qual são destinados,
consideram que há uma só doutrina ética, que é fundada não sobre as Ideias platônicas,
mas refletem o pensamento autêntico de Aristóteles que se baseia na natureza e na
experiência.
25
Düring 1961, advoga que Magna Moralia se dirige a alunos mais jovens, o Protréptico tem fins
“publicitários”, a Ética Eudêmia serve a ouvintes mais eruditos, e a Ética Nicomaquéia é mais adequada
ao grande público. Os estudiosos buscaram também fundamentar a diferenças dos tratados éticos sobre
a autenticidade ou falsidade de cada uma delas, e chegam as conclusões completamente divergentes.
26
ARISTÓTELES, Metafísica, 1078b15.
uso na Metafísica, o faz também no De coelo e na Física, designando a phronesis como
o “conhecimento por excelência”27. Dessa forma, inicialmente a noção de phronesis
utilizada por Aristóteles é tanto um saber que compreende a natureza das coisas como
o saber propício para o conhecimento do que é útil para a vida. A evolução por que
passará a phronesis ocorre pela separação e distanciamento gradual por Aristóteles da
teoria das Ideias de seu mestre Platão, e que alcança seu ponto de culminância na Ética
a Nicômacos. Nesta obra, que Jaeger considera ser o último estágio da ética aristotélica,
a noção de phronesis e de episteme são dissociadas definitivamente, representando
realidades completamente diferentes e que de certo modo se opõem. Aristóteles
introduz uma subdivisão na parte racional da alma, e uma destas partes se relaciona
com as coisas que podem ser diferentes do que são, ou seja, podem variar: esta é a parte
calculativa, cuja virtude é a phronesis e designa agora o saber que avança por
deliberação para atingir o “bem humano” e passa a designar justamente o saber
direcionado aos objetos particulares, que são contingentes e mutáveis. A outra parte da
alma racional é dita científica (epistmionikon) e denota a ciência superior dos objetos
imutáveis. No Protrético, portanto, Aristóteles não se preocupa em distinguir o saber
superior e teorético, que é a busca do conhecimento por si mesmo, do saber voltado ao
que é últil para a vida, e ambos estão compreendido na noção de phronesis. Na Ética a
Nicômacos essa diferenciação é feita de forma taxativa, e segundo Jaeger é a phronesis
aparece despojada de todo o seu alcance teorético e diferenciada sua esfera da sophia
episteme:
“A Ética a Nicômaco oferece um quadro totalmente diferente. Nesta obra está rejeitada
definitivamente a phronesis do Protréptico. No livro sexto dedica-se um espaço considerável à
questão do lugar da phronesis entre as faculdades intelectuais. Em todo lugar lê-se nessas linhas
uma intenção polêmica. Aristóteles reduz o termo à sua significação na linguagem usual, isto é,
ao sentido que tinha antes de Platão”.
27
AUBENQUE, pág. 43.
do conhecimento assim como Platão, ele não mais entende a noção de conhecimento
prático do mesmo modo que seu mestre, pois já havia rompido com a doutrina platônica
das Ideias. Na Ética a Nicômacos, o saber das coisas superiores é agora designado como
sophia ou episteme, onde Aristóteles também afirma que esse é o conhecimento por
excelência, pois a prudência não é a forma mais elevada de saber, pois enquanto essa
versa sobre o que é vantajoso ao homem, a espiteme se relaciona com os objetos
superiores, pois há “outros seres muito mais divinos que o homem, por exemplo, para
nos atermos aos mais manifestos dentre eles, os Corpos dos quais o Universo é
formado”28. A diferença está que o conhecimento das outras realidades além dos seres
sensíveis, de uma Norma transcendente, não é mais o fundamento da ação. O
conhecimento transcendente da episteme pretende-se imutável porque versa sobre
objetos imutáveis, mas não pode prestar qualquer auxílio como norma imediata da
ação, que ocorre sobre o particular. Em todo o livro VI da Ética a Nicômaco Aristóteles
faz a dissociação entre conhecimento metafísico e prático, entre ciência e prudência,
entre razão teórica e razão prática. A phronesis que deve ser “capaz de orientar a ação
rumo ao que é imediatamente útil e bom para o homem, mas sem nenhuma referência
à norma transcendente”29. Aristóteles tem muito cuidado em opor a phronesis da
episteme:
28
EN, 1141 a 24.
29
30
“Citou-se acima os textos, especialmente a Metafísica, que provam que phronesis é sinônimo de
sophia ou de epistêmê, e designa o conhecimento por excelência, exatamente como no Protrético. Tudo
de passa como se Aristóteles, por uma espécie de negligência terminológica [...] continuasse a empregar
a palavra no sentido platônico, mesmo quando, no domínio ético, ele já tinha renunciado há muito
tempo ou mesmo criticado expressamente” AUBENQUE, p. 43.
ação. Segundo Aristóteles: “Que a sabedoria prática não se identifica com o conhecimento
científico, é evidente; porque ela se ocupa, como já se disse, com o fato particular imediato,
visto que a coisa a fazer é dessa natureza.”
Eis parte da definição que Aristóteles faz da virtude, que ora nos interessa: “a
virtude [..] consiste numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é
determinada por um princípio racional próprio do phronimos —homem dotado de
phronesis.” Na definição de virtude, Aristóteles afirma que a reta regra (ortho logos) é
tal como o determina o homem prudente. A afirmação, como bem observa Aubenque,
nos coloca o problema do critério na Ética, pois a regra da ação deixa de ser uma medida
objetiva e passa a ser o que o indivíduo prudente determina. O indivíduo prudente, por
seu turno, não age tendo como medida as Ideias abstratas, por exemplo, do que é o
justo em si, objetivando alcançar o Bem em si de uma Totalidade abstrata, como o sábio-
teórico deve agir segundo Platão, que considerava ciência essas formas de
conhecimento como base da ação, mas o bem do homem (EN VI, 13). Por isso, na Ética
a Nicômaco o julgamento ético é comparado ao julgamento do carpinteiro sobre o
ângulo reto, pois este o analisa na medida em que é útil ao seu trabalho, diferente do
geômetra que “indaga o que ou que espécie de coisa ele é; pois o geômetra é como que
um espectador da verdade” (EN I, 7, 1098 a 26).
A mudança radical de sentido da phronesis, último estágio na gênese da ética de
Aristóteles, promoveu entre os comentadores uma disputa acirrada sobre a
possibilidade de não apenas existir uma norma geral para a ação aos moldes da Ideia de
Platão, que parece já abandonada pelo estagirita, mas também sobre a possibilidade de
um não hdo agente poder é a Ética Nicomaquéia Aristóteles também concebe que a
ação deve ter a orientação da razão, mas diverge quanto à regra adotada pela razão
31
Cf. Jaeger. Aubenque.
32
Variável
33
Cf. Aubenque e Ackril.
reta regra (ortho logos), Aristóteles aponta para a figura do prudente, que manifesta em
suas ações a regra e que define o critério. Desse modo, não é a definição da regra que
define quem é prudente, mas é o prudente que determina qual é a regra. Se Aristóteles
acentua o caráter contingente dos particulares, marcado pela mudança e a variabilidade
das circunstâncias, aquilo que é “propriamente conhecimento” no domínio da ação
sofre grande mudança, podendo mesmo ocorrer que aquele que não sabe mas possui a
experiência seja mais prático que os outros que sabem (EN, VI, 7, 1141 b 17). O motivo,
segundo Aristóteles, é que; “essa espécie de sabedoria diz respeito não só aos universais
mas também aos particulares, que se tornam conhecidos pela experiência. Ora, um
jovem carece de experiência, que só o tempo pode dar.”
34
A prudência é definida também em 1040 b 4, com uma pequena variação; “Resta, pois, a alternativa
de ser ela [prudência] uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são
boas ou más para o homem”.
Não buscaremos, destarte, justificar o posicionamento que encerra o tratado,
mas buscar novamente colocar em relevo o que Aristóteles apresenta como sua
doutrina da ação moral.
“Para ser realmente conhecida, é preciso que se torne uma parte deles, e isso
requer tempo. Logo, é de supor que o uso da linguagem por parte de homens em estado
de incontinência não signifique mais que as declamações de atores em cena.”
35
. A análise que Aristóteles realiza na Ética sendo mais intérprete sobre tipos e sobre a linguagem popular
do que um crítico que propõe ampla mudanças é atestado por descrições como “A melhor forma de
considerar o que é prudência é considerar quais são os homens que chamamos prudentes”, ou. ... Em
geral, a abordagem das virtudes seguem um padrão não sistemático e descritivo, fazendo referência
normalmente ao que se faz e o que se ouve em sua época, eu valem como manifestações das próprias
coisas enquanto dados da experiência ou um uso linguístico. Cf. Aubenque, pág 67.
36
O termo também é traduzido por prudência.
e levanta o problema de como a disposição do agente pode ser aperfeiçoada
para que este passe a desejar em conformidade e a dar o assentimento ao que a razão
prescreve.
para decidir agir ou não que busca os meios para realização do fim o que leva à
ação não é mais unicamente o desejo, mas o assentimento que o agente dá ao escolher
agir ou não de acordo com as razões propostas. Agir com base na deliberação é,
portanto, agir com base em razões e não em referência ao desejo que motivou a
deliberação. Por essa razão, a partir da deliberação o indivíduo age de acordo com as
razões que reconhece como boas, ou se recusa a agir se os meios à sua disposição não
são reconhecidos como bons.
“no propósito reside o elemento essencial da virtude e do caráter.” Se a virtude do
caráter assegura a retidão da escolha deliberada, como a virtude do caráter pode ser formada –
ou seja, ainda não está aperfeiçoada - através da prática de ações corretas? (A eudaimonia é
entendida como atividade que tende para a virtude, não durante um curto espaço de
tempo, mas deve “estender-se por toda a vida” (EN, I, 7, 1098a21). A vida virtuosa
também é por definição necessariamente acompanhada de prazer. Desse modo, a
doutrina de Aristóteles indica que é possível que o indivíduo realize atos virtuosos e
tenha simultaneamente uma vida feliz e prazerosa.)Contudo, se o desejo é incapaz de
conceber o plano que possibilita atingir o fim último, é preciso que o desejo obedeça ao
plano que a razão é capar de impor e se habitue a ter prazer com o que deve. Assim, a
tendência a sentir prazer e dor pelo desejo deve ser orientada pela razão em torno das
ações corretas. No entanto, ao problema que surge quando Aristóteles define o desejo
como determinante da finalidade, mas mostra-o como incapaz de compreender a ação
correta a ser feita, soma-se a distinção que faz da razão; esta tem a capacidade de
compreender a correção, no entanto é limitada a se relacionar com o meio, embora
Aristóteles por vezes a incumba de determinar o objeto de escolha através da
deliberação, após o que passamos a desejar o objeto deliberado. (EM)
37
“Com efeito, a escolha não pode visar a coisas impossíveis, e quem declarasse escolhê-las
passaria por tolo e ridículo; mas pode-se desejar o impossível — a imortalidade, por exemplo.”
(EN III, 2, 1111 b 32)
38
EN 1113 b 3 1115 a 3
deliberamos” (EN III, 3, 1112 a36). Desse modo, caberia ao desejo apenas acolher como
fim ou não aquilo que foi concluído através de deliberação. O sujeito delibera, o que
pode dar lugar para o desejo e, feito a escolha, ocorrer a ação. Tal interpretação está de
acordo com a proposta aristotélica de que o desejo é por si insuficiente para decidir-se
sobre a boa ação, cabendo-lhe seguir o que prescreve a razão. Segundo Aristóteles,
A busca e a repulsa na esfera do desejo correspondem à afirmação e à negação
na esfera do pensamento; por isto, já que a excelência moral é uma disposição
da alma relacionada com a escolha, e a escolha é o desejo deliberado, segue-se
que, para que a escolha seja boa, tanto a razão deve ser verdadeira quanto o
desejo deve ser correto, e este deve buscar exatamente o que aquela determina.
Há ainda outra passagem em que Aristóteles está expressamente demonstrando
que o desejo deve seguir o que foi objeto de deliberação39 da razão, em que diz; “como
o objeto da escolha é algo ao nosso alcance, que desejamos após deliberar, a escolha
será um desejo deliberado de coisas ao nosso alcance, pois quando, após a deliberação,
chegamos a um juízo de valor, passamos a desejar de conformidade com nossa
deliberação” (EN III, 3, 1113a25). Contudo, essa interpretação de que é possível desejar
um fim que foi determinado pela razão, como já vimos, contraria e é incompatível com
a tese já bem estabelecida de Aristóteles de que a deliberação concerne unicamente aos
meios e não aos fins. De fato, no parágrafo exatamente a seguir à última passagem
citada, lê-se a seguinte afirmação que enfatiza a relação da razão prática com o meio:
“descrita a escolha em suas linhas gerais, e por expostos a natureza de seus objetivos e
o fato de que ela se relaciona com os meios para chegarmos aos fins” (EN III, 3, 1113a25).
Se as passagens que foram citadas afirmam que passamos a desejar após e em
conformidade com a deliberação forem interpretadas dentro da doutrina aristotélica da
deliberação que a limita unicamente aos meios em detrimentos dos fins, impõe-se a
leitura que, nessas passagens, embora não o afirme expressamente, Aristóteles está
dizendo que passamos a desejar após a deliberação não o fim, mas o meio. Por outro
lado, alguém poderia objetar que essa intepretação faria Aristóteles ter que relacionar
o desejo também com o meio e não unicamente com o fim. Afirmar que desejaríamos
39
Para Aristóteles, o objeto da deliberação e o objeto de escolha é a mesma coisa, porém “o objeto de
escolha já está determinado, uma vez que aquilo que foi decidido em decorrência da deliberação é o
objeto de escolha”
um fim após e em conformidade com a deliberação é incompatível com a doutrina da
deliberação e mostraria Aristóteles afirmando a possibilidade da razão se determinar a
si mesmo através de um fim, e poderia constar como mais uma tentativa de oferecer
base textual para afirmar que a deliberação pode ser determinante também dos fins.
Por sua vez, afirmar que desejaríamos o meio após deliberação contraria a afirmação de
que o desejo se relaciona com os fins. Como mostra Zingano, em EN III 4 1111b 26-27
temos a passagem que foi utilizada por Gauthier para buscar apoio à tese que a escolha
deliberada concerne sobretudo aos meios, mas não unicamente. Gauthier traduziu
assim a passagem; “o querer diz respeito sobretudo ao fim enquanto a escolha escolhida
diz respeito sobretudo aos meios”. Sua tradução alega que o termo sobretudo (μâλλον)
que está presente na afirmação o desejo diz respeito sobretudo ao fim deve ser
subentendido e estar presente também na noção de que a escolha se refere sobretudo
aos meios. A tradução-intepretação de Gauthier tem o propósito de dar sustento à tese
de que se delibera também sobre os fins. À parte a pertinência da interpretação40,
importa-nos que Gauthier dá por assentado e não ignora o termo sobretudo (μâλλον)
do texto41 da Ética a Nicômaco, que afirma que o “desejo relaciona-se sobretudo com o
fim” (1111b 26-27). Desse modo, entende-se que o desejo não se relaciona unicamente
com o fim; ou seja, pode relacionar-se também com o meio.
Há também a seguinte passagem também do livro III, que em conteúdo afirma o
mesmo que a passagem discutida anteriormente, mas que ignora justamente o termo
μâλλον em referência ao desejo se relacionar com o fim;
“Sendo, pois, o fim aquilo que desejamos, e o meio aquilo acerca do qual
deliberamos e que escolhemos, as ações relativas ao meio devem concordar com a
escolha e ser voluntárias. Ora, o exercício da virtude diz respeito aos meios”
40
Em Deliberação e Vontade em Aristóteles, Zingano entende que a interpretação de Gauthier é
filosoficamente improvável, pois considera que é “tese bem estabelecida em Aristóteles que a deliberação
concerne unicamente aos meios e não aos fins”. Usa como exemplo do posicionamento de Aristóteles a
passagem da Ethica Eudemia que afirma que “a escolha deliberada não diz respeito ao fim” (EE II 10 1226
a 17). Essa passagem, portanto, contraria a passagem corresponde da EN que Gauthier interpretou para
buscar relacionar a razão também com o fim.
41
As traduções publicadas no Brasil apresentam divergência. A edição dos pensadores ignora o termo
TAMMOS na passagem EN III 4 1111b 26-27 e tem essa tradução; “Além disso, o desejo relaciona-se com
o fim e a escolha com os meios.” A tradução da UNB não ignora a abertura do desejo aos meios e traduz
por “Ademais, a aspiração se relaciona mais com os fins, enquanto a escolha se relaciona com os meios”
Se a passagem não mais faz referência de que o desejo pode relacionar-se com
o meio, no entanto isso lá está presente se lembrarmos que, como vimos, a noção de
escolha (prohairesis) não existe sem um entrelaçamento do desejo e da razão. Dessa
forma, temos na noção de prohairesis a confirmação de que a razão prática se relaciona
com o meio, e o desejo põe o fim e também se relaciona com o meio, o que será
mostrado quando analisarmos o procedimento da ação em Aristóteles. O que também
abre espaço para compreendermos em que sentido se pode falar que o agente, embora
não possa deliberadamente colocar-se determinados fins pelo desejo, mesmo assim
pode agir segundo as razões que reconhece como boas na escolha dos meios.
A intepretação de Gauthier, por exemplo, mostra que inexiste em Aristóteles o
conceito de vontade enquanto possibilidade de escolha entre os desejos. A possibilidade
da razão prática poder colocar um fim é uma doutrina que será apresentada
posteriormente por Kant e diverge em muito da proposta aristotélica, uma vez que
neste é o desejo que tem o papel de colocar o desejo. Ademais, desejar um fim em
conformidade com o que foi deliberado possibilitaria ao homem agir sempre
corretamente, e seria a reafirmação da doutrina socrática que considera o
conhecimento do melhor a chave para a escolha da ação correta. Considera-se, contudo,
que a inserção do elemento desiderativo feita por Aristóteles representa avanço em
relação com a teoria socrática.
Em Aristóteles, o desejo que coloca o fim dá origem em seguida à deliberação,
que como vimos se relaciona com o meio. Seguindo a intepretação que limita a razão ao
meio, após a deliberação pode-se ou não passar a desejar também o meio que foi
reconhecido como melhor para alcançar o fim inicialmente posto pelo desejo. Dessa
forma, a razão seria apenas instrumental e subserviente ao desejo, e sua função é a de
encontrar o meio mais adequado para realização do fim. Contudo, a razão não se limita
a servir o desejo buscando automaticamente um meio para alcançar o fim. Há, como
nota Zingano, um descolamento entre o desejo que inicialmente coloca o fim e a
deliberação, pois Aristóteles se refere à deliberação que motivará a ação como a análise
e conclusão dos meios para alcançar determinados fins não apenas como tendo a
eficiência de parâmetro, mas também a correção moral dos meios. Aristóteles vai além
e afirma que a boa deliberação é aquela em que não somente os meios são os mais
corretos, mas também os fins aos quais visam os meios. Se for essa a interpretação
correta, é possível afirmar que o agente pode se recusar a agir mediante a negação em
praticar o meio; pois umas vez que o desejo já enxerga o fim como um bem, o agente
apenas recusaria se visse a impossibilidade de completar a ação ou que os meios
disponíveis não são corretos moralmente para realizá-la. A razão prática, segundo essa
intepretação, não teria um papel crítico de analisar o fim, mas tem tanto o papel
prescritivo como crítico acerca do meio. Para Zingano, esse é o ápice da ética
aristotélica, por sustentar que “quem age com base em uma deliberação toma sua
decisão em função das razões que reconhece como verdadeiras e não mais unicamente
em função do fim ou do desejo que motivou a deliberação” (Zingano, pág. 160).
Desse modo, vimos que as noções de razão e desejo aparecem em dois níveis
distintos na relação com os fins e os meios. Essa dualidade é apontada por intérpretes
como Ross, Gauthier e Aubenque. O problema, de acordo com Ross e que constatamos
anteriormente, é que a própria conceituação dada por Aristóteles ao termo escolha
(prohairesis) enquanto limitação explícita à escolha dos meios não se reflete na sua
utilização conferida na EN. Segundo Ross, “exceptuando duas passagens em que
proairesis é formalmente discutida, muito raramente se refere aos meios - quer no
cômputo da Ética quer nos outros trabalhos de Aristóteles, ela significa geralmente
«propósito», e refere-se, não aos meios, mas a um fim” (pág, 206). O problema que
também apontamos, é que Aristóteles afirmaria proposições contrárias acerca do
elemento que inicia a ação (pois quem coloca o fim dá início ao processo de ação), que
poderia variar sendo ora o desejo e ora a razão prática através da deliberação. A análise
das passagens resultou na conclusão que o desejo e a razão não podem variar enquanto
elementos que iniciam a ação, e tampouco o fazem concomitantemente, sendo essa
função do desejo. E que os elementos do desejo e da razão de fato alternam-se em
momentos decisivos da ação, mas fazem isso dentro de um mesmo processo contínuo,
mas não se alternam enquanto causa da ação. Quando Aristóteles afirma que se “deseja
após deliberação”, interpretou-se que este desejo é distinto e foi antecedido pelo desejo
que colocou o fim e deu início à deliberação, que visa ao meio e que é sucedido pelo
desejo que dá ou não assentimento ao objeto de deliberação e, fazendo-o, pode ou não
motivar a escolha. Assim, o esquema que mostra o processo da ação em Aristóteles,
segundo a presente interpretação, pode ser o que segue:
Desejo > Fim
Deliberação > Meio
Desejo do meio > Escolha
Ação
>>>>>>
No entanto, se em Aristóteles o desejo dá início a toda deliberação, ainda que
ele coloque naturalmente o fim, não se pode ignorar que o desejo inicial já tenha
influência da razão e seja, de algum modo, um desejo impregnado de razão. Pelo
contrário, Aristóteles atribui ao desejo a importante função de iniciar a ação, uma vez
que o desejo põe o fim, mas sua manifesta ineficácia faz que seja imperioso que a razão
interfira não apenas na escolha dos meios. À razão prática compete também orientar o
desejo quanto à meta almejada, isto é, à sua intenção acerca dos objetivos sobre o qual
se dirige. Aristóteles expressamente afirma a necessidade da razão “orientar e ordenar”
o desejo, e pode-se inferir que não o faz unicamente sobre os meios, mas também dos
fins. [Ou seja; o desejo é responsável por colocar o fim, para cuja realização cabe à razão
escolher o meio adequado. Dada a ineficácia do desejo, é necessário que o agente se
oriente pela razão para que haja um aperfeiçoamento de sua tenção. Como o fim nos
aparece em função de nossa disposição de caráter, é preciso que a razão influencia a
disposição, o que é feito pela educação e pelo hábito de praticar ações que criam uma
disposição semelhante com base em sua repetição (EN II 1 1103b23).
É sabido que a filosofia prática de Aristóteles confere a importante função ao
desejo de determinar os fins, colocando a razão prática em função de buscar o êxito na
realização do que o desejo coloca com fim. Como vimos, a razão prática não é apenas
prescritiva, mas também crítica acerca dos meios e pode recursar-se a agir. Ou seja,
acerca dos meios, pode-se dizer que a razão prática tem predominância e é decisiva ao
deliberar sobre as razões de agir. Mas o desejo carece de ser auxiliado também em sua
intenção, em sua função de colocar como fim o bem verdadeiro, e Aristóteles também
indica que de algum modo a razão deve incidir também sobre os fins ao orientar o desejo
em sua função teleológica. De fato, Aristóteles manifesta a importância da razão prática;
ela deve orientar o desejo, ela que dá a medida do justo-meio e é ela que escolhe os
meios, podendo recusar a realizar a ação. Contudo, ela não determina o fim por
deliberação, apenas o desejo pode fazê-lo, não contudo por deliberação, mas parece
que coloca o fim naturalmente. Disso não se segue que a razão de algum modo não se
relaciona com o fim. Interpretamos que ela o faz de modo indireto, isto é, através de
sua influência sobre as disposições morais dos agentes, sendo a disposição a condição
prévia para que a razão prática opere. Inicialmente, a razão que educa o agente é
exterior a este, na forma de supervisão e orientação dos educadores, e só a partir da
disposição formada em desejar o bem que a parte desiderativa está apta a desejar o que
é indicado pela reta razão como ação correta. Visto que é a característica da disposição
moral que discrimina o que o desejo reconhece como bem e o que põe como fim, a
educação que forma os caracteres fixos deve criar certa disposição moral no agente, que
ocorre através do hábito e do exercício de ações virtuosas. O desejo deve ser orientado
para o fim correto, ou, como mostrou já Tomás de Aquino, ele busca naturalmente o fim
último, em função do qual todos os outros fins podem ser tidos como meio. Por isso,
não atenuamos a clássica doutrina da distinção que o desejo é desejo de um fim, e a
escolha o é de um meio. Pode-se reconhecer a sofisticação da doutrina de Aristóteles a
partir da compreensão correta acerca do desejo, compreendendo que esse não é
refratário à razão; ao contrário, Aristóteles manifestamente descreve a escolha como
desejo raciocinativo, indicando o processo cognitivo que está por trás da formação da
disposição de caráter, e como raciocínio desiderativo, indicando a influência que o
desejo tem sobre o pensamento prático que visa a realização de um fim. Portanto, o fim
aparece como tal para o desejo a partir da natureza prática do agente, que é formada
tanto pela prática de atos que criam uma disposição semelhante através de sua
repetição, como pela apreensão da justa medida dada pela razão, que cria uma
disposição no agente a agir como se deve, e agir como se deve é agir moderadamente.
Em outras palavras, apesar do desejo provir da parte irracional, ele é influenciado tanto
pelo elemento cognitivo do agente como pelas atividades que são realizadas. Apenas
assim é que se pode entender a doutrina de Aristóteles que, se de fato não responde a
todas expectativas de uma teoria moral, ainda assim apresenta uma rica proposta em
boa medida graças ao papel dado ao desejo no sempre em aberto trajeto da ações
humanas.
Desejo deliberante
Temos que considerar que a razão exerce uma dupla função; ela deve ser capaz
de determinar o que é verdadeiramente bem e poder orientar o desejo em sua intenção,
isto é, em sua função mesma de ser determinante dos fins, e também ser capaz de uma
vez que foi colocado o desejo, ter a função de dar as razões de agir corretas para obter
o fim, e nesse ínterim ser-lhe aberto a possibilidade de recusar-se a agir em razão de
escolher em vista de razões. O desejo, por sua vez, deve de algum modo poder se
influenciar pelas razões de agir dadas pela razão correta, pois apenas desse modo
podemos entender esse processo como possibilidade de aquisição da virtude moral pelo
agente.
A intepretação adotada da passagem que afirma que pode o desejo ocorrer em
conformidade com o que foi deliberado, como mostramos, contradiz a afirmação
expressa na EN que se delibera sobre os meios e não sobre os fins. Desse modo, acredita-
se que se impõe a leitura que Aristóteles afirma que se passa a desejar o meio após a
conclusão da deliberação.
O esquema meio-fim está na base da ética aristotélica é finalista e se relacionam
com a parte racional e a parte irracional da alma. É interessante iniciarmos pela parte
racional, pois Aristóteles a divide também em duas partes, as quais se relacionam no e
tem grande influencia no propósito de educação da disposição do agente para que se
incline aos desejos corretos. Aristóteles inicialmente divide a alma racional entre a parte
científica e a parte calculativa (1139 a 3-15). A distinção dessas partes assim
denominadas, inspirada por uma operação tipicamente platônica, está no objeto. Os
objetos necessários e imutáveis são os objetos da ciência, enquanto que os objetos
contingentes42 o são da função calculativa. Como diz Aristóteles, na parte da alma
42
Aubenque analisou longamente a contingência, que é o elemento que possibilita Aristóteles
situar a função prática como ação moral que visa ao bem do homem sobre aquilo “que pode ser de
maneira diferente” e que é variável. Para Aubenque, o contingente representa o estado de inacabamento
e imperfeição do mundo e que por isso convida o homem a agir em seu torno. Essa análise do contingente
como inacabamento será posteriormente abordada.
dotada de razão há uma parte “que nos permite contemplar as coisas cujos primeiros
princípios são invariáveis, e outra que nos permite contemplar as coisas passíveis de
variação” (EN 1139 a 8).
Contudo, como mostrou Gauthier (pág 27), no mesmo parágrafo Aristóteles
introduz outro vocabulário para distinguir as funções da parte racional. Desta vez, diz-
se que a parte racional possui duas funções distintas; uma tem função contemplativa e
a outra parte tem função prática. O que distingue o pensamento prático do especulativo
não é mais o objeto, mas sua finalidade. O pensamento prático (praktikon dianoètikon)
leva à ação para obter determinado fim, enquanto que o pensamento contemplativo
(théôrètikè dianoia) é apenas pensamento que visa ao saber e não à ação; por isso, “o
pensamento por si mesmo, todavia, não move coisa alguma, mas somente o
pensamento que se dirige a um fim e é prático” (EN VI, 2, 1139 b 6). A diferença,
portanto, é que o pensamento prático é um pensamento que está impregnado de
desejo, pois que visa agir ao se propor a realização de um fim que é objeto do desejo,
enquanto que o pensamento contemplativo é puro pensamento.
Em outra comparação feita por Aristóteles, distingue-se a ação (práxis) da
produção técnica (poiésis).
>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>
No entanto, é importante dizer que essa operação intelectual não postula que a
ação correta é cientificamente determinável, pois as exposições na Ética a Nicomaco
insistem que o acerto na escolha deliberada é uma virtude da parte calculativa, e não
científica, da alma racional. Como afirma Aubenque, a “deliberação seguida de escolha
[...] é totalmente distinta de um raciocínio seguido de conclusão”, pois a deliberação
ocorre em domínio bastante específico sobre o possível objeto de escolha e temos,
entre um e outro, justamente o desejo enquanto medietizador e que deve estar
preparado para acolher a prescrição da razão. Não é outra a razão porque Aristóteles
vai afirmar que mesmo a virtude intelectual “por via de regra, gera-se e cresce graças
ao ensino — por isso requer experiência e tempo” (EN, II, 1, 1103 a 14). Ou seja, a
atividade intelectual virtuosa que opera com o fim de agir não o faz de modo científico,
mas calculativo, e como participa da escolha tanto razão como desejo resulta que a
operação intelectual por si mesmo não assegura uma ascenção direta ao Bem, como por
vezes parece ser a proposta socrática. Importa dizer que o conceito de “razão correta”
(ortho logos) de Aristóteles se refere, dentro do contexto das ações humanas, à
prudência (phronesis) que busca determinar o meio-termo apropriado das
circunstâncias singulares das quais depende a efetiva realização de cada ação virtuosa.
Dessa forma, falar em “razão correta” em Aristóteles não significa uma razão que busca
verdades morais43 no sentido socrático de estabelecer determinado acervo de
proposições verdadeiras que, uma vez conhecidas, garantem a ação virtuosa, e que era
o sentido que Sócrates conferiu ao logos. Em Aristóteles, o uso correto da razão trata-
se do procedimento da parte calculativa que é capaz de decidir a melhor ação que deve
ser feita, quando e como deve ser feita. O uso correto da razão, portanto, não remete a
um cálculo racional que o agente possui previamente, mas ao meio-termo que depende
de uma série de fatores singulares. Por essa razão Aristóteles descreve a virtude moral
como disposição (hexis) do agente, pois essa envolve a virtude intelectual e a virtude
moral, que agem conjuntamente tanto pelo conhecimento da ação correta como pelo
hábito de praticar atos justos e moderados, induzindo a uma tendência semelhante no
agente e o faz ter prazer nas ações verdadeiramente boas. Desse modo, uma
interpretação intelectualista da moral de Aristóteles aponta que além da razão como
orientadora na ação, deve ser possível ou, ainda mais, necessário que o desejo possa ser
preparado para ter como objeto o que a razão aponta como bem. Como foi dito, o
desejo visa ao prazer, e fruir com as ações moralmente boas é a possibilidade de
harmonização entre a parte irracional e racional do homem, que Aristóteles reconhece
como condição para uma vida virtuosa que é marcada por uma constância e habituação
de boas atividades.
43
Aristóteles chega a dizer “verdades morais” no sentido teorético, de conhecimento pelo conhecimento
sem ter em vista uma utilidade ulterior. Contudo, como aponta Angioni, salvo essa passagem, o outro uso
conferido à razão correta (ortho logos) é sempre o da razão decidir a melhor ação em referência a um uso
em referencias a circunstâncias particulares, uma vez que Aristóteles define a prudência como virtude da
parte racional, à qual cabe determinar o meio-termo.
Como vemos, a proposta ética de Aristóteles supõe a natureza humana
determinada pelo desejo a buscar o fim último (eudaimonia), cuja realização é possível
através da educação moral baseada no que prescreve a razão. Não é postulado,
portanto, uma oposição irredutível entre a parte irracional e racional do homem; pelo
contrário, pode-se reconhecer formação antropológica e psicológica no homem como
suscetível e propiciadora da formação moral, assim como certa conivência cosmológica
ao permitir a vinculação da bondade com o prazer. Alguns intérpretes, ainda que
reconheçam na existência humana a possibilidade do aperfeiçoamento moral em
Aristóteles, não deixaram de sublinhar alguns paradoxos na psicologia, antropologia e
também de ordem cosmológica44, do que também falaremos adiante. Assim, a forma
como as partes da alma se influenciam apresentam um processo complexo que precisa
ser deslindado. Então, consideremos: se o desejo é insuficiente por si mesmo de
determinar a ação correta, e é a razão que compreende o fim moralmente bom; se,
contudo, segundo Aristóteles a razão apenas delibera sobre os melhores meios de
realizar os fins que são colocados pelo desejo, como a razão pode operar na constituição
dos melhores objetivos do desejo, fazendo-o recair não sobre o que é
indiscriminadamente prazeroso, mas verdadeiramente bom e prazeroso? Sabemos que
a possibilidade da razão se envolver no fim correto que foi adotado pelo desejo é
condição para aquisição da virtude moral, que é a educação do desejo para que este
sinta prazer com as ações morais. Desse modo, cumpre esclarecer o complexo
procedimento que faz com que a razão influencie o desejo na adoção dos fins
moralmente bons, ainda que a parte calculativa da razão diga respeito aos meios
apropriados para o alcance do objeto da ação.
44
O problema da cosmologia em relação com a prudência é bastante explorado por Aubenque em A
prudência de Aristóteles. O problema antropológico é apontado por Gauthier em La morale d´Aristote.
agente. Nesse sentido, a aquisição da virtude requer, para além da prudência, também
o “hábito moral concernente às emoções”. É sabido que o elemento cognitivo está presente
na proposta aristotélica, uma vez que não é o desejo mas a razão que é capaz de
compreender e prescrever a ação correta. Ainda assim, o trabalho desempenhado no
desejo pela formação através do hábito age como algo que se soma à razão, e nesse
sentido não apenas a razão influencia o desejo, mas o desejo também influencia a razão.
Com efeito, Aristóteles diz que “a virtude diz respeito a ações e emoções”, sendo a
disposição (hexis) o estado segundo o qual nos portamos bem ou mal diante das emoções
(1105b 25-26). Aristóteles considera duas formas de educação do desejo; uma é o modo que a
razão é feita
Desse modo, podemos dizer que o indivíduo que desde a tenra idade foi habituado a
desejar a ação correta e a fruir com sua realização tem maiores chances de atingir o alvo quando
ademais, afirma que a ação “virtuosa é bom por si mesma”. Isso nos leva a questionar
se todo agente que pratica a ação virtuosa sentirá prazer
mas porque os atos que estão de acordo com as virtudes tenham determinado caráter,
não se segue que sejam praticados de maneira justa ou temperante. Também é
importante que o agente se encontre em determinada condição ao praticá-los: em
primeiro lugar deve ter conhecimento do que faz; em segundo, deve escolher os atos,
e escolhê-los por eles mesmos; e em terceiro, sua ação deve proceder de um caráter
firme e imutável.
[Ora: a excelência moral se relaciona com as emoções e as ações, nas quais o excesso é
uma forma de erro, tanto quanto a falta, enquanto o meio termo é louvado como um
acerto; ser louvado e estar certo são características da excelência moral. A excelência
moral, portanto, é algo como a eqüidistância, pois, como já vimos, seu alvo é o meio
termo.] A excelência moral, então, é uma disposição da alma relacionada com a escolha
de ações e emoções