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[IN]EXISTÊNCIAS

MITOPOÉTICAS

JOSÉ ALEX SOARES SANTOS


UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

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Vice-Reitor
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Editora da UECE
Erasmo Miessa Ruiz

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[IN]EXISTÊNCIAS
MITOPOÉTICAS

JOSÉ ALEX SOARES SANTOS


© 2014 Copyright by José Alex Soares Santos
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Coordenação Editorial
Erasmo Miessa Ruiz

Diagramação
Larri Pereira

Projeto Gráϐico
José Alex Soares Santos

Capa
Antonio Carlos Bonϐim

Revisão de Texto
Francisca Geny Lustosa

Ficha Catalográϐica

Catalogação da Publicação na fonte

S237i
Santos, José Alex Soares.
[In]existências mitopoéticas / José Alex Soares Santos ;
prefácio de Geny Lustosa. - Fortaleza : EdUECE, 2014.
81 p.
ISBN: 978-85-7826-194-8
1. Poesia. 2. Mitologia. 3. Poeta - sentimentos. I. Lustosa,
Francisca Geny. II. Título.

CDU : 82-1
Catalogação pela Bibliotecária Joyanne de Souza Medeiros CRB 15/533.
In Memoriam:

José Edilson dos Santos,


alguém que deixou saudades e a quem é
dedicado, o poema, “Pai”.
Aos meus quatro grandes amores na vida:

Alexandre Almeida [filho tesouro adorável];


Mª Izaira Soares dos Santos [Géia linda e amável];
Geny Lustosa [Afrodite de beleza incomparável];
e à crítica social [companheira maleável e
inesquecível].

Sem vocês essa singela mitopoesia


não teria sido possível...
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................11

POÉTICA DO DEVANEIO.....................................................................................................15

PARTE I - MITOPOESIA .......................................................................................................21


DEUSA DA SEDUÇÃO ...................................................................................................................23
APOLO E DIONISO ........................................................................................................................24
PELOS DEUSES .............................................................................................................................. 25
ENDIMIÃO E MEU MODO DE SER ........................................................................................ 26
FILOSOFIA ....................................................................................................................................... 27
AMBROSIA ...................................................................................................................................... 28
CÓPULA QUE A FÊNIX FEZ RENASCER ...............................................................................29
SONETO À POSÍDON ....................................................................................................................30
À DEUSA AFRODITE ....................................................................................................................31
AFRODITE E ADÔNIS...................................................................................................................32
ANÊMONA ........................................................................................................................................33
AO DEUS EROS ...............................................................................................................................34
ARMADILHA DE EROS ................................................................................................................35
SOPRO DE ÉOLO ............................................................................................................................36
EOS: O PARTO DO DIA .................................................................................................................37
DESTINO DE IO ..............................................................................................................................38
BENÇÃO DE DIONISO À LUTA COM ARTE ..........................................................................39

PARTE II - INTERFACES POÉTICAS ............................................................................41


VIVEMOS PARA QUÊ ....................................................................................................................43
PAI........................................................................................................................................................45
A PARTIDA........................................................................................................................................46
TREM DA VIDA ...............................................................................................................................47
TÂNATOS: A MORTE ....................................................................................................................48
ENCONTRO COM O NADA..........................................................................................................49
DEPRESSÃO .....................................................................................................................................50
SER LIVRE ........................................................................................................................................52
BOEMIA EXCITANTE....................................................................................................................53
VELA DO FILOSOFAR...................................................................................................................54
A GREVE ............................................................................................................................................55
SANGUE REVOLUCIONÁRIO .....................................................................................................56
O CAPITAL E A BARBÁRIE.........................................................................................................57
INCONTROLÁVEL CAPITAL ......................................................................................................58
ARQUÉTIPOS DO CAPITAL....................................................................... .................................59
FULMINANTE CAPITAL ..............................................................................................................60
O MALVADO CAPITAL ..................................................................................................................61
O CAPITAL E OS SENTIDOS DO TRABALHO ......................................................................62

PARTE III - POEMAS NATUROMÂNTICOS ............................................................63


PÔR DO SOL .....................................................................................................................................65
PALAVRAS AO VENTO .................................................................................................................66
AMANHECER DE SAUDADES ...................................................................................................67
ENCONTRO SEM PROCURA ......................................................................................................68
SELENE E EOS ................................................................................................................................69
FLOR DA TOSCANA ......................................................................................................................70
NO PÔR DO SOL, O BOLERO DE RAVEL ...............................................................................71
SONETO D’AMANTE ....................................................................................................................72
OLHAR DE SELENE ......................................................................................................................73
VIVER D’AMOR ...............................................................................................................................75
TERRA MOLHADA ........................................................................................................................76
AMOR E PAIXÃO ............................................................................................................................77
CHUVA LITORÂNEA .....................................................................................................................78
FERIDO POR EROS........................................................................................................................79
ARCO-ÍRIS NA CIDADE................................................................................................................80
PÉROLA OU FLOR .........................................................................................................................81
APRESENTAÇÃO

[...] Que a arte nos aponte uma resposta


Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer...
(Oswaldo Montenegro)

O
que leva alguém a escrever poesia e aven-
turar-se no mundo da criação literária? Os
motivos são vários e, diversos são os matizes
da sentimentalidade posta em versos, como forma
de manifestação da beleza poética. Com inspira-
ção em tais sentimentos começa a gestação estéti-
ca da obra [In]existências mitopoéticas.
O nascedouro de filho tão amado está poeti-
camente vinculado as [in]existências experimentadas
pelo autor ao longo de sua trajetória, entrecortada de
vivências pintadas pelas cores do arco-íris, bem como
pelo tom de chumbo de nevoeiros, acompanhados
de trovoadas.
Dizemos isso, em virtude de ter despertado o
interesse pela poesia no momento em que nos re-
cuperávamos de uma primeira crise depressiva, a
qual precederia outras e, diante delas, mais poesias
que revelam estados emocionais os mais diferentes
e jamais imaginados. No entanto, acreditamos que

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são nas circunstâncias vividas e sentidas profunda-
mente que se fazem os poetas. O poeta é aquele
que tatua suas emoções na alma, para em seguida,
transpô-las ao papel por meio da escrita, ou simples-
mente declamá-las.
São tais [in]existências que nos levam ao en-
contro do deus Dioniso e, quando nos deparamos
com este, somos capazes de musicar, pintar, poe-
tizar em vários tons e matizes, a tristeza e a melan-
colia, a sensação de prazer e alegria, os efêmeros
momentos de felicidade, bem como todas as mani-
festações do que há de mais subterrâneo nas entra-
nhas de nosso ser obscuro e repleto de incógnitas.
Com os fios aqui delineados, começamos a
tecer a rede filigranada por emoções, sentimentos
e a força da paixão com reverência aos deuses e
deusas da mitologia greco-romana, a partir da sen-
sibilidade poetizada. Seja homenageando-os, ou
utilizando-os como metáforas para revelar paixões,
amores, saudades, lutas e, por fim, a crítica social
à ordem sociometabólica do sanguinário e parasi-
tário capital. É com esse tom que a primeira parte
da obra constitui sua tessitura estético-política, sob o
título de Mitopoesia.
Como a candura das luzes de Nepal vai sur-
gindo os contornos da parte II, intitulada, Interfaces
poéticas. Nesse ponto da obra temos poemas sobre

12
a dramaticidade e a simplicidade da vida. O conjun-
to de poemas aqui reunido, em específico, convida
o leitor a viajar em um caleidoscópio existencial, ou
seja, com as questões que habitam a vida e prenun-
ciam a morte, na mais terna dialética dos contrários.
Por fim, na parte III - com o título de Poemas
Naturomânticos - aparecem os poemas que bus-
cam apresentar com romantismo o contato do po-
eta com a natureza interiorana da “Terra das Pedras
que Estalam”, a querida cidade de Itapipoca. O sur-
gimento da aurora, o desaparecimento da lua; o pôr
do sol; a noite acompanhada pelo nascimento do
luar; o cheiro da terra molhada nas primeiras chuvas
de janeiro; o emergir da relva orvalhada, bem como
trata de aventuras e desventuras amorosas, sem as
quais não conseguimos nos fazer humanos, dema-
siados humanos, ou seja, sempre abertos para amar,
ter prazer, sofrer, chorar, sorrir e termos momentos de
felicidade - elemento que se apresenta para o ser
humano como horizonte, ou seja, quanto mais bus-
camos, mais insiste em afastar-se.

José Alex Soares Santos.


Itapipoca, 11 de outubro de 2013.

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POÉTICA DO DEVANEIO

Geny Lustosa
Profa. da Universidade Federal do Ceará - UFC.
Pedagoga, Me. e Dra. em Educação Brasileira pela UFC.

[...] O mito atrai, em torno de si, toda a parte do irracional


no pensamento humano, sendo, por sua própria natureza,
aparentado à arte, em todas as suas criações. E talvez seja
este o caráter mais evidente do mito grego.
(Junito de Souza Brandão)

A
s experimentações poéticas com as quais
nos deparamos nesta obra traduzem o re-
conhecimento do poeta, tanto na melodia
exalada, quanto nos sentidos e significados que este
oferece. Esta, preserva a unidade da marca huma-
na e de sua intensidade, junto com a enorme ca-
pacidade de paixão, reunidas em um sentido poéti-
co. A poesia de Alex Santos faz-nos imergir, destarte,
em algumas de suas instâncias de passionalidade: a
vida e seus desejos mais pulsantes – o amor, o medo,
a dor, a separação, a luta social...
A Mitologia, fio condutor de sua obra, nos
parece apenas o pretexto (um contexto?) retrata-
do pelos arquétipos de deuses e deusas, bem como
nas narrativas e simbologias que enredam. Tal como
Sherazade, o poeta encanta quando começa a

15
contá-las, vez por outra; encanta, principalmente,
por amar e conhecer com tanta propriedade as nar-
rativas mitológicas, no que faz emergir uma verda-
deira sistematização e explicação do Olimpo - Pan-
teão dos deuses.
Quando ao perguntar-se sobre o que leva al-
guém a escrever poesia e aventurar-se no mundo da
criação literária, não ousamos sequer tentar aventar-
mos possíveis respostas, mas não seria, talvez, a credi-
bilidade de que o processo criativo é produtor de seres
humanos e mundos, no qual pode se fundamentar o
humano em sua capacidade de reinvenção?
Mesmo não podendo perspectivar de fato,
respostas absolutas para indagação tão particular,
apreendemos parte das inquietações atuais, con-
cernentes ao autor, acerca da natureza e da pos-
sível interrelação “arte-ser humano-mundo-transfor-
mação social” (aqui formuladas sob nossos grifos!).
Qual a potência dessa linguagem para os
processos de reinvenção dos sujeitos, na produção
de novos modos de existência social, ou como diria
Nietzsche, de novos processos de “subjetivação dis-
sidente?” E na luta revolucionária, qual a possibilida-
de de produzir “sujeitos resistentes ou linhas de fuga
e devires?”
Nesse instante nos ocorre, que suas inda-
gações gravitam em verossimilhança a Bachelard,

16
quando se debatendo com os problemas colocados
pela imaginação poética se inquieta em reflexões, e
para quem a imagem poética é “comparada em
arquétipo adormecido no inconsciente.”
Em seus poemas, imaginação poética transi-
tam em [in]existências que devaneiam entre o mito
e a realidade, que bailam, dançam na leitura do
mundo - um mundo que prescinde tão fortemente
da arte, da criatividade como reinvenção. É a pró-
pria poética do imaginário, tal como Bachelard a
compreende. Em [In]existências mitopoéticas, essa
poética emerge em metáforas, como um produto
direto do coração e da alma de seu autor, arreba-
tado na leitura citadina do cotidiano em sua atuali-
dade.
Ao pensarmos sobre os poemas e nas narra-
tivas da mitologia expressas na referida obra, bela-
mente encontramos Alex Santos em duas principais
personificações, as quais temos a sensação de que
este se conjuga, em uma unidade-dual, “Apolo e
Dioniso”.
A nós, esse par de contrários aparece tam-
bém em sua poética, pois o autor utiliza-se do que é
dionisíaco, ou seja, do que é criativo, caótico, eston-
teante e do esteticamente embriagante presente
nas vicissitudes humanas, pari passu, em se tratando
do apolíneo, concilia a unidade dialética da beleza,

17
harmonia, da perfeição, da sistematização que es-
tão mais presentes nas virtudes. Estes aspectos estão
claramente perceptíveis no poema “Apolo e Dioni-
so”: [...] “um, é todo impulso, força e violência. Ou-
tro, juventude, luz e canção. Ao unirem-se dão vida
à arte criadora, necessidade destrutiva, princípio de
ordenação”. (p.16).
Revisitando Bachelard, mais uma vez, para
quem era imperativo se chegar a uma “fenome-
nologia da imaginação poética”, em limites bem
singelos, esta “mitopoesia”, indica uma resposta à
indagação do filósofo francês, posto que as motiva-
ções poéticas de Alex Santos são sempre da ordem
do desejo pulsante do humano. Ao lê-las, vemos as
(re)leituras da mitologia no tempo presente, ou seja,
nos componentes da realidade: no amor, na crítica
social, na contemplação dos fenômenos da nature-
za, uma vez que tais parecem consolidar, de modo
exemplar, as existências que o poeta prefere se per-
guntar se reais ou não. [In]existentes?
Nessa polifonia entre existências e [in]exis-
tências, está situada a ponte que é construída en-
tre mito e poesia? Que semelhança temos nós e o
mundo em que vivemos hoje com essa ordenação
mitológica?
Arriscamos a crer que a poética propos-
ta nesta obra, na técnica, métrica, (des)alinhada

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é dionisíaca, mas suas repercussões imagéticas no
pensamento e as sensações que produzem na sub-
jetividade dos que a leem poderiam ser compara-
das ao efeito apolíneo: certeiras no alvo, no cora-
ção e na alma d’aqueles(as) que, agora, podem ter
contato com tão sutis informações sobre o universo
mitológico, que aqui são partilhadas, pertencente a
poucos, mas que em tempos remotos, já explicaram
e organizaram o mundo.
Em síntese, ousamos afirmar que a “aprecia-
ção ética e estética da vida” parece ser o fio que
costura os versos e poemas que por hora expressam
a reinvenção da “poética do devaneio”.

Fortaleza, 16 de outubro de 2013.

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PARTE I
MITOPOESIA

Arte: Carlos Bonfim

O mito é o nada e o tudo.


O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,


Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
(Fernando Pessoa)
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

DEUSA DA SEDUÇÃO

Onde estará,
Bela Afrodite?
Deusa da sedução
Que desperta prazeres!
Elementos da paixão
Na deidade consiste.
Olimpiana mais linda
E perfumada que existe.
Das graças recebeu a beleza,
Por Posídon abençoada,
Da genitália de Urano gerada,
De Zeus, a sua realeza.
Foi por Ares muito amada,
Por Hefesto desposada,
No entanto, Adônis
É por quem foi enamorada.
Teve Eros como filho
Que Psiqué adorava
Pelo travesso conquistada,
Deixando a mãe enciumada.

23
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

APOLO E DIONISO

Em sua carruagem dourada, Apolo,


Distribui as chamas que aquecem o dia,
Fazendo da ordem sua grande primazia
Enquanto espalha seu clarão entre os polos.

Eis que Dioniso constitui audiência


E estabelece a embriaguez em seu solo
Para os artistas, boêmios e poetas o consolo,
Enquanto os errantes sentem sua ausência.

Jogo de contrários, funda a existência,


Morte da inocência, nascimento da paixão.
Caos e incerteza, beleza e contemplação
Germinam nas entranhas da contingência,

Deixam em escombros desvairada solidão!


No Olimpo são de notória presença.
Um, é todo impulso, força e violência,
O outro, juventude, luz e canção.

Ao unirem-se dão vida à arte criadora,


Necessidade destrutiva, princípio de ordenação.
Controle repressivo, vontade de libertação,
Portal da verdade e mentira sedutora.

Ó filhos de Zeus, grande deus do trovão!


Irmãos de Atená, sagaz deusa da inteligência.
Dioniso, as festas e a alegria são tuas vivências,
Já o deus Apolo é luz, serenidade e contemplação!

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JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

PELOS DEUSES!

Filha de Afrodite auxiliada por Eros teu irmão,


Seduziu-me com teus encantos e tua voz sibilante
Alinhou-me em tua luz de raio ofuscante...
Tomando para ti o amor de enternecido coração.

Dioniso condoído ofertou-me o vinho embriagante,


Para olvidar os suplícios advindos com a paixão
E ao Hades não sucumbir, empurrado pela solidão.
Salvaguardai-me do subterrâneo, oh, vida entediante!

Retornando da embriaguez é Prometeu que sou,


Dores fulminantes consomem-me as entranhas
Feito águia a devorar-lhe nas escarpadas montanhas.
Este castigado por Zeus e eu pelo deus do amor.

Como Electra é trágica a vida de quem ama,


A espera de quem não volta, a ermo desprezada,
Desvanecendo em lágrimas, pelo sofrimento esgotada.
Ultrajada no próprio lar e corrompida pela infâmia!

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[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

ENDIMIÃO E MEU MODO DE SER

Em meu modo de ser,


Não consigo me ver
Na forma de Endimião,
Mito de infinita perfeição!

Por Zeus atendido


Em estranho pedido.
À eterna conservação
Da beleza, sucumbi a ação.

Prefiro viver o pecado


Como experimentado
No Éden, por Eva e Adão,
Ao provarem a fruta da perdição.

Por Deus abandonados


Ao mundo condenados,
A uma vida de aflição
Por descobrirem a paixão.

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JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

FILOSOFIA

Ambrosia que alimenta a alma de alegria,


Néctar refrescante da sede de conhecimento,
Acordes da lira de Apolo para o pensamento
Teus amantes seguem fecundados de sabedoria.

Das ideias socráticas tornaste apologia


Na luta entre a crueza da ignorância
E a resplandecente clareza da esperança,
Com Platão no Mito da Caverna foste alegoria.

No idealismo contemplação, no marxismo militância


Por Nietzsche tocada de pessimismo existencial,
Nasce o filosofar do martelo, prometendo vingança

À racionalidade moderna em seu pedestal.


Abalo nos paradigmas, crise e inconstância...
De Foucault à Derrida se fez pós-modernisno irracional?

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[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

AMBROSIA

Manhã de domingo, casa vazia,


Televisão ligada, solidão.
Você tatuada no coração,
A passear em pensamentos
Torna-se a única companhia.
Uma flor de adocicado perfume,
Conduz a aromáticas lembranças
De Eros, envolto a fragrâncias
De eterna e solene primazia.
Pelo deus Apolo iluminada
Tua beleza espalha e irradia,
Ao despertar sonhos dourados,
O pólen de suave alegria.
Fonte de néctar e ambrosia,
Alimento de divina dinastia
No Olimpo, apascenta a agonia
De seres divinos e adorados.

28
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

CÓPULA QUE A FÊNIX FEZ RENASCER

Na pele branca, sedosa e suave


Caminha o suor intenso do prazer.
O calor de corpo nu aquece o ser,
Como notas organizadas em clave.

A beleza encantadora faz renascer


Feito Dioniso, fugindo de ira obscura
Ou a Fênix ressurgindo de terra escura,
Vencidas as cinzas pela vida do arborescer.

A voluptuosidade do gozo desprendida


Com os arrepios do corpo a crescer.
Intensidade fremida, impossível de conter
Sob a pele sem mácula e límpida,

No solstício de inverno é entardecer.


Na carne crava-se o sopro da vida,
Tez latente que explode compelida
Pela força do desejo de querer ser.

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[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

SONETO À POSÍDON

Olho pela fresta da janela


E vejo o imenso Posídon a balançar.
Vem e volta, incessante sem parar
Traz à minha presença barcos sem vela,

Nas ondas espumantes de meu despertar.


O som dissonante de forte melodia,
Uma orquestra de vento e maresia,
Extasiado fico a ti contemplar.

Logo recebe de Apolo companhia


Com seus raios cor de ouro a brilhar.
Esmaece a aurora, anúncio do dia,

De fulgurante espelho em pleno mar.


Águas quebradas, tom de melancolia,
Cores entreabertas pela brisa do ar.

30
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

À DEUSA AFRODITE

Sensual Deusa Vênus, nascida da espuma do mar


Gerada dos laços de Zeus e a ninfa Dione
Dos homens recebe culto por tua beleza sem par
Por isso teus epítetos de Pandêmia e Anadiôneme.

Tão esplêndido é teu arquétipo e cruel tua vingança


Àqueles que a cultuam, os encantos do amor
Para os que te desprezam, amargura e dor
Sobre tua deidade o oposto se lança.

Em Ares atirou-se com paixão e adúltero ardor,


Fez nascer em Hefesto a desconfiança,
Voltando-se para Adônis com seu estilo sedutor,

Ao tirá-lo de Perséfone, rompe divina aliança.


Ares, enciumado desperta em Ártemis a matança,
Interveio Zeus, mantendo no Olimpo a temperança.

31
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

AFRODITE E ADÔNIS

Deusa Afrodite mãe do amor


Com belos traços se formou,
O contorno de poder sedutor
Nas espumas do mar se criou.

Filha das águas, Posídon abençoou!


Aceita por Zeus na olímpica realeza
Tratou de espalhar infinita beleza
Ao assumir a forma de pérola e flor,

Por Adônis o Olimpo abandonou.


Encantada com sua juventude e destreza
Seus lugares favoritos não mais visitou.

Das feras que armou a natureza


Esforçou-se para afastar o caçador
Quando um javali o atacou: que tristeza!

32
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

ANÊMONA

Flor efêmera, os teus botões,


Ao sopro do vento se abrem
E tuas pétalas logo caem,
Memórias de Vênus, lamentações!

Do sangue tua cor logo brotou


De Adônis no solo mortificado,
Sobre o colo da deusa consolado
Lembrança trágica de tristeza e dor.

Sentida por Afrodite que ficou


Como a ti ao ser despetalada,
Ao sentir que Zéfiro chegou.

Igual a romã é teu encarnado


Superior, portanto, é teu amargor,
Símbolo da perda de jovem amado.

33
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

AO DEUS EROS

Formoso deus, arco e flecha a contento,


A ferocidade dos corações amansa,
Feito amantes unidos por tua lança,
Impossível ser amado sem teu consentimento.

Espalha sobre Réia tuas sementes vindouras,


Por Psiqué a paixão e, de Vênus o ressentimento.
Sem consolo, abandonado nos confins do firmamento,
Floresce a mata virgem de anêmonas e papoulas.

Tua beleza divina contorna o vermelho das rosas


Em vestes de púrpuras e aromáticas lantejoulas,
Fragrância sedutora, sensibilidade corola.

Faz a volúpia intensificar ao diminuir o respirar


E, em delírios inebriantes de aliança venturosa,
Êxtase magnânimo, una dois em um só par.

34
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

ARMADILHA DE EROS

Eros da aljava a flecha sacou


Em tiro certeiro meu peito alvejou.
Rendi-me aos caprichos da paixão
E confiei a ti meu abnegado coração.

Vivemos por um tempo com ternura e sedução,


Entregues ao invólucro do bálsamo embriagante.
Enleados no manto dos deuses e deusas inebriantes,
Rasgado por ambos incorrerem em traição...

O tempo apagou o remorso e veio o perdão,


Laços e partilhas adquiriram textura
Consagramos um ao outro carinho e ternura
Até o dia que do teu perjúrio tive convicção.

Aliança rompida sem prestidigitação.


Aos prantos ficaste sem consolo,
Combalida lamuriava entre soluços e choro,
Fim trágico de doce-amarga relação.

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[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

SOPRO DE ÉOLO

Estava indo eu em busca de sossego


Aparece você em meus pensamentos,
Inebria min’alma de contentamento,
Procuro o teu colo para um aconchego.

Distante, essa hora está.


Fico um instante sem consolo,
Na face há expressão de choro
Pois estás por aí e eu por cá.

Que os ventos de lá a traga aqui,


No conforto do teu seio possa sonhar
As fantasias e contos de quem quer amar.

Sopra, sopra pelo litoral leste, deus Éolo,


Cruze os polos com asas de velo,
Mas traga esta bela, p’ra comigo morar!

36
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

EOS: O PARTO DO DIA

Ao acordar acompanho a mansidão do amanhecer,


Brisa leve movimenta as nuvens de brando caminhar!
Tu és o canto do pássaro, no arvoredo a balançar.
Eos, tua luz a manhã colore, pois é dia querendo ser.

Olho ao redor, em meio a tanta pureza, me falta você,


No aconchego dos meus braços a alvorada apreciar.
O movimento da Gaia, soberano, pleno contemplar,
Envolto por Eros a espera de Hélio que vai nascer.

O bom e o belo sempre em ti me fazem pensar


Sobre tua nobreza esplendorosa de princesa
Ao insurgir-se de fabuloso e reluzente alvorecer.

É a natureza de tantas incógnitas e delicadeza,


Preparando o dia com decência para nos receber,
No fazer-se de dourada luz em crepúsculo dilucular.

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[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

DESTINO DE IO

Jovem princesa de rara beleza, a Zeus encantou,


Grande deus pela sacerdotisa de Hera se apaixonou,
Mas, o ciúme vingativo da zelosa esposa despertou.
A filha de Ínaco, linda e desejada em novilha transformada
E como presente foi entregue à deusa enciumada.
A Argos Panoptes, de incansável vigiar, recomendada
Para o marido infiel não ter mais como a encontrar.
Nos campos de Argos pastava e a voz embargada
Só mugidos ecoavam sem a que ninguém pudesse falar.
O amante compadecido com o castigo, a Hermes procurou,
Ao filho encarregou que o cão de cem olhos adormecesse.
O mensageiro e intérprete dos deuses a siringe tocou,
Argos Panoptes os cem olhos fechou e, do cativeiro Io libertou.
Hera inconformada fez com que o tormento crescesse
Enviando-lhe grande moscardo para a novilha picar,
E em sua fuga desesperada várias terras percorresse,
Sem consolo e sem descanso em nenhuma pode parar.
Cruzou a nado o Estreito de Bósforo, até a Cítia atravessar,
Chegou ao monte Caúcaso, com Prometeu acorrentado
[foi ter].
O Titã a informou que no Egito sua forma humana ia reaver,
Seu castigo chegaria ao fim, um filho de Zeus teria,
Com Telégono casaria e uma bela e feliz rainha ia ser.

38
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

BENÇÃO DE DIONISO À LUTA COM ARTE

A luta com arte tem mais vida,


Faz da coletividade, pintura colorida
E como o arco-íris, prenuncia, vitória garantida!
Ao reunir em um só quadro as cores da conquista.

A coragem é pintada de suave, mas intensa alegria.


É como ouvir de Beethoven, a nona sinfonia.
Um caleidoscópio que reuni força, vibração, beleza e magia.
Orquestra divina que faz do diverso, elevada sintonia.

Ó arte! Tu que és por Dioniso abençoada,


Tua beleza por Afrodite apreciada
Faz da luta o Panteão de tua morada,
Ao conduzir corações e mentes para épica jornada.

A essência da práxis em ti e com a luta é revelada,


Tal qual a melodia do uirapuru assobiada,
Por um dueto de canários da floresta encantada...
É assim que potentes deidades podem ser poetizadas.

39
PARTE II
INTERFACES POÉTICAS

Arte: Carlos Bonfim

Hoje que a tarde é calma e o céu tranquilo,


E a noite chega sem que eu saiba bem,
Quero considerar-me e ver aquilo
Que sou, e o que sou o que é que tem.

Olho por todo o meu passado e vejo


Que fui quem foi aquilo em torno meu,
Salvo o que o vago e incógnito desejo
De ser eu mesmo de meu ser me deu.
(Fernando Pessoa)
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

VIVEMOS PARA QUÊ?

Vivemos para quê?


Pode ser para sentir prazer,
Ao copular em cima de outro ser
E atingir o gozo com o amanhecer.
Amar intensamente e fenecer,
Lamentar a juventude e envelhecer,
Ver no pôr do sol a luz esmaecer.

Conhecer teorias e não praticar,


Sentir a poeira nos olhos e lacrimejar,
No sorriso da criança a dor apascentar,
Quando a boca não quer calar,
E a liberdade, sorrindo, anunciar.

O perfume de a felicidade sentir.


Sustar o sono ao dormir,
Alegrar um coração ao sorrir,
Sem ao menos pressentir
Que ao acordar é hora de partir
Para um lugar bem distante dali!

Não sabemos ao certo!


Será apreciar a chuva no inverno?

43
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

Escrever poemas no caderno


Sobre Dante e seu inferno,
Lamentações de sofrimento eterno.
Negação do amor fraterno
Que o ódio fez enfermo?

Quem sabe talvez!


Viver é desfrutar da lucidez.
Sair da solidão, matar a viuvez.
Suavizar com a sensibilidade a intrepidez.
Sentir pulsar a existência com avidez.
Mostrar a alegria em toda sua nudez
Com a suavidade do dançarino cortês!

Viver para o grande final!


Apreciar o azul celestial.
Conhecer a aurora boreal.
Extravasar em noite de carnaval.
Quebrar as amarras da velha moral
Sem temer os castigos do juízo final.
Destruir seus valores como um canibal?

44
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

PAI

Poliedro Painel
Ágape, Ampliado,
Imortal. Iluminação.

Potência Paisagem
Amorosa, Atrativa,
Incondicional. Insofismável.

Pássaro Plano
Alado, Angular,
Idoneidade. Imutável.

Porção Porte
Aromática, Apolíneo,
Intimidade. Incomparável.

Portal Pórtico
Aberto, Adornado.
Imensidão. Istmo.

Paixão Paz,
Adorável, Amor.
Implosão. Imolação.

45
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

A PARTIDA

A bruma surge sorrateira na aurora,


Enroscando com leveza a rude montanha.
Penso no dia que fostes embora
Como suportar ausência tamanha?

Sopra a brisa, fios de cabelos rolam na cama.


Na memória a imagem sedutora de outrora
E a fragrância de Eros me perfuma a lembrança
Nesta dor da partida que só Cronos controla!

Passam os dias e a saudade me amola,


Sonhos e fantasias a volúpia assanha,
Sensualidade de transparente camisola.
Como suportar ausência tamanha?

Prazer lancinante a alma entranha


Como caipira à modinha de viola,
Versos sextilhados cheios de gana
Nesta dor da partida que só Cronos controla!

De problemas e tragédias a vida está cheia,


As torturas e sofrimentos, a dor acompanha.
De repente a vida de bela ficou feia...
Como suportar ausência tamanha?

46
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

TREM DA VIDA

Entre pessoas, paisagens e cores


Segue o trem da vida sua viagem,
Rumo ao horizonte pede passagem,
Feito um coro ao entoar louvores.

No espelho das águas, o verde dos montes


Cruzam-se rios, lagos, vales e serranias,
Liberdade é esperada como companhia
Na alegre travessia de mágicas pontes.

Acesso aos campos por trilhas vicinais,


Infindáveis belezas mapeadas na lembrança.
Do vivaz viajante, avizinham-se os sinais,

Ao exalar das flores a enorme fragrância.


Uma cortina de neve e o fogo dos castiçais,
Morte, percurso da existência, a última instância.

47
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

TÂNATOS: A MORTE

Tu que vens sem avisar,


Age sorrateira e fria.
És conforto de quem parte
Para quem fica, só melancolia.
Os moribundos por ti clamam,
Os que tem vida acham-te sombria.
Tristeza e dor a acompanham,
Distante está da calma e d’alegria.
Nas faces vivas choro e lágrimas,
Contingências da agonia.
Ó senhora! O teu papel,
Exerce com tanta tirania!
Impossível não ser cruel,
Em tal reinado de vilania.
Leva todos sem distinção,
Ninguém fica à tua revelia,
Seja no escuro da noite,
Seja no clarão do dia.
Estas notas compõem
Tua macabra sinfonia.
Morte sedenta:
Ceifa mais uma vida
E a esta, eterna clamaria.
Na memória dos vivos
Deixa apenas lembranças,
Saudades e lamentos:
Eis, a tua cortesia!

48
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

ENCONTRO COM O NADA

A velocidade das atuais mudanças


Deixou o ser humano atordoado.
Imprimiu à vida, ritmo alucinado
E, quase apaga a chama da esperança.

Corre-se, feito cavaleiros de Granada


Como Cervantes registrou em Dom Quixote.
Disputa-se o tempo sob o som do chicote
E segue sem descanso ao encontro do nada.

Existência plena, jamais lembrada


Ficou presa em inquebrantável caixote,
Esquecida como velho e inútil malote
Nos confins do viver desprezada.

A amizade por todos relegada.


Competir, único verbo conjugado
Na linguagem do ter, aclamado,
Solidariedade se ver ultrajada!

Na poeira do consumo perdeu-se a temperança,


Liberdade coletiva parece guilhotinada.
O individualismo é a força exaltada,
No mundo que cultiva intolerância!

49
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

DEPRESSÃO

Noite escura, negra solidão.


Sentimentos amargos e vazios.
Vida seca e ausência de brio,
Assim o é, quem sofre de depressão!

O coração de quente torna-se frio.


A morte surge como solução
Para um ser que perdeu a emoção,
Vivendo sem prazer dias sombrios.

Para o trabalho falta concentração


Porque o sono já não existe,
Junto vem a perda de apetite,
Tamanha é a sofreguidão

Que faz da alegria algo ausente.


Desânimo, constante sensação,
Resultante do viver, a negação,
Dor na alma é o que se sente.

No poço profundo do isolamento


Anda-se cabisbaixo e triste.
Perde-se o desejo em riste,
Ecoa o grito de choro e lamento.

50
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

O corpo é invadido pela lassidão.


Infinito até parece que é o tormento.
Pensar no suicídio é passatempo
De quem é companheira a aflição.

Olhar humilhado, condecorada melancolia,


Situação de alguém expressamente abatido.
Na leve sensação de que tudo está perdido,
A morte parece ser a mais nobre companhia.

51
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

SER LIVRE

Sorrir com o gesto de simplicidade.


Romper a barreira da covardia.
Superar os obstáculos com valentia.
Negar os grilhões da miserabilidade.

Enfrentar com coragem a realidade.


Guiar-se pelo horizonte da vontade.
Desviar-se dos caminhos da maldade,
Sem perder a retidão e a humildade.

Exercer a consciência revolucionária,


Contrária ao servilismo caudatário
E não perder de vista a lealdade
Com a causa da classe proletária.

Contrapor-se as ideologias reacionárias.


Superar o individualismo casuístico
Afastar-se do fatalismo místico,
Ao destruir com luta, fantasias perdulárias.

52
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

BOEMIA EXCITANTE

Lua cândida noite serena.


Eu e você embriaguez solene,
Buscando viver na grande arena
Dos bares a madrugada perene.

Música ambiente, show sem artista,


Olhares desviados, conversas perdidas.
Luzes ofuscantes encandeiam a vista
Após tantas doses de álcool ingeridas.

Copos cheios em movimentos desmedidos


Das bocas vorazes vão ao encontro
Com goles suaves aos poucos despidos
Retornam nus à mesa sem assombro.

Pensamentos insanos, ideias incertas,


Lábios nos lábios, bocas solícitas,
Paixão ardente a libido desperta,
Em meio a boemia, a carne excita!

53
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

VELA DO FILOSOFAR

Após te conhecer,
Aprendi a perguntar,
Sobre a existência do ser
E a imensidão do mar.
Foram tantos, porque?
Difícil todos explicar,
Mas, fizeram-se saber
Nas páginas do ensinar.
No teu caminho busquei,
Com a intenção de aprender
O que está por revelar.
Contigo nas ideias viajei,
Ao mundo, questionar comecei,
Depois de com Sophia dialogar.
Andando em tua presença,
Estou sempre contente.
Tristeza, só com tua ausência,
Pois, tua arte o fogo acende
A forte vela do filosofar.
Os que de ti se aproximam,
Teu calor latente logo aquece,
De ignorância ninguém padece
Quando resolve ti experimentar.

54
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

A GREVE

Atividade política, símbolo da luta


Contra a tirania, o jugo e a opressão.
Inimiga da vilania, coletiva organização
Daqueles que vivem na dura labuta.

Pulsar intenso de “sagrada” resistência


Pelas tuas trilhas a vitória se alcança.
O trabalhador ao apropriar-se de ti avança,
Exercitando o embate com persistência.

Ao emergir para o patrão, logo o faz tremer,


Desde que seja com vigor e consistência,
Mas, no afã de tua relapsa ausência,
Ai! O operário se faz forçosamente gemer.

Ao ausentar-se, dor e sofrimento aparecem,


A exploração no mundo do trabalho cresce,
Os corpos de quem a sofre amolecem,
Quando a ânsia e gana do capital apetecem.

Greve...! Jamais pode ser esquecida.


A conquista dos direitos trabalhistas,
Nunca teu horizonte, deve perder de vista,
Por garantir condições dignas de vida.

55
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

SANGUE REVOLUCIONÁRIO

Avança o povo nas farpas


Da burguesia fétida e alterada,
Sobre o poder dos burocratas,
Seguindo a trilha das FARC
E as veredas de Chiapas.
Contra coturnos e fardas
Soldados e armas,
Sem temer as ameaças
Vai constituindo tua marcha.
Povo tua história é escrita
Com sangue revolucionário!
Sem medo da desdita,
Anunciada pelos reacionários.
A coragem é tua força,
A voz coletiva teu fuzil
E a liberdade teu berçário.
Marcha povo sobre a miséria
E na revolução constrói tua estrada.
Não te deixas derrotar,
Continua firme a caminhada.
Povo tua história é escrita
Com sangue revolucionário!

56
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

O CAPITAL E A BARBÁRIE

O que penso já não falo,


O que calo já não penso!
O que falo é silêncio
De um pensar silenciado.

Vagando na catástrofe do real,


Da fatídica loucura da razão
Sem merecimento e nem perdão,
Guiado pela lucidez irracional.

Vivi como tolo e inocente, o banal.


Do bem restou a lembrança,
Ao ver assassinada a esperança,
Sobrou, apenas, o grande mal!

Saído do escuro subterrâneo


Senhor supremo e infernal,
Na mitologia, deus cruel e letal,
Deixou de herança e sucedâneo,

Aos estimados coetâneos,


Seu filho de natureza abissal.
A todos conhecido por capital,
Deus do mundo contemporâneo.

Divide o trono de sua realeza


Com sua companheira incondicional,
A sujismunda, barbárie social -
Rainha do mercado e das impurezas.

57
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

INCONTROLÁVEL CAPITAL

Incontrolável capital de dinâmica perversa,


De lógica expansionista e círculo reprodutor.
Fetichisza o trabalho, dando-lhe forma inversa,
Atribui vida as coisas e coisifica o trabalhador.

Na corrida irrefreável pela busca de mais-valia,


Tua indústria suga suor e sangue do operário,
Subjugado ao ritmo alienante do maquinário,
Expropriado da riqueza, entrega-se à vampiria.

Na tua ordem, Divina Providência é dinheiro -


Com ele se compra tudo, “inclusive” beleza e vida.
Com a hegemonia fortalecida e a fama mantida,
De todas as obras humanas faz-se engenheiro.

Na tua outra ponta, miséria e pobreza,


Somadas à fome e guerras genocidas,
Assim, avoluma-se o rol das lástimas produzidas,
Com riscos perniciosos para a vida no planeta.

58
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

ARQUÉTIPOS DO CAPITAL

Demônio da guerra, sangue da dor,


Símbolo da Terra, sábio sagaz.
Vento que soterra, onda que desfaz
Mares de saberes, mágico furor.
Espírito da cólera, esfinge da traição,
Cruz pestilenta, contos malditos,
Morte sedenta, atos ilícitos,
Vida coveira, Drácula na escuridão!
Víbora carnívora, anjo do mal!
Serpente peçonhenta, cavalo de troia,
Lúcifer em chamas, príncipe da tramoia,
Calvário dos pobres, vírus letal.
Rei dos covardes, deus da perdição.
Moinhos de vento, miragem colossal,
Cortina de fogo, teatro de sal.
Atração fatal para os fracos de coração?
Fortaleza dos inescrupulosos, martírio da simplicidade
Ou Paraíso dos corruptos e inferno dos famélicos?
És amuleto dos ambiciosos e coléricos,
Um talismã maléfico para a coletividade.
Horizonte da miséria, fonte de exploração,
Reino do consumismo, triturador da humanidade,
Oposto de comunismo, farsa de liberdade.
Fétido capital de impurezas e deslealdade,
Ponte decrépita, translado da contradição!

59
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

FULMINANTE CAPITAL

Veio o capital e o mundo fez-se castrado,


Ao exercer contra a natureza, fúria dilapidadora,
Constituindo horda sociometabólica aniquiladora.
Bens renováveis e não-renováveis são imolados.

De Gaia as energias abruptamente sugadas,


Pela lógica do desperdício vilipendiadas.
O cosmo e as vidas que nele há, ameaçados,
Pela voracidade do capital, despedaçados.

Artificiais forças de consumo são produzidas,


Vicissitudes incontroláveis que o humano coisifica,
Em nome da competitividade, desleal se fica,
Quando à lei do mercado às relações são reduzidas.

Fulminante capital, tua fome de valor é insaciável,


Devora o húmus planetário organicamente contido.
Devolve o direito à vida por ti, a muito, retido...
Garganta profunda de dimensão incomensurável!

60
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

O MALVADO CAPITAL

Avassalador, o malvado capital resiste


Às crises cíclicas e, recentemente estrutural
Que mesmo produzindo catástrofe natural
Sua incontrolável sanha persiste.

Ao expandir a tragédia social,


Alimentando-se do trabalho e do penhor.
Atribui a todas as coisas um certo valor,
Tornando-se perverso e imoral,

Na exploração impiedosa do trabalhador


Com salários indignos e precários,
A riqueza é para poucos, a pobreza de vários.
No conflito de classes tem condição de senhor.

Alimenta sua gana de “escravos” passivos,


Ávidos consumidores de bens materiais,
Onde supermercados e shoppings são catedrais
Da nova massa de “crentes” fervorosos e ativos.

Sob o fogo que derrete a cera dos castiçais,


O adorado, deus mercado, de cânone perdulário,
Vive entre abundância e miséria, o salafrário,
O que proporciona a todos danos letais!

Entre estes aparecem os desastres ambientais,


Como se Ceres do alto Panteão se rebelasse,
Em atitude irada, os humanos castigasse
Pelo negligente abandono das festas paganais.

61
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

O CAPITAL E OS SENTIDOS DO TRABALHO

Submetido à tarefa de Sísifo


Na nova “desordem” do capital,
O trabalhador sente a dor colossal
Desferida sobre Prometeu Acorrentado.
O astuto deus, por Zeus castigado
A ter as vísceras dilaceradas
Por grande águia de bico postiço.
Ao ter mutilada a subjetividade,
Pressionado pela alta produtividade
É presenteado com o destino de Io -
Herdeira de grande desespero
Corre a dimensão do mundo inteiro,
Tentando fugir de sua desgraça.
Atormentado pelo alto desemprego
Sente na alma a angústia de Ceres,
Tonando-se infértil e vazia, após
O rapto da amada filha Proserpina
Por Hades, o grande deus do inferno.
Talvez, esse seja o fiel retrato
Do submundo que habita o precariado.
A crua e doentia realidade que aliena
E escraviza os sentidos do trabalho,
Ao terrível e cruel deus do mercado.

62
PARTE III

POEMAS NATUROMÂNTICOS

Arte: Carlos Bonfim

Uma só luz sobreia o cais


Há um som de barco que vai indo.
Horror! Não nos vemos mais!
A maresia vem subindo.

E o cheiro prateado a mar morto


Cerra a atmosfera de pensar
Até tomar-se este como porto
E este cais a bruxulear [...]
(Fernando Pessoa)
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

PÔR DO SOL

Pose majestosa na colina da montanha,


Fulgura soberano o clarão crepuscular.
Uma luz esmaecida, apoteose tamanha,
Envolve o horizonte de brilho aureolar.

O gelo das nuvens parece em chamas


Ao insistir teu cortejo acompanhar.
Raios incandescentes que tu derramas.
Fim efêmero com retorno anunciar.

Segue teu destino, astro pomposo!


Absorvido pela imensidão do mar
Em meio a espumas, visco volumoso,
Finda o dia com teu sutil apagar.

Anunciada a noite, doce escuridão.


O vento frio resfria o corpo.
À beleza de tua morte,
Presságio da ressurreição.

65
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

PALAVRAS AO VENTO

Constelação de estrelas, ramalhete de flores.


Brilho ofuscante, aromas embriagantes.
Paisagem ardente, vidas errantes.
Corpos queimantes na ilha dos amores.
Águas borbulhantes, espinhos cortantes.
Ondas sorridentes espumam as dores,
No espelho das gotas nascem as cores,
Berço recôndito de paixões lancinantes.
Flora verdejante, desejos alucinantes,
Esconderijo de corpos em flamejantes ardores.
Feitos frutos silvestres de todos os sabores,
No banquete eterno dos verdadeiros amantes.
Luz do equilíbrio, fantasma da verdade.
Ciranda da felicidade, roda-viva do amor.
Rosa dos prazeres onde pousa o beija-flor,
Voo refinado, sereno de sensibilidade.
Águia da coragem, vibrante condor
Soberanos no céu plainam no ar,
Na velocidade de Éolo, lento vagar.
Planos secretos, desmedido furor,
Resplandece na lua meigo fulgor.
Sorrisos indecisos, olhares penetrantes.
Sombras da noite, afagos colantes.
Seres aquecidos, suave calor.

66
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

AMANHECER DE SAUDADES

Raios de sol, o dia amanheceu!


Movimentos sem fim a cidade acordou.
Casa vazia você não apareceu.
Saudades de ti o coração quase parou!

Finda veraneio, o inverno chegou.


Noite fria, o calor do dia esmaeceu.
Sua ida sem volta minh’alma chorou.
Lamento profundo, alegria feneceu.

Rosto que brilha feito camafeu,


Contrasta com a flor que secou.
Como rosa sem vida, padeço eu,
Náufrago no amanhecer que iniciou.

Saudade sombria foi o que restou.


Infeliz amor que padeceu,
Meridiano da paixão modificou,
Na madrugada finita que amanheceu.

67
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

ENCONTRO SEM PROCURA

Estava à toa sem pensar no amor,


Sem procurar acabei por te encontrar.
Envolvimento repentino e arrebatador.
Pensamentos adormecidos a acordar.

Rosa púrpura, encantadora beleza.


Aroma embriagante exalado
Pelas pétalas da delicadeza
Faz do florista um ser alado.

Flutuante sobre tua correnteza,


Desfruta de suas águas claras,
Protegidas por mágica fortaleza,
Transposta por doces palavras.

Ao mergulhar no rio de prazeres


Presta reverência à tua realeza,
Súdito permanece sob teus poderes
No desfrute de singela nobreza.

Extasiado pela alegria do encontro,


Imagina as mais loucas fantasias.
Para amar novamente sente-se pronto.
Adeus! Tornou-se passado a melancolia.

68
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

SELENE E EOS

Nuvens voluntárias e plumosas,


Linda Selene, fazem-te esmaecer
No colo de bruma carinhosa
que caminham rumo ao amanhecer.
Nesse instante perde força e brilho
E a silhueta das colinas faz-te fenecer,
Gérmen seminal para Eos aparecer.
Lua esse é teu brilhante destino,
Quando Nix anuncia sua partida
E o deus Hélio começa nascer.
Abandonada pelas nuvens
Que seguem o sopro do Éolo,
É Posídon quem te dar consolo
Ao ocultar-te sob onda tamanha.
No cerne de pusilânime retorno,
A nudez dos corpos não mais assanha
O penteado da libido e do prazer.
Com tua partida melancólica,
Os ardentes amantes ficam aflitos.
Desejosos em eternizar a deusa Nix,
Potencializando gemidos e gritos,
Semelhantes aos ouvidos no reino de Asterix.
Astro noturno como dói tua efêmera despedida,
Iguala-se a poesia de Patativa: “triste partida”,
Ao raiar daquele que sempre te apaga!
À carruagem de Apolo tu sedes vaga,
Para fazer crescer a beleza do dia,
Que ao chegar da noite sente-se vencida.

69
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

FLOR DA TOSCANA

Amanhecia e leve brisa fria,


Tocava o corpo de coração aquecido
Por doce sentimento, jamais esquecido
Que na chuva fina se fortalecia.

Em bálsamo o pensamento envolvia


Nas lembranças de delicada flor da toscana,
Fogo de desejos fosforesce em flama
Na pira da paixão, dantes vazia.

Flor! Exala teu perfume e inebria,


A mais calcinada das almas seduz,
Resgata-a das trevas, mostra-lhe o dia,

Na fragrância que comunica a luz.


O desabrochar de tuas pétalas seja guia
Do caminho que a ti me conduz.

70
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

NO PÔR DO SOL, O BOLERO DE RAVEL

Na luz esmaecida do entardecer


Segues mansamente ao fundo do mar.
Após, o dia, com calor apascentar
És poesia contente de um lindo morrer,

Em João Pessoa o teu cortejo a contemplar


Encantada deusa, feita abelha no mel
Ao som de um violino toca o bolero de Ravel,
Confundida com teus raios em vias de apagar,

Na companhia do crepúsculo e o vermelho do céu.


Êxtase no espírito de quem vai apreciar,
No sol as espumas das ondas colocarem o véu

Permitindo ao vento, o frio da noite anunciar.


Imagens da natureza e da arte, doce coquetel
Embriagante, em um pôr do sol para relembrar.

71
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

SONETO D’AMANTE

Chama prazenteira de vivacidade poética,


Fogo lírico de versos flamejantes
Aquece o coração dos espíritos delirantes,
Nas centelhas de tua criação estética.

Incendeia os corpos na fé apologética.


Calor abrasivo de metáforas lancinantes
Instiga a liberdade dos seres brincantes
Suavizando a austeridade da vida ascética.

Flama sagrada de cores brilhantes,


Violeta fosforescente és tua essência
Fonte de incontidos desejos borbulhantes

Espalha no mundo tua luminescência.


Ó! Substância que transpõe os amantes
Na ponte mágica das reincidências.

72
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

OLHAR DE SELENE

Luminoso olho da noite,


Astro que combate a escuridão.
Vem fazer companhia
A um solitário coração!

Acentua o contorno da serrania,


Desenhando cordilheiras de emoção.
Pensamentos ao vento, sintonia,
No olhar de reluzente paixão.

Na copa dos coqueirais um feixe de luz,


Forma lentamente coroa aureolar,
Prenúncio do olhar de Selene, é noite de luar.
Globo ocular do céu, brilho que seduz.

Espelho das águas, brilho e redenção.


Colore o céu, matizes de realeza,
No firmamento, formidável beleza
Desmancha no ar, incomoda solidão.

73
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

II

Inocência e pureza formam tua visão


Ao encher os caminhos de meiguice,
Ó luar! teu encanto, alguém me disse:
Reluzente, traz contentamento e celebração.

Espelho na Terra dos caminhantes noturnos.


Guia dos amantes no labirinto da desilusão,
Consola quem se perdeu na fria escuridão,
Empresta suave companhia aos seres soturnos.

Tua trilha de astro noturna segue a clarear.


O teu beijo nas águas sempre reluz,
No movimento das ondas que te conduz,
Em meio às espumas, para os braços do mar.

Astro notívago de luminosidade especular,


Reflete teu esplendor nos pobres corações,
Combalidos por nauseabundas paixões,
Soterrados nos escombros de triste vagar.

74
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

VIVER D’AMOR

Linda orquídea, perfumada flor,


Tenta não sofrer por amor!
Nas linhas da paixão, desfia o laço
Que tenta enfeitiçar teu coração.
Para não desfazê-lo em mil pedaços,
Encontre aconchego, em tempos de dor.
Na presença do frio, abrace o calor,
Ao permitir colocá-la em meus braços.
Conforta tua aflição no calma e regaço,
Da luz de luar, sublime e rejuvenescedor.
Deixa-me velar teu sono ao anoitecer,
Quando teu corpo cansado padecer
E acordá-la com um beijo, no alvorecer.
Tocar teus doces lábios com frescor,
E sentir a felicidade com intenso prazer.
Acariciar tua pele suave, em êxtase,
Pela fragrância do jardim das Hespérides -
Suntuoso lugar que Héracles acessou
E as maçãs de ouro, o glorioso, pegou.
Precioso presente de Géia, Hera ganhou
E às ninfas, guardá-lo, tinha recomendado.
Depois de aroma embriagante inalado,
Porque não dizer: isso é viver d’amor!

75
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

TERRA MOLHADA

Da terra molhada e escura


Brota o verde em grande escala.
Germina vida que aos olhos regala,
No coração do sertanejo, alegria pura.

Da relva exala a fragrância do orvalho,


Expandida pelo vento que sussurra
Ao tempo, e as nuvens lentamente empurra
Para aos raios servirem de agasalho.

No campo pastam os animais contentes,


As gramíneas sentem tremenda surra,
De bocas famintas e pisoteado frequente,

Os bichos saciam a fome, enchem a panturra.


A tristeza se esvai, melancolia fica ausente,
Eis o cenário da caatinga quando cai a chuva.

76
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

AMOR E PAIXÃO

O amor coaduna-se com a paixão


Entre ambos há convergência,
Mas, não se pode negar a diferença:
Este alimenta alma, aquela o coração.

Aos casais pitadas de ternura e emoção


Numa saga épica e envolvente.
Aproximam distâncias em ato comovente,
Condensadas em alucinante combinação.

Paixão que sangra lascívia e latente,


Apascentada por amor lúcido e sereno.
Figuras distintas no mesmo terreno
Produzem sentimentos de comoção.

Juntos causam explosiva sensação


Nos amantes próximos ou ausentes.
Não importa, fulgor é o que se sente
Em intensidade e contínua vibração.

77
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

CHUVA LITORÂNEA

Chuva desfiada em pingos pelo ar,


Formando densa e alva cortina.
Cobre com suavidade a verde colina
Com plumas líquidas em lento caminhar.

Arrematada pela folhagem verde anil,


Chega aos telhados num doce chiar
E expansiva segue sem cansar,
A sua tênue e constante marcha viril.

Em sua passagem transborda o rio.


Alagamento na cidade pode causar
E o sossego da população acabar,
Desdobrando-se em insolente frio.

De nuvens robustas desfeitas em fios.


Água feita que chega a terra coroar
E no interior da superfície se infiltrar
Ao se desfazer os nevoeiros sombrios.

78
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

FERIDO POR EROS

Amor perdido olhar vazio,


Rio de lágrimas derramado,
Decepção de choro alucinado,
Bruma despedaçada em fio.

Coração que sangra amargurado


No peito de um ser sem brio,
Sentimentos de amor esmagado
Pela força da separação hostil.

A dor de “Prometeu Acorrentado”.


Agruras da privação que sentiu,
Solidão e suplício no monte escarpado
Sofrimento e igual desgraça só de Io.

A separação faz o humano desgarrado,


Em tempos que a compaixão partiu.
Desilusão permanece sorrateira, ao lado,
Daquele que Eros com sua flecha, feriu.

79
[IN]EXISTÊNCIAS MITOPOÉTICAS

ARCO-ÍRIS NA CIDADE

Na geografia urbana da cidade,


Existe a leste uma vasta serrania.
Tarde de domingo, que felicidade!
O arco-íris veio fazer-lhe companhia.

Lindas cores matizadas, o céu irradia,


De fino sereno sob nuvens carregadas.
Pinta um quadro interiorano de nostalgia.
Bucólicas sensações de vida, reveladas.

Alvissareira memória, lembranças pueris.


Vento melancólico, impressões febris.
Alucinações no inconsciente instigadas.
No coração sentimentos nobres e vis.

Paradoxos da visão do arco-íris,


Efêmera existência tem teu colorido.
Chuva e sol são tuas raízes,
Fragrância da vida, perfumado florido.

80
JOSÉ ALEX SOARES SANTOS

PÉROLA OU FLOR?

Nome de pérola ou flor,


Fruto das conchas do mar,
Imune às carícias do ar
Do sol não conheces o calor.

Acompanhada das ninfas está,


No reino de musas e nereidas.
Ó doce canto das sereias!
Tua beleza, nas ondas, a encantar.

Orquídea em águas límpidas, soberana,


Fazes a orquestra de Netuno musicar,
Belos acordes em Alfa, Beta e Gama.

Pétalas espumantes a desabrochar,


Nas ondas do mar de quem ama,
Algas azul-marinha a perfumar.

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