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Partindo dessa perspectiva, no passado, qualquer relação que estivesse fora dos
parâmetros da sacralização conjugal, era relegada como identificação familiar e atribuída
de adjetivos pejorativos: amigado, amasiado ou concubino (Dias, 2014).
No caso do concubinato o que se verifica é a presença de abstenção do Direito
Civil Brasileiro na tutela jurídica de relações extraconjugais que deveriam, na prática,
produzirem efeitos jurídicos, em virtude dos fatos sociais: reconhecimento social desse
tipo de relação e a prole por ela gerada. Nas palavras de Dias (2013):
Quando a mulher afirma desconhecer a duplicidade de vidas do parceiro,
a união é alocada no direito obrigacional e lá tratada como sociedade de
fato. A ela somente se reconhecem direitos se alegar que não sabia da
infidelidade do parceiro. Isto é, para ser amparada pelo direito precisa
valer-se de uma inverdade, pois, se confessar que desconfiava ou sabia da
traição, recebe um solene: bem feito! Esta solução, à primeira vista, parece
prestigiar a boa-fé de quem diz ter sido enganado. No entanto, só é exigida
a boa-fé de um dos integrantes do “triângulo amoroso”: da “outra”.
Condenada por cumplicidade, é punida pelo adultério que foi cometido por
ele. A esposa saber do relacionamento do marido, não tem qualquer
significado. O homem que foi infiel, desleal a duas mulheres é “absolvido”,
nada lhe é imposto. Permanece com a titularidade patrimonial, além de
desonerado da obrigação de sustento para com quem lhe dedicou a vida.
Assim, uniões que persistem por toda uma existência, muitas vezes com
extensa prole e reconhecimento social, são simplesmente expulsas da
tutela jurídica. Conclusão: manter duas entidades familiares concomitantes
assegura privilégios ao homem. A justiça é conivente com ele ao garantir-
lhe a total irresponsabilidade.
Para Dias (2013), apesar de constar no Código Civil 1.727 – as relações não
eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato, uma
lei que desfavoreça outros tipos de relação para além da monogamia, é necessário levar
em consideração de que as outras configurações de relacionamento afetivo também
geram efeitos jurídicos tendo em vista a possibilidade das relações poli amorosas
acometerem numa prole (filhos) ou acumularem patrimônio. Nos dizeres da autora:
Ao contrário do que dizem muitos – e do que tenta dizer a lei (CC 1.727) –
, o só ato de relacionamentos afetivos não poderem ser convertidos em
casamento, nem por isso merecem ficar fora do âmbito do direito das
famílias. São relações que geram efeitos, principalmente quando existem
filhos ou aquisição de patrimônio. Não lhes outorgar qualquer efeito, atenta
contra a dignidade dos partícipes e dos filhos porventura existentes. (Dias,
2013)
Segundo Dias (2013), a declaração evidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família –
IBDFAM que reconhece a instituição familiar a partir do laço afetivo, contribuí para
desconstruir a estrita visão de um modelo de família dependente da sacralização do
matrimônio. Dessa forma, ela considera que numa relação a três, partindo de um caso
concreto analisado pela autora, não faltaram meios que pudessem garantir uma união
igualitária com direitos e deveres recíprocos, haja vista que não rasos foram elementos
que as fundamentaram, como a livre manifestação da vontade de todos bem como a
postura ética firmada entre os firmatários. Nos dizeres da autora:
Apesar dos avanços, resistências ainda existem. Assim, há que se
reconhecer como transparente e honesta a instrumentalização levada a
efeito, que traz a livre manifestação de vontade de todos, quanto aos
efeitos da relação mantida a três. Lealdade não lhes faltou ao formalizarem
o desejo de ver partilhado, de forma igualitária, direitos e deveres mútuos,
aos moldes da união estável, a evidenciar a postura ética dos firmatários.
Não há como deixar de reconhecer a validade da escritura. Tivessem eles
firmado dois ou três instrumentos declaratórios de uniões dúplices, a
justiça não poderia eleger um dos relacionamentos como válido e negar a
existência das demais manifestações. (Dias, 2013)
Dessa forma, o principal argumento contestado pela autora, foi a postura negativa da
justiça brasileira diante do caso concreto da alegação das partes envolvidas na relação
poliamorosa de se reconhecer os seus direitos mútuos. E tais alegações apresentadas
foram, de certo modo, baseadas nas conjecturas equivocadas de desrespeito ao
“sagrado” princípio da monogamia e à obrigação de fidelidade..
2. A Insuficiência do Valor Moral Fidelidade Como Mecanismo de Controle nas
Relações Monogâmicas
Segundo Sandel (2012), o qual faz uso do referencial teórico do Kant, a moral
consiste num complexo normativo que dependente da introspecção singular de cada
indivíduo, sendo assim a prerrogativa de se cumprir tal complexo de normas dependerá
também unicamente da convicção pessoal de cada sujeito.
Portanto, partindo da perspectiva de que a fidelidade é o principal princípio moral ,
convocado no âmbito jurídico, como recurso para justificar a negação das relações fora do
padrão monogâmico (DIAS, 2013), faz jus reportarmos a afirmação contrária sobre o lugar
dos certos valores morais e a seu uso. Nos dizeres do autor:
De acordo com Kant, o valor moral de uma ação não consiste em suas
consequências, mas na intenção com a qual a ação é realizada. O que importa é o
motivo, que deve ser de uma determinada natureza. O que importa é fazer a coisa
certa porque é certa, e não por algum outro motivo exterior a ela. (SANDEL,
2012,p. 143).
Sendo assim, segundo Dias (2013), nem todas as questões no campo do direito,
no que tangem aos costumes, devem ser solucionadas pela perspectiva de uma moral
convencional - relações monogâmicas como padrão social, mas sim a partir das
contingências específicas da realidade social, dos fatos. Nas palavras da autora:
O só fato de a sociedade prestigiar a monogamia – a ponto de considerar
crime o adultério – não é suficiente para deixar de ver os relacionamentos
que não se submetem a esse cânone, não obedecem à dita restrição. Tal
circunstância, no entanto, não pode gerar uma solução punitiva ou
vingativa. Deixar de ver que há situações que se estabelecem à margem
dos parâmetros não aceitos pela moral convencional, não as faz
desaparecer do mundo dos fatos. Via de consequência, descabe
singelamente deixar o sistema jurídico de reconhecê-los.