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Direitos humanos:
Seu caráter universal foi atingido pela Declaração Universal dos Direitos humanos de 1948,
promulgada pela ONU: esta avulta em importância porque ampliou o alcance da Declaração
com uma projeção internacional, vez que foi assinada pela grande maioria dos países do
mundo (148/159 dos aproximadamente, 200), marcada que foi pelos horrores das duas
grandes guerras. Tais assinaturas foram inclusive sendo apostas com o tempo, ou seja, tal
declaração não pertenceu somente a um momento histórico também já que é fruto de um
processo contínuo. Esta validação internacional equivale dizer que tais direitos não são
reconhecidos por cada país individualmente, mas que cada pessoa, como cidadão do mundo
deve receber tal proteção, inclusive quanto aos próprios Estados. Com isso, tais direitos
adquiriram além do caráter universal também o de direitos fundamentais. Quem bem explica
tal relação é o mestre Canotilho: “Direitos do homem são direitos válidos para todos os povos
e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os
direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-
temporalmente”. Assim, todo direito fundamental é direito humano mas nem todo direito
humano é fundamental (apesar da nossa Constituição – todo o art. 5º; banalização) - os
direitos humanos quando reconhecidos pelo Estado, passam a categoria de fundamentais.
De lá pra cá, outros documentos têm buscado consensos e garantias extras, a exemplo de
Convenções sobre Direitos da Criança, contra a Discriminação da Mulher, contra Tortura e
outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Racial, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência etc.
Bobbio nos chama atenção que diante de tal evolução, “o problema fundamental em
relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata
se de um problema não filosófico, mas político” (BOBBIO: 1992, p. 24).
No caso brasileiro, bem afirmou Herkenhoff que falar sobre a evolução dos direitos
humanos no Brasil é falar sobre a própria evolução de suas constituições. Com efeito, nossa
primeira Constituição, mesmo outorgada em 1824, já sofreu a influência da Declaração de
1789 e declarou a proteção aos direitos humanos. Todas que lhe seguiram foram ampliando a
proteção destes direitos, com exceção da Carta de 67, pós-Revolução de 64, que ficou marcada
nesta área por grande retrocesso. No entanto, a CF de 88 restabeleceu o processo evolutivo de
reconhecimento aos direitos humanos, buscando também instrumentos para efetivá-los.
Nesse sentido, Herkenhoff observa que ainda não há uma vigência efetiva dos direitos
humanos no país, muito embora de gozarmos de uma legislação e cultura cada vez mais
solidificada neste tocante.
• De forma geral, se pode dizer que a experiência brasileira não é única, ou seja, em sua
maioria, cada país foi amadurecendo seu processo de reconhecimento e proteção aos direitos
humanos. Não obstante isso, e talvez até em virtude desse processo é que surgiram teorias
que buscam relativizar (como uma reação a este processo ou buscando um ajuste, um
equilíbrio na sua efetivação) ou, ao contrário, defender de forma mais incisiva de que os
direitos em cheque quando em confronto com tradições e culturas, devam prevalecer. Eles
seriam então o parâmetro proposto para uma situação em que de um lado temos o caráter
universal dos direitos humanos e de outro temos a multiculturalidade presente nos mais
diversos grupos sociais, desde pequenos grupos até a discrepância cultural entre os países.
A primeira corrente, relativista, acusa a universalista de impor um modelo único ao mundo
inteiro a partir de uma visão puramente ocidentalizada, quando os membros de uma cultura
ou civilização só estariam habilitados a criticar a sua própria cultura.
Por outro lado, a teoria universalista defende que a essência do ser humano é uma só, e
levando em conta a doutrina do direito natural, defendem que a existência de uma Lei
superior a do ordenamento de cada povo, baseada em um conjunto de direitos mínimos.
Nesse sentido, especificamente no tocante à cultura indígena, só no Brasil existem mais
de duzentos povos indígenas, que abrigam uma população aproximada de duzentos e oitenta
mil índios e somente entre eles, há a existência de cerca de cento e sessenta línguas e mais de
trinta dialetos, sem falar da ampla variedade de hábitos, desde alimentares, até
comportamentais. Tal variação está muito ligada ao processo de aculturação ou de
preservação de tais culturas. Algumas já incorporaram quase que completamente a cultura do
povo branco, dominante. Outras resistem, seja por razões de ordem geográfica, seja por um
processo consciente e mais maduro de sobrevivência e valorização destas culturas.
No tocante ao processo de aculturação, tem-se que foi fomentado pelo próprio Estado. O
entendimento inicial era o enquadramento dos índios como categoria social transitória, fadada
ao desaparecimento, de acordo com a previsão de incorporação dos silvícolas à comunhão
nacional, constante tanto da CF de 1967, quanto do Estatuto do Índio de 1973, ainda em vigor,
graças à inércia legislativa (o Projeto de Lei do novo Estatuto do Índio é de 1991 e ainda não foi
votado). Propósito não mais reproduzido no texto constitucional de 1988 que prevê ainda o
direito originário dos índios às suas terras. Quanto a estas, é ato inclusive meramente
declaratório vez que reconhece sua natureza originária, ou seja, anterior à existência do
próprio Estado. Contraditoriamente a esta condição privilegiada, este vem descumprindo o
prazo de demarcação das terras que já encerrou há 18 anos.
A própria FUNAI, órgão responsável pela tutela dos índios é acusada de denúncias de
biopirataria nas terras indígenas, omissão de fiscalização do acesso de empresas nas reservas,
incentivo a invasões de índios em fazendas particulares, desvio de recursos destinados
projetos indígenas etc. E por tudo isso, que teria interesse em que ONGs e grupos missionários
principalmente deixassem as áreas indígenas, grupos estes que sistematicamente vem
denunciando e cobrando providências quanto ao descaso no tratamento aos índios, razão por
exemplo da alta mortalidade infantil e também de práticas como o infanticídio.
Quanto ao direito à diferença, constitui um reconhecimento de que não deve ser
validada a idéia da supremacia cultural dos não índios. No entanto, o Brasil assinou e ratificou
inúmeros Tratados e Convenções internacionais comprometendo-se com a defesa dos direitos
humanos, destes não se podendo excluir os direitos dos povos indígenas, a exemplo da
Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), sobre povos indígenas e
tribais em países independentes (afirma ser o primeiro e único instrumento internacional
vinculante que trata especificamente do direito dos povos indígenas e tribais. A Convenção
chama atenção inclusive para a exigência indígena de mudança de tratamento em que deve
ser substituída a expressão “populações” que denota transitoriedade para “povos”, como
segmento nacional com identidade e organização própria. Prevê ainda: “A nova Convenção
assegura aos povos indígenas e tribais igualdade de tratamento e de oportunidades no pleno
gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculo ou discriminação e nas
mesmas condições dispensadas aos demais povos”. E ainda: “Os Estados-membros, ao
ratificarem a Convenção, comprometem-se a adequar sua legislação e práticas nacionais a
seus termos e disposições e a desenvolver ações com vista à sua aplicação integral”... “O Brasil
que, além de Estado-membro da OIT, é um dos dez países com assento permanente em seu
Conselho de Administração, ao ratificar a Convenção, em julho de 2002, aderiu ao instrumento
de direito internacional mais abrangente na matéria, que trata de garantir aos povos indígenas
e tribais os direitos mínimos de, se assim o desejarem, salvaguardar suas culturas e sua
identidade no contexto das sociedades que integram – texto assinado por Christian Ramos
Veloz (Especialista Principal em Normas Internacionais do Trabalho e Povos Indígenas) e Lais
Abramo (Diretora da OIT no Brasil.).