Sie sind auf Seite 1von 19

1982-1670

NÚMERO 108 JUNHO 2018

GOVERNANÇA Empresas
TERRITORIAL Investimento Social
Privado amplia o olhar
Como atores para o território
locais articulam Cidadão
soluções para Aproximação com
governo melhora
problemas políticas públicas

complexos
Entrevista
Por que desconcentrar e diversificar
atividades contribui para o desenvolvimento
Você consegue EDITORIAL
imaginar Articulação de forças
municípioS COM
cidadãos
Como a História mostrou nas últimas décadas, o crescimento
econômico e a tecnologia, sozinhos, não garantem a criação de

satisfeitos com
empregos, o combate à desigualdade e o bem estar das pessoas em ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS
DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
um meio ambiente saudável. DIRETOR Luiz Artur Brito

os serviços A desconcentração do poder econômico e a diversificação das

públicos?
atividades entraram no radar de estudiosos como elementos
também necessários para enfrentar a crise do capitalismo que
COORDENADOR Mario Monzoni
sucedeu os anos dourados do Pós-Guerra – ensina o professor
JORNALISTAS FUNDADORAS Amália Safatle e Flavia Pardini
Arilson Favareto na Entrevista desta edição.

Isso é possível
EDITORA Amália Safatle

EDIÇÃO DE ARTE José Roosevelt Junior


A partir disso, um elemento crucial passou a fazer parte www.mediacts.com

e já está
dos debates sobre desenvolvimento: os territórios, suas ILUSTRAÇÕES José Roosevelt Junior (seções)
EDITORA DE FOTOGRAFIA Flavia Sakai

acontecendo!
características próprias e suas pluralidades. O Brasil, entretanto, REVISOR José Genulino Moura Ribeiro
GESTORA DE PRODUÇÃO Bel Brunharo
tem caminhado na contramão na medida em que assume um
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO
modelo de desenvolvimento basicamente monotemático e Andrea Vialli, Arthur Fujii, Bruno Gomes,
Diego Viana, Fábio Rodrigues, Magali Cabral,
concentrador de riquezas. Ricardo Young, Sérgio Adeodato

JORNALISTA RESPONSÁVEL
Amália Safatle (MTb 22.790)
Daí a importância de pensar o desenvolvimento olhando para
as especificidades de cada território – entendendo território ANUNCIE
Para informações sobre anúncio no website
e no pdf da edição disponível para download,
como uma ideia que se baseia sobretudo em identidades, e não contate Bel Brunharo:
belbrunharo@pagina22.com.br
Conheça o novo Programa Serviços públicos de nova geração, necessariamente em fronteiras geopolíticas.
Qualidade dos Serviços Públicos, em sintonia com a nova Lei
iniciativa da Agenda Pública para 13.460/2017, um estatuto que Não é tarefa fácil, considerando que cada território contém uma REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO
Avenida Nove de Julho, 2029, 11º andar - São Paulo - SP

apoiar a construção de serviços define os direitos dos usuários do conjunto diversificado de forças sociais, muitas vezes conflitantes (11) 3799-3212 / leitor@pagina22.com.br
www.fgv.br/ces/pagina22

públicos de alta qualidade, ágeis e serviço público. entre si. O desafio – e a beleza – da governança territorial é
CONSELHO EDITORIAL

eficientes, satisfazendo expectativas conseguir articular essas forças e identidades únicas em torno de Ana Carla Fonseca Reis, Aron Belinky,
José Eli da Veiga, Leeward Wang,
projetos em prol do desenvolvimento local e nacional.
e necessidades de cidadãos cada vez Mario Monzoni, Pedro Telles,
Roberto S. Waack, Rodolfo Guttilla

mais exigentes. IMPRESSÃO: Braspor Gráfica e Editora Ltda.


Mais que disseminar o conceito da governança territorial, este TIRAGEM DESTA EDIÇÃO: 1.000 exemplares

Projeto Especial, produzido em parceria com o Instituto Lina Os artigos e textos de caráter opinativo assinados

Conheça o Programa no site


por colaboradores expressam a visão de seus autores,
Galvani, mostra como colocar esse debate na prática, considerando não representando, necessariamente, o ponto de vista

agendapublica.org.br
de Página22 e do FGVces.
os diversos atores: os governos, as empresas (por meio do
Investimento Social Privado), as organizações da sociedade civil e o
cidadão interessado em participar de instâncias da agenda pública.

Boa leitura! A REVISTA Página22 ADERIU À LICENÇA


CREATIVE COMMONS. ASSIM, É LIVRE
A REPRODUÇÃO DO CONTEÚDO – EXCETO
IMAGENS – DESDE QUE SEJAM CITADOS COMO FONTES A PUBLICAÇÃO E O AUTOR.

PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 3
PROJETO ESPECIAL Use o QR Code para acessar Página22
gratuitamente e ler esta e outras edições ÍNDICE

Transformando juntos
Há 15 anos, dedicamo-nos a identificar e apoiar iniciativas que contribuam para
ampliação das capacidades para as comunidades liderarem sua transformação
social. Evidenciamos o potencial dos atores locais para que percebam seu papel no
desenvolvimento da comunidade. Ao longo dessa trajetória, consolidamos o princípio
de que, em vez de fazer pelo outro, devemos fazer com o outro, visando comunidades
sustentáveis articuladas em redes sociais solidárias.
Contribuímos para a formação dessas redes nas localidades onde nossas associadas
operam e atuam no desenvolvimento comunitário. Nesse processo que entendemos
como singular, não é possível utilizar uma fórmula pronta, e sim abordagens
que respeitem cada realidade. Desde 2009, fazemos uso da Terapia Comunitária
Integrativa, que utiliza o formato de Rodas de Conversa como instrumento facilitador de

ARTHUR FUJII
aproximação com as comunidades, de diagnósticos participativos e de fortalecimento
do tecido social. A ferramenta oferece possibilidades de escuta, fala e acolhimento,
criando vínculos para que a própria comunidade tenha condições de se articular e
ENTREVISTA
encontrar saída para suas demandas.
Ao depararmos-nos com as questões de cada território (Campo Alegre de Lourdes- Caminhos para o desenvolvimento
BA, Luís Eduardo Magalhães-BA, Serra do Salitre-MG e Jaguaré, em São Paulo-SP) A diversificação e a desconcentração das atividades econômicas ampliam as oportunidades, evitando
a desigualdade e o desemprego, diz Arilson Favareto. Mas o Brasil tem ido na contramão
entendemos a necessidade de formatar parcerias e formar redes multisetoriais,
proporcionando uma governança com a participação fundamental do poder público, 12 Capa Saiba como a participação articulada de diversos atores locais, em novos arranjos institucionais, pode ajudar
a resolver ou minimizar problemas complexos da sociedade
setor privado e sociedade civil. Tais “poderes” estão presentes nas reflexões promovidas
em nossos eventos bianuais “Dialogando”. 18 Participação Para fazer as políticas públicas darem o salto de qualidade que todos esperam, será preciso tornar
mais porosos os limites entre o governo e os cidadãos
Na última edição, em 2017, o encontro tratou do tema “Governança para o
Desenvolvimento Territorial”, que inspirou esta publicação. A parceria firmada com 22 Investimento Social Privado A busca pela licença para operar dá vez ao olhar territorial, levando às
empresas o desafio de operar pela lógica do bem comum – e não só do privado
a PÁGINA22 dá continuidade ao diálogo sobre o desafio de pensar e propor formas de
governança que nos façam alcançar uma convergência equilibrada de atores, esforços, 26 Grandes obras Empreendimentos na Amazônia mostram que o licenciamento ambiental não basta. É preciso
haver também um planejamento territorial integrado
investimentos, recursos e ativos no território, em torno de uma agenda comum.
Agradecemos a todos que construíram conosco esta edição tão especial pois, além de dar 30 Na prática Embora a governança territorial não tenha uma “receita de bolo”, alguns elementos são determinantes
para garantir sua efetividade. Já outros fazem a massa desandar
luz a uma temática tão significativa, brinda a comemoração de nossos 15 anos de história!

SEÇÕES CAPA: STORYBLOCKS

De todos nós, do Instituto Lina Galvani 4 Projeto Especial 17 Artigo I 34 Artigo II

4 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 5
ENTREVISTA ARILSON FAVARETO

Da retórica à prática
POR AM ÁL I A SAFAT L E F O T O A R T H U R FU JII

Desde os anos 1970, crescimento econômico e tecnologia deixaram de ser suficientes para garantir um
desenvolvimento que combatesse o desemprego, a desigualdade e trouxesse bem-estar para a popu-
lação em um ambiente saudável. Nesta entrevista, Arilson da Silva Favareto mostra por que olhar para
as especificidades dos territórios passou a ser cada vez mais importante nessa equação. O professor
baseia-se nos estudos referenciais do sociólogo italiano Arnaldo Bagnasco, que identificou ao menos
dois elementos cruciais para enfrentar o período que sucedeu a crise do capitalismo fordista, o qual pôs
fim aos anos dourados do Pós-Guerra. São eles: a diversificação e a desconcentração das atividades
econômicas. Com isso, ampliam-se as oportunidades, evitando a desigualdade e o desemprego já no
momento em que as riquezas são criadas.
Transpondo para o Brasil, Favareto observa que caminhamos na contramão: nosso modelo de desen-
volvimento é monotemático, especializado em poucos bens primários, e altamente concentrador de
riqueza, exigindo políticas redistributivas de renda para remediar as mazelas sociais.
Embora o conhecimento teórico sobre desenvolvimento territorial tenha ganhado corpo no Brasil, há
grandes dificuldades de articular sua prática. Uma delas, segundo o professor, é de ordem política,
porque o território não é um ator, não é uma formação social, e sim uma pluralidade de forças sociais.
“Para que se possa influir substancialmente na trajetória de um território, é preciso uma coalizão de
forças sociais articuladas, convergindo em torno de um projeto. Isso é extremamente difícil, porque em
geral os atores não têm acordo sobre esse futuro, na verdade disputam entre si”, afirma. Diante disso,
ele propõe uma discussão sobre as potencialidades territoriais que podem nos levar na direção de uma
economia mais diversificada.

Professor da Universidade Federal do ABC, atua na área de sociologia econômica em temas relativos a instituições e políticas para o desenvolvimento
territorial sustentável. É sociólogo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC), mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e doutor em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP).

6 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 7
ARILSON FAVARETO

Por que a expressão território entrou


na retórica dos gestores públicos e, mais
como mostra a obra recente do [economista fran-
cês] Thomas Piketty. A característica marcante do
desconcentração de oportunidades que permite à
sociedade de um território participar das decisões Não diria que a governança
territorial é pouco praticada.
recentemente, dos atores de Investimento capitalismo do século XXI é a desigualdade. E esta sobre o seu futuro e com isso evitar caminhos que
Social Privado? se expressa entre classes sociais, raciais, de gêne- levem ao esgarçamento desse tecido territorial.
Um marco da entrada do termo “território” nas ro e entre territórios. Posteriormente aos anos 70,
discussões de governança territorial foi a publicação
em 1977 do livro do sociólogo Arnaldo Bagnasco, so-
o crescimento econômico e a tecnologia deixam de
ser suficientes para se pensar em uma perspectiva
Transpondo para o Brasil, como essa prática
tem sido aplicada pela gestão pública?
E, sim, que é mal praticada
bre o desenvolvimento da Itália. O momento era do na qual as regiões tivessem futuro garantido. Olhar O conceito é muito falado, mas pouco
fim da expansão do capitalismo do Pós-Guerra, que para as especificidades do território ou das regiões praticado? movimento social vai conseguir organizar esses fa-
nos anos 50 e 60 havia sido de forte crescimento passa a ser cada vez mais importante. Eu não diria que é pouco praticado. E, sim, que é tores na direção de uma maior sustentabilidade dos
econômico e expansão do bem-estar. A partir dos mal praticado. Ou seja, houve uma incorporação do recursos naturais com expansão do bem-estar das
anos 70, com a crise do modelo fordista, por conta No caso da Terceira Itália, que elementos adjetivo “territorial”, mas, em muitos casos, seja em pessoas. Note que governança remete a um conjun-
da revolução tecnológica e da crise do petróleo, que específicos levaram a uma trajetória mais estudos, seja em experiências, seja em políticas, não to de domínios e é extremamente difícil operar com
reduziu a disponibilidade financeira no mercado in- virtuosa? houve a correspondente mudança cognitiva. Falar esse conjunto de instâncias da realidade. Então não
ternacional, o desemprego passou a ser componen- Desde o livro inaugural do Bagnasco há uma de território é falar de espaços, dos recursos que é de espantar que, quando esse debate científico so-
te marcante do capitalismo contemporâneo. grande controvérsia na literatura sobre os fatos existem neles e das formas de apropriação e uso que bre o conceito de território migra para o campo das
O estudo do Bagnasco perguntava: existe na Itá- que fazem um território ter trajetória virtuosa ou sempre envolvem conflitos entre os atores e grupos políticas públicas ou para as formas de governança,
lia alguma região conseguindo escapar? A resposta não. Ele chamou atenção para duas característi- que lá estão. O primeiro componente importante ele passa por uma simplificação.
era “sim”. A surpresa é que não se tratava nem do cas. A primeira é: quanto mais diversificada for a dessa ideia é: falar em território é falar em conflito, E aí chego na sua pergunta anterior. Quando fa-
Norte, de alto desenvolvimento tecnológico indus- economia do território, melhor, porque até então o conflito em torno das formas de usar seus recursos. lamos de América Latina, e de Brasil em particular,
trial, e nem do Sul agrícola , com mão de obra barata paradigma era o da especialização. Antes, regiões O território torna-se uma espécie de categoria- houve uma atualização discursiva – cada vez mais se
e disponibilidade de terras – mas justamente a região altamente especializadas iam melhor, mas ele mos- -síntese que nos permite abordar pelo menos três fala em território –, mas não nos marcos cognitivos:
central da Itália, que ficou conhecida como Terceira tra que, no atual momento do capitalismo, quando tipos de interdependência que a literatura havia as pessoas continuam não olhando para os territó-
Itália. Com isso, começa-se a olhar as característi- há uma crise em um determinado mercado, a diver- separado. A primeira dicotomia que a ideia de ter- rios com a complexidade que o conceito exige. Essa
cas que fazem determinada região se diferenciar das sificação funciona como um colchão que amortece ritório tenta reunificar é entre sociedade e nature- é uma primeira dificuldade. A segunda tem a ver com
demais e experimentar uma trajetória mais virtuosa os impactos e o território busca outras opções. za, pois fala da base natural da qual esse território capacidades técnicas. Durante todo o século XX, o
em termos de crescimento econômico, geração de depende e dos sistemas sociais que se estruturam território era passivo, ou seja, um espaço que recebe
emprego, e assim por diante. Depois, nos anos 80 e É como diversificar o risco em investimentos? para utilizar essa base de recursos. A segunda dico- investimentos. A partir dos anos 70, começa-se a
sobretudo nos 90, a União Europeia começa a fazer Exatamente. E a segunda característica é a des- tomia que vem superar é entre local e extra-local, olhar para o território com propriedades ativas: a
estudos comparados para tentar entender quais os concentração. Quanto mais concentrada a atividade ou seja, como determinada unidade espacial locali- maneira como os fatores territoriais estão dispos-
territórios que estão gerando emprego em um con- econômica em um território, é mais difícil que o con- zada estabelece relações com as forças exógenas. tos é constitutiva da trajetória do desenvolvimento
texto de crise. E, finalmente, na virada dos anos 90 junto de atores ali presentes consigam criar alterna- E a terceira interdependência envolve as relações naquele local. Isso é uma mudança de paradigma e,
para os 2000, esse debate chega à América Latina. tivas em momentos de crise. Tem um outro aspecto entre Estado, sociedade e mercado. como tal, sempre muito lenta. Nossos atuais geó-
ligado à desconcentração. Em uma economia mais Na literatura sobre governança, vamos encon- grafos, economistas, sociólogos, cientistas políti-
Chega aqui porque nessa época também desconcentrada, pode-se combater a desigualdade trar uma visão “estadocêntrica”, ou excessivamente cos – e nisso eu me incluo – não foram formados com
entramos em crise? na origem da criação da riqueza. pautada nas forças de mercado ou na sociedade ci- a nova visão. É natural que a gente tenha algumas
O que aconteceu na Europa dos anos 70 para Hoje, no Brasil, temos o contrário disso: um mo- vil. E a ideia de território convida justamente a que se décadas de aprendizado para que se possa dar ao
80 – o desemprego estrutural, aquilo que alguns delo econômico muito concentrado e especializado. pense nas formas de cooperação ou conflito entre território o tratamento que o conceito reivindica.
chamam de onda neoliberal –, chega na América A gente tem passado por um processo de desin- atores. Somente o mercado não perfaz o território, E a terceira dificuldade é política, porque o ter-
Latina 15 a 20 anos mais tarde. Por isso, o debate dustrialização e especialização em bens primários somente o Estado não molda o território, e somente ritório não é um ator, não é uma formação social,
territorial também chega uma década e meia de- produzidos de maneira muito concentrada. Então a sociedade não consegue governar o território. e sim uma pluralidade de forças sociais. E, para
pois. Até meados do século passado, havia uma ex- pensamos em políticas redistributivas – pois é pre- que se possa influir substancialmente na trajetória
pectativa de que o capitalismo seria expansivo, ou ciso ter uma forte política social para compensar os Precisa da cooperação? de um território, é preciso uma coalizão de forças
seja, mais cedo ou mais tarde as regiões e os países efeitos da desigualdade do modelo econômico. É necessário algum tipo de cooperação, ainda sociais articuladas, convergindo em torno de um
seriam envolvidos na expansão das atividades pro- No caso da Terceira Itália, a própria forma de que conflitivo, entre esses tipos de atores. Por isso projeto. Isso é extremamente difícil, porque em ge-
dutivas. Mas, após os anos 70, isso se quebra com produção da riqueza já se dava de forma descon- a ideia de governança é tão importante para o de- ral os atores não têm acordo sobre esse futuro, na
a revolução tecnológica da microeletrônica e, mais centrada. Não é só a questão de distribuição da ri- bate sobre desenvolvimento territorial. Se o terri- verdade disputam entre si.
tarde, com a integração comercial nos anos 80 e queza, mas de um modelo de organização social no tório envolve uma base de recursos, as formas de
90 – aquilo que se convencionou chamar de globali- qual os atores desse território são, desde o primei- sua apropriação, e a forma como localmente essas No Brasil, que experiências exemplificam
zação. A reestruturação industrial e o desemprego ro momento, dotados dos recursos, dos capitais e coisas se condicionam pelas forças externas a esse essa dificuldade?
chegam por aqui nos anos 90. dos trunfos para poder participar da vida social e território, é inimaginável pensar que unicamente a No caso brasileiro há um marco para a
A desigualdade, então, passa a ser estrutural, influir nos rumos dessa sociedade. Trata-se de uma atuação de uma empresa, de um governo ou de um entrada desse debate territorial. Os primeiros

8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 9
ARILSON FAVARETO

O Territórios da Cidadania foi formas de uso dos recursos naturais sem ciência e
tecnologia? Como conciliar expansão do bem-estar
rística de transitar entre diferentes universos. Ele
trabalhava em uma secretaria ligada à Secretaria Nosso modelo econômico
um programa periférico em gera dependência do
com uso sustentável dos recursos naturais sem ser de Planejamento da Bahia e, ao mesmo tempo, tinha
por meio de uma nova economia? entrada muito forte no mundo acadêmico e proxi-
midade com as pessoas que mencionei, o Zé Eli da
um ministério periférico Essa divisão entre ministérios mostra a
diferença de poder dentro do governo?
Veiga, o Abramovay. Por essa posição que ocupa-
va entre os dois mundos, conseguiu influenciar a
Bolsa Família para sempre
Mostra que tem os ministérios para os pobres burocracia governamental no momento em que o
trabalhos acadêmicos que começam a asso- e tem os ministérios para a competividade e o dina- debate territorial estava tomando forma em uma
ciar território e desenvolvimento são de auto- mismo econômico. Isso é coerente com a linha do direção mais coerente com os debates acadêmicos
res como José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay, modelo social-desenvolvimentista. Costumo dizer e científicos. A discussão entra pela Secretaria de
que vêm do campo das discussões ambientais. A que é um modelo esquizofrênico. Ele teve um papel Planejamento, e não pela de Agricultura. ria. Esta é uma baita discussão. Mas, se é verdade
preocupação desses autores era: temos de en- importante de colocar o social no centro da agenda que essa equação pode ser posta dessa maneira,
contrar caminhos que diminuam a desigualda- do Estado, mas de maneira mal-arranjada, porque, Isso dá outro status. temos de fazer uma outra pergunta: o que pode-
de espacial e que essa diminuição se dê em uma ao mesmo tempo em que tínhamos uma agenda Sim, pela capacidade de mobilizar recursos e in- mos fazer para evitar que daqui a 10 anos tenhamos
direção de usar melhor os recursos naturais, social, com prioridade para os mais pobres, para fluenciar outras políticas. Já no caso do governo fe- um Belo Monte II? Porque sabemos que o grande
fortalecendo a conservação. Isso vai se tradu- a redução de desigualdade, tínhamos também um deral, os atores que implementaram a retórica ter- potencial hidrelétrico brasileiro está na Amazônia.
zir no embrião de política pública até a política de modelo econômico gerador de desigualdades, al- ritorial eram marcados pela velha retórica setorial. Então, a cada vez vamos ficar vítima desse dilema
desenvolvimento territorial do governo federal, tamente especializado e nocivo do ponto de vista tão estreito? Ou vamos discutir de que forma as
na virada do governo FHC para o governo Lula. de impactos ambientais. Durante um tempo essas O que significa retórica setorial? É uma especificidades brasileiras podem ser mais bem
O auge dessa tentativa teria sido o programa coisas acabavam se equilibrando, porque a gente característica mais corporativa, de defender aproveitadas na direção de resolver, sim, a deman-
Territórios da Cidadania, uma experiência fra- vivia um período econômico muito favorável. Mas, os interesses daquele setor? da energética, mas com conservação ambiental e
cassada, apesar da enorme importância sobre- quando vem a crise financeira de 2007/2008, a pos- Basicamente isso. Por exemplo, o rural é cate- bem-estar da população – o que abre para discutir
tudo para a disseminação da retórica territorial. sibilidade de equilibrar essas contradições diminui goria espacial, a agricultura é uma categoria seto- a diversificação das fontes de energia?
Na virada para o segundo mandato do governo muito. A partir daí, começa a crise cujo ápice se dá rial. Fala-se em desenvolvimento territorial, mas Vamos pegar outro exemplo, a expansão da
Lula, criou-se o PAC [Programa de Aceleração do em 2014/2015, com a interrupção do segundo man- coloca-se dinheiro em uma atividade agrícola. Per- agropecuária. De novo, a chantagem: sem agrone-
Crescimento], e algumas pessoas começaram dato do governo Dilma. de-se a diversidade do território. E não é só onde gócio, o Brasil não vai crescer, se não crescer não
a dizer: “O governo precisa ter uma marca social se coloca o dinheiro, mas também quem participa. tem emprego etc. Quando a discussão toda deveria
da mesma envergadura do PAC”. Então, montou- Existem experiências bem-sucedidas? Cria-se um fórum territorial, mas quem vai? Só ser: com a perspectiva de 20 ou 30 anos, que modelo
-se o Territórios da Cidadania, um programa pe- Com o tempo, outros agentes, como o BNDES e o os atores da agricultura. No caso do Investimento econômico queremos? Queremos ser um grande ex-
riférico, em um ministério periférico que era o Ministério do Planejamento, passam a falar em ter- Social Privado, muitas vezes acontece o mesmo. portador de soja, carne e quase nada mais? Ou usar
Ministério do Desenvolvimento Agrário [MDA]. ritorialização de suas ações. Isso criou um campo de Fala-se em território, mas são mobilizados apenas esses recursos para fazer uma transição de paradig-
Em seguida tentou-se dar uma amplitude ao inovações interessantes. As melhores experiências os atores ligados ao do setor em que se está atuan- mas da nossa organização econômica? (mais sobre
tirá-lo do MDA e levar para a Casa Civil, em tor- não estão no governo federal. Quem tem ido mais do, ou os que são afetados pelo empreendimento. agronegócio em p22on.com.br/desmatamento)
no do qual se articulavam 19 ministérios. Só que longe é o governo da Bahia. Desde o meio da déca- Isso é um viés setorial. O ponto de vista é sempre o A agropecuária [concentrada em poucas cultu-
com dois problemas. Primeiro: não havia articu- da passada, a Bahia busca implementar um plano setor envolvido, e não o território. ras] é uma atividade que não gera muitos empregos.
lação. O governo disse que os ministérios deviam plurianual territorializado. Inclusive na construção Estamos gerando riqueza, mas, ao mesmo tempo,
priorizar suas ações em cerca de 100 territórios. do plano houve um projeto de escuta, de consulta E isso é um problema. gerando desigualdade. Aí tem de fazer Bolsa Famí-
Então, pode-se notar que foi um programa de aos territórios, no sentido de estabelecer as priori- Isso é um grande problema. Quando falamos de lia, criar não sei o quê... E a sociedade fica dizendo: “O
cima para baixo, em vez haver um pacto com dades. Há tentativas de construir bases de serviço território, é como se tratasse de três camadas. A Bolsa Família não pode ser para sempre!” Mas o nos-
projetos no âmbito do território, e os ministé- de assistência técnica, organizadas em bases terri- primeira camada pode ser traduzida em uma per- so modelo econômico gera dependência do Bolsa
rios continuaram a fazer o que já faziam antes. toriais. Ainda é muito marcado pelo rural, mas tenta gunta: qual é o lugar que o território, na sua plu- Família para sempre. Para discutir o modelo do de-
ampliar-se para mais setores e para o conjunto de ralidade, ocupa em uma estratégia de desenvolvi- senvolvimento econômico, a discussão é justamen-
Ou seja, subvertendo o próprio conceito de instrumentos da gestão pública. mento? Vamos pegar o episódio de Belo Monte: ali, te sobre quais são as potencialidades territoriais que
governança territorial, que é a cooperação o campo se estabelece a partir de um campo muito podem nos levar na direção de uma economia mais
entre as várias forças. E por que a Bahia? Foi por acaso ou houve limitado de soluções. A questão é colocada assim: diversificada. Hoje, a perspectiva do Brasil é: vamos
Exatamente. E o segundo problema foi que, en- motivos específicos? “Se a gente não fizer, haverá uma crise de energia. exportar bens primários e ponto.
tre os 19 ministérios, estavam fundamentalmente É uma boa pergunta. Minha opinião é que ocor- E se houver uma crise de energia, o setor privado
os sociais – Educação, Saúde, Igualdade Racial. O da reu um quase acaso quando havia nos anos 2000 será afetado. E isso afeta também o emprego”. Para ler a continuação desta entrevista, acesse a versão digital em pagina22.com.br,
em que Favareto expõe quais são as demais camadas do desenvolvimento territorial, os
Indústria não estava, o da Ciência e Tecnologia não uma pessoa, [o economista] Vítor de Athayde Filho, Então existe quase que uma chantagem segun- três “Brasis” que coexistem no território nacional e os riscos de não se aproveitarem as
estava. O do Meio Ambiente estava, mas como fa- filho de um professor da Universidade Federal da do a qual os interesses da maior parte da sociedade oportunidades geradas pela Agenda 2030 (mais sobre ODS à pág. 17) e pela estabilização
demográfica.
zer desenvolvimento territorial pensando em novas Bahia, que morreu tragicamente e tinha a caracte- não podem ser sacrificados em nome de uma mino-

10 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 11
REPORTAGEM CAPA

F
requentar as urnas a cada dois anos
para escolher candidatos para as
instâncias federal, estadual ou mu-
nicipal é suficiente para vermos
nossas necessidades ou aspirações
concretizadas? Em um ambiente globali-

Democracia zado, parece contraditório exercer formas


complementares de construção coletiva, em
contraponto às soluções padronizadas para

em essência universos repletos de diversidade e de pers-


pectivas próprias. Os governos, mesmo que
bem-intencionados, nem sempre são efeti-
vos na realização desses anseios, tamanho
Como a participação articulada o déficit de oferta de serviços à população.
Assim, a sociedade reorganiza-se em novos
de diversos atores locais pode arranjos institucionais, no que é chamado de
governança territorial.
ajudar a resolver ou minimizar “A ideia de governança territorial hoje
é a de um espaço mais amplo de articulação
problemas complexos de diferentes atores da sociedade para defi-
nir coisas públicas” , define o pesquisador do
POR MAGALI CABRAL FOTO ELEMENTS
Centro de Estudos de Administração Pública
e Governo (CEAPG) e professor do Departa-
mento de Gestão Pública da Fundação Getulio
Vargas (FGV), Fernando Burgos.
Segundo ele, o conceito de governança
surgiu no Brasil nos anos 1990, quando o Ban-
co Mundial começou a sugerir que os gover-
nos não funcionavam bem e a solução seria a
iniciativa privada participar mais das admi-
nistrações. Veio a onda de privatizações. Mais
tarde, percebeu-se que a ideia de governança
poderia responder ao desafio, e não simples-
mente alocar agentes privados para assumir
tarefas de governo.
Se o Estado sozinho não dava conta de re-
solver todos os problemas, uma esfera mais
ampla de participação, muito além do em-
presariado, fazia-se necessária. Neste ponto,
representada pelo Terceiro Setor, a sociedade
civil também entra em cena para participar
das decisões públicas. Assim, governança
passa a significar, conforme Burgos, o Estado
aberto à participação de diversos atores, na
maior parte das vezes no processo decisório,
mas em muitos casos também na implemen-
tação das políticas públicas.
“Quando o adjetivo ‘territorial’ foi incor-
porado ao conceito de governança, criou-se

12 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 13
CAPA

uma referência a espaços mais circunscritos to, o País percebeu que esse recorte territorial 2016, encerrou definitivamente as chances em relação ao mundo da informalidade e do
do País”, explica ele. A ideia de território ba- era importante para a gestão de recursos hí- do programa que apoiou mais de 200 territó- ilícito. Apesar da grande proporção que essa
seia-se em identidade e não necessariamente dricos e apostou nessa dinâmica.” rios, mas deixou alguns legados. Um deles no realidade vem assumindo dentro da socie-
em fronteiras municipais. Por exemplo, se o Outra forma de organização territorial que estado da Bahia, que não só não desfez o re- dade brasileira, essa dimensão ainda não foi
propósito de uma ação for promover o desen- vem funcionando, segundo Dal Fabbro, são corte territorial criado pelo PTC como insti- introduzida nas ações de governança territo-
volvimento local, a abrangência territorial os consórcios públicos. Os municípios enten- tuiu um marco legal para essa conformação rial. “Se é preciso negociar com os agentes do
pode estar circunscrita a um determinado deram que, sozinhos, não tinham força sufi- territorial no que concerne à implementação crime para entrar em determinados locais,
município ou a uma região, ou mesmo extra- ciente para atuar nas áreas de saúde, educação de políticas públicas. Outro, foi a experiência significa que naquele território já existe uma
polar fronteiras estaduais. Ou seja, o conceito ou resíduos sólidos, por exemplo. “Buscaram adquirida por muitos dos atores que partici- ação de governança que não está nem sob o
de território não é fechado. Ao contrário, pode uma coordenação entre municipalidades param desse processo ao longo dos 14 anos domínio institucional do governo, nem de
ter as mais variadas conformações. para, juntos, enfrentarem esses desafios de desde a instituição da política de desenvol- fundações, tampouco de organizações não
“Dirce Koga [professora no Programa de forma sistêmica. E muitos estão conseguindo vimento territorial (mais sobre Territórios da governamentais”.
Estudos Pós-Graduados em Serviço Social bons resultados” , observa. Cidadania na Entrevista à pág. 6). Mas como incluir o ilícito no processo de-
da PUC/SP e pesquisadora do Centro de Estu- Mas esse caminho para o sucesso não é Humberto Oliveira foi um dos protagonis- cisório das políticas públicas na prática? Para
dos das Desigualdades Socioterritoriais] traz simples e muito menos garantido, diz o di- tas. Idealizador do PTC e hoje representante Koga, em primeiro lugar, reconhecendo que o
Organização
com o propósito uma ideia que eu gosto, que é a do território de retor-executivo da Agenda Pública, Sérgio do Instituto Interamericano de Cooperação problema existe e terá de ser enfrentado. Em
de aprimorar a vivência, aquele espaço do nosso cotidiano, Andrade. Uma das tarefas da organização que para a Agricultura, da Colômbia, ele fala do segundo, parando de priorizar tanto a busca
gestão pública, onde estabelecemos nossas conexões” , conta ele comanda é justamente facilitar essa tra- desafio que é levar a ideia de participação por definições e conceitos do que seja gover-
a governança
democrática o professor da FGV. jetória, construindo uma visão de lideran- popular ao meio rural, onde as demandas nança territorial, e buscando compreender
e incentivar a Quer dizer, uma pessoa que mora na cida- ça para que o grupo constituído em torno de por programas sociais sempre foram, e con- como ela se organiza na realidade concre- Programa de
participação social de de São Paulo terá um espaço de vivência que um problema consiga vencer as resistências tinuam sendo, muitas. “Encontrávamos um ta das cidades brasileiras. “Por exemplo, do acesso à casa
em todo o território
pode estar circunscrito, por exemplo, entre o burocráticas do funcionalismo que segura- sentimento imediatista de busca por solu- ponto de vista da dinâmica, enquanto a polí- própria para
brasileiro
famílias de renda
bairro de Pinheiros (Zona Oeste da cidade) e mente encontrarão. “Se há uma visão de li- ções na maior parte dos territórios. O nosso tica pública permanece no território somen- baixa e média
o da Bela Vista (Centro). Quando a prefeitura derança, um caminho construído por vários desafio era conseguir transformar aquele te de segunda a sexta-feira e apenas durante lançado em 2009
instala um equipamento público no bairro do atores e um ponto de chegada, será mais fácil sentimento de urgência das pessoas em visão o dia, os agentes do ilícito não arredam o pé pelo Governo
Federal em parceria
Campo Belo (Zona Sul), não estará atendendo implementar políticas ou mudanças” , afirma. estratégica para atender o interesse coletivo. nunca” , afirma a acadêmica. com estados,
às necessidades daquele morador de Pinhei- Para Andrade, quanto mais próximo um Isso era algo muito difícil de fazer”, recorda. municípios,
ros. E o mesmo vale para Altamira (PA), para determinado problema está da esfera mu- VISÃO MAIS QUENTE empresas e
entidades sem fins
Petrolina (PE) ou qualquer outra cidade. nicipal, melhor para trabalhar a governança FATOR DIVERSIDADE Por si só, o poder público, de fato, não al- lucrativos
Na perspectiva do pesquisador de De- territorial. Há mais proximidade nas rela- Dirce Koga, da PUC-SP, traz alguns contra- cança essa visão micro dos territórios como as
senvolvimento Local do Centro de Estudos ções, além de as questões serem mais concre- pontos sobre o tema da governança. Segundo descritas por Dirce Koga. E, quando apresen-
em Sustentabilidade da FGV-Eaesp (FGVces), tas. Por exemplo, se há o projeto de uma es- ela, existe uma contradição na gestão de de- ta iniciativas de cima para baixo, sem a con-
Marcos Dal Fabbro, o tema tem um sentido trada passar no meio de um município, ou de terminados programas institucionais, que es- tribuição dos atores que vivem o território, o
semelhante. Para ele, a combinação entre um bairro, não é tão difícil identificarem-se vaziam de sentido o ingrediente “territorial” , governo compromete o desenvolvimento de
um determinado espaço geográfico e a ex- os impactos que serão gerados, os ganhadores reduzindo-o muito mais a uma nomenclatura suas próprias ações. É como pensa a conse-
pressão da sociedade dentro daquele limite e os perdedores. “E é muito mais fácil enga- do que o tornando realidade. “Temos uma go- lheira e ex-diretora do Instituto Lina Galvani,
configura governança territorial. “Quando jar as pessoas com algo que está mais perto vernança territorial no Brasil, na maior parte Cecília Galvani: “As lideranças locais conse-
se fala de territórios, de gestão democráti- do mundo delas. As pessoas vivem ali e sabem das vezes, bem mais administrativa e buro- guem ter uma visão muito mais ‘quente’ dos
ca, pressupõe-se um olhar diferenciado para quais são seus problemas” , explica Andrade. crática do que uma governança que de fato se temas no território. Esses aportes, natural-
essas localidades. Os limites podem se dar No entanto, não existe garantia para re- aproxime do cotidiano dos territórios.” mente, têm de conversar com a agenda do
por recortes que façam sentido para aquela sultados certeiros. Como diz Fernando Bur- Um exemplo que se aplicaria a essa crítica governo. Essa integração de todas as visões
sociedade.” De acordo com Dal Fabbro, essa gos, da FGV, mesmo quando bem aplicado, é o do programa Minha Casa Minha Vida. é fundamental para se conseguir soluções
variabilidade espacial permite o exercício de esse modelo de exercício democrático, que Idealizado por várias camadas de agentes de sustentáveis, que façam sentido para quem
uma melhor governança das políticas e ações é a governança territorial, será sempre uma governança e inserido em uma lógica de ter- as está recebendo” , argumenta a conselheira.
sobre determinada localidade. aposta: “Pode ser que ajude a resolver proble- ritório, e não de município, o modelo foi um só Iniciativas fomentadas nos territórios em
Segundo o pesquisador, o Brasil tem ex- mas complexos.” para todo o Brasil. Ignorou particularidades conformidade com um exercício de partici-
perimentado governança territorial em dis- Uma grande aposta, feita em 2008 pelo sociais, culturais e geográficas. “A lógica das pação popular (de baixo para cima), segundo
tintas situações, a exemplo dos comitês de governo federal, foi o Programa Territórios nossas políticas públicas, traz poucos dispo- Galvani, algumas vezes podem até incomo-
bacias hidrográficas. “Em um dado momen- da Cidadania (PTC) – estratégia criada vi- sitivos capazes de abarcar toda a diversidade dar o poder público. Afinal, nesse exercício
sando o desenvolvimento econômico de mi- existente no País” , argumenta. democrático, os atores do território desen-
A Lei nº 20.974/2014 instituiu a Política de Desenvolvimento crorregiões rurais por todo o Brasil. O impe- Outra questão ainda mais complexa, se- volvem capacidades de ler a sua realidade, de
Territorial da Bahia
dimento da presidente Dilma Rousseff, em gundo Dirce Koga, é a “cegueira” que existe identificar suas fragilidades, de correr atrás

14 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 15
RICARDO YOUNG
REPORTAGEM CAPA Consultor em gestão sustentável e pesquisador no campo de inteligência urbana, empresas e cidades
sustentáveis. Preside o Conselho do Instituto Ethos e do IDS
artigo

"A governança territorial será uma saída possível Do macro ao micro


O cinco “pês” estruturantes dos ODS – Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parceria –
desde que todos participem. Não adianta convidar precisam operar nas localidades, ou seja, nos territórios onde a vida das pessoas acontece

somente os amigos da festa", diz professor


A
s cidades têm sido aponta- Orientações para o Plano de Metas que
das como o “Armagedom da integra de forma consistente e extensiva
dos seus direitos e atuar dentro dos seus de- SÓ ESCUTA LOCAL NÃO BASTA Sustentabilidade” ou como os 12 Princípios das Cidades Sustentáveis
veres. “Alguns governantes podem identifi- Um desafio muito presente, segundo Ce- os “buracos negros” para com os 17 ODS, e – no melhor tratamen-
car esse empoderamento como uma ameaça cília Galvani, é ampliar o repertório da go- onde todos os recursos naturais são to sistêmico – demonstra que, para cada
e reagir não apoiando alguns projetos” , diz. vernança para além do território. “A gente drenados sem possibilidade de restau- um dos 12 princípios, há mais do que um
“Mas também nos deparamos com a parti- faz essa escuta local, mas não basta. É preciso ração. Estas são metáforas fortes para conjunto de metas a serem contempla-
cipação ativa e saudável de governantes que dialogar com agendas globais para conseguir um fato elementar – não haverá desen- das. Isso mostra o sentido transversal,
entendem que essa participação facilita o incentivos e também para expandir a rede.” É volvimento sustentável, adaptação e interdisciplinar e material da Agenda
trabalho deles.” isso que vai permitir as conexões com organi- mitigação, justiça social e combate a 2030. Outro aspecto importante deste
Das ações que contaram com a participa- zações, com estados e com a União para com- desigualdades se a lógica da urbaniza- documento é que procura traduzir os
ção do instituto nas rodadas de governança, por arranjos ou para buscar tecnologias que ção continuar a negar um dos princípios princípios e metas em indicadores men-
Cecília Galvani destaca o caso de uma co- já foram testadas, como no caso das cister- mais caros à natureza: seu caráter sistê- suráveis, constituindo-se como sólida
munidade, a de Angico dos Dias, localizada nas. Um caminho que o instituto encontrou mico e sua capacidade de regeneração. orientação para gestores públicos.
em Campo Alegre de Lourdes, no Semiárido foi associar-se a organizações como a Rede Falamos aqui de regeneração no senti- Mas todos esses esforços de con-
Brasileiro, divisa da Bahia com o Piauí, cuja América e o Grupo de Institutos Fundações e do mais amplo, que engloba os recursos vergência, integração e materialidade
principal agenda é prover a cidade de água. Empresas (Gife). naturais e também o tecido social. só surtirão efeito se ao menos duas pre-
Como o Instituto Galvani trabalha com a O substantivo “desafio” parece ser uma Conferências como a COP21 e a Habi- Portanto, uma das partes interessa- missas forem incorporadas. A primeira
perspectiva de fortalecimento dos apare- daquelas palavras-chave quando o assunto tat III, juntamente com os Objetivos de De- das mais relevantes são os governos delas refere-se à inteligência local, das
lhos municipais para acessar recursos fede- é governança territorial. Muita diversida- senvolvimento Sustentável (ODS) acor- locais – as Cidades. A Nova Agenda Ur- pessoas em seu território e como são
rais, não foi difícil identificar que o progra- de – e, quanto mais, melhor – entre pessoas dados na Cúpula da ONU em setembro de bana, principal documento produzido legitimadas no processo de tomada de
ma Um Milhão de Cisternas tinha verba opinando sobre um mesmo tema, a princípio 2015, mostram o esforço de concerta- pela Habitat III, demonstra que os cinco decisão. Os ODS só serão atingidos se
Programa do
Ministério do disponível para implantação de cisternas parece caótico, mas é só um desafio, pois é ção das lideranças mundiais e do sistema “pês” estruturantes dos ODS – Pessoas, funcionarem como elementos catalisa-
Desenvolvimento para captação de água de chuva. De posse desse caos que surgem os bons resultados, os multilateral em estabelecer metas pre- Planeta, Prosperidade, Paz e Parceria dores e de transformação cultural das
Social criado dessa informação, a comunidade se organi- mais abrangentes e os de maior relevância viamente aceitas pelas nações, para que – estabelecem políticas públicas que realidades locais para o conjunto da mu-
em 2003 com
o objetivo de zou, inicialmente criando a Associação dos para a coletividade. “A governança territo- nas próximas décadas possamos mitigar precisam operar nas localidades. De que nicipalidade. As cidades, na condição de
promover o Moradores do Peixe, Angico e Região (Am- rial será sempre uma saída possível, desde os efeitos da mudança climática e da abis- localidades falamos? Certamente das organismos complexos, têm um grau de
acesso à água para pare) e, mais tarde, protocolando a demanda que todo mundo participe; não adianta con- sal desigualdade social. cidades, mas, mais do que isso, falamos auto-organização pouco compreendido
consumo humano
e para a produção ao Governo do Estado da Bahia. “O recurso vidar somente os amigos da festa” , reforça Já em seu Preâmbulo, o documen- dos territórios onde a vida das pessoas pelos agentes públicos. Nesse processo,
de alimentos pela chegou e 96 cisternas foram implementadas Fernando Burgos. to sobre os ODS, também chamada de acontece, dos distritos e dos bairros. soluções criativas e inovadoras surgem,
agricultura familiar na região”, relata a conselheira. O outro grande desafio é em relação ao Agenda 2030, afirma no segundo pará- Os ODS constituem-se, portanto, inspiram e transformam. Os conselhos
Outra ação com o envolvimento do Ins- timing, ao momento de trazer todos à mesa, grafo: “Todos os países e todas as par- como um conjunto de metas que só farão municipais e os movimentos já existentes
tituto Galvani ocorre em Luís Eduardo Ma- sobretudo quando se trata de uma grande tes interessadas, atuando em parceria sentido se forem traduzidos em políticas precisam ser potencializados, tornando-
galhães, município de região agrícola (soja e obra com muito impactos locais (mais em colaborativa, implementarão este plano. públicas, interdisciplinares, interdepen- -se espaços de metabolização entre a
algodão) localizada no Oeste baiano. Como Reportagem à pág. 26). Como diz Burgos, o Estamos decididos a libertar a raça hu- dentes e sistêmicas. De nada valerá o inteligência local e o fazer público.
a região vem recebendo um número alto de papel da governança territorial é antecipar mana da tirania da pobreza e da penúria esforço isolado de implementação das A segunda premissa decorre do im-
migrantes, o governo local está com dificul- eventuais problemas e, para isso, precisa e a curar e proteger o nosso planeta. Es- metas do ODS 11, relativo às cidades, se perativo de transformação profunda
dades para desenvolver sozinho um plane- estar presente no processo decisório de uma tamos determinados a tomar as medidas não estiverem devidamente articuladas das estruturas públicas responsáveis
jamento urbano que dê conta do vertiginoso ação – antes mesmo do planejamento. Mas, ousadas e transformadoras que são ur- com os outros 16. Portanto os ODS reú- pela implementação destas agendas. O
crescimento populacional – em 7 anos mais no Brasil, as decisões são sempre muito ur- gentemente necessárias para direcionar nem princípios de direitos fundamentais aspecto fragmentado da gestão públi-
de 20 mil novos moradores desembarcaram gentes e as comunidades impactadas aca- o mundo para um caminho sustentável integrados a um conjunto de propostas de ca, profundamente eivado de estrutu-
no município em busca de oportunidades de bam em segundo plano. “Depois que uma e resiliente. Ao embarcarmos nesta jor- políticas públicas a serem contemplados ras arcaicas, condicionado a interesses
trabalho, elevando para 83 mil o número de grande obra já começou e a adolescente foi nada coletiva, comprometemo-nos que em programas robustos de governo e que políticos partidários, precisa ser atuali-
habitantes. O instituto participa da gover- explorada sexualmente, não adianta mais ninguém seja deixado para trás.” possam dialogar com as dinâmicas locais. zado à luz dessa nova concepção de ci-
nança para a gestão dos mananciais locais e a pensar em uma ação articulada de educação No entanto, se fizermos uma análise Recentemente, a Rede Brasileira de dades. O mundo clama por justiça social
articulação de recursos para a construção de para ela. A ação terá de ser emergencial. Será cuidadosa das políticas preconizadas, a Cidades Sustentáveis produziu um do- e sustentabilidade, e a inação tornará
um aterro sanitário na região. uma gambiarra” , diz. grande maioria delas depende de políti- cumento intitulado Guia GPS – Indicado- dolorosamente realistas as metáforas
cas urbanas para sua implementação. res do Programa Cidades Sustentáveis e citadas no início deste texto.

16 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 17
REPORTAGEM PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Q
uando o País fervilhava durante as tanto de contribuir quanto de aprender. E de
Iniciadas em
Jornadas de junho, uma das mensa- receber conhecimentos técnicos para tornar

Jogando junto
2013 como uma
gens mais claras entoadas pela “voz essa colaboração mais efetiva”
, ressalta. série de protestos
rouca das ruas” a cada manifestação contra um aumento
da passagem de
era de que existia uma profunda in- APRENDIZADOS ANTERIORES
ônibus organizada
satisfação contra a escassez e a má qualidade De acordo com o coordenador executi- por estudantes

Para fazer as políticas dos serviços públicos. “’Queremos um aten-


dimento ‘padrão Fifa’ foram palavras de
vo da Casa Fluminense, Henrique Silveira,
o Brasil já produziu muitas experiências
em São Paulo, as
manifestações
tornaram-se
públicas darem o salto ordem nos protestos” , lembra Leandro Avena
Prone, coordenador de projetos da Agenda Pú-
bem-sucedidas de participação popular,
por exemplo, a implantação de mecanismos
progressivamente
maiores até se

de qualidade que todos


transformarem
blica – organização que procura alavancar ar- de orçamento participativo por diver-
em um fenômeno
ranjos capazes de enfrentar desafios comple- sos municípios brasileiros ao longo dos anos nacional

esperam, será preciso xos nos territórios onde atua. “Ficou claro com
os protestos que havia um desconcerto entre
1990. Mas uma fagulha que reavive esse fogo
pode vir a calhar. “Se não tivermos um pro-

tornar mais porosos os Estado e sociedade” , prossegue.


Passados cinco anos, aumenta o entendi-
cesso permanente de inovação cívica, essas
iniciativas acabarão atingindo um ‘teto’. A
Padrão de
qualidade exigido
pela Federação
limites entre o governo mento de que precisamos reatar o fio de uma
meada que conecta quase 30 anos de esforço
participação precisa ser cultivada” , pondera.
Foi pela falta de um processo de renova-
Internacional
de Futebol dos

e os cidadãos pela efetivação do direito à participação so-


cial na formulação e implementação das po-
ção que muitos instrumentos importantes
acabaram perdendo vigor. É o caso do sistema
estádios que
abrigariam a Copa
do Mundo realizada
POR FÁBIO RODRIGUES líticas públicas. Algo que está previsto desde de consultas e audiências públicas que, mui- no Brasil em 2014.
a Constituição de 1988. Para fazer as políticas tas vezes, são realizados apenas por formali- A expressão foi
FOTO RAWPIXEL / UNSPLASH apropriada pelos
públicas darem o salto de qualidade que todos dade. “Elas continuam importantes, mas se manifestantes para
esperam, será preciso tornar mais porosos tornaram pouco produtivas porque o gover- ironizar a qualidade
os limites entre o governo e os cidadãos. É aí no chega com uma fórmula pronta, abrindo nos equipamentos
e/ou serviços
que entra em prática a ideia de governança pouco espaço para ouvir” , critica Silveira. A públicos
(mais sobre o conceito em reportagem à pág. 12). seu ver, falta consolidar uma cultura da parti-
“A participação social favorece a entrega de cipação dentro do setor público. “Os gestores
políticas públicas com maior qualidade e le- precisam acreditar que, se houver participa- Processo no
gitimidade que serão mais bem apropriadas. ção da sociedade, os resultados serão melho- qual cidadãos e
funcionários da
Esse é o pote de ouro no final do arco-íris que res do que uma proposta puramente técnica. administração
deveria levar os governos a investirem mais Eles precisam reconhecer isso como um va- municipal decidem,
energia e recursos em processos de gover- lor”, propõe. em assembleias
organizadas
nança” , aponta o coordenador executivo da Prone, da Agenda Pública, destaca que com esse fim,
Casa Fluminense, Henrique Silveira. os espaços existem, mas que muitos deles sobre a alocação
Não é como se a ficha tivesse caído para “precisam ser potencializados”. É o caso dos de recursos
para novos
todo mundo só agora. Espalhados pelo Bra- Conselhos Municipais. “No longo prazo, é investimentos
sil é possível encontrar os mais diversos ti- uma forma de aproximar o cidadão das deci-
pos de relacionamento entre sociedade civil e sões sobre os serviços. Eu já vi pautas surgi-
governos– da parceria franca à desconfiança das nesses conselhos chegarem até os gabi- Espaços
mútua. Ainda assim, para Leandro Prone, algo netes” , testemunha. Paciência é uma virtude de natureza
deliberativa e
está mudando. “Os gestores públicos passa- indispensável. “O caminho é ardiloso e ha- consultiva, cuja
ram a perceber que, sozinhos, não estavam verá momentos de frustração. Precisamos ter função é formular
dando conta de dar uma resposta adequada à fôlego e obstinação” , pontua. e controlar a
execução das
população” , completa. É uma percepção par- E há novas brechas se abrindo. “A tecno- políticas públicas
tilhada pela gerente de sustentabilidade da logia vem mudando a maneira como nos rela- setoriais. Devem
Fundação Alphaville, Fernanda Toledo de Oli- cionamos com tudo. Entre Estado e socieda- ter número igual
de representantes
veira. “Quando temos reuniões com governos de ela pode ser um agente de transparência e do Estado e da
e organizações locais, sentimos uma recepti- conhecimento” , diz Thiago Rondon, o funda- sociedade civil
vidade muito grande da parte deles, no sentido dor da AppCivico. A empresa que desenvolve

18 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 19
PARTICIPAÇÃO SOCIAL

tecnologias com um olho na mudança social dação Alphaville, que dura até hoje. “Foi um um marco e serviu de inspiração para que a consegue envolvimento quando se tem uma
Evento de curta apoia a realização dos chamados hackatons. divisor de águas. Não só porque conseguimos União formulasse sua própria Lei das Águas perspectiva real e relevante, de transforma-
duração na qual
um grupo formado Um bom exemplo foi 1ª Hackathon da Saúde espaço e maquinário melhores, mas porque alguns anos mais tarde . ção. Isso precisa ser pactuado, compreendido
por técnicos e realizada no ano passado em parceria com o nos deram uma chance de crescer por meio do Segundo o secretário executivo do Con- e compromissado entre todos. Se não, a pes-
público em geral Senai e a Secretaria Municipal da Saúde de São conhecimento. O conhecimento muda a vida sórcio PCJ, Francisco Lahóz, todo esse proces- soa não verá valor em participar” , diz Daniela
trabalha de forma
concentrada em Paulo, que teve como destaque a proposição das pessoas. Mudou a minha” , afirma. so foi acompanhado bem de perto pelo gru- Gomes Pinto, coordenadora do Programa de
um problema de um sistema integrado de acompanhamen- Para Fernanda Toledo, da Fundação Al- po que se articulou com outras organizações Desenvolvimento Local do Centro de Estudos
específico to e apoio a gestantes e monitoramento de ce- phaville, a Unindo Forças ilustra bem como é da sociedade civil ligadas à questão da água. em Sustentabilidade da FGV EAESP (FGVces).
buscando soluções
por meio do sarianas, chamado SuperMãe. “São uma óti- possível ir além do assistencialismo para ge- Estas fazem parte da Rede Brasil de Organis- Para Henrique Silveira, a frustração das
desenvolvimento ma ferramenta para colocar todos os atores rar transformações que se mantenham sus- mos de Bacia (Rebob) e influenciaram o tex- expectativas envenena os processos de go-
de ferramentas para conversar. Mostra como o governo pode tentáveis no longo prazo. “Sem a construção to dessa legislação e de outras subsequentes, vernança. “Como há muita energia envolvi-
tecnológicas
inovadoras deixar de ser apenas um ‘prestador de servi- de redes e a capacitação dos atores envolvi- como a Lei nº 9.984/2000 que criou a Agência da, quando não produz um resultado, é ge-
ço’ para se tornar um indutor de construção dos, os projetos não andam” , avalia. Nacional das Águas (ANA). “Gradativamente, rada muita frustração entre os participantes,
conjunta” , elabora. Esse é o antídoto para impedir que os ato- criamos elementos de governabilidade para o que acaba virando desesperança e rancor.
Explorar essas brechas requer um trabalho res que estão na base comunitária – normal- exercer a governança das águas” , resume. Ignorar a participação tem seu preço” , afir-
permanente da sociedade civil. “Precisamos de mente o elo mais frágil na cadeia – acabem “Hoje estamos razoavelmente bem servi- ma. Por isso, ele entende que a confiança é
processos de articulação e mobilização de um atropelados durante processos que deveriam dos em termos de estrutura de governança” , diz um ativo importante nessas iniciativas. “A
leque diversificado de atores da sociedade civil. ser horizontais. “Quando fortalecidas, as Lahóz. Já são mais de 210 Comitês de Bacia população precisa acreditar que os gestores Organismos
Além de mais acesso à informação e indicado- comunidades ficam mais preparadas para instalados. O maior nó, contudo, continua sen- querem ouvir o que ela tem a dizer, e que o colegiados que
contam com
res. Só com grupos articulados e bem informa- trabalhar com atores institucionais, como do a capacitação dos participantes dos comitês. processo vai gerar resultados. Construir essa representantes de
dos é que vamos conseguir a incidência política governos e empresas. Somente aí que você “Estamos com dificuldades para preencher as relação de confiança demanda tempo, esfor- todos os setores
para influir no debate público”, diz Silveira. consegue chegar a ações que promoverão vagas [nos comitês] reservadas à sociedade ci- ço e seriedade” , diz. da sociedade que
tenham interesse
mudanças no território, capazes de serem vil. Precisamos promover a integração direcio- Abrir esses espaços, na opinião de Jordânia sobre uma bacia
INICIATIVA incorporadas às políticas públicas ” , justifica. nada a esses representantes para que eles não da Silva, ajudaria a alavancar o potencial exis- hidrográfica.
Para o cidadão comum, a participação em Para atingir esse ponto, é fundamental fiquem passivos nos processos de decisão” , diz. tente dentro das comunidades. “Eu vejo quan- Têm poder para
elaborar o plano de
espaços de governança pode parecer algo in- identificar e envolver as lideranças presen- to potencial existe e a quantidade de gente que recursos hídricos,
timidador ou fora de alcance. Não é verdade. tes nessas comunidades. “São as lideranças RELAÇÃO DE CONFIANÇA sabe fazer coisas muito legais. Mas as comuni- arbitrar conflitos,
Às vezes, basta se lançar e ver no que dá. que vão movimentar o processo e difundir o Segundo Lahóz, a falta de capacitação dades se consideram pequenas demais. Quan- estabelecer
mecanismos para a
Foi o que fez a baiana Jordânia Pereira da trabalho pelo território. Seria muito difícil se adequada acaba alimentando uma situação do aparece alguém que realmente escuta essas cobrança pelo uso
Silva, 18 anos atrás. Ao lado de outros mora- a gente tivesse de atingir as pessoas isolada- do tipo “o ovo ou a galinha”: como as políticas pessoas, isso muda suas vidas” , garante. da água
dores do bairro do Vale do Sul em Barueri (SP), mente” , avalia Toledo. públicas ficam aquém dos anseios da socie- Angariar a simpatia do corpo técnico dos
fundou a Cooperativa Unindo Forças, com a dade civil, ela se frustra e deixa de participar, governos ajuda a reduzir o risco de que essas
finalidade de gerar renda aproveitando ma- GRANDE ESCALA o que empobrece a construção das políticas. iniciativas sejam abandonadas a cada troca
deira de paletes descartados por indústrias Quando bem-sucedida, a prática da gover- “É preciso mais estímulos para que os es- de administração. “Quando você traz os ser-
locais. “Eu via no cooperativismo uma forma nança territorial pode ser transformadora. É paços de governança sejam ocupados. Falta vidores concursados para dentro dos proje-
de ajuda mútua” , relembra. Durante os cinco o exemplo do Consórcio Intermunicipal das devolver esperança às pessoas” , completa. tos, aumenta a chance de que tenham conti-
primeiros anos, as coisas eram feitas na base Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí “O mais importante é ter uma boa pactuação. nuidade” , pontua Fernanda Toledo.
do improviso, contando com a boa vontade da (Consórcio PCJ) que, em seus quase 30 anos de Isso exige informar e sensibilizar as pessoas Essa interlocução entre governo e popu-
comunidade. “A gente ia pedindo o que pre- existência, influiu ativamente na construção para que elas possam ter a dimensão da im- lação por meio da governança ajudaria a qua-
cisava. A cooperativa foi uma mobilização do do que viria a ser tornar a Política Nacional de portância dos processos” , opina. lificar a própria gestão pública, reduzindo o
bairro inteiro”, conta. Recursos Hídricos. A relevância dessas instâncias, no entanto, espaço para voluntarismos. “Para haver po-
O passo seguinte veio apenas em 2005. Foi graças à articulação iniciada por um será proporcional à sua capacidade de produ- líticas públicas duradouras, precisamos que o
Jordânia soube que a então primeira-dama grupo de engenheiros e arquitetos piraci- zir decisões compartilhadas e, num segundo poder público tenha uma cultura de planeja-
de Barueri, Sônia Dias Furlan, estava selecio- cabanos em 1985 – com o País recém-saído momento, transformações reais. “Partici- mento e a sociedade civil, uma cultura de mo-
nando projetos sociais pela cidade e não teve da Ditadura Militar – em torno da chamada pação não é apenas ser escutado e escutar, é nitoramento. As duas coisas passam por um
dúvidas: foi, por conta própria, até a Prefeitu- “Redenção Ecológica da Bacia do Piracicaba” , decidir junto. Participar demanda esforço, trato sobre o que fazer e o que cobrar” , resume
ra e deixou seu endereço com uma secretária. que o governo do Estado de São Paulo viria a tempo, é difícil, custoso. Por isso, a gente só o coordenador da Casa Fluminense. Pode ser
Era o começo de uma parceria envolvendo a aprovar, em 1991, a Política Estadual de Re- esse o caminho para os serviços públicos “pa-
Por meio da Lei nº 9.433/1997: goo.gl/0q4Ou
Unindo Forças, o governo municipal e a Fun- cursos Hídricos. A experiência paulista foi drão Fifa” que exigíamos cinco anos atrás.

20 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 21
REPORTAGEM INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO

Olhar ampliado
POR ANDREA VIALLI FOTO ELEMENTS

Investimentos sociais de empresas


se voltam para o desenvolvimento
territorial, com o desafio de operar
pela lógica do bem comum – e não
só do privado
Ao longo de 2017, foram realizados en- Tocantins, sentiu isso na pele. Um dos princi-
contros com um universo de 22 empresas pais problemas enfrentados pela Bunge, que

H
participantes da ID Local, que resultou em tem operações de logística nas cidades pa-
á uma transformação em curso na cial Privado (ISP) apontam para a tendência um conjunto de princípios e diretrizes para o raenses de Barcarena e Itaituba, é a explora-
forma como os investimentos sociais de intensificar a dimensão territorial. chamado ISP Territorial (ISP-T). Eles abran- ção sexual de crianças e adolescentes. Quan-
das empresas estão sendo executa- O Benchmarking do Investimento Social Cor- gem desde estratégias de entrada e de saída do a empresa se deparou com a questão, não
dos. Se há menos de duas décadas a porativo (Bisc), levantamento anual realizado – ou seja, como iniciar um processo de ISP-T, havia uma rede de enfrentamento do proble-
maioria das empresas no Brasil man- desde 2008 pela ONG Comunitas, mostra que geralmente começando por um diagnóstico ma e de assistência às vítimas nessas locali-
tinha seus investimentos sociais desvincula- 75% das organizações realizaram projetos amplo socioterritorial, e como concluir o ciclo dades – nem mesmo a percepção, por parte
dos dos negócios, independentes das políticas sociais corporativos voltados ao desenvol- de investimento sem desamparar a localida- da população, de que o abuso era uma viola-
públicas e desconectados de agendas globais vimento territorial em 2016 – em 2011, eram de –, desenvolvimento de capacidades locais, ção de direitos. O trabalho teve de começar da
de desenvolvimento, hoje esse cenário está 45%. Já o Grupo de Institutos, Fundações e monitoramento e mensuração de impactos. base, pois apenas uma campanha educativa
mudando. Com o passar dos anos, a cultura de Empresas (Gife) apurou que 48% dos insti- De acordo com Lívia Pagotto, pesquisadora voltada aos colaboradores não resolveria a
ações filantrópicas foi sendo substituída por tutos e fundações empresariais investem em da ID Local, o investimento social foi tornan- questão, explica Claudia Calais, diretora-
uma preocupação crescente das companhias desenvolvimento local, comunitário ou de do-se mais sofisticado e estratégico por dois -executiva da Fundação Bunge.
em buscar novos significados para seus inves- base, o que configura a área como a quinta na principais motivos: a intenção das empresas A ação foi dividida em três frentes:
timentos no campo social – e isso inclui es- lista de temas prioritários, atrás de educação, de alinhar suas ações sociais aos negócios e dentro da empresa, com sensibilização
tratégias de atuação social vinculadas ao core formação de jovens, cultura e artes, e apoio a também pela necessidade de aproximação dos caminhoneiros e aquaviários, que são
business das empresas e, ao mesmo tempo, ao organizações da sociedade civil. com as políticas públicas. “O ISP territorial os profissionais que dirigem embarcações
território onde estão presentes. O ISP com foco em território também foi não deveria ser considerado um tipo de inves- nas hidrovias que transportam carga na
O alinhamento aos negócios se reflete tema de estudo do mais recente ciclo da Ini- timento social, mas sim uma abordagem. Usa região. Esses atores foram escolhidos como
na concentração dos investimentos sociais ciativa Empresarial Desenvolvimento Local das capacidades e do protagonismo local” , ex- público-alvo em razão do envolvimento de
nas comunidades no entorno dos empreen- e Grandes Empreendimentos (ID Local) do plica. Outra característica do ISP-T é ser deter- caminhoneiros com a prostituição infantil
dimentos, com o objetivo de promover o Centro de Estudos em Sustentabilidade da minado pelas vocações do lugar, que são sem- e para evitar que o mesmo ocorresse entre
desenvolvimento do território, além de mi- Fundação Getulio Vargas (FGVces), que tem o pre únicas, e esse contexto particular torna a os operadores das embarcações; mudanças
tigar as externalidades geradas pelas ati- propósito de articular o setor empresarial para estratégia difícil de ser repetida. Não há uma nos contratos com os fornecedores, com
vidades econômicas. Esse movimento já reflexão, troca de experiências e construção “receita de bolo” para o ISP-T. cláusulas exigindo que monitorassem a
aparece nas estatísticas: as duas principais de diretrizes para o desenvolvimento local, A Fundação Bunge, que atua com progra- questão; e apoio à política pública, com um
pesquisas nacionais sobre Investimento So- especialmente em regiões carentes do Brasil. mas de desenvolvimento territorial no Pará e fluxo de trabalho definido com 80 entidades

22 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 23
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO

Quanto mais desenvolvido forças operantes nos territórios. Em 2016,


81% das empresas afirmaram assegurar ca-
meio da criação de arranjos produtivos, com
hortas comunitárias e venda dos produtos,
"O investimento social
o território estiver, melhor nais de diálogo com as comunidades (eram
64% em 2011); 69% participam da formula-
aumentando a renda dos moradores.
Estratégia semelhante foi desenhada para não pode se confundir
para a companhia que nele ção e/ou execução de políticas públicas locais
(eram 55% em 2011) e 69% estão articulando
Serra do Salitre (MG), município do Triângulo
Mineiro com economia baseada na agricultura com uma área de negócios
atua, segundo executiva da empresa, senão
com outras companhias para promover o de- e que recebeu um empreendimento mineral e
senvolvimento do território (59% em 2011). industrial da Galvani em 2016. O diagnóstico

perde credibilidade"
“Quando a empresa aproxima o investimen- apontou para uma grande expectativa com a
ao longo de três anos, com criação de um to social dos negócios, o entorno fica mais chegada da empresa ao município, preocupa-
banco de dados, aplicativo para denúncias e importante. Uma das motivações é deixar ções com a falta de perspectivas para a juven-
apoio às instituições para o acolhimento das um legado onde elas estão” , afirma a soció- tude (estariam capacitados para trabalhar na 150 projetos, que tiveram suas metas alcan-
crianças. As ações contaram com a parceria loga Anna Peliano, coordenadora do Bisc. empresa?) e verificou-se também um poten- çadas em 95%. E não se trata apenas de objeti-
da Childhood Brasil, que tem um programa Ela ressalta, contudo, que a preferência por cial turístico ainda pouco explorado na região, vos corporativos. “Estamos falando de metas
voltado ao combate da prostituição infantil estratégias de desenvolvimento territorial não com cachoeiras e cenários rurais. relacionadas ao fortalecimento do ambiente
nas estradas. “A empresa pode ajudar exclui o investimento social nas causas que as O trabalho na região teve como ponto cen- de negócios nos municípios, melhoria da eco-
a sensibilizar, mas não tem o poder de empresas e seus braços sociais julgam impor- tral, então, o aporte financeiro a projetos que nomia local, avanço nos indicadores de ges-
fiscalização. O nosso papel foi fortalecer essa tantes. Tanto é que, segundo dados do levan- fomentassem o protagonismo dos jovens e o tão na educação e no poder público em geral” ,
rede”, afirma Calais. tamento, a educação ainda é o setor que rece- turismo local, por meio da realização de um afirma. Em 2017, os investimentos sociais da
No Tocantins, os desafios da Bunge eram be mais investimentos das companhias: dos edital, explica Ricardo Mastroti, diretor execu- Votorantim somaram cerca de R$ 127 milhões
outros. No município de Pedro Afonso, onde a R$i2,4 bilhões destinados a projetos sociais no tivo do Instituto Lina Galvani. “O investimento em 144 municípios dos quatro países.
empresa construiu uma usina de açúcar, álcool Brasil em 2016, 41% foram para educação. social evoluiu de um patamar em que não basta Outro desafio para o amadurecimento do
e produção de energia elétrica, faltava qualifi- “Não houve uma ruptura com as causas, o assistencialismo, é preciso pensar em solu- ISP-T é conseguir separar o propósito de gerar o
cação dos trabalhadores locais, especialmente e sim um caminhar na direção de estratégias ções sintonizadas com as demandas contem- bem comum, relacionado à atuação social, das
jovens – mais de 60% dos jovens até 25 anos com foco nos territórios” , diz Peliano. Além porâneas, como o estímulo ao empreendedo- demandas inerentes ao negócio, como a busca
tinham, no máximo, quatro anos de estudo. A disso, as empresas estão mais expostas às rismo, aos negócios sociais, às articulações que por certificações socioambientais ou mesmo
usina começou a operar em 2011 com 60% da demandas da sociedade e hoje são cobradas trazem autonomia para as comunidades” , diz. o cumprimento de Termo de Ajustamento de
mão de obra vinda de outros estados, mas in- em múltiplos canais, como as mídias sociais Conduta. Há casos em que as empresas traçam
vestiu, por meio da Fundação, em um progra- – então, é natural que elas se aproximem de MÉTRICAS DE AVALIAÇÃO uma estratégia de desenvolvimento local para
ma de qualificação em parceria com a prefei- temas que são caros às comunidades. As evidências apontam que o ISP-T está se cumprir alguns requisitos exigidos por certifi-
tura. Em dois anos, reverteu o quadro e passou Ao desenvolver suas estratégias de atuação consolidando no Brasil e, não obstante a me- cações como ISO 14000 e 9000, que nas últimas
a contar com 63% de mão de obra local. social, o Instituto Lina Galvani, braço social da lhora na qualidade dos projetos, os desafios revisões aumentaram as exigências em relação
O mesmo ocorreu com os fornecedores: Galvani, empresa de mineração e produção de ainda são grandes. Para 73% das empresas, a a mapear as expectativas das comunidades do
quando a Bunge chegou ao Tocantins, tinha fertilizantes, deparou-se com a necessidade de maior dificuldade é mensurar os resultados entorno. Também é o caso do selo florestal FSC,
menos de 1% de fornecedores locais. Dois anos se entrosar com a realidade das comunidades dos projetos de desenvolvimento territorial, que traz cada vez mais implicações sociais.
depois, após um trabalho desenvolvido em no entorno das fábricas do grupo. Após realizar segundo o Bisc 2017. Algumas organizações “Todos esses atores forçam as empresas
parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às um diagnóstico no povoado de Angico dos Dias, têm investido pesado em métricas de avalia- a atentar para seus temas de materialidade,
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 27% dos na cidade de Campo Alegre de Lourdes (BA), ção. É o caso do Instituto Votorantim, que apoia por isso as estratégias sociais acabando en-
fornecedores passaram a ser da região, que onde a empresa tem atividades de mineração, projetos nas áreas de educação, gestão pública, contrando os negócios” , diz Vinicius Precioso,
experimentou mudanças na dinâmica econô- o Instituto levantou algumas das principais negócios inclusivos e infância e adolescência, e sócio da consultoria Avesso Sustentabilida-
mica local – mais postos de trabalho, aumento demandas dos cerca de 1 mil moradores, que entre 2010 e 2012 passou por uma revisão estra- de, que já realizou trabalhos de desenvolvi-
da arrecadação e diversificação do comércio. incluíam preocupações com o acesso à água e tégica, com o objetivo de aproximar os objetivos mento territorial para empresas como Su-
“Todo projeto de desenvolvimento territorial com a mitigação dos impactos da atividade mi- do negócio e as demandas sociais identificadas zano e Fiat. Lívia Pagotto, do FGVces, alerta
começa com a licença social para operar, mas neradora, especialmente a poeira. nos territórios onde as empresas do grupo Vo- para a possível captura do sentido público do
com o passar dos anos migramos para a gera- Localizado no Polígono das Secas e com torantim operam – não só no Brasil, mas tam- ISP-T pela lógica privada. “O investimento
ção de valor compartilhado. A empresa ganha baixo IDH, o povoado também sofria com a bém no Peru, na Colômbia e na Argentina. social não pode se confundir com uma área
com isso: quanto mais desenvolvido um ter- falta de mobilização dos moradores na busca “Temos investido muito no processo de de negócios da empresa, senão perde credi-
ritório, melhor para a companhia” , diz Calais. por melhorias para a região. O Instituto mon- monitoramento das metas e na elaboração bilidade. Esse é um ponto ao qual as empresas
tou uma rede de articulação social envolven- de ferramentas e métricas que capturem es- precisam estar alertas” , conclui.
SINTONIA do os moradores, apoiando a comunidade ses resultados” , diz Ana Bonimani, gerente de
Os números do Bisc 2017 reforçam a apro- na luta por melhorias em educação, acesso a gestão de programas do Instituto Votorantim. Para saber mais sobre ISP Territorial aplicado à realidade de grandes metrópoles, acesse a
versão digital desta reportagem em pagina22.com.br.
ximação das empresas com as principais cisternas e fomento à economia de base, por Segundo ela, o instituto acompanhou mais de

24 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 25
REPORTAGEM GRANDES EMPREENDIMENTOS

Usina Hidrelétrica de Belo Monte,


em Vitória do Xingu - PA

Necessário,
mas não suficiente
Projetos de infraestrutura na Amazônia
deixam aprendizados: o licenciamento
ambiental não basta, é preciso haver
também um planejamento territorial integrado
POR DIEGO VIANA FOTO ROBERTO STUCKERT FILHO / FOTOS PÚBLICAS

E
m 2000, a Revolta da Água opôs a po- do retorno dos acionistas, empregam o conhe-
pulação de Cochabamba, na Bolívia, cimento de gestores profissionais, envolvem
à multinacional Bechtel, vencedora instituições de vulto, como multinacionais e sa se instale e funcione em uma região. No caso
do leilão de privatização do supri- governos nacionais. Muitas vezes, os projetos de Cochabamba, após a licença oficial concedida
mento de água. A cidade se sublevou acabam não levando em conta o ponto de vis- pelo Estado, a licença social da população não
contra o aumento dos preços e os cortes de ta dos moradores locais e nem peculiaridades foi obtida. Em outros casos, mobilizações locais
fornecimento, realizados com truculência. do território impactado, com resultados que obrigaram corporações e governos a sentar à seguida da transformação de cidades pacatas
Ao fim, a concessão foi cancelada e a empresa podem ser desastrosos. Mais que isso, é des- mesa com a comunidade e negociar as condições em centros de logística com intensa ativida-
se retirou. O episódio revela como é delicada perdiçada a oportunidade de se construir con- de implementação, relata a economista Ana Le- de econômica. Ao lado disso tudo, vêm tam-
a relação entre as demandas de um território e juntamente um planejamento territorial, com tícia Silva, mestre em desenvolvimento terri- bém as medidas para compensar os impactos,
o ritmo dos grandes investimentos de capital. arranjos de governança capazes de reunir to- torial pela Universidade Federal do ABC. “Não através de instrumentos como o licenciamen-
A implantação de iniciativas de exploração dos os envolvidos em torno de uma discussão é como se as pessoas simplesmente se recu- to ambiental. As empresas executoras devem
econômica em grande escala põe em relação sobre o modelo de desenvolvimento para de- sassem a receber o empreendimento. Elas que- cumprir itens como o replantio de árvores, a
tempos de atuação diferentes, conhecimen- terminada região – por mais que os interesses rem fazer parte do processo decisório” , explica. construção de hospitais e escolas e outras.
tos nem sempre compatíveis e prioridades de cada grupo sejam conflitantes entre si. “Essas obras teriam o potencial de trazer
que podem ser divergentes. Para tratar da relação entre grande em- AMAZÔNIA, CANTEIRO DE OBRAS desenvolvimento regional, considerando os
Seja a exploração de recursos hídricos ou preendimento e população local, o consultor Quando um investimento de infraestru- investimentos vultosos em territórios histo-
minerais, seja projeto de hidrelétrica, seja canadense Ian Thomson cunhou a expressão tura, mineração ou complexo logístico chega ricamente com carências. Mas para que isso
estrutura rodoviária ou logística, empreendi- “licença social para operar”. O conceito se refere a uma região, o primeiro impacto é um fluxo aconteça, o investimento precisa fazer parte
mentos de grande escala funcionam no ritmo ao assentimento informal para que uma empre- assoberbante de trabalhadores e maquinário, de algo maior: um planejamento territorial

26 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 27
GRANDES EMPREENDIMENTOS

que ajude a pensar de maneira integrada quais


são as oportunidades e como aproveitá-las,
pois justamente não seguiu um planejamento
territorial estruturante que embasasse o de-
os trabalhos fossem monitorados passo a passo.
As recorrentes e previsíveis dificuldades
Embora os problemas de Belo
preparar e capacitar todos para essa chega-
da, e criar espaços efetivos de governança
senvolvimento duradouro das vocações locais. encontradas nos projetos de infraestrutura
na Amazônia inspiraram a International
Monte tragam lições, não é
territorial, onde possa haver uma discussão
contínua sobre o modelo de desenvolvimento
UM PLANO PARA O XINGU
Para lidar com essa problemática, o exem-
Finance Corporation (IFC), braço corporativo
do Banco Mundial) e o FGVces a construírem certo que serão aproveitadas
que aquele território quer” , diz Daniela Gomes
Pinto, coordenadora do Programa de Desen-
plo mais concreto de projeto de governança é o
Plano de Desenvolvimento Regional Sustentá-
coletivamente, com o envolvimento de mais
de 190 instituições, um conjunto de Diretrizes em próximas intervenções
volvimento Local do Centro de Estudos em vel do Xingu (PDRSX). Além dos R$ 3,2 bilhões para Grandes Obras na Amazônia. Lançado
Sustentabilidade da FGV Eaesp (FGVces). “Pla- de compensação ambiental acoplada ao licen- em 2017, o documento contém sete eixos
nejamento regional ainda é um desafio para o ciamento de Belo Monte, R$ 500 milhões foram temáticos, que correspondem aos principais a terra, as hidrelétricas não estarão defini-
Brasil, muitas tentativas não saíram do papel alocados para a gestão do PDRSX, cuja criação já desafios de empreendimentos desse vulto na tivamente canceladas. Então dizem: se não
ou naufragaram, e é preciso aperfeiçoar os constava do edital do leilão da usina, em 2009. região, como planejamento e ordenamento vão fazer a usina, por que não demarcam logo
instrumentos existentes, tais como a Agenda Abrangendo 11 municípios da Região de Inte- territorial, deslocamentos compulsórios, nossa terra?”, questiona Danicley de Aguiar.
de Desenvolvimento Territorial (ADT) e o Pla- gração do Xingu, o plano foi dotado em 2011 de capacidades institucionais, populações Formalmente, a Região de Integração do
no de Desenvolvimento Regional Sustentável um comitê gestor com 30 membros, 15 oriundos tradicionais e povos indígenas, e outros (saiba Tapajós dispõe de ferramentas para gerir o
(PDRS), especialmente no caso de regiões que das três esferas do governo e 15 de organiza- mais em diretrizes-grandesobras.gvces.com.br e desenvolvimento local. Formada por seis mu-
recebem grandes obras”. ções da sociedade civil, incluindo representan- em p22on.com.br/desenvolvimento-local). nicípios (Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo
O principal foco de grandes intervenções tes de entidades patronais, sindicais, rurais, Progresso, Rurópolis e Trairão), possui um
hoje no Brasil é a região amazônica. A flores- urbanas, indígenas etc. O comitê é apoiado TAPAJÓS, A BOLA DA VEZ Consórcio Intermunicipal criado em 2013 e
ta é objeto de inúmeros projetos, sobretudo em por câmaras técnicas organizadas por temas. Embora os problemas de Belo Monte dei- uma Agenda de Desenvolvimento Territorial,
geração hidrelétrica, mineração e logística. A O plano do Xingu retoma a iniciativa pio- xem um legado de aprendizados, não é certo de 2014 – que nunca saiu do papel. Em 2015, os
profusão de empreendimentos pensados para neira do plano “BR 163 Sustentável” , ligado ao que essas lições serão aproveitadas em pró- professores Eliana Machado (IFPA) e Sergio
a Amazônia, somando-se ao avanço da fron- asfaltamento da rodovia que liga Cuiabá a San- ximas intervenções, como as previstas na re- Moraes (UFPA) estudaram a área e concluí-
teira agrícola e à urbanização, é motivo de forte tarém. A iniciativa surgiu em 2003, a partir de gião do Rio Tapajós. ram que os instrumentos administrativos não
apreensão entre ambientalistas. “Há dezenas um evento em Sinop (MT) com participação “O Tapajós é a bola da vez”
, diz o empreen- cumprem seu papel: embora municípios como
de barragens planejadas tanto para a Calha Nor- dos ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e dedor social Caetano Scannavino, em San- Itaituba possuam um Plano Diretor, o cresci-
te quanto a Calha Sul. Mas a Bacia Amazônica Ciro Gomes (Integração Nacional). Lançado em tarém. A vasta e complexa região do Oeste mento da área urbana é desordenado.
traz sedimentos dos Andes e do Cerrado, que 2006, deveria ser dotado de um comitê gestor do Pará, entre os rios Tapajós e Jamanxim, é Apesar da atuação de diversas organiza-
fertilizam a floresta. A selva tem atua no regi- e continha a identificação de diversas zonas na atravessada pela rodovia BR 163 e pela Tran- ções da sociedade civil, a população tem pou-
me de chuvas do continente. Se esse sistema área de influência da rodovia a serem transfor- samazônica (BR 230). É cenário de disputas co acesso às informações das empresas que
entrar em colapso, é difícil prever o que pode madas em áreas de proteção. Já em 2008, po- envolvendo garimpeiros, pecuaristas, ma- operam as estações de transbordo e outros
acontecer” , diz o ativista Danicley de Aguiar, rém, entidades participantes do Consórcio pelo deireiros e índios Munduruku. A ferrovia Fer- empreendimentos na área. Fazendeiros – in-
especialista em Amazônia do Greenpeace. Desenvolvimento Socioambiental da BR-163 rogrão, destinada ao escoamento da soja do clusive grileiros – que desejam expandir as
As intervenções também trazem imensos (Condessa) afirmavam que o plano não tinha Centro-Oeste, está planejada para atravessar lavouras em detrimento da floresta têm aces-
problemas socioambientais. Cidades como Al- saído do papel. Hoje, é considerado extinto. a região a um custo de R$ 12,7 bilhões. so direto ao poder público local, ao contrário
tamira, no Pará, foram inundadas nos últimos Um dos motivos do fracasso na BR-163 foi Em 2016, o local foi manchete nacio- de outros atores sociais. Sobretudo, como as
anos por trabalhadores – a grande maioria ho- a falta de financiamento e execução. Nesse nal quando o Ibama negou o licenciamen- iniciativas são muitas e desconexas, está au-
mens, sem suas famílias - em busca de emprego sentido, o PDRSX é um avanço institucional. to da usina São Luiz do Tapajós, cujo projeto sente uma estrutura de governança que pu-
nas obras da região, sobretudo a usina de Belo Mas não chega a ser suficiente para suprimir foi, portanto, suspenso. Foi uma vitória dos desse coordenar as dinâmicas locais.
Monte. O intenso e fugaz movimento migrató- os muitos problemas da região de instalação Munduruku, que teriam parte de suas terras Os conflitos que cercam grandes obras na
rio, no entanto, geralmente leva ao maior con- de Belo Monte. “Altamira sofre com violência, inundada. Mas a suspensão traz pouco alívio Amazônia estão vinculados à integração eco-
sumo de álcool, a atividades de prostituição e a persistem os registros de violações de direi- à região. São Luiz é só parte de um contexto nômica da região no mercado global. Cami-
um aquecimento da economia local que é pas- tos humanos, tanto de populações indígenas que envolve 42 barragens, a ferrovia, o asfal- nho da soja escoada para a China, área com
sageiro e enganoso. Sobem os preços dos imó- quanto de ribeirinhos, e o saneamento básico tamento completo da BR 163 (faltam cerca de grande potencial hidrelétrico e rico potencial
veis, moradores abrem comércios na esperança ainda segue um caos” , enumera Gomes Pinto. 100 km), um conjunto com mais de 20 esta- minerador, é também um dos ecossistemas
de vender para os recém-chegados, jovens se Um dos focos de atenção para melhorar o de- ções de transbordo de cargas (ETC, que são mais complexos, delicados e biodiversos do
qualificam em cursos técnicos. Mas quando os sempenho das compensações é a melhoria dos como pequenos portos) e mineração. planeta. Conciliar os dois potenciais é um
investimentos atingem o ponto de maturação, a mecanismos de monitoramento, diz a pesqui- Mesmo os Munduruku não se sentem se- enorme desafio. Em tempos de mudança cli-
oferta de emprego diminui brutalmente. É o que sadora. Mesmo quando as condicionantes são guros com a pequena vitória. Os índios reivin- mática e busca por fontes renováveis, persis-
se chama de boom-colapso, uma euforia eco- cumpridas, esse cumprimento pode ser falho. dicam a demarcação da terra Sawré Muybu. te a pergunta: que forma de desenvolvimento
nômica que não se sustenta ao longo do tempo, Para evitar esse problema, seria necessário que “Eles sabem que, enquanto não demarcarem queremos para o território amazônico?

28 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 4 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 29
REPORTAGEM NA PRÁTICA

Como ir além bam no tempo dos man-


datos eletivos, como na
maioria das cidades
de governança para a definição de um plano
de investimentos, com base na metodologia
desenvolvida pelo Instituto Lina Galvani em

do discurso
brasileiras. O poder parceria com a Agenda Pública. “Um impor-
de convencimento tante aprendizado tem sido o alinhamento de
foi desenvolvido por expectativas para evitar frustrações futuras” ,
meio de rotinas que aponta Cooreman. A lição veio à tona no mu-

Embora a governança territorial incluíram reuniões


duas vezes por sema-
nicípio com o atraso no repasse dos recursos
do BNDES à modernização da escola, o que

não tenha uma “receita de bolo”, na com a Prefeitura e


capacitação de agen-
gerou insatisfação e cobrança por parte da co-
munidade. Riscos desse tipo, diz ele, devem

alguns elementos são determinantes tes públicos. Além


disso, como forma
ser alinhados desde o início.
Outro elemento básico é a construção de

para garantir sua efetividade de tornar a estraté-


gia mais atrativa à
confiança. “Sem ela, o processo estará amea-
çado por conflitos e pela falta de disposição em
Presente
em 13
agenda municipal, superar obstáculos” , avalia Margareth Flores, países da
América
P O R S É R G I O A D E O D AT O FOTO ELEMENTS o caminho foi mes- diretora executiva da RedEAmérica. Em sua Latina, a
clar investimentos análise, os espaços de diálogo não podem ser rede agrupa
70 organi-

F
de curto, médio e manejados por interesses particulares, mas
Com zações
alar de governança territo- logo entre os múltiplos inte- longo prazos. “Mas devem fortalecer o respeito às diferenças, empre-
capacidade
de produzir rial é fácil. Difícil é aplicá- resses de instâncias políticas, somos ainda tímidos sem a exclusão de vozes, na construção do sariais com
1,2 -la na prática, com sinergia econômicas e sociais. em cobrar resultados desenvolvimento local. o objetivo
milhão de de desen-
de esforços e responsabi- “Estamos longe de conse- do poder público com “Grupos mais vulneráveis enfrentam volver
toneladas
por ano lidades, para o alcance de guir um sistema transparente a mesma veemência grandes barreiras de conhecimento e in- modelos
de rocha ganhos coletivos que façam a di- com indicadores de desempenho com que somos cobra- formação para participar e se expressar” , de gover-
fosfática, nança
ferença no contexto do desenvol- das ações que possam ser acom- dos” , diz Cooreman. afirma a executiva. Com a finalidade de territorial
o empreen-
dimento vimento local. Não há uma receita panhadas, cobradas e compensadas De acordo com o exe- materializar os acordos e planos, a diretora e trocar
reduzirá de bolo, mas alguns elementos po- no caso de falhas” , reconhece Lieven cutivo, após o começo das recomenda a criação de uma arquitetura de experi-
a depen- ências.
dem ser determinantes para que Cooreman, presidente da Galvani. A obras, o projeto contribuiu gestão e monitoramento de resultados que No Brasil,
dência de
impor- dê certo, enquanto outros fazem a mineradora e fabricante de fertilizantes para que os recursos dos impos- seja flexível e dinâmica, fora das instâncias são 10
tações de massa desandar na construção de está investindo R$ 2,6 bilhões na construção de tos pagos ao município fossem bem de governo, e defina com clareza as respon- empresas
fertili- uma agenda comum de melhoria um complexo industrial em Serra do Salitre (MG), investidos. “É preciso ser proativo porque sabilidades, as funções e os aportes que cada
zantes
e criará das condições de vida e redução de considerada a maior obra de infraestrutura em execu- está em jogo a sustentabilidade do próprio um colocará no processo.
1,2 mil impactos, envolvendo a chegada de ção no Estado. Com a aquisição dos direitos minerários negócio” , adverte o executivo. Ele lembra A questão, no entanto, é complexa. O so-
empregos empreendimentos que interferem há duas décadas, bem antes das operações na área, a que os antigos modelos já não condizem ciólogo Arilson Favareto, da Universidade Fe-
no ápice
das nos territórios. É uma nova e com- empresa se aproximou da comunidade e da prefeitura com o cenário de maior acesso à informação deral do ABC, escreve que “a abordagem ter-
operações plexa fronteira do conhecimento, para iniciar a construção conjunta de uma agenda de da “nova aldeia global” , em que as pessoas ritorial implica uma transformação estrutural
de em que os avanços muitas vezes se futuro, identificando demandas prioritárias à com- estão mais conectadas e exercem pressões na visão da relação entre um Estado ofertador
mineração
e da planta dão à base do aprendizado com er- pensação dos impactos negativos e melhoria das con- cada vez maiores sobre as empresas, com- de políticas e uma sociedade beneficiária das
química ros e acertos. E do reconhecimento dições de saúde e educação. pelidas a pensar no longo prazo e a conquis- mesmas, para um modelo onde a oferta e a
sobre o que falta para chegar a bons Um desafio foi alinhar a visão de longo com a agen- tar licença social para operar. demanda localizam-se em espaços de corres-
resultados na construção do diá- da da gestão municipal, habituada a planos que cai- Em Serra do Salitre, foi criado um comitê ponsabilidade, autonomia e cogestão” .

30 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8 31
NA PRÁTICA

Em seus artigos científicos, o especialis-


O conceito marca,
por exemplo, a ta costuma reforçar que não é possível obter
Política Nacional de mecanismos de governança efetivos sem
Resíduos Sólidos,

Todo mundo se
instrumentos de responsabilização claros.
aprovada em 2010
com a divisão de Todo mundo se entende na mesa mas, se o
responsabilidades
entende na mesa,
arranjo não for formalizado, não funciona.
entre empresas,
Em geral, é o dilema do conceito de “respon-
governo e
sabilidade compartilhada” , muito em voga na
mas a governança
população na
questão do lixo construção de políticas públicas, mas que
exige instâncias formais de cobrança de me-

Foi criada
tas e resultados para os acordos, para que não
fiquem no discurso e nas boas intenções.
não funciona sem
a Associação
Ortópolis Barroso
(do grego orto
“É preciso garantir o envolvimento igua-
litário nos espaços de diálogo” , observa Tatia-
responsabilidades
= correto; polis
= cidade) para a
gestão das ações,
na Nogueira, coordenadora de responsabili-
dade social da LafargeHolcim, multinacional claras e
formalizadas
que incluíram
fabricante de cimento e outros materiais de
oficinas de construção. Além do mais, deve-se respeitar
planejamento as diferentes realidades locais: um modelo
estratégico
participativo,
que deu certo na Amazônia pode, por exem-
mapeamento plo, fracassar no interior do Nordeste. SOS Mata Atlântica, ao lembrar que a ocupa-
de problemas Em Barroso (MG), onde se localiza uma de ção desordenada do solo, que dificulta inves-
e propostas de
soluções, com
suas principais operações no Brasil, a empre- timentos na rede de coleta para tratamento, é
o objetivo de sa desenvolveu a partir de 2003 um projeto um ponto-chave. “Enquanto a governança da
revitalizar a cidade com ações no horizonte de 10 anos. Após o água e do solo continuar uma utopia, o risco
período, que abrangeu mobilização comuni- hídrico estará sempre presente” , afirma.
tária, capacitação e fortalecimento de orga- Na Amazônia, o desafio da governança ter-
Após consumir nizações sociais e produtivas, foi criado em ritorial envolve especialmente as populações
R$ 8,8 bilhões, o 2015 o Comitê de Ação Participativa reunindo tradicionais. “A responsabilidade pelo desen-
projeto está hoje
15 lideranças eleitas pela comunidade para volvimento local é de todos e não somente da
na terceira fase,
que deve terminar fazer o barco andar com base no aprendizado empresa” , destaca Alexandre Di Ciero, geren-
até 2019. A quarta da fase inicial, traçando a estratégia de de- te de sustentabilidade da Suzano, empresa de
etapa está em fase
senvolvimento territorial. celulose e papel que desde 2014 mantém áreas
de planejamento e
captação. A mancha “No modelo participativo ocupamos de plantio de eucalipto e instalações indus-
de poluição do Rio cadeiras, mas não somos dono do espaço” , triais na região de Imperatriz (MA), com in-
Tietê ocupa 130 km
ilustra a coordenadora. Ela concorda que é vestimento total de R$ 2,6 bilhões O modelo
de extensão
preciso definir responsabilidades e repete o assistencialista implantado na década de 1990
ensinamento do provérbio: “Cão de muitos no entorno de suas unidades do Sul da Bahia
donos morre de fome”. foi agora trocado por uma estratégia conjun-
Além de apoiar O problema é inerente à gestão de proje- ta e participativa em que o desenvolvimento
a produção leiteira
com tecnologia tos emblemáticos, como a despoluição do territorial é compartilhado por empresa, po-
de silagem, a Rio Tietê, em São Paulo, que se arrasta por 25 der público e populações locais.
empresa dá suporte anos e ainda está longe do final. Falta a inte- Se no passado a relação era de depen-
à atividade das
quebradeiras
gração entre as instâncias federais, estaduais dência, hoje está lastreada no modelo ba-
de coco babaçu, e municipais contra a principal causa do pro- seado nos conselhos comunitários. Eles
fonte de óleos e blema: o lançamento do esgoto doméstico definem os investimentos prioritários em
outros produtos.
Aos índios Krikati no rio. “A governança territorial é o princi- parceria com a indústria, cujo papel é le-
são fornecidos pal entrave do projeto” , analisa Malu Ribeiro, var tecnologia e treinamento para melho-
assistência técnica coordenadora da Rede das Águas da Fundação rias da produção local e da qualidade de
para a roça e
insumos à produção
vida. “O maior desafio é fortalecer a orga-
de artesanato Acesse a íntegra em goo.gl/zvRo2s. Leia mais sobre Arilson nização social, porque nada é realizado sem
Favareto em Entrevista à pág. 6
consulta às comunidades” , diz o executivo.

32 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8
BRUNO GOMES
artigo Sócio-fundador da HUMANA – Serviços em Sustentabilidade e secretário técnico do Grupo
de Diálogo Latino-Americano: Mineração, Democracia e Desenvolvimento Sustentável

Governança territorial e gestão integrada


Experiências internacionais ilustram como conciliar investimentos e crescimento econômico
com uma agenda ambientalmente responsável de inclusão e combate à desigualdade

D
o lançamento da Agenda dustriais e de Mineração, entre outros.
2030 aos compromissos as- Uma governança territorial mais in-
sumidos na COP21, passando tegrada apresenta uma série de obstácu-
por centenas de reuniões e los institucionais. É preciso buscar novas
convenções, as nações são desafiadas a soluções, modelos, recortes territoriais
conciliar produção de energia e alimen- e pactos sociais. Nesse sentido, o gover-
tos, extração de minérios e construção no colombiano regulamentou uma nova
de infraestrutura com a necessidade de figura administrativa reconhecendo
se preservar condições socioambientais territórios indígenas como unidades ad-
essenciais para o futuro do planeta. ministrativas autônomas, tornando-os
Enfrentar esse imenso desafio re- praticamente “municípios”. A regula-
quer um arranjo de governança no qual mentação prevê “Planos de Vida”, como
Estado, setor produtivo e sociedade civil instrumentos de ordenamento territo-
possam estabelecer acordos dialoga- rial e planejamento , abrindo caminhos
dos. Exige, ainda, que se tome em conta para formas de governança territorial
de forma cumulativa o impacto dos di- que garantam o direito das populações
versos projetos e empreendimentos. geociência, serviços para a promoção de tradicionais em definir os rumos de seu
Nesse contexto, têm surgido algu- investimentos e amplo arcabouço regula- desenvolvimento.
mas iniciativas internacionais inspirado- tório, além de possuir sólida estratégia de O Brasil também vem percorrendo
ras. O Fórum Econômico Mundial lançou engajamento de comunidades em todo seus próprios caminhos. Um exemplo é
recentemente uma publicação sobre o o processo de planejamento territorial. o ProgramaTerritórios Sustentáveis ,
planejamento na escala da paisagem, ou A estratégia baseia-se em acesso à infor- que propõe a comunidades Quilombo-
Landscape-Scale Planning , no qual de- mação, consulta, participação, conside- las da Amazônia um planejamento ter-
fende o planejamento territorial integra- ração e aprimoramento contínuo. O sis- ritorial integrado vinculado à criação
do e busca soluções para melhor gestão tema permite estabelecer vastos planos de mecanismos financeiros comunitá-
de riscos socioambientais, com mais se- de uso e ocupação territorial, conciliando rios. Com isso, busca não só uma par-
gurança para o empreendimento e para estratégias governamentais, interesses ticipação de cada um dos atores, mas
as comunidades. econômicos e função social do território. também mais eficiência e viabilidade na
Por meio de um amplo engajamen- Mais uma linha de trabalho vem sen- implementação dos planos.
to das partes interessadas, aliado à in- do desenvolvida por uma tradicional Essas experiências ilustram uma
tervenção de especialistas, o processo região mineradora do Norte da França prática da governança territorial ba-
de Landscape-Scale Planning parte de (Hauts-de-France), em parceria com a seada na gestão integrada, conciliando
dados sobre biodiversidade, serviços Fundação de Amparo à Pesquisa do Es- investimentos e crescimento econô-
ecossistêmicos, infraestrutura atual e tado de Minas Gerais (Fapemig). mico com um desenvolvimento de fato
desenvolvimento potencial para definir O projeto Riquezas Compartilhadas inclusivo e centrado na redução das de-
áreas essenciais para conservação da promove o diagnóstico das múltiplas sigualdades.
biodiversidade e prestação de serviços formas de riquezas presentes nos ter- Mais do que nunca, antecipando a
ecossistêmicos, áreas para um desen- ritórios, além da identificação e análise chegada de um novo ciclo de crescimento
volvimento futuro (ocupação ou explo- dos meios de compartilhamento dessas econômico e consequentemente de uma
ração de recursos), áreas de uso com- riquezas entre as populações dos terri- grande pressão sobre os territórios, é
plementar e áreas de possíveis conflitos. tórios estudados. A abordagem estabe- preciso que órgãos governamentais e
Outro exemplo vem do governo de lece alguns componentes do território, empresas olhem para essas experiên-
Victoria, estado da Austrália, através do como: Riqueza Humana e Social; Luga- cias, entendam a exigência do momento e
Earth Resources Regulation, serviço vin- res de Enriquecimento Cultural; Equipa- atualizem suas estratégias. Disso depen-
culado ao Departamento de Desenvol- mentos e Economia do Conhecimento; derá o sucesso de uma agenda nacional
vimento Econômico que reúne dados de Riqueza Social e Econômica; Áreas In- de desenvolvimento para todos.
World Economic Forum, Blueprints for a greener footprint: Sustainable Development and Landscape Scale, 2016. goo.gl/naR73N riquezascompartilhadas.com.br
goo.gl/HinSJJ territoriossustentaveis.org.br

34 PÁ G I N A 2 2 J U N H O 2 0 1 8

Das könnte Ihnen auch gefallen