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O poder da imagem na era digital

A Morte de Aylan: a fotografia revela o que as palavras não são


capazes de transmitir

Por Nelson Chinalia

No início de setembro de 2015, uma fotografia chocou o mundo e colocou em pauta


novamente a força perturbadora da imagem. A rapidez da circulação de notícias gera,
inevitavelmente, opiniões divergentes e coloca em cheque o papel e a
responsabilidade da mídia ao difundir uma fotografia que retrata de forma crua a
interrupção da inocência e da infância em forma de violência.
A divulgação da imagem da criança morta, seja por veículos de mídia, com diferentes
linhas editoriais, seja por usuários de redes sociais, ocorreu em meio a debates sobre a
necessidade de expor a imagem tão agressiva. Uma semana antes da divulgação da
foto de Aylan, foi encontrado um caminhão com setenta e um corpos em
decomposição de refugiados na fronteira da Hungria com a Áustria, provavelmente
todos sírios. Nenhuma foto foi divulgada, devido à natureza perturbadora da imagem.
Os setenta e um corpos viraram estatística em relatórios oficiais. As imagens destes
corpos existem anexadas aos relatórios policiais. São chocantes demais para sair na
mídia.
Discussões como essa compreensivelmente resultam num resgate histórico, que
compreende não só o papel e a importância do fotojornalismo, mas também evoca
memórias semelhantes. Uma criança morta na praia, evidentemente, é uma imagem
terrível. Mostra o horror da fuga fatal e inútil da Síria devastada pela guerra.
O choque e a imediata relação nas redes sociais, neste mundo cada vez mais
conectado, suscitam a pergunta: Publicar ou não? Devemos, podemos, temos que
mostrá-la?
Muitos veículos de comunicação no mundo encontraram motivos convincentes e
dignos de consideração para não divulgar esta fotografia. É uma questão de respeito,
de consideração à dignidade da criança, da família da vítima, de cuidado da mídia que,
não raro, encara embates complexos entre a obrigação de expor e o limite ético.
Nós decidimos mostrá-la. Não por sensacionalismo, não para obter quantidade de
cliques, não para aumentar nosso alcance na TV. Nós a divulgamos porque oferece um
símbolo à tragédia dos refugiados: o da criança inocente, pela qual os pais decidiram
seguir um perigoso caminho, arriscando a vida para dar-lhe um futuro humano melhor,
que terminou de forma fatal no mar.
Nós a divulgamos porque ela nos abalou e nos deixou mudos e pensativos em nossa
reunião de pauta, tocados pelo sofrimento e pela morte. Nós a mostramos, porque
nos fez sofrer e, no meio da agitação de nosso cotidiano jornalístico, nos levou a um
instante de reflexão. Diante desta imagem os editores responsáveis por seus veículos
tiveram que optar pela força da comunicação que a fotografia revela o que as palavras
não capazes transmitir: nossa condição de impotência diante da dor daquela família.
Os editores decidiram pela publicação no limite da responsabilidade e do senso ético e
em meio a muita indignação.
Quantas leituras estas imagens dos refugiados podem nos proporcionar? De imediato,
causa indignação, tristeza, repulsa e até mesmo a crença no fim da humanidade. O
pano de fundo destas guerras e conflitos, a fome, as mortes e a violência são
resultados da dinâmica capitalista que se nutre de vidas, da desigualdade e do

Foto de Nick Ut, que tornou-se ícone da Guerra do Vietnã

sofrimento. As fotografias desnudam a triste realidade que nos cerca, a imagem do


garoto Aylan é a síntese de tudo. Lembro-me do trabalho de Sebastião Salgado, tão
sensível e profundo que remete à frase “é preciso mudar a sociedade para que estas
imagens não mais existam”.
Seja a imagem de Aylan, a foto-ícone da menina de nove anos fugindo nua, após
bombardeio na guerra do Vietnã, ou a foto de Kevin Carter, que fotografou um menino
desnutrido com um abutre postado às suas costas, são imagens que nos perturbam e
comovem porque individualizam a tragédia. Colocam sobre os ombros frágeis de um
personagem a representação de todos que foram vítimas do mesmo infortúnio.
A Europa mudou após a publicação da Imagem de Aylan: governantes agiram rápido,
países europeus já discutem aceitar cotas de refugiados.
Kevin Carter foi perseguido e condenado por sua “frieza”, pagando com a própria vida/
Reprodução
Talvez por isso a imagem de Aylan possa ser matriz de um movimento, enfim, mais
humano em direção aos refugiados que desertam de uma indignidade e deparam com
outra. O garotinho de três anos, que só conheceu a fuga e a rejeição como modo de
vida, já inspirou alemães e finlandeses a oferecer suas casas a refugiados. Aylan não foi
salvo, mas seu sacrifício e o registro em imagens de seu fim podem salvar muitas vidas.
A era digital se estabelece na
mídia e o papel da imprensa de
uma maneira geral volta a ser
discutida. Antes, a informação
precisava ter um suporte físico
(papel, frequências eletromagné-
ticas, celuloide etc.), mas agora ela
é imaterial (e bits bytes), o que a
torna fluida, fácil de ser copiada e
transmitida em fração de segundo
para milhões de pessoas.
Não temos mais simplesmente
leitores, ou espectadores passivos, agora são usuários, com habilidades de
comunicação e domínio das ferramentas e plataformas, interagindo com os veículos de
comunicação, seja compartilhando conteúdo ou estabelecendo diálogo com o mesmo.
Com a grande rede mundial, as pessoas reagem de pronto. Rápida como a imagem
símbolo de Aylan, que agora vive na nossa memória como a imagem da imensa massa
em fuga de mais uma guerra insana.

Nelson Chinalia é professor de Fotografia e Fotojornalismo da Puc-Campinas, foi editor de


fotografia do Correio Popular, ganhou o Prêmio Vladmir Herzog em 1995 com a fotografia
“Violência Nua”. Pesquisador Grupo de Pesquisa Memória e Fotografia (GPMeF) da UNICAMP.

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