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Afro-Ásia

ISSN: 0002-0591
revista.afroasia@gmail.com
Universidade Federal da Bahia
Brasil

Mattos, Hebe
RESEÑA DE "PUBLIC MEMORY OF SLAVERY: VICTIMS AND PERPETRATORS IN THE SOUTH
ATLANTIC" DE ARAÚJO, ANA LÚCIA
Afro-Ásia, núm. 44, 2011, pp. 295-299
Universidade Federal da Bahia
Bahía, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77022104010

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RECRIANDO PASSADOS

ARAÚJO, Ana Lúcia. Public Memory of Slaver y: Victims and


Perpetrators in the South Atlantic. Amherst, New York: Cambria Press,
2010. 466p.

P ublic Memory of Slavery. Victims contemporâneo. A propalada explo-


and Perpetrators in the SouthAtlantic são memorial da atualidade tem na
é o instigante título do livro de Ana diáspora forçada de africanos escra-
Lúcia Araújo, historiadora brasileira, vizados no mundo atlântico um dos
professora na Universidade de seus temas sensíveis. Demandas po-
Howard, em Washington, DC. O livro líticas por reparação, programas das
é desdobramento de pesquisa de dou- Nações Unidas, legislações nacio-
torado desenvolvida na Universidade nais, políticas públicas, filmes, nove-
de Laval, no Canadá, sob supervisão las, programas de TV, ONGs e mu-
de Bogomil Jewsiewicki, então titular seus têm revisitado o tema, num pro-
da cátedra de História Comparada da cesso em que os historiadores profis-
Memória naquela universidade. Cam- sionais são frequentemente meros
po em expansão, relativamente ainda coadjuvantes. A história pública é
pouco desenvolvido na historiografia uma área em crescente expansão que
brasileira, a história da memória, em busca construir uma presença mais
especial dos processos de politização forte dos historiadores no debate so-
da memória pública da escravidão nas bre a memória, ainda que sem pre-
últimas décadas no espaço atlântico, tender o monopólio da fala. De fato,
tem no livro deAna Lúcia Araújo uma como o livro de Ana Lúcia nos per-
contribuição de vulto. mite acompanhar, os profissionais da
Cabe destacar, portanto, em pri- história não chegam a ficar imunes à
meiro lugar, a originalidade da abor- politização do tema. Uma das princi-
dagem. Em uma definição simples, pais contribuições do texto é o cote-
podemos dizer que a memória é a pre- jar constante entre o conhecimento
sença do passado no presente e, nas consolidado pela historiografia e os
últimas décadas, a escravidão atlân- processos de disputas de memória
tica tornou-se um tema cada vez mais objetos da pesquisa.

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Por outro lado, a memória, dife- ca foram também produzidas. Passa-
rentemente da história, está necessa- dos mais de cem anos da ultima abo-
riamente ligada a processos identitá- lição nas Américas, como configurar
rios. A memória é sempre a memória quem é herdeiro das vítimas ou dos
de alguém ou de algo (grupo, insti- seus algozes? Quem deve reparação,
tuição, país etc.). A história pode ser quem deve ser reparado? Qual o le-
feita pelos historiadores como memó- gado socioeconômico e cultural da
ria erudita da nação ou de algum gru- diáspora forçada de africanos no
po social, mas a história como ciên- mundo atlântico? E qual o seu signi-
cia social, desde pelo menos a déca- ficado para o continente africano?
da de 1930, tem sido desenvolvida Perguntas políticas com muitas res-
principalmente como contramemória, postas.
discurso crítico, reflexão sobre a plu- O livro se abre com uma ampla
ralidade do tempo e a historicidade. revisão sobre a historiografia do trá-
Mais recentemente, as identidades, fico atlântico de escravos, abordan-
sejam políticas ou sociais, são cada do desde os esforços para mensurar
vez mais pensadas como construções seu volume quantitativo até as discus-
históricas, e tais processos de cons- sões historiográficas em torno do seu
trução tornam-se, eles próprios, ob- papel no subdesenvolvimento do con-
jeto de pesquisa. Public Memory of tinente africano. Apesar da enorme
Slavery aborda disputas e construções distância entre os discursos da histó-
memoriais em torno da escravidão – ria como disciplina e os da memória
e os conflitos identitários que lhes são pública da escravidão, o capítulo su-
subjacentes –, analisando museus e blinha as conexões existentes entre as
monumentos como parte de um pro- pesquisas históricas sobre o impacto
cesso dinâmico e vivo de “criativa do tráfico negreiro no continente afri-
reinvenção do passado”. Os usos po- cano e o processo de descolonização
líticos do passado da experiência es- da África, bem como, mais recente-
cravista, sobretudo no antigo reino do mente, entre as pesquisas sobre tra-
Daomé, atual República do Benim, jetórias e biografias de escravizados
são o tema de fundo do livro, sugeri- e libertos e as demandas das popula-
do desde o subtítulo: vítimas e per - ções que reivindicam hoje a condi-
petradores no Atlântico Sul. ção de descendentes de escravos.
Desde que as Nações Unidas re- O segundo capítulo oferece um
conheceram a escravidão atlântica e amplo painel do que a autora chama
o tráfico negreiro como crime contra de emergência do fenômeno memo-
a humanidade, demandas políticas rial em torno da escravidão e do trá-
por reparação financeira ou simbóli- fico na Europa, África e América, e

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de seus sentidos políticos na contem- do historiadores e ativistas no con-
poraneidade. O fenômeno tem por texto da aprovação das leis memoriais
base a mobilização de grupos que se na França. O volume de informações
reivindicam como descendentes de reunidas, por vezes, deixa o leitor
africanos escravizados e está intima- desejoso de uma discussão mais apro-
mente relacionado a processos de fundada sobre as diferentes posições
construção de identidades negras no em conflito. Por outro lado, o painel
Atlântico. apresentado mostra-se extremamen-
Ressignificação de um evento te informativo e iluminador quanto a
traumático após diversas gerações, o dimensão e amplitude do processo em
fenômeno memorial em torno da es- curso.
cravidão produz uma memória midi- A partir do terceiro capítulo, o li-
atizada por diferentes iniciativas. O vro se concentra no Atlântico Sul e,
texto recupera de forma sintética des- em especial, nas relações entre o Bra-
de movimentos como o panafricanis- sil e o antigo reino do Daomé, apre-
mo, a negritude francesa e a luta por sentando uma síntese da literatura, na
direitos civis nos Estados Unidos até sua maioria brasileira, sobre os con-
a emergência do fenômeno memorial tatos entre as duas áreas durante e
no continente africano, com a recu- após a vigência do tráfico transatlân-
peração de sítios de memória ligados tico de escravos. A narrativa enfatiza
ao tráfico de escravos após a desco- a quebra com o modelo de comércio
lonização e por iniciativa do World triangular da colonização portugue-
Heritage Comitee da Unesco. Desta- sa na América, a existência de uma
ca-se a narrativa sobre a construção comunidade de comerciantes luso-
simbólica da Casa dos Escravos na brasileira junto ao Forte português de
Ilha de Gorée, no Senegal, como lu- Ajudá, com relações familiares junto
gar privilegiado de “dever de memó- às elites locais, e o retorno de liber -
ria” em relação ao tráfico transatlân- tos africanos à região. A fusão dos
tico de cativos, mesmo quando reco- dois grupos - comerciantes e retorna-
nhecidamente amplificando ou distor- dos - deu origem à comunidade dos
cendo algumas das informações dis- àgudas. Identificados como os “bra-
poníveis sobre o seu funcionamento sileiros do Benim”, os àgudas hoje
na Ilha. Conclui o capítulo uma sín- funcionam como mais um grupo ét-
tese dos movimentos políticos trans- nico no contexto beninense, ainda que
nacionais por reparação e dos dife- o uso do conceito de grupo étnico em
rentes posicionamentos políticos dos relação a eles seja controverso entre
países europeus sobre o tema, com os estudiosos. O capítulo enfatiza as
destaque para os conflitos envolven- trocas culturais entre a Bahia e o

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Benin e o surgimento de uma memó- ral voltadas para o turismo cultural
ria coletiva comum, a partir do esfor- afro-americano, os monumentos for-
ço de pesquisadores e artistas, ligada mam um conjunto eclético, em que a
à construção de uma identidade bra- igreja católica, mas também a religião
sileira (no Benim) e afro-brasileira e arte vodum como cultura comparti-
(sobretudo na Bahia), com destaque lhada no Atlântico deixam suas mar-
para o papel de Pierre Verger. cas. Presentes no livro, em fotos da
A fluidez da linha que dividia ca- autora, esses monumentos colocam o
tivos e traficantes, descendentes de leitor na “encruzilhada de muitas me-
escravos e descendentes de trafican- mórias e histórias da escravidão e do
tes, no antigo reino do Daomé, torna tráfico atlântico” (p. 196). De fato, a
complexa a transformação da memó- relativa fluidez das fronteiras entre
ria da origem brasileira em dever de vítimas e algozes empresta comple-
memória da escravidão no contexto xidade especial aos embates memo-
do Benim contemporâneo. De fato, ráveis em torno da escravidão no
o Daomé foi um reino escravista, que Atlântico Sul.
desenvolveu intenso tráfico de escra- A escassez de iniciativas oficiais
vos, e que assumiu o nome de Benin no Brasil em relação à memória da
após a independência (nome de um escravidão é colocada em relevo por
antigo reino hoje na Nigéria que pou- Ana Lúcia no capítulo intitulado “A
co se envolveu no tráfico atlântico), África no Brasil ”, tendência que só
exatamente para apagar aquela me- muito recentemente começa a ser al-
mória. O período de ditadura marxista terada. Com exceção de alguns pou-
no país iria reprimir a prática das re- cos monumentos analisados no texto,
ligiões tradicionais e tentar esquecer quase sempre de iniciativa do movi-
o passado escravista do Daomé.Após mento negro, a África e a escravidão
a democratização nos anos 90, estão praticamente ausentes do espa-
diversificadas iniciativas memoriais ço público brasileiro. O capítulo apre-
atuariam em sentido oposto. O Benim senta ainda um rápido panorama da
será um dos propositores, junto com história do movimento negro no Bra-
o Haiti, do projeto Rota dos Escra- sil até as atuais polêmicas em torno
vos, da Unesco. O impressionante das ações afirmativas, bem como um
conjunto de monumentos então cons- interessante painel sobre a presença da
truídos em Uidá buscou recriar os cir- África e da escravidão nos desfiles das
cuitos supostamente percorridos pe- escolas de samba do Rio de Janeiro.
los escravizados, representados como O livro conclui com dois capítu-
vítimas de extrema violência. Fruto los sobre iniciativas de espaços
de iniciativas diversificadas, em ge- memoriais no Benim, ligados à co-

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munidade dos àgudas: a abertura ao de curiosidades que um museu pro-
turismo cultural da casa do traficante priamente dito, iniciativa de um rico
brasileiro de escravos Francisco Felix empresário àguda ligado ao Brasil,
de Souza, o Chachá; o “Museu da Sil- propõe o dever de memória em rela-
va de Artes e Cultura”, e ainda o altar ção aos escravizados como eixo de
aos ancestrais da família Vyeira, des- sua narrativa.1 Ainda assim, como o
cendente de escravos retornados do memorial ao Chachá bem ilustra, a
Brasil. O memorial para o traficante identidade àguda continua a ser cons-
Francisco Felix de Souza, fundador truída antes de tudo em relação à
da família de Souza, uma das mais memória do Brasil, num tipo de co-
importantes da comunidade àguda, dá nexão que raramente se remete a pos-
bem a medida das dificuldades de as- síveis antepassados escravos.
sumir a identidade de descendente de Public Memory of Slavery tem a
escravos no contexto africano, ainda virtude das obras pioneira. Faz um
que no seio de algumas famílias da amplo inventário do movimento de
elite “brasileira” isto comece a se memorialização transnacional em re-
transformar. A iniciativa da família lação à escravidão atualmente em
Vieyra, recompondo com fotos mo- curso. Priorizando o Atlântico Sul e
dernas um altar inspirado na tradição o caso do Benin em especial, o livro
do vodum, assume e ressignifica a registra sem concessões a pluralidade
perda sofrida no processo de escra- das identidades e interesses políticos
vização. Também o Museu da Silva, em jogo nos embates em torno da
segundo a autora mais um gabinete memória da escravidão.
Hebe Mattos
Universidade Federal Fluminense

1
Sobre Da Silva cf. João José Reis e Mil-
ton Guran. “Urban-Karin Elísio da Silva.
Um agudá descendente de Negro Malê”,
Afro-Ásia, n. 28 (2002), pp. 77-96.

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