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187 p.
CDD – 370.113
Anderson Fabian Ferreira Higino
Belo Horizonte
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG
Outubro – 2002
ANDERSON FABIAN FERREIRA HIGINO
Belo Horizonte
CEFET-MG
2002
PÁGINA DE ASSINATURAS
(a cargo do DPPG) – p.2
A José, pela herança da ousadia.
A Francisca, pela herança da doação.
Aos dois, pela herança do amor.
A Leila,
companheira desta vida,
na hora do gozo e na lida.
Ao Prof. Dr. Paulo Cezar Santos Ventura, pela amizade, pelo companheirismo e pela
apresentação do conceito de negociação nas redes sócio-tecnológicas.
Aos tantos alunos e alunas que nos têm dado a alegria da convivência, da
colaboração e do aprendizado conjunto, nesses tantos anos, pelos admiráveis
exemplos de empenho, desprendimento, paciência, tolerância, aprendizagem e
colaboração que contrariam estereótipos e movem o mundo da escola.
A Jay Yasgur, pela amizade profunda e sincera... e pela receita de oat meal.
SIGLAS ......................................................................................................... 6
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS ............................................................. 6
RESUMO ...................................................................................................... 7
ABSTRACT .................................................................................................. 8
RESUMO
‘Cheshire Puss’, she began, [...] ‘Would you tell me, please, which way I
ought to go from here?’
‘That depends a good deal on where you want to get to,’ said the Cat.
‘I don’t much care where’ – said Alice.
‘Then it doesn’t matter which way you go’, said the Cat.
‘ – so long as I get somewhere’, Alice added as an explanation.
‘Oh, you’re sure to do that’, said the Cat, ‘if you only walk long enough.’
(Lewis Carroll, Alice’s Adventures in Wonderland)
que esta poderia abrir espaço à associação da prática cotidiana com a reflexão que
no era cara, em contraste com a atitude refratária que sentíamos “no ar” do
Departamento de Física, onde víamos a preocupação estritamente voltada para a
competência técnica sufocar valiosas aspirações dos estudantes.
Esse foi o cenário de nossa iniciação profissional. Se foi pintado com tintas que
alguém pode considerar fortes demais para o “bom tom” de um trabalho acadêmico,
elas talvez tenham, pelo menos, o mérito de sinalizar que esse “bom tom” não deve
converter-se, inadvertidamente, no pigmento que oculta aspectos essencialmente
relevantes às reflexões de determinada área. E parece-nos que a Educação é uma
dessas áreas, que merece o respeito e o cuidado do esforço de evitar que se perca,
em meio a tantos emaranhados caminhos, o sentido especificamente humano que
define e caracteriza sua atividade, como tão sabiamente assinalado por Paulo
FREIRE (2001b), ao tratar dos saberes necessários à prática educativa.
Essa primeira experiência de docência superior, que durou até 1994, permitiu
avançar na percepção do necessário esforço de adequação da forma de ensino da
Física a estudantes que não serão futuros pesquisadores de ciência pura ou
aplicada, e sim preparavam-se para atuar no magistério, ou em área tecnológico-
artística, ou tecnológico-biomédica. Também fortaleceu a noção de que essa
adequação pode beneficiar-se grandemente do recurso a atividades como trabalhos
práticos, em que a variedade de temas e abordagens ajuda a criar situações em que
professores e alunos, ao invés de desencontrarem-se, possam encontrar-se em
“algum lugar no meio do caminho” entre suas áreas mais específicas.
1
CEFET-MG. Revista da META, Belo Horizonte, ano 2, n.2, p.38, setembro de 1997.
14
2
Informações baseadas em relato feito, em nossa presença, pelos estudantes do grupo, em aula de
disciplina de pós-graduação, a convite do Prof. Dr. Dácio Moura, no ano de 1994.
15
3
Por exemplo: Estado de Minas de 25/03/1994, caderno Gabarito, p.6-7; Ciência Hoje de julho de
1994, p.82-83 (v.18, n.101 – seção Ciência em Dia); Istoé de 26/10/1994, seção A Semana; programa
Jô Soares 11 e meia, então ainda na rede SBT, em 1994 (data próxima à da publicação feita pelo
Estado de Minas); programa Caleidoscópio, de 19/06/2002, da TV Horizonte, canal local de Belo
Horizonte (cabo/UHF).
4
Ver, por exemplo: HÜBNER, A.M.S. Professor – formação prático-reflexiva. Enciclopédia de Filosofia
da Educação. Disponível em: <http://www.educacao.pro.br/professor.htm>. Consulta em 10/11/2001.
16
Reflexões como essas eram motivadas pelas experiências que deram base ao
Projeto LAF, que contemplavam, desde o início, importantes aspectos da
problemática educacional.5 Tais experiências tinham por base o Projeto
Exploratorium e constituíam as primeiras sondagens do potencial de outro ambiente
institucional relativamente favorável aos trabalhos práticos. De fato, a tradição de
desenvolvimento de projetos pelos alunos do CEFET-MG propiciava, entre outros
fatos, a existência longeva da META, que viemos a conhecer já na 16a edição.
5
Ver, por exemplo: MOURA, Dácio Guimarães de. Libertar o conteúdo. Educação & Tecnologia, Belo
Horizonte, n.1, p.22-25, jan./jun. 1995c.
6
Ver por exemplo: WANDERLEY, Eliane Cangussu. Feiras de ciências enquanto espaço pedagógico
para aprendizagens múltiplas. Belo Horizonte: CEFET-MG, 1999. 253p. (Dissertação, Mestrado em
Tecnologia – Educação Tecnológica).
7
Em 2002, o nome foi alterado para Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte.
8
Ver, por exemplo: MOURA, Dácio Guimarães de. LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência,
Tecnologia e Arte do CEFET-MG. Belo Horizonte: CEFET-MG, [1995b?]. 6p. (Mimeogr.).
17
9
No CEFET-MG, essa categorização foi proposta pelo Prof. Dr. Dácio Moura (com base em sua tese
de doutorado), em substituição à categorização baseada nas disciplinas curriculares, por ocasião da
reformulação da META, ocorrida a partir de 1992. Ver: MOURA, Dácio Guimarães de. Feiras de
ciências: necessidade de novas diretrizes. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, n.6, p.76-85,
nov./dez. 1995a.
10
MOURA, Dácio Guimarães de, HIGINO, Anderson Fabian Ferreira. Laboratório aberto de física –
proposta de uma metodologia adequada às demandas atuais. Educação & Tecnologia, Belo
Horizonte, n.3, p.37-40, jul./dez. 1996.
11
MOURA, Dácio Guimarães de, HIGINO, Anderson Fabian Ferreira, AVELLAR, Ronaldo Lucídio.
Laboratório aberto de física – proposta de uma metodologia adequada às demandas atuais. Belo
Horizonte: CEFET-MG, 1997. 4p. (Mimeogr.)
19
Observe-se que essa dissonância deu-se num cenário em que, de modo semelhante
a esforços internacionais de reflexão sobre reforma curricular, em que o trabalho em
equipe e atividades do tipo hands-on são grandemente valorizados,12 também o
programa brasileiro buscava subsidiar o debate sobre abordagens dessa natureza.13
Fatos assim parecem sinalizar que alguns princípios ligados à flexibilização
curricular e à formação integral do estudante, que estão na base de idéias como a
apresentada, não alcançam ainda suficiente compreensão, entre os docentes, para
gerar movimentos decisivo de superação de práticas tradicionalmente assumidas,
muitas vezes apenas tacitamente, como as mais adequadas.14
12
Ver, por exemplo, matéria sobre a “Synthesis Coalition”, em: WATSON, George F. Refreshing
curricula. IEEE Spectrum, march 1992. p.31-35.
13
Ver, por exemplo, com especial atenção à palestra do Prof. Dr. Walter Antonio Bazzo, os debates
registrados em: FUNDAÇÃO VANZOLINI. Engenheiro 2001, São Paulo, ano 2, n.2, mar.1997.
14
Ver: BAZZO, Walter Antônio, PEREIRA, Luiz Teixeira do Vale, VON LINSINGEN, Irlan. Educação
tecnológica: enfoques para o ensino de engenharia. Florianópolis: Ed, da UFSC, 2000. 173p.
15
Relatos baseados na participação do autor nos projetos, na condição de professor orientador.
20
Diante de tais informações e impressões, ficou claro, para nós, que aquele momento
significava uma encruzilhada, não apenas para o grupo, mas para o Projeto LAF.
Era, novamente, o caso de perguntar “que caminho devo tomar”: o da ousadia ou o
da submissão? Resolvemos fazer uma aposta: convidar o grupo a perseverar na
ousadia de desenvolver um projeto que, obviamente, ia muito além de sua
capacitação técnica imediata. Não o fizemos, no entanto, de maneira irresponsável.
Ponderamos com os alunos, em longo diálogo, sobre que parecia haver, naquele
momento, algum tipo de “choque” entre duas visões de projeto: uma, tradicional no
seio da escola, que, grosso modo, atém-se à exigência de formação técnica
aprofundada como pré-requisito lógico para a possibilidade de dimensionamento
prévio e execução posterior. Outra que admite a busca de orientação, colaboração e
elementos teórico-práticos, ao longo do percurso, mesmo em seqüência não
facilmente previsível e na medida da demanda momentânea, como base para a
construção, ou re-construção, de um objeto técnico e, paralelamente, a construção,
ou re-construção, de conhecimentos, habilidades, atitudes.
Obtendo com um amigo artigo sobre a montagem que desejavam realizar, os alunos
passaram a preocupar-se não mais com o dimensionamento do circuito – o que
seria, de fato, objetivo ilusório – e sim com a busca de materiais e o aprendizado de
técnicas básicas. Nessa etapa, inclusive, firmes na decisão de concluir o projeto,
eles chegaram mesmo a conseguir algum apoio no Laboratório de Eletrônica.
Outro caso que confirmou essa percepção foi o projeto Harpa Laser, desenvolvido
no 1º semestre de 2001, por outro grupo de alunos de Engenharia Elétrica, também
sem formação em Eletrônica, interessados pelo mesmo tema: sensores fotoelétricos.
Quando o grupo ainda buscava definição de tema, o orientador sugeriu uma
montagem em que sensores fotoelétricos fossem o ponto de partida para a geração
de tons, constituindo um instrumento musical. A intenção era associar a tecnologia
pretendida pelo grupo a uma aplicação com potencial lúdico, possibilitando a
utilização do objeto em exposições interativas e atividades afins.
Por fim, o projeto teve significativos resultados, nos aspectos material e humanístico.
O grupo apresentou publicamente protótipo totalmente operacional de sua Harpa
Laser, que causou grande admiração e vem sendo utilizado na divulgação dos
trabalhos e da proposta do LACTEA, tanto nas reuniões de recepção dos novos
calouros quanto em veículos de imprensa escrita e televisionada.16 Além disso,
ocorreram profundas reflexões e mudanças de atitude geradas pela participação dos
16
Por exemplo, em três ocasiões recentes, neste ano: i) reunião geral, realizada 16/05, com os
calouros de Engenharia Industrial ingressos no CEFET-MG no 1º semestre; ii) entrevista, feita em
06/06, pela Assessoria de Comunicação Social do CEFET-MG, com os docentes responsáveis pelo
LACTEA, para publicação de matéria em boletim informativo da instituição e iii) programa
Caleidoscópio, de 19/06/2002, da TV Horizonte, canal local de Belo Horizonte (cabo/UHF).
23
Essa crescente colaboração entre alunos e outros aspectos relatados das atividades
do LAF e do LACTEA sinalizaram um valioso tema de investigação, ligado à
compreensão do significado e do papel dos projetos na educação em Ciência &
Tecnologia. Tínhamos, além disso, a possibilidade de explorar um fecundo campo
de estudo: uma das várias “gerações” semestrais de projetos do LAF.
17
Fita VHS disponível, através do LACTEA, para consulta no local.
24
Essa articulação de conceitos facilita a reflexão sobre que a solução para algumas
questões percebidas na prática do educador deve buscar-se além do campo de
discussão da didática, dedicado a problemas como escolha de métodos e
procedimentos. Algumas respostas serão encontradas apenas na reflexão, de
natureza pedagógica, sobre diretrizes mais gerais para o processo educativo, como
as que estabelecem a que ponto deve ir a liberdade de o estudante buscar o próprio
caminho de aprendizagem e a partir de onde, e com que grau de estreiteza, ele deve
seguir caminhos prescritos por quem, supostamente, já “conhece o terreno”.
“(...) ciência, técnica e tecnologia são neutras, isto é, são isentas de valorações
humanas; o conhecimento técnico posterior é fruto do progresso humano e, por isso, é
sempre melhor que o anterior que, assim, deve ser descartado; o conhecimento técnico
do professor é superior ao dominado pelo aluno; o conhecimento do aluno, quando ele o
possui, é inadequado e dever ser esquecido ou expurgado para que o novo
conhecimento, melhor, seja introduzido; o conhecimento é cumulativo e, assim, pode ser
armazenado por meio de técnicas de memorização; conhecimento por ser cumulativo,
pode ser considerado como sinônimo de informação; o método preferencial é o de
repasse de informação autorizada (e estruturada) pelo professor ativo ao aluno passivo,
neutro; o aluno deve reproduzir o que lhe foi repassado, sendo avaliado em função da
precisão e da qualidade da sua reprodução; a avaliação da aprendizagem é realizada
por quantificação.” (p. 125-126)
As greves na Ford Motor Company devem servir de alerta simbólico sobre os riscos
dos sistemas voltados para a busca enganosa de eficiência. Mais ainda quando se
trata do sistema educacional, que, devendo trabalhar pela progressiva valorização
do elemento humano, relega-o à surreal condição de “efeito colateral”.
“(...) Se as coisas pioram de repente, umas poucas vezes, podemos dizer, um tanto
paradoxalmente, que isso era de se esperar; mas hoje as coisas vão mal tantas vezes
em tantos contextos diferentes, que muita gente começa a sentir que o seu próprio modo
de pensar sobre o funcionamento do mundo é que deve estar errado. (...).” (p.11)
Em vista do exposto até aqui, o desafio que nos propusemos foi o de contribuir para
um esforço de re-fundamentação, revitalização e re-valorização da pedagogia de
projetos, na educação em Ciência & Tenolcogia, buscando subsídios na ciência da
complexidade e em noções complementares, como o conceito de negociação, para
reunir elementos de resposta a questões de investigação como as seguintes:
Uma referência central foi o artigo “The project method: its vocational education
origin and international development” (KNOLL, 1997), no qual Michael Knoll, da
Universidade de Bayreuth, na Alemanha, faz extensa revisão de recentes pesquisas
33
1
O ano de 1775 é o registrado por CRIVELLARI (2000) como o da criação dessa escola.
37
Uma utilização mais ampla do termo “projeto” exigia prévia redefinição. A tarefa foi
empreendida por William Heard Kilpatrick, filósofo da educação e colega de Richards
e Dewey no Teachers College da Columbia University. No livro The Project Method,
de 1918, Kilpatrick apóia o conceito de projeto na teoria da experiência de Dewey,
defendendo que as crianças adquiram experiência e conhecimento pela resolução
de problemas práticos, em situações sociais. Mas Kilpatrick recebeu ainda mais
influência da psicologia da aprendizagem de Edward L. Thorndike, com “leis da
aprendizagem” que atribuem maior chance de repetição a uma ação baseada numa
inclinação que busca satisfação do que a uma ação importuna realizada sob coação.
Com essa visão fortemente distinta da de Kilpatrick, Dewey juntava-se clamor pelo
retorno ao conceito tradicional de atividade construtiva e enfatizava ser o projeto
apenas um entre muitos métodos de ensino, e não a única saída para a confusão
educacional reinante, como julgava Kilpatrick. O movimento crítico teve grande efeito
negativo na popularidade do método e gerou progressivo arrefecimento no uso do
conceito amplo, no início da década de 1930. O próprio Kilpatrick terminou fazendo
2
A expressão original, “hearty porposeful act”, talvez seja melhor traduzida por “ato proposital
40
Vingou, enfim, nos Estados Unidos, o projeto como trabalho construtivo responsável,
na linha construtivo-competitiva dos séculos 17 e 18. Isso confirmou, mais uma vez,
a força do conceito, que já sobrevivera à prova do tempo e continua ainda a fazê-lo.
Prossegue até hoje a tradição da high school americana, principalmente nas áreas
de ciências, agricultura, educação tecnológica e artes industriais: estudantes
apresentam projetos, estes são julgados e recebem prêmios e certificados.
No início do século 20, os Estados Unidos já eram potência mundial e exercem forte
influência, em campos como política, comércio e educação. A exportação de idéias
educacionais inovadoras e progressistas gerou discussões e publicações sobre o
método de projeto em países como Canadá, Argentina, Inglaterra, Alemanha, Índia,
Austrália e Rússia. O conceito amplo acabou tendo maior destaque e sendo
divulgado, equivocadamente, como de autoria conjunta de Dewey e Kilpatrick.
A Rússia foi o centro desses debates, em função do grande esforço feito, desde a
revolução de 1917, para desenvolver alternativas progressistas aos métodos
burgueses e capitalistas de ensino com livros e aulas. O início da década de 1920
marcou a apresentação do trabalho com projetos aos educadores do país, liderada
por Nadezhda Krupskaya, esposa e colega de partido de Lênin. Perto de 1930,
Victor Sulgin, chefe do Instituto de Pesquisa Educacional de Moscou, colocou o
metod proektov como destaque de um movimento de reforma escolar, declarando-o
o único método verdadeiramente marxista e democrático, ideal para o ensino no
estado proletário. Ao combinar noções teóricas com uma prática revolucionária, uma
seqüência contínua de projetos poderia acelerar a transição do capitalismo para o
comunismo, possibilitando aos alunos, através do trabalho produtivo, o aprendizado
com que fariam avançar o desenvolvimento político e econômico da União Soviética.
uma forma reduzida de ensino com projetos, nos dias escolares comuns, e uma
forma ideal dessa atividade, em épocas especiais, como vésperas de feriados ou
das férias. Nesses dias ou semanas especiais de projetos, suspendia-se o currículo
normal e o “monopólio de planejamento” do professor, criando um contexto às vezes
tão aberto que admitia, como projeto, virtualmente qualquer idéia dos alunos: da
fabricação de cidra a uma manifestação pela paz. Essa euforia dos projetos logo
passou, dando lugar, desde os anos 1980, à busca de solução para a acentuada
disparidade entre o trabalho com projeto e métodos de ensino mais convencionais.
Observações finais
Os estudos atuais feitos pelos educadores indicam que o modelo clássico de escola,
com tempos rígidos atribuídos a cada disciplina, parece não mais dar conta da
complexidade do mundo moderno. Essa constatação demonstrou a necessidade de
mudar a escola, de aproximá-la mais da sociedade e de envolver mais os alunos no
processo de aprendizagem.
É nessa perspectiva que, nos anos 90, o trabalho com projetos, voltado para uma visão
mais global do processo educativo, ganhou força no Brasil e no mundo. Não se trata de
uma técnica atraente para transmitir aos alunos o conteúdo das matérias. Significa de
fato uma mudança de postura, uma forma de repensar a prática pedagógica e as teorias
que lhe dão sustentação. (MEC/SEED, 1998)
Diríamos que “projetos” são atividades que redundam na produção, pelos alunos de um
relatório final que sintetize dados originais (práticos ou teóricos), colhidos por eles, no
decurso de experiências, inquéritos ou entrevistas com especialistas. O projeto deve
visar à solução de um problema que serve de título ao projeto. (LEANDRO, 1981)
A “definição” soa vaga, formalista e confusa. Nada especifica sobre a natureza das
atividades aludidas e sugere preocupação maior com a produção de relatórios do
que com os processos vividos pelos alunos, parecendo menos apropriada a um
método de ensino baseado em motivação do que ao plano de atividades de um
trabalho de natureza “científica”. Possivelmente, o trecho foi agregado por iniciativa
do próprio professor, o que é sugerido pela referência ao CECIMIG como fonte
complementar. Mas a natureza avessa a formalismos do método de projetos indica
um mal-entendido conceitual que, se bem pode ser particular dessa situação, faz
vislumbrar o tipo de dificuldade a que estava sujeita, por influências cientificistas e
tecnicistas, a evolução recente da pedagogia de projetos no Brasil.
3
Centro de Ensino de Ciências de Minas Gerais
45
O método deve ser considerado mais como uma ajuda, uma técnica complementar,
destinada a dar vida ao programa, a variar a sua apresentação no momento oportuno, a
tornar mais atraente a apresentação e a assimilação de muitas noções práticas.
(LEANDRO, 1981)
A formação, em nossa cultura escolar, é vista apenas como uma atividade intelectual.
Isto faz com que se dê uma grande ênfase na aprendizagem de fatos, conceitos,
princípios, enfim, na teoria. Não se concebe o conhecimento enquanto ação,
considerando, como coisas opostas, o saber e o fazer, a teoria e a prática, o trabalho
intelectual e o trabalho manual, a ciência e a cultura. Isso faz com que haja uma
supervalorização dos processos cognitivos, em detrimento de outros. Muito se tem
avançado na pedagogia do discurso, da palavra, mas estamos muito distantes de uma
pedagogia da ação, da intervenção. E quando esta está presente, acha-se suficiente que
o aluno apenas conheça quais são as formas de atuar, sem se preocupar com a sua
capacidade de atuar, de intervir na prática, ou, acreditando que é preciso primeiro “saber
sobre” para depois “colocar em prática”, dissociando o processo de pensar do atuar.
Compreendendo a aprendizagem a partir de uma visão globalizante, a escola plural
inclui-se em um projeto de formação ativa, onde os processos de conhecer e intervir no
real não se encontrem dissociados. Para isso, é preciso incluir, como direito à educação,
o direito a aprender de maneira ordenada e sistemática o conjunto de formas básicas e
coletivas de agir, de enfrentar problemas, de construir a cidade, de reproduzir a
existência, de traduzir a ciência em tecnologia. O direito a saber fazer, a saber conviver.
(BELO HORIZONTE, 1994, p.29-30)
Ao discutir como a Escola Plural vem lidando com os projetos de trabalho, a autora
ressalta que estes “... foram, logo de início, interpretados como a ruptura com o
conhecimento formal, com a organização curricular...” (AMARAL, 2000), num mal-
entendido que gerou preconceitos em relação a uma proposta de ressignificação
que buscava inserir tais elementos em contexto mais amplo e complexo. Configurou-
4
Ver, por exemplo, os relatos e reflexões apresentados por HERNÁNDEZ (1998).
5
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
48
se, nas escolas da Rede Municipal, amplo espectro de reações à proposta: adesão
entusiasta, adesão parcial, total rejeição. A autora também destaca que
6
Para uma discussão ao mesmo tempo crítica e sensível da prática educativa, ver FREIRE (2001b).
52
FREITAS faz uma observação sintomática sobre que a avaliação, tema nevrálgico
na educação brasileira, não teve grande destaque no debate pedagógico russo
anterior a 1930. O autor correlaciona o fato à realização, durante a década de 1920,
de trabalho pedagógico largamente baseado no método de projetos, que talvez “...
permitisse um tipo de avaliação acoplada ao próprio processo de ensino, baseada
na ação coletiva dos alunos em ambientes abertos...”. Esse trabalho ocorria dentro
de uma proposta que ultrapassa o mero estatuto de método de ensino, constituindo
concepção curricular que aborda “... a complexidade concreta dos fenômenos,
tomados da realidade e reunidos ao redor de temas ou idéias centrais
determinadas”.8 Tal proposta era referida pela expressão “complexos”.
Discutimos nesta seção o papel dos projetos em nossa área de atuação profissional,
ligada ao ensino de Física em cursos da área tecnológica, como a Engenharia. A
experiência com a pedagogia de projetos tem levado a explorar as relações do
7
KNOLL (1997) registra, na década de 1930, o abandono, em todo o bloco soviético, do debate sobre
método de projetos e educação progressista, em decorrência de resolução do Comitê Central do
Partido Comunista. No Brasil, por sua vez, a década de 1980 marca a “abertura” política, que levou
ao fim da ditadura militar e à preparação de uma nova, que pode chamar-se “ditadura neo-liberal”.
8
Trecho transcrito por FREITAS (1998), sem referência clara à fonte.
53
9
Trabalho desenvolvido no programa de mestrado do CEFET-MG.
54
impôs grande perda de espaço aos alunos da Escola Técnica, cujos trabalhos eram
mal-vistos pelas comissões julgadoras, como de “tecnologia”, e não de Ciência.
O grande potencial criativo e realizador dos alunos fica claro no registro de que “... o
desenvolvimento de trabalhos práticos para a META parece sempre ter ocorrido de
forma extraclasse e pela livre iniciativa [dos] alunos” (WANDERLEY, 2001a, p.38),
com maior presença de temas de sua escolha. As atividades eram desenvolvidas
“em pequenos grupos, e inicialmente, sem uma orientação específica de algum
professor” (p.38), gerando trabalhos simples, mas de grande valor pedagógico. A
esporádica realização de trabalhos com integração de cursos é identificada como
sinal de valorização das iniciativas interdisciplinares, melhor contempladas,
posteriormente a 1993, com o trabalho da COPEC-META.
Pretendíamos uma nova feira, voltada para tendências atuais de incentivo às mostras,
exposições e museus interativos de Ciências, que considerasse a importância da
educação não formal e informal nos novos tempos e a necessidade da aquisição de uma
alfabetização em Ciências e tecnologia na formação do cidadão, capaz não apenas de
promover sua integração com o mundo científico e tecnológico, como também de nele
interferir, humanizando suas interações sociais. E, finalmente, uma nova feira, que, no
aspecto pedagógico, se amplia, permitindo o desenvolvimento de projetos de trabalhos
práticos, sob novas perspectivas, valorizando-se principalmente as inter-relações
estabelecidas durante a caminhada do aluno, no sentido mais de preparar o cidadão
para a busca do conhecimento científico do que para a sua aquisição ou de como
“pensar cientificamente”. (2001a, p.39)
10
A análise de WANDERLEY não aponta com clareza as causas da crise.
58
A filiação pedagógica, segundo PAULA, situa-se num espaço localizado entre duas
das mais importantes perspectivas teóricas da educação brasileira: a pedagogia
crítico-social dos conteúdos, desenvolvida na década de 1980, por vários autores, e
os movimentos de educação popular, originados na década de 1960, com os
11
Trabalho desenvolvido no programa de mestrado do CEFET-MG.
12
SINGER (1996). Poder, política e educação. Revista Brasileira de Educação, n.1. (apud PAULA).
59
trabalhos de Paulo Freire. Mas o Prof. Miguel González Arroyo, principal responsável
pelo projeto, ao corroborar essa visão, em entrevista, destaca a maior proximidade
da filiação com a “educação popular”, que inspirou a busca do aprofundamento das
relações entre educação e cultura, movimentos e estruturas sociais.
13
Oficialmente, a Escola Plural é hoje diretriz político-pedagógica, e não projeto de reforma curricular.
60
14
Sobre a relação entre Feira de Ciências e sala de aula, participamos, com os professores Dácio
Guimarães de Moura e Eliane Cangussu Wanderley – por ocasião de um trabalho de assessoria
ligado à 8a Feira Estadual de Ciências de Minas Gerais – do programa “TV INTERATIVA: Feira de
Ciências – Rumo à sala de aula”. Esse proveitoso debate foi transmitido, em 03/07/1998, pela Rede
Minas de Televisão, via satélite, para todo o estado de Minas Gerais e outras regiões do país.
15
Trabalho desenvolvido no programa de mestrado do CEFET-MG: AGUIAR JR., Orlando Gomes de.
Mudança conceitual em sala de aula: o ensino de ciências numa perspectiva construtivista. Belo
Horizonte: CEFET-MG, 1995. 180p. (Dissertação, Mestrado em Educação Tecnológica).
61
Para não perder o fio da abordagem, convém recordar o propósito dessa alusão
recorrente ao projeto Escola Plural. Pretendemos construir uma visão de conjunto
que mostre a inserção da experiência com projetos desenvolvida em nosso campo
de estudo numa complexa rede de conexões, com diversas outras referências. De
um lado, com o método de projeto, ligado à história internacional do ensino técnico e
do ensino de Engenharia, como sinaliza a revisão historiográfica de KNOLL (1997).
De outro lado, com a história da investigação pedagógica brasileira, nas
perspectivas macro e meso temporal e espacial, como indicam as discussões sobre
o movimento de reinterpretação das idéias escolanovistas em que se insere a Escola
Plural. De outro lado ainda, na interface das perspectivas meso e micro temporal e
espacial, com o movimento de reinterpretação das mostras e feiras de Ciência &
Tecnologia, ligado à história recente do CEFET-MG. Nessa instituição, ocorre a
META e também, como veremos na seqüência da exposição da discussão feita por
WANDERLEY (1999, 2001a) e com as discussões propostas por nós mesmos,
desenvolvem-se as atividades do Laboratório Aberto de Ciência Tecnologia,
Educação e Arte (LACTEA), entre as quais o Projeto Laboratório Aberto de Física.
16
GASPAR, Alberto. Museus e centros de ciências – conceituação e proposta de um referencial
teórico. São Paulo: USP, 1993. (Tese, Doutorado em Didática).
62
Vale a pena observar como uma mudança aparentemente simples de ponto de vista,
manifestada na nova categorização de trabalhos, pode levar à exploração de
possibilidades de grande riqueza pedagógica. Mudanças desse tipo, no entanto,
somente vêm em decorrência de estudo, reflexão, discussão crítica e autocrítica e
do desenvolvimento de verdadeira disposição para o exercício da liberdade, da
soberania e do livre arbítrio envolvidos na opção de não aderir tacitamente a
paradigmas já desgastados em suas possibilidades de ampliação da visão de
mundo. A nós professores, parece-nos, cabe dar o exemplo dessa disposição, para
que faça sentido o discurso sobre as nobres intenções com que nos dedicamos à
atividade docente, sob pena de construirmos um cenário surrealista que algum pintor
espirituoso poderia retratar na imagem de cegos a pretender guiar cegos.
17
Em 2002, o nome passou a Laboratório Aberto de Ciência Tecnologia, Educação e Arte.
64
Dias depois, houve uma reunião, no LACTEA, com as presenças do então diretor de
ensino superior, do referido engenheiro, do aluno e dos professores do LAF.
Estimulados pela riqueza das possibilidades técnicas e pedagógicas que a situação
parecia abrir, os professores dispuseram-se seguir com as negociações, para a
formação da equipe. Dali a mais uns dias, tivemos notícia de que houvera uma
palestra, na PUC-MG, em que a SAE Brasil havia oficialmente divulgado a
Competição Mini-Baja, estimulando as escolas de engenharia mineiras a inaugurar
sua participação. A notícia foi dada por estudantes de Engenharia Mecânica que
haviam sido nossos alunos, cerca de um ano antes, e mostravam-se interessados
em participar da Competição. Como as regras exigiam participação institucional, com
designação de professor orientador, foi realizada outra reunião, com todos os
interessados, para discutir a formação da equipe e as estratégias de obtenção de
apoio. Na ocasião, os representantes do LACTEA/LAF destacaram a importância de
explorar tanto os aspectos técnicos quanto o potencial pedagógico da experiência.
18
www.saebrasil.org.br
66
Pormenores são ressaltados para facilitar a visão de que, do estrito ponto de vista
acadêmico-curricular, a equipe pareceria não ter chance de êxito, ao não ser
composta de especialistas ou alunos curricularmente “avançados”. Isso caracteriza
claramente a aposta que ali foi feita no potencial técnico-pedagógico da experiência,
sem pretensão de resultados imediatos. De todo modo, nem mesmo havia
antecedentes que permitissem avaliar realisticamente as chances. Nada exprime
melhor do que uma frase dita pelo professor Dácio Moura, na época, a percepção do
valor experiência em si própria, quaisquer que fossem os resultados objetivos,
mesmo que apenas com uma pálida esperança de êxito: “Vai que dá o azar...”.
19
Colaboração documentada no Formulário do Projeto Mini-Baja apresentado ao LACTEA.
20
www.des.cefetmg.br/cefast/
21
Nome dado em função do design do veículo, com formato e cor alusivos ao peixe.
22
Dispomos de gravação VHS do programa Geração 15 (Canal 15 – atual Rede Super), com
divulgação do evento, encerrada pela imagem da volta do “Tubarão” no pátio do Centro Automotivo.
A filmagem foi feita após nossa participação na insistente negociação com os jornalistas e o agitado
deslocamento do veículo do galpão para o pátio, em meio ao grande público presente ao coquetel.
23
CRISTIE, Ellen. Cefet sobe no pódio em Interlagos. Estado de Minas, Belo Horizonte, 17 mai. 1997.
Caderno gerais, p.29.
67
A primeira matéria foi capa de caderno de um dos maiores jornais mineiros, com
fotografia em cores de mais de um quarto de página; a segunda reforça a notícia, no
dia seguinte, próximo a prestigiada coluna do caderno de veículos. Também a Rede
Minas de Televisão noticiou a vitória da equipe, no Jornal Minas, com matéria que
incluiu imagens do CEFET-MG e do “Tubarão” e declarações dos alunos e do
orientador.25 Isso ilustra o destaque regional alcançado pela notícia.
De acordo como o orientador do projeto (...), a vitória é uma prova de que não há
desenvolvimento tecnológico se as administrações das escolas não investirem em
espaços como o LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia e Arte27 – criado
em setembro de 95, no Cefet/MG.28
Enfim, a equipe “deu o azar” e a aposta deu resultado. Por um lado, proporcionou
aos alunos rica experiência de aprendizado técnico aliado ao aprendizado humano.
Por outro, para surpresa geral, possibilitou a conquista objetiva de uma premiação.
Esta, inclusive, de acordo com as regras, levou a equipe CEFAST – e o nome da
instituição – à fase internacional da Competição, em Milwaukee, Estados Unidos,
onde o evento tinha já tradição de 40 anos. Quanto ao aspecto que os
representantes do LACTEA esforçaram-se por ajudar a destacar, houve também
referência, na declaração de um dos alunos sobre que “seu maior aprendizado foi a
convivência, o trabalho em equipe, ou seja aprender a lidar com o ser humano.”29
Portanto, nessa parte que conhecemos da história do projeto Mini-Baja no CEFET-
24
GRECO, Enio. “Tutubarão” devora concorrentes. Estado de Minas, Belo Horizonte, 18 mai. 1997.
Caderno veículos, p.3.
25
Dispomos de gravação, em fita VHS, dessa edição do Jornal Minas.
26
Matéria citada, do dia 17/05/1997.
27
Atualmente, Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte.
28
CEFET-MG. Alunos do Cefet/MG desenvolvem protótipo de Mini-Baja. Cefet é notícia, Belo
Horizonte, mai. 1997. p.3.
29
Matéria citada do Cefet é notícia de maio de 1997.
68
Faz-se aqui relato mais extenso para destacar, nessa “história dos vencedores“,
aspectos que acabaram empalidecidos. O reconhecimento da participação do
LACTEA foi logo eclipsado, por diversos fatores, entre as urgências e conveniências
da hora. Assim, por exemplo, esqueceu-se a afixação, na lateral do veículo, de
adesivo com a logomarca do laboratório, como previamente acertado. No ano
seguinte, no par de folders institucionais30 produzidos para divulgar as equipes do
CEFET-MG, não há qualquer referência à participação do LACTEA, no projeto. E
nas listagens dos integrantes das equipes, está ausente o nome do estudante que
levara o “convite” à instituição e que, àquela época, já devia ter-se evadido do curso.
30
CEFET-MG/Engenharia Industrial Mecânica. Folders informativos das Equipes CEFAST e Mini-
Bala, para a IV Competição SAE Brasil de Mini-Baja. Belo Horizonte, 1998.
69
iniciais tão incertas quanto as da equipe CEFAST. O brilho nos olhos dos estudantes
e sua viva expressão de entusiasmo são a prova mais eloqüente do interesse que foi
neles despertado. É o estímulo gerado pela promessa que vai-se cumprindo, no
curso dos trabalhos do LACTEA, com o próprio esforço que realizam, realimentando
um ciclo virtuoso de aprendizado e vivência, que se renova e amplia a cada geração
de estudantes que chega à instituição.
Em 1997, parte dos integrantes da CEFAST formou uma outra equipe, a Mini-Bala,
que parece até o presente. A equipe CEFAST não se dedica, atualmente, à
competição automobilística. Restringe-se à competição de Aerodesign, também
promovida pela SAE, na área de aeromodelismo, de que participa desde 1999, com
o modelo Arara Azul.31 Expressivos resultados, nas fases nacional e internacional
dessas competições, seguem confirmando o potencial dos estudantes. Em 2001,
alunos da Engenharia Mecânica participaram do 1o Campeonato Mineiro de
Robótica, com a Equipe Athron.32 Obtiveram classificação no evento e, atualmente,
buscam apoio e patrocínio para o projeto.33 Além disso, tivemos recentes
informações sobre a tentativa de reativação da montado equipe CEFAST.
Tudo isso mostra que o caminho dos projetos e competições continua despertando o
interesse dos estudantes e oferecendo à escola excelentes oportunidades: estimular
participação ainda maior dos alunos, com boa divulgação e auxílio na busca de
patrocínio; buscar elementos teóricos para ampliar a competência na potencialização
da aprendizagem humanística propiciada por essas atividades; recolher subsídios
para um frutífero processo de renovação pedagógico-institucional.
31
CEFET-MG. Com os pés no chão e a cabeça nas alturas; alunos do Cefet-MG disputam prêmio
nacional de aerodesign em São José dos Campos. Cefet notícias, Belo Horizonte, jul. 2002. p.5.
32
www.sucesumg.org.br/inforuso/robotica.htm
33
CEFET-MG. Robótica em busca de incentivos; núcleo do Cefet-MG espera ampliar-se com o apoio
de entidades privadas. Cefet notícias, Belo Horizonte, jul. 2002. p.4.
70
Surge, quando em vez, impressão de que a escola encontra-se perdida num imenso
quebra-cabeças didático-curricular, sem dar jamais com o encaixe perfeito. Numas
vezes, as peças parecem inconformes; noutras, a perspectiva, inadequada. E o jogo
continua... não sem que com o tempo aumente a sensação de que perdem todos. A
imagem do quebra-cabeças, celebrizada por Thomas KUHN (1987), na discussão
dos paradigmas, é retomada por MOURA (1995c), ao examinar possibilidades de
reflexão abertas pela concepção Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), num
estímulo ao esforço de “libertar o conteúdo”. Essa abordagem ajudou a direcionar a
reestruturação da META e a criação do LACTEA, e encontra-se presente no curso
histórico do Laboratório. Nele, tem-se buscado descobrir e explorar, entre os
meandros do formalismo e da burocracia, os “espaços possíveis de luta” a que nos
referimos, nas palavras de Neise DELUIZ (1996). Mas a luta, muitas vezes, é com os
pares que personificam manifestações e materializam a resistência da cultura
escolar tradicional. Com o cuidado para que as lutas não se convertam em “guerras
intestinas”, luta-se, de todo modo. Luta-se pelo do direito de ousar, de tentar...
Errando, às vezes, ao fazê-lo, mas também correndo o risco de acertar, na “aposta”
de um “vai que dá o azar!...”. Assim, se “transgressões” ocorrem, por vezes,
parecem-nos as necessárias à busca de um significado mais profundo e menos
reprodutivista da ação educativa. Quando é esse o caso, não há que temer a luta!...
71
Nessa luta, os maiores aliados têm sido aqueles que a cultura escolar corrente tem
na conta mais modesta para o papel – os alunos (BAZZO et alii, 2000). O processo
vivido no LACTEA, nos últimos anos, tem trazido importante lição: cultivadas
condições mínimas de suporte ético-teórico-metodológico-material, num ambientes
mais livre e aberto de aprendizagem, o trabalho auto-organizador e exploratório dos
alunos floresce em ricas histórias e surpreendentes resultados. Diante de estímulo e
ambiente adequados, os alunos têm dado exemplo não apenas da capacidade de
buscar caminhos consistentes como também da possibilidade de ajudar na geração
de construções duradouras. Isso contraria a lógica cultural que se baseia, às vezes
mesquinhamente, na efemeridade da passagem do aluno pelo ambiente escolar.
34
A afortunada paráfrase proposta por um colega – “LACTEA jacta est” – canta o
significado da criação do LACTEA: foi aberto um caminho, que se tem buscado seja
de profunda busca e valiosos resultados. Dessa forma, os participantes35 dessa
longa e paciente empreitada pretendem sensibilizar novos parceiros e criar uma rede
de colaboradores e um ambiente propício à construção da mudança. Essa é uma
mudança que, ao invés de determinada “de cima para baixo”, busca os próprios
caminhos, dentro de um campo de possibilidades cujos limites nem de longe foram
ainda explorados, nem muito menos correspondem às limitações insuperáveis
supostas pelos pontos de vista lineares, que trazem desânimo e desalento.
34
Paráfrase criada pelo professor Ronaldo Lucídio de Avellar (DADB/DES/CEFET-MG), a partir da
frase “Alea jacta est” – “A sorte está lançada” – que a História atribui ao general romano Júlio César.
35
No Projeto LAF, além do prof. Dácio G. Moura e deste autor, tiveram participação também
expressiva os professores Ronaldo Lucídio de Avellar e Francisco Antônio Brandão Júnior.
36
Exemplos: Vídeo-Mostra 2 Anos LACTEA (set. /1997); Vídeo-Mostra da XVII META (nov. /1998).
37
Exemplo: exposição de projetos de alunos do CEFET-MG na 3ª Mostra de Material de Divulgação e
Ensino de Ciências, realizada na Estação Ciência (USP), de 27 a 31 de agosto de 1997.
38
Exemplo: 8ª Feira de Ciências do Estado de Minas Gerais (1998) e outras ocasiões anteriores e
posteriores, a convite da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais.
39
Exemplo: elaboração de planos de negócios, junto à incubadora de empresas ITAIM-BH.
72
Dois projetos desenvolvidos no LAF vêm tendo especial destaque, nos últimos
40
tempos e alcançado divulgação bastante ampla: o Fotuns e a Harpa Laser. A
o
Harpa Laser foi desenvolvida, no 1 semestre de 2001, sob orientação deste autor,
por um grupo de calouros de Engenharia Industrial Elétrica, sem formação prévia em
Eletrônica. Num rico e intenso processo de negociação interna e externa ao grupo,
foi montado o protótipo de um instrumento musical eletrônico semelhante a uma
harpa, em que o papel das cordas é feito por um conjunto de feixes de laser que,
entrecortados pelos dedos do executante, fazem que um sistema de sensores foto-
resistivos dê origem ao processo de geração de tons.
40
Exemplos: i) programa Caleidoscópio, de 19/06/2002, da TV Horizonte, canal local (cabo/UHF); ii)
CEFET-MG. Espaço humano dedicado à formação tecnológica; tecnologia a serviço das relações
humanas e do desenvolvimento profissional. Cefet notícias, Belo Horizonte, jul. 2002. p.4.
41
Edição da Revista da META ainda não publicada. Ver: ROCHA, Alexandre S., PENNA, Marcelo C.,
HIGINO, Anderson F.F. Fótuns – o carro fotoguiável. Belo Horizonte: CEFET-MG, 2000. Disponível
em: <http://www.cefetmg.br/eventos.htm#>. Consulta: 01/09/2002. (Página informativa da META).
73
42
Telecurso Aprender a Empreender. Promoção: SEBRAE e Fundação Roberto Marinho – Programa
Brasil Empreendedor. Apresentação: 2o semestre de 2001.
74
Todo esse esforço dá-se em boa hora, num cenário de complexa ambigüidade: de
um lado, padrões e processos auto-organizativos de grande potencialidade
manifestam-se, em histórias e caminhos como os já citados; de outro lado, a cultura
e a estrutura institucionais não se encontram preparadas para oferecer condições
adequadas à evolução dessa potencialidade. Exemplos de inadequação encontram-
se a granel, na análise mais atenta de situações comuns a quem lida em áreas
ligadas à educação em Ciência & Tecnologia, como o ensino de engenharia.
43
VENTURA, Paulo Cezar Santos, MARTINI, Márcia da Mota Jardim, HIGINO, Anderson Fabian
Ferreira. Rede de desenvolvimento de projetos como dispositivo de capacitação pessoal-profissional-
institucional em escola de educação tecnológica. CEFET-MG/LACTEA. 4o Congresso Nacional de
Educação. São Paulo, abril de 2002. (Atas ainda não publicadas).
44
VENTURA, Paulo Cezar Santos, MARTINI, Márcia da Mota Jardim, HIGINO, Anderson Fabian
Ferreira. Un réseau de développement de projets comme dispositif de formation personnel-
professionnel d’ingénieurs au Brésil. 24ème Journées Internationales sur la Communication,
l’Éducation et l’Industrie. Chamonyx (France), mars 2002. (Atas ainda não publicadas).
75
... o projeto é uma atividade que envolve ciência e arte, e que implica a experiência de
quem o desenvolve. A ciência (...) pode ser aprendida através do exercício do uso de
técnicas e de cursos específicos. Mas a arte só pode ser aprimorada com experiência,
dedicação e força de vontade pessoais. Deve ser exatamente por isso que a atividade de
projetar tanto fascina, pois induz o desenvolvimento intelectual. (p.73)
A partir desses elementos da obra de BAZZO & PEREIRA, parece-nos claro que a
busca de uma articulação mais significativa entre formação teórica e prática, num
contexto de aprendizado e criatividade como o proporcionado pelos projetos, pode
atender não apenas à demanda por abordagens de maior consistência humanístico-
pedagógica, mas também a objetivos pragmáticos, ligados à conquista de condições
como soberania e competitividade. E essa é uma necessidade que não se pode
ignorar, nos dias de hoje, sem o risco de nos condenarmos a submissão e
dependência cada vez maiores, numa perversa geopolítica mundial de globalização
de sacrifícios e particularização de benefícios. Vale ressaltar que os autores
sugerem restrições à tendência excessivamente informativa da abordagem teórica
que impera em nossas escolas, e não a idéia ridícula de abandonar a teoria em prol
de uma prática ingênua, limitada e arriscada. Falam, enfim, da formação teórica e do
pensamento teórico, que dão base e consistência à ação, reflexão e crítica, e não do
adestramento teórico-informativo, que pode atrofiar e, por fim, paralisar processos
importantes, tanto no nível biográfico-psicológico quanto no histórico-sociológico.
Aos que nos interessamos por essa classe de discussões, o convite ao exercício da
reflexão, da crítica e da autocrítica é também feito em outra obra, mais recente,
sobre ensino de engenharia, em que os professores BAZZO, PEREIRA & VON
LINSINGEN (BAZZO et alii, 2000) aprofundam ainda mais essa análise. Discutem a
profunda imbricação existente, no complexo cenário do mundo atual, entre as
tensões do cotidiano escolar-profissional aparentemente bem resolvido da área
tecnológica e um sem-número de pungentes questões psicopedagógicas, teórico-
filosóficas, macro-econômicas e geopolíticas.
Em busca de uma visão mais crítica da relação entre sala de aula e projeto, algumas
ponderações são possíveis. Por um lado, não vemos dificuldade no reconhecimento
genérico de que aquele espaço é uma fonte importante de subsídios. Por outro lado,
entretanto, parece-nos facilmente contestável, principalmente nestes dias de
“sociedade da informação”, a pretensão estrita de que seja a única fonte. Uma
terceira possibilidade, localizada entre as duas anteriores – e manifestada, muitas
vezes, apenas de modo tácito – é a de que seja a fonte principal. Mesmo esse, no
entanto, parece um papel que não se pode atribuir, de modo gratuito, ao espaço da
sala de aula, ainda mais diante do reconhecimento da dimensão “artística” que tem o
projeto e da primazia dada, na escola brasileira, à abordagem memórico-racionalista,
ou seja, à mera informação teórica (BAZZO & PEREIRA, 1996).
1
Estrofe da canção Ne me quitte pas, de Jacques Brel.
2
Wiliiam Blake, carta a Thomas Butts, 22/11/1802. (apud PRIGOGINE & STENGERS, 1984, p.21).
3
Texto de abertura do documentário Chaos, produzido para o Channel 4, em 1988, por World Edge
Films Production. Autoria não citada.
82
4
The Human Quest. Produção KCET/Los Angeles - Science and Society Television, Inc. (1995), em 4
episódios de 55min, para Community Television of Southern California. (Dispomos de cópia em VHS).
5
Adaptação feita, por este autor, do texto original de um dos blocos do vídeo-documentário The Way
of Science, quarto e último episódio da série The Human Quest.
83
6
Programa desenvolvido no início da década de 1970, com objetivo de aumentar a produção mundial
de alimentos e tornar os países mais auto-suficientes, através da disseminação de novas tecnologias
agrícolas e do incentivo à comercialização da produção agrícola no mercado internacional.
84
Mesmo essa versão simples do caso Bali serve de ponto de partida à exploração de
uma inspiradora variedade de aspectos metaforicamente relacionados aos limites e
dificuldades percebidos na experiência com projetos do LACTEA. Por exemplo, o
“choque de visões” de projeto, que já se manifestara no caso “Máquina Anti-
Gravidade”, pareceu-nos, já à época, indicar a iminência de um conflito de
concepções muito maior, de natureza semelhante ao confronto ocorrido em Bali,
entre a concepção filosófico-cultural que gerou a Revolução Verde e a concepção
religioso-cultural em que se ancora a milenar tradição dos templos d’água. Na
reflexão tecida a seguir, procuramos esclarecer esse pensamento.
85
Por toda parte e durante décadas, soluções presumivelmente racionais trazidas por
peritos convencidos de trabalhar para a razão e para o progresso e de não identificar
mais que superstições nos costumes e nas crenças das populações, empobreceram ao
enriquecer, destruíram ao criar. (p.44)
... entretanto, foi preciso rever esta idéia inicial, aparentemente racional, mas de maneira
abstrata maximizante, de selecionar e multiplicar sobre vastas superfícies um único
genoma vegetal – o mais produtivo quantitativamente. Percebeu-se que a ausência de
variedade genética permite ao agente patógeno (ao qual este genoma podia resistir)
destruir, na mesma estação, toda a colheita. Então, promoveu-se o restabelecimento de
certa variedade genética com a finalidade de otimizar, e não mais maximizar, os
rendimentos. Aliás, os derrames maciços de fertilizantes degradam o solo, as irrigações
não levam em consideração o terreno, provocando sua erosão, a acumulação de
pesticidas destrói as regulações entre espécies, eliminando o útil ao mesmo tempo que o
prejudicial, provocando até mesmo, às vezes, a multiplicação desenfreada de uma
espécie prejudicial imune aos pesticidas; além disso, as substâncias tóxicas contidas nos
pesticidas passam aos alimentos e alteram a saúde dos consumidores. (p.44)
7
A título de exemplo: LANSING, J. Stephen. The Three Worlds of Bali. New York: Praeger Publishers,
1983. LANSING, J.S. Priests and Programmers: Technologies of Power in the Engineered Landscape
86
caso feitas por diversos autores. No artigo “The Impact of the Green Revolution and
Capitalized Farming on the Balinese Water Temple System”, Jonathan SEPE alinha-
se a MORIN, ao afirmar que os especialistas da Revolução Verde, pela perspectiva
econômica convencional que assumiram, foram incapazes de valorizar
adequadamente a cultura, a história e a agricultura natural da sociedade balinesa.
Em decorrência da visão limitada de seus realizadores e a despeito das boas
intenções, a Revolução Verde não alcançou seus objetivos, tornando-se um dos
maiores fracassos da história, em termos de projetos de desenvolvimento, gerando
efeitos amplamente difundidos, até os dias de hoje (SEPE, 2000).
MORIN (2000), por sua vez, na discussão dos “problemas essenciais”, ao criticar a
hiperespecialização, faz considerações sobre que “o recorte das disciplinas
impossibilita aprender ‘o que está tecido junto’, ou seja, segundo o sentido original
do termo, o complexo” (p.41). Em seguida, esclarece que a especialização
A abertura a críticas dessa natureza existe também entre economistas que, mais
sensíveis aos dramas do mundo, sabem fazer autocrítica. É o caso do professor Dr.
Ladislau DOWBOR, convidado a prefaciar o livro À sombra desta mangueira, do
educador Paulo Freire. Reconhecendo o desafio de comentar o texto de quem já
pensa tão profundamente seu ato de escrever, ele destaca o estranho o fato de
of Bali. Princeton University Press, 1991. LANSING, J.S. The Balinese. Harcourt Brace, 1994.
LANSING, J.S. & SINGER, Andre. The Goddess and the computer. Documentary Educational
Resources. 58 min., color. (videocassete).
87
Para a ciência – “desumana” – para a qual importa mais a razão das coisas do que
as razões e emoções humanas, o alerta do crítico contundente da submissão à
miopia cientificista: “reconhece-se a verdadeira racionalidade pela capacidade de
identificar suas insuficiências” (MORIN, 2000, p.23). DOWBOR (2001) confraterniza-
se com o autor que prefacia e une-se a MORIN, no repúdio às racionalizações
onipotentes, ao brindar à manifestação, em Paulo Freire, de uma racionalidade que
“...reclama racionalmente o direito a suas raízes emocionais” (p.14).
contextos que jogam um homem contra outro geram inferno, enquanto contextos que
geram solidariedade constroem ambientes onde as pessoas se sentem realizadas.
(DOWBOR, 2001, p.13)
Ainda que a cultura balinesa não atribua sentido à noção de inferno, a metáfora
reflete bem as agruras de um povo que vê desrespeitadas história, cultura e religião
milenares, por imposição de uma visão cuja racionalidade certamente não inspiraria
elogios a um Edgar MORIN. A consideração de outros aspectos do caso Bali ajudará
a melhor entender o contraste entre a abordagem mecanicista e a da complexidade.
SEPE (2000) aponta três fatores principais que contribuíram para o processo de
implantação e posterior fracasso do projeto balinês da Revolução Verde:
Primeiro, a devoção cultural dos balineses ao ritual religioso é fortemente ligada a seu
sistema agrícola. Segundo, a colonização holandesa estabeleceu uma estrutura
adequada a métodos agrícolas burocráticos, posteriormente utilizada pela Revolução
Verde. Por último, a implementação da agricultura capitalizada opôs-se à agricultura
natural, ao menosprezar o sistema dos templos d’água.8
8
Citações de SEPE (2000): tradução do autor da dissertação.
88
SEPE (2000) esclarece que é tão forte a ligação da organização social balinesa com
o ritual religioso que, ao invés de cidades ou centros urbanos, um complexo sistema
de templos diversos é que regula os afazeres diários. Na agricultura, tal papel é
cumprido pelos templos d‘água, o principal dos quais fica num lago próximo ao pico
do vulcão Batur e centraliza rituais como o lançamento da água sagrada nos canais
de abastecimento. A descida da água para todos os pontos da ilha representa
aspectos da hierarquia social e esparge a promessa da boa colheita, atribuída à
deusa da água, Dewi Danu, que se acredita morar no lago do “ancien volcan”.
... a riqueza seria criada (...) pela produção industrial. Surgiria uma nova linhagem de
homens, “engenheiros, construtores, planejadores”, e esses tecnocratas não só
seguiriam as leis da Natureza como também as aperfeiçoariam, como os criadores
estavam fazendo com a genética da plantas. Não existia mais a visão de trabalhar
moderadamente com a Natureza; a visão agora era a de civilizar a natureza, melhorá-la.
O progresso e a perfeição pareciam possíveis, inclusive inevitáveis. (p.37)
São as visões metafísicas e cosmológicas de Newton – não suas visões científicas – que
têm dominado o pensamento moderno por tanto tempo, estabelecendo os fundamentos
nas Ciências Sociais para a predizibilidade causativa, o ordenamento linear, e uma
metodologia fechada (ou de descoberta). Estes fundamentos, por sua vez, são as bases
conceituais da criação do currículo científico (na verdade cientístico). (p.51)
Dentro dessa lógica, em que o prático e o experiencial são vistos como simples
“aplicações da teoria”, não chega a ser estranha a existência de uma tradição
curricular baseada no pré-estabelecimento de uma ordem “externa” única e ideal, a
ser impositivamente perseguida por professores e alunos. Em tal cenário,
consideram-se “irracionais” os desvios em relação ao modelo que a racionalidade
vigente arquiteta, a partir de conceitos como os de seqüenciamento linear, relação
causa-efeito e negação da mudança qualitativa ao longo do tempo. A linearidade
impregna, do ensino fundamental à universidade, a organização e o seqüenciamento
de livros didáticos, planos de curso e métodos de ensino. A visão mecanicista de
causalidade enfatiza e reforça relações de determinação mecanizante do professor
92
Nesse mundo de novas concepções é que pensamos fazer sentido – assim em Bali
como na escola – nossa pretensão de multiplicar a colheita. Não pela submissão a
um produtivismo típico da modernidade, e sim pela paulatina assunção e cuidadosa
apreciação dos frutos e produtos advindos de modos de comportamento e
organização que inspirem em professores e alunos profundo respeito mútuo à
diversidade de histórias, culturas e vidas, na múltipla comunidade em que se
93
inserem. Modos que permitam a todos – no ato de fazer – criticar e refletir, negar e
consentir, confirmar e repelir, discordar e aplaudir, numa busca complexa de
“caminhos do meio”, entre aparentes extremos. Modos que levem a explorar, com a
paciência dos que apreciam sombras de gameleiras e mangueiras, novos terrenos
metodológicos, didáticos e curriculares. Bali inspira-nos a pensar e sentir que esse
caminho de esforço, encanto e paciência, talvez pachorrento demais para a visão
mecanicista, pode, aos poucos, conduzir à surpresa do encontro com múltiplas
pequenas revoluções de vida e aprendizagem, saborosas e multicores, mais
eficazes e eficientes que uma única revolução pretensamente monocromática.
Ainda sob a inspiração de Bali, ficamos mesmo a refletir sobre que a visão
pedagógica tradicional – de um Herbart, seus epígonos e prosélitos – caudatária tão
evidente da concepção cartesiano-mecanicista, contribuiu fortemente para a criação
de cenários nefastos para a escola de hoje. Esta pode desempenhar papel
semelhante ao dos colonizadores holandeses, em Bali: explorar o território da
educação com uma burocracia coletora de “impostos”, auferindo benefícios de uma
rede de relações cuja complexidade e importância mal são percebidas. Mas há
também o risco, ainda mais grave, da destruição dessa rede, quando a burocracia
escolar, como os especialistas da Revolução Verde, submete-se demais a
percepções monoculares e míopes do significado dos processos com que lida.
Quando o faz a ponto de impor regras, planos, programas, normas e condutas que
levam a crises, catástrofes, colapsos, tanto individuais quanto coletivos. São
inúmeros os índices de desempenho – inventados pelo próprio sistema – que
sinalizam dificuldades endêmicas e dispensam maiores comentários. Em condições
semelhantes, como se pode esperar, em área como a educação em Ciência &
Tecnologia, “preparar” profissionais para a atuação competente, ampla, responsável,
sensível e criativa exigida em momentos decisivos como os que vivemos nos dias
atuais? Isso não nos parece possível dentro de uma concepção que iguala mundos
e máquinas, e acaba por levar a tratar seres humanos, sejam operários, alunos ou
professores, com a lógica das peças de reposição.
Márcio Simeone HENRIQUES (s.d.) também ajuda a sinalizar, como limite da escola
atual, um ambiente de aprendizagem moldado sob a influência de uma estrutura
linear de currículo, fruto de princípios pedagógicos como unidimensionalidade,
homogeneidade, normatividade, seqüencialidade, previsibilidade e disciplinaridade.
A forte limitação imposta à criatividade e à inovação decorre da própria inércia de
94
uma estrutura que foi “feita para durar”, o que torna difícil assimilar, em sua dinâmica
interna, aspectos como a perda de monopólio sobre a transmissão do saber, imposta
pela rápida proliferação de fontes de informação e meios de comunicação, nas
últimas décadas. HENRIQUES aponta essa dificuldade de assimilação como
indicador de uma inadequação e uma necessidade de reestruturação que o levam a
discutir a necessidade de construção de ambientes complexos de aprendizagem.
Sobre esse tipo de construção, DOLL JR. (1997) faz alerta fortemente questionador
da herança da escola mecanicista. Chama a atenção sobre que o currículo com que
se pretenda contemplar a alardeada complexidade “...é dependente do professor, e
não à prova de professor, e sua característica definidora é um senso de movimento
ou processo.“ (p.31). Sugere subverter da lógica mecanicista, recolocando na mão
do professor a responsabilidade e o direito de incluir-se e a seus alunos na ativa
definição do caminho a seguir, no cultivo de um senso de processo que permitirá
tirar proveito dos aspectos positivos presentes no caráter culturalmente conservador
do sistema escolar – como é o de todo sistema social humano (MATURANA, 2002,
p.206) – sem prosseguir numa submissão que o mundo de hoje reclama romper.
Esse necessário rompimento pode começar pela descoberta e pelo exame de pistas
sobre as concepções que, no fundo, são guias e balizas invisíveis dos passos. Esse
exercício pode levar à percepção, talvez perturbadora, de que, muitas vezes,
...Em contraste com sistemas simples – como conflitos de superpotências, que envolvem
a interação de um pequeno número de agentes – ou grandes sistemas – como galáxias
ou recipientes de gás, que admitem a utilização de métodos estatísticos em seu estudo,
pelo número suficientemente grande de agentes que possuem – sistemas complexos
envolvem um número mediano de agentes (...) [,] nem pequeno demais nem grande
demais, apenas o suficiente para a criação de padrões interessantes de comportamento.
(BRITANNICA, 1999)10
Não apenas há um número mediano de agentes, mas tais agentes são “inteligentes” e
adaptativos. Isso quer dizer que eles tomam decisões com base em regras, e que estão
prontos a modificar as regras a partir das novas informações disponíveis. Além disso, os
agentes são capazes de gerar regras novas, originais, ao invés de ficarem restritos para
sempre a um conjunto pré-selecionado de regras. Isso implica a emergência de uma
ecologia de regras, que continua a evoluir ao longo do processo. (BRITANNICA, 1999)
No mundo real dos sistemas complexos, nenhum agente sabe o que todos os outros
estão fazendo. No máximo, cada pessoa obtém informação sobre um subconjunto
relativamente pequeno do conjunto total dos agentes e processa essa informação “local”
para chegar a uma posição sobre como eles agirão. (...) a informação local é tão local
quanto é possível (...) [quando] cada pessoa sabe apenas o que ele ou ela está fazendo
(...) [e] ninguém possui informação sobre as ações realizadas por qualquer outro agente
do sistema. Isso, no entanto, é um caso extremo. Na maioria dos sistemas os agentes
são mais parecidos com motoristas num sistemas de transporte ou negociantes num
mercado, cada um dos quais possui informação sobre o que uns poucos motoristas ou
negociantes estão fazendo. (BRITANNICA, 1999)11
No caso Bali, o artigo de SEPE (2000) permite verificar que LANSING de fato, levou
em conta esses componentes característicos. Permite também supor que – no
espírito do paradigma moderno – os especialistas da Revolução Verde tenham
trabalhado com um conjunto de hipóteses “razoáveis” semelhantes às seguintes:
9
Endereço: http://www.britannica.com. Dispomos de cópia eletrônica do verbete, adaptado do livro
Would-be worlds, do matemático amerciano John L. Casti (edição de 1997).
10
Citações da (ENCYCLOPAEDIA) BRITANNICA (1999): tradução do autor da dissertação.
11
Citação ligeiramente adaptada, devido à opção de não incorporar referência a situações-exemplo.
96
Mesmo sendo apenas uma “caricatura conceitual”, a imagem de escola gerada por
essas hipóteses permite rápida associação com o modelo amplamente disseminado
pelas tradições do paradigma moderno. Considerando que esse padrão de escola já
foi suficientemente discutido, limitar-nos-emos a alguns comentários adicionais,
tomando por guia a abordagem triádica típica dos sistemas complexos.
Quanto à hipótese sobre o número de alunos, ainda que a escola não possa assumir
o limite do número muito pequeno, como seria o caso na pretensão de oferecer
tratamento individual, também não é razoável assumir o limite do número muito
grande, tendendo ao tratamento impessoal, à supervalorização dos aspectos
quantitativos e objetivos a ao exagero do significado e da importância atribuídos a
instrumentos de controle e autoridade, como notas e provas.
Em relação a esse aspecto, DOLL JR. (1997) oferece pistas preciosas sobre a
ascendência de certas tradições escolares do paradigma moderno. Ao discutir a
história do currículo científico, o autor ressalta a força de influências industrialistas,
remontando ao desenvolvimento dos métodos da gerência científica do trabalho, por
Frederick Winslow Taylor. Detalhes dos escritos de Taylor indicam o suspeito grau
de consideração que ele nutria pelos operários cujo trabalho pretendia normatizar. É
particularmente simbólica a escolha, para testes famosos que realizou na Bethlehem
Steel Company, de Schmidt, um funcionário com quem obteve um histórico aumento
de produtividade de 400%, no transporte de peças (p.56-57). A percepção de Taylor
sobre a “inteligência” e a “adaptabilidade” de Schmidt são retratadas pela referência
98
Parece-nos fácil reconhecer que essas hipóteses, que dão base ao trabalho
realizado no Projeto LAF, são adequadas à geração um ambiente apropriado à
manifestação de características típicas do comportamento complexo:
indecomponibilidade intrínseca; ausência de controle central; retrointerconexão
profunda;12 imprevisibilidade; emergência de propriedades, regras, resultados,
surpresas; auto-organização (BRITANNICA, 1999). Sinais dessas características
têm sido observados em diversos níveis da dinâmica de evolução do Projeto: em
cada grupo de projeto e no conjunto dos grupos, no curto prazo de cada semestre
letivo e no médio-longo prazo da seqüência de treze “gerações” semestrais já
decorridas, ao longo de vários anos de atividade; nas interações e relações
12
A expressão, que será melhor explicada na seção 3.2, constitui tentativa pessoal deste autor de
refletir a discussão original e pode não corresponder a alguma terminologia já adotado em português.
100
Com essa discussão, julgamos ter apontado, com suficiente clareza, alguns dos
sérios limites do paradigma moderno – da “escola mecanicista” – além de razões
para buscar superá-los e o caminho promissor aberto pela pedagogia de projetos,
vista à luz da Ciência da Complexidade. Os sinais de comportamento complexo, de
que já fornecemos evidências esparsas, nos exemplos de projetos anteriormente
citados, serão objeto de atenção mais detalhada, na próxima seção. Antes, porém, é
necessário definir e caracterizar o paradigma de investigação educacional em que
nossa discussão ganha sentido. É a próxima tarefa a que nos dedicamos.
13
Optamos, nesta discussão, por uma forma resumida de citação, utilizando somente o nome de Alda
Judith ALVES-MAZZOTTI, já que tomamos por base a parte II (O método nas ciência sociais), de sua
autoria, da obra conjunta com Fernando GEWANDSZNAJDER.
101
Feito esse esclarecimento, de ordem terminológica, cabe ainda destacar que nossa
intenção, longe de qualquer pretensão de completude, é apresentar uma descrição
sumária das linhas gerais do paradigma naturalista. Também, limitaremos ao
estritamente necessário as alusões aos dois outros paradigmas substitutos do
lógico-positivista – o pós-positivismo e a teoria crítica – dos quais as referências
citadas trazem descrições pormenorizadas. Além disso, interessante investigação
fundamentada na teoria crítica e realizada em contexto investigativo relacionado ao
nosso é a dissertação de mestrado do professor Flávio Macedo CUNHA (1999),15 do
CEFET-MG. Nesse trabalho, o curso de Engenharia Industrial Elétrica da instituição
serve de base a um estudo de caso sobre a formação do engenheiro na área
humana e social, levando a propor representação do currículo como “campo de
força” que abre espaço à busca dinâmica de equilíbrio cooperativo entre os modelos
instrumental e emancipatório de racionalidade.
GUBA & LINCOLN (1987) listam uma série de paradigmas utilizados em diversas
áreas de investigação. Entre os dois mais freqüentes na investigação social –
“científico” e “naturalista” – apontam o segundo como mais vantajoso, para a
finalidade. O contraste entre esta classificação diádica de GUBA & LINCOLN e a
classificação triádica de ALVEZ-MAZZOTTI é facilmente entendível. ALVES-
MAZZOTTI (1996) refere-se à visão expressa por GUBA, em 1990, de que os pós-
positivistas e os teórico-críticos parecem julgar possível algum tipo de acomodação
entre seus paradigmas. Os naturalistas/construtivistas, ao contrário, consideram os
pressupostos de seu paradigma incompatíveis com os dos outros e imprescindíveis
à total substituição do positivista, cujas graves falhas não permitam mera troca de
roupagem. Parece, assim, que GUBA engloba pós-positivismo e teoria crítica no
14
Segundo ALVES-MAZZOTTI (1999, p.130), pode haver confusões com o naturalismo inglês do
século 19 e com as teorias construtivistas da aprendizagem e do desenvolvimento, respectivamente.
102
Paradigmas e pressupostos
15
Trabalho desenvolvido no programa de mestrado do CEFET-MG.
103
Paradigmas e posturas
16
Dispomos de resenha mais completa, em português, sobre esse tópico.
104
17
Há mesmo referências ao paradigma da complexidade, como no caso da visão de MORIN (1996).
105
O interesse foi ainda mais aguçado pela candente presença de aspectos éticos no
debate, com a discussão de questões como o direito de acesso à cultura digital, o
hackerismo e os vírus de computador. Uma pista de possível correlação destas
últimas com temas de nosso interesse mais direto foi trazida pela explicação de um
dos debatedores para a virtual inexistência de ataques de vírus ao sistema Linux.
Ainda que não haja garantias definitivas, a situação sugere que, nesse ambiente
aberto de uma comunidade receptiva às múltiplas manifestações da criatividade
pessoal, os participantes sentem-se mais motivados a oferecer contribuições
positivas do que a deixar sua marca de um modo nocivo.
18
Programa “Brasil Pensa” – Software Livre. TV Cultura de São Paulo.
106
Essa analogia estimulou o interesse pelo mundo do software livre, gerando o “click”
de entrada para discussões ainda mais diretamente relacionadas à reflexão sobre a
pedagogia de projetos. Assim chegamos ao aclamado ensaio “The cathedral and the
bazaar”, de Eric Steven RAYMOND (2000), hacker mundialmente famoso,
coordenador e colaborador de vários projetos de desenvolvimento de software de
código aberto, o principal dos quais foi o Linux. Aliás, é importante esclarecer que o
conceito original de hacker, da década de 1960, refere-se a indivíduos habilidosos e
entusiasmados com a programação de computadores que, com o tempo, ajudaram a
criar aspectos essenciais da cultura atual, como a internet e a World Wide Web. O
termo, extensível a outras áreas, associa-se mais a essa imagem do que à divulgada
pela imprensa, a partir da década de 1980, dos criminosos da informática que os
próprios hackers denominam crackers (HIMANEN, 2001).
...Eu (...) acreditava que houvesse um certo grau crítico de complexidade a partir do qual
era necessária uma abordagem mais centralizada e a priori. Achava que os softwares
mais importantes (...) tinham de ser construídos como catedrais, cuidadosamente
esculpidas por gênios individuais ou pequenos bandos de magos, trabalhando em
esplêndido isolamento, sem a obrigação de lançar versões beta antes da hora certa.
O estilo de desenvolvimento de Linus Torvalds – lançar logo e com freqüência; delegar
tudo o que puder; ser aberto ao ponto da promiscuidade – foi uma surpresa. Nada
parecido com a construção silenciosa e reverente da catedral. Em vez disso, a
comunidade Linux assemelhava-se a um enorme e ruidoso bazar de agendas e
abordagens desencontradas (...), do qual apenas por uma sucessão de milagres
pareceria poder emergir um sistema coerente e estável.
107
O fato de que esse estilo bazar parecia funcionar, e funcionar bem, foi um grande
choque. Mas na medida em que me habituava com a idéia, passei a trabalhar bastante,
não somente em meus próprios projetos desse tipo, mas também na tentativa de
entender por que o mundo Linux não apenas ainda não voara pelos ares, mas parecia ir
de vento em popa, a uma velocidade difícil de imaginar para os construtores de catedral.
(RAYMOND, 2000)19
19
Citações de RAYMOND (2000): tradução do autor da dissertação.
20
Ko KUWABARA obteve, em janeiro de 2000, aprovação com louvor (summa cum laude) de sua
honors thesis em Sociologia, na Universidade de Cornell, na área de ação coletiva e sociologia
evolucionária, com orientação do Prof. Dr. Michael Macy. Logo em seguida, passou a trabalhar, como
pesquisador assistente, na área de sistemas de reputação online, com o Prof. Dr. Paul Resnick, da
School of Information da Universidade de Michigan (KUWABARA, 2000).
21
Citações de KUWABARA (2000): tradução do autor da dissertação.
108
Essa “boa colheita”, tão surpreendente quanto a de Bali, também inspirou recurso à
Ciência da Complexidade para o entendimento do fenômeno Linux. Assim também o
fizeram os resultados do Projeto LAF, surpreendentes, em sua medida, e de uma
natureza sistêmico-ecológica também percebida por RAYMOND (2000) no Linux.
Quanto à metáfora de RAYMOND, ela é assim detalhada por KUWABARA:
“Como não tinha a menor idéia do tamanho do projeto, eu não senti nenhuma inibição
quanto à possibilidade de fazer algo estúpido. Eu diria que, se soubesse, não teria
começado.” (KUWABARA, 2000)22
Essa rica conectividade é o que subjaz à natureza altamente criativa dos sistemas
complexos. De fato, um sistema complexo forma uma rede dinâmica de agentes
adaptativos interdependentes, numa incessante exploração, em busca de melhores
respostas comportamentais, sem alcançar nunca um quadro estacionário. (KUWABARA,
2000)
22
GRUMAN & ORENSTEIN. Meet Linus Torvalds. 1998. Citado por KUWABARA.
110
23
Uma das principais referências citadas por KUWABARA é o livro que deu base ao verbete da
Encyclopaedia Britannica que utilizamos: CASTI, John L. Would-Be Worlds: How Simulation is
Changing the Frontiers of Science. New York: Wiley, 1996.
111
...o Linux não é apenas um acidente histórico, (...) o Bazar é um modelo confiável e de
aplicação generalizada na era digital que se avizinha. (KUWABARA, 2000)
A fronteira do caos. Onde uma ordem congelada e uma etérea desordem encontram-se
em fluido equilíbrio. Onde a vida é eterno fluxo. Onde um sistema é tão adaptativo que
fica à beira do rodopio descontrolado. (KUWABARA, 2000)
113
24
Texto transcrito com pontuação adaptada.
114
A partir de então, buscamos definir a negociação, desde suas origens gregas e latinas e
de sua utilização no comércio e na diplomacia até os tempos modernos, em que a
palavra passa a fazer parte do cotidiano e a negociação se transforma em objeto de
pesquisa de sociólogos, antropólogos, etnólogos e historiadores, entre outros. A
negociação entra pela porta de nossas casas, intervém em nossa comunicação familiar,
aperfeiçoa nossa relação com as tecnologias e os objetos modernos, condiciona nossa
convivência com a sociedade e coloca-nos numa enorme rede de conexões, no mundo
globalizado, mudando, assim, certas fronteiras do conhecimento. Para bem negociar
nossa vida e nossas relações, no mundo pós-moderno, é preciso conhecer, e é preciso,
portanto, popularizar o conhecimento científico e, sobretudo, o conhecimento técnico e
tecnológico. Para bem popularizar, é preciso colocar frente a frente os diversos atores
envolvidos nessa rede que tece sua teia e prende seus nós em meio à produção e à
divulgação cultural – uma via de mão-dupla, uma vez que a cultura é uma construção
coletiva. (VENTURA, 2001, p.16-17)25
Não parece haver incompatibilidade essencial entre essa visão e a que dá base, em
trabalhos como os de LANSING (Bali) e KUWABARA (Linux), à exploração de
processos de interação entre agentes/atores inteligentes e adaptáveis, prontos a
estabelecer e modificar regras de conduta, com base em informação local
(BRITANNICA, 1999). Ainda que nem todas essas interações possam ser reduzidas
à categoria negociação (VENTURA, 2001), os casos Bali e Linux levam a valorizar a
riqueza de conseqüências advindas de interações humanas entre as quais a
negociação possui papel central. Parece-nos, assim, que o conceito de negociação
ajuda a construir a necessária ponte entre a macro-percepção propiciada pela
Ciência da Complexidade e a consideração das interações específicas envolvidas
nas relações humanas. Isso pode favorecer a humanização da abordagem de
situações que certamente apresentam muitos aspectos incomputáveis.
Para negociar, é preciso (...) poder ter confiança naquele com quem se negocia, pensar
que sua versão da situação é correta – que não nos faz “entrar em canoa furada” – e
poder tipificar suas ações e reações. A negociação, como toda atividade social – e a
25
Citações de VENTURA (2001): tradução do autor da dissertação, com revisão de VENTURA.
116
Parece-nos bastante clara a relação dessa visão com as discussões sobre modelos
de projetos (KNOLL, 1997), de produção agrícola (SEPE, 2000) e de engenharia de
software (KUWABARA, 2000). Em todos esses casos, discute-se a auto-geração de
ordem num limite entre ordem imposta e livre ação intencional. VENTURA (2001)
chama também a atenção para o fato de que o tempo é dimensão essencial à
negociação que se dá, por exemplo, em situações educacionais, em que se objetiva
a operacionalização (mise en œuvre) de mudanças de percepção e experiências,
representações e atitudes, identidades pessoais e coletivas:
Com todos esses aspectos, o ambiente de aprendizagem gerado pelos projetos LAF
mostra-se amplamente propício à discussão e à exploração das possibilidades
sinalizadas por noções como a de currículo aberto (DOLL JR., 1997) e a de currículo
hipertextual (HENRIQUES, s.d.). Essas são noções de grande importância na
reflexão sobre questões surgidas no atual processo de construção da chamada
sociedade em rede, preconizada por autores como Manuel CASTELLS. No posfácio
de obra sobre a ética dos hackers e o espírito da era da informação, CASTELLS
(2001) aponta a inadequação do termo “sociedade da informação” e propõe que
vivemos hoje no novo paradigma do informacionalismo – substituto do industrialismo
– dentro do qual vem-se desenvolvendo esse modelo de sociedade. Num tal
contexto, parece-nos especialmente relevante esta nossa discussão sobre a relação
entre complexidade e negociação, que propicia um quadro teórico amplo e
consistente no qual inserir a pedagogia de projetos. Ficamos, assim, em condições
de passar à explicitação do conceito de projeto e do quadro de referência a utilizar
em noss estudo de caso do Projeto LAF.
119
Em artigo recente, VENTURA (2002) retoma sua preocupação de discutir uma visão
da pedagogia de projetos adequada às metodologias em desenvolvimento no
LACTEA. Propõe um conceito de projeto que busca iluminar a exploração da riqueza
que a atividade propicia, no trabalho com os alunos, nesse e em outros contextos. O
conceito é consistente com o referencial teórico adotado em sua tese sobre
negociação (VENTURA, 2001) e parece-nos também compatível com as visões
decorrentes da Ciência da Complexidade, de acordo com a discussão desenvolvida
na seção anterior. Pode servir, portanto, à exploração da complexidade presente no
desenvolvimento dos projetos, na perspectiva – discutida no capítulo 2 – do
aprofundamento conceitual da pedagogia de projetos, em curso no Brasil, dentro da
terceira onda internacional dos projetos (KNOLL, 1997).
Um conceito de projeto
...têm uma dimensão social fundamental: elas são ao mesmo tempo, o produto e o
processo de uma atividade mental pela qual o indivíduo (ou o grupo) constitui a realidade
e a ela atribui uma significação específica. (p.35)
26
Em conversação pessoal, VENTURA manifestou julgar importante dar maior destaque ao conceito
de obra, em seu conceito de projeto.
121
Ao mesmo tempo em que esta ação transforma o meio, ela transforma também as
representações e as identidades dos membros da rede produzindo neles novas
competências através da resolução dos problemas encontrados. Claro, a rede de
construção de conhecimentos a que nos referimos acima, inclui os alunos, os
professores, a escola, as instituições de educação não-formal como museus, revistas de
divulgação, emissões educativas da televisão, teatros de ciências, etc., além das redes
interativas de comunicação, tais como a Internet, os CD’s, etc. Portanto, para que um
projeto atinja os objetivos de transformações das representações e das identidades de
seus autores, é necessário que todos os membros da rede estejam engajados na
negociação e no desenvolvimento do projeto. (2002, p.38)
Por outro lado, considerando que o grupo também recorre a auxílio externo, para a
consecução do projeto, a noção de retrointerconexão profunda pode ser utilizada na
reflexão sobre as múltiplas e mútuas implicações das interações entre o grupo e
outras instâncias da rede socio-tecnológica dentro da qual o grupo reconhece,
explora e desenvolve sua inserção. Do ponto de vista da aprendizagem, por
exemplo, a noção de negociação externa ao grupo pode ser utilizada, nesse caso –
com olhos postos em conceitos como equilibração e zona de desenvolvimento
proximal – para explorar a expansão de oportunidades criada nesse processo.
Nossa observação, ao longo de anos de experiência, aponta-nos que essas
interações são muito mais profundas do que as que estariam envolvidas na mera
hipótese de “terceirização de serviços” que já vimos utilizada para questionar o “real
valor” de alguns dos surpreendentes resultados emergidos do trabalho dos grupos
124
Um quadro de referência
È importante ressaltar que, ao colocar lado a lado os elementos das duas visões,
nas colunas do quadro, não tivemos a intenção de estabelecer relação um-a-um ou
sugerir qualquer tipo de correspondência mais estreita entre eles. Reafirmamos
nossa opção por uma abordagem mais simples, em que não nos propomos o vultoso
esforço de determinação detalhada das relações entre os elementos do quadro de
referência. Reconhecemos, no entanto, que, no estudo de caso, uma tentativa de
identificação completamente não-estruturada desses elementos pode dificultar a
125
QUADRO 1
Imprevisibilidade Obra
Auto-organização Identidade
Emergência
ainda que, neste caso, de modo um pouco diferente da utilização original dos
indicadores, a caracterização seja feita apenas em sondagem a posteriori.
1
Texto de domínio público adaptado ao contexto da engenharia e estampado em camisetas usadas
por alunos dos cursos de Engenharia Industrial do CEFET-MG, em meados da década de 1990.
128
Metodologia de investigação
POSITIVO NEGATIVO
CONCORDÂNCIA
Posição
da metodologia da metodologia
Apreciação negativa Apreciação positiva
DISCORDÂNCIA
da metodologia da metodologia
Gráficos e resultados
Engenharia Engenharia
Questões - bloco A questionário LAF Elétrica Mecânica
(% em 41 alunos) (% em 47 alunos)
Técnico CEFET-MG 22 23
Técnico outra instituição 10 17
Total de técnicos (%) ...... 32 40
Esses resultados sugerem que a atividade, mesmo com seu ambiente de intrínseca
imprevisibilidade, apresenta viabilidade aceitável, sendo promissora como linha de
trabalho regular na escola. As dificuldades encontradas são, em geral, perfeitamente
negociáveis pelos alunos, com a colaboração e a orientação do professor,
compondo um contexto de criatividade, inovação e aprendizagem. Esse contexto é
adequado não apenas às incertezas dos dias atuais, mas também à exploração de
ricas possibilidades levantadas por diversas abordagens teóricas sobre cognição,
currículo e didática, conforme sugerido em capítulos anteriores.
Índices e processos
Tal conclusão pode ser melhor apreciada através da observação das linhas retas de
tendência contínua e pontilhada, traçadas no gráfico. A linha contínua inclina-se
“para cima”, na medida em que o gráfico é percorrido da esquerda para a direita – ou
da menor dificuldade para a maior dificuldade. Os pontos cinzentos apresentam-se
levemente dispersos ao redor dessa linha, indicando grande consistência no
aumento das dificuldades vivenciadas pelos diversos grupos. Enquanto isso,
percebe-se, por um lado, inclinação “para baixo” da linha pontilhada, sugerindo leve
tendência geral de queda da apreciação com o aumento da dificuldade. Mas a alta
dispersão dos pontos azuis em torno da linha pontilhada sugere, também, que as
apreciações construídas pelos grupos não se apegam somente às dificuldades. Elas
dependem de uma complexa multiplicidade de fatores presentes ao longo do
processo. Em outras palavras, os estudantes mostram que não gostam apenas
daquilo que é fácil. Mostram, isto sim, saber valorizar experiências pedagogicamente
estimulantes e valiosas, ainda que difíceis.
Esse tipo de representação poderia ser interessante, por exemplo, em casos como o
do grupo do Biodigestor, localizado no “quadrante” grande dificuldade–grande
apreciação (“difícil–bom”) do Gráfico 4 B. O alto índice de dificuldade corresponde à
informação de que o grupo experimentou muitos percalços materiais e de
relacionamento. A não obtenção de protótipo totalmente funcional do equipamento
foi registrado como resultado final mediano (M), no Quadro 2. Mesmo assim, os
alunos indicaram apreciação muito positiva do processo. Se essa apreciação não
decorre principalmente do êxito material e tecnológico do projeto, é necessário
buscar em seus aspectos humanos uma compreensão consistente. Isso gerou
interesse pela sondagem, na pesquisa qualitativa, da história e das vivências do
grupo, a fim de dar sentido a esse sugestivo contraste.
Casos assim são sugestivos da riqueza humanística e cognitiva que se abriga nos
meandros de atividades como os projetos. Mas se, náufragos num oceano de visões
pedagógicas, buscarmos abrigo e segurança apenas nas ilhas da linearidade
mecanicista, corremos o risco de nos convertermos em “Cruzoés” e alcunhar os
alunos “Sextas-Feiras”, na expectativa enganosa de que não desejem mais do que o
sossego do descanso semanal. O chamamento que emerge de nossa discussão, ao
contrário, é para que colaboremos com eles na realização de uma energia e uma
criatividade juvenis que os fazem vibrar com um trabalho árduo, às vezes penoso,
desde que estimulante e compensador; desde que ofereça paga justa, na moeda
imaterial da negociação que envolve realização, aprendizagem, reconhecimento.
Conforme resumido no Quadro 10, a montagem dos grupos focais iniciou-se pela
disposição dos grupos de projeto de cada turma em ordem crescente dos índices de
dificuldade. A seguir, definimos quatro “faixas de dificuldade”, um e dois desvios
absolutos médios globais (~7) abaixo e acima do índice médio global (~52). Depois,
escalamos, em cada turma, 4 grupos focais, cada um com 4 grupos de projeto.
Escolhemos, em cada turma e em cada faixa, com os dois grupos de projetos de
maiores índices de dificuldade (nomes em itálico). Reunimos, assim, grupos
pertencentes às duplas-faixas formadas pelas faixas contíguas “fácil/mediano-fácil” e
”mediano-difícil/difícil”. A escalação final foi a seguinte:
O objetivo desse procedimento foi reunir grupos de projetos com graus semelhantes
de dificuldade e resultados finais comparáveis (indicados entre parênteses, no
Quadro 10), para não causar aos alunos constrangimentos decorrentes de
comparações inadequadas. Desse modo, o índice de dificuldade contribuiu para a
obtenção, nos grupos focais, de ambiente favorável à manifestação espontânea e,
portanto, à obtenção de informação mais significativa sobre as situações vividas.
150
QUADRO 8 - Engenharia Mecânica – comentários dos alunos sobre apreciação e dificuldade (Questionário LAF)
Farol 5 Aumentar as aulas com projetor. Falta de tempo, devido a provas e listas.
Os professores deveriam sugerir temas mais direcionados à área dos alunos
Robô 2 (Eng. Mecânica).
XXX
A metodologia é ótima. O problema é a falta de tempo e a falta de material
Robô 3 (ferramentas; material de produção dos protótipos). No mais a oportunidade e XXX
os conselhos dos professores nos fazem crescer.
É preciso de mais apoio da entidade, pois sofremos bastante dificuldade em
adquirir materiais apropriados para montagem, só conseguimos montar com
CVT 1 XXX
apoio externo, pois a própria Instituição ignorou nossos pedidos, principalmente
na usinagem de materiais.
Seria necessário mais apoio por parte dos laboratórios de Mecânica para que
CVT 3 XXX os alunos na necessidade de execução dos projetos práticos fosse oferecido
maior atenção aos alunos executantes.
Freio 3 Com a greve, tivemos menos tempo do que o esperado para fazer o projeto. XXX
Freio 4 Eu acho que as aulas práticas contribuem para o aprendizado teórico. XXX
A maior dificuldade do nosso grupo foi nos últimos dias antes da apresentação,
Cx. marcha 4 XXX pois o motor tinha queimado e tinha muito atrito nas engrenagens. E a falta de
tempo, porque tínhamos que estudar para as provas.
151
OBS.: 1) 21 dos 47 respondentes fizeram anotações nos itens abertos do questionário; 16 em 21 registraram comentários sobre
apreciação, 13 em 21 registraram comentários sobre dificuldade. 2) Os grupos foram ordenados na seqüência do menor para o maior
índice de dificuldade. 4) Os algarismos 1, 2, 3, 4, 5 foram utilizados para individualizar os questionários, de modo a possibilitar
conferência de lançamentos e vinculação das repostas das partes objetiva e aberta (ex.: Cerca 1).
152
QUADRO 9 - Engenharia Elétrica – comentários dos alunos sobre apreciação e dificuldade (Questionário LAF)
Não aprendi tanto quanto esperava porque ninguém do grupo tinha curso
ASBC 2 técnico ou algum tipo de conhecimento técnico. Nós nos viramos e apenas XXX
fizemos aquilo que todo mundo sabe fazer: improvisar.
O trabalho foi importante no aprendizado da Engenharia prática que é diferente
ASBC 3 da teórica.
XXX
Seria interessante convênios entre a faculdade e empresas, para que estas Falta de material no laboratório.
Geração hidr. 1 patrocinassem os futuros projetos.
As montagens exigem maior conhecimento teórico dos alunos, por isso seria A falta de tempo devido a preocupação com outras disciplinas acaba
Foucault 1 melhor que esses projetos fossem feitos em períodos mais avançados. prejudicando o andamento do trabalho.
Foucault 2 Esta montagem teria de ser não no 1º semestre mas nos mais adiantados. O LACTEA deveria ter mais equipamentos e financiar os projetos.
Não há como negar que o projeto é muito enriquecedor. Apesar de gastar Problemas acontecem em todo lugar, mas o importante apesar de nosso
Foucault 3 tempo e atrapalhar nas disciplinas teóricas, o projeto é válido. projeto não ter dado certo, foi aprender como lidar com os problemas.
Sinto que deveria ser feita uma familiarização do aluno com o ambiente de
Foucault 4 laboratório, antes de fazê-lo escolher seu tema.
XXX
Falta de ferramentas no LACTEA; necessidade de maior interação entre outros
Trem mag. 1 XXX
departamentos; espaço físico no LACTEA insuficiente.
É claro que este tipo de trabalho é bastante construtivo. Se der certo, muito Um dos grandes problemas foi a falta de tempo para este tipo de trabalho.
bem; se não der certo o aluno não se sente muito bem, mas entenderá que Fazer isto em único período não é suficiente. Outro grande problema foi a falta
Trem mag. 2 nem tudo dá certo. de materiais. Além do mais é muito difícil conseguir materiais aparentemente
fáceis como (fio, tábua) no CEFET.
É uma ótima metodologia, exceto pelo pouco tempo que tivemos para dedicar
Trem mag. 3 ao projeto neste período.
XXX
OBS.: 1) 24 dos 41 respondentes fizeram anotações nos itens abertos do questionário; 18 em 24 registraram comentários sobre
apreciação; 13 em 24 registraram comentários sobre dificuldade. 2) os grupos foram ordenados na seqüência do menor para o maior
índice de dificuldade; 3) os algarismos 1, 2, 3, 4, 5 foram utilizados para individualizar os questionários, de modo a possibilitar
conferência de lançamentos e vinculação das repostas das partes objetiva e aberta (ex.: ASBC 1).
154
Começaremos pelos pontos mais específicos da agenda (questão 5), como a dúvida
levantada na discussão do Questionário LAF (questão C1-2), sobre a Reunião Geral.
Nos grupos focais, todas as manifestações afirmaram a validade e a importância
desse evento, destacando o valor da estratégia de motivação adotada, que consiste
2
Material das gravações disponível, através do LACTEA, para consulta no local.
155
Os alunos citam situações diversas. Num caso, houve facilidade na escolha do tema,
devido a sugestões de um estudante que, no entanto, saiu do curso e não
acompanhou o projeto. Noutro, a dificuldade inicial foi vencida com a chegada de um
colega técnico, que ajudou na definição. Alguns alunos consideram “horrível” a etapa
de escolha e “chata”, a fase inicial, pelo fato de o grupo não ter o que montar.
Outros apreciam explorar o conhecimento como base para escolha do projeto. Por
fim, uns gostam dos temas escolhidos pelos grupos e outros, não.
Retomando o ponto de vista dos alunos sobre escolha de tema, houve referências a
trocas de tema motivadas por indícios de inviabilidade técnica. Em alguns casos, a
inviabilidade é objetivamente verificada pelo grupo, diante de barreiras temporais,
financeiras, mercadológicas ou tecnológicas. Em outros, porém, o desestímulo
gerado por pessoas “experientes” é a causa de eventuais desistências ou forçadas
“correções” de curso, nem sempre adequadas.
Julgam que a disciplina Física I constituiu, até o momento, o único “espaço possível
de luta” para a manutenção dessa valiosa experiência, na perspectiva de médio
prazo necessária à exploração de suas características evolutivas. Manifestam, no
entanto, abertura para a discussão de alternativas conciliadoras, desde que
pedagogicamente consistentes e inspiradas numa visão de responsabilidade e
respeito ao significado do Projeto, nos contextos institucional e macro-educacional.
Consideramos que essas discussões dão por cumprida não apenas a função de
“auditagem” atribuída aos grupos focais, mas também parte da função relacionada
159
Complexidade e negociação
Não consideramos rígida a classificação que fizemos dos tópicos do Quadro 11, pois
as situações a que dizem respeito podem ser analisadas de outros pontos de vista.
Apesar de termos focalizado o aspecto que julgamos central, em cada manifestação,
uma interpretação diferente poderia resultar numa realocação de tópicos.
QUADRO 11 – Aspectos relacionados às categorias indicadoras de negociação ressaltados nos grupos focais
(PF) Projeto impõe necessidade de dar um jeito de as (AS) Superação de obstáculos no projeto como auxílio na (AS) Satisfação com o resultado obtido: equipamento bem
coisas funcionarem: bom ensaio para a Engenharia. preparação para enfrentar imprevistos. acabado e eficaz.
-----------------------------------------------------------------------
(PF) Conveniência de melhoria de aspectos e mais (MP) Troca de tema por impossibilidade de obter peças (AS) Esforço equilibrado e bem entrosado.
precisa situação da atividade de projeto, reconhecida (segredo industrial): começo com copiadora xerográfica, -----------------------------------------------------------------------
como alternativa para criar uma grande escola. término com motor pneumático, montado em ritmo (MP) Grande satisfação com o resultado, mais ainda pela
----------------------------------------------------------------------- frenético [~60 dias], com várias dificuldades e quase superação das muitas dificuldades. Sensação de dever
Engenharia (MP) Visão crítica da falta de colaboração de alguns desistência, em muitos momentos. cumprido, conquista e deslumbramento, com o
setores da escola e gratidão pelo apoio recebido de outros funcionamento do protótipo, no auditório.
Elétrica setores e pessoas. Valorização do papel do professor, em (MP) Muitas fases: estímulo e boa expectativa inicial;
momento de crise, e do papel da decisão pessoal, no superação do desânimo gerado pela avaliação de (MP) Equilíbrio na participação e conjugação das diferenças
enfrentamento de obstáculos aparentemente inviabilidade, dada por especialistas; receio de não individuais: essencial para o êxito.
intransponíveis, como o descrédito. finalizar montagem; várias tentativas; “luta” por apoio na -----------------------------------------------------------------------
GF2ELE escola; término pouco antes da apresentação. Sensação (PF) Satisfação com resultado e consciência do esforço
(MP) Necessidade de melhor balanceamento das de “dar a volta por cima”. realizado, para superação de obstáculos.
disciplinas teóricas com atividade prática estimulante e -----------------------------------------------------------------------
Mediano-difícil formadora, como a atividade de projeto. (PF) Muitas fases: pesquisa, espera por informação, (PF) Participação bem distribuída das habilidades.
Difícil ----------------------------------------------------------------------- sugestões de desistência, desânimo, retomada, -----------------------------------------------------------------------
(TM) Visão crítica do desestímulo sentido, todo o tempo, adaptações, resultado final. (TM) Satisfação com o êxito parcial obtido, pela consciência
inclusive em dúvidas levantadas do professor. Esforço de ----------------------------------------------------------------------- da dificuldade do tema e do esforço feito.
assimilar questionamentos e conceitos, com recurso a (TM) Alternância de momentos de ânimo e desânimo, em
pessoas e a teoria. função de soluções e problemas encontradas. (TM) Empenho geral no trabalho e na convivência.
Aprendizado com os erros
(TM) Necessidade de amenizar descompasso entre teoria
e prática, na formação escolar.
163
GRÁFICO 1A
100
90
Percentual de respostas por questão (47 alunos) (%)
80
70
Posicionamento
60
discordância total
discordância maior
50
concordância maior
concordância total
40
30
20
10
0
1 4 5 8 9
Questão (bloco C1 - Questionário LAF)
GRÁFICO 1B
100
90
Percentual de respostas por questão (41 alunos) (%)
80
70
Posicionamento
60
discordância total
discordância maior
50
concordância maior
concordância total
40
30
20
10
0
1 4 5 8 9
Questão (bloco C1 - Questionário LAF)
139
GRÁFICO 2A
100
90
Percentual de respostas por questão (47 alunos) (%)
80
70
Posicionamento
60
concordância total
concordância maior
50
discordância maior
discordância total
40
30
20
10
0
2 3 6 7
Questão (bloco C1 - Questionário LAF)
GRÁFICO 2B
100
90
Percentual de respostas por questão (41 alunos) (%)
80
70
Posicionamento
60
concordância total
concordância maior
50
discordância maior
discordância total
40
30
20
10
0
2 3 6 7
Questão (bloco C1 - Questionário LAF)
143
GRÁFICO 3A
100
90
Percentual de respostas, por grau, em 47 respondentes (%)
80
70
Grau
60
muito pequeno
pequeno
50
grande
muito grande
40
30
20
10
0
11 12 13 14 15 16 17 18 19
Questão (bloco C2 - Questionário LAF)
GRÁFICO 3B
100
90
Percentual de respostas, por grau, em 41 respondentes (%)
80
70
Grau
60
muito pequeno
pequeno
50
grande
muito grande
40
30
20
10
0
11 12 13 14 15 16 17 18 19
Questão (bloco C2 - Questionário LAF)
146
GRÁFICO 4A
100
90
80
Índices de apreciação e dificuldade
70
60
índice de dificuldade
índice de apreciação
50
Linear (índice de dificuldade)
Linear (índice de apreciação)
40
30
20
10
0
0 5 10 15 20 25
Grupos, em ordenamento crescente do índice de dificuldade
GRÁFICO 4B
EN G EN H AR IAS ELÉTR IC A E M EC Â N IC A
(apreciação e dificuldade)
100
Tacógrafo
Alinham ento
90
R elé
M agos
80
Arco volt.
D isjuntores
70 Term elétrica
Leve
Índice de apreciação
60 Enguia
Farol
50 R obô
C VT
Freio
40
H olografia
C x. M archa
30
M otor
C erca
20 ASBC
Foucault
10 G er. hidr.
C atapulta
0 Biodigestor
5 ANÁLISE E CONCLUSÕES
I love to rise in a summer morn This day and age we’re living in
When birds sing on every tree Gives cause for apprehension
The distant huntsman winds his horn ; With speed and new invention
And the skylark sings with me. And things like forth dimension
O ! what sweet company. Yet we get a trifle weary
With Mr. Einstein’s theory
But to go to school in a summer morn, So we must get down to earth at times
O ! it drives all joy away ; Relax, relieve the tension
Under a cruel eye outworn, And no matter what the progress
The little ones spend the day Or what may yet be proved
In sighing and dismay. The simple facts of life are such
They cannot be removed
Ah! then at times I drooping sit, You must remember this
And spend many an anxious hour, A kiss is still a kiss
Nor in my book can I take delight, A sigh is just a sigh
Nor sit in learning’s bower, The fundamental things apply
Worn thro’ with the dreary shower. As time goes by ...
2
How can the bird that is born for joy Herman Hupfeld, 1931
Sit in a cage and sing?
How can a child, when fears annoy,
But droop his tender wing, O que precisamos aprender
And forget his youthful spring? aprendemos fazendo.
1
William Blake, no auge do tom visionário de sua voz poética, em Songs of Experience (1794).
Extraído de BLAKE, Wiliiam. Selected poems. London: Penguin Books Ltd, 1996.
2
Trecho inicial de As time goes by, canção com letra e música de Herman Hupfeld (1931).
3
MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. p.209.
169
Foi possível relacionar os “choques de visão” a que ficaram sujeitos alguns projetos
LAF à existência dos dois modelos históricos de projeto – instrução-construção e
aprendizagem natural e social – que sugerem uma tipologia básica das visões de
projetos adequada à discussão de nossas observações. A adoção dessa tipologia
responde a uma de nossas questões de investigação, permitindo discutir o confronto
entre a visão cartesiano-mecanicista de escola e uma visão mais aberta e
compatível com a linhagem de projetos que se vem desenvolvendo no cenário
mundial, nas três últimas décadas, e no cenário brasileiro, na última década. A essa
linhagem foram relacionadas a Escola Plural e a reformulação das Feiras de
Ciências de Minas Gerais, bem como as atividades da META, do LACTEA e do
Projeto LAF, no âmbito do CEFET-MG. Um estudo pormenorizado das
possibilidades de interação entre esses esforços parece-nos uma valiosa questão de
investigação, apontada pelas discussões que realizamos.
Consideramos que esse é mais um campo fértil para trabalhos futuros, que ajudem a
depurar e expandir a construção aqui iniciada, através da geração de novos
conceitos, visões, experiências e reflexões.
Neste ponto, vale lembrar duas questões de investigação que ainda deixamos
pendentes de abordagem e às quais é oportuno dar alguma atenção:
Isso não significa pensar que a escola brasileira não precise de mais e melhores
recursos, além dos que possui hoje. Num país como o nosso, desde há muito
submetido à carência de políticas amplas e consistentes de apoio à educação, à
pesquisa e à inovação científico-tecnológica, seria risível tal pretensão. O que se
aponta, sim, é que o esforço de mudança de concepções, posturas e estratégias
pedagógicas, longe de constituir questão menor, é de importância fundamental para
o mundo da escola, ajudando a gerar ambiente que leva a valiosos resultados
práticos, ou seja, leva a fazer mais. Esse esforço contribui, além disso, para a maior
eficácia de políticas e programas de iniciativa do poder público ou por outras
instâncias da sociedade organizada.
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FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água, 2001a. 120p.
179
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7 ANEXOS
Questionário LAF
Agenda dos grupos focais
Ficha de habilidades
184
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS
DIRETORIA DE ENSINO SUPERIOR
Prezado(a) aluno(a),
Como você sabe, estamos experimentando no CEFET-MG uma nova metodologia de aulas práticas,
baseada na substituição do laboratório tradicional pelo desenvolvimento de projetos livres por grupos de
alunos. Você vivenciou esse processo durante o semestre que agora termina, enfrentando as
dificuldades e desfrutando dos benefícios decorrentes dessa caminhada.
Para nós, professores, é de grande importância conhecer suas opiniões a respeito do processo
vivenciado, a fim de podermos aperfeiçoar ou redirecionar as ações docentes. Este questionário tem por
objetivo colher, para análise, suas impressões e opiniões sobre as experiências vividas no
desenvolvimento do projeto. Gostaríamos, portanto, de contar com uma colaboração séria e sincera na
resposta às questões propostas a seguir.
OBS.: 1) Não é necessária sua identificação pessoal. 2) VEJA TAMBÉM O VERSO DA FOLHA.