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A ÊNFASE NA ESPACIALIDADE DA AÇÃO E NO CONFLITO COMO

PROPOSTA DE DESCENTRALIZAÇÃO TEÓRICO-POLÍTICA

TATIANA TRAMONTANI RAMOS1

Resumo
Partimos da ideia da espacialidade do social como uma proposta que permite pensar o
desenvolvimento dos processos sociais através da produção e organização do espaço geográfico.
Buscamos um esforço de deslocamento analítico no que diz respeito a três eixos fundamentais 1. a
perspectiva de análise da ação; 2. a ênfase no protagonismo Estatal e 3. os motivos e escalas pelos
quais/nos quais se movem os protagonistas. O conflito se torna uma chave analítica para a Geografia
na medida em que é possível partir da ação concreta dos sujeitos sociais e, mais especificamente, da
contradição em estado prático, para a análise da espacialidade do social.
Palavras-chave: espacialidade da ação; luta; classe; conflito.

Abstract
We start from the idea of the spatiality of the social as a proposal that allows to think the development
of the social processes through the production and organization of the geographic space. We seek an
analytical displacement effort with respect to three fundamental axes: 1. the perspective of action
analysis; 2. the emphasis on State protagonism and 3. the motives and scales by which / in which the
protagonists move. Conflict becomes an analytical key to Geography insofar as it is possible to start
from the concrete action of social subjects and, more specifically, from contradiction in a practical
state, to the analysis of the spatiality of the social.
Key-words: spatiality of the social; struggle; class; conflict.

1. Introdução
Partimos da ideia da espacialidade do social como uma proposta que permite
pensar o desenvolvimento dos processos sociais através da produção e organização
do espaço geográfico. Nessa perspectiva, buscamos um esforço de deslocamento
analítico no que diz respeito a três eixos fundamentais a saber: 1. a perspectiva de
análise da ação; 2. a ênfase no protagonismo Estatal e 3. os motivos e escalas pelos
quais/nos quais se movem os protagonistas.
A partir desse giro analítico, pretendemos uma descentralização teórica a partir
da geografia – conforme delineado em PORTO-GONÇALVES, 2001, 2002, 2003 e
discutido em trabalhos anteriores, RAMOS, 2003 e 2013 – e também, a busca de uma
descentralização política.

1 Professora da Universidade Federal Fluminense – UFF-Campos. tatiana_tramontani@id.uff.br.


Se entendemos a espacialidade do social segundo a premissa a qual não existe
nenhuma sociedade, grupo ou classe a-espacial ou a-geográfica, desprovida de uma
espacialidade material e subjetiva que lhe permita se constituir, reproduzir-se e
transformar-se no decorrer da sua dinâmica sócio-espacial, concluímos que as
sociedades não se instituem primeiro para, depois, produzirem seus espaços
geográficos.
A espacialidade, a geograficidade por assim dizer, se constituiu no mesmo
movimento com que se constitui a sociedade donde não cabe estabelecer uma
relação de causalidade seja do espaço para com a sociedade, seja da sociedade para
o espaço. Enfim, “o espaço não é externo ao social, é sua espessura” (Porto-
Gonçalves, 2001).
Ao deslocarmos o protagonismo do Estado e dos processos de reprodução
ampliada do capital, a teia de relações sociais e de poder do cotidiano pode ser
interpretada a partir de uma leitura que parta da micropolítica, dos infrapoderes, e não
exclusivamente de uma perspectiva transcendente, dando visibilidade a outros
protagonismos sociais.
Além do deslocamento da perspectiva da ação e de um outro protagonismo, a
proposta implica, por fim, um giro no que se refere às próprias questões, isto é, aos
motivos que movem e, também, às escalas de ação nas quais se movem tais
protagonistas. Em outras palavras, o cerne dos conflitos e sua expressão política,
histórica e geográfica não recai exclusivamente nas macroestruturas
socioeconômicas e suas contradições, mas opera diretamente no plano da
experiência cotidiana de outros protagonistas sociais que, ao agir, são também
produtores e organizadores do espaço geográfico.
Situar a análise nesse plano nos permite apreender a espacialidade no
momento em que as tensões, os conflitos, como partes constitutivas das relações de
poder estão se dando concretamente, ou seja, a ação, as relações sociais e de poder
engendradas por outros protagonistas estão se entrelaçando com as macroestruturas
socioeconômicas de que fazem parte. O procedimento analítico recorta a ação de
outros protagonistas para análise ao mesmo tempo em que as situa e contextualiza
dentro de um quadro global de relações sociais e de poder das quais o Estado, as
frações do capital fazem parte, porém não de maneira exclusiva.
O conflito se torna, desta forma, uma chave analítica para a Geografia na
medida em que é possível partir da ação concreta dos sujeitos sociais e, mais
especificamente, da contradição em estado prático, para a análise da espacialidade
do social, ou seja, de processos mais amplos de produção do espaço e do território.
Torna-se um ponto de partida e uma chave analítica privilegiada quando possibilita a
superação de dicotomias e esquemas hierárquicos de análise, e desde que se
incorpore a categoria de experiência (E.P. Thompson) como mediadora das estruturas
e da ação social.
A partir do conflito podemos tecer a teia de relações sociais e de poder que
remetem a escalas espaciais e períodos históricos distintos e que, por sua vez, se
articulam resultando em um rico lugar de produção do conhecimento, cujo centro é a
ação de quem que o protagonizam.

2. Sobre luta e conflito social


Compreendido como um produto histórico e geográfico, o conflito não é
indiferente ao tempo e ao lugar em que ocorre, ao contrário, tais coordenadas são
fundamentais para compreendê-lo. É simples reconhecer a historicidade do conflito,
no entanto, é fundamental ressaltar a sua geograficidade. Ele é produto, portador e
traz consigo a corporeidade/materialidade do espaço e, por isso, a geopolítica e a
biopolítica.
Ele é o produto de uma determinada espacialidade que o conforma, mas, ao
mesmo tempo, o conflito também é portador de uma determinada espacialidade que
pode ser apreendida material e simbolicamente e que permite sua própria efetivação.
Qualquer conflito se expressa materialmente, o que pressupõe uma geograficidade
herdada, mas, além disso, ele é devir, possibilidade, força instituinte de uma nova
geograficidade.
Este raciocínio é uma derivação, uma extensão lógica das formulações
iniciadas por Henri Lefebvre e desenvolvidas pelos geógrafos críticos a partir da
década de 19702. Assim como tais autores, não compreendemos o conflito como algo
externo às relações sociais, ou como uma anomalia social. Ele é parte constitutiva da

2David Harvey (1980), Yves Lacoste (1997[1977]), Massimo Quaini (1979), Milton Santos (2002[1978]),
Edward Soja (1980), entre outros.
espacialidade, portanto, ele é um lugar privilegiado de produção do conhecimento. Ele
é parte do processo que institui e reproduz, é parte do processo que causa as rupturas
e as descontinuidades históricas e geográficas. Consequentemente, o conflito não
expressa somente a violência, a dominação, a opressão. Não é apenas a ação de um
sobre o outro, mas sim a relação, a disputa, o enfrentamento. Ele é a contradição em
estado prático, é a expressão concreta e empírica da luta social. O conflito expressa,
portanto, a ação social, os diferentes projetos, posições e discursos.
O conflito também (se) expressa, por fim, no que Carlos Walter Porto-
Gonçalves (2001, 2002 e 2003) denominou de “conflitos de territorialidade”: se cada
protagonista é portador de uma territorialidade própria que o constituiu e lhe dá sentido
e o move de alguma forma, é possível pensar que o conflito explicita territorialidades
distintas. Daí todas as lutas que envolvem, direta ou indiretamente, o uso e a
apropriação do espaço: lutas por reforma agrária, demarcação de territórios
tradicionais, reforma urbana, direito à cidade, uso dos recursos naturais, entre outras.
A compreensão da espacialidade dos conflitos sociais se faz de grande
importância na afirmação do território como um complexo; complexo de forças,
complexo de interesses, de necessidades, desejos e compreensão da conflitividade
como uma forma de resistência ao “alisamento” do território e à abstração das
diferenças.
Admitir o conflito social como algo aberto, contraditório e historicamente
indeterminado é se aproximar de uma perspectiva teórica preocupada com as
transformações e mudanças sociais e não com uma ciência social da ordem.
Afastamo-nos, assim, do positivismo na própria medida em que aceitamos o conflito
social como conceito em torno do qual constituímos nossa investigação.
Coerentes com nosso posicionamento teórico-político, não se trata aqui de
enquadrar nossas reflexões em esquemas pré-concebidos, ou de forma acrítica. Na
tarefa de refletir sobre a relação entre conflito e espacialidade, nossa proposta é
estabelecer relações, atritar categorias, comparar proposições, estabelecer diálogos
entre autores, circunscrever ou desfazer limites de acordo com nossa questão. Tal
perspectiva não desconsidera a historicidade, a consistência e a coerência interna de
cada sistema de conceitos, nada disso. Trata-se de não nos colocarmos em uma
camisa de força que, ao invés de contribuir para fazer avançar determinadas
questões, ou produzir um conhecimento novo, reforça dogmatismos, perpetuando
conceitos e categorias que são insuficientes para a análise do nosso tempo e lugar.
A construção do conhecimento não é atópica (Santos, 2001) o que implica
reconhecer que o lugar de onde se fala/se constrói o conhecimento faz parte do
conhecimento (Mignolo, 2005; Grosfoguel, 2008; Santos, 2010), inclusive o
conhecimento produzido pelos próprios protagonistas do conflito.
As ciências sociais ficaram profundamente marcadas pelo lugar sócio-espacial
de onde emergiram, ou seja, a Europa que se urbanizava e se industrializava com o
advento do capitalismo a partir dos séculos XVIII e XIX. Assim, categorias como capital
e trabalho, por exemplo, passaram a comandar as análises sociológicas,
independentemente do lugar, região ou país onde os processos sociais transcorriam.
Anibal Quijano e Enrique Dussel3 já desde os anos 1970 apontava as limitações desse
tipo de abordagem que ignora os contextos sócio-espaciais específicos ao explicitar
que, na América Latina, até mesmo a condição de assalariado era negada aos
indígenas e negros que correspondiam à grande parte da população quando da
independência e da formação dos Estados nacionais na América Latina e Caribe
(Quijano, 2000).
A partir do campo da Geografia, nosso objetivo fundamental é colocar no centro
da análise a ação concreta de homens e mulheres (de carne e osso, como refere E.
Thompson, 1981) partindo diretamente de uma dimensão da ação que constitui as
sociedades contemporâneas que é o conflito. Deslocamento que se efetua em uma
disciplina que tradicionalmente se ocupou mais dos produtos materiais da ação
humana ou da espacialidade das grandes estruturas políticas e econômicas (o Estado,
a produção, a estrutura agrária, a dinâmica urbana), do que propriamente com a ação
das mulheres e homens concretos.

3. Sobre conflito social e luta de classe


Para apreender teoricamente o conceito de conflito de forma que possa ser um
instrumento de análise útil para a ação social concreta é necessário explicitar e

3Entre outras obras do autor, podemos citar Caminos de liberación latinoamericana (Buenos Aires,
1972-1974); Para una ética de la liberación latinoamericana (vols. 1-2, Siglo XXI, Buenos Aires, 1973;
vol. 3. Edicol, México, 1977; vols. 4-5, Bogotá, 1980); Método para una filosofía de la liberación (Sí-
gueme, Salamanca, 1974).
delimitar o conteúdo desta ideia que, historicamente, está associada às ideias de luta
social e luta de classes.
Certas vezes tais categorias são tomadas como sinônimos, em outras são
tomadas como categorias que estão contidas umas nas outras e podem, desta forma,
expressar conteúdos semelhantes que não estão formalmente explicitados. Neste
trabalho pretendemos argumentar que cada uma dessas categorias possui um
conteúdo analítico específico, levando em conta a historicidade/geograficidade de
formulação e nossas necessidades teóricas contemporâneas.
No que tange à luta de classes, o ponto de partida será aquele que foi
sistematizado e apresentado como um dos pilares do pensamento marxista que
também condicionou a formulação teórica e a prática política de outras perspectivas
do campo socialista. Depois de Marx e Engels não era possível ignorar a ideia de luta
de classes para se pensar uma práxis crítica e revolucionária.
A famosa formulação contida no Manifesto Comunista, de que “a história das
sociedades é a história das lutas de classes”, sem dúvida, apresenta um caráter
universal e generalizante que não corresponde irrestritamente à realidade concreta.
Por isso, Engels, após a morte de Marx, acrescenta uma nota à edição inglesa de
1888 onde afirma que tal formulação só valia para a "história escrita" (MARX e
ENGELS, 2007:40, nota nº2), querendo dizer com isso, que tal formulação não valeria
para as chamadas sociedades tradicionais, sendo restrita às sociedades “mais
complexas” que passaram a ser organizadas em classes a partir das relações de
produção e, consequentemente de poder, instituídas.
Tomando como referência a sociedade capitalista e o mundo moderno-colonial
que se constituiu a partir de 1492, podemos tomar a ideia de luta de classes como
elemento central da instituição da sociedade capitalista; a contradição estrutural entre
duas classes antagônicas.
É a dinâmica da luta de classes que engendra e reproduz a sociedade
capitalista e não a contradição entre relações de produção e forças produtivas ou a
contradição entre a infraestrutura e a superestrutura. A análise de tais elementos
constitutivos da sociedade capitalista deve ser realizada à luz da luta de classes, das
ações e relações de poder concretas que se estabelecem e vão constituindo e
reproduzindo, durante o processo, tais elementos. Eles devem ser compreendidos
como derivados da luta e não como causas. Portanto, explicar o desenvolvimento
tecnológico das forças produtivas de forma independente das práticas concretas dos
trabalhadores é abrir mão exatamente daquilo que há de mais poderoso nas
formulações de Marx e Engels, que é a centralidade da ação dos trabalhadores no
processo de criação e reprodução social.
Partindo dessas formulações, o intelectual português João Bernardo, em duas
obras seminais (Marx Crítico de Marx e Economia dos Conflitos Sociais), produz uma
importante reflexão acerca do legado e atualidade do pensamento de Marx. Nessas
obras, João Bernardo propõe uma análise do marxismo a partir de suas práticas
teóricas e políticas na qual identifica dois grandes campos: 1. o marxismo das forças
produtivas, no qual a teoria da mais-valia e a ação da classe trabalhadora são
marginalizadas em função da centralidade das técnicas, das formas de organização
do trabalho, os tipos de planejamento, processos de troca etc. Em suma, seria aquele
que "desenvolve as teses em que Marx conferia ao mercado o lugar privilegiado na
definição do capitalismo, considerando que só nesse nível o produto adquiria um
caráter social" (BERNARDO, 2009: 408); 2. o marxismo das relações de produção,
onde, ao contrário, a mais-valia e a ação dos trabalhadores são centrais e a questão
fundamental é a exploração do trabalho como fundamento societário do capitalismo.
Assim, de forma sintética, é possível estabelecer um conflito entre essas duas
perspectivas que se encontram, contraditoriamente, na obra de Marx:
Esta corrente [marxismo das relações de produção] tem inspirado todos os
que, no campo do marxismo, assumem uma postura crítica às instituições de
poder. Concentrar a atenção nas relações de produção significa averiguar,
em cada caso, se a exploração existe e quais são suas formas. Por isso essa
corrente não identifica o socialismo com quaisquer sistemas de organização
e planificação que retirem dos trabalhadores o controle sobre o processo de
trabalho e sobre a organização global da economia. Enquanto os gestores
que se reivindicam do marxismo proclamam o caráter socialista dos regimes
onde eles prevalecem, argumentando que estes regimes [socialismo real
soviético, chinês, etc.] assentam no desenvolvimento das forças produtivas e
que tomam a disciplina empresarial como modelo de organização social, os
críticos que se reivindicam do marxismo [das relações de produção]
respondem que esse pretenso socialismo mais não é do que a continuação
da extorsão da mais-valia, em formas de capitalismo mais concentradas e
centralizadas e nas quais a propriedade do capital, mediante o exercício do
controle, tornou-se coletiva à classe dos gestores. Enquanto os defensores
do marxismo das forças produtivas apresentam esses regimes como
socialistas, por serem planificados, os que defendem o marxismo das
relações de produção argumentam que esse tipo planificação é o instrumento
do capital, porque retira o controle à classe trabalhadora para reservá-lo aos
exploradores. (BERNARDO, 2009: 415).
Seguimos nossas reflexões a partir de João Bernardo na perspectiva do
marxismo das relações de produção. O processo central que funda e reproduz a
sociedade capitalista, na perspectiva de João Bernardo e do marxismo das relações
de produção, é a extração de mais-valia. De forma absolutamente resumida, a mais-
valia é a diferença entre o tempo [de trabalho] incorporado na força de trabalho e o
tempo [de trabalho] que ela é capaz de desprender no processo produtivo. Em outras
palavras, o valor produzido pelos trabalhadores é maior do que aquele apropriado por
eles. Sendo a mais-valia essa diferença entre tempos de trabalho e valores
incorporados, qual o único elemento capaz de produzi-los? A ação dos trabalhadores.
Somente a ação do trabalhador é capaz de produzir valor, portanto, somente através
do controle da ação é possível se produzir mais-valia.
A consequência lógica é que somente através da ação da classe trabalhadora
o capitalismo se efetiva enquanto relação, portanto, como modo de organização
social. É a ação da força de trabalho que reproduz a sociedade capitalista. Tal ação
pressupõe e reproduz a contradição básica e fundamental entre aqueles que detêm
os meios de produção e a organização do processo do trabalho, portanto, que se
apropriam da mais-valia produzida e aqueles que perderam a posse e o controle dos
meios de trabalho e da riqueza produzida a partir de sua própria ação. Tal contradição
entre possuidores/dominantes e despossuídos/dominados exprime um processo
dialético no qual os elementos não são exteriores uns aos outros, mas só adquirem
concretude e significado na própria relação.
As classes sociais, no capitalismo, se definem no processo contraditório de
produção da mais-valia. É um equívoco imaginar tal processo como redutível apenas
à sua dimensão econômica e, ao mesmo tempo, não é possível desconsiderá-la para
se valorizar outras dimensões da vida social, o que acarretaria em outro tipo de
reducionismo, uma vez que a organização do processo de trabalho é atravessada por
relações de poder que se expressam na política, na cultura, na subjetividade e na
psique. Produzir mais-valia não é apenas uma forma de organização técnica e racional
do trabalho, das forças produtivas e matérias-primas. Implica, necessariamente, uma
série de normatizações, regras, estratégias e práticas de controle que são
disseminadas por toda sociedade e engloba as diversas dimensões da vida. Portanto,
produzir mais-valia implica a reprodução contínua de estratégias e mecanismos de
controle e exploração que perpassam todas as dimensões da vida, colocando em
oposição as classes sociais constituídas. Uma das classes lança mão de recursos e
estratégias para garantir a reprodução do processo de exploração, enquanto a outra
resiste à dominação. Nessa perspectiva, "deve afirmar-se, como regra sem exceção,
que não há organização capitalista do processo de trabalho que não tome em conta
essas formas de resistência ou de revolta e que não se destine a eliminá-las ou
assimilá-las" (BERNARDO, 2009:87). O processo contraditório de produção de mais-
valia que opõe as classes socialmente instituídas é denominado de luta de classes.
A luta de classes expressa, de um lado, as práticas de dominação, controle e
exploração e, de outro, os anseios e reivindicações da classe trabalhadora, que
podem assumir duas formas básicas: lutas reivindicativas e lutas revolucionárias. As
lutas reivindicativas buscam reduzir as defasagens entre os tempos de trabalho com
isso, reduzir a mais-valia. A redução de tal defasagem, por sua vez, se dá através de
duas possibilidades: a redução do tempo de trabalho ou o aumento dos inputs, ou
seja, valores que podem ser incorporados na forma de aumento de salário e acesso
a bens e serviços. Por outro lado, as lutas revolucionárias são aquelas que têm como
objetivo instituir novas/outras relações sociais. Nessa perspectiva, os conflitos
expressam as formas pelas quais os trabalhadores buscam reduzir a defasagem entre
os tempos de trabalho ou instituir relações sociais outras.
Qual a contribuição efetiva de tais formulações para nossa questão central? A
importância crucial está na centralidade da ação da classe trabalhadora e não
exclusivamente nas estratégias de reprodução do capital e das grandes estruturas
sociais que tendem, ao contrário, a marginalizar a ação dos trabalhadores e a atribuir-
lhe uma posição passiva, que sofre a ação e responde aos estímulos dos agentes
hegemônicos.
Sem dúvida tais reflexões no campo do marxismo, nesta perspectiva apontada
por João Bernardo, são ricas e fundamentais para uma práxis crítica em relação ao
capitalismo. É fundamental esclarecer que nos posicionamos críticos a qualquer tipo
de análise que simplesmente negligencia ou marginaliza a materialidade e a
concretude da vida social na tentativa de se valorizar outras dimensões da sociedade,
como a cultura, as identidades, os discursos etc. É comum encontrarmos,
principalmente no discurso dos pós-modernos, uma série de formulações que
negligenciam, ou simplesmente ignoram, a dimensão material e econômica da
sociedade para colocar no centro da análise e da ação a produção de discursos,
símbolos e imagens descoladas do processo de produção, da divisão do trabalho, da
dinâmica de produção da mais-valia. Ou seja, a crítica (correta) de que a sociedade
não se reduz à sua materialidade não avança quando inverte os polos da
determinação e atribui ao simbólico, aos discursos e à identidade o primado da ação.

4. conclusão
Tais formulações são fundamentais para contribuir com a superação da
dicotomia entre materialidade/objetividade e a subjetividade/cultura nas análises da
dinâmica social. Por um lado, os esquemas estruturalistas que marginalizam e, por
vezes, desprezam a dimensão subjetiva, simbólica e cultural, não são garantia de
análises consistentes e que consigam, efetivamente, apreender os sentidos da ação
social.
Como bem nos lembra Eder Sader (1988), é sempre possível estabelecer
relações entre a dinâmica social e as grandes estruturas sociais, "só que esse
procedimento não adiciona uma vírgula à compreensão do fenômeno. Apenas dá a
aparência de segurança teórica, ao situar um caso particular num esquema
interpretativo consagrado" (SADER, 1988:38), exatamente porque se perde a forma
como tais estruturas são experimentadas e resignificadas pelos sujeitos, portanto,
perde-se a singularidade de uma determinada ação que acaba por ser simplesmente
decalcada das estruturas dominantes.
Por outro lado, o discurso, o simbólico, a subjetividade e a cultura, não são
capazes de criar relações a partir do nada, ou atribuir significados ao vazio, mas
devem sempre estar associadas às práticas sociais e de poder concretas e às
condições materiais e objetivas de existência. Portanto, ao invés de pensar uma
hierarquia de determinações, é mais produtivo pensar a relação entre tais elementos
que, a rigor, são indissociáveis. Trata-se de articular as condições objetivas e as
condições subjetivas da ação social.
As formulações de Thompson permitem enriquecer os conceitos de classe e
luta de classes elaborados no campo do pensamento marxista em uma perspectiva
próxima daquela realizada por João Bernardo (o marxismo das relações de produção).
Ainda que o intelectual português elabore seu pensamento tendo como centro desses
conceitos o processo de produção da mais-valia, ele compreende a constituição da
classe e a dinâmica da luta de classes a partir da contradição, o que permite, desde
já colocar de lado qualquer tipo de leitura economicista, uma vez que a partir da
produção, são estabelecidas relações com outras dimensões sociais. Thompson
elabora tais conceitos explicitando a complexidade da contradição a partir do
momento em que incorpora a categoria experiência. Para o historiador,
A luta de classes é um conceito anterior ao de classe, a classe não antecede,
mas surge na luta. (...) as classes surgem porque mulheres e homens, em
relações produtivas determinadas, identificam seus interesses antagônicos e
passam a lutar, a pensar e a valorar em termos de classe: assim, o processo
de formação da classe é um processo de autoconfecção, embora sob
condições que são 'dadas'. (THOMPSON, 1981:121)
O que estamos sugerindo é a possibilidade de se produzir uma categoria que
nos permita pensar outras lutas que constituem a sociedade capitalista e perpassam
a contradição capital e trabalho. A categoria que propomos é a de protagonista e se
trata de um dos atributos do conflito.
Falar em protagonista como categoria tem a função analítica de exprimir os
atributos de uma coletividade que se constitui em um processo concreto de luta,
dotando essa coletividade de uma singularidade que só é possível de ser apreendida
a partir da experiência, tal como formulada anteriormente. A definição do protagonista
é analiticamente útil para identificar e diferenciar os antagonistas, ou seja, para
qualificar os sujeitos sociais que estão se formando a partir da luta. O conteúdo do
protagonismo social só pode ser definido a partir de cada processo concreto de luta
que se desenvolve na sociedade. Uma vez que inúmeras contradições são elementos
constitutivos da dinâmica social e não anomalias ou exterioridades que perturbam o
equilíbrio e a harmonia, é possível verificar a existência concreta dos protagonistas no
aqui e agora.

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