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A ESPACIALIDADE COMO O
OLHAR DO GEÓGRAFO

Este breve ensaio constitui uma reflexão sobre a espacialidade,


entendida como o olhar do geógrafo, o modo pelo qual a ação humana
sobre a superfície terrestre é descoberta, analisada e interpretada. A
espacialidade distingue o geógrafo dos demais cientistas sociais, for-
mando sua identidade. Mas a espacialidade não é exclusiva do geó-
grafo, sendo também de interesse de outros cientistas sociais. No
entanto, não tem a força e o primado que tem para o geógrafo. Do
mesmo modo, a temporalidade interessa ao geógrafo e a outros cien-
tistas sociais, mas não tem a força que tem para o historiador. Espaço
e tempo, geografia e história.
A espacialidade emerge ao se descobrir que a ação humana se faz
de modo diferenciado sobre a superfície terrestre, acentuando adi-
ferenciação espacial que a natureza já preparara anteriormente. A
diferenciação espacial é uma noção central para o geógrafo, justifi-
cando a adoção da espacialidade como o olhar do geógrafo a respeito
das ações humanas. Se não houvesse diferenciação espacial, não ha-
veria geografia nem as atuais ciências sociais. O mesmo se poderia
dizer a respeito do tempo: sem sua identificação, não haveria história
e as demais ciências sociais.
Quais são os temas que constituem a espacialidade? Na tem-
poralidade esses temas são a criação, o desenvolvimento e a
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transformação dos processos e das formas sociais. Na geografia infraestrutura ou pela terra estão inscritos espacialmente, exibindo
sugerimos três temas; a localização, a escala e o arranjo espacial, padrões locacionais próprios.
sendo possível que o leitor sugira outros temas. Cada um des- A despeito de a análise da localização ter tido uma base positi-
ses três temas possui uma longa tradição na geografia, estando de vista e mesmo neopositivista, isso não quer dizer que outros corpos
modo diferenciado presente em todas as correntes que a história teóricos não possam considerar o tema da localização como tema
do pensamento geográfico tem apontado. Vejamos brevemente pertinente a seus interesses. Uma visão marxista da localização é
cada um dos três temas acima apresentados, mas ressaltemos que necessária e importante, da mesma forma que as representações
cada um desses temas não são independentes dos outros. Assim, culturais a respeito da localização industrial ou das residências ope-
a localização de um processo ou forma exibe dada escala espacial, rárias, pois não há relação necessária e imprescindível entre tema e
estando, por outro lado, inscrita em dado arranjo espacial. A escala matriz teórica.
manifesta-se em localizações de distintos tamanhos, enquanto o Milton Santos define fixos e fluxos. Os primeiros referem-se
arranjo espacial, finalmente, exibe um padrão locacional em uma às localizações "encravadas" na terra urbana ou rural, enquanto os
escala específica. No entanto, cada um dos temas é dotado de uma segundos ao müvimento existente entre localizações. Ambos, fixos
relativa autonomia. e fluxos, estão profundamente inter-relacionados, mas constituem
subtemas cuja análise tem diferenças. Os fixos podem ser analisados
considerando a localização absoluta, relativa e relacional, enquanto
Localização os fluxos, menos analisados, segundo duração, frequência, intensi-
dade, direção e itinerários.
Cada processo e cada forma estão inscritos no espaço por meio A localização de um fixo pode ser vista simultaneamente como
de localizações, e estas se tornam assim fundamentais para a análise absoluta, relativa e relacional. Em outros termos, três perspectivas
geográfica. Mas a localização não é um aspecto adicional a processos descrevem dada localização. Cada fixo tem um endereço, isto é,
e formas, que teriam sua própria existência independente da locali- localiza-se em uma rua ou praça, indicativa de sua localização abso-
zação. Esta é parte integrante dos processos e das formas espaciais. luta, singular, não repetível. Isso reflete uma decisão daqueles que
Assim, os pobres, com todas as suas características, não vivem em são os responsáveis pelo empreendimento econômico ou de outra
qualquer lugar, mas em lugares que marcam a existência deles, ao natureza. Nesse sentido, a espacialidade é decorrente de inúme-
mesmo tempo que eles, os pobres, definem os lugares em que vivem. ras localizações absolutas, cada uma associada a uma decisão sin-
O mesmo se pode dizer a respeito dos shopping centers ou de um dis- gular em um contexto de relatividade e relacionalidade. Absoluta,
trito industrial. A localização é, assim, um tema central na análise da cada localização é simultaneamente relativa, isto é, situa-se em um
espacialidade, ou seja, na análise geográfica. contexto no qual a acessibilidade desempenha papel essencial. Em
A localização refere-se a todas as ações humanas. Pode-se anali- um cruzamento de vias de tráfego e a dada distância de localizações
sar, por exemplo, a localização industrial, do comércio varejista ou importantes para os propósitos daqueles que tomaram uma decisão
de um produto agrícola específico, como o café ou a cana-de-açúcar. locacional absoluta. Sítio, localização absoluta, posição e localização
Do mesmo modo é possível analisar a localização de dada etnia ou relativa, são dois conceitos tradicionais da geografia. A localização,
grupo religioso, ou ainda a localização das instituições públicas. O no entanto, exibe um atributo relacional, tornando-a complexa.
movimento operário ou os movimentos sociais pela moradia, pela Localização relacional significa que, além de seu caráter absoluto e
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relativo, cada fixo enquadra-se em um ambiente socialmente homo- ou esporádico. Que implicações têm o ritmo dos fluxos sobre a
gêneo ou heterogêneo, com ou sem amenidades naturais ou social- espacialidade?
mente construídas, em crescimento econômico e demográfico ou O itinerário, finalmente, qualifica os caminhos por onde os flu-
em declínio ou relativa estabilidade. Isso significa que a localização xos se dão, por onde ele percorre. Há itinerários de natureza eco-
tem um preço derivado da combinação de atributos absolutos, rela- nômica e itinerários simbólicos, percorridos por pessoas em datas
tivos e relacionais. Mais do que isso, cada localização apresenta um especiais, como datas nacionais ou religiosas, ou ainda em manifes-
valor simbólico, variável para cada grupo de atores, além do econô- tações políticas. A frequência do fluxo quando pequena, mas repeti-
mico em si mesmo, a espacialidade dos fixos traduz-se em amplo tiva, valoriza a intenção e o próprio itinerário.
"mapa de significados". Quem são os agentes sociais que organizam os fluxos? Que meios
Os fluxos articulam os fixos entre si, integrando-os parcial ou de circulação são utilizados para esses fluxos? Esses são questiona-
totalmente. Por meio deles a espacialidade exibe complexidade, mentos necessários para tornar inteligível o papel dos fixos e dos
com crescente divisão territorial do trabalho e de paisagens huma- fluxos no que tange à localização, este tema central da espaciali-
nas. Ainda que não sejam determinantes, pois derivam de comple- dade. Agentes e meios, no entanto, podem ser incorporados à aná-
xos processos econômicos e políticos, os fluxos desempenham papel lise durante o processo de discussão dos fixos e dos fluxos, e não no
importante na dinâmica da espacialidade, constituindo-se em meios começo ou ao final da análise. Mas isso não é uma regra.
para essa dinâmica. Mas, a despeito de sua importância, os fluxos
têm merecido atenção proporcionalmente menor.
Como estudar os fluxos? Sugerimos um conjunto de itens, sem Escala
intenção de esgotar as possibilidades. Direção, intensidade, frequên-
cia e itinerário são aqui sugeridos. Na sugestão, o espaço se faz pre- Escala é um termo polissêmico, referindo-se, por exemplo, às
sente por meio da direção, da intensidade e do itinerário, enquanto o variações na temperatura, nos abalos sísmicos e na música. Na
tempo por meio da frequência. perspectiva da espacialidade, a escala pode ser vista segundo as
Direção é uma noção espacial essencial, que permite estabelecer perspectivas dimensional, cartográfica e espacial. A perspectiva
distinção entre partes do espaço onde ocorrem fluxos e partes onde dimensional diz respeito ao tamanho das formas espaciais, tanto
não ocorrem. A direção deriva da seletividade com que os fluxos se da natureza econômica quanto da simbólica. Fala-se em economias
realizam, criando-se eixos privilegiados de circulação, criando ou internas de escala, a exemplo de uma enorme fábrica com ativida-
reforçando fixos que se distinguem de outros, e assim criando ou des situadas a montante e a jusante de sua produção. Economias
reforçando a diferenciação espacial. Direção e intensidade contri- externas de escala, por outro lado, dizem respeito à concentração
buem para qualificar ainda mais os fluxos e os fixos no âmbito da de diferentes pequenas unidades produtivas via de regra e impos-
espacialidade. Os itens que circulam; mercadorias, pessoas, ideias e sibilitadas de construir economias internas de escala. A aglomera-
capital ampliam ainda mais a qualificação de fixos e fluxos. A inten- ção dessas pequenas unidades cria uma escala tornando a aglomeração
sidade de per si pode definir as linhas e os pontos mestres da espacia- eficiente. O shopping center e a própria cidade em seu conjunto
lidade, sugerindo inúmeros questionamentos. constituem economias externas de escala. Uma grande fábrica
A frequência, por sua vez, descreve o ritmo dos fluxos: diário, integrada, um shopping center ou uma cidade constituem parte
semanal, mensal, durante a safra de dado produto, durante o verão da espacialidade.
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As representações dos processos e das formas em um mapa nos Mais especificamente é a expressão do modo como a localização se
remetem à dimensão cartográfica da escala. São representações nas manifesta, impondo ordem ao espaço, impondo uma lógica espacial.
quais o objeto representado exibe dada relação numérica com o É nesse sentido que é possível iniciar um trabalho, seja na pesquisa,
mesmo objeto real. A escala cartográfica, assim, diz respeito à repre- seja na redação do texto resultante, pelo arranjo espacial.
sentação da espacialidade. Representação que pode levar a ocultar
ou exagerar os objetos representados, possibilitando ainda interpre-
tações falaciosas ou se alterar a escala de dado mapa, por exemplo, Arranjo espacial
de 1:20.000 para 1:5.000. Os problemas dizem respeito também às
teorias utilizadas para interpretar a realidade reconstruída cartogra - O arranjo espacial é, em realidade, o modo como as formas espa-
ficamente. Uma teoria para dada escala não pode ser transferida para ciais estão dispostas no espaço, exibindo um padrão espacial simples
outra escala. ou complexo. Esse padrão revela as necessidades e as possibilidades
A escala espacial, por sua vez, remete-nos a uma hierarquia de para que dada sociedade em dado período possa fixar-se no espaço
espaços, falando-se em escala local, regional, nacional e global. Essa efetivando seus propósitos. O arranjo espacial é, assim, funcional
hierarquia é constituída e o termo regional pode ter várias conota- e qualquer disfuncionalidade implica, via de regra, mudanças no
ções espaciais, admitindo-se adotar espaços sub-regionais, micror- arranjo espacial. Nesses termos, um arranjo espacial concentrado ou
regionais e macrorregionais. Essas construções chamam a atenção disperso exibe uma lógica a ser decifrada pelo pesquisador.
pela polivocalidade dos termos em questão, assim como às múlti- É possível, no entanto, ocorrer uma refuncionalização do arranjo
plas possibilidades de interpretar a espacialidade e inferir sobre ela. espacial, isto é, ele pode permanecer tal como foi criado, mas realizar
Construção social, a escala se faz presente na prática do geógrafo outros papéis, a exemplo de um habitat rural que se tornou habitat
e, como se sabe, na prática do Estado, das empresas e instituições de trabalhadores urbanos que diariamente se deslocam para o traba -
sociais, assim como dos movimentos sociais. A escala constitui, em lho na cidade.
realidade, um tema em que estão envolvidos numerosos agentes da O arranjo espacial, por sua vez, deve ser considerado segundo
organização do espaço. a escala de análise selecionada pelo pesquisador. Uma distribuição
Localização e escala definem a espacialidade, mas não esgotam espacial em uma escala pequena, por exemplo, 1: 500 .000, pode reve-
as possibilidades de analisá-la. É necessário introduzir o arranjo lar uma concentração de uma forma espacial, mas, se essa mesma
espacial. Este é considerado como a forma da espacialidade, sendo forma for analisada em uma escala maior, 1:50.000, por exemplo,
uma pausa de maior ou menor duração no movimento da sociedade. pode ser verificado que exibe uma forte dispersão. Há, assim, uma
Pausa e forma definem a morfologia do espaço. Essa morfologia relação entre escala espacial e arranjo espacial.
deriva de certas regras, de certos modelos conceituais de organização A tradição geográfica no estudo do arranjo espacial gerou grande
do espaço, os quais produzem arranjos espaciais, passíveis de serem variedade de tipos e de terminologia, especialmente na geografia
pensados como ideal-tipo weberianos. Estão inscritos na longa e rica agrária, a exemplo de strassendorf ou village-rue, "linha colonial",
tradição da geografia. havendo correspondência entre habitat rural e paisagem rural. São
Enfatizemos que o arranjo espacial constitui a forma com que exemplos a paisagem de campos abertos e a paisagem de campos
processos espaciais se concretizam. É a pausa, via de regra com fechados, na França, ou então a paisagem agrária quadriculada do
grande estabilidade, do movimento das sociedade e/ ou da natureza. Meio-Oeste norte-americano.
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Noções de centro e periferia, de um lado, e setor de amenidades, toda parte", afirmou Denis Cosgrove, outra maneira de se referir à
do outro, são exemplos de arranjos espaciais na cidade. A proposi- espacialidade centrada na diferenciação espacial ou nos "mapas de
ção de Christaller sobre a rede de lugares centrais é clássica: arranjo significados", como afirmou Peter Jackson. É na análise da espa-
segundo o princípio de mercado, o princípio dos transportes e o prin - cialidade que o pesquisador se torna geógrafo, quem sabe "24 horas
cípio administrativo. O arranjo espacial dendrítico, finalmente, é por dia", conforme afirmou Cosgrove. Pois a espacialidade constitui
outro exemplo vinculado à rede urbana de regiões marcadas por uma tema intrigante e fascinante para aqueles que consideram estar a geo-
história na qual a rede da drenagem desempenhou significativo papel .· grafia em todas as partes, inclusive em seus corações .
no processo de povoamento regional. Trata-se do começo da análise sobre a espacialidade. É impor-
A espacialidade, componente essencial da existência e da repro- tante ter consciência da importância do que já foi feito, e que lacu-
dução humana, está impregnada de significados. As formas espa- nas e equívocos devem ser vistos como janelas para prosseguir e não
ciais não realizam apenas funções econômicas, políticas e sociais, como decepções. Há muito o que fazer.Nesse sentido, outras contri-
mas também comunicam crenças, ideias e valores diferenciadamente buições serão bem recebidas para estimular o debate.
incorporados. Um templo de dada religião, um cemitério, um shop-
ping center, um parque temático, um condomínio ou uma favela, ou
então a própria natureza, adulterada ou não, têm significados distin-
tos para cada grupo social. O espaço terrestre é vivenciado e lido de
modo diferenciado pelos distintos grupos sociais. Pode-se falar em
mapas de significados, título do livro de Peter Jackson, que enfatiza
a ideia de significados e sua importância, como apontado por Ernst
Cassirer em 1922. Em outros termos, a espacialidade, incluindo os
fixos e os fluxos, as diferentes escalas e os arranjos espaciais estão
impregnados de significados, ganhando pleno sentido. A espaciali-
dade é assim objeto de interesse da geografia cultural na versão new
cultural geography que emergiu na década de 1980. Mapas de signi-
ficados recobrem toda a superfície terrestre, quer dizer, a espaciali-
dade. Em outras palavras, a geografia está em toda parte.

Para prosseguir

Este ensaio está apenas formalmente concluído, pois a reflexão


continua a partir de reflexões anteriores e de novos aportes. O texto
não teve a intenção de esgotar a temática da espacialidade, mas ape-
nas contribuir para o que consideramos ser o olhar do geógrafo sobre
a ação humana, sobre a diferenciação espacial. A "geografia está em
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