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ATIVIDADE ESCRITAL
JEQUIÉ/BA
2019
INÊS ALMEIDA SILVA OLIVEIRA
ATIVIDADE ESCRITA
Atividade com fim avaliativo, solicitada pela professora Dra. Regina Marques de Souza Oliveira,
referente à disciplina Saúde Mental da população
negra e educação do Programa de Pós-graduação
Stricto Sensu em Relações Étnicas e
Contemporaneidade - Mestrado Acadêmico
Interdisciplinar da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia.
JEQUIÉ
2019
1) Qual o percurso da Ciência psicológica e a saúde mental da população negra?
Sabe-se que a população negra desde muitos anos vem sofrendo com a questão do
racismo e do preconceito. Falar sobre o percurso da Ciência psicológica e saúde mental da
população negra, sem dúvida é falar sobre as poucas produções cientificas voltadas para este
público. Embora nas últimas décadas tenha surgido interesse de alguns psicólogos sobre as
questões do racismo e todas aquelas práticas que são definidas como referência e marco
inicial os trabalhos de Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) como os primeiros trabalhos
médico-psicológicos, onde o mesmo abordava como questão principal o entendimento sobre o
papel da população negra, africana ou afro-brasileira, na constituição da sociedade brasileira a
partir do conceito-chave “degeneração da raça”.
Não vou fazer uma linha do tempo para refletir sobre o percurso da Ciência
psicológica e a saúde mental da população negra, até aqui busquei apenas um parâmetro para
contextualizar e buscar refletir sobre o pouco interesse da Psicologia em discutir sobre o tema,
considerando que a população negra é negligenciada nas politicas públicas, como cita
Marques (2017), o debate da Reforma Psiquiátrica brasileira segue o padrão de ignorar as
relações raciais e o gravíssimo problema de saúde mental da maioria da população brasileira,
que é o preconceito racial, tal como já indicava, nos anos 1930, os criadores da Frente Negra.
Segundo a autora é notório que ainda hoje a atenção à saúde mental reproduz a
ideologia antipopular que a psiquiatria assumiu até os anos 1970, ou seja, apesar do objetivo
de tratar da população, os equipamentos da Reforma não lhe oferecem o devido acolhimento e
acaba por maltratá-la e deixa-la no descuidado. Em 2013, na Região Metropolitana “é notório
que ainda hoje a atenção à saúde mental reproduz a ideologia antipopular que a psiquiatria
assumiu até os anos 1970, ou seja, apesar do objetivo de tratar da população, os equipamentos
da Reforma não lhe oferecem o devido acolhimento e acaba por maltratá-la e deixa-la no
descuidado”.
Os movimentos sociais negros contribuíram para que houvesse uma mudança no olhar
da Psicologia sobre as relações raciais, nota-se, contudo que mesmo desenvolvendo algumas
produções e trabalhos sobre o tema aqui abordado, há pouca atenção destes profissionais para
participar de cursos de formação psicológica para o entendimento sobre o racismo, é preciso
desconstruir o mito da democracia racial e os efeitos negativos que este causa na saúde mental
da população negra.
Neusa Santos Souza, Regina Marques de Souza Oliveira e Virgínia Bicudo, em nível
de Brasil e Frantz Fanon em nível de Brasil e exterior.
Cito estas referências, pois compreendo que a proposta da questão acima é justamente
apontar aqueles autores que foram discutidos e trabalhados durante a disciplina: Saúde mental
da população negra e educação. Entendo que há outros pesquisadores destas áreas, entretanto
a proposta é concentra-se nestes.
Falar sobre estes autores é antes de tudo lembrar a grande contribuição que estes
deram ao mundo das relações sociais, especificamente sobre as relações raciais, sobre os
corpos negros, marcados pela discriminação e preconceito, abatidos pela dor da segregação e
exclusão. São considerados referências nos estudos sobre a questão racial e as desigualdades
sociais, preocupados com a saúde mental da população negra, principalmente na área
emocional, desenvolveram importantes estudos no campo da psicologia e da psiquiatria.
Todos estes autores são de pele negra, são negros, intelectuais e pesquisadores das
questões referentes à população negra, no que tange a saúde mental, educação, racismo,
preconceito dentre tantos outros marcadores que segregação, mas que adoece antes de tudo,
segundo Virgínia Bicudo (1970) é preciso entender que o racismo adoece e esse é o perigo
que nós corremos, pois existe uma aparente inclusão do negro na sociedade, mas esse adoecer
psíquico é muito mais eficiente do que a segregação e a discriminação.
3) Quem foi Frantz Fanon e quais as contribuições dele para o entendimento da saúde
mental da população negra no contexto do Brasil e do mundo?
Percebe-se que Frantz Fanon contribuiu de forma significativa nos estudos sobre
psiquismo, dialogou com Lacan e Sartre, de acordo a autora, Fanon foi o pioneiro no campo
psicológico desenvolvendo estudo acerca da identidade e diferenças na perspectiva étnica e
cultural e materialista histórica e psicossocial. Como psiquiatra e profissional da saúde
mental, foi capaz de pensar a sociedade macro em face do colonialismo no mundo
contemporâneo.
Outro fator importante a ser considerado é que a sociedade brasileira ao longo de sua
história vem demarcando os espaços sociais por questões raciais, a cor da pele e a aparência
das pessoas falam mais forte diante de um contexto marcado também por desigualdades
socioeconômicas. É preciso pensar nesta interseccionalidade no sentido de romper com as
estruturas de uma educação eurocêntrica, que reproduz o preconceito, segrega brancos e
negros, ricos e pobres.
O sujeito precisa desenvolver uma relação com seu próprio corpo, relação de
aceitação, seja ele corpo branco, negro, pardo! Buscar aceitar a morfologia de sua gênese, e
assim, construir relações com aqueles outros corpos, semelhantes ou diferentes do seu
fenótipo. Contudo sabe-se que tal relação nem sempre se dar de forma harmoniosa, pois as
relações sociais muitas vezes perpassam pelos movimentos de conflito e violência, são
problematizadas e tensionadas.
Diante do exposto voltamos o nosso olhar acerca do tratamento dispensado aos negros
em nossa sociedade, corpos estes que veem sofrendo desde o período escravocrata. Então
pensar nos corpos negros e nas suas identidades, é pensar no conjunto de valores culturais,
nos afetos e emoções que estes corpos possuem. Embora se entenda que não seja tarefa fácil,
mas árdua, desenvolver relações entre corpos brancos e corpos negros diante de um contexto
social que não respeita à pluralidade e a diversidade, criam segregações a partir do racismo e
preconceito, produzindo conceitos de superioridade e inferioridade, privando aqueles que
consideram inferiores (os corpos negros) de seus direitos. Os corpos negros têm conquistado,
mesmo que lentamente, seu lugar de fala nos diferentes espaços sociais, com muita resiliência
a partir da memória ancestral de luta e resistência.
Enfim, são muitas as situações que precisam ser refletidas sobre estes corpos negros e
as violências sofridas, por isso é preciso voltar o olhar para os estudos sobre relações étnicas
na contemporaneidade, sobre estes corpos e as condições emocionais e psíquicas que estes
carregaram e continuam carregando na pós-modernidade, certamente uma dor que acompanha
a história de cada um, silenciada por vezes pela crença na democracia racial e inexistência do
racismo no País. Um verdadeiro mito!
Nesta perspectiva não há como refutar a ideia de que a escola constrói espaços
excludentes ao invés de assumir seu papel enquanto lócus da socialização, formação e
aprendizagem dos sujeitos garantindo seus direitos e deveres. Contudo sabemos que os corpos
negros são invisibilizados levados ao abandono ou fracasso escolar, afetados por violências
psíquicas.
Para iniciar essa discussão convido Frantz Fanon, autor que muito contribuiu para o
meu entendimento sobre a psiquiatria, humanidade e sensibilidade revelada no ofício da
profissão, por isso o convido primeiramente para este diálogo. Trajetória política e
profissional marcante, sujeito negro que se aproxima da dor e do sofrimento dos colonizados,
abdicando-se dos privilégios para lutar pelos ideais de igualdade.
Sabemos que a saúde da população negra e a educação são marcadas pelo preconceito
e discriminação, é segregada pelo processo de racialização e consequências da colonização, a
episteme que existe dentro da sala é excludente, a escola foi pensada para a elite, mas é
preciso romper com os grilhões da desigualdade, não existem corpos estranhos, mas
diferentes que carregam consigo um conjunto de valores que os caracterizam em suas
identidades com suas especificidades e individualidades, vejamos o que nos diz o autor
Harrell (2000):
Restringindo-se ao racismo e seus efeitos deletérios sobre a saúde, conceituou o estresse como
relações entre indivíduos ou grupos e seu ambiente,
das quais emergem significações da dinâmica do
racismo, que são percebidas como algo que excede ou
sobrecarrega os recursos individuais ou coletivos
disponíveis para a adaptação, ou que ainda ameaçam a
autopercepção de bem-estar psicológico.
Parece bastante salutar abordar como tema central de uma disciplina as questões que
envolvem a saúde mental da população negra e educação, parece-nos paradoxal discutir um
tema específico como este no espaço acadêmico e identificar por vezes, que neste mesmo
ambiente ocorra um número significativo de sujeitos que são acometidos por transtornos,
depressões e outras comorbidades desenvolvidas neste contexto acadêmico de cobranças de
trabalhos e prazos.
Diante do contexto fica claro que os sujeitos negros são os mais atingidos,
consequentemente os que morrem com maior frequência. Segundo Oliveira (2003) no Brasil,
por exemplo, uma representativa constatação é que os negros vivem menos que os brancos, tal
como se observara há séculos, mantendo uma disparidade proporcional ao período da
escravidão. Uma das possíveis explicações para isso é que quando comparados aos brancos os
não brancos são expostos a estressores específicos devido a sua alocação social, o que no
decorrer da vida ocasiona a submissão a estados de estresse crônicos, minando a capacidade
de adaptação e predispondo a doenças e à morte prematura, isto por serem vítimas mais
frequentes de crimes ou pela ativação neurofisiológica prolongada, o que lesiona funções
orgânicas.
Uma realidade marcada pela violência psíquica, física e moral destes corpos negros,
uma barbárie!
Um dilema entre brancos e negros que parece não ter fim, exceto quando lembramos
que autores como os que estão sendo discutidos neste estudo se dispõem a resistir, assim
como seus antepassados. Resistir ao racismo, ao preconceito, as divisões por conta da cor da
pele ou questões socioeconômicas.
O racismo é uma violência, mas que isso é uma doença que mata, mata a alma, a
emoção, o afeto a autoestima, de acordo Neusa Santos Souza (1983) a violência racista subtrai
do sujeito à possibilidade de explorar e extrair do pensamento todo o infinito pessoal de
criatividade, beleza e prazer que ele é capaz de produzir. O pensamento do sujeito negro é um
pensamento que se auto restringe. Que delimita fronteiras mesquinhas à sua área de expansão
e abrangência em virtude do bloqueio imposto pela dor de refletir sobre a própria identidade.
Sabe-se quão difícil é suportar tamanho sofrimento, quando os corpos são agredidos
por causa da cor, oprimidos e rejeitados, tudo isso fruto de uma ideologia de cor. A autora
Neusa Santos Souza nos convida refletir sobre estes corpos e suas histórias, sobre a violência,
o racismo e tantos outros marcadores que ferem a pessoa negra nas esferas sociais e
psicológicas.
Um convite à leitura do livro: Tornar-se negro.
A saúde mental da população negra é continuamente afeta por meio das práticas
ligadas ao preconceito e ao racismo, gerando discriminação, minando o equilíbrio emocional
dos sujeitos. Essa situação precisa ser combatida no seio das relações étnico-raciais, na
perspectiva de que somos diferentes uns dos outros, não há hierarquização defendida pela cor
da pele, nem inferiores ou superiores, pois somos todos cidadãos, possuidores dos mesmos
direitos e deveres, o que precisa haver de fato é o respeito pelas diferenças, como nos
assegura a autora Souza (1983 p. 77), ser negro é tomar posse desta consciência e criar uma
nova consciência que reassegure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade alheia
a qualquer nível de exploração.
Excelente discussão sobre a violência física e a saúde mental da população, a qual vem
sofrendo por conta da cor da pele, fruto do racismo e do preconceito. Segundo a autora a
marca de uma europeização e americanização do contexto de pensamento da universidade
brasileira, principalmente no campo da saúde é a marca do descompromisso social da
sociedade brasileira, dos pesquisadores de saúde, dos psicólogos e profissionais de saúde
mental, que nada ou pouco se interessam por uma ciência psicológica que avance na
construção de uma base epistemológica que desmonte o edifício retórico de uma ciência –
pseudociência – calcada em paradigmas de ideologias de violências racistas e excludentes.
De fato não há como refutar que o Brasil apresenta ideais discriminatórios, que
selecionam e classificam as pessoas a partir do tom da pele e pela classe social, onde as
politicas públicas não são pensadas para as minorias, ainda temos uma sociedade marcada
pela hegemonia branca onde reinam os privilégios.
Saliento que a disciplina trouxe um tema pouco debatido pelas academias, a questão
da saúde da população negra e educação, contudo para nós enquanto estudantes de um
programa em nível de mestrado, que aborda justamente marcas sociais como de gênero,
sexualidade, raça, identidade, dentre outros, constitui um convite reflexivo extremamente
necessário, pois as relações perpassam por um processo de construção social dessas marcas,
onde a escola, a academia por vezes acaba sendo um instrumento de exclusão e/ou reprodução
de ideologias eurocêntricas.
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Regina Marques. A cidade nas franjas do capitalismo: habitar a periferia e ser
jovem negro. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S.l.],
v. 4, n. 8, p. 30-51, out. 2012. ISSN 2177-2770. Disponível em:
<http://abpnrevista.org.br/revista/index.php/revistaabpn1/article/view/248>. Acesso em: 25
jul. 2019.