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O poder das letras - Revista de História 9/7/11 5:35 PM

O poder das letras


Com medo de se tornarem vítimas, senhores de escravos temiam que cativos se
alfabetizassem.
Sandra Lauderdale Graham
2/3/2011

Será que um fazendeiro com muitos escravos, no começo do século XIX, deveria permitir que seus
escravos aprendessem a ler e a escrever? Nos Estados Unidos, os cativos eram impedidos de estudar
nas escolas. Mas nem sempre foi assim: nos tempos coloniais, os fazendeiros do sul dos EUA,
seguindo suas convicções protestantes, achavam que todos os homens e mulheres deveriam
encontrar Deus lendo a Bíblia. Para isso, eles costumavam matricular seus escravos em escolas
missionárias ou oferecer algum tipo de instrução particular para que pudessem aprender a ler.

As coisas começaram a mudar em 1880, quando, perto de Richmond (Virginia), um grupo de escravos
planejou matar seus donos e fugir: a tentativa de rebelião fracassou e o líder, Gabriel, foi
enforcado. A vontade de educar se transformou em medo. Muitos acreditavam que os escravos
alfabetizados poderiam ser influenciados por textos incendiários e forjar seus próprios salvo-
condutos, que os autorizavam a transitar sozinhos, tornando-se perigosos fugitivos. No mesmo ano,
um juiz da Virginia declarou: “Todo ano aumenta o número daqueles que podem ler e escrever, e o
aumento do conhecimento (. . .) é a coisa que mais precisamos temer”. Com pavor das insurreições,
os fazendeiros resolveram banir as assembleias que pudessem permitir que os escravos se reunissem
e conspirassem, e até mesmo reuniões destinadas a algum tipo de “instrução mental”, como as
escolas.

Paraacalmar suas apreensões e conter seus escravos, os americanos resolveram impor posturas que
cerceavam a possibilidade de alfabetização dos escravos, transferindo a responsabilidade e a culpa
para aqueles que ensinassem: mestres, negros libertos e colegas escravos. Os donos de escravos na
Carolina do Sul toleravam os escravos que sabiam ler, mas desde 1740 vinham prometendo impingir
uma pesada multa a qualquer um que ensinasse um escravo a ler ou o empregasse “como
escriturário em algum tipo de atividade escrita”.

Os brancos intensificaram as restrições depois da sangrenta rebelião de Nat Turner, que em 1831, na
Virginia, acabou com cinquenta e seis brancos assassinados e um número igual de escravos
executados – incluindo o próprio Turner –, além de muitos espancados ou mortos pelos guardas.
Qualquer pessoa branca que ensinasse ou até mesmo ajudasse um escravo a ler ou a escrever
poderia ser multada em cem dólares ou ficar presa por até seis meses. Um negro liberto que fizesse
o mesmo poderia receber até cinquenta chibatadas e ser multado em até cinquenta dólares, ao
passo que um escravo receberia até cinquenta chibatadas. Mesmo antes dessa revolta, a legislação
da Geórgia de 1829 proibia qualquer um de ensinar um “escravo, negro, ou pessoa livre de cor, a ler
ou escrever palavras, sejam escritas ou impressas...” Outros estados americanos acabaram copiando
o exemplo. Sumiu a permissão a ensinar os escravos a ler a Bíblia. O medo superou o amor cristão.

Essas leis apenas refletiam o medo branco, porque, na prática, eram quase inaplicáveis. Quem
poderia monitorar o que os donos de escravos faziam em suas próprias plantações ou casas, nos
centros urbanos ou nos locais de trabalho? A legislação da Virginia reconheceu o dilema: não se
podia impedir que os donos de escravos ensinassem seus próprios escravos a ler e a escrever. Na
melhor das hipóteses, podia-se evitar que um forasteiro o fizesse.

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O médico C. G. Parsons, que passou por plantações sulistas na década de 1850, reparou que os
donos de escravos da Geórgia alfabetizavam seus cativos “apesar da proibição da lei, pois isso servia
melhor aos seus interesses e conveniências”. Ainda segundo Parsons, “quando esses proprietários
tinham necessidade de que seus serviçais fossem ao mercado para realizar transações comerciais e
levar cartas e recados de família a família, eles lhes ensinavam a ler nomes, a escrever instruções
simples e a contar pequenas somas”. Ironicamente, os donos de escravos caíram em sua própria
armadilha. As leis que deveriam protegê-los, caso fossem cumpridas, acabariam impedindo que eles
usassem seus escravos como desejavam.

Tambémé verdade que alguns escravos pagaram caro por saberem ler e escrever. Um certo Solomon
Northup sofreu “cem chibatadas” por ter roubado uma folha de papel e fabricado a tinta de que
precisava para escrever aos seus amigos do norte, pedindo ajuda para que pudesse fugir e alcançar a
tão almejada liberdade.

Ao contrário dos seus colegas protestantes do sul dos Estados Unidos, os donos de escravos
brasileiros, como católicos, não achavam que fosse seu dever ensinar os cativos a ler a Bíblia. Nem
falavam abertamente sobre o que poderia acontecer caso seus serviçais se alfabetizassem, embora
certamente temessem uma insurreição. De qualquer maneira, o acesso às escolas públicas lhes foi
restringido. Uma reforma da educação pública, feita em 1854 na capital imperial, juntou no mesmo
balaio as crianças com doenças contagiosas, aquelas que não tinham sido vacinadas e os filhos de
escravos, e decretou que ninguém que pertencesse a esses grupos poderia frequentar a escola
primária. A Bahia seguiu o exemplo do Rio de Janeiro com uma regulamentação provincial, em 1862
– repetida em 1873 –, que proibia os escravos de estudar nas escolas públicas. Em 1881, autoridades
baianas exigiram dos alunos matriculados que confirmassem ter entre cinco e 15 anos, que não
tinham doenças contagiosas e que não eram escravos.

As autoridades achavam que educar os cativos era desnecessário. Suas motivações eram, em parte,
econômicas, já que ninguém queria “desperdiçar” verbas públicas. Assim como os sulistas
americanos, os brasileiros temiam que as escolas acabassem se tornando zonas perigosas, lugares
onde os escravos ou os filhos dos escravos poderiam se reunir para alimentar e divulgar ideias
sediciosas. Tanto na América do Sul como na do Norte, os donos de escravos se tornaram vítimas dos
seus próprios medos.

Sandra Lauderdale Graham é autora deCaetana diz não: História das mulheres da sociedade
escravista brasileira (Companhia das Letras, 2003) e “Writing from the Margins: Brazilian Slaves
and Written Culture”, in Comparative Studies in Society and History, vol. 49, nº 3 (2007).

Saiba Mais - Bibliografia

ALGRANTI,Leila Mezan, MEGIANI, Ana Paula (orgs). O Império por escrito: Formas de transmissão da
cultura letrada no mundo ibérico, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2009.

HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O ensino secundário no império brasileiro. São Paulo:
Universidade de São Paulo/Editorial Grijalbo, 1972.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura no Brasil colonial. Petrópolis: Vozes, 1981.

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