Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
0 /o\DM!f\JISTRATIVISN10
AO Erv1 REEND D0R1Sív10:
A TRANSFORíVlAÇÃO DA GOVERNANÇA
URBANA NO CAPITALIS~~O TARDIO
Publicado pela priineira vez e1n
(feogrqfisko i\.nnaler, edição ele 1989.
Nas ú!ti1nas duas décaclas, entre os 1ncus interesses acadênlicos, uni tc1na
cenlral foi o csclarcci1ncnlo do papel da urbanir:ação na 1nudança social, cspeciahnente
sob as condições das relações sociais capitalistas e da acu,nulação capitalista (I-lARVEY,
1973: 1982; 1985a: 1985b: 1989a). Esse projeto exigiu maior inquirição cio motivo
pela qual o capitalis1no produz uma geografia histórica distintiva. Depois que se
for1na a paisagc111 física e social da urbanização ele acordo co111 critérios
caracteristica111cnte capitalistas, certos litnites se intcrpõetn nas vias futuras do
desenvolvirncnto capitalista. Isso iinplica que, ctnbora o processo urbano sob o
capilalistno seja Inoldado pela lógica da circulação e da acurnulação do capital,
aqueles critérios rnodelarn as condições e as circunstâncias da acu1nulação do capital
e1n pontos posteriores elo tcrnpo e do espaço. En1 outras palavras, os capitalistas,
como todos os den1ais, talvez lutcn1 para prornover sua própria geografia histórica,
1nas, tan1bé1n con10 todos os de1nais, não Cazetn.isso sob circunstâncias históricas e
geográficas ele sua própria escolha individual, 1nesmo quando dcsempenha1n um
papel coletivo imporlantc e n1es1no detern1inantc ao 1noldar aquelas circunstâncias.
Essa relação de duas vias de reciprocidade e do111inação (e1n que os capitalistas,
con10 os trabalhadores, são do1ninados e coagidos pelas suas próprias criações) pode
ser n1ais bcn1 apreendida tcorica1nente ern tennos dialéticos. Desse ponto de vista,
busquei ;ns;g/us mais poderosos a respeito cio processo ele feitura ela cidade, que é
tanto produto con10 condição dos processos sociais de transformação e111 anda1nento,
na fase 1nais recente do dcsenvolvin1enlo capitalista.
É claro que não há novidade na inquirição do papel da urbanização na
dinâ1nica social. f)e vez c111 quando, o assunto floresce co1110 foco de debates
importantes, ainda que, mais frcqüente1nente, não cn1 relação a circunstâncias
histórico-geográficas específicas, en1 que, por uma razão ou outra, o papel ela
urbanização e das cidades aParece especiahnente ressaltado. No desenvolvitnento ela
civilização, discutiu-se mui lo a parte desempenhada pela formação ela eiclade, como
o papel da cidade na Grécia e Ron1a clássicas. Na transição do feudalisn10 ao
capitalisino, o significado das cidades é unia arena de perene controvérsia, gerando,
1ô4 !)Avio HtSlVEY
ao jongo dos anos, unia literatura notável e csc!areccdnrtL f)1versns evidênci;:s la1nbérn
podcrn ,:gora ser apre,,:,en!adas para sustt~1Har a irnportfincíu da urb~H~l1.,;~·?to para o
de~cnvo!vin1tn!n pülftico, cultund e. indus!nal do século- X!X, nsshn con10 pant a
cxix:nsiío subseqüente cias re!açôe'> soci::iis capiü:I i;-.tas ao:-, países 11ic1 ios. dl;st:11 vulvidos
(que agora têrn as cidades que, tle ronna drarnática, 1n,i.is crcscen1 no inundo_).
Corn i-nuiti: Ü'eqüência, no entanto, o e;;;tudo da urbanir,ac;ão se sep<trJ do
estudo <la mudnnça sociut e do desenvolvllnento econônllco, con10 se o estudo da
urhanização pudesse, de algurn modo, scrcon;;i(lerado ltrn 11aS.sunto scc11ndàrio otr produto
secundário passivo e1n relação a nutd;1nyas soci,tis mais iinpottantes e fundarncntais.
As sucessivas revoluções crn tecnologia, relações espacíais, relações sociais, hábitos
de consun10. e3tilos de vida etc,, caracteríslic<1s da história capitalista, pcdern, suge~·e-
se às vezes, ser co1npreendidas sern inve;;;tiga<;:ão profunda algurnn das raíze~ e da
natureza dos processos urbanos. De fato, esse juízo é) de n1odo gera!, feito tacitan1ente
em virtude <los pecados da omissão e não da conüssão. No entanto, nos esHH.los. da
mudança macroeconô111ica e rnacrossocü1I, a tendência antiurbana é de1nasiadarnente
persistente por co1nodidade, Por essa razão, párece conveniente investigar o papel que
o processo urbano talvez esteja desen,penhando na reestrut11raç~10 radical e1n andan1ento
nas distribuições geográficas da atividade hu1nnna e na dinâmica poHLico-econô1nica
do desenvolvinu.:nto geográfico desigual dos te111pos n1ais recentes,
33. Uma pequena divisão do governo local britfmico, rcspons6ve! pela oferta de serviços; por exem-
plo, moradía e rccrcaçiío cm uma determinada llrea, normalmente alguns distritos (N. T.).
34. No Reino Unido, u principal funçi'ío do governo !oca! é proporc.:ionar serviços locais, como
escolas, bibliotecas e corpo de bombeiros. Também é rcspons6vcl pelo meio ambiente local,
fazendo coleta de lixo e limpeia pública (N. T,).
166 ÜAVID HARVEY
As questões conceituais
Para tal inquirição, há proble1nas conceituais que merece1n um
esclarecin1cnto inicial. Ern pri1neiro lugar, a rcificação elas cidades e1n con1binação
co1n a linguagcn1 que considera o processo urbano aspecto ativo cm vez de passivo
do desenvolvimento político-econômico impõe grandes riscos. Faz parecer como
se as "cidades" pudesse1n ser agentes ativos quando são simples coisas. De n1odo
n1ais apropriado, dever-se-ia considerar a urbanização um processo social
35 ..Jogo cm que apenas um part;c;paotc g,mha um rnoutaote iguaf ao qoe os outros pccdcm (N. T.).
168 DAVID HARVEY
efcilos reflexivos de la! 1nuc!ança alravés elos i1npaclos sobre as instituíçõcs urbanas,
assi1n con10 s(1bre os an1hicntes urbanos construídos.
l11Cc!iz1ncnte, nos ú!!in1os anos. o do1nínio das prúticas espaciais tcn1
rnudado. tornando ainda n1ais prublcn1ática qualquer definição iinutávci c1n relação
ao urbano enquanto dornínio espacial dístinl!vo. Por un1 !ado, testc1nunha111os un1a
n1aior frag111cntação do espaço social urbano cin ;,,onas, co1nunidaclcs e diversos
"clubes da esquina", enquanto, por outro lado, o transporte rápido e integrado torna
absurdo certo conceito de cidade enquanto unidade física hcnnetica1ncnle n1urada
ou incsino dornínio adrninistralivo cocrcnteincnte organizado. A "1negalópolc" da
década de 1960 sofreu fragn1entação e dispersão ainda 1naior, cspecialincnle nos
f~stados LJnidos. já que <.1 desconcentração urbana aurncntou o rit1no concernente à
gen1<;ão da fonna de "cidade csparrainada". No entanto, persiste o rundan1ento
espacial de aigu111a fonna, con1 significados e efeitos específicos. En1 tuna fonna de
cidade esparran1ada, a criação de novas estruturas e padrões ecológicos te1n
itnportância rclativa1ncntc a co1no se organiza a produção, a troca e o consu1no, de
co1110 se estabelecetn os relacionamentos sociais, de con10 se exerce o poder
(financeiro e político), de co1no se alcança a integração espacial da ação social.
Aprcsso-111e e1n acrescentar que a apresentação da problen1ática urbana etn tennos
ecológicos não prcsurne explanações ecológicas. Mcrarnente sustenta que os padrões
ecológicos são in1portantes relativa,nente à organização e ação social. Na governança
urbana, a 1nuclança para o c1npreendcdorisn10 deve então ser analisada etn diversas
escalas espaciais: zonas e cornunidades locais, centro ela cidade e subúrbios, região
n1etropolitana, região, Estado-Nação etc.
"fan1bén1 é itnportante especificar que1n está sendo ernpreende<lor e a
respeito de quê. Desejo insistir aqui que "governança" urbana significa 111uito mais
do que "governo" urbano. É desastroso que grande parte da literatura (na (Jrã-
Bretanha, especialn1ente) se concentre tanto na questão do "governo" urbano, quando
o poder real de reorganização da vida urbana 1ntiitas vezes está en1 outra parte, oui
pelo menos, numa coalizão de forças mais atnpla, e1n que o governo e a administração
urbana desempenham apenas papel facilitador e coordenador. O poder de organíz.ar
o espaço se origina em urn conjunto co[nplexo de forças 111obilizado por diversos
agentes sociais. É u1n processo conflituoso, ainda 1nais nos espaços ecológicos de
densidade social tnuito diversificada. Numa região rnetropolitana, cleve1nos
considerar a formação da política de coalizão, a formação da aliança de classes,
como base para algurn tipo· de e1npreendedoris1no urbano. É claro que a iniciativa
cívica foi 1nuitas vezes prerrogativa das câmaras ele co1nércio locais, de algum conluio
1
de financistas, industriais e comerciantes locais, ou de alguma "tnesa-redonda" entre
líderes e1npresariais e incorporadores ilnobiliários. Frcqüenternente, essa "1nesa-
1
L
170 DAVI() HI\HVEY
As estratégias alternativas
para a governança urbana
Como afirmei em outra obra (HARVEY, l989a: cap. J), há quatro opções
básicas relativas ao empreendedorismo urbano. Cada opção justifica alguma
consideração em separado, ainda que seja a cornbinação dessas opções que proporciona
a chave para as rápidas e recentes n1udanças no desenvolvimento.desigual dos siste1nas
urbanos do mundo capitalista avançado.
Em primeiro lugar, a con1petição dentro da divisão internacional do trabalho
significa a criação da exploração de vantagens específicas para a produção de bens e
serviços. Certas vantagens derivatn da base de recursos (o petróleo, permitindo que
o Texas florescesse na década de 1970) ou da localização (por exemplo, no caso das
cidades californianas, o acesso favorecido ao vigor corr1ercial ela costa do Pacífico).
Mas outras vantagens se criam através dos investirr1entos públicos e privados nas
infra-estruturas físicas e sociais que fortalecem a base econômica da região
metropolitana co1no exportadora de bens e serviços. As intervenções diretas para
estimular a aplicação de novas tecnologias, a criação de novos produtos ou a provisão
de capital de risco para novas empresas (que talvez sejam possuídas e administradas
cooperativamente) também talvez sejam itnportantes, enquanto os custos locais
CAPÍTULO V! ÜO /\DMINISTRATIVISMO /\O EMPREENDEDORISMO 173
podc1n ser reduzidos por subsídios (rcn(1ncias fiscais. crédito barato, aquisição ele
terrenos). f)ifici!rncnlc, na a1ualid,1dc. dcscnvolvin1cnio algu1n cn1 larga escala
acnn!ccc sc1n que o governo !nca! (ou ;J coalizfto n1ais arnp!a de Corças que constilui
a govcn1,u1í;c1 loc<.11) oJ"crc<_:a. con10 c;;lÍnnllo. un1 pacote substancia'! de ajuda e
assistência. A con1pclitividadc internacional ta1nbé111 depende das qualidades,
quantidades e custos da oferta local ele rnão-dc-obra. Os custos locais podcrn ser
1nais fnciln1ente controlados quando os acordos coletivos locais substituen1 os acordos
coletivos nacionais, e quando os governos locais e outras grandes instituições, con10
hospitais e universidades, pavi1nentan1 o can1inho para reduções de salários e
heuerícios (na década ele 1970, c1n Balti1nore, o setor público e institucional se
caracterizava por u1na série de conflitos sobre índices e hcnefícios salariais). A força
de trabalho de qualidade adequada, ainda que dispendiosa, pode ser u1n írnã poderoso
para u,n novo clcsenvolvi1nento econônlico, de ,nodo que o invcstin1ento crn forças
de trabalho be,n treinadas e habilitadas, adaptadas aos novos processos de trabalho e
às suas exigências acl1ninistrativas, pode ser ben1 reco1npensado. Finaln1enle, há o
problen1a de econotnias aglo1neradas cn1 regiões 1netropolitanas. Muitas vezes, a
produção de bens e serviços não depende de decisões isoladas das unidades econô1nicas
(co1no a instalação da filial de tuna grande n1ultinacional na cidade; freqüente1nente,
corn efeitos ele contágio n1uito lin1itados), n1as do rnodo pelo qual se criarn ccono1nias
pelo estabcleci1ncnto de diversas atividades dentro de u1n espaço restrito ele interação,
facilitando os siste1nas produtivos altatnente eficientes e interativos (consultar SCOTT,
1988). Desse ponto ele vista, grandes regiões tnetropolitanas como Nova York, Los
Angeles, L,ondres e Chicago, possuetn algu1nas vantagens distintivas que os custos
do congestiona1nento já não te1n rnais co1npcnsado. No entanto, como o caso de
Bolonha (consultar GuNDLE, 1986) e a onda de novo desenvolvimento industrial na
EmHia f{o1nagna ilust:ra1n, a atenção cuidadosa relativa ao rnix industrial e de
marketing, con1 o apoio da ação finne da autoridade local (nesse caso, encabeçada
pelos con1unistas), pode pron1over forte crescimento de novos distritos e configurações
industriais, fundados nas econo1nias aglo1neraclas e na organização eficiente.
Na segunda opção, a região urbana també1n pode buscar 1nelhorar sua posição
cotnpctitiva con1 respeito à divisão espacial ele consu1no. É n1ais do que tentar atrair
recursos finaf1ceiros para u1na região urbana por 1neio do turisn10 e das atrações
associadas à aposentadoria. Depois da década de 1950, o estilo consumista de
urbanização fon1entou tuna base sempre 1nais ampla para a participação do consumo
de n1assa. Iin1bora a recessão, o desemprego e o alto custo do crédito tenham reduzido
essa possibilidade para importantes setores da população, ainda resta muita capacidade
de consumo (muito dessa capacidade alimentada pelo crédito). A concorrência por
essa capacidade de consun10 torna-se 1naior, embora os consumidores que dispõem
i 74 ÜAVID HARVEY
cotnunidadc dinâ1nica, tanto nas cidades controladas por co1nunistas co1no R.01na e
Bolonha. quanto en1 Baltin101'C, (.:;Jasgo\v e Ijvcrpoo1. I)essc rnodo, un1a região
urbana tcn1 a expectativa de poder aderir e sobreviver corno local de solidariedade
co1nu11ilúrü1. cn\1uun\o analisa a opçUu de se aproveitar do consun10 conspícuo nu1n
oceano de recessão cn1 cxpans~lo.
E1n terceiro lugar. o ernprcendcdoris1no !arnbé111 foi 1nuilo influenciado
pela luta f'e:roz co1n respeito à obtenção das atividades de controle e co1nando referentes
às altas rinançus, ao governo, ü coleta de infonnações e ao seu proccssarnento
(incluindo a 1nídia). 1\s atividades desse lipo precisarn da provisão de inrra-estrutura
específica e, frcqücntctnenle, dispendiosa. Nurna rede inundial ele cornunicações, a
eficiência e a centralidade são essenciais ern setores onde se requercn1 interações
pessoais de. ton1adorcs de decisões i1nporlantes. Isso representa grandes invcsti1ncntos
etn transporte e con1unicações (aeroportos e tcleportos, por exen1plo), e na oferta de
espaço adequado de trabalho, equipado corn as ligações internas e externas necessárias
para 1niniinizar os te1npos e os custos das transações. O desenvolvimento de tuna
vasta ga1na de serviços de apoio, especialinentc os que podcn1 coletar e processar
infonnaçõcs rapida1ncntc, ou pennitctn consulta rápida aos "especialistas'\ pede
outros tipos de investi1nentos, enquanto as habilidades específicas exigidas por tais
atividades prerniarn as regiões 1nctropolitanas con1 detcnninados tipos de oferta
educacional (escolas de ad1ninistração e direito, setores de produção de alta tecnologia,
co1npetências associadas à 1níclia etc.). Nesse setor, a concorrência interurbana é
muito dispendiosa e, particularmente, difícil, pois as economias aglomeradas
continua1n supre1nas, e o poder n1onopolístico ele centros estabelecidos, co,no Nova
York, Chicago, Londres e Los Angeles, é di[ícil de ser quebrado. No entanto, como,
nas últimas duas décadas, as atividades ele con1ando foratn urn setor de grande
crescitnento (na Grã-Bretanha, en11nenos de urna década, a quantidade de empregos
no setor financeiro e de seguros dobrou), a busca dessas atividades atrai cada vez
1nais corno can1inho dourado para a sobrevivência urbana. O resultado, naturahnente,
é dar a ilnpressão de que a cidade do futuro será un1a cidade apenas de atividades de
controle e co1nanclo, urna cidade infor1nacional, un1a cidade pós-industrial, e1n que
a exportação de serviços (financeiros, informacionais, produção de conhecin1ento)
se torna a base econô1nica para a sobrevivência urbana.
Em quarto lugar, a vantagem competitiva com respeito à redistribuição de
superávits através dos governos centrais (ou, nos Estados Unidos, dos governos
estaduais) ainda tem granclC ünportância, pois se trata de u1n mito que os governos
centrais não redistribuen1 os saldos positivos na proporção que estava1n acostun1ados.
Os canais mudaram, de modo que, tanto na Grã-Bretanha (por exemplo, Bristol)
como nos Estados Unidos (por exemplo, Long Beach-San Diego), são os contratos
176 ÜAV!O
36. A região sul e sudoeste dos Esu1dos Unidos, da Virgínia até o sul da Califórnia, chamada assim por
causa do clinia quente e ensolarado (N. T.),
0
CAPÍTULO V! ÜO AOMINISTHATIVISMO AO EMPflEENDEOOrllSMO 177
cidades. l)c fato, ú n1cdida guc a concorrência interurbana se torna 1naior, quase
ccrta1nentc ucionar{i urn "poder coercitivo cx(crno" sobre certas cidades,
aprnxirnando-as n1,lis da disciplina e da !6gica do dcscnvolvirncnto capitalista. 1·atvez
alé force a rcproduçf10 repetitiva e serial de certos padrões de dcscnvolvi1T1ento
(co1no a reprodução en1 série de 1vor/d traclc center:--; ou de novos centros culturais e
de entreteni1ncnto, de construções à beira do n1ar ou do rio, de shopping centers
pós-n1odcrnos etc.). A evidência relativa à reprodução c1n série ele fonnas sin1ilares
de renovação urbana é n1uilo grande, e as razões subjacentes são dignas de nota.
c:0111 a di1ninuição dos custos de transporte e a conseqüente redução das
barreiras espaciais para o 1novin1cnto de bens, pessoas, 1noedas e inConnações, realçou-
se a in1portft11cia elas qualidades elo !oca!, e se fortaleceu consicleravcl!nente o vigor da
concorrência interurbana para o desenvolvirnento capitalista (inveslitnentos, crnpregos,
turisrno etc.). Considere1nos a questão, antes de 1nais nada, do ponto de vista do
capital rnultinacional de alla n1obilidade. Co111 a redução das barreiras espaciais, a
distância do 1nercaclo ou das n1atérias-prirnas se torna n1enos irnport.ante para as decisões
localizacionais. ()s elementos 1nonopolíslicos da cornpetição espacial, tão essenciais
para as obras relativas à teoria de Ldschian, desaparecen1. Certos ,utigos pesados e de
baixo valor (corno cerveja e água 1nineral), que costu1navarn ser produzidos locahnente,
agora são co1nercializados etn locais 1nuito distantes, tornando quase sern sentido
conceitos corno "alcance ele u1na mercadoria". Por outro lado, a capacidade elo capital
ele exercer 1naior seleção sobre a localização, realça a iinportância das condições
específicas ele produção cm.um determinado lugar. As pequenas diferenças na oferta
de 1não-cle-obra (quantidades e qualidades), nas infra-estruluras e nos recursos, na
rcgulan1entação e tributação governatnental, assu111e1n muito n1aior importância do
que quando os cuslos elevados de transporte criavarn rnonopólios "naturais" para a
produção local em mercados locais. Além disso, o capital multinacional, na atualidade,
é capaz de reagir a variações 1nuito localizadas de gostos do 1nercado por meio da
produção especializada e ele pequenos lotes, idealizada para satisfazer nichos locais de
tnercado. E1n un1 inundo de concorrência acin·acla - como o que prevaleceu até o
boo111 do pós-guerra entrar e1n colapso en1 1973 -, as pressões coercitivas forçam o
capilal rnultinacional a ser 1nuito n1ais seletivo e sensível a pequenas variações entre os
lugares cotn respeito às possibilidades tanto de produção como de consumo.
Consiclere,nos a questão, e1n segundo lugar, do ponto de vista dos locais que
se candidatam a au111entar ou perder sua vitalidade econômica se não oferecerem às
etnpresas as condições necessárias para se estabelccere1n ou permanecere1n na cidade.
De fato, a redução das batTciras espaciais intensificou ainda 1nais a conco1Tência, entre
localidades, estados e regiões urbanas, pelo capital destinado ao desenvolvimento.
Assin1, a governança urbana se orientou n1uito 111ais para a oferta de urn "ambiente
178 DAVID HARVEy
favorável aos negócios", e para a elaboração ele lodos os tipos de chan1arizcs para
atrair esse capital à cidade. Natura!rnentc, o crnpreendcdoris1no cresccnlc foi
conseqüência pareia! desse processo. r,10 cnlanto, pcrcebc1no.'i aqui e.'>se
emprcendedoris1no crescente sob un1a luz difere11Le, poís a busca para se obter capilal
ele investimento confina a inovação a um carriinho rnuito estreito, elaborada cn1 torno
de um pacote favorável ao descnvolvi1nento capitalista e a tudo que isso acarreta. Ein
resurno, a missão ela governança urbana é atrair fluxos de produção, financeiros e de
consurno de alta n1obilidade e nexibilidadc para seu espai;o. () caráter especulativo
dos investimentos urbanos deriva ela incapacidade c.le prever exatn1nente qual pac{)te
terá ou não sucesso, nutn mundo de inuita instabilidade e volatilidade econôinica.
Po11anto, é fácil conjeturar sohre todo.s os tipos de espirais ascendentes e
descendentes de desenvolviinento e declínio urbano sob condições e1n que são fortes o
empreendedorismo urbano e a concorrência interurbana. As reações inovadoras e
competitivas de muitas alianças urbanas da classe dirigente engendrararn rnais incerteza,
e, no fim, tornaran1 o sisten1a urbano 1nais vulnerável às incertezas da mudança acelerada.
As implicações macroeconômicas
da concorrência interurbana
As itnplicações tanto 1nacroeconôrnícas quanto locais corn respeito ao
empreendedorismo urb(u10 e a conco1Tência interurb,u1a 1nais aci1Tada 1nerecen1 escrulínio,
É muito ti til pôr esses fenômenos em perspectiva com algutnas das tendências e n1udanças
mais gerais observadas no modo co1no as econon1ias capitalistas têm funcionado desde
que, em 1973, a priineira recessão importante do pós-guerra provocou diversos ajustes,
aparentemente profündos, nos rumos do desenvolvimento capitalista.
Etn primeiro lugar, a concorrência interurbana e o e1npreendedorismo
urbano abriram os espaços urba11os dos países capitalistas avançados a todos os tipos
de novos padrões de desenvolvimento, mesmo quando o resultado líquido tenha
sido a reprodução em série de parques científicos, enobrecimento de regiões
clegradadas, 37 world frade centers, centros culturais e de entretenimento, grandes
shopping ccnters com equipamentos pós-modernos etc. A ênfase na criação ele um
ambiente local favorável para os negócios acentuou a irr1portáncia da localidade
co1no lugar de regulação concernente à oferta de infra-estrutura, às relações
trabalhistas, aos controles ambientais e até à política tributária em face cio capital
37. No original, gentrijicatimi. É um processo que envolve ;1 mudança de pessoas de maior renda parn uma
área anteriormente desvalorizada da cidade, deslocando as pessoas de menor renda dessa árcu (N.T.).
CAPÍTULO \/1 " ÜO IIOMINISTR/\T!VISMO AO EMPREENDEDORISMO 179
econôn1ico e não no emprego, e con1 ênfase nas pequenas cn1presns". ('.01r10 o principal
objetivo foi "esliinular ou atrair a iniciativa privada, criando as condii;ôes prévias
para o investi111cnto rent6vcl'', o governo local "de rato, acabou suslentt1nd(J a iniciativa
privada, assun1indo parte do ônus dos custos de produ(;âo". (~01no, atuu!1ncnte, o
capital tende a ter rnais inobilidade, resulta que, provavclrnentc, crescerão os subsídios
locais ao capital, enquanto din1inuirá a provisão local para os desprivilegiados, criando
uma tnaior polarização na distribuição social da renda real.
E1n 1nuitos casos, os tipos de e1npregos criados iinpedem qualquer n1udança
progressiva na distribuição de renda, visto que a ênfase nas pequenas ernpresas e na
terceirização pode se transformar nu1n estírnulo direto ao "setor infonnal" co1no base
para a sobrevivência urbana. Nas ll!Litnas duas décadas, particulannenle nos f.~slados
Unidos, o avanço elas atividades produlivas infonnais e111 1nuitas cidades (SASSI:N-
KooB, 1988) foi uma característica 1narcante. Considera-se o setor inforn1a\ cada vez
n1ais con10 ou uin mal necess,llio, ou como urr1 setor dinârnico, capaz de trazer de
volta certo nível de atividade manufatureira para centros urbanos en1 decadência.
Além disso, os tipos de atividades de serviço e de funções administrativas que se
firn1ara1n nas regiões urbanas tenderam a ser ou en1pregos tnal pagos (1nuitas vezes,
exercidos exclusive.unente por 1nulheres), ou cargos muito bem pagos no topo do
espectro gerencial. Em conseqüência, o empreendedorisrno urbano contribui para
aumentar as diferenças de riqueza e de renda, assin1 como para nmpliar o
empobrecimento urbano, observado n1es1no nas cidades (corno Nova York) que
apresentam grande progresso. Fonnn exatarnente essas conseqüências que os conselhos
laborais na Grã-Bretanha (assiin con10 algurnas das administrações urbanas mais
progressistas dos Estados Unidos) tentaram impedir. No entanto, é evidente que mesmo
o governo urbano mais progressista é incapaz de resistir a tais conseqüências quando
encaixadas no lógica elo desenvolvimento espacial capitalista, no qual a cornpetição
parece funcionar não corno uma 1não oculta benéfica, 1nas sitn corno uma lei coerciva
externa, impingindo o menor denominador comum relativo à responsabilidade social
e à oferta de bem-estar nu1n siste1na urbano organizado de 1nodo competitivo.
Muitas das inovações e dos investimentos idealizados para tornar certas
cidades 1nais atraentes como centros culturais e de consu1no foram rapidamente
imitadas em outros lugares, tornando efêmera qualquer vantagem cornpelitiva nun1
conjunto ele cidades. Quantos centros ele convenções, estádios, Disney Worlds, zonas
portuárias renovadas e shopJJing centers espetaculares podem existir? Muitas vezes,
o sucesso é fugaz ou se torna discutível pelas novidades semelhantes ou alternativas
que surgem en1 outros lugares. Em virtude das leis coercivas da concorrência, as
coalizões locais, para sobreviverem, não tê1n opção, exceto se conseguiretn se manter
na dianteira no jogo, engendrando saltos de inovação e1n estilos de vicia, fonnas
CAPÍTULO V! e Do ADiviif\JISTRA TiVISMO AO EJv1PREE:NDFD0RISMO 181
38. Inspirado no carregnmento de 1naterinl bélico en1 nviõcs durante a Segunda Guerra Mundial (N. T.).
CAPÍTULO VI O
Do /\DMINISTR/\TIVISMO AO EMPREENDEOORISMO 183
39. No origina!, togctherncss. que significa a sensação de estar unido com outras pessoas num relaci-
onamento afetivo (N. T.).
184 DAVID HARVEY
(1983). Logan e Mololch (1987), Gun_ e King (1987) e Smith (!988), discordou
coin vccn1ência. /\. consideração cn1 rclaçDo ;\ concorrência interurbana, poré1n,
indica uni n1odo pc!o qu,11 o cn1prccndcdoris1110 urb<.\no aparcntc1ncntc aulônorno
pode se hannonizar co1n as exigências con!radi((Jrias da acun1ula<;ão contínua do
cupita!, enquanto garante a reprodução das relações sociais capitalistas ern escalas
se1nprc 1naiorcs e crn níveis scinpre 1nais profundos.
(~on1 eloqüência, Marx asseverou que a coinpctição é, inevitavelincnlc, a
"viga 111cstra" das relações sociais capitalistas c1n qualquer sociedade ern que a
circulação do capital é u1na Corça hegen1ônica. As coercivas leis da concorrência
in1põcn1 aos agentes individuais ou coletivos (einpresas capitalistas, instituições
financeiras, Estados. cidades) certas conf'igurações de atividades, que são, por si
próprias, constitutivas da dinfunica capitalista. No entanto, a "irnposiçüo" acontece
depois da açào e não antes. O desenvolvirncnto capitalista sen1prc é especulativo -
de fato, locla a história do capitalisino pode ser interpretada corno tuna série cornplcta
de in1pulsos especulativos rninúsculos e, às vezes, grandiosos, en1pilhados, histórica
e geografican1entc, uns sobre os outros. Por exemplo, não há prognóstico exato
sohre corno as cn1prcsas se adaptarão e se coinportarão diante da concorrência de
rnercado. Cada en1prcsa buscará seu próprio caminho para sobreviver, sen1
conhecirncnlo prévio algurn a respeito do que acontecerá. S01nente depois cio
acontccirnento, a "n1ão invisível" (expressão de Ada1u Snlith) do 1nercado se afirma
como "urna necessidade a posteriori, imposta pela natureza, controlando os caprichos
ilícitos dos produtores" (MARX, 1967: 336).
A governança urbana é si1nilar, estando tarnbén1 sujeita a ser ilícita e
caprichosa. No entanto, tarnbén1 há muita razão para se esperar que tal "capricho
ilícito" seja regulado depois do aconteciincnto pela concorrência interurbana.
Possivehnente, a concorrência por investhnentos e ernpregos, especíahnente sob
condições de desemprego generalizado e de reestruturação industrial, e numa fase
de mudanças aceleradas para padrões 1nais flexíveis e geografican1ente 1nóveis de
acu1nulação do capital, gerará todos os tipos de fermentos concernentes a como
rnclhor atrair e estitnular o clesenvolvirnento sob condições locais específicas. 'foda
coalizão procurará sua própria versão c!o que Jessop (1983) denomina "estratégias
c!e acumulação e projetos hegemónicos". Do ponto de vista da acumulação do capital
a longo prazo, é essencial que seja1n exploradas diferentes vias e diversos conjuntos
de esforços políticos, sociais e e1npresariais. Para urn siste1na social dinâmico e
revolucionário co1no o capitalisn10, apenas desse 1nodo é possível descobrir novas
fonnas e modos de regulação social e política, ajustados a novas formas e caminhos
de acumulação do capilaL Se é isso que é pretendido pela "autonomia relativa" da
autoridade local, então não há nada que, en1 princípio, diferencie o e1nprcendedorisn10
186 ÜAVID HARVEY