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Uma das mentiras mais comuns é sustentar que vocês devem, primeiro,
conhecer bem as leis e os costumes da classe, grupos e povos dominantes; e, depois, se
quiserem, tratá-los, em mais largas perspectivas sociológicas, políticas e críticas.
Eis aí uma questão de grande alcance para a vida do Direito, que se revelou
móvel, e não fixo, dialético e não "lógico".
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Por que Estudar Direito, Hoje? Brasília: Edições Nair, 1984.
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Professor Emérito da Universidade de Brasília; Fundador da Nova Escola Jurídica Brasileira.
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como algo suscetível de paralisação, entre uma lei que o promulga e outra que o revoga,
entre uma ordem constitucional que vige, formalmente, e uma "revolução" ou reforma que
muda as regras do jogo.
Para dar a vocês apenas um exemplo prático, lembro que a lei de segurança
do poder, que se diz de "segurança" de toda a nação, trumbicou-se, em parte, no Supremo
Tribunal, quando pretendeu definir, com bitola autoritária, o que é segurança nacional.
Há, sempre, direitos, além e acima das leis, até contra elas, como o
direito de resistência, que nenhum constitucionalista, mesmo reacionário, poderá
desconhecer; ou o Direito Internacional, que encampa direitos contra os Estados, tal
como no caso do genocídio praticado mediante leis que oprimem e destroem grupos e
povos, ou o direito de resistência nacional contra o invasor estrangeiro, ainda quando
os governos de fato - os Estados, portanto - ordenam a cessação das hostilidades.
A isto se dedica a Nova Escola Jurídica Brasileira – Nair, numa visão global,
que, pelas razões já explicadas, eu me limito a enunciar, pedindo que procurem, no escrito
mencionado, o desenvolvimento dessas idéias.
Por outras palavras, a liberdade Jurídica não é o que resta, depois que
um "direito positivo" qualquer impõe o que não se pode fazer, senão que as ilicitudes
devem ser constituídas, num Direito legítimo, apenas na medida em que viabilizem a
liberdade - já que a total liberdade de todos acabaria obstruindo a deste por aquele. Mas
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também não se pode colocar o livre desenvolvimento coletivo num sufoco público, senão
que em função estrita do livre desenvolvimento de cada um.
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Temos de absorver toda abertura para alargá-la (não para engolir o seu
capcioso diâmetro, como os "realistas"); temos de vencer etapas limitadas, para superá-las
(não para imaginar que com elas se resolva tudo, em lance milagreiro); temos de inserir-nos
no contexto, para transformá-lo (não para nos julgarmos adstritos a ele, como o peru
natalino, em torno do qual se traga um círculo de carvão: ele fica ali, dentro do círculo,
pensando que é intransponível, até que o venham buscar, para o facão, o tabuleiro e o
forno).
A pressão libertadora não se faz, apenas, de fora para dentro, mas, inclusive,
de dentro para fora, isto é, ocupando todo espaço que se abre na rede institucional do status
quo e estabelecendo o mínimo viável, para maximizá-lo, evolutivamente.
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Isto, no fundo, é um comodismo, que só quer engajar-se em batalhas
previamente ganhas e num terreno onde reconheça a presença já organizada de um grupo
progressista. De que vale bramir, de longe, contra a situação da área fechada, quem nada
fez para alterá-la? Ou, pior: de que vale disfarçar esse comodismo, com a pretensa certeza
de que ali não há nada a fazer e, em vez de espancar a ideologia com nova ciência do
Direito, repetir que o Direito é pura ideologia?
Nos meus tempos de estudante, havia um ceguinho que nos mandava rezar,
nas provas, os capítulos do Direito Processual Civil, do Gabriel Rezende Filho, e salvava
face recitando nas aulas os verbetes escolhidos duma enciclopédia italiana.
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ar, como o deputado Amaral Neto agitava o revolver quando se fala nas eleições diretas:
"comigo é na lei, estão ouvindo? E no Código! E quem critica a lei, a ORDEM é CO-MU-
NIS-TA!" Ele tinha tanto medo de "comunista" que, a noite, mandava a esposa verificar o
que estava debaixo da cama, com receio de que lá se ocultasse o sr. Luís Carlos Prestes,
junto do penico.
A questão é não comer o milho (não somos galinhas agachadas diante dos
galos de terreiro pedagógico) e, sim "moer" o milho, isto é, constituir com "ele" o nosso
fubá dialético, acrescido com outras malarias que os ceguinhos, catedr’áulicos e nefelibatas,
ou não conhecem ou deturpam; e, em todo caso, não usam, porque eles são do Planalto e
nós da planície, democrática, popular, conscientizada e libertadora.
Como dizem os ingleses, é preciso cuidado para não jogar fora o bebê junto
com a água do banho.
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companheiros com outra formação e modelo pode e deve ajudar-nos a repensar as nossas
próprias opções, reavaliá-las e aperfeiçoá-las, sem deixar que a posição antidogmática se
esterilize na simples troca de um dogma por outro.
A mania do velho é dar conselhos; mas, desde que ele não pretenda
transformá-los em diretivas autoritárias, é também mania inofensiva de quem se angustia,
no desejo de converter as lições positivas e negativas do seu itinerário em um elenco de
propostas sobre a maneira de evitar as alocações do caminho.
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A propósito, lembrem-se das observações exatas e fecundas de Adam
Schaff, "ninguém teve jamais ao seu dispor a verdade total e todos nós dispomos apenas de
teorias que não escapam ao estado de hipóteses, pois devem ser constantemente verificadas
e modificadas. O diferente reduz-se apenas a questão de saber quem possui uma verdade
mais completa. Mas, embora persuadidos de que a nossa detém esse privilégio, o que é
natural, não devemos admitir de antemão que as teorias concorrentes são inteiramente
desprovidas do valor da verdade, dado que, teoricamente, até uma teoria oposta à nossa a
pode possuir e esta questão deve ser sempre concretamente estudada e resolvida. É assim
que a reflexão sobre o caráter relativo da verdade de que dispomos engendra a necessidade
de tolerância e até a de nos instruirmos junto do concorrente, o que de nenhum modo
significa que renunciemos a combater - mesmo violentamente - as suas opiniões".
Por outro lado, a consciência de que só possuímos uma verdade relativa não
desanda em relativismo (este último nível todas as verdades relativas admitindo que tanto
vale uma como a outra), enquanto na concepção dialética, uma "verdade processo",
procuramos determinar qual é a verdade relativa que, no momento, representa o ponto
vanguardeiro ("tendendo para a verdade absoluta") e, de toda forma, admitimos, com
Hegel, que as teorias científicas, tal como as doutrinas filosóficas mais avançadas, em cada
época, vão acrescentando pedras à grande, à ininterrupta, à infinita edificação, e
constituem, afinal, os "momentos imperecíveis do Todo".
"Teoria é apenas teoria da pratica, assim como a prática não é senão a práxis
da teoria”.
Não à toa o "direito" que se adapta a esse esquema, dito apolítico (isto é,
político da direita) só pode ser um "direito" examinado, segundo a teoria "jurídica" de um
positivismo (capado) ou de um jusnaturalismo (brocha).
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Mas ser político não é ser sectário; é orientar a conduta, em cada etapa e
conjuntura, pela análise que determina a viabilidade dos passos presentes, com vistas ao
objetivo final, ainda distante, mas que polariza toda a práxis vanguardeira.