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II. 1 [40]
Sobre o céu1
1. Se, dizendo que o cosmos sempre existiu antes e sempre existirá embora
transformação dos elementos e o perecimento dos viventes sobre a terra, uma vez
que preservam sua forma, talvez nos façam pensar que assim sucede também com
o universo, porque a vontade de deus, ainda que o corpo escapula e flua sempre, é
capaz disto: impor a mesma forma ora a uma coisa, ora a outra, de modo que seja
pois por que certas coisas terão a perpetuidade deste modo, apenas na forma,
individualmente?
o universo contém todas coisas3 e que nada há em que possa transformar-se nem
dessa forma o sol e a essência dos demais astros serão para nós partes e não um
1 Este tratado também é intitulado Sobre o cosmos (Vida de Plotino 5. 47 e 24. 40).
2 Cf. Platão, Timeu 41 b 4.
3 Cf. Platão, Timeu 33 b 2-4; Aristóteles, Sobre o Céu 9. 279a 23-8.
conjunto e um todo cada um deles, e esse argumento não nos dará garantia de que
eles permanecerão por todo o tempo, mas de que sua permanência é conforme à
sua forma, assim como ele atribuiria apenas essa presença ao fogo e aos elementos
e também ao próprio cosmos inteiro. Pois nada impede que, não sendo destruído
que, visto que a natureza do substrato flui sempre, sendo outro quem lhe dá a
cavalo e aos outros viventes: pois homem e cavalo existem sempre, mas não os
mesmos5. Portanto, não haverá uma parte dele que permaneça sempre, como o céu,
enquanto as coisas na terra sejam destruídas, mas será igual para todas, sendo
diferentes apenas pelo tempo6; pois que sejam mais polícronas as no céu.
suficiente para conservar o universo, mesmo nesse caso e desse modo. Mas, se
dissermos que uma partícula dele, seja qual for seu tamanho, possui perpetuidade,
além de ser preciso mostrar que a vontade de deus basta para o fazer, persiste a
dificuldade de por que algumas coisas são assim e outras não, mas permanecem
5 Cf. Platão, Leis 721 c 2-6; Aristóteles, Sobre a Geração e a Corrupção II 11. 338b 8-9.
6 Serão diferentes pelo tempo de sua existência.
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apenas na forma, e ainda como as partes que há no céu o são também elas 7; já que
2. Se, então, aceitamos essa opinião e dizemos que o céu e todas as coisas
nele possuem a perpetuidade individual, mas que as abaixo da esfera da lua a têm
segundo a forma, devemos mostrar como ele, embora tenha corpo, terá sua
desse modo8, embora a natureza do corpo flua sempre. Pois isso é o que acham os
que discursaram sobre a natureza e também o próprio Platão, não apenas acerca
dos demais corpos, mas também acerca dos próprios corpos celestes. Pois, diz ele9,
“se têm corpos e são visíveis”, como serão “inalteráveis e do mesmo modo”?
Evidentemente, ele concorda, também a esse respeito, com Heráclito, que disse que
o sol nasce sempre novo10. Para Aristóteles, não haveria assunto, se suas hipóteses
do quinto corpo fossem aceitas11. Contudo, para quem não postula isso, visto que o
corpo do céu é constituído dos elementos de que também são os viventes daqui,
como possuiria ele sua individualidade? E, ainda mais difícil, como o sol e os
7 Ou seja: resta saber ainda como as partes do céu são perpétuas como o céu mesmo o é .
8 Isto é, sempre do mesmo modo, invariável; cf. Aristóteles, Sobre o Céu I 9. 278a 9-13.
9 Platão, República 530 b 2-3.
10 Heráclito, fr. 6 Diels = Aristóteles, Meteorologica II 2. 355a 13-15; cf Platão, República 498 b 1.
11 Cf. Aristóteles, Sobre o Céu I 3. 270b 21-22.
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que ela esteja sempre unida ao corpo para a constituição do vivente; mas quem 13
deve tentar mostrar que o estado14 do corpo, até mesmo ele, não se opõe à sua
realizador.
porque flui em si mesmo: pois não flui fora. Então, se flui em si e não a partir de si,
não envelhece. Deve-se, ainda, ver que a terra sempre permanece, desde a
água; e, por isso, nada deles que se transforma altera a natureza do vivente total.
para o exterior, todos perduramos muito; mas, para quem nada exterior existe, a
natureza de seu corpo não será inconsonante com a alma para que o vivente seja o
Mas o fogo é sutil15 e rápido porque não permanece aqui, assim como a
terra, porque não permanece em lá em cima16; e, quando ele está onde deve deter-
se, não se deve pensar que esteja sediado na região que lhe é própria, de tal modo
que nem ele nem os outros elementos não busquem sua estada em ambas direções.
De fato, não poderia levar-se mais acima: pois nada mais há; e, para baixo, não lhe
é natural. Resta a ele ser dócil e, sendo atraído pela alma de acordo com uma
alma. Mas se houver medo de que ele caia, deve-se confiar; pois a rotação da alma
vez que não tem por si mesmo propensão17 para baixo, ele permanece sem resistir.
entanto reter sua constituição, exigem porções de outras a fim de permanecer; mas,
se nada deflui de lá, não é preciso alimentar-se. Porém, se o fogo deflui de lá,
este algo, é preciso um outro no lugar desse. Entretanto, por causa disso, o vivente
sendo investigado: se algo deflui de lá, de tal modo que eles18 também necessitem
sustidos no alto pelo fogo dominante. Pois, se alguém acrescentar a causa mais
também nos outros viventes, a natureza escolhe as melhores coisas para os mais
importantes deles –, ele teria uma opinião sólida sobre a imortalidade da alma. Até
mesmo Aristóteles está correto ao dizer que a chama é uma ebulição 19 e um fogo
que, por assim dizer, se excede por saturação; o fogo de lá, por sua vez, é
melhores e se move com admirável potência, como alguma das coisas uma vez
nela colocadas fugirá para o não ser? Não crer que ela, nascida de deus, seja mais
forte que toda amarra, é próprio de homens ignorantes da causa que mantém todas
as coisas. Pois é absurdo que, se pôde mantê-las por algum tempo, não o possa
natureza de um ente diferente deste que está na natureza do universo e nos entes
18 Os corpos celestes.
19 Cf. Aristóteles, Meteorologica, I 3. 340b 23, A 4. 341b 22.
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E o fato de jamais ter começado – já foi dito que isso20 é absurdo – nos dá confiança
para o futuro. Por que haverá quando já não exista? Pois os elementos não se
administração é sem sofrimento e inócua. E mesmo que seja possível que todo
aqui não permanecem? Ora, diz Platão, aquelas são criadas por deus, ao passo que
os viventes daqui são criados pelos deuses criados por ele22; e não é justo que seres
criados por ele pereçam23. Isso seria o mesmo que dizer que a alma celeste está
avançando a partir dela e como que defluindo dos seres súperos, produz os
viventes sobre a terra. Então, como uma tal alma imita a alma de lá, mas é incapaz
porque usa corpos piores para sua produção, porque está em um lugar pior e
viventes daqui não podem permanecer sempre e os corpos não são dominados do
Contudo, se todo o céu deve permanecer, as partes dele, os astros que nele
estão, também o devem; se não, como poderia ele permanecer sem que elas
igualmente permanecessem? Pois as coisas abaixo do céu não são mais partes do
céu: caso contrário, o céu não se estenderia até lua. E nós, uma vez que fomos
moldados pela alma dada pelos deuses que há no céu e pelo próprio céu, estamos
unidos aos nossos corpos de acordo com ela; porque a outra alma, pela qual nós
somos nós, é causa da boa existência, não da existência. Na verdade, ela vem
quando o corpo já surgiu, contribuindo pouco com sua reflexão pouca para a
existência.
universo com terra e fogo, para que fosse visível pelo fogo e sólido pela terra25,
pareceu procedente fazer que também os astros não contivessem fogo em sua
solidez. E talvez ele esteja correto, pois o próprio Platão partilhou do juízo de que
essa idéia é provável27. Com a sensação, pela visão e pela percepção do tato,
parecem conter fogo em sua maior parte ou completamente, mas para os que
especulam com a razão, se não houver solidez sem terra, também eles conteriam
terra. Mas por que careceriam de água e ar? Pois parecerá absurdo haver água em
se dois sólidos que tenham razão de extremos necessitam de dois termos médios28,
não se saberia se mesmo nos corpos naturais é assim; pois alguém poderia misturar
elementos já estão contidos na terra e na água, parecerá talvez que dizemos alguma
coisa; mas alguém responderia: “eles, porém, não servem para coligar os dois
Mas devemos examinar se não será a terra visível sem o fogo e o fogo sólido
sem a terra; porque, se assim for, talvez nenhum elemento possua por si mesmo
sua essência, mas estejam todos misturados e sejam definidos de acordo com o que
predomina em cada um29. Pois dizem30 que nem mesmo a terra pode constituir-se
sem umidade; que a umidade da água é a cola da terra. Porém, ainda que
concedamos que seja assim, é absurdo, dizendo que cada um deles é algo em si
mesmo, não atribuir uma constituição a cada um deles, mas apenas quando em
conjunto com os outros, sem que nenhum deles exista individualmente. Pois como
existiria uma natureza ou uma essência de terra, se não há uma fração de terra que
seja terra, a menos que haja aí também água para a cola? E o que ela poderia colar,
se não houvesse de modo algum uma grandeza que ela pudesse unir a uma outra
porção contígua? Se, pois, for uma grandeza qualquer da própria terra, poderá
haver naturalmente terra sem água; ou, se não for assim, nada haverá que será
colado pela água. E por que uma massa de terra precisaria, para existir, de ar, o ar
que ainda permanece antes de se transformar? Quanto ao fogo, não foi dito que ele
seja necessário para que a terra exista, mas para que ela e os outros elementos
sejam visíveis31; pois é razoável concordar que a visibilidade provenha da luz. Com
certeza, não se deve dizer que a escuridão é visível, mas invisível, assim como a
esteja presente na terra: basta a luz. A neve, certo, e muitas coisas extremamente
gélidas são brilhantes sem fogo. Mas houve fogo nelas, alguém diria, e as coloriu
antes de sair.
terra. E como se poderia dizer que o ar contém terra sendo tão dispersivo32? E
quanto ao fogo, precisa ele da terra porque não possui por si mesmo continuidade
e tridimensionalidade? Por que ele, que é um corpo natural, não terá solidez, não
água33, não porque terra lhe é adicionada, mas sim densidade ou consolidação. E
por que o fogo, uma vez que a alma lhe está presente, não se subsistirá em si
Mas questionaremos que todo vivente possua uma constituição formada por todos
elementos. Alguém dirá que os viventes sobre a terra possuem, mas que levar terra
para o céu é contra a natureza e contrário ao que está por ela estabelecido; e que
não é plausível que o mais rápido dos movimentos gire levando consigo corpos
7. Talvez, então, devamos ouvir melhor Platão34, que diz ser preciso haver
no cosmos inteiro esse tipo de solidez que é resistência, para que a terra, sediada
no centro, seja uma plataforma firme35 para os que passam sobre ela, e para que os
viventes sobre ela possuam necessariamente esse tipo de solidez, ao passo que a
participaria da água para não ser árida e não impedir a associação das partes umas
às outras37; e o ar serviria para aliviar a massa da terra; entretanto, a terra não está
misturada ao fogo superior na constituição dos astros, mas, como todos elementos
estão presentes no cosmos, o fogo se beneficia de algo da terra, assim como a terra
do fogo e cada um de cada outro, porém não de modo que o beneficiado seja
pela comunhão que há no cosmos, sendo o que é, ele tome não ao próprio
elemento, mas algo dele: não o ar, por exemplo, mas a suavidade do ar, e a terra à
é o composto, e não apenas a terra e a natureza do fogo, quem produz essa solidez
e a igneidade.
Ele38 mesmo testifica isso dizendo: “deus alumiou uma luz na segunda
ele seja de outra coisa senão de fogo, porém de um fogo que não é nenhuma de
suas outras formas, mas a luz que ele diz ser diferente da chama, apenas
brandamente cálida41; e que essa luz é um corpo e dela cintila uma luz homônima a
ela, precisamente a que nós dizemos ser incorpórea; e que esta luz é propiciada por
aquela, luzindo a partir dela como sua flor e esplendor, e aquela é o corpo
Platão entendeu a terra como solidez43, nós pelo menos mencionamos uma única
Com efeito, como esse tipo de fogo, que propicia a luz mais pura, reside na
região súpera e lá se assenta por natureza, não se deve supor que esta chama45 se
misture com os corpos de lá, mas que, estendendo-se até certo ponto, extingue-se
baixo sem ser capaz de sobreandar para o superno, e se estabelece abaixo da lua,
tornar-se mais branda e não ter brilho suficiente para a ebulição, mas apenas o
suficiente para ser iluminada pela luz superior; e a luz de lá, presente nos astros
cores, e o restante do céu é também ele desse tipo luz, não sendo visto devido à
sutileza de seu corpo e à sua diafaneidade não reflexiva, assim como o ar puro; e,
8. Se essa luz desse tipo permaneceu no alto, onde lhe foi determinado, pura
no mais puro, de qual forma poderia haver defluência a partir dela? Pois,
certamente, a natureza desse tipo não existe naturalmente para defluir para baixo,
e não há lá nenhuma das coisas que violentamente a forçam para baixo. Todo
corpo com alma é distinto e não o mesmo que se estivesse sozinho; e tal é o corpo
de lá, não como o que está sozinho. E o que se avizinha do céu seria ar ou fogo,
mas o que lhe faria o ar? Não há nenhum fogo que seria adequado para sua
produção, nem teria contato com ele para atuar; pois o fogo celeste, com seu vigor,
o alteraria antes de experimentar o contato, uma vez que é menos intenso e não é
igual aos daqui. Além disso, seu produzir é o aquecer46; e aquilo que será aquecido
não deve ser quente por si mesmo. Entretanto, se algo será destruído pelo fogo, é
preciso antes que ele seja aquecido e que se torne contrário à sua natureza no
aquecimento. Portanto, o céu não necessita de nenhum outro corpo para que
permaneça nem, tampouco, para que sua rotação seja conforme à sua natureza;
pois não foi demonstrado de maneira alguma que seu movimento seja
coagidos.
deve falar sobre os de lá a partir dos daqui, uma vez que não é a mesma alma que
os contém, não é a mesma região, nem existe lá a causa pela qual se alimentam os
daqui, que são compostos sempre fluentes, e a mudança dos corpos daqui é
mudar-se de si mesmos, porque quem os rege é uma natureza diferente, que por
sua debilidade não sabe mantê-los na existência, mas imita, no devir ou no gerar, a
natureza anterior a ela. Contudo, que eles não são totalmente invariáveis, como os