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ANÁLISE DE CONJUNTURA DE JANEIRO DE 2019

POLÍTICA NACIONAL

INÍCIO DE GOVERNO CONFUSO E DESARTICULADO

Os primeiros dez dias de governo Bolsonaro indicaram descoordenação das suas


iniciativas. Foram muitas decisões que em seguida foram desmentidas ou refutadas.
Algumas delas, dadas pelo próprio Presidente e reparadas ou negadas por auxiliares de
escalões muito inferiores (como no caso do anúncio do aumento da alíquota de Imposto
de Renda e queda da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras). Bolsonaro
chegou a anunciar aumento da alíquota de imposto sobre operações financeiras (IOF),
sem definir o percentual, e de redução da alíquota do Imposto de Renda (de 27,5% para
25%). A coleção de recuos envolveu, ainda, as mudanças anunciadas na política de livros
didáticos, o fechamento da Emissora Brasil de Comunicação (EBC) e a suspensão da
reforma agrária.
1
Nos primeiros dias, parecia que os acordos firmados com as lideranças e a bancada
ruralista dariam o tom das iniciativas governamentais. Foram muitas ações para
desbloquear o avanço do agronegócio sobre reservas indígenas, mesmo ferindo a
legislação ambiental.

O site InfoMoney destacou que o governo iniciou com um “volume inédito de


desencontros entre forças do governo e uma nova acomodação no trato com a classe
política” (Cf.
https://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/7865618/qual-e-o-saldo-
dos-primeiros-10-dias-de-governo-bolsonaro ).

Ao longo da primeira semana, a demissão do presidente da Agência de Promoção e


Exportações do Brasil (Apex), Alecxandro Carreiro, gerou nova confusão no interior do
governo. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, anunciou, pelo Twitter,
que Carreiro havia pedido demissão. Filiado ao Patriotas, indicado para o cargo pela
bancada do PSL e nomeado pelo presidente Bolsonaro, Carreiro trabalhou normalmente
no dia seguinte e publicou, pela assessoria de imprensa, que o chanceler não teria
poderes para demiti-lo. Diante da confusão generalizada, Bolsonaro decidiu, por fim,
exonerar Carreiro e indicar o embaixador Mário Vilalva. Em dez dias de Governo, foi a
primeira baixa e mais uma evidência das atuações erráticas frutos da incapacidade
gerencial da equipe de governo.

Em seguida, o Presidente passou a ser criticado nas redes após ter anunciado em seu
Twitter a indicação de Carlos Victor Guerra Nagem para o cargo de Gerente Executivo
de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras. O nome ainda será submetido aos
procedimentos internos de governança da Petrobras, alertou Bolsonaro, que adiantou
que o indicado é funcionário da estatal há 11 anos, seis deles nesta área, que possui
mestrado em administração, tem dez anos de docência e é capitão-tenente da Marinha.
Em um primeiro post, terminava a apresentação alertando que a "Era do indicado sem
capacitação técnica acabou". Mas apagou o tuíte e o refez, sem esta última frase. A
imprensa revelava algo que ele deixou de fora: Nagem é amigo de Bolsonaro.

Surpreendentemente, os ministros Paulo Guedes (economia) e Moro (justiça)


trabalharam na montagem de equipes e planejamento inicial. Houve vazamento das
intenções da equipe econômica em relação à reforma da Previdência. Segundo anúncios
na grande imprensa, a proposta baseada em idade mínima e período de transição para
implantação o modelo de capitalização (privada) seria enviada diretamente para o
plenário da Câmara de Deputados, a partir da manobra denominada “emenda
aglutinativa”. 2
Embora tenham a mesma base, a reforma da previdência de Bolsonaro é pior que a de
Temer. Pelo texto que está no Congresso, a idade mínima de 65 anos para homens só
estaria em vigor em 2029, para funcionários públicos, e em 2039, para empregados do
setor privado.

Na proposta de Bolsonaro a idade mínima aumentaria para 62 anos (homens) e 57 anos


(mulheres) "um ano a partir da promulgação e outro ano a partir de 2022". Acontece
que Bolsonaro disse também que "o futuro presidente, entre 2023 e 2028, reavaliaria a
situação para passar para 63 ou 64 (anos)".

Ou seja, o aumento da idade na proposta de Bolsonaro (menor em relação à proposta


original de Temer) é um engodo. No fim, o governo deixará uma brecha para aumentar
novamente a idade mínima até que as pessoas não possam mais se aposentar.

É preciso devolver para o sistema de Seguridade Social os recursos retirados pela DRU,
pelas desonerações na folha do setor privado e cobrar os grandes caloteiros da
previdência. Essa são as primeiras medidas para combater o déficit fabricado pela
hegemonia do rentismo na condução das contas públicas e dar sustentabilidade ao
sistema.
A ilustração apresentada a seguir indica as diferenças das propostas de reforma da
Previdência de mesma linhagem privatista (Temer, Armínio Fraga, Federação Nacional
de Previdência Privada e Vida, Fábio Giambiagi e Governo Bolsonaro:

A área que revelou maior alinhamento do governo foi a da política externa. Desde a
posse, o governo refutou qualquer aproximação com países governados por partidos de
esquerda, em especial, Cuba e Venezuela, e chegou a fazer algumas abordagens
belicosas. Avançou na intenção de alinhamento com os EUA e Israel, abalados por
problemas internos nesses países e por desmentidos (como a instalação de bases
militares norte-americanas em solo brasileiro).
O MINISTÉRIO DE BOLSONARO

A foto apresenta 22 ministros, o Presidente eleito e seu vice. As horas seguintes


revelaram ânsia e desarticulação central da gestão. Revelou faltar uma instância de
coordenação que, em governos anteriores, coube à Casa Civil. Nem mesmo o trabalho 4
de um porta-voz apareceu neste início de governo.

Na foto não se visualiza nenhum negro. Ao contrário, evidencia homens brancos,


proprietários, herdeiros do poder que no Brasil é hereditário e vitalício. Aparecem
apenas duas mulheres. 40% são militares.

Vale destacar que metade da equipe de governo é investigada, sendo que um já foi
condenado em primeira instância. Outro elemento importante e preocupante é
presença forte de representantes do fundamentalismo religioso.

Nas primeiras horas de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) publicou três atos:
uma medida provisória que determina a estrutura do novo governo, um decreto que
estabelece o novo valor do salário mínimo (R$ 998) e a nomeação de 21 dos 22 ministros
do novo governo. A medida provisória publicada em edição extraordinária do Diário
Oficial "estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos
Ministérios", oficializando fusões, extinções e transferências de órgãos e a criação da
superestrutura das pastas comandadas por Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) e
Paulo Guedes (Economia)1.

1
De acordo com a medida, os seguintes órgãos integram a Presidência da República: Casa Civil, secretaria
de Governo, secretaria-geral, o gabinete pessoal do presidente, o gabinete de Segurança Institucional e a
Os ministérios são 16: Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Cidadania; Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações; Defesa; Desenvolvimento Regional; Economia;
Educação; Infraestrutura; Justiça e Segurança Pública; Meio Ambiente; Minas e Energia;
Mulher, Família e Direitos Humanos; Relações Exteriores; Saúde; Turismo; e a
Controladoria-Geral da União. De acordo com a nova organização, também possuem o
status de ministros de Estado o chefe da Casa Civil da Presidência da República; o chefe
da Secretaria de Governo da Presidência da República; o chefe do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República; o advogado-geral da União; e o
Presidente do Banco Central.

A Casa Civil, chefiada por Onyx Lorenzoni (DEM), passa a contar com um secretário
especial para a Câmara e outro para o Senado.

Os ministérios do Desenvolvimento Social, da Cultura e do Esporte foram fundidos no


Ministério da Cidadania. O Ministério dos Direitos Humanos virou Ministério da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos. Os ministérios da Integração Nacional e das Cidades
foram fundidos no Ministério do Desenvolvimento Regional. Os ministérios da Justiça e
da Segurança Pública agora também são um só, sob o comando de Sérgio Moro; e os
ministérios dos Transportes, dos Portos e da Aviação Civil foram para a estrutura do
Ministério da Infraestrutura. 5

Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais. Também integram a Presidência da República, mas
como órgãos de assessoramento, o Conselho de Governo, o Conselho Nacional de Política Energética, o
Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, o Advogado-Geral da
União e a assessoria especial do presidente. A Presidência também conta com dois órgãos de consulta: o
Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional.
OS SEIS HOMENS DE PAULO GUEDES

O superministério da Fazenda terá uma estrutura formada pelo Ministério da Economia, 6


Planejamento e Comércio Exterior comandado por Paulo Guedes. Cada parte dessa
estrutura será ocupada por economistas ou empresários, que têm viés ortodoxo e
ligados ao Instituto Millenium. Chamadas de secretarias-gerais ou especiais, estas pastas
serão compostas pela Secretaria Especial de Privatização; Secretaria Especial de
Produtividade e Competitividade; Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e
Governo Digital; Secretaria Especial da Fazenda; Secretaria Especial da Receita e da
Previdência; e Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais.

A Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade tratará do ambiente de


negócios e dos incentivos fiscais. INMETRO e INPI estarão na esteira dessa secretaria.

Como secretário geral da Fazenda, o escolhido foi Waldery Rodrigues Júnior. Engenheiro
formado pelo ITA, mestre e doutor em economia, é pesquisador do Instituto de Pesquisa
Econômica e Aplicada (Ipea) e consultor do Senado Federal na área política econômica.

O atual ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Esteves Colnago, será o


secretário geral adjunto da Fazenda.

O secretário geral de Desburocratização, Gestão e Governo Digital será Paulo Uebel, ex-
diretor executivo do Instituto Millenium, fundado por Guedes para promover o
liberalismo econômico. Foi secretário de Gestão da prefeitura de São Paulo (gestão
Dória) e CEO Global do Lide - Grupo de Líderes Empresariais, além de participar da
Webforce Venture Capital.

Servidor da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental,


Gleisson Cardoso Rubin será o novo secretário geral adjunto de Desburocratização,
Gestão e Governo Digital. Atualmente, ele ocupa o cargo de secretário-executivo do
Ministério do Planejamento.

Já o atual secretário do Tesouro e um dos integrantes do segundo escalão do governo


Temer que vão permanecer, Mansueto Almeida, vai comandar a Secretaria Especial da
Fazenda que terá responsabilidade sobre as áreas de política monetária, orçamento e
tesouro, entre outras.

Marcos Cintra (que já declarou a extinção do Refis) ficou com a Secretaria Especial da
Receita e da Previdência. Ele é ligado ao Instituto Millenium. Será responsável por
analisar a proposta de reforma no sistema de aposentadorias.

O diplomata e economista Marcos Troyjo, também ligado ao Millenium, ficou com a


Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, que cuidará de toda
a área de comércio exterior e de relações externas, mantendo a conexão com o
Itamaraty. 7
Os ministérios da Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Indústria,
Comércio Exterior e Serviços e do Trabalho foram transformados no Ministério da
Economia, com a superestrutura sob o comando de Paulo Guedes.

O DISCURSO DA POSSE

Nas posses dos Presidentes Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff foram
recebidas entre 110 a 130 delegações. Já na posse de Jair Bolsonaro não houve presença
de chefes de Estado ou de governo de países do G20, as vinte maiores economias do
mundo. A manchete do Época Negócios indicava o novo cenário: “Guinada ideológica
brasileira tem custo para relações exteriores.”

Seu primeiro discurso durou menos de 10 minutos, contra 44 de Lula em 2003, e teve
apelo ao Congresso. A manchete do UOL trazia: “Discursos de Bolsonaro são coleção de
tuítes temperada com messianismo”.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) declarou, no discurso de posse, que naquele momento
o país começava a se livrar "do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal
e do politicamente correto".

Nos governos republicanos do Brasil, mesmo nas gestões dos presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), ambos do PT, nunca houve a
pretensão de superar o capitalismo nem de acabar com a propriedade privada, como
sustentam historiadores consultados, o que pareceu uma provocação política para
iniciados da parte do novo Presidente da República.

Ao fim da fala, o governante agarrou uma bandeira do Brasil e disse que ela jamais será
vermelha, em referência à cor adotada tradicionalmente pelos movimentos de
esquerda.

O que causou estranheza foi a oportunidade perdida para alinhar sua base eleitoral mais
pobre, que garantiu sua eleição. Seu discurso voltou-se para o segmento mais militante
e reacionário que o apoia, anti-petista e anti-esquerda, que provavelmente garantia a
margem apertada ao redor de 15% de intenção de votos antes do episódio da facada. A
maior porção dos votos que recebeu no segundo turno não são engajados
ideologicamente. Antes, pleiteiam a segurança, renda e condições de vida mais dignas.

Ao contrário de Bolsonaro, que provocou forças políticas que não povoam as


preocupações da quase totalidade do eleitorado brasileiro, Trump teve o cuidado de
afirmar que o povo teria retomado as rédeas da nação com sua eleição e que as políticas
compensatórias dos democratas seriam substituídas por emprego. A diferença pode ser
reveladora do que teremos pela frente.
8
AS PRIMEIRAS MEDIDAS PROVISÓRIAS

Como o início do governo Collor (e os que o sucederam), o início do governo Bolsonaro


foi pródigo em emitir Medidas Provisórias. Destacamos, a seguir, as mais impactantes
do ponto de vista da paz e equilíbrio social:

1. Demarcação de terras indígenas

60% dos brasileiros são contra a redução das reservas indígenas, segundo pesquisa do
instituto Datafolha publicada pela Folha de S. Paulo no início deste ano.

A Funai (Fundação Nacional do Índio) passou a ser vinculada ao Ministério da Mulher,


da Família e dos Direitos Humanos (antes, era vinculada ao Ministério da Justiça) e não
poderá mais demarcar terras indígenas.

Quem passa a ter o poder de "identificação, delimitação, demarcação e registros das


terras tradicionalmente ocupadas por indígenas" é o Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento. A pasta também será responsável pela delimitação de terras ocupadas
por comunidades quilombolas. Na prática, os ruralistas foram plenamente atendidos e
empoderados, cujos interesses são diametralmente opostos aos dos indígenas.

A MP também esvazia a Funai, órgão criado em 1967 com o objetivo de proteger os


direitos dos povos indígenas no Brasil.
Esta é uma das políticas que alteram as estratégias brasileiras de enfrentamento da
questão ambiental, tal como sintetiza o banner apresentado em seguida (produção do
Instituto Socioambiental):

2. Salário mínimo

O Diário Oficial trouxe o novo valor do salário mínimo, que passou a valer desde o dia
1º de janeiro: R$ 998,00.

O valor é menor que o que havia sido previsto no ano passado pelo governo Michel
Temer (MDB), de R$ 1.006,00, uma correção de 5,45% sobre o salário mínimo anterior,
de R$ 954,00.

Um salário mínimo menor do que o previsto é resultado de uma mudança na previsão


da inflação: na época em que o governo Temer orçou o salário mínimo em R$ 1.006,00,
a previsão era de que inflação fecharia em um valor mais alto.
O salário mínimo é calculado com base no PIB e no INPC (Índice Nacional de Preços ao
Consumidor), que corrige o poder de compra dos salários, medindo a variação de itens
de consumo da população assalariada com baixo rendimento. A estimativa de inflação
projetada pelo governo era de 4,2%, com crescimento do PIB de 1% em 2017 (o governo
também levava em conta um resíduo de R$ 1,75 que faltou do salário mínimo em janeiro
de 2018). A expectativa agora é que o INPC feche em um valor menor, ainda não
divulgado.

3. Cargos de chefia no Itamaraty a não diplomatas

Funções de chefia no Ministério das Relações Exteriores não se restringirão mais apenas
ao corpo de servidores do Ministério. Ou seja, não diplomatas poderão exercer cargos
de chefia no Itamaraty.

Segundo Medida Provisória publicada no Diário Oficial da União do dia 1º de janeiro,


que modifica a organização dos ministérios, o "serviço exterior brasileiro (...) constitui-
se do corpo de servidores, ocupantes de cargos de provimento efetivo, capacitados
profissionalmente como agentes do Ministério das Relações Exteriores, no País e no
exterior, organizados em carreiras definidas e hierarquizadas, ressalvadas as nomeações
para cargos em comissão e funções de chefia".
10
4. Alterações internas em ministérios

Por fim, o texto também trouxe alterações internas em ministérios. O Coaf (Conselho de
Controle de Atividades Financeiras), como já havia sido anunciado, será vinculado ao
Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado pelo ex-juiz Sérgio Moro.

O Diário Oficial da União publicado nesta quarta, dia 2 de janeiro, estabelece um novo
estatuto do Coaf, criando duas novas diretorias - de Inteligência Financeira e de
Supervisão -, entre outras modificações.

O mesmo Coaf é o que revelou, em dezembro, uma movimentação atípica de R$ 1,2


milhão feita no período de um ano por Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro,
filho do presidente.

Outra mudança é a da Comissão de Anistia, antes vinculada à pasta da Justiça, para o


Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiada pela ministra
Damares Alves. A Comissão de Anistia é responsável pelas políticas de reparação e
memória para as vítimas da ditadura brasileira.

A DISPUTA PELA MESA DIRETORA DA CÂMARA DE DEPUTADOS

Em fevereiro, os deputados federais dão início ao novo mandato com a tarefa de eleger
o presidente da Câmara e os integrantes da Mesa Diretora, órgão responsável por dirigir
os trabalhos administrativo e legislativo da Câmara. Trata-se de um dos pilares da
República nacional, com imenso poder desde o início das gestões lulistas e meio
ambiente do Baixo Clero.

O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara dos Deputados,


pretende disputar a presidência da Casa por mais dois anos. A eleição, que é realizada
em fevereiro, já tem pelo menos outros sete deputados na disputa com Maia, informa
o jornal O Globo.

O favoritismo de Maia - que comanda a Câmara desde a cassação de Eduardo Cunha


(MDB-RJ) - está ameaçado pelo peso que o partido dele, o DEM, já tem na formação do
governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL) e pela distância que ele vem
mantendo de Maia. O DEM garantiu espaço na Esplanada dos Ministérios com Onyx
Lorenzoni (DEM-RS), Tereza Cristina (DEM-MS) e Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS),
anunciados como ministros da Casa Civil, da Agricultura e da Saúde, respectivamente.

Até agora, João Campos (PRB-GO), Alceu Moreira (MDB-RS), Capitão Augusto (PR-SP),
Giacobo (PR-PR), Fábio Ramalho (MDB-MG), JHC (PSB-AL) e Delegado Waldir (PSL-GO)
têm se movimentado para tentar a presidência da Casa daqui a três meses. João
Campos, que tem uma boa relação com Bolsonaro, angariou a simpatia do presidente
eleito. Contudo, a bancada do PSL, partido do Presidente da República, acabou fechando
11
acordo com Maia. O acordo com o PSL envolveu a promessa de que o partido vai ocupar
a segunda vice-presidência da Câmara e presidir a CCJ (Comissão de Constituição e
Justiça), considerada sua principal comissão, além de chefiar a Comissão de Finanças e
Tributação.

O ex-líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB), afirmou que para o governo,
é interessante ter uma pessoa que possa conversar com todos. “O Rodrigo não é o
preferido pelo PSL nem pela oposição, mas é o único que é aceito por ambos. Essa
capacidade de diálogo faz diferença no parlamento”.

O deputado federal eleito Marcelo Freixo (PSol) anunciou, logo em seguida, que
disputará a presidência da Câmara.

Entre PT, PSB, PDT, PCdoB e PSOL as divergências são evidentes. PDT e PCdoB
declararam apoio à reeleição com a justificativa de buscar garantir presença na Mesa
Diretora e nas principais comissões da Câmara dos Deputados, terão que arcar com o
ônus de se aliar a um candidato próximo de Bolsonaro. Luciana Santos justificou o
posicionamento do partido, "nossa relação política com Rodrigo Maia não vem de hoje.
Ele tem tido uma atitude de cumprir compromissos, é democrático e tem uma conduta
de respeito à institucionalidade num momento em que há muito desequilíbrio no
sistema de poder político no Brasil".
No PSB a decisão ainda não foi tomada. Está prevista reunião da bancada ainda em
janeiro para definir o rumo do partido nesta próxima legislatura. Embora Carlos Siqueira,
presidente do PSB tenha declarado de forma incisiva que o partido não apoiará a
recondução de Maia, é sabido que Paulo Câmara é sensível à questão. O líder do PSB na
Câmara Federal, deputado Tadeu Alencar, também já deu sinais de que o apoio não está
descartado, “vamos analisar os cenários. E vamos ver os cenários que o PDT e o PCdoB
também topam.” Segundo ele, a prioridade é preservar o bloco de oposição a Bolsonaro
formado pelos três partidos (32 deputados do PSB, 28 do PDT e 9 do PCdoB).
https://www.ocafezinho.com/2019/01/17/paulo-camara-pode-garantir-apoio-do-psb-
a-rodrigo-maia/

O PT, que tem a maior bancada da Casa, com 56 eleitos, anunciou, através de sua
Presidente Gleisi Hoffmann, que não existe hipótese de apoiar um candidato aliado ao
partido de Bolsonaro.

Até o momento, 12 partidos apoiam Maia, somando 283 deputados, número superior à
maioria absoluta, 257. Em tese, o número é suficiente para resolver a questão no
primeiro turno, mas como o voto é secreto, nada está garantido.

COMUNICAÇÃO, IMAGEM E CONTRAINFORMAÇÃO DO GOVERNO 12


Com a imagem arranhada pelas idas e vindas nas decisões governamentais e nomeações
que não seguiram as promessas de campanha, a tentativa de rebatimento ou
contrainformação passou a ser desencadeada nas redes sociais. Foram muitas
tentativas.

Em seu Twitter, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um de seus filhos


políticos, replicou uma postagem que apresentava o roteiro que a mídia faria do
Governo. Diz o texto: “Consultei meus búzios e afirmo que amanhã: 1. Imprensa
publicará notícia sobre um ato ‘polêmico’ do governo; 2. Os peões da internet
compartilharão até dar calo nos dedos; 3. O Governo emitirá nota desmentindo e/ou
esclarecendo; 4. Imprensa dirá que ‘presidente recuou’”. Este expediente chama-se em
política de “vacina”, em que o acusado antecipa a crítica iminente para esvaziar seu
poder e ataque.

O expediente parece uma estratégia nitidamente definida visto que ela se repete
diariamente nos tuítes deste filho do Presidente.

Em outro momento, após as diversas gafes da ministra da Mulher, Família e Direitos


Humanos, Damares Alves, tendo sua declaração, em vídeo, que "azul e cor de menino e
rosa de menina" como carro-chefe, a reação de artistas e personalidades parecia gerar
novo mal-estar nesta primeira semana de gestão.
A estratégia assumida foi outra, mais inteligente que a de Fábio Bolsonaro: começaram
a ser veiculadas mensagens e breves artigos nas redes sociais em que se alertava para a
inteligente tática diversionista da ministra. Em suma, as gafes teriam como objetivo
desviar a atenção da oposição para temas secundários, enquanto o governo desatava
em destruir direitos. Muitos ativistas virtuais caíram em tal tentativa de
contrainformação e desmobilização. Um dos artigos mais citados foi produzido por um
conhecido fundamentalista evangélico, de direita, residente no Rio de Janeiro.

O uso das redes sociais tem sentido porque, além de ter sido o veículo que fez a
candidatura de Bolsonaro superar a barreira dos 20% de intenção de votos, é apontado
por vários analistas como a maior frente de ataque oposicionista à Bolsonaro. Esta é o
vetor do artigo escrito por Hanrrikson de Andrade, do UOL, em Brasília, publicado em
10/01/2019, cujo título é “Governo Bolsonaro tem "tropeços", mas chega a 10 dias sob
pouca oposição”. O articulista sustenta que:

“Após a expressiva derrota nas urnas do candidato petista Fernando Haddad, em


outubro do ano passado, a oposição a Bolsonaro dá sinais lentos de
reconstrução. Até o momento, as redes sociais são o único meio pelo qual alguns
adversários do presidente, como o próprio Haddad, se manifestam.”

Com efeito, levantamento do portal Terra revelou que o Presidente Bolsonaro atacou
13
mídia e PT em 1/3 dos tuítes na 1ª semana (32% das suas publicações no Twitter, a
principal rede empregada pelos bolsonaristas neste início de governo, seguindo os
mesmos passos adotados por Donald Trump). Foram 22 ações nesse sentido entre as 68
divulgadas em sua conta oficial no Twitter nos primeiros sete dias de sua gestão
presidencial2.

Na 2ª semana de governo, Bolsonaro manteve frequência no uso do Twitter, publicando


34 tweets. Segurança passou a ser um tema frequente. Diferentemente da última
semana, o presidente não fez ataques ao PT ou a partidos e ideologias de esquerda.

O Poder360 armazena todos os posts de Bolsonaro no Twitter desde a posse. É possível


acompanhar este levantamento através deste endereço:
https://www.poder360.com.br/governo/leia-todos-os-tweets-do-presidente-jair-
bolsonaro/ .

O post mais curtido no perfil na última semana foi uma publicação em que o presidente
ironiza a imprensa ao pedir desculpas “por não estar indicando inimigos” em seu
governo. Foram 93.831 mil curtidas, 14.718 retweets e 9,3 mil comentários. A 2ª maior

2
Somente no Twitter, Jair Bolsonaro fez mais de 5,8 mil publicações desde quando criou seu perfil, em
março de 2010. Nesta mídia social, ele tem 2,99 milhões de seguidores. Até as 16h30 do dia 5 de janeiro,
tinha 2,8 milhões –ou seja, houve 1 crescimento de 1,1 milhão de seguidores em uma semana.
interação com os usuários foi na divulgação de sua foto oficial com a faixa presidencial.
Foram 93.608 curtidas, 10.990 retweets e 7,3 mil comentários.

OS MILITARES

São 30 militares em postos-chave no governo federal. São sete ministros, vinte


secretários ou chefes de gabinete (espalhados por oito pastas) e três em cargos de
comando em estatais - Itaipu, FUNAI e a Petrobras, que tem um militar à frente do
Conselho de Administração -, além do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) e do
general Otávio Santana do Rêgo Barros, que já atua como porta-voz do governo.

Em 11 de janeiro, a InfoMoney publicou um balanço dos primeiros dez dias de governo


Bolsonaro. Nesta publicação, sustenta que os militares se sentiram incomodados com o
anúncio, pela equipe econômica, que o governo deseja rever os regimes especiais para
a Previdência, o que incluiria as Forças Armadas e policiais militares.

Esta foi uma das tensões envolvendo os militares nestes primeiros dias de governo.

Matéria do jornal Folha de S. Paulo publicada em 22 de outubro do ano passado


apontava o que seria o maior temor dos militares em virtude da vitória de Bolsonaro: a
superexposição das Forças Armadas. A matéria, intitulada “Prestígio com Bolsonaro 14
agrada, mas também preocupa cúpula militar”, sugeria que duas seriam as maiores
fontes de aflição dos militares: se tornarem vidraças e medidas de Bolsonaro vincularem
sua imagem ao regime militar instalado em 1964.

Dentre os 22 ministérios do governo Bolsonaro, seis são chefiados por membros do


exército, além do vice-Presidente, general Mourão. Dentre estes, pastas do primeiro
escalão como o Ministério da Secretaria do Governo, o Gabinete de Segurança
Institucional e o Ministério da Defesa, que ultrapassam o orçamento de R$ 100 bilhões.
Militares também assumirão as pastas da Ciência e Tecnologia, Transporte e Minas e
Energia.

O general Fernando Azevedo e Silva merece destaque. Foi nomeado, anteriormente,


como assessor especial do ministro Dias Toffoli, Presidente do STF, agora, Ministro da
Defesa. Mantém fortes vínculos com o mundo político. Foi assessor parlamentar do
Exército. Foi membro da equipe de segurança do então Presidente Fernando Collor.
Esteve à frente da Autoridade Pública Olímpica, durante a gestão Dilma Rousseff.

Outro destaque é o general Carlos Alberto dos Santos, ministro da Secretaria de


Governo. Foi chefe das missões de paz da ONU no Haiti e no Congo. É considerado um
militar de perfil operacional e Linha Dura (denominados internamente de “Faca na
Caveira”).
Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia, assumiu contornos folclóricos por ser
nosso primeiro astronauta, é tenente-coronel da Força Aérea Brasileira. Já se estranhou,
recentemente, com a ministra Damares (que criticou a supremacia de estudos
científicos sobre as orientações religiosas nas escolas). O orçamento de sua pasta é 30%
inferior ao de 2010.

Almirante Bento Costa Lima Leite é o ministro de uma das mais estratégicas pastas que
podem garantir um futuro mais promissor ao Brasil: Minas e Energia. É diretor geral de
desenvolvimento tecnológico da Marinha e se especializou nas questões relativas à
energia nuclear, em especial, submarinos nucleares.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) é comandado pelo general Augusto Heleno.


Foi chefe da missão de paz da ONU no Haiti. É considerado por seus pares como um
brilhante estrategista e intelectual. Espera-se que assuma um papel de primeiro
conselheiro de Bolsonaro.

O Ministério de Infraestrutura (que substitui o Ministério do Transporte) será liderado


por Tarcísio Gomes de Freitas, ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura
de Transportes (DNIT), durante o governo Dilma Rousseff e formado pelo Instituto
Militar de Engenharia.
15
Entre os analistas políticos, há divergência sobre o perfil nacionalista ou liberal dos
ministros militares. Mas, entre os analistas das Forças Armadas, esta dúvida não está
instalada: são majoritariamente nacionalistas e focados em temas estratégicos do
desenvolvimento nacional, segurança e integração. O general Mourão, em diversas
palestras, teria se aproximado do discurso geral dos ultraliberais, o que poderia ter
gerado certa confusão de análise de quem não acompanha as elaborações das Forças
Armadas brasileiras. Contudo, logo nos primeiros dias de governo, Mourão e outros
ministros militares questionaram a privatização da Petrobras (Mourão admitiu a venda
de um ou outro segmento) e a instalação de bases militares dos EUA em nosso país,
revelando o perfil de garantia de soberania nacional.
ECONOMIA

POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO

O salário mínimo nacional foi reajustado em 4,61% no dia 1º de janeiro, passando de R$


954,00 para R$ 998,00. Para a definição do reajuste são considerados na composição do
índice de correção a variação do INPC calculado pelo IBGE para 2018 (3,434%) e o
crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2017, que foi de 1,1%.

Estas regras estão previstas no modelo de correção do salário mínimo, válido a partir de
2006, e confirmadas em leis em 2011 e 2015, cujos critérios foram mantidos até 1º de
janeiro de 2019 pela Lei nº 13.152/2015.

A política de valorização do salário mínimo adotada a partir de 2006 (veja quadro a


seguir), contribuiu para um aumento real de 13,04% naquele ano, acumulando um
ganho real de 59,82% para os trabalhadores durante no período 2006-2016. Em 2017 e
2018, entretanto, houve perda de 0,1% e 0,25%, respectivamente, segundo o Dieese
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
16

Com o aumento do salário mínimo para R$ 998,00 a partir de 1º de janeiro de 2019,


segundo o Dieese, houve um ganho real de 1,14% frente ao Índice Nacional de Preços
ao Consumidor (INPC), após dois anos de queda. É provável que tenha encerrado o ciclo
de valorização, considerando o pensamento do Secretário do Tesouro Nacional,
Mansueto Almeida, do governo de Jair Bolsonaro (PSL),
O secretário defende o fim da atual política de valorização do salário mínimo como uma
das medidas necessárias para o ajuste fiscal. "Eventualmente será necessário rever a
política do salário mínimo. Se ele continuar crescendo, a gente tem que ver como
financiar isso". De acordo com Mansueto Almeida, a atual política de valorização do
salário mínimo, uma das políticas mais reconhecida dos governos do PT, é equivocada,
uma vez que aproxima este valor da renda média no Brasil.

Outra crítica apresentada pelo secretário do Tesouro Nacional refere-se à indexação do


salário mínimo a outros benefícios, como o Bolsa Família que, em sua visão, "é o
programa mais bem focalizado e custa 0,5% do PIB", destacando a necessidade de
aprovação da reforma da Previdência para que o ajuste fiscal de fato aconteça.

O salário mínimo desempenha importantes funções no Brasil, como proteção às


categorias de trabalhadores mais vulneráveis, combate à pobreza, diminuição das
desigualdades salariais, parâmetro para os salários de ingresso no mercado, referência
para os baixos rendimentos do trabalho, minimizar a rotatividade, redução das
diferenças econômicas entre as regiões e serve de piso para os benefícios da Seguridade
Social.

Além disso, a política de valorização do salário mínimo é importante para reduzir a


distância existente entre o maior salário e o menor salário, contribuindo, portanto, para
17
uma política de distribuição de renda mais democrática, reduzindo a distância abissal
entre as classes sociais existente no Brasil.
SEGMENTOS SOCIAIS AMEAÇADOS

Diferente de Temer, Bolsonaro conta com uma base popular de apoio. Até quando não
se sabe. Quais os aspectos possíveis para minar esta base de apoio? Outra incógnita. O
que vemos em comum, além das políticas neoliberais na economia e na gestão do
estado, um ataque frontal e violento a qualquer demanda popular e os seus sujeitos
políticos, a concepção de direito de cidadania e um total desrespeito à convivência
democrática.

Apesar dos limites dos processos democráticos no Brasil e dos poucos avanços que
alcançados nos últimos anos no sentido de termos um sistema político alicerçado na
soberania popular e de construção de políticas públicas realmente emancipatórias,
houve um reconhecimento de sujeitos tradicionalmente “esquecidos” pelo Estado e
pelos governos. Este reconhecimento não foi por acaso, mas sim, fruto de lutas e
organização destes sujeitos nas últimas décadas, para não falar em séculos. Basta
lembrar a luta dos quilombos, dos povos indígenas e das mulheres.
18
O “novo ciclo” como diria Cazuza de modo irônico “um museu cheio de novidades”!
precisava deslegitimar estes sujeitos, suas lutas e demandas. Se necessário, a eliminação
física e não apenas política. Não é à toa que a primeira medida do governo Bolsonaro
expressa na MP 870 foi a extinção de estruturas do Estado que possibilitavam um certo
tensionamento entre estes sujeitos e a estrutura de definição das políticas públicas.
Extinção ou subordinação aos seus algozes como, por exemplo, a demarcação de terras
indígenas, quilombolas e da reforma agrária ao agronegócio. A intenção do governo
Bolsonaro não é só acabar com as políticas públicas voltadas para este público, mas
também, se possível, a eliminação desses sujeitos.

Interessante aqui fazer uma análise curta sobre a composição das resistências que vimos
até o momento, majoritariamente mulheres, jovens das periferias, negros e negras,
comunidade LGBT´s, sem tetos e povos indígenas. Por quê? Porque justamente foram
estes segmentos que tencionaram os governos anteriores para implementar políticas
que minimamente atendessem suas demandas. Em outras palavras, foram para a luta,
foram para a disputa e as políticas públicas foram construídas neste tensionamento,
assim como foram criados espaços públicos de disputas e de formação.

Por que será que os “beneficiários” do aumento do salário mínimo (apesar da luta
histórica do movimento sindical e dos movimentos das mulheres), do Bolsa Família, do
“Luz para Todos” e das demais políticas ficaram vendo, na sua maioria, a banda passar?
Porque foram políticas implementadas sem a participação popular e sem mecanismos
de formação e de apropriação da política. A política não era deles, era uma benesse do
governo. Isso diz muito respeito a um tipo de institucionalidade que temos e das opções
políticas feitas por governos que não souberam governar com o povo. Estas questões
são importantes porque acabam condicionando de certa forma a nossa capacidade ou
não de resistência.

Segundo dados publicados pela FSP em 13/01/2019, casos de intolerância triplicaram


no estado de São Paulo no período eleitoral. Nos meses de agosto, setembro e outubro
foram em média 16 casos por dia, contra 4,7 ao longo do primeiro semestre. Foram
casos de homofobia, transfobia, racial, étnica, religião, origem, etc.

Se decompomos este dado temos: no período eleitoral crescimento de 171% do crime


de intolerância religiosa, 75% de homofobia, 83% de origem e 15% de cor e raça.

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/01/registros-de-intolerancia-
triplicaram-em-sp-na-ultima-campanha-eleitoral.shtml

A QUESTÃO INDÍGENA NO GOVERNO BOLSONARO 19


Tal como preconizado em sua campanha, o desmonte da política indigenista em voga
no país desde a Constituição de 88 mostrou-se uma das principais prioridades do
governo Bolsonaro. Antes mesmo de assumir o mandato, o então governo de transição
anunciou que a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) seria transferida do Ministério da
Justiça para o recriado “Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos” (MMFDH),
aos encargos de Damares Alves. O anúncio imediatamente causou alarde, ao menos por
dois motivos: em primeiro lugar, por ser o Ministério da Justiça o órgão apropriado para
lidar com a complexa questão fundiária envolvendo a sobrevivência indígena, contando
com corpo técnico, conhecimento jurídico e aparato policial necessário para tal função;
em segundo, pelo fato do Ministério de Damares ser um dos principais expoentes
ideológicos do governo, com discursos explicitamente fundamentalistas no que tange
aos direitos das minorias. A ministra expõe posições retrógradas em todas as áreas pelas
quais é agora responsável, mas possui atuação especialmente marcada na pauta
indígena, em especial na divulgação de denúncias falsas contra o chamado “infanticídio
indígena”. Não à toa, ainda antes de assumir sua função, Damares declarou que ainda
não sabia como faria a gestão do órgão indigenista, afirmando que a FUNAI era sua
“pérola”.

A mudança da Funai para o Ministério da Família se deu ainda no dia primeiro de


janeiro, através da MP 870, que reestruturou as funções ministeriais e foi detalhada
através dos Decretos nº 9.667 e 9.673, do dia 2 de janeiro. Em suma, o conjunto de tais
ações do governo não apenas retirou a FUNAI do MJ, mas também esvaziou o órgão de
suas principais funções: as demarcações e homologações de terras foram transferidas
para o Ministério da Agricultura (MAPA), historicamente ocupado pelos ruralistas, e
extinguiu a CGLIC (Coordenadoria Geral de Licenciamento Ambiental), setor da FUNAI
encarregado de se manifestar sobre todo licenciamento de empreendimento que possa
afetar os povos indígenas, ambiental ou culturalmente. Desta forma, o projeto
econômico de beneficiar os interesses de mineradoras, agronegócio e megaprojetos –
principais adversários dos direitos indígenas - se mostra como carro-chefe do governo,
provocando ainda grande instabilidade interna no órgão indigenista: funcionários
comprometidos com a causa indígena encontram-se agora sem saber como ou onde irão
trabalhar e há denúncias de circulação de listas de nomes considerados “ideológicos”
pelo governo, temendo-se assim perseguição política e/ou transferência de funções.

Aqui, vale fazermos um comentário para balizarmos as análises da esquerda no que


tange ao novo governo. A mudança simultânea da Funai para o MMDH e a transferência
de suas principais funções para setores com nítidos interesses econômicos anti-
indígenas demonstram que esses dois caminhos, econômico e ideológico, não se
separam na gestão Bolsonaro. Ao contrário do que tem dito uma parte de nossas
análises, as declarações estapafúrdias de Damares não se tratam de uma “cortina de
fumaça” para os verdadeiros interesses neoliberais envolvidos, mas de um projeto 20
conjunto, no qual o viés conservador e contra os direitos conquistados pelas minorias
torna-se fundamento para o acirramento do capitalismo.

No que tange aos direitos dos povos indígenas, é justamente a volta de um discurso
assimilacionista – segundo o qual os indígenas devem ser “integrados à sociedade
brasileira”, podendo se “desenvolver economicamente como os demais brasileiros” -
que fundamenta a entrada descarada do grande capital em suas terras. Ignorando a
diversidade cultural e das distintas relações dos povos originários com seus territórios e
fingindo não ver que esse projeto de desenvolvimento é, assim, intrinsicamente
contrário à sua existência, esse discurso acompanha Bolsonaro desde antes da
campanha eleitoral e se reforça ainda na aliança com setores indígenas coadunados com
o agronegócio e a mineração, tais como o Movimento de Agricultores Indígenas, que
reivindica recursos federais para investimentos em agronegócio nas Terras Indígenas
(TI) e a legalização do arrendamento de terra. Se é verdade é que esses setores existem
nas TI – já que, como toda sociedade, as indígenas não são homogêneas- essas
reivindicações são explicitamente inconstitucionais e são utilizadas para reforçar a
narrativa dos poderosos de que os povos indígenas que se oponham ao atual governo
são, na verdade, manipulados por interesses e ongs internacionais contrários ao
desenvolvimento do país. Esse último ponto merece destaque pois está diretamente
conectado ao trabalho designado ao General Santos Cruz, que levará a cabo um
processo de monitoramento e criminalização das organizações da sociedade civil que,
no caso das organizações indigenistas, vem sendo construído ao menos desde a CPI da
Funai, finalizada ainda em 2017. Vale ainda destacar que o discurso assimilacionista é
constituinte da política indigenista historicamente levada a cabo pelos militares no país
– os mesmos hoje que ocupam boa parte do alto escalão - e que, na prática, implicou
numa política genocida, marcada por massacres físicos e etnocídios. Tal posicionamento
do Estado Brasileiro só foi transformado, ao menos formalmente, após o
reconhecimento dos direitos ao território e à diferença cultural indígenas na CF de 88,
através do artigo 231.

Por fim, vale ressaltarmos ainda que a junção interesses econômicos + narrativa
assimilacionista é também incentivo e autorização para a sequência de violências físicas,
mortes e invasões de território sofridas por diversas etnias indígenas. Se é verdade que
tais práticas são já corriqueiras nas mais diversas regiões do país, a vitória eleitoral do
discurso belicista de Bolsonaro levou-as a outro patamar, assim como o desmonte dos
órgãos responsáveis pela proteção dos direitos indígenas. Vale citarmos, a título de
exemplo, dois casos: o incêndio do polo base de saúde indígena e da escola indígena do
povo Pankararu, logo depois do resultado do primeiro turno das eleições e repetido já
no final de dezembro; a entrada, no dia 11 de janeiro, de homens armados que
dispararam contra a comunidade Guarani Mbya da Ponta do Arado, na zona sul de Porto 21
Alegre.

Desta forma, é evidente que o desmonte dos direitos indígenas se dá tanto no plano
pragmático como no plano cultural, retomando e aprofundando práticas velhas do
Estado Brasileiro. Ainda que bem articulados, há, no entanto, contradições e possíveis
impedimentos para tais projetos. Em primeiro lugar, ainda contamos com uma
Constituição que anda relativamente de pé e que requer alguns procedimentos legais
para ser modificada. Esses impedimentos dificultam, por exemplo, a permissão do
arrendamento em terras indígenas, ao menos de forma legal, ainda que não sejam
eficazes quanto à entrada de mineração nas TI, que pode ser autorizada por meio de
Medida Provisória. Em segundo lugar, os tratados internacionais como a convenção 169
da OIT, da qual o Brasil é signatário, nos deixam alguma possibilidade de sanções,
especialmente se investirmos em campanhas de boicote internacional contra as
commodities brasileiras produzidas à base de sangue indígena. Por fim, e mais
importante, contamos com a articulação, organização e resistência indígena que, se
desde tempos imemoriais marcam a história do país, tem também se revelado como
ator político cada vez relevante da conjuntura, com as quais precisamos nos juntar para
derrubar o modelo econômico e cultural do atual governo.

Fontes:
https://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2018/10/29/escola-publica-e-posto-
de-saude-sao-incendiados-em-comunidade-indigena-no-sertao.ghtml

http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vidaurbana/2018/12/26/interna
_vidaurbana,772183/incendio-atinge-segunda-escola-indigena-pankararu-no-sertao-
do-estado.shtml

https://cimi.org.br/2019/01/comunidade-guarani-mbya-da-ponta-do-arado-e-atacada-
a-tiros-em-porto-alegre-rs/

Para mais detalhes da história de atuação do Estado Brasileiro junto aos povos
indígenas, ver:

https://piaui.folha.uol.com.br/materia/povos-da-megadiversidade/

MULHERES NO GOVERNO BOLSONARO

A Campanha

O então candidato a presidente da República, deputado Jair Bolsonaro, mesmo


liderando as pesquisas de intenção de voto desde o início da campanha, por ter se
envolvido em discussões públicas com mulheres com declarações polêmicas, dividiu 22
opiniões e alimentou movimentos contrários e em apoio ao candidato por parte do
eleitorado feminino.

Pouco mais de 15% desse eleitorado preferiu acreditar que essas declarações não eram
reais, eram ditas apenas da boca para fora. Achavam que, às vezes, “ele não usa filtro
por ser muito sincero. Então isso é até positivo, como se fosse um candidato honesto,
por não se deixar levar pelo marketing eleitoral”, “Em casos polêmicos, veem como
manipulação da imprensa. Como se as notícias fossem distorcidas,
descontextualizadas”, explicava Esther Solano, cientista política e professora da Unifesp,
que à época realizou pesquisa com eleitores de Bolsonaro. “São, em geral, mulheres
conservadoras, apegadas aos valores cristãos. Não à toa a expressão ‘cidadão de bem’
quase sempre aparece em algum momento do discurso delas. Não é incoerente
uma mulher ser machista. Porque não é só questão de gênero – é sobre estrutura de
poder. Mas nem todas as pessoas têm essa consciência, esse despertar de como o
machismo molda a sociedade”, afirmava a cientista política Thatiana Chicarino,
professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

“Não que neguem o machismo. Todas elas concordaram: o Brasil é um país


machista. Ainda assim, diziam-se antifeministas. Elas acham que as feministas são muito
exageradas, querem ter privilégios quando falam em direitos e causam muitos
problemas. A ideia é que, sem elas, seria mais fácil lutar com calma e tranquilidade. É
uma contra narrativa, que culpa o feminismo”, explica Solano. (Ver artigo publicado na
Carta Capital em setembro de 20183).

Segundo pesquisas da época cerca de 49% do eleitorado feminino não votariam de


forma alguma no candidato Bolsonaro.

As explícitas declarações de Bolsonaro contra os direitos das mulheres, cujo produto


mais expressivo do outro lado foi o movimento #elenão, colocou a pauta delas na linha
de frente durante a campanha. Mesmo assim, após as manifestações, o quadro
começou a se alterar sensivelmente: Bolsonaro cresceu 6% entre as mulheres. Esse
crescimento se deu principalmente entre mulheres brancas, de alta escolaridade e do
Sudeste.

O crescimento de Bolsonaro na sequência dos atos pegou de surpresa o campo


progressista, e trouxe avaliações:

“DE IMEDIATO, ALGUNS SETORES, INCLUSIVE CANDIDATOS DE ESQUERDA,


ASSOCIARAM DIRETAMENTE AOS PROTESTOS A “CULPA” PELO
ACIRRAMENTO DA POLARIZAÇÃO. “Não é uma surpresa. As mulheres acabam
sempre sendo culpadas pelas mais diversas coisas. É a expressão do machismo
da nossa sociedade culpar um movimento que foi tão expressivo e tão novo para 23
a democracia. Foi uma surpresa para todos esse crescimento dele (Bolsonaro)
logo após os atos de sábado. Mas os atos foram fundamentais para dizer para a
opinião pública que têm coisas que não são aceitáveis para nós (mulheres), como
defender a tortura, o armamento, que em seu plano de governo quase não tem
menções às mulheres. É importante ressaltar que a mobilização teve uma
extensão que não se viu antes. Os protestos que as mulheres fizeram em 2015
contra o Eduardo Cunha não chegaram nas cidades do interior, por exemplo. A
rejeição das mulheres ao Bolsonaro foi expressiva e as mulheres influenciaram
na disputa”. Afirmou Beatriz Rodrigues Sanchez, pesquisadora do Grupo de
Estudos e Gênero da Universidade de São Paulo, a Carta Capital4.

O Mandato

Já na cerimônia de posse do presidente eleito, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro,


apesar de quebrar todos os protocolos cerimoniais e ganhar voz e visibilidade na posse

3
Cf. (1) https://www.cartacapital.com.br/diversidade/por-que-algumas-mulheres-votam-em-
bolsonaro/ .
4
Cf. https://www.cartacapital.com.br/politica/culpar-ele-nao-pela-alta-de-bolsonaro-e-a-expressao-do-
machismo/
de um governo com baixa representação feminina, não falou a palavra “mulher” em seu
discurso.

“Mesmo com o fato inédito, e essa quebra de protocolo interessante que a


colocou em destaque, ela em nenhum momento falou de representatividade feminina. E
isso não me causa espanto. O marido dela sempre demonstra hostilidade com
movimentos feministas. Apesar da ruptura de seu discurso, ela ainda representa o papel
da mulher frágil, devota ao marido, à família. E isto esteve presente na sua fala.”,
afirmou Manoela Miklos, doutora em Relações Internacionais e uma das idealizadoras
da campanha #AgoraÉQueSãoElas 5.

Embora, na Ciência Política, haja muitos debates em torno das teorias da representação
e de qual seria o melhor critério para definir o que é um(a) bom(a) representante, a
quantidade de mulheres no parlamento é um dos indicadores internacionalmente
definidos para medir a igualdade de gênero e o empoderamento feminino desde os
Objetivos do Milênio da Organização das Nações Unidas, estabelecidos a partir de 2002.
A maior participação feminina no Congresso, por exemplo, tem demonstrado que as
mulheres são mais eficientes na construção de consenso e na efetivação de políticas
públicas em realidades distintas, como a dos Estados Unidos.

No caso brasileiro, as eleições ocorridas este ano mantiveram o número de mulheres no


24
Senado (7), mas, na Câmara dos Deputados, o montante aumentou de 51 para 77,
embora apenas PSOL e PTC – este com apenas dois assentos – tenham paridade de
gênero. Considerando apenas os dados referentes à Câmara, a atual composição deixa
o Brasil com a pior representatividade feminina da América Latina, embora a Lei dos
Partidos Políticos (n. 9.096/95) garanta em tese trinta por cento das candidaturas
femininas.

O Brasil também reflete a tendência de que mulheres estejam à frente da pauta


progressista. Na agenda ambiental, por exemplo, duas mulheres estão entre os(as) dez
deputados(as) mais ativos(as) nas pautas de desenvolvimento sustentável, clima e
energia – Luiza Erundina (PSOL/SP) e Erika Kokay (PT/DF) – e nenhuma entre os(as)
menos ativos(as), de acordo com o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB),
vinculado ao Instituto da Democracia.

No Executivo Federal, uma composição mista de ministros e ministras é, no mínimo,


uma tentativa de refletir a diversidade do país. Com um ministério que não possui
negros(as) ou nordestinos(as), Jair Bolsonaro nomeou apenas duas mulheres entre seus
vinte e dois ministros – Tereza Cristina e Damares Alves. No entanto, a reflexão deve ir

5
Cf. (1) https://piaui.folha.uol.com.br/voz-de-
michelle/?fbclid=IwAR3SPrOuSDkgT8e0zb0lOn0b7SPytr2XwmjOf7Z8h9smxK8TebW6LkxiUPY .
mais a fundo: essas indicações se aproximam em qualquer medida de uma pauta mais
alinhada com a proteção dos direitos individuais, sociais e difusos? Não é o que parece.

A Ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM/MS), embora tenha se pronunciado


sobre sua intenção de encorajar o cumprimento do Código Ambiental, salientando
que “a preservação só vale a pena se a pessoa sentir que ela tem alguma bonificação”,
tem um desempenho sofrível na pauta das mudanças climáticas. De acordo com a
mesma análise, ela ocupa o nº 401 de 470 em relação às proposições legislativas que
afetam o clima do planeta.

Alguns dos projetos com viés ambientalista mais recentes da deputada, que já foi
diretora, por quatro anos, da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul
(ACRISSUL), incluem a proibição do uso da palavra “leite” para designar produtos de
origem vegetal, como derivados de coco, soja e outros grãos, já que a indústria a utiliza
“não apenas quando se trata do líquido branco alimentício que é segregado pelas
mamas de fêmeas de mamíferos, mas em qualquer suco vegetal branco ou
esbranquiçado”.

A despeito de haver votado favoravelmente pelas cotas de mulheres no Poder


Legislativo, a então deputada manifestou acordo com os projetos da PEC dos gastos
públicos (EC nº 95) e da reforma trabalhista. Além disso, pronunciou-se em outros
25
capítulos polêmicos, como o projeto para combater práticas tradicionais nocivas em
sociedades indígenas, o Projeto de Lei (PL) nº 1057/07, a cobrança de cursos em
universidades públicas e a redução da maioridade penal para 16 anos nos crimes
hediondos, homicídios dolosos, e lesões corporais graves/seguidas de morte.

Damares Alves (ainda sem filiação partidária), indicada para liderar o Ministério da
Mulher, Família e Direitos Humanos, é ligada à ONG Movimento Atini - Voz Pela
Vida discriminatório à comunidade indígena e por tentar "legitimar as ações
missionárias no interior das comunidades indígenas". O Ministério Público Federal
processou a organização após a exibição do falso documentário “Hakani”, produzido por
uma organização missionária extremista estadunidense chamada “Youth With a
Mission” sobre o suposto infanticídio de uma criança da tribo Suruwaha, envolvido em
escândalos relacionados à encenação e evangelização e escravização de indígenas. A
página da ONG, assim como o link para doações, faz referência a uma imagem removida
por determinação judicial. A divulgação do material sem nenhuma base etnográfica,
segundo a própria Associação Brasileira de Antropologia-ABA, foi usada para reforçar
não apenas a angariação de recursos para atividades questionáveis em comunidades
indígenas no Brasil, mas também legitimar iniciativas como o PL n. 107/2007,
mencionado acima.
Entre as prioridades de Damares Alves, está a aprovação e posterior implementação das
políticas relacionadas ao Estatuto do Nascituro (PL n. 478/2007) – cujo conteúdo foi este
ano retomado pelos PL n. 11.148/2018 e PL n.11.105/2018) –, já aprovado nas
comissões de Seguridade Social e de Finanças e Tributação e na Comissão da Mulher
desde junho/2017. Entre as controvérsias levantadas pelo projeto, estão o direito à
pensão alimentícia de um salário mínimo até os dezoito anos de nascituros frutos de
violência sexual, caso não identificado o genitor ou não possa este arcar com tais
custos, e a criminalização do aborto culposo ou doloso.

Embora a ministra seja advogada e pedagoga, e tenha já dado declarações conciliatórias


sobre o dever de os homens dividirem tarefas com as mulheres e que se comprometeria
com o enfrentamento à violência e à reduzida empregabilidade das pessoas LGBTI em
recente reunião, Damares tem um longo engajamento em campanhas contra o
Programa Nacional de Direitos Humanos em vigor (o PNDH-3 ou Decreto Presidencial n.
7037/2009). Segundo a ministra, o programa pretende destruir a família brasileira por
ter entre seus objetivos a desconstrução da heteronormatividade, que ela traduziu
como uma influência – inexistente em qualquer outro país do mundo – da teoria queer.

Damares é também contra o Conselho Nacional para a Promoção da Cidadania LGBT e


a criminalização da homofobia no Brasil na nova proposta de Código Penal e afirma que 26
o “movimento gay” tem enriquecido de verbas públicas e que as igrejas evangélicas são
as grandes protetoras dos homossexuais.

Além disso, ela já sugeriu que fosse aberta uma CPI do aborto porque o financiamento
às campanhas no Brasil se deve ao tráfico de fetos pelo valor de mercado da carga
genética mestiça dos nascituros no país, e que a legalização é uma meta da ONU para o
controle populacional.

“Seria difícil resumir todas as incertezas relacionadas à efetivação dos Direitos


Humanos nos próximos anos, mas é importante pensar no papel que a diversidade na
representação institucional formal e efetiva detém. Se a primeira não garante a última,
é certo que os mitos da meritocracia e da igualdade de oportunidades tampouco o
fazem. Assim, reconhecer e conferir espaços plurais na estrutura de governança
possuem, no mínimo, a dimensão simbólica de representar o que o Brasil tem de mais
valor – a diferença”. Concluiu Mariana Yante - Pesquisadora do Instituto de Estudos da
Ásia/UFPE e Visiting Researcher na Shanghai JiaoTong University.6 (5)

A Secretaria de Políticas para Mulheres, conquista dos movimentos de mulheres em


2003, reflete baixa prioridade do tema no governo federal, com queda de 68% nos

6
Cf. https://www.brasil247.com/pt/colunistas/geral/378825/As-mulheres-no-governo-Bolsonaro-e-a-
representa%C3%A7%C3%A3o-contraintuitiva-das-minorias.htm
investimentos. A Secretaria divide espaço com “Família” e Direitos Humanos em
ministério liderado por pastora que quer aprovar projeto de lei que dá direitos a
embriões e fetos.7

A equipe de Damares

Reportagem da Agência Pública fala sobre a equipe de Damares Alves no Ministério da


Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

O responsável pela Secretaria de Proteção Global, pasta que abriga a Diretoria LGBT, é
Sérgio Augusto de Queiroz, pastor evangélico que prega na mesma igreja batista
frequentada pela ministra. Também faz parte da equipe a ex-deputada Tia Eron (a
mesma que deu o voto decisivo pelo impeachment de Dilma Rousseff). Ela é a
responsável pela Secretaria da Mulher. Em seu histórico parlamentar, está o apoio a
uma manobra legislativa para sustar o decreto assinado por Dilma que autorizou o uso
do nome social por travestis e pessoas trans na administração pública.

Já a Secretaria da Família foi entregue à Ângela Vidal, filha do jurista Ives Gandra
Martins que, segundo a Agência Pública, é “membro notório do Opus Dei”. Ano passado,
a advogada participou do seminário promovido pelo STF defendendo a posição da União
dos Juristas Católicos de São Paulo contra a descriminalização do aborto. 27
A Secretaria de Igualdade Racial é ocupada por Sandra Terena, amiga de Damares e
presidente da ONG Aldeia Brasil, conhecida pela evangelização indígena. Outra de suas
pautas é o combate ao “infanticídio indígena”. Sandra responde à ação movida pelo
Ministério Público Federal pelo caráter discriminatório de um documentário sobre o
tema. Indígena, ela apoia a decisão de transferir o processo de demarcação de terras do
Ministério da Justiça para a Agricultura.

Outra ‘amiga’ ocupa a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Priscilla
Gaspar foi indicada pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Ela atuou na campanha
eleitoral fazendo a tradução para libras de transmissões ao vivo do presidente.

A Secretaria da Juventude é chefiada por Jayana Nicaretta, 24 anos, militante


bolsonarista que se apresenta nas redes sociais como “antifeminista”. Jayana, que é
filiada ao PP, foi indicada depois que a primeira opção, Desire Queiroz (PRB), perdeu
condições de assumir o cargo ao defender a vereadora assassinada Marielle Franco. Foi
considerado “esquerdismo” da parte dela.

7
Cf. http://www.generonumero.media/com-queda-de-68-no-investimento-em-tres-anos-secretaria-de-
politicas-para-mulheres-reflete-baixa-prioridade-do-tema-no-governo-federal/
E tem mais: a pasta que cuida da pessoa idosa será tocada por Antônio Fernandes Costa,
ex-pastor evangélico que presidiu a Funai entre janeiro e maio de 2017 por indicação do
PSC.

Destoa do time a indicada para comandar a Secretaria da Criança e do Adolescente,


Petrúcia de Melo Andrade, filiada ao PT. Ela é frequentadora da Igreja Batista
Getsêmani, membro do grupo Cristãos Progressistas e assinou manifestação junto com
outros evangélicos contra o impeachment.

Os funcionários do ministério ouvidos pela reportagem temem que a defesa de pautas


como igualdade para mulheres e combate à homofobia seja entendida como “ideologia
comunista”. Por enquanto, a primeira mulher trans a comandar uma diretoria
ministerial, Marina Reidel, responsável pela Promoção dos Direitos LGBT, continua no
cargo8.

Por fim, num cenário tão adverso, precisamos contar com a articulação, mobilização e
resistência das mulheres, que mesmo sendo maioria, em termos quantitativos,
continuamos cada vez mais, sendo minoria enquanto grupo que tem voz. Infelizmente,
as vozes que deveriam falar por nós nas instâncias de poder, certamente, não o farão.
Serão os grupos de fora, que têm se revelado como atores políticos cada vez mais
relevantes da conjuntura, com os quais precisamos nos juntar para lutar por um modelo
28
político e cultural que atinja a todos e a todas.

AGRICULTURA FAMILIAR, POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS: CONFLITOS E


RISCOS PARA O ABASTECIMENTO ALIMENTAR NO BRASIL

Dentre as consequências do golpe de 2016, consolidadas em 2018, destacamos duas


dimensões: O acirramento dos conflitos agrários e os cortes orçamentários de políticas
públicas voltadas à agricultura familiar para assentamentos rurais e comunidades
tradicionais 9 (Neste sentido, as forças do agronegócio e da bancada ruralista no
Congresso Nacional vêm em uma crescente desde o Governo Temer, enfraquecendo e
inviabilizando os avanços ocorridos nos últimos 12 anos para estes segmentos sociais.

Assim, 2018 se apresentou como um ano em que a violência no campo aumentou


consideravelmente. De acordo com o balanço da Comissão Pastoral da Terra – CPT 10
“81% dos conflitos pela terra e pela água tiveram o envolvimento do poder privado, sob
a conivência do poder público” e afetando principalmente povos e comunidades
tradicionais, correspondendo a 64% das vítimas dos conflitos, seguidas dos

8
Cf. https://outraspalavras.net/outrasaude/a-turma-de-damares/
9
Dentre elas quilombolas, pescadores artesanais, etc.
10
https://cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/4588-balanco-da-questao-agraria-no-brasil-2018
trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra e dos assentados e assentadas,
representando 32%, e de pequenos/as proprietários, sendo estes 2% das vítimas de
violência no campo.

A efetivação de assentamentos de reforma agrária, e o reconhecimento de territórios


quilombolas ficou praticamente paralisada especialmente em 2018 e o orçamento do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA - para reconhecimento de
territórios quilombolas foi apenas R$ 2,8 milhões em 2018, menos de 10% do orçamento
de 2014, no segundo mandato da Presidenta Dilma Rousseff.

29

Fonte: TEIXEIRA, Gerson. “Os recursos para as principais ações da loa 2019 para as áreas agrária e agrícola
texto aprovado pelo congresso” Liderança da bancada do PT na Câmara dos Deputados. 2018.

A redução expressiva de recursos para políticas de Agricultura Familiar e de Segurança


Alimentar e Nutricional indica um cenário desastroso para o abastecimento alimentar
da população brasileira. O Programa Um Milhão de Cisternas – P1MC - teve o montante
de recursos reduzidos de R$ 572,85 milhões em 2014 para R$ 70,65 milhões em 2018,
quando o próprio governo estimava ser necessário R$ 1,2 bilhão para universalizar o
acesso às cisternas de 1ª água11 para o semiárido brasileiro. O Programa de Aquisição
de Alimentos – PAA - aplicou R$ 609 milhões em 2015, e apenas R$ 165 milhões em
2018, dos quais R$ 22 milhões na modalidade compra com doação simultânea operada
pela Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB- que atende a grupos mais
vulneráveis à fome e à insegurança alimentar. O PAA, que já atendeu 185.979

11
Água para beber e cozinhar.
agricultores em 2012, em 2017 atendeu a somente 67.179 agricultores, de acordo com
o orçamento previsto para 2019, este programa tenderá a se extinguir.

30
Fonte: TEIXEIRA, Gerson. “Os recursos para as principais ações da loa 2019 para as áreas agrária e agrícola
texto aprovado pelo congresso” Liderança da bancada do PT na Câmara dos Deputados. 2018.

Em que pese estes enormes retrocessos, algumas políticas seguiram vigentes no


período, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que teve dotações
orçamentárias crescentes (R$ 3,76 bilhões em 2015 e R$ 4,1 bilhões em 2018), com
aproximadamente R$ 800 milhões destinados à compra de alimentos da agricultura
familiar. Em alguns estados brasileiros, houve avanços também na efetivação do
Programa de Inclusão Produtiva e Segurança Sanitária – PRAISSAN- coordenado pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.

No início do governo Bolsonaro, foi publicada uma Medida Provisória que acaba com a
Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, e transfere
para o Ministério da Agricultura, sob comando dos latifundiários mais conservadores da
União Democrática Ruralista - UDR- , o INCRA e as atribuições da Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) de demarcação e homologação de terras indígenas, sinalizando
claramente a intenção do governo de paralisar completamente e o reconhecimento dos
direitos territoriais dos povos indígenas, quilombolas e demais comunidades
tradicionais, assim como a própria reforma agrária. Recentemente, memorandos do
INCRA foram enviados as suas superintendências, estabelecendo a interrupção da
compra e da demarcação de terras por tempo indeterminado.

Uma das primeiras declarações do Secretário de Assuntos Fundiários do governo


Bolsonaro, o ruralista Nabhan Garcia, foi a promessa de fechar as escolas do MST, as
mesmas que ganharam prêmios e alfabetizaram milhares de pessoas. O secretário
tratou estas escolas como “fabriquinha de ditadores”, um exemplo que mostra
claramente a intenção do novo governo de criminalizar os movimentos sociais
classificando-os, em alguns casos, como grupos terroristas.

Logo no início de 2019, o Governo Federal extinguiu, por Medida Provisória, o Conselho
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA - criado em 1993 12 Este
Conselho contribuiu para consolidação de políticas públicas que proporcionaram a saída
do Brasil do Mapa da Fome, segundo dados da FAO. O Programa Fome Zero evoluiu para
um Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –SISAN - a Política e o Plano
Nacional –PLANSAN. Com essa medida, se constata uma total falta de priorização das
ações voltadas para o combate à fome e à insegurança alimentar no Brasil, e, mais que
isso, se extingue o espaço de controle social e monitoramento destas políticas públicas,
fragilizando os processos de participação social já consolidados.
31
O segmento quilombola foi um dos mais afetados pelos cortes orçamentários durante
2018, e na previsão para 2019, conforme descreve o gráfico abaixo.

12
Extinto no governo Fernando Henrique em 1995 e recriado no governo Lula em 2003.
Fonte: TEIXEIRA, Gerson. “Os recursos para as principais ações da loa 2019 para as áreas agrária e agrícola
texto aprovado pelo congresso” Liderança da bancada do PT na Câmara dos Deputados. 2018.

Sobre a medida provisória 870/2019, que passa a competência de identificar,


reconhecer, delimitar, demarcar e titular territórios quilombolas para o Ministério da
Agricultura, o próprio presidente eleito declarou: “No meu governo não terá um
centímetro de terras para quilombolas”.

O segmento quilombolas foi um dos primeiros a manifestar sua reação à ofensiva do


atual governo. Através da carta-denúncia da Coordenação Nacional das Comunidades
Negras Quilombolas (CONAQ)

“ A MPV 870/2019 é uma antecipação de um etnocídio dos quilombolas, além de colocar


em risco o meio ambiente brasileiro. (...) Desenham com este cenário para mais de 6 mil
quilombos no Brasil (....)Somos 16 milhões de Quilombolas em 24 estados da federação
(...) desses mais da metade certificados ou titulados pelo Governo Brasileiro. Exigimos
respeito com nossa história, nossa ancestralidade e nossos territórios.”

Diante deste quadro de criminalização, perda de direitos e ameaças aos trabalhadores 32


e trabalhadoras do campo, e as frequentes ações de despejos apoiadas pela Polícia
Federal e pelo judiciário nos diferentes estados brasileiros, será necessária uma ampla
mobilização dos movimentos sociais do campo e das cidades, para combater os
frequentes ataques das “milícias pró-Bolsonaro” quem vêm ocorrendo desde os
resultados eleitorais.
POLÍTICA INTERNACIONAL

O BRASIL PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS

Passada a perplexidade internacional com o resultado das eleições brasileiras e a vitória


da extrema-direita, é hora de acompanhar com atenção o movimento do governo eleito
no xadrez geopolítico global.

Neste campo, embora haja um maior alinhamento político, há também um conjunto de


decisões governamentais que já tem produzido efeitos perversos na política externa.

Ainda não está claro o que vai prevalecer, mas já é possível analisar as movimentações
realizadas nos primeiros dias do governo Bolsonaro que apontam para rupturas
históricas na diplomacia brasileira.

A POSSE PRESIDENCIAL E O CONVIDA-DESCONVIDA-VETA 33

Um capítulo à parte foi a posse presidencial e os “desconvites” oficiais à Venezuela e a


Cuba. Segundo o Itamaraty, 46 delegações estrangeiras acompanharam a cerimônia em
Brasília. Havia a expectativa por parte do governo eleito da participação de
aproximadamente 60 delegações.

Foi a posse menos prestigiada de primeiro mandato, desde o fim da ditadura. Somente
dez chefes de Estado ou governo compareceram.

A orientação inicial da equipe de Bolsonaro, tomada em conjunto com o Itamaraty, foi


que todos os chefes de Estado e governo de todos os países com os quais o país tem
relações diplomáticas fossem convidados.

Entretanto, após a emissão dos convites, o então futuro Ministro das Relações
Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou no Twitter que Nicolás Maduro não havia sido
convidado e que “Não há lugar para Maduro numa celebração da democracia e do
triunfo da vontade popular brasileira...”A afirmação teve resposta imediata do chanceler
venezuelano, Jorge Arreaza, também pela mesma rede social, que publicou o convite
oficial recebido pelo governo brasileiro e, ao mesmo tempo, a resposta do governo
venezuelano.
Por sua vez, em artigo publicado no jornal estatal Granma, o governo cubano afirmou
que foi uma “honra” para o país ter sido desconvidado para a cerimônia, já que seria
humilhante estar na posse da pessoa “que foi capaz de colocar em risco a saúde de
milhares de brasileiros”.

Ao ser questionado sobre a mudança na decisão de convidar Venezuela e Cuba,


Bolsonaro respondeu que “Porque é ditadura, não podemos admitir ditadura. O povo lá
não tem liberdade”.

Após as turbulências causadas, o Itamaraty enviou os “desconvites” por meio de


mensagem curta, seca e sem justificativa.

Já a presença de Miguel Diáz-Canel, da Nicarágua foi vetada. A justificativa apresentada


por Ernesto Araújo foram “as violações do governo Ortega”.

Interessante notar que o convida-desconvida-veta não foi extensivo a outros países com
governos reconhecidamente autoritários como Arábia Saudita, Coréia do Norte, Irã e
Turquia.

O entrevero diplomático é apenas um exemplo do tom a ser adotado pelo governo


vigente e das mudanças na tradição da política externa brasileira que, até então, dava 34
ênfase à integração regional, baseada nos princípios do multilateralismo.

As presenças do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e de Benjamin Netanyahu,


primeiro-ministro de Israel, apontam claramente para uma aproximação bilateral com
líderes à direita.

COOPERAÇÃO SUL-SUL

A cooperação sul-sul foi, até recentemente, foi uma das prioridades da política externa
brasileira, com investimentos de recursos e esforços em programas voltados para países
da América Latina e Caribe, África e Ásia. As recentes declarações de Bolsonaro e de seu
Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, entretanto, indicam mudanças à vista
(leia-se desmonte das iniciativas regionais).

Mercado Comum do Sul (MERCOSUL: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) – No que


se refere ao Mercosul, a equipe governamental declarou que o país não vai sair do bloco
econômico regional, entretanto o super ministro Paulo Guedes, já afirmou que o bloco
regional não será uma prioridade. A declaração trouxe desconforto aos empresários do
setor automobilístico, pois o bloco tem importância na aquisição de produtos
manufaturados brasileiros. Atualmente, segundo dados do MDIC, o valor das
exportações é de US$ 18,3 bilhões. Os principais produtos embarcados são automóveis
(20%) e veículos de carga (6,3%). A participação do Mercosul nas exportações brasileiras
é de 9,22%. Para amenizar o mal-estar causado também entre os países integrantes,
especialmente Argentina, Bolsonaro comprometeu-se publicamente a fortalecer a
agenda de trabalho do Mercosul.

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/01/guedes-aproveita-reuniao-com-
argentinos-para-desfazer-mal-estar-com-declaracao-sobre-mercosul.shtml

União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) – a iniciativa pela integração regional na


América do Sul, criada em 2008 e formada por Argentina, Brasil, Chile, Colômbia,
Paraguai, Peru, Bolívia, Equador, Guiana, Suriname, Uruguai e Venezuela, está com os
dias contados. O objetivo de construir uma identidade sul-americana na região tem
sofrido reveses desde 2016 quando Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru
suspenderam temporariamente suas atividades no bloco regional. Caracterizada por
uma predominância de proeminentes líderes de centro-esquerda da América do Sul, a
iniciativa fragilizou-se com o avanço da direita na região e a polarização política
acentuou as divergências internas entre os países. Com o governo Bolsonaro, a
tendência é que a iniciativa dê seus últimos suspiros. O presidente já declarou que vê
com simpatia a criação de um bloco diplomático para substituir a UNASUL desde que
seja mais flexível e dinâmico. Chamado informalmente de PROSUL, o novo bloco poderá 35
aproveitar a estrutura de associação de países sul-americanos já existente no Mercosul
e excluir a Venezuela pelo critério de admissão de países democráticos. A notícia foi
divulgada no site https://www.ocafezinho.com/2019/01/16/notas-internacionais-por-
ana-prestes-16-01-19/

Se até então, a política externa brasileira no âmbito da cooperação sul-sul se baseava


na concertação multilateral, o que se avizinha agora são as negociações e acordos
bilaterais.

As análises recentes demonstram preocupação com a estratégia a ser adotada pelo


governo no que se refere à integração regional, pois embora as negociações bilaterais
sejam viáveis, estas podem ser mais longas e com mais entraves burocráticos do que
quando a concertação é multilateral e com atuação em bloco, uma vez que, o
crescimento do poder gerado otimiza os esforços dos países e reduz a vulnerabilidade
externa dos países frente aos interesses hegemônicos.

A ascensão de Maurício Macri na Argentina, o golpe no Brasil e o crescimento de


governos neoliberais na América Latina, além de fragilizarem o processo de integração
regional, também fortalecem a consolidação dos interesses geopolíticos dos Estados
Unidos na região.
BRASIL E ESTADOS UNIDOS

Desde a campanha eleitoral do presidente Bolsonaro ficou evidente o desejo de


aproximação do Brasil com os Estados Unidos.

A presença na posse do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e a posterior


reunião realizada com Bolsonaro, apontam para uma maior aproximação entre os dois
países. Historicamente, os EUA buscam neutralizar as iniciativas de maior autonomia e
liderança dos países da América Latina, exigindo sempre nas alianças até então
realizadas, o atendimento aos interesses norte-americanos (venda de terras e riquezas
naturais por preços irrisórios, abertura comercial irrestrita...). Os Estados Unidos
ocupam, atualmente, o segundo lugar entre os destinos das exportações brasileiras,
ficando atrás apenas da China.

É, no mínimo, irresponsabilidade embarcar numa relação claramente desfavorável ao


espírito nacionalista tão amplamente destacado pelo governo vigente. Entretanto, é
exatamente este o caminho já anunciado pelo governo brasileiro e explicitado em suas
primeiras ações.
36
A decisão da mudança da embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, a
crítica de Bolsonaro à relação da China com o Brasil e a aposta nas relações bilaterais
em detrimento da concertação multilateral são exemplos concretos das tentativas de
maior aproximação entre Washington e Brasília. Este mesmo movimento também é
percebido com relação a Israel e outros países comandados por conservadores. Por
outro lado, o episódio ocorrido durante a cerimônia de posse evidencia um afastamento
de países como a Venezuela, Cuba e Nicarágua.

O fato é que, ao contrário da postura mais independente da política externa brasileira


adotada até o momento, o que se desenha é um reposicionamento do Brasil no cenário
internacional. É preciso ter claro que, por razões óbvias (assimetria de poder real e
simbólico, papel de ambos os países no cenário global, peso diplomático, poder de
barganha internacional...), não se trata de uma política de alinhamento como quer
mostrar o novo governo, o que se configura é uma relação de submissão às elites
financeiras (nacionais e internacionais) com graves consequências para o Brasil e sua
política externa.

Embora haja denúncias que possam levar a um impeachment de Donald Trump, a


hipótese é remota. Mesmo o Partido Democrata tendo assumido o controle da Câmara
dos Deputados dos EUA, quem julga um eventual processo é o Senado. Atualmente, no
Senado 53 senadores são republicanos e 47 são democratas. Para a aprovação de um
processo de impeachment são necessários os votos de dois terços dos senadores (67
votos). Significa que, para que o impeachment aconteça os democratas precisarão
contar com 20 votos de senadores republicanos, para atingir os 67 votos necessários.
Mesmo que haja divergências internas no partido republicano em relação ao governo
Trump (considerado por alguns parlamentares como uma carga pesada e perigosa), a
possibilidade dos republicanos unirem-se aos democratas para um processo de
impeachment é, atualmente, algo remoto.

Mas se esta possibilidade se efetivar, certamente refletiria no governo Bolsonaro de


forma negativa, já que este tem apostado suas fichas em um afastamento dos países
vizinhos e em um espelhamento da agenda política norte-americana.

Segundo Thomas Heye, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal


Fluminense (UFF) “se o presidente americano cai, é o momento de (Bolsonaro) sorrir,
disfarçar e tentar partir para outra”. No entanto, nesse processo, o novo chanceler
brasileiro, Ernesto Araújo, seria “degolado” do governo, na opinião do professor da UFF,
já que é, aparentemente, o responsável por conduzir o alinhamento com os EUA. “Ou,
melhor dizendo, entre Brasil e Trump. Mas se Trump cai, o Brasil fica. Aí teremos que
atrair novamente outros parceiros internacionais, alguns dos quais já estão fechando as
portas para nós claramente, como França, União Europeia e Alemanha.” 37
https://www.redebrasilatual.com.br/mundo/2019/01/sombra-do-impeachment-paira-
sobre-trump-e-ameca-politica-externa-de-bolsonaro

BRASIL E A COMUNIDADE ÁRABE

A presença do primeiro ministro de Israel, Benjamim Netanyahu e a promessa de


Bolsonaro ao governo israelense e a grupos evangélicos brasileiros, de mudar a
embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, tem causado alvoroço entre
o empresariado brasileiro e a comunidade árabe. Há preocupação com retaliações do
mundo árabe. O que está em jogo é uma relação com mais de 30 países.

Os Emirados Árabes Unidos, o Egito e a Liga Árabe já expressaram a insatisfação com a


transferência da embaixada brasileira. Esta última decidiu comunicar aos embaixadores
brasileiros nos diferentes países árabes sobre “qualquer ato que viole o status legal e
histórico de Jerusalém”.

A Ministra da Agricultura do governo Bolsonaro, Teresa Cristina, também já ensaiou uma


tentativa de sensibilização junto ao presidente, chamando a atenção para os impactos
nas exportações agrícolas do país. O mundo árabe é um grande mercado para a carne
brasileira. O Brasil é hoje o maior exportador do mundo de carne halal (aquela na qual
o abate do animal segue rituais sagrados islâmicos). Somente este produto corresponde
a aproximadamente 20% das exportações de carne do país e há expectativa de que esta
participação aumente.

Em 2017, as vendas de frango halal renderam US$ 3,2 bilhões, equivalente a 45% das
receitas totais com as negociações externas do produto, segundo a Associação Brasileira
de Proteína Animal (ABPA).

Para setores como produção de açúcar, carne de boi e de frango e milho, o comércio
com as nações islâmicas é fundamental e a ameaça de boicote é real.

Para além da questão econômica, a transferência da embaixada brasileira significa


também o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. Segundo o chanceler
palestino, Riyad Malki, a vinda ao Brasil de representantes do alto escalão dos países
árabes teve como objetivo exigir do Brasil a observância das resoluções da ONU e
cumprimento do direito internacional.

Os mulçumanos também rejeitam o reconhecimento de Jerusalém como capital de


Israel e ameaçam boicotar a compra da carne brasileira se a decisão se efetivar.

A QUESTÃO MIGRATÓRIA
38
Uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro foi a saída do Pacto Global para a
Migração. O Pacto estabelece diretrizes para o acolhimento de imigrantes. Dentre os
pontos definidos estão a noção de que países devem dar uma resposta coordenada aos
fluxos migratórios, de que a garantia de direitos humanos não deve estar atrelada à
nacionalidade e de que restrições à imigração devem ser adotadas somente como
último recurso.

O Pacto foi chancelado por aproximadamente dois terços dos 193 países membros da
ONU. O Brasil tinha aderido ao Pacto em dezembro de 2018. No documento enviado à
ONU com o anúncio da saída, há o destaque de que o país não deverá “participar de
qualquer atividade relacionada ao pacto ou à sua implementação.”

Mais uma vez o Brasil segue o posicionamento político de países como Estados Unidos,
Israel, Hungria, Áustria, Bulgária, República Tcheca, Polônia, Eslováquia e Austrália, que
entendem que o Pacto viola a soberania dos Estados.

Segundo Camila Asano, coordenadora de Política Externa da ONG Conectas, com a


decisão, “o Brasil vai minando uma das suas principais credenciais internacionais: ser
um país formado por migrantes e com uma política migratória vista como referência, o
que vinha dando voz potente ao Brasil nas discussões internacionais sobre o tema”.
Bolsonaro já afirmou publicamente que o Brasil vai adotar critérios rigorosos para a
entrada de imigrantes, "não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer
um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros".

Embora o governo tenha anunciado, em coletiva de imprensa, a prorrogação da


Operação Acolhida13 até março de 2020 e ter descartado a adoção de regras mais rígidas
para a entrada de venezuelanos no Brasil, ainda não está claro como será a
sustentabilidade da operação. Para manter o programa, o governo Bolsonaro precisará
de cerca de R$ 150 milhões até o final de 2019. O valor corresponde a 0,1% do déficit
das contas públicas previsto no Orçamento de 2019 (R$ 139 bilhões).

Dados da força-tarefa mostram que uma média de 370 venezuelanos pedem refúgio ou
residência temporária no Brasil a cada dia, dos quais 15 a 20 são totalmente
desassistidos e precisam de abrigo.

Segundo relatório da Organização Internacional para Migrações (OIM) - Agência das


Nações Unidas para Migrações - em julho de 2018, o Brasil tinha recebido 50 mil
venezuelanos. O Peru, que sequer tem fronteira com a Venezuela, recebeu 354 mil; o
Chile, que é ainda mais distante geograficamente, abrigou 105,7 mil, e a Argentina, 95
mil.
39
É importante ter clareza que existem quase um milhão de estrangeiros no Brasil e mais
de três milhões de brasileiros no exterior. Com a decisão do governo Bolsonaro todos
saem prejudicados e ficarão em situação de vulnerabilidade.

SAÍDA DO ACORDO DE PARIS

Durante a COP 14 da Convenção da Diversidade Biológica, o governo Bolsonaro


anunciou a retirada da candidatura do país para sediar a 25º Conferência das Partes
sobre o Acordo de Paris. A justificativa foi “cortes orçamentários”. Entretanto, o próprio
presidente chegou a afirmar que teve participação direta na decisão política de não
sediar o evento, refletindo, mais uma vez, o posicionamento do presidente
estadunidense Donald Trump.
Vergonha alheia que precisa ser objeto de análise é o posicionamento de Ernesto Araújo,
Ministro das Relações Exteriores de que há um “alarmismo climático” e que o
aquecimento global é dogma. O ministro parece desconhecer ou não reconhecer os
diversos estudos científicos e acordos internacionais comprovando a elevação da

13
Força-tarefa que envolve diferentes órgãos do governo, como a Casa Civil, a Polícia
Federal, o Ministério da Defesa, organizações da sociedade civil e o Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e atua na recepção dos venezuelanos em
Roraima.
temperatura do Globo em ao menos 0,74ºC no último centenário, com expectativas de
elevação de 2º a 5,6º C ainda neste século se as condições poluentes permanecerem
como estão.

Com o discurso esquizofrênico de ameaça à soberania nacional, o que é uma falácia


desinformada sobre a forma de operação dos acordos internacionais, Bolsonaro curva-
se aos interesses externos dos grandes conglomerados estrangeiros de insumos,
máquinas e sementes agrícolas e sequer enxerga qualquer possibilidade de agregação
de valor aos produtos brasileiros e desenvolvimento real das cadeias produtivas
nacionais, ampliando a dependência externa. É o privatismo também tomando conta da
arena internacional do novo governo.

Segundo Bolsonaro, o Acordo de Paris é ideológico e prejudicaria o agronegócio


brasileiro que estaria “sufocado por questões ambientais”, o que revela o
reposicionamento político brasileiro com os setores mais atrasados do agronegócio, que
priorizam a degradação com plantação ostensiva de commodities, esgotamento
prematuro dos recursos ambientais, especialmente do solo e da água, num
pragmatismo que a curto prazo sinaliza um suicídio programado. 40
https://www.brasildefato.com.br/2018/12/07/bolsonaro-e-os-poroes-do-
agronegocio/

Para dirimir possíveis reações às declarações anteriores, houve recuo do governo


Bolsonaro que afirmou recentemente que o Brasil ficará no Acordo de Paris. Mas a
afirmação parece não passar de uma manobra, pois a assinatura do Decreto Nº 9.683,
de 9 de janeiro de 2019 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/Decreto/D9683.htm) alterou a estrutura administrativa do Ministério das
Relações Exteriores, extinguindo a Divisão de Mudança do Clima e a Subsecretaria Geral
de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia. Nesta Divisão estavam subordinados
os departamentos de Temas Científicos e Tecnológicos, de Energia e de Sustentabilidade
Ambiental.

Carlos Rittl, Secretário-executivo do Observatório do Clima que há 14 anos acompanha


as delegações brasileiras nas Convenções do Clima das Nações Unidas, explica que as
duas estruturas extintas tinham um papel central nas negociações: "A responsabilidade
da Subsecretaria e da Divisão de Mudança de Clima era nortear a defesa dos interesses
do Brasil na mesa de negociação, especificamente na Convenção, mas também em
relação ao Acordo de Paris, por exemplo na negociação do Livro de Regras". O Livro de
Regras é o documento que vai detalhar como será cumprida a meta de limitar o
aquecimento da Terra a 2ºC até o fim do século.
https://www.oeco.org.br/reportagens/governo-extingue-orgaos-que-lideravam-
negociacoes-do-brasil-sobre-mudancas-climaticas/

DISPUTA INTERNACIONAL PELA AMAZÔNIA E DESMONTE DO MINISTÉRIO


DO MEIO AMBIENTE

Desde antes de sua posse, as posições, falas e planos do presidente eleito a respeito da
Amazônia levantavam alertas na comunidade internacional sobre um aumento do
desmatamento na maior floresta tropical do planeta (https://istoe.com.br/planos-de-
bolsonaro-para-amazonia-preocupam-defensores-do-meio-ambiente/).

Um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)


trabalhou com uma modelagem matemática e demonstrou que se todas as ideias
aventadas por Bolsonaro e sua equipe forem implementadas o desmatamento na
Amazônia pode vir a triplicar
(https://sustentabilidade.estadao.com.br/blogs/ambiente-se/cientistas-estimam-que-
desmatamento-da-amazonia-pode-triplicar-em-cenario-bolsonaro/).

Durante o período de transição o responsável inicial pela área ambiental era Ismael 41
Nobre, biólogo que defendia que a melhor maneira de tornar a Amazônia resistente era
através da exploração economicamente responsável de seus recursos. Desta forma,
para ele, a conservação da floresta teria um sentido econômico que faria frente ao
agronegócio, que pretende avançar sobre a área preservada da floresta
(https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46203151).

No entanto toda a equipe da área ambiental foi trocada ainda no período de transição
tendo assumido, entre outros, o agrônomo Evaristo de Miranda, que em um artigo de
opinião publicado em novembro de 2018, antes de ser um dos que substituíram a equipe
de transição da área de meio ambiente, disse que o desafio do presidente eleito seria
apenas fazer cumprir o Código Florestal e não criar mais áreas de conservação além de
ter que cobrar dos beneficiários pelos serviços de preservação da Amazônia, pois manter
a integridade da floresta exigirá recursos e não alarme
(https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-presidente-e-a-
amazonia,70002590843).

Nesse artigo, Miranda deixa de abordar algumas críticas feitas ao Código Florestal e o
problema do garimpo ilegal, no entanto, o mais importante é que a sua indicação foi
vitória na queda de braço entre o setor militar e o setor do agronegócio dentro do
governo (http://www.brasilagro.com.br/conteudo/troca-em-equipe-de-transicao-
reforca-peso-do-agro-sobre-ambiente.html
https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/12/05/interna_politica,1010717/di
sputa-trava-definicao-de-titular-do-meio-ambiente.shtml).

A equipe que vinha elaborando o programa ambiental de Bolsonaro era uma indicação
do núcleo militar do governo que não conseguiu segurar os nomes e as intenções frente
ao apetite do núcleo rural, que cobrou os favores feitos durante a campanha. Deste
modo, a Amazônia corre o risco de ser entregue totalmente a sanha predatória do
agronegócio e, pelas falas e posturas assumidas pelo governo, nem mesmo o sistema de
defesa da Amazônia vai permanecer, para não gerar atrito com o agronegócio
(https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/07/politica/1541597534_734796.html).

Outra situação que pode impactar a Amazônia é a desestruturação do Ministério do


Meio Ambiente (MMA). Na reformulação promovida pelo presidente eleito foram
retirados do organograma do órgão qualquer citação à mudança do clima ou ao
combate ao desmatamento. Além da retirada destes temas a Agência Nacional de Águas
também saiu da estrutura do MMA.

Bolsonaro em seus primeiros passos mostra que cuidar do meio ambiente não será
prioridade de seu governo, pois enfraquece a estrutura do ministério diretamente
responsável por propor e desenvolver políticas públicas sobre o meio ambiente.
Desmantela a estrutura que discutirá estes assuntos internacionalmente e que estava
42
presente no Ministério das Relações Exteriores
(https://exame.abril.com.br/brasil/itamaraty-tambem-deixa-de-ter-uma-divisao-
sobre-mudanca-do-clima/).

Com a vitória do núcleo do agronegócio sobre o núcleo militar na indicação de nomes


da equipe de transição, com o enfraquecimento por ações diretas no Ministério do Meio
Ambiente e pelas palavras já usadas pelo presidente eleito e apoiadores de sua
campanha, tanto a Amazônia quanto a proteção ao meio ambiente ficam
desguarnecidas para a prática predatória que pode envolver atores internacionais que
estão de olho nas riquezas do subsolo amazônico há décadas.

É importante relembrar que Bolsonaro já disse que a “Amazônia não é nossa”, propôs
que devíamos entregar a gerência da mesma para os Estados Unidos e, mais
recentemente, disse que poderia fazer acordos para explorar a Amazônia com países
sem viés ideológico.

Estas declarações atiçaram a gula de mineradoras nacionais e internacionais, bem como


de países que acreditam poder retirar altos valores de nossa floresta, junte-se a isto o
desmonte da estrutura criada para combater o desmatamento e fiscalizar a área bem
como toda a pressão feita nos servidores que trabalham com o meio ambiente no Brasil
e temos o cenário perfeito para que a Amazônia se torne apenas formalmente território
brasileiro.

https://istoe.com.br/bolsonaro-fala-em-acordo-para-explorar-amazonia-com-paises-
sem-vies-ideologico/

https://www.youtube.com/watch?v=pwxDm_yvaxk

https://www.youtube.com/watch?v=FOFvCEvqXa0

43
TEMA ESPECIAL DO MÊS: EDUCAÇÃO

A POLÍTICA EDUCACIONAL BOLSONARISTA

Daniel Cara

Os primeiros dias da presidência de Jair Messias Bolsonaro são marcados pela


desorganização e pela falta de projeto de gestão.

Entre todos os países onde se deu a ascensão de governos da extrema direita, cujos
exemplos mais conhecidos são Trump (Estados Unidos), Duque (Colômbia), Duterte
(Filipinas), Erdoğan (Turquia), Kurz (Áustria), Modi (Índia), Morawiecki (Polônia), Orbán
(Hungria), Salvini (Itália), Suu Kyi e Myint (Birmânia) – além de governos nos quais o
ultraconservadorismo possui relevância, papel e influência, como Putin (Rússia),
Netanyahu (Israel) e Shinzō Abe (Japão) – a gestão Bolsonaro é aquela que demonstra a
maior dificuldade em afirmar um projeto claro e articulado de poder.

Embora possa parecer cedo para afirmar, o governo Bolsonaro tem tido evidente 44
dificuldade em materializar em medidas práticas sua aliança programática, definida pela
unção mal-ajambrada entre o ultraconservadorismo cristão com o ultraliberalismo
financeiro, liderado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Além disso, o grau de
participação das Forças Armadas – essencialmente o Exército – no governo está em
crescimento, mas ainda com abrangência indefinida. Diante desse conjunto de variáveis,
o governo tem sido marcado por idas e vindas em declarações e políticas públicas, em
recuos que vão desde a “desnomeação” de pessoas para cargos de confiança até a
reedição de portarias. E a pasta da educação tem sido a principal vítima dessa
desorientação de governo.

Para liderar o Ministério da Educação Jair Bolsonaro nomeou o filósofo Ricardo Vélez
Rodríguez. Indicado por Olavo de Carvalho, o colombiano naturalizado brasileiro, é
professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Ainda assim, trata-
se de um ilustre desconhecido no debate público educacional.

Sucessor da gestão ultraliberal de Michel Temer na educação, Vélez Rodríguez terá a


responsabilidade de afirmar uma política educacional constrangida pelos efeitos do teto
(declinante) dos gastos públicos federais, oriundos da Emenda à Constituição 95/2016,
ao mesmo tempo que terá que implementar a Base Nacional Comum Curricular e a
Reforma do Ensino Médio, ambas políticas temeristas pautadas e elaboradas pelas mais
influentes fundações empresariais do país: Fundação Lemann, Instituto Unibanco,
Instituto Natura e Instituto Itaú-BBA.

Tributário de Olavo de Carvalho, Vélez Rodríguez também terá que dar vazão à guerra
cultural olavista, tendo que implementar caminhos para uma política pedagógica
ultraconservadora, em um cenário em que as estratégias do movimento “Escola ‘sem’
Partido” (ESP) já estão dando sinais de esgotamento, diante da oposição democrática
aos projetos de lei do ESP, além da incidência da sociedade civil dedicada aos Direitos
Humanos, que tem tido a capacidade de travar a tramitação dessas matérias em diversas
casas parlamentares.

Em paralelo, Vélez Rodríguez terá que abrir espaço para grupos empresariais que
apoiaram a eleição de Bolsonaro, como a Associação Brasileira de Educação a Distância
(ABED), cujo diretor, Stavros Panagiotis Xanthopoylos, também conhecido como grego,
chegou a ser cotado para o posto de Ministro da Educação.

Como síntese desse cenário, sob a ótica bolsonarista, Ricardo Vélez Rodríguez não terá
recursos para realizar uma política educacional de expansão do acesso à educação,
devido à EC 95/2016. Ao mesmo tempo, terá que fortalecer a posição do
ultraconservadorismo cristão sem poder contar com a aprovação do ESP no Congresso
Nacional, ainda mais sob risco de derrota da matéria no Supremo Tribunal Federal. Por
45
último, terá que fazer avançar agendas de interesse privado, como a questão da
educação a distância.

Em paralelo, terá que implementar medidas temeristas e será pressionado a responder


sobre questões práticas como o atraso no cumprimento do Plano Nacional de Educação
2014-2024, a instituição do Sistema Nacional de Educação (SNE) e a deliberação sobre o
novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
Valorização dos Profissionais da Educação).

Como se não bastasse, o bolsonarismo terá limites institucionais. A promessa de


intervenção no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – principal porta de entrada
para o ensino superior brasileiro, servindo como uma espécie de supervestibular –, por
exemplo, é de difícil execução. Acusado pelos bolsonaristas de ser uma prova
doutrinária, o Enem levou Bolsonaro e Vélez Rodríguez a nomearem Murilo Resende
para a Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb) do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Nos poucos dias entre a divulgação da
indicação e a nomeação de Resende, o discípulo de Olavo de Carvalho foi acusado de
plágio, recebeu críticas por seu radicalismo e teve suas propostas de ingerência no
exame criticadas. E, assim, foi “desnomeado”, tendo como prêmio de consolação uma
assessoria no MEC.
Considerando todo esse cenário e ainda distante de dominar a tarefa de comando do
MEC, sobra para Ricardo Vélez Rodríguez a única medida prática e com amparo social,
inclusive entre governos de centro-esquerda: estimular a militarização de escolas.

Não é uma política custosa, agrada aos setores ultraconservadores, fortalece a aliança
bolsonarista com os militares, apresenta uma política compreensível à população e
colabora para o enfraquecimento do magistério, uma das categorias mais capazes de
exercer a resistência aos retrocessos governamentais.

Segundo declarações do titular do MEC, a militarização de escolas será estimulada pelo


Ministério da Educação por meio de convênios com os Estados e Municípios, o Exército
e corporações militares estaduais.

Cumprida essa tarefa, tendo um pilar de gestão e algo para mostrar, Ricardo Vélez
Rodríguez tentará encaminhar as outras questões, que diga-se de passagem, são muito
mais relevantes. Resta saber se terá tempo político e capacidade de gestão para criar
uma política educacional bolsonarista ou se ficará submerso ao caos de um governo que
ainda demonstra força para a as disputas narrativas nas redes sociais, mas está distante
de saber governar.

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ESPECIAL SOBRE A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL
A reforma psiquiátrica brasileira é uma das inúmeras políticas públicas brasileiras frutos
de movimentos sociais que nascem no esteio da redemocratização e conseguem um
grau alto de institucionalização muito cedo. O que possibilita avanços concretos, mas
também os problemas inerentes a burocratização de seus quadros.

O primeiro quadro de militantes da reforma a alcançar o controle da gestão oficial do


setor foi o neurologista Domingos Sávio – ainda no governo Collor. Desde então quadros
históricos se sucedem no comando da divisão de saúde mental do Ministério da Saúde
ininterruptamente até o final do governo Dilma.

O ápice da consolidação jurídica da luta antimanicomial se deu em 2001 com a lei 10.216
do deputado petista Paulo Delgado (irmão de Pedro Delgado que iria ocupar o comando
do setor no Ministério da Saúde por boa parte do governo FHC e Lula). A lei estabelece
o fim dos hospícios como política de Estado de saúde pública e possibilita a ampliação
subsequente da rede substitutiva. Até então uma política focal de prefeituras e estados
dirigidos pela esquerda. Tal consolidação desde o seu início esbarrou nos problemas
inerentes a implantação do Sistema Único de Saúde: subfinanciamento crônico e
políticas neoliberais de austeridade de gastos públicos e contratações. O sistema 47
substitutivo embora crescesse de forma exponencial não o fazia em condições –
principalmente nos grandes centros - de alcançar as metas estabelecidas pelo próprio
ministério da saúde (um centro de atenção psicossocial para cada cem mil habitantes).

Com o ascenso da questão AD (álcool e drogas) surge uma pressão conservadora vinda
de grupos fundamentalistas religiosos e da corporação médico/privada de retorno a
lógicas manicomiais. Tais grupos enxergam esse setor como uma fonte de lucros e “fiéis”
importante e não negociável. Esses setores despontam com uma força política
crescente e não encontra respostas a alturas de gestores e movimentos sociais que se
acostumaram a “nadar em águas calmas” de uma hegemonia política já bem
consolidada.

Pelas características da própria reforma esse se divide em gestores com uma perspectiva
algo ingênua de um gramscianismo ultra-moderado (acreditam que as bases da reforma
já alcançaram o status de consenso social e técnico) e militantes impregnados de leituras
pós-estruturalistas que hipervalorizam a “micropolítica” em detrimento de análises mais
gerais. Um dos sintomas disso é o afastamento cada vez mais marcante entre a luta
antimanicomial e a reforma sanitária brasileira.

O primeiro marco institucional de tal enfrentamento se deu na criação das RAPS (redes
de atenção psicossocial) que formalizaram a participação das “comunidades
terapêuticas” na rede de saúde mental. Tais instituições são locais mantidos por
instituições religiosas com pouquíssima eficácia clínica comprovada, homofobia
declarada, lógica manicomial e inúmeras denúncias comprovadas de violações de
direitos humanos. Trata-se, pois, da pura e simples apropriação do fundo público de
saúde para fins privados. Isso foi em 2013 ainda no primeiro governo Dilma.

No final do governo Dilma nos estertores que antecederam ao impeachment – o setor


é entregue pela primeira vez a alguém com passado ligado aos antigos complexos
manicomiais. Simplesmente o ex-diretor do maior hospício privado do país – alvo de
intervenção do Ministério da Saúde. As manifestações contra tal indicação marcam um
renascimento da luta antimanicomial como movimento com atuação pública.

Durante o governo Temer têm-se um salto qualitativo no retrocesso: pela primeira vez
as forças pró-manicomiais assumem a direção da gestão nacional. Somam-se a isso os
efeitos deletérios da EC 95 e do retorno da possibilidade de financiamento de hospitais
fechados.

O quadro esperado durante a gestão de extrema-direita é de ataques ainda mais


agudos: o fundamentalismo religioso pentecostal é um dos alicerces do governo assim
como as corporações médicas antirreforma (a associação brasileira de psiquiatria – ABP
– saudou os nomes escolhidos para o setor). Espera-se o desmonte – talvez jurídico da
lei 10.216 e as comunidades terapêuticas devem se tornar o marco assistencial da área
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de álcool e drogas. Os Caps tendem a perder financiamento e sua ampliação paralisada.

A precarização dos trabalhadores é um desafio a mais: quadros mal preparados


politicamente, assustados com a perspectiva de desemprego, submetidos a assédio
moral estão se tornando o padrão médio do trabalhador de saúde mental.

Os desafios teóricos também são muitos. Como já foi dito o movimento divide-se em
um gerencialismo bem-intencionado, mas algo ingênuo quanto ao seu poder de
convencimento na atual conjuntura e um voluntarismo localista pouco preparado para
o enfrentamento de governos abertamente reacionários.

As possibilidades de resistência encontram-se na junção da luta antimanicomial e anti-


proibicionista com o conjunto de lutas que deverão surgir – particularmente o de
trabalhadores precarizados da saúde. Do outro, do fim de ilusões gerencialistas e micro-
políticas que ainda encharcam o campo. Há uma tradição que pode possibilitar isso:
uma repolitização da luta antimanicomial aliada com um cada vez mais forte retorno a
ideias freudo-marxistas que unem a crítica com a clínica.

O hospício não é um tigre de papel.....

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