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15/09/2019 A esquerda ausente

A esquerda ausente
por Domenico Losurdo [*]

Não poderiam ser encontrados pormenores chocantes sobre


episódios de crueldade?
Otto von Bismarck

Ninguém mente tanto como o indignado.


Friedrich Nietzsche

O historiador do futuro não deixará de se surpreender com um fenómeno


que caracteriza a nossa sociedade e o nosso tempo. Por um lado, não é
difícil ler em livros, revistas e jornais análises realistas e incisivas sobre a
condição actual do Ocidente, dos problemas e dramas de nosso presente.
Uma crise política acresce à crise económica: segundo autores de
prestígio, há um esvaziamento da democracia, que regride perante as
grandes fortunas e a "plutocracia". Mas existe uma esquerda no Ocidente
capaz de fazer essa análise e essa denúncia e, a partir daí, articular um
projecto de luta e transformação política do existente?
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No que diz respeito à política internacional, mesmo alguns órgãos de


imprensa que frequentemente se destacam pela sua coragem evitam
admitir o carácter neocolonial que tiveram as guerras mais recentes
desencadeadas pelos Estados Unidos e pela NATO no Médio Oriente.
Está à vista de todos, o horror de Gaza e a tragédia que é infligida ao povo
palestino pelo domínio e o expansionismo colonial de Israel. E não temos
outro remédio a não ser perguntar novamente: existe uma esquerda no
Ocidente capaz de se opor à terrível onda que agora semeia morte,
destruição e desenvolve os germes de uma conflagração a uma escala
muito maior?

Em Março de 2014, Seymour M. Hersh, jornalista americano premiado


com o prestigiado Prémio Pulitzer, fez importantes revelações sobre o uso
de armas químicas na Síria em 21 de Agosto do ano anterior. Não, os
responsáveis por essa infâmia não eram os líderes do país, mas os
"rebeldes" apoiados pelas monarquias reaccionárias do Golfo Pérsico,
aliados do Ocidente e pela Turquia, um país membro da NATO e
protagonista da provocação e encenação, visando criar uma onda de
indignação mundial contra os líderes Sírios, justificando a acção
devastadora de bombardeiros com os motores já ligados e prontos para
entrar em acção.

Em Agosto de 2013, estadistas, jornalistas, reis e rainhas da sociedade do


espectáculo rivalizavam no modo mais sinistro de pintar o inimigo a abater.
Escusado será dizer que o desmascaramento da mentira teve nos
diferentes os órgãos de informação um eco muito menor que a
propagação da mesma mentira. Era melhor não dar muita publicidade ao
escândalo, para não desacreditar ou comprometer a indústria das
mentiras, pois esta será sempre útil na preparação de guerras futuras.

E novamente a esquerda brilhou por sua ausência. Ela não teve coragem
de fazer perguntas e levantar dúvidas no momento em que a manipulação
foi mais intensa, e não considerou necessário chamar a atenção do
público para o desmascaramento da manipulação e, em geral, para a
indústria bélica da mentira que apesar de tudo continua a florescer. De
facto, a esquerda encolhe-se justamente quando deveria reagir com mais
energia aos processos de polarização social e redistribuição massiva do
rendimento a favor das grandes fortunas (muitas vezes parasitárias),
perante o reaparecimento de guerras coloniais ou neocoloniais e a
ameaça de guerras em larga escala; perante a redução e distorção da
esfera pública provocada pela "plutocracia" e por uma indústria da mentira
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mais florescente, poderosa e invasiva do que nunca.

Já se vê com suficiente clareza qual é o paradoxo que requer explicação.


Não podemos deixar essa tarefa para o historiador do futuro, porque os
dramas e perigos do presente exigem uma consciência e uma
responsabilidade aqui e agora. Este livro tenta facilitar isso.

Antes de mais, será necessário fazer um reconhecimento no terreno. É a


questão abordada no primeiro capítulo. A crise devastadora que estamos
sofrendo embora tenha um alcance planetário, não afecta o planeta inteiro.
Os países que no século XX sacudiram o domínio colonial e neocolonial
lutam hoje para alcançar o desenvolvimento autónomo nos campos
económicos e tecnológicos, e no curso dessa luta eles colhem sucessos
importantes. Vemo-lo, acima de tudo, no caso da China e de outros países
emergentes. Nada seria entendido do cenário internacional actual se dois
processos contraditórios não fossem levados em consideração: a "grande
divergência" que durante séculos colocou o Ocidente na posição de
superioridade absoluta sobre o resto do mundo tende a ser reduzida até
ser cancelada; ao mesmo tempo, nos países capitalistas avançados abre-
se um abismo, outra "grande divergência" que separa uma minoria
opulenta cada vez mais separada do resto da população.

Compreende-se então que o Ocidente capitalista reaja a esta situação


desmantelando o Estado social e aplicando medidas anti-populares de
"austeridade", porém tentando ao mesmo tempo, salvar a sua
preponderância internacional. Por isso, desencadeia guerras cujo carácter
neocolonial é cada vez mais evidente, o que se reflecte inclusivamente
nos media. Nestas guerras neocoloniais, a UE e os EUA não hesitam em
aliar-se às forças mais reaccionários do Médio Oriente, que escravizam
imigrantes, oprimem mulheres, reintroduzem poligamia, etc.

Tudo isso deveria ter provocado a reacção da esquerda. Mas, como se


observa no segundo capítulo, o mundo capitalista-imperialista todavia
consegue creditar-se a si próprio como «mundo livre». É uma pretensão
que desde há séculos faz parte da auto consciência e falsa consciência do
Ocidente. Embora hoje, mais do que nunca, devesse ter perdido toda a
credibilidade. Desde a ofensiva neoliberal, os "direitos sociais e
económicos" definidos pela ONU não só não foram postos em prática
como também se deslegitimaram no plano teórico. Quanto aos direitos
políticos, a "plutocracia" que gradualmente se impõe no Ocidente esvazia-
os de conteúdo. E como que sorrateiramente e de forma indirecta foi
reintroduzida a discriminação censitária, que durante séculos excluiu as
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classes subordinadas da participação na vida política.

Permanecem de pé pelo menos os direitos civis e o Estado de direito?


Todas as terças-feiras – informa o New York Times – o presidente dos
EUA reúne-se com seus colaboradores para preparar a "lista de mortes"
(lista de assassinatos), a lista dos suspeitos de terrorismo que devem ser
"eliminados" como se diz na anódina linguagem burocrática, desde que se
iniciaram as acções com drones. Nesta lista, podem até haver cidadãos
dos EUA. Para onde foi o Estado de direito? E acima de tudo: é
compatível a profissão de fé democrática do Ocidente com sua pretensão
de exercer uma ditadura à escala planetária, reservando-se o direito
soberano de desencadear guerras, sanções devastadoras com ou sem a
autorização do Conselho de Segurança da ONU?

A prosápia do Ocidente às vezes é grotesca. Mas continua a exercer uma


influência ideológica tão forte que muitas vezes é capaz de ofuscar a
esquerda na Europa e nos EUA. Marx não tinha falta de razão quando
observou que o monopólio da produção material é também o monopólio da
produção intelectual. Hoje a grande burguesia baseia o seu poder no
monopólio da produção de ideias, isto é evidente, mas também, e acima
de tudo, no monopólio das emoções: tema central do terceiro capítulo do
livro.

Como é actualmente programada e preparada a guerra? Procura-se


através da imprensa, rádio, televisão, Internet e redes sociais, manipular
completamente ou inventar uma imagem que possa demonstrar a
crueldade, ferocidade, falta de humanidade do inimigo a derrubar ou
matar. Essa imagem é difundida, obsessivamente repetida, com ela se
bombardeiam, por assim dizer, todos os recantos do planeta. Todos
aqueles que não alinham incondicionalmente com o Ocidente na guerra
que está prestes a desencadear-se são acusados de surdos às razões da
ética e de serem cúmplices do Mal. É o terrorismo da indignação, um
ultraje que afirma ser moral, mas é realmente Maquiavélico no mau
sentido da palavra. É assim que a sociedade espectáculo se torna uma
mortífera técnica de guerra.

O terrorismo da indignação também desempenha um papel fundamental


nos golpes de Estado, habilmente camuflados de "revoluções coloridas",
que promovem a expansão da NATO e do Ocidente em geral. Também
nestes casos os distúrbios baseiam-se numa mentira, uma manipulação
ou uma provocação capaz de desencadear uma onda de indignação moral
necessária para derrubar um regime odiado ou considerado um obstáculo
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pelos aspirantes a donos do mundo.

O quarto capítulo do livro traça um balanço histórico dos golpes


consumados ou falhados ao longo dos séculos XX e XXI: a primeira onda
abrange mais ou menos os anos da guerra-fria e o segundo começa
quando se perfila o fim da Guerra-fria. Entre os dois períodos não faltam
elementos de descontinuidade, mas em ambos é comum a arrogância
imperial, que continua a manifestar-se. Desencadeiam-se guerras ou
golpes, o Ocidente sanciona-os constantemente arvorando a bandeira do
universalismo dos valores do mercado livre, um universalismo que não
conhece ou tolera fronteiras estatais e nacionais.

O quinto capítulo chama a atenção para as colossais mudanças


produzidas em relação ao passado. Aquele que hoje é o país guia do
Ocidente, na segunda metade do século XIX foi o campeão mundial do
proteccionismo aduaneiro. E o proteccionismo também afectava as ideias,
ainda nos anos da Guerra-fria, os comunistas sofreram perseguições nos
EUA por espalharem uma visão que faz um apelo universalista aos
proletários e povos oprimidos de todo o mundo. Apesar da sua
extraordinária capacidade de atracção em todos cantos do planeta, as
autoridades dos EUA proibiram-no qualificando-o de alheio ao autêntico
espírito "americano" e ao "americanismo".

Isto deveria fazer-nos desconfiar da ideologia que se impõe hoje no


Ocidente. Na verdade, quando uma cultura ou uma civilização
determinada pretende ser a personificação permanente dos valores
universais, não está exibindo universalismo, mas, ao contrário, um
etnocentrismo exaltado que sempre serviu para desencadear guerras
coloniais ou neocoloniais em nome da Civilização, uma noção
monopolizada pelo agressor.

Porém, podem realmente ser consideradas neocoloniais as guerras entre


o final do século XX e o princípio do século XXI que devastaram o
Panamá, a Jugoslávia, o Iraque e a Líbia, e continuam a devastar a Síria?
A esta pergunta responde o sexto capítulo do livro, que reflecte sobre a
história secular da luta entre colonialismo e anticolonialismo e sobre os
elementos de continuidade entre o antigo e o novo colonialismo.

Em meados do século XIX, as canhoneiras britânicas subjugaram a China,


que não tinha possibilidade de responder ao fogo inimigo. Esta situação foi
repetida recentemente (a favor dos EUA e da NATO) no Panamá, nos
Balcãs e no Médio Oriente. Os derrotados, embora ocupem o cargo de
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chefes de Estado, são entregues ao Tribunal Penal Internacional, que em


compensação não pode investigar sequer um vulgar soldado americano
ou mercenário. A dupla jurisdição é um elemento essencial da tradição
colonial.

Hoje, a agressão é praticada em nome dos "valores" e "interesses"


ocidentais. É a mesma ideologia que sustentou as guerras coloniais
clássicas. Da sua preparação ideológica se encarregavam no passado, os
missionários cristãos, que hoje transmitiram o testemunho para as ONG,
frequentemente controladas por Washington e por Bruxelas. A
continuidade entre o colonialismo e o neocolonialismo é impressionante,
ainda que por este motivo, a envergadura das alterações existentes não
deva ser subestimada. Algo que foi suficiente para desorientar e silenciar a
esquerda ocidental.

Os EUA, contando com os seus aliados europeus para consolidar as


posições do Ocidente no Médio Oriente ou noutras partes do mundo está
a deslocar para a Ásia e Pacífico a maior parte de seu gigantesco
aparelho militar. Começou a contenção e cerco da China. É uma nova
Guerra-fria, que por definição está sempre a um passo de se tornar uma
guerra quente ou mesmo num holocausto nuclear.

Hoje, mais do que nunca, a luta pela paz é urgente, mas a esquerda que
deveria promovê-la está silenciosa porque, entre outras coisas, não
entende que é uma nova fase do choque entre colonialismo e
anticolonialismo. O país que encarna a causa do anticolonialismo só pode
ser a República Popular da China, que nasceu da maior revolução
anticolonial da história e continua dando uma contribuição essencial ao
movimento anticolonial. Com a teoria da "guerra de aldeia" Mao Zedong
explicou como um povo oprimido pode desafiar e derrotar um grande
poder. Deng Xiaoping explicou que a luta de libertação nacional não está
completa se à independência política não sucede a independência
económica.

Depois de analisar os problemas e contradições da actualidade e dar


provas da fraqueza e das ausências da esquerda, devemos avançar para
uma reflexão mais sistemática sobre as razões dessa fraqueza e dessas
ausências.

O capítulo final do livro (o oitavo) é dedicado a esta tarefa e à conclusão. É


evidente que mudanças radicais como as produzidas em todo o mundo
entre 1989 e 1991 não podem deixar de causar desorientação e confusão.
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Sim, no Ocidente, a esquerda,


moderada ou "radical", não
poucas vezes foi a reboque da
ideologia dominante. O
terrorismo de indignação que
prepara o desencadear de
guerras neocoloniais intimidou
principalmente a esquerda. O
papel desempenhado no
século XIX pelo "cristianismo
imperial" que abriu caminho
para a expansão colonial com
seus missionários bem-
intencionados, corresponde
hoje à "esquerda imperial".

No que diz respeito à luta


sócio-económica dentro de
cada país, acontece que a
esquerda, embora saia em
defesa do Estado social,
promove ao mesmo tempo a
difusão de filosofias e
ideologias extremamente úteis ao neoliberalismo. A crise económica e
política e a deterioração da situação internacional exigem que a esquerda
saia deste estado de desorientação e confusão. A isso pretende contribuir
este livro de história e crítica do declínio da esquerda e das situações
objectivas nos planos internos e internacionais que favoreceram esse
declínio.

As análises evidenciadas nas páginas deste livro encontraram uma


confirmação trágica: enquanto estava a ser impresso, o Médio Oriente
estava a ser balcanizado e devastado por implacáveis guerras de grupos
islâmicos, usados pelo Ocidente para atacar regimes de inspiração
anticolonialista e laica; o golpe na Ucrânia e o avanço ameaçador da
NATO na Europa Oriental provocou a reacção russa; a deslocação dos
EUA para a Ásia está a transformá-la numa barril de pólvora. Agravam-se
os perigos de guerra sobre os quais este livro insiste. Saberá a esquerda
mostrar sinais de vida?

[*] Prefácio do último livro de Domenico Losurdo (14/Nov/1941–


28/Jun/2018), La izquierda ausente. Crisis, sociedad del espectáculo,
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guerra (ISBN 9788416288434). O livro pode ser encomendado aqui .

O original encontra-se em
https://www.elviejotopo.com/topoexpress/la-izquierda-ausente/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .


06/Set/19

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