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PAISAGEM CULTURAL BRASILEIRA: DO CONCEITO À PRÁTICA

WEISSHEIMER, MARIA REGINA

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Superintendência em Santa Catarina


maria.regina@iphan.gov.br

RESUMO
O texto pretende aprofundar o debate sobre a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, criada pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 2009 como instrumento de reconhecimento do valor cultural
de porções singulares do território nacional, onde as relações intrínsecas do homem com o meio constituem
um fato notável, digno de preservação como patrimônio nacional, mas para os quais, até então, não haviam
mecanismos de proteção adequados. Procura-se assinalar a importância da chancela não apenas como
ferramenta de reconhecimento de valor, mas como instrumento de gestão territorial cuja aplicação
encontra-se ainda embrionária e enfrenta desafios importantes. Para ilustrar a questão, são apresentadas
informações sobre o projeto Roteiros Nacionais de Imigração, em Santa Catarina que, apesar de ainda não ter
tido seu processo de chancela instruído pela Portaria 127/09, pode servir de exemplo prático no momento em
que nenhuma paisagem cultural brasileira foi ainda reconhecida por meio da chancela.
Palavras-chave: patrimônio cultural; paisagem cultural; chancela
1. APRESENTAÇÃO

O presente artigo não é a síntese ou uma parcela de um trabalho científico, mas antes o
registro de entendimentos, impressões e experiências profissionais desenvolvidas dentro
do IPHAN, apontando os benefícios e as dificuldades inerentes à aplicação do conceito de
paisagem cultural no bojo dos instrumentos e das ações voltadas para a preservação do
patrimônio cultural brasileiro. As referencias e exemplos citados são todos oriundos da
prática institucional e do contato diário com questões que tangenciam ou dizem diretamente
respeito à aplicação da chancela da Paisagem Cultural Brasileira como instrumento de
preservação que busca abordar os contextos culturais de maneira complexa.

2. INTRODUÇÃO

O lançamento da chancela da Paisagem Cultural Brasileira pelo Instituto do Patrimônio


Histórico e Artístico Nacional – Iphan, em 2009, representou a inclusão de mais uma
ferramenta de preservação do patrimônio cultural no rol dos instrumentos federais de
proteção e reconhecimento já existentes – notadamente o tombamento, o cadastro de sítios
arqueológicos e o registro de bens imateriais. Sua regulamentação é dada pela Portaria
Iphan 127/09, que apresenta definições sobre o conceito de paisagem cultural que passou
a ser considerado para a aplicação da chancela, dispõe sobre os meios de obtê-la e sobre a
necessidade de monitoramento.
A chancela estabeleceu o procedimento de aplicação prática de um conceito que não é
novo ou original (pelo contrário, a paisagem cultural tem sido amplamente discutida e
estudada desde o final do século XIX, especialmente pela geografia, da qual se origina
conceitualmente, e também no campo do patrimônio cultural, especialmente após a adoção
do conceito pela UNESCO, em 1992), mas que ainda não havia se traduzido em
instrumento de preservação do patrimônio cultural no Brasil.
Sua consecução é, contudo, tarefa difícil, tendo em vista a complexidade que envolve a
seleção, caracterização, delimitação e, especialmente, a gestão dessas “porções
peculiares do território nacional representativas do processo de interação do homem com o
meio natural, às quais a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”.
A inovação trazida pelo instrumento, comparado com os demais mecanismos de
preservação do patrimônio cultural brasileiro, reside no fato de não ser um apenas um ato
declaratório, cujas atribuições de gestão recaiam apenas sobre o órgão concedente do
título – no caso, o IPHAN –, mas em propor, antecipadamente, mecanismos de
preservação conjunta entre os diversos agentes que possuam algum tipo de interface com
a paisagem cultural a ser chancelada.
Dessa forma, importa salientar que, além de uma nova e importante ferramenta de
reconhecimento do patrimônio cultural, a chancela da Paisagem Cultural Brasileira deve ser
compreendida como instrumento de gestão territorial compartilhada. Sua eficácia está
baseada no estabelecimento de um pacto entre os principais entes, públicos e privados,
que atuam sobre o território selecionado e, consequentemente, a efetiva preservação das
paisagens culturais se dará pelo cumprimento dos compromissos assumidos por cada uma
das partes no momento da pactuação. Até o momento, parece residir aí um dos principais
pontos nevrálgicos de aplicação da chancela – a definição das ações e atribuições de cada
signatário e a assinatura de um pacto entre parceiros.
Considerando alguns estudos e propostas que vêm sendo empreendidas pelo IPHAN –
notadamente as proposições de chancela ligadas a contextos do patrimônio naval – e
analisando como caso concreto o projeto dos Roteiros Nacionais de Imigração em Santa
Catarina, cujo reconhecimento como paisagem cultural brasileira ainda não foi obtido por
meio da aplicação da Portaria 127/09, mas que, devido ao modelo com que foi delineado –
que inclui a existência de um Acordo de Cooperação assinado entre diversos parceiros –
aproxima-se muito do modelo de pactuação e gestão proposto na chancela, pode-se
considerar que a etapa mais árdua do processo é, de fato, a efetivação e o cumprimento do
pacto.

3. PAISAGEM CULTURAL BASILEIRA: UMA DEFINIÇÃO

Desde a primeira definição de paisagem cultural proposta por Carl Sauer no início do século
XX (RIBEIRO, 2007) e até o presente, muitos foram os conceitos utilizados para definir ou
mesmo polemizar sobre a relação estabelecida entre o homem e o planeta Terra. No
âmbito acadêmico-científico, a evolução do conceito de paisagem cultural (ou mesmo o seu
total esvaziamento) continuará, provavelmente, sendo alvo de discussões,
ressignificações, novos estudos e de variadas propostas de aplicação. Na prática
patrimonial, especialmente a partir do lançamento da Portaria 127/09, a Paisagem Cultural
Brasileira passou a ser definida como “uma porção peculiar do território nacional,
representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a
ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”.
Assim, para fins de sua aplicação como instrumento de reconhecimento e preservação do
patrimônio cultural do país, a delimitação dos objetos da chancela passa pelo emprego
desta definição.
A definição dada pela Portaria 127/09 teve como princípio possibilitar uma abordagem
ampla, sem sugerir classificações ou categorizações antecipadas – como, por exemplo,
procede a UNESCO ao definir três categorias de paisagens culturais: paisagens
claramente definidas, paisagens organicamente evoluídas e paisagens culturais
associativas. Ao abordar o conceito de forma ampla, intencionou-se permitir a aplicação da
chancela no maior número de contextos culturais possíveis, considerando a dimensão, a
riqueza e a diversidade de manifestações e de contextos geográficos do território brasileiro.
Sua caracterização e seu delineamento são dados pelo próprio processo de investigação e
reconhecimento, não de antemão.
Contudo, a seleção ou a avaliação de quais porções territoriais chancelar deve passar pelo
estabelecimento de uma política nacional, integrada aos outros instrumentos de proteção
existentes – já que ela é complementar aos demais. Como ferramenta de preservação do
patrimônio cultural definida e gerenciada pelo IPHAN, não se pode perder de vista a
necessária importância do contexto chancelado para o reconhecimento e a valorização da
diversidade cultural do país, por isso a definição utiliza-se do termo “peculiar” como
diferenciação primordial da paisagem cultural a ser chancelada de todas as demais.
É a partir da qualificação dada pelo adjetivo peculiar que se diferencia, se ressalta ou se
particulariza a porção do território que será alvo da chancela. A existência e a compreensão
desta diferenciação são necessárias para que não se caia no generalismo de que “tudo é
ou pode ser compreendido como paisagem cultural” – e é nesse ponto que reside a
necessidade de distinguir a abordagem científica do conceito de sua aplicação prática
proposta pela chancela. A rigor, qualquer ambiente que possua alguma interferência
humana pode ser definido como paisagem cultural. Neste caso, cabe à ciência estabelecer
ou polemizar sobre os limites desse entendimento.
Contudo, no campo patrimonial, é função dos órgãos de proteção definir a estratégia e os
limites para a aplicação da paisagem cultural como instrumento de preservação. É preciso
selecionar, mediante o estabelecimento de critérios de valoração e diferenciação, o que é
passível de ser chancelado como Paisagem Cultural Brasileira e o que não é.
Assim, para fins do estabelecimento de uma política de preservação das paisagens
culturais brasileiras, nem todas as porções do território nacional (por mais importantes que
sejam local ou regionalmente) poderão receber a chancela pelo IPHAN, sob pena de
esvaziar-se o conceito, tornando o instrumento ineficaz e, principalmente, inócuas suas
consequências.
Importante destacar também o caráter complementar da chancela. Se os fatores
preponderantes que singularizam o sítio forem materiais é possível que o tombamento seja
o instrumento de proteção mais indicado. Se as manifestações imateriais sobressaírem e
os elementos materiais forem secundários ou acessórios, o registro será possivelmente o
melhor instrumento. Nos sítios onde as manifestações culturais, materiais ou imateriais,
forem indissociáveis do seu contexto natural ou geográfico, aí então caberá a chancela da
Paisagem Cultural Brasileira, que poderá estar ou não associada à aplicação do
tombamento, do registro ou ainda do cadastro do patrimônio arqueológico.
Por isso, o passo mais importante para dar início a um estudo com vistas à chancela da
Paisagem Cultural Brasileira é a definição do recorte territorial e de uma abordagem clara a
ser aplicada sobre este território para fins de reconhecimento como patrimônio cultural.
Em resumo, é crucial compreender que a chancela da Paisagem Cultural Brasileira é, antes
de tudo, a aplicação do conceito de paisagem cultural nas políticas de preservação do
patrimônio cultural do país. Ato contínuo, é importante também perceber que, como
mecanismo de preservação, ela é mais um instrumento de reconhecimento através da
gestão integrada do que um mero ato declaratório do IPHAN.

4. A CHANCELA COMO MECANISMO DE GESTÃO TERRITORIAL INTEGRADA

É importante frisar mais uma vez que a chancela complementa os instrumentos de


preservação existentes, notadamente o tombamento e o registro, não prescindindo de
nenhum para a sua aplicação. Em muitos casos, a chancela deve ser acompanhada pelo
tombamento de bens materiais a ela atrelados ou que lhe fazem referencia e/ou pelo
registro de manifestações imateriais associadas.
“Art. 2º. A chancela da Paisagem Cultural Brasileira tem por finalidade atender ao
interesse público e contribuir para a preservação do patrimônio cultural,
complementando e integrando os instrumentos de promoção e proteção
existentes, nos termos preconizados na Constituição Federal”
A diferença está em que a chancela considerará o caráter múltiplo e dinâmico das
manifestações no território e, em linhas gerais, para que seja possível garantir a
preservação das paisagens culturais chanceladas, é preciso atuar em processos
complexos que vão muito além dos temas tradicionalmente tratados pelo patrimônio
cultural, por isso a necessidade de envolvimento de parceiros diversos.
No caso do patrimônio naval, por exemplo, a sobrevivência econômica dos pescadores
artesanais está na base da questão da preservação de embarcações e técnicas tradicionais
de construção naval, pesca e navegação. Questões como obtenção de madeira,
regularização da carpintaria naval, definição de limites entre pesca industrial e pesca
artesanal, estão no âmago dos problemas a serem enfrentados para que se seja possível
preservar os contextos das embarcações tradicionais e, a rigor, nenhum deles se relaciona
diretamente com as atribuições dos órgãos de preservação do patrimônio cultural. É
justamente neste ponto que reside a importância do pacto e do efetivo envolvimento de
parceiros de áreas tão variadas quanto a pesca, os órgãos do meio ambiente, de
regulamentação do trabalho, da vigilância sanitária, da gestão municipal, dentre tantos
outros, apenas para citar o caso do patrimônio naval. Todos têm em comum a sobreposição
de atribuições de gestão sobre um mesmo território e interferências sobre o mesmo objeto
– o patrimônio naval. No caso da paisagem cultural, as atribuições de regulamentação e
fiscalização das várias atividades da vida humana somam-se à necessidade e,
principalmente, ao dever de preservação do patrimônio cultural dada pela própria
Constituição.
Art. 216, § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação.
Por isso, a chancela é, muito além de um selo ou uma forma unilateral de reconhecimento,
um convite à congregação de esforços em prol de um objetivo pretensamente comum, que
é a preservação do patrimônio cultural em sua máxima expressão. Em última instância,
representa o que mais avançado se pode conceber, na atualidade, como ferramenta
institucional para a construção de uma política integrada e participativa de preservação das
mais singelas às mais complexas ocorrências do patrimônio cultural brasileiro, propondo,
deliberadamente, colocar em prática o que é previsto constitucionalmente.
A chancela prevê, assim como a abordagem ampla do conceito de paisagem cultural, a
flexibilização na forma de tratamento e efetivação do pacto. Não há, também para o pacto,
um modelo pré-definido ou uma cartilha a ser seguida. Essa medida também teve como
objetivo permitir a atuação nos mais diversos contextos sociais, econômicos e também
políticos encontrados em todas as regiões do país.
Contudo, parece residir no próprio delineamento do pacto e, mais ainda, na sua
formalização e efetivação, a principal dificuldade para colocar a chancela em prática.

5. ESTUDO DE CASO: ROTEIROS NACIONAIS DE IMIGRAÇÃO

5.1. Antecedentes
O projeto dos Roteiros Nacionais de Imigração tem servido como exemplo de ação ampla e
integrada de preservação do patrimônio cultural no Brasil. Foi iniciado como um inventário
de conhecimento, no ano de 1983, quando o Vale do Itajaí, no estado de Santa Catarina,
passou por uma das maiores enchentes da sua história. Na época, o inventário tinha como
objetivo cadastrar as edificações de maior relevância no contexto dos milhares de bens que
fazem parte do rol do patrimônio construído dos imigrantes alemães, italianos e poloneses,
principalmente, na região sul do país.
Logo no princípio do trabalho verificou-se a riqueza das paisagens rurais, caracterizadas
pelas pequenas propriedades das quais faziam parte as casas (com maior destaque para
as edificações construídas com a técnica enxaimel e com vedações de tijolos aparentes) e
os ranchos de madeira. Chamava-se “ilhas culturais” as pequenas comunidades de
descendentes de imigrantes que ainda remanesciam nas áreas rurais cultivadas, operadas
com base na mão de obra familiar. Casas, ranchos e também igrejas, salões de baile,
escolas, clubes de caça e tiro, ainda fazem parte do acervo edificado de muitas áreas
urbanas e rurais das regiões que se desenvolveram a partir do século XIX com o ingresso
de imigrantes europeus. Juntamente com a riqueza das paisagens e da arquitetura
verificou-se uma extraordinária gama de manifestações imateriais que incluem a língua (até
hoje em muitos lugares do Vale do Itajaí ou do norte de Santa Catarina não são raras as
pessoas idosas que mal falam o português, comunicando-se apenas pelos dialetos
alemães trazidos pelos imigrantes no século XIX), celebrações religiosas e profanas,
artesanato, culinária e o próprio trato com a terra – seja nas plantações, nas hortas ou nos
jardins domésticos.
Até 2006, mais de mil propriedades haviam sido catalogadas pelo inventário realizado pelo
IPHAN em conjunto com a Fundação Catarinense de Cultura e prefeituras, em mais de
trinta municípios catarinenses localizados nas principais regiões de imigração do estado.
Em 2007, sessenta e três bens foram selecionados para o tombamento federal, por meio da
aplicação do Decreto Lei 25/37, incluindo um conjunto urbano – de Alto Paraguaçu, na
divisa com o Paraná – e um conjunto rural – constituído pelo recorte de duas localidades
entre os municípios de Pomerode e Jaraguá do Sul e que, no processo de tombamento, foi
também proposto para reconhecimento como paisagem cultural. Juntamente com a
seleção de tombamentos federais, foram propostas mais de duas centenas de
tombamentos por meio da lei estadual e outra série foi indicada pra reconhecimento por
cada um dos municípios, constituindo uma proposta de proteção integrada entre as
instâncias federais, estadual e municipais que permanece inédita no Brasil.
Concomitante ao tombamento, foi assinado um Acordo de Cooperação que tinha como
objetivo oficializar o projeto Roteiros Nacionais de Imigração entre os signatários,
estabelecendo linhas de ação a serem seguidas por cada parceiro no prazo de cinco anos
renováveis. Fizeram parte do Acordo de Cooperação o IPHAN, os ministérios da Cultura,
do Turismo e do Desenvolvimento Agrário (marcando a proposta de criação de uma política
conjunta em vários níveis e temáticas), o Governo do Estado (por meio das suas
secretarias de cultura, turismo e agricultura), a representação catarinense do Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas e os dezesseis municípios que
possuíam bens propostos para tombamento federal.
O Acordo de Cooperação assinado em 2007 instituía um programa abrangente de ações
entre os parceiros e era voltado para a criação dos Roteiros Nacionais de Imigração como
um projeto especial, aliando turismo, desenvolvimento agrário e preservação do patrimônio
cultural nos municípios signatários. Em síntese, dentre as ações acordadas estava a
criação, pelos municípios, de centros de referencia e vendas de produtos tradicionais, que
serviriam de apoio aos visitantes interessados em conhecer os roteiros de cada cidade; a
criação e implementação de leis municipais de proteção do patrimônio cultural e de um
fundo municipal de preservação; a destinação de ao menos um técnico por município para
a gestão do projeto; o permanente envolvimento das secretarias de cultura, turismo e
agricultura e a complementação, no que coubesse, dos inventários. À instância estadual
caberia, especialmente, a inserção do projeto nos seus roteiros turísticos, com produção de
guias e material de divulgação. Ao IPHAN a finalização dos estudos de tombamento e
paisagem cultural, a alocação de recursos para a restauração de imóveis protegidos e a
articulação institucional com os demais órgãos do governo federal.
Em 2007, quando se instruiu o processo de tombamento dos bens relativos à imigração em
Santa Catarina, a aplicação do conceito de paisagem cultural como nova forma de
reconhecimento do patrimônio cultural era uma proposta embrionária no IPHAN – apesar
do conceito vir sendo aplicado e difundido pelo arquiteto paisagista Carlos Fernando de
Moura Delphim, reconhecido por sua histórica contribuição no setor de patrimônio natural
do IPHAN e atual Coordenador-Geral de Patrimônio Natural, Paisagem Cultural e Jardins
Históricos.
Mesmo assim, considerando as peculiaridades do patrimônio da imigração no estado e a
excepcionalidade de muitas das paisagens até hoje preservadas, o dossiê de tombamento
propunha também o reconhecimento como paisagem cultural dos núcleos rurais de Testo
Alto (em Pomerode) e Rio da Luz (em Jaraguá do Sul).
Figura 1 – Mapa com a delimitação dos perímetros de tombamento e entorno dos Conjuntos Rurais de Testo
Alto e Rio da Luz, nos municípios de Pomerode e Jaraguá do Sul respectivamente. Em vermelho, estão
assinaladas as propriedades que foram também tombadas individualmente em nível estadual. Em azul, as
propostas de tombamento estadual e em cinza os bens indicados para proteção municipal.
O processo de tombamento foi apreciado pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
em duas etapas: a primeira em 2007 e a segunda em 2011. Na primeira reunião, em
dezembro de 2007, a proposta de reconhecimento dos núcleos rurais de Testo Alto e Rio da
Luz como paisagem cultural foi julgada pelo Conselho Consultivo como uma hipótese a ser
analisada com maior propriedade em momento posterior, a partir da construção de um
instrumento específico para tal finalidade. Seu tombamento foi, contudo, aprovado por
unanimidade, juntamente com uma série de bens individuais (casas, igrejas, salões,
escolas, clubes...).
A instrução do processo de reconhecimento por meio da chancela da Paisagem Cultural
Brasileira não havia sido efetivada quando, em 2011, a proposta de tombamento foi
novamente levada à apreciação do Conselho Consultivo (que deliberaria sobre o
tombamento de outra série de bens individuais que não haviam podido ser notificados em
2007 por falta de documentos). Na ocasião, a indicação de reconhecimento como
paisagem cultural foi colocada em pauta pela relatora e imediatamente aprovada pelo
Conselho, o que fez com que a paisagem cultural da imigração, representada pelos núcleos
rurais de Testo Alto e Rio da Luz, fosse reconhecida sem ter passado pelo processo
específico de instrução da chancela por meio da Portaria 127/09.

5.2. Características socioeconômicas das regiões de imigração

Em linhas gerais, o principal problema que atualmente coloca em xeque a possibilidade de


sobrevivência ou de preservação das paisagens culturais da imigração é o esvaziamento
das áreas rurais, com a consequente desvalorização da produção tradicional, e sua
paulatina transformação em periferia urbana. A questão econômica, de falência da
pequena propriedade familiar policultora, está na origem do problema. Em inúmeros casos,
restrições legais impostas pelos órgãos de inspeção e vigilância sanitária, colocam em
xeque a produção artesanal ou da pequena indústria familiar que era a base do sustento
econômico das famílias. Ao mesmo tempo, o crescimento da indústria e das zonas urbanas
atrai número cada vez maior de jovens, que deixam a vida nas áreas rurais em busca de
melhor remuneração e desempenho de um trabalho menos árduo.
Em Santa Catarina, o Vale do Itajaí (com polos em Blumenau, Brusque, Rio do Sul e
Jaraguá do Sul), a região Sul (especialmente por Urussanga, Nova Veneza e Orleans), o
Nordeste (Joinville) e o Norte (na divisa com o Paraná, cujo principal núcleo é São Bento do
Sul), foram as regiões onde se instalaram as principais e mais exitosas colônias de
imigrantes em termos populacionais e econômicos. A existência de polos industriais
importantes em cidades como Blumenau, Joinville e Jaraguá do Sul, que possuem
atualmente alguns dos maiores PIB’s do estado (IBGE, 2010), está intimamente vinculada
ao processo de ocupação territorial pelas colônias de imigrantes. Em estudo realizado
sobre o PIB dos municípios catarinenses (Epagri, 2008), é possível verificar que os
municípios de Joinville, Blumenau e Jaraguá do Sul (que se originaram de algumas das
maiores colônias de imigrantes de Santa Catarina – Dona Francisca, Blumenau e Hansa,
respectivamente) figuram entre os primeiros cinco lugares do ranking de municípios com
maior PIB no estado de Santa Catarina.
Em geral, pode-se classificar o imigrante que chegava ao estado em dois tipos: o rural e o
urbano. O primeiro tinha como principal ocupação, no seu país de origem, o cultivo da terra
e a produção rural (sendo aqui classificado como lavrador). O segundo já vivia em meio
urbano e desempenhava profissões variadas como carpinteiros, alfaiates, açougueiros,
funileiros, marceneiros, confeiteiros, chapeiros, torneiros, fundidores, músicos e tantos
outros (Centenário de Blumenau, 1950).
Foi a partir deste processo histórico que surgiram as dezenas (ou centenas) de pequenas,
médias e grandes indústrias das regiões, que atualmente ocupam lugar de destaque no
cenário nacional e internacional (como a WEG, a Hering, a Malwee e a Embraco, apenas
para citar algumas).
Em alguns casos, como acontece com produtos como queijos, embutidos, pães e doces, ao
mesmo tempo em que se desenvolveu uma produção industrial voltada para mercados
consumidores externos à região de origem, mantiveram-se também os modos tradicionais
de fabricação, vinculados na maioria das vezes às áreas rurais, com foco na produção e no
consumo familiar e local.
Processo simultâneo ao da industrialização e, consequentemente, do enriquecimento
econômico das regiões, está o crescimento e a expansão urbana. Todas as cidades das
regiões de imigrantes em Santa Catarina tiveram sua origem nos antigos núcleos coloniais,
que foram os primeiros pontos de chegada e contato dos imigrantes com a nova terra, a
partir de onde seguiam para o lote colonial que lhes era destinado.
Atualmente, o binômio urbano-rural, que foi a base estruturante do desenvolvimento dessas
regiões, encontra-se em colapso (não mais configurando uma relação de
complementaridade de funções, mas de franca concorrência). O crescimento desenfreado
e sem planejamento das cidades e, ao mesmo tempo, as dificuldades cada vez maiores
impostas ao homem do campo, têm colocado em risco o lado historicamente mais fraco, ou
economicamente menos rico, que é o pequeno produtor rural.
No caso dos produtos tradicionais mencionados, que são, não apenas parte da base
alimentar, cultural e econômica das regiões, mas também os principais estruturadores da
paisagem cultural, os problemas se apresentam, portanto, a partir de dois eixos:
desenvolvimento industrial x falência da produção artesanal (ou manual) e crescimento
urbano x desestruturação do meio rural.

5.3. Um pacto para a preservação das paisagens culturais da imigração no sul do


Brasil
Considerando as especificidades do patrimônio cultural da imigração e suas condições
atuais de existência e sobrevivência, pode-se elencar dois eixos de ação necessários para
a construção de um pacto que resulte na preservação da paisagem cultural: o
estabelecimento de um planejamento urbano compatível e o desenvolvimento de ações e
programas que permitam o sustento econômico das áreas rurais. O primeiro deve ter como
premissa o controle e o ordenamento da expansão urbana, cujo vetor aponta diretamente
para as áreas rurais, através da adequação dos Planos Diretores e do desenvolvimento de
projetos de qualificação das áreas peri-urbanas e rurais; o segundo precisa atuar na raiz
dos problemas econômicos da pequena propriedade (enfrentando questões essenciais
como a adoção de medidas reguladoras adequadas à característica e à escala produtiva da
pequena indústria familiar) e no desenvolvimento mecanismos de geração de renda
complementares e alternativos à produção rural (neste quesito a estruturação do turismo é
uma alternativa viável, nunca a única nem a mais importante).
Em todos os casos, considerando a hipótese da chancela, a instância municipal é um
parceiro imprescindível para o pacto. Idealmente, de forma mais elaborada e abrangente, é
desejável a pactuação entre um número maior de parceiros, e em várias instâncias, o que é
tarefa das mais complexas.
Nesse sentido, o exemplo do Acordo de Cooperação assinado para a criação dos Roteiros
Nacionais de Imigração serve de ilustração para o caso. Foi ação singular, até o momento
inédita e, apesar de representar, ou melhor, de oficializar a conjugação de esforços para a
preservação do patrimônio cultural da imigração a partir dos seus mais diversos recortes,
não produziu ainda os resultados almejados. O primeiro ano que se seguiu à assinatura
contou com repasses significativos de recursos por parte do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) e também do IPHAN (que historicamente investia algum recurso para a
preservação dos imóveis mais importantes do conjunto, mesmo antes do tombamento
nacional). Da cooperação entre o MDA e o Sebrae para o desenvolvimento de um roteiro
experimental, que partia da seleção de uma centena de propriedades rurais, restou o
pedido de registro do queijo tipo köchkase como patrimônio imaterial, cujo processo vem
sendo analisado pelo IPHAN e o inventário desenvolvimento em parceria com a Fundação
Universidade de Blumenau (FURB), a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão
Rural de Santa Catarina (Epagri) e o Consórcio de Municípios do Médio Vale do Itajaí. O
köchkase é produzido à base do leite cru, não pasteurizado, e, por isso, proibido pelos
órgãos sanitários de ser comercializado. No entanto, está tão profundamente incorporado
na alimentação diária e, especialmente, no cardápio de algumas festas do calendário anual,
que é produzido e vendido às escondidas, configurando quase como um “mercado negro”
de queijo. A alternativa aventada pelos produtores e consumidores para sua liberação foi o
reconhecimento do köchkase como patrimônio imaterial. O registro não é certo, mas
mesmo que não se alcance o reconhecimento por este meio, a experiência está servindo
para discutir formas alternativas de certificação, tendo como mote a sua relevância no
contexto cultural da região. Neste caso, a paisagem cultural poderia servir como possível
recorte para uma indicação territorial ou geográfica.
Junto ao Ministério do Turismo as alternativas de investimento logo esbarraram em outras
prioridades que já vinham sendo definidas pela política nacional do turismo. Diferenças de
enfoque e abordagem também prejudicaram a cooperação e uma ação conjunta com este
ministério nunca chegou a ser efetivada.
Dentre os municípios, apenas os maiores e já mais estruturados cumpriram – mesmo assim
parcialmente – com as atribuições que lhe foram conferidas pelo Acordo. Dois ou três anos
depois da assinatura, passadas as eleições municipais de 2008, boa parte das prefeituras
ignorava a própria existência do Acordo ou até mesmo dos tombamentos.
O Estado também cumpriu parcialmente seu papel, realizou algumas dezenas de
tombamentos ainda em 2007 (em sessão conjunta com o IPHAN), promoveu oficinas de
patrimônio e, na sequencia, também parece não ter mais priorizado o projeto. Ao IPHAN
coube a tarefa de permanentemente relembrar o que havia sido posto no papel, fazer a
gestão das áreas e dos bens protegidos, dar sequencia aos inventários e aos estudos sobre
os bens materiais, a produção rural e o patrimônio imaterial, construir propostas de
certificação de produtos tradicionais, buscar novas parcerias, insistir nas antigas e investir
em projetos e obras de restauro.
Nas áreas tombadas de Testo Alto e Rio da Luz que, a rigor, foram também reconhecidas
como paisagem cultural, transformações bruscas em trechos da paisagem começaram a
ser sentidas logo nos primeiros anos, especialmente no município de Jaraguá do Sul, maior
e mais industrializado que Pomerode. Uma dezena de loteamentos foi aprovada pela
Prefeitura Municipal dentro da área tombada, em setor de características essencialmente
rurais, mas que é considerado zona de expansão urbana do município. O processo de
regularização dos empreendimentos, com uma tentativa ainda bastante precária de
amenização dos impactos causados por estas novas ocupações, continua em tramitação
no IPHAN, e tem sido acompanhado pelo Ministério Público Federal. Nos dois municípios
também foram executadas obras de asfaltamento das antigas estradas rurais sem o
conhecimento prévio do IPHAN. Em todos os casos, ações enérgicas e incisivas só foram
possíveis graças às restrições impostas pelo Decreto Lei 25/37. Embora as duas
prefeituras tivessem sido notificadas do tombamento e fossem igualmente signatárias do
Acordo de Cooperação e, portanto, parceiras do projeto dos Roteiros Nacionais de
Imigração, ambas utilizaram-se do argumento de desconhecimento dos documentos para
justificar as irregularidades cometidas.

Imagem 1 – Vista do Vale do Rio da Luz a partir do alto da serra, na divisa com o município de Pomerode. O
proprietário da casa de madeira à direita, de caractrísticas arquitetônicas próprias da região, recentemente
solicitou ao IPHAN a demolição do imóvel, pedido negado em virtude do tombamento. Foto: Maria Regina
Weissheimer, 2012, acervo IPHAN-SC.

Imagem 2 – Igreja Evangélica de Confissão Luterana de Testo Alto, com vista do vale aos fundos. Imagem da
década de 1980. Foto: Leopoldo Plentz e Luiz Carlos Felizardo, 1983, acervo IPHAN-SC.
Imagem 3 – Um dos loteamentos aprovados pela Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, dentro da área
tombada em Rio da Luz, sem aprovação do IPHAN. Foto: Maria Regina Weissheimer, 2012, acervo
IPHAN-SC.
No primeiro semestre de 2012, o IPHAN elaborou as normativas de preservação que
passaram a estabelecer os parâmetros a serem seguidos para novas intervenções, de
caráter urbanístico ou arquitetônico, nas áreas tombadas e entornos dos núcleos de Testo
Alto e Rio da Luz. Mais uma vez buscou-se o acordo com as Prefeituras Municipais,
entendendo que as diretrizes do IPHAN devem, idealmente, coadurnar-se com os
parâmetros urbanos estabelecidos pelos Planos Diretores. Apesar de avançar na
cooperação técnica entre os setores de patrimônio, um acordo formal ainda não foi possível
de ser estabelecido. As restrições que têm sido impostas pelo IPHAN, visando minimizar o
processo de descaracterização das paisagens provocado pelo avanço das zonas urbanas,
somente são possíveis graças ao tombamento. Note-se, contudo, que o que está – com
dificuldades – sendo preservado neste caso ainda não é a paisagem cultural, mas os
valores paisagísticos (cênicos) atribuídos aos dois núcleos pelo tombamento.

6. CONCLUSÃO

A importância da chancela da Paisagem Cultural Brasileira como novo instrumento de


preservação e o avanço que representa como mecanismo de gestão territorial são
inegáveis. Sua aplicação prática, contudo, ainda enfrenta desafios de diversas ordens,
dentre os quais se destaca o delineamento, assinatura e execução do pacto de gestão. A
pactuação, além da delimitação e caracterização da paisagem cultural que se pretente
chancelar, requer o alinhamento de parceiros com responsabilidades e atuação em áreas
diversas que, muitas vezes, não possuem prévia vinculação com a temática do patrimônio
cultural. Em alguns casos, os parceiros indispensáveis para a chancela não enquadram o
patrimônio nem dentre suas atribuições nem dentre suas prioridades. Em geral, quanto
maior o recorte territorial proposto e mais complexas as questões envolvidas na
preservação da paisagem cultural a ser chancelada, maior o número de parceiros
necessários à efetivação do pacto e, consequentemente, mais difícil a sua consecução.
Somado a isso, frise-se que o Brasil não possui tradição em planejamento e gestão
continuada ou integrada entre órgãos. Do ponto de vista político, as gestões de um governo
são, muitas vezes, marcadas pelo abandono de projetos iniciados no governo anterior, e
assim sucessivamente. No que tange ao planejamento urbano, o interesse público vem
sendo solapado pelo privado, especialmente no que se refere aos negócios imobiliários,
promovendo a desqualificação ou mesmo o desaparecimento de paisagens tradicionais,
gerando uma das problemáticas elencadas pelo próprio preâmbulo da Portaria 127/09:
“[...] os fenômenos contemporâneos de expansão urbana, globalização e
massificação das paisagens urbanas e rurais colocam em risco contextos de vida e
tradições locais em todo o planeta”.
A consolidação da chancela da Paisagem Cultural Brasileira e sua efetiva aplicação ainda
dependem, sobremaneira, do esforço institucional do IPHAN e demais órgãos de
preservação, iniciando por sua absorção no rol dos instrumentos disponíveis por técnicos e
gestores do patrimônio. Neste sentido, o conceito não pode confundir-se com o
instrumento. A seleção de porções territoriais a chancelar precisa fazer parte de uma
estratégia global de preservação e objetivo a ser firmemente perseguido nos próximos
anos. Em muitos casos, sua aplicação conjunta com outros instrumentos, como o
tombamento, pode ser a única alternativa imediatamente viável.
É preciso, contudo, não perder a objetividade das propostas, considerando com clareza até
onde é possível avançar de fato e quais são os limites – institucionais, políticos,
econômicos, etc. – para a aplicação da chancela na sua fase ainda inaugural. Muitas vezes
a tentadora hipótese de se delimitar extensas porções territoriais ou de, em um mesmo
processo, abordar toda a gama de manifestações que ocorrem num determinado território,
cuja preservação necessariamente passará pelo envolvimento de grande número de
agentes, com atribuições, composições e formações diversas, pode significar a
potencialização da complexidade do processo – tanto na etapa que antecede a chancela
quanto para sua posterior gestão – e, possivelmente, seu insucesso.
Em todos os casos, é preciso começar a praticar.

REFERÊNCIAS

Centenário de Blumenau, 1850-1950. Edição da Comissão de Festejos, 1950.


Epagri, 2008. Disponível em http://cepa.epagri.sc.gov.br/pib/apresentacao.htm [Acessado em 13 de
Maio 2012]
IPHAN, 2006. Roteiros Nacionais de Imigração: Alemães, Italianos e Poloneses em Santa
Catarina. Superintendência Estadual do IPHAN em Santa Catarina [Online]. Disponível em
http://iphansc.blogspot.com.br/p/downloads.html [Acessado em 24 de Maio de 2012]
IPHAN, 2007. Dossiê Roteiros Nacionais de Imigração. Superintendência Estadual do IPHAN em
Santa Catarina [Acesso estrito]
IPHAN, 2010. Estudo sobre os produtos tradicionais da região de imigrantes em Santa
Catarina [Acesso estrito]
RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem Cultural e Patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN/COPEDOC,
2007.
VIEIRA FILHO, Dalmo. Tudo é Paisagem Cultural – sobre seleções e generalizações na
reservação do patrimônio cultural in Textos de Trabalho. Compilação de textos ainda não
publicada, 2012.
APÊNDICE

Portaria nº. 127, de 30 de abril de 2009.


Estabelece a chancela da Paisagem Cultural Brasileira.

O Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, no uso de


suas atribuições legais e regulamentares, e tendo em vista o que prescreve a Lei nº 8.029,
de 12 de abril de 1990, a Lei nº 8.113, de 12 de dezembro de 1990, e o inciso V do art. 21 do
Anexo I do Decreto nº 5.040, de 07 de abril de 2004, que dispõe sobre a Estrutura
Regimental do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, e
CONSIDERANDO, o disposto nos artigos 1º, II, 23, I e III, 24, VII, 30, IX, 215, 216 e 225 da
Constituição da República Federativa do Brasil;
CONSIDERANDO, o disposto no Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que
organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, no Decreto-Lei no 3.866, de
29 de novembro de 1941, que dispõe sobre o tombamento de bens no Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, na Lei no 3.924, de 26 de julho de 1961, que
dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos, e no Decreto n° 3.551, de 04
de agosto de 2000, que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial;
CONSIDERANDO, a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade;
CONSIDERANDO, que o Brasil é autor de documentos e signatário de cartas internacionais
que reconhecem a paisagem cultural e seus elementos como patrimônio cultural e
preconizam sua proteção;
CONSIDERANDO, que a conceituação da Paisagem Cultural Brasileira fundamenta-se na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo a qual o patrimônio
cultural é formado por bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou
em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão,
os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras,
objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico;
CONSIDERANDO, que os fenômenos contemporâneos de expansão urbana, globalização
e massificação das paisagens urbanas e rurais colocam em risco contextos de vida e
tradições locais em todo o planeta;
CONSIDERANDO, a necessidade de ações e iniciativas administrativas e institucionais de
preservação de contextos culturais complexos, que abranjam porções do território nacional
e destaquem-se pela interação peculiar do homem com o meio natural;
CONSIDERANDO, que o reconhecimento das paisagens culturais é mundialmente
praticado com a finalidade de preservação do patrimônio e que sua adoção insere o Brasil
entre as nações que protegem institucionalmente o conjunto de fatores que compõem as
paisagens;
CONSIDERANDO, que a chancela da Paisagem Cultural Brasileira estimula e valoriza a
motivação da ação humana que cria e que expressa o patrimônio cultural;
CONSIDERANDO, que a chancela da Paisagem Cultural Brasileira valoriza a relação
harmônica com a natureza, estimulando a dimensão afetiva com o território e tendo como
premissa a qualidade de vida da população;
CONSIDERANDO, que os instrumentos legais vigentes que tratam do patrimônio cultural e
natural, tomados individualmente, não contemplam integralmente o conjunto de fatores
implícitos nas paisagens culturais;
RESOLVE, estabelecer a chancela da Paisagem Cultural Brasileira, aplicável a porções do
território nacional.

Título I
Disposições gerais

I - Da definição

Art. 1º. Paisagem Cultural Brasileira é uma porção peculiar do território nacional,
representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a
ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores.
Parágrafo único - A Paisagem Cultural Brasileira é declarada por chancela instituída pelo
Iphan, mediante procedimento específico.

II - Da finalidade

Art. 2º. A chancela da Paisagem Cultural Brasileira tem por finalidade atender ao interesse
público e contribuir para a preservação do patrimônio cultural, complementando e
integrando os instrumentos de promoção e proteção existentes, nos termos preconizados
na Constituição Federal.

III - Da eficácia

Art. 3º. A chancela da Paisagem Cultural Brasileira considera o caráter dinâmico da cultura
e da ação humana sobre as porções do território a que se aplica, convive com as
transformações inerentes ao desenvolvimento econômico e social sustentáveis e valoriza a
motivação responsável pela preservação do patrimônio.

IV – Do pacto e da gestão

Art. 4º. A chancela da Paisagem Cultural Brasileira implica no estabelecimento de pacto


que pode envolver o poder público, a sociedade civil e a iniciativa privada, visando a gestão
compartilhada da porção do território nacional assim reconhecida.
Art. 5º. O pacto convencionado para proteção da Paisagem Cultural Brasileira chancelada
poderá ser integrado de Plano de Gestão a ser acordado entre as diversas entidades,
órgãos e agentes públicos e privados envolvidos, o qual será acompanhado pelo Iphan.

Título II
Do Procedimento

V - Da legitimidade

Art. 6º. Qualquer pessoa natural ou jurídica é parte legítima para requerer a instauração de
processo administrativo visando a chancela de Paisagem Cultural Brasileira.
Art 7º. O requerimento para a chancela da Paisagem Cultural Brasileira, acompanhado da
documentação pertinente, poderá ser dirigido:
I – às Superintendências Regionais do Iphan, em cuja circunscrição o bem se situar;
II – ao Presidente do Iphan; ou
III – ao Ministro de Estado da Cultura.

VI - Da instauração

Art. 8º. Verificada a pertinência do requerimento para chancela da Paisagem Cultural


Brasileira será instaurado processo administrativo.
§ 1º - O Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização – Depam/Iphan é o órgão
responsável pela instauração, coordenação, instrução e análise do processo.
§ 2º – A instauração do processo será comunicada à Presidência do Iphan e às
Superintendências Regionais em cuja circunscrição o bem se situar.

VII – Da instrução

Art. 9º. Para a instrução do processo administrativo poderão ser consultados os diversos
setores internos do Iphan que detenham atribuições na área, as entidades, órgãos e
agentes públicos e privados envolvidos, com vistas à celebração de um pacto para a gestão
da Paisagem Cultural Brasileira a ser chancelada.
Art. 10. Finalizada a instrução, o processo administrativo será submetido para análise
jurídica e expedição de edital de notificação da chancela, com publicação no Diário Oficial
da União e abertura do prazo de 30 dias para manifestações ou eventuais contestações ao
reconhecimento pelos interessados.
Art. 11. As manifestações serão analisadas e as contestações julgadas pelo Departamento
do Patrimônio Material e Fiscalização – Depam/Iphan, no prazo de 30 (trinta) dias,
mediante prévia oitiva da Procuradoria Federal, remetendo-se o processo administrativo
para deliberação ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.

Art. 12. Aprovada a chancela da Paisagem Cultural Brasileira pelo Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural, a súmula da decisão será publicada no Diário Oficial da União, sendo o
processo administrativo remetido pelo Presidente do Iphan para homologação final do
Ministro da Cultura.
Art. 13. A aprovação da chancela da Paisagem Cultural Brasileira pelo Conselho Consultivo
do Patrimônio Cultural será comunicada aos Estados-membros e Municípios onde a porção
territorial estiver localizada, dando-se ciência ao Ministério Público Federal e Estadual, com
ampla publicidade do ato por meio da divulgação nos meios de comunicação pertinentes.

VIII - Do acompanhamento e da revalidação

Art. 14. O acompanhamento da Paisagem Cultural Brasileira chancelada compreende a


elaboração de relatórios de monitoramento das ações previstas e de avaliação periódica
das qualidades atribuídas ao bem.
Art. 15. A chancela da Paisagem Cultural Brasileira deve ser revalidada num prazo máximo
de 10 anos.
Art. 16. O processo de revalidação será formalizado e instruído a partir dos relatórios de
monitoramento e de avaliação, juntando-se manifestações das instâncias regional e local,
para deliberação pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
Art. 17. A decisão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural a propósito da perda ou
manutenção da chancela da Paisagem Cultural Brasileira será publicada no Diário Oficial
da União, dando-se ampla divulgação ao ato nos meios de comunicação pertinentes.
Art. 18. Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília – DF, 30 de abril de 2009.

Luiz Fernando de Almeida


Presidente do Instituto de Patrimônio Artístico e Histórico Nacional – Iphan

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