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L'EXACTITUDE N'EST PAS LA VÉRITÉ1

A semana em que levei Michael Chekhov para visitar Henri Matisse

Tive a grande sorte de crescer em uma família que amava e respeitava


livros, arte, música e o teatro, e conforme fui crescendo, descobri que
meus interesses moravam em todas estas direções. Também herdei
uma paixão especial por Henri Matisse e como visitávamos duas ou
três vezes ao ano um pequeno vilarejo nas montanhas perto de Nice,
ele se tornou uma pessoa bem familiar da região. Nos anos 70 o
Musée Matisse era um lugar meio improvisado, com peças dos seus
móveis espalhadas pelas salas e dezenas de croquis apresentados de
forma aleatória, com um certo charme da época pré-curadoria
profissional. O museu fica somente 100m abaixo do Le Régina, o velho
hotel em Cimiez onde Matisse passou seus últimos anos, então não era
difícil imaginar sua presença idosa caminhando vagarosamente de um
cômodo ao outro.

Mais tarde, como jovem


adulto, estudei desenho e
pintura, e Matisse foi um guia
e inspiração constante, não só
sua linda arte mas seu
incentivo suave - mas firme -
de trabalhar todos os dias. Eu
continuava passando muito
tempo perto de Nice, e mais
perto ainda de Vence, o local
da grande obra dos últimos

1
"Exatidão não é a verdade", Matisse citando Delacroix em L'Art Vivant, nº 18, 15 de setembro de 1925.

(c) 2017 Hugo Moss, P.1


anos de Matisse, a extraordinária Chapelle du Rosaire, que continuo
visitando sempre que eu puder. Aliás, sempre tenho saído do meu
caminho para visitar as obras de Matisse, tenho lido sobre ele e
quando possível viajado para exposições. Eu simplesmente sinto uma
conexão pessoal muito forte com sua maneira de expressar a vida;
Matisse tem me acompanhado desde que me entendo por gente.

Esbarrei superficialmente com Michael Chekhov através de um


professor na escola, da qual eu amava as aulas de teatro e participava
de produções. Mas foi só quase três décadas mais tarde que eu o
conheci melhor, quando comecei a dirigir filmes e trabalhar com
atores. Esta reconexão cresceu rápido e acabou mudando a minha
vida, porque em 2010 eu já estava estudando seu legado artístico de
uma forma profunda e ensinando a sua técnica, hoje a minha principal
atividade profissional.

Michael Chekhov desenvolveu uma visão bem ampla e maravilhosa do


que é ser um artista, o que é criar arte. Ela foi parcialmente inspirada
pela Antroposofia de Rudolf Steiner, mas Chekhov abraçava um
universo de ideias próprias, que permeiam seus escritos, palestras e o
acervo extenso de transcrições de aulas, através de qual podemos o
"ouvi-lo" compartilhando esta visão com seus alunos, de várias
formas. Ao trabalhar como professor seguindo os passos do Chekhov,
tenho descoberto não só que sua visão contém uma verdade profunda
para o artista, mas tem iluminado para mim grande parte do que é
estar aqui neste mundo, lidando com esta experiência que chamamos
vida.

Recentemente, eu levei para uma viagem um velho livro de escritos e


entrevistas do Matisse, Écrits et propos sur l'art, que devo ter
comprado enquanto jovem
artista no final dos anos 70
ou início dos 80. Me lembro
de ter ficado bastante
interessado neste livro na
época, mas ele nunca me
inspirou especialmente. Não
havia lido desde então, mas
agora ideias profundamente
significativas e insights
muito familiares do mundo
do Michael Chekhov
saltaram das páginas, e
enquanto eu ia lendo, me dei conta que estes dois grande artistas

(c) 2017 Hugo Moss, P.2


haviam chegado à precisamente a mesma visão da experiência
criativa. Esta clareza me abalou um tanto, porque ela não só trouxe
estes dois grande amigos subitamente para dentro do mesmo recinto,
mas meu forneceu bastante o que pensar sobre mim mesmo enquanto
jovem homem na busca de um caminho mas me sentindo bastante
perdido, embora evidentemente esbarrando em coisas extraordinárias,
mesmo que não fosse sempre capaz de agarrá-las plenamente. Por
enquanto ainda não.

Écrits et propos sur l'art estava lá borbulhando nas minhas prateleiras


por uns 35 anos e agora, para o meu deleite, aqui estávamos, nós
três, Matisse, Chekhov e eu, sentados para uma série de conversas ao
longo de uma semana. O que segue é um relado de alguns temas que
surgiram nas nossas conversas, junto com citações do livro.

Uma coisa que Matisse e Chekhov tiveram em comum era que, ao se


estudarem com muita coragem e honestidade, cada um descobriu que,
para o processo criativo poder acontecer, o artista precisa permitir que
algo do mundo
externo o
transforme no
seu interior.
Pode ser um
objeto, uma
pessoa, uma
paisagem, uma
imagem, uma
atmosfera. E é
essencialmente
esta experiência
de
transformação
que
expressamos enquanto artistas. Tem uma frase maravilhosa do
Goethe que descreve isto perfeitamente, “Cada novo objeto, bem
contemplado, abre um novo órgão dentro de mim.”

Ou, nas palavras do Matisse: “Criar é expressar o que temos


dentro de nós. Todo esforço autêntico de criação é interior.
Então precisamos alimentar nosso sentimento, e isso é feito
com ajuda de elementos que tiramos do mundo exterior. É aqui
que entra o trabalho através do qual o artista incorpora,
assimila aos poucos o mundo exterior, até que o objeto que ele
desenha se torne uma parte dele mesmo, até que ele o tenha

(c) 2017 Hugo Moss, P.3


dentro de si e possa projetá-lo na tela como sua própria
criação.” 2

E: “Não é uma mais uma questão de trazer as lembranças do


mar, do campo etc. É necessário fazer uma construção. É a
vibração do indivíduo que importa, em vez do objeto que
produziu esta emoção. Não transmitimos a matéria, mas a
emoção humana, uma certa elevação do espírito que pode
provir de qualquer visão." 3

Esta transformação depende de um certo tipo de concentração, um


tema que Michael Chekhov desenvolveu em uma série de exercícios que
usamos bastante no estúdio, desde as primeiras oficinas introdutórias.
Neles o aluno passa tempo com objetos cotidianos e de uma certa forma
penetra a verdade da sua forma, tamanho, cor e outras características
físicas. Inicialmente, alguns tendem a trabalhar com associações
pessoais ou formam conexões emocionais com os objetos, ao invés de
simplesmente estarem com o objeto no tempo/espaço, mas assim que
encontram a atividade certa, são capazes de, por assim dizer, penetrar
de uma forma espiritual e acordar em si uma conexão realmente
criativa com o mundo
em volta.

"O estudo profundo


permite que meu
espírito tome posse
do sujeito da minha
contemplação, e eu
me identifico com
ele na execução
definitiva da minha
tela." 4

Os alunos começam a
ser capazes de
sustentar uma conexão
com objetos mesmo quando não estão diante deles. Sentem que
continuam "com" eles e podem completar outras tarefas, como se os
objetos fossem agora imagens os "segurando" de alguma forma. Isto
traz um poderoso senso de força, expansão interior e desenvoltura.
Em pouco tempo, conseguem fazer isto com objetos lembrados e

2
Citado em Le Courrier de l'U.N.E.S.C.O., vol. VI, no. 10, October 1953
3
Citado em Dutuit, Georges. Le Fauves. Geneva, Éditions des Trois Collines, 1949
4
Citado em Schneider, Pierre. "Matisse, peintre de l'émotion", L'Express, no. 980 20-26 April 1970

(c) 2017 Hugo Moss, P.4


imagens do vasto cosmos da imaginação. Como é o objeto da
concentração que segura o artista, e não vice versa, não há labuta e
ficamos livres para expressar esta experiência.

"Quando desenho, eu naturalmente tento esvaziar


completamente o cérebro de toda memória, para receber
somente o momento presente. Então surge um vazio - e eu sou
apenas o espectador do que faço." 5

E: “A partir de um
certo momento
acontece uma
espécie de
revelação, não
sou mais eu.
Neste momentos
uma verdadeira
divisão ocorre
dentro de mim:
não sei mais o que
faço, eu me
identifico com
meu modelo.” 6

Michael Chekhov traz da Antroposofia a noção do Ego Superior para


explicar este acordar do nosso ser criativo através de uma conexão
verdadeira com um objeto, imagem
ou outro elemento do mundo externo
(ou até imaginário), e a atividade de
sintetizar esta experiência no
presente momento. Matisse também
reconhece que esta inspiração
artística vem de algum lugar no alto,
algo espiritual que se tornou
tangível:

“A maioria de pintores precisa de


contato direto com os objetos
para sentir que eles existem (...)
Eles buscam uma luz exterior
para se iluminarem por dentro.
Enquanto o artista ou poeta
5
Citado em Couturier, Marie-Alain. Se garder libre (Journal 1947-1954. Paris, Éditions du Cerf, 1962
6
Citado em Couturier, Marie-Alain. Se garder libre (Journal 1947-1954. Paris, Éditions du Cerf, 1962

(c) 2017 Hugo Moss, P.5


possui uma luz interior que transforma os objetos e faz deles
um novo mundo - sensível, organizado, um mundo vivo que em
si é um sinal infalível do Divino, um reflexo do Divino.” 7

Palavras como "superior" e "divino" poderiam sugerir um certo


distanciamento do nosso ser criativo, como se estivesse "lá fora" de
alguma forma, de repente até fora do nosso alcance. Mas Matisse e
Chekhov nos lembram que se encontramos a atividade certa como
artistas, a nossa inspiração será viva dentro de nós. O grande amigo e
rival do Matisse, Pablo Picasso, disse: “Inspiração existe sim, mas
precisa te encontrar trabalhando.”

Chekhov fala de ter a inspiração sob nosso comando. Se um artista


treina esta atividade de concentração – uma atividade divina,
segundo, segundo Matisse -,
ele terá sucesso em encontrar
sua expressão artística e
tornar o intangível tangível, o
divino material.
Este momento de criação
precisa ser descoberto do zero
a cada vez, e é preciso
encontrar coragem
repetidamente, coragem para
buscar e também para "sair do
caminho", para permitir esta
inspiração superior a trabalhar
através de nós.

"Cada vez que havia feito


tudo que podia com meus
dez dedos, algo vinha para
completá-lo, que não
dependia de mim, que
vinha de outro lugar.
Precisamos fazer tudo que podemos, e no momento em que
está terminado alguma influência celestial vem e completa. Mas
aquilo não lhe servirá para a próxima vez. Tenha confiança,
anda, e ela virá no caminho. " 8

Outra palavra que surge rapidamente em qualquer conversa com


Matisse e Chekhov é "síntese", algo somente possível quando o artista
7
Citado em "Entretien avec Tériade", L'Intransigeant, 19th, 20th and 27th October 1930
8
Citado em Couturier, Marie-Alain. Se garder libre (Journal 1947-1954. Paris, Éditions du Cerf, 1962

(c) 2017 Hugo Moss, P.6


permite que esta "influência celestial" faça seu trabalho. Chekhov
descreve nosso ser criativo como um "laboratório" vivo em qual "todas
as nossas experiências pessoais, subjetivas, particulares, são
alteradas, amalgamadas, resumidas, condensadas pela nossa
sabedoria subconsciente e se tornam Arquétipos.” 9

"Não é um desenho a síntese, a culminância de uma série de


sensações que o cérebro tem retido, reunido, e que uma última
sensação dispara? Tanto que executo o desenho quase com a
sensibilidade de um médium. " 10

Ambos são receosos de sucesso


comercial e crítico e dos perigos de
desviarmo-nos da nossa tarefa
essencial enquanto artistas: de
sermos mudados pelo nosso
ambiente e expressarmos esta
experiência. Chekhov freqüentemente
reprimia seus alunos por terem
trocado sua força de vontade criativa
por brilhantismo técnico, por terem
perdido de vista seu ser artístico
interior. Matisse tocou em temas
semelhantes a respeito da jornada do
artista ao longo do tempo e como a
técnica deve simplesmente servir à
nossa habilidade de nos expressar:

"Um artista deve possuir a


Natureza. Ele deve se identificar com seu ritmo através de
esforços que o levarão a adquirir mestria, graças a qual ele
poderá mais tarde se expressar com sua própria língua.
O pintor futuro deve prever o que é útil para seu próprio
desenvolvimento - desenho e até escultura - tudo que o
permitirá se tornar um com a Natureza, se identificar com ela
ao incorporar as coisas (...) que estimulam suas sensações.
Creio que estudar desenho seja absolutamente essencial. Se o
desenho vem da mente e a cor dos sentidos, é necessário
desenhar para cultivar o espírito e ser capaz de conduzir cor
pelos caminhos da mente. É isso que tenho vontade de gritar
quando vejo o trabalho de jovens para quem pintar é apenas

9
Chekhov, 2004; CD3
10
Citado em Aragon, Louis. Henri Matisse, roman. Paris, Gallimard, 1971

(c) 2017 Hugo Moss, P.7


uma aventura, e portanto cujo único fim é a atenção de um
marchand qualquer para o lançar no caminho de celebridade.
É só depois de anos de preparação que o jovem artista terá o
direito de tocar nas cores - não na capacidade de um meio de
descrição, mas na capacidade de um meio de expressão íntima.
Então ele pode esperar que todas as imagens e até todos os
símbolos que emprega possam ser o reflexo do seu amor pelas
coisas, um reflexo em qual ele pode ter confiança, se ele for
capaz de realizar sua educação até o fim com pureza e sem
mentir para si mesmo. Assim ele usará as cores com
discernimento." 11

Henri Matisse e Michael Chekhov trabalharam cada um


incansavelmente como artistas e exploradores da experiência humana,
desde a juventude até o final das suas vidas. Eu nunca encontrei
nenhuma menção de Matisse ter entrado em contato com a
Antroposofia, então este cruzamento tão extraordinário e preciso,
representando a experiência comum do ato criativo, me parece ainda
mais deslumbrante. É simplesmente o fruto da sua auto-observação
corajosa e verdadeira.

Ambos estes homens enfrentaram grandes adversidades pessoais e


atravessaram as violentas reviravoltas do seu tempo. Cada um
embarcou em longas jornadas ao longo de sua vida, tanto no sentido
literal quanto metafórico. É claro, Matisse era consideravelmente mais
velho: até o nascimento de Chekhov em St. Petersburg em 1891, ele
já havia recentemente deixado sua cidade natal no norte da França e
estava começando sua vida como um talentoso estudante em Paris.
Mas, por ordem do destino, estes grandes artistas faleceram em um
intervalo de somente dez meses, um do outro, em 1954 e 1955,
respectivamente.

"A responsabilidade permanente do criador perante ele mesmo


e perante o mundo não é algo raso: ao ajudar o universo a se
construir, o artista mantém sua própria dignidade." 12

uma crônica de
Hugo Moss

11
Carta a Henry Clifford, 1948
12
Citado em Escholier, Raymond. Matisse, ce vivant. Paris, Pierre Tisné, 1954

(c) 2017 Hugo Moss, P.8


Todas as citações em negrito são do livro Ecrits et propos sur l'art e traduzidas do
francês pelo autor.

OBRAS DE MATISSE
Os marroquinos (1915-1916)
Natureza morta de Sevilha (c.1910-1911)
Banhistas num rio (1916-1917)
Interior em Nice (1919)
A Janela (1916)
Desenho sem título (1941)

BIBLIOGRAFIA
Michael Chekhov, On the Theatre and the Art of Acting. New York: The Working Arts
Library, 2004 (4 CDs and booklet)
Henri Matisse, Ecrits et propos sur l'art, ed. Dominique Fourcade. Paris: Hermann,
1972.

(c) 2017 Hugo Moss, P.9

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