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Tutela jurisdicional diferenciada no

Projeto de Novo Código de Processo Civil

Ricardo de Barros Leonel

Sumário
1. Introdução. 2. Conceituação da tutela ju-
risdicional diferenciada. 3. Tutela diferenciada
no ordenamento processual em vigor: hipóteses
mais tradicionais. 4. Avanços no Projeto de
Novo CPC relativamente ao tema: a estabili-
zação das tutelas provisórias e sistematização
da matéria. 5. Retrocesso: a exclusão da tutela
monitória. 6. Conclusões e sugestões.

1. Introdução
O momento é de reflexão, estudos e
debates. Por iniciativa da Presidência do
Senado Federal, no ano de 2009 foi instituí-
da Comissão de Juristas cuja competência e
prestígio são nacionalmente reconhecidos,
para a elaboração de um Anteprojeto de
Novo Código de Processo Civil.
O resultado desse trabalho foi apresen-
tado, em meados de 2010, pelo Presidente
do Senado Federal, como Projeto de Lei do
Senado 166, de 2010, para um Novo Código
de Processo Civil.
Em período de tempo praticamente
exíguo (aproximadamente seis meses), no
mês de dezembro de 2010 foi aprovado pelo
Plenário do Senado Federal o Substitutivo
ao PLS 166, de 2010, de autoria do Senador
Valter Pereira, sendo esse texto remetido à
Ricardo de Barros Leonel é Professor Dou- Câmara dos Deputados.
tor no Departamento de Direito Processual da O Substitutivo aprovado manteve as
Faculdade de Direito da Universidade de São principais diretrizes do Projeto de Novo
Paulo. Promotor de Justiça em São Paulo. CPC, introduzindo, entretanto, algumas
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modificações que não chegam a desca- 2. Conceituação da tutela
racterizá-lo, nem a desviá-lo das linhas jurisdicional diferenciada
reitoras essenciais a que se dedicou a Co-
missão de Juristas que elaborou o texto do Já se observou, com precisão, que falar
Anteprojeto: a simplificação dos procedi- de “tutelas diferenciadas” significa, em
mentos e de formalidades desnecessárias; última análise, pensar na predisposição
a eliminação de contradições existentes de mecanismos, no processo, que o tornem
dentro do sistema processual em vigor; a apto a cumprir, com maior eficiência, seu
criação e fortalecimento de mecanismos papel (ARMELIN, 1992, p. 45).
que tornem a Justiça mais ágil; o prestígio A possibilidade de predisposição de
aos precedentes como modo de dar maior alternativas aos esquemas de procedimento
concretude ao tratamento isonômico de “tipo”, ou “padrão”, volta-se, especial-
situações análogas, à previsibilidade dos mente, ao alcance de maior celeridade e
julgamentos e à segurança jurídica; entre eficácia na prestação jurisdicional, diante
outros. de peculiaridades da vida contemporâ-
Essas linhas mestras dos trabalhos da nea, e da existência de situações em que a
aludida Comissão de Juristas, aliás, foram probabilidade de que o autor tenha razão,
bem destacadas na Exposição de Motivos bem como da virtual não ocorrência de re-
que acompanhou o texto do Anteprojeto. sistência mais consistente por parte do réu,
Esse contexto deve estimular o debate, legitima a adoção daquilo que poderíamos
para que haja o efetivo aprimoramento da chamar de soluções mais “singelas” para
propositura legislativa. É evidente a verda- os conflitos.
deira disposição política do Senado Federal É necessário, entretanto, compreender
no sentido da aprovação de um Novo CPC com precisão o que vem a ser a tutela ju-
– especialmente quando se considera que risdicional diferenciada. E para chegar a
em curtíssimo espaço de tempo (pouco tanto, torna-se imprescindível pensar, antes
mais de um ano) foi elaborado o Anteproje- de tudo, no que vem a ser a própria tutela
to e seu texto, por meio de Substitutivo com jurisdicional.
modificações secundárias, acabou sendo Tutela, no léxico, significa proteção
aprovado pelo Senado. (HOUAISS, 2001, p. 2790). Mas a busca de
Nada obstante tenham ocorrido inú- uma concepção jurídica para tal expressão
meras audiências públicas tanto na fase de deve tomar como ponto de partida nosso
trabalhos da Comissão de Juristas, como ordenamento constitucional, pois é nele que
durante a tramitação do PLS 166, de 2010, estão inseridos os pilares fundamentais do
no Senado Federal, bem como tenham Estado Democrático de Direito.
sido recebidas e incorporadas ao texto do E na Constituição Brasileira de 1988, o
Anteprojeto e posteriormente do Projeto de fundamento da tutela jurisdicional está no
Lei muitas sugestões, ainda há espaço – e art. 5o, XXXV, pelo qual “a lei não excluirá
tempo – para novos aperfeiçoamentos. da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
É nesse panorama que pretendemos ameaça a direito”.
formular algumas considerações a respei- Não há dúvida de que nessa disposição
to da denominada “Tutela jurisdicional constitucional se assenta o denominado
diferenciada”, a fim de verificar, em nossa “direito constitucional de ação”, ou ainda a
percepção, o que há de positivo no Projeto “garantia da inafastabilidade da jurisdição”.
de Novo CPC e no Substitutivo aprovado Mas o alcance substancial, concreto, prático
pelo Senado e enviado à Câmara, e o que desse preceito fundamental vai além.
há de negativo, formulando-se sugestão de O art. 5o, XXXV, da CR não se limita a
adequação da propositura legislativa. assegurar a possibilidade de dedução de

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pretensões perante o Poder Judiciário. Se com os bens ou com outras pessoas em
o processo é instrumento de realização do sociedade” (DINAMARCO, 2000, p. 813).
direito material (BEDAQUE, 2009, passim), Se o litigante se sagra vencedor, mas a
nada obstante figure como ciência autôno- sentença não se concretiza do ponto de vista
ma, só se justifica na medida em que sirva prático (com a entrega do bem, o pagamen-
efetivamente para dar, na prática, razão a to do valor devido, a abstenção da conduta
quem a tem. vedada pela decisão, etc.), o que se tem é
Indo, portanto, além do panorama tutela jurisdicional incompleta.
meramente formal, é possível afirmar que Isso não significa, destaque-se, desconsi-
o art. 5o, XXXV, da CR apresenta mais de derar o aspecto jurídico da tutela jurisdicio-
uma perspectiva. Ele sinaliza, em primeiro nal, pois a proteção do patrimônio jurídico
lugar, para a garantia do direito consti- do litigante também integra o conceito em
tucional de ação, independentemente da análise (OLIVEIRA, 2008, p. 107 et seq.).
concepção que desta se tenha, ao permitir Mas essa proteção só será completa se,
o acesso ao Poder Judiciário mediante a ao lado da tutela do patrimônio jurídico
demanda formalmente apresentada. Além do titular do direito, também se fizer pre-
disso, o preceito constitucional assegura sente, com igual eficácia, a proteção aos
como resultado formal do acesso à Justiça desdobramentos práticos daí decorrentes
a resposta (pronunciamento do Estado- (resultado concreto do processo para o
-Juiz), favorável ou não, quanto ao litígio litigante vencedor).
deduzido em juízo. Por último e não menos Uma vez estabelecida a noção de “tutela
importante, deve assegurar, igualmente, o jurisdicional” (proteção jurídica e prática
resultado prático do processo, com a efetiva para o litigante vencedor), torna-se natural
preservação do direito material e do bem indagar qual o sentido da expressão “dife-
da vida defendido pelo litigante vencedor. renciada”, que tradicionalmente doutrina-
Em outros termos, é correta a observa- dores e julgadores agregam àquela locução.
ção prática no sentido de que aqueles que Muito já se debateu a esse propósito, e
buscam socorro no Poder Judiciário não já tivemos a oportunidade de examinar, em
esperam apenas uma declaração de certeza outro trabalho, as vertentes relacionadas à
quanto à existência ou não do direito. De- elaboração desse conceito (LEONEL, 2010,
sejam, mais que isso, o próprio resultado p. 18-27).
concreto do processo, que produza em Foi por essa razão que Andrea Proto
suas vidas a satisfação pragmática que não Pisani, ao procurar, pioneiramente, siste-
se operou espontaneamente, e ensejou a matizar esse assunto, afirmou que a ex-
utilização do serviço judicial. pressão “tutela jurisdicional diferenciada”
Daí advém a noção, assentada em dou- vinha, até então, sendo tratada de forma
trina, de que “parece não haver dúvida de equivocada por aqueles que se ocuparam
que a locução tutela jurisdicional se presta do tema (PISANI, 1982, p. 216).
a designar o resultado da atividade juris- Dentro desse contexto, parece-nos que
dicional – assim considerados os efeitos a construção que se apresenta como mais
substanciais (jurídicos e práticos) que o adequada é aquela que relaciona o conceito
provimento final projeta ou produz sobre da “tutela jurisdicional diferenciada” com
dada relação material – em favor do ven- a restrição à atividade cognitiva realizada
cedor” (YARSHELL, 1999, p. 28). pelo magistrado para proferir sua decisão.
Em outras palavras, pensar no resul- Em outras palavras, embora a diversi-
tado prático do processo nada mais é que dade quanto ao procedimento esteja muitas
vislumbrar “o resultado do ato processual vezes associada ao tema, o elemento central
sobre a vida das pessoas e suas relações na definição do objeto de nosso estudo está

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na limitação à cognição. É nesse sentido dade da cognição: cognição superficial ou
que José Roberto dos Santos Bedaque, ao exauriente).
descartar pura e simplesmente a espe- Em outras palavras, a expressão tutela
cialização procedimental como elemento diferenciada serve como referência tanto
definidor da tutela diferenciada, anota para os casos de tutela provisória (as li-
que ela deve abranger “as modalidades de minares, no jargão forense), como ainda
tutela sumária”, que têm como elemento co- para a categoria por vezes referida pela
mum “dispensarem a cognição exauriente, doutrina como “ações sumárias”, em que
visando assegurar a efetividade da tutela se obtém provimento definitivo sem que
jurisdicional” (BEDAQUE, 2009, p. 26). haja cognição completa por parte do juiz
Nessa mesma linha de raciocínio apon- (CHIOVENDA, 1965, p. 234 et seq.; SILVA,
ta a doutrina para a “tutela diferenciada” 2000, p. 212,219,222).
como opção em relação ao procedimento É a partir desses elementos que pedimos
padrão, de cognição completa, visto que vênia para reproduzir, a seguir, o conceito
pode ser realizada “mediante cognição de tutela jurisdicional diferenciada a que
sumária”, com aptidão para desde logo chegamos ao examinar esse tema em outro
“realizar o direito afirmado pelo litigante trabalho, adotando como critério principal
(...) qualquer possibilidade de especiali- (embora não único) a restrição à ativida-
zação ou sumariedade que proporcione de cognitiva do juiz, tanto no sentido da
diferenciação em relação ao procedimento extensão (plano horizontal) como da pro-
comum” (SOARES, 2000, p. 136,141). fundidade (plano vertical) dos pontos ou
Em síntese, a sumariedade da atividade questões de fato ou de direito passíveis de
cognitiva realizada pelo magistrado para apreciação: deve ser compreendida como
fins de prolação de sua decisão é a prin- “proteção jurídica e prática outorgada pelo
cipal nota característica da denominada Estado-juiz, resultante da utilização de
tutela jurisdicional diferenciada, seja com procedimentos especiais previstos no orde-
relação aos provimentos provisórios, seja namento processual, em que a celeridade
ainda quanto aos provimentos judiciais e a efetividade da prestação jurisdicional
definitivos ou finais (MARCATO, 1998, p. decorram da limitação da cognição” (LE-
27; CRUZ E TUCCI, 1997, p. 15). ONEL, 2010, p. 25).
Vale lembrar que pressuposto lógico e Vale lembrar que, no plano das opções
prático da decisão é a cognição, pois o juiz de política legislativa, como anota Proto
conhece dos fatos, do direito e das provas, Pisani (1982, p. 315-316), podem ser apon-
para só então decidir. Daí por que, quando tadas três razões para a adoção de proce-
se fala em sumariedade (em sentido am- dimentos com cognição reduzida: (a) para
plo) ou em restrição à atividade cognitiva, evitar o custo do processo de cognição com-
o que se pretende é afirmar que haverá pleta quanto isso não se justifique, tendo em
exame de alguma forma restrito, quanto vista a inexistência de resistência firme por
aos elementos que devem ser examinados parte do demandado; (b) para evitar o abuso
pelo magistrado para formar sua convicção do direito de defesa por parte do réu que,
e então decidir. manifestamente, não tenha razão; (c) para
As possibilidades com relação a essas assegurar a efetividade da tutela jurisdicional
restrições são explicadas de forma didática em determinados casos (especialmente
por Kazuo Watanabe (1999, passim), que quando os direitos em debate não tenham
segmenta as limitações à atividade cogni- conteúdo econômico direto) em que o
tiva do juiz no plano horizontal (extensão prolongamento do estado de insatisfação
da cognição: cognição limitada [parcial] possa provocar prejuízo irreparável ou de
ou plena) e no plano vertical (profundi- difícil reparação.

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Em suma, em nossa percepção, a preocu- apresenta o pericolo da infruttuosità (risco
pação de quem estuda a tutela jurisdicional de que, quando da decisão definitiva, o
diferenciada abrange as hipóteses em que o demandado perdedor tenha dissipado seus
ordenamento, em prol de algum aspecto dig- bens), a medida de urgência terá finalidade
no de atenção especial, determina a restrição conservativa, garantindo o êxito prático da
da atividade cognitiva do juiz, objetivando futura execução ou da produção dos efeitos
a produção de resultados, no processo, que programados da sentença. É o que ocorre
sejam aptos a alcançar soluções mais efeti- no arresto, no sequestro, na indisponibili-
vas, tanto por meio de decisões provisórias dade e no arrolamento de bens, etc.
como de decisões definitivas (finais). De outro lado, se a situação lamentada
Assim, estão situados no âmbito desse pelo demandante caracteriza o pericolo da
tema (a) os provimentos de natureza “cau- tardivittà (risco de que a decisão definiti-
telar” (medidas conservativas [seqüestro, va seja inócua porque tardia, vindo à luz
arresto, indisponibilidade de bens, etc.] quando já consumada de forma irreparável
e medidas de satisfação antecipada); (b) a lesão ao direito), a medida de urgência
os provimentos sumários não cautelares terá finalidade antecipatória, permitindo
(provimentos finais em que, por disposição a fruição imediata da utilidade que só po-
legal, haja limitação à cognição). deria, a priori, ser fruída após a prolação da
decisão definitiva, não fosse a obtenção da
3. Tutela diferenciada no medida urgente.
ordenamento processual em vigor: As medidas de urgência são deferidas
com base em cognição incompleta.
hipóteses mais tradicionais
É nesse sentido que tradicionalmente
Estabelecidas as noções básicas e gerais se fala no periculum in mora e no fumus boni
relativamente ao tema, é oportuno identifi- iuris, visto que o juiz, ao decidir pela con-
car as hipóteses mais tradicionais de tutela cessão ou não de medidas conservativas
diferenciada no ordenamento processual ou antecipatórias, escora-se em juízo de
em vigor. probabilidade, e não de certeza.
E não temos dúvida em apontar para Daí as seguintes expressões legais:
dois exemplos fundamentais. “verossimilhança da alegação” e “fun-
O primeiro exemplo diz respeito aos dado receio de dano irreparável ou de
provimentos judiciais provisórios. difícil reparação” (art. 273, caput, I, do
As medidas de urgência, tanto as CPC); “relevante fundamento da deman-
conservativas como as antecipatórias da” e “justificado receio de ineficácia do
(conforme a terminologia esposada por provimento final” (art. 461, § 3o, do CPC);
Dinamarco (2003, p. 58)), figuram como “fundado receio de que uma parte, antes
exemplo característico da tutela jurisdicio- do julgamento da lide, cause ao direito da
nal diferenciada. outra lesão grave e de difícil reparação”
Nelas o juiz, com base em cognição res- (art. 798 do CPC).
trita (juízo de probabilidade), concede pro- Em todos esses casos, insista-se, a lei
teção não ao direito certo, mas sim ao direito autoriza o juiz a, com amparo em cognição
provável. E o faz diante de situações de risco, restrita, conceder provimentos provisórios
bem como da razoabilidade, credibilidade, que têm escopo conservativo (assegurar
ou mesmo grande potencialidade de razão ulterior resultado prático do processo em
quanto ao direito deduzido pelo autor. função do provimento definitivo) ou ante-
Lembrando a terminologia trazida ini- cipatório (permitir desde logo a fruição da
cialmente por Calamandrei (1936, p. 55-58), utilidade que decorreria do reconhecimen-
se a situação lamentada pelo demandante to definitivo do direito alegado pelo autor).

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O segundo exemplo de tutela jurisdi- por excelência, na medida em que, se não
cional diferenciada refere-se à obtenção de houver resistência à ordem de pagamento
provimentos judiciais definitivos com base em ou entrega expedida com base na prova
cognição restrita. E, nessa seara, a hipótese escrita apresentada pelo autor, formar-se-á,
mais característica é a da ação monitória, sem qualquer outra decisão ou exame –
disciplinada no CPC do art. 1.102-A ao além daquele realizado em cognição inicial
art. 1.102-C. e superficial pelo juiz –, o título executivo
Lembremos que o procedimento moni- judicial definitivo, equivalente à própria
tório permite a imediata formação do título sentença condenatória.
executivo judicial sem a necessidade, em Cumpre-nos, a seguir, verificar qual
princípio, de cognição completa e exau- o tratamento dado às hipóteses de tutela
riente, de forma rápida, e sem contraditório diferenciada acima indicadas no Projeto de
prévio, cuja realização, de forma diferida, Novo CPC e no Substitutivo aprovado no
dependerá da iniciativa do demandado (Cf. Senado Federal (já remetido à Câmara dos
CALAMANDREI, 1953, p. 26; GARBAG- Deputados), pois ainda é viável, na trami-
NATI, 1970, p. 57. No direito brasileiro: tação legislativa a cumprir, aperfeiçoar-se
CRUZ E TUCCI, 1997, passim; TALAMINI, o texto da futura codificação.
2001, passim; MARCATO, 1998, passim).
Na ação monitória, à luz dos funda- 4. Avanços no Projeto de Novo
mentos (causa de pedir) trazidos pelo CPC relativamente ao tema: a
autor, bem como diante da prova escrita
estabilização das tutelas provisórias
sem eficácia de título executivo, o juiz, em
cognição superficial, formulando juízo de
e sistematização da matéria
verossimilhança (não de certeza), logo na Parece-nos que o PLS 166, de 2010,
primeira oportunidade em que tem contato contemplou efetivamente alguns avan-
com o feito, decide, determinando, se for o ços no que diz respeito aos provimentos
caso, a expedição do mandado monitório sumários.
ou injuntivo (art. 1.102-A e 1.102-B do CPC). O primeiro desses aspectos diz respeito
Só será instaurado o contraditório pleno à sistematização.
se o demandado ajuizar a ação incidental A doutrina processual já vem, há algum
de embargos ao mandado monitório, na tempo, sinalizando no sentido de que
qual poderá ocorrer discussão ampla e medidas “cautelares” em sentido estrito
cognição irrestrita por parte do juiz para, ao (conservativas) e as antecipatórias (satis-
final: (a) rejeitar os embargos ao mandado fativas) são espécies do mesmo gênero,
monitório, constituindo-se definitivamente qual seja o das tutelas sumárias e urgentes
o título executivo judicial; ou (b) acolher os (BEDAQUE, 2009, passim; DINAMARCO,
embargos ao mandado monitório. 2003, p. 49 et seq.).
Ademais, se não houver resistência do Tanto assim que o próprio legislador
demandado (não oferecimento dos em- acrescentou um parágrafo 7o ao art. 273
bargos), constituir-se-á de pleno direito do CPC (Lei 10.444, de 2002), conferindo
e independentemente de nova decisão o fungibilidade aos provimentos de urgência
título executivo judicial, com automática conservativos e antecipatórios, ao prever
conversão, ex lege, do mandado inicial em que, “se o autor, a título de antecipação de
mandado executivo, prosseguindo-se para tutela, requerer providência de natureza
a fase de cumprimento da determinação cautelar, poderá o juiz, quando presentes os
judicial (art. 1.102-C do CPC). respectivos pressupostos, deferir a medida
Em síntese, a ação monitória configura a cautelar em caráter incidental do processo
hipótese de tutela jurisdicional diferenciada ajuizado”.

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Em outras palavras, permitiu o legisla- mas a probabilidade de certeza do direito
dor que o juiz defira medida de natureza alegado, aliada à injustificada demora que o
tipicamente cautelar em sentido estrito processo ordinário carreará até a satisfação
(ou seja, conservativa), requerida inciden- do interesse do demandante, com grave
talmente na própria demanda de conhe- desprestígio para o Poder Judiciário, posto
cimento. que injusta a espera determinada” (FUX,
A situação inversa – concessão de anteci- 1996, p. 305-306).
pação de tutela em caráter preparatório, por No CPC em vigor, essa ideia de tutela
meio e ação “cautelar” autônoma – também da evidência está presente tanto no caso
deve ser compreendida, sistematicamente, da antecipação fundada na caracterização
como perfeitamente possível, na medida do “abuso do direito de defesa ou (d)o
em que a fungibilidade é uma via de duas manifesto propósito protelatório do réu”
mãos. Aliás, bem vista a questão, e deixan- (art. 273, II), como no caso em que “um ou
do de lado o apego à terminologia que nem mais dos pedidos cumulados, ou parcela
sempre esclarece (e às vezes confunde), isso deles, mostrar-se incontroverso” (art. 273,
não representa sequer novidade digna de § 6o). Nesses casos, não se exige o pressu-
perplexidade. posto da urgência (periculum in mora), e a
Basta lembrar que, a pretexto da propo- antecipação é concedida porque o direito
situra de ações cautelares “inominadas”, do autor é altamente provável.
sempre se admitiu medidas de antecipação Os fundamentos para a concessão da
deduzidas de forma autônoma. Exemplo tutela antecipada fundada na evidência do
típico dessa situação é a denominada ação direito do autor, no Projeto de Novo CPC,
“cautelar” de sustação de protesto e de seus estão, em nosso sentir, assentados de modo
efeitos, em caráter preparatório da ação mais claro e com maior abrangência, pois
de anulação ou declaração de nulidade do o art. 285 do PLS 166, de 2010, indica que
protesto. Naquela (cautelar de sustação), será dispensada a demonstração de risco de
o resultado que se obtém é justamente a dano irreparável ou de difícil reparação se:
antecipação de efeitos que só decorreriam, (a) configurar-se “abuso de direito de defe-
a rigor, do acolhimento da ação de conhe- sa ou o manifesto propósito protelatório do
cimento de anulação ou declaração da requerido”; (b) “um ou mais dos pedidos
nulidade do protesto. cumulados ou parcela deles mostrar-se
Pois bem. incontroverso, caso em que a solução será
O Projeto de Novo CPC (PLS 166, de definitiva”; (c) a inicial vier instruída com
2010) procurou conferir melhor sistematiza- “prova documental irrefutável do direito
ção ao tema, tratando de modo homogêneo alegado pelo autor a que o réu não oponha
da “tutela de urgência e da tutela da evi- prova inequívoca”; (d) tratar-se de matéria
dência” no Título X do Livro I, que cuida “exclusivamente de direito e houver juris-
da “Parte Geral” do Novo CPC (art. 277 ao prudência firmada em julgamento de casos
art. 296 do PLS 166, de 2010). repetitivos ou súmula vinculante”; (e) se
É possível aduzir que, a título de “tutela tratar de “entrega do objeto custodiado,
da evidência”, o Projeto cuidou da anteci- sempre que o autor fundar seu pedido
pação da tutela, com base em cognição res- reipersecutório em prova documental ade-
trita e sem a presença da urgência, quando a quada do depósito legal ou convencional”.
probabilidade de que o autor tenha razão é A maior clareza está na dicção adotada
extremamente grande, quase incontestável. no texto do Projeto de Novo CPC. A maior
Como assenta a doutrina, falar-se em abrangência assenta-se na previsão de hipó-
tutela da evidência é tratar de “situações teses não contempladas no CPC em vigor,
em que se opera mais que o fumus boni juris, ou seja, aquelas indicadas nos incisos III e

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IV do art. 285 do PLS 166, de 2010 (letras dental), inconfundível com a antecipação
“c” e “d” supra). A última hipótese, do art. (que só poderia ocorrer no curso do pro-
285, parágrafo único (letra “e” supra), já cesso de conhecimento); bem como de que
está contemplada pontualmente no sistema são fundadas em pressupostos distintos
atual nos casos em que se move a ação, com (como, por exemplo, maior intensidade
obtenção de liminar sem demonstração de para o fumus boni iuris na antecipação de
situação de perigo, em virtude da existência tutela), com a devida vênia, cede diante da
de depósito legal ou convencional (caso, por realidade. O aspecto funcional, bem como a
exemplo, da ação de busca e apreensão em instrumentalidade de ambas com relação à
decorrência de alienação fiduciária em ga- efetiva satisfação do direito, demonstra que
rantia, nos termos do Decreto-Lei 911/69). estão a merecer, cautelares e antecipações,
De outro lado, ainda quanto à adequada tratamento efetivamente homogêneo, nos
sistematização no Projeto de Novo CPC, é termos preconizados pelo PLS 166, de 2010.
necessário notar que: (a) as medidas de ur- Mas o ponto alto do Projeto nesse tema
gência são tratadas, em conformidade com vai além.
a doutrina contemporânea, como gênero, Trata-se da previsão no sentido da pos-
do qual são espécies as cautelares (conser- sibilidade de estabilização das tutelas de ur-
vativas) e as antecipatórias (satisfativas); gência concedidas em caráter antecedente
(b) o procedimento e os requisitos para a ou preparatório, que decorre dos seguintes
sua concessão são estabelecidos de modo dispositivos do PLS 166, de 2010: art. 287, §
uniforme; (c) há expressa previsão quanto 1o; art. 288, § 2o; art. 290, § 2o; art. 293.
à possibilidade de concessão das medidas Ilustrativo a esse respeito é o art. 293
de urgência, cautelares ou satisfativas, do PLS 166, de 2010, por força do qual “a
tanto em caráter antecedente (preparatório) decisão que concede a tutela não fará coisa
como em caráter incidental no processo de julgada, mas a estabilidade dos respectivos
conhecimento ajuizado. efeitos só será afastada por decisão que a
Com o devido respeito àqueles que revogar, proferida em ação ajuizada por
professam entendimento diverso, parece- uma das partes”.
-nos correta essa solução, na medida em Os demais dispositivos, acima indi-
que o tratamento uniforme ou homogêneo cados, apontam no sentido de que, uma
para as medidas conservativas e satisfativas vez deferida a medida conservativa ou
decorre do reconhecimento de que elas são antecipatória em caráter antecedente ou
espécies de um mesmo gênero, apresen- preparatório, caso não haja impugnação
tando-se, em perspectiva funcional, com o (defesa) por parte do demandado, a me-
mesmo papel: afastar a situação de perigo dida continuará a produzir seus efeitos
seja tratando-se de pericolo da infruttuosità independentemente da formulação de um
(no caso das conservativas) ou de pericolo pedido principal pelo autor, mesmo que
de tardivittà (no caso das antecipatórias ou seja extinto o processo no qual a providên-
satisfativas), nos termos da lição de Cala- cia foi determinada.
mandrei, já citada. A lógica, nesse passo, é de certa forma
Em outras palavras, se cautelares e similar àquela que inspira a adoção do
antecipações servem à mesma função, processo monitório.
consistente em evitar que a demora do A técnica da estabilização da tutela de
processo torne a dano de quem tem razão, urgência trabalha com probabilidades e
seu tratamento deve ser homogêneo. riscos. A probabilidade na qual o legislador
A concepção tradicional, pela qual a investe é de que em muitos casos não ha-
ação cautelar deveria ser sempre uma verá resistência por parte do demandado,
demanda autônoma (preparatória ou inci- que se conformará e cumprirá a medida

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deferida liminarmente. Dessa forma, a E a lógica contida na opção do legisla-
utilidade prática pretendida pelo autor já dor em permitir a estabilização da tutela
terá sido alcançada, tornando-se desneces- de urgência não contestada se mostra, em
sária a propositura de ação “principal”, de nossa percepção, correta: se é do autor o
conhecimento, e o exame do seu mérito, interesse em recorrer à Justiça para obter
nada obstante não se forme coisa julgada resultado prático equivalente ao cumpri-
com relação ao provimento judicial que mento espontâneo da obrigação, uma vez
concedeu a medida urgente. obtido esse resultado diante do preenchi-
Técnica semelhante se encontra no Di- mento de certos requisitos estabelecidos na
reito Francês, no qual o PLS 166, de 2010, lei, passa a ser do demandado o interesse,
parece ter buscado inspiração. Nesse siste- e consequentemente o ônus, de afastar a
ma, tem-se o référé provision, a injonction de determinação judicial expedida em caráter
payer e a injonction de faire, medidas que se provisório.
tornam definitivas, embora sem a formação Em outras palavras, se o demandado,
de coisa julgada, se não houver resistência mesmo diante da medida de urgência con-
por parte do demandado. cedida em caráter preparatório, mantém-se
O Code de Procédure Civile francês trata inerte, isso significa que se conformou à
da injonction de payer nos art. 1.405 a 1.425 e imposição de cumprimento da determina-
da injonction de faire do art. 1.425-1 ao 1.425- ção judicial. Daí a manutenção da eficácia
9. E o instituto do référé está inserido em da medida urgente.
vários dispositivos relativos aos poderes do E mais: a não formação de coisa julgada,
presidente do órgão colegiado responsável pela qual optou expressamente o PLS 166,
pelo julgamento. de 2010 (art. 293), serve como garantia con-
Ao tratar do procedimento monitório tra a perenização de soluções inadequadas
francês, Roger Perrot (1986, p. 719) lembra por indevida inércia do demandado, que,
que sua aplicação se restringe, justificada- por exemplo, tenha por qualquer razão
mente, aos casos em que o litígio é simples, perdido o prazo para impugnar a medida:
na medida em que não seria adequado esse a manutenção da eficácia da medida de
procedimento singelo para equacionar urgência concedida em caráter preparatório
conflitos complexos, que naturalmente ou antecedente não impedirá a discussão
exigiriam provas em maior amplitude e do direito, em cognição ampla e exauriente,
exame aprofundado por parte do órgão em ação autônoma.
judicial, com perda de rapidez e simplici- É oportuno lembrar que essa técnica
dade, que são as grandes vantagens desse – estabilização da tutela de urgência não
procedimento. impugnada – vem sendo preconizada,
A utilidade da manutenção da eficácia no direito brasileiro, há algum tempo.
dessas medidas, no Direito Francês, já fora Poucos anos atrás, o Instituto Brasileiro de
há muito reconhecida, afirmando a doutri- Direito Processual (IBDP) criou Comissão
na que frequentemente acabam se tornando composta pelos Professores Ada Pellegrini
definitivas, pois a parte contra a qual são Grinover, Kazuo Watanabe, José Roberto
deferidas acaba se conformando, deixando dos Santos Bedaque e Luiz Guilherme
de “contestá-las” em juízo. Isso acaba ser- Marinoni, voltada ao estudo do tema. Essa
vindo para aliviar a carga de trabalho dos Comissão elaborou Anteprojeto de Lei cuja
tribunais, com relação a um grande número finalidade era, precisamente, alterar dispo-
de litígios de menor importância que aca- sitivos do CPC em vigor, possibilitando a
bam sendo praticamente solucionados com estabilização das tutelas de urgência (para
a ordonnance expedida pelo presidente da mais detalhes sobre esse Anteprojeto: Cf.
Corte (JAPIOT, 1935, p. 597). BEDAQUE, 2005, p. 660-681).

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Na exposição de motivos desse An- 2010; (b) o art. 281, § 2o, do Substitutivo
teprojeto, a referida Comissão do IBDP aprovado no Senado reproduz o art. 288, §
assinalou que “a proposta de estabilização 2o, do PLS 166, de 2010; (c) o art. 283, § 2o, do
da tutela antecipada procura, em síntese, Substitutivo aprovado no Senado reproduz
tornar definitivo e suficiente o comando o art. 290, § 2o, do PLS 166, de 2010. Desses
estabelecido por ocasião da decisão an- dispositivos é possível extrair, em sua ple-
tecipatória (...). O que se pretende, por nitude, a viabilidade da estabilização dos
razões eminentemente pragmáticas – mas efeitos da medida urgente não impugnada
não destituídas de embasamento teórico pelo demandado.
–, é deixar que as próprias partes decidam
sobre a conveniência, ou não, da instau- 5. Retrocesso: a exclusão
ração, do prosseguimento da demanda e da tutela monitória
sua definição em termos tradicionais, com
atividades instrutórias das partes, cognição Houve, com a devida vênia, um retro-
plena e exauriente do juiz e a corresponden- cesso no Projeto de Novo CPC. Trata-se da
te sentença de mérito. Se o ponto definido exclusão da tutela monitória do seu texto.
na decisão antecipatória é o que as partes Não se desconhece a existência da crítica
efetivamente pretendiam e deixam isso cla- segundo a qual a tutela monitória, em nosso
ro por meio de atitude omissiva consistente sistema processual, não teria recebido por
em não propor a demanda que vise à sen- parte dos operadores do direito o mesmo
tença de mérito (...) tem-se por solucionado prestígio que recebeu em outros sistemas
o conflito existente entre as partes (...)” jurídicos.
(Exposição de Motivos do Anteprojeto de Nesse sentido, há quem afirme, utili-
Lei de Estabilização da Tutela Antecipada, zando expressão do dia a dia do foro, que
Elaborado por Comissão do IBDP composta a ação monitória “não pegou” no direito
por Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Wata- brasileiro. Seu desprestígio decorreria de
nane, José Roberto dos Santos Bedaque e problema de natureza cultural, associado
Luiz Guilherme Marinoni. Disponível em ao excessivo espírito litigioso que anima
<http://www.direitoprocessual.org.br>. nosso povo, constatado, de forma empírica,
Acesso em 31 jan. 2011). pelo sempre crescente número de processos
Essa solução – estabilização dos efeitos que chegam ao Poder Judiciário, em todas
da tutela concedida antecipadamente – as suas instâncias, bem como pelo hábito de
também foi sustentada em densa elabora- recorrer “sempre e até o fim”, que estaria
ção de Edoardo Ricci (1997, p. 791 et seq.), presente no cidadão que litiga em juízo,
como recorda a Exposição de Motivos do mesmo quando ele sabe que não tem razão.
Anteprojeto do IBDP acima referida. Honestamente, e com o devido respeito,
Positiva, portanto, essa inovação. acreditamos que não seja possível concor-
Anote-se, entretanto, que no texto do dar com tais afirmações, ou, ao contrário,
Substitutivo do Senador Valter Pereira, rechaçá-las veementemente, por uma sim-
aprovado no Senado Federal, não foi re- ples razão: salvo engano de nossa parte,
produzido o art. 293 do PLS 166, de 2010, elas não partem de nenhum levantamento
que explicitava, de forma absolutamente específico, de ordem estatística, capaz de
categórica, a possibilidade de estabilização demonstrar que a ação monitória tenha
do provimento judicial que conceder medi- de fato recebido no Brasil maior ou menor
das de urgência. prestígio do que recebeu em outros países.
Contudo, pondere-se que: (a) o art. 280, Não se passa aqui, ao que tudo indica,
§ 1o, do Substitutivo aprovado no Senado, do terreno das impressões pessoais (e,
reproduz o art. 287, § 1o, do PLS 166, de portanto, absolutamente subjetivas), que

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apresentam conformidade ao maior ou de resistência por parte do demandado que
menor apreço do comentador ou crítico sabe que não tem razão. Além disso, exer-
pelo instituto. cem a mesma função operacional: obtenção
De nossa parte, acreditamos que mais da utilidade prática do processo, ou seja,
adequada teria sido a manutenção da ação a proteção do bem da vida, sem a neces-
monitória no texto do Projeto de Novo CPC sidade de utilização do processo de tipo
por mais de uma razão. ordinário, em cognição plena e exauriente,
Primeiro, porque se trata de instituto e necessidade de julgamento do mérito.
arraigado, com grande utilidade e proveito Aliás, não foi por outra razão que
prático em sistemas que tradicionalmente Ovídio A. Baptista da Silva (1996, p. 135)
têm fornecido bons subsídios para o brasi- chegou a considerar as tutelas antecipadas
leiro, como o francês, o italiano, o alemão. uma “modalidade de processo monitório
Segundo, por se tratar de instituto genérico, virtualmente para todas as ações
tradicionalmente adotado no direito luso- do processo de conhecimento”.
-brasileiro, desde as Ordenações do Reino, A intenção do Projeto de Novo CPC,
passando pelo Regulamento 737, no ante- como se sabe, foi simplificar, eliminando
cedente remoto da “ação de assinação de formalidades e dualidades prejudiciais à
prazo de dez dias ou decendiária”. Essa interpretação e à aplicação da lei processu-
modalidade de demanda esteve presen- al. Mas manter a ação monitória não traria
te, para maior precisão, nas Ordenações prejuízo algum, fornecendo mais uma
Manuelinas (Livro III, Título 16), nas Or- alternativa de tutela diferenciada ao de-
denações Filipinas (Livro III, Título 25), no mandante que possua prova documental,
Regulamento 737, de 1850 (art. 246 a 267). preservando, ademais, a hipótese mais tí-
Lembra ainda José Rogério Cruz e Tucci pica e característica dessa técnica de tutela,
(1997, p. 39) que, na época da “dualidade consistente na solução de litígios mediante
legislativa” em matéria processual, a “ação procedimentos ágeis e de cognição restrita.
decendiária” sobreviveu em alguns códigos
de processo estaduais, como no Código 6. Conclusões e sugestões
do Estado de São Paulo e no Código de
Processo da Bahia, embora não tenha sido A tutela jurisdicional diferenciada ocu-
prevista, entretanto, no Código de Processo pa espaço fundamental no processo civil
Civil de 1939 (Decreto-Lei 1.608, de 18 de moderno, e seu emprego revela a busca
setembro de 1939). do aperfeiçoamento da técnica processual
Por último e não menos importante, há em prol da realização do direito material.
uma razão de ordem lógica a justificar a O Projeto de Novo CPC, bem como o seu
manutenção da ação monitória. Substitutivo aprovado no Senado Federal,
É um contrassenso o Projeto de Novo investe nessa premissa ao conferir melhor
CPC e o Substitutivo aprovado no Senado sistematização às tutelas sumárias urgentes
preverem a possibilidade de estabilização (medidas conservativas e antecipatórias) e
dos efeitos das medidas de urgência e ex- à denominada tutela da evidência, permi-
tirparem do seu texto a ação monitória. E tindo a estabilização dos seus efeitos nos
essa afirmação parte de uma constatação casos de não oferecimento de resistência
singela, e que não exige maior esforço. por parte do demandado.
É que, embora a estabilização dos efeitos Seria importante, entretanto, que não
das medidas de urgência não se confunda fosse excluída do sistema processual a ação
com a ação monitória, essas técnicas são monitória. Ela incorpora, por excelência, to-
análogas, e partem da mesma premissa dos os elementos que integram a concepção
prática: possibilidade de não oferecimento da tutela diferenciada, e não há nenhum le-

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vantamento concreto e seguro a demonstrar ______. Regime jurídico das medidas urgentes. In:
que sua inserção no CPC em vigor tenha ______. Nova era do processo civil. São Paulo: Malhei-
ros, 2003.
sido uma má escolha do legislador.
Ademais, se o Projeto de Novo CPC FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela da evidência. São
procura incrementar a tutela diferenciada, Paulo: Saraiva, 1996.
prevendo a possibilidade de estabilização GARBAGNATI, Edoardo. I procedimenti d’ingiunzione
dos efeitos da tutela da evidência e das e per convalida di sfratto. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1970.
tutelas de urgência, por coerência deveria JAPIOT, René. Traité élémentaire de procédure civile et
também ser mantida no sistema a ação commerciale. 3. ed. Paris: Librairie Arthur Rousseau,
monitória, que é caminho alternativo para 1935.
alcançar o mesmo fim. LEONEL, Ricardo de Barros. Tutela jurisdicional diferen-
ciada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
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