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História Econômica

Geral e do Brasil

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo

São Cristóvão/SE
2011
Lourival Santana Santos
Ruy Belém de Araújo
Elaboração de Conteúdo
Maria Matildes dos Santos

Projeto Gráfico e Capa


Hermeson Alves de Menezes

Diagramação
Neverton Correia da Silva

Ilustração
Gerri Sherlock Aráujo

Revisão
Edvar Freire Caetano
Flávia Ferreira da Silva Rocha

Copyright © 2011, Universidade Federal de Sergipe / CESAD.


Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada
por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia
autorização por escrito da UFS.

Ficha catalográfica produzida pela Biblioteca Central


Universidade Federal de Sergipe

Santos, Lourival Santana.


S237 História econômica geral e do Brasil / Lourival Santana
Santos, Ruy Belém de Araújo -- São Cristóvão: Universidade
Federal de Sergipe, CESAD, 2011.

1. Economia. 2. História econômica I. Araújo, Ruy Belém de.


II. Titulo.

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Sumário

Introdução à história econômica........................................................ 07

AULA 1
A gênese do modo de produção capitalista........................................11

AULA 2
A gênese do pensamento liberal........................................................ 25

AULA 3
A Revolução Industrial........................................................................ 35

AULA 4
Capitalismo concorrencial.................................................................. 51

AULA 5
Capitalista entre Guerras (1914 e 1945)............................................ 63

AULA 6
A era de ouro do capitalismo.............................................................. 77

AULA 7
Economia colonial I...............................................................................91

AULA 8
Economia colonial II......................................................................... 109

AULA 9
Café e a industrialização brasileira.................................................. 123

AULA 10
Aspectos recentes da economia brasileira....................................... 135
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA ECONÔMICA
Caro aluno ou querida aluna; a História Econômica é a disciplina que
tem como objetivo estudar os diferentes processos de produção criados
pelos homens na busca incessante de sua sobrevivência. O estudo sobre
os processos de produção tem como base a concepção de que a atividade
econômica acontece articulada com as demais atividades humanas: política,
cultural, jurídica, pois, como demonstrou Witold Kula, o fato econômico
não se resume nele próprio, não acontece independente, mas sim, em meio
às demais manifestações sociais. Às vezes, fatore extra-econômicos deter-
minam os atos econômicos. Por isso, o curso que iniciamos hoje requer
um diálogo cotidiano com o conhecimento adquirido em outras disciplinas
ou fora delas.
Todos nós temos clareza de que a sobrevivência da espécie humana
materializa-se pelo trabalho realizado socialmente sobre a natureza, voltado à
produção de alimentos, bens e serviços. Para reproduzir as condições de sobre-
vivência o homem atua sobre a natureza, transformando-a e, ao mesmo tempo,
transformando-se. Nessa operação os homens estabelecem relações entre os
membros da sua espécie para efetuar a produção e a distribuição dos bens.
Ao longo da história da humanidade, a atividade econômica (produção,
circulação e consumo) não se reduziu ao ato físico desprendido pelo ser
humano. Ela envolve o esforço intelectual para a sua realização, expresso
na técnica, na tecnologia e nas formas de regulação. A atividade econômica
constitui a infraestrutura de uma formação social.
O mode de produção movimenta-se articulado dialeticamente com
a superestrutura, instância onde se concentram as atividades referentes à
política, à justiça e à ideologia/cultura. A conjunção dialética entre a infra-
estrutura e o modo de produção forma a totalidade de uma formação
social. Portanto, para a compreensão das transformações ocorridas na Ver glossário no
infra-estrutura, ou modo de produção, é necessário fazer menções sobre final da Aula
as estruturas política, jurídica e ideológica, pois elas garantem a forma de
propriedade, a legalidade e a justificação do modo de produção.
O modo de produção de uma formação social materializa-se através
da combinação entre as forças produtivas e a relação social de produção.
As forças produtivas são constituídas pela força de trabalho (energia gasta
pelo ser humano na realização do trabalho), mais os instrumentos de trabalho
(equipamentos utilizados na transformação da matéria-prima: pá, uma enxada,
um computador, uma fábrica etc.) e os meios de produção (matéria-prima a
ser transformada: a terra, uma corrente de água, um mineral etc.).
A relação social de produção refere-se à relação entre os trabalhadores,
os instrumentos e os meios de produção. As relações sociais de produção
refletem o modelo de propriedade dominante em um modo de produção. Ela
pode ser coletiva, como na economia natural praticada pelas comunidades
indígenas do Brasil, ou privada, como no capitalismo. A conjunção dialé-
tica estabelecida entre as forças produtivas e a relação social de produção
qualifica o modo de produção dominante em uma formação social.
Os estudos sobre a história da humanidade têm demonstrado a ocor-
rência de vários modos de produção, sugerindo que os mais conhecidos
são: modo de produção primitivo, modo de produção capitalista, modo de
produção feudal, modo de produção escravista antigo, modo de produção
escravista moderno e o modo de produção socialista. Uma formação social
Ver glossário no e econômica, geralmente, constitui-se através da combinação de vários
final da Aula modos de produção, sendo que um é dominante.

Figura 1 - Cena do filme Tempos Modernos - EUA, 1936 -


Charles Chaplin (Fonte: http://alfazema13.spaces.live.com).

A reflexão sobre a História Econômica tem carregado uma tradição


de indicar a atividade econômica como sendo a atividade motora do de-
senvolvimento da humanidade. Essa tradição teve ínicio no século XIX, a
partir de alguns argumentos sugeridos pela Escola Clássica Liberal, e foi
reforçada pela versão economicista do Materialismo Histórico. A tradição
de colocar a economia como a atividade motora do desenvolvimento na
humanidade não encontra muito amparo na academia, hoje, pois, como
sugere Eric Hobsbawm (1998), nem sempre o movimento da história,
Ver glossário no ou da própria economia, pode ser decorrente unicamente do econômico.
final da Aula A visão economicista sempre se apresenta acoplada à idéia de que o
desenvolvimento da humanidade obedece “leis gerais”, e que, por isso,
todas as sociedades devem apresentar as mesmas etapas em sua evolução.
Dessa compreensão decorre uma visão linear e mecânica da evolução da
humanidade, baseada na idealização de que as sociedades percorreram uma
mesma sequência de modo de produção, que vai da linha reta do modo
de produção primitivo, modo de produção escravista, modo de produção
feudal, modo capitalista, terminando no modo de produção socialista.
A visão unilinear e mecanicista do desenvolvimento econômico de uma
formação não leva em consideração que os agentes envolvidos no processo e as
condições geográficas, políticas, ideológicas e econômicas impõem a cadência e
a natureza das transformações implicando desigualdade dos processos econômi-
cos (NOVAC, 1988). Pois o desenvolvimento histórico é de “natureza mista e
combinada” em virtude da interação com a evolução de outras formações sociais
e com o seu passado histórico. Hobsbawm sintetiza esta compreensão citando
Karl Marx, através da seguinte frase: “os homens fazem sua própria história,
mas não conforme a sua escolha, sob circunstâncias diretamente encontradas,
dadas e transmitidas do passado.” (HOBSBAWM, 1998, p. 182).
Para exemplificar o desenvolvimento desigual e combinado é válido
chamar a atenção para o caso brasileiro, em que o capitalismo não se insti-
tuiu a partir da transformação das organizações sociais passadas, como na
Inglaterra, mas sim através da expansão comercial européia.

REFERÊNCIAS

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.(*)
HOBSBAWM. Eric J. Sobre História. São Paulo: Ed. Companhia das Letras.
REZENDE, Cyro. Economia brasileira contemporânea. São Paulo:
Ed. Contexto, 1999.
SANDRONI, Paulo (org.). Novo Dicionário de Economia. São Paulo:
Ed. Best Sellers, 1994.
SINGER, Paul. O que é Economia. São Paulo: Ed. Contexto, 1998.(*)

GLÓSSARIO

Totalidade: Categoria de análise que indica que uma realidade social se estabelece
através da articulação dialética entre as atividades humanas. E que, para entender
um aspecto da realidade devemos fazer uma relação com o conjunto das entrâncias
que compõem uma formação social.

Form. social e econômica: Categoria de análise que serve para designar uma
realidade social concreta, constituída pela articulação de diferenciados modos de
produção, sendo que um se coloca como dominante.

Eric Hobsbawm: Históriador marxista inglês, autor dos livros:


A Era das Revoluções; A Era dos Impérios; A Era dos Capitais;
A Era dos Extremos: o breve século XXI.
Aula 1
A GÊNESE DO MODO DE
PRODUÇÃO CAPITALISTA

META
Discutir aspectos constituintes da chamada “acumulação primitiva”.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Conceituar a acumulação primitiva;
Identificar os processos não econômicos possibilitadores da realização da acumulação primitiva;
Reconhecer que as transformações econômicas se processam de forma desigual e combinadas.

PRÉ-REQUISITOS
Informar-se sobre os descobrimentos geográficos realizados pelos europeus ocidentais a partir do
século XIV, procurando identificar as principais rotas comerciais decorrentes.

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO

Nos séculos XVI, XVII e XVIII, na Europa ocidental, ocorreram várias


transformações de ordem econômica, política, social e ideológico-cultural
que possibilitaram as condições para que se realizasse, no século XIX, pri-
meiramente na Inglaterra, a Revolução Industrial, base da consolidação do
capitalismo como modo de produção dominante mundialmente. Os três
séculos de transformação foram rotulados por Adam Smith como a época
da “acumulação prévia”. Este conceito foi absorvido por Karl Marx que
dedicou um capítulo nomeado O Segredo da Acumulação Primitiva, parte do
livro O Capital – A Crítica à Economia Política.
Sobre o mesmo tema, trabalho mais recente foi escrito por Fernand
Braudel: Civilização Material, Econômica e Capitalismo século XV – XVIII.
Os três estudos sobre os séculos partem do entendimento de que, para
ocorrer a consolidação do capitalismo como sistema de produção domi-
nante, foi necessário realizar uma acumulação prévia, diferente da que se
realiza no capitalismo. Porém, a semelhança entre esses três estudos quanto
à existência da acumulação primitiva se distancia quando tratam de explicar
a natureza do processo.
É com a intenção de entender a “acumulação primitiva” que traçamos
o objetivo da desta aula.

GÊNESE
Divergindo das explicações dominantes apresentadas pe-los pensadores
econômicos de sua época (século XIX), sobre a origem das riquezas, Karl
Marx apresentou a tese fundamentada no entendimento de que a acumulação
de riqueza é um produto social e não fruto da individualidade da natureza
humana. Para ele, portanto, a origem da acumulação deveria ser buscada em
sua historicidade, ou seja, através de uma reflexão que observe as relações
construídas pelos humanos em um determinado tempo e lugar, que criaram
as condições para que ela (acumulação) ocorresse.
Na defesa de sua tese, Karl Marx afirmou que a naturalização da gênese
da acumulação primitiva de capital, defendida pela Economia Clássica, tem
como pretensão mistificar a origem real da acumulação e, portanto, não
teria as condições para responder ao fenômeno social, que aponta para o
enriquecimento de poucos e a miséria de muitos.
Por assim entender, Marx, ironicamente, titulou o texto que analisa
a gênese da acumulação de O Segredo da Acumulação Primitiva. No texto, o
autor procurou responder à seguinte pergunta: por que existe, de um lado
“grupo de compradores que possuem terras, matérias-primas e meios de
vida, coisas que, afora a terra virgem, são outros tantos produtos do trabalho;

12
A gênese do modo de produção capitalista Aula 1
e, de outro, um grupo de vendedores que nada tem para além de sua força
de trabalho, seus braços laboriosos e seus cérebros”(MARX, 1998, p.28).

Figura 2 - Mapa político da Europa ocidental(Fonte: http://www.europa-mapas.com).

Na construção de sua resposta, Marx, centrado na análise do caso inglês,


afirmou que a acumulação primitiva foi a condição estabelecida historica-
mente para a formação do capitalismo, materializada pelas transformações
que ocorreram no setor agrário, na oficina artesanal e no setor comercial. Figura 3 - Capa do
A transformação no agrário adveio da ocorrência de dois processos Manifesto Comunista,
publicada em 1848, em
que aconteceram combinados: um que contribuiu para a formação de um Londres
pequeno grupo de pessoas, proprietário de grande volume de recursos (Fonte: Martin Claret,
(dinheiro, metais preciosos e meios de produção) - os burgueses. O outro, 1985, p. 47).

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História Econômica Geral e do Brasil

que provocou a formação de um grande grupo de pessoas desabonadas,


possuidoras, unicamente, de sua força de trabalho, obrigadas a se colocar
à disposição, através da venda, para os senhores da terra e donos de manu-
faturas - os trabalhadores livres.
A relação mercantil de exploração estabelecida entre o burguês e o
trabalhador livre foi condição fundamental para a existência do desen-
volvimento do capitalismo. Por isso, é desvendando a origem da burguesia
e do trabalhador livre que encontramos a chave do entendimento da acu-
mulação primitiva ou originária, condição viabilizadora da longa jornada
para o capitalismo.
A origem do proprietário dos instrumentos e dos meios de produção
e do trabalhador livre está situada no processo de decomposição do modo
de produção feudal, quando acontecimentos impuseram o rompimento da
relação de produção servil. Está situada no processo em que o trabalha-
dor (o servo) deixa de ser adstrito à gleba (preso a terra), proprietário dos
instrumentos de trabalho e organizador do processo produtivo, passando
a ter como única propriedade a sua força de trabalho e o “direito” de se
colocar “livremente” diante o mercado.
Na Inglaterra, o processo de despojamento do camponês medieval
teve como centro o movimento das enclosures (cercamentos), ocorrido
a partir do século XII e concluído durante a época Cromwel, no século
XVII. Os cercamentos consistiam no desmonte da estrutura agrária feudal
através da eliminação da parte da propriedade destinada ao uso pela família
camponesa e a eliminação dos pastos e campos comunais, que se tornaram
propriedade privada do landlords (senhor da terra, latifundiário).
O desmonte da propriedade agrária feudal foi acompanhado pela
mudança do produto e de sua destinação, pois a unidade de produção
deixou de priorizar o fornecimento de alimentos dirigidos à subsistência e
concentrou-se na busca da auto-suficiência para produzir mercadoria para
as manufaturas das cidades. Nesse processo, o trigo, a cevada e o centeio
deram lugar à ovelha fornecedora de matéria-prima da lã. Enquanto isso, a
propriedade da terra cedia o lugar à propriedade capitalista, em formação.
Tudo isso resultou na maciça migração dos antigos habitantes rurais para as
cidades, sendo em parte absorvidos como força de trabalho, outros foram
forçados a se tornarem ladrões, assassinos etc. Dados da época indicam
que durante o feudalismo mais de 90% da população viviam no campo e
do campo.
A ocorrência do cercamento provocou inúmeras revoltas dos cam-
poneses, forçando a edição, pelo rei, de legislação que buscava amenizar a
violência da expropriação camponesa, seguindo a lógica da realeza, preocu-
pada em como a rapidez e a amplitude dos cercamentos poderiam debilitar
o seu poder absoluto, pois as constantes revoltas camponesas colocavam
em risco a continuidades de seus apoiadores.

14
A gênese do modo de produção capitalista Aula 1
Porém, o poder dos interessados na transformação do campo (pequena
nobreza rural e comerciantes) impôs a sua vontade e, através da violência,
moveu a expulsão do trabalhador camponês. Ao mesmo tempo em que o
cercamento desabonava o camponês, possibilitando
a formação de uma classe de trabalhadores livres,
contribuía para o surgimento de uma classe de pro-
prietários de terra voltados para aquisição de riqueza
por meio da circulação de mercadoria.
Esse processo, que testemunhos da época
demonstram que não foi pacífico, nem idílico, fez
Karl Marx expressar a seguinte sentença: “o capital,
ao surgir, escorreu-lhe sangue e sujeira por todos os
poros, da cabeça aos pés” (MARX, 1998, p. 874).
Concomitante e combinado com a formação
do “trabalhador livre” e do burguês proprietário co-
merciante, estavam em andamento transformações
políticas na Europa ocidental (Inglaterra, Portugal,
Espanha, Países Baixos e a França), sociais, ideológicas
e de conhecimento, que se manifestaram através da
formação do Estado nacional moderno absolutista;
renascimento cultural e científico; a crise de hege-
Figura 4 - Luís XIV (Fonte: http://i133.photo-
monia da Igreja Católica com a reforma protestante bucket.com).
e autonomia dos estados nacionais; constituição de
nova ideologia justificadora das novas relações; as expansões marítimas,
territoriais e comerciais provenientes dos descobrimentos e da colonização.
O Estado nacional teve um papel fundamental para criar as condições
política, jurídica e militar favoráveis à formação do capitalismo. O poder
responsável pela edição e aplicação de leis que regulamentaram as atividades
econômicas, a consolidação de uma nova concepção de mundo, que justi-
ficasse e legitimasse o enriquecimento oriundo dos juros, o que desmontou
o discurso emanado da Igreja Católica medieval.
A formação do estado nacional está articulada à necessidade de setores
da nobreza e dos grandes comerciantes que viam no desenvolvimento da
economia, através do comércio, o meio de subsidiar o fortalecimento do
Estado, necessário para criar as condições viabilizadoras do comércio.

Foi nessa perspectiva que o Estado nacional absolutista adotou uma


“política econômica” centrada na idéia de que o enriquecimento
do príncipe (Estado) e dos proprietários comerciantes viria de uma
postura estatal que criasse impedimento para a “saída de metais
preciosos, através da proibição de sua saída e da limitação das
importações; facilitar a entrada deles, encorajamento as exportações
do que não é necessário no reino; tanto uma como a outra levam
ao encorajamento das produções nacionais. (....). Está aberto o

15
História Econômica Geral e do Brasil

caminho para a idéia segundo a riqueza do reino assenta-se sobre


a dos mercados e de seus manufatureiros.” (BEAUD, 1987, p. 26).

Essa política ficou conhecida como Mercantilismo, pois sua lógica


colocava o mercado, subordinado às determinações do Estado, como um
elemento fornecedor de dividendos.
O enriquecimento e fortalecimento do Estado e da burguesia comercial
encontraram respaldo na expansão comercial movida pelos descobrimentos,
conquistas e pelo sistema colonial ocorrido a partir do século XVI, que se
viabiliza através da pirataria, da pilhagem, do genocídio e do escravismo.

Segundo Michel Beaud:

Monarcas ávidos de grandezas e de riquezas, Estado


lutando pela supremacia, mercadores e banqueiros
encorajados ao enriquecimento: são estas as forças que
promoverão o comércio, as conquistas e as guerras,
sistematizarão a pilhagem, organizarão o tráfico de
escravos, prenderão os vagabundos para obrigá-los a
trabalhar (BEAUD, 1987, p. 40).

A política mercantilista apresentou-se dife-


renciada no tempo, na forma e no conteúdo,
pois ela refletia as condições econômica, social e
política de cada nação. Porém, apesar da diversi-
dade, ela apresentou um traço em comum entre as
variáveis mercantilistas, que foi a tese da “balança
comercial favorável”, que se expressava na idéia
de que, para acumular riquezas, o Estado deveria
dirigir sua economia na perspectiva de exportar
(vender) mais e importar (comprar) o mínimo.
Para isso, era necessária uma atitude protecionista
Figura 5 - Elizabeth I (Fonte: http://upload.wikimedia.org).
por parte de um Estado centralizado e forte.
Na Espanha, o auge do desenvolvimento do mercantilismo ocorreu no
século XVI, baseado na idéia de que a riqueza do reino era decorrente da
concentração de metais preciosos pelo Estado, prática que ficou conhecida
como metalista ou como bullionismo. A política mercantilista espanhola foi
decorrente, principalmente, da riqueza em metais preciosos, já trabalhados,
roubados das populações astecas, maias e incas.
No século XVII, o mercan- tilismo na Inglaterra, Países Baixos (hoje
Holanda e Bélgica) e França desenvolveu-se dentro do entendimento de que
a política da banca comercial favorável teria como foco central a circulação
de mercadoria articulada ao crescimento das atividades manufatureiras.

16
A gênese do modo de produção capitalista Aula 1

Figura 6 - Feira em uma cidade medieval


(Fonte: http://www.aticaeducacional.com.br).

A política mercantilista teve como elemento central a montagem do


sistema colonial baseado na relação de exclusividade, que consistia no es-
tabelecimento de monopólio exercido pela metrópole sobre a colônia, que
tinha a função de produzir especiarias e consumir produtos originários na
metrópole.
Mas, à medida que o sistema mercantilista evoluiu a colônia passou a
ser considerada não como uma fonte de especiaria,
mas também uma região consumidora dos produtos
metropolitanos, situação que favoreceu o desenvolvi-
mento da manufatura européia.
Em síntese, a política mercantil demonstra a
ligação estreita entre o interesse de uma centraliza-
ção política - a formação do Estado Moderno -, e a
constituição de condições que propiciam a expansão
da atividade comercial resultante das descobertas.
Ambos os processos, o político e o econômico,
nascidos em um mesmo contexto histórico, desen-
volveram-se viabilizando um ao outro. E dificilmente
vingariam sem a combinação entre si.
O desenvolvimento da política mercantilista pelo
Estado Moderno, na Inglaterra, deu-se centrado na
expansão do comércio externo apoiado em uma Figura 7 - Oliver Cromwell (Fonte: http://www.
art-prints-on-demand.com).

17
História Econômica Geral e do Brasil

política agressiva de conquista e do controle marítimo, através da prática


da pirataria e da guerra com outras potências mercantilistas – Espanha e
Holanda -, na busca do controle radical sobre o comércio marítimo. Foi para
materializar a intenção política dos comerciantes ingleses que foi editado
pelo “lorde protetor” Oliver Cromwell, em 1651, o Ato de Navegação.
A política voltada ao comércio externo
desenvolvida pelo Estado Mercantilista
inglês atuou articulada ao incentivo à expan-
são das manufaturas nacionais, através da
definição que as colônias inglesas deveriam
se tornar consumidoras dos produtos trans-
formados na metrópole do império.
A política transformaria a Inglaterra,
tanto que, por volta do ano de 1640, triplica
a produção de hulha (carvão mineral) e se
espalha por determinadas regiões do solo in-
glês: “Altos fornos, fundições com grandes
martelos de água, fábricas de alúmem e
de papel empregam várias centenas de
operários; mercadores e fabricantes de
têxteis fazem trabalhar várias centenas, por
Figura 8 - Réplica das caravelas que descobriram a América vezes milhares, de fiandeiros ou de tecelões
(Fonte: http://www.novomilenio.inf.br).
a domicílio. A burguesia, que promove esse
desenvolvimento comercial e manufatureiro, necessita de encorajarmento
e de proteção ao mesmo tempo” (BEAUD, 1987, p. 39).
À medida que se desenvolvia, a manufatura aprofundou a submissão
do artesão em relação ao “comerciante manufatureiro”, ao tempo em que
possuidores de capital (dinheiro) e controladores do mercado passaram,
paulatinamente, a determinar as etapas do processo de produção. O antigo
artesão perde a propriedade dos meios de produção, instrumento de tra-
balho, a definição do que produzir, como produzir, para onde produzir e,
por fim, em resumo, perde o controle sobre o seu tempo.
O novo ciclo de expansão comercial europeu, assentado na expansão
marítima e territorial, a partir do final do século XV e durante o século XVI,
apresenta distorções em relação aos ciclos de expansão comercial ocorridos
em períodos anteriores em estudo, por incorporar o uso de novos conhe-
cimentos e instrumentos náuticos para exploração dos mares, oceanos e
terras, antes pouco freqüentados ou desconhecidos, implicando na perda
da centralidade da circulação de mercadoria do Mar Mediterrâneo para o
Oceano Atlântico, principalmente.
A mudança contribuiu para a decadência dos centros comerciais que
se desenvolveram durante a Antigüidade greco-romana e durante a Idade
Média à margem do Mediterrâneo, em favorecimento das cidades localizadas

18
A gênese do modo de produção capitalista Aula 1
na beirada do Atlântico. Esse fato foi tão significativo para a humanidade
que levou o experiente historiador Eric Hobsbawm a fazer o seguinte co-
mentário: “Pela primeira vez na história, o Mediterrâneo deixou de ser o
mais importante centro de influencia econômica, política, e, eventualmente,
cultural, para transformar-se num lamaçal empobrecido” (HOBSBAWM,
1979, p. 9).
Outra distorção, presente na expansão marítima, territorial e comercial
européias, ampliada no século XVI e séculos posteriores, apresentou-se no
fornecimento aos manipuladores de riquezas (realeza, banqueiros e mer-
cadores-burgueses) de um enorme fluxo de mercadorias de primeira linha,
como o ouro e a prata (já tratados, significando economia com investimento
em sua produção). Isso sem falar das especiarias, da retomada intensiva
do escravismo (tráfico negreiro e força de trabalho) e da possibilidade de
organização de novo processo produtivo e nova cultura, como a realizada
no Brasil através da agroindústria da cana de açúcar.

Figura 9 - Mapa representando as rotas das grandes navegações durante o século XVI.
(Fonte: ARRUDA, José Jobson de. Toda a História. 8 ed., São Paulo: Ática, 2000, p. 178).

Todas as transformações ocorridas no econômico passaram a ser ex-


plicadas e justificadas por nova concepção ideológica que se alicerçou na
crença do humanismo, do individualismo e de que a riqueza oriunda do
comércio dos juros era lícita e abençoada por Deus.

19
História Econômica Geral e do Brasil

ATIVIDADES

Defina o que foi acumulação primitiva;


Relacione o movimento do cercamento com a formação da relação de
produção capitalista;
Descreva a conseqüência da criação da manufatura para acumulação primitiva;
Discrimine as consequências geográficas trazidas pelos descobrimentos
ocorridos no século XVI;
Cite as principais características do mercantilismo;
Relacione a formação do Estado Moderno com a expansão comercial;
Leia e comente o texto abaixo:

A nobreza e a lacaiada não são as únicas causas dos assaltos e roubos


que vos deixam desolado; há uma exclusivamente peculiar à vossa
ilha. (...) Os inumeráveis rebanhos de carneiros que cobrem hoje a
Inglaterra. Estes animais, tão dóceis e tão sóbrios em qualquer outra
parte, são entre vós de tal sorte vorazes e ferozes que devoram mesmo
homens e despovoam os campos, as casas, as aldeias.
De fato, a todos os pontos do reino, onde se recolhe a lã mais fina e
mais preciosa, ocorrem, em disputa do terreno, os nobres, os ricos
e até santos abades. Essa pobre gente não se satisfaz com rendas,
benefícios e rendimentos de suas terras; não está satisfeita de viver
no meio da ociosidade e dos prazeres, às expensas do público e sem
proveito para o Estado. Eles subtraem vastos tratados de terra da
agricultura e os convertem em pastagens; abatem as casas, as aldeias,
deixando apenas o templo para servir de estábulo para os carneiros.
Transformam em desertos os lugares povoados e mais cultivados.
Temem, sem dúvida, que não haja bastantes parques e bosques e que
o solo venha a faltar para os animais selvagens (trecho retirado da
obra de Thomas More, A Utopia, escrito no ano de 1516, durante o
reinado de Henrique VIII, na Inglaterra) (MORE, 1972, p. 176-177).

20
A gênese do modo de produção capitalista Aula 1
COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

A acumulação primitiva é originária da desintegração da estrutura


agrária feudal através dos cercamentos, que foi a condição básica para
o surgimento das relações de produção características do capitalismo,
a saber: a superação da produção artesanal para a manufaturada e
a expansão da circulação de mercadorias. A acumulação primitiva
aconteceu articulada à formação do Estado moderno, à fragilização
do poder da Igreja Católica; no momento dos descobrimentos, da
colonização, dos renascimentos cultural e científico e da aceitação da
idéia de que a riqueza proveniente do comércio e dos juros é legal e
legítima, e até abençoada por Deus.

A atividade comercial pré-capitalista aconteceu, principalmente,


na relação de uma comunidade com outra comunidade. Ela é
prioritariamente externa.

AUTO-AVALIAÇÃO

Será que, de fato, eu assimilei todo o processo evolutivo dos modos de


produção, até à formação do capitalismo?

CONCLUSÃO

Em suma, a chamada “acumulação primitiva” atuou articuladamente


com diversos processos de transformações durante os primeiros momen-
tos da “longa marcha” para o desenvolvimento do capitalismo na Europa
Ocidental, materializada na desorganização do modo de produção feudal
via a expropriação do camponês europeu pelo movimento de cercamento
articulado.
As descobertas de ouro e de prata na América, o extermínio, a escraviza-
ção das populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas,
o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais e a transformação da
África num vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que
marcam os albores da era da produção capitalista (MARX, 1998, p. 864).
Assim, como bem observou Karl Marx, a história do capitalismo desde
o seu nascedouro, “foi escrita a sangue e fogo” (MARX, 1998, p. 829).
Porém, a longa marcha para o capitalismo no século XVII encontrou
dificuldade para seguir o seu rumo. Este assunto será tratado na próxima aula.

21
História Econômica Geral e do Brasil

RESUMO

A acumulação primitiva está inserida na época da transição do feudalismo


(séculos XVI, XVII e XVIII) para o capitalismo e consistiu na desarticulação
da unidade produtiva feudal, através do processo de expropriação do cam-
ponês, que se transformou em trabalhador livre, e na concentração de riquezas
(dinheiro, instrumentos e meios de produção) nas mãos de um pequeno
número de proprietários (os burgueses). No surgimento das manufaturas
e na ampliação das atividades mercantis, que proporcionaram a formação
do capital comercial.
A acumulação originária processou-se articulada às transformações
políticas, sociais, ideológicas e econômicas, que ocorreram em algumas
regiões da Europa, em especial na Inglaterra, entre as quais citamos a for-
mação do Estado Moderno Absolutista, a Expansão Comercial, a Reforma
Protestante, o Renascimento Cultural e Científico e o Colonialismo.

PRÓXIMA AULA

A gênese do pensamento liberal.

REFERÊNCIAS

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
BEAUD, Michel. História do Capitalismo: de 1500 aos nossos dias. São
Paulo: Editora Brasileiense, 1981.
DOBB, Maurice. A evolução do Capitalismo. 7 ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1980.
HOBSBAWM, Eric. As origens da Revolução Industrial. São Paulo:
Global Editora, 1979.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 17 ed. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1981.
MARX, Karl, O Capital: critica a Economia Política. RJ: Editora Civilização
Brasiliense, ed. 16ª, V. II, 1998.
MORE, Thomas. A Utopia. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1972.
Coleção os Pensadores, V. X.

22
A gênese do modo de produção capitalista Aula 1
NOVAC, George. A lei do desenvolvimento desigual e combinado da
sociedade. São Paulo: Dag. Gráfica e Editorial LTDA., 1988.
OHLWEILER, Otto Alcides. Materialismo Histórico e crise contem-
porânea. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
SWEEZY, Paul et al. A transição do feudalismo para o capitalismo. 3
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

23
Aula 2
A GÊNESE DO PENSAMENTO LIBERAL

META
Apresentar a gênese do pensamento liberal: a justificativa ideológica do capitalismo.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Identificar as fontes do pensamento de oposição ao mercantilismo e ao absolutismo;
Reconhecer que a transformação econômica ocorrida nos séculos XVI, XVII e XVIII foi acompanhada
por mudanças no conhecimento e na ideologia;
Relacionar os princípios básicos do renascimento e do iluminismo que forneceram elementos para o
pensamento liberal clássico;
Conceituar o liberalismo;
Relacionar a ideologia liberal com as transformações econômicas ocorridas no século XVII.

PRÉ-REQUISITOS
Procurar informações sobre os movimentos renascentista, iluminista e as revoluções liberais ocorridas
nos séculos XVII e XVIII.

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO

As transformações econômicas e sociais ocorridas nos séculos XVI,


XVII e XVIII aconteceram imbricadas a concepções de mundo, idéias e
pensamentos formuladores de críticas contundentes ao mercantilismo, à
ética católica e ao absolutismo. Foram, ainda, propulsoras de uma nova
ideologia justificadora das relações sociais, políticas e econômicas que es-
tava em gestação. Essa ideologia se respaldava na justificativa da exploração
do trabalho livre, da acumulação de riquezas, da liberdade motivada pelo
interesse privado e não intervenção do Estado nas atividades econômicas,
princípios que seriam o arcabouço teórico do pensamento econômico liberal
clássico, justificador do capitalismo.

Figura 2 - Capa da Enciclopédia, de Diderot e D’alembert


(Fonte: http://www.library.usyd. edu.au).

26
A gênese do pensamento liberal Aula 2
PENSAR LIBERAL

Ao analisar o processo da acumulação primitiva de capital, Karl Marx


observou que a consolidação das relações liberadas pelo cercamento e pela
expansão comercial sem uma modificação na visão social do mundo e da
ideologia era impossível. Pois, para Marx, o uso da “violência direta” (tortura,
prisão etc) ou indireta (via a legislação) não era suficiente. Por isso se fez
necessária a utilização da força da educação, do costume e da tradição para
tornar as relações de produção pautadas pela relação entre os expropriados,
vendedores de força de trabalho e os proprietários dos meios de produção
(capitalistas), como se ela fosse uma criação lógica das leis naturais, der-
rubando qualquer resistência e inculcando a aceitação indulgente por parte
do trabalhador e da sociedade em geral.
A construção da concepção ideológica favorável à liberação das forças
produtivas e da instituição da relação de trabalho assalariado teve origem
no final do século XIV e prosperou durante o século XVI através do movi-
mento cultural e científico iniciado nas cidades comerciais italianas e depois
espalhado por outras regiões da Europa.

Figura 3 - Homem Vitruviano - Leonardo da Vinci (Fonte: http://www.interconect.com.br).

27
História Econômica Geral e do Brasil

O movimento cultural e científico, conhecido como Renascimento,


caracterizou-se por fazer críticas ao misticismo, ao coletivismo medieval e
ao geocentrismo, colocando-se a favor do humanismo, do individualismo,
heliocentrismo e do racionalismo. Os princípios defendidos pelo Renas-
cimento tornaram-se instrumentos básicos para o movimento iluminista
desenvolvido no século XVIII.
O Renascimento abriu o caminho para a sociedade européia se descartar
das explicações do mundo pela visão teológica, ao mesmo tempo em que
apontava a possibilidade do entendimento das relações entre o homem e a
natureza a partir de suas indagações sobre os fenômenos. Este posiciona-
mento incentivou o desenvolvimento da individualidade e do racionalismo,
abrindo o caminho para invenções em vários campos do conhecimento,
fato indispensável para o grande acontecimento da Revolução Industrial,
que ocorreria na Inglaterra, no final século XVIII.
Segundo Hunt & Sherman, a filosofia do racionalismo e do individu-
alismo lançou as bases do pensamento liberal clássico justificador dos in-
teresses da nova classe social, a burguesia, que se constituía ao longo das
transformações econômicas e sociais a partir do século XVI.
O principal teórico do “racionalismo moderno” foi René Descartes
Ver glossário no (1596–1650), que, através do seu trabalho Discurso do Método, colocou que a
final da Aula razão poderia desvendar os fenômenos do mundo, através da utilização de
um método centrado no uso da matemática dedutiva. Antes de Descartes,
na Inglaterra, Francis Bacon (1561–1626), em seus trabalhos O progresso do
conhecimento e Novum Organum, expressou a importância das experiências em
laboratório e no método dedutivo para desvendar a verdade universal. O
racionalismo deu mais um passo contra as explicações medievais teocêntricas
via o trabalho de Isaac Newton (1642–1717) que demonstrou a possibili-
Ver glossário no dade de aplicar as leis físicas no entendimento dos fenômenos do universo.
final da Aula Junto às justificativas racionalistas desenvolveu-se o individualismo.
Thomas Hobbes, um dos principais teóricos do Estado Moderno Ab-
Ver glossário no solutista, em 1651, no seu livro Leviatã, ao expressar seu entendimento da
final da Aula
origem do Estado Absolutista, advogou a tese de que “todas as motivações
humanas, inclusive a compaixão, não passam de manifestações dissimuladas
do egoísmo”. Logo, a ações humanas desenvolvem-se a partir dos interesses
individuais (HUNT; SHERMANM, 1986, p. 47).
A vertente religiosa defensora do individualismo do século XVII foi
o movimento reformista protestante, liderado por Lutero e Calvino, divul-
gadores da tese de que a fé, e não as obras, era o caminho para alcançar os
“favores do Céu”. O princípio básico do protestantismo era a doutrina de
que os homens se justificam não mais pelas obras e sim pela fé. Diferia da
Igreja Católica, para a qual os homens justificavam-se pelas obras, o que
geralmente significava pelas cerimônias e rituais, como a confissão, paga-
mento de promessas, flagelação e caridade (concessão de esmola).
(...) A justificação pelas obras... significava que o indivíduo jamais

28
A gênese do pensamento liberal Aula 2
alcançaria a salvação por si mesmo, mas somente através da Igreja. Daí
provinha o poderio do clero. A confissão compulsória, a imposição
de penitências a toda a população... bem como prerrogativa de
conceder a absolvição conferia aos clérigos um poder assustador. O
poder que o clero concentrou em suas mãos dificultou o abandono
das doutrinas medievais da igreja católica, que mantinha o individuo
subordinado à sociedade (HUN; SHERMANM, 1986, p. 48-49).

Calvino foi direto em relação aos interesses econômicos da classe bur-


guesa ao liberar a condenação sobre aqueles que acumulavam riquezas via
cobrança de juros e de renda (aluguel) para o uso da terra. Posicionamento
de interesse dos banqueiros, agiotas e proprietários de terras. Também, valo-
rizava o trabalho ao mesmo tempo em que condenava aqueles camponeses
desapropriados pelos cercamentos e que estavam em situação de miséria,
sem emprego, pois a pobreza era uma condição imposta pela predestinação.
Afirmou Calvino, “O trabalhador é o que mais se assemelha a Deus... Um
homem que não quer trabalhar não deve comerciar... O pobre é suspeito
de preguiça, o que constitui uma injúria a Deus” (HUNT; SHERMANM,
1986, p. 48-49).
É bom informar que o pensamento protestante além de instrumentali-
zar interesses da nobreza e burguesia alimentou revoltas camponesas contra
a estrutura econômica, política e ideológica feudal/católica, exemplificada
nas revoltas camponesas na Alemanha, Inglaterra e outros países europeus.
O racionalismo e individualismo deram as bases teóricas ao movimento
iluminista que se desenvolveu na Europa no século XVIII. Herdeiro do
Renascimento, aprofundou os seus princípios contribuindo para a formu-
lação do pensamento econômico liberal clássico.
Na França, François Quesnay (1694–1774), líder da escola fisiocrata
(defensora da idéia de que o enriquecimento de uma nação estaria no de-
senvolvimento da agricultura), por via do seu texto Quadro Econômico
(Tableau Économique) de 1758, diz que o individualismo se expressou na
economia na medida em que defendeu a tese de que a propriedade é um
bem natural e não poderia ser podada por nenhum ente externo. Enten-
dimento que antecipava a idéia tão cara ao liberalismo de que a atividade
econômica era movida por leis naturais e por isso o Estado não deveria se
envolver, através de regulamentações e restrições.
Outro personagem vinculado aos princípios fisiocratas foi Jacques
Turgot formulador da expressão: “deixai fazer, deixai passar, o mundo
se movimenta por si mesmo” (laissez-faire, laissez passer, lê monde va
delui-même), que sintetizava a defesa da liberdade econômica. Mas Turgot,
diferentemente de Quesnay, apesar de ver a terra como uma importante
fonte de riquezas, vê a importância do setor manufatureiro e mercantil
no processo de acumulação de riquezas. Também, sua idéia favorável ao
desenvolvimento das relações de produção do capitalismo se apresenta

29
História Econômica Geral e do Brasil

na defesa de uma política de baixos juros para permitir o crescimento da


economia. Ambos, Quesnay e Turgot, contribuíram com suas formulações
econômicas para a montagem do pensamento liberal que seria sistematizado
e aprofundado através do trabalho de Adam Smith.
A crítica ao mercantilismo movimentou-se ao lado da crítica ao abso-
lutismo através das teorias expressadas por pensadores como: John Locke,
Montesquieu, Voltaire e Russeau, sendo que o último é considerado o
mais radical defensor da democracia e da formulação crítica à propriedade
privada. Com as suas teorias, esses pensadores alimentaram as revoluções
ocorridas nos séculos XVII e XVIII. A Revolução Gloriosa ou Inglesa,
Revolução Americana (1776), Revolução Francesa e as lutas pela inde-
pendência dos países americanos. Elas repercutiam os interesses políticos
dos segmentos sociais – burguesia e setores da nobreza – enriquecidos com
o mercantilismo, ansiosos por assumir o poder político do Estado, sem
intermediário, colocando-o afeito aos seus interesses.
A relação entre o novo formato do Estado e os interesses econômicos
da burguesia, já anunciada pelos fisiocratas, torna-se mais contundente com
as teses formuladas pela escola liberal clássica, que tem no pensamento de
Adam Smith expresso na sua obra A Riquezas das Nações: investigação sobre
sua natureza e suas causas, divulgada em 1776, a sua base teórica. Além de
Adam Smith, contribuíram para a formulação do pensamento clássico liberal
David Ricard, Thomas Robert Malthus, Jonh Stuart Mill e Jean Batista Say.
Em síntese, a escola liberal clássica “além da teoria do valor-trabalho, do
uso do método dedutivo, do materialismo e da preocupação em simplificar e
generalizar as proposições econômicas e de conjunto da evolução econômica,
a escola clássica baseou-se nos preceitos filosóficos do liberalismo e do in-
dividualismo e firmou os princípios da livre concorrência, que exerceram
decisiva influência no pensamento revolucionário burguês” (SANDONI,
1994, p. 121).
O trabalho como fator principal de riqueza, o interesse individual, a livre
concorrência (regulada pela mão invisível do mercado) seriam pressupostos
necessários ao sucesso individual e da sociedade. O Estado seria um ator
coadjuvante das ações econômicas em que o mercado era o ator principal.

30
A gênese do pensamento liberal Aula 2

ATIVIDADES

Conceituar o Renascimento e o Iluminismo;


Citar os aspectos básicos do pensamento econômico liberal clássico;
Demonstrar o que representou o pensamento liberal para a concretização
da Revolução Industrial e para o capitalismo;
Identifique elementos do pensamento liberal clássico presentes no ideário
do que hoje se chama vulgarmente de neoliberalismo.
Comente as seguintes enunciações:

A ilusão que ele (mercado) nos dá excita a industriosa atividade dos


homens, e mantém-nos num movimento contínuo. É essa ilusão que
os faz cultivar a terra de tantas maneiras diferentes, construir casas
ao invés de cabanas, fundar cidades imensas, inventar e aperfeiçoar
as ciências e as artes...
Uma mão invisível parece forçá-los a concorrer para a mesma
distribuição das coisas necessárias à vida que teria ocorrido se a terra
tivesse sido dada em igual porção a cada um de seus habitantes; e
assim, sem ter a intenção, sem mesmo sabê-lo, o rico serve ao interesse
social e à multiplicação da espécie humana. A Providência, ao repartir,
por assim dizer, a terra entre um pequeno número de homens ricos,
não abandonou aqueles a quem ela parece ter esquecido de atribuir
um quinhão, eles têm sua parte em tudo o que produz...
Em tudo o que constitui a verdadeira felicidade, eles não são em
nada inferiores àqueles que parecem colocados acima deles. Todas
as classes da cidade estão no mesmo nível, quanto ao bem-estar do
corpo e à serenidade da alma, e o mendigo que se esquenta ao sol ao
longo de uma sebe possui normalmente essa paz e essa tranqüilidade
que os reis sempre perseguem. (Adam Smith citado por Michel
Beaud, em História do Capitalismo: de 1500 aos nossos dias, p. 111-112).

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

O racionalismo e o individualismo esboçados nos movimentos culturais


europeus alimentaram a formulação teórica do liberalismo clássico
defensor do trabalho como fonte de riqueza, da livre circulação e da
livre concorrência, que se autoregularia (a famosa “mão invisível” do
mercado).

31
História Econômica Geral e do Brasil

CONCLUSÃO

As transformações políticas e as atividades econômicas ocorridas do


século XVI ao século XVIII desembocaram na Revolução Industrial, e, con-
sequentemente, no capitalismo. Teve como teoria explicativa e justificadora
o liberalismo, que se apresenta naquela época como um argumento revolu-
cionário contra o absolutismo e o mercantilismo, e defensor da limitação,
da divisão e descentralização do poder do Estado, da livre participação
política, da livre concorrência e da propriedade privada. Apesar de idéias
favoráveis à liberdade e igualdade, em sua essência, o liberalismo impunha
limitações aos dois princípios, pois entendia que a liberdade e a igualdade
não se davam no econômico e nem na participação política, mas sim através
de um estatuto jurídico baseado no princípio dos direitos individuais, cen-
trado na garantia da propriedade privada e no incentivo à consolidação da
limitada representação política, via a imposição de sufrágios censitários e
a negação à organização dos trabalhadores. O liberalismo foi a ideologia
das revoluções burguesas.

RESUMO

A derrubada do absolutismo e de sua política econômica, o mercan-


tilismo, não se materializaria sem a transformação na maneira de pensar
da sociedade, ou melhor, sem desautorizar a justificativa teológica feudal
do mundo. Essa revolução iniciou-se através do movimento renascentista
de valorização da razão e do individualismo e conhece seu auge durante o
Iluminismo, que se reflete no pensamento liberal clássico.

O termo ideologia é utilizado como concepção de mundo,


pensamento, idéia, compreensão, explicativa e justificadora das
relações efetuadas em uma formação social.

AUTO-AVALIAÇÃO

Será que, de fato, eu assimilei todo o processo evolutivo dos modos


de produção, até à formação do capitalismo?

32
A gênese do pensamento liberal Aula 2
REFERÊNCIAS

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
BEAUD, Michel. História do Capitalismo: de 1500 aos nossos dias. São
Paulo: Editora Brasileiense, 1981.
DOBB, Maurice. A evolução do Capitalismo. 7 ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1980.
HEILBRONER, Robert. A História do Pensamento Econômico. São
Paulo: Ed. Nova Cultura Ltda., 1996, Col. Os Economistas.
HILL, Christopher. O mundo de ponta–cabeça: as idéias radicais durante
a revolução inglesa de 1640. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
HOBSBAWM, Eric. As origens da Revolução Industrial. São Paulo:
Global Editora, 1979.
———. A crise geral da economia européia no século XVII. In: SAN-
TIAGO, Theo. Do Feudalismo ao Capitalismo – uma discussão histórica.
São Paulo: Ed. Contexto, 1988
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 17 ed. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1981.
HUNT, E. K.; SHEMAN, H. J. pensamento econômico. 5 ed. Petrólis:
Ed. Vozes, 1986, p. 09.
LÖWY, Michael. Ideologias e Ciências Sociais: elementos para uma
análise marxista. 12 ed. São Paulo: Cortez Editora, 1985.
MARX, Karl. O segredo da acumulação primitiva. In: O Capital: a critica
à Economia Política. São Paulo:
OHLWEILER, Otto Alcides. Materialismo Histórico e crise contem-
porânea. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
SANDRONI, Paulo. Novo Dicionário de Economia. 2 ed. São Paulo:
Editora Best Seller, 1994.
SWEEZY, Paul e outros. A transição do Feudalismo para o Capitalismo.
3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

33
História Econômica Geral e do Brasil

GLÓSSARIO

René Descartes: Filósofo, físico e matemático


francês (1596/1650). Também conhecido como
Cartesius, notabilizou-se por seus trabalhos em
Filosofia e pela criação do sistema de coordenadas
cartesianas. Publicou o Discurso sobre o método
(1637).

Isaac Newton: Cientista, astrônomo, alquimista e


filósofo natural inglês (1643-1727). Escreveu a obra
Filosofia natural e o princípio da Matemática, em que
expõe a lei da gravidade universal e as lei Newton,
que são os fundamento da Mecânica Clássica.

Thomas Hobbes: Pensador inglês (1568-


1679), defensor de concepções materialistas e
mercantilistas, autor da afirmação “o homem é o
lobo do homem”.

34
Aula 3
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

META
Discutir aspectos constituintes da Revolução Industrial.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Conceituar revolução industrial;
Reconhecer os fatores que proporcionaram a primazia inglesa na industrialização;
Caracterizar as fases da revolução industrial em que as transformações econômicas se processam de
forma desigual e combinadas.

PRÉ-REQUISITOS
Ter estudado e assimilado o conteúdo da aula “A gênese do pensamento liberal”.

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO

Caro aluno ou querida aluna, vamos iniciar esta aula analisando o texto
abaixo:

Na rua, o povo ia passando...


Madrugada. Tudo escuro ainda. Bandos e bandos de raparigas,
falando alto, desciam a Estrada Nova. Dos recantos e vielas que ali
desembocavam, de momento a momento, surgiam vultos apressados.
Todo o bairro de S. Antonio parecia levantado, a correr para o
trabalho.
Os outros arrabaldes também davam grandes levas. Do Apicum,
Aribé, do Saco, de mais longe, vinham operários.
A parte sul da cidade, para os lados do Carro Quebrado e Fundição,
fornecia numerosos contingentes.
Ainda embrulhada nas sombras da noite, Aracaju ia despertando, ao
ruído dos grupos que passavam, palradores.
(...) O vento fustigava-lhes o rosto: a chuva fria arrepiava-lhes a
epiderme. E, no entanto, marchavam, marchavam sem parar...
Iam em busca do pão. Um negro pão, que, a troco de trabalho, lhes
forneciam as Fábricas de Tecidos.
Elas estavam lá, acaçapadas e enormes. Eram duas: a da Companhia
Sergipana de Fiação, que o povo cognominava a Sergipana, e a Têxtil
do Norte, apelidada simplesmente de Têxtil. Todos os dias, os seus
grandes portões, escancarados, tragavam para mais de milhares de
operários.
(...) Homens entroncados, sujos de pó, chegavam às caldeiras da
Têxtil, empurrando vagonetes de lenha. Lavados de suor, os foguistas
não descansavam, jogando grandes toros em meio às labaredas. Todas
as máquinas da Fabrica se moviam, num ensurdecedor.
No vasto salão, onde trezentos e setenta teares se alinhavam (...).
A larga correia de uma transmissão, que fazia funcionar todo
Figura 2 - Capa do livro Os Co- um grupo de teares, alcançou um rapazelho de quinze anos pelo
rumbas, de Amando Fontes - 1935 braço, atraíra-o para a roda, suspendera-o no ar, e arremessara-o
(Fonte: http://www. sebodomes-
sias. com.br).
violentamente sobre a parede que a pequena distancia se encontrava.
Quando o corpo veio dar no chão, estava já sem vida, o crânio
extensamente fraturado. (...)
Alguns minutos após as máquinas de novo trabalharam ... (FONTES,
Amando, 1988, 18/97/98)

O romancista sergipano Amando Fontes, em Os Corumbas, retrata


aspectos da industrialização em Sergipe, através de uma ficção que conta a
saga da família Corumba, fazendo lembrar cenário da Revolução Industrial,
ocorrida na Inglaterra, no século XVIII, tema desta aula.

36
A Revolução Industrial Aula 3

Figura 3 - Interior de uma fábrica durante a Revolução Industrial


(Fonte: http://www.coljxxiii.com.br).

REVOLUÇÃO

A superação das contradições que geraram a crise econômica no século


XVII liberou as forças que prepararam as condições conjunturais para a
ocorrência da Revolução Industrial na Inglaterra, no final do século XVIII,
e que, durante o século XIX, se espalhou, de forma desigual e combinada,
pela Europa e os outros continentes.
A Revolução Industrial consistiu nas
transformações intensas e profundas
do processo de produção que ficaram
explicitadas pela substituição da energia
humana pela energia motriz não humana
(como hidráulica, eólica, e, principal-
mente, a vapor), pela superação da oficina
artesanal (doméstica, manufatura) pela
fábrica (maquinofatura) e pela consolida-
ção da existência de duas classes sociais: a
burguesia (proprietária e exploradora dos
meios de produção) e os trabalhadores
juridicamente livres (vendedores de sua
força de trabalho). Figura 4 - Panorama de uma indústria têxtil inglesa séc. XVII
(Fonte: http://primeira-serie.blogspot.com).

37
História Econômica Geral e do Brasil

Pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os


grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em
diante se tornaram capazes da multiplicação rápida e constante, e até
o presente ilimitado, de homens, mercadorias e serviços. Este fato
é hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a “partida
para o crescimento auto-sustentável” (...) (HOBSBAWM, 1977, p. 44).

Não existe uma homogeneidade na historiografia sobre a periodização


da Revolução Industrial e o decorrente processo de industrialização mun-
dial. Alguns historiadores adotam a divisão do processo em dois, três ou
quatro etapas. Para facilitar a didática do curso utilizaremos a classificação
realizada pelo professor José Jobson de A. Arruda:
a) o ocorrido entre 1760 a 1850, geograficamente limitado à Inglaterra,
caracterizado pela produção dos bens de consumo, centrado na produção
têxtil e movido a energia a vapor;
b) a segunda, periodicamente localizada entre os anos de 1850 a 1900, teve
como características principais a de ter se expandido pela Europa (França,
Bélgica, Alemanha, Itália e Rússia), Estados Unidos da América, algumas
regiões da América Latina, da Ásia (Japão) e África. Também, na segunda
fase da Revolução Industrial se distingue o uso da energia hidroelétrica e
de derivados fósseis (petróleo), a diminuição das distâncias entre os pontos
comerciais em decorrência a invenção da locomotiva e do barco a vapor.
c) a terceira, de 1900 a 1980, foi marcada pela formação das multinacionais,
automatização do processo produtivo, a produção em série, o avanço da
indústria química, eletrônica, comunicação e do uso do robô.
d) quarta etapa refere-se às transformações ocorridas após 1980, identi-
ficadas através do uso intensivo da informática que prova o aligeiramento
e intensificação da produção e da circulação de mercadoria.
Maurício Dobb, refletindo sobre a revolução industrial, chama a
Ver glossário no atenção para as periodizações construídas sobre a industrialização, pois,
final da Aula geralmente, elas trazem em si o risco de centralizar a Revolução Industrial
nas transformações mecânicas realizados na estrutura de produção, deixando
de relacioná-la com as transformações sociais, políticas e ideológicas que estão
umbilicalmente ligadas a ela (Revolução Industrial) (DOBB, 1981).
Como já foi anunciado anteriormente, a formação social inglesa
constituiu, ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, as condições ne-
cessárias à ocorrência da Revolução Industrial, pois antecipou, em relação
aos outros países europeus, a acumulação primitiva de capital (meios de
produção, comércio e finanças) nas mãos de poucos, fundamental para o
pesado investimento necessário para incrementar a montagem da fábrica
e a colocação de força de trabalho livre (expropriado dos instrumentos e
meios de produção) para ser submetido à exploração em troca do salário
(relembrar aula anterior).
Além desses dois fatores fundamentais juntaram-se outros como a

38
A Revolução Industrial Aula 3
unificação e formação do Estado Nacional,
que, com a derrubada dos reis absolutistas e
ascendência política da burguesia ao poder, a
partir das revoluções ocorridas no século XVII,
o Estado inglês passou a adotar políticas que
favoreceram o domínio do mercado interna-
cional e a intensificação das transformações na
estrutura agrária via edição dos “Decretos Anexos”
(Enclosure Acts), que vigorou de 1760 a 1830
(HOBSBAWM, 1977), ampliando o movimento
de cercamento e conseqüentemente a expulsão
do camponês em direção à cidade, aumentando a
disponibilidade de força de trabalho à disposição
dos proprietários capitalistas. Além de possibili-
tar o uso da terra com a finalidade de atender às
demandas do mercado.
A ação política estatal inglesa dirigida para a
agropecuária, além de desbaratar a propriedade
feudal contribuiu para a introdução de novas técni-
cas de produção, possibilitando ao setor atender às Figura 5 - Gerador a vapor
(Fonte: http://www.vivercidades.org.br).
necessidades de uma economia de base industrial
(em formação), fornecendo alimento em quantidade para uma população “não
agrícola” que crescia rapidamente, fornecendo excedente que seria utilizado
na indústria, proporcionando acumulação de capital.
Além dessas contribuições, o Estado atuou fortemente na construção
de portos, no equipamento de frota, na construção de estradas e no dever
“sagrado” de defender a propriedade privada dos meios de produção,
fundamento central do modo de produção em formação, o capitalismo.
O envolvimento entre o político (Estado) e a economia em fase de
industrialização deu-se tão fortemente que faz jus aos comentários proferi-
dos pelo historiador Eric Hobsbawm, que chamou a atenção para o engate
entre política e lucro, afirmando que naquela época “o dinheiro não só
falava mas governava” (HOBSBAWM, 1977, p. 47).
A primazia da Inglaterra também atingiu o setor de transformação.
As oficinas artesanais perderam a concorrência para as fábricas que incor-
poraram novos instrumentos, novas técnicas, nova disciplina de trabalho
(impõe ao trabalhador o lugar, o tempo e a forma de trabalhar) e a força
motriz da produção deixou de ser humana (manufatura) para, inicialmente,
ser extraída do vento (eólica) e da força da água (hidráulica) - não confun-
dir com as usinas hidroelétricas de hoje - e depois a vapor. A força motriz
continuou sendo renovada e ampliada incorporando novas fontes, como a
baseada nos combustíveis fósseis, energia atômica e biorenovável (cana de
açúcar, mamona entre outras).

39
História Econômica Geral e do Brasil

A invenção de máquina para fazer o trabalho do homem era uma


história antiga, muito antiga. Mas como a associação da máquina
à força a vapor ocorreu uma modificação importante no método
de produção. O aparecimento da máquina movida a vapor foi o
nascimento do sistema fabril em grande escala. Era possível ter
fábricas sem máquinas, mas não era possível ter máquinas a vapor
sem fábricas (HUBERMAN, 1981, p. 184).

As fábricas criaram um mundo produtivo em que o trabalhador perdia


todo o seu controle sobre o processo produtivo ao tempo que sucumbia
à determinação do proprietário do capital. Processo que transformou em
um “trabalhador assalariado livre”, alienado, pois o trabalho se apresenta
distante e indiferente da sua vida real, fruto da apropriação do produto de
seu trabalho pelo capitalista.
Além de ser expropriado do produto final de seu trabalho, o trabalhador
se torna sujeito às normas de produção impostas pelo capital.

A entrada dos operários, a refeição deles e a saída ocorrem ao som do


sino. No interior da fábrica, cada um tem seu lugar marcado, a tarefa
estreitamente delimitada e sempre a mesma; todos devem trabalhar
regularmente e sem parar, sob o olhar do contra-mestre que o força
à obediência mediante a ameaça da multa ou da demissão, por vezes
até mesmo mediante uma coação mais brutal (Paul Mantaux citado
por BEAUD, 1981, p. 108).

A intensa industrialização da Inglaterra contou também com a contri-


buição de fatores naturais existentes no reino britânico: como as reservas de
ferro e de carvão, o que contribuiu para o desenvolvimento da siderurgia,
setor fundamental para produção de máquinas e outros instrumentos de
produção em uma era de industrialização.
Porém, a existência dos fatores colocados anteriormente, não motivaria “a
multiplicação rápida e constante” do processo produtivo inglês, pois eles não
possibilitariam a reprodução ampliada de capital. Lacuna que foi preenchida
pela ocorrência de um fator externo que abrisse as possibilidades de garantir o
consumo dos produtos fabricados e permitisse alto acúmulo de capital. Essa
condição foi criada com a expansão e controle do mercado mundial pela In-
glaterra que forçaram os proprietários de oficinas a introduzir modificações no
processo de produção, incorporando técnica e instrumentos de produção novos.
A intensiva e agressiva política britânica, objetivando o controle
dos mares, permitiu a exploração do mercado triangular operado pela
Inglaterra com as suas colônias, no século XVIII, através dos portos de
Bristol, Glasgow e Liverpool, principalmente o ligado à indústria algodoeira
e ao tráfico de escravos, garantiu acúmulo de capitais à burguesia inglesa,
elemento necessário para financiar as transformações do setor produtivo.

40
A Revolução Industrial Aula 3
A importância do mercado mundial foi exemplar, pois: “... a revolução
industrial pode ser descrita, com exceção dos primeiros anos da década
de 1780, como a vitória do mercado exportador sobre o doméstico:
por volta de 1814, a Grã-Bretanha exportava cerca de quatro jardas
de tecido de algodão para cada três usadas internamente, e, por volta
de 1850, treze para cada oito” (HOBSBAWM, 1977, p. 51).

O mercado mundial impulsionou e assegurou a primazia da Revolução


Industrial na Inglaterra.
Motivado pelo lucro que poderia advir do crescente mercado consumi-
dor, o proprietário capitalista procurou criar as condições para produzir
com menos custos e melhor qualidade (significa menor tempo na produção,
menor gasto na sua realização e, logo, menor salário) fato que permitiria
enfrentar a concorrência no mercado mundial, que, no caso inglês, seria a
disputa comercial com o produto têxtil manufaturado asiático (Índia). Essa
possibilidade de lucros libera as forças humanas da criatividade, que fica
estampada pelas invenções de técnicas e maquinários que resolveriam os
problemas enfrentados pela ampliação da produtividade.

A descoberta da América, a circunavegação da África ofereceram


à burguesia em acenso um novo campo de ação. Os mercados da
Índia e da China, a colonização da América, o comércio colonial, o
incremento dos meios de troca e, em geral, das mercadorias imprimiram
um impulso, desconhecido até
então, ao comércio, à indústria,
à navegação, e, por conseguinte,
desenvolveram rapidamente
o elemento revolucionário da
sociedade feudal em decomposição.

A antiga organização feudal da indústria,


em que esta era circunscrita a corporações
fechadas, já não podia satisfazer às neces-
sidades que cresciam com a abertura de
novos mercados. A manufatura a substituiu.
A pequena burguesia industrial suplantou
os mestres das corporações; a divisão do Figura 6 - Mapa cartográfico da América no séc. XVII
(Fonte: http://upload.wikimedia.org).
trabalho entre as diferentes corporações
desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina.
Todavia, os mercados ampliavam-se cada vez mais: a procura de mer-
cadorias aumentava sempre. A própria manufatura tornou-se insuficiente;
então, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A
grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média burguesia manu-
fatureira cedeu lugar aos milionários da indústria, aos chefes de verdadeiros
exércitos industriais, aos burgueses modernos.

41
História Econômica Geral e do Brasil

A grande indústria criou o mercado mundial


preparado pela descoberta da América. O mercado
mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvi-
mento do comércio, da navegação, dos meios de
comunicação. Este desenvolvimento reagiu por sua
vez sobre a extensão da indústria; e à medida que a
indústria, o comércio, a navegação, as vias férreas
se desenvolviam, crescia a burguesia, multiplicando
seus capitais e relegando a segundo plano as classes
legadas pela Idade Média.
As fábricas criadas no final do século XVIII, e
tempo posterior, não obedeciam aos trâmites das
regulamentações corporativas artesanais medievais
que impediam a introdução de novidades, possi-
bilitando ao proprietário capitalista se colocar livre
para impor a jornada de trabalho, valor da força de
trabalho e a forma da produção. A liberdade abriu
espaço para a introdução de inovações técnicas e
Figura 7 - Homens urbanos durante a Revolução Inglesa de instrumentos.
(Fonte: http://oglobo.globo.com).

Para atender o crescimento intensivo e extensivo do mercado mundial


e superar a sua concorrência, os proprietários capitalistas ingleses
iniciaram um processo de mecanização e de subordinação da força
de trabalho ao capital, que permitia a extração da mais-valia, ao
explorar a força de trabalho além da necessidade de sua reprodução
(Mais-valia significa o valor do trabalho não pago ao trabalhador,
isto é, exploração do sobre-trabalho, parte que é abocanhado pelo
capitalista) (SANDRONI, 1994).

O processo de substituição da manufatura pela maquinofatura durou


um longo tempo. Na indústria têxtil, teve seu início com a incorporação ao
processo produtivo da invenção do tecelão Jonh Kay (1733), “a lançadeira
volante”, que foi adaptada ao tear manual e dobrava a produtividade.
Essa inovação impingiu a necessidade de superar as condições do tear
tradicional limitado pelas condições físicas do trabalhador, pois só conseguia
fiar um tecido no tamanho dos seus braços. Esse embaraço foi superado
com a invenção da máquina de fiar (Spinning-jenny), pelo artesão James
Hargreaves (1765/67), permitindo a fiação de mais de 80 fios de uma vez,
o que multiplicava o tamanho do tecido. Mas, os fios eram finos e frágeis,
quebrando constantemente e prejudicando o ritmo da produção, transtorno
que foi superado com a invenção de Richard Arkwright, a Waterframe, que
produzia fios grossos, resistente, porém inferiores em qualidade aos fios
utilizados pela indústria têxtil indiana.
A desvantagem no produto têxtil inglês foi superada com as invenções

42
A Revolução Industrial Aula 3
de S Samuel Croptom (1779) ao combinar o funcionamento das máquinas
Spinning-jenny com a Waterframe formado a “Mule”, produtora de finos
e resistentes fios de algodão. Porém, a produção continuava limitada pelo
domínio do trabalho humano no processo de produção de têxteis, situação
que foi superada pela invenção do tear mecânico por Edmond Cartwight
(1785), que usava como força motriz a energia hidráulica (rodas movidas a
água). Essa força motriz, contudo, limitava o uso da máquina em virtude
de depender da existência de uma corrente de água. Dependência que foi
superada com o aperfeiçoamento da “máquina a vapor” inventada por
Newcomen (século XVII) e adaptada ao tear por James Watt (1764).

A essência da transformação estava na mudança do caráter da


produção que, em geral, associava-se à utilização de máquinas
movidas por energia não animal. Marx afirmou que a transformação
crucial foi, na verdade, a adaptação de uma ferramenta, antes
empunhada pela mão humana, a um mecanismo: a partir daquele
momento, “a máquina toma o lugar de mero implemento”, sem levar
em consideração “se a força motriz vem do homem ou de outra
máquina”. O importante é que “um mecanismo, depois de acionado,
executa com suas ferramentas as operações antes executadas pelo
trabalhador com ferramentas semelhantes. Ao mesmo tempo, Marx
mostra que “a máquina individual conserva um caráter anão enquanto
for trabalhada apenas pela força do homem”, e que “sistema algum
de máquina poderia ser adequadamente desenvolvida antes que a
máquina a vapor tomasse o lugar da força motriz anterior (DOBB,
1981, p. 185-192).

O desenvolvimento da industrialização não ocorreu de forma ho-


mogênea entre os setores da produção, mas sim, de forma desigual tanto
no interior da fábrica como na relação entre elas.
A introdução de novos instrumentos e técnicas no processo de
produção indicava a tendência da substituição da força de trabalho (trabalho
vivo) pelas máquinas (trabalho morto) que dominaria as futuras revoluções
industriais e se consolidaria como uma das características do modo de
produção capitalista, em que as transformações técnicas e a introdução de
tecnologia passaram a ser consideradas como algo normal.
O processo de maquinização do processo produtivo implicou e implica
na maior especialização da força de trabalho e conseqüente processo de
ampliação da divisão técnica do trabalho na medida em que cada trabalha-
dor passou a executar uma atividade no processo de produção. Na época
inicial da industrialização a divisão técnica do trabalho se caracterizou pela
separação do trabalho intelectual (exercido pelo proprietário capitalista que
assumiu as tarefas de elaboração e organização da produção) do trabalho
manual (realizado pelo trabalhador direto). A divisão técnica do trabalho

43
História Econômica Geral e do Brasil

foi responsável pelo aumento da produtividade


no processo de produção e pela ampliação da
alienação do trabalhador diante desse processo,
ao mesmo tempo em que contribuía para
fragmentar a organização dos trabalhadores e
rebaixar o valor da força de trabalho.
A divisão técnica do trabalho é um com-
ponente da divisão social do trabalho que se
entende por:

distribuição de tarefas entre os indivíduos ou


Figura 8 - Trem a vapor (Fonte: http://img.olhares.com). agrupamento sociais, de acordo com a posição
que cada um deles ocupa na estrutura social e nas
relações de propriedade. A divisão do trabalho ocorre em relação
às tarefas econômicas, políticas e culturais (SANDRONI, 1994).

No processo de industrialização a divisão social do trabalho aflorou


de forma intensa com o aprofundamento da separação entre o processo
produtivo realizado no campo e o realizado nos centros urbanos. A sepa-
ração entre o campo e a cidade.
Com a ampliação do mercado mundial a divisão social do trabalho
tomou uma feição internacional na medida em que determinadas regiões
assumiram uma posição específica no processo de acumulação. Por exem-
plo, países periféricos, como o Brasil, que se especializou em produzir
produtos agrícolas (açúcar, fumo, café) e ser consumidor de industrializa-
dos da Europa, especialmente da Inglaterra. À medida que os processos
de industrialização e mercantilização se ampliavam, o modo de produção
capitalista tornava-se hegemônico mundialmente. Processo que resultou na
instituição de uma divisão internacional do trabalho desigual e hierarquizada.
A Revolução Industrial não se limitou à transformação técnica, dos
instrumentos e do regime de produção, pois ela operou mudanças sociais
sem precedentes na história da humanidade. As transformações sociais,
para muitos estudiosos da Revolução Industrial, como Karl Marx, Maurice
Dobb, Michel Beaud e Eric Hobsbawm, foram as mais sérias conseqüências
da Revolução Industrial, na medida em que transformaram o modo vida
da maioria da população do mundo.
Mas, as transformações sociais ligadas à Revolução Industrial nem
sempre foram em direção de melhoria das condições de vida da maioria
das populações. Pois as melhorias nas condições de vida operadas pela
Revolução Industrial ficaram concentradas nas mãos de poucos, em especial
dos grandes proprietários, comerciantes e setores pequenos da classe média.
Enquanto a maioria da população arrancada do modo de vida pretérita
passou a sobreviver em condições de miséria.

44
A Revolução Industrial Aula 3

Figura 9 - Trabalho infantil na Inglaterra durante a Revolução Industrial


(Fonte: http://arquivoetc.blogspot.com).

O quadro social da Inglaterra, durante a Revolução Industrial (final


do século XVIII e inicio do século XIX), apresentava-se com uma forte
tendência concentração da população nos centros urbanos, fato que foi con-
solidado à medida que se desenvolvia o processo de industrialização durante
todo o século XIX. A cidade passou a
receber a maioria da população expro-
priada dos meios de produção que, na
luta pela sobrevivência, submetia-se
(constrangida ou não) aos interesses
dos capitalistas, a levar uma vida em
meio à fome, epidemias, ratos, etc.
As cidades industriais se estruturavam
espacialmente refletindo a desigualdade
social, pois parte dela estava reservada
aos benefi-ciários da Revolução Indus-
trial e outra destinada aos trabalhadores
ativos e trabalhadores desempregados Figura 10 - London Bridge no século XVII
(Fonte: http://rezboa.blogspot.com).

A exploração da força de trabalho era chocante. Homens, mulheres e


crianças (de até 6 anos de idade) realizavam, em condições desumanas,
uma jornada de trabalho de até 18 horas. Essa situação permitia
aos proprietários capitalistas impor ao trabalhador a execução e a
extração do sobretrabalho (horas trabalhadas além das necessidades
de reprodução da força de trabalho), o que permitia a acumulação
do lucro, que em parte era reinvestido no setor produtivo, com o
único e principal objetivo de valorizar o capital. Essa situação social
demonstrava que “tudo corria para o rico” (HOBSBAWM, 1977).

45
História Econômica Geral e do Brasil

A situação de miséria em que viviam os trabalhadores durante o pro-


cesso de industrialização motivou o surgimento de movimentos contesta-
dores. No primeiro momento, na Inglaterra, os trabalhadores revoltados
agem contra as máquinas, destruindo-as, pois, para eles, as máquinas, eram
responsáveis pela substituição da força de trabalho humana, causa do desem-
prego e da desvalorização dos salários. O movimento “de quebra máquina”
ficou conhecido como “ludita ou luddismo” (1811), por ser liderado pelo
trabalhador Ned Luldam. Os lundistas foram violentamente reprimidos
através da condenação à morte ou à extradição.
À medida que a Revolução Industrial se ampliava
e estabelecia as relações de produção capitalista, as
contradições entre o capital e o trabalho acirravam-
se empurrando os trabalhadores para organização
que resultou na criação de associações. No início elas
tinham o caráter de “ajuda mútua”, de prática assisten-
cialista. Depois criaram associações mais politizadas e
centralizadas: os sindicatos e partidos políticos.
A forte pressão da classe trabalhadora diante da ex-
ploração e da opressão capitalista fez crescer a luta pelo
direito à organização dos trabalhadores e ao voto uni-
versal (lembrar que a democracia liberal instituía o voto
censitário, isto é, o voto era direito de alguns cidadãos
escolhidos por sua renda ou formação, a exemplo da I
Constituição Brasileira, que ficou conhecida como a “Con-
stituição da mandioca”). Na Inglaterra, o Parlamento,
em 1824, aprovou o direito à livre organização dos tra-
balhadores e posteriormente os trabalhadores, através
do movimento denominado “cartismo”, conquistou
Figura 11 - Gravura representando a classe
operária pobre inglesa do século XVII (Fonte: o direito ao voto, porém limitado ao voto masculino.
http://docshistoria11-cr-esmaia.blogspot.com). As mulheres conquistariam o direito ao voto entre os
séculos XIX e XX. (Cartismo - nome derivado da Carta
ao Povo que estabelecia uma serie de reivindicações, entre elas o direito ao
voto e mudanças nas condições de trabalho. O movimento cartista teve seu
auge durante a década que vai do ano de 1838 a 1848).
A efervescência revolucionária movida pela radicalização das revoltas
dos trabalhadores na Inglaterra e no restante da Europa, na primeira metade
do século XIX, levou Karl Marx a iniciar seu texto, encomendado pela Liga
dos Justos (depois Liga dos Comunistas), O Manifesto do Partido Comunista,
como a afirmação de que o inimigo da burguesia rondava a Europa, fa-
zendo tremer a burguesia. “Um espectro ronda a Europa: o espectro do
comunismo. Todas as potências da velha Europa se uniram em uma santa
campanha difamatória contra ele: o papa e o czar, Metternich e Guizot,
radicais franceses e policiais alemães” (MARX; ENGELS. O Manifesto do
Partido Comunista. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1998, p. 7).

46
A Revolução Industrial Aula 3
Mas, a previsão do perigo revolucionário não era percebida apenas por
Karl Marx, mas também os defensores do mundo burguês, como: Thiers,
Morny e Begeud comunicaram ao rei francês Napoleão III, que o verdadeiro
inimigo da França não eram os russos ou austríacos, mais sim os socialistas.

ATIVIDADES

Definir Revolução Industrial.


Indicar as condições favoráveis à ocorrência da Revolução Industrial inglesa.
Comentar os objetivos que induziriam a introdução de maquinarias e téc-
nicas no processo de produção.
Relacionar Revolução Industrial e mercado mundial.
Relacionar pensamento liberal e Revolução Industrial.
Relacionar Revolução Industrial e Capitalismo.
Identifique as conseqüências da Revolução Industrial.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

A Revolução Industrial não se limitou às transformações técnicas, dos


instrumentos e do regime de produção, pois ela repercutiu na estrutura
social modificando-a de uma forma sem precedentes na história. Ela
criou as condições para a instituição hegemônica do modo de produção
capitalista mundialmente.

AUTO-AVALIAÇÃO

Avalio que no final do curso conseguirei explicar a importância da


Revolução Industrial para a instituição do modo de produção mercantil
capitalista.

47
História Econômica Geral e do Brasil

CONCLUSÃO

A Revolução Industrial, que se iniciou na Inglaterra no final do século


XVIII e no início do século XIX, consolidou a separação do trabalhador dos
instrumentos e meios de produção, possibilitando colocar-se “livremente”
no mercado como vendedor do único bem de sua propriedade – a sua
força de trabalho -, ao mesmo tempo em que contribuiu para consolidar
a propriedade dos meios e instrumentos de produção, do comércio e das
finanças na mão de um reduzido número de indivíduos – a burguesia. Essa
situação veio a impor uma vida miserável aos trabalhadores, que reagiram
organizando-se em sociedades reivindicadoras de conquistas políticas e
sociais. Como também, motivou a formulação teórico/ideológica, critica e
revolucionária diante ao capitalismo. A luta pelos seus interesses políticos
e sociais juntamente com as formulações teórico/ideológicas contribuíram
para o amadurecimento do movimento operário diante da luta contra a
classe dominante na sociedade capitalista.
A Revolução Industrial ampliou a divisão social do trabalho e a estru-
turou mundialmente de forma desigual e hierarquizada, criando as condições
para o “ilimitado” crescimento do mercado nas condições capitalistas. Em
outras palavras, a Revolução Industrial, através das transformações na
economia, na sociedade, na política e na ideologia, contribuiu para que na
história da humanidade, pela primeira vez, existisse um modo de produção
hegemônico mundialmente, o modo de produção capitalista, em que o
mercado é a relação primordial que se estabeleceu entre os indivíduos e
a natureza, entre indivíduos e indivíduos , e entre as nações. Assunto que
aprofundaremos na nossa próxima aula.

RESUMO

A Revolução Industrial intensificou o uso da máquina movida a força


motriz não humana, processo que consolida estruturas sociais e econômi-
cas baseadas na divisão entre trabalhadores assalariados e burguesia, como
também o aprofundamento da divisão social do trabalho, que se apresenta
de imediato através da separação entre a cidade e o campo, tornando a
cidade o centro das atividades econômicas e da população, em sua maioria
formada por trabalhadores despojados e vendedores de força de trabalho
que vagavam em profundas condições de pobreza. A miséria a que foram
submetidos os trabalhadores motivou a ocorrência de rebeliões, a criação
de organizações trabalhistas e a formulação de teorias e ideologias críticas
à sociedade burguesa.

48
A Revolução Industrial Aula 3
REFERÊNCIAS

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
BEAUD, Michel. História do Capitalismo: de 1500 aos nossos dias. São
Paulo: Editora Brasileiense, 1981.
DOBB, Maurice. A evolução do Capitalismo. 7 ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1980.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra.
São Paulo: Ed. Global, 1986.
HOBSBAWM. Eric J. Sobre História. São Paulo: Ed. Companhia Das
Letras, 1998.
———. As origens da Revolução Industrial. São Paulo: Global Editora,
1979.
———. A crise geral da economia européia no século XVII. In: SAN-
TIAGO, Theo. Do Feudalismo ao Capitalismo – uma discussão histórica.
São Paulo: Ed. Contexto, 1988.
———. A era das Revoluções – 1789/1848. Rio de Janeiro: Ed. Paz e
Terra, 1977.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 17 ed. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1981.
MARX, Karl. O Capital: critica à Economia Política. 16 ed. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasiliense, 1998.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista.
São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1998.
OHLWEILER, Otto Alcides. Materialismo Histórico e crise contem-
porânea. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
SANDRONI, Paulo. Novo Dicionário de Economia. 2 ed. São Paulo:
Ed. Best Seller, 1994.
SINGER, Paul. O que é Economia. São Paulo: Ed. Contexto, 1998.
SWEEZY, Paul e outros. A transição do Feudalismo para o Capitalismo.
3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

GLÓSSARIO

Maurício Dobb: Economista marxista inglês


(1900-1976) autor de uma clássica obra de análise
do desenvolvimento do capitalisto, A Evolução do
Capitalismo, publicada em 1946.

49
Aula 4
CAPITALISMO CONCORRENCIAL

META
Discutir aspectos constituintes da natureza do modo de produção capitalista em fase concorrencial.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Apreender as relações constitutivas do modo de produção capitalista;
Identificar as fases do desenvolvimento capitalista.
Reconhecer as características do capitalismo concorrencial ou liberal;
Reconhecer o gerenciamento científico como instrumento de controle do capital sobre o trabalho;
Identificar os elementos que contribuíram para a formação do capitalismo monopolista.

PRÉ-REQUISITOS
Rever as aulas sobre: Acumulação primitiva, Ideologia liberal e Revolução Industrial.

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO
Apartir do final do século XIX, o modo de produção capitalista se
tornou mundial, como bem afirmou em sua observação Karl Marx, escrita
em 1848, a qual dizia que:

Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter


cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países. (...) No
lugar da tradicional auto-suficiência e do isolamento das nações surge
uma circulação universal, uma interdependência geral entre os países.
E isso tanto na produção material quanto na intelectual. (...) Com a
rápida melhoria dos instrumentos de produção e das comunicações,
a burguesia logra integrar na civilização até as nações mais bárbaras.
Os preços baratos de suas mercadorias são a artilharia pesada com
a qual ela derruba todas as muralhas da China e faz capitular até os
povos bárbaros mais hostis aos estrangeiros. Sob a ameaça da ruína,
ela obriga todas as nações a adotarem o modo burguês de produção;
força-as a introduzir a assim chamada civilização, que dizer, a se
tornarem burguesas. Em suma, ela cria um mundo segundo à sua
imagem e semelhança (MARX, 1998, p. 11-12).

Nesta aula vamos procurar entender as principais características do


Capitalismo em sua fase concorrencial.

Figuras 2, 3 - Imperador Meiji Mutsuhito com Soldados armados do império Meiji. A Era Meiji (1868-
1912) promoveu reformas econômicas que eliminaram as características feudais do Japão (reforma agrária,
liberação da mão-de-obra e assimilação da tecnologia ocidental), modernizando o país e preparando-o para
ingressar no Capitalismo. As mudanças foram empreendidas pela força do dinheiro e das armas e contaram
com a associação de grandes capitalistas internacionais.
(Fonte: http://br.geocities.com).

52
Capitalismo concorrencial Aula 4
CAPITALISMO

O mundo constituído após as transformações ocorridas, mais intensa-


mente no final do século XVIII e início do século XIX, inicialmente na In-
glaterra, e em seguida espalhando–se pelo mundo, consolidou o Capitalismo
como o modo de produção dominante nas diversas formações sociais e
econômicas e mundialmente, fundando “uma economia industrial global
e de uma história mundial única” (HOBSBAWM, 1996, p. 107). No Ver glossário no
Brasil, o capitalismo em expansão determinou o fim do escravismo, estimu- final da Aula
lou a expansão da cafeicultura e os capitais europeus, em especial o inglês,
e financiou a vinda de imigrantes da Europa, com o objetivo de permitir
a continuidade da produção para o mercado mundial (SINGER, 1998).
Mas o Capitalismo não é uma pessoa, nem uma instituição. Não quer,
nem escolhe. É uma relação social estabelecida de maneira contraditória e con-
flituosa entre o proprietário do capital e o vendedor de força de trabalho. Uma
relação dominada pela “lógica cega, obstinada, de acumulação” (BEAUD,
1987, p. 191), que se reproduz pela extração da “mais-valia”, (diferença entre
o valor pago ao trabalhador (salário) e o lucro acumulado pelo proprietário
capitalista) que se produz no processo de produção e que se realiza durante
a comercialização. Esse fato impõe ao modo de produção capitalista, para
a materialização de sua lógica de acumulação, a constância do processo de
circulação de mercadoria (produção – comercialização – consumo) e das
relações sociais caracterizadas pela existência do proprietário capitalista de
um lado e do trabalhador assalariado do outro de maneira ampliada.

A reprodução em escala ampliada das condições e relação de


produção capitalista significa estender a circulação crescente e
progressiva do capital (renovação contínua das esferas da circulação
e reprodução das mercadorias) e aumentar a reprodução da classe
trabalhadora em si mesma. Desse modo, o capital assegura total e
amplamente seu domínio sobre a sociedade na medida em que só se
limita a si mesmo, enquanto capacidade produtiva, através de suas
possibilidades de se valorizar como valor. Esse movimento expansivo
do capital é impulsionado pelo trabalho, força social do capital, ao
se apropriar constantemente de trabalho não pago em detrimento
do trabalho necessário. Neste contexto “a lei da mais-valia, forma
capitalista da lei de valor, é a lei que governa a reprodução das relações
capitalistas e determina suas possibilidades e limitações”. (...) E assim
o capital é capital por ser trabalho acumulado, enquanto o trabalho é
trabalho por ser condição de existência dos homens, embora exista
como trabalho assalariado por ser condição de existência do capital
(PELIANO, 1990, p. 87).

As afirmações de Peliano, citadas acima, dirigem para a necessidade de

53
História Econômica Geral e do Brasil

se ter clareza do que seja “capital”, elemento


chave do modo de produção capitalista. Por
capital, geralmente, se entende como uma
riqueza ou dinheiro, porém, quando usamos
o termo no contexto histórico capitalista,
o significado do “capital” assume, não
só o significado de “riqueza acumulada”,
mas também e principalmente, de riqueza
que se reinveste com o objetivo de “auto-
expansão”, ou seja, capital, no capitalismo,
é riqueza que se aplica para a reprodução
do modo de produzir e das relações sociais
Figura 4 - Nota de Cem Reais (Fonte: http://www.images. capitalistas de forma ampliada, pois, o modo
google.com.br). de produção capitalista considerado em sua
continuidade “ou seja, como um processo
de reprodução, não produz apenas mercadorias, não apenas mais-valia,
mas também produz e reproduz a própria relação de capital; de um lado
o Capitalista, de outro o trabalhador assalariado” (MARX: O Capital, I,
cap. XXIII).
No modo de produção capitalista, o capital se apresenta de diversas
maneiras: capital dinheiro quando o dinheiro é aplicado produtivamente;
e o capital produtivo que é constituído pelas mercadorias envolvidas no
processo de produção: força de trabalho, instrumento e meios de produção,
conjunto que forma as forças produtivas.
Por sua vez, o capital produtivo se divide em capital constante e o capi-
tal variável. O capital constante é constituído pelo
capital circulante e capital fixo. O capital circulante
é aquele que, geralmente, é empregado na aquisição
da matéria-prima e é utilizado uma única vez, pas-
sando a ser incorporado ao produto final (o couro,
a energia, animais, o ferro, sementes, e assim por
diante) e o capital fixo são as máquinas adquiridas
e incorporadas ao processo produtivo e utilizadas
repetidas vezes. Uma semente é usada uma só vez
no processo produtivo enquanto a enxada, o arado,
o trator, o computador são utilizados diversas vezes
na produção.
O outro elemento do capital produtivo
é o capital variável, representado pelo capital
investido na aquisição da força de trabalho. A
conjunção entre as diversas categorias de capi-
tal é indispensável à realização do processo de
Figura 5 - Sede brasileira do Bank Boston, em São Paulo produção capitalista.
(Fonte: http://www.arcoweb.com.br).

54
Capitalismo concorrencial Aula 4
Em uma sociedade dominada pelo mercado, como a capitalista, o
produto do trabalho se constitui mercadorias (material produzido destinado
a ser vendido no mercado, logo não se destina a ser consumido pelo produ-
tor), que possuem valor de uso (mercadoria que satisfaz as necessidades
humanas) e valor de troca (mercadoria destinada a ser trocada por outra
no mercado. Cada mercadoria possui o seu valor de troca).
No capitalismo, o valor de troca de uma mercadoria varia segundo
o tempo do trabalho gasto para realizar a sua produção, mas, é bom
considerar que o que leva em conta não é o trabalho individual, e sim, o
tempo de trabalho social necessário para produzir uma mercadoria, o que
faz levar em conta o nível técnico, a organização do trabalho, as condições
naturais. Em outras palavras, o valor de uma mercadoria tem que levar em
consideração o capital produtivo nela empregado.

O trabalho, na sua duração, o tempo de trabalho, portanto, é o


fundante de todos os preços. Isso não quer dizer que os preços
sejam meramente custos de produção em salários. É preciso deixar
bem claro, porque essa é uma confusão muito freqüente. O preço é
uma soma de salários e de renda que são de trabalho, como lucros,
juros, renda da terra, impostos. (...) Pois bem, lucros, juros, renda
da terra e tributos dão direito aos seus proprietários de se apropriar
de parcelas do produto do trabalho humano. Esses rendimentos
não criam valor, meramente regem a repartição do valor entre as
classes sociais. O valor das mercadorias, que se traduz em preços,
é, em ultima análise, tempo de trabalho social, de trabalho inserido
na divisão social do trabalho. Não gera valor o tempo de trabalho
utilizado para produzir não-mercadorias, ou seja valor de uso. (ex.
trabalho realizado pela dona de casa) O trabalho, despendido na
divisão social do trabalho, é que dá origem a todas as mercadorias e
por isso origina o valor (SINGER, 1998, p. 25-26).

Porém, o valor da mercadoria não se estabelece no processo de


produção, mais sim, durante a transação mercantil, durante a troca de uma
mercadoria por outra, se não for assim, o produto não tem valor de troca
e sim valor de uso.
Em um modo de produção mercantil avançada, como o capitalista, a
troca de mercadoria é intermediada pela “mercadoria-dinheiro” (ou capital-
dinheiro), que estabelece a equivalência entre as outras mercadorias. O uso
da “mercadoria-dinheiro” facilitou e acelerou a circulação de outras mer-
cadorias, ao mesmo tempo em que dividiu a atividade comercial em dois
atos: compra e venda, que se não realizados possibilitam o surgimento de
uma crise econômica capitalista. A mediação das trocas de mercadoria pelo
dinheiro é hoje praticada universalmente.

55
História Econômica Geral e do Brasil

Ao longo da história do comércio (lembrar que a atividade mercantil


foi criada com a desagregação da economia natural, que em algumas regiões
do mundo antecede ao Capitalismo) a mercadoria-dinheiro foi utilizada,
porém, no Capitalismo o uso dessa mercadoria intensificou-se através de
diversas práticas criadas devido à racionalização das operações financeiras.
O aparecimento de bancos e outras instituições financeiras introduziram
práticas que não existiam na atividade mercantil em profundidade e em
larga escala.
A modernização das transações comerciais facilitou as formas de
capitalização por parte do capital, possibilitando a criação e reprodução
da atividade produtiva. Mas, as condições de financiamento são bastante
dificultadas para os trabalhadores, ao mesmo tempo em que eles são víti-
mas diretas de qualquer erro de planejamento pelo dono do capital, que
se encontra, em virtude da concorrência, enfrentando desafios constantes
para a sua continuidade. O fracasso do empreendimento produtivo pode
levar à falência e a gerar desemprego dos trabalhadores envolvidos com
aquela atividade. A intensificação do uso da “mercadoria-dinheiro” e a
criação de outras formas de agilizar e facilitar a circulação de mercadoria
(cheque, cartão de crédito e outras) colocou o setor financeiro como peça
fundamental para o processo de acumulação capitalista.
Lembrando que a acumulação de capital, objetivo central do modo
de produção capitalista, só se torna possível via a produção de excedente,
que é fruto da exploração físico-temporal da força de trabalho pelo dono
do capital.
No início do Capitalismo, a força de trabalho foi explorada intensi-
vamente através de longas jornadas de trabalho, que variavam entre doze
a dezesseis horas. Porém, essa forma de extrair excedentes esbarrava no
limite das condições de resistência humana exposta a extenuantes esforços
físicos, que levavam à exaustão do trabalhador, provocando acidentes de
trabalho e as freqüentes paralisações do processo produtivo em virtude da
quebra de máquinas, mortes de operários e movimento paredistas, causando
prejuízos ao capitalista.
Para superar os entraves impeditivos na extração de excedente via as
longas jornadas de trabalho, os capitalistas procuraram aumentar a produtivi-
dade através da introdução de maneira intensificada e racional do controle
dos trabalhadores (gerenciamento científico), o intensivo uso da técnica e
da tecnologia no processo de produção.
O gerenciamento científico estava voltado a dar maior racionalidade à
produção através de formas de controle do trabalhador sobre o tempo e
forma de produção. Harry Braverman faz o seguinte comentário sobre o
gerenciamento cientifico: “Como um cavaleiro que utiliza rédeas, bridão,
esporas, cenoura, chicote e adestramento desde o nascimento para impor sua
vontade ao animal, o capitalista empenha-se, através da gerência (manage-
ment), em controlar” (BRAVERMAN, 1987, p. 68).

56
Capitalismo concorrencial Aula 4
Os principais métodos e organização do trabalho na empresa capitalista,
utilizados até hoje, foram o taylorismo, fordismo e o pós-fordismo. O tay-
lorismo compreende princípios de racionalização produtivista do trabalho,
elaborados pelo consultor de empresa Frederick Winslow Taylor, na ul-
tima década do século XIX. Tem como principais características: a) concepção Ver glossário no
e planejamento do processo de trabalho é assumido pelo administrador, pois, final da Aula
segundo Taylor “os trabalhadores não são pagos para pensar, mas para
executar”; b) intensificação da divisão do trabalho através do controle do
tempo e movimentos realizados pelos trabalhadores, que deveriam efetuar
parcelas simples e elementares; e, c) o controle do tempo também serve
para impedir “desperdícios” por vários motivos da jornada de trabalho
(CATTANI, 1997).
Por sua vez, o fordismo compreende princípios de racionalização
produtiva e de gestão elaboradas por Henry Ford, proprietário da fábrica,
Ford Motor Co., que se caracteriza pela

radical separação entre concepção e execução, baseando-se no


trabalho fragmentado e simplificado, com ciclos curtos, requerendo
pouco tempo para treinamento e formação dos trabalhadores.
O processo de produção fordista fundamenta-se na linha de
montagem acoplado à esteira rolante, que evita o deslocamento dos
trabalhadores e mantém um fluxo continuou e progressivo das peças
(...) (CATTANI, 1997, p. 88-89).

A realização do trabalho nas condições fordistas impõe ao trabalhador


ritmos e velocidade “estranhos” à sua vontade, tornando a atividade um
trabalho monótono, repetitivo e fragmentado. Segundo Ford, para atrair o
trabalhador e garantir a sua reprodução, ele deveria receber um salário um
pouco maior, que possibilitasse a compra de outras mercadorias E também, o
trabalhador deveria ter uma vida singela e sem “vícios”. O fordismo caracter-
izou o Capitalismo no período posterior à Segunda Guerra Mundial (1945).
A partir da década de setenta, em virtude da intensificação do uso de
nova tecnologia e da concorrência, o fordismo sofreu profundas transfor-
mações, fazendo com que alguns teóricos passassem a definir a regulação
utilizada em algumas empresas de pós-fordismo. Ocorreu, então, uma flexi-
bilização do processo produtivo, exigindo um trabalhador mais qualificado,
envolvido com a elaboração, o planejamento e a execução da produção, ao
mesmo tempo em que, para conquistar a concorrência, as empresas bus-
caram diminuir gastos com a produção e intensificaram a substituição da
força de trabalho por trabalho morto (máquinas, informatização, robotização
etc.). Uma das conseqüências foi a dispensa de força de trabalho, gerando
um grande desemprego (voltaremos ao assunto quando do estudo do
capital monopolista).

57
História Econômica Geral e do Brasil

Mas todos os três modelos de regulação


têm os mesmos objetivos: controlar o tempo do
trabalhador, organizar o processo de produção
visando alcançar maior produtividade e maior
acumulação de capital. Também, as regulamen-
tações impostas aos trabalhadores, além de bus-
car a produtividade, implicavam em ações que
fragmentavam a classe trabalhadora, quebrando
o seu poder de luta.
Articulados ao gerenciamento científico, os
capitalistas buscaram, através do uso de novas
técnicas e tecnologias, a ampliação da mecaniza-
ção do processo produtivo. A máquina gradativa-
mente foi substituindo o trabalhador, eliminando
postos de trabalho, ao mesmo tempo em que
ampliava a divisão do trabalho. O trabalho vivo
realizado pela força de trabalho humana dá lugar
ao trabalho morto.
Figura 6 - Ilustração representando o desemprego A consolidação do uso da máquina no pro-
(Fonte: http://spectrum.weblog.com.pt). cesso produtivo capitalista subtrai o trabalhador da
condição de protagonista no processo produtivo
para dele fazer uma peça subalterna em relação à máquina. Enquanto a
máquina se torna progressivamente mais complexa e refinada, ela submete
cada vez mais o trabalhador à condição de alienado no que concerne ao
processo de trabalho (OHLWEILER, 1986, p. 20).
Mas, para alcançar o principal objetivo do capitalismo, a acumulação
e mais acumulação de capital, não basta a extração maior de excedente, é
necessário vender a mercadoria (o excedente) para poder materializar a mais-
valia, fonte do lucro, da acumulação de capital. A realização da comercialização
capitalista acontece em um mercado fortemente marcado pela concorrência
(disputa, competição) de outros proprietários, que, também, almejam vender
suas mercadorias e alcançarem maior margem de lucro.
A vitória na concorrência exige do capitalista que ele realize a produção
de maneira que coloque no mercado produtos (excedentes) mais baratos
e de melhor qualidade, que cativem a compra de maior número possível
de consumidores. Para isso, o capitalista necessita de capital-dinheiro para
comprar mercadorias (máquinas, estruturas e força de trabalho), tecnologia
(conhecimentos novos ligado ao processo produtivo) e de forças externas
à economia, principalmente o Estado, que garanta uma sociedade estável,
alicerçada nos princípios do Capitalismo, que são: o direito à propriedade
privada e a lógica mercantil.
A concorrência capitalista impulsionou, a partir das últimas décadas
do século XIX, a um processo de intensiva concentração e centralização de

58
Capitalismo concorrencial Aula 4
capital que redundou na formação de monopólios, sob forma de trustes,
cartéis e outras formas de empresas industriais ou financeiras capitalistas.
O Capitalismo entra em sua forma orgânica identificada como capitalismo
monopolista e imperialista
A literatura especializada sobre o desenvolvimento capitalista, em
especial de base marxista (são reflexões teóricas e políticas que têm como
base os trabalhos de Karl Marx, Frederich Engels, Lênin, Trotsky, Rosa de
Luxemburgo, Antonio Gramsci e outros), divide a história do Capitalismo
em duas fases distintas e consecutivas: Capitalismo concorrencial (ou pré-
monopolista) e o Capitalismo monopolista.
O Capitalismo concorrencial, época do domínio do liberalismo, alcança
o seu auge durante os anos de 1860 a 1870. A sua superação foi marcada
por revoluções e fortes crises econômicas, que marcaram o final do século
XIX e o início do século XX. Para muitos estudiosos do desenvolvimento
capitalista uma forte depressão econômica, do tipo: Unidade Alemã (1870),
Comuna de Paris (1871 – esta revolução tentou implementar uma república
socialista em Paris), Revolução Soviética (1917) e “A Grande Depressão”
(1873 a 1873). “Depressão iniciou uma nova era e pôde, assim, fornecer
propriamente uma data de conclusão para a antiga.” (HOBSBAWM, 1996,
p. 24) e “A Grande Depressão” (1929/1930).
O Capitalismo concorrencial teve como característica a existência em
cada setor da economia capitalista (capital-comercial e capital-produtivo)
de empresários individuais concorrendo livremente no mercado. Os capi-
tais eram relativamente modestos e se limitavam, especialmente, atuar nos
limites dos territórios nacionais (incluindo as colônias) e a sua regulação
era definida pelo mercado, enquanto o Estado atuava como garantidor da
propriedade privada e da livre concorrência.

Nesse espírito se desenvolve e se


afirma o que se pode chamar de
“utopia liberal”: propriedade, livre
iniciativa e livre jogo do mercado
devem assegurar o melhor mundo
possível. Isso implica reduzir ao
máximo possível tudo o que vem do
Estado (BEAUD, 1981, p. 131).

O planejamento global era inexistente, os


capitais atuavam ao sabor dos “ventos do mer-
cado”, que não garantiam o equilíbrio entre a
produção e o consumo, provocando crises se-
qüenciais, que motivavam falências e ao mesmo
tempo impulsionavam para a centralização e
concentração de capitais. Os capitais frágeis ou Figura 7 - Aspecto de Wall Street no início do século XX
(Fonte: http://farm1.static.flickr.com).

59
História Econômica Geral e do Brasil

desapareciam ou eram incorporados aos capitais mais fortes. Esse processo,


no final do século XIX, foi intensificado impulsionando a formação do
Capitalismo monopolista e do imperialismo.

ATIVIDADES

1. Defina o que é capital no contexto capitalista.


2. Identifique as formas de capital existentes, diferenciando um do outro.
3. Explique a noção de “acumulação ampliada de capital”.
4. Identifique os meios aplicados pelos proprietários do capital para extrair
maior produtividade do processo produtivo.
5. Analise as consequências da mecanização do processo produtivo para a
classe trabalhadora.
6. Escreva sobre o gerenciamento científico.
7. Identificar os períodos do desenvolvimento capitalista.
8. Cite as principais características do Capitalismo concorrencial.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


Ao londo de sua história o Capitalismo tem demostrado que o seu
funcionamento tem como objetivo a reprodução ampliada de capital,
o que significa que é imperativo que exista uma expansão constante
das relações sociais de produção capitalista e das condições que
possibilitem a crescente circulação de mercadorias. O processo de
acumulação de capital impõe a necessidade de renovação constante das
técnicas e das tecnologias produtivas, ao mesmo tempo em que estimula
a concorrência entre os capitais envolvidos no mercado. A constante
tranformação do processo de produção capitalista historicamente se
apresenta em duas grandes etapas: a do capitalismo concorrencial e a
do Capitalismo monopolista.

60
Capitalismo concorrencial Aula 4
CONCLUSÃO
Também, a época do Capitalismo concorrencial foi marcada pelo
domínio do pensamento liberal e pelo surgimento de pensamentos críticos
ao liberalismo, como os elaborados por Karl Marx, F. Engels e M. Bakunim,
e o fortalecimento e organização da classe trabalhadora manifestada na
criação das organizações trabalhistas, entre elas a Associação Internacional
dos Trabalhadores, fundada em Londres, no ano de 1864.
Calma! Não avançaremos mais. Pois, o pensamento crítico ao capi-
talismo, socialismo, comunismo e anarquismo, bem como a organização
da classe trabalhadora serão assuntos da nossa próxima aula. E logo em
seguida, trataremos do capitalismo monopolista e do imperialismo.

RESUMO
O Capitalismo é um modo de produção devotado à reprodução
ampliada de capital. Para isso, ele busca através da racionalização do pro-
cesso produtivo, do controle da força de trabalho e da intensificação da
mecanização o aumento da produção de excedente, e, logo, da extração da
mais-valia, fonte básica da acumulação Capitalista. Mas, para a realização
dessa mais-valia é necessário que o excedente seja consumido pelo mercado,
onde enfrenta a concorrência de outros capitais. A competição no mercado
induziu ao capitalismo novas formas de regulamentação e incorporação de
novas técnicas e tecnologias no processo de produção, e um realinhamento
com os atores externos, em especial, o Estado, o que instituiu fases diferen-
ciadas do processo de acumulação Capitalista: capitalismo concorrencial e
o Capitalismo monopolista.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, José J. de Andrade. Revolução Industrial e Capitalismo. São


Paulo: Editora Brasiliense, 1984, Coleção Primeiros Vôos.
BEAUD, Michael. História do Capitalismo: de 1500 aos nossos dias. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
BRAVEMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho
no século XX. 3 ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1987.
CATTANI, Antonio David. Trabalho e tecnologia: Dicionário Crítico.
Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
COGGIOLA, Osvaldo. Introdução à Teoria Econômica Marxista. São
Paulo: Editora Boitempo, 1998.

61
História Econômica Geral e do Brasil

DOBB, Maurice. A evolução do Capitalismo. 7 ed. São Paulo: Editora


Zahar, 1980.
HOBSBAWM. Eric J. A era do Capital: 1848/1875. 5 ed. São Paulo:
Editora Paz e Terra, 1996.
———. A era dos Impérios: 1875/1914. 3 ed. São Paulo: Editora Paz e
Terra, 1992.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 17 ed. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1981.
MARX, Karl. O Capital: critica à Economia Política. 16 ed. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasiliense, 1998.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista.
São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1998.
OHLWEILER, Otto Alcides. Materialismo Histórico e crise contem-
porânea. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
———. O Capitalismo contemporâneo. Porto Alegre: Editora Mercado
Aberto, 1986.
PELIANO, José Carlos. Acumulação de trabalho e mobilidade do
capital. Brasília: Editora UNB, 1990.
SANDRONI, Paulo. Novo Dicionário de Economia. 2 ed. São Paulo:
Ed. Best Seller, 1994.
SINGER, Paul. O que é Economia. São Paulo: Ed. Contexto, 1998.
———. Aprender Economia. São Paulo: Ed. Contexto, 1998.

GLÓSSARIO

Paul Singer: Economista brasileiro, autor dos livros:


O que é Economia, Globalização e desemprego, A Economia
Solidária no Brasil, entre outros, esteve presente nas
lutas operárias do ABC paulista na década de 70.

Frederick Taylor: Engenheiro norte-americano


(1856-1915). Dedicou-se ao estudo da organização
nacional do trabalho. O seu pensamento constituiu
uma série de princípios como o objetivo do
crescimento da produtividade, o taylorismo.

Henry Ford: Industrial norte-americano (1863-


1947) inventor da linha de montagem na fabricação
de automóveis. Fundou em 1903 a Ford Motor
Company.

62
Aula 5
O CAPITALISMO ENTRE
GUERRAS (1914 E 1945)

META
Apresentar as características do Capitalismo monopolista e financeiro entre as duas grandes guerras
mundiais: 1914 – 1945.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Relacionar as crises econômicas provocadas pela II Grande Depressão e as Guerras Mundiais com as
transformações do Capitalismo;
Compreender a importância do Estado para a economia capitalista durante a “era da catástrofe”.

PRÉ-REQUISITOS
Rever as aulas sobre: Ideologia Liberal, Revolução Industrial e O Capitalismo Concorrencial.

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO

A era da catástrofe é a identificação proposta por Eric Hobsbawm


para o período da história mundial que compreende os anos entre o início
da I Guerra Mundial (1914) e o término da Segunda Guerra Mundial.
Época marcada economicamente pela II Grande Depressão da história do
Capitalismo, que colocou um ponto final na prosperidade econômica que
se seguiu após a I Grande Depressão, levando à falência várias empresas
capitalistas, e de roldão a maioria dos trabalhadores ao desemprego e à
fome. Situação que foi registrada por vários romancistas internacionais
como Jonh Steinbeck, em “As Vinhas da Ira” e George Orwell, em “O
Caminho para Wigan Píer”. Mas que também foi observada em declarações
de altos executivos, como a proferida pelo diretor executivo do Conselho
do Bem-Estar de Nova Iorque, que reconheceu a degradante condições
de vida que a depressão estava causando aos trabalhadores. Afirmou o
diretor: “Essas pessoas, que desconheciam o que era passar necessidade,
vêem-se obrigadas a pedir auxílio. O espectro da fome ronda milhões de
famílias que nunca haviam experimentado a realidade do desemprego por
um período tão prolongado e que certamente nunca conheceram o que
era estar entregues a uma situação absolutamente desesperadora.” (HUNT;
SHERMAN, 1986, 165).
Esse período também foi marcado pela perda da hegemonia do capi-
talismo europeu, liderado pela Inglaterra, pela ascensão do capitalismo dos
Estados Unidos da América, pela consolidação do Capitalismo monopolista
e financeiro, e pelo Estado planejador dos assuntos econômicos. Este será
o assunto desta aula.

Figura 2 - Eric Hobsbawm


(Fonte: http://www.hindu.com).

64
O Capitalismo entre Guerras (1914-1945) Aula 5
O CAPITALISMO EM CRISE

As formações sociais capitalistas, depois da superação da crise provo-


cada pela I Grande Depressão, ocorrida no final do século XIX, tiveram um
dinâmico processo de expansão econômica, que fez os segmentos sociais
beneficiados pelo progresso e pela industrialização acreditar que essa
seria a “eterna e inexorável condição” do modo de produção capitalista.
A sociedade burguesa liberal encontrava-se em seu auge. A Europa domi-
nava o mundo em todos os seus aspectos. Na economia, a supremacia dos
principais países capitalistas europeus (em destaque a Inglaterra, França,
Alemanha e Bélgica) detinha, nas vésperas da I Guerra Mundial (1914), 62%
da produção e mais de 80% dos capitais investidos no exterior, controlava
os preços do mercado internacional e era a maior compradora de matérias
primas e de produtos agrícolas dos países periféricos. De forma imperialista,
dominava a Ásia, a África e a América Latina.
O nacionalismo exacerbado ganhava as mentes das populações imperi-
alistas, reforçando a radical decisão dos governos de adotarem uma política
militarista, bem a gosto do empresário imperialista capitalista, pois garantia o
consumo das indústrias ligadas à fabricação de armas e outros suprimentos
materiais (alimento, fardas, calçados etc.) para as forças armadas.
Mas, como já vimos antes, a natureza do desenvolvimento capitalista
se apóia em contradições que, em determinadas conjunturas, geram crises
parciais ou gerais. Sendo assim, a “vistosa” situação da hegemonia burguesa
européia se contraditava com as condições da classe trabalhadora, que, ape-
sar de sua expansão quantitativa, continuava a luta incessante por melhorias
salariais e condições de trabalho, pressionando o capital a gastar mais com
a reprodução da força de trabalho. Ao mesmo tempo em que acirrava a
competição entre as formações sociais capitalistas por novos mercados.
O acirramento dessas contradições empurrou as formações sociais
e econômicas imperialistas à guerra, ao rumo à “era da catástrofe” e ao
“abismo econômico. A uma guerra sem limites, de massa, pois como bem
colocou Eric Hobsbawm, da:

I Guerra em diante, as guerras do século XX, “envolve todos os


cidadãos e mobiliza a maioria; é travada com armamentos que
exigem um desvio de toda a economia para a sua produção, e são
usados em quantidade inimagináveis; produz indizível destruição e
domina e transforma absolutamente a vida dos países envolvidos.
(HOBSBAWM, 1995, 51)

A preparação para a guerra das formações sociais imperialistas fez


crescer a ideologia do nacionalismo, causando uma derrota ao movimento
operário que se colocou contrário à guerra e fragilizou a bandeira do in-

65
História Econômica Geral e do Brasil

ternacionalismo, que convocava os trabalhadores a se organizar contra a


guerra, pois ela só era de interesses dos capitalistas.
As greves gerais foram insuficientes para fortalecer o movimento
operário na luta contra a guerra e a favor da paz. Mas, a guerra causou
outra derrota aos trabalhadores organizados, pois contribuiu para quebrar
a resistência dos operários contra a introdução do “gerenciamento cientí-
fico” no processo de produção capitalista. Além dessas derrotas, a classe
trabalhadora, durante a I Guerra Mundial, foi prejudicada com a morte de
10% do efetivo empregado no setor industrial. (BEAUD, 1981) Número
que aumentaria enormemente durante a II Guerra.
Mas, apesar da guerra destruir parte das forças produtivas, ela contribui para
intensificar as forças dinâmicas da economia capitalista, através da renovação
constante das forças produtivas com a intensificação do uso de novas técnicas
de produção e do conhecimento científico, na medida em que “a natureza da
guerra” do século XX passou a ser uma “guerra de massa”, que só seria possível
funcionar por uma “economia industrializada de alta produtividade”.
Uma economia industrial de alta produtividade para operar exigia altos
recursos financeiros que os capitalistas foram buscar no Estado capitalista,
aprofundando ainda mais a integração entre a política e a economia, e entre
o governo e os setores privados. Além do financiamento, objetivando incre-
mentar a política armamentista, os estados capitalistas passaram a possuir
as suas próprias indústrias bélicas.
Contudo, apesar do investimento na constituição da indústria voltada
para a guerra pelo Estado, a prosperidade da economia voltada para a guerra
se verificou com a simbiose entre o governo e a indústria de guerra privada
na construção de um “complexo industrial militar”. Essa tendência foi
apontada por Rosa de Luxemburgo em 1913, ao reconhecer a importância
da produção militarista para a reprodução ampliada do capital, na medida
em que o governo, como consumidor, garante a compra dos produtos
militares, livrando os capitalistas das “flutuações do mercado”, quanto à
incerteza do consumo. A continuidade do mercado para a indústria bélica
advém da forte influência que os proprietários do capital possuem sobre

a legislação e da imprensa cuja função é moldar a assim chamada


‘opinião pública’. É por isso que esta área particular da acumulação
capitalista parece capaz a principio de uma expansão infinita. Todos
os outros esforços para expandir o mercado e estabelecer as bases
operacionais do capital depende largamente de fatores históricos,
sociais e políticos, que estão além do controle do capital, ao passo
que a produção para o militarismo representa um campo cuja
expansão progressiva e regular parece primariamente determinada
pelo próprio capital. (Rosa de Luxemburgo, Acumulação Primitiva
citada por MÉSZAROS, Istvân. Produção Destrutiva e Estado Capitalista.
São Paulo: Ensaio, 1989, p. 61)

66
O Capitalismo entre Guerras (1914-1945) Aula 5
A articulação entre o Estado e a economia continuou a se processar
de uma forma tão intensa que o reconhecimento de uma “grande nação”
se dava utilizando-se de variáveis que estivessem ligando uma “grande
economia” a uma forte força militar.
A I Grande Guerra deu início à “era da catástrofe”, e a ela se segue

um tipo de colapso verdadeiramente mundial, sentido em todos os


lugares em que homens e mulheres se envolviam ou faziam uso de
transações impessoais de mercado. Na verdade, mesmo os orgulhosos
EUA, longe de um porto seguro das convulsões de continentes menos
afortunados, se tornaram o epicentro deste que foi o maior terremoto
global medido pela escala Richter dos historiadores econômicos – a
Grande Depressão do entre guerras. Em suma: entre elas, a economia
mundial capitalista pareceu desmoronar. Ninguém sabia exatamente
como se poderia recuperá-la. (HOBSBAWM, 1995, 91)

Figura 3 - (Fonte: www.culturabrasil.org)

A recuperação da economia que se segue pós I Guerra Mundial não


fez desaparecer as contradições que levaram o capitalismo à I Grande De-
pressão e à guerra. O movimento dos trabalhadores ganhou novo ímpeto
com a Revolução Socialista de 1917, na Rússia. Revolução que rompeu com
o capitalismo, dando uma pátria ao socialismo. As suas principais lideranças
a viam como a origem da revolução mundial, que através de sua internacio-
nalização levaria de roldão o mundo capitalista. Porém, as revoluções, com
a sua natureza, em outros países, não conseguiram se efetivar. Em 1919, as
revoluções comunistas na Alemanha e na Hungria foram derrotadas. Na

67
História Econômica Geral e do Brasil

França, o movimento revolucionário rachou, colocando separadamente


socialistas e comunistas. O movimento operário revolucionário, internacio-
nalmente, encontra-se em processo de desarticulação e em contra partida
se assistia ao crescimento de tendência de direita dominada pela visão de
mundo nazi-facista.
No contexto econômico internacional, assiste-se ao início do processo
de superação da hegemonia do capitalismo europeu, em especial o inglês,
diante do crescimento econômico dos Estados Unidos da América. Outras
nações como a URSS e o Japão se empenharam de forma formidável em
processos distintos de industrialização. A Alemanha, depois da humilhação
imposta pelas potências vencedoras da I Grande Guerra, através da im-
posição do tratado de Versalhes, na perspectiva de aniquilar a possibilidade
de um desenvolvimento econômico alemão, que viesse a concorrer com os
interesses imperialistas da França, e da Inglaterra principalmente, voltou, no
final dos anos trinta, a desenvolver uma política de industrialização agres-
siva, principalmente após a conquista do governo alemão pelo Partido do
Nacional Socialista, liderado por Adolf Hitler.
Quanto às formações econômicas e sociais capitalistas periféricas, ini-
ciaram programas de industrialização. No caso do Brasil, a economia iniciou
processo de superação do “modelo agrário exportador” centrado na mono-
cultura e voltado para o mercado externo para um modelo industrial via a
adoção de uma política de industrialização de substituição de exportação.
Mas, como havíamos colocado anteriormente, a expansão da economia
capitalista do pós I Guerra foi incapaz de evitar um novo e forte abalo na
economia capitalista mundial que foi envolvida pela II Grande Depressão
da década de 1930. A crise da economia capitalista da década de trinta teve
sua origem nos Estado Unidos, cuja economia havia acumulado capital mais
forte durante a Guerra Mundial e o período seguinte.
Depois da I Guerra Mundial, a economia dos EUA se transformou na
maior economia do mundo, responsável por mais de um terço da produção
industrial mundial. Também, era o maior credor mundial, o maior importa-
dor (comprador) de matérias-primas (trigo, borracha, seda, cobre, estanho,
café). Internamente, o crescimento econômico se baseava no consumo de
massa facilitado por um credito fácil. Ser um patriota americano era ser
um consumidor dos produtos industrializados americanos. Henry Ford, o
introdutor da regulação fordista e dono da Ford, era também defensor do
aumento real dos salários, como resultante do crescimento da produtividade,
como meio de dar dinamismo à economia, com o aumento do consumo,
da produção e do lucro. A política consumista desenvolvida nos Estados
Unidos fez reduzir a prática da poupança, que passou a ser discriminada,
pois o que era importante para a sociedade era consumir sempre mais.
Essa ideologia do consumo foi assim comentada por um Jornalista
americano:

68
O Capitalismo entre Guerras (1914-1945) Aula 5
poupar era condenado como algo irremediavelmente impatriótico. Era
dever de cada norte-americano comprar maior número possível de
relógios de pulso, enceradeiras, geladeiras, aparelhos de barbear elétricos,
bicicletas ergométricas e lata de ervilhas. (BRENER, 1996, p. 6).

Poderíamos incluir na lista do consumo americano o carro, os altos


edifícios e os produtos de Hollywood. Tudo isso financiado a crédito fácil.
Era o modo de vida (o american way of life) em construção. As bolsas de
valores locais de captação de recurso para os investimentos na economia
viviam o seu auge.
Mas nem toda a população vivia “o modo de vida americano”. Grande
parte dela continuava na pobreza.
As condições de expansão do Capitalismo têm seus limites. As bases
da prosperidade econômica da década de 1920 eram fracas. Pois se base-
ava em um cenário internacional economicamente desfavorável à criação
de uma demanda crescente e duradoura, que garantisse o consumo do
crescimento da produtividade das indústrias americanas. O endividam-
ento nas nações atingidas pela guerra, como os EUA, era enorme e não
possuía meios reguladores para o seu pagamento, o que acarretava mais
ainda os problemas das transações comerciais mundiais. A agricultura,
setor importante para o escoamento da produção industrial, não conseguia
mundialmente recupera-se, pois a sua comercialização continuava a cair e
vinha acumulando desvalorização, “se achava praticamente em estado de
depressão”. Os salários perdiam a corrida diante da valorização dos preços
dos produtos, impedindo a continuidade do consumo, não dando conta
de consumir a crescente produção industrial provocada pelo aumento da
produtividade. O mercado diminuindo ampliou a concorrência entre os
estados capitalistas. Concorrência que se tornou mais acirrada na medida em
que os países europeus, devastados pela guerra,
recuperavam gradativamente a produção agrí-
cola e a industrial.
Lentamente, estava se montado a situação
que geraria a crise que assolaria a economia
mundial capitalista no início do século XX,
que pode ser resumida como sendo uma crise
provocada pela superprodução e especulação.
A produção agrícola americana ampliada pela
industrialização começou a perder o mercado
consumidor criado no pós-guerra com a recu-
peração da produção agrícola de países euro-
peus, situação que contribuiu para aumento de
excedente que se tornava cada vez mais impos- Figura 4 - Família desempregada, vivendo em condições
sível de ser consumido por falta de mercado miseráveis. A Grande Depressão causou pobreza geral nos
Estados Unidos e em diversos países do mundo. (Fonte:
interno e externo. Situação que se agravou www.wikipedia.org).

69
História Econômica Geral e do Brasil

mais ainda pela redução forte dos salários dos trabalhadores americanos,
forçando a redução do consumo. A diminuição do consumo dos produtos
agrícolas impedia que esse setor da economia acumulasse o suficiente para
demandar produtos industrializados (tratores, máquinas, insumos e outros
produtos) A redução do consumo atingia toda a economia, desde agricul-
tura a produtos industrializados, o que gerou uma crise de superprodução.
A diminuição do mercado consumidor provocou falência generalizada das
empresas e o aumento do desemprego.
Junto à crise de superprodução
atuou a especulação financeira nas
bolsas de valores locais de venda de
ações das empresas. A Bolsa de Nova
Iorque, uma das mais importantes da
época, viveu, durante os anos vinte,
uma agitada época de valorização das
ações comercializadas, seguindo a em-
polgação da prosperidade que domi-
nou a economia dos EUA, através
de cotações altíssimas das ações, sem
o cuidado de verificar a realidade
Figura 5 - Desempregados fazem fila para tomar a sopa gratuita em econômica das empresas, facilitando
Chicago (EUA), durante a crise econômica da década de 1930. um forte movimento especulativo. A
(Fonte: www.miniweb.com.br).
falsidade do valor de suas ações veio
à tona quando começaram a falir determinadas empresas, causando pânico
entre os investidores, que atingiu o auge no dia 24 de outubro de 1929, a
“Quinta-feira Negra”, o dia do “crack” da bolsa de Nova Iorque. A crise
durou três anos. Nos Estados Unidos, foram à falência 4 mil bancos, 14
milhões de pessoas ficaram desempregadas, os salários acumularam uma
perda de mais de 40% e a renda nacional diminuiu em mais ou menos 50%.
Essa situação gerou uma crise sem precedente na economia mundial e as
medidas aplicadas para a superação da crise modificaram radicalmente o
Capitalismo, desmontando a idéia de um Capitalismo liberal, em que a livre
concorrência ajustaria o mercado.
No Brasil, a repercussão do “crack” da bolsa de Nova Iorque foi trágico,
causando a falência de 579 fábricas devido à redução do consumo, o de-
semprego atingiu dois milhões de pessoas, os salários dos trabalhadores
urbanos caíram em media 45% e os dos trabalhadores rurais acumularam
uma queda de 53%. As medidas de restrições ao crédito e as políticas pro-
tecionistas adotadas pelos países consumidores dos produtos brasileiros,
principalmente os Estados Unidos e Inglaterra, forçaram a queda do valor
do principal produto da pauta de exportação brasileira, o café, que teve
seu preço reduzido da saca de 200 mil reis, em 1929, para 21 mil reis, em
1930. (REZENDE, 1999).

70
O Capitalismo entre Guerras (1914-1945) Aula 5
Cada formação social buscou sua saída para a crise da década de 1930.
As saídas propostas para a crise aconteceram inspiradas em três vertentes
ideológicas: o planejamento centralizado como base no pensamento marxis-
ta-leninista; a administração estatal da macroeconomia com base na renda
nacional baseada nas formulações de J. M. Keynes, e a vertente nazi-facista
que busca de forma centralizada o pleno emprego e a industrialização. Ver glossário no
A saída para a crise da maior economia do mundo, a dos os EUA, foi final da Aula
introduzida pelo presidente americano Franklin D. Roosevelt, eleito em 1932
e reeleito três vezes, através do plano econômico denominado “New Deal”
(o novo contrato), que rompeu com as diretrizes clássicas do liberalismo
na medida em que introduzia a interferência do Estado na economia.
O plano absorvia, ao longo de sua elaboração e execução, algumas idéias
de J. M. Keynes. O New Deal, em síntese, se resumiu na intervenção do
Estado através de investimentos na infra-estrutura, com a construção de
estradas, barragens, hidroelétricas, aeroportos, portos e habitações popu-
lares. Essas ações tinham como objetivo aquecer a oferta de empregos e
diminuir o desemprego, ao mesmo tempo recuperar o poder de consumo
e incentivando as produções industrial e agrícola. De imediato, o plano
econômico não recuperou a economia, fato que foi conseguido durante a
guerra e depois dela.
O plano New Deal sofreu uma forte oposição de setores dos empresários
capitalistas e de segmentos da alta corte de justiça que não aceitavam a in-
tervenção do Estado na economia, e continuavam defendendo as teses do
liberalismo, acreditando na “mão invisível” para equilíbrio da economia.
Apesar da oposição de alguns empresários, o New Deal “abriu caminho para
uma “frutuosa cooperação” entre o governo e os negócios. Pois, a partir do
momento em que “o que bom para a General Motors é bom para a América,
América first (América em primeiro) pode ser muito bem ser trocado por
Business first. (negócios em primeiro) (BEAUD, 1981, p. 268.)
A Inglaterra, país que hegemonizou a economia mundial capitalista
durante todo o século XIX, procurava caminhos para a recuperação
econômica. As contradições do capitalismo se apresentavam mais intensa.
Os trabalhadores organizados em sindicatos e em partidos políticos ele-
giam governos seguidamente vinculados às tendências reformistas do
trabalhismo, impedindo que a ânsia de acumulação do capital reduzisse
o poder de ganho da classe trabalhadora.
Para recuperar-se economicamente das crises parciais que vinham
atingindo a economia inglesa depois da I Guerra Mundial, o governo jun-
tamente com o empresariado britânico desenvolveu política econômica
que visava à recuperação do valor da libra esterlina (a moeda inglesa) para
os valores antes da guerra, o que implicava na desvalorização do valor dos
salários dos trabalhadores, o que motivou a reação dos trabalhadores com
greves.

71
História Econômica Geral e do Brasil

Porém, o governo inglês, juntamente com o patronato, de forma repres-


siva, impôs uma violenta derrota à classe trabalhadora com a declaração
da ilegalidade da greve geral convocada “Trade Unions”, em 1926, o que
dividiu os trabalhadores. Para consolidar o enfraquecimento dos sindicatos,
em 1927, o Parlamento Inglês aprovou lei que restringia o direito de greve.
A essa política de desvalorização salarial utilizada pelo governo inglês
foi duramente combatida pelo J. M. Keynes, que não acreditava que a
política de valorização da libra e a consequente desvalorização do valor dos
salários recuperassem a economia inglesa. Com a crise de 1929, a situação
da economia inglesa ficou insustentável, pois ela colocou que a indústria
inglesa não conseguiu acompanhar o desenvolvimento do setor ao manter-
se ligada ainda à primeira Revolução Industrial baseada na exploração e
no uso do carvão na metalurgia e na indústria têxtil, enquanto em outros
países capitalistas, em especial os Estados Unidos, avançaram no uso da
eletricidade e do petróleo.
Em 1931, com a vitória de uma aliança trabalhista para o governo da
Inglaterra, a política liberal de valorização da libra e da redução salarial foi
substituída por uma política econômica influenciada pelas teses de Keynes,
partidário da idéia de que a redução do desemprego e do aumento do con-
sumo seria base para o crescimento econômico. No desenvolvimento dessa
política, o Estado teria um papel central, pois se responsabilizaria pelos
investimentos na infraestrutura e regularia os salários. A política adotada
recuperou parcialmente a economia inglesa e reduziu o numero de desem-
pregado. Também, a política econômica adotada que visou à reestruturação
do setor industrial favoreceu ao processo de concentração das empresas.
Assim, a poderosa economia capitalista liberal do século XIX se despedia,
dando lugar ao capitalismo monopolista e financeiro.
As derrotas na I Grande Guerra e II Grande Depressão, também
marcaram, na Alemanha, a transição de uma economia liberal pela eco-
nomia do Capitalismo monopolista e financeiro. A política econômica do
Partido do Nacional Socialismo Alemão (Partido Nazista) liderado por
Hitler, a partir de 1933, desenvolveu uma política fortemente centralizada
na mão do Estado, que impôs um ferrenho controle da classe trabalhadora,
liquidando organizações sindicais e partidárias de tendências comunistas
e socialdemocráticas. Com um forte apoio político do grande capital e da
pequena e média burguesia os nazistas, através de um Estado totalitário e ob-
jetivando a consolidação da “Grande Alemanha”, reduziram o desemprego
de 5 milhões de trabalhadores, em 1933, para pouco mais de dezenas de
milhares, em 1939. A produção industrial dobrou. A recuperação econômica
era evidente, tendo como principal condutor o Estado, que era o maior
empregador, o principal consumidor, principal construtor e banqueiro.
Com objetivos militares, incentivou o crescimento da indústria da
guerra, tendo na frente o grupo industrial privado da Krupp, favorecendo

72
O Capitalismo entre Guerras (1914-1945) Aula 5
o crescimento da produção da indústria química, da metalúrgica, da têxtil e
de alimentação. Também, incentivou a formação de cartéis com o objetivo
de controlar a concorrência para evitar o aumento dos preços e a inflação.
A Alemanha nazista, com a sua política de intervenção estatal na economia,
consolidou o capitalismo e transformou-se em uma potência econômica e
militar, que não admitia concorrência na Europa. Como conseqüência, fez
recrudescer a disputa entre os países imperialistas, que levaram o mundo
à mais sangrenta guerra.

ATIVIDADES

1. Defina a natureza da “era da catástrofe”.


2. Comente sobre a relação entre a industria da guerra a crise economia
capitalista.
3. Cite elementos do pensamento de Keynes para solucionar a crise do
Capitalismo.
4. Identifique as causa da crise geral da economia capitalista da década de
1920.
5. Identifique as principais características do New Deal.
6. Comente as políticas adotas pela Inglaterra e Alemanha para superar a
crise
7. Comente sobre as conseqüências para o capitalismo mundial provenientes
das políticas aplicadas superar as crises sofridas pela economia mundial
durante o período entre as Guerras Mundiais – 1914/1945.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADE


A economia capitalista, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial,
período do conhecido como a “era da catástrofe”, viveu fortes crises
econômicas, ampliada que foi intensificada com a Grande Depressão,
originada pela quebra do Bolsa de Nova Yorque, em 1929. As
crises impeliram o capitalismo a adotarem políticas econômicas que
transformaram o capitalismo. As mudanças se caracterizaram pela
intensificação da intervenção do Estado da economia, pela ampliação
dos monopólios e dar articulação entre o setor financeiro e o industrial,
pela produção e consumo de massa, pela intensificação da pratica
do “gerenciamento cientifico” (ao fordismo) e pela consolidação da
hegemonia do modelo econômico capitalista americano.

73
História Econômica Geral e do Brasil

CONCLUSÃO
A Crise econômica generalizada que dominou o capitalismo mundial
na “era da catástrofe”, marcada pelas Guerras Mundiais, pela II grande De-
pressão e pela forte agitação sociais como a Revolução Soviética, “destruiu
o liberalismo econômico”, derrubando normas de regulação dominantes
durante o todo o século XIX. (HOBSBAWM, 1995) De formas diversifica-
das as diversas formações sociais impuseram aumento qualitativo do Estado
na economia, que para impedir a concorrência dos produtos estrangeiros
executaram políticas protecionistas, que contribuíram para desmontar a
nível nacional e internacional a pratica “o livre comercio”. A política pro-
tecionista implicou, nas formações sociais imperialistas, a intensificação
do crescimento das indústrias voltadas para a guerra, com a formação dos
“complexos industriais militares”. O que dava seguimento ao processo de
monopolização e financeirização da economia capitalista.
Também, em conseqüência ao protecionismo econômico diminuiu
o “nível de integração econômica global em relação ao que havia sido al-
cançado antes de 1914”. (COLLINICOS, 2007) Situação agravada com a
formação da União das Republicas Soviéticas (1917), retirou do mercado
capitalista regiões de consumidoras de industrializados dos principais
Estados capitalista europeus, em virtude da implementação do projeto
de política “econômica socialista.”. Não se pode deixar de registrar outra
mudança significativa que foi a perda da liderança da economia mundial
pelas formações sociais e econômicas européias para os Estados Unidos
da América, pais em que a economia capitalista teve a Primeira e a Segunda
Guerra como conjunturas favoráveis à superação das crises que abalaram
a sua economia e a do mundo. Os anos, pós 1945, registram o domínio
esmagador econômico e militar do imperialismo dos USA mundialmente,
que disputaria com o imperialismo da ex-URSS, até o final dos anos 80, do
século XX, a hegemonia mundial.

RESUMO

As contradições que contribuíram para criarem a “era da catástro-


fe”(1914/1945) derrubaram o liberalismo econômico e político. Pois, à
medida que a contradição entre o trabalho e o capital e entre as diversas
formações sociais imperialistas se acirravam, os gerentes dos capitais bus-
caram e exigiram do Estado mudanças de conduta política, e que, através
de sua intervenção, movesse ações que superassem as crises promovidas
pela concorrência e pela pressão política dos trabalhadores, que impediam
a realização da acumulação ampliada de capitais. A conseqüência da nova
forma de regulação capitalista foi a intensificação dos modos monopolista

74
O Capitalismo entre Guerras (1914-1945) Aula 5
e financeiro de operar a economia mundial, dando fôlego à expansão das
forças produtivas originárias da segunda revolução industrial, à produção e
consumo de massa, à intensificação da prática do “gerenciamento científico”
(ao fordismo) e ao domínio do modelo econômico capitalista americano.
Ao mesmo tempo, a era da catástrofe criou uma conjuntura favorável à
formação do primeiro Estado Socialista, a URSS.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula estudaremos a Era de ouro do Capitalismo

REFERÊNCIAS

ARRUDA, José J. de Andrade. Revolução Industrial e Capitalismo. São


Paulo: Editora Brasiliense, 1984, Coleção Primeiros Vôos.
BEAUD, Michael. História do Capitalismo: de 1500 aos nossos dias. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
BRENER, James. 1929: a crise que mudou o mundo. São Paulo:, Editora
Ática, 1996,
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
CATTANI, Antonio David. Trabalho e tecnologia: Dicionário Crítico.
Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
COGGIOLA, Osvaldo; KATZ, Cláudio. Neoliberalismo ou crise do
capital? São Paulo: Editora Xamã, 1986.
CALLINICOS, Alex. Marxismo e imperialismo hoje. Disponivel em
<http://socialista.tripod.com>. Acesso em 22/03/2007.
HOBSBAWM. Eric J. A era do Capital: 1848/1875. 5 ed. São Paulo: Edi-
tora Paz e Terra, 1996.
———. A era dos Impérios: 1875/1914. 3 ed. São Paulo: Editora Paz e
Terra, 1992.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 17 ed. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1981.
HUNT & SHERMAN. História do pensamento econômico. 5 ed.
Petrópolis: Ed. Vozes, 1986.
MARX, Karl; O Capital: crítica à Economia Política. 16 ed. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasiliense, 1998.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista.
São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1998.

75
História Econômica Geral e do Brasil

MÉSZAROS, Istvân. Produção destrutiva e Estado capitalista. São


Paulo: Ensaio, 1989.
OHLWEILER, Otto Alcides. Materialismo Histórico e crise contem-
porânea. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
———. O Capitalismo contemporâneo. Porto Alegre: Editora Mercado
Aberto, 1986.
PELIANO, José Carlos. Acumulação de trabalho e mobilidade do
capital. Brasília: Editora UNB, 1990.
REZENDE, Cyro. Economia brasileira contemporânea. São Paulo:
Ed. Contexto, 1999.
SANDRONI, Paulo. Novo Dicionário de Economia. 2 ed. São Paulo:
Ed. Best Seller, 1994.
SINGER, Paul. O que é Economia. São Paulo: Editora Contexto, 1998.

GLÓSSARIO

Jonh M. Keynes: (1883/1946) mais importe economista


inglês do início do século XX, foi um crítico do
liberalismo clássico, afirmando que as políticas centradas
na confiança na força do mercado para garantir o
equilíbrio automático econômico capitalista eram
enganosa e inconsistentes, por isso era necessário que
para evitar a recessão e o desemprego que o Estado realize uma política
de investimentos na economia na busca de encontra o pleno emprego.
O seu pensamento influenciou fortemente as economias capitalistas
depois da segunda guerra mundial. Seu pensamento econômico foi
escrito nos trabalhos: Tratado sobre a Moeda (1930) e Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda (1936), que contem o corpo de sua teoria.
(SANDRONI: 1994, 183/184)

76
Aula 6
A ERA DE OURO DO
CAPITALISMO

META
Discutir aspectos constituintes do Capitalismo depois da Segunda Guerra Mundial

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Caracterizar o Capitalismo mundial após a II Grande Guerra;
Apreender as bases institucionais da hegemonia econômica do capitalismo americano;
Identificar as consequências do aprofundamento da relação entre o conhecimento científico e
processo produtivo do capitalismo em sua “época de ouro”.

PRÉ-REQUISITOS
Rever as aulas sobre: Ideologia Liberal, Revolução Industrial e O Capitalismo Concorrencial.

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO

Cara aluna ou caro aluno, como afirmou o historiador francês, Jean


Jacques Chesnaux, hoje, nós, população mundial,

estamos sempre em regime capitalista. Os pequenos e grandes


acionistas controlam seus dividendos, e o mundo move-se, quando
as Bolsas se movimentam; os salários dos trabalhadores são
irrisórios, comparados aos orçamentos gigantes das multinacionais;
os consumidores são impotentes diante dos produtos, cuja qualidade
é determinada pelos cálculos financeiros, que nada têm a ver com as
suas necessidades reais. Mais do que nunca, a produção e as trocas
servem ao aumento da reprodução do capital e se organizam segundo
as normas e as propriedades do mercado mundial. Mais do que nada,
a prosperidade das empresas se define pela rentabilidade de seus
investimentos e a competitividade de seus produtos. Mais do que
nunca, o valor de uso se separa do valor de troca. Mais do que nunca,
a interpenetração do capital industrial e do financeiro é a chave do
poderio econômico (CHESNEAUX, 1995, p. 189).

Para a comprovação do Estado descrito por Jean J. Chesneaux, não


precisamos sair de casa, basta olhar os instrumentos que utilizamos em
nossas atividades domésticas para perceber a sua ligação com o mercado.
E se quisermos ampliar a nossa visão do “mundo capitalista” basta ligar a
televisão e estaremos “plugados” ao mercado. Tudo isso faz lembrar um
pouco a aula que estudamos sobre as características fundamentais do capi-
talismo, na qual vimos que o Capitalismo possui a necessidade imperiosa de
expansão, ou melhor, de estar sempre em reprodução ampliada, rompendo
fronteiras de todos os tipos.
Nesta aula, vamos observar que o Capitalismo depois da crise que
dominou a economia mundial do início do século XX, a partir dos anos
cinqüenta, entrou em uma fase de contínua expansão, o que levou alguns
estudiosos a afirmarem que ela foi “a era de ouro” do Capitalismo. Período
que entra em processo de finalização durante as crises que ocorrem na
economia capitalista durante os anos 70 do século XX. Vamos ao estudo.

PÓS-GUERRA
Durante as décadas iniciais do século XX, a economia mundial foi
afetada por diversas crises que contribuíram para mudar de maneira
profunda o funcionamento do modo de produção capitalista, e também
colaboraram para a constituição de uma época de expansão contínua de
acumulação capitalista, apesar de o mundo se encontrar polarizado entre os
dois blocos: o Socialista, liderado pela URSS, e o Capitalista, liderado pelos

78
A Era de Ouro do Capitalismo Aula 6
EUA, vivendo em uma conjuntura de “Guerra Fria”. Mas, como chamou
atenção Eric Hobsbawm, este período de expressiva expansão capitalista foi
um fenômeno mundial, apesar de se concentrar essencialmente nos países
capitalistas desenvolvidos. (HOBSBAWM; 1995)
Em 1944, o resultado da II Guerra Mundial já assinalava sinais da der-
rota dos países do eixo: Alemanha, Itália e Japão. A Guerra deixaria pro-
fundas consequências para a economia dos países envolvidos diretamente
no conflito, em especial para os principais países capitalistas da Europa,
que tiveram suas economias destroçadas. Alguns dados sobre a produção
econômica dão para certificar a queda de produtividade na medida em
que comparamos os anos 30 com a produção dos anos imediatos ao pós
guerra. A comparação demonstra uma queda de mais de 60% da produção
do setor agropecuário (cereais diminuíram em 70%, carne em 66% e os
outros produtos agrícolas em 75%) (PADRÓS: 2000).
A quebra da produtividade também atingiu a indústria, que, voltada,
preferencialmente, para a guerra teve que mudar a sua orientação. Se junta
à quebra da produtividade da economia européia o crescimento do débito
externo acumulado pelos países europeus, débito que foi contraído para
poder operar as suas máquinas de guerras. Países que passaram de uma
condição de nação credora para uma condição de devedora.
Além desses fatores econômicos, as conseqüências das guerras mundiais
afetaram enormemente a geopolítica internacional com a desestruturação
dos antigos impérios coloniais constituídos ao longo do século XIX. O
processo de descolonização foi muito significativo, pois na década de 70,

nenhum território de tamanho significativo continuava sob


administração direta das ex-potências coloniais ou seus regimes de
colonos, a não ser no Centro e Sul da Ásia – e, claro, no Vietnã em
guerra. A era imperial acabara. (HOBSBAWM, 1995, p. 254).

A perda das colônias contribuiu para enfraquecer mais ainda os países


europeus ao mesmo tempo em que favorecia os dois países líderes dos
blocos comunista e capitalista, a URSS e os EUA, principalmente este ul-
timo, que, ficando líder dos países de forças produtivas mais desenvolvidas,
consegue, durante a Segunda Guerra Mundial, triplicar a sua produção que
chegou, em 1946, a ser o responsável por 60% da produção mundial, e sua
renda per capita a atingir um crescimento de mais de 100%, que transformou
a antiga colônia inglesa na maior potência mundial, militar e econômica.
Mas, como dizíamos anteriormente, o funcionamento do modo de
produção capitalista modificou-se, a era liberal, de livre mercado, chegou
ao seu fim, pois a regulação do capitalismo monopolista passou a dominar.
Esse processo vinha sendo praticado durante os anos 30, por países capi-
talistas, mas que se consolidaria nos anos 50, através da intervenção direta

79
História Econômica Geral e do Brasil

do Estado na economia e com a criação de normas de novas formas de


regulação do mercado internacional.
Os países capitalistas, preocupados em afugentar as crises da economia
capitalista, a exemplo da crise que ocorreu em 1929, procuram criar normas
para regulamentar as atividades do mercado mundial, dando os primeiros
passos em 1944, com a decisão tomada por 44 países, reunidos nos Estados
Unidos, na Conferência de Bretton Woods, onde foi assinado um acordo
que definiu para a economia mundial que:

a) aceitação do dólar como moeda internacional e conversível em


ouro; b) livre conversibilidade das moedas nacionais entre si, a
partir de uma paridade fixada em ouro ou em dólares; c) criação de
instituições que sustentassem os acordos como o Fundo Monetário
Internacional – FMI e o Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento, mais conhecido como Banco Mundial. (PADRÓS,
2000, p. 231-232)

O acordo decorrente da Conferencia de Bretton Woods possibilitou a in-


tensificação da internacionalização do capital e criou as condições para que
os Estados Unidos da América estivesse à disposição para exploração de
mercados e áreas de investimentos, fato que consolidou a formação social
e econômica capitalista americana como potência hegemônica econômica
e militar.
A política adotada pelos EUA para a economia internacional visava,
entre outras coisas, afastar o perigo de revoluções sociais que favorecessem
a expansão do comunismo no mundo, pois a situação de degradação social
causada pela II Guerra Mundial favorecia o crescimento de organizações de
esquerda, como acontecia na França, Itália e Grécia, na Europa, e em outras
regiões, a política norte-americana procurava amenizar os movimentos de
libertação nacionais que se alastraram pelas antigas colônias européias. Tam-
bém, a política econômica internacional americana do pós-guerra mundial
foi dirigida para as formações sociais e econômicas em desenvolvimento
como Brasil, Argentina, Índia e outros.
Com o acirramento da “Guerra Fria” estabelecida entre as principais
potências mundiais, EUA e URSS, o governo americano elaborou a Doutrina
Truman (1947) defensora da tese que os EUA tinham o direito de fornecer
ajuda financeira e militar a qualquer nação com base no entendimento de
que essa nação estivesse sofrendo a pressão do comunismo internacional.
De imediato, com base nessa doutrina, os americanos intervieram na Grécia
e Turquia, depois na Coréia, Vietnã, Cuba e em outros países.
A Doutrina Truman foi logo em seguida ampliada pelo Plano Mar-
shall (1947) e a formação da Organização do Tratado do Atlântico Norte
– OTAN. O Plano Marshal foi dirigido especialmente para a recuperação
econômica dos países europeus, em especial a França, a Inglaterra, Itália

80
A Era de Ouro do Capitalismo Aula 6
e a então Alemanha Oriental. A ajuda americana consistia na liberação de
bilhões de dólares, em forma de empréstimos, para a recuperação das forças
produtivas e abastecimento, como também visava à recuperação das forças
militares através da constituição da OTAN.
A aplicação do Plano Marshal, que teve como principal período de
vigência os anos de 1947 a 1951, contribuiu de forma decisiva para a
recuperação econômica dos principais países capitalista da Europa, além
de ser peça fundamental para penetração do capital norte- americano nas
economias européias e afastar o perigo comunista.
Para as formações sociais e econômicas latinas americanas, baseado no
mesmo escopo político-ideológico da Doutrina Truman, os Estados Unidos
da América aplicaram a decisão da Conferência de Ponta del Este (1961),
o Plano da “Aliança para o Progresso”, com a finalidade de incentivar o
desenvolvimento econômico e social dos países latino-americanos. O plano
previa alcançar a distribuição de renda; a reforma agrária; a industrialização;
construção de moradias populares e a integração das economias através
de mercado comum. As instituições responsáveis pela execução seriam os
governos nacionais e os organismos internacionais de financiamento como:
o FMI , o BIRD, entre outros.
A Aliança para o Progresso não alcançou as metas esperadas em vir-
tude da redução dos financiamentos internacionais, em especial o norte-
americano, e o não compromisso dos governos conservadores que dirigiam
os países pactuados.
Os EUA, também, realizaram uma política de recuperação econômica
para alguns países asiáticos, como foi o caso do Japão, que, a partir da década
de 1950, registrou um crescimento acelerado motivado pela política de re-
formas empreendidas pelo governo japonês e monitorado pelo imperialismo
dos Estados Unidos. As reformas impuseram a dissolução dos grandes
trustes (zaibatsu), que controlavam a economia japonesa e que impediam a
entrada livre do capital estrangeiro, melhor dizendo, americano. Também, foi
realizada a reforma agrária, o desmonte da indústria bélica e a organização
de novo parque industrial voltado para a produção de elétricos e químicos.
O rápido crescimento econômico japonês foi possibilitado, em parte,
pelas reformas, pela presença de numerosa força de trabalho a baixos sa-
lários, pela introdução de tecnologias estrangeiras no processo de produção
e pelo maciço investimento de capital americano através de empréstimos.
Em síntese, podemos dizer que a política econômica internacional
norte americano do após Segunda Guerra Mundial, aliou dois objetivos: a)
o de combater a expansão do comunismo internacional; e, b) o de abrir as
economias estrangeiras para a penetração do capital americano, juntando,
assim, a estratégia econômica à estratégia militar que garantiram para os
EUA a hegemonia do mundo capitalista em sua Era de Ouro, colocando o
modo de vida americano como modelo de sociedade industrial capitalista.

81
História Econômica Geral e do Brasil

A agressiva política de expansão internacional da sociedade norte-


americana exportou o modelo de produção em massa de Henry Ford
(retornar a aula 9) que perseguia o alargamento do consumo como forma
de permitir a contínua acumulação capitalista.

Bens e serviços antes restritos a minorias eram agora produzidos


para o mercado de massa. (...) O que era antes um luxo tornou-se o
padrão de conforto desejado, pelo menos nos países ricos: a geladeira,
a lavadora de roupas automática, o telefone. Em 1971, havia mais de
270 milhões de telefones no mundo, quer dizer, esmagadoramente
na América do Norte e na Europa Ocidental, (...). Em suma, era
agora possível ao cidadão médio desses países viverem como só os
muitos ricos tinham vivido nos tempo de seus pais – a não ser, claro,
pela mecanização que substituíra os criados pessoais (HOBSBAWM,
1995, p. 259).

A Era de Ouro do Capitalismo foi marcada por profundas transfor-


mações e entre elas está a consolidação do envolvimento entre a política e
a economia através da ampliação da intervenção do Estado nas atividades
econômicas. A intervenção do poder político na economia foi um processo
que se iniciou durante a crise capitalista do início do século XX, e que
se expandiu durante o período de guerras mundiais e se consolidou nos
anos seguintes, a saber: o Estado que intervém na economia, através do
planejamento da economia, regulando salários, criando empresas estatais
(transporte, comunicação, bancos, energia), ampliando seus gastos com os
complexos militares.
E cada vez mais a presença do Estado da economia ficou evidenciada
no capitalismo depois da Segunda Guerra mundial, ocorrência que levou
alguns teóricos da evolução do capitalismo a indicarem como “uma linha
divisória qualitativa” do processo de desenvolvimento do modo de produção
capitalista. (DOBB: 1980)
A intervenção do Estado na economia colocou em crise o pensamento
liberal fundado na defesa do “laissez-faire” e da “livre concorrência”. Esta
modificação qualitativa foi instituída na perspectiva de preservar os pilares
da economia capitalista: a propriedade privada e a extração da mais-valia,
e, é claro, a lógica da acumulação ampliada de capital.
No pós-guerra, especialmente, na Europa, os estados capitalistas com
o objetivo de não permitir o avanço do comunismo começaram gerenciar
a economia capitalista procurando evitar seus efeitos sociais prejudiciais
às classes mais carentes. Na execução desse objetivo, papel importante
coube ao agrupamento político da socialdemocracia, que, descartando as
teses revolucionárias e incorporando as propostas de Keynes, instituiu um
“Estado regulador”, que buscava

82
A Era de Ouro do Capitalismo Aula 6
a combinação de crescimento econômico com mão-de-obra
plenamente empregada, com salários razoáveis e protegida pelo
Estado de bem-estar social. (...). Portanto, o Estado foi instrumento
de diversas ações encadeadas: 1) assumiu as atividades que
não interessavam ao setor privado, mas que eram globalmente
importantes; 2) regulou, mediante mecanismo políticos, as relações
econômicas entre o capital e o trabalho e compensou os efeitos
distributivos do mercado; 3) desempenhou papel econômico,
fornecendo serviços e insumos a baixo custo, financiando a atividade
privada, realizando obras públicas e capacitando a mão-de-obra;
4) incorporou múltiplos programas sociais (assistência familiar,
habitacional, auxílio financeiro, saúde (PÁDROS, 2000, p. 249-251).

Com essa ação política, a socialdemocracia criou um “Capitalismo


de Estado” baseado no principio do “bem estar social” (welfere state), que
consegue fragilizar a radicalização das reivindicações da classe trabalhadora,
possibilitando certa tranqüilidade para a expansão do capitalismo nas for-
mações sociais capitalistas européias ocidentais.
Além do Capitalismo de Estado, outro fato marcante do Capitalismo
após a Segunda Guerra Mundial foi “a revolução tecnológica”, que pos-
sibilitou a melhoria de antigos produtos, como também a produção de
mercadorias impensáveis antes das guerras mundiais. Entre esses produtos
podemos citar: os plásticos, o náilon, a televisão, os primeiros computadores,
o radar, o motor a jato, a exploração da energia nuclear e outros objetos
que fazem parte do nosso cotidiano (HOBSBAWM, 1995).
É imperioso registrar que em nenhuma fase anterior da história da
sociedade humana a relação entre a ciência e o processo de produção tenha
sido tão intenso, com implicações nas transformações nas diversas atividades
produtivas: industrial, comercial, agrícola e comunicação.

O terremoto tecnológico” modificou “a vida do mundo rico e


mesmo, em menor medida, no mundo pobre”, que através das ondas
do rádio de pilha passou a se comunicar com o mundo em rápido
desenvolvimento. (HOBSBAWM, 1995).

As forças produtivas capitalistas, em sua “época de ouro”, tornaram-


se muito complexa exigindo a aplicação de volume grande de capital para
a sua materialização. À medida que a ciência imbricava com o processo
produtivo, mais rápidas eram as transformações tecnológicas e a inovação
dos produtos, tendenciando a economia mundial para um rápido e enorme
acúmulo de capitais. Aqueles que não tinham as condições de aplicar in-
tensivamente capitais na renovação das forças produtivas eram engolidos
pela concorrência cada vez mais ferrenha.
Para superar a agudeza da concorrência, que exigia imenso aporte
de capital para a contínua modernização dos métodos de produção,

83
História Econômica Geral e do Brasil

intensificou-se o processo de concentração e centralização da economia,


favorecendo a sua intensa monopolização, a sua internacionalização e
uma nova ordenação da divisão social do trabalho. E assim, cada vez mais
se assiste à hegemonização do capital financeiro no modo de produção
capitalista, dando a fisionomia do capitalismo mundial sob a hegemonia
do imperialismo americano.
Nesse processo, expande-se a estrutura empresarial das empresas mul-
tinacionais, que se caracterizam por adotarem “uma estratégia internacional
a partir de uma base nacional” visando dominar o mercado.

Nesse novo processo de realização do capital surge um mercado


mundial de bens, de serviços e de utilização de mão-de-obra, cujos
resultados consistem no desenvolvimento do poderio econômico,
político e militar das potências industriais.

Assim, empresas capitalistas americanas (em maioria), inglesas,


francesas, canadenses, alemães, entre outras, espalharam-se pelo mundo,
consolidando o poderio econômico e militar dessas potências. (SAN-
DRONNI, 1994).
A estratégia assumida pela internacionalização do capitalismo desen-
volvida no após Segunda Guerra Mundial tinha como um de seus objetivos
superar a política econômica adotada por estados periféricos. Esses estados,
preocupados em se industrializar, diante de uma conjuntura de escassez de
produtos industrializados criada pelo período de guerras mundiais, desen-
volveram ações que direcionavam a industrialização para uma “política de
substituição de exportações”, que consistia na substituição de produtos
industrializados exportados por produtos industrializados na própria for-
mação social e econômica. O que significa ser mais do que uma simples
produção de produtos localmente já produzidos. (SANDRONNI, 1994)
A viabilização da “política de substituição de exportação” forçou as
formações sociais a adotarem políticas de proteção para os mercados na-
cionais. O Brasil, conjuntamente com outros países latino-americanos como
Argentina, Chile, México, a adotaram políticas econômicas de substituição
de importações que favoreceram o desenvolvimento do setor industrial em
todas as direções: metalurgia, mecânica e outras.
O desenvolvimento da “política de substituição de importação”
adotada pelas formações sociais periféricas motivou as formações sociais
capitalistas imperialistas a adotarem novas estratégias para a dominação e
exploração do mercado internacional. A estratégia marcante foi a prática de
transferir capitais originados nessas formações sociais e econômicas para
as em desenvolvimento com toda proteção e subsídios oferecidos pelos
países hospedeiros. Além dessas vantagens, as formações sociais capitalistas
periféricas ofereciam outra que pesou muito na decisão de transferência
de capitais, que foi a existência de uma farta força-de-trabalho disponível,

84
A Era de Ouro do Capitalismo Aula 6
barata e de fraca organização social, o que permitia a fácil ampliação da
acumulação de capital.

Assim, para poderem continuar a dominar os mercados do


Terceiro Mundo, as principais empresas industriais do Primeiro
Mundo constituíram filiais nesses países, transformando-se assim
em multinacionais. Em muitos casos, sua superioridade financeira
e tecnológica lhes permitiu dominar não só os novos ramos da
indústria, que elas inauguravam, mas também ramos que os capitais
nacionais já tinham desenvolvido antes (SINGER, 1998, p. 119-120).

Criadas durante o século XIX, época em que o capitalismo transitava da


regulação liberal para a regulação do capital monopolista, as multinacionais
tiveram sua expansão acelerada durante os anos do pós-guerra mundial.
Dessa forma, os capitais dos países imperialistas impuseram e impõem
a sua dominação sobre os mercados internacional e nacional, reordenando
a divisão internacional do trabalho segundo a sua lógica. Na execução de
sua política, as multinacionais passaram a se instalarem no Brasil, Argentina,
México, Chile e nas demais formações sociais, através de suas subsidiárias.
Aparecem: a FORD, a CHEVOLETT, a MERCEDES, a FIAT, a SHELL,
a COLLINOS, a COLGATE, a JOHNSON & JOHNSON brasileiras,
argentinas, mexicanas, chilenas. (Paremos por aqui, que a lista é enorme).
Mas, à medida que as multinacionais expandiam a sua internaciona-
lização, alterava-se a Divisão Internacional do Trabalho, pois

países que exportavam apenas produtos primários e que mal haviam


concluído a substituição das importações industriais mais corriqueiras
surgem agora como importantes exportadores de artigos industriais.
(SINGER, 1998, p. 120)

Foi o caso do Brasil, por exemplo, cuja industrialização iniciou-se nos


anos trinta, do século passado, e em 1980 a sua indústria automobilística
vinha logo depois do café (1º lugar), da soja (2º lugar) e do minério de
ferro (3º lugar), assumindo o quarto lugar na pauta de importação.
Porém, essa nova posição de países como o Brasil não queria dizer
que de fato eles concorressem em pé de igualdade com as formações
sócias capitalistas avançadas, como: EUA, Japão, Inglaterra, Alemanha,
França. A situação é totalmente diferente, uma vez que, sendo países
semi-industrializados, para atrair capitais internacionais são responsáveis
pela criação de infra-estrutura necessária à implementação de indústrias,
estradas, portos, aeroportos etc., além de possuir uma força de trabalho
numerosa e sub-paga, condições que possibilitam a maximização dos
lucros das multinacionais, contribuindo para que elas possam fazer altos
investimentos em setores de ponta do processo produtivo em países de

85
História Econômica Geral e do Brasil

origem, como o da pesquisa e inovações tecnológicas e produtos mais


complexos.
Socialmente, varias foram as conseqüências da “reestruturação do
capitalismo” após a II Guerra Mundial, 1945, que modificaram o modo de
vida da população, entre as quais podemos citar:
1. A definitiva urbanização das sociedades e o esvaziamento do campo,
fruto do êxodo rural, em conseqüência da intensiva mecanização e do uso
da biotecnologia na agricultura e pela procura de melhorias das condições
de sobrevivência concentradas nas cidades. A movimentação do campo
para a cidade favoreceu o surgimento de favelas nas periferias urbanas.
2. As mulheres conseguem se projetar como força de trabalho, como agente
político e cultural, realizando uma verdadeira revolução social que transformou
a família e colocou as mulheres no centro dos debates das políticas sociais.
3. A intensificação da industrialização e da regulação fordista fez crescer
o operariado europeu e o transformou em um importante consumidor
inserido como uma peça na sociedade de consumo em massa, protegido
pela política social e trabalhista do Estado do Bem Estar Social. Mas, ao
mesmo tempo em que se inseria como uma peça na sociedade de consumo
o operariado, gradativamente, foi se acomodando socialmente, afastando-se
da prática da solidariedade e de suas antigas bandeiras que o colocava como
ferrenho adversário da sociedade de classes capitalista.
4. Também, como conseqüência da industrialização com intenso uso de
tecnologia, que levou à automação e à robotização criou-se, principalmente
nas formações sociais centro do capitalismo, o problema de substituição
do trabalhador – “o trabalho vivo sendo substituído pelo trabalho morto”.
Comentando essa tendência, o historiador Eric Hobsbawm fez o seguinte
comentário:

A grade característica da Era de Ouro era precisar cada vez mais


de maciços investimentos e cada vez menos gente, a não ser como
consumidores. (...), o ideal a que aspirava a Era de Ouro, embora só
se realizasse aos poucos, era a produção, ou mesmo o serviço, sem
seres humanos, robôs automatizados montando carros, espaços
silenciosos cheios de computadores controlando a produção de
energia, trens sem maquinistas. Os seres humanos só eram essenciais
para tal economia num aspecto: como consumidores de bens e de
serviços (HOBSBAWM, 1995, p. 262).

5. O uso intensivo de alta tecnologia no processo de produção exigia uma


força de trabalho cada vez mais qualificada, forçando a sociedade a demandar
dos seus governos a universalização da alfabetização, do ensino fundamental,
e, mais tarde, o ensino universitário. A universalização do ensino, principal-
mente, nos países de capitalismo avançado, permitiu que famílias socialmente
carentes desses serviços galgassem postos de trabalhos antigamente limitados

86
A Era de Ouro do Capitalismo Aula 6
a pequenos grupos sociais privilegiados. E, ao mesmo tempo, contribuía para
a divulgação do pensamento de esquerda, que criticava as bases da sociedade
capitalista, provocando os movimentos contestatórios como os ocorridos
no ano de 1968.
6. A disputa entre os países imperialistas, em época dominada pela “Guerra
Fria”, fez intensificar o uso de alta tecnologia na indústria da guerra, contri-
buindo, especialmente, para que a URSS e EUA desviassem altas somas de
capitais dos investimentos produtivos para gastos militares. Essa situação
permitiu que países impedidos de manter suas forças armadas fortemente
belicosas, como o Japão e Alemanha Ocidental, investissem nos setores de
ponta da produção e pudessem acumular altas taxas de capital. A conseqüência
foi que, a partir do final da década de 1960, a economia dos EUA iniciasse
um progressivo declínio competitivo diante das economias japonesa e alemã.
Cada vez mais a economia mundial, com a recuperação das forças produtivas
dos países arrasados pela Guerra Mundial, voltava a acirrar a concorrência
entre as principais formações sociais e econômicas capitalistas, contribuindo
para alimentar uma nova crise internacional. “Na prosperidade dos anos 60
já estavam os germes da crise dos anos 70” (BEAUD, 1987, p. 322).

ATIVIDADES
1. Comentar sobre a situação econômica dos principais países capitalistas
europeus depois da II Guerra Mundial.
2. Discorrer sobre a geopolítica mundial pós as Guerras Mundiais, a partir
da afirmação de Eric Hobsbawm; “A era imperial acabara”.
3. Escrever sobre o significado da Conferência de Bretton Woods para a econo-
mia mundial capitalista.
4. Comentar sobre os objetivos e conseqüências da Doutrina Trumann e
do Plano Marshall para os países latino-americanos.
5. Relacionar a aplicação do Plano Marshall com o desenvolvimento capi-
talista no Japão após a II Grande Guerra.
6. Comentar as afirmações explanadas por Jean J. Chesneaux (ler a citação
na introdução da aula).
7. Relacionar: Estado, economia capitalista e “estado do bem estar social”.
8. Comentar a seguinte afirmação: “O terremoto tecnológico” modificou
“a vida do mundo rico e mesmo, em menor medida, no mundo pobre”.
9. Definir o que representou a “política de substituição de exportação” para
as economias capitalistas em desenvolvimento na América latina;
10. Comentar sobre a relação entre o processo de concentração do capital
e a expansão das empresas multinacionais;
11. Listar as principais conseqüências sociais da “reestruturação capitalista”
ocorrida durante as décadas de 60 e 70 do século XX.

87
História Econômica Geral e do Brasil

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


Depois da II Grande Guerra os países europeus se encontravam como
a estrutura economica destroçada, necessitando de uma forte ajuda
externa, que foi encominhada pelos EUA através do plano Marshal,
ancorado na doutrina Trumam. A política de ajuda amerícana tinha
como objetivo politico, no jogo da “guerra fria” impediu a expansão
do comunismo, o que proporcionou o fortalecimento da social
democracia. Será responsável por adotar uma política de estado
que objetiva o desenvolvimento da politica assistencialista, ficando
conhecida como o estado “do bem estar social”.

CONCLUSÃO

Apartir da década de 1970, o capitalismo mundial, montado institucio-


nalmente nos princípios da Conferência de Brettons Woods, na regulação
fordista e no uso intensivo de capitais e tecnologia começou a apresentar
dificuldades para reprodução das taxas de acumulação das décadas imediatas
a 1950. A Era de Ouro do capitalismo estava finalizando, fruto das próprias
contradições geradas durante o seu desenrolar.
A fase de esgotamento do capitalismo de regulação fordista foi mar-
cada por crises, como: a crise financeira americana (1971), as duas crises do
petróleo (1973 e 1979) e transformações profundas no processo produtivo,
oriundas da terceira revolução industrial fundamentada nas novas tecnolo-
gias micro-eletrônicas e da transmissão de informações, automatização e
robotização. A incorporação de novas tecnologias e ciências no processo
produtivo implicou na substituição de mão-de-obra, na exigência de novo
tipo de trabalhador e na necessidade da introdução de novas relações de
trabalho.
Articulada a esses fatores, a classe trabalhadora, internacionalmente,
além de reivindicar melhoria salarial avançou sua luta em direção ao con-
trole da produção e do questionamento da estrutura política e jurídica do
Estado Capitalista.
A crise impõe aos “controladores do capital” a necessidade de elaboração
de formulações políticas capazes de superarem a crise do Capitalismo. Para
isso, as instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional
(FMI), Banco Mundial, Grupo dos Sete (principais países capitalistas) e
teóricos reuniram-se e formularam normas políticas que se popularizaram
como o “Consenso de Washington”. Porém, esse tema será o assunto da
nossa próxima aula.

88
A Era de Ouro do Capitalismo Aula 6

RESUMO

A economia capitalista instituída depois dos anos 50 se caracterizou por


se apresentar regulada por princípios fordistas de acumulação, estimulador
da concentração e centralização do capital, favorecendo o surgimento e
fortalecimento de empresas multinacionais, instituições-braços das ações
imperialistas das potências imperialistas, em especial, os Estados Unidos da
América. O acirramento da concorrência capitalista direcionou as transfor-
mações das forças produtivas, tornando-as mais complexas e fornecedoras
de produtos que modificariam o modo de vida da sociedade. Sociedade que
passou a se caracterizar por ser movida pelo consumo. Fato que contribuiu
para que o Capitalismo conhecesse um período de forte expansão e acu-
mulação, uma época de ouro do capital. Os elementos que possibilitaram a
prosperidade capitalista, a partir dos anos 60, estimularam o aparecimento
de contradições, que reforçadas por acontecimentos conjunturais, como a
crise financeira americana (1971) e as duas crises do petróleo (1973 e 1979),
levaram o Capitalismo em sua fase fordista ao esgotamento e ao surgimento
de uma nova etapa da economia capitalista, que ficou conhecida como a
época do neoliberalismo.

REFERÊNCIAS

BEAUD, Michel. Historia do Capitalismo: de 1500 aos nossos dias. SP:


Ed. Brasiliense, 1987.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
CHESNEAUX, Jean J. Modernidade mundo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1995.
CATTANI, Antonio David (org). Trabalho e tecnologia: Dicionário
Crítico. Porto Alegre: Ed. da Universidade e Editora Vozes, 1997.
DOBB, Maurice. A evolução do Capitalismo. 7 ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1980.
HOBSBAWM. Eric J. A era dos extremos: o breve século XX – 1914/1991.
São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1995.
LOPEZ, Luiz Roberto. História do século XX. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1985.
NOVAC, George. A lei do desenvolvimento desigual e combinado da
sociedade. São Paulo: Dag. Gráfica e Editorial LTDA., 1988.
PADRÓS, Enrique Serra. Capitalismo, prosperidade e Estado de bem-
estar social. In. O século XX: o tempo das crises – revoluções, fascismos
e guerras. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2000. p. 227-266.

89
História Econômica Geral e do Brasil

OHLWEILER, Otto Alcides. Materialismo Histórico e crise contem-


porânea. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
OHLWEILER, Otto Alcides. O Capitalismo contemporâneo. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1986.
REZENDE, Cyro. Economia brasileira contemporânea. São Paulo:
Ed. Contexto, 1999.
SANDRONI, Paulo (org.). Novo Dicionário de Economia. São Paulo:
Ed. Best Sellers, 1994.
SINGER, Paul. O que é Economia. São Paulo: Ed. Contexto, 1998.
SINGER, Paul. Aprender Economia. São Paulo: Ed. Contexto, 1998.

90
Aula 7
ECONOMIA COLONIAL I
META
Apresentação e constituição do Antigo Sistema Colonial.
Apresentar a organização do espaço agrário colonial.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Definir Sistema Colonial.
Discutir a importância do pau-brasil para o comércio colonial;
Mostrar a importância da economia açucareira na ocupação do espaço agrário colonial;
Descrever a organização do analizar colonial;
Apresentar a escravidão brasileira como modo de produção específico.

PRÉ-REQUISITOS
Ter assumilado os conteudos referentes “A Evolução do Capitalismo visto nas aulas anteriores”.

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO

Nas aulas anteriores, vimos a gênese e o desenvolvimento do sistema


capitalista.
Num primeiro momento, o processo de acumulação de capital gerou
o capital industrial que, por sua vez, se ampliou ou evoluiu para diferentes
formas, tais como: Capital Monopolista e Capital financeiro.
No que se refere á ocupação das terras portuguesas na América faz
parte de um movimento que objetivava expandir as relações comerciais
para além do continente europeu.
Sabemos que o objetivo inicial da expansão era a terra das especiarias,
produtos importantes para a população européia, principalmente depois
da tomada de Constantinopla pelos Turcos em 1453. Esse feito dificultou
o comércio entre o oriente e o ocidente a tal ponto que “ uma bolsa de
pimenta na Europa valia mais do que a vida de um Homem” .
Ao buscar o Oriente, Portugal achou o Brasil, que passou trinta anos
relativamente abandonado, salvo algumas expedições que aqui estiveram.
Esse abandono ocorreu porque Portugal não ia deixar uma empresa como
a das Índias para ocupar uma terra que num primeiro momento não apre-
sentava nenhum atrativo que justificasse uma empresa do porte que seria
uma colonização. Porém, uma atividade se desenvolveu anteriormente à
posse efetiva do território: a extração do pau-brasil.
Portanto, a partir desta aula, veremos na prática a viabilização do
referido sistema a partir da implantação e desenvolvimento de atividades
econômicas que marcaram o período colonial, isto é: a exploração do
pau-brasil, a economia açucareira, a pecuária, a mineração e as atividades
de subsistência.

Figura 2 - Engenho colonial (Fonte: http://oc-cerqueira.zip.net).

92
Economia colonial I Aula 7
EXPANSÃO MARITIMA PORTUGUESA

A história das viagens portuguesas é muito bem conhecida; contudo,


foi possível graças a uma série de motivações, tais como: conquista de ter-
ras, possibilidades de saques, cobrança de tributos, conquista do comércio
africano de escravos e marfim, aspirações da burguesia comercial, busca do
caminho marítimo para as terras das especiarias, entre outras.

Figura 3 - Mapa da viagem de Pedro Álvares Cabral, em 1500


(Fonte: www.saberhistória.hpg.ig.com.br).

Estimulado, principalmente, pelas notícias sobre o comércio das es-


peciarias, o Estado português lidera o empreendimento, apesar do grande
obstáculo que existia para tamanha tarefa, isto é, o Atlântico, visto como o
“mar tenebroso”, povoado por monstros e outros perigos.
Com a Casa de Avis, Portugal iniciou a “era oceânica”, iniciada com
a conquista de Ceuta em 1415, seguindo-se o Cabo Bojador (1434), Cabo
das Tormentas ou Boa Esperança (1488), caminho marítimo para as Índias
(1498) e o achamento do Brasil em 1500.
Sem dúvida, a expansão marítima desdobrou-se em duas variantes: A
primeira, imediatista, e a segunda, a longo prazo:

Conquanto a primeira vertente respondesse, prioritariamente, aos


interesses da nobreza, a segunda atendia de forma mais definida
os objetivos dos comerciantes portugueses. Pode-se ainda apontar
uma variante nesta última forma de expansão, ou seja, a partir de
um determinado momento criou-se a necessidade de fomentar
a produção de matérias primas nos locais conquistados que não

93
História Econômica Geral e do Brasil

possuíssem qualquer tipo de atividade geradora de lucros imediatos.


A fim de manter a posse das terras e, ao mesmo tempo, retirar
ganhos das conquistas, a Coroa incentivou a montagem de estruturas
produtivas nessas regiões, de que foram exemplo as ilhas e o Brasil
(SALGADO, 1985).

Com isso, o Capitalismo estatal vai ser controlado e dirigido pelo Estado,
que se fundamenta no fiscalismo como fonte de recursos para a metrópole.
Atendia, assim, aos interesses da burguesia e da nobreza.

O monopólio do comércio dos produtos asiáticos e o tráfico de


escravos africanos (mão de obra para as regiões produtoras de
matérias primas) enriquecia não só os grupos mercantis, como
gerava vultosas receitas para o Tesouro Régio, as quais a Coroa,
em certa medida, repassava à nobreza através de doação de mercês
(SALGADO, 1985).

Após o descobrimento (ou achamento), o Brasil passou trinta anos


relativamente abandonado, salvo algumas expedições que aqui estiveram,
isto é, exploradoras e guarda-costas. Esse “abandono” ocorreu porque
Portugal não ia deixar de lado uma empresa tão rendosa como as Índias,
para ocupar uma terra que ao dizer de Pero Vaz de Caminha:

“Esta terra (...) de ponta a ponta é toda praia (...) muito chã e muito
formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar muito grande; porque
a estender os olhos, não podíamos ver senão terra e alvoredos (...)
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra
coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos”

Conforme o documento citado, a terra não apresentava nenhum atrativo


para uma colonização sistemática. Esse período caracterizou-se apenas por
ações diplomáticas e arrendamento do comércio do pau Brasil a particulares.
Por outro lado, Portugal

carecia de recursos financeiros e humanos para intensificar duas


empresas colonizadoras simultâneas, aqui e na Índia. E esta exercia
atração maior, país das especiarias, com mercado certo na Europa,
enquanto de nossa terra, as perspectivas econômicas de início
reconhecidas eram desalentadoras (AVELLAR, 1970, p. 47).

Somente a partir de 1530, a Coroa portuguesa resolveu ocupar as suas


terras na América, porém, essa ocupação não foi motivada por pressões
demográficas, mas pelas demais nações européias em busca da hegemonia
no mercado europeu. Era importante a posse de colônias, o que poderia
significar a transferência de numerário (em forma de tributos), para a metró-

94
Economia colonial I Aula 7
pole. Além disso, o comércio das especiarias estava em crise. Para Portugal,
era necessário tornar o seu domínio sobre a colônia, na América, lucrativo.
Realmente, a partir de 1530 , quando era rei de Portugal D. João III ,
iniciou-se a colonização do Brasil com a implantação do regime de Capita-
nias Hereditárias; esse fato deu impulso à obra da colonização e colocou a
administração do reino e seus domínios em primeiro plano.
Não foi uma experiência nova, pois esse sistema já tinha sido implantado
nas ilhas oceânicas. Extensões de terras foram doadas com o objetivo de
explorá-las economicamente e povoá-las.

A COLÔNIA ERA UMA DÁDIVA DA METRÓPOLE

O que definia o sistema colonial era o monopólio do comércio das


colônias pela metrópole, pois com a prática monopolista, as colônias
preenchiam a sua função histórica, ou seja, as colônias existiam para suprir
as necessidades metropolitanas.
Por outro lado, o que determinava essa relação era o pacto colonial,
através de uma política intervencionista. Detendo o monopólio do co-
mércio colonial, a burguesia metropolitana poderia determinar tanto a alta
dos preços dos produtos originários da metrópole, como também forçar a
baixa dos preços dos produtos coloniais. Essa prática era denominada de
exclusivismo metropolitano.
Apesar de não haver uma sistematização do Pacto Colonial, era ele que
viabilizava o sistema colonial. Tanto os dominados quanto os dominadores
o aceitavam de forma natural.
O Pacto Colonial tem as suas origens em dois documentos: o primeiro,
escrito em 1747, estabelecia que,

As colônias devem: primeiro dar a metrópole um maior mercado


para seus produtos; segundo, dar ocupação a um maior número dos
seus (da metrópole) manufatureiros, artesãos e marinheiros; terceiro,
fornecer-lhe uma maior quantidade dos artigos que precisa (LAPA,
1994, p. 22 apud NOVAES, 1979).

O outro documento, datado de 1776, de autoria do Marquês de Pom-


bal, esclarecia que,

1. As colônias devem estar debaixo da imediata dependência de proteção


dos fundadores;
2. O comércio e a agricultura delas devem ser exclusivos dos mesmos
fundadores;
3. Aos fundadores pertencem também privativamente os úteis provenientes
da agricultura, comércio e navegação das colônias;

95
História Econômica Geral e do Brasil

4. Para que prestem a utilidade desejada, as colônias não podem ter o


necessário para subsistir por si sem dependência da Metrópole; (LAPA,
1994, p. 23).
A partir dessas idéias, foi montado o sistema de exploração colonial,
que marcou a conquista e a colonização de toda a América Latina, inclu-
indo o Brasil. Esse sistema de exploração colonial apresentava algumas
características como:
a) Complementaridade — a produção colonial foi organizada com a fun-
ção de complementar ou satisfazer os interesses dos países metropolitanos
europeus. No caso do Brasil, por exemplo, foi organizada uma produção
a fim de fornecer açúcar e tabaco, mais tarde ouro e diamantes, depois
algodão e, em seguida, café, para o comércio europeu. Não se objetivava,
de modo algum, desenvolver na colônia qualquer atividade voltada para
seus interesses internos.
b) Monopólio comercial — era o instrumento básico utilizado para amarrar a
vida econômica da colônia à da metrópole. Através do monopólio comercial,
a colônia tornava-se um mercado exclusivo da burguesia metropolitana. Essa
burguesia ficava com o direito de comprar, com exclusividade, os produtos
coloniais, fazendo-o ao menor preço possível. De posse desses produtos,
os comerciantes da metrópole os revendiam, no mercado europeu, aos
mais altos preços admissíveis. Também era privilégio exclusivo da burgue-
sia metropolitana vender produtos europeus para a população da colônia.
Vamos a um exemplo do que foi dito acima: supondo que o preço de
uma caixa de açúcar no mercado europeu fosse 5 libras, e para produzir
essa caixa na colônia o produtor investisse 2 libras, se vendido diretamente
no mercado europeu esse produtor teria um lucro de 3 libras (150%), lucro
excelente não restam dúvidas. Porém, detendo o monopólio do comércio
colonial, os mercadores forçavam a baixa dos preços dos produtos. É bom
lembrar que os produtores coloniais só poderiam vender para os compra-
dores metropolitanos. Em vez de 5 libras eles pagavam apenas 3. Até aí
tudo bem, ainda sobrava um lucro de 50%.
No entanto esse lucro inicial de 50% voltava para as mãos dos mer-
cadores metropolitanos, quando forçavam a alta dos preços dos produtos
vendidos à colônia. Daí as dificuldades enfrentadas pela colônia no processo
interno da acumulação de capital. Nesse sentido conclui-se que:

a) Primeiro, temos a colônia como centro gerador de riquezas;


b) Segundo, a Metrópole como receptor desta riqueza;
c) Terceiro, o pacto colonial como o responsável pela transferência desta
riqueza.
Assim, procurava a Coroa, na medida do possível, transferir rendas
para a Metrópole na medida em que:

O sistema de colonização que a política econômica mercantilista

96
Economia colonial I Aula 7
visa desenvolver tem em mira os mesmos fins mais gerais do
mercantilismo e a eles se subordina. Por isso, a primeira preocupação
dos Estados colonizadores será de resguardar a área de seu império
colonial perante as demais potências; a administração se fará a partir
da Metrópole, e a preocupação fiscal dominará todo o mecanismo
administrativo [...] uma parte significativa massa de renda real gerada
pela produção da Colônia é transferida pelo sistema de colonização
para a Metrópole (NOVAES, 1978, p. 51).

Enfim, Portugal procurou enquadrar muito bem o Brasil na dinâmica


do sistema colonial da época mercantilista, pois,

[...] além da arrecadação de impostos, garantia as atividades e


possibilidades econômicas reservadas sob contratos e monopólios,
chamados na época de “estancos”. Essa administração, desdobrada
a partir de 1548 nas instâncias metropolitana, do governo Geral e
da Capitania, era responsável pela arrecadação de rendas Régias,
cobradas sobre todas as atividades econômicas (uma vez que
incluíam a arrecadação dos dízimos), com especial cuidado sobre
as destinadas ao comércio exportador e à conseqüente cobrança de
direitos alfandegários [..] (SALGADO, 1985).

As colônias que seguiram esse sistema foram denominadas de colônias


de exploração, sendo o exemplo típico aquelas pertencentes a Portugal e à
Espanha. Elas apresentavam as seguintes características: produção com base
na grande propriedade, produção de metais preciosos e produtos tropicais
voltados para o mercado externo e o trabalho escravo.
Mas, nem todas as colônias foram de exploração, e o exemplo típico
é o da colonização inglesa na América do Norte, as chamadas colônias
de povoamento que apresentavam as seguintes características: a pequena
propriedade como base da produção, trabalho livre e a produção voltada
para o mercado interno.
O sistema colonial é uma etapa do capitalismo. Esse sistema vigorou
na Idade Moderna. Período considerado como de transição do feudalismo
para o capitalismo.

ÁRVORE DE TINTA

O Pau Brasil (caesalpinia echinata), madeira que deu o nome definitivo


à terra descoberta e nome derivado da sua cor avermelhada, era monopólio
da coroa portuguesa.
Dele se retirava um corante que era utilizado para tingir tecidos. A mão-
de-obra utilizada era predominantemente indígena, responsável pelo corte e

97
História Econômica Geral e do Brasil

carregamento das toras para o porto de embarque, que eram explorados em


troca de bugigangas como pente, espelhos etc. Era uma atividade predatória.
Em 1503, foi concedido a Fernão de Noronha,
aliado a cristãos novos, o arrendamento desta ex-
ploração. O arrendatário se comprometia a enviar
anualmente seis navios ao Brasil, explorar cada ano
300 léguas de terra e manter uma fortaleza.
Essa atividade não possibilitou a fixação do
homem à terra, isso só ocorreria com o início da
agricultura, a partir da implantação do sistema de
capitanias hereditárias e o desenvolvimento da
agromanufatura açucareira.
A importância econômica do pau-brasil não
pode ser desprezada e a prova maior foi a presença
de contrabandistas estrangeiros no litoral do Brasil.
Para Hilário Franco Júnior, apesar de o valor de uma
nau de 120 toneladas carregadas de especiarias valer
Figura 5 - Exploração do Pau Brasil sete vezes um igual carregamento de pau-brasil, não
(Fonte: WWW.multirio.gov.br). era desprezível, pois,

não se justificariam tantos cuidados do governo, se se tratasse de


produto inferior na escala de lucros auferidos. O próprio interesse
estrangeiro em participar desse comércio, com navios franceses e em
menor escala, ingleses e espanhóis, procurando romper o monopólio
lusitano, indica nesse sentido. (FRANCO JUNIOR, 1980).

AGROMANUFATURA AÇUCAREIRA

A implantação da agromanufa-
tura açucareira no Brasil se enquadrou
perfeitamente nos objetivos da ocu-
pação do espaço agrário no período
colonial. O ouro tão almejado não foi
encontrado e se não ocupasse a terra
poderia perder para as demais nações
européias em busca da hegemonia no
mercado europeu.
A ocupação econômica das terras
portuguesas na América parecia, num
primeiro momento, inviável, pois só
se justificaria a ocupação com a explo-
ração de um produto que tivesse altos
Figura 6 - Mapa retirado do CD-rom História do Brasil, da ATR Multi- preços no mercado europeu, gerando
media.in: (Fonte: www.historianet.com.br).

98
Economia colonial I Aula 7
lucros para que Portugal conseguisse manter o seu império colonial. É nesse
contexto que se insere o açúcar.
O açúcar é de origem asiática, foi introduzido na Europa através das
cruzadas e na época era visto como uma especiaria, alcançando altos preços
no mercado. Os Árabes introduziram na Sicília e na Espanha Moura. Foi
da Sicília que Portugal levou mudas para as ilhas oceânicas (Madeira, Cabo
Verde, Açores e São Tomé.)
No entanto, Portugal teve que enfrentar vários problemas no que refere
à sua implantação no Brasil, ou seja,
- Transporte para as praças da Europa;
- Mão de obra;
- Capital inicial.
Com relação à questão do transporte, Portugal não possuía uma frota
mercantil capaz de escoar a produção colonial para o mercado europeu.
No que se refere à mão-de-obra, o problema era que produzir com base
no trabalho assalariado, além de não ser uma prática predominante na
(época, é bom lembrar que naquele período a base da produção era servil).
A existência de terras disponíveis provavelmente não transformaria a força
de trabalho em assalariada. Outra questão é que Portugal, no momento
da ocupação do Brasil, passava por problemas demográficos carecendo
inclusive de ocupar algumas regiões internamente.
Quanto ao capital inicial para implantação dos engenhos, o que exigia
altas quantias, como veremos adiante, o estado português não tinha recur-
sos para um empreendimento desse porte e é nesse contexto que surge em
cena o capital holandês.
Os holandeses, além de possuírem uma excelente organização comer-
cial, possuíam o capital necessário para tal empreendimento,

Não somente com sua experiência comercial contribuíram os


holandeses. Parte substancial dos capitais requeridos pela empresa
açucareira viera dos Países Baixos. Existem indícios abundantes de que
os capitalistas holandeses não se limitaram a financiar a comercialização
do produto. Tudo indica que capitais flamengos participaram no
financiamento das instalações produtivas no Brasil bem como no da
importação de mão de obra escrava. (FURTADO, 1977, p. 110).

Foi Martim Afonso de Souza o responsável pela construção do pri-


meiro engenho de açúcar no Brasil, logo após a implantação do sistema de
capitanias hereditárias. Este engenho foi construído na Capitania de São
Vicente e recebeu o nome de Engenho do Governador. No entanto, o
açúcar se adaptou mais no Nordeste, devido ao solo propício (o massapé),
o clima e a proximidade da Europa.
O açúcar foi responsável pela transferência de uma massa significativa
de recursos para a Metrópole, como podemos perceber no quadro a seguir:

99
História Econômica Geral e do Brasil

Pelo caixão no engenho 1$200


Por se levantar o dito caixão $050
Por 86 pregos para o dito caixão $320
Por 35 arrobas de açúcar a 1$600 56$000
Por carreto à beira-mar 2$000
Por carreto do porto do mar até o trapiche $320
Por guindaste no trapiche $080
Por entrada no mesmo trapiche $080
Por aluguer do mês no dito trapiche $020
Por se botar fora do trapiche $160
Por direitos de subsídios da terra $300
Por direito para o forte do mar $080
Por frete do navio a 20$ 11$520
Por descarga em Lisboa, para a alfândega $200
Por guindaste na ponte da alfândega $040
Por se recolher da ponte para o armazém $060
Por se guardar na alfândega $050
Por cascavel de arquear, por cada arco $080
Por obras, taras e marcas $060
Por avaliação e direitos grandes, a 800 réis, e a 20 por 100 5$600
Por consulado a 3 por 100 $840
Por combói a 140 réis por arroba 4$900
Por maioria $600
O que tudo importa 84$560
Quadro “Valores do açúcar” (Fonte: ANTONIL, 1982, p.141).

Eram transferidos para o Erário Régio 45% do custo do açúcar fino e


60% do inferior. O açúcar branco era cotado a 1$600réis a arroba, chegando
a Lisboa a 2$410réis (AMED, 2000, p. 65).

A PLANTATION ESCRAVISTA

O termo engenho não se aplicava apenas às instalações onde se fabri-


cava o açúcar. Engenho era toda a unidade de produção, englobando toda
a propriedade com suas benfeitorias.

100
Economia colonial I Aula 7
A vida no engenho girava em torno do quadrilátero:
- Casa Grande: residência do proprietário;
- Senzala: habitação dos escravos;
- Capela: onde se praticava os ofícios religiosos (catolicismo);
- Engenho: onde se fabricava o açúcar.
Essa unidade de produção praticava o sistema de “Plantation”, isto
é, era uma empresa agrícola, latifundiária, monocultora e voltada para o
mercado externo.

Organograma de um Engenho ( Fonte: FERLINE, 1994,P.53

Como podemos perceber no organograma acima, o engenho era uma


verdadeira fábrica, não no sentido moderno, mas em termos de organiza-
ção. Assim, temos:
a) Uma divisão social do trabalho onde cada grupo de trabalhadores, se-
jam eles livres ou escravos, é especializado em uma fase do processo de
produção;
b) Produção voltada para o mercado;
c) Separação dos produtores dos meios de produção – o produto final do
trabalho era apropriado por uma pequena parcela, isto é, os senhores de
engenho, mercadores etc.
Ciro Flamarion Cardoso resume as características da Plantation es-
cravista em cinco pontos fundamentais:

101
História Econômica Geral e do Brasil

a) Existência de dois setores agrícolas articulados: o escravista, que era


dominante e produtor de mercadorias para exportação, e um sistema cam-
ponês produtor de alimentos;
b) Nível baixo no que se refere às forças produtivas com a utilização de
forma intensiva, tanto dos recursos naturais quanto da força de trabalho;
c) Divisão do trabalho entre os escravos. Como exemplo, temos os escravos
chamados de ladinos e os boçais. Os ladinos eram dotados de aptidões e
prestavam serviços especializados tais como de carpinteiros, carreiros,
oleiros etc. Os boçais eram aqueles que tinham ocupação na lavoura.
d) Um processo de produção reproduzido a partir do tráfico africano.
No nível macroeconômico, o
sistema escravista era inseparável do
capital mercantil e no micro econômico
a empresa dependia de um alto grau de
auto-suficiência quanto aos insumos
locais e minimização das despesas de
manutenção dos escravos.
Um engenho de grande porte
moía, anualmente, 200 tarefas o que
significava que a extensão da lavoura
não chegava a 10%, o restante era
reservado para o fornecimento de lenha
e madeira.
Figura 7 - Um engenho da época colonial Ora, como poderia, apenas com
(fonte: oc-cerqueira.zip.net).
essa área de cultivo, o Brasil suprir as
necessidades do mercado externo? Na verdade, no período de rentabilidade
alta a maior parte da cana de açúcar moída vinha dos lavradores e o engenho
concentrava o processamento do açúcar.
Assim, abaixo dos senhores de engenho temos os lavradores, que se
dividiam em três grupos:
- Lavradores proprietários livres – eram donos de terras que cultivavam
cana-de-açúcar, mas não tinham engenho. O termo “livre”, era utilizado
porque podiam escolher a quem entregar
a cana para moer;
- Lavradores proprietários obriga-
dos - estavam subordinados ao pro-
prietário do engenho de quem haviam
adquirido as terras;
- Lavradores arrendatários - arren-
davam terras dos senhores de engenho
para o cultivo da cana-de-açúcar.
O engenho “foi o pólo aglutinador
Figura 8 - Engenho colonial brasileiro, operado por escravos, em da sociedade açucareira nos primeiros
ilustração do século XIX, pintura de DEBRET .

102
Economia colonial I Aula 7
séculos da colonização, ordenando a propriedade e o uso da terra em função
da dinâmica do grande comércio” .

MÃO-DE-OBRA

Inicialmente a mão-de-obra utilizada nos engenhos foi indígena, mas,


gradativamente, foram introduzidos escravos negros. O negro foi introdu-
zido como mão-de-obra porque o tráfico negreiro dava lucros para a coroa
portuguesa, assim, podemos afirmar que não foi a escravidão que gerou o
tráfico e sim o tráfico que gerou a escravidão.
O tráfico negreiro foi uma atividade lucrativa para a coroa portuguesa.
Pensar em introduzir mão-de-obra livre era impossível devido à estrutura
econômica montada na colônia, pois a disponibilidade de terras tornaria
esses homens livres independentes.
Desde o século XV que o tráfico negreiro era praticado por Portugal,
que começa a utilizar esse tipo de mão-de-obra nas ilhas oceânicas (Madeira,
Açores, cabo Verde, São Tomé) no cultivo da cana de açúcar.
Na África, os negros eram trocados por bugigangas, como tabaco,
aguardente etc. Trazidos para o Brasil nos navios negreiros, eram vendidos,
principalmente nas praças do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, e daí
distribuídos para o restante da Colônia.

Figura 9 - Família de um chefe camacã se prepara para uma festa. Os indios foram
os primeiros escravo no brasil. Jean Baptiste Debret (Fonte: www.wikipedia.org).

Os escravos chegaram ao Brasil provenientes de várias áreas da África,


a saber:
- BANTOS – África Equatorial e Tropical, Guiné, Congo e Angola
- SUDANESES- África Oriental, Sudão e Moçambique.
Ao longo de todo o período colonial, foram introduzidos no Brasil
cerca de 4 milhões de escravos. O sistema escravista integrava três camadas
sociais: o escravo, o senhor de engenho e a burguesia metropolitana, como
podemos perceber no organograma a seguir.

103
História Econômica Geral e do Brasil

Organograma sistema escravista (Fonte: www.culturabrasil.org)

O escravo era coisa, mercadoria, que podia ser vendido, trocado.


Nesse contexto, desenvolveu-se no Brasil um modo de produção es-
pecífico, o Escravismo Colonial
Além dos escravos que de acordo com Antonil “eram as mãos e os pés
dos senhores de engenho”, aqueles que não tinham recursos gravitavam
em torno dos engenhos, eram os trabalhadores especializados, agregados,
moradores que prestavam serviços aos senhores.
Trabalhadores especializados, assalariados, que desenvolviam vários
ofícios, estavam presentes na agromanufatura açucareira, tais como:
- FEITOR MOR: gerenciava todo o processo de produção;
- CAIXEIRO DA CIDADE: era o agente comercial, encarregado da
venda ou do embarque do açúcar;
- COBRADOR DE RENDAS: recebia o pagamento dos lavradores
arrendatários;
- ESCRIVÃO: controlava os estoques de ferramentas, tecidos, alimen-
tos etc.;
- SOLICITADOR: procurador do engenho;
- LETRADOS: assessor do solicitador;
- CIRURGIÃO: cuidava dos negros, aplicando medicamentos;
- MESTRE DE AÇÚCAR: era o responsável pelo processo técnico
de produção do açúcar;
- CALDEREIRO: responsável pela limpeza do caldo da cana;
- BANQUEIRO: auxiliar do mestre de açúcar;
- CARAPINA: responsável pela manutenção das rodas da moenda;
- FEITOR PEQUENO: responsável pela moagem;
- LEVADEIRO: auxiliar do feitor pequeno;
- PURGADOR: supervisionava o processo de clarificação do açúcar;
- CALAFATES: calafetava as barcas;
- FERREIRO, PEDREIRO E TACHEIROS: responsáveis pela ma-
nutenção dos tachos de cobre.

104
Economia colonial I Aula 7
A partir de meados do século XVII, a economia açucareira entrou em
crise por conta da expulsão dos holandeses do Nordeste. Senhores da téc-
nica como também da fabricação de equipamentos, estes implantaram nas
Antilhas um complexo açucareiro que em poucos anos começou a concorrer
com o açúcar produzido no Brasil. Como também outro tipo de adoçante
começou a ser utilizado na Europa: o açúcar da beterraba.
No século XVIII, o açúcar brasileiro voltou a despontar como um
dos principais produtos na pauta das exportações brasileiras, devido a
fatores externos como a reabertura dos mercados consumidores e a crise
da produção das Antilhas.

ATIVIDADES

1. Qual a importância da Revolução de Avis ?


2. O que foi a “Era Oceânica”?
3. Por que, somente a partir de 1530, Portugal resolveu colonizar o Brasil?
Qual o sistema adotado e as razões da sua adoção?
4. Defina Sistema Colonial.
5. Por que afirmamos que a colônia era “uma dádiva da metrópole?
6. Com base no documento elaborado por Marquês de Pombal, em 1776,
identifique a função das colônias.
7. Diferencie colônias de exploração de colônias de povoamento.
8. Qual a importância da exploração do pau-brasil para a Coroa portuguesa?
9. Quais as dificuldades encontradas por Portugal na implantação da agro-
manufatura açucareira? Como foram solucionadas?
10. Por que o engenho pode ser comparado a uma fábrica?
11. Cite e explique as características da plantation escravista.
12. Por que o escravismo colonial pode ser visto como um modo de
produção?

105
História Econômica Geral e do Brasil

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


A Revolução de Avis, foi fundamental para a centralização do poder
em Portugual. A partir da formação do Estado Nacional, o reino
português se lancou aos mares, iniciando assim a “era oceânica”. Foi
somente a partir de 1530 que teve início a colonização do Brasil, com
a implantação do sistema de capitanias hereditárias. Se não colonizasse
a terra descoberta poderia perdê-la para as demais nações européias
que disputavam o controle das áreas coloniais. A colônia se constituía
em uma dádiva da metrópole e o elemento que definia essa relação de
dependência era o monopólio do comércio colonial. As colônias de
exploração, no caso específico do Brasil, tinham a função de atender
às necessidades da metrópole.
A exploração do pau-brasil foi uma atividade importante nos primeiros
anos após a desoberta do Brasil. Apesar de ser uma atividade predatória
possibilitou, mesmo que de forma superficial, o reconhecimento do
litoral. Não restam dúvidas de que apesar das dificuldades enfrentadas
por Portugal para a implantação da agromanufatura açucareira, a
exemplo da questão do financiamento, esta se constituiu na base da
economia colonial, assentada sobre o modo escravista de produção.

CONCLUSÃO

Portugal foi o primeiro país da Europa a centralizar o poder através


da Revolução de Avis. A centralização política foi um dos fatores respon-
sáveis por lançá-lo aos Mares desdobrando-se em duas variantes, uma
imediatista e outra a longo prazo. Conquista de terras, possibilidades de
saques, cobrança de tributos, conquista do comércio africano de escravos
e marfim, aspirações da burguesia comercial, busca do caminho marítimo
para as terras das especiarias, foram fatores importantes para a expansão
marítima portuguesa. No que concerne à administração Reinol vários órgãos
foram criados possibilitando com isso que Portugal administrasse os seus
domínios na América. O monopólio era o elemento definidor do sistema
colonial. A função das colônias era suprir as necessidades da Metrópole. A
exploração das áreas colônias apresentava algumas características tais como:
Monopólio comercial, Complementaridade.
A primeira atividade econômica do Brasil, foi a exploração do Pau Brasil,
que apesar de não fixar o homem a terra foi responsável pela transferência
de lucros para a Coroa portuguesa. É portanto com a cana de açúcar que
tem início a posse efetiva do território. Esta atividade foi responsável pela
transferência de uma massa significativa de recursos para a Metrópole. Tinha

106
Economia colonial I Aula 7
como unidade básica de produção o engenho, que se assemelhava a uma
fábrica. Inicialmente a mão de obra utilizada foi a indígena, porém com
os lucros do tráfico negreiro, o índio foi substituído pelo negro africano.

RESUMO

Nesta aula, foi discutido aspectos da Expansão portuguesa, o sistema


colonial, a exploração do pau brasil e a economia açucareira. Assim apren-
demos que:
1. A centralização do poder mesmo que de forma precoce possibilitou a
expansão comercial e marítima portuguesa;
2. As capitanias hereditárias foi a forma encontrada por Portugal para
colonizar o Brasil;
3. O monopólio do comércio das colônias pela metrópole definia o sistema
colonial, pois através dele as colônias preenchiam a sua função ou seja suprir
as necessidades da metrópole.
Vimos também a ocupação do espaço agrário brasileiro, principalmente
a partir da implantação da agromanufatura açucareira, sendo esta atividade
responsável pela transferência de recursos significativos para a Metrópole.

REFERÊNCIAS

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107
História Econômica Geral e do Brasil

NOVAES, Fernando A. O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial. In:


MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. Rio de Janeiro:
DIFEL, 1978.
SALGADO, Graça (Coord). Fiscais e meirinhos: a administração no
Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,, 1985
TAVARES, Luis Henrique Dias O primeiro século do Brasil: da expansão
da Europa Ocidental aos governos gerais das terras do Brasil. Salvador:
EDUFBA, 1999.
SIMONSEN, Roberto C.. História econômica do Brasil: 1500-1820. São
Paulo: Editora Nacional, 1947.
TOPALOV, Cristian. Estruturas agrárias brasileiras. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1978. Disponível em <http://www.culturabrasil.org>.

108
Aspectos Recentes da economia Brasileira Aula 10
GLÓSSARIO

Jânio Quadros: Nasceu em 25 de janeiro de 1917, em Campo Grande, Mato


Grosso do Sul, filho de paranaenses de classe média. Estudou em Curitiba e em
São Paulo, para onde se mudou na década de 30. Formou-se em direito em 1939,
trabalhou como advogado na capital paulista antes de entrar para a vida pública.
Foi eleito vereador em 1947, deputado estadual em 1950, prefeito de São Paulo
em 1953 e governador em 1954. Eleito com 48% dos votos, resultado que su-
perou o recorde da época para o Brasil, tomou posse como Presidente do Brasil
em janeiro de 1961. Renunciou sete meses depois, alegando sofrer pressão de
“forças terríveis”. Retornou à vida pública no fim da década de 70. Em 1982,
perdeu a disputa pelo governo paulista, mas conseguiu sua última vitória política
em 1985, quando foi eleito prefeito de São Paulo. Morreu em 16 de fevereiro de
1992, na capital paulista.

João Goulart: Nasceu em São Borja, Rio Grande do Sul, no dia 1º de março de
1918. Formado em direito, iniciou sua carreira política em 1946 no PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro), do qual foi fundador em sua cidade natal. Foi presidente
do diretório do partido no Rio Grande do Sul, entre 1950 e 1954. Foi Ministro
do Trabalho, Indústria e Comércio do governo de Getúlio Vargas (1953-1954).
Tornou-se presidente nacional do PTB entre 1952 e 1964. Foi vice presidente
de Juscelino Kubitscheck como vice-presidente. Reeleito vice-presidente com
Jânio Quadros, Jango, como ficou popularmente conhecido, tomou posse em 7 de
setembro de 1961 após a renúncia do então presidente em agosto do mesmo ano.
Em 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto pelo golpe militar de 1964, e
foi exilado no Uruguai. Faleceu no exílio, no município argentino de Mercedes,
em 6 de dezembro de 1976.

Antônio Delfim Netto: Economista e político paulista nasceu em 1o/5/1928 em


São Paulo. Entra no curso de economia da Universidade de São Paulo (USP)
em 1948 e inicia-se na carreira acadêmica no cargo de professor assistente, logo
depois de formado. . Ingressa na vida pública em 1959, participando da equipe
de planejamento do governador paulista Carvalho Pinto. Em 1967, assume o
Ministério da Fazenda do governo Costa e Silva e dá início ao “milagre brasileiro”,
como é chamado o período até 1974, em que o PIB brasileiro salta de 4,8% para
14%. Em março de 1979 volta ao governo como ministro da Agricultura de João
Figueiredo. Cinco meses depois é transferido para a Secretaria de Planejamento
da Presidência, órgão que chefia até 1985. Inicia a carreira parlamentar no ano
seguinte, elegendo-se deputado federal pelo Partido Democrático Social. Reelege-
se ao mesmo cargo em 1990, 1994 e 1998, sucessivamente.

José Sarney: Formado em Direito. Em 1958, ingressou na UDN


(União Democracia Nacional). Foi eleito governador do Maranhão
em 1965. Com a extinção dos partidos pelo AI-5, ingressou na
Arena, partido do governo militar. Em 1970, publicou seu pri-
meiro livro de contos, “Norte das Águas”. Assumiu a presidência
da República com a morte de Tancredo, em 21 de abril de 1985.

151
Aula 8
ECONOMIA COLONIAL II
META
Apresentar a formação e Constituição das atividades acessórias no período colonial.
Apresentar a formação e Constituição da economia mineira e sua importância no período colonial.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Discutir a importância da pecuária na formação do espaço agrário brasileiro;
Mostrar a importância do tabaco para o comércio colonial;
Entender que no Brasil colônia desenvolveu-se um campesinato mesmo que marginal ao regime de
plantation.
Descrever sobre a importância da mineração para o Brasil Colônia;
Discutir a importância das Minas Gerais na Formação de um comércio interno colonial;

PRÉ-REQUISITOS
Ter assimilado o conteúdo da aula 7.

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO

Na aula anterior, vimos principalmente o desenvolvimento da economia


açucareira que se constituiu na base da ocupação do espaço agrário brasileiro.
Nesta aula, apresentaremos algumas considerações sobre as atividades que
denominamos de complementares à economia colonial, isto é; a pecuária,
o tabaco, o algodão e o setor produtor de alimentos. Veremos também a
atividade mineradora.
Para esta discussão nos basearemos principalmente nos trabalhos de
Celso Furtado, Jean Baptiste Nardi, Caio Prado Júnior e Laura Vergueiro.
Convém lembrar que a economia colonial era formada por dois setores.
Um setor voltado para o mercado externo, produzindo: açúcar, tabaco,
metais preciosos etc. e um setor voltado para o mercado interno, produtor
de alimentos tendo como base principal o trabalho familiar.

Figura 2 - Gado Bovino (Fonte: htpp:// www.2v.com.br)

A PECUÁRIA
O gado foi introduzido no Brasil na Capitania de São Vicente. No
Nordeste, foi introduzido graças às providências do primeiro governador
geral Tomé de Souza.
A expansão da pecuária obedeceu a três fases:

1ª. Fase: atividade criatória e atividade açucareira estavam ligadas economi-


camente e geograficamente;
2ª. Fase: atividade criatória e atividade açucareira estavam ligadas economi-
camente e separadas geograficamente;
3ª. Fase: atividade criatória e atividade açucareira separadas economicamente
e geograficamente.

110
Economia colonial II Aula 8
Na primeira fase, o dono do gado era o dono do engenho. O gado
existia para suprir as necessidades do engenho, ou seja, transporte, força
motriz, alimentação etc.
No segundo momento, o dono do gado continuava sendo o dono
do engenho. No entanto, por este prejudicar a atividade açucareira (com
invasões às plantações), tentou-se separar esta atividade da açucareira com
a construção de currais, principalmente os chamados currais de pedra.
Como foi visto na aula anterior, a atividade açucareira era a base da
economia colonial e nada poderia prejudicar o seu desenvolvimento. Por
esta razão, a atividade pecuária foi separada da atividade açucareira através
de carta régia datada de 1701, que proibia a criação de gado numa extensão
de 10 léguas do litoral.
Nesse contexto percebe-se a interiorização da pecuária, onde esta vai
ocupar principalmente os sertões de dentro (margem direita do Rio São
Francisco) e os sertões de fora (margem direita do Rio São Francisco).
De acordo com Celso Furtado, devido à impossibilidade de criar o gado
dentro das unidades produtoras de açúcar, surgiu uma economia dependente
na região nordestina e posteriormente no sul do Brasil: a criação de gado.
Quanto às suas características, afirma o referido autor, esta

era uma atividade econômica de características radicalmente distintas


das da unidade açucareira. A ocupação da terra era extensiva e até certo
ponto itinerante. O regime de águas e distâncias dos mercados exigiam
periódicos deslocamentos da população animal, sendo insignificante
a fração de terras ocupadas de forma permanente...a densidade
econômica do sistema no seu conjunto era baixíssima...a economia
criatória se transformou num fator fundamental de penetração e
ocupação do interior brasileiro (FURTADO, 1977, p. 57).

Outro aspecto a destacar, de acordo com Celso Furtado, foi que essa
atividade, ao contrário da açucareira, possibilitava a ascensão econômica
do colono sem recurso, de acordo com o sistema de pagamento. Ou seja,
trabalhando como vaqueiro em uma fazenda durante quatro ou cinco anos
poderia iniciar criação por conta própria na medida em que de cada quatro
crias ele tinha direito a uma.
Também no sul da colônia a pecuária se expandiu, vinculada principal-
mente ao abastecimento das Minas Gerais. Como afirma Celso Furtado,
esta atividade encontrará no sul

um habitat excepcionalmente favorável para desenvolver-se – e


que não obstante sua baixíssima rentabilidade subsistia graças às
exportações de couro – passará por uma verdadeira revolução
com o advento da economia mineira. O gado sul, cujos preços
haviam permanecido sempre a níveis extremamente baixos,

111
História Econômica Geral e do Brasil

comparativamente aos que prevaleciam na região açucareira, valoriza-


se rapidamente e alcança em ocasiões preços excepcionalmente altos
(FURTADO, 1977, p. 76).

Concluindo, podemos afirmar que a pecuária foi responsável em


grande parte pela interiorização da colônia, anexação de uma extensa área,
desenvolvimento de um comércio interno, utilização predominante de mão-
de-obra livre apesar de que em algumas regiões, a exemplo Piauí, a mão de
obra escrava negra foi utilizada em grande escala.

O TABACO

O cultivo do fumo foi outra atividade que se desenvolveu no Brasil


colônia, tornando-se um dos principais produtos explorado no período
colonial. No início, era cultivado nos quintais e consumido, principalmente,
pela população pobre (marinheiros, solda-
dos, colonos pobres etc.). Posteriormente,
tornou-se um produto utilizado em grande
escala para aquisição de escravos africanos.
Era cultivado, principalmente, no
Recôncavo baiano e na capitania de Pernam-
buco. Era um produto que, diferentemente
do açúcar, era produzido principalmente
em pequenas unidades de produção tendo
como base o trabalho familiar. Jean Bap-
Foto Gladstone Campos tiste Nardi (1987) aponta três fases para o
Figura 3 - O cultivo do fumo ainda se constitui em uma atividade comércio do fumo no Brasil.
econômica importante no Brasil atual
(Fonte: www.gula.com.br).
A primeira fase, que vai de 1570 a
1673, foi marcada pelo início do cultivo e
pelo crescimento comercial, tornando-o o segundo produto na pauta das
exportações brasileiras.
A fase que vai de 1674 a 1713, foi marcada pelo estabelecimento de
restrições e controle por parte da administração lisboeta com a elevação
dos impostos, o que levou à falência de vários estabelecimentos comerciais.
A última fase, que vai de 1714 a 1774, foi uma fase de instabilidade na
medida em que o comércio do fumo para a áfrica ganhou uma importância
considerável. Acerca disso, afirma o referido autor:

O comércio do fumo para compra de escravos na África – ou


escambo – constitui a grande originalidade do fumo durante o
período colonial. Não somente porque foi o único gênero colonial
a ser utilizado no tráfico (com tal importância), como também pelo
fato de que [...] apresentava um comércio quase independente da
metrópole (NARDI, 1987, p. 50).

112
Economia colonial II Aula 8
O ALGODÃO

O algodão era conhecido pelos indígenas, que utilizavam as sementes


para o consumo e as fibras para fabricação de fios e redes. Durante grande
parte do período colonial, era utilizado principalmente para o consumo
interno, no entanto, o desenvolvimento da revolução industrial aumentou
a procura deste produto como matéria prima para indústria têxtil. Ao
contrário da cana de açúcar, o algodão pouco exigia quanto à questão dos
gastos com técnicas e investimentos, sendo cultivado tanto nas grandes
como nas pequenas unidades de produção.
O Crescimento da procura pelo algodão e fatores externos, como a
guerra de independência dos Estados Unidos (1776) e a Guerra de Secessão
(1865), motivaram o Nordeste, e em especial o Maranhão, a se integrar ao
sistema mundial de produção.

A PRODUÇÃO CAMPONESA

No Brasil colônia, a pequena produção esteve presente, principalmente


em áreas localizadas à margem do sistema de plantation ou pecuário. Este
setor foi responsável pelo abastecimento tanto da população estabelecida
nas áreas de plantation quanto nas áreas urbanas.
Vários autores divergem quanto à importância da pequena produção no
Brasil Colônia. Caio Prado Júnior (1989:64), por exemplo, considera como
insignificante a existência de uma produção familiar no período colonial.
Para este autor, o que existiu foram “umas pequenas e pobres culturas es-
pecializadas na produção de alimentos” não se constituindo em um setor
propriamente camponês. Afirma Prado Júnior que este

Será um setor subsidiário da economia colonial de expressão


quantitativa e qualitativa mínima [...]com produtividade escassa e sem
vitabilidade apreciável (PRADO JÚNIOR, 1989, p. 65).

Para Celso Furtado, existiu um setor


voltado para produção de subsistência no
período colonial onde “cada indivíduo ou
unidade familiar deveria encarregar-se de
produzir alimentos para si” (FURTADO,
1977:120). Este setor estava subordinado
ao regime de plantation.
Ao estudar o campesinato no Nor-
deste, FORMAN (1979), mostra que o tra-
balho camponês existiu paralelo ao regime
de plantation. Essas unidades de produção
Figura 4 - Camponeses (Fonte: www.nead.org.br).

113
História Econômica Geral e do Brasil

eram formadas por pequenos sítios e, em parte, foram responsáveis pelo


desenvolvimento do comércio interno colonial, assim

Ao lado do sistema brasileiro de Plantation cedo desenvolveu-se um


setor camponês que compreendia pequenos proprietários, rendeiros
e parceiros, que atuavam tanto como produtores de mercadorias
e como força de trabalho dentro daquele sistema, bem como
fornecedora de alimentos ao mesmo (FORMAN, 1979, p. 47).

Conclui Forman que o camponês no Brasil Colônia estava organizado


em regimes familiares, produzindo colheitas comerciais para o mercado in-
terno, vendendo seus excedentes em feiras locais. Viviam em vilas, povoados
e cidadezinhas em aglomerações espalhadas pelo vasto território brasileiro.
Tratando do mesmo assunto, Grazziano da Silva indaga:

Se o engenho, que era autosuficiente na produção de gêneros de


subsistência, na época de ascensão do preço do açúcar diminuía
a produção de alimentos, como se sustentariam os pequenos e
insignificantes centros urbanos? (SILVA, 1978, p. 21).

É lógico que esse sustento era mantido por um setor camponês.


Nas Minas Gerais, pequenos produtores supriam em grande parte a
região com produtos considerados de subsistência, como: feijão, milho e
mandioca. Não havendo, portanto, uma estrutura produtora de alimentos
para a população mineira, eram essas pequenas roças que supriam com
alimentos a região.
Para José de Souza Martins (1983, p. 39-49), existiu um campesinato
no passado do Brasil, constituído por agregados, moradores, e sitiantes.
O Sitiante era o pequeno agricultor independente, dono de um sítio, um
lugar de terra. Agregados e moradores eram também tidos como sitiantes,
já que a sua área de roça no interior da fazenda também era definida como
sítio ou roçado.
Portanto, é preciso considerar que o campesinato desempenhou um
papel importante na História do Brasil. Quando Furtado e Prado Júnior
referem-se a um setor de subsistência, de fato estão se referindo a um setor
camponês, na medida em que mesmo subordinado a plantation, o processo
de produção através do qual retiravam a sua subsistência era basicamente
centrado na produção familiar.

A MINERAÇÃO

O sonho de encontrar metais preciosos data do início da colonização,


pois uma das primeiras providências de Martim Afonso de Souza, quando
chegou ao Brasil, foi mandar uma entrada para o interior com o objetivo

114
Economia colonial II Aula 8
de encontrar principalmente ouro ou prata. No entanto, foi somente no
final do século XVII que este sonho foi conquistado.
De acordo com Laura Vergueiro (1981), o feito da descoberta coube a
Antônio Rodrigues Arzão que apresando índios em 1693, encontrou ouro
nas Gerais. Em 1698, Antônio Dias de Oliveira descobriu as famosas minas
de Ouro Preto, seguindo-se outras descobertas realizadas por João de Faria
Fialho dentre outros.
Com a notícia do achado, inaugurou-se uma corrida em direção a região
que tinha como base geográfica Minas Gerais, Mato Grosso e Cuiabá. Pos-
teriormente foi descoberto diamantes principalmente no Arraial do Tijuco.

Figura 5 - A mineração no sec. XVIII. (Fonte: www.historianet.com.br).


Nova História Crítica do Brasil de Mário Schmidt da editora Nova Geração.

A economia mineira abriu um ciclo migratório, pois esta oferecia


possibilidades de exploração para as pessoas de poucas condições, pois,
não exigia altos investimentos na medida em que o ouro era encontrado
no fundo dos regatos. Os exploradores na sua maioria, eram pessoas de
pequena posse que sonhavam fazer fortuna no “novo eldorado”.
Para as Minas Gerais deslocaram-se pessoas de todo tipo atraídos pela
esperança de encontrar riqueza fácil eram estes: tripulantes que abando-
navam os navios, soldados que abandonavam as guarnições, aventureiros
de Portugal.

115
História Econômica Geral e do Brasil

Figura 6 - Ouro Preto, antiga Vila Rica


(Fonte: www.historianet.com.br).

Laura Vergueiro (1981) mostra muito bem que ao lado da opulência a


Região das Minas Gerais conheceu também a miséria, marcada pela fome
por conta da carestia dos alimentos, pois não havia roças para abastecer a
população (principalmente na fase inicial). Afirma a autora que,

ocorreram crises de fome que chegaram a atingir proporções


catastróficas, os mineiros morriam a míngua “com uma espiga
de milho, sem terem outro sustento. Os gatinhos chegaram a ser
vendidos muito caro devido à enorme quantidade de ratos existentes
nos arraias auríferos... muitos índios se alimentando de bichos de
taquara, que deviam ser atirados vivos a água fervendo, pois, uma
vez mortos, eram veneno refinado (VERGUEIRO, 1981, p. 19).

Figura 7 - Extração de ouro em Minas Gerais


(Fonte: http://www.klepsidra.net)

116
Economia colonial II Aula 8
As Minas Gerais do século XVII, na avaliação da autora, apesar de
todo o ouro extraído, foi uma capitania pobre. Do ponto de vista social,
apresentava,

Uma camada pequena de homens ricos e poderosos; uma camada


média de artistas, artesãos, pequenos comerciantes e pequenos
mineradores que viviam com dificuldades; uma extensa camada de
homens livres pobres, quase sempre desocupados ou entregues a
atividades intermitentes; uma camada numerosa, de escravos que,
ante sua mísera condição de vida, recorriam com freqüência à fuga,
ao roubo, à violência (VERGUEIRO, 1981:73/74).

No aspecto econômico, quase toda a riqueza extraída ia para Metrópole


através da montagem de um aparato burocrático que oprimia a população
em Geral. Vários Órgãos e Tributos foram criados tais como:
- O Regimento das Terras - que distribuía as datas minerais
(lotes auríferos)
- Capitação - imposto pago por cabeça, ou seja, sobre
cada escravo utilizado na garimpagem;
- Quinto – A quinta parte do ouro extraído ia para a Coroa;
- Imposto por Bateia – correspondia a 40 gramas de ouro
em pó por bateia utilizada;
- Direito de Entrada – imposto sobre os produtos que
chegavam as Minas Gerais;
- Derrama – Cobrança dos impostos atrasados;
- Direito de passagem – imposto pago sobre os indivíduos
e animais que transitavam nas Minas Gerais
É importante frisar que, apesar da miséria e opressão
as Minas Gerais, estimulou o desenvolvimento de um
comércio interno colonial, se destacando como centros
abastecedores da região:
- São Paulo - fornecia milho, trigo, marmelada, frutas
- Rio de Janeiro – fornecia Escravos africanos, artigos
europeus (vidros, louças, veludos etc.).
- Salvador – Fornecia escravos, gado, mercadorias vindas Figura 8 - Funcionários da Coroa arrecadan-
do impostos (Fonte: www.klepsidra.net).
da Europa (tecidos, ferramentas, sal, ferro etc.
Além do ouro, a região mineira conheceu também a extração de dia-
mantes, tendo como principal centro de exploração o Arraial do Tijuco,
sendo esta exploração considerada a partir da segunda metade do século
XVIII, monopólio da Coroa Portuguesa.
Finalizando, podemos considerar que apesar do volume de ouro ex-
traído das Minas Gerais (quase 1,5 milhão) e em média 600 a 700 quilos
de diamantes. Tanto o Brasil como Portugal não se beneficiaram destes
do ponto de vista econômico. Na verdade, o ouro brasileiro serviu para

117
História Econômica Geral e do Brasil

Portugal saldar dívidas contraídas com a Inglaterra, principalmente depois


da assinatura do tratado de Methuen (1703).

Figura 9 - Extração Aurífera


(Fonte: www.historianet.com.br).

Através do Tratado de Methuen. Portugal abria o seu mercado para


os panos e produtos manufaturados Britânicos e em contra partida a Grã
Bretanha abria o seu mercado para os vinhos produzidos em Portugal. Como
conseqüência podemos considerar: crise das manufaturas portuguesas
sem condições de concorrer com a produção inglesa, crise da agricultura
portuguesa que se especializou basicamente na produção de vinhos.

Figura 10 - Mapa Econômico do Brasil Século XVIII


(Fonte: MAPAS retirados do CD-rom História do Brasil, da ATR Multimedia.in).

118
Economia colonial II Aula 8

ATIVIDADES

1. Por que a pecuária, o algodão e o fumo são considerados como atividades


complementares à economia colonial?
2. Qual a importância da pecuária no Brasil colônia?
3. Qual a importância do tabaco para o comércio colonial?
4. Faça um comentário sobre a importância da produção camponesa no
Brasil Colônia.
5. Identifique as razoes que levaram Portugal a impor uma política tributária
na região das Minas Gerais?
6. Por que afirmamos que opulência e miséria caminharam lado a lado na
Região Mineira?
7. Explique a importância da Região Mineira para formação de um comércio
interno colonial?
8. Faça uma pesquisa sobre o tema identificando os pontos positivos e
negativos referente a exploração do ouro no Brasil.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


A pecuária desempenhou um papel fundamental no Brasil colônia,
principalmente no que se refere a interiorização como também a
formação de um mercado interno. Quanto ao fumo, este se constituía
também em um produto de destaque, principalmente para aquisição
de escravos negros. No Brasil colônia existiu um campesinato, mesmo
que marginal ao sistema de plantation. Este foi responsável pelo
abastecimento com produtos de subsistência para a população da
colônia.
A partir da segunda metade do século XVIII, o sistema colonial
apresentava sintomas de crise, nesse sentido para garantir a transferência
de rendas para a metrópole, Portugal impôs um sistema tributário na
região mineira. Apesar do ouro e dos diamantes explorados nas Minas
Gerais, a miséria também esteve presente, principalmente para a
população pobre que vivia a margem do sistema.Voltada basicamente
para a exploração aurífera, a região não garantia a subsistência da sua
população, o que estimulou outras regiôes a exemplo de São Paulo e o
Rio de Janeiro, fornecer os bens necessários como, alimentos, escravos
etc, formando assim um comércio interno colonial.

119
História Econômica Geral e do Brasil

CONCLUSÃO

Na economia colonial, achavam-se presentes dois setores: um voltado


para o comércio externo e outro voltado para o comércio interno. O co-
mércio interno tinha como setores importantes, a pecuária e a produção de
alimentos para o abastecimento da população colonial. A pecuária desem-
penhou um papel importante, principalmente no que se refere à ocupação
do espaço agrário com a sua penetração em áreas não ocupadas pelo açúcar.
O setor produtor de alimentos abastecia internamente a colônia, cujas re-
lações de trabalho tinham como base o trabalho familiar. Além do açúcar,
o comércio externo foi beneficiado pelo desenvolvimento de um produto
cuja importância principal estava no comércio com a África para aquisição
de mão-de-obra escrava, ou seja, o cultivo do fumo.
A descoberta de ouro no Brasil, realizou um velho sonho da Coroa
Portuguesa. No entanto podemos perceber que ao lado da opulência
também existiu a miséria na região das Minas, caracterizada principalmente
pelas crises de abastecimento. A região mineira ainda foi responsável por
estimular a formação de um mercado interno colonial. Percebe-se ainda
que para manter o controle sobre a região, a coroa portuguesa instituiu uma
pesadíssima carga tributária que oprimia a população mineira. Por último
destaca-se que apesar do montante de ouro e diamantes extraídos, Portugal
e o Brasil não foram beneficiados.

RESUMO
No Brasil Colônia, paralelo a economia açucareira voltada para o mer-
cado externo, desenvolveu-se outras atividades econômicas consideradas
como complementares tais como: a Pecuária, o fumo e o algodão. A pecuária
foi importante para a ocupação do interior da colônia como também para
o abastecimento. O fumo se constituiu em um produto importante para
a aquisição da mão de obra negra, importante para o funcionamento da
economia açucareira. O algodão se destacou principalmente no Maranhão.
Percebe-se também a existência de um campesinato mesmo que marginal
ao sistema de plantation, foi responsável pelo abastecimento interno.
Nesta aula aprendemos que: 1. Somente no final do século XVII, foi
realizado o sonho português de encontrar metais preciosos; 2. A colônia
nos aspectos econômicos não se beneficiou do ouro extraído pois a maior
parte foi transferido para a Metrópole; 3. Ao lado do grande volume de
ouro extraído as Minas gerais conheceram a miséria e a opressão; 4. A região
mineira estimulou o desenvolvimento de um comércio interno colonial.

120
Economia colonial II Aula 8
REFERÊNCIAS

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 15 ed. São Paulo:


Editora Nacional, 1977.
NARDI, Jean Baptiste. O fumo no Brasil Colônia. São Paulo: Brasiliense,
1989 (Coleção Tudo é História).
MOREIRA, Ruy. Formação do espaço agrário Brasileiro. São Paulo:
Brasiliense, 1990 (Coleção Tudo é História).
FORMAN, S. Camponeses: sua participação no Brasil. São Paulo: Na-
cional, 1974.
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil.
Petrópolis:Vozes, 1983.
SILVA, José F. Grazziano da. Estrutura agrária e produção de subsistên-
cia na agricultura brasileira. São Paulo: Hucitec, 1978.
PRADO JÚNIOR, Caio. História e desenvolvimento. São Paulo: Brasil-
iense, 1989.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1973.
VERGUEIRO, Laura. Miséria e Opulência nas Minas Gerais. São Paulo:
Brasiliense, 1981.

121
Aula 9
CAFÉ E A INDUSTRIALIZAÇÃO
BRASILEIRA

META
Apresentar a gênese e o desenvolvimento da economia cafeeira e sua importância para o surgimento
do capitalismo no Brasil.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Descrever a importância da imigração européia para a economia cafeeira;
Diferenciar o Vale do Paraíba do Oeste paulista no que se refere ao desenvolvimento da economia
cafeeira;
Descrever a importância da economia cafeeira na transição do trabalho escravo para o trabalho livre
no Brasil;
Mostrar a importância da economia cafeeira para a industrialização brasileira;
Listar as diferenças entre a industrialização retardatária da industrialização restringida;
definir o que entendeu por modelo agrário exportador;

PRÉ-REQUISITOS
Ter assimilado o conteúdo da aula anterior.

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO

O início do Século XIX foi marcado por transformações políticas signifi-


cativas para o Brasil. Foi um momento de consolidação da independência que
tem suas raízes na transferência da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808.
Caio Prado Júnior analisando o estabelecimento da Corte portuguesa
no Brasil afirma:

“Se os marcos cronológicos com que os historiadores assinalam a


evolução social e política dos povos se não estribassem unicamente
nos caracteres externos e formais dos fatos, mas refletissem a sua
significação intima, a independência do Brasil seria antedatada de
quatorze anos e se contaria justamente da transferência da Corte em
1808” (PRADO JÚNIOR, 1977, p. 43).

Várias medidas de caráter liberal foram tomadas pelo príncipe regente.


A primeira delas foi à abertura dos portos do Brasil as nações amigas através
da carta régia de 28 de janeiro de 1808. Esta medida tem um significado, o
fim do pacto colonial já que o Brasil mesmo que em tese poderia comer-
cializar com qualquer nação.
O Alvará de 1º. de abril do mesmo ano estabelecia o livre estabe-
lecimento de fábricas e manufaturas revogando o de 1795 que proibia
a produção de manufaturas na colônia. Seguiram-se outras medidas tais
como: Concessão de licença para o corte do pau Brasil, permissão para
entrada de navios de qualquer nação nos portos dos estados portugueses,
permissão aos ourives trabalhar e negociar livremente com obras de ouro
e prata dentre outras. Finalmente a Lei de 16 de dezembro de 1815 elevou
o Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves (COSTA, 1978).
Descontentes com algumas medidas tomadas, principalmente aquelas
que restringia a entrada de mercadorias inglesas no Brasil, A Inglaterra impôs
a assinatura dos tratados de 1810: Tratado de Comércio e Navegação e o
Tratado de Aliança e Amizade. Quanto ao primeiro este estabelecia den-
tre outros artigos, que as mercadorias importadas da Inglaterra pagariam
apenas 15% ad valorem nos domínios de Portugal. Ficando assim as taxas
sobre importação: Portugal (16%), Inglaterra (15%) e outros países (24%).
Posteriormente a taxa de Portugal foi equiparada a Inglesa.
Por outro lado, de acordo com Celso Furtado, na primeira metade do século
XIX, as exportações tradicionais do Brasil, apresentavam-se em estágio crítico,
ou seja, o açúcar sofria concorrência externa com a produção cubana e com o
açúcar derivado da beterraba; o algodão sofria concorrência com a produção norte
americana; o fumo não apresentava possibilidades de expansão devido às restrições
ao tráfico negreiro; os couros sofriam concorrência com a produção Platina.
É nesse contexto que surgiu o café como o “salvador da Pátria” e res-
ponsável pela acumulação do capital que será investido no setor industrial.

124
Café a Industrialização Brasileira Aula 9
ECONOMIA CAFEEIRA

O café é originário da Abissínia, sendo introduzido na América no


século XVIII. Foi introduzido no Brasil por Francisco de Melo Palheta,
que trouxe cinco mudas que recebeu de presente da esposa do Governador Ver glossário no
da Guiana Francesa em 1772. final da Aula
Do Pará onde foi iniciado o cultivo, o café se expandiu para outras
regiões ocupando no século XIX, principalmente Rio de Janeiro, São Paulo
e Minas Gerais.
Foi inicialmente no Vale do Paraíba e posteriormente no Oeste Paulista
que o Café se tornou o “Salvador da Pátria”, ocupando o primeiro lugar
na pauta das exportações brasileiras.
José Roberto do Amaral Lapa (1986) aponta algumas diferenças entre as
principais regiões produtoras de café: o Vale do Paraíba e o Oeste Paulista:

125
História Econômica Geral e do Brasil

Quadro 1 - Diferencia entre Vale do Paraíba e Oeste Paulista (Fonte: Lapa, 1986, p. 30).

Quando se estuda a economia cafeeira um dos pontos de discussão é


referente a origem do capital responsável por este empreendimento. De
acordo com Afrânio Mendes Catani (1998), o capital investido na empresa
cafeeira tem a sua origem no capital que foi acumulado internamente. Capi-
tal esse transferido do comércio de mulas, capital usurário urbano, tráfico
negreiro dentre outros.
O nascimento e o desenvolvimento da economia cafeeira foram
beneficiados por vários fatores dentre os quais podemos destacar: a dis-
ponibilidade de terras e a oferta de mão de obra escrava. Quanto a terra
principalmente na fase inicial (vale do Paraíba), esta era abundante e próxima
a portos de embarque o que baratearia a produção; com relação à mão de
obra, a economia cafeeira contou com um imenso contingente de escravos
proveniente da região mineira.
Comparando o desenvolvimento da economia cafeeira com a açucareira,
Celso Furtado mostra muito bem que a semelhança que existe entre am-
bas é apenas no tocante a força de trabalho, pois utilizaram a mão de obra
escrava em larga escala, pelo menos no primeiro momento de gestação da
economia cafeeira. Por outro lado a economia cafeeira se diferenciava da
açucareira na medida em que apresentava um grau de capitalização muito
baixo. Enquanto a economia açucareira exigia investimentos altíssimos no
que se refere aos equipamentos utilizados, a economia cafeeira utilizava equi-
pamentos simples, fabricados no Brasil. Quanto aos grupos dirigentes, na
economia açucareira, estes praticamente não tinham poder de decisão, pois,

As fases produtiva e comercial estavam rigorosamente isoladas,


carecendo os homens que dirigiam a produção de qualquer
perspectiva de conjunto (...) isolados os homens que dirigiam a
produção não puderam desenvolver uma consciência clara de seus
próprios interesses”. Enquanto a economia cafeeira, “desde o
começo, sua vanguarda esteve formada por homens com experiência
comercial (FURTADO, 1977, p. 114-115).

Como vimos anteriormente, na sua fase inicial, a economia cafeeira foi


favorecida pela disponibilidade de mão de obra escrava existente na região

126
Café a Industrialização Brasileira Aula 9
mineira. No entanto, na medida em que o café se expandia a questão da
mão de obra exigia soluções. Convém lembrar que em 1844 foi decretada
a tarifa Alves Branco que tributou em 30% as mercadorias estrangeiras o
que prejudicava os interesses Britânicos no Brasil. Em represália a Inglaterra
decretou o Bill Aberden estabelecendo o aprisionamento de todo navio que
traficasse escravos para o Brasil. Pressionado, o Governo Imperial através
da Lei Euzébio de Queiroz (1850) proibiu o tráfico intercontinental de es-
cravos. Portanto no seu processo de expansão a partir da década de 1850,
a economia cafeeira necessitava de mão de obra. É nesse contexto que se
insere o movimento de transição do trabalho escravo para o trabalho livre
no Brasil.

Figura 2 - Fazenda Produtora de Café no Vale do Paraiba


(Fonte: www.historianet.com.br).

Na verdade existia no Brasil um grande contingente de mão de obra


livre que poderia muito bem suprir as necessidades do setor cafeeiro. Este
contingente era formado por homens livres pobres espalhados princi-
palmente em toda a região nordeste. Porém esses indivíduos não tinham
interesse em se integrar ao sistema cafeeiro nacional na medida em tinham
a sua subsistência garantida explorando o sistema de roças. Existia, por-
tanto o que podemos chamar de um mercado de trabalho vazio, ou seja,
existia o trabalho, mas não tinha pessoas interessadas em se inserir como
trabalhadores assalariados.
A solução encontrada foi a imigração européia como alternativa para
a questão da mão de obra.
A primeira experiência conhecida como Sistema de Parceria, coube a
iniciativa do Senador Vergueiro que em 1852 transferiu para sua fazenda em
Limeira oitenta famílias de camponeses. Nesse sistema o imigrante arcava

127
História Econômica Geral e do Brasil

com basicamente todas as despesas tais como: passagem, alimentação, fer-


ramentas etc. Além disso, o colono assinava um contrato através do qual
só poderia deixar a fazenda depois de pagar as dívidas contraídas com as
despesas anteriormente citadas. Esse sistema fracassou na medida em que
a mentalidade escravista dos fazendeiros aliada as péssimas condições de
vida dos colonos transformaram o sistema em uma semi servidão.

Figura 3 - Imigrantes italianos trabalhando na colheita do café


(Fonte: www.suapesquisa.com.br).

Fracasso do sistema de parceria a questão da mão de obra só foi solu-


cionada a partir de 1870, quando o governo assumiu todos os gastos com
o transporte do imigrante e os fazendeiros assumiam todos os gastos do
imigrante durante o seu primeiro ano na fazenda como também coloca-
vam terras a disposição para que os imigrantes cultivassem produtos de
subsistência.
A imigração se acelera com essas medidas. Calcula-se que entraram
no Brasil somente no período de 1870 a 1888, quase 300 mil imigrantes
(italianos principalmente). O trabalho assalariado passa a predominar e o
movimento abolicionista toma corpo através de várias leis posteriores a
1870, tais como: a Lei de Ventre Livre que declarava livre todos os filhos
de escravos nascidos a partir desta data e a Lei do Sexagenário que libertava
todos os escravos maiores de 60 anos. A transição do trabalho escravo para
o trabalho livre se concretiza em 13 de maio de 1888, com a libertação de
todos os escravos através da Lei Áurea
A economia cafeeira desempenhou um papel importante para o desen-
volvimento do capitalismo no Brasil. Foi, portanto, a partir do surgimento
desse complexo cafeeiro investido de enorme poder e capital que abriram
brechas para o desenvolvimento industrial: do capital acumulado na cafeicul-
tura seria possível fomentar a indústria (...). No entanto, o crescimento desta,
“estava sempre condicionado ao vaivém da economia do café (CATELLI
JÚNIOR, 1992, p. 46-47).

128
Café a Industrialização Brasileira Aula 9
A INDUSTRIALIZAÇÃO

Foi a partir da década de 1880, que teve início o que podemos consid-
erar como a primeira fase da industrialização no Brasil, com o surgimento
da indústria têxtil. Em 1907, existiam somente em São Paulo 326 esta-
belecimentos industriais, dentre estes 31 eram indústrias de tecidos. Até
1933 a industrialização brasileira se caracterizou pela produção de bens de
consumo assalariado produzindo principalmente tecidos. Convém lembrar
que anterior a década de 1880, tivemos um surto industrial marcado pelo
que se denominou de ERA MAUÁ. Tendo como principal personagem
Irineu Evangelista de Souza (Barão de Mauá), Era esta caracterizada pelo
surgimento de indústrias de bens de consumo (vestuários, alimentos etc...),
setor de serviços e de transportes.
Na verdade o que caracterizou a economia brasileira até o final da
década de 1920, foi à existência de um modelo agrário exportador que
tinha como principal produto o café. Cyro Rezende mostra muito bem
que até 1929,

o país nada mais era do que um exportador de commodities e


importador de produtos industrializados dentro da economia-mundo
capitalista.

O modelo agrário se caracterizou pela venda de matérias primas e


gêneros tropicais aos países capitalistas (Inglaterra, Alemanha, Estados
Unidos etc.) e compra de produtos industrializados.
Esse modelo agrário exportador faliu em 1929 com o crack da bolsa de
valores de Nova York, na medida em que com a crise, os Estados Unidos
diminuiu as importações do café brasileiro caindo o valor da saca de 200
mil réis para 21 mil reis. A crise não atingiu apenas o setor cafeeiro, pois

entre dezembro de 1929 a março de 1930, 579 fábricas brasileiras


fecharam suas portas por absoluta falta de consumidores para sua
módica produção, e o índice de desemprego atingiu a cifra de dois
milhões de pessoas, enquanto os salários reais declinavam em média
45% no setor urbano e 53% no rural (REZENDE, 1999, p. 19).

É nesse contexto de crise que assumiu o poder Getúlio Vargas através


da Revolução de 1930, inaugurando o que se convencionou denominar de
“Era Vargas”.
No plano econômico, Getúlio Vargas ainda na fase do Governo Pro-
visório adotou soluções para debelar a crise da economia cafeeira sendo a
principal, a compra dos excedentes produzidos e queimando-os para manter
os preços do café no mercado.
A partir de 1933 inaugura-se uma nova fase da industrialização no Brasil,

129
História Econômica Geral e do Brasil

denominada de industrialização restringida. Restringida por que faltavam as


bases técnicas (indústria de bens de produção) e financeiras (investimentos).
Apesar de restrições ao avanço da industrialização no Brasil, a Era Var-
gas foi marcada, principalmente a partir da implantação do Estado Novo
por um modelo econômico intervencionista, caracterizado pela substitui-
ção das importações isto é, restringiu as importações de bens de consumo
não duráveis como bebidas e alimentos ao tempo em que estimulava as
importações de bens de produção, ou seja, maquinários e equipamentos)
procurando assim, integrar o Brasil ao Capitalismo Mundial. Esse período
foi marcado por medidas de cunho nacionalista como a criação da Lei
Antitruste, os Atos contrários a Economia Nacional e a Lei sobre crimes
contra a economia popular. Várias empresas estrangeiras foram nacionali-
zadas, principalmente as de navegação e extração mineral.
Em 1941 com empréstimos do governo Norte americano foi fundado
a Companhia Siderúrgica Nacional e no ano seguinte a Companhia Vale do
Rio Doce. De acordo com Cyro Rezende o Estado Novo deixou um legado
importante para a economia brasileira, ou seja, deixou o Brasil

como um país economicamente híbrido, com uma base industrial


solida”. Além disso, anulou “de forma definitiva o controle
hegemônico que o setor agroexportador, especialmente identificado
com a cafeicultura, exercera sobre o Governo Federal.

Sucedendo Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra abandonou os


Ver glossário no princípios econômicos da “Era Vargas” (intervencionismo) e procurou
final da Aula desenvolver uma política econômica de acordo com os princípios liberais.
Ao contrário do Governo de Vargas permitiu a entrada maciça de produ-
tos, principalmente dos Estados Unidos no mercado brasileiro. Em 1947,
foi elaborado o Plano SALTE, cujo objetivo era desenvolver os seguintes
setores: Saúde, Alimentação, Transporte e Energia. Por conta da falta de
investimentos, esse plano fracassou.
A década de 50 caracterizou-se principalmente, pela internacionalização
da economia brasileira, que teve como marco, o Governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1961). Convém lembrar que anterior ao Governo de
Ver glossário no JK, Getúlio Vargas (1951-1954) desenvolveu uma política nacionalista que
final da Aula
procurou estabilizar a economia brasileira (saneamento financeiro interno
e auxílio externo). Apesar dos investimentos em setores básicos como infra
estrutura e energia, essa política fracassou. Em 1953, foi criada a Petrobrás.
Assumindo o Governo, JK procurou implementar uma política desen-
volvimentista ao criar o Plano de Metas que tinha como prioridades abolir
os pontos de estrangulamento da economia brasileira com o desenvolvi-
mento de setores básicos como: energia, transporte, alimentação, indústria
de base e educação. Os investimentos em infra estrutura ficariam a cargo
do Estado que procuraria atrair investimentos privados, tanto nacionais

130
Café a Industrialização Brasileira Aula 9
como estrangeiros expandindo assim a indústria de base, a indústria pesada,
a indústria de material elétrico e a automobilística (CATANI, 1998, p. 96).
De acordo com Cyro Rezende (1999), o Governo JK com a sua política
desenvolvimentista legou a nação brasileira tanto pontos positivos, como
negativos. Dentre estes, pode-se destacar:
a) A consolidação de um modelo urbano-industrial;
b) Crescimento dos desequilíbrios regionais;
c) Desenvolvimento da indústria automobilística principalmente em São
Paulo;
d) Marginalidade Econômica de regiões tradicionais (ex. Nordeste);
e) Criação da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nor-
deste);

ATIVIDADES
1. Identifique as diferenças entre o Vale do Paraíba e o Oeste Paulista.
2. Qual a origem do capital investido do setor cafeeiro.
3. Mostre as diferenças entre a economia açucareira e a cafeeira
4. Qual a solução encontrada no que se refere a mão de obra necessária
para a economia cafeeira
5. O que entendeu por modelo agrário exportador
6. Identifique os aspectos econômicos do Governo de Getúlio Vargas
7. Quais os objetivos do Plano SALTE elaborado no Governo de Eurico
Gaspar Dutra
8. Quais os pontos positivos e negativos do Plano de METAS elaborado
no Governo JK

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


No desenvolvimento da economia cafeeira, duas regiões se destacaram.
Inicialmente o Vale do Paraíba e posteriormente o Oeste Paulista.
Enquanto o Vale do Paraíba mantinha relações tradicionais de
produção, o Oeste Paulista vai se constituir em uma região com um
grau de desenvolvimento principalmente no que se refere à inserção
de relações capitalistas de produção. O desenvolvimento da economia
cafeeira também foi possível graças ao capital interno vinculado
ao tráfico negreiro, comércio interno etc. A partir da década de
1930 o Governo procurou, através dos vários planos econômicos,
romper com o modelo agrário exportador implantando uma política
desenvolvimentista.

131
História Econômica Geral e do Brasil

CONCLUSÃO
Não restam dúvidas de que a economia cafeeira foi responsável pelo
surgimento do capital industrial e da grande indústria no Brasil na medida
em que gerou o capital monetário necessário para o início da industrialização.
Além disso, convém lembrar-se do papel desempenhado pela imigração,
não do ponto de vista técnico, pois como sabemos, a grande maioria dos
imigrantes eram provenientes de regiões de tradição agrária e sim porque
estes possibilitaram a formação de um mercado interno de necessidades
isto é; era necessário produzir tanto alimentos como bens de consumo pata
atender a demanda dessa massa trabalhadora.

RESUMO

Nesta aula aprendemos que: 1. A economia cafeeira tem suas origens


no capital acumulado internamente; 2. O café foi também responsável pela
acumulação do capital que foi investido no setor indústrial; 3. Na primeira
fase da industrialização o primeiro ramo da industria a se desenvolver foi a
têxtil; 4. O avanço da industrialização no Brasil ocorreu a partir da década
de 1950, no governo de JK que implantou uma política desenvolvimentista
através do Plano de METAS

REFERÊNCIAS

CATANI, Afrânio Mendes. O que é Capitalismo. São Paulo: Brasiliense,


1998.
CATELLI JUNIOR, Roberto. Brasil: do café à indústria. São Paulo:
Brasiliense, 1992.
COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política
do Brasil In: MOTTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva.
Rio de Janeiro: DIFEL, 1978.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 15 ed. São Paulo:
Editora Nacional, 1977.
LAPA, José Roberto do Amaral. A economia cafeeira. São Paulo: Brasil-
iense, 1986.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São
Paulo:Brasiliense, 1973.
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo: Brasil-
iense, 1977.
REZENDE, Cyro. Economia brasileira contemporânea. São Paulo:
Contexto, 1999.

132
Café a Industrialização Brasileira Aula 9
GLÓSSARIO

Francisco M. Palheta: Militar e sertanista brasileiro introdutor


do cultivo do café no Brasil.

Getúlio Vargas: (19/4/1882 - 24/8/1954) foi o presidente que


mais tempo governou o Brasil, durante dois mandatos. De origem
gaúcha (nasceu na cidade de São Borja), Vargas foi presidente
do Brasil entre os anos de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Entre
1937 e 1945 instalou a fase de ditadura, o chamado Estado Novo.
Criou a  Justiça do Trabalho (1939) instituiu o salário mínimo, a
Consolidação das Leis do Trabalho, também conhecida por CLT. Criou a Com-
panhia Siderúrgica Nacional (1940), a Vale do Rio Doce (1942), e a Hidrelétrica
do Vale do São Francisco (1945). Em 1938, criou o IBGE (Instituto brasileiro de
Geografia e estatística). Criou a Petrobrás.

Juscelino Kubitschek: Nasceu em 22 de agosto de 1902 em Diamantina, Minas


Gerais. Filho de um caixeiro-viajante e de uma professora formou-se como médico
na cidade de Belo Horizonte, em 1927. Fez curso e estágio complementares em
Paris e Berlim em 1930. Kubitschek foi eleito deputado federal (1934-1937),
nomeado prefeito de Belo Horizonte (1940-1945). Foi eleito governador em
Minas Gerais (1950 a 1954). Venceu a eleição para presidente da República com
36% dos votos, numa coligação PSD-PTB com o slogan “Cinqüenta Anos em
Cinco”. Em 1966 tentou organizar uma frente pela redemocratização do país,
junto com Carlos Lacerda e João Goulart, mas não voltou mais ao poder. Afastou-
se da política e dedicou-se ao trabalho como empresário. Morreu em um desastre
automobilístico na Via Dutra, na altura da cidade fluminense de Resende, em 20
de agosto de 1976.

133
Aula 10
ASPECTOS RECENTES DA
ECONOMIA BRASILEIRA

META
Discutir os principais aspectos da economia brasileira a partir da implantação do modelo
técnoburocratico implantado pelo regime militar como também as diretrizes econômicas implantadas a
partir do retorno ao regime democrático.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
Definir o que entendeu por regime tecnoburocrático;
Listar os pontos positivos e negativos dos planos nacionais de desenvolvimento imposto pelo regime
militar a partir da década de 1960.
Mostrar os principais aspectos da economia brasileira contemporânea;

Lourival Santana Santos


Ruy Belém de Araújo
História Econômica Geral e do Brasil

INTRODUÇÃO

Como foi visto na aula anterior, foi a partir da década de 1950 que teve
início no Brasil a terceira fase do processo da industrialização brasileira.
Não restam dúvidas que foi a partir do Governo de JK que o Brasil ingres-
sou na era do capitalismo principalmente a partir da implantação do Plano
de Metas que procurou abolir os principais pontos de estrangulamento
da economia brasileira através de uma aliança entre o capital nacional, o
capital externo e o Estado.
Nesta aula iremos apresentar a trajetória econômica do Brasil em dois
momentos distintos: O Regime militar e o do retorno a democracia.
Para a abordagem desse tema, nos fundamentaremos principalmente
na obra de Cyro Rezende (1999).

Figura 2 - Governo JK. (Fonte: http://www.arpdf.df.gov.br).

TRANSIÇÃO PARA O REGIME MILITAR

Eleito Presidente do Brasil em 1961, Jânio Quadros, assumiu o país


Ver glossário no num clima de instabilidade econômica, caracterizada por uma “inflação em
final da Aula alta, indisciplina fiscal e redução da balança de pagamento. A sua política
econômica caracterizou-se pela austeridade na medida em que, restringiu
o crédito, congelou os salários, desvalorizou a moeda, e diminuiu os gastos
públicos. Essa política econômica provocou protestos basicamente de toda
a população brasileira: empresários, operários e a classe média. Em 25 de
agosto (sexta-feira) Jânio Quadros lançou uma cartada decisiva, solicitou a
sua renúncia. Acreditava que pelo fato de poucos congressistas estarem em

136
Aspectos Recentes da economia Brasileira Aula 10
Brasília e não ter quorum suficiente a sua carta de renúncia só seria apre-
sentada na segunda-feira, tempo suficiente para mobilização popular. Na
verdade o tiro saiu pela culatra, pois com quorum suficiente o Congresso
aceitou a sua renúncia.

Figura 3 - Mobilização Popular


(Fonte: aldoadv.files.wordpress.com).

A renúncia de Jânio Quadros gerou um impasse político, na medida em


que o vice presidente João Goulart era visto como suspeito pelos militares
que por conta das suas idéias era visto como dos esquerdistas. A solução
encontrada para evitar uma guerra civil foi à implantação do sistema par-
lamentarista. Posteriormente através de um plebiscito o Brasil retornou ao
Presidencialismo.
Retornando ao presidencialismo, João Goulart procurou desenvolver
o programa denominado de Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico Ver glossário no
e Social que tinha como objetivos: corrigir os preços defasados, redução do final da Aula
déficit público e controle de crédito. Além disso, pretendia João Goulart a
implantação de uma reforma agrária, pois entendia que

a arcaica estrutura fundiária impedia tanto qualquer aumento na


produtividade agrícola, como a expansão da área financeira e do
mercado consumidor de manufaturados no setor rural. Pretendia
ainda uma distribuição mais equitativa do provável crescimento
econômico (REZENDE, 1999, p. 109).

137
História Econômica Geral e do Brasil

Pressionado por setores conservadores (dentre estes os proprietários


rurais) que temiam as reformas propostas e por setores militares, Renúncia
de João Goulart? renunciou a Presidência da República

O BRASIL DO AME-O OU DEIXE-O

Figura 4 - Almanaque do Ziraldo, julho de 1979


(Fonte: www.cliohistoria.hpg.ig.com.br).

A instabilidade política inaugurada com o golpe militar de 1964 foi


seguida pela instabilidade econômica por conta do descrédito dos credores
internacionais e uma inflação crescente. Nesse contexto, foi elaborado da
gestão de Castelo Branco (1964/1967) O PAEG (Plano de Ação Econômica
do Governo), que teve como elaboradores os ministros: Roberto de Oliveira
Campos (Planejamento) e Octávio Gouveia de Bulhões (Fazenda). Esse
Plano econômico foi aplicado com base nos instrumentos clássicos de
estabilização, ou seja:

a) Corte nos gastos públicos;


b) aumento da carga tributária;
c) contenção do crédito;
d) arrocho salarial;
e) criação da ORTN (Obrigações reajustáveis do Tesouro Nacional) – Mo-
bilizava recursos para financiar o déficit do tesouro.

Um dos pontos prioritários desse plano de estabilização foi na questão


dos salários, que passaram a ser ajustados anualmente. Reajustado abaixo
da inflação o resultado foi uma queda no índice real que teve uma perda
de em média 25%. Convém lembrar que anteriormente o trabalhador após
dez anos conseguia a estabilidade no mesmo emprego, o que foi retirado
com a criação do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Para
Cyro Rezende (1999), quem se beneficiou o PAEG, foi o capital externo e
os setores mais atingidos foram os setores ligados ao capital nacional como:
vestuário, alimentos e construção civil.

138
Aspectos Recentes da economia Brasileira Aula 10
No Governo de Costa e Silva (1967/1969), o principal idealizador
da política econômica foi Delfim Neto que via na inflação o principal
problema da economia brasileira. Através do PED (Plano Estratégico de Ver glossário no
Desenvolvimento), Delfim Neto procurou sanear a economia brasileira final da Aula
cujos resultados foram:
a) Crescimento do PIB (Produto Interno Bruto);
b) Expansão da produção industrial;
c) Crescimento das exportações brasileiras;
d) Expansão do consumo;
e) Expansão da indústria automobilística;
f) Crescimento dos setores ligados a construção civil.

Novamente o grande beneficiário foi o capital externo.


A partir de 1969, tem início no Brasil, o Projeto Brasil Potência, que pro-
curou legitimar o Governo militar através da falsa idéia de que o Brasil teria
condições de se tornar um país do primeiro mundo, um país desenvolvido.
Assumindo a Presidência em 1969, Médici iniciou a fase denominada
de “o milagre brasileiro”, caracterizado por um desenvolvimento do capi-
talismo no Brasil que beneficiou o capital monopolista e excluiu as massas
populares dos direitos políticos e econômicos. Continuava como ministro
da Fazenda Delfim Neto, tendo a frente do ministério do Planejamento
João Paulo dos Réis Velloso. Com relação à política econômica, foi elabo-
rado o I PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), que visava: manter
o PIB entre 8% a 9%, diminuir a inflação (20% anuais) dentre outros. A
aplicação desse Plano econômico possibilitou um crescimento do PIB que
de 9,5% em 1970 passou para 11,4% em 1974. Além disso, outras áreas
econômicas foram beneficiadas como: a agricultura com um crescimento
anual em média de 5%, os setores industriais mantiveram um crescimento
considerável principalmente a indústria automobilística. A inflação foi
reduzida a 17% anual. Novamente o grande beneficiário foi o capital que
nesse período teve um crescimento de 60%. Enquanto o capital crescia
os assalariados eram penalizados com a redução do poder aquisitivo dos
salários, aumentando o índice dos despossuídos. Na verdade do ponto de
vista das classes sociais o maior beneficiário foi a classe média que passou
a ter acesso a bens duráveis e ao crédito Outro aspecto a destacar é o papel
do Estado que passou a controlar vários setores como: Bancário, elétrico,
indústria siderúrgica dentre outros.
A partir de 1973, a “era do milagre “ apresentava sintomas de crise, com
o aumento da inflação atingindo principalmente a classe média que tinha
se beneficiado do período anterior. Outro fator responsável pela derrocada
do milagre foi a crise do petróleo. Sendo o Brasil importador de mais de
70% do petróleo consumido, o aumento do barril gerou déficits na balança
comercial. É nesse contexto que assumiu a presidência Ernesto Geisel.
Ernesto Geisel assumiu o Governo em um momento que o país passava

139
História Econômica Geral e do Brasil

por sérias dificuldades em decorrência do aumento do preço do petróleo no


mercado internacional, sendo uma das conseqüências o déficit na balança
comercial. Responsáveis pelas diretrizes econômicas Mario Henrique Si-
monsen (Fazenda) e João Paulo dos Réis Velloso (Planejamento) colocaram
em prática o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento).
O II PND tinha como objetivos: um aumento anual de 10% para o
PIB, o crescimento da indústria de bens de capital, a produção de insumos
básicos, expansão dos setores energéticos. Além disso, pretendia o Governo
diminuir as disparidades regionais com a implantação de projetos regionais
como o POLONORDESTE e o POLOA-MAZÔNIA. Em 1975 foi as-
sinado o acordo Nuclear com a Alemanha que previa a instalação de oito
centrais termonucleares. Ainda no setor energético foi criado o PROAL-
COOL (Programa Nacional do álcool) para produzir álcool combustível
para automóveis.

Figura 5 - Transamazônia. Dos sonhos do Plano de Integração Nacional


e do “Brasil Grande” do regime militar, resta uma pista de terra vermelha
e amarela que é, durante seis meses, poeira e outros seis meses, lama.
(Fonte: www.colegiosaofrancisco.com.br).

140
Aspectos Recentes da economia Brasileira Aula 10
De acordo com Cyro Rezende(1999), o II PND apresentou um sucesso
relativo, ou seja, com pontos positivos e negativos tais como:

1. Diminuição das importações de insumos básicos (papel, celulose, fer-


tilizantes etc.);
2. Diminuição das importações de bens de capital (máquinas e equipamen-
tos pesados);
3.Desorganização da produção de alimentos por conta do PROALCOOL;
4. Elevação da dívida pública;
5. Transferência de renda do setor público para o setor privado;
6. Crescimento da dívida pública interna;
7. Crescimento da inflação.

Os últimos anos do Brasil sob o regime militar, foi caracterizado como


um período de crise econômica e transição para a democracia. De 1979 a
1985 no Governo de João Batista Figueiredo, o último General Presidente,
novamente tendo a frente o ministro Delfim Neto, foi elaborado o III PND
(Plano Nacional de Desenvolvimento). Este plano tinha como objetivo a
retomada do crescimento econômico. A idéia de diminuição dos índice
inflacionário naufragou pois já em 1980 a inflação anual atingia 110,2% e
a balança de pagamento apresentou um déficit de 3,5 bilhões de dólares.
O Projeto de transformar o Brasil em uma potência fracassou e o resul-
tado foi a estagnação da economia brasileira com decréscimo do PIB, declínio
da produção industrial, declínio do comercio externo, do setor de transportes
e comunicações, queda na produção de bens, redução do índice de emprego,
retração dos bens de capital. Em 1983 a inflação atingia a cifra de 211% .
Nesse difícil contexto econômico, as oposições se mobilizaram através
do movimento “Diretas Já”, que mobilizou em todo o país milhares de
pessoas que reivindicavam o fim do regime militar. Nas eleições indiretas
realizadas em janeiro de 1985, saíram vitoriosos Tancredo Neves Presidente
e José Sarney vice- presidente. Com a morte de Tancredo Neves, assumiu
a presidência José Sarney. Ver glossário no
final da Aula

Figura 6 - Comício pelas Diretas Já. (Fonte: www.br.geocities.com).

141
História Econômica Geral e do Brasil

O BRASIL DEMOCRÁTICO

A política econômica do Governo Sarney tinha como objetivo principal


o combate a inflação, herança dos governos militares.
Tendo como ministro da fazenda Francisco Dornelles, foi implantada
uma política econômica antiinflacionária que previa o congelamento de
preços, corte no orçamento fiscal. Essa política econômica fracassou e
Francisco Dornelles foi substituído por Dílson Funaro. Em fevereiro de
1986, foi lançado o Plano Cruzado. Este plano estabeleceu o congelamento
dos preços e promoveu uma reforma monetária com a criação do Cruzado
(Cz$). Apesar da mobilização popular através dos “Fiscais do Sarney”,
quando a população fiscalizava o congelamento dos preços, o plano fracas-
sou. De acordo com Cyro Rezende (1999), foram os seguintes pontos que
levaram o Plano Cruzado ao fracasso:

a) congelamento de preços sem prévio alinhamento e sem disciplina salarial;


a) taxas de juros baixas que desistimularam a poupança;
b) menor tributação de renda em um período de crescimento acelerado
do consumo;
c) monetarização acelerada da economia, em oposição à desejada estabili-
dade dos preços;
d) confiança na inflação zero paralela à crescente expectativa de inflação
corretiva;
inexistência de qualquer plano para o abandono gradual do congela-
mento” (REZENDE, 1999: 177-178).
Em junho de 1987, foi elaborado outro plano de estabilização, de-
nominado de PLANO BRESSER tendo como responsável o ministro da
Fazenda Luis Carlos Bresser Pereira. Para controlar a inflação e reduzir o
déficit público, os salários, os preços e os alugueis residenciais e comerciais
foram congelados durante três meses e o cruzado sofreu uma desvaloriza-
ção de 9,5%. Fracassado esse novo plano pois os objetivos propostos não
foram alcançados inclusive a inflação continuou aumentando, em janeiro
de 1989 o Governo lançou o PLANO VERÃO.

Figura 7 - Nota de 100 cruzados (detalhe). (Fonte: www1.folha.uol.com.br).

142
Aspectos Recentes da economia Brasileira Aula 10
Com o objetivo de diminuir a inflação, foi realizada uma reforma
monetária com a criação do cruzado novo (NCz$) que sofreu uma des-
valorização de 18%. Novo congelamento de preços. Os salários passaram
a ser reajustados através da livre negociação entre patrões e empregados.
No final de 1989, a taxa inflacionária anual atingia a casa de 1.764,86%.
O governo Sarney agonizava .
Desenvolvendo uma campanha populista e personalista (caça aos mara-
jás, contra a corrupção) e apoiado por setores conservadores que temiam
a vitória de Lula foram eleitos Presidente Fernando Collor de Mello e vice
-presidente Itamar Franco. Esta foi a primeira eleição direta para Presidência
da República após a eleição de Jânio Quadros.
Collor de Mello tendo a frente a Ministra da Fazenda Zélia Cardoso
de Mello, elaborou o PLANO COLLOR. Procurando acabar com a espe-
culação, o plano promoveu o confisco de todas as contas superiores a 50
mil cruzeiros e liberou as importações. Foi iniciado o programa de priva-
tização de empresas e a abertura do Brasil ao Capital internacional. Apesar
da diminuição da inflação no início do Plano, no final de 1992 a inflação
acusava uma taxa anual de 1.100%. Isolado politicamente por conta dos
escândalos através do esquema de Paulo César Farias (tesoureiro da cam-
panha presidencial), renunciou a presidência da República.

Fernando Collor de Mello

Nasceu Rio de Janeiro, em 12 de agosto de 1949, em uma


família com tradição política. Conclui o estudo secundário
em Brasília, em 1968, e cursou economia na Universidade
de Brasília. Em 1973, assumiu o comando do jornal da
família em Maceió, a Gazeta de Alagoas. Iniciou sua
carreira política como prefeito nomeado de Maceió em
1979 e, três anos depois, foi eleito deputado federal pelo
PDS (Partido Democrático Social). Em 1986, ganhou a
eleição para governar Alagoas pelo PMDB (Partido do
Movimento Democrático Brasileiro). Candidatou-se à presidência da República em
1989 pelo PRN (Partido da Renovação Nacional) e derrotou Luís Inácio Lula da Silva,
do PT (Partido dos Trabalhadores), no segundo turno das primeiras eleições diretas
para presidente do Brasil. Assumiu o cargo adotando medidas econômicas drásticas
e impopulares, como o bloqueio dos saldos das contas bancárias de pessoas físicas e
jurídicas. O “confisco”, como ficou conhecida a medida, foi uma sugestão da então
ministra da economia, Zélia Cardoso de Mello. Em 2 de outubro de 1992, foi afastado
temporariamente da presidência da República, em decorrência da abertura do processo
de impeachment na Câmara dos Deputados. Renunciou ao cargo de presidente em 29
de dezembro o mesmo ano -horas antes de ser condenado pelo Senado por crime de
responsabilidade. Teve seus direitos políticos cassados, tornando-se inelegível por oito
anos. Em seu lugar, assumiu o então vice-presidente, Itamar Franco.

143
História Econômica Geral e do Brasil

Com a renúncia de Collor, assumiu a presidência da República Itamar


Franco, que através do ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso,
elaborou o Plano Real. Para debelar a inflação foi criada a URV (Unidade
Real de Valor) que vigorou até julho de 1994, quando foi substituído
pelo Real que correspondia a uma URV isto é CR$ 2.750,00. Este Plano
atingiu seu objetivo principal ou seja baixou a inflação para 9,56%. Apesar
da estabilidade econômica, o crescimento do país foi de apenas 2,57%. A
euforia do Plano real garantiu a eleição de Fernando Henrique Cardoso a
Presidência da República em 1994.
O Governo Fernando Henrique Cardoso, caracterizou-se por uma
política econômica que teve como base a abertura comercial e a valorização
cambial que trouxe conseqüências negativas para o Brasil. Na questão co-
mercial foram favorecidos os países mais competitivos nas áreas industrial e
setor de serviços. Até o setor agrícola onde o Brasil sempre foi competitivo,
foram impostas barreiras comerciais pelos países importadores. O estabe-
lecimento da paridade do real com o dólar também trouxe conseqüências
negativas ou seja, o barateamento das importações e o encarecimento
das exportações o que levou a um déficit na balança comercial brasileira
(ARAUJO, 2006). A tabela abaixo mostra a situação da balança comercial
brasileira no período de 1994 a 2001. Em 2001, a balança comercial só saiu
do vermelho por conta do fim da paridade cambial.

Balança Comercial Brasileira


1994-2001 (em US$ milhões)
Ano Exportações Importações Saldo Comercial
1994 43.545 33.079 10.466
1995 46.506 49.972 -3.466
1996 47.747 53.346 -5.559
1997 52.994 59.747 -6.753
1998 51.140 57.763 -6.623
1999 48.011 49.295 -1.284
2000 55.086 55.839 -753
2001 58.224 55.572 2.652
Fonte: IPEA/Dimac apud. ARAUJO, 2006, p. 58 .

Fernando Henrique Cardoso colocou em prática diretrizes neoliberais


principalmente no que se refere ao processo de privatização principalmente
com a venda de empresas que atuavam nos setores de : Telefonia, mineração,
etc. Esse processo de privatização, foi responsável por transferir 12% do
PIB para o setor privado. Um exemplo dessa transferência foi o caso da
Companhia Vale do Rio Doce. Em 1997, o Governo vendeu as ações que

144
Aspectos Recentes da economia Brasileira Aula 10
detinha por 3,338 bilhões e seis anos depois estas valiam 50,910 bilhões
(ARAUJO, 2006).
Apesar do controle inflacionário, o que se viu no Brasil principalmente
no seu segundo mandato foi uma recessão econômica identificada através
do desemprego em massa principalmente nas áreas urbanas e o crescimento
econômico reduzido. A política desenvolvimentista pregada pelo Governo
foi afetada pela falta de investimentos principalmente em infraestrutura. Um
exemplo foi o colapso do setor de energia com o famoso apagão. Nesse
contexto foi eleito Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Fernando Henrique Cardoso


Surgiu como um grande intelectual, entrou para a vida
política com esse perfil e firmou-se como estadista,
notável pela capacidade de articulação partidária.
Doutorou-se em Ciências Políticas pela Universidade
de São Paulo (USP) (1961) e, a convite do francês
Alain de Touraine, fez estudos de pós-graduação
na Universidade de Paris. Acusado de subversão,
foi obrigado a sair do país com o golpe militar de 1964, exilando-se
inicialmente no Chile e, depois, na França. Na capital chilena, onde
permaneceu por três anos, aproximou-se de dirigentes de grandes
organizações, como as Nações Unidas, e de personalidades, como
Raul Alfonsín, Domingo Cavallo e Salvador Allende. Trabalhou na
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e no
Instituto Latino Americano de Planejamento Econômico e Social
(Ilpes), onde também foi professor. Lecionou na Faculdade Latino
Americana de Ciências Sociais (Flacso) e na Universidade do Chile.
Em Paris, para onde se mudou em 1967, lecionou na Universidade de
Paris-Nanterre. De volta ao Brasil, em 1968, conquistou a cátedra de
política da USP, retomando à carreira acadêmica, e, um ano mais tarde,
fundou o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Em
1969, publicou seu mais importante livro, Dependência e Desenvolvimento
na América Latina (com Enzo Faletto); logo em seguida, Política e
Desenvolvimento em Sociedades Dependentes: Ideologias do Empresariado
Industrial Argentino e Brasileiro (1971). Em 1975, veio outra importante
obra: Autoritarismo e Democratização. Antes de começar carreira política,
lecionou nas universidades de Stanford (1972), Cambridge (1976-
1977) e Paris (1977). Seu primeiro cargo foi como suplente de Franco
Montoro para o Senado pelo Movimento Democrático Brasileiro
(MDB), em 1978. Em 1980, participou da fundação do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e, três anos mais tarde,
assumiu o Senado quando Montoro foi eleito governador de São Paulo,
reelegendo-se em 1986. Foi um dos fundadores do Partido da Social-

145
História Econômica Geral e do Brasil

Democracia Brasileira (PSDB), em 1988. De ministro das Relações


Exteriores no governo Itamar Franco (1992-1993), passou a ministro
da Fazenda (1993-1994) e lançou o Plano Real, que, sem congelamento
de preços ou salários, busca a estabilização econômica. Aliando-se ao
Partido da Frente Liberal (PFL), elegeu-se presidente. Candidato pela
aliança PSDB/PFL/PTB/PPB, reelegeu-se em 1998, graças à emenda
da reeleição aprovada em seu primeiro mandato. Entre suas medidas,
destacam-se a quebra do monopólio do petróleo, das telecomunicações

Caros alunos e alunas, não é fácil avaliar com certa neutralidade, fatos
que vivenciamos, sejam eles políticos, econômicos e sociais. Portanto,
apresentaremos alguns indicadores econômicos e sociais do Governo Lula,
cabendo a vocês a avaliação desses indicadores se positivos ou negativos.
Nos fundamentaremos principalmente na obra de José Prata Araujo (2006).
Em meio a grande euforia, em 1º. de janeiro de 2003, pela primeira vez
na História do Brasil assumiu um operário o posto mais alto no comando
da Nação Brasileira.
No aspecto econômico Lula conseguiu reduzir a vulnerabilidade ex-
terna no que se refere aos índices negativos da balança comercial brasileira
como foi visto no Governo de FHC. A tabela a seguir mostra muito bem
o crescimento do saldo da balança comercial.

Balança Comercial Brasileira


2002*-2005 (em US$ milhões)
Ano Exportações Importações Saldo Comercial
2002 60.361 47.240 13.121
2003 73.084 48.289 24.795
2004 96.475 62.803 33.672
2005 118.308 73.551 44.757
Fonte: IPEA/Dimac apud. ARAUJO:2006, 58

Comparando os anos de 2002 a 2005, percebe-se um crescimento de


quase 100% das exportações. Apesar do crescimento das importações no
mesmo período, praticamente o saldo comercial triplicou.
Quanto a dívida externa, o Governo Lula após anos de atrelamento
ao FMI (Fundo Monetário Internacional) , quitou-a. O risco país que em
2002 apresentava 2.436 pontos caiu para 231 pontos.
No segundo ano do governo Lula houve um crescimento econômico da
ordem de 4,9% em 2004, quatro vezes superior a do governo FHC quando
encerrou o seu mandato que foi de 1,9%.

146
Aspectos Recentes da economia Brasileira Aula 10
Quanto ao processo inflacionário, no último ano do governo FHC a
inflação atingiu a casa de 12,53%. Em 2005 foi registrado apenas 5,69%.
Quanto a geração de emprego formal no governo FHC durante os
oito anos que ficou no poder, foram gerados apenas 797.047 empregos. No
primeiro mandato do Governo Lula foram gerados 3.422.690 empregos
formais. Quanto ao valor de compra do Salário mínimo, considerando os
produtos básicos da mesa dos brasileiros (feijão e arroz), este dobrou a
capacidade de compra.
Caros alunos e alunas, cabe a vocês que estão vivenciando o momento
atual complementar essa avaliação preliminar principalmente no que se
refere ao Governo Lula.

Luiz Inácio Lula da Silva

Nasceu no dia 27 de outubro de 1945 em Garanhuns,


Pernambuco. Em 1952, para escapar da miséria do
sertão pernambucano, mudou-se com a família para
Santos (SP) e, quatro anos depois, para a capital
paulista. Trabalhou ainda criança como vendedor
ambulante, engraxate e office-boy e, aos 15 anos, foi
aprendiz de torneiro mecânico.. Em 1975, chegou à
presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo
e Diadema. Liderou a primeira greve de operários do ABC paulista
em 1978, durante o regime militar. Em 1980, aliou-se a outros líderes
sindicais e intelectuais e fundou o PT (Partido dos Trabalhadores),
do qual se tornou presidente. No ano seguinte, liderou nova greve
de metalúrgicos, foi preso e teve seu mandato sindical cassado. Em
1982, criou a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e, em junho
de 1983, iniciou uma frente suprapartidária pró-eleições diretas
para a presidência da República com os governadores de São Paulo,
Franco Montoro (PMDB), e do Rio de Janeiro, Leonel Brizola (PDT).
Liderou o primeiro comício para a campanha “Diretas Já”, em São
Paulo, em 27 de novembro de 1983, que mobilizou mais de quatro
milhões de pessoas. Em 1986, foi eleito deputado federal constituinte
com a maior votação do país. Concorreu à presidência da República
em 1989, quando foi derrotado no segundo turno por Fernando
Collor de Mello, e em 1994 e 1998, quando perdeu para Fernando
Henrique Cardoso. Em 1995, deixou a presidência do PT e tornou-
se presidente de honra do partido. Em agosto de 1999, foi um dos
líderes da Marcha dos 100 Mil, a maior manifestação política contra
o governo de Fernando Henrique. Em 2002, foi eleito presidente
do Brasil com votação recorde de 50 milhões de votos. Em 2006 foi
reeleito presidente do Brasil.

147
História Econômica Geral e do Brasil

ATIVIDADES
1. Quais os objetivos do Plano SALTE elaborado no Governo de João
Goulart?
2. Quais os objetivos do PAEG?
3. Elabore uma síntese sobre os objetivos e resultados do I PND, II PND,
III PND?
4. Em que consistiu a política econômica elaborada no Governo Sarney?
5. Faça uma pesquisa sobre o que se entende por Risco- país.
6. Elabore uma síntese comparativa entre o Governo de FHC e o Governo
de LULA?
7. O Programa FOME ZERO do Governo LULA é um programa de re-
distribuição de renda ou assistencialista? Elabore um síntese de no mínimo
uma lauda.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

Os planos econômicos desenvolvimentos pelos governos militares,


objetivavam diminuir o processo inflacionário e implantar uma
política de desenvolvimento com o crescimento do PIB inserindo
o Brasil no contexto dos países desenvolvidos. No entanto como
vimos nessa aula o grande beneficiário foi o capital externo. Com o
retorno ao regime democrático, o processo inflacionário continuou
ameaçando o crescimento econômico do pais, nesse contexto vários
planos econômicos foram implantados mas sem sucesso. A partir do
Governo de FHC, apesar do controle da inflação, seu governo foi
caracterizando pela abertura comercial e a valorização cambial que
trouxe conseqüências negativas para o pais. No governo Lula podemos
destacar um dos pontos importante no aspecto econômico pois este,
conseguiu reduzir a vulnerabilidade externa no que se refere a nossa
balança comercial que creseu significativamente comparada com o
Governo FHC.

148
Aspectos Recentes da economia Brasileira Aula 10
CONCLUSÃO

Na análise da Economia Brasileira no período que denominamos de


Recente (1960 até os dias atuais), percebe-se que os dirigentes procuraram
solucionar principalmente um dos pontos nocivos ao desencolvimento
econômico isto é: o processo inflacionário. Além deste tentaram sem
sucesso, pelo menos até o Governo SARNEY, desenvolver uma política
econômica que possibilitasse o crescimento do PIB e inserisse o Brasil no
rol dos países desenvolvidos. Vários planos econômicos foram implantados
como: O plano Trienal de desenvolvimento (João Goulart), PAEG (Castelo
Branco), PED (Costa e Silva) e o I PND, II PND, III PND. Estes últimos
de responsabilidade dos três últimos Generais Presidentes que na verdade
não conseguiram resolver os pontos de estrangulamento da economia bra-
sileira. No Governo FHC, foram colocadas em prática políticas Neoliberais,
principalmente com a implantação de um processo de privatizações com a
venda de empresas nacionais. Não restam dúvidas que a inflação foi con-
trolada no entanto o seu segundo mandato foi caracterizado pela recessão
econômica. O Governo Lula por sua vez conseguiu reduzir alguns pontos
vulneráveis da economia brasileira tais como: a questão da dívida externa,
aumento do PIB, geração de empregos dentre outros.

RESUMO
Nesta aula vimos a evolução recente da economia brasileira, aprendemos
que:

a) O governo de Jânio Quadro caractereizou-se pela austeridade econômica


com congelamento de salários, desvalorizando da moeda e congelamento
de salário;
b) O Plano Trienal Desenvolvimento do governo João Goulart buscou di-
minuir o processo inflacionário como também a redução do déficit público;
c) Os Governos militares desenvolveram vários planos econômicos que
objetivavam transformar o Brasil em um país desenvolvido mas na verdade
o grande beneficiário foi o capital externo;
d) Apesar do controle inflacionário no Governo FHC mais uma vez o
grande beneficiário foi o capital externo;
e) O Govorno LULA, conseguiu reduzir vários pontos vulneráveis da
economia brasileira como: aumento do PIB, geração de empregos.

149
História Econômica Geral e do Brasil

REFERÊNCIAS

ARAUJO, José Prata. Um retrato do Brasil: balanço do Governo Lula.


São Paulo:Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
CATANI, Afrânio Mendes. O que é Capitalismo. São Paulo:Brasiliense,
1998.
CATELLI JUNIOR, Roberto. Brasil: do café à indústria. São Paulo:
Brasiliense, 1992.
COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política
do Brasil. In: MOTTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva.
Rio de Janeiro: DIFEL, 1978.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 15 ed. São Paulo:
Editora Nacional, 1977.
LAPA, José Roberto do Amaral. A economia cafeeira. São Paulo: Brasil-
iense, 1986.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São
Paulo:Brasiliense, 1973.
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo:Brasiliense,
1977.
REZENDE, Cyro. Economia brasileira contemporânea. São
Paulo:Contexto, 1999.

150
Aspectos Recentes da economia Brasileira Aula 10
GLÓSSARIO

Jânio Quadros: Nasceu em 25 de janeiro de 1917, em Campo Grande, Mato


Grosso do Sul, filho de paranaenses de classe média. Estudou em Curitiba e em
São Paulo, para onde se mudou na década de 30. Formou-se em direito em 1939,
trabalhou como advogado na capital paulista antes de entrar para a vida pública.
Foi eleito vereador em 1947, deputado estadual em 1950, prefeito de São Paulo
em 1953 e governador em 1954. Eleito com 48% dos votos, resultado que su-
perou o recorde da época para o Brasil, tomou posse como Presidente do Brasil
em janeiro de 1961. Renunciou sete meses depois, alegando sofrer pressão de
“forças terríveis”. Retornou à vida pública no fim da década de 70. Em 1982,
perdeu a disputa pelo governo paulista, mas conseguiu sua última vitória política
em 1985, quando foi eleito prefeito de São Paulo. Morreu em 16 de fevereiro de
1992, na capital paulista.

João Goulart: Nasceu em São Borja, Rio Grande do Sul, no dia 1º de março de
1918. Formado em direito, iniciou sua carreira política em 1946 no PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro), do qual foi fundador em sua cidade natal. Foi presidente
do diretório do partido no Rio Grande do Sul, entre 1950 e 1954. Foi Ministro
do Trabalho, Indústria e Comércio do governo de Getúlio Vargas (1953-1954).
Tornou-se presidente nacional do PTB entre 1952 e 1964. Foi vice presidente
de Juscelino Kubitscheck como vice-presidente. Reeleito vice-presidente com
Jânio Quadros, Jango, como ficou popularmente conhecido, tomou posse em 7 de
setembro de 1961 após a renúncia do então presidente em agosto do mesmo ano.
Em 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto pelo golpe militar de 1964, e
foi exilado no Uruguai. Faleceu no exílio, no município argentino de Mercedes,
em 6 de dezembro de 1976.

Antônio Delfim Netto: Economista e político paulista nasceu em 1o/5/1928 em


São Paulo. Entra no curso de economia da Universidade de São Paulo (USP)
em 1948 e inicia-se na carreira acadêmica no cargo de professor assistente, logo
depois de formado. . Ingressa na vida pública em 1959, participando da equipe
de planejamento do governador paulista Carvalho Pinto. Em 1967, assume o
Ministério da Fazenda do governo Costa e Silva e dá início ao “milagre brasileiro”,
como é chamado o período até 1974, em que o PIB brasileiro salta de 4,8% para
14%. Em março de 1979 volta ao governo como ministro da Agricultura de João
Figueiredo. Cinco meses depois é transferido para a Secretaria de Planejamento
da Presidência, órgão que chefia até 1985. Inicia a carreira parlamentar no ano
seguinte, elegendo-se deputado federal pelo Partido Democrático Social. Reelege-
se ao mesmo cargo em 1990, 1994 e 1998, sucessivamente.

José Sarney: Formado em Direito. Em 1958, ingressou na UDN


(União Democracia Nacional). Foi eleito governador do Maranhão
em 1965. Com a extinção dos partidos pelo AI-5, ingressou na
Arena, partido do governo militar. Em 1970, publicou seu pri-
meiro livro de contos, “Norte das Águas”. Assumiu a presidência
da República com a morte de Tancredo, em 21 de abril de 1985.

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