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O Pensamento Católico no Brasil:


Da Ação Católica à Teologia da Libertação
Irinéia M. Franco dos Santos
(Doutoranda – História Social – FFLCH-USP)

Resumo. Este artigo procura fazer um histórico do pensamento católico no Brasil a partir da Ação
Católica dos anos (19)30 até chegar à Teologia da Libertação da década de 60. O objetivo é analisar as
proximidades entre as ideologias presentes na Igreja Católica e sua influência nos movimentos de base
do catolicismo brasileiro. Com isso, poder compreender melhor como se dão as transformações
históricas dentro do Cristianismo Católico relacionado com as mudanças políticas e econômicas no
país.

Abstract. This article looks for to make a description of the thought catholic in Brazil from the Action Catholic of the
years (19)30 until arriving at the Theology of the Liberation of the decade of 60. The objective is to analyze the
neighborhoods between the ideologies gifts in the Church Catholic and its influence in the movements of base of the
Brazilian Catholicism. With this, to be able to understand better as if they inside give to the historical transformations of
the Christianity Catholic related with the changes economic politics and in the country.

Alceu Amoroso Lima da sociedade civil, tornou-se necessário para a


A Igreja Católica procurou Igreja desenvolver um pensamento que a
historicamente manter uma participação ativa levasse a ações de manutenção de sua
na vida social brasileira. Sua relação com a influência ideológica na popul
ação,
Coroa Portuguesa e com o Estad
o competindo com novos movimentos e ideais.
Republicano, por diferentes vias, buscou Nesse sentido, uma liderança católica
garantir os interesses da religião no país. Para que soubesse dialogar no novo ambiente foi
tanto, em fins do século XIX e princípios do fundamental. Houve figuras importantes como
XX, a instituição necessitou organizar-se em Dom Sebastião Leme (1882-1942) Cardeal-
torno de um laicato intelectualizado. A arcebispo do Rio de Janeiro e Jackson de
importância desse fato reside na perda de Figueiredo (1891-1928). Este apoiado pelo
direitos com a proclamação da República em Arcebispo fundou em 1922 o Centro Dom
1889, em que se dá a separação entre Estado Vital, onde reuniu a intelectualidade católica
(que assume uma política liberalizante) e Igreja. em torno da revista A Ordem. Figueiredo foi
Os especialistas no tema afirmam ter sido um responsável pela conversão ao catolicismo do
momento de grandes transformações para a então conhecido crítico literário Tristão de
Igreja, pois esta deveria, a partir desse Athayde, pseudônimo de Alceu Amoroso Lima
momento, “aprender a sobreviver autonomamente (1893-1983). Como líder católico Amoroso
numa sociedade em franco, declarado e institucional Lima teve presença importante nesse período.
1
processo de laicização”. A partir daí, como parte
Intellectus – Ano I nº 1, p.1. Disponível e m
1 Norma CORTÊS – Católicos e autoritários. Breves http://www2.uerj.br/~intellectus. Data de acesso:
considerações sobre a sociologia de Alceu Amoroso Lima. Revista 10/10/2006.
2

Após a morte de Figueiredo, herdou a direção fosse demasiadamente livre a ponto de degenerar em
do Centro Dom Vital e de sua evista.
r arbítrio desmedido, barbárie e caos social”.2
Conseguiu articular uma discussão em torno do É nesse ambiente que, de acordo com
novo papel que a Igreja deveria assumir na Cortês, Alceu Amoroso Lima publicou duas
modernidade. obras: Política e Preparação à Sociologia. Nelas
Sabe-se que o Catolicismo na Europa procurou formular “um modelo de ordem
vinha enfrentando também os desafios social e de vida política” em que seria possível
advindos das mudanças sócio-econômicas. O identificar uma “sociologia cristã”. Utilizou a
impacto da Revolução Russa (1917) e a crise imagem bíblica do corpo místico presente nas
do capitalismo (1929) haviam aberto espaço Cartas Paulinas. Nela Cristo é o corpo e há
para a busca de soluções políticas que se diferentes membros. Assim também seria na
afastavam, em muito, das orientações sociedade, onde a articulação, em diversos
espirituais da Igreja. É nesse momento que a graus de diferentes membros, somaria o todo
chamada Doutrina Social da Igreja – embasada do corpo social. Haveria nesse modelo os
nas encíclicas papais – orienta o pensamento princípios de cooperação e desigualdade, mas que
voltado para a atuação da instituição na daria em uma ordem natural harmoniosa.3 “Para
sociedade moderna, respondendo à Alceu Amoroso Lima, a similitude entre o
secularização. No Brasil, seguindo a funcionamento do corpo e a sociedade permitia resolver o
oportunidade dada pela Revolução de 30, a tipo de convivência que os vários segmentos sociais
Igreja e demais movimentos est
avam deviam manter entre si. A partir da imagem paulina,
procurando influenciar as eleições para a seu modelo de ordem política e social conseguia
constituinte de 1934. Segundo Norma Cortês equilibrar a desigual interação entre os indivíduos, os
havia um paradoxo interno à Igreja sobre o diversos agrupamentos sociais, o Estado e a Igreja”.4
processo eleitoral e a maneira como a Tem-se, assim, que o pensamento de Amoroso
instituição enxergava a sua participação nele. Lima buscava evitar o afastamento dos
“De um lado, a Igreja sustentava uma percepção indivíduos das orientações da Igreja, uma vez
autoritária, anti-política e ultra-religiosa de vida social, que a articulação proposta por ele, no que diz
mas por outro lado, também acreditava que as eleições respeito, por exemplo, aos sindicatos propunha
era o meio mais apropriado para recristianizar o país. uma interação entre patrões e trabalhadores
Em suma, o catolicismo brasileiro enfrentava o desafio que não permitisse uma autonomia muito
de a um só tempo querer (e precisar) participar do jogo grande de ambas as partes. Seria para evitar os
eleitoral, adotando os procedimentos da disputa política perigos do liberalismo, em que se dê a
tal como previsto pela ordem liberal sem, contudo,
2 Norma CORTÊS – op. cit., p. 3.
deixar que a manifestação das soberanias individuais 3 Idem.
4 Norma CORTÊS – op. cit., p.5.
3

exploração do trabalhador; e, do socialismo, dilúvio” os problemas advindos da crise do


em que a luta de classes promoveria o caos, capitalismo na Europa e, as correntes políticas
modificaria a ordem político-econômica, e de tendências socialistas e comunistas. Na
divulgaria uma ideologia de cunho ateu. Encíclica Divini Redemptoris de 1937, Pio XI
O estudo do líder católico requer um condena o comunismo. Este fato serve como
espaço maior. Importa, no entanto, deixar lembrete da urgência da Igreja encontrar um
marcado sua presença, pois, ao longo de sua espaço mais seguro na vida da massa de
vida, manteve uma participação profícua em trabalhadores. Para Marina Bandeira, o
todas as discussões em torno do papel da Igreja posicionamento de Pio XI se explica da
Católica na sociedade brasileira. Incentivou as seguinte forma: “Diante da confrontação dos dois
atividades dos leigos na vida civil e religiosa. extremos – os malefícios do liberalismo econômico, fruto
Obteve sucesso com a Liga Eleitoral Católica do “modernismo” e do “individualismo”, condenados
(LEC) que conseguiu aprovar os pontos pela Igreja desde o século XIX, e o comunismo de
defendidos pela Igreja na Constituinte de 1934. Stalin – Pio XI radicaliza sua posição [...], deposita
Como intelectual chegou a fazer parte da esperança numa terceira alternativa: o corporativismo”.5
Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a Assim, a AC foi criada inspirada nas
cadeira de número 40. Trabalhou contra a associações corporativistas do estado fascista
censura durante o regime militar. Foi italiano. “Trata-se de formar um laicato de elite,
homenageado com uma série de centros de absolutamente fiel às determinações da Santa Sé e dos
estudos, bibliotecas e coleções de livros que bispos diocesanos, para desempenhar a difícil tarefa de
procuram manter a sua memória como um dos confrontação com os Estados fortes – muitos deles
que lutou no campo católico por melhorias nitidamente anticlericais”.6
para a sociedade brasileira. Para Enrique Dussel a América Latina
Contemporâneo à atuação de Amoroso seguiu “como nenhum outro continente”, as
Lima e, seguindo os mesmos princípios, está a instruções de Pio XI acerca da AC. A teologia
articulação no Brasil do movimento da Ação da Ação Católica, de acordo com Dussel,
Católica (AC). Este obtinha grande sucesso na denominada de “teologia da nova cristandade”,
Europa, marcando a presença do leigos na foi “uma reflexão cristã que legitimou – ainda que
sociedade moderna. aparentemente criticasse de maneira externa – o projeto
populista”.7 Nela observa-se, para o autor, uma
Ação Católica e Personalismo
A Ação Católica (AC) tem suas raízes 5 Marina BANDEIRA – A Igreja Católica na virada da
questão social (1930-1964). Editora Vozes, RJ, 2000, p. 27.
no movimento em torno do corporativismo. 6 Marina BANDEIRA – op. cit., p. 29.
7 Enrique DUSSEL – Teologia da Libertação. Um panorama
Nesse período a Igreja via como “um novo
de seu desenvolvimento. Editora Vozes, Petrópolis, 1999, pp.
44-45.
4

eclesiologia totalmente hierárquica, onde o mundo neutro”. Esses valores estariam, segundo
leigo participa de um apostolado que é “dado o autor, reaparecendo sob outros aspectos,
de cima para baixo”. Haveria uma “concepção como uma “divinização do corpo, da
individualista da missão cristã, dualista (salvar a coletividade, da espécie no seu esforço
alma), etc”.8 Nesse sentido, Dussel afirma que, ascensional, dum chefe, dum Partido, etc”.
há uma compreensão do Estado oc mo Para Mounier “toda a gama de comportamentos que
“sociedade perfeita” junto à uma Igreja que a fenomenologia religiosa liberta, reencontram-se em
também se vê como “sociedade perfeita”. Um quadros novos, sob formas geralmente degradadas,
acordo entre ambas seria, assim, possível e não muito retrógradas em relação ao cristianismo,
contraditório. exatamente na medida em que o universo pessoal e suas
O personalismo auxiliaria na exigências são mais ou menos eliminados. Este é sem
fundamentação daquela concepçã
o dúvida, um dos mais cruciais problemas do nosso
individualista da missão cristã. Segundo século”.10 Essa posição conflitante entre os
Emmanuel Mounier9 o personalismo é uma “valores religiosos” e os valores da
filosofia, no sentido de “uma maneira de viver” modernidade haviam conduzido a Igreja à uma
e também como um sistema de idéias. Para ele crise que culminou no Concílio Vaticano II
a valorização do indivíduo é essencial no (1962-1965).
cumprimento do “apelo para se viver uma vida O espírito defensivo da Igreja católica,
pessoal”. Para ele: “a pessoa é a única realidade que de tendência conservadora, (herdeiro do
conhecemos e que, simultaneamente, construímos de ultramontanismo), somado à crise do personalismo
dentro. Sempre presente, nunca se nos oferece”. O e do fascismo na Europa, faz com que a
personalismo seria assim, “uma atividade vivida de instituição eclesiástica necessite encontrar um
auto-criação de comunicação e de adesão, que, em acto, outro caminho na tentativa de dirigir as massas.
como movimento de personalização, alcançamos e Sabe-se que a crise da AC deveu-se, ao fracasso
conhecemos”. Essa filosofia, de valorização do populismo. Na América Latina, na década
humanista influenciou pensadores católicos na de 50, as teorias desenvolvime
ntistas
Igreja e funcionou como tentativa de resposta influenciam a AC; abordando os problemas
aos problemas da sociedade moderna, para sócio-econômicos como passíveis de serem
uma presença mais satisfatória da instituição na resolvidos mediante o “desenvolvimento” e o
vida dos fiéis. Segundo Mounier a “crise do 10Emmanuel MOUNIER – op. cit., p. 209.

cristianismo não é somente uma crise histórica da O ultramontanismo designa a experiência da Igreja
institucional no Brasil entre 1851-1946/62. Caracteriza-
cristandade, é uma crise de valores religiosos num se pelo conservadorismo das tr adições católicas
(confissão, comunhão, culto à Maria); herdeiro do
Concílio de Trento no século XVI (Contra-Reforma)
8Enrique DUSSEL – op. cit., p.45. seria uma re-tridentização do cristianismo, com ênfase
9 Emmanuel MOUNIER – O personalismo. Livraria na fidelidade ao Papa e na concepção de cristandade,
Martins Fontes Editora, Santos, 1964, pp. 19-21. com incentivo aos missionários.
5

progresso econômico dos países. Tem-se a I de uma práxis anterior e uma reflexão sobre essa
Conferência Geral Episcopal Latino-americano práxis”.13
no Rio de Janeiro em 1955; a criação da A definição para TL mais utilizada
CNBB; a criação da Confederação de pelos teólogos parte da obra clássica de
Religiosos da América Latina em 1958 e, a Gutiérrez, em resumo, é uma reflexão crítica sobre
convocação do Concílio Vaticano II (1962- a práxis. Essa reflexão começa com uma crítica
1965). Tudo isso haveria criado uma infra- ao conceito de pobre e de pobreza, pregado pela
estrutura que auxiliaria no desenvolvimento da Igreja aos seus fiéis. O pobre deixa de ser visto
futura renovação da Igreja no continente, individualmente (como infeliz, sofredor, pobre
através de uma nova abordagem dos problemas de espírito) e passa a pertencer a uma
sociais e da própria teologia.11 coletividade social (os oprimi
dos,
empobrecidos pelo sistema), superando assim,
Cristianismo de esquerda a filosofia personalista. Para o teólogo o
Surgiu nesse contexto a Teologia da “complexo mundo do pobre não nclui
i só o
Libertação (TL ou TdL), como o produto da socioeconômico, mas uma forma (modo) de viver”. Na
crise geral da Igreja dentro do contexto social América Latina, a opressão se manifesta
específico da América Latina. De acordo com também como uma “destruição” cultural,
Gustavo Gutiérrez – o primeiro a utilizar o étnica e de gênero. É necessária, nessa
conceito – um acontecimento histórico perspectiva, uma ampliação da compreensão
marcante para o continente latino-americano, do mundo do pobre. Através da análise
nos anos 60, foi a “irrupção dos pobres em busca de estrutural da sociedade, utilizando as ciências
libertação”, através dos movimentos sociais e sociais, faz-se a crítica das causas da pobreza.
sentindo-se como os próprios sujeitos de seu O resultado dessa análise deve ser em seguida,
processo. Para o teólogo, isso se refletiu lido “à luz dos Evangelhos”. Para Gutiérrez o
profundamente na Igreja Católica, que através significado bíblico da pobreza é a pedra angular
de seus movimentos de base, teria possibilitado da TL englobando três concepções: (a) pobreza
locais de reflexão e produção de consciência real – mal, não desejada por Deus; (b) pobreza
política. A teologia da libertação seria, dessa espiritual – disponibilidade à vontade de Deus;
forma, “uma tentativa de leitura desses sinais dos e, (c) solidariedade com os pobres – simultânea ao
12
tempos, reflexão crítica à Luz da Palavra de Deus”. protesto contra a situação dos que sofrem.
Partindo de Gutiérrez, Leonardo Boff define a Seguindo em sua formulação Gutiérrez
teologia da libertação: “é, ao mesmo tempo, reflexo pensa ser possível transformar a história dentro

11Idem, p. 52. 13 Michael LÖWY – A Guerra dos Deuses – Religião e


12 Gustavo GUTIÉRREZ – Teologia da Libertação – Política na América Latina. Ed. Vozes, Petrópolis, 2000, p.
Perspectivas. Edições Loyola, SP, 1996, pp.30-33. 56.
6

da perspectiva do “Reino de Deus”, entendido conceitos ou torná-los mais claros, para serem
como “libertação”. A solidariedade com os repassados às comunidades católicas. No
pobres, seria, a “verdadeira espiritualidade”, e o Brasil, dentro dos grupos de base, a formação
real cumprimento do Evangelho. Mas, torna-se teológica e política, chamada
necessário que os próprios pobres tomem “conscientização”, era feita em cursos e
consciência de seu papel como agentes encontros promovidos pelos “teólogos
transformadores do mundo. A reflexão bíblica orgânicos” (responsáveis pela animação das
somada ao processo histórico resultaria na comunidades). A formação baseava-se em
“libertação em Cristo”. Essa ilbertação é textos bíblicos do Antigo Testamento
entendida em três dimensões: (a) libertação das (principalmente os livros do Êxodo e Profetas),
situações econômicas e sociais de opressão e do Novo Testamento (Evangelhos, Cartas dos
marginalização; (b) transformação pessoal Apóstolos e Apocalipse), e com o auxílio do
ética, articulada entre o político e o religioso; e, instrumental analítico de Marx, Weber e da
(c) libertação do pecado. Somadas, dá-se a teoria pedagógica de Paulo Freire. Os teólogos
libertação total, integral. buscavam unir fé e política numa versão
Gutiérrez pretendia, dessa forma, popular, que pudesse através da tomada de
desenvolver uma compreensão da teologia consciência e análise das estruturas sociais,
como “viva” e possível de ser vivenciada. Para criar condições para uma efetiva mudança na
ele, além de ser uma “sabedoria” e um “saber sociedade. Primeiramente apontavam a
racional”, a teologia deve ser uma “reflexão reivindicação para projetos de infra-estrutura
crítica” sobre a prática cristã. básica, desenvolvidos nas Comunidades
Essa primeira formulação da TL é Eclesiais de Base (CEBs), com a finalidade de
crítica das políticas desenvolvimentistas e se conseguir água, luz, esgoto
, etc.
reformistas do continente, que não atacam os Posteriormente, ampliando as reivindicações
problemas sociais em sua raiz sistêmica. O com propostas para toda a sociedade, país e
autor possui, dessa forma, uma concepção continente.
dinâmica e histórica do homem. Sob a Atualmente os especialistas da Igreja
influência dos trabalhos de Marx, Freud, fazem distinções dentro do movimento. Fala-se
Marcuse, entende ele a história como uma de diferentes Teologias da Libertação, uma vez
“conquista de novas formas de ser homem, em vista de que vários movimentos surgiram em todo o
uma realização plena de si mesmo, solidariamente com mundo partindo de similar perspectiva à
toda a coletividade humana”. teologia latino-americana. As teologias da
Vários trabalhos teológicos seguiram os libertação feminina, sul-africana, asiática,
passos de Gutiérrez, procurando ampliar os negro-americana, etc, possuem como primeiro
7

elemento em comum, segundo Juan José CEBs são consideradas o elemento primordial
Tamayo, o seu lugar de procedência: “todas da TL, a teoria só se tornaria prática no meio
nasceram no Terceiro Mundo ou em âmbitos de desses grupos. Para Leonardo Boff, as CEBs
opressão do Primeiro Mundo. São, portanto, teologias “reinventam a Igreja”. São uma auto-
elaboradas em e da periferia, ubiquadas no reverso da compreensão que tem suas bases teológicas no
história, onde a pobreza constitui um fenômeno massivo Vaticano II. Nos documentos conciliares
e estrutural”.14 Revela-se, assim, a seu ver, a desenvolveu-se uma eclesiologia comunitária, onde
pertinência do método teológico desenvolvido a Igreja é comunidade; e, uma eclesiologia popular,
na América Latina, que serviria de parâmetro onde a Igreja é o “povo de Deus”. Dessa
no momento de se fazer a leitura local da forma os teólogos, baseando-se nesses
pobreza em todo o mundo; não só dentro das documentos, definiram as CEBs como um
igrejas católicas, mas também entre grupos das “movimento eclesial”.17 Mais que um
igrejas protestantes: metodistas, presbiterianos, movimento, os teólogos (e, mesmo alguns
batistas, luteranos. Pensando a amplitude desse sociólogos) definiram as CEBs como “sujeito
movimento, Michel Löwy o denomina coletivo” de transformação eclesial e social.
“Cristianismo da Libertação” por considerar o
movimento “mais profundo e amplo que uma mera Cristianismo Conservador
15
corrente teológica”. Sabe-se que sempre houve uma
Assim, pode-se entender as TLs ou o dicotomia no pensamento católico a despeito
“Cristianismo da Libertação” dentro de “uma de sua participação social. Pensa-se, no
universalidade mediada pela opção pelos pobres. Marca entanto, ser possível identificar no interior da
também um rompimento com o eurocentrismo teológico e instituição uma disputa ideológica entre a
uma relatividade da forma ocidental do cristianismo. doutrina influenciada pelo tradicionalismo
Dentro dessa nova forma de se fazer teologia cobra-se romano ultramontano e os herdeiros da
coerência entre a experiência histórica da libertação e o renovação advinda com o Vaticano II. Como
horizonte da fé. Analisa-se a história não pelo viés do há uma variedade considerável de movimentos,
16
progresso, mas dos custos humanos”. escolheu-se apresentar aqui aqueles que
Vale ressaltar que houve grande procuraram manter maior influência na Igreja
preocupação entre os teólogos sobre o acesso brasileira.
das bases a essa teologia. Uma vez que as A Teologia da Libertação, de tendência
progressista começou a sofrer repressões e ter
14 Juan Jose TAMAYO – Verbete: Teologias da Libertação in
Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo, suas bases desarticuladas a partir do papado de
Editora Paulus, 1999, São Paulo, p. 821.
15 Michael LÖWY – A Guerra dos Deuses – Religião e

Política na América Latina. Ed. Vozes, Petrópolis, 2000, 17A eclesialidade das CEBs foi muitas vezes questionada
p.8. por setores conservadores da I greja, alimentando
16 Juan Jose TAMAYO – op. cit, pp.820-827. debates nos encontros intereclesiais.
8

João Paulo II (1978-2005). Os famosos catequético-litúrgico-moral, criada pela Igreja dos


episódios da admoestação a Leonardo Boff, em primeiros séculos, com o fim de preparar e conduzir os
1984, pela Congregação pela Doutrina da Fé, convertidos adultos, através de um processo espaçado e
em que o então Cardeal Joseph Ratzinger dividido por etapas”.19 Esperava-se com esse
condena-o a um ano de silêncio obsequioso e a processo levar os candidatos a entrar em
divisão da Arquidiocese de São Paulo em 1989, contato com o “mistério pleno” de Cristo e
representaram uma desautorização para o com a vida na comunidade eclesial que seriam
modelo de Igreja que se procurava vivenciar no expressos nos ritos batismais de iniciação.
país. Deu-se, conseqüentemente, um Esses ritos eram divididos em: batismo, ritos
movimento de centralização em direção a batismais e eucaristia, presididos pelo bispo e
Roma, em que se tentava reorientar as ações celebrados durante a vigília pascal. O
pastorais para questões de cunho espiritualista Catecumenato era, então, a etapa preparatória
– a chamada Nova Evangelização. E, para isso para o batismo dos adultos, onde estes se
foram incentivados movimentos como a tornariam “verdadeiramente” cristãos. Hoje,
Renovação Carismática Católica que pudessem além da preparação para o batismo de adultos
reanimar os leigos em termos de fé e vivência pretende aprofundar os conhecimentos na fé
espiritual. Mas, para verificação de divergências dos já batizados.
ideológicas o movimento que melhor as Como estrutura catequético-litúrgica o
expressa e que vem se desenvolvendo muito na Catecumenato é herança das instituições
Igreja atualmente é o Catecumenato, ou judaicas para iniciação religiosa – adaptada dos
Neocatecumenato. essênios ou mesmo do judaísmo oficial do
O Catecumenato atual é uma adaptação Templo em seu processo de admissão de
do antigo processo iniciatório da primitiva prosélitos. A Igreja primitiva exigia do
Igreja Cristã. Segundo Dionísio Borobio o candidato conversão sincera mais uma fé
retorno do Catecumenato seria “sintomático do profunda antes de dar o batismo. Procuravam
18
modelo eclesiológico a que se aspira” hoje a Igreja. no candidato uma síntese entre Kerygma
Ou seja, as qualidades necessárias para o (conhecimento da Boa Nova e pregação dela),
“cristão atual” enfrentar os problemas da moral e liturgia. Até o século III o processo era
sociedade contemporânea. O ter
mo uma necessidade por parte do grupo cristão
Catecumenato vem de katechein que significa pequeno e pouco representativo, também
“instruir de palavra”. Segundo Borobio é, em como uma forma de se proteger das
sentido clássico, “a instituição eclesiástica de caráter perseguições. A partir do século VI, após a
oficialização do cristianismo como religião do
18 Dionísio BOROBIO – Verbete Catecumenato in
Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo,
pp. 71-83. 19 Dionísio BOROBIO, op. cit., p. 71.
9

Império Romano, o catecumenato entra em encontro com a Nova Evangelização proposta


decadência e se torna um rito vazio de pelo Papa João Paulo II. Na ep
ístola
significado. Segundo Borobio ocorre a Ogniqualvolta de 30 de agosto de 1990, o Papa
“desvalorização da instituição” devido a uma afirma ser o Neocatecumenato: “um itinerário de
conversão em massa ao cristianismo. A formação católica, válida para a sociedade e para os
hierarquia eclesiástica substitui aquele tempo tempos de hoje”.20 Nela também expressa o desejo
de preparação (em torno de três anos) pela que os Bispos incentivem e apóiem tal
Quaresma, com ritos e exorcism
os instrumento.
concentrados em um período de 40 dias de Em sua nova versão o movimento foi
penitência. A conversão profunda que era fundado pelos espanhóis Kiko Arguíelo e
esperada pelos bispos deu lugar a uma Cármen Hernandez, responsáveis
acomodação por parte dos fiéis uma vez que se internacionais em caráter vitalício junto com o
dá uma forte burocratização da religião. Pe. Mario Pezzi, do clero diocesano de Roma.
Ao longo do tempo o Catecumenato A experiência de conversão para Arguíelo
sofreu alterações em sua estrutura adaptando- expressa um descontentamento com o mundo
se às exigências da Igreja. Principalmente para secularizado. A fé cristã, viv
enciada
a pregação e conversão durante a Contra- profundamente, seria a redescoberta da própria
Reforma (século XVI). Sob orientação do razão de ser do indivíduo. O estatuto do
bispo local contava com a participação de Caminho Neocatecumenal apresenta a
missionários, clérigos e leigos para a estrutura interna deste, marcado pela
catequização. hierarquização das funções, com clara
No século XX, com a renovação submissão dos leigos ao pároco e Bispo. Não
advinda do Concílio Vaticano I,I o se define como “movimento” porque não há
Catecumenato surge como um novo ritual para autonomia de seus membros. Mas, sim, um
o batismo de adultos e mais importante ainda, “instrumento” de realização diocesana para
como um fortificador da fé dos já batizados. iniciação cristã e educação permanente da fé.
Ganha assim, um novo nome, Direciona-se também dentro de seus elementos
Neocatecumenato. Ele seria um apoio para as fundamentais “àqueles que provêm de confissões
paróquias na tentativa de resgatar a fé daqueles cristãs que não estão em plena comunhão com a Igreja
adultos que teriam se afastado por conta do
“mundo contemporâneo”. Isso devido à perda
20 ESTATUTO DO CAMIN HO
de fiéis para outras denominações religiosas e o NEOCATECUMENAL – Roma, 29 de junho de 2002.
Título I Natureza e realização do Caminho
esvaziamento da participação dos católicos. Neocatecumenal, § 1, p. 1. No estatuto faz-se referência
Pode-se afirmar que tal instrumento ia de também a Exortação apostólica Catechesi Tradendae, onde
o Papa afirma ser o neocatecumenato um “solícito
pensamento pastoral e missionário”.
10

Católica”. Ou seja, com caráter missionário Igreja Católica, que conseguiu assim manter
proselitista. sua influência na camada da população mais
O apanhado geral do Neocatecumenato pobre. Seguindo uma “tradição” mais
torna-se importante para a melhor progressista herdeira, em parte, da Ação
compreensão do choque entre ele e a Teologia Católica.
da Libertação. O cristão neocatecúmeno Visto em panorama, essas duas
difere-se do cristão das CEBs. O primeiro correntes de pensamento seriam as que mais
busca uma modificação moral que geraria um influenciam a Igreja Católica atualmente no
comportamento diferente do mun
do Brasil. O retraimento das CEBs e da Teologia
secularizado, visto como degradante para a fé. da Libertação não representaria o fim desses
Um mundo materialista (“deus dinheiro”) onde movimentos, mas marcariam o novo momento
o indivíduo perde sua identidade, e sua do Catolicismo brasileiro: plural, tal como a
conexão com Deus. O segundo vê a sua fé realidade social em que está ni serido. No
como um processo onde a modificação deste entanto, pode-se afirmar que a divergência
mundo (também considerado materialista, mas entre os grupos eclesiais representa na verdade
em outro sentido, o de sociedade injusta) é o conflito entre ideologias políticas e
essencial para alcançar a transcendência que se compreensão do papel da religião. Esta como
busca, ou seja, o Reino de Deus. Enquanto o instituição social, nunca deixa de representar,
neocatecúmeno espera uma salvação pessoal, como afirmava Max Weber, os interesses
que passa primeiro por uma conversão, materiais dos grupos que a vivenciam. A
dependente da Igreja como mediadora e do vivência da religiosidade, por sua vez, será mais
clero; o membro das CEBs espera e luta por ou menos forte na medida em que consiga
uma salvação coletiva, onde a participação de atender às necessidades de ordem material e
todos, com iguais, seria imprescindível. Apesar espiritual de seus fiéis. As CEBs com a TL
de valorizarem uma vivência comunitária, o marcaram para alguns grupos o modelo ideal
próprio sentido de comunidade é diferenciado, para a salvação coletiva. Um esforço de
marcado pela obediência hierárquica. Os leigos conscientização e concretização de uma Utopia,
das CEBs também procuram viver em abençoada com a justificação religiosa (vivência
pequenas comunidades, no entanto, buscando plena do cristianismo) para superar uma
a experiência de “ ser Igreja”, “povo de Deus”. situação social excludente. O sucesso ou
Eles mesmos parte do corpo geral da Igreja, fracasso desse movimento está articulado com
em uma posição não de submissão, mas de outros movimentos populares. Os movimentos
cooperação. As CEBs se mostraram com um populares com caráter religioso não são
potencial aglutinador muito grande para a novidades na História sendo que a “construção
11

do Reino de Deus” é muito parecida com uma


Bibliografia
sociedade politicamente mais justa e igualitária.
Assim, a junção dos dois aspectos (político e 1. BANDEIRA, MARINA – A Igreja
Católica na virada da questão social
religioso) não é visto como incongruente. Ao
(1930-1964). Rio de Janeiro: Editora
contrário, como complementares. Vozes, 2000.
2. CORTES, NORMA – Católicos e
A distância entre a prática e a teoria, ou
autoritários. Breves considerações
entre a pregação da mensagem religiosa e sua sobre a sociologia de Alceu Amoroso
Lima. Revista Intellectus, Ano I nº 1.
vivência tem sido uma crítica apontada pelos
Disponível em Disponível em
militantes católicos. As contradições presentes http://www2.uerj.br/~intellectus.
Data de acesso: 10/10/2006.
no Catolicismo foram percebidas e apontadas
3. DICIONÁRIO DE CONCEITOS
pelos membros das CEBs e teólogos da FUNDAMENTAIS DO
CRISTIANISMO. São Paulo: Paulus,
libertação. No entanto, o medo da “heresia”,
1999.
ou melhor, as ameaças veladas ou explícitas de 4. DUSSEL, ENRIQUE – Teologia da
Libertação. Panorama de seu
ser excluído do “Corpo Místico do Cristo”
desenvolvimento. Petrópolis: Editora
funcionariam como freios. A ideologia (e sua Vozes, 1999.
5. GUTIÉRREZ, GUSTAVO – Teologia
prática repressora) da instituição católica como
da Libertação. Perspectivas. São Paulo:
mediadora única – capaz de levar o fiel a Deus Edições Loyola, 1996.
6. LÖWY, MICHAEL – A Guerra dos
– seria uma barreira muito forte aos impulsos
Deuses. Religião e Política na América
internos mais críticos. A tentativa de crítica Latina. Petrópolis: Editora Vozes,
2000.
histórica da religião e instituição, feita pela TL,
7. MOUNIER, EMMANUEL – O
procurou auxiliar na “libertação” de tais Personalismo. Santos: Livraria Martins
Fontes Editora, 1964.
mecanismos ideológicos; mas não é capaz de
alterar de fato a estrutura de poder. No
entanto, há uma riqueza considerável na
diversidade de pensamento, que possivelmente,
servem como estratégia de sobrevivência para a
religião.

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