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Calane da Silva*

“O s problemas do mundo só estarão resolvidos


quando todos formos mulatos. E o que isto significa é que
quando os Homens se encontrarem como Homens uns com
os outros, quando não forem separados por nenhumas
barreiras, barreiras de cor, barreiras de crença, enfim
todas as barreiras — e não é preciso estar a enumerar pois,
conhecemo-las bem demais — isso, essa aproximação, essa
espécie de união constante, união dinâmica, união em
movimento constante levaria evidentemente a criar o tipo
de Homem — que não havendo essas barreiras — seria
aquilo que eu chamo, mulato, uma vez que eu não tenho de
ser eternamente branco, como não tenho de ser
eternamente preto” — Estas são algumas de muitas outras
afirmações interessantes de José Saramago, feitas numa
entrevista dada ao jornalista e escritor moçambicano Calane
da Silva, no início dos anos 90 do século passado e que
continuou inédita até este momento.

Esta revista traz assim para o público de língua portuguesa


esta entrevista nunca antes publicada e feita durante a sua
primeira visita a Moçambique do até agora único Prémio
Nobel da Literatura em língua portuguesa já falecido e que
poderá certamente alargar o nosso conhecimento sobre a
constância ou a evolução do pensamento e outros aspectos
da vida de José Saramago.

Começando por esclarecer sobre a origem dos seus nomes e


sua verdadeira data de nascimento, José Saramago, que na
época demonstrava uma certa mágoa pelo facto de nunca até
esse momento ter sido premiado pela sua obra, dá a
conhecer as suas convicções em vários domínios da vida e da
sociedade, o seu parecer sobre os problemas internos do
comunismo e sua prática nos então países socialistas, sobre
as questões da democracia na Europa e no mundo, o seu
ateísmo e condição humana relativamente à religião, ao
amor, às ideologias e à literatura e seu conceito sobre
literatura moçambicana.

Respeitando escrupulosamente o modo de se exprimir


durante a entrevista vamos em seguida publicá-la na
íntegra, destacando algumas das suas afirmações sempre
polémicas e interessantes e tornar a recordar que as
questões apresentadas têm a distância de quase 30 anos em
relação à actualidade. Efectivamente, esta entrevista foi
efectuada em Março/ Abril de 1990, quando da visita de
Saramago a Maputo a convite do Centro Cultural Português
— Instituto Camões para proferir uma palestra para
encerrar o III Curso de Literatura Portuguesa. Estes cursos
são feitos anualmente em parceria com a Universidade
Eduardo Mondlane (UEM) de Maputo e continuam até aos
dias de hoje.

Transcrevemos a seguir na íntegra a entrevista.

Como temos pouca informação aqui em


Moçambique sobre a sua pessoa, você mesmo,
íamos começar um pouco por si. José Saramago é
mesmo o seu nome?

José Saramago é mesmo o meu nome. O nome completo é


José de Sousa Saramago. Saramago era a alcunha da minha
família sobretudo do lado paterno e foi por obra e graça do
empregado do registo civil da minha aldeia que eu sou
realmente o que sou, quer dizer, que tenho esse nome
Saramago. Porque foi por sua livre iniciativa que ele
acrescentou quando eu fui registado, ele resolveu por sua
livre iniciativa — há quem diga que ele estava ligeiramente
embriagado, ou mais do que ligeiramente — e, repito, por
sua livre iniciativa, lá acrescentou aquilo que era apenas
uma alcunha, o que criou uma situação que teve de vir a ser
resolvida mais tarde, por que nem a minha família nos
primeiros anos antes de eu ir para a escola sabia que eu me
chamava Saramago, porque, como se sabe, essas coisas
ficam registadas e depois não se pensam mais nelas, ou não
se vê, ou não há documentos. Eu até nem sei se teria cédula
pessoal ou não, se já existia naquela altura cédula pessoal.

O que eu sei e me recordo disso bem é que quando eu fui


para a escola, aos seis ou sete anos de idade fui tirar os
papéis, como se dizia, tirei a certidão de nascimento e
perante o pasmo do meu pai eu chamava-me José de Sousa
Saramago e isso levou a a que ele mudasse o próprio nome,
pois não se sabia como é que duma família que era Sousa
aparecia um Saramago, esse apelido, e então para que tudo
ficasse na devida ordem o meu pai teve de fazer um registo
adicional do seu próprio nome em que ele passou também a
chamar-se José de Sousa Saramago. Portanto, é um caso em
que o filho deu o nome ao pai.

Falando dos seus pais. Donde é que eles eram e o


que faziam?

Eu sou do Ribatejo de uma aldeia chamada Azinhaga no


conselho da Golegã e nasci aí em 1922, não em 18 de
Novembro como dizem os documentos mas a 16, que
também é outro erro na minha biografia, porque como o
registo tinha de ser feito trinta dias depois do nascimento e,
como o meu pai andava a trabalhar fora, só pôde ser feito no
dia 18 de Dezembro e, para não se pagar a multa, deu-se
como data de nascimento uma data que não é real. Enfim, o
meu bilhete de identidade diz que eu nasci a 18 de
Novembro mas nasci a 16.

Aí o meu pai que tinha feito a guerra de 14/18 achou,


quando regressou à terra, que, enfim, que a vida tinha que
mudar e, portanto, suponho eu que por altura de 24 ou 25
(1924 ou 25) os meus pais emigraram para Lisboa. Portanto,
tendo eu embora nascido na aldeia, a minha vida
praticamente toda foi feita em Lisboa, embora até, enfim, à
adolescência, até aos 17, 18 anos por aí, eu tivesse sempre
feito longas estadas na minha aldeia e por isso, quando eu
me recordo da minha infância, da minha adolescência, ou
pelo menos da primeira parte da adolescência, é muito mais
o campo e tudo aquilo que anda por lá, que está lá, do que,
digamos, a vida urbana, é muito mais isso. Por isso, eu pude
dizer e ainda posso dizer de uma certa maneira que tudo o
que em mim há de vital como memória, como recordação,
tudo isso é campestre e não urbano.

De qualquer modo gostaria de entrar num outro


problema, que é o problema da profissão. Quer
dizer: os escritores são às vezes Homens de mil
profissões. Qual foi a sua primeira profissão e que
profissões teve antes de começar a abraçar
definitivamente a profissão de escritor?

Bem, eu tive várias profissões porque a nossa situação


económica não era muito boa. Fiz a instrução primária,
digamos, normalmente, depois fui para o Liceu, mas a
verdade é que só estive no Liceu até ao segundo ano, porque,
enfim, por razões económicas, repito, não consentiram que
lá continuasse e passei para uma escola industrial, a escola
industrial “Afonso Domingues” e aí tirei o curso de
serralheiro mecânico até aos 17 anos ou coisa que o valha. O
meu primeiro emprego, o meu primeiríssimo emprego, foi
como serralheiro mecânico durante cerca de dois anos nas
oficinas de serralharia dos hospitais civis de Lisboa. Enfim,
não tiro daí nenhuma honra particular, mas também não lhe
encontro nenhuma razão para me envergonhar, fui, de facto
e cerca de dois anos, operário.
Depois durante algum tempo, muito pouco, fui desenhador
técnico, entrei para os serviços administrativos dos
hospitais, depois saí e fui para umas instituições de
previdência onde fiquei alguns anos, tornei a sair — porque
nunca estive muito tempo no mesmo sítio — enfim, entrei a
seguir para uma editora e aí estive mais tempo. Saí da
editora e fui para um jornal, saí do jornal e fui para outro
jornal, isto aconteceu em 72/73 e depois em 1975 — em 74 é
a revolução e com a revolução eu fiquei desempregado —
mas enfim são histórias que, digamos, não têm muito
interesse: e é sobretudo a partir de 1975, quando com o 25
de Novembro em que fiquei desempregado — nessa altura
era director adjunto do “Diário de Notícias” e fiquei na rua, é
nessa altura que eu tomei a decisão — já tinha alguns livros
publicados, evidentemente — mas aí tomei a decisão de,
pelo menos, tentar dar-me inteiramente à escrita.

Durante alguns anos entre 76 e 79 foi bastante difícil porque


tive de recorrer muito ao trabalho de traduções e, a partir de
1979/80, as coisas começaram a mudar aos poucos e, enfim,
ao final de dez anos, eu, que desejava viver daquilo que
escrevia, consegui.

Eu estou a recordar-me que decorre na ópera de


Milão a apresentação da Blimunda, ou seja,
o Memorial do Convento. Mas recordo-me que
alguém, parece-me que um realizador europeu,
queria fazer um filme também do mesmo livro.
Houve algum problema para esse filme não ir
avante ou houve recusa da sua parte?
Não! Não houve nada a não ser eu não ter autorizado e, de
facto, houve e continua a haver neste mesmo momento uma
proposta da Televisão de Espanha que quer levar, quer fazer
uma série sobre o “Memorial”. Enfim, já disse que não a é
primeira vez e vou com certeza dizer que não, nesta segunda
vez, e olhe a razão é realmente simples: é que eu não vejo
como é que aquele romance — e quem diz aquele diz outros
— pode passar ao cinema, pois eu considero que uma
história contada pelos meios do cinema é uma história que…
como hei-de dizer… é uma história que tem que se servir
apenas do que é essencial. Há questões de ordem formal,
que, do meu ponto de vista, são extremamente importantes
e que, no caso dos meus livros, assumem uma importância
pelo menos tão grande como a própria história que é
contada, e eu não vejo como é que isso passe para o cinema.
Então eu digo, às vezes, que não quero ver a cara das minhas
personagens e muito menos a cara de uma personagem
como é por exemplo a Blimunda, mas isso enfim é uma
maneira um pouco anedótica de expor as coisas, pois o que
eu não quero, no fundo, é sofrer com uma adaptação que
deixe de parte algumas coisas que para mim são essenciais,
ficando o livro passado ao cinema ou à televisão e reduzido a
uma simples história em que as personagens fazem isto e
aquilo, que se movem isto e aquilo, enfim… Continuo a dizer
e disse ontem na Associação dos Escritores Moçambicanos
que não nos devemos enganar a nós próprios. A maneira de
contar é tão importante como aquilo que se conta e, quem
sabe, se nalguns casos não é mais. E como a maneira de
contar se perde com certeza, se perderia na passagem do
livro ao áudio-visual, então eu continuo a dizer não.
É natural que se abra uma excepção e é a primeira vez que
eu digo — é de facto uma notícia em primeira mão —
embora ainda não posso confirmar completamente, mas
tudo leva a pensar que assim será, é natural que eu abra
uma excepção para uma romance meu que se
chama Levantado do Chão. E essa excepção abro por uma
razão muito simples: a reforma agrária foi liquidada no meu
país. O romance existe, conta a história de três gerações de
uma família de camponeses alentejanos, a informação foi
recolhida no ano de 1976, quando enfim havia a esperança
na transformação da relação do Homem alentejano com a
terra alentejana. Enfim, quinze anos depois volta tudo
àquilo que era dantes, o latifúndio reconstituiu-se, os
grandes senhores de terras recuperaram a terra, a
exploração, enfim, com algumas modificações, vai continuar
e penso ser uma espécie de dever meu, dever cívico se
quiser, que a história dessa gente possa ser vista por
públicos mais numerosos, muito mais numerosos do que
aqueles que, enfim, se interessam pelo livro. Essa é a razão.
Portanto, é natural que eu abra uma excepção para o caso
do Levantado do Chão mantendo-me em todo o caso
absolutamente firme quanto aos outros livros.

Mas então porquê a ópera? Porquê resposta


positiva para a ópera?

Bem a ópera, repare, é um modo de expressão de tal forma


diferente que nunca poderia de facto, ou melhor, não pode
falar-se de uma adaptação do livro à ópera. É impossível.
Não se pode meter 350 páginas densas num espectáculo que
dura duas horas e um quarto ou coisa que o valha. Então o
que há é a utilização de meia dúzia de pontos essenciais do
livro organizados, digamos, através da música, organizados
pela música, pela acção cénica e, portanto, a ópera é, e ao
mesmo tempo não é, o livro. E eu posso dizer já e, enfim,
porque isso pode ter algum interesse, que pelo menos neste
caso tudo quanto há de essencial no livro passou à ópera. Eu
posso dizer que há muito do que está no livro que não
entrou na ópera. Mas insisto, o que é essencial no livro
passou para a ópera e mais: graças à encenação, graças, a
tudo aquilo que se pode fazer com pessoas que se movem no
palco com luzes, com sons com tudo isso, há certas
intenções do livro, ou certas expressões do livro, o livro tem
uma grande carga herética, ora bem, na ópera essa carga
herética é acentuada, precisamente pela encenação e tudo
isso.
Até que ponto as convicções ideológicas que
nortearam a sua vida durante muitos anos o
modificaram ou se modificaram? Para si o
comunismo ainda significa um passo em frente
para o avanço cultural dos povos? Essas suas
convicções ideológicas terão sido também um
motor para a sua produção literária?

As convicções que tive são as convicções que tenho. O facto


de assistirmos a uma derrocada de sistemas ou pelo menos
da sua aplicação em vários países, desde a própria União
Soviética, não altera nem alterou nada as minhas convicções
porque entendo que o defeito não está apenas no sistema,
embora possa encontrar no sistema alguns defeitos, defeitos
de interpretação, defeitos de leitura se se quiser. Mas
continuo a pensar que a grande responsabilidade, a maior
responsabilidade do falhanço a que estamos a assistir do
socialismo, digamos directamente ligado a Marx e àquilo
que vem directamente do pensamento de Marx, resulta
muito mais da incapacidade, da incompetência, da
irresponsabilidade, para não dizer outras coisas piores, de
pessoas que tiveram ou que tinham como função o levantar
dos povos que supostamente estariam a servir este mesmo
sistema, que aponta e continua a apontar para a felicidade
dos Homens, a felicidade relativa como sempre ela há-de
ser, mas que não podia, de forma nenhuma, ter como
projecto final, aquilo a que assistimos: a privação das
liberdades, a decadência económica, o asfixiamento da
produção, dificuldades na repartição de bens. Isto é, tudo
aquilo que nos deixa estupefactos — ou não tão estupefactos
— porque os sinais de que isto era assim já vinham de longe
e só não os via quem não queria vê-lo. Enfim, esta situação a
que se chegou não a atribuo inteiramente ao sistema, mas
talvez se possa encontrar uma parte da responsabilidade aí,
por erros de leitura, de interpretação e, sobretudo, por erros
de adequação, relativamente ao que deveria ser a adequação
a tempos que são evidentemente diferentes e que não
podem ser espartilhados dentro do sistema. Pelo contrário,
desde o princípio que se apresentou como flexível e capaz de
adaptar-se a novas realidades, quando o que afinal
aconteceu foi ter-se transformado numa espécie de bíblia,
num dogma, em que o pensamento criativo sobre este
mesmo sistema praticamente foi paralisado.

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