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| FilosofiadaNatureza
Hans-Dieter Mutschler
| Edições Loyola
Será a natureza apenas aquilo que é prescrito pela ciência da natureza
ou existem outros modos de acesso a ela? Uma filosofia da natureza
autônoma deve aceitaros resultados da ciência positiva e de uma teoria
da ciência que reflete sobre eles. Todavia, também deve perguntar
por aquela natureza que nos vem ao encontro nos contextos técnico-
prático e ético-prático, ou seja, a filosofia da natureza também apresenta
a questão da natureza como um nexo conjuntural de sentido.
Hans-Dieter Mutschler
Tradução
Enio Paulo Giachini
Edições Loyola
TiiuLo ORJGINAL:
Natur-philosophie
«5 2002 W. Kohlhammer Verlag GmbH. Stuttgart
ISBN: 3-17-016814-2
Edições Loyola
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mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer
sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.
ISBN: 978-85-15-03494-9
7 Introdução
Capítulo 1
19 As diversas posições no espaço
de possibilidade da filosofia da natureza
22 1.1 A natureza como totalidade de tudo o que
existe apreendida cientificamente (Nat ) tol/cien
Capítulo 2
65 A tensão entre teoria e praxis
72 2.1 Os pós-modernos
73 2.1.1 H. R. Maturana/F. J. Varela
77 2.1.2 Gotthard Günter
80 2.1.3 Bruno Latour
83 2.2 A ciência popular
84 2.2.1 Erich Jantsch/Ilya Prigogine
85 2.2.2 Paul Davies
87 , 2.2.3 Bernulf Kanitscheider
Capítulo 3
91 Natureza como correlato do teorético
92 3.1 O físico e o fisical
98 3.2 Essência e aparência — ontologia e precisão
103 3.3 Crítica do platonismo fisicalista
105 3.3.1 Roger Penrose
106 3.3.2 C. F. v. Weizsäcker
110 3.4 0 conceito de "matéria"
Capítulo 4
119 Natureza como correlato do técnico-prático
123 4.1 A biônica
128 4.2 A metáfora do computador
132 4.3 A técnica üitificial-life
137 4.4 Natureza e técnica em Aristóteles
155 4.5 A cibernética
165 4.6 A legalidade do fortuito como conformidade a fins
Capítulo 5
173 Natureza como correlato do ético-prático
174 S. 1 A concepção prévia de uma natureza interiormente
prenhe de valores na técnica, na biologia e na ecologia
177 5.2 Cientismo e autofinalidade. Hans Sachsse,
James Lovelock e a síntese que não deu certo
180 5.3 O problema ontológico que ficou sem solução na ética ecológica
Capítulo 6
187 Sobre a hermenêutica da natureza cientificizada
197 Referências
211 índice analítico
213 (ndi ce onomástico
Introdução
7
porem, ninguém jamais imaginou que o "livro da natureza" pudesse ter
sido escrito e m linguagem matemática. No entanto, depois que essa con-
cepção se impôs, nos séculos XVIII e XIX, pareceu pelo menos tão clara
c o m o o conceito de "natureza". "Natureza" designava simplesmente o
substrato ontológico da ciência matemática da natureza; e, visto ser pelo
menos tão transparente c o m o u m cálculo matemático, parecia estar escla-
recido, e m princípio, t a m b é m o conceito de "natureza".
Filósofos que buscaram desmascarar essa clareza c o m o aparência,
chamando atenção para o procedimento hipotético da ciência da natu-
reza e buscando dar u m fundamento qualitativo último à ciência da na-
tureza, portanto pensadores c o m o Schelling ou Hegel, c o m o passar do
tempo já não conseguiam ser convincentes, pois n o decorrer do século
XIX mostrou-se que as especulações metafísicas do idealismo alemão
eram exageradamente limitadas e m u i t o pretensiosas para poder servir
de modelo à ciência empírica e sintetizar ou dar u m fundamento último
a seus resultados.
N o geral, desde então, a scientific community afastou-se da especulação
filosófica e c o m e ç o u a cuidar de seu n e g ó c i o por conta própria. Até hoje
impera a convicção geral de que, e m se tratando da natureza, única e
exclusivamente as ciências da natureza são competentes, e de que toda
e qualquer ciência que reivindique ultrapassar esse saber não passa de
um retrocesso a uma metafísica já de há m u i t o superada. A partir desse
ponto de vista, parecia, e m princípio, não haver qualquer problema
com o c o n c e i t o de "natureza", o qual e m todas as épocas nada mais
designava que substrato o n t o l ó g i c o das ciências da natureza; diante dos
convincentes resultados dessas ciências, não se via mais necessidade de
especulações ontológicas.
Autores que, m e s m o assim, reivindicavam o direito a uma "filosofia
da natureza" autônoma, autores c o m o Henri Bérgson ( 1 9 3 0 ) , Ludwig
Klages ( 1 9 6 1 ) ou Teilhard de Chardin ( 1 9 6 9 ) , nada podiam modificar
na convicção geral, que dizia que o conceito de natureza não comportava
qualquer problema e que n o decorrer do progresso científico acabaria
ficando cada vez mais claro.
Uma ruptura nessa convicção evidente só foi provocada pela crise
ecológica da segunda metade do século X X . Foi essa crise que, e m muitas
pessoas capazes de reflexão, despertou a suspeita de que alguma coisa
em nossa relação c o m a natureza não estava b e m e de que u m a das causas
disso residia provavelmente n u m conceito de natureza cientificamente
muito estreito, que, de m o d o ingênuo, pressupusemos c o m o válido du-
Introdução 9
iu medida em que eles qualificam c o m o u m retrocesso para além do ilu-
minismo o apelo a uma "natura naturans", definida metafisicamente. De fato,
i stihjelividade moderna só se constituiu e m seu pathos pela liberdade, pelo
lato de ter-se desvinculado da natureza. Quem quiser fazê-la remontar ao
"grande todo", segundo o paradigma da Stoa, terá de mostrar c o m o irá
conservar o "projeto da modernidade", o que o predisporá a considerá-lo
fracassado, ou então o que poderia ocupar seu lugar.
Mesmo tendo conhecimento das dificuldades ligadas a esse fato, o
autor reafirma o conceito de razão da modernidade e seu pathos iluminista,
o que proíbe por si um retrocesso para modelos mais antigos de metafísica
da natureza.
Mesmo assim, há razões para não descartar totalmente uma metafí-
sica da natureza.
O que se deveria compreender por "metafísica", e m todo caso, já
não é tão claro hoje e m dia. Autores c o m o Jürgen Habermas nomeiam
três razões fundamentais para o pensar metafísico: "A razão da unidade da
filosofia originária, a equiparação de ser e pensar, o significado salvífico da
orientação teorética da vida", o que significa u m "pensar identitário, uma
doutrina das idéias e u m forte conceito teorético" (HABERMAS, 1 9 9 2 , p. 3 6 ) .
Se orquestramos a metafísica de m o d o tão grandioso, então, junto c o m
Habermas, acabaremos chegando à conclusão de que historicamente ela
teria capitulado. Filósofos analíticos c o m o Donald Davidson, ao contrário,
defendem u m conceito de metafísica totalmente despretensioso. Segundo
Davidson, "a única possibilidade de fazer metafísica consiste e m investigar
a estrutura universal da linguagem" (DAVIDSON, 1 9 9 4 , p. 2 8 3 ) . Quando se
defende u m conceito de metafísica tão despretensioso, fica igualmente
difícil não fazer metafísica, c o m o afirma Habermas, dizendo que n o futuro
isso se tornará impossível.
Aqui não é o lugar de comparar diversos conceitos de metafísica, para
então decidir-se por u m determinado conceito; na filosofia da natureza
existe, porém, desde o século XVII, um critério relativamente claro a res-
peito do que se deve qualificar c o m o "metafísico", pelo menos nesse âm-
bito: é o emprego de categorias teleológicas, isto é, a suposição de que na
natureza haja valores, objetivos e fins. E essa tal suposição que é considerada
hoje em dia c o m o "metafísica", e habitualmente e m sentido pejorativo.
Nesse caso, costuma-se chamar a atenção para o fato de que, desde Galileu
(ialilei ou a fortiori desde Charles Darwin, a ciência moderna da natureza só
pode alcançar resultados desconectando-se das causas últimas; isso significa
Introdução 11
sobre seus conceitos, mostrou-se então não haver mais nenhuma filosofia
da natureza autônoma, se é que sob esse n o m e devamos compreender
algo mais do que a compilação dos resultados mais genéricos das ciências
positivas ou mais do que uma reflexão sobre seus métodos, no sentido
da teoria da ciência.
M e s m o assim, sempre houve filósofos (já foram mencionados Berg-
son, Bloch, Klages, Picht, Marcuse ou Teilhard) que individualmente
tentaram desenvolver o u pelo menos postularam uma filosofia da na-
tureza autônoma. Mas, fora dos escalões científicos, sempre de novo se
perguntou se realmente sabemos c o m precisão o que seja "natureza". No
entanto, c o m o essa pergunta, antes do final do século XX, não era aceita
universalmente c o m o uma questão fundamental, também as respostas
que se lhe ofereciam apresentavam algo de extremamente disparatado.
Não acontecia c o m o se dá na teoria do conhecimento, na filosofia da
linguagem, na ética filosófica ou na filosofia política, em que pensadores
de diversas correntes se encontram previamente n u m terreno c o m u m
para intercambiar seus argumentos. Quando, por exemplo, A. N. W h i t e -
head o u Bernulf Kanitscheider falam de " c o s m o l o g i a " , cada u m deles
tem e m mente algo totalmente diverso, algo que não permite qualquer
comparação imediata. Por causa dessa incomparabilidade dos princípios,
uma reflexão sistemática sobre o conceito de natureza precisa, antes de
tudo, procurar construir pela primeira vez uma certa comparabilidade
desses princípios bastante disparatados, para depois poder fundamentar
u m posicionamento racional.
Se apenas passarmos em revista, uma vez que seja, alguns títulos alea-
tórios relacionados c o m o tema da "filosofia da natureza", surgidos nos
últimos anos, então obteremos uma imagem que não poderia ser mais
disparatada: Erich Brock ( 1 9 8 5 ) escreveu uma filosofia da natureza a par-
tir de u m princípio existencialista, Reinhold Breil ( 1 9 9 3 ) , a partir de u m
princípio kantiano, Bernulf Kanitscheider ( 1 9 9 6 ) , a partir de u m princí-
pio científico, Raine? Koltermann ( 1 9 9 4 ) , a partir de u m princípio n e o -
escolástico, Maria Dürckheim ( 1 9 9 6 ) , a partir de u m princípio da mística
da natureza, Klaus Meyer-Abich ( 1 9 9 7 ) , a partir de u m princípio da filo-
sofia da identidade, Gernot B ö h m e ( 1 9 9 7 ) , a partir de u m princípio feno-
menológico e assim por diante. Nenhum desses trabalhos concorda c o m
qualquer outro nas premissas e, por isso, tampouco nos resultados.
Fizemos referência ao trabalho da Senhora Dürckheim porque essas
"filosofias espirituais da natureza" demarcam b e m os limites do que deve
ser tratado aqui. Filosofia não pode ser substituída por mística, m e s m o
Introdução 13
do nos estaria à m ã o n u m conceito monolítico, somos remetidos a uma
pluralidade de perspectivas, à luz das quais o m u n d o nos aparece sempre
como algo e jamais c o m o uma crua "coisa e m si". Metafísicos e fisicalistas
tentaram igualmente desativar essa perspectiva do conhecimento huma-
no através da perspectiva da unidade. Mas suas filosofias da identidade e
fórmulas universais acabaram não sendo m u i t o convincentes.
Todavia, para colocar uma o r d e m passível de ser realizada nas di-
versas perspectivas relacionadas à natureza, remontamos aqui, portanto,
a uma classificação aristotélica ou kantiana. Nesse trabalho, Aristóteles
torna-se importante porque sua filosofia da natureza continua desde sem-
pre possuindo uma relevância sistemática que se opõe ao preconceito c o -
m u m reinante. Ela deverá ser fortalecida aqui c o m o a detentora do espaço
do âmbito "físico" contra o "fisical", portanto do âmbito do m u n d o da
vida contra o âmbito científico.
Pelo conceito do "correlato", porém, deverá ficar claro que hoje
precisamos ver Aristóteles através dos óculos kantianos; do contrário se
perderia o pensamento constitutivo m o d e r n o , que liga a concepção kan-
tiana c o m concepções modernas, concepções cunhadas pela analítica da
linguagem. Segundo a opinião do autor, esse pensamento kantiano con-
tinua insuperável.
3. O capítulo sobre "natureza c o m o correlato do teorético", n o es-
sencial, é polêmico. Ele refuta as exageradas pretensões de validade so-
bretudo do fisicalismo e aqui novamente o muito difundido platonismo
fisicalista. Tal platonismo, muito divulgado também na teoria analítica da
ciência, bloqueia toda e qualquer filosofia da natureza diferenciada.
4 . N o capítulo sobre a "natureza c o m o correlato do técnico-prático"
mostra-se que, m e s m o hoje, ainda não conseguimos deixar de considerar
a natureza sob o enfoque teleológico. Não é assim que, ao entregarmos
a natureza à responsabilidade dos procedimentos experimentais da física
ou da química, já saibamos tudo sobre "natureza", u m procedimento que
continua absolutamente legítimo. Dando u m passo a mais, pela análise
dos procedimentos práticos a partir da biônica, cibernética, informática
etc. pode-se mostrar que esses procedimentos muitas vezes i m p õ e m u m
t é l o ç para dentro da natureza, o qual fica inacessível ao método fisical,
pois não foi criado para isso. Essa teleologia então é colocada e m relação
c o m a concepção de Aristóteles.
5. O capítulo sobre "natureza c o m o correlato do ético-prático", n o
essencial, trata de questões sobre a ética ecológica. Aqui se deve mostrar
que e m todas as formas de ética não-antropocêntrica, ecológica impera
Introdução 17
mais seja considerado c o m o problema. Assim c o m o a tecnificação que
cresce de maneira vertiginosa deixa atrás de si os detritos do lixo indus-
trial, c o m o uma questão não resolvida, a cientificização da natureza gera
montanhas de lixo cognitivo e m forma de teoremas compreendidos pela
metade e não integrados na existência. A filosofia da natureza tem também
a tarefa de desenvolver estratégias para superar essa poluição semântica
do m e i o ambiente, que se instaura pelo fato de que estamos constante-
m e n t e produzindo novos conhecimentos, mas n e m de longe consegui-
m o s compreender o que sabemos ali.
A "filosofia da natureza" pode assim ser definida c o m o aquele saber
que faz a mediação entre teoria e prática n o âmbito da ciência e do m u n -
do da vida, sendo que o último detém o primado.
19
do âmbito da "cultura" e da "história". A outra distinção, independente
desta do ponto de vista lógico, refere-se à natureza c o m o m e r o correlato
da ciência da natureza (Nat . ), ou à natureza c o m o u m dado que per-
ck n
mite diversos modos de acesso, modos não redutíveis entre si; portanto,
natureza c o m o uma grandeza que deve ser compreendida de maneira
pluralista (Nat , ), a qual não só pode ser calculada, mas sempre que pos-
p ur
N
at a e n —Nat p i u r
N
at, o t / c i e n
^*^reg/cien
at
N reg/plur
I
não se pode ver facilmente a razão por que, n o todo da natureza, devês-
semos abrir uma exceção, sem qualquer analogia, de tal m o d o que para
a descrição do h o m e m seria necessário lançar m ã o de categorias comple-
tamente diferentes das categorias usadas para descrever o restante da nature-
za. Nessa posição N a t reg/Cien , que é muito difundida, parece estar atuando
ainda u m resto daquele dualismo que, desde Descartes até Kant, tende a
não só distinguir os discursos sobre o aspecto mental e o físico, o que é
necessário, mas separá-los de tal m o d o que acabam não mais podendo
ser relacionados entre si.
A discussão desenvolvida dentro deste capítulo introdutório deverá
mostrar então que, numa análise mais aprofundada, a posição N a t reg/plur
Nat tot/den
N a t
to,/plur
N a t
reg/cien
N^reg/plur
I
pretensões de validade torna-se especialmente evidente. Esse mecanismo foi
descrito por Kant há mais de duzentos anos, e m sua Crítico da razão pura. Con-
siste n o fato de que o h o m e m tem u m impulso insaciável por metafísica, o
qual o seduz constantemente a elevar o condicionado até o incondicionado,
a trocar as fórmulas categoriais da ciência pelas "idéias" transcendentais, e a
transformar os fenômenos e m "coisa e m si" verdadeira.
Precisamente esse último se torna bastante evidente e m Weinberg.
Ele simplesmente não conta c o m o fato de que, n o experimento fisical,
a natureza poderia aparecer meramente c o m o aquela natureza que se dá
conforme os condicionamentos experimentais, mas diz enfaticamente:
"Eu, porém, falo da natureza, ela m e s m a " (WEINBERG, 1 9 9 2 , p. 6 2 ) . O
m e s m o se deu no Idealismo Alemão c o m Schelling: "O filósofo da natu-
reza se coloca n o lugar da natureza" (SCHELLING, 1 /IV, p. 5 3 0 ) .
Essas elevadas pretensões não podem ser resgatadas a partir de uma
metafísica especulativa n e m de uma teoria de campo moderna. Kant, ao
contrário, concedeu validade a essa "idéia" apenas e m seu caráter regula-
dor, isto é, o incondicionado se manifesta ao cientista e m sua pretensão
de encontrar a unidade dos princípios por trás da multiplicidade de ma-
nifestações. Kant comparou esse mecanismo a u m focus imaginarius (Crp, B ,
p. 6 7 2 ) , isto é, u m ponto de unidade meramente virtual. É interessante
ver que Weinberg, que confessa abertamente não ler fundamentalmen-
te n e n h u m filósofo, escolhe exatamente a mesma comparação: "Imagine
que o espaço dos princípios científicos está tomado por setas que se di-
rigem cada uma para u m princípio, partindo de outros princípios, pelos
quais esse princípio encetado recebe explicação. Nesse meio-tempo, essas
setas esclarecedoras denunciam u m modelo reconhecível: elas não for-
m a m amontoados separados, sem pertencimento mútuo, os quais estão
representando ali as ciências singulares, n e m sequer perambulam sem
finalidade, mas têm todas u m mútuo pertencimento, e, quando as per-
seguimos e m seu caminho de retorno, parecem surgir, todas elas, de u m
ponto de partida c o m u m . Esse ponto de partida, e m direção ao qual todas
as explicações devem ser perseguidas e m seu retorno, é o que eu compre-
endo por teoria definitiva" (WEINBERG, 1 9 9 2 , p. 1 3 ) .
Mas não foi o que aconteceu. O caminho que vai da ciência para
a teoria analítica da ciência ficou sendo uma via de m ã o única intra-
acadêmica. Na realidade, esse novo tipo de teoria da ciência não exerceu
qualquer influência n o empreendimento científico, e se os novos projetos
irão ter mais sucesso, isso ainda precisa ser mostrado.
Ademais, visto que muitas vezes a teoria da ciência possui u m con-
ceito de ciência bastante estreito, muitos físicos agenciam sua filosofia
passando ao largo da teoria da ciência, o que naturalmente acaba desem-
bocando muitas vezes num diletantismo. Por outro lado, é justamente
em "físicos filosofantes" que muitas vezes se encontram também estímu-
los (cf. abaixo, 2 . 2 ) que fazem falta e m muitos teóricos da ciência. Por
exemplo, são poucas as vezes em que eles investigam os componentes
metafísicos ideais do processo científico, aquilo que foi exposto n o pará-
grafo anterior. ( U m a exceção para isso é, por exemplo, Hans Poser, cuja
metafísica corresponde amplamente à metafísica defendida aqui [POSER,
2 0 0 1 , p. 201 ss].) Mas, se fosse possível dar u m b o m conselho ao filósofo
da natureza, então seria b o m ele não se restringir à teoria da ciência, li-
mitando-se a acompanhar a estreiteza de seus procedimentos metafísicos,
o que não significa que se deva ignorá-los.
Entre os teóricos da teoria analítica da ciência, que defenderam o
fisicalismo até o final e c o m todo rigor, destaca-se Wolfgang Stegmüller.
Seu fisicalismo, cujo fracasso deve ser esboçado aqui, é muito mais con-
seqüente do que o dos assim chamados "naturalistas não-reducionistas",
1
semântica formal c o m u m a semântica intencional (STEGMÚLLER [ W T ] I,
p. 4ss; p. 9 5 4 ) . E importante ver que Stegmúller reelaborou a segunda
edição de sua "Teoria da ciência", n o sentido de u m a tal semântica inten-
cional, o que corresponde a uma revisão de seu princípio fundamental,
sendo que ali, e m todo caso, ele minimaliza a função da pragmática. Esta
corresponderia a u m "nível inferior" do conhecimento científico (STEG-
MÚLLER [ W T ] I, p. 118).
1.2.1 C h . S. P e i r c e e A. N. Whitehead
I
O posicionamento de Hegel, todavia, depende de seu conceito de "es-
pírito absoluto" e da possibilidade de uma mediação dialética entre espírito
e matéria, sobre o que não se deve remontar aqui. Depois que a ciência m o -
derna se desenvolveu, a relação entre causalidade e finalidade, ser e dever,
do ponto de vista histórico, deve ser novamente determinada. N o tomismo
supunha-se uma unidade metafísica fundamental entre ser e dever e uma
atuação conjunta e direta da causa efficiens e da causafinolis.Essa unidade des-
provida de problemas rompeu-se c o m o surgimento da ciência moderna da
natureza. Para consertar essa ruptura procurou-se sempre de novo conciliar
de m o d o direto a nova ciência emergente c o m a velha ontologia. Na filo-
sofia neo-escolástica, essas tentativas de "síntese" perduraram até a metade
do último século, m o m e n t o e m que se mostraram todas frágeis. (E por fim
também o físico e filósofo Wolfgang Büchel [BÜCHEL, 1 9 5 4 , 1 9 6 5 ] ) .
A relação entre causalidade e finalidade é um dos maiores problemas
insolúveis da filosofia, desde que a ciência moderna da natureza desvin-
culou o conceito de causalidade dos contextos da ação e m que ele detinha
seu lugar originário (tanto o conceito de aíxía c o m o o conceito de "cau-
sa" pertencem originalmente à esfera do direito). C o m muita freqüência
essa desvinculação acarretou um dualismo ontológico. Leibniz, por e x e m -
plo — que, numa fase mecanicista de seu pensar, se decidiu "a restituir
de certo m o d o a honra da filosofia originária e fazer c o m que as formas
substanciais, já quase banidas, recobrassem seu direito o r i g i n á r i o " — ,
distribuiu a causalidade e a finalidade aos dois aspectos incomensuráveis
do processo universal, c o m o que a "dois reinos... os quais se bastam cada
u m por si, m e s m o que o outro de m o d o algum existisse" (LEIBNIZ, 1 9 6 6
= ' 1 6 6 8 , II p. 6 7 ; 1 4 7 ) . A isso correspondia o procedimento de Kant
de subordinar o "mecanismo da natureza" "ao juízo determinante" e "a
técnica da natureza" "ao juízo reflexivo", porque também ele viu muito
bem que uma sintetização direta geraria contradições, sintetização a que
se vêem obrigados Peirce e Whitehead, na medida e m que adotam o con-
ceito de "natureza" c o m o última instância.
N o ponto 4 . 6 deverá ser mostrado que, e m verdade, existe sempre
a possibilidade de interpretar os nexos nomológicos na perspectiva de um
téXoç, mas que essas interpretações deixam e m aberto espaços de j o g o
e contingências que não permitem passar diretamente desses nexos n o -
mológicos para aquelas perspectivas de significado, n o sentido de uma
"implicação material".
Essa relação de contingência é, além do mais, recíproca: não só não
se pode concluir a partir das leis fisicais sobre um xéXoç nelas presente,
Causalidade e normatividade
Essa problemática fica ainda mais aguda quando passamos de juízos va-
lorativos para normativos, e n o processo c o s m o l ó g i c o não ancoramos
apenas objetivos gerais, mas também normas e m especial. U m a filosofia
da natureza c o m o a de Peirce e Whitehead será obrigada também a isso.
A lex naturalis qua lei ética deverá ser obrigatoriamente também lei da natureza,
n o sentido da física moderna. Peirce e Whitehead não desenvolveram e m
detalhes e de m o d o explícito essas idéias, diante do que conservaram na-
turalmente u m instinto filosófico sadio, pois, se já a teleologização direta
das leis fisicais levou a uma sobrecarga insustentável, sua moralização se
converteria simplesmente e m heresia.
Na Idade Média tardia circularam publicações correspondentes,
c o m o por exemplo o "livro da natureza", na época muito difundido, do
c ó n e g o de Regensbur Konrad Von Megenberg, do século XIV Nesse li-
vro, todos os fenômenos naturais são tratados c o m o elementos fundantes
da moral, a formiga enquanto serve de exemplo para o esforço, a lebre
enquanto é desprezivelmente lasciva etc. U m a moralização das leis da
natureza iria decair para além desse nível da Idade Média tardia, porque
ela mesma deveria alentar ainda as funções que serviriam de fundamento
moral para o inorgânico.
Esse absurdo foi contornado e m Peirce e Whitehead por m e i o de
uma feliz inconsequência que os impede de tirar u m a conclusão que se
encontra de fato e m suas premissas.
Em Peirce, a ética é concebida c o m o u m m o m e n t o dependente
da estética, sendo que ele compreende a "estética" c o m o a unidade do
"bem, verdadeiro e b e l o " , que lembra a "grecidade", ou seja, e m sua
Também Hans Jonas e Klaus Meyer-Abich fazem parte dos autores a se-
rem criticados nesse parágrafo ( N a t lot/plur ) . Nesses autores não se encontra
nenhuma extrapolação metafísica das leis fisicais da natureza; n o entanto,
de m o d o análogo a isso, encontram-se extrapolações metafísicas de dados
empíricos ou u m olhar seletivo idealizante sobre a natureza.
Hans Jonas coloca a unidade do m u n d o c o m o unidade da natureza, e
correspondentemente, visto não ser n e n h u m reducionista, c o m o unidade
de ser e dever. Para ancorar argumentativamente essa unidade pretendida,
ele não recorre a reflexões apriorísticas ou a uma metafísica c o m o fazem
Peirce e Whitehead, mas a uma experiência paradigmática, a saber, a e x -
periência do recém-nascido (JONAS, 1 9 8 4 , p. 2 3 4 s s ) .
Essa experiência é de fato muito sugestiva. Ninguém que se deixe es-
pontaneamente impressionar por u m recém-nascido poderá negar que o
ser do recém-nascido nos i m p õ e imediatamente uma exigência de dever.
U m ser h u m a n o que olha para um recém-nascido e não vê a exigência de
calor, proteção, a necessidade de ser cuidado e amparado, não poderá ser
reconhecido c o m o u m ser moralmente competente.
Mas o que se deduz dali para a unidade de ser e dever? Será que uma
experiência particular pode sustentar e m si uma tal tese metafísica sobre o
Quanto mais forte for uma posição metafísica, tanto mais forte tenderá
a antecipar experiências e prescrever à ciência da natureza o que ela tem
Essa posição tem a seu favor, de imediato, as razões mais fortes, motivo pelo
qual é adotada por inúmeros filósofos. Como foi dito, ela tem de imediato
a vantagem de confirmar as forças incontestáveis das ciências naturais em
seu próprio campo, a natureza, sem, no entanto, submeter o h o m e m a um
rígido esquema de naturalização, que vem ligado a dificuldades quase in-
superáveis. Muitos filósofos, cujo interesse principal não está na filosofia da
natureza, c o m o por exemplo Ernst Tugendhat, defendem essa posição.
Mas contra essa posição, que à primeira vista parece altamente plausí-
vel, podem ser apresentados alguns argumentos importantes: supondo que
o conceito de "natureza" pudesse ser determinado de maneira suficiente
c o m o aquele que é pressuposto c o m o fundamento ontológico nas ciên-
cias da natureza (física, química, biologia), então isso significaria que a
natureza não contém nenhum fenômeno que corresponda a nossos estados
mentais, porque propriamente nenhuma ciência da natureza faz referência
a esses estados. Então, c o m Descartes, deveríamos negar, por exemplo, que
os animais tenham uma perspectiva interna, o que é falso do ponto de vis-
ta empírico. Pesquisas c o m ctiimpanzés mostraram inequivocamente que
esses seres não só possuem interesses e sentimentos, mas também podem
articulá-los, sim, que nesse patamar é possível haver uma comunicação cor-
reta c o m os humanos, visto que os chimpanzés podem aprender até mes-
m o a linguagem dos surdos-mudos (SINGER/CAVALIERI, 1 9 9 3 ) .
Será então que as qualidades que foram constatadas inequivocamen-
te nos chimpanzés podem ser negadas, de m o d o fundamentado, nos ca-
chorros, gatos ou nos morcegos?
Na verdade, aqui surge novamente a dificuldade já tradicionalmente
conhecida, já presente e m Aristóteles (Física, 1 9 9 b 10), a saber, que quanto
mais descemos a scala narurae, mais inseguros nos tomamos. Mesmo assim, é
evidente que não estamos e m condições de estabelecer uma divisão nítida
entre h o m e m e natureza, que já não pode ser confirmada empiricamente e
de m o d o objetivo se atentamos para as razões da cadeia evolutiva.
A isso se acrescenta que, mesmo que, per impossibile, se pudesse fun-
damentar empiricamente essa divisão, dali surgiria uma outra dificulda-
de quase insuperável, a saber, que n o processo de evolução deveríamos
contar c o m o surgimento, repentino e sem precedentes, de propriedades
no h o m e m , sem terem sido preparadas por nada e sem poderem ser ex-
plicadas por nenhuma teoria científica. Pois as propriedades "emergentes"
1
do h o m e m , segundo a posição N a t ieg/den , são de tal modo que não podem
constituir-se e m legítimo objeto de esclarecimento da ciência da natureza.
Essa posição coloca, portanto, uma divisão nítida no processo de evolução,
para a qual não se podem aduzir quaisquer razões empíricas, e além disso
assevera um miraculoso surgimento de novas qualidades no h o m e m , as
quais se subtraem a qualquer explicação das ciências da natureza.
A negação do caráter contínuo do processo de evolução e o milagro-
so surgimento dessas qualidades emergentes, pontos que caracterizam a
posição N a t r£g/cien , são certamente tão ricos e m pressupostos que parece ser
significativo pensar a contraposição entre os modelos de explicação cien-
tífica e não-científica não de u m m o d o extensional — portanto, propor-se
fazer uma partição regional, compreendida ontologicamente, dentro da
natureza (onde se coloca sempre a divisão no indivíduo singular) — , mas
de tal m o d o que c o m isso surgissem perspectivas que pudessem ser referidas
cada vez a tudo, sem que c o m isso se pudessem mudar as pretensões de va-
lidade. É b e m possível que, quando traz resultados significativos, se possa
considerar o h o m e m u m puro objeto das ciências naturais, assim c o m o é
possível atribuir estados intencionais a produtos da natureza, se para isso
se podem encontrar razões suficientes na experiência, o que todavia não
deverá ser mais u m a estilizada experiência de laboratório.
Se a natureza for considerada de forma perspectivística nesse sentido,
então será possível evitar também uma certa dificuldade sempre de novo e
universalmente atribuída ao conceito de natureza: o conceito de "nature-
za" , assim fala o construtivista, por exemplo, é u m conceito historicamente
superado. Todavia, se delimitarmos o âmbito da natureza, c o m Aristóteles,
por exemplo, de tal modo que os entes naturais comportem em si mesmos
o "impulso para o movimento", enquanto os artefatos técnicos o têm fora
de si, a saber, n o artesão (Física, 1 9 2 b 8ss), então parece que essa diferença
se refere a u m estágio superado do desenvolvimento técnico.
Pode ser que n o tempo de Aristóteles ainda houvesse paisagens intoca-
das pelo h o m e m , animais e plantas ainda não modificados por ele, portanto
o que hoje se designa pelo conceito nostálgico de "selvagem"; todavia, as
possibilidades de intervenção técnica na natureza, que crescem sem parar,
estão tão avançadas que, mesmo nos mais recônditos atóis do Pacífico, já
não há nenhuma natureza intocada, na medida e m que m e s m o ali as águas
carregam nossas garrafas plásticas, nossos materiais químicos nocivos con-
taminam animais e plantas, ou as nuvens radioativas dos testes atômicos
modificam as bases genéticas. O filósofo da técnica Günter Ropohl fala assim
de u m "fim da natureza" pela tecnicização crescente (ROPOHL, 1 9 8 5 , p. 3 3 ) .
ou na Nat reg/ , cí<m , sem ter examinado as outras alternativas. Isso provém
imediatamente do problema fundamental do debate sobre o naturalis-
m o . Aqui está e m questão se o h o m e m , c o m todas as suas capacidades,
pode ser explicitado "naturalisticamente", isto é, pelas ciências da na-
tureza. Se respondermos afirmativamente a essa questão, teremos nos
fixado na posição N a t reg/Cien . Então, as outras alternativas são deixadas de
lado, e por isso quase e m parte alguma são ainda discutidas na filosofia
analítica. C o m o foi dito, pode-se m u i t o b e m supor que a maioria dos
filósofos analíticos tende para a posição N a t reg/[ien , razão por que são
abordados nesse parágrafo.
1
Apesar disso, sempre sobra alguma coisa. Assim, por exemplo, a b e m
fundamentada concepção de Lothar Schafer a respeito de u m "conceito
fisiológico da natureza" está e m condições de subtrair-se à alternativa
infecunda entre cientismo e mística da natureza. Apesar disso, surgem
importantes contribuições a essa posição da parte de Gernot G õ h m e e
seus discípulos. E, ademais, é tarefa justamente da presente investigação
abrir u m acesso à natureza, despretensioso e pluralista, a respeito de c o n -
textos práticos, sobre cujas implicações ontológicas ainda não refletimos
suficientemente.
I
com ela. É possível, portanto, fortalecê-la, sem que por isso ela se torne
logo e m neovitalismo.
Em todo caso, se, c o m o faz Bergson, compreendermos o acesso não-
científico à natureza c o m o negação da racionalidade e m geral o u c o m o
suspensão da normatividade fisical e m particular, c o m o faz Driesch, a
posição N a t re8/pJur irá tornar-se obsoleta. Sabe-se das conseqüências disso
em Driesch, u m a vez q u e todos os pretensos efeitos empíricos de sua
"entelequia", mais tarde, puderam ser explicitados m e s m o sem esta.
Embora o neovitalismo acabe n o ridículo, sempre de novo surgem
tentativas de deduzir o aspecto "espiritual" de causas diretamente fisicais,
c o m o p o r exemplo nos "campos morfogenéticos" de Rupert Sheldrake
(SHELDRAKE, 1 9 8 4 ) . Não é de admirar que o fato deTeilhard de Chardin
ter considerado sua teoria do ponto-0 c o m o hard science muito tenha c o n -
tribuído para que sua concepção alternativa de natureza passasse quase
despercebida (TEILHARD, 1 9 6 9 ) .
1
Enquanto para a ontologia antiga o ur| iévcu elç cciTeipov, isto é,
a proibição de um regresso infinito, valia c o m o u m axioma insuperá-
vel — Aristóteles sempre toma esse axioma c o m o u m axioma que dis-
pensa fundamentação — , todo nosso e m p e n h o técnico para suplantar
o m u n d o está enraizado, desde a revolução industrial, na idéia de u m a
permanente ruptura de limites (cf. a crítica a isso de MUTSCHLER, 1 9 9 8 ) .
Do m e s m o m o d o , t a m b é m teorias fisicais modernas não estabelecem
por si n e n h u m limite energético o u material, e m todo caso n e n h u m li-
2
mite que pudesse ser ecologicamente relevante. E = m c seria verdadeiro
m e s m o que a totalidade da massa do universo explodisse em partículas.
De maneira puramente matemática, pode-se pensar o "infinito-atual" ou
realizar uma "indução perfeita", que percorre o infinito. Esses procedi-
mentos matemáticos não só não limitam o regresso ao infinito, c o m o
até estão nele ancorados, na medida e m que deles lançam m ã o c o m o
princípio demonstrativo.
Nossa física, no entanto, funciona dentro de limites b e m determi-
nados. Na medida em que sobrecarrega o conceito c o s m o l ó g i c o de natu-
reza c o m o conceito fisiológico, Schafer consegue introduzir novamente
o conceito de rrépctç — que na ontologia antiga vinha ligado c o m o c o n -
ceito de elòoç — , sem pressupor c o m o válida uma metafísica do eiõoç;
e ele faz isso na medida e m que aproxima grandemente o " c o n c e i t o
fisiológico de natureza" ao conceito aristotélico de experiência, o qual,
por seu turno, repousaria na "centralização corporal e sensorial" e nessa
medida estaria contraposto à experiência da ciência moderna. Resumin-
do: o que Schafer recupera aqui é o ponto de vista aristotélico, e não sua
teoria complexa, que sob os condicionamentos m o d e r n o s encontraria
dificuldade para ser justificada.
Pode-se dizer, sem exageros, que buscar fundamentos convincentes
para delimitar a intervenção técnica das ciências da natureza é a condição
sine qua non de toda e qualquer filosofia da natureza futura que queira c o n -
tribuir e ser levada a sério do ponto de vista científico.
Muitos críticos da idéia do progresso técnico das ciências da natureza
perceberam naturalmente que, se não for contida, a elefantíase aninhada
nesses pensamentos deverá levar a uma catástrofe. Mas donde se deverá
tomar a idéia de uma delimitação imanente, uma vez que não se quer su-
por a validade n e m de uma filosofia antiga do eíôoç? Heidegger, u m dos
críticos mais agudos dessa progressiva ruptura de limites, nessa questão
simplesmente apela para determinadas populações de abelhas, presas n o
círculo do que lhes é possível (HEIDEGGER, 1 9 8 5 , p. 9 4 ) , c o m o se u m dos
I
O problema desse princípio é, portanto, que a autofinalidade na
natureza possui o m o d o de ser estético, preferentemente flutuante, de
forma que traz empecilhos para o conceito e se torna equívoco para a
experiência.
Embora deva ser permitido a u m filósofo sistemático tratar os c o n -
ceitos históricos contra seu curso natural, pode-se perguntar para além
da solidez exegética se faz algum sentido desatrelar tanto, da causalidade
poiética, a questão da teleologia da natureza, c o m o o faz Rehmann-Sutter.
Em Aristóteles o produzir artesanal é u m paradigma que perpassa toda
sua física e metafísica. C o m o deverá ser mostrado n o quarto capítulo, ain-
da hoje remontamos seguidamente a esse paradigma, m e s m o que mais
bem informados pela técnica cientificizada.
C o m o foi mostrado, se há discursos b e m formados que partem do
pressuposto de uma natureza que atua poieticamente a partir de si m e s -
ma, já nesse ponto se terá tomado uma decisão irrefutável r u m o a uma
autêntica filosofia da natureza do tipo N a t res/plur . E então encontramo-nos
igualmente no terreno de uma experiência controlável.
O motivo por que Rehmann-Sutter não trilha esse caminho aqui fa-
vorecido reside e m seu temor de que o paradigma da técnica represente
apenas a continuação do fisicalismo e, c o m o esse, leve à reificação do viven-
te. Há uma diferença, no entanto, entre simplesmente fazer uso do vivente
— c o m o na biotecnologia — e conceber a natureza c o m o algo que cons-
trói a si m e s m o segundo finalidades. Em relação a tal "natureza", podemos
também ter respeito. Por isso, essa investigação se apoia rigorosamente na
teoria aristotélica da correspondência natureza-técnica, ao que Rehmann-
Sutter não deu uma importância positiva.
M e s m o assim, esse trabalho é uma tentativa louvável de conquistar
uma nova e mais livre relação c o m a natureza, partindo da práxis humana
e da impossibilidade de superar sua constituição hermenêutica; todavia,
deve-se reconhecer que todo e qualquer procedimento dessa ordem leva
diretamente para dentro da metafísica. Mas quando, aqui, Rehmann-Sut-
ter fala de uma "metafísica negativa" — supondo que esse conceito tenha
algum sentido — , seguramente, isso é muito p o u c o para q u e m quer re-
formular a teoria da entelequia.
65
Os autores da teoria da ciência, pertencentes à corrente adversária, a
"Escola de Erlangen", pelo fato de tenderem a absorver a teoria tirando-a
da práxis, fazem c o m que esse problema desapareça. Autores c o m o Paul
Lorenzen, Jürgen MittelstraB ou Peter Janich não compreendem a ciência
construtivisticamente c o m o teoria, à qual correspondem certas entidades
na natureza, mas instrumentalisticamente, c o m o u m mero apoio para a
práxis técnica. Assim, por exemplo, Peter Janich nega que, "na maioria
dos filósofos da natureza, as teorias da ciência da natureza tenham a vali-
dade de sistemas enunciativos c o m caráter de afirmação". Sua tese oposta
reza que, " e m última instância, as ciências da natureza nada mais são que
u m know-how técnico". A partir daí, por exemplo, já não há ontologia da
física. Esta já não se pauta c o m algo c o m o "leis da natureza". Janich diz:
"Desse m o d o , 'leis da natureza' não passam de enunciados sobre máqui-
nas funcionais; sim, m e s m o sem reformulações, podem muito b e m ser
tomadas c o m o instruções para construção para máquinas" (JANICH, 1 9 9 2 ,
p. 2 0 0 - 2 0 1 ; p. 2 0 7 ) .
Vê-se, n o entanto, que essa afirmação não pode ser verdadeira. Assim,
por exemplo, as leis newtonianas ou as equações de Maxwell não podem
ser tomadas c o m o instruções de procedimento para construção de reló-
gios ou aparelhos de rádio, já devido a sua forma matemática. C o m o tal,
nenhuma equação matemática serve c o m o indicação do m o d o de proce-
der. Em relação a instruções de procedimento, as teorias físicas possuem
u m caráter meramente mediador. Visto não serem teleológicas, seu fim, ao
qual poderiam estar a serviço, lhes advém sempre apenas de fora.
Na medida e m que deixa de lado a ontologia, fazendo c o m que a teo-
ria se resuma à práxis técnica, o teórico construtivista já dissolveu a tensão
entre teoria e práxis a partir da posição contraposta, diferentemente do
teórico analítico da ciência, que minimiza a importância da práxis.
Nesse contexto, o filósofo Hans-Michael Baumgartner fala da " n e -
cessidade de uma dupla consideração do m u n d o " . A questão de fundo
seria: " O cientista da natureza, que se preocupa c o m u m a concepção de
realidade condizente c o m os princípios fundamentais da física, c o m o se
relaciona consigo m e s m o enquanto u m h o m e m que não apenas observa
e forma teorias, mas ao m e s m o tempo em que observa e experimenta
está agindo e se comunicando c o m outros pesquisadores?" (BAUMGARTNER,
1 9 9 1 , p. 2 1 4 - 2 1 5 ) .
Em relação a essa problemática, Baumgartner é de opinião de que o
agir do cientista não pode ser suficientemente descrito c o m os recursos
<le sua teoria, nem, ao contrário, se pode reconstruir sua teoria c o m o
Ora, tudo isso é u m tanto absurdo. Não existe um cosmos nu, exis-
tente e m si m e s m o , que poderia ser visto independentemente da inter-
venção de nossas categorias, n e m pode alguém que de m o d o algum exis-
te ter qualquer ilusão.
E por isso que existe o m o v i m e n t o contraposto: sobretudo seguin-
do o paradigma de Fichte — que em sua "teoria da c i ê n c i a " tentou
reconstruir toda objetividade c o m o forma de subjetividade, reconstruir,
portanto, o " n ã o - e u " c o m o forma do " e u " — , os construtivistas m o -
dernos reforçam o caráter inevitável do círculo h e r m e n ê u t i c o , e quiçá
reforçam-no de tal m o d o que o aspecto objetivo tem a tendência de
desaparecer por trás da atividade construtiva do sujeito. Isso ficou claro
e m relação aos "construtivistas de Erlangen", citados acima, portanto
autores c o m o H u m b e r t o Maturana, Francisco Varela, Ernst Von Glasers-
feld, Heinz Von Foerster etc.
Tal tentativa — e m última instância igualmente absurda — de retirar
do m u n d o o objeto e sua dinâmica própria (cf. a crítica a esse ponto e m
Mutschler, 1 9 9 6 ; 1 9 9 8 ) corresponde, quanto a ser t a m b é m absurda, es-
pecularmente ao view from nowhere de Thomas Nagel: uma vez o cosmos se
mostra c o m o se ninguém o fosse ver, outra vez, c o m o se ele se reduzisse
e m ser visto. E justamente nessa contraposição que se articula a tensão
designada aqui c o m os conceitos tradicionais de "teoria" e "praxis", visto
esses terem sido tratados sob esses motes, desde séculos.
Se considerarmos c o m o a propriedade central de nosso ser-no-mun-
do prático, guiados pelo interesse, relacionar-nos a contextos simbólicos,
e c o m o propriedade central de nossa relação teórica c o m o mundo, por
m e i o de juízos que simplesmente constatam e são neutros e m relação aos
fatos, dar expressão ao que é, então teremos aceitado de imediato a concep-
ção tradicional, segundo a qual a natureza representa o fático e a socieda-
de, o simbólico, e ambas contrapondo-se c o m o "teoria" e "praxis".
Foi nesse sentido que Jung referiu o pensar hermenêutico "à realida-
de enquanto esta é interpretada humanamente", "e somente a esta". Desse,
ele distinguiu o "pensamento naturalista, o qual, do ponto de vista do
método, não parte do humano, mas da natureza". Essa diferença, porém,
ele a compreende não ontológica, mas gnoseologicamente: "Em sua ori-
II
gcm, a hermenêutica e o naturalismo não representam âmbitos de objeto,
mas abordagens metodológicas" (JUNG, 2 0 0 1 , p. 2 4 ) .
Se isso for correto, então os pares contrapostos fáctico — a natureza —
e simbólico — a sociedade — devem ganhar equilíbrio a cada vez por m e i o
de suas transposições dialéticas. Então, de imediato, talvez possa ser cor-
reto referir a ciência da natureza à natureza, e a hermenêutica ao universo
simbólico, social. Mas, uma vez que receba uma delimitação metodológica
nítida, o contrário também deve ser permitido: então haverá tanto uma
ciência natural do h o m e m quanto uma hermenêutica da natureza.
No que diz respeito à ciência natural do h o m e m , num nível su-
perficial ela se torna incontestável. Ninguém mais acredita hoje, c o m o
fizeram os vitalistas, que as leis da física, da química e da biologia não
exerçam sua força n o corpo humano. Toda a medicina instrumental, que
é muito poderosa, está alojada sob esse fato. O s limites desta n o contexto
psicossomático indicam, porém, a precariedade dessas restrições: ao e m -
pregarmos n o h o m e m as ciências da natureza, as quais afastam tudo que
é subjetivo, deveríamos estar todo o tempo cientes de que as pretensões
de validade ligadas c o m tal procedimento são bastante restritas. Ora, de
m o d o algum isso se dá na opinião pública. Do contrário, não poderia ha-
ver n e n h u m debate acirrado a respeito de uma redutibilidade do h o m e m
provocada pelas ciências da natureza.
Dá-se o contrário; e aqui se vê que o peso demonstrativo está muito
mal distribuído, do contrário faria sentido também falar de uma " h e r m e -
nêutica da natureza".
Embora, e m geral, não sejam muito aceitas e, contrariamente ao
e m p e n h o inverso dos naturalistas, sejam vistas c o m o muito suspeitas,
essas tentativas de integrar a natureza n o círculo prático-hermenêutico
da autocompreensão humana acabam surgindo sempre de novo. É o caso
1
de H e r m a n n Krings ("Kann m a n die natur verstehen?" , in: KUHLMANN/
BÒHLER, 1 9 8 2 , p. 3 7 1 s s ) . De m o d o perfeitamente igual, t a m b é m Karl-
Otto Apel compreendeu a contraposição explicitar-compreender não do pon-
to de vista ontológico, e assim não só admitiu que se possa explicitar
também o h o m e m , c o m o também que há algo a ser " c o m p r e e n d i d o " na
natureza (APEL, 1 9 7 3 / 1 , p. 7 0 ; 1 9 7 9 , p. 3 0 9 ) , enquanto seu tutor G. H.
von Wright só admite uma dualidade entre o j o g o de linguagem causal
e final e m relação à sociedade, mas não e m relação à natureza (VON
II
Parece haver dois nexos de discussão, influentes, empenhados e m
prostrar a paradoxal tensão de fundo, que nos interessa, entre "teoria" e
"praxis", tomando assim, por conseguinte, o posto de uma filosofía da
natureza; esses nexos são o pós-modernismo e a ciência popular.
2.1 Os pós-modernos
II
sistema c o m o "atuação recíproca de processos físico-químicos". Os autores
iliainam seu princípio de "mecanicista". Daí também ser supérflua a cate-
goria das finalidades, visto que m e s m o as máquinas aüopoiéticas não pode-
riam ser caracterizadas pela categoria do fim. Nesse caso, o fim "não é uma
marca característica da organização da máquina, mas muito mais uma mar-
ca característica do âmbito no qual trabalha a máquina" (MATURANA/VARELA,
I 9 8 5 , p . 180ss).
Embora allopoiese e autopoiese l e m b r e m a contraposição que faz Aristó-
teles entre dpúoiç. e xéx^n, a diferença entre eles continua considerável:
1. Para Maturana/Varela não existem limites naturais para o siste-
ma. Estendendo esses limites, pode-se transformar todo sistema allopoié-
tico n u m sistema autopoiético, simplesmente acrescentando e contando ali
o "poietes".
2. Para Maturana/Varela, n e m o processo üllopoiético n e m o autopoié-
tico são teleológicos. Eles pensam de m o d o estritamente mecanicista e
determinista.
O processo autopoiético tampouco conhece qualquer transmissão de
informações. Sistemas autopoiéticos são "operacionalmente fechados", isto
é, n e m no universo dos animais n e m do h o m e m os atores podem tro-
car informações. A informação surge apenas naquele que interpreta algo
c o m o algo. C o m o e m Leibniz, também aqui as mónadas não têm janelas,
todavia tampouco há u m a harmonia preestabelecida que pudesse ordenar
reciprocamente suas ações de m o d o significativo. Ademais, o processo
autopoiético é u m processo desprovido de sujeito, que tampouco adere a
"substâncias". Na teoria da autopoiese não há substâncias, visto que ela está
ancorada numa concepção de fundo que é puramente relacional. E por
isso que também não existem sujeitos autônomos, que poderiam tomar
decisões; antes, o que nós designamos c o m o " e u " é u m fenômeno pura-
mente secundário da linguagem.
A partir desse ponto, todos os conceitos tradicionais são reinter-
pretados. O c o n c e i t o da " a u t o n o m i a " é compreendido agora de m a n e i -
ra puramente sistêmica: " U m sistema é a u t ô n o m o quando é capaz de
especificar sua própria normatividade e correspondentemente o que lhe
é próprio". Ou então o conceito de "historicidade" é modificado por:
"Sempre que n u m sistema surge u m estado de coisas c o m o modifica-
ção de u m estado anterior, estamos às voltas c o m u m fenómeno histórico"
(MATURANA/VARELA, 1 9 9 2 , p. 5 5 ; 64).
Por fim, o processo autopoiético gera também uma ética, a qual, por sua
vez, vem deduzida naturalmente do fato de que, "do ponto de vista biológico,
II
naturalmente — mas n e m sequer o técnico-prático, uma vez que lhe foi
subtraído o que lhe é específico, seu caráter real-teleológico.
Só nesse último ponto pode-se ver a insustentabilidade dessa teo-
ria biologista da unidade-do-todo: segundo Maturana/Varela, todos os
processos autopoiéticos, sejam da natureza ou da história, são processos pu-
ramente mecânicos, desprovidos de sentido. Isso significa que não "exis-
t e m " fins e m parte alguma, mas que estes são simplesmente atribuídos.
Consideramos uma máquina como se ela cumprisse uma finalidade, do
m e s m o m o d o que u m biólogo considera a galhada de u m servo como
se tivesse sido feita para dar topadas. E só porque consideram t a m b é m o
aspecto técnico de m o d o puramente teleonômico, que Maturana/varela
tratam de equações técnicas de m o d o tão grandiloqüente, apresentando
desde o princípio o vivo e m analogia c o m o técnico. Mas, se é falsa a tese
de q u e apenas julgamos o técnico c o m o tendo uma finalidade, então a
analogia entre allopoiese e autopoiese nos leva diretamente a uma metafísica
da natureza, c o m o já havia sido concebida por Aristóteles, à base de seu
paralelismo entre tpúpiç e xéx^H, c o m a diferença de que Aristóteles estava
ciente da importância de seu pensamento.
O fato de o aspecto técnico só poder ser compreendido de m o d o
real-teleológico, e não, por exemplo, teleonômico, é algo evidente. Se a
teleología consistisse apenas no ato de atribuição, deveríamos estar e m
condições de [ 1 ] descrever tudo teleologicamente, m e s m o por exemplo
o sistema solar ou uma configuração molecular, o que iria logo decair
e m puras fantasias, e nós deveríamos [ 2 ] estar e m condições de descrever
suficientemente todos os artefatos sem reparar nas finalidades neles cons-
truídas, o que não é possível sequer numa tenaz.
A referência à Fenomenologia de Hegel mostra bem o que está e m ques-
tão aqui: nessa obra, Hegel perseguiu uma estratégia parecida, através de
diversos graus de reflexão fazer c o m que o objeto coincida c o m o sujeito;
só que ele interpôs ali um princípio metafísico fundamental b e m forte, o
"espírito absoluto", u m princípio que ele procurou igualmente legitimar
nesse processo de fazer-coincidir. Mas n o pensamento de Maturana/Varela
subjaz um princípio metafísico muito fraco, é o princípio da autopoiese.
Esse princípio tem a propriedade de ser muito forte para a ciência e m -
pírica e muito fraco para a representação de finalidades de uma teoria da
unidade-do-todo. E por esse motivo que a doutrina da autopoiese tem esse
caráter cambiante. Se por exemplo a autonomia de um sistema consiste
meramente em "especificar sua própria normatividade" ou se a "histori-
cidade" nada mais é do que o fato de num sistema "surgir um estado de
li
tudo u m acesso empírico ao mundo, c o m o o que fornece a biologia ou
a cibernética, esses autores perdem de vista a empino, gerando apenas a
caricatura de u m princípio idealista.
II
da verdade. Os mitos antigos se caracterizavam pelo fato de misturarem
os aspectos h u m a n o e cosmológico, enquanto o progresso da física esta-
ria ligado c o m u m processo de "desantropomorfização": "Hoje, as ten-
tativas de esclarecimento que buscam compreender partes da natureza,
mas de m o d o mais acentuado naturalmente o todo do universo, por m e i o
de conceitos c o m propriedades humanas, subjetivas, c o m expressões da
vontade, razões psíquicas e semelhantes, são julgadas c o m o uma empresa
falha do ponto de vista do princípio" (KANITSCHEIDER, 1 9 9 1 , p. 3 1 ) .
Pensado do ponto de vista puramente intrafísico, o projeto de "de-
santropomorfização" é plenamente plausível. Mas se, e m sua história,
a física se orientou primeiramente nos sentidos humanos (sentido do
t a t o / m e c â n i c a , sentido da v i s ã o / ó t i c a , ouvido/acústica e t c ) , logo se
mostrou que essas divisões eram superficiais. Aquilo que aos nossos sen-
tidos parece ter u m a "essência diversa", c o m o , por exemplo, a radiação
do calor e da luz, a física demonstra serem meras formas de manifesta-
ção de uma e a m e s m a realidade, a saber, radiação eletromagnética. À
medida que foi progredindo, a física acabou se afastando cada vez mais
do m u n d o da vida humano. O "Espaço de Hilbert", onde se formulam,
por exemplo, os vetores do estado da teoria quântica, já não pode ser
representado pelos sentidos.
Ora, aquilo que é plenamente plausível dentro da física, Kanitschei-
der transforma e m uma convicção filosófica fundamental e absoluta. E
por isso que ele considera suspeitos todos os autores que procuram re-
ligar ao m u n d o da vida os resultados da física. Ele rechaça tanto Teilhard
de Chardin quanto A. N. Whitehead, tanto o princípio antrópico c o m o o
princípio protofisical, pois "no contexto da realidade não há nada que
indique que o âmbito da vida humana ocupe uma posição privilegiada"
(KANITSCHEIDER, 1 9 7 9 , p. 1 3 ) .
II
mais amistoso e mais h u m a n o do que é. Todavia, também são reivindica-
das pela parte oposta c o m o pontos favoráveis.
Assim, segundo o b i o q u í m i c o gõttingense Friedrich Cramer, a "au-
to-organização é uma propriedade fundamental da matéria", o que sig-
nifica que "toda e qualquer matéria a priori já está prenhe de idéias". A
auto-organização seria " o verdadeiro elemento metafísico numa teoria
da evolução das ciências da natureza" (CRAMER, 1 9 9 3 , p. 2 9 0 - 3 3 0 ) . Foi a
partir daí que teólogos c o m o Sigurd Daecke ou Alexandre Ganoczy lan-
çaram m ã o imediatamente da teoria da auto-organização c o m o instância
referencial das ciências da natureza para uma teologia da criação (DAECKE,
1993; GANOCZY, 1 9 9 5 ) .
91
"natureza c o m o correlato do teorético", deverá ser exposto, antes, o pon-
to de vista crítico, que é aquilo que representa o diferencial da filosofia.
Essas exageradas pretensões de validade podem ser fartamente en-
contradas n o campo do teorético. Pode-se dizer sem exagerar que vive-
mos numa cultura fortemente sobrecarregada de teoria, e m que o perigo
de subvalorizar a praxis é constante. E por isso que, à m ã o de conceitos
fundamentais c o m o "essência" e "manifestação", "idéia" e "matéria" ou
na diferença entre o "físico" e o "fisical", vamos mostrar neste capítulo
que é muito c o m u m a tendência da razão teorética de dominar o campo
do prático, o qual, todavia, permanece inacessível para ela.
1
3.1 O físico e o fisical
1. Na língua portuguesa também não se faz distinção entre esses dois conceitos.
Para distingui-los neste texto, seguindo o pensamento do autor, usamos na tradução "fí-
sico" para designar a palavra physisch, e "fisical" para traduzir a palavra Physicalisch. (N.d.T.)
ili
ponto apela a Aristóteles, essa propriedade foi considerada a força da lin-
guagem natural capaz de abrir o mundo, que possibilita identificar algo
como algo (STRAWSON, 1 9 7 2 , p. 1 7 5 ) .
A linguagem fisical especializada não estabelece nenhuma relação
c o m o objeto desse gênero; antes, os termos teoréticos da física, acima
de certos princípios intermediadores, vêm ligados a uma linguagem da
percepção (igualmente formal), relacionada c o m propriedades quantifi-
cadoras do mundo.
A física não se reporta, portanto, de m o d o direto, a entidades subs-
tanciais, e — contrariando uma convicção generalizada — tampouco se
reporta a coisas materiais; reporta-se antes a propriedades quantificáveis
dessas coisas, que são contadas sob a categoria dos "acontecimentos",
uma vez que, e m geral, se modificam c o m o tempo. Pode-se argumentar
que esses acontecimentos necessitam de sujeitos que os sustentem; mas
a linguagem especializada da física faz abstração desses sujeitos, se é que
eles existem. Não é uma linguagem da propriedade das coisas, mas uma
pura linguagem dos acontecimentos, e é por isso que fisicalistas c o m o
Quine defenderam uma ontologia na qual só os acontecimentos figura-
riam c o m o entidades legitimadas. Isso implica diretamente que, e m sua
"notação canónica", Quine dissolve a predicação elementar e, c o m ela, o
esquema-da-propriedade-das-coisas; implica ainda que, n o contexto de
sua tese a respeito da "relatividade ontológica", ele trata as demarcações
que dividem os objetos naturais ainda apenas c o m o puras convenções.
Criticou-se a ontologia quineana argumentando que ela seria muito
pobre para tomar compreensível de modo suficiente a linguagem natural
que se articula no ser-no-mundo, o que é evidente; mas, e m relação ao ramo
da física, Quine tem absoluta razão: a ontologia nela implícita é uma pura
ontologia dos acontecimentos, sem u m conceito propriamente das coisas, o
que leva todavia então à dificuldade de ter de reduzir coisas a eventos.
O fato de a Física, c o m o u m ramo da ciência, não estar em condições
de levar a efeito o esquema da propriedade das coisas tornou-se evidente
de maneira penetrante pela física quântica, pois os objetos quânticos não
têm nenhuma característica que pudesse ser evidenciada c o m esse esque-
ma. Mas n o fundo poderíamos ter visto esse estado de coisas também já na
física clássica: as forças, massas, energias, impulsos, coordenadas de lugar
ou tempo, são "coisas" ou antes medidas de grandezas que pressupõem a
existência das coisas, mas que não contêm as próprias coisas? Se as rela-
ções das leis da física clássica se definem por u m sistema de forças, mas-
sas, energias, impulsos e impulsos rotatórios e t c , n e m por isso descrevem
1 1 1
seria u m legítimo objeto da física: there is a red apple at the point in space-time
with coordinates xyzt (PUTNAM, 1 9 7 5 , p. 1 8 0 s s ) . C o m o se u m a maçã pudes-
se ser encontrada n u m ponto matemático! Todavia, nessa questão parece
que Putnam teria se retratado mais tarde. Além do mais, o exemplo c i -
tado anteriormente n o ponto 1.1.1, referente aos buracos triangulares e
redondos, pressupõe u m a autonomia do físico diante do fisical. Mas se
Putnam não consegue levar avante e tornar fecundo esse estado de coisas,
do ponto de vista da filosofia da natureza, isso se deve à fixação da m a i o -
ria dos filósofos analíticos na posição N a t tol/clen o u na N a t reg/cien , c o m o foi
mencionado n o ponto 1.3. Q u e m insiste na indedutibilidade do físico
diante do fisical está adotando a posição Nat pUir .
A partir de um lado extremamente diferente, encetou-se reconstruir
essa diferença, n o sentido de u m a priori baseado n o m u n d o da vida =
"aristotélico" e m relação a u m a priori "galilaico" = kantiano; foi o caso,
por exemplo, de Friedrich Kambartel e Jürgen MittelstraB (KAMBARTEL,
1 9 7 3 ; MiTTELSTRASs, 1 9 7 3 ) . De maneira muito parecida c o m essa, porém
sem restringir-se à fundamentação metodológica da ciência da natureza,
encontra-se u m a reconstrução do a priori aristotélico e m Gernot B õ h m e
e e m Lothar Schafer (BÕHME/SCHIEMANN, 1 9 9 7 , p. l l s s ; SCHAFER, 1 9 9 9 , p.
2 3 6 ) . Significa que esses autores estabelecem u m a diferença de conteúdo
entre o físico e o fisical e compreendem o físico n o sentido da filosofia da
natureza de Aristóteles.
Em plena concordância c o m isso, também este trabalho não consi-
dera o sentido da filosofia da natureza de Aristóteles uma antecipação da
física moderna (um ponto de vista quase "infrutífero"), mas lugar-tenente
de u m acesso à natureza pelo mundo da vida, o que pouco se presta para
romper tecnologicamente c o m a natureza, servindo muito mais para sal-
vaguardar nossa identidade e diferença e m relação a ela; a física moderna
deve fortalecer a diferença contra esse fato, visto que esse é o preço a ser
pago por u m a objetivação da natureza (cf. abaixo, 4 . 4 ) .
• I I
partir daqui que se pôde qualificar a superfície c o m o superfície ou tam-
b é m a aparência c o m o aparência, enquanto u m fisicalista m o d e r n o não
pode falar de "superfície", visto que não se pode determinar conceituai -
mente uma superfície sem a profundidade.
Em todo caso, a ontologia da física é uma ontologia da superfície ou,
c o m o dizia Kant, do m e r o fenômeno. Mas n e m por isso há motivos para
interpretar sua forma lógica e rigorosamente talhada c o m o sinal de sua
penetração nos fundamentos essenciais do ser.
Por isso, temos razão e m fincar pé junto c o m os filósofos da lingua-
gem natural, afirmando que o verdadeiro mundo é justamente aquele que
percebemos c o m nossos sentidos comuns e que qualquer pessoa sem
formação também considera ser o verdadeiro.
Q u e m questiona u m consenso tem a obrigação de apresentar uma
fundamentação para isso. Q u e m deve justificar-se diante do fisicalista não
é q u e m considera ser verdadeiramente real " o h o m e m na rua", os auto-
móveis, os aviões ou os animais e as plantas e que considera as teorias
científicas c o m o abstrações desses objetos, mas o contrário. U m fisicalista
deveria esclarecer por que u m a fórmula teorética toma as qualidades ape-
nas c o m o algo quantificável, fórmula que nada sabe de normas, objetivos
e fins, que substitui o sujeito corpóreo e concretamente situado por u m
aparelho registrador. Porque tal fórmula teorética, que trabalha tão afer-
radamente numa experiência de laboratório estilizada, pode pretender
estabelecer a vigência de toda a experiência.
Se houvesse sido necessária uma prova de que na filosofia não existe
u m progresso unilinear, n o sentido de que o último é necessariamente o
melhor, então o teórico da ciência e historiador da física Pierre Duhem,
que desenvolveu seus trabalhos há quase c e m anos, seria o melhor e x e m -
plo disso. Ele entrou na história da teoria da ciência c o m o seu ancestral,
desde Philipp Frank, Ernest Nagel até W. v. O. Quine, os mais importantes
representantes da teoria analítica da ciência referenciaram-se afirmativa-
mente nele. Dele, Quine tomou sobretudo seu holismo teorético e a re-
cusa de u m experimentum crucis, que vem ligado c o m aquele, na medida e m
que se prestasse para falsificar hipóteses isoladas.
Mas o que n e m Quine n e m os outros teóricos analíticos da ciência
tomaram foi a atitude coerente de Duhem de fundamentar antiplatônica-
mente a física n u m a "natureza" aristotélica, pautada n o m u n d o da vida,
junto c o m uma clara diferenciação entre o "físico" e o "fisical" e sua re-
cusa explícita da idéia de que a precisão da lógica formal seria u m indício
de relevância ontológica.
1 1 1
metodológicos (WHITEHEAD, 1 9 8 8 = ' 1 9 2 5 , p. 7 5 ) . Daí surge, também,
"a falácia da concretude incongruente" ("fallacy of misplaced concretness"),
por ele inventada, que consiste e m "negligenciar qual grau de abstração
já se alcançou, quando se considera u m real ser individual, meramente
na medida e m que exemplifica determinadas categorias de pensamento"
(WHITEHEAD, 1 9 8 7 = '1929,p. 39).
Tal falácia ainda não poderia existir e m Platão, porque Platão partia
de uma ordenação racional e completa do cosmos, que se articulava n o
m u n d o dos sentidos. Na (pequena) medida e m que a idéia tornava inte-
ligíveis os fenômenos, não levava a abstrações. Por esse motivo, em Platão
t a m b é m o aspecto matemático não era propriamente idéia, mas apenas
c a m i n h o para a idéia, enquanto uma àváyKT\ puramente mecânica ocorre
nele apenas c o m o um m o m e n t o subordinado e, junto c o m a zí>xx\, repre-
senta u m elemento irracional n o processo do mundo, portanto o contrá-
rio daquilo que hoje compreendemos por "lei da natureza".
Esse estado de coisas se modifica tão logo surge u m a abstrata ciên-
cia da natureza, n o sentido da modernidade, que toma c o m o ponto de
partida não o vouç mas a àváyKX]. Se essa <xváYKr| é agravada ainda c o m
o peso de u m realismo platônico das idéias, então c o m e ç a m a aparecer
dificuldades insolúveis, c o m o , por exemplo, exatamente a "fallacy of mis-
placed concretness", censurada por Whitehead, visto que precisamente ago-
ra as abstrações da ciência são sobrecarregadas novamente e de m o d o
imediato c o m o peso ontológico de "fundamentos essenciais" ou até
com perspectivas de sentido. E c o m o se muitos físicos m o d e r n o s não
conseguissem resistir à tentação de querer conhecer c o m suas próprias
mãos " o que m a n t é m unido o m u n d o no seu i m o " ; todavia, seu m é t o d o
exclui justamente isso, na medida e m que o "interior" de u m átomo ou
de uma molécula não será o "interior" de u m a metafísica essencialista
o u na medida e m que o c o m e ç o que se deu na grande explosão jamais
poderá ser a ápxií c o m o u m fundamento essencial.
M e s m o assim, o platonismo acompanha a ciência m o d e r n a da
natureza desde Kepler e Galileu, c o m o se fosse u m a sombra. Embora
Galileu tenha tomado uma postura crítica diante do exagero de apelos
metafísicos de Kepler, e embora, de imediato, tenha-se recusado a u m a
visão que contemplasse os "fundamentos da essência da natureza, dian-
te de seus adversários aristotélicos, c o m o passar do t e m p o não c o n s e -
guiu resistir à tentação de ancorar definitivamente seu saber puramente
hipotético n o m u n d o das idéias de Platão (cf. a crítica a isso e m FÔLSING,
1 9 9 6 ; MUTSCHLER, 1 9 9 7 ) .
3.3.2 C. F. v. Weizsäcker
Em seu livro Die Einheit der Natur (A unidade da natureza), sob o título
"forma c o m o substância" e "espírito e forma", von Weizsäcker desenvol-
ve sua "teoria neoplatônica, que reza que as idéias sabem a si m e s m a s "
4
(WEIZSÄCKER, 1 9 8 4 , p. 3 6 0 - 3 6 6 ) .
Ali, ele define "três entidades: matéria, movimento, forma", que
correspondem a três grandezas de medida: massa, energia, informação;
reduz todas essas "entidades" a informação, a qual ele identifica, junto
com os antigos, c o m o conceito de forma ou de idéia, e através do con-
ceito de informação, que dependeria do sujeito, desemboca na tese de
Hegel, segundo a qual "a substância é essencialmente sujeito".
111
põe e polemiza contra o conceito de essência, todavia reivindica para o
pensamento n o m o l ó g i c o a aptidão de penetrar na "dimensão profunda
do real" (STEGMÜLLER, 1 9 8 9 / 1 , p. 5 8 0 ; 1 9 7 4 / 1 1 / l , p . 4 6 5 ) .
U m "platonismo" articulado desse m o d o foi recusado aqui c o m o
inadequado. Ele não descreve a física m o d e r n a de m o d o correto e cria
empecilhos à filosofia da natureza, porque suspende a tensão entre fí-
sico e fisical.
S » B
todavia c o m auxílio de funções que n ã o se coadunam dedutivamente
3
c o m a tese da frame-theory (Rahmentheorie ), e que só têm validade estatística.
Qualidades que não p o d e m ser quantificadas são apreendidas no esque-
ma de existente ou não-existente, de tal m o d o que também elas podem
ser computadas n o cálculo segundo u m esquema binário.
É claro que o engenheiro c o n h e c e as propriedades da matéria que
não p o d e m ser manipuladas, c o m o os defeitos na estrutura de corpos
de cristal sólido ou os poros nos materiais para cerâmica. Esses defeitos
surgem sempre de novo na produção de materiais, e às vezes se estabe-
lecem t a m b é m posteriormente, c o m o , por exemplo, pela ação de alta
radiação energética. Influenciam, por exemplo, as propriedades elétri-
cas e óticas, a dureza dos corpos etc. Todavia, t a m b é m esses defeitos
p o d e m ser apreendidos estatisticamente e descritos matematicamente,
do m e s m o m o d o que o cansaço da matéria-prima pela sobrecarga, o
qual pode ser descrito matemática e funcionalmente e m sua relação de
dependência para c o m o tempo.
O conceito de "falha" é fixado então c o m o u m desvio do valor que
deve ter uma grandeza dentro de determinados valores-limite. Quando
u m material apresenta uma "falha" nesse sentido, e esta não pode ser re-
mediada, então esse material é considerado "refugo"; significa que, assim
c o m o se diz ter ou não ter qualidades que não podem ser apreendidas
quantitativamente, também aqui só vale uma codificação binária, que
reduz o aproximar-se mais ou menos do ideal a u m preencher ou não
preencher esse ideal.
E evidente que essas idealizações não descrevem de m o d o adequado
o material concretamente existente; em todo caso, desse m o d o , desapa-
rece do âmbito da técnica dos materiais o caráter da matéria, enquanto
princípio desagregador, agravado pelo acaso, o qual admite a configura-
ção técnica apenas e m maior ou m e n o r medida.
Todavia, o caráter contingente da matéria se conserva de fato, pois
todas as leis encontradas c o m base e m testes empíricos só têm validade
estatisticamente na medida e m que ultrapassem a teoria quântica, visto
que aqui está e m questão uma estatística macroscópica. A conseqüência disso
III
E isso vale t a m b é m para os filósofos que vêm da praxis da engenharia.
Em seu livro Die unvollkommene Technik (A técnica imperfeita), Günter R o -
pohl chega a contar por exemplo entre as causas dessa imperfeição os
fenômenos inevitáveis do desgaste, a falta de inclusão social e t c , mas
não o caráter principialmente opositivo e resistente da matéria (ROPOHL,
1 9 8 5 , p. 8 5 , 1 7 9 ) .
A teoria antiga segundo a qual a matéria é o elemento dispersivo,
o que se contrapõe e oferece resistência à forma, portanto, não fica sus-
pensa realmente por m e i o de sua calculabilidade. Não só para os técnicos
pré-modernos, mas também para aquele que trabalha c o m todos os re-
cursos da matemática moderna, a matéria continua sendo u m princípio
de resistência e do que é fortuito e não pode ser reduzida a u m mero
fundamento positivo que possibilita a configuração técnica.
Mostra-se aqui o que vai ser explicitado especialmente n o p r ó x i m o
capítulo: a saber, que filosoficamente não levamos a sério nosso trato c o m
a natureza e m sua significação própria.
119
1111
O c k h a m " os princípios teleológicos, que vinham carregados de preten-
sões metafísicas, acabaram sendo deixados de lado.
Pode-se perguntar de m o d o b e m genérico se a explicitação da inte-
gral atuante c o m o "princípio teleológico" não estava apoiada n o desejo de
que a física e a metafísica pudessem passar novamente uma na outra con-
tinuadamente ( c o m o era ainda em Aristóteles). Se a "atuação" (portanto,
uma grandeza da dimensão energia vezes tempo) deve tornar-se u m míni-
mo, então, pensada "economicamente", ela deveria representar u m b e m ,
que se encontra na relação de u m m e i o para c o m u m fim mais elevado.
Mas que fins poderiam ser esses e por que "atuação" é u m bem?
Todas as tentativas feitas até o presente de introduzir a teleología
diretamente na física podem ser consideradas um fracasso. A última ten-
tativa se enrosca e m torno da discussão sobre o "princípio antrópico"
(BARROW/TIPLER, 1 9 8 6 ) . Em sua versão forte, esse princípio assinala a con-
tingência das constantes da natureza, e m relação às leis da natureza, c o m o
indicação de que o h o m e m é "querido" n o universo. Mostrou-se, propria-
mente, que as constantes fundamentais da natureza, c o m o por exemplo a
velocidade da luz, o quantum efetivo de Planck, as constantes gravitacionais
etc., devem ter mais ou menos o m e s m o valor que possuem facticamente
agora, pois do contrário o h o m e m , c o m o u m ser vivo complexo, à base
de carbono, não poderia existir. Mas a discussão a respeito do "princí-
pio antrópico" mostrou claramente que essa explicitação teleológica é
circular. Se u m Deus tivesse querido o h o m e m , deveria ter instituído as
condições (portanto aqui o valor exato das constantes da natureza), de
tal m o d o que o h o m e m pudesse ter surgido a partir da evolução. Mas, se
nesse raciocínio não pressupomos de antemão a existência de Deus, então
esse raciocínio desmorona (cf. a crítica a isso: MUTSCHLER, 1 9 9 9 ) .
De m o d o geral, pode-se dizer, portanto, que na física, no que diz
respeito ao nível dos objetos e sua descrição matemática, a teologia não
desempenha qualquer função. Isso deveria ficar inconteste também na
teoria da ciência. Disso resultaria que a teleología da natureza não seria
mais usada de m o d o generalizado, se é que o fisicalismo é verdadeiro.
Todavia, n o ponto 1.1 foram citadas algumas razões por que o fisi-
calismo não pode ser verdadeiro. Neste trabalho, parte-se do pressuposto
geral de que o h o m e m dispõe de competências de ação que se afastam de
u m esquema puramente fisicalista.
Se isso é verdadeiro, então deve-se desenvolver novamente a questão
a respeito de uma teleología da natureza. Mesmo que isso não se dê na
própria física, pode haver contextos práticos nos quais a natureza pode se
nos manifestar n u m a perspectiva teleológica.
• III
Mas a lenda segundo a qual causalidade e finalidade são alternativas
interexcludentes parece ser inextirpável na literatura científica. Assim,
por exemplo, o físico T h e o Mayer-Kuckuk afirma que por m e i o de uma
apreensão finalista do f e n ô m e n o do m u n d o ter-se-ia abdicado da grande
contribuição trazida pelo espírito ocidental desde a Antiguidade, a saber,
a pressuposição de "que o decurso do acontecimento da natureza pode
ser compreendido e esclarecido c o m base nos nexos legais" (MAYER-
KUCKUK, 1 9 8 9 , p. 8 9 ) .
4.1 A biônica
• • • •
Nesse m o d o de proceder, certas propriedades optimizadoras da natureza
são tomadas c o m o paradigma para o estabelecimento de finalidades hu-
manas. Pois, visto que a natureza administra desde há milhões de anos
sob condições de escassez, é de esperar de antemão que nisso ela alcan-
ce bons resultados no que diz respeito a graus de atuação energéticos,
aproveitamento de materiais, capacidade de reciclagem, resistência a ar
e água, elasticidade etc. De fato, mostra-se que, quando se consideram
c o m atenção as ordenações quantitativas de uma grandeza, u m talo de
grama é muito mais estável do que uma torre de televisão, u m abelheiro
é muito mais eficiente do que u m avião a jato, ou que os valores-c dos w
I II I
paralela, sendo que o "impulso para o m o v i m e n t o " proviria uma vez
de "dentro", da natureza, e outra vez de "fora", do engenheiro ou do
artesão. Essa antiga doutrina, freqüentemente ridicularizada, voltou de
repente a ser muito atual.
Todavia, ela não é reproduzida simplesmente e apenas pela biônica
moderna. Em Aristóteles, a natureza representava u m dado fundamental
e m relação ao qual a produção humana tinha u m caráter meramente se-
cundário. Não podemos retornar a essa concepção. Não só porque, nesse
caso, retrocederíamos perdendo a autonomia da subjetividade humana,
c o m o já se disse muitas vezes. Tal retrocesso seria desolador não só m o -
ralmente, mas também do ponto de vista puramente técnico. Simples-
mente não é verdade que na biônica a natureza acaba reduzida a um
mero modelo, visto que e m última instância ela não produz rodas, rádios,
radares, aparelhos de barbear e coisas do gênero; antes, o que se passa
é meramente que nos deixamos estimular pelas "soluções de problemas"
apresentados pela natureza, para realizar significativamente os objetivos
impostos pelos homens. Nesse sentido, a definição de Zoglauer estava
extremamente correta: " x é u m modelo de y para u m usuário do modelo
z, para uma determinada finalidade". Q u e m primordialmente persegue
uma finalidade, aqui, é o h o m e m , e toda teleología da natureza continua
sendo derivada. E isso que nos separa de Aristóteles.
Mesmo assim, ainda hoje existem tentativas de recusar naturalística-
mente o poder de que dispõe o humano e sua responsabilidade. Assim,
afirma por exemplo Friedrich Vester em seu livro Technik und die Kybernetik
lebender Systeme (A técnica e a cibernética dos sistemas vivos): "Nenhuma técnica
existe fora do âmbito biológico". Vester chega ao ponto de deduzir da
natureza normas para o agir humano (VESTER, 1 9 8 3 , p. 3 6 ) .
Nesse ponto, a reificação científica já bastante difundida transfor-
ma-se numa idolatria da natureza. A filosofia da natureza deve proteger-
se de ambas.
llll
u m a "técnica da natureza", já mencionado por Kant na terceira crítica.
Nesse contexto é lamentável que a Crítica do juízo teleológico de Kant qua-
se não desempenhe papel algum na discussão moderna desse problema.
C o m isso, perdeu-se igualmente a visão de u m aspecto central da filosofia
da natureza. As conseqüências concretas desse fato devem ser expostas
agora e m relação a uma técnica específica de programação.
• • • •
logia da natureza e pressupõem u m a ontologia não-reducionista, isso só
vale e m relação à física. O que esses comportamentos não excluem é u m
reducionismo à máquina. Por outro lado, todavia, tampouco fomentam-
no. Assim c o m o se pode ser físico s e m ser fisicalista, também é possível
ocupar-se c o m a técnica-VA s e m cair nesse reducionismo maquinal.
Em seu livro a respeito da VA, Claus E m m e c h e é às vezes bastante
crítico: "VA nada tem a ver c o m vida, ao contrário, é u m passo adiante
r u m o à esterilização do m u n d o circundante e à restrição de nossas pos-
sibilidades de manter uma relação imediata e significativa c o m o resto da
natureza". O característico da vida seria u m a certa "autonomia", possuída
até pelas plantas. Os animais podem decidir por si m e s m o s se querem
rastejar o u andar c o m o caranguejos. Para que algo possa se mover a si
m e s m o , é preciso que aja esse "si m e s m o " . É esse m o m e n t o espontâneo
q u e escapa àVA (EMMECHE, 1 9 9 4 , p. 2 9 - 3 0 , p. 1 3 0 ) .
9 1 1 1
a Aristóteles que "ele não ousou idealizar na direção correta, c o m o o fez
mais tarde Galileu" (KANrrscHHDER, 1 9 9 1 , p. 6 9 ) .
A questão, porém, é saber se aqui existe uma direção "correta" e
uma direção "falsa". Se a posição N a t r e 8 / p l u j é verdadeira, p o d e m ser le-
gitimadas diversas perspectivas e m relação à natureza, entre as quais a
perspectiva aristotélica poderia ser urna alternativa absolutamente plau-
sível. Na vigencia da historia, q u e m obstruiu nossa mirada para essa
alternativa foi, portanto, Galileu. Em seu livro Aristotles System of the Physical
World, Friedrich Solmsen faz referência à Físico IV 2 1 5 a 31 ss (a relação
entre densidade da matéria e tempo decorrido) e chama a atenção para
a falsa relação entre "significado periférico" dessa teoria n o sistema de
Aristóteles e o "posicionamento central" n o sistema de Galileu; chama
a atenção t a m b é m para o fato de que Galileu chega ao ponto de criar
u m critério para a validade de todo o sistema aristotélico a partir da
correção dessa teoria periférica (SOLMSEN, 1 9 6 0 , p. 1 3 8 ) . Quanto, e m
seus diálogos, Galileu se afasta de Aristóteles pode ser esboçado e m dois
importantes âmbitos, a saber, o problema da idealização matemática e o
problema do movimento.
N o Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo, Salviati ( = Galileu) fo-
menta experimentos idealizados de pensamento, a fim de que a natureza
possa ter validade para a linguagem da matemática: "Pois eu quero abs-
trair de toda imperfeição e quero adotar a matéria c o m o idealmente per-
feita e c o m o imutável..." (GALILEI, 1 9 8 7 I = ' 1 6 3 2 , p. 2 3 6 - 2 3 7 ; p. 3 3 0 ) .
O adversário de Salviati, o aristotélico Simplício, em n e n h u m lugar
objeta aqui, o que ele deveria ter feito enquanto aristotélico, a saber, que
propriamente a natureza sempre se encontra aderida aos acidentes da
matéria (Met. A 9 9 5 a 1 4 - 1 6 ) . N e m aqui n e m e m n e n h u m outro lugar
apresenta argumentos substanciais para fundamentar sua posição, isto é,
ele é "simples" também n o sentido não-intencional, na medida e m que
não estava e m condições de expor a posição de Aristóteles de maneira
correta. É o que se mostra inclusive na discussão a respeito do conceito
de movimento. Galileu/Salviati concebe o movimento n o sentido de uma
movimentação de lugar neutra. Sobre isso, Simplício não mostra, c o m o
deveria, que segundo Aristóteles também "a modificação é expressa de di-
versos m o d o s " (Fís.V 2 2 7 b 3 - 4 ) , significa que o conceito de movimento
é análogo. Salviati chega partilhar o parecer de seu adversário, segundo o
qual " m o v i m e n t o " e "repouso" seriam propriedades da natureza tão i m -
portantes "que se poderia até m e s m o definir a natureza por m e i o delas"
(GALILO, 1 9 8 7 I = ' 1 6 3 2 , p. 2 2 6 ) . Agora, todavia, essas determinações
ÍBIC
relações prático-técnicas c o m a natureza, pois foi o que ele de fato pre-
tendeu, e é o que a torna ainda atual nos nossos dias.
Contrariamente a isso, a maioria dos exegetas de Aristóteles inter-
preta sua filosofia da natureza c o m o uma antecipação da física moderna
ou da biologia e c o m isso chega freqüentemente a avaliações negativas.
Muitos desses, por exemplo, identificam o conceito aristotélico de teleo-
logía c o m o conceito m o d e r n o da "teleonomia" e supõem que, c o m seu
conceito de formas, Aristóteles teria e m mente o que nós compreende-
m o s hoje por "DNA" (assim, por exemplo, Ingrid Craemer-Ruegenberg
[ 1 9 8 0 , p. 4 7 ] , Ingemar Düring [ 1 9 6 6 , p. 5 4 3 ] , Hans Wagner [ 1 9 8 0 , p.
2 4 8 ] , Hellmut Flashar [ 1 9 8 3 , p. 4 1 1 ] , Wolfgang Kullmann [ 1 9 7 4 , p. 2 9 8 ]
e muitos outros).
Se Aristóteles tivesse intencionado algo c o m o a ciência moderna da
natureza, então teria trabalhado realmente c o m recursos totalmente precá-
rios. Se a "forma" aristotélica é o lugar-tenente do DNA, então no fundo
nada explica, pois Aristóteles pode dizer sempre apenas que, submetida a
condições favoráveis, irá reproduzir-se de maneira idêntica, por meio do
que nada de novo experimentamos. Na verdade, o ponto de vista moderno
é totalmente estranho a Aristóteles. S e observa o físico, e não o fisical, pen-
sa ideologicamente e não nomologicamente, qualitativamente e não quan-
titativamente, ele pensa em substâncias e não em relações, em termos de
"forma" e "matéria" e não nos termos de "força" e "material" (Stoff) etc.
Se compreendermos a filosofia da natureza de Aristóteles a partir da
praxis, ou melhor, a partir da poiesis, então nos livraremos do i n c ô m o d o
problema de precisar atribuir validade a sua metafísica, algo difícil de ser
justificado hoje. Segundo Hilary Putnam, a convicção de que o €Íôoç já
estaria fixado às coisas antes m e s m o que alguém o reconheça representa
o mais grave problema que uma recepção moderna de Aristóteles en-
contraria pelo caminho (PUTNAM, 1 9 9 4 , p. 7 8 ) . Esse problema se resolve
por si m e s m o quando interpretamos sua filosofia da natureza não c o m o
prolongamento de uma metafísica essencialista do ser, mas c o m o con-
figuração de nossa relação prático-técnica c o m a natureza, uma relação
que se modifica historicamente. Que os princípios aristotélicos devem
sua o r i g e m inteiramente a essa esfera, isso é evidente por si m e s m o . A
representação aristotélica de causalidade, o que mais tarde foi chamado
de "teoria das quatro causas", é a estilização de nossa intervenção o p e -
rativa na natureza. C o m seu plano, o operário se aproxima do material
e trabalha-o c o m vistas ao fim a ser realizado. Daí, as "causas internas",
assim chamadas mais tarde, que são a causa formalis e a causa materialis, e
l l l l
Por que é que isso acontece por u m lado diante de nossos olhos,
por que é que, por e x e m p l o , água e ar formam u m tal curso circular que
necessariamente só chove quando se formam nuvens e necessariamente
só se formam nuvens q u a n d o choveu, enquanto, por outro lado, h o m e n s
e animais não retornam a si m e s m o s n u m curso circular, de tal m o d o que
surja sempre de novo o m e s m o ? Pois não é necessário que tu estejas pre-
sente, quando teu pai está presente, mas apenas quando tu estás presente
é preciso que aquele tenha estado presente (GC 3 3 8 b 7 - 1 2 ) .
A evaporação da água pode ser prognosticada, mas não que deverá
surgir u m ser vivo de outro. Em vez disso, n o âmbito do devir substan-
cial, interpretado teleologicamente, só p o d e m ser presumidas condições
necessárias, que precisam ser preenchidas para que se torne possível
aquilo que deveio. (Essa diferença entre processos cíclicos, prognosti-
cáveis, e processos t e l e o l ó g i c o s , somente reproduzíveis, n o sentido de
condições suficientes e necessárias, encontra-se muito b e m exposta e m
Gerhard SEEL, 1 9 8 2 , p. 3 6 7 ; e correspondentemente t a m b é m em Úrsula
WOLF, 1979, p. 9 1 , 117).
1 1 iI
modernas dos materiais, onde propriamente ele não ocorre (WAGNER,
1 9 8 0 , p. 2 4 6 s s ) . Wieland observa criticamente que "Aristóteles pergunta
por princípios, e quiçá de tal m o d o que sempre parte de coisas, pergunta-
do pelos seus princípios, mas jamais procura construir uma coisa a partir
de princípios dados" (WIELAND, 1 9 7 2 , p. 2 2 9 s s ) .
Mas quando lemos esse conceito de causalidade a partir da técnica
ele continua sempre atual, pois na formulação técnica os princípios devem
ser simultâneos c o m os principiados. O objetivo, por exemplo, deve for-
necer o processo inteiro, do contrário sai do controle — o m e s m o vale
para a causa material (cf. MUTSCHLER, 1 9 9 4 ) .
Em Aristóteles, a forma (|iopcbr]) tem a propriedade decisiva de ser
emergente diante da matéria, mas também de não poder existir sem ela.
Essa propriedade da "relação-forma-matéria" não vem ligada a uma técnica
de manejo superada, mas se reproduz inclusive e m produtos industriais
modernos. Foi o que se mostrou n o ponto 4 . 2 , no exemplo do plano fisi-
cal, sintático e teleológico-semântico no computador. Sem uma plugagem
fisical não há sintaxe e nenhuma execução de algoritmos. Todavia, embora
essa execução aconteça absolutamente segundo leis fisicais, não está con-
tido nelas analiticamente. A mesma dialética se reproduz na relação entre
o plano funcional e o plano pragmático-semántico. Em nenhum cálculo
matemático se pode ver para que finalidade ele poderia servir.
Essa relação contingente serve genericamente para todas as finalida-
des técnicas. Se, por exemplo, não soubéssemos para que serve uma lâmpada
incandescente, jamais poderíamos adivinhar sua finalidade puramente a
partir de sua estrutura fisical. E, visto que nas lâmpadas incandescentes
o percentual de energia transformada e m calor é b e m maior do que o
percentual transformado e m luz, se desconhecêssemos sua finalidade ten-
deríamos a considerá-las aquecedores elétricos, cujo fornecimento de luz
tomaríamos c o m o acidental. (A contingência do aspecto técnico diante
do fisical vem exposta mais de perto no ponto 4 . 6 . )
A forma é, portanto, emergente diante da matéria. Em Aristóteles,
por outro lado, a matéria não é a "coisa em si", c o m o gostam de supor
os materialistas modernos. Esses partem do pressuposto de que n o mun-
do ocorre, em si, u m a "coisa" digna de nota, chamada "matéria", c o m
propriedades definidas fisicalmente, que depois, de repente, gerariam n o
h o m e m algo assim c o m o "espírito" o u também a ilusão do "espírito".
Todavia, n o ponto 3.4 mostrou-se que não p o d e m o s definir uma
"matéria" assim compreendida a partir da física moderna, mas que c o -
nhecemos a "matéria" sempre c o m o correlato de forma, a saber, correlato
s
Alma F
4
Corpos todos F = M 5
3
Anhomoiomere F = M 4
2 3
Homoiomere F = M
1
Elementos F = M 2
1
Prima matéria M
1 1 1 1
modalidade-de-re' acabou sendo questionada por muitos filósofos depois
que W v. O. Quine polemizou contra " o pântano de possibilidades irrea-
lizadas" (QUINE, 1 9 8 0 , p. 4 2 4 ) . Todavia, ela depende do conceito de fina-
lidade, e quem por exemplo adota a forma c o m o unidade da finalidade
deve aceitar t a m b é m àquela.
N o trabalho de Úrsula Wolf sobre "possibilidade e necessidade e m
Aristóteles h o j e " vem reportada uma concepção muito c o m u m sobre esse
tema. W o l f mostra nesse trabalho que o conceito ontológico (portanto,
o conceito de-re) de possibilidade é central para Aristóteles, mas que ele
conhece t a m b é m o conceito proposicional (de-dicto). Depois ela des-
m e m b r a o significado desses diversos conceitos de possibilidade. Em re-
lação à discussão moderna, ela reporta-se sobretudo à filosofia analítica
e constata que ali o conceito de possibilidade não desempenha papel al-
gum, onde tem vantagem o conceito proposicional. Por isso, também seu
trabalho se d e c o m p õ e e m duas partes rasas. Na primeira parte, histórica,
encontra-se em primeiro plano o conceito ontológico de ÕLWLUÇ; na se-
gunda parte, sistemática, esse conceito já não tem função alguma. Ali só
se fala ainda sobre as modalidades-de-dicto. C o m o foi dito, Wolf recusa-se
a empregar o paradigma técnico na natureza (WOLF, 1 9 7 9 ) .
Mas, se não for para evitar o paradigma técnico, então será imperativo
rediscutir também o conceito ontológico de õúvoqiiç sob uma perspectiva
sistemática. A polêmica quiniana não se atém a esse campo. As "possibili-
dades irrealizadas" servem propriamente nesse campo c o m o claros crité-
rios de identidade. O engenheiro sabe qual a qualidade específica de deter-
minado material, que o torna apropriado para determinadas finalidades. É
justamente isso que o distingue do físico teórico. Esse calcula as qualidades
do material. Todavia, saber a que possibilidades de configuração técnica se
pode referir esse material, isso só pode ser visto à luz de uma finalidade,
o que m e s m o assim está referido às qualidades dos materiais a serem de-
monstradas objetivamente. Água não é uma possível serra.
Por toda parte onde vemos condições materiais de constituição à luz
de uma finalidade, nós as consideramos possibilidades-de-re, direciona-
das a essa finalidade. Para citar uma testemunha insuspeita dessa dialética:
lirnsi Tugendhat, que leva seu princípio de economia metafísica muitas
vi-/vs ao extremo, argumenta contra a concepção segundo a qual os fetos
humanos não devem ser colocados n o m e s m o nível que os animais, o b -
servando que o feto humano encontra-se num "processo teleológico", e
lüll
Matéria c o m o ôúvaLuç designa então o m o m e n t o na indeterminida-
de, relativo a uma forma, que ela poderia receber. Essa passagem (KÍvncaç)
da indeterminidade para a determinidade tem e m si algo da paradoxia
do devir c o m o de uma passagem do nada para o ser e m si. O que pode
ser descrito de forma clara é propriamente só o que deveio, que tem o ser
c o m o forma. E por isso que na física moderna existem apenas passagens
de estados determinados para outros estados determinados. O problema
aristotélico da KÍvrioiç. de m o d o algum aparece ali, o que se deve já à pró-
pria formulação matemática. Funções matemáticas ligam entre si sempre
somente estados determinados. Não foi portanto por falta de formação que
Aristóteles recusou-se a empregar a matemática na KÍvnaiç: "dos obje-
tos da matemática, n e n h u m deles se m o v e " (MA 6 9 8 a 2 7 ) . Fala-se hoje
na teoria da ciência de "atemporalidade" dos objetos matemáticos. Mas
para apreender o devir concreto Aristóteles se viu forçado a renunciar à
matemática. Por isso, não foi por acaso que Werner Heisenberg, ali onde
viu fracassar a matemática dentro da teoria quântica, a saber, na redu-
ção da função de ondas, procurou reintroduzir o conceito aristotélico de
õúvauiç. Que sua interpretação em geral não tenha sido aceita, deve-se ao
fato de que ele a introduziu não c o m o filosofia especulativa da natureza,
mas c o m o "apreensão quantitativa do velho conceito de ÔÚVOCLUÇ OU " p o -
tência" na filosofia de Aristóteles, e assim novamente c o m o um conceito
de dentro da física (HEISENBERG, 1 9 5 9 , p. 2 5 ) .
I l l l
condicionado": "Produtos da natureza não só têm a possibilidade de entrar
em processualidade a partir de si mesmos, mas podem igualmente retornar
à estagnação: o animal pode levantar-se novamente e novamente se deitar"
(WAGNER, 1 9 8 9 , p. 446-447).
4.5 A cibernética
IMil
Todavia, desde o seu surgimento na cibernética, viu-se uma possibi-
lidade de reconduzir a finalidade a causas que atuam mecanicamente ou
pelo menos de neutralizar seu conceito de tal m o d o que ela não depende-
ria de recursos metafísicos ou de uma relação constitutiva à intencionali-
dade. Em relação a u m a "finalidade" assim compreendida e formalmente
explicitada, será indiferente se for empregada n o âmbito da natureza ou
da técnica. Por isso, tampouco levaria a transpor a estrutura da natureza
para a técnica ou vice-versa, isto é, tornaria supérfluos todos os conceitos
aristotélicos mencionados n o ponto 4 . 4 .
O conceito de " c i b e r n é t i c a " foi formulado por Norbert W i e n e r de
acordo c o m a palavra grega KuflepvnTriç. = " t i m o n e i r o " , e designava pro-
cessos de auto-regulação, que se desenvolveriam segundo o m o d e l o de
u m timoneiro, que m a n t é m o curso de u m navio quando esse é desviado
de sua rota por causa de influxos do seu entorno. A "neutralização o n t o -
lógica" desse processo real-teleológico deveria produzir-se de tal m o d o
na cibernética que a correção que passa do valor-é para o valor-deve
apresentar-se-ia c o m o u m a grandeza situacional passível de ser descrita
matematicamente, e essa grandeza seria estabelecida pelos condiciona-
mentos iniciais correspondentes. Por isso, A. M. Ljapunow designa " o
procedimento fundamental da cibernética" c o m o "a descrição algorít-
m i c a do processo de funcionamento do sistema de regulação" (segundo
ROTHMEYER, 1 9 8 8 , p. 19).
«¡jas
clarecimento" não representa uma objeção a isso (STEGMÜLLER, 1 9 8 3 / 1 , p.
7 2 7 ) , pois essa descrição abstrai da diferença entre auto-reguladores c o m
sentido e sem sentido.
Se suspendermos essa diferença, correremos o risco de que tudo se
transforme e m auto-regulador, pois, uma vez que no universo tudo está
coligado c o m tudo, todas as coisas repercutem sua ação também sobre si
mesmas, suposto que se escolham correspondentemente apenas os limites
do sistema. Por exemplo, toda pedra forma c o m a terra u m sistema gra-
vitacional de efeitos mútuos, c o m feedback negativo (quanto mais alta for
lançada, c o m tanto mais velocidade retornará). Quando houver "falhas"
(no lançar a pedra para o alto), a pedra voltará a reger o "valor setado" de
energia de potência minimal ( e m sua queda alcança tão profundo quanto
p o d e ) . E visto que n o todo do universo tudo gravita, segundo essa repre-
sentação, restariam no m u n d o então só e absolutamente auto-reguladores.
Essa dificuldade corresponde a uma dificuldade que se tornou c o -
nhecida a partir da teoria de sistema de Ludwig Bertalanffy. Baseada na
concepção bastante formal do conceito de fim, sua teoria de sistema le-
vou a que, de m o d o adicional, também n o âmbito anorgânico nada mais
houvesse que não pudesse ser julgado c o m o "adequado à finalidade" no
sentido formal restrito. Todavia, c o m esse instrumentário não mais se po-
deria compreender o que é específico dos viventes.
E só quando estabelecemos uma diferença entre processos auto-re-
guladores c o m sentido e sem sentido que esse conceito não se degenera
em mera tautologia. Mas então o telos se m a n t é m oculto nessa distinção.
De fato, tomamos também auto-reguladores " c o m sentido", c o m o o re-
gulador da força centrífuga de uma máquina a vapor, para "explicitar"
processos de auto-regulação na natureza. Mas, nesse caso, esses "escla-
recimentos" acabam desembocando inversamente numa teleologização
da natureza. Quando se fala de uma "neutralidade ontológica" da ci-
bernética, isso só vale para os condicionamentos internos, que podem
ser descritos pela matemática. Todavia, quando se refletem também os
condicionamentos de seu emprego concreto, então essa "neutralidade" é
suspensa. Nesse contexto, Eve-Marie Engels fala de u m "caso semântico
da cibernética" (ENGELS, 1 9 8 2 , p. 5 1 ) .
Mas isso de modo algum reduz o valor das análises cibernéticas. Trata-
se, portanto, aqui apenas de esclarecer seu grau de valor sistemático. Se elas
devem servir — c o m o é o caso em Stegmüller — para tornar supérfluos
conceitos finais difíceis de serem apreendidos, em favor de conceitos passí-
veis de serem realizados operacionalmente, conceitos mais precisos, então
a substituição não poderá obter êxito, visto que a cibernética transfere o
xkkoç, para um metanível, do qual depende e o qual não consegue precisar,
porque a reprodução técnica de nexos finais precisaria reproduzir também
seus espaços de jogo de vacuidade. O ganho cognitivo da cibernética reside
173
l l l l l
5.1 A concepção prévia de uma natureza interiormente
prenhe de valores na técnica, na biologia e na ecologia
• I•••
Muito mais evidente parece ser aquela figura de pensamento de-
fendida por autores c o m o Bernhard Irrgang ( 1 9 9 0 ) , Hans Lenk ( 1 9 8 3 ) ,
Reinhardt Maurer ( 1 9 8 2 ) , Konrad Ott ( 1 9 9 3 ) , Dietmar von der Pfor-
dten ( 1 9 9 8 ) , Friedo Ricken ( 1 9 8 7 ) etc., segundo a qual a fórmula da
autofinalidade do imperativo categórico kantiano pode ser referida tam-
b é m à natureza, de acordo c o m nível em que se dá u m a organização.
De acordo c o m isso, então, o respeito ordenaria que não se devem usar
animais e plantas só c o m o meios para nossas finalidades. Essa visão que
mais se aproxima à intuição pré-científica apresenta todavia a dificuldade
de pressupor uma metafísica da natureza que transcende a relação c o m a
natureza cunhada pela ciência e técnica, correndo o risco de desembocar
numa especulação sem sustentação. U m a olhada na literatura sobre ética
ecológica mostra que esse temor tem razão de ser (cf. por exemplo os
escritos de Klaus Meyer-Abich, G. M.Teutsch, Hans Jonas e t c ) .
Por isso, John Passmore fundamenta seu ponto de vista rigorosa-
mente antropocêntrico indicando a alternativa de u m conceito de natu-
reza metafísico-especulativo, que recairia necessariamente para trás do
estágio do Aufklärung científico (PASSMORE, 1 9 8 0 , p. 173ss). Com razão, o
próprio Dieter Birnbacher chama a atenção para os equívocos conceituais
que surgem toda vez que se sobrecarregam normativamente as proprie-
dades de u m sistema biológico (BIRNBACHER, 1 9 8 6 , p. 106ss). Essas indica-
ções críticas são muito importantes n o contexto do presente trabalho. Elas
mostram que para fundamentar u m ponto de vista não-antropocêntrico
será preciso adotar necessariamente a posição N a t tot/plur , metafisicamen-
te considerada bastante elevada. Mas, visto haver bons motivos para não
se querer tal coisa, é recomendável manter apenas o antropocentrismo
c o m o u m a posição racional passível de fundamentação.
Mas o interesse central do presente trabalho é precisamente desfazer
essa falsa alternativa. Nem os representantes da posição N a t tot/plur são os
únicos a excetuar a natureza da reificação técnico-científica, c o m o presu-
m e m , n e m o antropocentrismo surge a partir da negação dessa posição.
Por isso, podem-se aceitar os argumentos dos antropocêntricos contra a
posição N a t tot/plur , que refutam as extrapolações não-críticas, n o sentido
apresentado n o ponto 5.2, e, contudo, continuam presos n u m conceito
de natureza não-reducionista n o sentido da posição N a t reg/plur .
As extrapolações citadas no ponto 5.2 p o d e m ser encontradas tam-
b é m najirópriajiteratura a respeito da ética ecológica, c o m o por e x e m -
plo errÍR W.Taylor/que em seu livro Respect for Noture apela diretamente para
a biologia; mas ele interpreta esta a partir da perspectiva real-teleológica.
l l l l l
física ou pela biologia da natureza exterior. Honnefelder admite que seu
modelo depende da concepção de uma "natureza apreendida nos moldes
teleológico-poiéticos", e que apresenta u m problema não resolvido, na
medida e m que "se pode falar de natureza c o m o unidade de sentido e
c o m o grandeza prática" (HONNEFELDER, 1 9 9 2 , p. 15 l s s ) .
/ Em Honnefelder fica claro que uma ética ecológica não-antropo-
cêntrica pressupõe u m a metafísica da natureza relativamente forte e que,
sob uma forma aceita universalmente, essa metafísica não existe hoje.
Enquanto se mantiver esse estado de coisas e enquanto essas formas de
metafísica da natureza discutidas nos meios da opinião pública (sobretu-
do a posição N a t tot/phlI ) se mantiverem tão fortes e expansivas, uma ética
ecológica rígida, rigorosamente antropocêntrica continuará sendo a mais
conseqüente; a partir daí, pode-se esclarecer também a posição intransi-
gente e contra-intuitiva de autores c o m o Birnbacher, Patzig ou Pasmo-
re, pois na realidade o que vale é: "parceria exclui objetivismo radical"
(BIRNBACHER, 1 9 8 6 , p. 139).
187
são pura metafísica, que mais tem a ver c o m uma romântica filosofia da
natureza do que c o m ciência, embora o fisicalista a considere c o m o tal.
De m o d o geral, as sínteses post-modernas e da ciência popular, m e n -
cionadas n o capítulo 2 , eram constituídas de tal m o d o que sobrecarrega-
vam sorrateiramente a hard science c o m a hermenêutica, a fim de produzir
uma "metafísica da natureza, a qual todavia continua desconhecida".
Poderíamos identificar também a questão a respeito da "hermenêu-
tica da natureza cientificizada" c o m a questão a respeito de uma "coloca-
ção do h o m e m no c o s m o s " , u m topos clássico da filosofia, que se renova
também sob as condições científicas, onde todavia sua configuração acaba
prejudicada.
Na metafísica clássica, por exemplo e m Aristóteles ou Tomás, a ques-
tão a respeito de uma "colocação do h o m e m n o c o s m o s " é respondida
analiticamente a partir dos dados do sistema. Uma scak naturae perpassada
de valores, em cujo topo se encontra o h o m e m , mostra a este, ipso facto,
seu lugar na totalidade das coisas. U m a dinâmica das causas do movi-
m e n t o que se perdeu de u m primeiro movente-imóvel, numa deteriora-
ção axiológica até afundar nos elementos imponderáveis da matéria, é o
que localiza o h o m e m não apenas estaticamente, no sentido de uma scala
naturae, mas também dinamicamente, isto é, processualmente dentro do
conjunto total do devir cósmico.
U m a tal localização existencial já não pode ser postulada pela ciência
moderna da natureza de maneira puramente analítica. Visto que o estilo
m o d e r n o de ciência abstrai metodologicamente do h o m e m já não lhe
concede qualquer lugar n o conjunto das coisas; ao contrário, faz c o m
que a questão por esse lugar pareça inclusive obsoleta. Se observarmos
o desenvolvimento do universo em seus grandes planos, c o m o vem des-
crito pela física, então o h o m e m é menos do que uma mosca c o m u m
dia de existência, a saber, é uma quantité cosmológica negligeable. Perguntar
por sua localização n o conjunto das coisas parece ser agora algo u m tanto
híbrido. Todavia, isso só aparece desse m o d o quando esquecemos que
a construção científica do desenvolvimento cosmológico foi gerada ao
m e s m o tempo pelo h o m e m a partir do big bang até o eventual big crunch
ou até a "morte pelo aquecimento", e que por isso essa construção nada
mais é que a maneira c o m o ele vê as coisas.
N o que se segue, será preciso mostrar que não podemos nos desven-
cilhar desse ato hermenêutico básico; todavia, ele fornece a nossa relação
científica para c o m o m u n d o uma pluralidade indispensável. As teorias
modernas a respeito do m u n d o são tão formais que admitem inserções
illlll
pessoas diante da cientifização do mundo, a qual considera a "localização
do h o m e m no c o s m o s " , n o fundo, c o m o uma nulidade.
M e s m o assim, uma segunda mirada no texto de M o n o d mostra que
contém uma contradição fundamental. Por que é que M o n o d chama o
universo de "surdo" e "indiferente"? Surdo e indiferente só pode ser
quem também teve a possibilidade de ouvir ou de ter-se simpatizado. Em
dados casos, pode-se chamar o h o m e m de "surdo" ou de "indiferente",
em casos extremos também u m cão, mas seguramente não o cosmos, e m
todo caso não o cosmos descrito pela ciência.
Q u ã o p o u c o M o n o d conseguiu se desvincular do círculo h e r m e -
nêutico da compreensão, que p e r m a n e c e inevitavelmente antropocên-
trico, mostra-se t a m b é m e m seu discurso sobre "os ciganos nas mar-
gens do universo".
Foi desse m o d o que a cientifização da cosmologia atuou e m muitas
pessoas: na imagem aristotélica de mundo, o h o m e m era o centro geo-
gráfico. Ele havia sido intencionado ao ser produzido pelo cosmos. As
descobertas de Kepler e Galileu, a passagem para uma imagem de m u n d o
heliocêntrica, levou a uma descentralização do h o m e m , e essa descentra-
lização acabou se acentuando c o m cada nova descoberta. Por fim, n e m
o Sol n e m a Via Láctea representavam o centro do universo, mas nosso
lugar fisical parecia apresentar-se c o m o sendo cada vez mais marginal,
de tal m o d o que acabou tornando-se natural a conclusão de que nossa
existência era vagar c o m o os ciganos.
Todavia, isso só parecia ser assim. Visto a partir do ponto de vista da
física, o cosmos não tem centro e, portanto, também nenhuma periferia,
portanto tampouco poderia haver alguém que pudesse manter-se à mar-
gem. Enquanto ciência, a física define suas leis fundamentais de tal m o d o
que sejam independentes da origem das coordenadas. O que se consi-
dera "centro" é questão de convenção. Todos os modelos cosmológicos
existentes hoje partem da homogeneidade e isotropia do universo; isto é,
também do ponto de vista factual, o universo não possui configuração a
partir da qual se pudesse falar n u m "centro". Mas, se o universo não possui
centro, tampouco podemos morar à sua margem.
O discurso monodiano que considera o h o m e m u m "cigano à mar-
gem do universo" é portanto uma interpretação da natureza cientifizada
a partir do ponto de vista da experiência existencial do ser. Não é o resul-
tado da ciência específica c o m o tal.
Porque é assim e porque a cosmologia moderna é assim tão for-
mal, podem ser encontradas também outras explicações alternativas. Já
a 11 a « li •
contexto podem ser encaixados também problemas mais sóbrios, c o m o
foi mencionado n o ponto 3 . 1 , n o contexto dos principia de Newton. Ali
mostrou-se que fórmulas exatas c o m o "força = massa vezes aceleração",
por exemplo, não expressam aquilo que compreendemos em nossa e x -
periência do aspecto físico no m u n d o da vida c o m o "causalidade" ou
"substancialidade". Apesar disso, não se pode por assim dizer "suspeitar"
que Newton tenha interpretado massas c o m o substâncias e estados de
movimento c o m o acidentes, forças c o m o causas e esses estados de m o -
vimento c o m o efeitos, pois também essas interpretações não podem ser
evitadas. Se o físico tem realmente prioridade diante do fisical, também o
fisical deve poder ser interpretado e m termos do físico.
O m e s m o se dá c o m as explicações citadas n o ponto 3 . 4 a respeito
do conceito de campo c o m o lugar-tenente do "espiritual", que repousa
na analogia " c o m o a forma está para a matéria assim o campo para as
partículas". O esquema-forma-matéria, que Aristóteles abstraiu do ato do
domínio técnico do mundo, continua vigente ainda hoje, c o m o se m o s -
trou n o ponto 4 . 2 e m relação ao computador, e m e s m o uma chave de
fenda, a partir de uma representação prática do m u n d o da vida, é vista
c o m o "matéria formada".
A partir dessas experiências, incorporamos os resultados da física
teórica. Sob sua ótica, as partículas de massa parecem ser "material" ou
energias, ondas o u campos parecem representações do "espiritual". O
engano de idealistas c o m o C. F. v. Weizsäcker ( 3 . 2 . 2 ) ou de materialistas
c o m o certos filósofos analíticos, citados no ponto 3 . 4 , consiste de certo
m o d o no fato de tomarem ao pé da letra o que só pode ser considerado
realce especulativo de nossa imagem científica de mundo.
Essa dialética entre ciência e m u n d o da vida é muito p o u c o levada
em consideração na teoria da ciência, enquanto exerce u m papel impor-
tante n o desempenho concreto da ciência. É assim, por exemplo, que
Richard Feynman afirma defender a "hipótese de que, e m última instân-
cia, a física não precisa da matemática", o que representa uma afirmação
extraordinariamente escabrosa, se levarmos e m conta o alto nível de abs-
tração que têm por exemplo as path-integral de Feynman. De m o d o b e m
mais ameno, mas sempre suficientemente claro, se expressa o teórico da
auto-organização Hermann Haken. Ele afirma "que u m processo... e m
muitos casos, só é compreendido perfeitamente pelos cientistas quando
esse processo pode ser reproduzido também nas palavras de nossa lingua-
g e m usual sem qualquer fórmula" (FEYNMAN, 1 9 9 3 = ' 1 9 6 5 , p . 75;HAKEN,
1 9 8 4 , p. 1 1 ) . Ou então c o m o se expressou Einstein: " N e n h u m cientista
llllll
C o m o exemplos para essas ambigüidades p o d e m servir a semantiza-
ção do cosmos recém-citada, c o m o lugar do ser-lançado ou ao contrário
c o m o "pátria", as explicitações materialistas e espiritualistas da teoria da
auto-organização, citadas n o ponto 2 . 2 , ou ainda a dualidade entre onto-
logia de partículas e ontologia de campo na teoria quântica mencionada
por diversas vezes.
U m a proposta de realizar essas interpretações materiais por princí-
pios provém do filósofo Aloys Wenzl, hoje esquecido, que foi, ademais,
o predecessor de Wolfgang Stegmüller na cátedra de teoria da ciência
e m Munique. (Nessa transposição vemos, ademais, c o m o na filosofia o
avanço é sempre apenas parcial. O incrível ganho em matéria de precisão
lógica formal na transição de Wenzl para Stegmüller defronta-se c o m uma
perda n o que se refere à consciência metafísica dos problemas.)
Wenzl não era apenas teórico da ciência, mas tinha familiaridade
também c o m a metafísica clássica. Ele viu c o m clareza o problema de uma
explicitação material da física moderna. Segundo Wenzl, a física toma to-
das as suas definições diretamente da esfera psíquica: "Indolência, impul-
so, força, trabalho, energia, atuação são conceitos claros, que tomados a
sério provêm de nossa vivência". Ali estariam e m questão seguramente
"antropomorfismos". Porém, se mascararmos esses antropomorfismos a
partir de conceitos fisicais, "eles perderão todo e qualquer conteúdo". Nos
conceitos fisicais, conteúdo só pode se apresentar "no sentido de uma
analogia para c o m nosso ser": e m outra passagem ele chama a isso de "a
única possibilidade de explicação". Consistiria no fato de "que e m nossa
própria vivência empregamos uma excepcional força ativa, a partir da qual
podemos tentar compreender a realidade por m e i o de conclusões analó-
gicas". O cientista da natureza c o m o tal poderia desincumbir-se de per-
guntar pelo "significado" de suas equações, mas o filósofo deveria fazê-lo.
Então adentraria o âmbito da metafísica c o m conceitos c o m o "totalidade",
"liberdade", "finalidade" etc.
Os objetos que foram conquistados pelo entendimento guiado pela
teoria, pelo princípio de Wenzl, deveriam ser interpretados materialmen-
te ainda a partir do ponto de vista prático. Wenzl liga essa sua explicitação
c o m a metafísica da vontade de Schopenhauer. A transição de uma pers-
pectiva científica para uma final acontece, por fim, t a m b é m e m Wenzl
pela mediação de contingências que deixa em aberto a intervenção cien-
tífica, isto é, no sentido de uma "normatividade do fortuito", c o m o no
ponto 4 . 6 ; dá-se, por exemplo, n o sentido de uma explicação final da
distribuição contingente da matéria, do caráter casual de estados iniciais
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183, 187, 189, 190, 192, 193 71, 80, 81, 113
Fórmula universal 16, 25, 26, 27 Necessidade hipotética 145-147
Fuzzylogic 133 Pampsiquismo 57
Hermenéutica/hermenéutico 15, Platonismo / platônico 1 6 , 2 7 ,
17, 62, 64, 68-71, 80, 81, 83, 97, 99, 100, 103-110, 126,
84, 87, 89, 90, 170, 187, 188, 139, 189
190, 191, 193, 195 Post-modernidade/post-moderno
Heurística/heurístico 4 1 , 62, 125 1 4 , 3 2 , 7 2 , 8 0 , 8 2 , 8 5 , 9 0 , 188
Materia 17,25,31,35,39,40, Principio da entropia/II. Principio
44, 51, 58, 59, 62, 71, 73, primeiro 35, 37, 86, 89, 191
8 4 , 8 6 , 8 9 , 9 0 , 9 2 , 107, 108, Protofisica 88, 96
110-116, 118, 119, 121, 123, Psicologia cognitiva 23
130, 140, 142, 148, 149, 152, Scala naturae 4 5 , 47, 50, 136,
153, 167, 169, 173, 175, 179, 137, 176, 181, 188
186, 188, 191-194 Sociologia/sociológico 68, 72,
Matéria-forma 57, 71, 130, 148, 80-82, 129, 157
149, 192 Teleología da natureza 11, 31,
Materialismo/materialístico 1 9 , 5 1 , 64, 120, 122, 123, 128, 135,
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46, 50, 52, 53, 56, 58-60, 102, 144, 168
63-65, 72, 75, 76, 78, 81, 83, Teoria de sistema 9, 68, 75, 155,
84, 90, 98-100, 103, 104, 160, 162, 175, 184
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141, 142, 146, 150, 154, 156, 155,170,184
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Jantsch, E. 84, 191 Metzinger, T. 69
Jonas, H. 9, 21, 4 3 , 44, 46, 52, 182, Meyer-Abich, K. M. 9 , 1 2 , 2 1 , 4 3 - 4 6 ,
183, 185, 186 55, 182, 183, 186
Jordan, P. 85 Mittelstraß,J. 2 1 , 6 6 , 9 8 , 1 1 3 , 1 2 6
Jung, C G . 168 Mohr.H. 175
Jung, M. 68, 69, 70 MonodJ. 85, 166, 189-191
Kambartel, F. 2 1 , 4 9 - 5 1 , 9 2 , 9 8 , Muck, O. 193
136 Müller, A.W 145
Kanitscheider, B. 1 2 , 2 0 , 2 7 , 8 7 , Mutschier, H. D. 34, 55, 60, 69, 104,
88, 89, 11 1, 139, 140, 159, 120, 136, 148
187, 191 Nachtigall, W 124, 125
Kant.J. 1 3 - 1 5 , 2 2 , 2 6 , 3 8 , 4 0 , 4 5 , 4 9 , Nagel, E. 22, 102, 1 13, 121, 156,
7 9 , 9 1 , 101, 102, 107, 109, 122, 163
129, 132, 165-168, 170, 189 Nagel,T. 50, 52, 57, 68, 69, 87,
Kaulbach, F. 147, 166 187
Keil.G. 24 Neurath, O. 22
Körner, S. 105 Newton, I. 91, 95, 111, 155, 189,
Krebs.A. 1 1 , 4 9 , 50, 51, 61, 136, 192, 193
151, 185 Nida-Rümelin, J. 186
Krings.H. 70, 71, 113 Oehler, K. 3 6 , 4 2
Kuhlmann, W 70 Ott, K. 182, 184
Kullmann.W. 142 Pape, H. 3 6 , 5 3
Lakatos, 1 . 3 1 Passmore.J. 181, 182
Latour, B. 80-82 Patzig, G. 181, 186
Leiber,T. 86, 155 Pauli, W 168
Leibniz, G.W 40, 74, 119 Peirce, C. S. 1 3 , 1 4 , 2 1 , 3 2 - 3 6 , 3 8 ,
Lenk.H. 15, 182, 184 4 0 - 4 3 , 53, 119, 122, 123, 165,
Lichtenberg, G. C. 121 168
Lorenzen, P. 21, 31, 50, 66, 121, Penrose, R. 105, 106, 1 10, 129
151 Pfordten.D. 1 8 0 , 1 8 2 - 1 8 4 , 1 8 6
Lorenz, K. 176 Picht, G. 9, 12
Lovelock.J. 72, 177, 179, 180, 184 Planck, M. 2 2 , 8 5 , 9 9 , 1 0 5 , 1 1 9 , 1 2 0