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Introdução à

| FilosofiadaNatureza

Hans-Dieter Mutschler

| Edições Loyola
Será a natureza apenas aquilo que é prescrito pela ciência da natureza
ou existem outros modos de acesso a ela? Uma filosofia da natureza
autônoma deve aceitaros resultados da ciência positiva e de uma teoria
da ciência que reflete sobre eles. Todavia, também deve perguntar
por aquela natureza que nos vem ao encontro nos contextos técnico-
prático e ético-prático, ou seja, a filosofia da natureza também apresenta
a questão da natureza como um nexo conjuntural de sentido.

Hans-Dieter Mutschler é livre-docente e professor de

Filosofia da Natureza na F a c u l d a d e de Filosofia e Teologia

Sankt G e o r g e n , e m Frankfurt a m Main. Organizou, com

W o l f g a n g K ö h l e r , Ist der Geist berechenbar? (Darmstadt,

2 0 0 3 ) , e p u b l i c o u Physik und Religion. Perspektiven und

Grenzen eines Dialogs {Darmstadt, 2005). ,


Introdução à
Filosofia da Natureza

Hans-Dieter Mutschler

Tradução
Enio Paulo Giachini

Edições Loyola
TiiuLo ORJGINAL:

Natur-philosophie
«5 2002 W. Kohlhammer Verlag GmbH. Stuttgart
ISBN: 3-17-016814-2

PREPARAÇÃO: Dayane C. Pai


PROJETO GRAFICO: Ronaldo Hideo Inoue
REVISAO: Renato da Rocha

Edições Loyola
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04216-000 São Paulo, SP
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mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer
sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

ISBN: 978-85-15-03494-9

© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2008


Sumário

7 Introdução

Capítulo 1
19 As diversas posições no espaço
de possibilidade da filosofia da natureza
22 1.1 A natureza como totalidade de tudo o que
existe apreendida cientificamente (Nat ) tol/cien

23 1.1.1 O erro da ciência ao buscar dimensionar o homem


25 1.1.2 0 fisicalismo dogmático: Steven Weinberg
27 1.1.3 Ofisicalismoda teoria da ciência: Wolfgang Stegmüller
32 1.2 Natureza como totalidade de tudo o que existe e que se abre
a uma pluralidade de perspectivas irredutíveis (Nat ) toI/plul

32 1.2.1 Ch. S. PeirceeA. N.Whitehead


43 1.2.2 Hans Jonas e Klaus Meyer-Abich
45 1.2.3 Ciência da natureza como ancilla philosophiae
47 1.3 Natureza como uma grandeza regional,
mas com definição científica (Nat )
re2/ckn

49 1.3.1 Andreas Bartels, Friedrich Kambartel/Angelika Krebs


52 1.3.2 Hilary Putnam e afilosofiaanalítica
54 1.4 Natureza como uma grandeza regional,
mas com determinação pluralista (Nat ) reg/plur

56 1.4.1 O anticienüsmo: Henri Bergson, Hans Driesch


58 1.4.2 O "conceito fisiológico de natureza" em Lothar Schäfer
61 1.4.3 A "fenomenologia da natureza" de Gernot Böhme e a teoria da
entelequia, reformulada por Christoph Rehmann-Sutter

Capítulo 2
65 A tensão entre teoria e praxis
72 2.1 Os pós-modernos
73 2.1.1 H. R. Maturana/F. J. Varela
77 2.1.2 Gotthard Günter
80 2.1.3 Bruno Latour
83 2.2 A ciência popular
84 2.2.1 Erich Jantsch/Ilya Prigogine
85 2.2.2 Paul Davies
87 , 2.2.3 Bernulf Kanitscheider
Capítulo 3
91 Natureza como correlato do teorético
92 3.1 O físico e o fisical
98 3.2 Essência e aparência — ontologia e precisão
103 3.3 Crítica do platonismo fisicalista
105 3.3.1 Roger Penrose
106 3.3.2 C. F. v. Weizsäcker
110 3.4 0 conceito de "matéria"

Capítulo 4
119 Natureza como correlato do técnico-prático
123 4.1 A biônica
128 4.2 A metáfora do computador
132 4.3 A técnica üitificial-life
137 4.4 Natureza e técnica em Aristóteles
155 4.5 A cibernética
165 4.6 A legalidade do fortuito como conformidade a fins

Capítulo 5
173 Natureza como correlato do ético-prático
174 S. 1 A concepção prévia de uma natureza interiormente
prenhe de valores na técnica, na biologia e na ecologia
177 5.2 Cientismo e autofinalidade. Hans Sachsse,
James Lovelock e a síntese que não deu certo
180 5.3 O problema ontológico que ficou sem solução na ética ecológica

Capítulo 6
187 Sobre a hermenêutica da natureza cientificizada

197 Referências
211 índice analítico
213 (ndi ce onomástico
Introdução

Na história da filosofia, a questão que pergunta sobre o que se deve


compreender propriamente por "natureza" foi respondida de maneiras
completamente diferentes. Para muitos, c o m o os estóicos, a natureza
era tanto aquilo que nos engloba quanto aquilo que nos fornece as nor-
mas; tanto o que nos circunda fisicamente ("as coisas da natureza") c o m o
o que concede ser e valor aos objetos ("a natureza das coisas"). Desde
cedo, a essa possibilidade de conceber a natureza c o m o totalidade, ainda
muito atrativa nos dias de hoje, se contrapôs u m conceito de "natureza"
que ganhou definição na medida e m que estabeleceu sua demarcação e m
relação a u m pólo oposto, c o m o por exemplo "natureza" e "técnica",
"física" e "metafísica", ou c o m o se queiram chamar as contraposições.
Essa estratégia de demarcação encontra representantes também na atuali-
dade, m e s m o que hoje se prefira nomear essas contraposições c o m pala-
vras c o m o "natureza" e "cultura" ou "natureza" e "história".
O cristianismo, n o entanto, c o m sua distinção entre "natureza" e
"sobrenatureza", doutrinou u m a contraposição que pertence a u m nível
completamente diferente. Nesse m o d o de ver, também a técnica, a cultura
e a história faziam parte da "natureza", separando-se da revelação, consi-
derada "sobrenatural".
Mesmo que, n o decorrer de sua história, as determinações da "na-
tureza" possam ter-se modificado (e os exemplos citados são apenas u m
pequeno recorte disso), foi n o c o m e ç o do século XVII que se deu uma
cisão essencial e m nossa compreensão de natureza, quando se alcançou
empregar na natureza experimentos passíveis de reprodução, métodos
quantitativos e instrumentos da matemática. Segundo Galileu, o "livro da
natureza" foi escrito c o m letras matemáticas (GALILEI, 1 9 8 7 , II, p. 2 7 5 ) . *
Essa representação era tão sugestiva e fecunda que o físico inglês James
Jeans expressou sua convicção — que pelo m e n o s subliminarmente al-
cançou ampla divulgação — de "que a totalidade do m u n d o parecia ter
sido pensada por u m matemático puro" (JEANS, 1 9 5 5 , p. 1 3 0 ) .
O "livro da natureza" é uma velha metáfora que na Idade Média de-
signava a contraposição ao "livro da revelação", correspondendo àquela
contraposição citada entre "natural" e "sobrenatural"; antes de Galileu,

7
porem, ninguém jamais imaginou que o "livro da natureza" pudesse ter
sido escrito e m linguagem matemática. No entanto, depois que essa con-
cepção se impôs, nos séculos XVIII e XIX, pareceu pelo menos tão clara
c o m o o conceito de "natureza". "Natureza" designava simplesmente o
substrato ontológico da ciência matemática da natureza; e, visto ser pelo
menos tão transparente c o m o u m cálculo matemático, parecia estar escla-
recido, e m princípio, t a m b é m o conceito de "natureza".
Filósofos que buscaram desmascarar essa clareza c o m o aparência,
chamando atenção para o procedimento hipotético da ciência da natu-
reza e buscando dar u m fundamento qualitativo último à ciência da na-
tureza, portanto pensadores c o m o Schelling ou Hegel, c o m o passar do
tempo já não conseguiam ser convincentes, pois n o decorrer do século
XIX mostrou-se que as especulações metafísicas do idealismo alemão
eram exageradamente limitadas e m u i t o pretensiosas para poder servir
de modelo à ciência empírica e sintetizar ou dar u m fundamento último
a seus resultados.
N o geral, desde então, a scientific community afastou-se da especulação
filosófica e c o m e ç o u a cuidar de seu n e g ó c i o por conta própria. Até hoje
impera a convicção geral de que, e m se tratando da natureza, única e
exclusivamente as ciências da natureza são competentes, e de que toda
e qualquer ciência que reivindique ultrapassar esse saber não passa de
um retrocesso a uma metafísica já de há m u i t o superada. A partir desse
ponto de vista, parecia, e m princípio, não haver qualquer problema
com o c o n c e i t o de "natureza", o qual e m todas as épocas nada mais
designava que substrato o n t o l ó g i c o das ciências da natureza; diante dos
convincentes resultados dessas ciências, não se via mais necessidade de
especulações ontológicas.
Autores que, m e s m o assim, reivindicavam o direito a uma "filosofia
da natureza" autônoma, autores c o m o Henri Bérgson ( 1 9 3 0 ) , Ludwig
Klages ( 1 9 6 1 ) ou Teilhard de Chardin ( 1 9 6 9 ) , nada podiam modificar
na convicção geral, que dizia que o conceito de natureza não comportava
qualquer problema e que n o decorrer do progresso científico acabaria
ficando cada vez mais claro.
Uma ruptura nessa convicção evidente só foi provocada pela crise
ecológica da segunda metade do século X X . Foi essa crise que, e m muitas
pessoas capazes de reflexão, despertou a suspeita de que alguma coisa
em nossa relação c o m a natureza não estava b e m e de que u m a das causas
disso residia provavelmente n u m conceito de natureza cientificamente
muito estreito, que, de m o d o ingênuo, pressupusemos c o m o válido du-

Introdução à Filosofia da Natureza


rante séculos. Autores c o m o Georg Picht exigiam desde cedo "uma revi-
são dos conceitos fundamentais básicos e dos métodos da ciência que se
estende até o presente" (PICHT, 1 9 7 9 , p. 2 7 ) . Segundo Picht, uma ciência
carregada de conseqüências tão desoladoras c o m o é a ciência atual deve
estar fundamentada numa "falsa consciência". De m o d o semelhante se
expressam t a m b é m filósofos marxistas c o m o Ernst Bloch, os quais acre-
ditavam que a "ciência burguesa" estava baseada num fundamento falso
(BLOCH, 1 9 8 5 = '1959).

Nesses casos, porém, não estava claro c o m o se deveria modificar


a ciência e m curso, para não só impedir as conseqüências prejudiciais
diante da ecologia, mas igualmente conservar as vantagens indiscutíveis
possibilitadas pela ciência moderna e pela tecnologia nela fundamentada.
Nesse sentido, porém, as sugestões de autores c o m o Ernst Bloch, Georg
Picht ou Herbert Marcuse ( 1 9 6 7 ) trouxeram muito pouca clareza.
De qualquer m o d o , a discussão foi aberta e desde então não se de-
teve. A questão a respeito do que seja propriamente a "natureza" voltou
a estar agora no foco dos exames, sobre o que, c o m o era de esperar,
há muita divergência entre os autores. Princípios ancorados numa nova
metafísica da natureza, c o m o o de Hans Jonas ( 1 9 7 3 ) ou de Klaus Meyer-
Abich ( 1 9 7 9 ) , contrapõem-se àqueles que procuram minimizar u m con-
ceito científico de natureza, c o m procedimentos estritos, pela introdução
de ciências não-fisicalistas, mas m e s m o assim empíricas, a fim de evitar
recorrer a uma tal metafísica da natureza, e m sentido forte.
Nesse sentido, Günter Ropohl ( 1 9 7 9 ) pretendeu fundar uma teoria
dos sistemas da técnica, de caráter cibernético, ou Lothar Schafer ( 1 9 9 9 )
reivindicou, antes ainda, a passagem de u m "conceito de natureza" fisi-
calístico para u m conceito "fisiológico". Esse conceito seria aquele para o
qual a física humana e as vantagens ou desvantagens de nossa intervenção
técnica na natureza estabeleceriam a medida que nos limita a não fazer-
mos tudo que a técnica nos possibilita fazer.
Essas sugestões devem ser particularmente discutidas. Em todo caso,
deveríamos acolher nela m e s m a a provocação e o significado da crise
ecológica para nossa relação c o m a natureza. Já se foi o t e m p o e m que
acreditávamos saber c o m propriedade o que é "natureza". Agora está-se
apresentando a tarefa de u m a nova definição desse conceito, c o m supor-
te argumentativo. A opinião do autor, todavia, é que, se aqui fizermos
recurso apenas a correções cibernéticas ou fisiológicas, ainda assim não
lograremos alcançar esse feito. O alcance dessa problemática é mais pro-
fundo, m e s m o que se deva dar razão a filósofos c o m o Ropohl ou Schafer,

Introdução 9
iu medida em que eles qualificam c o m o u m retrocesso para além do ilu-
minismo o apelo a uma "natura naturans", definida metafisicamente. De fato,
i stihjelividade moderna só se constituiu e m seu pathos pela liberdade, pelo
lato de ter-se desvinculado da natureza. Quem quiser fazê-la remontar ao
"grande todo", segundo o paradigma da Stoa, terá de mostrar c o m o irá
conservar o "projeto da modernidade", o que o predisporá a considerá-lo
fracassado, ou então o que poderia ocupar seu lugar.
Mesmo tendo conhecimento das dificuldades ligadas a esse fato, o
autor reafirma o conceito de razão da modernidade e seu pathos iluminista,
o que proíbe por si um retrocesso para modelos mais antigos de metafísica
da natureza.
Mesmo assim, há razões para não descartar totalmente uma metafí-
sica da natureza.
O que se deveria compreender por "metafísica", e m todo caso, já
não é tão claro hoje e m dia. Autores c o m o Jürgen Habermas nomeiam
três razões fundamentais para o pensar metafísico: "A razão da unidade da
filosofia originária, a equiparação de ser e pensar, o significado salvífico da
orientação teorética da vida", o que significa u m "pensar identitário, uma
doutrina das idéias e u m forte conceito teorético" (HABERMAS, 1 9 9 2 , p. 3 6 ) .
Se orquestramos a metafísica de m o d o tão grandioso, então, junto c o m
Habermas, acabaremos chegando à conclusão de que historicamente ela
teria capitulado. Filósofos analíticos c o m o Donald Davidson, ao contrário,
defendem u m conceito de metafísica totalmente despretensioso. Segundo
Davidson, "a única possibilidade de fazer metafísica consiste e m investigar
a estrutura universal da linguagem" (DAVIDSON, 1 9 9 4 , p. 2 8 3 ) . Quando se
defende u m conceito de metafísica tão despretensioso, fica igualmente
difícil não fazer metafísica, c o m o afirma Habermas, dizendo que n o futuro
isso se tornará impossível.
Aqui não é o lugar de comparar diversos conceitos de metafísica, para
então decidir-se por u m determinado conceito; na filosofia da natureza
existe, porém, desde o século XVII, um critério relativamente claro a res-
peito do que se deve qualificar c o m o "metafísico", pelo menos nesse âm-
bito: é o emprego de categorias teleológicas, isto é, a suposição de que na
natureza haja valores, objetivos e fins. E essa tal suposição que é considerada
hoje em dia c o m o "metafísica", e habitualmente e m sentido pejorativo.
Nesse caso, costuma-se chamar a atenção para o fato de que, desde Galileu
(ialilei ou a fortiori desde Charles Darwin, a ciência moderna da natureza só
pode alcançar resultados desconectando-se das causas últimas; isso significa

to Introdução à Filosofia da Natureza


que todo aquele que ensina teleología da natureza deve necessariamente
retroceder a uma época anterior ao iluminismo científico.
Temos muito poucos motivos para qualificar a teleología da nature-
za c o m o urna forma de "metafísica r u i m " , e isso se mostra claramente
sobretudo a partir do âmbito ético-prático. C o m o se deverá mostrar mais
e m detalhes n o quinto capítulo, todos os modelos dejítica ecológica, não
antropocêntrica, sejam holistas, biocêntricas, pathocêntricas, ou seja lá o
que forem, todos eles deverão remontar a u m telos presente na natureza,
se quiserem declarar-se assim tão antimetafísicos, inclusive para fora. É
assim, por exemplo, que a filósofa Úrsula W o l f sustenta que sua ética da
compaixão, que se apoia e m Arthur Schopenhauer, está livre da metafí-
sica; no entanto, se devemos ter compaixão c o m os animais dotados de
sentimentos e paixões, então devemos supor neles u m interesse e m seu
próprio viver b e m e u m interesse e m evitar a dor ( e m contraposição,
por exemplo, às pedras, ervas e rios). A própria W o l f define, portanto, a
dor, no caso de seres dotados de sentimento, c o m o "impedimento de seu
querer" (WOLF in KREBS, 1 9 9 7 , p. 4 7 s s ) . Esse conceito é, todavia, inequi-
vocamente teleológico. A investigação que se segue irá mostrar que, n o
que diz respeito a nosso trato prático c o m a natureza, nós argumentamos
muitas vezes de maneira teleológica, porque propriamente não conse-
guimos fazer diferente. Por isso, não podemos nos livrar da suspeita de
que foi uma certa afeição antimetafísica, universalmente difundida, o que
levou muitos autores a ignorar a teleología da natureza, m e s m o ali onde
constantemente lançamos m ã o dela.

O uso de categorias teleológicas e m seu emprego na natureza deve


ser, portanto, legitimado, e junto c o m ele legitimar-se uma metafísica
nele implícita. Mas uma tal metafísica de m o d o algum deve buscar pre-
tensões de validez exageradas — criticadas c o m razão por Jürgen Haber-
mas — , c o m o uma fundamentação última, identidade de ser e pensar
etc. Também aqui se deve observar o princípio da economia metafísica, e
sobretudo não se deverá qualificar a natureza c o m o uma instância norma- !
! tizadora, pois na realidade isso significaria u m retrocesso da autonomia '
i_dp sujeito, conquistada na modernidade. Muitos autores são tão alérgicos i
a toda e qualquer teleología da natureza porque temem que c o m isso a
natureza acabe-se tornando fonte de normatividade. Mas não é toda fi-
nalidade que se converte sem mais numa norma. E visto que por muito
tempo imperou a convicção de que no fundo nós sabíamos exatamente o
que é "natureza", convicção que só foi abalada pela crise ecológica, e que
seria suficiente manejar a física, a química ou a biologia para ter clareza

Introdução 11
sobre seus conceitos, mostrou-se então não haver mais nenhuma filosofia
da natureza autônoma, se é que sob esse n o m e devamos compreender
algo mais do que a compilação dos resultados mais genéricos das ciências
positivas ou mais do que uma reflexão sobre seus métodos, no sentido
da teoria da ciência.
M e s m o assim, sempre houve filósofos (já foram mencionados Berg-
son, Bloch, Klages, Picht, Marcuse ou Teilhard) que individualmente
tentaram desenvolver o u pelo menos postularam uma filosofia da na-
tureza autônoma. Mas, fora dos escalões científicos, sempre de novo se
perguntou se realmente sabemos c o m precisão o que seja "natureza". No
entanto, c o m o essa pergunta, antes do final do século XX, não era aceita
universalmente c o m o uma questão fundamental, também as respostas
que se lhe ofereciam apresentavam algo de extremamente disparatado.
Não acontecia c o m o se dá na teoria do conhecimento, na filosofia da
linguagem, na ética filosófica ou na filosofia política, em que pensadores
de diversas correntes se encontram previamente n u m terreno c o m u m
para intercambiar seus argumentos. Quando, por exemplo, A. N. W h i t e -
head o u Bernulf Kanitscheider falam de " c o s m o l o g i a " , cada u m deles
tem e m mente algo totalmente diverso, algo que não permite qualquer
comparação imediata. Por causa dessa incomparabilidade dos princípios,
uma reflexão sistemática sobre o conceito de natureza precisa, antes de
tudo, procurar construir pela primeira vez uma certa comparabilidade
desses princípios bastante disparatados, para depois poder fundamentar
u m posicionamento racional.

Se apenas passarmos em revista, uma vez que seja, alguns títulos alea-
tórios relacionados c o m o tema da "filosofia da natureza", surgidos nos
últimos anos, então obteremos uma imagem que não poderia ser mais
disparatada: Erich Brock ( 1 9 8 5 ) escreveu uma filosofia da natureza a par-
tir de u m princípio existencialista, Reinhold Breil ( 1 9 9 3 ) , a partir de u m
princípio kantiano, Bernulf Kanitscheider ( 1 9 9 6 ) , a partir de u m princí-
pio científico, Raine? Koltermann ( 1 9 9 4 ) , a partir de u m princípio n e o -
escolástico, Maria Dürckheim ( 1 9 9 6 ) , a partir de u m princípio da mística
da natureza, Klaus Meyer-Abich ( 1 9 9 7 ) , a partir de u m princípio da filo-
sofia da identidade, Gernot B ö h m e ( 1 9 9 7 ) , a partir de u m princípio feno-
menológico e assim por diante. Nenhum desses trabalhos concorda c o m
qualquer outro nas premissas e, por isso, tampouco nos resultados.
Fizemos referência ao trabalho da Senhora Dürckheim porque essas
"filosofias espirituais da natureza" demarcam b e m os limites do que deve
ser tratado aqui. Filosofia não pode ser substituída por mística, m e s m o

12 Introdução à Filosofia da Natureza


que, via de regra, esses autores reivindiquem tal coisa. A experiência mís-
tica é uma experiência carismática especial, que não serve de base para
uma argumentação, compreendida de m o d o universal. Isso se torna cla-
ro também nos escritos de Ken Wilber. Wilber fala muitas vezes c o m o
profeta, nesse caso tanto se pode crer nele c o m o não crer, mas muitas
vezes ele argumenta de maneira b e m objetiva, e então sua argumentação
está totalmente independente de sua espiritualidade (WILBER, 1 9 9 8 ) . Em
todo caso, n o que segue não serão levadas e m consideração essas formas
de espiritualidade da criação, c o m o podem ser encontradas t a m b é m e m
Matthew Fox ( 1 9 9 3 ) e e m outros, visto não pertencerem à filosofia, o
que não representa n e n h u m argumento contra seu significado existencial.
Se estendermos nosso olhar para o passado, retrocedendo mais de
dez anos, veremos que ali o conceito de "filosofia da natureza" é ainda
mais diversificado. Nesse campo, n e m sequer se pode dizer que haja uma
série de autores considerados canónicos, c o m o por exemplo Aristóteles,
Kant, Schelling, Peirce, Quine, Carnap ou Popper, que deveriam ser leva-
dos e m consideração se quiséssemos estar legitimados n o assunto da "fi-
losofia da natureza", c o m o , por outro lado, se dá c o m o filósofo político,
que não pode ignorar Hobbes ou Rawls, e c o m o filósofo da linguagem,
que não pode ignorar Wittgenstein ou Strawson. Na filosofia da natureza
não existem filósofos canónicos, aos quais tenhamos obrigação de fazer
referência. Isso significa: propriamente falando, a disciplina da "filosofia
da natureza" de m o d o algum existe. É por isso que também esta investi-
gação pode representar apenas u m primeiro impulso para a discussão do
que deveremos compreender por "filosofia da natureza" n o futuro.
Tal modéstia se torna evidente t a m b é m e m outra perspectiva: o au-
tor está m u i t o mais familiarizado c o m a física do que c o m a biologia. Se
fosse o contrário, este livro apresentaria outras debilidades, igualmente
ocasionadas por lacunas de conhecimento. Mas jamais não teria n e n h u -
ma debilidade. -
1. O andamento da investigação se desenrola de tal m o d o que apre-
senta, logo n o primeiro capítulo e pela primeira vez, uma panorâmica
sobre os mais heterogêneos princípios. Esses princípios são divididos
grosseiramente e m quatro tipos, a fim de fundamentar u m posiciona-
mento próprio, argumentativamente fundamentado, n o exemplo de seus
representantes mais significativos. O desenrolar-se desse posicionamento
indica que sob ^ o ^ Q n ç e i t o d e " n a t u r e z a " não se deve compreender a to¿_
talidade de tudo que existe, mas u m âmbito que se destaca da cultura ou
da história. Ademais, mostra-se não fazer sentido reconhecer a natureza

Introdução 13
do nos estaria à m ã o n u m conceito monolítico, somos remetidos a uma
pluralidade de perspectivas, à luz das quais o m u n d o nos aparece sempre
como algo e jamais c o m o uma crua "coisa e m si". Metafísicos e fisicalistas
tentaram igualmente desativar essa perspectiva do conhecimento huma-
no através da perspectiva da unidade. Mas suas filosofias da identidade e
fórmulas universais acabaram não sendo m u i t o convincentes.
Todavia, para colocar uma o r d e m passível de ser realizada nas di-
versas perspectivas relacionadas à natureza, remontamos aqui, portanto,
a uma classificação aristotélica ou kantiana. Nesse trabalho, Aristóteles
torna-se importante porque sua filosofia da natureza continua desde sem-
pre possuindo uma relevância sistemática que se opõe ao preconceito c o -
m u m reinante. Ela deverá ser fortalecida aqui c o m o a detentora do espaço
do âmbito "físico" contra o "fisical", portanto do âmbito do m u n d o da
vida contra o âmbito científico.
Pelo conceito do "correlato", porém, deverá ficar claro que hoje
precisamos ver Aristóteles através dos óculos kantianos; do contrário se
perderia o pensamento constitutivo m o d e r n o , que liga a concepção kan-
tiana c o m concepções modernas, concepções cunhadas pela analítica da
linguagem. Segundo a opinião do autor, esse pensamento kantiano con-
tinua insuperável.
3. O capítulo sobre "natureza c o m o correlato do teorético", n o es-
sencial, é polêmico. Ele refuta as exageradas pretensões de validade so-
bretudo do fisicalismo e aqui novamente o muito difundido platonismo
fisicalista. Tal platonismo, muito divulgado também na teoria analítica da
ciência, bloqueia toda e qualquer filosofia da natureza diferenciada.
4 . N o capítulo sobre a "natureza c o m o correlato do técnico-prático"
mostra-se que, m e s m o hoje, ainda não conseguimos deixar de considerar
a natureza sob o enfoque teleológico. Não é assim que, ao entregarmos
a natureza à responsabilidade dos procedimentos experimentais da física
ou da química, já saibamos tudo sobre "natureza", u m procedimento que
continua absolutamente legítimo. Dando u m passo a mais, pela análise
dos procedimentos práticos a partir da biônica, cibernética, informática
etc. pode-se mostrar que esses procedimentos muitas vezes i m p õ e m u m
t é l o ç para dentro da natureza, o qual fica inacessível ao método fisical,
pois não foi criado para isso. Essa teleologia então é colocada e m relação
c o m a concepção de Aristóteles.
5. O capítulo sobre "natureza c o m o correlato do ético-prático", n o
essencial, trata de questões sobre a ética ecológica. Aqui se deve mostrar
que e m todas as formas de ética não-antropocêntrica, ecológica impera

16 Introdução à Filosofia da Natureza


u m problema ontológico não resolvido — é de certo m o d o a transposi-
ção da antinomia kantiana da liberdade para o campo da natureza exterior.
Essas formas de ética ecológica exigem uma ontologia não-reducionista,
c o m o foi desenvolvida exatamente neste trabalho.
6. O capítulo "Sobre a hermenêutica da natureza cientificizada"
procura cobrir uma lacuna que todo observador u m pouco mais atento
e m matéria de filosofia irá sentir c o m o desejável: a cada novo ano pro-
duzimos uma infinidade de novos modos teoréticos de ver os nexos da
natureza, mas quase ninguém se pergunta, uma vez sequer, sobre seu
significado. Simplesmente não está direito que, c o m o supõe o positivista,
nós simplesmente armazenemos e m manuais esses novos m o d o s de ver,
disponibilizando-os para o uso da suplantação técnica do universo. Não
existe sequer um único m o d o de ver esses nexos da natureza que não reper-
cuta diretamente na autocompreensão humana, e isso não só no sentido
trivial de que deveríamos dar u m basta a esse conhecimento quando a
matéria é descontínua em vez de ser contínua, quando a totalidade do
mundo se compara mais c o m uma b o m b a explosiva do que c o m u m
cosmos estático, quando, à base da segunda lei fundamental da termodi-
nâmica, as estruturas complexas têm a tendência de decompor-se etc.
É imperativo que tomemos conhecimento desses nexos objetivos;
porém, o que fica evidente também é que m e s m o u m cientista da nature-
za, de concepções positivistas, não pode deixar de avaliar esses nexos o b -
jetivos e integrá-los no círculo hermenêutico de sua autocompreensão. O
que acontece ali é uma interpretarão, que jamais será u m efeito secundário
dos nexos objetivos que lhe servem de base; antes, nessas interpretações
são comunicados u m conhecimento objetivo neutro e uma situação epo-
cal para a localização do h o m e m n o cosmos que nos circunda.
Essas afirmações se dão hoje de m o d o crescente sob a forma de uma
ciência popular que extrapola seus limites. E visto que não temos formas
de discussão que sejam pautadas e m princípios e legitimadas para essa
finalidade, e que possam nos proporcionar a mediação entre ciência e
mundo da vida, ou entre teoria e práxis, o que se dá é u m mercado flo-
rescente e s o m b r i o de ofertas de visão de m u n d o que aparentam conter
apenas implicações lógicas de teorias, a teoria de auto-organização, a
teoria quântica, a biologia molecular, a teoria da informação e t c , mas
que na verdade se encaminham na direção de especulações bastante ar-
bitrárias e pseudometafísicas.
O citado desarranjo teorético, que alcançou uma repercussão bastan-
te geral, faz c o m que o problema da mediação entre teoria e prática não

Introdução 17
mais seja considerado c o m o problema. Assim c o m o a tecnificação que
cresce de maneira vertiginosa deixa atrás de si os detritos do lixo indus-
trial, c o m o uma questão não resolvida, a cientificização da natureza gera
montanhas de lixo cognitivo e m forma de teoremas compreendidos pela
metade e não integrados na existência. A filosofia da natureza tem também
a tarefa de desenvolver estratégias para superar essa poluição semântica
do m e i o ambiente, que se instaura pelo fato de que estamos constante-
m e n t e produzindo novos conhecimentos, mas n e m de longe consegui-
m o s compreender o que sabemos ali.
A "filosofia da natureza" pode assim ser definida c o m o aquele saber
que faz a mediação entre teoria e prática n o âmbito da ciência e do m u n -
do da vida, sendo que o último detém o primado.

IH Introdução à Filosofia da Natureza


Capítulo 1
As diversas posições no espaço de
possibilidade da filosofia da natureza

O que se deve compreender por "natureza" ou "filosofia da natureza"


não parece ser muito claro, portanto. U m a olhada nos diversos ensaios
sobre o tema nos fornece assim uma imagem bastante inconsistente. Di-
versos autores c o m p r e e n d e m c o m o "natureza" a totalidade de tudo que
existe, seja n u m sentido metafísico ou materialístico, de tal m o d o que a
"filosofia da natureza" seria, sem mais, idêntica à "filosofia", u m a vez
que nada poderia escapar ao seu âmbito de competência. Outros ainda
acreditam que o conceito de "natureza" poderia ser suficientemente de-
terminado c o m o correlato da ciência da natureza, de m o d o que filosofia
da natureza nada mais seria que u m campo sintetizador para disponibi-
lizar didaticamente os resultados mais genéricos da ciência da natureza e
assim divulgá-los c o m o u m a ciência popular ou então refletir sobre eles
a partir de seus métodos.
Visto que o empreendimento chamado "filosofia da natureza" se
desenvolve de maneira totalmente diversa dependendo de qual posição
vem referida nessas questões fundamentais, é necessário então, antes de
tudo, abrir o espaço de possibilidades dentro do qual se pode definir tal
empreendimento, para depois decidir qual a concepção de "filosofia da
natureza" que se pode apoiar c o m os melhores argumentos. Isso porque,
aqui, desde o princípio nada está claro. Não está claro que o conceito de
"natureza" seja u m mero conceito regional n e m que seja u m conceito
totalitário; não está claro que seja possível determiná-lo suficientemente
c o m o correlato da ciência da natureza n e m que não tenhamos modos
de acesso não-científicos e m relação à "natureza", c o m o quer que seja a
constituição individual desses.
De imediato então vamos introduzir duas distinções básicas, que
não estão apoiadas sobre o m e s m o vértice lógico, podendo, portanto, ser
combinadas aleatoriamente:
A primeira distinção refere-se à concepção de uma natureza c o m o
soma ou totalidade de tudo que existe ( N a t ) , de m o d o que nada haveria
tot

que não fosse "natureza"; depois a concepção de uma natureza c o m o u m


âmbito regionalmente determinado, que não abrange tudo que existe e m
geral (Nat ) , portanto eventualmente deverá sofrer delimitação diante

19
do âmbito da "cultura" e da "história". A outra distinção, independente
desta do ponto de vista lógico, refere-se à natureza c o m o m e r o correlato
da ciência da natureza (Nat . ), ou à natureza c o m o u m dado que per-
ck n

mite diversos modos de acesso, modos não redutíveis entre si; portanto,
natureza c o m o uma grandeza que deve ser compreendida de maneira
pluralista (Nat , ), a qual não só pode ser calculada, mas sempre que pos-
p ur

sível também deve ser compreendida, ou que suas propriedades estéticas


e morais talvez possam ser resgatadas pelo conhecimento. Desse m o d o ,
surgem dois pares de opostos:

Nat tot — Nat reg

N
at a e n —Nat p i u r

Na medida em que essas duas distinções podem ser combinadas,


surgem quatro possibilidades de combinação, as quais realmente corres-
pondem a posições defendidas de fato, e que devem ser discutidas e m
seus detalhes, visto que u m posicionamento nesse espaço de possibilidade
precisa ser sustentado argumentativamente, na medida e m que não é evi-
dente por si mesmo, embora existam filósofos da natureza que prefiram
considerar que seu posicionamento dentro desse espaço de possibilidade
não tem a obrigação de apresentar fundamentação. Isso vale sobretudo
para filósofos que pressupõem, de m o d o inquestionável, que a natureza
seria precisamente "tudo que há" ( N a t ) , ou então para filósofos que,
lot

sem questionar, partem do pressuposto de que as ciências da natureza já


saberiam tudo o que há para dizer sobre natureza ( N a t den ).
Baseados nessa combinatória, então, quatro são as posições a ser exa-
minadas:

N
at, o t / c i e n

^*^reg/cien
at
N reg/plur

^Aposição N a t tot/cien é sustentada por muitos teóricos da ciência analí-


tica ou físicol7físiciIistãs, c o m o por exemplo W v. O. Quine, C. G. H e m -
pel, Wolfgang Stegmüller ou Bernulf Kanitscheider. Para esses, a "nature-
za" designa a totalidade de tudo que existe, o que pode ser apreendido
suficientemente c o m u m esquema fisicalista.

20 Introdução à Filosofia da Natureza


A posição Nat „, , é defendida muitas vezes por filósofos que vêem
t /r vr

n o conceito de "natureza" uma última instância, a qual, todavia, só se


revela para u m a pluralidade de m o d o s de acesso irredutíveis. Represen-
tantes clássicos de tal posição são Ch. S. Peirce, A. N. Whitehead, mas
também autores c o m o Hans Jonas ou Klaus Meyer-Abich. Todavia, essa
concepção não precisa necessariamente se mostrar na figura de uma
metafísica assim tão cheia de pressupostos. C o m o exemplo, a própria
filosofia da natureza de Ernst Bloch poderia ser compreendida sob esse
enfoque, assim c o m o e m geral o marxismo possuiria u m conceito não
reducionista de natureza, c o m o uma totalidade de tudo que existe. Na
seqüência de nosso trabalho, não vamos expor n e m aprofundar a filo-
sofia da natureza de Bloch, visto que seria preciso elaborar uma crítica
mais detalhada da teoria da sociedade que lhe serve de fundamento, o
que extrapola o alcance dessa investigação.
Diante da posição Nat tot/p]ui , a posição N a t ^ ^ é muito mais divulgada
e, à primeira vista, muito mais plausível. Alimenta-se da reputação indiscu-
tível que puderam alcançar as ciências da natureza e m relação a sua região
de objetos, ligando a isso uma imagem não-reducionista do ser humano,
para o que é possível apresentar igualmente bons argumentos. Quem cos-
tuma defender essa posição são os representantes da "Escola de Erlangen",
portanto autores c o m o Paul Lorenzen, Jürgen MittelstraB, Friedrich Kam-
bartel ou Peter Janich, mas também filósofos analíticos, que nada têm a ver
c o m essa escola, c o m o por exemplo Donald Davidson ou Hilary Putnam.
A posição que deve ser fortalecida aqui, a saber, a combinação
N a t ^ ^ ^ é seguramente a posição de uma minoria, visto estar constrangi-
da à necessidade de contestar a pretensão das ciências da natureza de que-
rer tudo explicar, justamente onde essa pretensão festeja seu maior triunfo,
a saber, n o domínio da natureza. A primeira vista, essa posição apresenta
b e m poucos pontos a seu favor, razão pela qual também o cientismo c o -
mumente não é colocado em questão em relação à natureza, mas e m rela-
ção ao h o m e m , c o m o por exemplo na ampla discussão sobre a "relação-
corpo-alma", sobre "a causação mental" e, b e m e m geral, na questão a
respeito do "naturalismo" na filosofia analítica ou ainda na questão pela
possibilidade de uma fisicalização do social e dos limites de u m "engeneering
social", c o m o é o caso em K. O. Apel ou Jürgen Habermas.
Todavia, sem querer colocar e m dúvida a dignidade de tais contextos
de discussão, parece ser inconseqüente negar o ponto de vista reducio-
nista em relação ao ser humano e aceitá-lo em relação à natureza. E isso é
inconseqüente porque também o h o m e m é u m ser da natureza, e porque

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 21

I
não se pode ver facilmente a razão por que, n o todo da natureza, devês-
semos abrir uma exceção, sem qualquer analogia, de tal m o d o que para
a descrição do h o m e m seria necessário lançar m ã o de categorias comple-
tamente diferentes das categorias usadas para descrever o restante da nature-
za. Nessa posição N a t reg/Cien , que é muito difundida, parece estar atuando
ainda u m resto daquele dualismo que, desde Descartes até Kant, tende a
não só distinguir os discursos sobre o aspecto mental e o físico, o que é
necessário, mas separá-los de tal m o d o que acabam não mais podendo
ser relacionados entre si.
A discussão desenvolvida dentro deste capítulo introdutório deverá
mostrar então que, numa análise mais aprofundada, a posição N a t reg/plur

comporta muito menos pressupostos do que parece à primeira vista.


Agora, então, devem-se discutir as quatro posições mencionadas, na
ordem seqüencial e m que foram introduzidas:

Nat tot/den

N a t
to,/plur
N a t
reg/cien

N^reg/plur

1.1 A natureza como totalidade de tudo o que


existe apreendida cientificamente (Nat tot/cien )

Nat, ot/cien é de certo m o d o a posição mais "rígida". Pressupõe nada haver


neste m u n d o que possa se subtrair ao m o d o de explicitação da ciência da
natureza, e m caso extremo inclusive a própria física teorética. O fisicalis-
mo, todavia, se apresenta numa configuração totalmente diversa. Por um
lado, naturalmente, c o m o a convicção dos físicos teoréticos — convicção
que ainda não foi profundamente questionada — segundo a qual eles
seriam competentes para responder a tudo. Tal convicção era defendida
por exemplo por Max Planck, Albert Einstein e o é, ainda hoje, por físicos
c o m o StevenWeinberg ou FrankTipler. No exemplo de Weinberg deve-se
mostrar que esse fisicalismo repousa em absolutizações dogmáticas difí-
ceis de ser justificadas.
U m fisicalismo argumentativamente fundamentado existe de fato
desde os anos vinte, no "círculo de Viena", portanto e m autores c o m o
Rudolf Carnap, Moritz Schlick ou Otto Neurath. Essa tradição do fisica-
lismo foi levada avante por teóricos da ciência c o m o Ernest Nagel, C. G.

22 Introdução à Filosofia da Natureza


Hempel, W v. O. Quine, Wolfgang Stegmüller.W K. Essler etc. Mas, antes
de tomar o caminho r u m o a essa corrente de pensamento, é preciso m e n -
cionar o problema central do fisicalismo: o h o m e m .

1.1.1 O erro d a ciência ao buscar dimensionar o homem

Se o fisicalismo é verdadeiro o u não, isso não se decide na natureza, mas


no h o m e m . Na presente investigação devem-se apresentar razões que jus-
tifiquem por que o fisicalismo não é verdadeiro sequer para a natureza;
a verdadeira demonstração de veracidade para o fisicalismo, n o entanto,
deve ser buscada n o h o m e m . Visto que sobre esse tema existe uma vasta
gama de escritos que não pertencem ao âmbito de competência da filoso-
fia da natureza, não será possível repetir aqui os prós e os contras próprios
do debate entre corpo e alma o u entre cérebro e espírito. O autor deste,
todavia, é de opinião de que os naturalistas, isto é, aqueles que defendem
que as ciências da natureza explicitam plenamente o ser humano, são os que
possuem os mais fracos argumentos diante de seus adversários.
Via de regra, o reducionista fisicalista se vê obrigado a apelar para
pressuposições u m tanto exóticas, quando busca explicitar o ser h u m a n o
em toda e qualquer perspectiva a partir das ciências da natureza, de tal m o d o que
é de admirar que essa posição já não tenha sucumbido há muito tempo.
Assim, por exemplo, o filósofo HolmTetens defende u m a imagem fisica-
lista do ser h u m a n o ; ele postula que não há qualquer diferença entre ci-
bernética neurológica e física, considerando que basta essa "ciência" para
"explicitar" o comportamento humano, na medida e m que investiga as
normatividades correspondentes que ligam nossas cognições c o m nossas
ações (TETENS, 1 9 9 4 ) .
O autor imagina evidentemente que se pode colocar o ser h u m a n o
sobre uma plataforma de testes e fazer experiências c o m ele c o m o se
faz c o m u m automóvel, a fim de testar seus m o d o s de funcionamento
internos. Sem dúvida, n u m tal "arranjo de ensaios", surgirão resultados
de toda ordem, tanto para o automóvel quanto para o h o m e m . De fato, a
"psicologia do c o n h e c i m e n t o " é muito bem-sucedida c o m esses métodos
(cf., por exemplo, ANDERSON, 1 9 9 6 ) .
E evidente que n o h o m e m , condicionado a evoluir, existem nexos
neuronais firmemente interligados, passíveis de serem submetidos a uma
tal intervenção nomológica. Todavia, há boas razões para colocar e m dú-
vida que, c o m esse tipo de procedimento, se possa obter u m conceito

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 23


satisfatório para o ser humano. U m exemplo é que esse "arranjo de ensaios"
abstrai totalmente da inserção histórica, social e normativa do ser huma-
no. Já para o automóvel, uma tal inserção é essencial. Conhecendo apenas
os dados experimentais da plataforma de testes, ainda não se compreen-
deu c o m o isso se dá na realidade; é preciso saber, além disso, quais foram
as condições históricas, sociais e normativas que nos levaram a solucionar
nossos problemas de transporte por m e i o do automóvel, c o m o o fazemos
hoje. U m princípio que já é tão fraco para o automóvel, por que deveria
ser suficiente para o ser humano?
O naturalismo, portanto a concepção de que podemos "explicar"
suficientemente o ser humano c o m os recursos da ciência da natureza,
sobrecarrega-se c o m problemas quase insolúveis. E , visto que não pode
ser tarefa deste livro apresentar esses problemas de forma mais aprofun-
dada, vamos acrescentar ainda apenas uma observação sintomática para a
debilidade do naturalismo: Na coletânea sobre naturalismo, reunida e pu-
blicada recentemente n u m volume por Geert Keil e Herbert Schãdelbach,
são apenas seis os autores que defendem u m assim chamado naturalismo
"não-reducionista", d o tipo e m que se admitem categorias intencionais, a ir-
redutibilidade da perspectiva da primeira pessoa, a amplidão de todas as
ciências, portanto não só a física e a química, mas também a jurisprudên-
cia, a psicologia o u a ciência da literatura etc. Os autores chamam a isso
tudo de "naturalismo" (KHL/SCHNÃDELBACH, 2 0 0 0 ; cf. t a m b é m KEIL, 1 9 9 3 ) .

É de se perguntar, todavia, se tais empréstimos não são apenas u m


m o d o cortês de se afastar do programa c o m o u m todo. O conceito de
"naturalismo" se define pela relação constitutiva c o m as ciências da na-
tureza. Se agora, então, para descrever o ser humano, admitem-se todas
as ciências d o espírito, o uso de categorias intencionais, a perspectiva
insuperável da primeira pessoa e t c , então isso já não pode ser chamado
de "naturalismo", pois, desse m o d o , o conceito de natureza já carece de
definição. Correspondentemente, n o livro de Kail/Schnãdelbach já não se
encontra nenhuma tentativa relevante, por parte dos naturalistas "não-re-
ducionistas", de esclarecer seu conceito de natureza, o que naturalmente
seria necessário, visto que querem renunciar às ciências da natureza c o m o
o definiens de sua empreitada.
Semelhantes objeções devem ser apresentadas contra as assim cha-
madas "ciências cognitivas", as quais apresentam uma mistura b e m c o n -
fusa de informática, semiótica, filosofia e antropologia (para isso: G O L D /
ENGEL, 1 9 9 8 ) .

Agora, então, debrucemo-nos sobre o fisicalismo e m sentido estrito:

24 Introdução à Filosofia da Natureza


1.1.2 O fisicalismo dogmático: Steven Weinberg

É evidente que u m físico não deve ser u m fisicalista. Werner Heisenber,


por exemplo, refutou decididamente o fisicalismo (assim, sobretudo
em: HEISENBERG, 1 9 8 9 ) . M e s m o assim, u m a construção fisicalista do uni-
verso carrega e m si algo de sugestivo, algo que aparenta ser desejável,
ou seja, que tudo que existe poderia ser c o m p r i m i d o algoritmicamente
para dentro de uma fórmula simples. Esse desejo aparece muitas vezes
figurado na crença e m uma "fórmula universal". A "fórmula universal"
é c o m u m e n t e identificada c o m uma "teoria unificada de c a m p o s " , por-
tanto u m a teoria capaz de unificar n u m formalismo as quatro forças
conhecidas, efeito recíproco fraco e forte, força eletromagnética e gra-
vitacional. Stephen Hawking, que fez importantes contribuições para a
cosmologia quântica, identifica por exemplo tal teoria unificada de c a m -
pos c o m o pensamento de Deus antes da criação do m u n d o (HAWKING,
1 9 8 8 , p. 2 1 8 ) , sem que fique evidente onde ele referencia sua pretensão
de validade. Steven Weinberg, que recebeu o p r ê m i o Nobel pela unifica-
ção de efeitos recíprocos fracos e eletromagnéticos, vai ainda mais longe.
Ele agrava u m a "teoria unificada de c a m p o s " c o m a reivindicação de ser
"definitiva" e de ser "logicamente compulsória": " o m e l h o r a fazer é
caracterizar a teoria definitiva c o m o algo tão rigoroso que toda e qual-
quer tentativa de modificação, m e s m o que insignificante, leva a absurdos
l ó g i c o s " (WEINBERG, 1 9 9 2 , p. 24-25).

E claro que essas tais pretensões de validade não se apoiam numa


ciência empírica, c o m o a física, pois não sabemos se as quatro forças
fundamentais conhecidas até o presente são todas as forças que d o r m i -
tam nas profundidades da matéria, e conseqüentemente não teríamos n e -
n h u m processo para poder qualificar qualquer teoria c o m o "definitiva";
tal teoria t a m b é m não poderia mais ser falsificada, e, portanto, já por
essa razão, não seria mais uma teoria empírica; sobre isso, para todas as
teorias, existem formulações logicamente equivalentes, fundamentadas
e m pressupostos ontológicos diversos ( c o m o por exemplo, ontologias
das partículas de campo na teoria quântica), e, por fim, toda e qualquer
teoria fisicalista é, empiricamente, indeterminada, isto é, sempre existe
a possibilidade de se "esclarecer" u m certo rol de dados de medidas por
teorias logicamente não-equivalentes, as quais então, ipso facto, não estão
ancoradas nos mesmos pressupostos ontológicos fundamentais.

Nesse contexto, vale a pena analisar mais de perto a concepção do fí-


sico Steven Weinberg, porque nele o mecanismo que leva a essas exageradas

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 25

I
pretensões de validade torna-se especialmente evidente. Esse mecanismo foi
descrito por Kant há mais de duzentos anos, e m sua Crítico da razão pura. Con-
siste n o fato de que o h o m e m tem u m impulso insaciável por metafísica, o
qual o seduz constantemente a elevar o condicionado até o incondicionado,
a trocar as fórmulas categoriais da ciência pelas "idéias" transcendentais, e a
transformar os fenômenos e m "coisa e m si" verdadeira.
Precisamente esse último se torna bastante evidente e m Weinberg.
Ele simplesmente não conta c o m o fato de que, n o experimento fisical,
a natureza poderia aparecer meramente c o m o aquela natureza que se dá
conforme os condicionamentos experimentais, mas diz enfaticamente:
"Eu, porém, falo da natureza, ela m e s m a " (WEINBERG, 1 9 9 2 , p. 6 2 ) . O
m e s m o se deu no Idealismo Alemão c o m Schelling: "O filósofo da natu-
reza se coloca n o lugar da natureza" (SCHELLING, 1 /IV, p. 5 3 0 ) .
Essas elevadas pretensões não podem ser resgatadas a partir de uma
metafísica especulativa n e m de uma teoria de campo moderna. Kant, ao
contrário, concedeu validade a essa "idéia" apenas e m seu caráter regula-
dor, isto é, o incondicionado se manifesta ao cientista e m sua pretensão
de encontrar a unidade dos princípios por trás da multiplicidade de ma-
nifestações. Kant comparou esse mecanismo a u m focus imaginarius (Crp, B ,
p. 6 7 2 ) , isto é, u m ponto de unidade meramente virtual. É interessante
ver que Weinberg, que confessa abertamente não ler fundamentalmen-
te n e n h u m filósofo, escolhe exatamente a mesma comparação: "Imagine
que o espaço dos princípios científicos está tomado por setas que se di-
rigem cada uma para u m princípio, partindo de outros princípios, pelos
quais esse princípio encetado recebe explicação. Nesse meio-tempo, essas
setas esclarecedoras denunciam u m modelo reconhecível: elas não for-
m a m amontoados separados, sem pertencimento mútuo, os quais estão
representando ali as ciências singulares, n e m sequer perambulam sem
finalidade, mas têm todas u m mútuo pertencimento, e, quando as per-
seguimos e m seu caminho de retorno, parecem surgir, todas elas, de u m
ponto de partida c o m u m . Esse ponto de partida, e m direção ao qual todas
as explicações devem ser perseguidas e m seu retorno, é o que eu compre-
endo por teoria definitiva" (WEINBERG, 1 9 9 2 , p. 1 3 ) .

Mas, diferentemente de Kant, Weinberg considera essa idéia passí-


vel de ser realizada. Na posse de uma "fórmula universal", ele acredita
poder deduzir tudo que existe. Numa entrevista dada à revista Spiegel, u m
redator faz mais ou menos a seguinte intervenção: "Não sabemos, n e m
sequer, c o m o a vida surgiu na terra ou c o m o funciona a consciência
h u m a n a " . E Weinberg responde: "Sim, mas isso não é n e n h u m mistério

26 Introdução à Filosofia da Natureza


fundamental, pois sabemos qual a forma de esclarecimento que e n c o n -
traremos u m dia: tudo o que acontece n o cérebro está ancorado nas leis
da química e da física" (WEINBERG, 1 9 9 9 , p. 1 9 2 ) . Isso significa, portan-
to, que, se uma vez na vida detivermos a posse dessa "fórmula univer-
sal", m e s m o nos complexos não poderá mais haver nenhuma qualidade
emergente. Quão improvável é tal coisa, demonstrou Hilary Putnam num
exemplo simples e convincente:
Se temos uma tábua c o m dois buracos, u m redondo e o outro qua-
drado ( o diâmetro e a medida dos lados são iguais), c o m o é possível
explicar que u m a cavilha quadrada passe por u m buraco, mas não passe
pelo outro? Para explicar isso não é preciso lançar m ã o de qualquer tipo
de moléculas ou de microestruturas, pois um grego, c o m uma teoria dos
quatro elementos totalmente falsa, poderia fornecer essa explicação de
m o d o tão preciso quanto nós. Mas, se por outro lado se procura esclarecer
essa questão pela via da microfísica, será preciso introduzir condiciona-
mentos marginais nas leis da microfísica, que do ponto de vista dessas leis
são totally accidental ("this atom is here, this carbón atom is there, and so forth"). E visto
que "explicar" é = "deduzir a partir de leis", e que esses condicionamen-
tos marginais são contingentes e m relação a tais leis, então m e s m o esse
estado de coisas simples não pode ser deduzido a partir da física teorética.
Mas se é esse o caso, então, pergunta Putnam, que razões teríamos para
acreditar que, por exemplo, as leis da e c o n o m i a podem ser deduzidas das
leis fisicais? (PUTNAM, 1 9 7 5 , p. 2 9 5 s s ) .

Porque é possível fazer objeções tão fundamentais contra o fisicalis-


mo, esse acabou perdendo muito de sua atratividade. Mas na Alemanha
ele continua sendo sustentado por autores c o m o Bernulf Kanitscheider,
que tanto quanto Schelling está convencido de poder olhar para dentro da
" i m o da natureza" (KANITSCHEIDER, 1 9 9 6 ) .

1.1.3 O fisicalismo da teoria da ciência: Wolfgang Stegmüller

O fisicalismo dogmático defendido por alguns físicos praticantes foi


m e n c i o n a d o aqui porque continua influente, motivando concepções de
mundo, e muitas vezes ainda c o m o pano de fundo da corrente de argu-
mentos, c o m lavra refinada, dos teóricos da ciência analítica, e porque
fornece a priori o esquema seguido por u m platonismo fisicalista bastante
difundido; esse platonismo deverá ser exposto e criticado e m seus deta-
lhes no ponto 3 . 3 .

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 27


Ademais, parece ser importante fazer referência não só aos teóricos
da ciência, mas igualmente aos cientistas que trabalham empiricamente.
Entre esses dois grupos existe u m a estranheza mútua que não poderia
ser maior.
Foi precisamente Steven Weinberg que se manifestou de m o d o bas-
tante negativo e m relação a isso: a teoria da ciência nada mais seria que
"uma glosa marginal e obsequiosa da história e das descobertas da ciên-
c i a . . . Eu não c o n h e ç o ninguém que tivesse tomado parte ativa no progresso
da física, n o período pós-guerra, e cujo trabalho investigativo tivesse tido
algum incentivo pela atuação de algum filósofo, de m o d o que merecesse
ser m e n c i o n a d o " (WEINBERG, 1 9 9 2 , p. 1 7 4 - 1 7 5 ) .
Mas era isso que reivindicava para si a teoria da ciência desde o
começo. Segundo Rudolf Carnap, o emprego da lógica formal moderna
não deveria apenas desempenhar o papel de post-festum, mas sim facilitar
a criação de novos conceitos, a formulação de novas suposições ousadas"
etc. (CARNAP, 1 9 8 6 = ' 1 9 6 6 , p. 287).

Mas não foi o que aconteceu. O caminho que vai da ciência para
a teoria analítica da ciência ficou sendo uma via de m ã o única intra-
acadêmica. Na realidade, esse novo tipo de teoria da ciência não exerceu
qualquer influência n o empreendimento científico, e se os novos projetos
irão ter mais sucesso, isso ainda precisa ser mostrado.
Ademais, visto que muitas vezes a teoria da ciência possui u m con-
ceito de ciência bastante estreito, muitos físicos agenciam sua filosofia
passando ao largo da teoria da ciência, o que naturalmente acaba desem-
bocando muitas vezes num diletantismo. Por outro lado, é justamente
em "físicos filosofantes" que muitas vezes se encontram também estímu-
los (cf. abaixo, 2 . 2 ) que fazem falta e m muitos teóricos da ciência. Por
exemplo, são poucas as vezes em que eles investigam os componentes
metafísicos ideais do processo científico, aquilo que foi exposto n o pará-
grafo anterior. ( U m a exceção para isso é, por exemplo, Hans Poser, cuja
metafísica corresponde amplamente à metafísica defendida aqui [POSER,
2 0 0 1 , p. 201 ss].) Mas, se fosse possível dar u m b o m conselho ao filósofo
da natureza, então seria b o m ele não se restringir à teoria da ciência, li-
mitando-se a acompanhar a estreiteza de seus procedimentos metafísicos,
o que não significa que se deva ignorá-los.
Entre os teóricos da teoria analítica da ciência, que defenderam o
fisicalismo até o final e c o m todo rigor, destaca-se Wolfgang Stegmüller.
Seu fisicalismo, cujo fracasso deve ser esboçado aqui, é muito mais con-
seqüente do que o dos assim chamados "naturalistas não-reducionistas",

28 Introdução ã Filosofia da Natureza


mencionados e brevemente caracterizados n o parágrafo anterior. É só um
naturalismo rigorosamente reducionista c o m o o de Stegmüller que pode
fracassar de maneira largamente didática.
Stegmüller colocou nas mãos da física, de maneira conseqüente,
tudo que existe, tanto processos históricos c o m o processos psíquicos ou
processos da consciência, tanto Freud quanto Marx. Foi só na medida e m
que ele levou a efeito seu programa de maneira conseqüente e e m toda
sua amplidão que se tornaram visíveis seus limites. De princípio, ele par-
tiu de uma posição carnapiana, e o centro dessa posição era ocupado só e
puramente pelas análises sintáticas. Mais tarde, Carnap aceitou também a
semântica, mas apenas n o sentido de uma semântica extensional tarskia-
na. Stegmüller seguiu imediatamente esse esquema, na medida e m que
sua teoria da ciência consistia sobretudo em análises lógico-sintáticas,
especialmente e m linguagens da ciência já formalizadas, c o m o por e x e m -
plo a linguagem da física teorética. É verdade que se reconheceu que a
linguagem cotidiana é a derradeira metalinguagem de todas as linguagens
formais, todavia não se fez mais qualquer uso de seu efeito fundante,
do m e s m o m o d o c o m o ele, Stegmüller, chegou até a chamar a atenção
para a remissão constitutiva da física teorética para c o m instrumentos de
medida a serem construídos manualmente, sem n o entanto ter refletido
sobre isso no sentido de um "a priori instrumental", c o m o fez a "Escola
de Erlangen" (STEGMÜLLER ( W T ) (I, p. 7 0 ; I I / 1 , p. 4 6 9 ) . Para tal posição,
os pressupostos pragmáticos do processo científico são contingentes, n o
sentido do context of discovery de Popper, que pode ser descartado e relegado
à mera psicologia investigativa.

No curso de sua evolução, Stegmüller acabou adotando a postura de


Hempel, o qual passou de esclarecimentos dedutivo-nomológicos (DN)
para indutivo-estáticos (IE), procedimentos feitos nos últimos escritos de
Hempel. A passagem dos esclarecimentos DN para IE torna-se necessária
quando, por m e i o da teoria da ciência, se quer alcançar o caráter estático
da teoria quântica e quando se defende a opinião de que os esclarecimen-
tos DN são casos específicos de esclarecimentos IE, enquanto não se pode
fazer o contrário.
Esclarecimentos DN, pelo menos na opinião de Stegmüller, podem
ser feitos sem recurso a relativizações pragmáticas. N o caso dos esclareci-
mentos IE, a "pragmática" empreendida n o sentido de Hempel se pauta
numa referência "essencial" para c o m "situações concretas do saber" ou
para a relativização a u m determinado círculo de pessoas ou a u m perío-
do de tempo. Stegmüller reconhece que nesse caso se deve enriquecer a

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 29

1
semântica formal c o m u m a semântica intencional (STEGMÚLLER [ W T ] I,
p. 4ss; p. 9 5 4 ) . E importante ver que Stegmúller reelaborou a segunda
edição de sua "Teoria da ciência", n o sentido de u m a tal semântica inten-
cional, o que corresponde a uma revisão de seu princípio fundamental,
sendo que ali, e m todo caso, ele minimaliza a função da pragmática. Esta
corresponderia a u m "nível inferior" do conhecimento científico (STEG-
MÚLLER [ W T ] I, p. 118).

O que Stegmúller não revisou, n o entanto, foi sua concepção de e m -


pregos proposicionais c o m o "querer", "desejar", "suspeitar", "acreditar"
etc., os quais ele exige que sejam acomodados n u m "sistema teorético do
nível e da precisão da teoria do eletromagnetismo". Isso poderia aconte-
cer, segundo ele, reduzindo a teleología da ação a uma causalidade moti-
vadora, reduzindo a causalidade motivadora a uma normatividade neuro-
fisiológica, a qual, por seu turno, deveria ser reconduzida a mecanismos
físico-químicos, nos quadros das análises cibernéticas. Desse m o d o seria
possível vislumbrar a "ingenuidade" filosófica das explicações teleoló-
gicas, e junto c o m essa a ingenuidade e possibilidade de substituição de
todas as expressões que se relacionam c o m o mental (STEGMÚLLER [ W T ] ,
vol. I, p. 4 5 2 ; p. 7 0 3 s s ) .
Stegmúller acolheu, portanto, a esperança tradicionalmente ligada
à cibernética de que essa disciplina prestaria ajuda a u m reducionismo
fisicalista, de tal m o d o que c o m seu auxílio seria possível traduzir toda e
qualquer frase que falasse a respeito de "fins", "valores" ou "objetivos",
numa frase equivalente que já não conteria n e n h u m conceito teleológico
(para a crítica dessa posição difundida, cf. 4 . 5 ) .
Mas esse reducionismo é colocado em questão a partir de outro
ponto: a partir de u m determinado ponto de seu desenvolvimento, Steg-
múller adota o "estruturalismo" de J. D. Sneed, segundo o qual se pode
caracterizar uma teoria, en bloc, por m e i o de u m "predicado teórico cole-
tivo". Ele adota, ademais, o conceito de Sneed a respeito doT-teórico, o
qual diz que numa teoria pode haver grandezas cujos valores não podem
ser calculados, sem remontar a essa teoria T ela mesma. Essa concepção
conteria outras "relativizações pragmáticas" que caminham na direção
da necessidade de definir a Scientifie Community por m e i o do "objetivo
c o m u m de investigação". A concepção de Sneed conduziria a u m "equilí-
brio reflexivo" entre a história da ciência e a teoria da ciência (STEGMÚLLER
[ W T ] , I I / 2 , p. 27ss; I I / 3 , p. 1 1 0 , 3 4 6 ) .
C o m esse passo, o esquema originário d e s e m b o c a n o absurdo, pois
não faz mais sentido querer reduzir todas as teleologías da ação à físi-

30 Introdução à Filosofia da Natureza


ca e à q u í m i c a c o m o auxílio da cibernética, u m a vez que essas discipli-
nas de m o d o algum p o d e m ser determinadas sem lançar m ã o de finali-
dades da ação.
Em suma, n o exemplo de Stegmüller se mostra que o fisicalismo
implantado t e m a tendência de derribar e converter-se e m seu contrá-
rio. Contra a própria vontade, acaba se apresentando aqui, espontanea-
mente, o "primado do prático", colocado c o m o ponto central pelos
construtivistas de Erlangen. A partir daí pode-se compreender t a m b é m
por que Stegmüller jamais t o m o u c o n h e c i m e n t o realmente dessa reli-
gação c o m a práxis reivindicada pela escola de Erlangen. É assim, por
exemplo, que ele examina as reflexões alternativas principiais de Paul
Lorenzen, sobre a fundação técnico-prática da física, e as examina so-
m e n t e a partir d o aspecto do cálculo e n ã o a partir do d e s e m p e n h o
fundante n o aspecto prático (STEGMÜLLER [ W T ] I , p . 5 1 8 ; I I / 2 , p . 6 1 - 6 2 ;
III, p. 4 - 5 ) . Ele trata da relação experimental da física igualmente apenas
de m o d o marginal. Nesse tipo de teoria da ciência, contextos de ação
p e r m a n e c e m fora e afastados.
Não é só o desenvolvimento imanente de Wolfgang Stegmüller que
aponta para o fato de que toda teoria lança m ã o de maneira constitutiva
de contextos pragmáticos. No círculo de autores c o m o Stephen Toulmin,
Norwood Hanson ou Imre Lakatos, tem-se falado de m o d o direto de uma
"guinada pragmática" ou "contextual" na teoria da ciência. C o m base
nesses passos, já faz u m b o m tempo que o fisicalismo já não dispõe da
aceitação que ele podia reivindicar para si n o tempo do "Círculo de Vie-
na", de tal m o d o que se pode falar de u m a "auto-suspensão do fisicalis-
m o pela teoria da ciência".
Ademais, essas reflexões de fundo da teoria da ciência não repre-
sentam o objeto explícito da filosofia da natureza, em todo caso não n o
sentido e m que esta é compreendida aqui. Por isso, é preciso restringir-se a
essas poucas observações que simplesmente apontam para o déficit de ar-
gumentos n o esquema fisicalista ou naturalista. Mas para o âmbito estrito
da filosofia da natureza esse trabalho fornece alguns argumentos antinatu-
ralísticos. Assim, n o ponto 3 . 4 , deverá ser mostrado que, do ponto de vista
puramente interno do fisicalismo, não se pode justificar n e m sequer o
conceito de "matéria". A fortiori, o conceito de uma teleologia da natureza,
a ser legitimado n o capítulo 4 , destruirá todo e qualquer fisicalismo.
Conclusão: a posição N a t , ot/cien parece fracassar n o fato de precisar
outorgar ao esquema de explicitação fisicalista u m alcance difícil de ser
justificado.

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 31


1.2 Natureza como totalidade de tudo o que existe e que se
abre a uma pluralidade de perspectivas irredutíveis (Nat, | ) ot/p ur

Essa posição não se expõe às mesmas objeções elementares que reivin-


dica para si um fisicalismo referido à totalidade de tudo que existe, u m
fisicalismo que considera seus modos de explicitação suficientes para es-
gotar todas as suas possibilidades. Isso porque aqui não se ensina um
fisicalismo reducionista; antes, a posição N a t tot/plur abre uma pluralidade
de perspectivas, estabelecendo-as numa unidade conceituai mais elevada,
por m e i o de conceitos mais abrangentes.

1.2.1 C h . S. P e i r c e e A. N. Whitehead

Autores c o m o Ch. S. Peirce ou A. N. Whitehead defendem uma concep-


ção liberal, segundo a qual a ciência da natureza e a ciência da história, a
estética, a ética, mas também a teologia, cada uma delas e m si mesma se
constitui e m discursos significativos, e cuja força de abertura de m u n d o
nelas presente não pode ser sacrificada prematuramente a uma m o n o c u l -
tura científica. Por outro lado, o conceito de metafísica desses dois autores
é relativamente fraco, no sentido de que Peirce e Whitehead desatrelam
suas reflexões sobre a totalidade de tudo que existe da pretensão de fun-
damentação última, a qual vem ligada tradicionalmente c o m a metafísica.
Desde Platão até Schelling e Hegel, mas também até Heinrich Scholz ou
Karl-Otto Apel, a metafísica deveria fornecer u m saber insuperável, saber
que, negado, levaria a uma auto-anulação da própria razão, a tal ponto
que Hegel pretendeu decifrar os "pensamentos de Deus antes da criação
do m u n d o " , e tê-los trazido a conceito e m forma de "espírito absoluto".
Esse conceito triunfalista da metafísica foi consideravelmente rele-
gado a u m grau inferior por Peirce e Whitehead. Em ambos os autores
(evidentemente, de m o d o independente um do outro), a metafísica sig-
nifica ainda somente a tentativa precária de manter a unidade do saber
(e c o m isso a unidade do m u n d o ) , diante de uma explosão de âmbitos
dividindo-se e m ilhas da racionalidade que já não podem tocar-se ou
sobrepor-se, que impulsiona uma esquizofrenia post-moderna, que para-
lisa o sujeito na prática e na teoria o reduz a uma patchwork identity.
Por conseguinte, para Peirce e Whitehead, a unidade do m u n d o e do
saber representa apenas ainda uma "esperança desesperada", não é mais
1
u m resultado que se possa proclamar e m alta voz (PEIRCE, 1 9 9 1 = 1 8 8 4 s s ,

32 Introdução à Filosofia da Natureza


p. 1 3 3 ; algo muito parecido e m Whitehead, 1 9 8 7 = ' 1 9 2 9 , p. 9 6 ) . Além
do mais, essa unidade continua dependente do estágio das ciências empí-
ricas e não se dá, portanto, e m virtude de uma pretensa visão apriorística
na própria "essência das coisas", desvinculada da história.
As concepções de Peirce e Whitead não podem ser expostas e critica-
das aqui em seus detalhes, o que iria demandar u m esforço extremamente
desgastante. Deve-se apenas chamar a atenção para o fato de que e m tal
princípio surge uma dificuldade.típica da filosofia da natureza, que e m
todo caso não foi resolvida de maneira convincente por esses dois autores.
A seguir, portanto, deverá ser exposto de m o d o mais extensivo ape-
nas u m ponto problemático, b e m determinado, desses dois princípios,
isso porque aqui não parece ser possível conectar-se a uma tradição argu-
mentativamente b e m fundamentada e já existente, c o m o é o caso da crí-
tica ao fisicalismo. Ao contrário, dá a impressão de que a posição N a t tot/plui ,
c o m o é defendida por Peirce e Whitehead, ou acaba encontrando adeptos
menos críticos ou então críticos menos críticos contra a própria crítica,
os quais têm a tendência de achar que uma metafísica nos moldes da de
Peirce e Whitehead deve ser rejeitada já pelo fato de pressupor u m con-
ceito de "espírito" que recorda filosofias substanciais mais antigas, c o m o
as de Schelling ou Hegel.
Tal posição pretensamente "crítica" diante de Peirce e Whitehead es-
taria abaixo de sua complexidade, porque esses autores, c o m o foi men-
cionado, conquistam seu ponto de vista, de m o d o argumentativo, a partir
da análise das ciências empíricas e a partir de âmbitos experimentais do
mundo da vida, os quais não podem ser reduzidos às ciências, mas que
são universalmente acessíveis; e isso de tal m o d o que se estaria obrigado a
demonstrar que esses argumentos não são conclusivos, ou, se fosse o caso,
mostrar que o empreendimento que busca tornar transparente a experiên-
cia c o m o u m todo a partir de uns poucos modelos conceituais seria uma
empresa absurda; e uma demonstração assim, relativamente difícil de ser
realizada, comporta muitos argumentos favoráveis à manutenção da uni-
dade do mundo e do saber, se não quisermos deixar que sucumba o que
até o presente compreendemos sob a designação de "ser humano".
Aqui se devem criticar as posições de Peirce e Whitehead apenas sob
a perspectiva de sua tentativa de pensar a unidade do m u n d o c o m o unidade
da natureza, u m procedimento que toma apenas u m aspecto b e m determi-
nado de suas obras, sem tocar na dignidade de suas outras reflexões.
O problema de fundo que surge quando se quer interpretar a uni-
dade do mundo como natureza é relativamente antigo. Já se manifestara em

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 33


Schelling. O Schelling jovem quer remontar a uma instância anterior à
divisão-sujeito-objeto e anterior à diferença entre ser e dever, para uma
"natureza" originária, a qual, partindo de u m fundamento inteligível,
deve possibilitar a compreensão da passagem da natura naturans para a na-
tura naturata, isto é, a passagem de uma natureza apreendida de maneira
apriorística para uma natureza dada de maneira empírica. Para esse fim,
Schelling precisa mostrar que as leis da natureza, que os físicos extraem
trabalhando empiricamente, nada mais são que a forma exotérica de uma
normatividade final que ele deduz de auto-realizações elementares e es-
pirituais do ser humano, e a partir dali ele as universaliza. C o m o mostrou
o autor noutro lugar (MUTSCHLER, 1 9 9 0 ) , esse princípio leva a uma sobre-
carga insustentável de modelos da ciência natural por m e i o de categorias
axiológicas, normativas e metafísicas. A ciência da natureza que trabalha
empiricamente acaba perdendo sua comprobabilidade intersubjetiva, sua
clareza conceituai e sua explicitação experimental e sucumbe na tendên-
cia de poetizar o m u n d o romanticamente. Essas tendências são encon-
tradas também e m Peirce e Whitehead e são uma conseqüência direta de
seu princípio metafísico fundamental, dentro de uma natureza concebida
c o m o totalidade de tudo que existe.

A discussão moderna a respeito da relação-corpo-alma mostrou que


só se pode aceitar o fisicalismo na sua integralidade, e nesse caso o mental
degenera-se n u m pseudofenômeno, ou então se outorga ao mental uma
certa autonomia (maior ou m e n o r ) , e nesse caso o fisicalismo deve res-
tringir-se a esse ponto, m e s m o que seja apenas n o sentido do " m o n i s m o
anômalo", menos pretensioso, c o m o é o caso e m Donald Davidson, que
deduz a relação-corpo-alma e a interligação dos estados mentais de u m
esquema de explicitação n o m o l ó g i c o (DAVIDSON, 1 9 9 0 , p. 2 9 1 s s ) .
A maioria das posições modernas, portanto, parte do pressuposto
de que o mental, e c o m ele todos os nexos da ação, não pode ser descrito
pela forma lógica c o m a qual nos relacionamos c o m entidades físicas.
Mas Peirce e Whitehead devem desenvolver essa forma lógica c o m u m ,
m e s m o que ela não tenha a forma de uma física, mas a forma de uma
metafísica especulativa. O metafísico se dirige para u m espaço anterior
à tensão entre sujeito e objeto, ser e dever, causalidade e finalidade, para
u m âmbito originário, que ele interpreta c o m o "natureza". N o nível
das causas, isso significa que ele — para expressá-lo e m linguagem m o -
derna — precisa forçar a entrar n o m e s m o m o d e l o o agent causality e a
causalidade natural. A causalidade natural emancipou-se da causa eficiens
— pertencente à teoria clássica das quatro causas — através de u m l o n g o

34 Introdução à Filosofia da Natureza


processo de desenvolvimento; o metafísico precisa religar essa causali-
dade natural c o m essa concepção clássica forçando a causa final a entrar
n o m e s m o modelo. As ordenações teleológica e n o m o l ó g i c a do universo
devem coincidir numa única, se é que a "natureza" deve representar u m
conceito último.
Segundo a posição defendida aqui, então, talvez haja razões para
atribuir causas finais à natureza; no entanto, essas causas finais não t ê m
seu lugar originário na natureza, mas n o agir e produzir humanos. A
partir daqui, elas são atribuídas à natureza n u m sentido m e r a m e n t e aná-
logo, mas nada que justificasse uma intervenção na autonomia da in-
vestigação científica. Antecipando u m exemplo que será analisado mais
de perto n o ponto 2 . 2 : e m algumas publicações da teoria da auto-or-
ganização fisical, tornou-se usual contrapor o princípio da entropia à
dinâmica de auto-organização da matéria c o m o sendo u m a tendência
negativa, que parte da destruição e diminuição de valor, e u m a tendên-
cia positiva, que se dirige para u m crescimento da estrutura e dos valores.
Essas especulações c o l o c a m u m telos na natureza, que então, c o m o des-
creve também Empédocles, oscila entre " a m o r " e "embate" ou, c o m o em
Teilhard de Chardin, entre "energia radial" e "tangencial", isto é, entre
uma tendência psíquico-interior, reunitiva, e u m a tendência centrífu-
go-dispersiva, exterior.
Pode haver motivos para se preferir esses chanfros especulativos de
nossa imagem fisicalista do mundo, para pensar o h o m e m — que e m sua
busca antagônica age guiado por finalidades — c o m o u m ser enraizado
na natureza. Todavia, depois é preciso assentar que essas especulações não
podem ser deduzidas analiticamente da física, que trabalha c o m expe-
riências empíricas, n e m que, c o m base nelas, se esteja e m condições de
modificar o conteúdo dessas ciências, o que é o caso e m Peirce e W h i t e -
head. Ambos os autores afirmam que a natureza, a partir de si mesma, age
buscando fins, primordialmente e antecipando-se a todo nosso agir; ela
normatiza esses fins inclusive e m sentido moral.
Se avançarmos nesse sentido e afirmarmos a função fundamental
das leis da natureza, c o m o são ensinadas pela física moderna, então nos
veremos obrigados a interpretar o sentido do ordo da metafísica clássica
lançando-o imediatamente para dentro das leis da natureza, as quais na m o -
dernidade estão desprovidas de teleologia. Isso leva a confusões lógicas,
visto que e m última instância o pensamento n o m o l ó g i c o e o teleológico
acabaram separando-se na modernidade por seguirem lógicas diferentes
na interligação de seus conceitos.

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 35


Causalidade e finalidade
O problema originário da filosofia da natureza de Peirce reside na questão
de saber c o m o puderam surgir espontaneidade e liberdade n u m m u n d o
dominado pelas leis da natureza, as quais se guiam pela uniformidade,
visto que determinam de maneira igual todo e qualquer local espacial
o u temporal, produzindo sempre de novo processos passíveis de ser re-
petidos. Se n u m tal m u n d o se pode pensar haver liberdade, então essas
leis devem ser estágios de atrofia da liberdade, e e m Peirce, meros " c o s -
tumes", c o m o os costumes de alguém que sofre de m o n o m a n í a , cuja
liberdade degenerou e m mera repetição. Desse m o d o é possível pensar
conjuntamente causalidade e finalidade, o aspecto físico e psíquico da
natureza, sendo que o aspecto final é primordial. É só assim que, segundo
Peirce, se pode pensar a natureza c o m o u m fundamento q u e produz coi-
sas novas, imprevisíveis, significativas. A conseqüência disso é que se de-
vem apreender novamente todas as normatividades, m e s m o as da lógica
e as da matemática. Visto que se bastam c o m uma "lógica criativa" (PAPE,
1 9 9 4 ) , sua determinação não pode ser rigorosa. A lógica e a matemática,
portanto, jamais são realmente precisas. Pode dar-se o caso, por exemplo,
que A A - i A seja verdadeiro o u que 1 + 1 = 2 , 0 0 0 0 6 . Também as leis da
natureza jamais são totalmente exatas. Seus indeterminismos são nelas
sinais de sua finalidade ativa. Assim, por exemplo, t a m b é m a lei da queda
dos corpos, compreendida corretamente, é u m princípio finalista (PEIRCE,
1991 = ' 1 8 8 4 s s , p . H S s s ; 138ss; 2 3 3 ; 3 6 5 ; 4 3 9 ) .

A mínima inexatidão das leis da natureza n o sentido da teoria quân-


tica talvez pudesse ser interpretada c o m o relação do caso particular para
c o m totalidades estatísticas, porém a suspensão da exatidão na matemática
e na lógica acaba suspendendo igualmente essas disciplinas. Comumente,
supõe-se que a lógica formal "não seja criativa", no sentido de que por
m e i o de formas de inferência legítimas não poderá surgir n e n h u m novo
conteúdo nas deduções. Ao contrário, deve-se concluir então que uma " l ó -
gica" que seja "criativa" não pode ser formal. Peirce, n o entanto, concebeu
sua lógica desde o c o m e ç o e de imediato c o m o teoria de conteúdo (OEHLER,
1 9 9 3 , p. 1 2 ) , de tal m o d o que ele se sentiu no direito de criticar as ciências
a partir desses conteúdos. O filósofo sente-se e m condições de modificar o
conteúdo das leis da física, da matemática e da lógica, a partir de um ponto
de vista especulativo. O m e s m o se dá em Whitehead. Também ele, a partir
de seu princípio, se vê obrigado a interpretar o sentido do ordo da metafí-
sica clássica lançando-o diretamente para dentro das leis da natureza, leis que
a modernidade cunhou c o m o desprovidas de teleología.

36 Introdução à Filosofia da Natureza


A base de sua especulação é uma "finalidade universal que perpassa a
natureza de fora a fora". De uma certa "constância das finalidades físicas",
segue-se então "a persistência da ordem da natureza", isto é, a persisten-
cia das leis fisicais, que, segundo seu princípio metafísico fundamental,
nada mais são que u m caso específico da ordenação universal dos fins do
mundo, cuja persistência porém é só relativa, c o m o se mostrará (WHITE-
HEAD, 1 9 8 7 = M 9 2 9 , p . 1 9 6 ; 3 6 5 - 3 6 6 ; 5 0 2 ) .
Isso quer dizer que o ordo metafísico está contido nas leis empíri-
co-fisicais c o m o u m m o m e n t o parcial, devendo por isso poder ser dali
abstraído; e é a partir daí que surge então o problema de saber se uma
frase metafísica formulada em linguagem normal poderá representar vía
de regra a universalidade de uma frase da matemática formal. Whitehead
salta por cima desse problema na medida e m que expõe os resultados da
física matemática apenas na transposição para a linguagem natural, pres-
supondo que essa transposição não seja prejudicial em sentido filosófico,
ou na medida e m que faz extrapolações ousadas passando da metafísica
para dentro da física; assim, por exemplo, a física matemática traduziria
"para sua própria linguagem" a sentença de Heráclito "Tudo flui", de
m o d o que a frase se tornaria assim: "Todas as coisas são vetores"; ou
então a física traduziria a teoria atomística de Demócrito dizendo que
"todo fluxo de energia é sustentado por condicionamentos 'quânticos'"
(WHITEHEAD, 1 9 8 7 = ' 1 9 2 9 , p. 5 5 6 - 5 5 7 ) .
Essas analogias são u m tanto arriscadas. Em primeiro lugar, nem todas
as entidades fisicais possuem uma natureza vetorial (pressão, temperatura,
energia, entropia, por exemplo, não o são), e, ademais, uma formulação ve-
torial de leis propriamente nada tem a ver c o m o problema do devir ou do
ser. As leis mecânicas da estática, por exemplo, são formuladas vetorialmente,
mas ex defoiitione não descrevem nenhum devir. Em segundo lugar, muitos
físicos, c o m o por exemplo Heisenberg, consideraram a teoria quântica pre-
cisamente c o m o instância oposta ao atomismo de Demócrito, pois não recon-
duz o dado à menor partícula material; antes, c o m o Platão, o reconduz às
idéias, a saber, a princípios simétricos (HEISENBERG, 1973, p. 1 5 9 ) .
Quando se concebe a metafísica c o m o u m estágio superior de uni-
versalidade da física, descamba-se facilmente e m antropomorfismos in-
controláveis. Por exemplo, uma vez que Whitehead coloca a historicidade
e o devir das "sociedades" (segundo o sentido de Whitehead, substâncias
dinamizadas) c o m o a categoria metafísica fundamental, vê-se obrigado a
estender esse devir também para dentro das leis fisicais: "na realidade, as
sociedades viventes demonstram a tese de que as leis da natureza se desen-

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 37


volvem junto c o m as sociedades, que acabam instaurando uma época". É
por isso que e m cada "época cosmológica" comandam leis naturais cada
vez diferentes; em nossa época, por exemplo, impera a "sociedade dos
1
eventos eletromagnéticos" (WHITEHEAD, 1 9 8 7 = 1 9 2 9 , p. 1 9 2 ; 2 0 6 ; 5 2 9 ) .
Isso significa, portanto: a constância das leis da natureza é devida a
uma finalidade metafísica estável, que varia, porém, de acordo c o m as gran-
des épocas da história, assim c o m o se modificam, por exemplo, as leis da
produção artística segundo a época e o local.
N o entanto, quais são as razões empíricas existentes para emitir tal
juízo? E será que a historicização das leis fisicais não leva a suspender
sua invariabilidade temporal e espacial, isto é, justo aquilo que perfaz
sua possibilidade de serem testadas na experiência? C o m razão, fala Karl
Popper, então, da "exigência de uma invariabilidade espacial, mas também
temporal, das leis da natureza", pois as leis da natureza definem-se por essa
exigência, e n o caso de mostrarem ser mutáveis devem provocar a busca
por uma lei mais elevada, a qual por sua vez deve satisfazer essa exigência
de invariabilidade temporal (POPPER, 1 9 7 6 , p. 2 0 0 ) . Isso significa, por-
tanto: a exigência por uma invariabilidade temporal e espacial deve n o
m í n i m o ser suposta c o m o idéia regulativa em sentido kantiano, se é que
a física deve ser possível enquanto ciência.
Todavia, se as leis da natureza devessem modificar-se historicamen-
te numa outra perspectiva, modificar-se de tal m o d o , por exemplo, que suas
a
mudanças só fossem perceptíveis depois da 1 5 casa após a vírgula, c o m
o que se encontrariam sob os limites da mensurabilidade, então sua inter-
pretação especulativa estaria n u m contexto histórico, e isso significa sempre
n u m contexto da ação, uma interpretação da natureza como idéia, que seria
constitutiva para essa interpretação metafísica.
U m princípio c o m o o que se encontra e m Peirce e Whitehead tem a
característica marcante de precisar suspender a diferença entre o aspecto
constitutivo e o regulativo. Em tal metafísica tudo se torna constitutivo,
e c o m isso tanto as propriedades a-históricas quanto as históricas não só
se referem ao m e s m o objeto, mas t a m b é m à m e s m a perspectiva sob a
qual se nos torna compreensível o objeto, o que gera, por conseguinte,
u m a contradição.
É evidente por si m e s m o que os conceitos "regulativo" e "consti-
tutivo" e m Kant foram distribuídos precisamente de m o d o diferente, na
medida e m que as categorias da compreensão constituem uma natureza
determinada, definida por leis, invariável no tempo e n o espaço, enquan-
to aquilo que e m Kant representa a historicidade, o ponto de vista teleo-

38 Introdução à Filosofia da Natureza


lógico, nele, continua sendo puramente regulativo n o que diz respeito à
natureza. Nessa reflexão está e m questão apenas a relação entre o aspecto
regulativo e o constitutivo, uma diferença que não deveria ser reduzida,
pois do contrário o histórico e o a-histórico, finalidade e causalidade de-
veria ser acoplada de m o d o improcedente.
U m problema análogo surge t a m b é m e m relação à intencionalidade,
o que na metafísica d e W h i t e h e a d representa o dado fundamental; assim,
por exemplo, em relação a "sentimentos", que nessa filosofia possuem
u m significado fundamental, cosmológico. (Para u m metafísico c o m o W h i t e -
head, a intencionalidade desempenha uma função parecida c o m a que
desempenha a matéria para u m materialista.) Whitehead "traduz" então
isso que ele chama de "sentimentos" numa linguagem físico-matemática
c o m o "caráter-vetor". Por causa do significado fundante que possui o
aspecto intencional, Whitehead é obrigado a concluir "que todas as qua-
lidades fisicais fundamentais são vetoriais e não escalais". Mas, c o m o foi dito,
do ponto de vista puramente interno do fisicalismo isso não é evidente,
sem contar que então se deveria afirmar antes que as quantidades fisicais
fundamentais são de natureza tensorial, isto é, não são n e m vetoriais n e m
escalares (WHITEHEAD, 1 9 8 7 = M 9 2 9 , p. 3 3 0 ; 4 2 4 ) .

Que a unidade metafísica do mundo enquanto unidade da natureza


tem a tendência de sobrecarregar e falsificar a física empírica c o m catego-
rias teleológicas é evidente desde o jovem Schelling e ainda pode ser sen-
tido e m seu discípulo Ernst Bloch, que se outorgou o direito de criticar a
teoria quântica c o m o u m artefato capitalista da burguesia tardia (BLOCH,
1985 = ' 1 9 5 9 , p. 343-344).

Que há concepções que pensam a unidade metafísica do m u n d o não


c o m o unidade da natureza, a fim de diminuir os problemas, isso pode ser
visto no exemplo de Hegel. Diante de u m preconceito muito difundido,
Hegel jamais criticou ou corrigiu os conteúdos da ciência de sua época,
em todo caso não na parte de sua Enciclopédia que trata da filosofia da na-
tureza: "A filosofia não só deve estar em concordância c o m a experiência
da natureza, c o m o até a física empírica se torna u m pressuposto e uma
condição para o surgimento e a formação da ciência filosófica" (HEGEL,
1970 = '1830 IX, p. 15).

E, c o m o a filosofia de Hegel concebe a natureza c o m o u m âmbito


regional, pode ter uma relação mais livre para c o m a ciência da natureza.
Hegel procura pensar até o fim seus resultados, de m o d o especulativo, a
fim de criar uma mediação dialética c o m sua filosofia do espírito. Mas
nisso sua autonomia permanece intocada.

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 39

I
O posicionamento de Hegel, todavia, depende de seu conceito de "es-
pírito absoluto" e da possibilidade de uma mediação dialética entre espírito
e matéria, sobre o que não se deve remontar aqui. Depois que a ciência m o -
derna se desenvolveu, a relação entre causalidade e finalidade, ser e dever,
do ponto de vista histórico, deve ser novamente determinada. N o tomismo
supunha-se uma unidade metafísica fundamental entre ser e dever e uma
atuação conjunta e direta da causa efficiens e da causafinolis.Essa unidade des-
provida de problemas rompeu-se c o m o surgimento da ciência moderna da
natureza. Para consertar essa ruptura procurou-se sempre de novo conciliar
de m o d o direto a nova ciência emergente c o m a velha ontologia. Na filo-
sofia neo-escolástica, essas tentativas de "síntese" perduraram até a metade
do último século, m o m e n t o e m que se mostraram todas frágeis. (E por fim
também o físico e filósofo Wolfgang Büchel [BÜCHEL, 1 9 5 4 , 1 9 6 5 ] ) .
A relação entre causalidade e finalidade é um dos maiores problemas
insolúveis da filosofia, desde que a ciência moderna da natureza desvin-
culou o conceito de causalidade dos contextos da ação e m que ele detinha
seu lugar originário (tanto o conceito de aíxía c o m o o conceito de "cau-
sa" pertencem originalmente à esfera do direito). C o m muita freqüência
essa desvinculação acarretou um dualismo ontológico. Leibniz, por e x e m -
plo — que, numa fase mecanicista de seu pensar, se decidiu "a restituir
de certo m o d o a honra da filosofia originária e fazer c o m que as formas
substanciais, já quase banidas, recobrassem seu direito o r i g i n á r i o " — ,
distribuiu a causalidade e a finalidade aos dois aspectos incomensuráveis
do processo universal, c o m o que a "dois reinos... os quais se bastam cada
u m por si, m e s m o que o outro de m o d o algum existisse" (LEIBNIZ, 1 9 6 6
= ' 1 6 6 8 , II p. 6 7 ; 1 4 7 ) . A isso correspondia o procedimento de Kant
de subordinar o "mecanismo da natureza" "ao juízo determinante" e "a
técnica da natureza" "ao juízo reflexivo", porque também ele viu muito
bem que uma sintetização direta geraria contradições, sintetização a que
se vêem obrigados Peirce e Whitehead, na medida e m que adotam o con-
ceito de "natureza" c o m o última instância.
N o ponto 4 . 6 deverá ser mostrado que, e m verdade, existe sempre
a possibilidade de interpretar os nexos nomológicos na perspectiva de um
téXoç, mas que essas interpretações deixam e m aberto espaços de j o g o
e contingências que não permitem passar diretamente desses nexos n o -
mológicos para aquelas perspectivas de significado, n o sentido de uma
"implicação material".
Essa relação de contingência é, além do mais, recíproca: não só não
se pode concluir a partir das leis fisicais sobre um xéXoç nelas presente,

40 Introdução à Filosofia da Natureza


c o m o tampouco se pode fazer o contrário. Na teoria da ciencia aceita-se
essa última na medida e m que se admitem hipóteses teleológicas c o m o
intervenções heurísticas, mas que não pertencem propriamente à "lógica da
investigação". Seria prudente tomar cuidado e não saltar por cima dessa
relação de contingência recíproca forçando pressurosamente a passagem
para a unidade. O caráter disparatado dos discursos, do ponto de vista
lógico, poderia ser precisamente u m indício de que a razão humana é
sempre apenas uma "razão finita" (BAUMGARTNER, 1 9 9 1 ) , que não dispõe
de soluções rasas para os mistérios do mundo, mas que continua ligada
a perspectivas que não podem ser liquidadas uma na outra, c o m o por
exemplo a diferença entre discurso teorético e prático.

Causalidade e normatividade
Essa problemática fica ainda mais aguda quando passamos de juízos va-
lorativos para normativos, e n o processo c o s m o l ó g i c o não ancoramos
apenas objetivos gerais, mas também normas e m especial. U m a filosofia
da natureza c o m o a de Peirce e Whitehead será obrigada também a isso.
A lex naturalis qua lei ética deverá ser obrigatoriamente também lei da natureza,
n o sentido da física moderna. Peirce e Whitehead não desenvolveram e m
detalhes e de m o d o explícito essas idéias, diante do que conservaram na-
turalmente u m instinto filosófico sadio, pois, se já a teleologização direta
das leis fisicais levou a uma sobrecarga insustentável, sua moralização se
converteria simplesmente e m heresia.
Na Idade Média tardia circularam publicações correspondentes,
c o m o por exemplo o "livro da natureza", na época muito difundido, do
c ó n e g o de Regensbur Konrad Von Megenberg, do século XIV Nesse li-
vro, todos os fenômenos naturais são tratados c o m o elementos fundantes
da moral, a formiga enquanto serve de exemplo para o esforço, a lebre
enquanto é desprezivelmente lasciva etc. U m a moralização das leis da
natureza iria decair para além desse nível da Idade Média tardia, porque
ela mesma deveria alentar ainda as funções que serviriam de fundamento
moral para o inorgânico.
Esse absurdo foi contornado e m Peirce e Whitehead por m e i o de
uma feliz inconsequência que os impede de tirar u m a conclusão que se
encontra de fato e m suas premissas.
Em Peirce, a ética é concebida c o m o u m m o m e n t o dependente
da estética, sendo que ele compreende a "estética" c o m o a unidade do
"bem, verdadeiro e b e l o " , que lembra a "grecidade", ou seja, e m sua

As diversas posições no espaço d e possibilidade da filosofia da natureza 41


dinâmica imagem de mundo, o belo é o m e s m o que a "ordem desenvol-
vida" (OEHLER, 1 9 9 3 , p. 1 0 8 s s ) .
E visto que Peirce, e m seguida, institui o amor a Deus e ao próximo,
tirados do cristianismo mas secularizados, c o m o norma ética fundamental
e n o sentido de u m "sinequismo" transpõe-no para o desenvolvimento do
cosmos, ou melhor, fundamenta-o a partir deste, ele deveria poder m o s -
trar também que essa n o r m a do amor (seu "agapismo") deveria descer,
enquanto tal, e alcançar também as forças moleculares, o que ele realmente
não fez e que igualmente teria sido u m tanto desagradável para ele.
A apresentação de Peirce feita por Gerhard Schõnrich concorda c o m
o que se disse aqui. Schörich representa o processo designativo universal
c o m o tendo sido determinado pela entelequia, n o sentido de uma te-
leología universal. Mas ali onde ele fala, por outro lado, de "causalidade
a partir da liberdade", falta totalmente a dimensão cosmológica, assim
c o m o n o capítulo sobre o "querer e ações indicativas morais" (SCHÕRICH,
1 9 9 0 , p. 114ss, 3 3 0 s s , 3 7 4 s s ) , ou seja, parece realmente que Peirce sen-
tia-se instintivamente impedido de forçar a lei moral e a lei natural a
entrarem num único modelo, enquanto se sentia menos impedido de
sintetizar diretamente causalidade c o m finalidade.
N o que diz respeito a questões normativas, Whitehead procede de
m o d o muito parecido. Seu conceito de ética equipara-se e m muitos as-
pectos ao de Peirce.Também Whitehead fundamenta sua ética numa "es-
tética", compreendida segundo a ontologia grega (WHITEHEAD, 1 9 7 1 , p.
9 0 ) . Mas em suas obras principais, Wissenschaft und moderne Welt (Ciência e
m u n d o m o d e r n o ) , Prozeß und Realität (Processo e realidade) e Abenteuer der
Ideen (Aventura das idéias), não existe n e n h u m conceito de ética que apre-
sente u m desdobramento de seu conteúdo.
Michael Hauskeller reconstruiu a ética implícita de Whitehead, de
tal m o d o que por assim dizer — c o m o acontece e m Peirce — essa ética
repousaria e m u m telos universal constitutivo do processo evolutivo do
mundo, telos que concede u m caráter de valor imanente a todos os acon-
tecimentos, n u m sentido pré-moral. No ser humano, esse caráter de valor
universal eleva-se ao nível na normatividade (HAUSKELLER, 1 9 9 9 , p. 9 3 s s ) .
Todavia, contra essa concepção, pode-se aduzir u m argumento pa-
recido ao usado contra Peirce: se Whitehead deduz o caráter valorativo e
teleológico universal de todos os processos do universo do fato de que
não existe nada desprovido de valor para nós, visto que todos os nossos atos
espirituais e sensoriais estão perpassados por valorações, então, a fortiori,
o m e s m o deveria valer para a ética, visto que não podemos nos repre-

42 Introdução à Filosofia da Natureza


sentar n e n h u m ato que não esteja sob normas que dirigem a ação. Então
seria igualmente u m pressuposto incondicional ancorar essas normas no
processo cosmológico e não introduzi-las só c o m o surgimento do ser
humano. Todavia, então, ressurgiria o problema da moralização das leis
fisicais, o que levaria a transtornos lógicos ainda mais aventureiros do que
sua teleologização, que já c h a m a m a atenção suficientemente.
Factualmente, Whitehead contorna o problema simplesmente não se
mantendo fiel a seus próprios princípios. É e m Aventura das ideias ( W H I T E -
HEAD, 1 9 7 1 = ' 1 9 9 3 ) que ele desenvolve a única relação relevante para
c o m a ética, no parágrafo intitulado "O ideal da humanidade", que faz
parte de u m título maior chamado "Aspectos da história social", onde ele
deduz esse ideal a partir do processo histórico do ethos vivido até o século
XVIII, e m vez de ter fundamentado seu ideal de humanidade na parte que
vem logo a seguir chamada "Aspectos cosmológicos". Ali, porém, nada se
fala sobre "ética". Se ele tivesse fundamentado sua ética nessa parte, difi-
cilmente se poderiam evitar extrapolações metafísicas na física empírica.

1.2.2 Hans J o n a s e Klaus Meyer-Abich

Também Hans Jonas e Klaus Meyer-Abich fazem parte dos autores a se-
rem criticados nesse parágrafo ( N a t lot/plur ) . Nesses autores não se encontra
nenhuma extrapolação metafísica das leis fisicais da natureza; n o entanto,
de m o d o análogo a isso, encontram-se extrapolações metafísicas de dados
empíricos ou u m olhar seletivo idealizante sobre a natureza.
Hans Jonas coloca a unidade do m u n d o c o m o unidade da natureza, e
correspondentemente, visto não ser n e n h u m reducionista, c o m o unidade
de ser e dever. Para ancorar argumentativamente essa unidade pretendida,
ele não recorre a reflexões apriorísticas ou a uma metafísica c o m o fazem
Peirce e Whitehead, mas a uma experiência paradigmática, a saber, a e x -
periência do recém-nascido (JONAS, 1 9 8 4 , p. 2 3 4 s s ) .
Essa experiência é de fato muito sugestiva. Ninguém que se deixe es-
pontaneamente impressionar por u m recém-nascido poderá negar que o
ser do recém-nascido nos i m p õ e imediatamente uma exigência de dever.
U m ser h u m a n o que olha para um recém-nascido e não vê a exigência de
calor, proteção, a necessidade de ser cuidado e amparado, não poderá ser
reconhecido c o m o u m ser moralmente competente.
Mas o que se deduz dali para a unidade de ser e dever? Será que uma
experiência particular pode sustentar e m si uma tal tese metafísica sobre o

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 43


ser, assim tão ampla? Não dá para ligai c o m essa experiência também o
fato de que o que encontramos são só e precisamente seres humanos, c o m o
seres que requerem atenção e podem ser apreendidos empiricamente?
Será que aqui não se está universalizando demais u m dado particular, sem
razões suficientes, onde o que está e m questão não é uma perspectiva pe-
riférica, uma vez que Jonas sustenta essencialmente sua tese fundamental
da unidade de ser e dever na análise dessa experiência?
Outras observações confirmam que a concepção de uma unidade
do m u n d o c o m o unidade da natureza corre o risco de sobrecarregar o
aspecto empírico.
No livro Organismo e liberdade, Jonas principia sua análise pelo vivente
enquanto u m fenômeno originário. Para compreender o m u n d o seria falso
principiar pelo espírito, c o m o fazem os idealistas, ou pela matéria, c o m o
fazem os fisicalistas. U m intermédio, o vivente, seria mais apropriado para
garantir que o lume do espectro da claridade do espírito ilumine a matéria
opaca, na medida e m que a matéria possa tornar-se inteligível enquanto
caso-limite da vida e do espírito, enquanto elevação do vivente.
C o m o fundamento empírico de seu pensamento, Jonas escolheu o
conceito de "modificação orgânica da matéria". J á na modificação da m a -
téria haveria uma unidade substancial entre forma e matéria, na medida
e m que a matéria só pode se modificar se é sustentada pela unidade da
forma orgânica.
Esse princípio pode permitir que se pense a matéria crua c o m o caso-
limite do orgânico, no qual a forma já não dispõe da força para manter
construtivamente o ente reunido, u m pensamento que já se encontrava
em Aristóteles e retornou mais tarde na filosofia da natureza do roman-
tismo. Mas a outra ponta do espectro ontológico, o espírito, não pode ser
deduzida desse modo. C o m o poderão tornar-se evidentes a consciência,
a vontade livre, a moralidade ou também a unidade de ser e dever n o
fato da modificação da matéria na natureza? No livro Organismo e liberdade, a
coisa se desenvolve de tal m o d o que, n o decorrer da própria obra, Hans
Jonas vai enriquecendo ontologicamente cada vez mais o ponto de par-
tida que toma na modificação da matéria até alcançar o objetivo, que é a
unidade de ser e dever enquanto natureza. Mas isso só acontece através de
uma série de extrapolações, que não se encontram realmente amparadas
pelo princípio originário n o fenômeno empírico da modificação da m a -
téria (JONAS, 1 9 7 3 , p. 13ss).
Em Meyer-Abich se dá o contrário, de tal m o d o que ele só conse-
gue manter essa unidade através de um olhar fortemente seletivo. C o m o

44 Introdução à Filosofia da Natureza


já se percebe desde muito tempo, a natureza, a saber, do m o d o c o m o a
encontramos previamente, não representa uma fonte de normatividade.
Se por acaso quiséssemos julgá-la c o m o normativa, ela nos forneceria,
contrariamente, apenas exemplos de "brutalidade" e "indiferença". Na
natureza cada ente devora o outro, e os elementos sem vida não têm qual-
quer "consideração" para c o m o vivente que repousa sobre seu substrato,
c o m o mostra toda e qualquer irrupção de u m vulcão.
Mas, se q u i s e r m o s estabelecer u m a unidade de natura naturans e na-
tura naturata, será preciso idealizar a natureza. Para esse intento, Meyer-
Abich remonta a u m vínculo fortemente especulativo das teorias de Pla-
tão e Nicolau de Cusa, eliminando ainda dessas metafísicas a scala naturae
nelas presente.
C o m o em tempos pré-críticos, seria preciso voltar a fundamentar n o
"ser" a ética do dever, que remonta a Kant, onde se deveria determinar o
ser c o m o "natureza". O princípio básico seria: " e m cada criatura se en-
contra o universo dessa criatura", de m o d o que, para agir corretamente,
seria preciso estar postado no ponto de vista do universo c o m o esse se
faz presente e m todas as coisas, m e s m o na pedra: "Na medida e m que,
e m m i m , a pedra se tornou h o m e m , eu sou pedra — vivificada" (MEYER-
ABICH, 1 9 9 7 , p. 2 9 3 ; 3 4 5 ; 5 3 5 ) .

Aqui há pelo menos duas coisas a serem questionadas: por u m lado,


na filosofia contemporânea não é permitido apelar para intuições privile-
giadas, se essas quiserem substituir uma argumentação passível de ser rea-
lizada universalmente; por outro lado, m e s m o pressupondo que a intui-
ção de Meyer-Abich possa ser resgatada por argumentos, não seria fácil
ver c o m o a perspectiva idealístico-mística no interior da natureza possa
ser conectada c o m aquilo que nos envolve c o m o natureza passível de ser
apreendida empiricamente, na qual m e s m o o pretenso "altruísmo" dos
animais pode ser decifrado c o m o "egoísmo da espécie" (DAWKINS, 1 9 7 8 ) .
Meyer-Abich idealiza, ao contrário, fenômenos totalmente inofensi-
vos, falando por exemplo da "dignidade do granito" (MEYER-ABICH, 1 9 7 9 ,
p. 4 2 4 ) . Porém, c o m o conseguiríamos discutir e analisar u m bloco de
granito c o m ou sem dignidade?

1.2.3 Ciência da natureza como ancilla philosophiae

Quanto mais forte for uma posição metafísica, tanto mais forte tenderá
a antecipar experiências e prescrever à ciência da natureza o que ela tem

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 45


i descobrir ou que tipo de teoria tem de produzir. Klaus Meyer-Abich,
por exemplo, estabelece seu conceito holístico diretamente na biologia,
mas logo projeta uma ciência da unidade que supera a anterior, e onde o
fisical é suspenso e subsumido nos organismos e estes n o psíquico. Numa
"biologia do futuro" será possível deduzir as leis da física daquelas da
biologia. "A física" deveria simplesmente "transformar-se e m biologia"
(MEYER-ABICH, 1 9 8 6 , p. 74ss, 1 3 3 ; 1 9 8 8 , p. 9 2 s s ) . Significa, portanto, que
o filósofo está e m condições de corrigir a ciência específica c o m o tal. De
m o d o correspondente, t a m b é m Hans Jonas exige uma "biologia filosófi-
ca" (Subtítulo de Jonas [ 1 9 7 3 ] ) , em lugar da que se divulga comumente,
visto esta carecer do "espiritual".
Nos quadros de seu "idealismo objetivo", também Vittorio Hõsle
projeta de maneira parecida uma "filosofia apriorista real", a fim de ante-
cipar "categorias a priori para as ciências singulares". Assim, seria possível
uma "filosofia apriorista material da natureza". E, visto que as ciências e m
curso não contêm o "espiritual", Hõsle "parte do fato de que o verdadei-
ro sistema das leis da natureza não só não nos é totalmente conhecido, a
nós de hoje (isso é quase trivial), c o m o também deve ser diferente das
representações atuais da ciência da natureza, m e s m o qualitativamente;
nelas, a passagem do lado de fora para o lado de dentro deve ser normali-
zada por leis, deve portanto abarcar a a m b o s " (HÕSLE, 1 9 9 0 , p. 2 1 9 s s ) .
Todavia, u m a correção fundamental das ciências da natureza, assim
pensada n u m nível material, não compete à filosofia. A filosofia pode cha-
mar a atenção para cegueiras metódicas das ciências da natureza, pode
contribuir quando faltam alguns conteúdos, ou fortalecer o acesso ao
m u n d o da vida diante do acesso científico, mas as correções materiais
continuam sendo u m i m p e d i m e n t o para ela. É espantoso que m e s m o
após o fracasso do Idealismo Alemão ainda haja filósofos que acredi-
tam dever prescrever à ciência da natureza o que ela deve descobrir e
c o m o deve proceder.
Em suma, parece que a posição N a t tot/plur toma para si a dificuldade
quase insuperável de dever instituir uma tênue passagem entre ser e de-
ver, entre física e metafísica, pensamento teleológico e n o m o l ó g i c o ; essa
passagem fracassa na estrutura logicamente disparatada desses discursos,
levando facilmente a extrapolar metafisicamente os modelos da ciência
da natureza, a superelevar especulativamente meros dados empíricos, ou
então tomar conhecimento da natureza que está ali diante de nós de u m
m o d o ainda apenas seletivo e idealizador, ou m e s m o criticar os conteú-
dos da ciência do espírito.

46 Introdução à Filosofia da Natureza


1.3 Natureza como uma grandeza regional,
mas com definição científica (Nat reg/den )

Essa posição tem a seu favor, de imediato, as razões mais fortes, motivo pelo
qual é adotada por inúmeros filósofos. Como foi dito, ela tem de imediato
a vantagem de confirmar as forças incontestáveis das ciências naturais em
seu próprio campo, a natureza, sem, no entanto, submeter o h o m e m a um
rígido esquema de naturalização, que vem ligado a dificuldades quase in-
superáveis. Muitos filósofos, cujo interesse principal não está na filosofia da
natureza, c o m o por exemplo Ernst Tugendhat, defendem essa posição.
Mas contra essa posição, que à primeira vista parece altamente plausí-
vel, podem ser apresentados alguns argumentos importantes: supondo que
o conceito de "natureza" pudesse ser determinado de maneira suficiente
c o m o aquele que é pressuposto c o m o fundamento ontológico nas ciên-
cias da natureza (física, química, biologia), então isso significaria que a
natureza não contém nenhum fenômeno que corresponda a nossos estados
mentais, porque propriamente nenhuma ciência da natureza faz referência
a esses estados. Então, c o m Descartes, deveríamos negar, por exemplo, que
os animais tenham uma perspectiva interna, o que é falso do ponto de vis-
ta empírico. Pesquisas c o m ctiimpanzés mostraram inequivocamente que
esses seres não só possuem interesses e sentimentos, mas também podem
articulá-los, sim, que nesse patamar é possível haver uma comunicação cor-
reta c o m os humanos, visto que os chimpanzés podem aprender até mes-
m o a linguagem dos surdos-mudos (SINGER/CAVALIERI, 1 9 9 3 ) .
Será então que as qualidades que foram constatadas inequivocamen-
te nos chimpanzés podem ser negadas, de m o d o fundamentado, nos ca-
chorros, gatos ou nos morcegos?
Na verdade, aqui surge novamente a dificuldade já tradicionalmente
conhecida, já presente e m Aristóteles (Física, 1 9 9 b 10), a saber, que quanto
mais descemos a scala narurae, mais inseguros nos tomamos. Mesmo assim, é
evidente que não estamos e m condições de estabelecer uma divisão nítida
entre h o m e m e natureza, que já não pode ser confirmada empiricamente e
de m o d o objetivo se atentamos para as razões da cadeia evolutiva.
A isso se acrescenta que, mesmo que, per impossibile, se pudesse fun-
damentar empiricamente essa divisão, dali surgiria uma outra dificulda-
de quase insuperável, a saber, que n o processo de evolução deveríamos
contar c o m o surgimento, repentino e sem precedentes, de propriedades
no h o m e m , sem terem sido preparadas por nada e sem poderem ser ex-
plicadas por nenhuma teoria científica. Pois as propriedades "emergentes"

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 47

1
do h o m e m , segundo a posição N a t ieg/den , são de tal modo que não podem
constituir-se e m legítimo objeto de esclarecimento da ciência da natureza.
Essa posição coloca, portanto, uma divisão nítida no processo de evolução,
para a qual não se podem aduzir quaisquer razões empíricas, e além disso
assevera um miraculoso surgimento de novas qualidades no h o m e m , as
quais se subtraem a qualquer explicação das ciências da natureza.
A negação do caráter contínuo do processo de evolução e o milagro-
so surgimento dessas qualidades emergentes, pontos que caracterizam a
posição N a t r£g/cien , são certamente tão ricos e m pressupostos que parece ser
significativo pensar a contraposição entre os modelos de explicação cien-
tífica e não-científica não de u m m o d o extensional — portanto, propor-se
fazer uma partição regional, compreendida ontologicamente, dentro da
natureza (onde se coloca sempre a divisão no indivíduo singular) — , mas
de tal m o d o que c o m isso surgissem perspectivas que pudessem ser referidas
cada vez a tudo, sem que c o m isso se pudessem mudar as pretensões de va-
lidade. É b e m possível que, quando traz resultados significativos, se possa
considerar o h o m e m u m puro objeto das ciências naturais, assim c o m o é
possível atribuir estados intencionais a produtos da natureza, se para isso
se podem encontrar razões suficientes na experiência, o que todavia não
deverá ser mais u m a estilizada experiência de laboratório.
Se a natureza for considerada de forma perspectivística nesse sentido,
então será possível evitar também uma certa dificuldade sempre de novo e
universalmente atribuída ao conceito de natureza: o conceito de "nature-
za" , assim fala o construtivista, por exemplo, é u m conceito historicamente
superado. Todavia, se delimitarmos o âmbito da natureza, c o m Aristóteles,
por exemplo, de tal modo que os entes naturais comportem em si mesmos
o "impulso para o movimento", enquanto os artefatos técnicos o têm fora
de si, a saber, n o artesão (Física, 1 9 2 b 8ss), então parece que essa diferença
se refere a u m estágio superado do desenvolvimento técnico.
Pode ser que n o tempo de Aristóteles ainda houvesse paisagens intoca-
das pelo h o m e m , animais e plantas ainda não modificados por ele, portanto
o que hoje se designa pelo conceito nostálgico de "selvagem"; todavia, as
possibilidades de intervenção técnica na natureza, que crescem sem parar,
estão tão avançadas que, mesmo nos mais recônditos atóis do Pacífico, já
não há nenhuma natureza intocada, na medida e m que m e s m o ali as águas
carregam nossas garrafas plásticas, nossos materiais químicos nocivos con-
taminam animais e plantas, ou as nuvens radioativas dos testes atômicos
modificam as bases genéticas. O filósofo da técnica Günter Ropohl fala assim
de u m "fim da natureza" pela tecnicização crescente (ROPOHL, 1 9 8 5 , p. 3 3 ) .

48 Introdução à Filosofia da Natureza


Adotando o ponto de vista perspectivístico e m vez da partição regional
extensional, então é possível admitir sem mais que a natureza e a técnica
ou a natureza e a cultura já sempre estiveram em mútua mediação e que n o
futuro serão fortalecidas sempre mais, sem que c o m isso sua diferença se
torne obsoleta. Torna-se tão pouco obsoleta c o m o se torna obsoleta a dife-
rença entre juízos analíticos e sintéticos, fundamentados na crítica de Qui-
ne, pela qual não temos u m critério de divisão absolutamente preciso para
poder fazer a distinção, c o m o se supõe e m Kant ou Carnap. Mesmo que
aceitemos a crítica de Quine, podemos designar a frase "todos os jovens
são solteiros" c o m o uma frase analítica em contraposição à frase "essa mesa
é vermelha", assim c o m o podemos ver "a natureza" atuando num campo
de nabos floridos e num muro de cimento, a pulsão manipuladora do ho-
m e m , m e s m o que saibamos muito b e m que a natureza, por si mesma, não
produz nenhum plano sobre os quais crescem exclusivamente nabos, ou
quando sabemos que as partes constitutivas do cimento, c o m o saibro, brita
ou areia, existem também na natureza. Mas não é porque o continuum dos
números reais é compacto que não existem números naturais.

1.3.1 Andreas Bartels, Friedrich Kambartel/Angelika Krebs

Servindo de exemplo para mostrar c o m o são agravantes e até insolúveis


as dificuldades quando se supõe que a posição N a t reg/cU , seja válida, va-
n

m o s fazer referência aqui à filosofia da natureza de Andreas Bartels. D o


ponto de vista científico, Bartels parte do seguinte princípio: "a filosofia
moderna da natureza procura descartar a imagem da natureza que surge
quando nossas teorias atuais da ciência da natureza são verdadeiras... a
filosofia moderna da natureza não deduz nenhum novo saber sobre a na-
tureza". Na medida e m que i m p õ e esse princípio de forma conseqüente,
Bartels entrega t a m b é m o vivente àquela perspectiva dos modelos de expli-
citação puramente científicos. A teoria fisical de auto-organização, por
exemplo, faz c o m que pareça provável que não se precise acrescentar
n e n h u m princípio para explicitar o vivente. Também na biologia se po-
deria instituir esse reducionismo. Sem nenhuma sobra, pode-se então re-
duzir a teleología à teleonomia. Emergência pode ser definida de maneira
bastante genérica no âmbito das ciências da natureza, m e s m o quando
as propriedades emergentes não podem ser deduzidas analiticamente do
sujeito emergente. Isso se deve ao fato de que não c o n h e c e m o s todos
os condicionamentos iniciantes etc. Mas, n o h o m e m , Bartels c o m e ç a de

As diversas posições no espaço d e possibilidade da filosofia da natureza 49


repente a fazer algumas exceções de seu cientismo rígido. A biologia so-
cial não consegue explicar todas as ações humanas eticamente relevantes,
nela surgem ademais "influências culturais". A ética não é "uma ilusão".
A subjetividade das qualidades vivenciais não pode tornar-se objeto da
ciência. Mas prefere-se instituir esses juízos e não se preocupar tanto c o m
sua fundamentação (BARTELS, 1 9 9 6 , p. 16s, 11 l s , 153ss, 1 9 2 ) .
E c o m o se, c o m seu esquema reducionista, Bartels fizesse simples-
mente crescer e avançar sempre mais a scola naturae até que esse esquema
em algum lugar entrasse e m colapso. Mas por que aqui e não algures? Há
bons motivos para acreditar que conceitos biológicos genuínos, c o m o
por exemplo "mutação", "seleção", não podem ser reconstruídos pela
física. M e s m o as possibilidades da teoria fisical ligadas à auto-organização
são limitadas. Ninguém sabe, por exemplo, c o m o dessa teoria se poderia
deduzir u m organismo que apresentasse uma clara demarcação exterior
e uma diferenciação funcional interior. Em todo caso, alguns físicos que
trabalham n o ponto de intersecção entre a biologia e a teoria da auto-
organização admoestam, já faz tempo, sobre uma pretensão de validade
exageradamente elevada (assim, por exemplo, EBELING/FEISTEL, 1 9 8 2 ) .
Ficam totalmente obscuros também os motivos por que, segundo
essa concepção, não se p o d e m atribuir qualidades vivenciais, por e x e m -
plo, aos animais, no sentido da frase citada por Thomas Nagel: "What it
is like to be a bat?". Foi a resposta a essa pergunta que fez c o m que Nagel
rompesse c o m a posição Nat reg/Ci< . e m favor da posição Nat
n reg/I>lur , defendi-
da t a m b é m aqui, e atribuindo "qualidades protopsíquicas" para dentro da
natureza (NAGEL, 1 9 9 6 , p. 2 2 9 s s , 2 5 6 s s ) .
É t a m b é m nesse preciso ponto que surge e m Bartels u m problema
insolúvel: se a emergência pode ser esclarecida pela ciência da natureza,
por que é que as propriedades emergentes do h o m e m representam uma
exceção a isso?
Visto que essa dificuldade dificilmente pode ser resolvida dentro da
posição N a t reg/cien , muitos autores sempre de novo procuraram refúgio
n u m a solução (proto)pampsíquica, r o m p e n d o c o m o c o n c e i t o cientí-
fico de natureza, isto porque o e m p r e g o metafísico seria sempre ainda
m u i t o limitado (além de T h o m a s Nagel, p. ex., t a m b é m Paul LORENZEN,
1987, p. 3 0 1 / 2 ) .
Friedrich Kambartel e sua discípula Angelika Krebs estabelecem b e m
em outro lugar a intersecção entre o que pode ser apreendido pelo re-
ducionismo e o emergente. Esses autores admitem processos comunica-
tivos — isto é, segundo sua convicção, processos não apreensíveis pela

50 Introdução à Filosofia da Natureza


ciência — nos seres vivos sensíveis, os quais dispõem de comportamen-
tos expressivos; ademais, eles classificaram todas as outras formas natu-
rais na classe dos sistemas cibernéticos auto-organizativos. Segundo essa
concepção, ervas, medusas e abelhas, portanto, não são seres vivos, mas
"sistemas puramente materiais e técnicos, que podem ser descritos por
uma "linguagem puramente fisical ou técnica". Abstraindo o fato de que
o conceito de matéria não é u m conceito fisical, mas técnico (cf. abaixo
3 . 4 ) , e que sistemas técnicos não podem ser reduzidos a sistemas fisicais,
visto conterem uma relação constitutiva c o m o fim (cf. abaixo 4 ) , será
então arbitrário classificar c o m o seres vivos os animais "superiores", c o m
os quais por caso estamos e m condições de estabelecer uma comunicação
com base e m seu comportamento expressivo; mas o restante pode ser
classificado c o m o máquinas, passíveis de serem deduzidas de m o d o pura-
m e n t e materialístico (KAMBARTEL & KREBS, in: KREBS, 1 9 9 7 , p. 3 3 1 ss).

Não poderia ser devido ao acaso de nossa organização o fato de per-


cebermos o comportamento expressivo e m alguns animais e e m outros
não? A expressão de u m urso panda nos parece ser muito mais acentuada
do que a de u m peixe-tinta; todavia, novas pesquisas demonstraram que
os peixes-tinta possuem u m comportamento expressivo muito mais di-
ferenciado, que nos passou despercebido por muito tempo. Q u e m sabe,
para muitos seres vivos, não nos faltam critérios decisivos para julgar seu
comportamento expressivo?
A posição N a t reg/clen faz c o m que se estabeleçam cortes muito nítidos
n o continuum da evolução, cortes que, todavia, e m cada u m desses pontos,
não apresentam motivação. A diferença entre o científico e o não-cientí-
fico, na qual deveríamos nos manter, não pode ser distribuída, portanto,
a âmbitos do ser determinados pela extensão, donde se nutre, ex definitione,
todavia, a própria posição N a t reg/cien . Trata-se de perspectivas diferentes do
ponto de vista das categorias, e não de formulação de classes determina-
das pela extensão, c o m o se dá e m Aristóteles, que de todo objeto podia
dizer ser u m (búoei ov ou u m T€%vr\ õ - y

A instabilidade da posição N a t reg/cien torna-se especialmente nítida na


obra de Jürgen Habermas, o qual defendeu decididamente essa posição
por décadas (HABERMAS, 1 9 8 1 , mas sobretudo 1 9 8 4 ) . O e m p u x o premente
do problema ecológico, sobretudo a ameaça de nossa identidade somática
pela tecnologia genética, levou-o a construir filosofemas ad hoc, do tipo
Nat reg/plui , que se comportam de maneira estranha dentro desse c o n t e x -
to. Assim, recentemente ele refere seu conceito do "agir comunicativo"
t a m b é m aos animais (HABERMAS, in: KREBS, 1 9 9 7 , p. 9 2 s s ) , ou então e m

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 51


relação à fysis humana ele aceita sua qualidade entelequial, reportando-se
até a Hans Jonas (HABERMAS, 2 0 0 1 , p. 8 4 ) . E tudo isso nos quadros de um
"pensar pós-metafísico"!
De fato, a "teoria do agir comunicativo" já tocou desde sempre nos
fundamentos metafísicos de uma exigência de incondicionalidade e m re-
lação à verdade e à liberdade. Essa incondicionalidade estende-se t a m b é m
sobre a natureza, a qual durante décadas Habermas quis tratar de m o d o
"puramente" científico. Natureza não pode ser estilizada precisamente
c o m o o "completamente outro".

1.3.2 Hilary Putnam e a filosofia analítica

Os filósofos analíticos costumam reivindicar os méritos de ter elevado a


filosofia a um nível superior. A partir daí, tais filósofos esperam que as
pessoas em geral se sirvam de seus métodos e se orientem por esse seu
correspondente nível de investigação.
Mas e m relação à filosofia da natureza isso e m nada iria ajudar, visto
que não poucos filósofos analíticos aderiram à posição N a t lot/den , mas a
maioria deles aderiu à posição Nat / d C T . As outras alternativas, c o m o a po-
sição N a t t0[/plur ou Nat reg/plur , n e m sequer são tomadas em consideração.
Quão pouco a natureza representa o objeto da filosofia analítica pode
ser comprovado pelo seguinte: nos volumes da ávalúcuLiev, sobre os con-
gressos que tratam do tema "perspectivas na filosofia analítica", publica-
dos por Georg Meggle, e contendo uma grande riqueza de materiais, não
existe sequer u m a única contribuição dedicada ao conceito de natureza.
No centro de interesses da filosofia analítica encontram-se questões de
semântica, realismo, da relação alma-corpo, das relações de causalidade
natural e causalidade do agir e t c , mas não o conceito de natureza.
Todavia, se os autores contados nessa corrente raramente falam de
"natureza", muito falam no entanto de "naturalismo" e "antinaturalis-
m o " etc. A questão do "naturalismo" pode ser vista diretamente c o m o
u m dos problemas principais da filosofia analítica, e provavelmente não
será exagerado se dissermos que a maioria dos autores contados entre
os que pertencem à filosofia analítica supõe que, c o m isso, já se terá res-
pondido suficientemente à questão pela "natureza". C o m essa observação
concorda o fato de que Thomas Nagel, u m dos poucos que não compar-
tilham dessa convicção, é criticado veementemente dentro da filosofia
analítica, justamente por esse fato.

52 ntrodução à Filosofia da Natureza


Se aqui se contesta que a questão a respeito do "naturalismo" seja
idêntica à questão pela "natureza", c o m isso não se está colocando e m
questão o sentido do debate sobre o naturalismo, mas apenas esta pre-
tensa implicação: a questão a respeito do naturalismo não é idêntica à
questão da natureza porque precisamente a questão a respeito do natu-
ralismo implica uma decisão prévia sobre a questão da natureza, que já
não permite estender todo o espaço de possibilidade na qual a questão
da natureza pudesse ser tratada de maneira adequada. Q u e m , pois, iden-
tifica esses dois temas já se fixou prematuramente na posição N a t tot/cien

ou na Nat reg/ , cí<m , sem ter examinado as outras alternativas. Isso provém
imediatamente do problema fundamental do debate sobre o naturalis-
m o . Aqui está e m questão se o h o m e m , c o m todas as suas capacidades,
pode ser explicitado "naturalisticamente", isto é, pelas ciências da na-
tureza. Se respondermos afirmativamente a essa questão, teremos nos
fixado na posição N a t reg/Cien . Então, as outras alternativas são deixadas de
lado, e por isso quase e m parte alguma são ainda discutidas na filosofia
analítica. C o m o foi dito, pode-se m u i t o b e m supor que a maioria dos
filósofos analíticos tende para a posição N a t reg/[ien , razão por que são
abordados nesse parágrafo.

Quanto a filosofia da natureza é tratada c o m o um problema margi-


nal na filosofia analítica pode ser visto, ademais, também no fato de que
Ch. S. Peirce, considerado u m de seus pais e fundadores, foi recebido
ali essencialmente apenas c o m sua lógica e semiótica, mas não c o m sua
filosofia metafísica da natureza, que representa, n o entanto, a base para
suas reflexões teoréticas sobre os símbolos (cf. para isso PAPE, Introdução
a PEIRCE, 1 9 9 1 , e PAPE, 1 9 9 4 ) .

Concorda c o m isso ainda o fato de a filosofia da natureza de Aris-


tóteles — o qual pode ser visto c o m o detentor do posto de uma relação
não-científica c o m a natureza — ou não ser levada em consideração
na filosofia analítica o u ser levada e m consideração apenas na perspec-
tiva de seus resultados para o debate entre corpo e alma, portanto de
novo só para questões referidas ao naturalismo/antinaturalismo. Assim,
por exemplo, n u m artigo escrito por Hilary Putnam junto c o m Martha
Nussbaum (PUTNAM, 1 9 9 4 , p. 3 s s ) . M e s m o anteriormente, Putnam já ha-
via dado sinais de sua afinidade c o m a solução aristotélica do problema
corpo-alma, uma solução que se mantém além das contraposições infru-
tíferas entre materialismo e dualismo.
A partir daqui, não teria sido apenas natural, mas até imperativo re-
construir não apenas a teoria aristotélica da alma mas t a m b é m sua filosofia

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 53


da natureza, uma vez que as duas estão inalienavelmente unidas. Putnam,
no entanto, não avança c o m o pensamento nessa direção, embora e m seu
princípio esteja de fato contida a posição N a t reg/plur . Quando e m seu livro
Representação e realidade ele expressa a convicção de que "a variante por onde
se lê o m u n d o c o m o common sense é tão legítima quanto a versão científica"
(PUTNAM, 1 9 9 9 , p. 2 3 ) , então era natural não só fortalecer a importância
de uma folk psychology, diante da psicologia do cérebro, mas também for-
talecer u m m o d o de acesso fenomenológico à natureza, diante da ciência
rigorosamente aparelhada. Também Putnam revisou posteriormente sua
convicção originária, sustentada também por muitos outros filósofos ana-
líticos, segundo a qual os objetos mesocósmicos "nada mais seriam q u e "
moléculas; ele acabou concedendo ao objeto mesocósmico um status de
direito próprio (PUTNAM, 1 9 8 3 , p. 1 6 0 ; cf. também acima, n o ponto 1 . 1 . 1 ,
seu exemplo c o m a cavilha e o buraco).
Esse princípio grita, por assim dizer, por uma complementação da
filosofia da natureza, que ele já contém em gérmen, mas que jamais foi
desenvolvido, porque a questão da "natureza" na filosofia analítica é mais
marginal do que já terá sido e m toda a filosofia.
Se é correto que a maioria dos filósofos analíticos se fixou nas posi-
ções N a t toI/cicn o u Nat .rf g/[ien , então isso tem conseqüências agravantes para a
ética ecológica. Equipara-se a uma decisão prévia a favor de uma posição
antropocêntrica rigorosa (veja abaixo capítulo 5 ) . E visto que precisamos
repensar a posição antropocêntrica muito difundida, por causa dos efei-
tos catastróficos de nosso trato técnico c o m a natureza, uma fixação na
posição N a t tot/cien ou na N a t reg/cien impede essa discussão.
Contrariamente ao debate corpo-alma, à teoria da ação, ao debate
sobre o realismo e t c , na filosofia da natureza não se poderá remontar à fi-
losofia analítica c o m o quadro referencial. Esse juízo serve apenas de alerta
para o fato de que assinala apenas um rumo, que e m cada novo instante
poderia modificar-se. O filosofar analítico não está firmado e m conteúdos
determinados, mas num estilo determinado.

1.4 Natureza como uma grandeza regional,


mas com determinação pluralista (Nat reg/p |J

Se as outras concepções contêm falhas fundamentais, a posição N a t ^ ^


permanece firme, uma posição que deve ser justificada também interna-
mente e não só per modum exclusionis.

54 Introdução à Filosofia da Natureza


Contra tal justificação, surgem todavia importantes objeções. As al-
ternativas que surgem e m relação à ciência da natureza adquirem facil-
mente u m ar de místicas, incontroláveis. Na consciência geral ficaram,
por exemplo, o protesto de Goethe contra a física newtoniana, as especu-
lações extrapolantes dos filósofos da vida c o m o Friedrich Nietzsche, Lud-
wig Klages, Henri Bergson, o neovitalismo ou as sínteses espiritualistas
atuais de Fritjof Capra, David B o h m e muitos outros (crítica ao último:
2
MUTSCHLER, 1 9 9 2 ) .

Essas "alternativas" e m relação à Nat^ / d e n têm bons motivos para pare-


cerem muito pouco atrativas, motivo por que aqui se deverá seguir u m ca-
minho totalmente diverso, que exclui de antemão formas c o m o a mística da
natureza, a estética da natureza, o neovitalismo, u m élan vital irracional etc.
Como já foi ressaltado na introdução, a mística da natureza ou a es-
piritualidade da criação não pertencem ao âmbito da filosofia. E, c o m o
fundamento para uma filosofia da natureza que tenha vinculação universal,
uma estética da natureza também não serviria. Hoje, procura-se muitas ve-
zes fortalecer a estética c o m o u m corretivo para nosso trato técnico c o m a
natureza. Assim, por exemplo, Klaus Meyer-Abich diz o seguinte a respeito
das modificações técnicas do meio ambiente: "Antes, é preciso ponderar se,
por essas referidas modificações, o m u n d o se tornou mais belo e melhor
do que sempre foi... Em que por exemplo é mais belo um mundo c o m
tentilhões e faias do que sem eles?" (MEYER-ABICH, 1 9 9 7 , p. 3 9 6 - 3 9 7 ) .
Mas essas perguntas dificilmente podem ser respondidas. A maioria
dos alemães, por exemplo, acha feia uma floresta nativa, rica em espécies,
deixada naturalmente c o m o está, c o m o existe ainda e m parte na região
de Beyern; enquanto u m a floresta útil, moderna e arrumada, que é b e m
mais pobre e m espécies, é considerada "bonita". Por isso, e m sua Estética
da natureza, Martin Seel não sobrecarrega essa disciplina c o m pretensões de
fundamentação de uma ética ecológica ou de uma filosofia da natureza,
mas simplesmente classifica a beleza da natureza c o m o "parte de u m a
ética universal do b e m viver" (SEEL, 1 9 9 1 , p. 1 0 ) . C o m isso, não se emite
uma pretensão de validade que resgate a cognição para uma filosofia da
natureza, n e m sequer sua fundamentação.
O aspecto místico e o estético ficam de fora, portanto, quando está
em questão fundamentar uma pluralidade de perspectivas cognitiva-
m e n t e relevantes e m relação à natureza. Também as concepções anticien-
tíficas ficam de fora, portanto a filosofia da vida de Henri Bergson, por
exemplo, ou a teoria da entelequia de Hans Driesch, c o m o foi mostrado
neste parágrafo.

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 55

1
Apesar disso, sempre sobra alguma coisa. Assim, por exemplo, a b e m
fundamentada concepção de Lothar Schafer a respeito de u m "conceito
fisiológico da natureza" está e m condições de subtrair-se à alternativa
infecunda entre cientismo e mística da natureza. Apesar disso, surgem
importantes contribuições a essa posição da parte de Gernot G õ h m e e
seus discípulos. E, ademais, é tarefa justamente da presente investigação
abrir u m acesso à natureza, despretensioso e pluralista, a respeito de c o n -
textos práticos, sobre cujas implicações ontológicas ainda não refletimos
suficientemente.

1.4.1 O anticientismo: Henri Bergson, Hans Driesch

Muitas vezes se tentou conquistar u m acesso pluralista à natureza n o fron-


te da ciência da natureza. O princípio da filosofia da vida de Henri Berg-
son parte, por exemplo, do fato de que a ciência da natureza considera as
coisas apenas "de fora", a partir de seu aspecto mecânico, morto. O cien-
tista da natureza jamais vê as coisas e m sua essência, jamais é tomado pelo
"élan vital", q u e u m a corrente metafísica impregna o mundo, dispen-
sando sua vitalidade, enquanto a compreensão fria do cientista d e s m e m -
bra o devir e m imagens discretas, c o m base n o que o continuum do devir
jamais pode ser reconstruído. Por outro lado, o "élan vital" metafísico só
se comunica a u m a "intuição" que se transporta para o " i m o " da nature-
za, uma intuição que permanece sempre inacessível à compreensão; pelo
menos essa é a concepção originária de Bergson, a qual, todavia, n o curso
e m que se desenvolveu seu pensamento, não se pôde manter de maneira
c o n s e q ü e n t e (BERGSON, 1 9 3 0 ) .

Se u m a filosofia da natureza segundo a concepção Nat„ , l u r só pu-


desse existir à custa disso, seguramente seria vulnerável. Na filosofia n ã o
se pode apelar para intuições, acessíveis apenas a alguns escolhidos. A filo-
sofia está na obrigação de argumentar de m o d o que todos compreendam.
Ademais, u m princípio irracional n ã o pode se tornar inteligível. (Cf. a
crítica a essa posição e m KOLAKOWSKI, 1 9 8 5 , o u a reconstrução de Bergson
por PFLUG, 1 9 5 0 , que confirma essa crítica.)
Mas o neovitalismo de Hans Driesch não apresenta n e n h u m princípio
de conhecimento irracional. Driesch postulou, antes, uma força vital até o
presente desconhecida, a qual suspende e eleva as leis físicas n o vivente, o
que se chama de "entelequia". Essa entelequia, porém, devia ter as admi-
ráveis qualidades de ser igualmente u m "fator não-material", mas m e s m o

56 Introdução à Filosofia da Natureza


assim poder ser pensada "pela apreensão das ciências da natureza". Embora
muitas vezes esse neovitalismo de Driesch seja identificado com a teoria da
entelequia de Aristóteles, é claramente distinto dele. O ponto de partida de
Aristóteles não foi o domínio de leis presentes na natureza e passíveis de
ser computadas pela mecânica; e, m e s m o que esse tivesse sido seu ponto
de partida, ele não teria acreditado que pudessem ser suspensas e eleva-
das por uma misteriosa entelequia, pois e m Aristóteles existe u m âmbito
com diversos níveis da relação matéria-forma, em que a forma superior
jamais despotencializa as inferiores, mas, c o m o e m Hegel, "subsume-as".
N o mais, Driesch nega qualquer conceito mecânico nos viventes, enquanto
Aristóteles reconhece esse aspecto c o m o u m m o m e n t o subordinado nos
mesmos. Por fim, Driesch indicou explicitamente que sua teoria da entele-
quia nada tinha a ver c o m a de Aristóteles, o que, objetivamente falando, é
, muito correto (DRIESCH, 1 9 2 2 , p. 4 - 5 , 1 6 9 , 1 8 1 - 1 8 2 ) .
Essa observação pode ser significativa, porque aqui a concepção de
Aristóteles deve ser justificada c o m algumas restrições importantes. É
necessário separá-la nitidamente do neovitalismo. Ademais, esbarramos
e m juízos genéricos c o m o o de Stegmüller, que identifica igualmente a
posição aristotélica c o m a neovitalista. Sobre os que aceitam que na na-
tureza há uma entelequia, ele diz: "Hoje, q u e m afirma esse tipo de coisa
não pode esperar ser levado a sério por cientistas da natureza, assim
c o m o já de há m u i t o tempo n i n g u é m que afirmasse que os planetas são
movidos por espíritos de m o d o algum foi levado a sério" (STEGMÜLLER,
1 9 8 3 / 1 , p. 6 4 4 , 6 7 7 ) .
No debate corpo-alma ou espírito-cérebro, a tese do "fechamento cau-
sal do m u n d o " vale muitas vezes c o m o uma conseqüência rigorosa extra-
ída da ciência da natureza, que se fosse contestada desembocaria numa tal
teoria do espírito herética. Sob tal rubrica vem subsumido então também o
pampsiquismo, c o m o aquele defendido por Thomas Nagel e outros.
E, visto que a posição favorecida aqui possui afinidade c o m u m tal
(proto) pampsiquismo, é preciso chamar a atenção para o fato de que o
discurso sobre "fechamento causal do m u n d o " não tem uma ligação tão
rigorosa c o m os procedimentos da ciência da natureza c o m o muitas vezes
se afirma. Tal discurso pressupõe que a categoria da causa possa ser defini-
da sem qualquer contexto e não tenha nenhuma relação de interesse; que
ela descreve, portanto, o "mundo em si". Mas há muita coisa que depõe
contra isso (cf. por exemplo PUTNAM, 1 9 8 3 , p. 2 0 5 S S ) .
Todavia, se a categoria da causa não tem referência c o m a "coisa e m
si", então pode haver outras perspectivas que não entram e m conflito

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 57

I
com ela. É possível, portanto, fortalecê-la, sem que por isso ela se torne
logo e m neovitalismo.
Em todo caso, se, c o m o faz Bergson, compreendermos o acesso não-
científico à natureza c o m o negação da racionalidade e m geral o u c o m o
suspensão da normatividade fisical e m particular, c o m o faz Driesch, a
posição N a t re8/pJur irá tornar-se obsoleta. Sabe-se das conseqüências disso
em Driesch, u m a vez q u e todos os pretensos efeitos empíricos de sua
"entelequia", mais tarde, puderam ser explicitados m e s m o sem esta.
Embora o neovitalismo acabe n o ridículo, sempre de novo surgem
tentativas de deduzir o aspecto "espiritual" de causas diretamente fisicais,
c o m o p o r exemplo nos "campos morfogenéticos" de Rupert Sheldrake
(SHELDRAKE, 1 9 8 4 ) . Não é de admirar que o fato deTeilhard de Chardin
ter considerado sua teoria do ponto-0 c o m o hard science muito tenha c o n -
tribuído para que sua concepção alternativa de natureza passasse quase
despercebida (TEILHARD, 1 9 6 9 ) .

Se quisermos fortalecer a multiplicidade de perspectivas e m relação


à natureza, da qual faz parte também a autonomia d o espiritual diante da
matéria, isso não deverá acontecer nos moldes da instauração de uma con-
corrência contra a ciência da natureza. Por isso, deve-se escolher aqui u m
caminho totalmente diferente. De fato, as implicações ontológicas de nos-
sa relação prática c o m a natureza estão longe de ter-se esgotado. Existem,
por exemplo, procedimentos modernos n o campo da biônica, da ciber-
nética, da técnica-artificial-life e t c , que, vistos de perto, apóiam-se numa
ontologia não-reducionista, uma vez que restituem o paralelo aristotélico
dwcaç-iéxvri, c o m o será mostrado mais demoradamente n o capítulo 4 .
Mas m e s m o independentemente disso, já existem agora princípios
que mostram o que se poderia ter e m mente, de m o d o significativo, c o m
a posição N a t reg/Cien .

1.4.2 O "conceito fisiológico de natureza" e m Lothar Schafer

Com seu "conceito fisiológico de natureza" (SCHAFER, 1 9 9 9 , p. 2 2 3 s s ) ,


Schafer elege u m ponto de partida que se mantém de m o d o conveniente
aquém da alternativa infrutífera entre u m cientismo b o b o e u m a m e -
tafísica exagerada, na medida e m que, a uma vez, ordena e delimita os
resultados da ciência da natureza e da técnica.
Resumindo, seu princípio é o seguinte: o ponto de partida é a crise
ecológica, a qual desperta a suspeita de que suas causas poderiam estar liga-

58 Introdução à Filosofia da Natureza


das c o m a forma de nosso saber a respeito da natureza e c o m uma técnica
fundamentada naquele. Schafer se opõe à tentativa de buscar remédios nos
quadros de uma metafísica da natureza, encarregada do papel normatizador
e de uma reformulação do saber técnico da ciência da natureza.
C o m razão, Schafer mostra o déficit de fundamentação, as falácias
ocultas, as falhas naturalísticas de dedução geradas conseqüentemente
pela tentativa de fundamentar uma normatividade a partir da ciência;
ademais, é procedente também a afirmação de que não há alternativas
ao nosso saber provindo das ciências da natureza, n o que se refere aos
problemas do embate c o m o mundo.
Segundo Schafer, a crise de nossa relação c o m a natureza não tem
sua origem n o fato de nosso saber ser falso ou inadequado, mas n o fato
de permanecer abstrato e de abstrair de nosso entretecimento físico c o m
o processo da natureza.
Segundo Schafer, ainda, esse entretecimento constitui nossa primordial
experiência da natureza. Está centrado n o corpo e jamais está desprovido
de valores, visto que sob essa perspectiva julgamos tudo ou c o m o favorá-
vel ou c o m o desfavorável.
Dali, surge u m duplo conceito de natureza, reciprocamente referido
dentro de uma hierarquia:
1 . 0 "conceito fisiológico de natureza", relacionado c o m a mudança
orgânica da matéria.
2. O "conceito cosmológico de natureza", que compreende a natu-
reza de m o d o kantiano, c o m o "conteúdo interno dos fenômenos sob leis
universais".
O conceito n. 1 é primordial; ele não suspende o n. 2 , mas apenas
o delimita.
Schàffer concebe o entretecimento do h o m e m c o m a natureza nos
moldes de uma medicina, que amplia o bem-estar corpóreo por sensores
científicos, visto que, e m última instância, de m o d o direto não sentimos
n e m a presença de c h u m b o e m nossa alimentação, n e m eventuais conta-
minações radioativas n e m as conseqüências imperceptíveis e sorrateiras
do efeito estufa.
Mas o ponto central do "conceito fisiológico de natureza" de Schafer
é precisamente o seguinte: enquanto às teorias fisicais e à técnica nelas
radicada não foi imposto n e n h u m limite, a existência corpórea é uma
existência sempre limitada, já por causa do envolvimento e dependência
metabólicos de nosso corpo nos processos circulatórios da natureza, a
qual, por sua vez, é sempre limitada.

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza S9

1
Enquanto para a ontologia antiga o ur| iévcu elç cciTeipov, isto é,
a proibição de um regresso infinito, valia c o m o u m axioma insuperá-
vel — Aristóteles sempre toma esse axioma c o m o u m axioma que dis-
pensa fundamentação — , todo nosso e m p e n h o técnico para suplantar
o m u n d o está enraizado, desde a revolução industrial, na idéia de u m a
permanente ruptura de limites (cf. a crítica a isso de MUTSCHLER, 1 9 9 8 ) .
Do m e s m o m o d o , t a m b é m teorias fisicais modernas não estabelecem
por si n e n h u m limite energético o u material, e m todo caso n e n h u m li-
2
mite que pudesse ser ecologicamente relevante. E = m c seria verdadeiro
m e s m o que a totalidade da massa do universo explodisse em partículas.
De maneira puramente matemática, pode-se pensar o "infinito-atual" ou
realizar uma "indução perfeita", que percorre o infinito. Esses procedi-
mentos matemáticos não só não limitam o regresso ao infinito, c o m o
até estão nele ancorados, na medida e m que deles lançam m ã o c o m o
princípio demonstrativo.
Nossa física, no entanto, funciona dentro de limites b e m determi-
nados. Na medida em que sobrecarrega o conceito c o s m o l ó g i c o de natu-
reza c o m o conceito fisiológico, Schafer consegue introduzir novamente
o conceito de rrépctç — que na ontologia antiga vinha ligado c o m o c o n -
ceito de elòoç — , sem pressupor c o m o válida uma metafísica do eiõoç;
e ele faz isso na medida e m que aproxima grandemente o " c o n c e i t o
fisiológico de natureza" ao conceito aristotélico de experiência, o qual,
por seu turno, repousaria na "centralização corporal e sensorial" e nessa
medida estaria contraposto à experiência da ciência moderna. Resumin-
do: o que Schafer recupera aqui é o ponto de vista aristotélico, e não sua
teoria complexa, que sob os condicionamentos m o d e r n o s encontraria
dificuldade para ser justificada.
Pode-se dizer, sem exageros, que buscar fundamentos convincentes
para delimitar a intervenção técnica das ciências da natureza é a condição
sine qua non de toda e qualquer filosofia da natureza futura que queira c o n -
tribuir e ser levada a sério do ponto de vista científico.
Muitos críticos da idéia do progresso técnico das ciências da natureza
perceberam naturalmente que, se não for contida, a elefantíase aninhada
nesses pensamentos deverá levar a uma catástrofe. Mas donde se deverá
tomar a idéia de uma delimitação imanente, uma vez que não se quer su-
por a validade n e m de uma filosofia antiga do eíôoç? Heidegger, u m dos
críticos mais agudos dessa progressiva ruptura de limites, nessa questão
simplesmente apela para determinadas populações de abelhas, presas n o
círculo do que lhes é possível (HEIDEGGER, 1 9 8 5 , p. 9 4 ) , c o m o se u m dos

60 Introdução à Filosofia da Natureza


títulos de nobreza do h o m e m não fosse justamente o fato de ele estar em
condições de romper c o m a surda ligação instintiva do animal!
Outros autores lançam m ã o da ecologia e designam determinados
estados de equilíbrio da natureza c o m o normativos. A natureza, porém,
está destruindo constantemente seus próprios estados de equilíbrio, e o
próprio h o m e m sempre fez isso, desde o m o m e n t o e m q u e c o m e ç o u a
intervir na natureza. Ademais, a ecologia científica só pode fazer declara-
ções do tipo " s e . . . então". Não está e m condições de designar determi-
nados estados c o m o desejáveis ou até normativos.
Diante dessas deduções míopes, o princípio de Schäfer se caracteriza
pelo fato de poder fornecer razões claras para uma delimitação do pro-
gresso técnico das ciências da natureza, a partir de seu conceito fisioló-
gico de natureza.
Todavia, a posição que ora se defende distingue-se da posição de
Schäfer pelo fato de que é j o s s í v e l , sim, se fixar n u m conceito de natureza
qualificada pela autofinalidade; mas n e m por isso esse conceito precisa
fundar normas, pois, do ponto de vista normativo, tem u m caráter mera-
mente relevante, c o m o se verá mais de perto no capítulo 4 .
Essa diferença foi caracterizada por Martin Seel c o m uma expressão
muito feliz: trata-se da contraposição entre uma "apropriação prudente e
u m reconhecimento respeitoso" da natureza (SEEL, in: KREBS, 1 9 9 7 , p. 3 0 7 ) .
É evidente que, numa filosofia que c o m Schäfer se fixa n o "projeto-
baconiano", só é possível fundamentar uma "apropriação prudente" da
natureza. Mas m e s m o isso já é muita coisa, e já é uma correção importan-
te, que nenhuma filosofia da natureza deveria descurar, m e s m o que ela
partilhe c o m esse autor a convicção de que u m "reconhecimento respei-
toso" da natureza não só é uma exigência ecológica c o m o também deve
poder ser fundamentado filosoficamente, sem andar tateando n o acaso
de u m "deus sive natura", c o m o se tornou moda entre alguns éticos da
ecologia, que por m e d o diante das ameaças da modernidade, se lançam
regressivamente n o grande colo da primitiva m ã e natureza. ,

1.4.3 A "fenomenologia da natureza" d e Gernot Böhme e a teoria


da entelequia, reformulada por Christoph Rehmann-Sutter

A passagem de uma "prudente apropriação" para u m "reconhecimento


respeitoso" foi feita por Gernot B ö h m e e seus discípulos. J u n t o c o m Her-
mann Schmitz, seu ponto de partida costuma ser a experiência corpórea,

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 61


c o m o é encontrada antes de toda objetivação do corpo c o m o u m corpo
fisical (SCHMITZ, 1 9 6 4 s s ) . Depois disso, eles estendem essa experiência do
corpo t a m b é m para dentro da natureza c o m o argumento — que ultra-
passa o conceito de Schmitz — de que em nossa experiência corpórea
podemos nos experimentar t a m b é m como natureza. Esse princípio tem mui-
to parentesco c o m o conceito fisiológico de natureza de Lothar Schäfer.
Diante de concepções puramente fisicalistas, o corpo humano, no ponto
de intersecção entre natureza e cultura, hoje, cada vez mais, parece tornar-
se o foco central de observação.
B ö h m e esboçou uma ampliação de seu princípio projetando-o para
dentro da química aristotélica (teoria dos quatro elementos) e para dentro
da teoria das cores de Goethe (BÕHME/SCHIEMANN, 1 9 9 7 , p. 1 lss, 1 3 3 s s ) .
Essa c o n c e p ç ã o foi aprofundada pelo discípulo de B ö h m e , Jens
Soentgen ( 1 9 9 7 ) , em sua pesquisa sobre "O imperceptível — Descri-
ções fenomenológicas de materiais, coisas e figuras fractais". Essa pes-
quisa contém uma série de observações refinadas de c o m o se nos mostra
a matéria e m nossas posturas dentro do m u n d o da vida. Parcialmente,
Soentgen desenvolveu categorias totalmente novas. Infelizmente, o status
dessas observações não ganha maiores esclarecimentos, assim c o m o o
próprio Schmitz tinha a tendência de simplesmente alocar sua filosofia da
vida além da medicina e da biologia estabelecidas.
Na realidade, tal procedimento só enfraquece a posição fenomenoló-
gica, pois u m "cientista" deve sempre supor que a experiência do corpo, a
partir de seu aspecto interior, e a experiência da natureza exterior, feita n o
m u n d o da vida, podem fornecer apenas pontos de vista heurísticos para
aquilo que, ademais, a ciência da natureza sabe muito melhor.
Uma fenomenologia da natureza deveria mostrar em que medida o
posicionamento diante da natureza, pautado n o m u n d o da vida, é pri-
mordial, e e m que medida todo aparato experimental é secundário, pois
vem ancorado sobre aquele outro posicionamento.
Q u e m buscou implementar esse projeto foi o discípulo de B ö h m e -
Schüller Christoph Rehmann-Sutter ( 1 9 9 6 ) ; tal projeto vem relacionado
com o problema do vivente, e isso nos quadros de u m a reformulação da
teoria aristotélica da entelequia. Todavia, o autor restringiu essa teoria ao
vivente, ao contrário da teoria de Aristóteles, que fazia referência a todo
ente da natureza.
Rehmann-Sutter parte de u m ato básico da práxis hermenêutica que
nos mostra qjvivente não apenas c o m o u m nexo causal, mas igualmente
c o m o u m ser que tem uma finalidade e m si mesmo- É verdade que se

62 Introdução à Filosofia da Natureza


pode objetivar a vida, mas nesse caso nosso próprio entretecimento no
processo é muito facilmente desconsiderado.
Rehmann-Sutter apóia-se na distinção aristotélica entre Troínoiç
e irpâÇiç, produção artesanal e ação e m sentido próprio. Segundo ele,
u m a se caracteriza pelo fato de que a finalidade do produzir está fora
de q u e m produz, enquanto o agir e m sentido próprio carrega sua fina-
lidade e m si m e s m o .
É no conceito de "entelequia" que Rehmann-Sutter vê o lugar-te-
nente dessa autofinalidade presente na natureza. Mas essa "entelequia"
não existe " e m s i " , c o m o implicação de uma esvoaçante metafísica do
ser; antes, ela se fundamenta, por assim dizer, nos quadros da filosofia
transcendental, a partir de uma praxis humana, c o m o u m âmbito de au-
tofinalidade, ao qual, segundo Aristóteles, pertencem igualmente o ver,
o pensar e o próprio viver. Em seguida, Rehmann-Sutter vê esses atos
básicos que contêm a finalidade em si m e s m o s também na natureza viva
e exterior, e isso dentro dos quadros categoriais da "percepção", " c o m u -
nicação" e "desenvolvimento" (REHMANN-SUTTER, 1 9 9 6 , p. 2 5 9 s s ) .
Por mais que se queira concordar c o m o autor sobre o fato de que se
devem corrigir filosoficamente os procedimentos da ciência e da técnica,
coisificando o vivente e reduzindo-o a funções, torna-se problemático
querer encontrar por toda parte essa autofinalidade n o nível dos " o b -
jetos", pois para isso deve-se mostrar que esses possuem propriedades
essenciais que escapam ao domínio da biologia científica.
Quando lemos os parágrafos correspondentes e m Rehmann-Sutter,
logo chama a atenção que ali ele fala quase exclusivamente de seres hu-
manos. Em relação à comunicação humana, por exemplo, pode ser plau-
sível afirmar que u m paradigma funcional nos moldes do computador
não serve para descrever seu caráter de autofinalidade ( o que dificilmente
se pode negar). Mas por que a imagem de abelhas dançantes deveria e x -
pressar autofinalidade, onde praticamente tudo indica que sua significa-
ção é puramente funcional?
Rehmann-Sutter chega a supor que as bactérias estejam dotadas de
u m "perceber", n o sentido prático de "atualidade", mas l o g o depois
reconhece: "naturalmente que na observação desse perceber não pode-
m o s adquirir c o n h e c i m e n t o " . Outros exemplos têm u m peso empírico
maior. Assim, o autor m e n c i o n a pesquisas sobre o canto do melro, cujos
resultados mostram que os animais cantam de m o d o que empregam a
plenitude da imaginação, quando o fazem livres de finalidades (REHMANN-
SUTTER, 1 9 9 6 , p. 2 9 9 , 3 2 1 s s ) .

As diversas posições no espaço de possibilidade da filosofia da natureza 63

I
O problema desse princípio é, portanto, que a autofinalidade na
natureza possui o m o d o de ser estético, preferentemente flutuante, de
forma que traz empecilhos para o conceito e se torna equívoco para a
experiência.
Embora deva ser permitido a u m filósofo sistemático tratar os c o n -
ceitos históricos contra seu curso natural, pode-se perguntar para além
da solidez exegética se faz algum sentido desatrelar tanto, da causalidade
poiética, a questão da teleologia da natureza, c o m o o faz Rehmann-Sutter.
Em Aristóteles o produzir artesanal é u m paradigma que perpassa toda
sua física e metafísica. C o m o deverá ser mostrado n o quarto capítulo, ain-
da hoje remontamos seguidamente a esse paradigma, m e s m o que mais
bem informados pela técnica cientificizada.
C o m o foi mostrado, se há discursos b e m formados que partem do
pressuposto de uma natureza que atua poieticamente a partir de si m e s -
ma, já nesse ponto se terá tomado uma decisão irrefutável r u m o a uma
autêntica filosofia da natureza do tipo N a t res/plur . E então encontramo-nos
igualmente no terreno de uma experiência controlável.
O motivo por que Rehmann-Sutter não trilha esse caminho aqui fa-
vorecido reside e m seu temor de que o paradigma da técnica represente
apenas a continuação do fisicalismo e, c o m o esse, leve à reificação do viven-
te. Há uma diferença, no entanto, entre simplesmente fazer uso do vivente
— c o m o na biotecnologia — e conceber a natureza c o m o algo que cons-
trói a si m e s m o segundo finalidades. Em relação a tal "natureza", podemos
também ter respeito. Por isso, essa investigação se apoia rigorosamente na
teoria aristotélica da correspondência natureza-técnica, ao que Rehmann-
Sutter não deu uma importância positiva.
M e s m o assim, esse trabalho é uma tentativa louvável de conquistar
uma nova e mais livre relação c o m a natureza, partindo da práxis humana
e da impossibilidade de superar sua constituição hermenêutica; todavia,
deve-se reconhecer que todo e qualquer procedimento dessa ordem leva
diretamente para dentro da metafísica. Mas quando, aqui, Rehmann-Sut-
ter fala de uma "metafísica negativa" — supondo que esse conceito tenha
algum sentido — , seguramente, isso é muito p o u c o para q u e m quer re-
formular a teoria da entelequia.

64 Introdução à Filosofia da Natureza


Capítulo 2
A tensão entre teoria e praxis

Os conceitos de natureza de Lothar Schafer e Christoph Rehmann-Sutter


serviram de exemplos para a posição N a t reg/pluI . Ambos consistiam e m le-
var a sério a práxis, seja n o sentido derivado de necessidades fisiológicas
ou no sentido enfático do aspecto ético-prático.
Também nos capítulos subseqüentes, procura-se seguir essa estraté-
gia para fundamentar a posição N a t reg/plur . Já se vai muito tempo que não
se exploram até esgotar as implicações de nossa relação prática c o m a
natureza. Para que essa relação se torne fecunda, é preciso redimensionar
a tensão entre teoria e prática. Não são poucos, porém, os autores que
consideram essa tensão u m problema "da velha Europa", isto é, u m pro-
blema ultrapassado.
A exemplo das teorias da unidade-do-todo (AfJeinheit), altamente
metafísicas, mencionadas no ponto 1.2, existem também tentativas de
fundamentar tal doutrina da unidade sobre uma base empírica. Se isso fos-
se plausível, os ensaios apresentados aqui ficariam imediatamente sem
qualquer valor, visto que colocar a tensão entre teoria e práxis, natureza
e subjetividade de u m m o d o finito, empírico, significaria sua desapa-
rição. E visto que esses ensaios, que se consideram "pós-metafísicos",
exercem grande influência e devem ser refutados neste capítulo. Então
ficará evidente que uma teoria da unidade-do-todo que pretende superar
a contraposição-sujeito-objeto não terá sucesso sem u m forte princípio
especulativo fundamental, m e s m o que tal princípio se esconda por trás
de conceitos aparentemente tão inofensivos c o m o "informação", "cogni-
ç ã o " , "auto-organização" ou "autopoiesis".
Quanto é forte ainda hoje a tendência de dissociação entre teoria e
práxis, levando a uma relação antagônica, pode ser visto na diferença exis-
tente entre a teoria da ciência analítica e o princípio construtivista da "Es-
cola de Erlangen".
Teóricos da ciência analítica, portanto autores c o m o Rudolf Carnap,
C. G. Hempel, Wolfgang Stegmüller e t c , construíram seu conceito de ra-
cionalidade alinhado ao conceito da física teorética, tendendo a simples-
mente negar o papel constitutivo dos procedimentos pragmáticos prévios
para a ciência rigorosa.

65
Os autores da teoria da ciência, pertencentes à corrente adversária, a
"Escola de Erlangen", pelo fato de tenderem a absorver a teoria tirando-a
da práxis, fazem c o m que esse problema desapareça. Autores c o m o Paul
Lorenzen, Jürgen MittelstraB ou Peter Janich não compreendem a ciência
construtivisticamente c o m o teoria, à qual correspondem certas entidades
na natureza, mas instrumentalisticamente, c o m o u m mero apoio para a
práxis técnica. Assim, por exemplo, Peter Janich nega que, "na maioria
dos filósofos da natureza, as teorias da ciência da natureza tenham a vali-
dade de sistemas enunciativos c o m caráter de afirmação". Sua tese oposta
reza que, " e m última instância, as ciências da natureza nada mais são que
u m know-how técnico". A partir daí, por exemplo, já não há ontologia da
física. Esta já não se pauta c o m algo c o m o "leis da natureza". Janich diz:
"Desse m o d o , 'leis da natureza' não passam de enunciados sobre máqui-
nas funcionais; sim, m e s m o sem reformulações, podem muito b e m ser
tomadas c o m o instruções para construção para máquinas" (JANICH, 1 9 9 2 ,
p. 2 0 0 - 2 0 1 ; p. 2 0 7 ) .
Vê-se, n o entanto, que essa afirmação não pode ser verdadeira. Assim,
por exemplo, as leis newtonianas ou as equações de Maxwell não podem
ser tomadas c o m o instruções de procedimento para construção de reló-
gios ou aparelhos de rádio, já devido a sua forma matemática. C o m o tal,
nenhuma equação matemática serve c o m o indicação do m o d o de proce-
der. Em relação a instruções de procedimento, as teorias físicas possuem
u m caráter meramente mediador. Visto não serem teleológicas, seu fim, ao
qual poderiam estar a serviço, lhes advém sempre apenas de fora.
Na medida e m que deixa de lado a ontologia, fazendo c o m que a teo-
ria se resuma à práxis técnica, o teórico construtivista já dissolveu a tensão
entre teoria e práxis a partir da posição contraposta, diferentemente do
teórico analítico da ciência, que minimiza a importância da práxis.
Nesse contexto, o filósofo Hans-Michael Baumgartner fala da " n e -
cessidade de uma dupla consideração do m u n d o " . A questão de fundo
seria: " O cientista da natureza, que se preocupa c o m u m a concepção de
realidade condizente c o m os princípios fundamentais da física, c o m o se
relaciona consigo m e s m o enquanto u m h o m e m que não apenas observa
e forma teorias, mas ao m e s m o tempo em que observa e experimenta
está agindo e se comunicando c o m outros pesquisadores?" (BAUMGARTNER,
1 9 9 1 , p. 2 1 4 - 2 1 5 ) .
Em relação a essa problemática, Baumgartner é de opinião de que o
agir do cientista não pode ser suficientemente descrito c o m os recursos
<le sua teoria, nem, ao contrário, se pode reconstruir sua teoria c o m o

Introdução à Filosofia da Natureza


mera forma de domínio prático do mundo. A tensão entre teoria e praxis
continua existindo, portanto. Estreitamente vinculada c o m isso, articula-
se também essa tensão na discussão do problema corpo-alma ou cérebro-
intelecto, na controvérsia a respeito da contraposição entre "explicitar"
e "compreender", ciência da natureza e ciência do espírito etc. Não é
necessário ser u m dualista ontológico para constatar as diferenças m e t o -
dológicas que se manifestam na formulação de tais contraposições.
Se, a seguir, vai-se procurar manter u m a clara distinção entre "teo-
ria" e "praxis", e se o campo do agir prático irá ganhar uma distinção e m
contraposição ao campo "técnico-prático" e "ético-prático", não significa
que essas distinções designem âmbitos passíveis de separação ontológi-
ca, que pudessem ser apontados c o m o dedo. Quando, por exemplo, se
indica que quase não há teoria física alguma que não possa ser utilizada
também n o âmbito técnico-prático, ou que talvez aquela só tenha surgido
por causa de uma praxis técnica, e que ademais não há nenhuma praxis
técnica desvinculada do âmbito moral, e que, portanto, todo agir técnico
deve ter q u e m por ele responda, isso tudo não representa u m argumento
contra essas distinções.
Está perfeitamente claro que n o processo concreto todos esses as-
pectos se interpenetram. Só que: não é possível compreender sua per-
tença interna se não são analiticamente discutidos e se não se explicita
a lógica interna própria de cada um. Assim, o c a m p o técnico-prático
não é o local para decidir sobre a validade de normas morais. Dito e m
linguagem kantiana: o aspecto técnico-prático é o â m b i t o "dos impera-
tivos hipotéticos", apenas que ali se devem esclarecer quais são os m e i o s
mais adequados para tais fins preestabelecidos. Saber se as n o r m a s que
guiam a ação são, por seu turno, "racionais" ou não, isso é u m a questão
que já não pertence ao â m b i t o da técnica.
Como foi mostrado contra Peter Janich, uma teoria física, ao con-
trário, a partir de si própria, não implica nenhum imperativo técnico. A
própria teoria é sui generis. Também uma disciplina tão distanciada da praxis
c o m o a cosmologia física possui sua própria significação, m e s m o se se
tornasse evidente que ela só nos esclarece c o m o o cosmos se desenvol-
veu e m seus grandes planos, sem outorgar qualquer emprego utilitário.
Mesmo a curiosidade puramente teorética, o empenho e m apenas querer
saber " c o m o foi", é legítima, sendo que, muitas vezes, paradoxalmente ou
de maneira determinada, é justamente aquilo que se busca sem qualquer
finalidade que se apresenta c o m o especificamente adequado ao fim. Assim,
por exemplo, Albert Einstein estava convencido de que a teoria da relati-

A tensão entre teoria e praxis 67


vidade não teria qualquer utilidade prática. E, no entanto, desprovidos de
sua teoria, hoje já não poderíamos construir qualquer acelerador de áto-
2
mos elementares. E nenhuma b o m b a atômica funciona sem E = m c .
Para determinar mais de perto o status da "teoria" diante do da "pra-
xis", são muito úteis certas distinções fundamentais extraídas da herme-
nêutica filosófica. Na seqüência, o autor apóia-se na explanação feita por
Matthias Jung, que desvincula a hermenêutica filosófica de sua orientação
estrita, dada por H. G. Gadamer, a saber, sua concentração em textos consi-
derados canónicos e sua abstinência diante das ciências da natureza; e m vez
disso, c o m Wilhelm Dilthey e Martin Heidegger, fundamenta a hermenêu-
tica filosófica, tomando a pragmática c o m o ponto de partida e criando uma
relação positiva c o m a intervenção alternativa das ciências da natureza.
A respeito do postulado do primeiro Heidegger, Jung diz o seguinte:
"Ali, o pointe hermenêutico reside e m que os fatos somente são acessíveis
através de sua significação. Segundo o parecer de Heidegger, de m o d o al-
gum tomamos conhecimento do mundo sem mediação, num m o d o cog-
nitivo neutro, para só depois, num segundo passo, pensar e m sua significa-
ção. Antes, é exatamente o contrário que se dá: os fatos da vida só estão aí
para nós, c o m o tais, c o m o fatos interpretados por interesses vitais e assim
significativos. E assim que os homens já nascem hermenêuticos, e o m o d o
fundamental de seu ser-no-mundo é compreender". Vivemos, portanto, de
imediato, num "mundo de expressão" social, que segundo a lógica semân-
tica, precede o mundo das objetualidades teoréticas. A hermenêutica te-
matiza a perspectiva da primeira pessoa, a ciência da natureza a da terceira
pessoa: " O pensamento hermenêutico está referido à realidade enquanto esta
é interpretada humanamente, à realidade semântica que foi apropriada, en-
quanto correlato da experiência de vida especificamente humana, e somen-
te a esta. Com isso, distingue-se de seu lado contraposto, a teoria da ciência,
o pensamento naturalista, o qual, do ponto de vista do método, não parte
do humano, mas da natureza" (JUNG, 2 0 0 1 , p. 2 3 ; 9 5 ) .
Por conseguinte, essa capacidade "de considerar duplamente o mun-
do" acaba gerando u m paradoxo, o qual não deveríamos abrandar displi-
centemente por meio de teorias da unidade-do-todo, tiradas da autopoiese,
da cibernética e da teoria dos sistemas ou da sociologia.
Todo físico está convencido, hoje, de que, na cosmologia física, des-
crevemos o desenvolvimento das grandes linhas do universo do m o d o
c o m o teria se desenrolado de fato, m e s m o que ninguém o tivesse obser-
vado. Thomas Nagel caracterizou sugestivamente essa perspectiva c o m o
termo "mirada de parte alguma" (NAGEL, 1 9 9 2 ) .

68 Introdução à Filosofia da Natureza


Essa neutralidade da mirada não se detém diante do h u m a n o , quan-
do este vem descrito a partir da pura ciência da natureza, c o m o na fi-
siologia cerebral, por exemplo. Então, junto c o m Thomas Metzinger, de-
veríamos chegar à conclusão de que o eu seria uma ilusão de ninguém
(METZINGER, 1993).

Ora, tudo isso é u m tanto absurdo. Não existe um cosmos nu, exis-
tente e m si m e s m o , que poderia ser visto independentemente da inter-
venção de nossas categorias, n e m pode alguém que de m o d o algum exis-
te ter qualquer ilusão.
E por isso que existe o m o v i m e n t o contraposto: sobretudo seguin-
do o paradigma de Fichte — que em sua "teoria da c i ê n c i a " tentou
reconstruir toda objetividade c o m o forma de subjetividade, reconstruir,
portanto, o " n ã o - e u " c o m o forma do " e u " — , os construtivistas m o -
dernos reforçam o caráter inevitável do círculo h e r m e n ê u t i c o , e quiçá
reforçam-no de tal m o d o que o aspecto objetivo tem a tendência de
desaparecer por trás da atividade construtiva do sujeito. Isso ficou claro
e m relação aos "construtivistas de Erlangen", citados acima, portanto
autores c o m o H u m b e r t o Maturana, Francisco Varela, Ernst Von Glasers-
feld, Heinz Von Foerster etc.
Tal tentativa — e m última instância igualmente absurda — de retirar
do m u n d o o objeto e sua dinâmica própria (cf. a crítica a esse ponto e m
Mutschler, 1 9 9 6 ; 1 9 9 8 ) corresponde, quanto a ser t a m b é m absurda, es-
pecularmente ao view from nowhere de Thomas Nagel: uma vez o cosmos se
mostra c o m o se ninguém o fosse ver, outra vez, c o m o se ele se reduzisse
e m ser visto. E justamente nessa contraposição que se articula a tensão
designada aqui c o m os conceitos tradicionais de "teoria" e "praxis", visto
esses terem sido tratados sob esses motes, desde séculos.
Se considerarmos c o m o a propriedade central de nosso ser-no-mun-
do prático, guiados pelo interesse, relacionar-nos a contextos simbólicos,
e c o m o propriedade central de nossa relação teórica c o m o mundo, por
m e i o de juízos que simplesmente constatam e são neutros e m relação aos
fatos, dar expressão ao que é, então teremos aceitado de imediato a concep-
ção tradicional, segundo a qual a natureza representa o fático e a socieda-
de, o simbólico, e ambas contrapondo-se c o m o "teoria" e "praxis".
Foi nesse sentido que Jung referiu o pensar hermenêutico "à realida-
de enquanto esta é interpretada humanamente", "e somente a esta". Desse,
ele distinguiu o "pensamento naturalista, o qual, do ponto de vista do
método, não parte do humano, mas da natureza". Essa diferença, porém,
ele a compreende não ontológica, mas gnoseologicamente: "Em sua ori-

A tensão entre teoria e praxis 69

II
gcm, a hermenêutica e o naturalismo não representam âmbitos de objeto,
mas abordagens metodológicas" (JUNG, 2 0 0 1 , p. 2 4 ) .
Se isso for correto, então os pares contrapostos fáctico — a natureza —
e simbólico — a sociedade — devem ganhar equilíbrio a cada vez por m e i o
de suas transposições dialéticas. Então, de imediato, talvez possa ser cor-
reto referir a ciência da natureza à natureza, e a hermenêutica ao universo
simbólico, social. Mas, uma vez que receba uma delimitação metodológica
nítida, o contrário também deve ser permitido: então haverá tanto uma
ciência natural do h o m e m quanto uma hermenêutica da natureza.
No que diz respeito à ciência natural do h o m e m , num nível su-
perficial ela se torna incontestável. Ninguém mais acredita hoje, c o m o
fizeram os vitalistas, que as leis da física, da química e da biologia não
exerçam sua força n o corpo humano. Toda a medicina instrumental, que
é muito poderosa, está alojada sob esse fato. O s limites desta n o contexto
psicossomático indicam, porém, a precariedade dessas restrições: ao e m -
pregarmos n o h o m e m as ciências da natureza, as quais afastam tudo que
é subjetivo, deveríamos estar todo o tempo cientes de que as pretensões
de validade ligadas c o m tal procedimento são bastante restritas. Ora, de
m o d o algum isso se dá na opinião pública. Do contrário, não poderia ha-
ver n e n h u m debate acirrado a respeito de uma redutibilidade do h o m e m
provocada pelas ciências da natureza.
Dá-se o contrário; e aqui se vê que o peso demonstrativo está muito
mal distribuído, do contrário faria sentido também falar de uma " h e r m e -
nêutica da natureza".
Embora, e m geral, não sejam muito aceitas e, contrariamente ao
e m p e n h o inverso dos naturalistas, sejam vistas c o m o muito suspeitas,
essas tentativas de integrar a natureza n o círculo prático-hermenêutico
da autocompreensão humana acabam surgindo sempre de novo. É o caso
1
de H e r m a n n Krings ("Kann m a n die natur verstehen?" , in: KUHLMANN/
BÒHLER, 1 9 8 2 , p. 3 7 1 s s ) . De m o d o perfeitamente igual, t a m b é m Karl-
Otto Apel compreendeu a contraposição explicitar-compreender não do pon-
to de vista ontológico, e assim não só admitiu que se possa explicitar
também o h o m e m , c o m o também que há algo a ser " c o m p r e e n d i d o " na
natureza (APEL, 1 9 7 3 / 1 , p. 7 0 ; 1 9 7 9 , p. 3 0 9 ) , enquanto seu tutor G. H.
von Wright só admite uma dualidade entre o j o g o de linguagem causal
e final e m relação à sociedade, mas não e m relação à natureza (VON

1. "Pode-se compreender a natureza"?

/O Introdução à Filosofia da Natureza


WRIGHT, 1 9 7 4 , p. 6 3 ) , o que, conforme ao seu ponto de vista, é incon-
seqüente. Isso mostra, por outro lado, quanto os filósofos analistas se
fixaram na posição Nat cien .
Em tempos recentes, Franz-Josef Wetz pretendeu forjar uma "Her-
menêutica da natureza cientificizada" (WETZ, 1 9 9 4 ) . A referência à "na-
tureza cientificizada" torna ainda mais claro, diante de Krings ou Apel,
que no círculo de nossa autocompreensão h u m a n a não apenas assumi-
m o s a natureza do m u n d o da vida, q u e se dá c o m o pré-científica, mas
t a m b é m a natureza cientificizada. Esse entrecruzamento, que corre ao
fundo das costumeiras equiparações entre natureza/fáctico e socieda-
d e / s i m b ó l i c o , será m u i t o importante a seguir, m e s m o que aqui, e m
analogia c o m o naturalismo, seja necessário colocar restrições e m re-
lação à pretensão de validade dessa forma de reflexão oblíqua, pois, do
contrário, corre-se o risco — analogamente ao reducionismo — de
u m a sobrecarga hermenêutica da natureza, c o m o se tem c o n h e c i m e n -
to, inglório, a partir da filosofia da natureza do idealismo alemão ou
das tentativas mencionadas n o ponto 1.2 ( N a t t o t / p l u r ) . Mas a filosofia da
natureza precisa manter seu posto de m e i o entre r e d u c i o n i s m o e um
pré-crítico "deus sive natura".
Em vista disso, a presente investigação dará novas dimensões à ten-
são entre teoria e praxis. As observações precedentes a respeito da h e r m e -
nêutica filosófica deveriam ter deixado claro que aí não está em questão
u m fragmento ultrapassado de doutrina da filosofia tradicional, mas u m
paradoxo fundamental, enraizado n o h o m e m de maneira muito profun-
da. Esses fenômenos fundamentais podem sempre ser reinterpretados na
filosofia; jamais, porém, podem ser banidos do universo.
Deveríamos aceitar as mudanças paradigmáticas nos quadros refe-
renciais da filosofia c o m o costumam se manifestar e m transições de uma
época para outra, c o m o , por exemplo, de uma filosofia do ser para u m a
filosofia da consciência ou para uma teoria social ou filosofia da lingua-
gem. Em tais casos, todavia, os problemas fundamentais da filosofia não
só desaparecem de m o d o insubstituível, c o m o são lidos n u m sistema de
coordenadas modificado.
Diante disso, existem hoje tentativas de se desfazer de todos os con-
ceitos fundamentais da tradição, c o m o ser/vir a ser, ser/dever, teoria/
práxis, sujeito/objeto, forma/matéria, indivíduo/sociedade e t c , substi-
tuindo-os por conceitos neutros, de fora desse contexto. Se essas tenta-
tivas alcançassem seu intento, retirariam ipso facto o solo onde radica a
filosofia da natureza aqui defendida.

A tensão entre teoria e práxis 71

II
Parece haver dois nexos de discussão, influentes, empenhados e m
prostrar a paradoxal tensão de fundo, que nos interessa, entre "teoria" e
"praxis", tomando assim, por conseguinte, o posto de uma filosofía da
natureza; esses nexos são o pós-modernismo e a ciência popular.

2.1 Os pós-modernos

O conceito de "pós-modernos" deve ser empregado aqui c o m o um con-


ceito coletivo para princípios que, fora desse âmbito, são completamente
heterogêneos; os pós-modernos concordam, n o entanto, em considerar a
modernidade c o m o já ultrapassada, e aqui, de m o d o especial, a contrapo-
sição entre subjetividade e natureza. Não se trata, portanto, de autores que
pertencem a determinada corrente, vigente sobretudo na França; podem
ser caracterizados, então, c o m nomes c o m o Jean-François Lyotar, Jean
Baudrillard, Jaques Derrida etc. Esses autores não são filósofos da natureza
que devessem ser levados em consideração aqui.
Também nessa parte trata-se apenas de apresentar alguns exemplos
paradigmáticos, nos quais fique claro que os autores "pós-modernos" es-
tão muito distantes de superar a modernidade; recaem a u m nível abaixo
da mesma, a saber, recaem numa ontologia clássica e numa metafísica do
espírito totalmente ingênuas.
C o m o exemplo desses sistemáticos "pós-modernos", vamos esco-
lher u m n o m e da biologia, da cibernética e da sociologia. A lista poderia
ser estendida aleatoriamente. Aqui ainda apenas mais alguns autores, nos
quais, muitas vezes, já no título aparece claramente sua exagerada pre-
tensão de validade: Gregory Bateson: Espírito e natureza: uma unidade necessária;
Rupert Sheldrake: 0 universo criativo; Hubertus Mynarek: A razão do universo: na
busca das leis vitais do cosmos e da psique; James Lovelock: 0 princípio-terra: a biografia
de nosso planeta etc.
O princípio de construção dessas sínteses pós-modernas é sempre
o m e s m o : os autores querem suspender a contraposição entre subje-
tividade e natureza a partir de u m ponto unitário. Em geral, eles n e m
sequer têm c o n h e c i m e n t o do fracasso de sistemas de filosofia da iden-
tidade, provindos do idealismo alemão, os quais alcançaram u m nível
muito mais elevado. Além disso, via de regra, c o m o p o n t o de unidade
para sua construção, procuram i m p o r uma grandeza empírica. Mas para
esse fim está se exigindo demais da empiria, o que acaba gerando c o m o
conseqüência uma mistura opaca entre empiria e especulação. E ainda

Introdução à Filosofia da Natureza


por c i m a essas especulações são agravadas c o m todas as aporias da posi-
ção N a t tot/plur , citadas n o p o n t o 1.2, enquanto acreditam estar a salvo n o
lado da ciência experimental.

2.1.1 H. R. Maturana / F. J . Varela

O que se disse fica claro já n o primeiro exemplo, provindo da biologia,


pelo m e n o s c o m o vem apresentado por H u m b e r t o Maturana e Fran-
cisco Varela.
N u m livro escrito e m conjunto, A árvore do conhecimento: as raízes biológicas
do conhecimento humano, eles guiam o leitor de tal m o d o que, n o avançar do
processo de conhecimento, ele próprio se reencontre n o objeto natural. O
livro funciona, portanto, de m o d o parecido c o m o Fenomenologia do espírito,
de Hegel, mas na versão da matéria. Essa versão se dá na medida e m que
os autores avançam partindo da "autopoiese celular", passando pela orga-
nização de "metacélulas" até alcançar o conjunto fechado das operações
do sistema nervoso, atingindo então os âmbitos lingüísticos e sociais: " O
c o m e ç o é o fim... uma teoria do c o n h e c i m e n t o deve mostrar c o m o o
c o n h e c i m e n t o gera o esclarecimento do conhecer. Esse é u m princípio
totalmente diferente do usual, empregado até o presente, o qual parte do
princípio de que o fenômeno do esclarecimento e o fenômeno esclare-
cido pertencem a âmbitos diferentes" (MATURANA/VARELA, 1 9 9 2 , p. 2 5 7 ) . -
Esse princípio nega, portanto, distinções hierárquicas c o m o as que se dão
entre o nível objetual e o metanível. Ele nega até m e s m o que entre u m
âmbito biológico, u m âmbito social ou técnico haja distinções de classe.

Aqui, o conceito central é o que se costuma chamar de autopoiese, que


vem do grego àuióç = o m e s m o ( o próprio) e trote ív = fazer. Segundo
Maturana/Varela, o que é vivo gera-se por si mesmo, todavia num processo
determinístico, pois, em primeiro lugar, assim que houvessem surgido as
condições para isso, a vida teria obrigatoriamente de surgir na terra, e, em se-
gundo lugar, a teoria da autopoiese descreve processos determinados apenas
interiormente, c o m o se desenrolam inclusive em artefatos técnicos.
Esses artefatos distinguem-se c o m o as "máquinas autopoiéticas" se dis-
tinguem de "máquinas allopoiéticas" (de aÀÀoç = de outro m o d o e ircaeív
= fazer), uma distinção correspondente à que faz Aristóteles entre (búoiç e
vx
ikx \- Mas, ao contrário das máquinas, os sistemas vivos seriam "entida-
des autônomas". Diferentemente de Aristóteles, que assumiu uma posi-
ção "vitalista", hoje poderíamos explicar suficientemente todo e qualquer

A tensão entre teoria e praxis 73

II
sistema c o m o "atuação recíproca de processos físico-químicos". Os autores
iliainam seu princípio de "mecanicista". Daí também ser supérflua a cate-
goria das finalidades, visto que m e s m o as máquinas aüopoiéticas não pode-
riam ser caracterizadas pela categoria do fim. Nesse caso, o fim "não é uma
marca característica da organização da máquina, mas muito mais uma mar-
ca característica do âmbito no qual trabalha a máquina" (MATURANA/VARELA,
I 9 8 5 , p . 180ss).
Embora allopoiese e autopoiese l e m b r e m a contraposição que faz Aristó-
teles entre dpúoiç. e xéx^n, a diferença entre eles continua considerável:
1. Para Maturana/Varela não existem limites naturais para o siste-
ma. Estendendo esses limites, pode-se transformar todo sistema allopoié-
tico n u m sistema autopoiético, simplesmente acrescentando e contando ali
o "poietes".
2. Para Maturana/Varela, n e m o processo üllopoiético n e m o autopoié-
tico são teleológicos. Eles pensam de m o d o estritamente mecanicista e
determinista.
O processo autopoiético tampouco conhece qualquer transmissão de
informações. Sistemas autopoiéticos são "operacionalmente fechados", isto
é, n e m no universo dos animais n e m do h o m e m os atores podem tro-
car informações. A informação surge apenas naquele que interpreta algo
c o m o algo. C o m o e m Leibniz, também aqui as mónadas não têm janelas,
todavia tampouco há u m a harmonia preestabelecida que pudesse ordenar
reciprocamente suas ações de m o d o significativo. Ademais, o processo
autopoiético é u m processo desprovido de sujeito, que tampouco adere a
"substâncias". Na teoria da autopoiese não há substâncias, visto que ela está
ancorada numa concepção de fundo que é puramente relacional. E por
isso que também não existem sujeitos autônomos, que poderiam tomar
decisões; antes, o que nós designamos c o m o " e u " é u m fenômeno pura-
mente secundário da linguagem.
A partir desse ponto, todos os conceitos tradicionais são reinter-
pretados. O c o n c e i t o da " a u t o n o m i a " é compreendido agora de m a n e i -
ra puramente sistêmica: " U m sistema é a u t ô n o m o quando é capaz de
especificar sua própria normatividade e correspondentemente o que lhe
é próprio". Ou então o conceito de "historicidade" é modificado por:
"Sempre que n u m sistema surge u m estado de coisas c o m o modifica-
ção de u m estado anterior, estamos às voltas c o m u m fenómeno histórico"
(MATURANA/VARELA, 1 9 9 2 , p. 5 5 ; 64).

Por fim, o processo autopoiético gera também uma ética, a qual, por sua
vez, vem deduzida naturalmente do fato de que, "do ponto de vista biológico,

Introdução à Filosofia da Natureza


sem amor, sem aceitação dos outros, não pode haver processo social" (MATURANA/VARH.A,
1 9 9 2 , p. 2 6 6 ) .
Esse e s b o ç o bastante resumido pode esclarecer o que está em ques-
tão aqui: todas as distinções feitas pela tradição entre h o m e m e animal,
natureza e cultura, sujeito e objeto, ser e dever, coisa e propriedade, o
que é da arte e o que é da natureza e t c , devem ser suspensas e substitu-
ídas por u m c o n c e i t o central da autopoiese, o qual se apresenta c o m o um
c o n c e i t o empírico.
No âmbito da biologia quase não há adeptos dessa teoria da autopoiese.
A maioria dos biólogos n e m se dá ao trabalho de rejeitá-la; simplesmente
a ignoram, pois nada esperam que possa vir dali. O juízo que fazem a res-
peito da teoria da autopoiese os cientistas da natureza Olaf Breidbach e De-
tlef Bernhard Linke, os quais têm também formação filosófica, é que, "a
partir do âmbito interno da biologia, a autopoiese é incompreensível. Nada
faz além de formular uma tipologia; ela figura apenas uma generalidade,
mas não a concretiza" (BREIDBACH/LINKE, in: Fischer, 1 9 9 3 , p. 1 9 6 ) .
Isso quer dizer que a teoria da autopoiese é concebida tão generica-
mente que pode ser aplicada de maneira trivial a tudo, seja ao social, ao
técnico, ao biológico etc. Visto que não tem nenhuma lei matemática que
pudesse ser especificada concretamente, empiricamente torna-se quase
irrefutável. Breidbach e Linke (e muitos outros autores) acusam a teoria
da autopoiese de ser uma metafísica disfarçada.
Foi por esses motivos que a teoria da autopoiese não fez sucesso entre
os biólogos c o m o fez entre os sociólogos, germanistas, juristas etc. De-
pois que Niklas Luhmann, nos anos 8 0 , adotou a teoria da autopoiese e m
sua "teoria do sistema", e depois que a teoria da autopoiese se juntou c o m
a teoria da auto-organização física, a ela paralela, c o m p o n d o u m "discur-
so do construtivismo radical", mais ou menos incoerente ( S . J. SCHMIDT,
1 9 8 8 ) , ela alcançou grande influência no âmbito acadêmico.
Por toda parte onde esse influxo se fez sentir, u m e m p e n h o c o m o
o da filosofia da natureza mostrou-se c o m o algo supérfluo, pois na teo-
ria da autopoiese a tensão entre teoria e práxis, onde morde essa filosofia,
c o m o que desaparece. Isso se deve ao fato de que ali teoria já não é teoria,
e práxis já não é práxis. A teoria já não é teoria porque o "fechamento
operacional" do conhecimento humano parece tornar supérflua uma re-
ferência externa; a práxis já não é práxis porque uma teoria que c o n c e -
be a subjetividade apenas ainda c o m o u m epifenômeno de u m processo
autopoiético livre de sujeito já não contém práxis e m sentido próprio, e
quiçá não só não contém mais o ético-prático — visto ter sido reduzido

A tensão entre teoria e práxis 75

II
naturalmente — mas n e m sequer o técnico-prático, uma vez que lhe foi
subtraído o que lhe é específico, seu caráter real-teleológico.
Só nesse último ponto pode-se ver a insustentabilidade dessa teo-
ria biologista da unidade-do-todo: segundo Maturana/Varela, todos os
processos autopoiéticos, sejam da natureza ou da história, são processos pu-
ramente mecânicos, desprovidos de sentido. Isso significa que não "exis-
t e m " fins e m parte alguma, mas que estes são simplesmente atribuídos.
Consideramos uma máquina como se ela cumprisse uma finalidade, do
m e s m o m o d o que u m biólogo considera a galhada de u m servo como
se tivesse sido feita para dar topadas. E só porque consideram t a m b é m o
aspecto técnico de m o d o puramente teleonômico, que Maturana/varela
tratam de equações técnicas de m o d o tão grandiloqüente, apresentando
desde o princípio o vivo e m analogia c o m o técnico. Mas, se é falsa a tese
de q u e apenas julgamos o técnico c o m o tendo uma finalidade, então a
analogia entre allopoiese e autopoiese nos leva diretamente a uma metafísica
da natureza, c o m o já havia sido concebida por Aristóteles, à base de seu
paralelismo entre tpúpiç e xéx^H, c o m a diferença de que Aristóteles estava
ciente da importância de seu pensamento.
O fato de o aspecto técnico só poder ser compreendido de m o d o
real-teleológico, e não, por exemplo, teleonômico, é algo evidente. Se a
teleología consistisse apenas no ato de atribuição, deveríamos estar e m
condições de [ 1 ] descrever tudo teleologicamente, m e s m o por exemplo
o sistema solar ou uma configuração molecular, o que iria logo decair
e m puras fantasias, e nós deveríamos [ 2 ] estar e m condições de descrever
suficientemente todos os artefatos sem reparar nas finalidades neles cons-
truídas, o que não é possível sequer numa tenaz.
A referência à Fenomenologia de Hegel mostra bem o que está e m ques-
tão aqui: nessa obra, Hegel perseguiu uma estratégia parecida, através de
diversos graus de reflexão fazer c o m que o objeto coincida c o m o sujeito;
só que ele interpôs ali um princípio metafísico fundamental b e m forte, o
"espírito absoluto", u m princípio que ele procurou igualmente legitimar
nesse processo de fazer-coincidir. Mas n o pensamento de Maturana/Varela
subjaz um princípio metafísico muito fraco, é o princípio da autopoiese.
Esse princípio tem a propriedade de ser muito forte para a ciência e m -
pírica e muito fraco para a representação de finalidades de uma teoria da
unidade-do-todo. E por esse motivo que a doutrina da autopoiese tem esse
caráter cambiante. Se por exemplo a autonomia de um sistema consiste
meramente em "especificar sua própria normatividade" ou se a "histori-
cidade" nada mais é do que o fato de num sistema "surgir um estado de

76 Introdução à Filosofia da Natureza


coisas c o m o modificação de u m estado anterior", ou se uma "aceitação
dos outros", inespecífica, já deva ter a validade de "amor" e assim servir
de fundamento para uma ética, então não só os homens são autônomos,
mas igualmente todo e qualquer relê bimetálico n u m ferro a vapor, então
não só a reunificação da Alemanha mas também o copiar repetitivo feito
numa máquina copiadora será u m processo histórico, ou então o compor-
tamento de bando de qualquer pássaro migratório pode imediatamente
ser interpretado c o m o uma forma de "amor", c o m alto nível moral.
Tal teoria da unidade-do-todo não mereceria sequer ser apresentada
ou criticada se não tivesse alcançado grande influência e m muitos círcu-
los, inclusive o acadêmico, de tal m o d o que muitas vezes acabou ocupan-
do o posto de uma autêntica filosofia da natureza.

2.1.2 Gotthard Günter

C o m o segundo exemplo, e tendo u m a estrutura parecida c o m a teoria da


autopoiese, vamos mencionar u m caso tirado da cibernética. O filósofo Got-
thard Günter, que estudou primeiramente filosofia idealista na Alemanha,
foi forçado pelos nazistas a fugir para os EUA, onde conheceu o ciberné-
tico Heinz Von Foerster. Em diálogo c o m esse, desenvolveu uma "lógica
transclássica", que deveria ser ao m e s m o tempo cibernética e ontologia.
Nessa empreitada, ele tinha c o m o objetivo suspender distinções "da
velha Europa", c o m o , por exemplo, as distinções existentes entre objeto
e sujeito ou entre saber e querer (portanto, entre teoria e praxis). N u m
artigo programático sobre "Cognitio and Volition" (GÜNTER I I , p. 2 0 3 s s ) ,
ele reivindica o direito de, pela cibernética, empregar os procedimen-
tos das ciências naturais n o h o m e m , enquanto agente, de tal m o d o que
o problema corpo-alma poderia ser transformado pura e simplesmente
num problema de ciência natural. Desse m o d o , seria possível ultrapassar
o "traditionol world concept", c o m sua "irreconciliable duality of form and matter, of me-
aningful information and physical energy, of subject and object". Essas contraposições,
sobretudo as do querer e conhecer, poderiam ser explicitadas c o m o m e -
ras modificações numa única entidade, que lhe serve c o m o fundamento.
Correspondentemente, não haveria dois tipos de causalidade, causalidade
natural e causalidade de ação, antes trata-se de u m m o d o idêntico de
determinação, que vai uma vez de fora para dentro e depois de dentro
para fora. Por isso, t a m b é m a liberdade poderia ser descrita pela ciência
natural, pura e simplesmente: "however if a system is structured in such a way that

A tensão entre teoria e praxis 77


iIs own inner organisation forces it to react positivei/ to the neutraJy of the environment by
an act of self-determinotion, then we speok of a living system of subjectivity". Mas isso
significa que também animais ou máquinas que governam a si m e s m o s
são "livres". (Reconhece-se a estratégia análoga à doutrina da autopoiese,
de aplicar os conceitos tradicionais de m o d o tão profundo que seriam
adequados a qualquer coisa possível.)
Segundo Günter, as determinações que percorrem o caminho de
dentro para fora são, portanto, "livres": é a linguagem das "volições".
Mas, uma vez que a linguagem das cognições deve ser substancialmente
idêntica àquela outra, o fato de que os conteúdos do universo determi-
nem o sujeito só pode estar se referindo à direção que percorre o cami-
nho oposto, e é a isso que ele chama de " c o g n i ç õ e s " .
Nessa construção, é fácil de reconhecer que as "direções" opostas são
tiradas da doutrina da ciência de Fichte, e m que o teorético é defendido
de tal m o d o que o não-eu determina o eu ("direção centrípeta"), mas
no prático, ao contrário, o eu determina o não-eu ("direção centrífuga).
Também Fichte forçou a identificação dessas duas direções: "Segundo
isso, as direções centrípeta e centrífuga da ação estão ambas fundamen-
tadas, de m o d o igual, na essência do eu; as duas são u m e precisamente
o m e s m o , e são diversas apenas na medida e m que se reflete sobre elas
c o m o sendo diversas" (FICHTE, 1 0 7 1 = ' 1 7 9 4 , p. 2 7 4 ) .
Como quer que pareça a sistemática de Günter, e m seus aspectos
particulares, sua pretensão de ter encontrado por meio da cibernética u m
ponto de unidade por trás dos contrapostos sujeito/objeto, teoria/praxis,
cognição/volição pressupõe um forte princípio metafísico, que aqui não é
demonstrado, pois a cibernética não fornece uma base fundamental para
isso. De princípio, é falso, inclusive, caracterizar a cibernética c o m o "ciên-
cia da natureza", pois é uma ciência de engenharia, criada exclusivamente
para dirigir processos complexos. Contrariamente à física, a cibernética não
descreve as forças da natureza e sua dinâmica, mas possibilidades de diri-
gir sistemas, calculáveis matematicamente, que são vistos c o m o block Box.
Foi provavelmente o aspecto técnico-prático da cibernética o que induziu
Günter a acreditar que essa ciência estaria em condições de superar a tensão
entre teoria e praxis. Como se disse, a cibernética não implica nenhuma
teoria, n o sentido pleno da palavra, visto que, apesar de ser matematizada,
não contém nenhuma relação constitutiva c o m as forças da natureza, c o m o
a física teorética. E, visto que a cibernética só se relaciona com o aspecto
técnico-prático, ela também é incapaz de reconstruir a praxis, no sentido
pleno da palavra, pois o conceito de uma liberdade c o m o autodetermi-

/B Introdução à Filosofia da Natureza


nação no sentido de maquinal gera grandes problemas, c o m o n o concei-
to de liberdade já mencionado em Maturana/Varela. Mesmo que hoje se
tenha estabelecido u m uso da linguagem, segundo o qual se chama de
"autônoma" uma máquina capaz de aprender, isso não nos deve iludir,
visto que essa "antonomia" lhe é concedida: move-se completamente por
representações de finalidade definidas pelo h o m e m . Segundo o manual es-
tandardizado de W Ross Ashby, a cibernética forneceria simplesmente as
bases para uma teoria sobre o modo de " c o m o impor sua vontade" (ASHBY,
1 9 7 4 , p. 3 5 0 ) . Kant teria chamado tal procedimento de "heteronomia". E
é só porque o evento da liberdade de m o d o algum entra em consideração
a partir da cibernética, que Günter pode atribuir o conceito de "liberdade"
indistintamente a homens, máquinas e animais.
Mas o mais grave é que, c o m a pretensão de ter suspendido a con-
traposição entre cognições e volições, Günter pensa ter suspendido igual-
mente a contraposição entre natureza e subjetividade. Seria possível sem-
pre ainda argumentar: m e s m o que as cognições e volições se comportas-
sem c o m o ação e reação na física newtoniana, portanto c o m o forças que
surgem sempre e m pares, apesar de manter identidade e m sua substância,
m e s m o então essa competência de unir o aspecto cognitivo e o volitivo
poderia ser puramente subjetiva, e por si ainda não superaria a contrapo-
sição entre sujeito e natureza, apresentando-a n u m conjunto unitário.
Foi importante fazer m e n ç ã o à teoria da ciência de Fichte, na medida
em que, nesse posicionamento de Günter de pretender superar a dualida-
de entre subjetividade e natureza c o m base numa identidade entre voli-
ções e cognições, acabamos reconhecendo seu idealismo oculto provindo
da filosofia da identidade, donde ele se nutre de m o d o substancial. Pois
só é possível acreditar que c o m a unidade entre volição e cognição já se
possa deduzir também a unidade entre sujeito e objeto, quando se tem na
cabeça u m idealismo fichteano.
Tal salto entre subjetividade e natureza, porém, de m o d o algum se
deu na cibernética, isso porque em todos os seus manuais vem ressaltado
o não-ontológico, o que é puramente instrumental nessa ciência. Assim,
a respeito do conceito de "sistema cibernético", Aschty diz de m o d o lapi-
dar: "Nesse contexto, 'sistema' não significa uma coisa, mas uma lista de
variantes" (ASCHTY, 1 9 7 4 , p. 69).

E assim a cibernética moderna, tão despretensiosa! Ela não dá su-


porte a nenhuma construção idealista de sistemas. Na realidade, ocorre
a Günter algo muito parecido c o m o que aconteceu a Maturana/Varela:
na medida e m que colocam c o m o base de uma teoria da unidade de

A tensão entre teoria e praxis 79

li
tudo u m acesso empírico ao mundo, c o m o o que fornece a biologia ou
a cibernética, esses autores perdem de vista a empino, gerando apenas a
caricatura de u m princípio idealista.

2.1.3 Bruno Latour

U m exemplo totalmente diferente para uma construção post-moderna


provém da sociologia, que contém, todavia, conseqüências parecidas:
n u m ensaio chamado Nós jamais fomos modernos; tentativa de uma antropologia simé-
trica, B r u n o Latour toma c o m o tarefa superar a assimetria da antropologia
tradicional, cuja base está n o fato de o antropólogo, quando se ocupa c o m
os assim chamados "primitivos", interpretar sua visão de m u n d o c o m o
sobreposição de cultura e natureza. Mas quando se dirige para sua própria
cultura, então, de m o d o bastante rígido, o antropólogo se permite já de
antemão o pretexto da contraposição entre ciências da natureza e ciências
sociais, reportando-se exclusivamente ao social. Nesse sentido, sua antropo-
logia é "assimétrica". E Latour se pergunta: por que, afinal, o universo
da ciência da natureza deveria estar fora do m o d o de esclarecimento das
ciências sociais?
Latour caracteriza o m o d e r n o por uma separação dos contrapostos
da natureza e da cultura. A natureza seria, assim, algo previamente dado
de fora, e a cultura algo feito pelo h o m e m . C o m isso a teoria e a práxis
se dividem e distribuem-se dualisticamente e m esferas disjuntivas, que
são descritas de m o d o fixo pela ontologia.
Visto que todo esse m o v i m e n t o é artificial (não se encontra na essên-
cia das coisas, mas é feito pelo h o m e m ) , a humanidade gera, e m alta m e -
dida, u m " h í b r i d o " entre natureza e cultura, o que lhes mostra de m o d o
drástico que essas contraposições são artificiais e que a verdade se encon-
tra n o meio. Sob a palavra "híbridos", Latour compreende fenômenos
c o m o os meios de comunicação de massa eletrônicos, os m e i o s de trans-
porte, a tecnologia genética e t c , isto é, fenômenos que indistintamente
apresentam u m aspecto passível de ser descrito pelas ciências da natureza
e u m aspecto passível de ser descrito pela sociologia. Esses fenômenos
híbridos deverão tornar-se o objeto preferido de uma antropologia "si-
métrica" futura. Neles já não haverá a contraposição entre hermenêutica e
naturalismo, e m que se apoia toda antropologia tradicional assimétrica.
"Do lado do sujeito encontram a fala, a hermenêutica, o sentido,
e nisso deixam que o universo das coisas se desvie lentamente para o

80 Introdução à Filosofia da Natureza


nada... Quanto mais a hermenêutica vai tecendo sua rede, tanto mais o
naturalismo vai tecendo a sua." Mas para o híbrido, ao contrário, vale o
seguinte: são " e m parte objeto e e m parte sujeito", escapam portanto da
dissociação entre sujeito e objeto (LATOUR, 1 9 9 8 , p. 3 8 ; 8 2 ) .
Visto que a modernidade reside nessa dissociação e porque esta se
mostrou ilusória, Latour pode chegar à conclusão de que jamais fomos
modernos.
Mas, visto que a categoria do sentido é central para toda hermenêuti-
ca e sobretudo para a sociologia, Latour é obrigado a projetar a categoria
do sentido também para dentro das ciências da natureza: " C o m Bolye e
seus seguidores c o m e ç a m o s a compreender o que seja uma força natural:
u m objeto mudo mas dotado ou provido de sentido". Mais que isso: visto
que o ato h e r m e n ê u t i c o básico está c o m p r o m e t i d o c o m o sentido, e
visto que não pode deixar a natureza, c o m o algo autônomo, do lado de
fora do cone de luz de seu conhecimento, deve haver uma coincidência
pura e simples entre sentido e m u n d o : " O m u n d o do sentido e o m u n d o
do ser são u m e o m e s m o m u n d o " (LATOUR, 1 9 9 8 , p. 4 3 ; 1 7 2 ) .
Isso poderia ser dito também por Hegel: "Todo real é racional",
isso expressa a mesma convicção fundamental. A tentativa de furtar-se
às diferenciações da modernidade leva diretamente para uma metafísica,
recheada de pressupostos, do nexo universal de sentido, o que não é n e -
n h u m acaso, visto que o ponto alto da moderna ciência da natureza era
justamente o fato de substituir o ordo de sentido do pensamento metafí-
sico tradicional por uma ordenação sintática, passível de ser descrita pela
matemática, c o m o pode ser expresso nas leis da natureza. Essa ordenação
não gera mais nenhuma perspectiva de sentido, levando necessariamente
à criação daquela dualidade paradoxal entre a referência da natureza des-
vinculada do sujeito e os universos de sentido simbólico-sociais, o preço
que deve pagar a diferenciação feita pela modernidade. Q u e m se furta in-
genuamente a essas diferenciações tem grandes chances de não conseguir
ultrapassá-las, mas recair para um âmbito anterior a elas.
Todos os autores tratados neste parágrafo são caracterizados e m geral
pelo fato de adotarem razões centrais do idealismo alemão, sem pagar o
preço especulativo por isso.
A filosofia da natureza de Schelling, por exemplo, representava a ten-
tativa de ultrapassar a cisão-sujeito-objeto da modernidade por m e i o de
"uma visão intelectual", a fim de tornar internamente compreensíveis,
a partir daí, tanto as realizações subjetivas (ético-práticas, estéticas etc.)
como os dados objetivos, c o m o são descritos pelas ciências da natureza, na

A tensão entre teoria e praxis 81


medida e m que pudessem ser deduzidos ambos de u m único princípio.
Schelling c h a m o u essa empresa de "filosofia da identidade".
Ora, há razões b e m fundamentadas para duvidar se é possível reali-
zar tal conceito de identidade idealístico. Provavelmente esse não é o caso,
pois pressupõe uma identidade do sujeito finito e do infinito, pressupõe,
portanto, o "ponto de vista de Deus", o qual não nos é dado.
Mas quando, apesar disso, reivindica-se tal filosofia da identidade
é preciso que se fundamente argumentativamente esse ponto de vista
e m q u e nos apoiamos. Todos os idealistas alemães, Fichte, Schelling e
Hegel, fizeram isso. Esses autores eram, portanto, mais claros do que
Maturana, Varela, Günter, Latour ou todos os outros autores, que não
são m e n c i o n a d o s aqui, que reivindicam u m p o n t o de vista totalitário
mas não dispõem de base argumentativa. Além disso, a tentativa de de-
duzir esse p o n t o de vista a partir de u m a ciência empírica leva necessa-
riamente a restrições e reducionismos. E o que fica m u i t o claro na teo-
ria da autopoiesis, mas t a m b é m na cibernética de Günter. Também Latour
torna-se vítima dessa dialética. Porque eleva a categoria do sentido ao
nível de u m a priori de uma teoria sociológica da identidade, passa-lhe
despercebido o específico da intervenção própria das ciências da natu-
reza. Correspondentemente, seu ensaio não c o n t é m n e n h u m a relação
c o m o conteúdo da hard science ou c o m a teoria da ciência. Contém ape-
nas relações c o m artefatos técnicos já codificados culturalmente. Esses
são plenamente acessíveis a uma antropologia "simétrica", e a força de
seu princípio está n o fato de ter aberto esse âmbito, ao redor do qual se
move c o m u m e n t e a antropologia. Nessa perspectiva, Latour não só é es-
piritualmente m u i t o rico, c o m o apresenta muitos conteúdos empíricos.
Mas a reconstrução de tecnologias socialmente estabelecidas, a partir do
p o n t o de vista de u m a "antropologia simétrica" nada diz ainda a respei-
to da natureza ou da ciência da natureza, o que era seu intento. Não se
dá apenas u m reducionismo das ciências da natureza, mas t a m b é m u m
r e d u c i o n i s m o sociológico.

Os idealistas alemães não caíram nesses reducionismos. Num sentido


bem diverso, apresentam muito mais clareza do que as tentativas post-mo-
dernas de uma teoria da identidade que se apoia na empina.
O sentido deste capítulo, n o entanto, é refutar todas as teorias da
identidade, sejam idealistas ou post-modernas. Não p o d e m o s retornar
para u m estágio anterior à diferença entre subjetividade e natureza, teoria
e praxis, pois ali não existe n e n h u m espaço que possa ser demonstrado
c o m argumentos.

82 Introdução à Filosofia da Natureza


2.2 A ciência popular

Não parece ser de boa fama, numa investigação filosófica, querer c o m -


pilar u m capítulo próprio sobre a ciencia popular; todavia, isso se presta
c o m o sumario do que é jornalístico, do não-sério. E isso seguramente ela
é também. Mas paralelamente a essa superficialidade, que se deve criticar,
a ciencia popular possui diversas funções na sociedade moderna, que a
tornam significativa:
Por um lado, uma recusa da ciencia popular deveria levar necessa-
riamente a que n e n h u m cientista tomasse o m í n i m o conhecimento do
afazer de seu colega. A especialização avançou tanto que não só o físico já
nada compreende do biólogo ou do geólogo, mas já a cosmologia quân-
tica já nada compreende a respeito dos teóricos da auto-organização ou
de qualquer outro físico especializado n u m ramo da física. C o m o poderá
dar-se intercambio se não através da ponte da ciencia popular?
Ainda mais grave é a falta de comunicação entre as ciências da na-
tureza e as ciencias do espírito. Mesmo u m filósofo não teria nenhuma
outra informação sobre isso se não fosse pelas representações da ciência
popular. Ou então ele continua precisamente desinformado.
E, uma vez que tal coisa ficaria caracterizada c o m o falta de responsa-
bilidade, a ciência popular é bastante valorizada, m e s m o dentro da uni-
versidade, e não se restringe ao âmbito jornalístico. Que isso representa
igualmente u m perigo, vai ser mostrado a seguir. Não é e m vão que a
fama do âmbito jornalístico, não-sério, vem junto c o m a ciência popular.
Ela se torna perceptível justamente onde os cientistas populares, e m vez
de informar, assumem uma função de visão de mundo. Na medida e m
que sobrecarregam os resultados de suas ciências especializadas c o m uma
visão de mundo, eles instauram uma "mediação" entre teoria e práxis,
entre o pensar matemático-funcional e o simbólico-hermenêutico, c o m o
se esses contrapostos devessem simplesmente desaparecer, e quiçá por
m e i o da própria ciência rigorosa.
Essas figuras híbridas fisicais-metafísicas escondem-se muitas vezes
sob conceitos das ciências especializadas c o m o "informação", " c a o s " ou
"auto-organização". De princípio, todos esses conceitos recebem uma
definição muito rigorosa dentro das ciências, em todo caso a tal ponto
rigorosa que esses conceitos podem ser distinguidos de qualquer outro
uso. Mas todos esses conceitos possuem igualmente u m campo significa-
tivo na linguagem usual, e além disso são usados de maneira análoga ou
equívoca e m outros discursos.

A tensão entre teoria e práxis 83


2.2.1 Erich Jantsch / llya Prigogine

Ora, a ciência popular mistura todas essas nuances de significado, c o m a


pretensão de continuar sendo uma ciência rigorosa. Então, da pena do fí-
sico Erich Jantsch começam a surgir obras como, por exemplo, "a auto-
organização do universo". Nesse livro, Jantsch parte de imediato do núcleo
da ciência especializada da teoria da auto-organização c o m o uma teoria das
estruturas dissipadoras da termodinâmica em desequilíbrio, vai amplian-
do sucessivamente esse núcleo relacionando-o por fim a todos os âmbitos,
portanto não só ao ser vivo, mas também a todos os fenômenos sociais e
psicológicos, assim c o m o à arte, religião e ética. Desse modo, ele chega a
acreditar poder responder questões básicas genuinamente filosóficas. As-
sim, segundo Jantsch, espírito e matéria, por exemplo, são apenas "aspec-
tos complementares de uma dinâmica auto-organizativa, o espírito c o m o
seu princípio dissipador e a matéria c o m o seu princípio conservador". Isto
quer dizer que "nesse m o d o de ver o espírito aparece de modo absoluto
c o m o dinâmica-da-auto-organização. Surge em toda parte onde há uma
auto-organização dissipadora". Desse modo, para Jantsch, o conceito de
sentido, que n o mais continua restrito ao âmbito social, torna-se uma cate-
goria central dedutível da física (JANTSCH, 1 9 8 8 , p. 2 2 7 ; 2 5 3 ; 2 9 0 ) .
É evidente que essas extrapolações metafísicas temerárias não podem
ter resultado da física, o que pode ser visto já do fato de que, fora da física,
em lugar n e n h u m Jantsch emprega o instrumentário técnico da teoria da
auto-organização fisical (portanto, o trabalho c o m equações diferenciais
não-lineares, experimentos repetíveis, quantificação rigorosa e t c ) .
M e s m o orientando-se por m e i o dos mais importantes cientistas, in-
felizmente não existe nenhuma chance de distinguir os sistemas sem con-
trole da ciência popular das representações precisas da hard science. Também
aqueles estão propensos muitas vezes a adotar as extrapolações da ciência
popular. E o caso do tutor de Jantsch, o Prêmio Nobel llya Prigogine, que
ao lado de Hermann Haken desenvolveu a teoria da auto-organização
fisical; no m e i o científico, esses dois autores são contados c o m o autores
muito importantes.
Também Prigogine semantizou sua própria teoria de tal m o d o que
se dá ares de ser uma bem-sucedida mediação entre teoria e praxis. Já
n o título de u m de seus primeiros livros, Diálogo com a natureza, transparece
o impulso hermenêutico de instaurar a mediação simbólica n o nível de
uma natureza concebida nos moldes da ciência da natureza. Por conse-
guinte, ele tem t a m b é m a pretensão de ter tornado supérfluo o que antes
era a "filosofia da natureza" (PRIGOGINE/STENGERS, 1 9 8 1 , 1 9 8 1 , p. 9 6 s s ) .

84 Introdução à Filosofia da Natureza


Os fenômenos do surgimento espontâneo de estruturas, c o m o vem
descrito pela teoria da auto-organização fisical, são na realidade muito
sugestivos. Os impulsos para tais surgimentos se encontram muitas vezes
em acidentes microfísicais, "pontos de bifurcação" no espaço de fase,
onde as trajetórias se bifurcam e não p o d e m ser vistas de antemão. Aqui,
dá a impressão de que a natureza apresenta uma forma própria de es-
pontaneidade, algo criativo, não-manipulável. Em todo caso, é c o m essas
categorias que Prigogine descreve esses pontos contingentes. Ele fala de
maneira enfática de u m "universo participativo", de tal m o d o que nesses
pontos contingentes se anunciariam os "direitos próprios" da natureza,
seria esse o lugar onde a natureza por direito "escolheria", e assim tería-
m o s redescoberto o sentido aristotélico de (búcnç etc. (PRIGOGINE/STENGERS,
1 9 8 1 , p. 1 2 9 ; 1 7 0 ; 2 6 9 ; 2 9 3 ) .
Todavia, essas são sobreinterpretações de estados de coisa que lhe
servem de base, que seguem o m o d e l o de teleologizar sob a m ã o de desco-
bertas científicas neutras, sobrecarregando-as c o m perspectivas de sentido,
de tal m o d o que o fosso entre teoria e praxis aparece c o m o que entulha-
do. Vê-se que essas extrapolações da ciência popular estão apoiadas n u m
princípio de construção parecido, c o m o as sínteses que acima foram cita-
das c o m o "post-modernas", as quais também enriquecem de tal maneira o
dado empírico que parecem superar a cisão-sujeito-objeto.
A seguir deixamos de lado a descrição detalhada da literatura da ciên-
cia popular, que extrapola completamente seus limites. Indicamos aqui
apenas alguns livros que tiveram grande influência na opinião pública,
uma lista que poderia se estendida aleatoriamente, sem deixar de conter
n o m e s importantes: B o h m , 1 9 8 5 ; Cramer, 1 9 9 3 ; Davies, 1 9 8 8 ; Einstein,
1 9 5 3 ; Feynman, 1 9 6 5 ; H a k e n , 1 9 8 4 ; Hawking, 1 9 8 8 ; Heisenberg, 1 9 7 3 ;
Jordan, 1 9 7 2 ; M o n o d , 1 9 7 9 ; Planck, 1 9 8 3 ; Schrõdinger, 1 9 6 1 ; T i p l e r ,
1 9 9 4 ; W e i n b e r g , 1 9 9 2 etc.

2.2.2 Paul Davies

Da riqueza de conteúdos da ciência popular, vamos tomar e olhar mais


de perto aqui apenas u m exemplo que e m parte já foi tratado; a teoria do
caos. Nada excitou mais a fantasia da ciência popular do que as descobertas
das teorias do caos e da auto-organização. O que se torna exemplarmente
claro no livro Princípio caos: a nova ordem do cosmos, do físico Paul Davies. Essa
"nova o r d e m " consiste no fato de a física tradicional ter sido mecanicista
e a nova, ao contrário, criativa: "Agora há o novo paradigma do universo

A tensão entre teoria e praxis 85


criativo, segundo o qual os processos fisicais possuem algo de progressivo,
de inovador. O novo paradigma assevera os fenômenos coletivos, coopera-
tivos e organizadores da natureza; ele não os vê a partir de uma visão ana-
lítica e reducionista, mas antes a partir de u m a visão sintética e holística".
Torna-se cada vez mais claro "que a natureza possui uma força criativa",
que existe uma "potência criativa do universo". Apoiado e m Ilya Prigogi-
ne, Davies fala inclusive de uma "matéria dotada de vontade própria", c o -
locando u m telos n o desenvolvimento c o m o u m todo: "Em sistemas aber-
tos e equilibrados segundo a distância, a matéria e a energia possuem u m a
tendência c o m u m de buscar estágios de organização e complexidade cada
vez mais elevados" (DAVIES, 1 9 8 8 , p. 8 1 4 - 8 1 5 ; 1 2 7 ; 1 7 1 ) .

Podem-se até distinguir duas "direções" de fundo n o universo, uma


destrutiva e outra criativa, u m a que vem expressa pelo II princípio fun-
damental da termodinâmica, e outra que se expressa na força auto-orga-
nizadora da matéria.
O II princípio fundamental expressa que, e m sistemas fechados, in
the long run, o que se impõe é o estado mais provável, o qual via de regra é
o m e n o s organizado. Esse princípio expressa, portanto, u m a tendência da
natureza para a dispersão e para a destruição da estrutura. Contraposto a
isso, dá-se a dinâmica auto-organizadora da natureza. Davies fala t a m b é m
de uma "meta otimista" e u m a "pessimista" n o universo e acrescenta:
" M e s m o assim, o ser progressivo do universo é u m a realidade objetiva"
(DAVIES, 1 9 8 8 , p. 35-36).

Agora fica claro que essas semantizações c o m caráter de visão de


mundo, seguramente, não são "realidades objetivas". Por isso, e m sua
extensa apresentação da teoria do caos, o físico e filósofo Theodor Leiber
refutou todas essas especulações c o m bons argumentos (LEIBER, 1 9 9 6 ; cf.
t a m b é m STÕCKIJER, 1 9 9 1 ) .

M e s m o não tendo u m conhecimento mais preciso d o substrato dos


ramos especializados das ciências, já se pode ver que os conceitos e m -
pregados não podem provir da física. "Pessimismo" e " o t i m i s m o " são
comportamentos fundamentais do ser humano, que nada têm a ver c o m
a dinâmica cosmológica. O aspecto criativo é aquilo que abre novos hori-
zontes de sentido. De imediato, não existem razões para ver na limitação
da determinabilidade da matéria, c o m o vem apresentada pela teoria do
caos e da auto-organização, mais do que processos do acaso que limitam
nossa intervenção calculativa.
Pode-se muito b e m lamentar essas extrapolações da ciência popular,
pode-se lamentar sobretudo que muitos intelectuais importantes t o m e m

86 Introdução à Filosofia da Natureza


parte na produção dessas visões de mundo, o u pode-se ainda supor que
isso tudo esteja simplesmente e m função de dinheiro — o best seller de
Hawking, de 1 9 8 8 , alcançou milhões de edições — , todavia existe u m
n e x o objetivo que mostra o acerto de levar a sério filosoficamente esse
gênero literário e não deixá-lo simplesmente de lado, ou, c o m o fazem di-
versos construtivistas, simplesmente desvalorizá-lo. Peter Janich fala, por
exemplo, de filosofias de hobby ou da Antiguidade próprias dos cientistas
da natureza" (JANICH, 1 9 9 2 , p. 2 0 3 ) .
Se o que se disse sobre hermenêutica for correto, se vivemos prima-
riamente dentro de perspectivas de sentido determinadas pragmaticamen-
te, e se construímos a natureza c o m o mera facticidade o u c o m o n e x o
matemático-funcional apenas a partir desse ponto, então não deverá cau-
sar surpresa que tenhamos a tendência de retomar constantemente esses
desempenhos abstrativos e fazer c o m que o saber funcional da física re-
m o n t e ao círculo hermenêutico de nossa autocompreensão. Só que, nesse
caso, deveria ficar claro que tal reinterpretação nada mais tem a ver c o m
a hard science, pois em primeiro lugar ela não se segue só dos resultados da
ciência, e e m segundo lugar apresenta grandes espaços de j o g o contin-
gentes, que deveriam ser sustentados c o m argumentos.
Se os hermenêuticos têm razão, então toda a física é originária n o
sentido de representar o primário ser-no-mundo do h o m e m , o ser-
n o - m u n d o determinado pragmaticamente, mediado pelo social e pelo
simbólico, raleado, estilizado num m o d o de ver chamado por Thomas
Nagel de the view from nowhere. Essa neutralizada "visão de nenhures" cons-
trói o m u n d o do m o d o c o m o seria se não fosse visto por ninguém.
Esse m é t o d o é bem-sucedido, mas n o sucesso é vendido ao custo de
u m ponto cego, o qual consiste justamente naquela subjetividade c o m
suas perspectivas de sentido que a cegam. Assim, o círculo hermenêutico
volta a se fechar por trás das costas do cientista, muitas vezes impercep-
tivelmente, dissolvendo os resultados de sua investigação, nolens volens, e
fazendo-os remontar à autocompreensão primária donde partiu.

2.2.3 Bernulf Kanitscheider

Em n e n h u m outro lugar essa dialética se torna mais evidente do que nos


físicos que fazem tudo para evitá-la. Nesse sentido, a posição do físico e
teórico da ciência Bernulf Kanitscheider é especialmente instrutiva.
Em todos os seus escritos, Kanitscheider sempre de novo asseverou
que é só evitando os antropomorfismos que se pode aproximar o h o m e m

A tensão entre teoria e práxis 87

II
da verdade. Os mitos antigos se caracterizavam pelo fato de misturarem
os aspectos h u m a n o e cosmológico, enquanto o progresso da física esta-
ria ligado c o m u m processo de "desantropomorfização": "Hoje, as ten-
tativas de esclarecimento que buscam compreender partes da natureza,
mas de m o d o mais acentuado naturalmente o todo do universo, por m e i o
de conceitos c o m propriedades humanas, subjetivas, c o m expressões da
vontade, razões psíquicas e semelhantes, são julgadas c o m o uma empresa
falha do ponto de vista do princípio" (KANITSCHEIDER, 1 9 9 1 , p. 3 1 ) .
Pensado do ponto de vista puramente intrafísico, o projeto de "de-
santropomorfização" é plenamente plausível. Mas se, e m sua história,
a física se orientou primeiramente nos sentidos humanos (sentido do
t a t o / m e c â n i c a , sentido da v i s ã o / ó t i c a , ouvido/acústica e t c ) , logo se
mostrou que essas divisões eram superficiais. Aquilo que aos nossos sen-
tidos parece ter u m a "essência diversa", c o m o , por exemplo, a radiação
do calor e da luz, a física demonstra serem meras formas de manifesta-
ção de uma e a m e s m a realidade, a saber, radiação eletromagnética. À
medida que foi progredindo, a física acabou se afastando cada vez mais
do m u n d o da vida humano. O "Espaço de Hilbert", onde se formulam,
por exemplo, os vetores do estado da teoria quântica, já não pode ser
representado pelos sentidos.
Ora, aquilo que é plenamente plausível dentro da física, Kanitschei-
der transforma e m uma convicção filosófica fundamental e absoluta. E
por isso que ele considera suspeitos todos os autores que procuram re-
ligar ao m u n d o da vida os resultados da física. Ele rechaça tanto Teilhard
de Chardin quanto A. N. Whitehead, tanto o princípio antrópico c o m o o
princípio protofisical, pois "no contexto da realidade não há nada que
indique que o âmbito da vida humana ocupe uma posição privilegiada"
(KANITSCHEIDER, 1 9 7 9 , p. 1 3 ) .

Assim, e m seu livro sobre a cosmologia fisical, Kanitscheider descre-


ve também o progresso dessa ciência c o m o uma desantropomorfização
progressiva. N o cosmos, o h o m e m se torna cada vez mais periférico. E a
surpresa aumenta ainda mais quando se lê a última frase desse livro, onde
Kanitscheider afirma que o universo, "que nos gerou, é nossa pátria"
(KANITSCHEIDER, 1 9 9 1 , p. 4 6 8 ) .

"Pátria" é u m conceito sobrecarregado de antropomorfismo. As i m -


plicações disso ficam claras a partir dos próximos livros do autor. Em seu
livro seguinte, Do mundo mecânico ao universo criativo, o próprio título já assinala
para figuras de pensamento provindas da teoria da auto-organização. De
fato, aqui, Kanitscheider adota todos os topoi provindos dos escritos de

88 Introdução à Filosofia da Natureza


Ilya Prigogine sobre a ciência popular, c o m o , por exemplo, o discurso a
respeito da "atividade espontânea" e da "força criativa" da matéria, que
produziria "coisas novas" etc. (KANITSCHHDER, 1 9 9 3 , p. 1 0 4 - 1 0 5 ) .
O "criativo", "espontâneo", o "novo", a "pátria" e t c , todos esses
conceitos são por natureza extremamente antropomórficos e contradi-
zem tudo que Kanitscheider já ensinara sobre o progresso científico.
O que aconteceu aqui? O círculo hermenêutico se fechou por trás
das costas do fisicalista. Aquilo que é legítimo apenas c o m o intervenção
de método, abstrair de tudo que é humano, se impõe aqui c o m o ímpeto
de uma rasa contradição, pois n o fim todo exercício da física é derivado;
jamais se sustenta a si mesmo.
A partir daí, faria sentido interpretar as especulações da ciência po-
pular c o m o a tentativa natural de sintetizar a autocompreensão humana
por m e i o dos resultados da ciência.
Tal síntese é imprescindível. Os resultados da ciência devem ser inte-
grados na autocompreensão humana, sendo que o desempenho dessa in-
tegração, ele m e s m o , já não é ciência rigorosa, mas uma ação hermenêutica.
Isso pode ser esclarecido reportando-se a alguns conceitos de Paul
Davies: dito de m o d o resumido, o segundo princípio da termodinâmi-
ca expressa uma tendência de destruição das estruturas na totalidade do
mundo. Visto que nós somos estruturas altamente organizadas, estrutu-
ras que possuem u m interesse vital na conservação de sua organização,
o II princípio se nos mostra sob u m caráter negativo, embora não se
possa apoiar tal avaliação n o conteúdo fisicalista do princípio. O m e s m o
se dá c o m a dinâmica da auto-organização. Na linguagem de David, se
nos mostra c o m o "positiva", c o m o "meta otimista" do universo, embora
t a m b é m essa avaliação sobrecarregue o estado de coisas puramente cien-
tífico. Algo muito parecido se dá c o m o conceito do "novo", do "cria-
tivo", do "histórico", "espontâneo" etc.
Em todos esses casos trata-se de meras analogias, sendo que o una-
logatum primarium é o h o m e m e sua experiência prática e mediada pelos
símbolos, sua experiência do m u n d o da vida. Desse m o d o chega-se a
u m a síntese entre teoria e práxis, isto é, adentra-se na filosofia da natureza
c o m o uma "hermenêutica da natureza cientificizada".
Infelizmente, na opinião pública, tal discurso não tem legitimação,
precisaria antes escapar da fúria agressiva da ciência popular. Ademais,
essas especulações estão a serviço apenas da necessidade ora reinante de
visões de mundo. Tanto e m Kanitschneider c o m o também n o próprio Pri-
gogine, elas têm c o m o objetivo fazer c o m que o materialismo se mostre

A tensão entre teoria e práxis 89

II
mais amistoso e mais h u m a n o do que é. Todavia, também são reivindica-
das pela parte oposta c o m o pontos favoráveis.
Assim, segundo o b i o q u í m i c o gõttingense Friedrich Cramer, a "au-
to-organização é uma propriedade fundamental da matéria", o que sig-
nifica que "toda e qualquer matéria a priori já está prenhe de idéias". A
auto-organização seria " o verdadeiro elemento metafísico numa teoria
da evolução das ciências da natureza" (CRAMER, 1 9 9 3 , p. 2 9 0 - 3 3 0 ) . Foi a
partir daí que teólogos c o m o Sigurd Daecke ou Alexandre Ganoczy lan-
çaram m ã o imediatamente da teoria da auto-organização c o m o instância
referencial das ciências da natureza para uma teologia da criação (DAECKE,
1993; GANOCZY, 1 9 9 5 ) .

Para evitar essas cobranças dotadas de visões de mundo, materialistas


ou espiritualistas, da física, dever-se-ia traçar uma linha divisória nítida en-
tre ciência de rigor e interpretação hermenêutica de seus resultados, assim
c o m o deveriam ser expostos abertamente os princípios sobre os quais se
sustenta tal interpretação. Nesse caso é b e m provável que ficasse claro que
nem u m materialismo dotado de visão de mundo n e m u m espiritualismo
possuem razões suficientes para fazer apelo imediato à física.
Mas, se não aceitarmos a versão aqui exposta das sínteses da ciência
popular, então será preciso esclarecer c o m o é possível que essas sínteses
c o n t i n u e m sempre de novo a ser produzidas por importantes cientistas
e por que e x e r c e m tão grande influência m e s m o nas universidades. Mas
esse não seria mais o caso, se procedêssemos segundo o m o d o de ler
de Peter Janisch, para o qual trata-se meramente de sabedorias senis da
Antiguidade.
Na realidade, deixamos de lado um âmbito importante da filosofia da
natureza. Puxar os resultados da ciência da natureza para dentro do círculo
hermenêutico da autocompreensão humana é algo incondicionável, e, se
essa tarefa não for realizada pela filosofia de maneira metódica, a lacuna que
fica em aberto irá ser preenchida por uma avalanche de especulações post-
modernas ou da ciência popular, c o m o imitação ou caricatura da autêntica
filosofia da natureza. Por esse moüvo, esse fato de puxar os resultados da
ciência da natureza para dentro do círculo hermenêutico, mencionado aci-
ma, deverá ser realizado de maneira bastante consciente n o capítulo 6 no
sentido de uma "hermenêutica da natureza cientificizada".

90 Introdução à Filosofia da Natureza


Capítulo 3
Natureza como correlato do teorético

"Natureza c o m o correlato do teorético" é o que nos mostra, a respeito da


natureza, a ciência da natureza. E essa continua sendo a base insuperável
para toda filosofia da natureza.
Na relação c o m a ciência da natureza, a filosofia pode se enganar de
dois modos: na medida em que se relaciona c o m ela de maneira muito
ativa, a saber, prescritivamente, ou de maneira muito passiva, ou seja,
portando-se de m o d o puramente descritivo. Em ambos os casos, falta o
ponto de vista crítico que se tornou específico para a filosofia desde Kant
e Wittgenstein.
Foi prescritivamente que muitos dos idealistas alemães se portaram
diante da ciência da natureza. Infelizmente, ainda hoje existem filósofos
que a vêem c o m o ancilla Philosophiae (cf. ponto 1.2.4).
A respeito da teoria da ciência, W K. Essler se expressa do seguinte
m o d o , expressando c o m isso u m c o m p o r t a m e n t o puramente descriti-
vo: "Ela não se posiciona além e acima das operações empregadas nas
ciências, mas analisa-as e as reconstrói n u m m o d e l o idealizador; e assim
não fala sobre representações filosóficas e motivadas do desejo, c o m o
quer que seja, mas sobre realidades c o m as quais se ocupa a c i ê n c i a "
(ESSLER, 1 9 7 1 SS, p. 13).

O problema é que as "realidades c o m as quais se ocupa a ciência" são


muito menos inofensivas do que se supõe aqui. A reboque da hard science,
muitas vezes vêm exageradas pretensões de validade; basta pensar n o "es-
paço absoluto" e n o "tempo absoluto" de Newton, n o determinismo total,
dentro do qual se interpretou a física clássica, nas extrapolações da teoria
do caos e da auto-organização, mencionadas no ponto 2 . 2 , ou nas preten-
sões de validade comumente ligadas c o m a cibernética, as quais deverão
ser submetidas à crítica no ponto 4 . 5 etc. U m teórico da ciência, que ape-
nas reconstrói a lógica imanente de discursos estabelecidos, terá grandes
chances de reproduzir essas exageradas pretensões de validade, e m vez de
criticá-las. A crítica, porém, é o médium de toda filosofia.
E, uma vez que se devem pressupor os resultados positivos da ciência
da natureza e m toda e qualquer filosofia da natureza, não será preciso
tratar desse assunto aqui, de m o d o explícito. No presente capítulo sobre

91
"natureza c o m o correlato do teorético", deverá ser exposto, antes, o pon-
to de vista crítico, que é aquilo que representa o diferencial da filosofia.
Essas exageradas pretensões de validade podem ser fartamente en-
contradas n o campo do teorético. Pode-se dizer sem exagerar que vive-
mos numa cultura fortemente sobrecarregada de teoria, e m que o perigo
de subvalorizar a praxis é constante. E por isso que, à m ã o de conceitos
fundamentais c o m o "essência" e "manifestação", "idéia" e "matéria" ou
na diferença entre o "físico" e o "fisical", vamos mostrar neste capítulo
que é muito c o m u m a tendência da razão teorética de dominar o campo
do prático, o qual, todavia, permanece inacessível para ela.

1
3.1 O físico e o fisical

Na língua inglesa, tanto o físico quanto o fisical são designados pela m e s -


ma palavra physical. Correspondente a isso, muitos autores anglo-saxões
não fazem distinção alguma nesse ponto. W v. O. Quine, que considera
fundamental u m a "linguagem fisical", relaciona essa linguagem a " o b -
jetos físicos", entre os quais ele conta igualmente automóveis, aviões,
animais, plantas e t c , aquilo portanto que na filosofia aristotélica teria
sido chamado de "substância material" (QUINE, 1 9 8 0 , p. 1 7 ) . Também
Donald Davidson considera irrelevante essa diferenciação, e junto c o m
ele a maioria dos filósofos alemães, c o m o por exemplo Peter Bieri, Ansgar
Beckermann, Friedrich Kambartel e muitos outros (DAVIDSON, in: BIERI,
1 9 8 1 , p. 7 6 ; BIERI, 1 9 8 1 , p. 3 9 ; BECKERMANN, in: KAIL/SCHÃDELBACH, 2 0 0 0 , p.
139ss; KAMBARTEL, 1 9 8 9 , p. 6 6 ) .

Sua pressuposição é a convicção de que o físico, aquilo que nos


envolve n o m u n d o da vida, é o que a ciência da física investiga mais de
perto e nos faz afirmar: "A ciência é u m a continuação do pensamento
cotidiano" (QUINE, 1 9 7 9 , p. 4 9 ) . Visto desse m o d o , o físico é o fisical
que ainda n ã o foi elevado a si mesmo. A física e filósofa Brigitte Falken-
burg destaca de maneira sugestiva essa convicção, indicando que há u m
"continuum da observação" entre o m e r o olho, a lupa, o microscópio, o
microscópio eletrônico, experimentos c o m partículas de raios gama etc.
Nesse continuum n ã o é possível traçar uma linha divisória clara. Isso é tão

1. Na língua portuguesa também não se faz distinção entre esses dois conceitos.
Para distingui-los neste texto, seguindo o pensamento do autor, usamos na tradução "fí-
sico" para designar a palavra physisch, e "fisical" para traduzir a palavra Physicalisch. (N.d.T.)

92 Introdução à Filosofia da Natureza


verdade, que m e s m o u m a fotografia não oferece nenhuma "percepção
imediata dos sentidos" (FALKENBURG, 1 9 9 4 , p. 1 7 2 ) .
Segundo essa concepção, dá a impressão que a ciência nada mais fa-
ria do que ampliar e refinar nossa percepção usual de mundo. O cientista
vê o m e s m o m u n d o que o " h o m e m que está ali na rua", apenas que o vê
de m o d o mais abrangente e mais detalhado.
Todavia, nesse suposto continuum c o m e ç a m a se anunciar algumas for-
tes dúvidas. E b e m verdade que sob u m microscópio potente podem ser
vistas moléculas, mas não se podem ver peixes, pedras, nuvens ou rios, e
quando voltamos nosso foco a esses objetos não os vemos igualmente como
objetos mesocósmicos, mas meramente como moléculas. Mais grave ainda
do que essa descontinuidade que se dá na percepção é a descontinuidade
n o m o d o de descrição da percepção. Enquanto descrevemos automóveis,
aviões, animais e plantas numa linguagem natural, descrevemos os resul-
tados dos experimentos c o m partículas na linguagem altamente teorética
e formal da matemática, a qual apresenta qualidades totalmente diferentes
da linguagem natural. Entre a linguagem formal e a natural, todavia, não
há nenhum continuum, mas uma ruptura claramente perceptível, sem levar
em conta que há ainda uma segunda ruptura — a ser descrita mais de
perto n o capítulo 4 — no sentido de que artefatos c o m o automóveis e
aviões não são objetos puramente nsicais, mas objetos real-teleológicos,
que não podem ser descritos adequadamente pela física teorética a partir
de sua função. É espantoso observar c o m o muitos autores contemporâ-
neos empregam os termos "objeto material" = "fisical" = técnico sem
levar em conta as diferenças categoriais correspondentes. U m objeto téc-
nico jamais é só u m objeto material, pois pressupõe u m planejamento, e
u m objeto material jamais é só um objeto fisical, c o m o será demonstrado
mais claramente neste capítulo.

E fundamental, sobretudo, a ruptura existente entre a linguagem for-


mal e a natural, a qual forma a base para a diferenciação entre u m " o b j e -
to material" e u m "objeto fisical", este n o sentido da ciência específica:
quando u m físico, por exemplo, descreve seus objetos pela equiparação
de diferenças, o que está em questão ali são funções matemáticas, que
refletem entre si quantidades definidas puramente extensionais, ou seja,
trata-se de relações matemáticas. Essas relações não designam n e n h u m
dos elementos da relação c o m o ontologicamente originário, c o m o é o
caso na linguagem natural, em que, c o m o termo "sujeito", o juízo pre-
dicativo remete a u m objeto, enquanto o predicado faz as vezes de uma
propriedade desse objeto. Desde Aristóteles até P. F. Strawson, que nesse

Natureza como correlato do teorético 93

ili
ponto apela a Aristóteles, essa propriedade foi considerada a força da lin-
guagem natural capaz de abrir o mundo, que possibilita identificar algo
como algo (STRAWSON, 1 9 7 2 , p. 1 7 5 ) .
A linguagem fisical especializada não estabelece nenhuma relação
c o m o objeto desse gênero; antes, os termos teoréticos da física, acima
de certos princípios intermediadores, vêm ligados a uma linguagem da
percepção (igualmente formal), relacionada c o m propriedades quantifi-
cadoras do mundo.
A física não se reporta, portanto, de m o d o direto, a entidades subs-
tanciais, e — contrariando uma convicção generalizada — tampouco se
reporta a coisas materiais; reporta-se antes a propriedades quantificáveis
dessas coisas, que são contadas sob a categoria dos "acontecimentos",
uma vez que, e m geral, se modificam c o m o tempo. Pode-se argumentar
que esses acontecimentos necessitam de sujeitos que os sustentem; mas
a linguagem especializada da física faz abstração desses sujeitos, se é que
eles existem. Não é uma linguagem da propriedade das coisas, mas uma
pura linguagem dos acontecimentos, e é por isso que fisicalistas c o m o
Quine defenderam uma ontologia na qual só os acontecimentos figura-
riam c o m o entidades legitimadas. Isso implica diretamente que, e m sua
"notação canónica", Quine dissolve a predicação elementar e, c o m ela, o
esquema-da-propriedade-das-coisas; implica ainda que, n o contexto de
sua tese a respeito da "relatividade ontológica", ele trata as demarcações
que dividem os objetos naturais ainda apenas c o m o puras convenções.
Criticou-se a ontologia quineana argumentando que ela seria muito
pobre para tomar compreensível de modo suficiente a linguagem natural
que se articula no ser-no-mundo, o que é evidente; mas, e m relação ao ramo
da física, Quine tem absoluta razão: a ontologia nela implícita é uma pura
ontologia dos acontecimentos, sem u m conceito propriamente das coisas, o
que leva todavia então à dificuldade de ter de reduzir coisas a eventos.
O fato de a Física, c o m o u m ramo da ciência, não estar em condições
de levar a efeito o esquema da propriedade das coisas tornou-se evidente
de maneira penetrante pela física quântica, pois os objetos quânticos não
têm nenhuma característica que pudesse ser evidenciada c o m esse esque-
ma. Mas n o fundo poderíamos ter visto esse estado de coisas também já na
física clássica: as forças, massas, energias, impulsos, coordenadas de lugar
ou tempo, são "coisas" ou antes medidas de grandezas que pressupõem a
existência das coisas, mas que não contêm as próprias coisas? Se as rela-
ções das leis da física clássica se definem por u m sistema de forças, mas-
sas, energias, impulsos e impulsos rotatórios e t c , n e m por isso descrevem

94 Introdução à Filosofia da Natureza


nosso mundo "físico" circundante, mas u m mundo artificial estilizado,
que n o melhor dos casos partilha alguns traços c o m esse, destacando esses
traços de maneira muito precisa.
Esse estado de coisas ficou encoberto pelo fato de diversas teorias fisi-
cais possuírem afinidades distintas para c o m o mundo da vida. Assim, é fá-
cil transpor a física newtoniana em representações do mundo da vida c o m o
a teoria quântica. A partir disso, espalhou-se a opinião de que Newton teria
levado o acesso natural ao nosso mundo da vida e m seu ponto ideal, ultra-
passado apenas pela teoria da relatividade e pela teoria quântica.
Newton expressou o axioma n o m e a d o por ele na linguagem natural,
não numa linguagem matemática. Pareceu-lhe também natural formular
sua teoria n o esquema-propriedade-da-coisa e na representação da cau-
salidade própria da linguagem natural. Assim se diz na explicação sobre a
"lei I": "projéteis se m a n t ê m firmes e m seus movimentos enquanto não
são desacelerados pela resistência do vento e enquanto não são atraídos
para baixo pela força de gravidade; e sobre a "lei I I " : "admitindo-se que
alguma força gere algum movimento, o dobro de força gerará o dobro de
1
movimento e o triplo, o triplo" (NEWTON, 1 9 8 8 = 1 6 8 7 , p. 5 3 ) .
Vista dessa forma, a lei II "significa", portanto, ("força = massa vezes
aceleração"; F = m • a ) : uma substância de massa m é lançada por uma
força F em estado de aceleração a. (No século XVII era muito difundida a
interpretação de forças c o m o "causas" e os movimentos c o m o "efeitos".)
Vê-se, porém, que essa interpretação representa uma extrapolação: F = m • a
expressa uma relação simétrica entre F e a e não contém a assimetria de
uma relação de causalidade compreendida dentro do mundo da vida, assim
c o m o tampouco contém a assimetria do esquema-propriedade-das-coisas.
Coisas são o suporte de propriedades e possuem portanto uma prioridade
ontológica diante dessas. Tal prioridade não pode ser derivada de nenhum
dos termos F = m • a. Quão pouco essas configurações relacionais são aptas
para serem ontologizadas ingenuamente, fica claro a partir do fato de que
n o final do século XTX se fundou a mecânica clássica justo por m e i o dos
conceitos de "espaço", "tempo" e de "força". O conceito de força era cen-
tral ali. Hoje a mesma física é construída substituindo-se o conceito de
força pelo de massa, sem que nada se modifique no conteúdo da teoria.
Não foram as descobertas da teoria da relatividade ou da teoria
quântica as primeiras a mostrar a obsolescência de transpor nossa física
teorética para uma linguagem natural. Já as teorias de campo eletromag-
néticas do século XIX eram avessas a essas representações fundamentais.
A inútil procura de décadas por u m "éter", c o m o o suporte das ondas

Natureza como correlato do teorético 95


eletromagnéticas era motivado pelo esquema-propriedade-das-coisas. Em
nosso mundo da vida, as ondas são propriedades dinâmicas de substân-
cias que lhes dão suporte, c o m o acontece por exemplo nas ondas da água
e nas ondas de som. Mas as ondas eletromagnéticas, ao contrário, não
precisam de n e n h u m suporte. Não seguem o esquema-propriedade-das-
coisas e tampouco p o d e m ser nele interpretadas. Mesmo que tardiamen-
te, poder-se-ia ter visto aqui que a física descreve u m mundo idealizado
artificialmente, não o m u n d o que nos abarca "lá fora".
Em sua apresentação do conceito de partícula na física, Brigitte
Falkenburg fala da "história de u m a expectativa frustrada", visto que as
partículas não se teriam exteriorizado c o m o substâncias no sentido clás-
sico (FALKENBURG, 1 9 9 4 , p. 2 0 9 ) .
Mas pode ser que essa expectativa tenha sido ilusória desde o prin-
cípio. Além das que foram citadas, também e m outros conceitos da física
newtoniana se vê que eles não podem se referir ao real-físico. Por fim, ali
não existem massas pontualizadas, aceleração momentânea, planos livres
de fricção etc. N e m sequer na função de onda da teoria quântica seria
possível colocar a pergunta se ela c o m o tal "existe" e, se "existir", o que
isso significaria.
Quanto destoam e se afastam u m do outro o físico e o fisical torna-se
claro nas tentativas concretas de fazê-los coincidir. Quine, por exemplo,
alerta para não se "considerar a geometria c o m o por demais distinta da
física". Seria possível "explicar" a existência de u m objeto ideal g e o m é -
trico, c o m o a idéia de uma linha, concebendo-a c o m o u m fio muito fino,
segundo o esquema matemático: o real corresponde ao quociente das
diferenças Á y / A x , o ideal corresponde ao quociente diferencial d y / d x
(para dx - * 0 ) (QUINE, 1 9 8 0 , p. 4 2 9 s s ) .
Contra isso, porém, se manifesta o fato de que o próprio quociente
das diferenças j á é uma construção ideal da matemática. O hiato que há
entre a linguagem formal e a linguagem natural não pode ser banido
sobretudo a partir da linguagem formal; e o que Quine negligencia aqui
de m o d o patente é o que a escola de "Erlangen" chama de "ideação", na
passagem da descrição natural para a matemática, dentro da "protofísica"
(Zur Protophysik: JANICH, 1 9 9 9 ) .
Mas, inversamente, tampouco se poderá simplesmente suspender
esse hiato entre a linguagem formal e a natural partindo da linguagem
natural. E espantoso ver c o m o muitos filósofos representam átomos ou
moléculas c o m o pequenas partículas democritianas, que, do ponto de
vista do princípio, são do m e s m o tipo que seixos o u grãos de areia (do

96 Introdução à Filosofia da Natureza


m e s m o m o d o , também RORTY, 1 9 9 7 , p. 2 5 4 ) . Todavia, essas representa-
ções contradizem de maneira gritante os modelos precisos fornecidos
para esses objetos pela teoria quântica.
A partir disso, então, não devemos derivar a alta relevância ontoló-
gica dos conceitos fisicais desses ramos da ciência a partir de sua agu-
dez e precisão. A relevância ontológica pode ser derivada de relações de
dependência, c o m o , por exemplo, quando se pode mostrar que as pro-
priedades são inerentes a uma substância; então, essa substância deve ser
ontologicamente "anterior" a essas Substâncias ou n o caso de uma pessoa
que é "anterior" a suas ações. Quanto à relação de precisão, vacuidade
ou equivocidade, tudo depõe a favor do fato de que devemos pressupor
serem conceitos "opacos" se quisermos obter definições precisas e não
definições aproximativas, de que existe uma preponderância ontológica
dos objetos descritos por conceitos menos exatos diante daqueles que são
descritos c o m conceitos mais precisos. E uma prática muito difundida
deduzir a relevância ontológica especial a partir da agudez e precisão dos
conceitos fisicais dos ramos das ciências; essa prática deverá ser submeti-
da à crítica n o ponto 3.3 sob o título "platonismo fisicalista".
Numa perspectiva diversa, torna-se necessário distinguir, portanto,
o "físico" do "fisical". Primeiramente, vamos trabalhar n o esquema-pro-
priedade-das-coisas próprio da linguagem natural, por último, c o m m e -
ros estados, que deverão ser ligados ao aspecto funcional-matemático. E
preciso então fincar pé de m o d o decidido nessa diferença, porque filoso-
fia da natureza, entre outras coisas, é também uma tentativa de intermediar
a tensão entre o físico e o fisical.
Jürgen Habermas, que eleva sobremaneira a função da filosofia,
contra a dissolução de uma filosofia autônoma no sentido de Richard
Rorty, insiste n o fato de que a tarefa de uma filosofia genuína — tarefa
que não pode ser suspensa — consiste e m intermediar o m u n d o da vida
com o saber especializado (HABERMAS, 1 9 9 1 , p. 9ss; RORTY, 1 9 9 7 ) . Decerto
que Habermas não reportou esses pensamentos à cultura especializada
da ciência da natureza, todavia também aqui essa mediação deve dar-se
c o m o filosofia da natureza, e isso ficará faltando se suspendermos a dife-
rença entre "físico" e "fisical".
C o m o se disse, é de admirar que m e s m o um filósofo analítico do
quilate de u m Hilary Putnam, que é também físico do ramo, e m lugar
algum esclarece essa diferença. Assim, ele pressuporia pelo m e n o s u m
tempo maior para se poder definir, de m o d o satisfatório, objetos "fisicais"
mesocósmicos através de partículas microscópicas. U m a maçã vermelha

Natureza como correlato do teorético 97

1 1 1
seria u m legítimo objeto da física: there is a red apple at the point in space-time
with coordinates xyzt (PUTNAM, 1 9 7 5 , p. 1 8 0 s s ) . C o m o se u m a maçã pudes-
se ser encontrada n u m ponto matemático! Todavia, nessa questão parece
que Putnam teria se retratado mais tarde. Além do mais, o exemplo c i -
tado anteriormente n o ponto 1.1.1, referente aos buracos triangulares e
redondos, pressupõe u m a autonomia do físico diante do fisical. Mas se
Putnam não consegue levar avante e tornar fecundo esse estado de coisas,
do ponto de vista da filosofia da natureza, isso se deve à fixação da m a i o -
ria dos filósofos analíticos na posição N a t tol/clen o u na N a t reg/cien , c o m o foi
mencionado n o ponto 1.3. Q u e m insiste na indedutibilidade do físico
diante do fisical está adotando a posição Nat pUir .
A partir de um lado extremamente diferente, encetou-se reconstruir
essa diferença, n o sentido de u m a priori baseado n o m u n d o da vida =
"aristotélico" e m relação a u m a priori "galilaico" = kantiano; foi o caso,
por exemplo, de Friedrich Kambartel e Jürgen MittelstraB (KAMBARTEL,
1 9 7 3 ; MiTTELSTRASs, 1 9 7 3 ) . De maneira muito parecida c o m essa, porém
sem restringir-se à fundamentação metodológica da ciência da natureza,
encontra-se u m a reconstrução do a priori aristotélico e m Gernot B õ h m e
e e m Lothar Schafer (BÕHME/SCHIEMANN, 1 9 9 7 , p. l l s s ; SCHAFER, 1 9 9 9 , p.
2 3 6 ) . Significa que esses autores estabelecem u m a diferença de conteúdo
entre o físico e o fisical e compreendem o físico n o sentido da filosofia da
natureza de Aristóteles.
Em plena concordância c o m isso, também este trabalho não consi-
dera o sentido da filosofia da natureza de Aristóteles uma antecipação da
física moderna (um ponto de vista quase "infrutífero"), mas lugar-tenente
de u m acesso à natureza pelo mundo da vida, o que pouco se presta para
romper tecnologicamente c o m a natureza, servindo muito mais para sal-
vaguardar nossa identidade e diferença e m relação a ela; a física moderna
deve fortalecer a diferença contra esse fato, visto que esse é o preço a ser
pago por u m a objetivação da natureza (cf. abaixo, 4 . 4 ) .

3.2 Essência e aparência — ontologia e precisão

Os conceitos de "essência" e "aparência" provêm da metafísica clássica.


Neles supõe-se muitas vezes que o m u n d o sensível que n o s circunda não
seria o "verdadeiro", mas que a "verdadeira essência" das coisas se ocul-
taria por trás desse. Para forçar a passagem e alcançar essa "essência" seria
necessário u m especial desempenho cognitivo, portanto algo c o m o u m a

98 Introdução à Filosofia da Natureza


"contemplação intelectual" e m Platão e nos neoplatônicos ou u m a forma
especial de "abstração" metafísica c o m os aristotélicos. Hoje e m dia, es-
sas ontologias da essência se apresentam c o m o muito pretensiosas, e e m
contraposição a isso preferem-se ontologias que já não estão buscando a
"essência das coisas", c o m o é o caso da filosofia analítica, mas limitam-se
a listar categorialmente o "inventário do mundo", c o m o Bertrand Russell
(RUSSELL, in: W O L F , 1 9 9 3 , p. 70).

Essas ontologias inventarizantes são mais adequadas ao cientista da


natureza do que as ontologias da essência, todavia mostra-se também que
autores c o m orientação científica se debatem c o m a questão da essência.
Por isso, a idéia de que c o m a ajuda da ciência da natureza se alcan-
çaria o "cerne das coisas" está bastante divulgada, e quiçá não apenas e m
platônicos c o m o Werner Heisenberg ou C. R v. Weizsäcker, mas também
e m teóricos da ciência, plenamente lúcidos, c o m o por exemplo W v. O.
Quine, mas sobretudo muitos físicos da praxis. Numa conferência sobre
1
"imagem de m u n d o da nova física" (PLANCK, 1 9 8 3 = 1 9 3 3 , p. 2 0 6 - 2 2 7 ) ,
Max Planck exprime uma opinião bastante generalizada, ao afirmar que a
ciência acaba se aproximando do "mundo real" e m seu progresso, que
parte do "mundo sensível" e passa pelo "mundo fisical", c o m o pode ser
expresso por fórmulas matemáticas. Tal convicção que deixa para trás
todo tipo de antropomorfismo era defendida também por Albert Einstein.
Segundo ele, a tarefa da física seria "reconstruir todo ente n o processo da
apreensão conceituai" (segundo WICKERT, 1 9 7 3 , p. 7 0 ) . Noutra passagem,
ao contrário, ele observa de maneira crítica que talvez seja "a certeza que
nos instila tanto respeito à matemática". Mas essa certeza é conseguida ao
preço de u m vazio de conteúdos" (EINSTEIN, 1 9 5 3 , p. 1 4 2 - 1 4 3 , 1 8 2 ) .
Essa oscilação não é rara e m Einstein. Nele, e m qualquer época é
possível encontrar esses posicionamentos filosóficos opostos. Em relação
à contraposição entre essência e aparência, ele interpreta sua equivalên-
2
cia-energia-massa (E = m c ) de tal m o d o que massa e energia seriam
"equivalentes quanto à essência", "isto é, seriam apenas formas de ex-
1
pressão da mesma coisa" (EINSTEIN, 1 9 9 0 = 1 9 2 2 , p. 4 9 ) .
Mas de qual "coisa"? De fato, E e m são determinadas apenas rela-
cionalmente, não temos possibilidade alguma de determinar conceitual-
mente um substrato subjacente, algo essencial. "Essência" e "aparência"
não são conceitos específicos da ciência da natureza.
Embora a partição do mundo em "fundamentos essenciais" e "apa-
rências" fosse proibida no Círculo de Viena, voltou a se impor sorrateira-
mente e m alguns de seus representantes e quiçá justamente quando es-

Natureza como correlato do teorético 99


ses, c o m o Einstein, procuravam estabelecer uma relação imediata entre
precisão matemática progressiva e relevância ontológica. Segundo Moritz
Schlick, entre o m u n d o dos fatos e a esfera essencial não há nenhuma
divisão, mas apenas u m a única realidade. A separação entre "essência e
aparência" seria absurda, visto que a diferença entre o aspecto subjetivo
e o objetivo seria uma diferença casual. Todavia, e m outra passagem, ele
distingue entre u m m u n d o sensível, que atua sobre o "caráter acidental
da organização humana", e a ciência matemática da natureza — a qual
deve ser abstraída disso — que penetra tanto mais profundamente... na
essência da realidade" (SCHLICK, 1 9 7 9 = ' 1 9 1 8 , p. 2 7 5 , 4 , 9 3 ) . De m o d o
muito parecido se expressou, na cátedra de Praga, o seguidor de Einstein,
o físico Philipp Frank, que era igualmente filósofo e m e m b r o do Círculo
de Viena. Segundo ele, na física se dá u m "progresso essencial que passa
do aparente para o real" (FRANK, 1 9 8 8 = ' 1 9 3 2 , p. 2 9 0 ) .
Vê-se por aqui que a concepção criticada n o ponto 3 . 1 , de uma
passagem pretensamente suave do físico para o fisical, é responsável por
reintroduzir os conceitos da "essência" e "aparência", os quais segun-
do a opinião dos m e s m o s autores pertencem a uma metafísica superada.
Ademais, na biologia se dá u m fenômeno muito parecido. Ali, muitos
autores reproduzem a contraposição genotipo/fenotipo no par concei-
tuai essência/aparência ( c o m o por exemplo Ernst MAYR, 1 9 9 1 , p. 7 6 ) .
Tem-se falado c o m regularidade de u m "contraplatonismo". A questão
da "essência" parece ser seguramente inextinguível. Por isso, é corrente
inclusive na fisiologia cerebral. Ao inverso de uma posição idealista, ali
muitas vezes considera-se o cérebro c o m o a "essência" e os estados de
consciência c o m o "aparência" (VOGELEY, 1 9 9 5 ) . No entanto, se a questão
pela essência deve ser respondida, isso seguramente não seria c o m os
meios da hard science, pois essa questão pertence à metafísica.
Em relação ao platonismo fisicalista, também não é fácil ver por que
a "precisão" deveria ser u m parâmetro de medida para a relevância onto-
lógica, visto que a própria palavra já significa uma perda (praecido e m latim
significa "cindir", "cortar fora" e t c ) . Além do mais, o juízo que afirma
que a precisão seria u m parâmetro de medida para a relevância ontológica
vem formulado numa linguagem natural, que para essa finalidade se serve
de conceitos equívocos, imprecisos quanto à extensão, isto é, a descrição
significativa de modelos matemáticos lança m ã o sistematicamente daqui-
lo que ela ostenta já ter deixado para trás.
A problemática da contraposição entre precisão e relevância onto-
lógica, por u m lado, e m u n d o da vida — c o m o m e r o m u n d o de aparên-

100 Introdução à Filosofia da Natureza


cia — , por outro lado, torna-se clara sobretudo e m autores que gostariam
de se ver livres dela. Quine diz: "Vacuidade, equivocidade e flexibilidade
da designação são sinais característicos de expressões de linguagem e não
se estendem aos objetos designados". Quine assevera sempre de novo que
o objetivo de sua purificação da linguagem pela notação canónica seria
"apresentar a verdadeira e definitiva estrutura da realidade" (QUINE, 1 9 8 0 ,
p. 3 3 4 , p. 3 8 2 ) . Isso significa que, nele m e s m o , o ser está determinado
c o m rigor e lógica, e que todas as vacuidades e equivocidades, todos
os rodeios conceituais imprecisos e as imponderabilidades das intenções
conceituais correm só por nossa conta.
Donde sabe Quine que as coisas se dão desse m o d o ? Não seria pre-
ciso ele poder lançar u m olhar para a realidade, desvinculado de toda
teoria, para poder julgar essa propriedade? E as dificuldades c o m que ele
se vê às voltas, geradas por sua "notação canónica", não falam a favor do
fato de que essa precisão é alcançada à custa da relevância ontológica?
Isso porque, de u m m o d o ou de outro, a eliminação de expressões lexi-
cais, modalidades, intenções conceituais, formas temporais dos verbos,
relações de substância-acidente, identidade pessoal, intencionalidade etc.,
todas essas qualidades "opacas", c o m o ele diz, acabam empobrecendo a
ontologia de tal m o d o que já não está à altura de corresponder à pleni-
tude encontrada na experiência. Parece, portanto, não haver razões que
justifiquem interpretar a conquista de precisão por parte das ciências
"exatas" c o m o uma penetração especial na "profundidade do ser", sobre-
tudo quando se defende u m conceito de ser unívoco que, rigorosamente
falando, proíbe esse tipo de discurso.
"Sove the surface and you save ali", diz o mote sobre o livro de Quine Unter-
wegs zurWâhrheit (A caminho da verdade). Isso faz sentido quando se admi-
te o "ser" ainda somente c o m o valor de uma variável ligada, n o sentido
da lógica de quantor. Nesse caso, o "ser" regride ao nível do que se dá na
experiência, mais ou menos c o m o faz Kant na Crítica da razão pura, que só
admite o "ser" ainda c o m o posicionamento n o espaço e n o tempo. Mas
nesse caso não faz sentido falar, c o m o faz Quine, que estabelecer uma
precisão lógica por m e i o da notação canónica serviria para "apresentar
a estrutura verdadeira e definitiva da realidade". Onde tudo é superfície,
nada é definitivo, e nesse caso Kant foi b e m mais coerente ao afirmar que
sobre essas bases não se pode proporcionar ao h o m e m a visão dos funda-
mentos últimos da essência.
Kant pôde fazer isso porque n o Consciência da lei moral dispunha de
dados não-científicos, que alcançavam a esfera da "coisa e m si". Foi só a

Natureza como correlato do teorético 101

• I I
partir daqui que se pôde qualificar a superfície c o m o superfície ou tam-
b é m a aparência c o m o aparência, enquanto u m fisicalista m o d e r n o não
pode falar de "superfície", visto que não se pode determinar conceituai -
mente uma superfície sem a profundidade.
Em todo caso, a ontologia da física é uma ontologia da superfície ou,
c o m o dizia Kant, do m e r o fenômeno. Mas n e m por isso há motivos para
interpretar sua forma lógica e rigorosamente talhada c o m o sinal de sua
penetração nos fundamentos essenciais do ser.
Por isso, temos razão e m fincar pé junto c o m os filósofos da lingua-
gem natural, afirmando que o verdadeiro mundo é justamente aquele que
percebemos c o m nossos sentidos comuns e que qualquer pessoa sem
formação também considera ser o verdadeiro.
Q u e m questiona u m consenso tem a obrigação de apresentar uma
fundamentação para isso. Q u e m deve justificar-se diante do fisicalista não
é q u e m considera ser verdadeiramente real " o h o m e m na rua", os auto-
móveis, os aviões ou os animais e as plantas e que considera as teorias
científicas c o m o abstrações desses objetos, mas o contrário. U m fisicalista
deveria esclarecer por que u m a fórmula teorética toma as qualidades ape-
nas c o m o algo quantificável, fórmula que nada sabe de normas, objetivos
e fins, que substitui o sujeito corpóreo e concretamente situado por u m
aparelho registrador. Porque tal fórmula teorética, que trabalha tão afer-
radamente numa experiência de laboratório estilizada, pode pretender
estabelecer a vigência de toda a experiência.
Se houvesse sido necessária uma prova de que na filosofia não existe
u m progresso unilinear, n o sentido de que o último é necessariamente o
melhor, então o teórico da ciência e historiador da física Pierre Duhem,
que desenvolveu seus trabalhos há quase c e m anos, seria o melhor e x e m -
plo disso. Ele entrou na história da teoria da ciência c o m o seu ancestral,
desde Philipp Frank, Ernest Nagel até W. v. O. Quine, os mais importantes
representantes da teoria analítica da ciência referenciaram-se afirmativa-
mente nele. Dele, Quine tomou sobretudo seu holismo teorético e a re-
cusa de u m experimentum crucis, que vem ligado c o m aquele, na medida e m
que se prestasse para falsificar hipóteses isoladas.
Mas o que n e m Quine n e m os outros teóricos analíticos da ciência
tomaram foi a atitude coerente de Duhem de fundamentar antiplatônica-
mente a física n u m a "natureza" aristotélica, pautada n o m u n d o da vida,
junto c o m uma clara diferenciação entre o "físico" e o "fisical" e sua re-
cusa explícita da idéia de que a precisão da lógica formal seria u m indício
de relevância ontológica.

102 Introdução à Filosofia da Natureza


Com argumentos contundentes, Duhem mostrou que o aspecto fí-
sico que vem descrito na linguagem natural possui propriedades mui-
to próximas do conceito aristotélico de natureza, que esse conceito de
natureza não pode ser transposto diretamente para a física teorética e
que há uma prioridade ontológica do físico diante do fisical. Se junto
com Duhem compreendermos o termo "necessidade" c o m o "precisão da
lógica formal" e o termo "verdade" c o m o "relevância ontológica", en-
tão poderemos constatar na citação que vem logo a seguir c o m o Duhem
expressa c o m precisão a contraposição, defendida também por nós, e a
relação de tensão entre o físico e o fisical (vê-se, ademais, n o exemplo de
Duhem quão pouco se u n e m platonismo e física moderna — fundamen-
ta-se antes numa opção contingente de visão de m u n d o ) . Essa supracitada
contraposição é expressa por Duhem do seguinte m o d o :
Em suma, necessidade e verdade são os dois pólos extremos da ciên-
cia. Mas esses dois pólos não coincidem, são o vermelho e o violeta n o
espectro. Na ligação que se dá entre eles, a única realidade realmente
vivida, verdade e necessidade variam e m sentido inverso, de acordo c o m
o pólo para o qual nos voltamos... Se nos decidimos a caminhar r u m o
à necessidade, voltamos as costas ao verdadeiro, trabalhamos então dei-
xando de lado tudo que significa experiência e intuição, ocupamo-nos
com o esquema da pura reflexão, c o m o j o g o formal dos símbolos sem
significado. Mas para alcançar a verdade, ao contrário, devemos trilhar o
caminho no sentido inverso: a imagem, a propriedade, o concreto voltam
a adquirir seu direito de predomínio; vemos então a necessidade de juízo
desvanecer-se gradualmente n o acaso vivencial. Por fim, as propriedades
pelas quais a ciência é necessária e pelas quais é verdadeira não são as
mesmas propriedades pelas quais ela é rigorosa e pelas quais é objetiva
1
(DUHEM, 1 9 9 8 = 1 9 0 7 , p. 363).

3.3 Crítica do platonismo fisicalista

A última preleção de 1 9 4 1 de A. N. Whitehead finalizava c o m a frase:


"Precisão é u m embuste". Whitehead era de opinião de que desde Des-
cartes a usual preferência pela clareza e distinção c o m o critério da rele-
vância metafísica ou ontológica representou um dos maiores erros da fi-
losofia moderna (segundo HAUSKELLER, 1994, p. 18ss), e isso corresponde
à concepção de Duhem.
Pode-se dizer que, depois de Whitehead, a filosofia se definiu por sua
"crítica da abstração", adotada pela ciência e causada por seus desgastes

Natureza como correlato do teorético 103

1 1 1
metodológicos (WHITEHEAD, 1 9 8 8 = ' 1 9 2 5 , p. 7 5 ) . Daí surge, também,
"a falácia da concretude incongruente" ("fallacy of misplaced concretness"),
por ele inventada, que consiste e m "negligenciar qual grau de abstração
já se alcançou, quando se considera u m real ser individual, meramente
na medida e m que exemplifica determinadas categorias de pensamento"
(WHITEHEAD, 1 9 8 7 = '1929,p. 39).

Tal falácia ainda não poderia existir e m Platão, porque Platão partia
de uma ordenação racional e completa do cosmos, que se articulava n o
m u n d o dos sentidos. Na (pequena) medida e m que a idéia tornava inte-
ligíveis os fenômenos, não levava a abstrações. Por esse motivo, em Platão
t a m b é m o aspecto matemático não era propriamente idéia, mas apenas
c a m i n h o para a idéia, enquanto uma àváyKT\ puramente mecânica ocorre
nele apenas c o m o um m o m e n t o subordinado e, junto c o m a zí>xx\, repre-
senta u m elemento irracional n o processo do mundo, portanto o contrá-
rio daquilo que hoje compreendemos por "lei da natureza".
Esse estado de coisas se modifica tão logo surge u m a abstrata ciên-
cia da natureza, n o sentido da modernidade, que toma c o m o ponto de
partida não o vouç mas a àváyKX]. Se essa <xváYKr| é agravada ainda c o m
o peso de u m realismo platônico das idéias, então c o m e ç a m a aparecer
dificuldades insolúveis, c o m o , por exemplo, exatamente a "fallacy of mis-
placed concretness", censurada por Whitehead, visto que precisamente ago-
ra as abstrações da ciência são sobrecarregadas novamente e de m o d o
imediato c o m o peso ontológico de "fundamentos essenciais" ou até
com perspectivas de sentido. E c o m o se muitos físicos m o d e r n o s não
conseguissem resistir à tentação de querer conhecer c o m suas próprias
mãos " o que m a n t é m unido o m u n d o no seu i m o " ; todavia, seu m é t o d o
exclui justamente isso, na medida e m que o "interior" de u m átomo ou
de uma molécula não será o "interior" de u m a metafísica essencialista
o u na medida e m que o c o m e ç o que se deu na grande explosão jamais
poderá ser a ápxií c o m o u m fundamento essencial.
M e s m o assim, o platonismo acompanha a ciência m o d e r n a da
natureza desde Kepler e Galileu, c o m o se fosse u m a sombra. Embora
Galileu tenha tomado uma postura crítica diante do exagero de apelos
metafísicos de Kepler, e embora, de imediato, tenha-se recusado a u m a
visão que contemplasse os "fundamentos da essência da natureza, dian-
te de seus adversários aristotélicos, c o m o passar do t e m p o não c o n s e -
guiu resistir à tentação de ancorar definitivamente seu saber puramente
hipotético n o m u n d o das idéias de Platão (cf. a crítica a isso e m FÔLSING,
1 9 9 6 ; MUTSCHLER, 1 9 9 7 ) .

104 Introdução à Filosofia da Natureza


Não é só para Platão que o aspecto matemático tem afinidade c o m as
"idéias". Segundo Stephan Körner, o platonismo é a "tendência natural"
do matemático (KÖRNER, 1 9 6 8 , p. 1 7 ) , o que pode ser confirmado por n o -
mes destacados de matemáticos que se reconhecem platônicos (Gottlob
Frege, Bertrand Russell, A. N. Whitehead, Heinrich Scholz, Kurt Gödel,
Alonzo Church, Georg Cantor etc.).
Partindo de Galileu, existe u m a extensa tradição do platonismo fi-
sicalista que vai até Werner Heisenberg, Roger Penrose, Frank Tipler, Ste-
phen Hawking e muitos outros (HEISENBERG, 1 9 7 3 , p. 1 5 9 ; PENROSE, 1 9 9 1 ,
p. 1 0 9 ; 1 9 9 5 , p. 63;TIPLER, 1 9 9 4 , p. 2 6 5 ) .
Na execução de seus pensamentos, u m platonismo que se apoia na
física moderna acaba agravado c o m grandes dificuldades, c o m o deverá
ser mostrado a seguir e m algumas de suas variantes.

3.3.1 Roger Penrose

O conhecido físico R o g e r Penrose c o m e ç a seu livro sobre Wege zu einer


neuen Physik des Bewußtseins (caminhos para uma nova física da consciência)
com u m prólogo que lembra e m muito a alegoria da caverna de Platão.
Ele partilha a c o n c e p ç ã o de Planck e Einstein de que, c o m o auxílio da
física, podem-se penetrar os fenômenos n o m u n d o dos sentidos r u m o a
u m verdadeiro-em-si e definitivo; e, visto que até o presente a física era
cega e m relação ao espírito, ele requisita u m a "nova física da consciên-
cia", a qual deverá resolver igualmente o problema da liberdade (PEN-
ROSE, 1 9 9 5 , p. 268).

Desde sempre, ele perseguiu esse problema. Já e m suas primeiras


publicações, procurava u m posicionamento da vontade livre dentro da
física procurando fazer c o m que essa "estivesse e m casa". Esse "estar e m
casa", porém, só poderia ser encontrado numa teoria futura da "gravita-
ção quântica", da qual hoje ainda não disporíamos.
N u m artigo intitulado "Matemática e realidade", ele procura funda-
mentar esse seu realismo ideal. Existiriam estruturas matemáticas passí-
veis de ser comparadas mais c o m invenções do que c o m descobertas. Mas
na Mandelbrotmenge (Apfelmännchen) a coisa seria diferente. Nela descobriría-
mos sucessivamente novas propriedades, e m que teríamos o sentimento
claro de que aquilo que está para ser descoberto já existia: "Mandelbrotmenge
(i4pfelmünnchen) está simplesmente ali presente c o m o o Monte Everest".
Penrose vai mais além dizendo que "a verdade" dos mais elevados axio-

Natureza como correlato do teorético 105


mas de um sistema formal seria "evidente" e que o conceito da "verdade
matemática" seria u m " d o m de Deus" (PENROSE, 1 9 9 1 , p. 72ss, 3 3 9 s s ) .
Mencionamos essas concepções porque mostram que o platonismo
motivado pela física matemática é u m fenômeno mais psicológico do que
filosófico, pois Penrose não oferece n e n h u m argumento importante para
sua ontologia carregada de pressupostos.
Fica claro q u e o esquema m a t e m á t i c o exerce tal fascinação sobre
o observador, q u e n o observar se modifica na coisa-em-si, assim c o m o
num b o m filme e s q u e c e m o s que estamos sentados n o cinema. A Man-
delbrotmenge (Apfelmännchen) é tão c o m p l e x a que facilmente dá a impressão
de se ter descoberto algo c o m o u m ente e m si, c o m o n u m cálculo fácil.
E, no entanto, t a m b é m aqui, j u n t o c o m os axiomas correspondentes
vêm ligadas todas as conseqüências e por isso nada de novo acontece
além da explicação dessas conseqüências. Mas isso nada tem a ver c o m
o problema de u m a existência real, assim c o m o t a m b é m os axiomas de
u m sistema não p o d e m ser "evidentes" n o sentido de Penrose. Penrose
é t a m b é m u m dos poucos físicos para q u e m a função-ib" da teoria quân-
tica representa uma "realidade físical", antes de ser reduzida n u m ato de
medição (PENROSE, 1 9 9 1 , p. 2 3 6 ) . Para a m a i o r i a dos físicos a função-ilr
é apenas u m tipo de potencialidade, u m c a m p o de possibilidades para
m e d i ç õ e s concretas.

Em Penrose reconhece-se a decadência do platonismo físico-mate-


mático: o platônico parte do m u n d o sensível caótico, esclarece alguns
de seus traços c o m o auxílio de u m esquema matemático, continua a
refinar esse esquema e finalmente s u c u m b e à fascinação de sua lucidez.
O que é assim tão concorde deve ser "verdadeiro" n o sentido do velho
omne ens verum, n o sentido de u m a verdade ancorada n o ser. Depois então
essa verdade deve poder ser referida a tudo, deve conter, portanto, aqui-
lo que ela exclui desde o princípio, a saber, as categorias da liberdade.
Por isso, Penrose procura resolver t a m b é m o problema c o r p o - a l m a c o m
recursos fisicais.

3.3.2 C. F. v. Weizsäcker

O platonismo de Carl-Friedrich von Weizsäcker se desenvolve de manei-


ra muito mais diferenciada, m e s m o que não m e n o s pretensiosa do que
em Roger Penrose. A idéia de Weizsäcker é transformar a teoria quântica
numa derradeira instância de fundamentação, na medida e m que procura

106 Introdução à Filosofia da Natureza


justificar a tese de que "as leis universais da física, as quais por serem
universais fundam sua unidade, não formulariam mais que condições de
possibilidade da experiência c o m o tal" (WEIZSÄCKER, ' 1 9 8 4 , p. 1 3 ) .
Essa empreitada, que se apoia e m Kant, partilha c o m este o problema
segundo o qual precisamos já ter u m conceito de experiência evidente
para poder formular definitivamente as "condições de possibilidade de
experiência c o m o tal". Todavia, tudo serve de testemunha de que a " e x -
periência" não é algo que se fixa de uma vez para sempre. Ademais, essa
concepção acaba levando a uma absolutização das pretensões da física:
"Uma descrição completa do mundo nos moldes da mecânica quântica,
incluindo também a nós c o m o sujeitos, seria consistente e m si m e s m a " .
"Segundo isso, os limites da física deveriam ser também os limites do
4
pensar conceituai" (WEIZSÄCKER, 1 9 8 4 , p. 1 6 0 , 3 1 8 ) .
Mas as dificuldades se tornam insuperáveis se interpretamos esse
tipo de física platonicamente c o m o "idéia", o que é naturalmente o o b j e -
tivo ambicioso de Weizsäcker. Toda teoria moderna axiomática é expressa
na forma de relações, enquanto o clássico e í ô o ; representaria u m em-si.
Com isso, surge no platonismo científico m o d e r n o o grande problema de
que o saber hipotético da física mais recente, o qual consiste nas meras
relações-se-então, deve ser referido à idéia c o m o que a u m áuuiTÓTCTOV, o
qual é excluído por princípio. Nesse ponto Weizsäcker c o m e ç a a simples-
mente supervalorizar essas relações-se-então c o m o se fossem entidades
" e m - s i " . Por isso, as objeções contra sua concepção são naturais: simples-
mente não há nenhuma base racional que permita extrapolar as entidades
definidas de m o d o puramente relacional, próprias das ciências fisicais
especializadas, tornando-as e m entidades metafísicas " e m - s i " . Energias,
ondas, campos, estados de pulsão não são substâncias que existem auto-
n o m a m e n t e c o m o automóveis, aviões, animais e plantas, e muito m e n o s
c o m o idéias transcendentais.

Em seu livro Die Einheit der Natur (A unidade da natureza), sob o título
"forma c o m o substância" e "espírito e forma", von Weizsäcker desenvol-
ve sua "teoria neoplatônica, que reza que as idéias sabem a si m e s m a s "
4
(WEIZSÄCKER, 1 9 8 4 , p. 3 6 0 - 3 6 6 ) .
Ali, ele define "três entidades: matéria, movimento, forma", que
correspondem a três grandezas de medida: massa, energia, informação;
reduz todas essas "entidades" a informação, a qual ele identifica, junto
com os antigos, c o m o conceito de forma ou de idéia, e através do con-
ceito de informação, que dependeria do sujeito, desemboca na tese de
Hegel, segundo a qual "a substância é essencialmente sujeito".

Natureza como correlato do teorético 107


Aqui há pelo menos duas coisas problemáticas: [ 1 ] precisaria ser
mostrado que o conceito de informação é realmente u m conceito da na-
tureza. De imediato, ele provém da técnica e empregado n o fenômeno
da natureza seu interesse torna-se relativo, designando mais uma atitude
subjetiva do que uma realidade objetiva. Tudo que se pode saber contém
informações para nós, mas que seja informação a partir de si, informação que
possa ser medida e m valores absolutos, c o m o por exemplo a "temperatura
absoluta", isso não se pode deduzir. Por esse motivo, a maioria dos físicos
não aceita que o conceito de informação seja o conceito central da teo-
ria quântica, sobretudo c o m o vem ensinado por Weizsäcker em sua teoria
quântica da informação. Nesse sentido, deve-se dar razão a Peter Janich,
que remete definitivamente o conceito de informação a sua origem téc-
nico-prática (JANICH, 1 9 9 8 ) . [ 2 ] Ademais, não é evidente por que matéria,
movimento e forma devessem ser "entidades", pois o que conhecemos
na teoria de rigor são apenas suas grandezas mensuráveis c o m o "massa",
"energia", "informação", que se definem pela relação mútua e não podem
ser determinadas c o m base n u m juízo predicativo c o m o sendo objetos
substanciais, autônomos. A própria passagem de massa para matéria já é
ilegítima, c o m o se vai mostrar n o próximo parágrafo, pois do contrário
seríamos constrangidos a concluir estranhamente que partículas sem mas-
sa, c o m o , por exemplo, os fótons, não seriam matéria, mas espírito.

O platonismo de Weizsäcker sobrecarrega, portanto, as entidades da


física teorética c o m o peso ontológico de idéias transcendentes, o qual difi-
cilmente conseguem carregar. Igualmente, e isto é característico desse pla-
tonismo, esse princípio solapa o conteúdo normativo das idéias, conteúdo
que elas deveriam ter se é que a física reúne e m si todos os conteúdos c o g -
nitivos do mundo, c o m o acredita von Weizsäcker. Correspondentemente
em suas obras especulativo-fisicalistas, c o m o A unidade da natureza ou Estrutura
da física, não se encontra nenhum fundamento ético; encontra-se todavia em
seus escritos políticos, c o m o Der bedrohte Friede (A paz ameaçada). Ali se diz:
"Restringir a realidade, inclusive o conceito de conhecimento, ao mundo
da vontade e do entendimento cria uma distorção do olhar e do agir, e seus
efeitos hoje são mortais. A crise dessa distorção é inevitável" (WEIZSÄCKER,
1984, p. 5 6 7 ) . O que ele postula aqui, de direito, é uma razão capaz de ofe-
recer normas, razão que ultrapasse o entendimento calculativo e a vontade
técnica que age manipulando a racionalidade para fins. Mas é precisamente
seu platonismo fisicalista que exclui essa razão.
Esse nexo, sim, vale a pena manter, independentemente da c o m -
preensão da obra de Weizsäcker. Ele marca u m divisor de águas na pas-

108 Introdução à Filosofia da Natureza


sagem do pensamento tradicional para o m o d e r n o : o platonismo tradi-
cional fundamenta normas e valores; o platonismo m o d e r n o neutraliza
normas e valores.
Por fim, seria possível mostrar que a maioria das aporias que agra-
vam a obra de Weizsäcker já estava lançada no neokantismo marburguen-
se, e também ali teve c o m o conseqüência natural o fato de esse princípio
não ter podido ser levado avante. Assim, por exemplo, e m certa fase de
seu desenvolvimento, Hermann Cohen identificou o caráter-ccvuiTÓOeTOV
das idéias platônicas c o m o procedimento hipotético da matemática m o -
derna e c o m uma física nela fundamentada, e fez c o m que o m o d o de
atuação funcional das categorias kantianas remontasse à idéias platônicas
(cf. sobre a explicitação de Cohen: LEMBECK, 1 9 9 4 ) .
A partir de todos esses elementos heterogêneos, os quais logicamen-
te não podem ser compatíveis entre si, compila-se também a filosofia de
Weizsäcker: a tentativa de identificar o a priori kantiano c o m a idéia pla-
tônica e igualmente interpretar esta c o m o esquema matemático. Dessas
três partes constituintes, n e m sequer duas delas p o d e m ser compatíveis
logicamente entre si, porque não se pode supervalorizar o caráter hipo-
tético dos modelos físico-matemáticos c o m o se fossem ávuiTÓOetov da
idéia platônica, n e m se pode identificar essa c o m o a priori kantiano, visto
que este consiste e m meros fenômenos e tem seu auge n u m focus imagi-
narius, ontologicamente irrelevante, o u ainda porque, e m terceiro lugar,
esse a priori não pode ser localizado n o m e s m o nível cognitivo e m que se
encontram os modelos de esclarecimento da física teorética. A tentativa
de Weizsäcker de forçar a entrar num m e s m o modelo Platão, Kant e Hei-
senberg, assim c o m o a teoria da unidade de tudo de Hermann Cohen, é
a tentativa de ultrapassar e postar-se além das diferenciações da moder-
nidade, remontando a uma metafísica substancial da essência, a qual foi
despotencializada justamente pela modernidade.

O platonismo reaparece naturalmente e m diversas outras variantes.


Quando por exemplo Quine ou Stegmüller declaram ser platônicos, c o m
isso nada mais querem senão assegurar o emprego da matemática diante
do n o m i n a l i s m o (QUINE, 1 9 8 0 , p. 4 1 0 ; STEGMÜLLER, 1 9 8 9 / 1 , p. 4 9 3 ) . Do

ponto de vista filosófico, isso é inofensivo e não merece ser criticado. O


problema surge apenas quando se compreende o "platonismo" c o m o o
ingresso nos fundamentos essenciais d o m u n d o por m e i o do esquema
matemático, e além disso quando se avalia a conquista de precisão da ma-
temática c o m o u m indício de seu "alcance" especial e "profundo" dentro
da ontologia. Assim, não são raras as vezes em que Stegmüller se contra-

Natureza como correlato do teorético 109

111
põe e polemiza contra o conceito de essência, todavia reivindica para o
pensamento n o m o l ó g i c o a aptidão de penetrar na "dimensão profunda
do real" (STEGMÜLLER, 1 9 8 9 / 1 , p. 5 8 0 ; 1 9 7 4 / 1 1 / l , p . 4 6 5 ) .
U m "platonismo" articulado desse m o d o foi recusado aqui c o m o
inadequado. Ele não descreve a física m o d e r n a de m o d o correto e cria
empecilhos à filosofia da natureza, porque suspende a tensão entre fí-
sico e fisical.

3.4 O conceito de "matéria"

Se fosse possível contestar, c o m razões compreensíveis, que a física m o -


derna apoia u m platonismo agravado c o m uma visão de mundo, c o m o é
o caso em Weizsäcker ou em Penrose, então muitos físicos e teóricos da
ciência adotarão a opinião de que a física poderia formar as bases para
u m materialismo nos moldes de uma visão de mundo. Neste parágrafo
deve-se mostrar, ao contrário, que também não se justifica fazer uso da
física nos moldes de uma visão de mundo, visto que o conceito de ma-
téria não pode ser deduzido somente a partir da física, tampouco c o m o o
conceito de "idéia".
Em si, isso já ficou claro no item 3 . 1 , e m que se estabeleceu a dife-
rença entre físico e fisical. Ali foi mostrado que já dentro da física newto-
niana — a qual está mais capacitada para tolerar uma interpretação c o m
base n o m u n d o da vida — é impossível atribuir u m conteúdo ao conceito
da "substância material". Que isso se tornou cada vez mais impossível nos
avanços alcançados pela física, torna-se evidente na monografia do his-
tórico do físico Max Jammer, sobre o conceito de "massa". Essa pesquisa
não apresentou n e n h u m resultado, embora ou justamente porque, desde
o princípio, J a m m e r se colocou à procura da "substância material" c o m o
o "suporte de propriedades cambiantes" (JAMMER, 1 9 6 4 , p. 4 ) . Se o que
se diz aqui for correto, e se o esquema-da-propriedade-das-coisas não é
um esquema da física teorética mas da linguagem cotidiana, então não há
com que se admirar sobre esse resultado negativo.
Embora quase por toda parte se adote uma postura contrária, ousa-
ríamos dizer: a física não sabe o que é matéria.
Também Wolfgang Stegmüller caracteriza isso c o m o "resposta atra-
sada", intuição que só nos ocorreu n o século X X , ou seja, que o c o n c e i -
to de matéria seria " o mais enigmático para a ciência", e m b o r a todos
acreditem do que se trata quando se fala a esse respeito (STEGMÜLLER,
1 9 8 9 / 1 1 , p. 5 8 5 ) .

110 Introdução à Filosofia da Natureza


Em muitas pesquisas da física e da teoria da ciência não se estabe-
lece qualquer diferença entre o conceito de "matéria" e o conceito de
"massa", o que corresponde igualmente à suspensão da diferença entre
o "físico" e o "fisical". Albert Einstein atribui quase sempre o m e s m o
significado ao "ponto de massa" e ao "ponto da matéria" (EINSTEIN, 1 9 9 0
= ' 1 9 2 2 , p. 4 9 - 5 0 ) , e o m e s m o acontece c o m Werner Heisenberg ( 1 9 7 3 ,
p. 1 5 9 ; 1 9 9 1 = ' 1 9 5 8 , p. 7 ) .
Foram inúmeros os teóricos da ciência que adotaram esse uso i m -
preciso da linguagem; c o m o exemplo podemos citar Bernulf Kanitschei-
der ( 1 9 9 1 , p. 1 8 5 ) ou Wolfgang Stegmüller ( H S I I . p . 5 9 9 - 6 0 0 ) . Esse uso
impreciso da linguagem acabou migrando depois para os léxicos, c o m o
por exemplo no HistorischesWõrterbuch der Philosophie (Dicionário histórico de
filosofia) de Ritter/Gründer (V, p. 9 2 1 - 9 2 4 ) ou no Brockhaus Ecnzyklopâdie
(Enciclopédia Brockhaus) ( X I V , p. 3 0 5 ) .
A causa de se identificarem os conceitos de massa e de matéria reside
seguramente no fato de historicamente o conceito de massa ter se desen-
volvido a partir do conceito de matéria, c o m o o conceito de força proveio
do de forma. Todavia, assim c o m o os conceitos de força e de forma não
significam a mesma coisa, o m e s m o se dá c o m os conceitos de "matéria" e
de "massa", pois, se os conceitos de massa e de matéria fossem idênticos,
então energias, ondas, campos ou forças seriam algo não-material, a saber,
algo "espiritual". E sobre a base dessa corrente de associações, devida à
proveniência histórica do conceito de força a partir do antigo conceito de
forma, que se apoiam as deduções idealistas tiradas do conceito de campo.
A origem dessa idealização remonta a Einstein. Num artigo sobre "a
influência de Maxwell n o avanço da concepção do real-fisical" (EINSTEIN,
1 9 5 3 , p. 2 0 7 - 2 1 2 ) , Einstein expressa sua convicção de que a física clássica
de Newton considerava " o real-fisical" c o m o "pontos materiais". Na teo-
ria de campo do século X I X , ao contrário, surgiu " o campo c o n t í n u o . . .
ao lado do ponto material c o m o representante do real-fisical", enquanto
n o século X X o avanço direcionou-se r u m o a teorias de campo puras, e m
relação às quais as partículas poderiam ser concebidas ainda apenas c o m o
"nós" ou singularidades dentro do campo. O que importa fazer então
seria desde o princípio "substituir" o conceito de partícula pelo conceito
de campo e então conceber o real-fisical c o m o c a m p o " (EINSTEIN, 1 9 8 8 =
• 1 9 1 7 , p. 9 8 , 1 0 8 ) .
Depois disso, Einstein liga essa sua concepção c o m a convicção
fundamental de Espinosa, dando a impressão de que a física estaria de-
monstrando uma visão de m u n d o idealista. A partir desse m o m e n t o , essa

Natureza como correlato do teorético 111


concepção migrou t a m b é m para a filosofia e para a teologia. Assim, por
exemplo, Peter Rohs fala de u m a "filosofia transcendental nos moldes
de u m a teoria de c a m p o " (ROHS, 1 9 9 8 ) o u Wolfhart Pannenberg fala de
"campo do espírito santo" (PANNENBERG, 1 9 9 1 , p. 7 7 ) . T o d a v i a , essas extra-
polações são tão p o u c o justificadas quanto lançar m ã o da física e m favor
de u m materialismo nos moldes da visão de mundo.
Do ponto de vista da física, é impossível caracterizar ontologica-
mente campo o u partícula c o m o algo originário. C o m o foi demonstrado
em contraposição a von Weizsäcker, a física moderna não representa uma
teoria da á p p í , m a s u m construto relacional n o qual os elementos da
relação n ã o p o d e m ser determinados diretamente. Porque as coisas são
assim, Einstein apresentou t a m b é m outras interpretações de sua física,
e completamente diferentes. Assim, por exemplo, e m Grundzügen der Rela-
tivitätstheorie (Traços fundamentais da teoria da relatividade), ele fala de
1
"massas que geram c a m p o s " (EINSTEIN, 1 9 9 0 = 1 9 2 2 , p. 8 8 ) . Agora a m a -
téria é primária e o campo secundário. Por causa do caráter relacional das
equiparações fisicais, tanto para a eletrodinâmica clássica quanto para a
teoria quântica, existem formulações logicamente equivalentes, nas quais
o ponto central é ocupado pelo conceito de partícula o u pelo conceito de
campo. A física n ã o faz distinção, portanto, entre ontologia de campo e
ontologia das partículas, e m e s m o se o fizesse seguramente não conclui-
ria que o campo está para a partícula c o m o o espírito está para a maté-
ria. Essas analogias de proporcionalidade só nos parecem naturais porque
estamos constantemente inclinados a retraduzir os resultados formais da
física e m nossa linguagem cotidiana, e pelo fato de que n a linguagem c o -
tidiana precisamente os elementos mais densos, metaforicamente, fazem
as vezes da matéria e os m e n o s densos fazem as vezes do "espírito", uma
tradição muito antiga. N o universo grego, por exemplo, TÒ weGu-rx fazia
as vezes tanto de "vento" quanto de "espírito". O m e s m o acontecia c o m
o hebraico. E verdade que os materialistas da Antiguidade, Demócrito o u
Epicuro, consideravam a alma n ã o c o m o espiritual, mas c o m o algo for-
mado a partir do elemento mais refinado, o fogo.

Desse m o d o surgem inconsistências notáveis dentro da explicação


que recebe a física na linguagem cotidiana. O discurso q u e fala de u m a
contraposição entre "luz e matéria" impôs-se de m o d o universal nessa
ciência — evidentemente n o séquito das relações de Broglie (assim, por
exemplo, já n o título do livro de Broglie relativo ao assunto). Na cos-
mologia fala-se de u m primeiro universo "dominado pela radiação da
In/." e de u m universo tardio, "dominado pela matéria", c o m o se a luz

uz Introdução à Filosofia da Natureza


não fosse matéria. Aqui se infiltram velhas semantizações, as quais desde
a grecidade vêm nos sugerindo que a luz seria divina, e a matéria terre-
na. Mas, na verdade, não há qualquer razão para identificarmos qualquer
conceito fundamental da física c o m o conceito de "matéria". "Matéria"
é a totalidade de todos os fenômenos fisicais e por isso não pode ser um
fenômeno especial dentre outros.
E por isso que nos manuais de física, normalmente, não encontramos
nenhuma definição de matéria, a não ser no prefácio, e m que o autor ar-
gumenta a partir de u m metanível. Por exemplo, na obra paradigmática,
publicada por Gobrecht, "Bergmann-Schaefer" sobre a "estrutura da maté-
ria", de início o conceito de matéria vem introduzido no contexto técnico-
prático. Nas mais de oitocentas páginas seguintes, cujo teor respeita o cará-
ter especializado do ramo da ciência, esse conceito já não tem papel algum.
Stegmüller não exagerou ao chamar de "intuição que só nos ocorreu no
século X X " à falta de clareza do conceito de matéria. Tanto em Rudolf Car-
nap, Ernest Nagel, C. G. Hempel, Wolfgang Stegmüller, W K. Essler ou e m
qualquer dos outros teóricos da ciência analítica, absolutamente e m parte
alguma se encontra jamais uma definição de matéria. Tampouco se encon-
tra na maioria dos léxicos da teoria da ciência (assim, por exemplo, Hiersig,
Speck, Seiffert/Radnitzky, Braun/Rademacher.Theimer, MittelstraB e t c ) .
Todavia, onde consta esse verbete, c o m o por exemplo n o Handbuch
philosophischer Grundbegriffe, de Krings/Baumgartner/Wild (III, p. 8 7 7 s s ) , ele
apresenta u m a indeterminidade característica: no artigo correspondente,
o físico Wolfgang Büchel descreve o desenvolvimento da ciência da física
sem sequer mencionar o conceito de matéria. De m o d o evidente, esse
conceito vem sempre pressuposto sem contudo ser considerado in inten-
tione recta. E isso vale também para as assim chamadas "ciências materiais"
responsáveis por preparar as equiparações fisicais, necessárias para o ma-
nejo da matéria. Assim, por exemplo, n o livro de Gópler/Ziegler, de 1 9 9 4 ,
sobre a "estrutura da matéria", dentro da própria apresentação científica,
em nenhum ponto se esclarece o conceito de matéria. Esse conceito só
desempenha uma função onde os autores refletem sobre seus resultados
científicos a partir de u m metanível.
Se o que se disse for correto, então isso apresenta as mais graves con-
seqüências para a discussão do naturalismo na filosofia analítica. No vo-
lume publicado por Ansgar Beckermann, sobre "teoria analítica da ação",
muitos autores fundamentam seu materialismo nos moldes da visão de
m u n d o fazendo apelo à física. C o m o u m fundamento essencial do "mate-
rialismo autêntico", D. K. Lewis cita sua "confiança na adequação e capa-

Natureza como correlato do teorético 113


cidade de esclarecimento das ciências da natureza" (LEWIS, in: BECKERMANN,
1 9 8 5 , p. 4 0 8 ) . Se a física não apresenta n e n h u m conceito de matéria,
essas instâncias a que se faz apelo simplesmente se desmoronam.
De fato, o conceito de matéria não pertence à física teorética, mas é
deduzido de nosso trato prático c o m o mundo. É só quando atuamos in-
fluenciando ativamente sobre a matéria que sabemos c o m o que estamos às
voltas, a saber, falando de m o d o b e m aristotélico, sabemos o que cria con-
dições para a forma ou o que lhe oferece resistência (Met. A 9 9 5 a 1 4 - 1 8 ) .
M e s m o C. F. v. Weizsäcker, que, c o m o foi mostrado, dá preferência
a uma interpretação abstrata, platônica da física, se vê obrigado a lançar
m ã o da praxis para poder definir a matéria: "Na física atômica, definimos
a matéria pelas possíveis reações aos experimentos do h o m e m e pelas leis
matemáticas — portanto, intelectivas — às quais se presta" (WEIZSÄCKER,
1 9 6 2 , p. 9 5 ) .
No c o m e ç o , foram os marxistas os únicos que puderam ostentar
u m c o n c e i t o de matéria utilizável, por causa do assento que colocavam
n o aspecto técnico-prático. Assim, por exemplo, na Enziklopõdie zur Philo-
sophie und Wissenschaft (Enciclopédia de filosofia e c i ê n c i a ) , G. B . Martinez
expõe a "tese da ausência de u m a idéia global de matéria na física e nas
ciências da natureza". C o m m u i t o acerto, diz que o c o n c e i t o de "maté-
ria" é u m a "idéia", separa essa m e s m a das ciências da natureza (cujos
resultados são de certo m o d o constitutivos nessa idéia) e determina o
conceito de "matéria" a partir de suas "funções"; a essas funções per-
tence de m o d o especial o ponto de vista técnico (MARTINEZ, in: SANDKÜHLER,
1 9 9 0 , III, p. 2 8 3 , 3 0 7 ) .
Se perseguirmos o conceito de matéria nas ciências técnicas, então
aparecerá novamente algo b e m característico: também ali raramente se
determina esse conceito e considera-se quase sempre apenas sua calcula-
bilidade c o m o a propriedade essencial.
Para Aristóteles, a matéria era a causa originária do que é acidental,
do individual, do que não pode ser antecipado (Met. Z 1 0 3 2 a 2 0 - 2 2 ) . Essa
determinação conceituai provinha, por u m lado, do fato de Aristóteles não
conhecer essas leis da natureza e m sentido moderno; provinha porém so-
bretudo do fato de a produção técnico-artesanal encontrar sua contrapar-
tida na matéria. Hoje e m dia, apesar de toda calculabilidade, continuamos
sempre fazendo essa mesma experiência. A matéria concreta tem algo de
não-antecipável — ela jamais é apenas a instanciação de leis físicais.
Chama a atenção que m e s m o as ciências de engenharia acentuam de
tal m o d o o aspecto calculável, que o aspecto prático da resistência que

114 Introdução à Filosofia da Natureza


oferece a matéria é empurrado para o segundo plano; de novo u m claro
exemplo de extrapolação da teoria que domina e m geral nossa cultura.
Apresentamos alguns testemunhos para isso:
No monumental LexikonWerkstofftechnik (Léxico de técnica das matérias-
2
primas) daVDI , publicado por Hubert Gráfen, não falta apenas o verbete
"matéria" mas também o verbete "acaso". Sob o verbete "madeira", que
no original grego (ÜÀT|) significa simplesmente materialidade, encontra-se
a avaliação negativa de que a madeira, pelo crescimento individual das ár-
vores, cria uma forte variação n o que diz respeito a suas propriedades. Esse
aspecto individual incontrolável é avaliado c o m o algo negativo, enquanto
a homogeneidade do Presspahn é considerada algo positivo.
No relato d a V D I n. 7 9 7 sobre matéria-prima para engenharia, a
crença na confiabilidade da matéria é elevada ao sumo grau. Ali se afirma
se estar buscando u m "gerenciamento total da qualidade" para a Europa
futura, e uma parte essencial disso seria não cometer " n e n h u m erro"
(VDI, 1 9 9 0 , p. 4 5 ) , naturalmente u m objetivo ilusório.
Pode-se ver quão radicalmente se distingue a concepção c o n t e m p o -
rânea de matéria de sua concepção tradicional, n o uso lingüístico que se
dá dentro da ciência fisical dos materiais, segundo a qual materiais purifi-
cados artificialmente e homogeneizados ( c o m o cristais) são considerados
"naturais", enquanto pontos de perturbação condicionados pelo acaso
são chamados de "artefatos", embora não tenham sido feitos por nin-
guém e embora na natureza só ocorram propriamente matérias c o m esses
"artefatos". Aquilo que antes se chamava de "natureza" agora é conside-
rado artefato, e aquilo que nós próprios produzimos é considerado "na-
tureza". Pelo fato de termos definido "natureza" c o m o algo calculável, a
ocorrência do que não pode ser calculado nos aparece " c o m o artificial".
E o indício de uma tendência muito generalizada nas ciências da
engenharia é precisamente fazer desaparecer todos os aspectos i m p o n -
deráveis da matéria. Para esse objetivo, de início calcula-se u m determi-
nado material c o m base na teoria fisical correspondente, o que natural-
m e n t e só fornecerá determinações muito gerais, que depois devem ser
especificadas mais de perto. Mas essas outras especificações só podem
ser estabelecidas empiricamente na medida e m que e x p õ e m o material
a diversos testes de resistência, c o m o submetê-los a pesos bastante ele-
vados, a compressão, dilatação, temperaturas elevadas etc. O resultado
desses testes pode ser formulado reiteradamente de forma matemática,

2. VDI: Verein Deutscher Ingenieure (Associação dos Engenheiros Alemães).

Natureza como correlato do teorético 115

S » B
todavia c o m auxílio de funções que n ã o se coadunam dedutivamente
3
c o m a tese da frame-theory (Rahmentheorie ), e que só têm validade estatística.
Qualidades que não p o d e m ser quantificadas são apreendidas no esque-
ma de existente ou não-existente, de tal m o d o que também elas podem
ser computadas n o cálculo segundo u m esquema binário.
É claro que o engenheiro c o n h e c e as propriedades da matéria que
não p o d e m ser manipuladas, c o m o os defeitos na estrutura de corpos
de cristal sólido ou os poros nos materiais para cerâmica. Esses defeitos
surgem sempre de novo na produção de materiais, e às vezes se estabe-
lecem t a m b é m posteriormente, c o m o , por exemplo, pela ação de alta
radiação energética. Influenciam, por exemplo, as propriedades elétri-
cas e óticas, a dureza dos corpos etc. Todavia, t a m b é m esses defeitos
p o d e m ser apreendidos estatisticamente e descritos matematicamente,
do m e s m o m o d o que o cansaço da matéria-prima pela sobrecarga, o
qual pode ser descrito matemática e funcionalmente e m sua relação de
dependência para c o m o tempo.
O conceito de "falha" é fixado então c o m o u m desvio do valor que
deve ter uma grandeza dentro de determinados valores-limite. Quando
u m material apresenta uma "falha" nesse sentido, e esta não pode ser re-
mediada, então esse material é considerado "refugo"; significa que, assim
c o m o se diz ter ou não ter qualidades que não podem ser apreendidas
quantitativamente, também aqui só vale uma codificação binária, que
reduz o aproximar-se mais ou menos do ideal a u m preencher ou não
preencher esse ideal.
E evidente que essas idealizações não descrevem de m o d o adequado
o material concretamente existente; em todo caso, desse m o d o , desapa-
rece do âmbito da técnica dos materiais o caráter da matéria, enquanto
princípio desagregador, agravado pelo acaso, o qual admite a configura-
ção técnica apenas e m maior ou m e n o r medida.
Todavia, o caráter contingente da matéria se conserva de fato, pois
todas as leis encontradas c o m base e m testes empíricos só têm validade
estatisticamente na medida e m que ultrapassem a teoria quântica, visto
que aqui está e m questão uma estatística macroscópica. A conseqüência disso

3. Rahmentheorie é uma variante da Teoria dos esquemas. O conceito Rohmen, "quadros",


é uma construção da pesquisa cognitiva e designa um complexo de conhecimentos sobre
recortes de nossa realidade cotidiana (situações, acontecimentos, ações). Quadros seriam
então modelos globais, que armazenam o saber cotidiano a respeito de conceitos centrais
(por exemplo, Festa de aniversário de uma criança). (N.d.T.)

116 Introdução à Filosofia da Natureza


é que essas leis empíricas, de princípio, não excluem a variação arbitrária
das propriedades de u m determinado material a respeito de u m valor
setado. No caso de catástrofes técnicas, essas dispersões p o d e m ser decisi-
vas. Ora, é característico novamente que os motivos para essas catástrofes
sejam procurados quase sempre e somente numa falha humana ou e m
defeitos de construção, e jamais se admite que a propriedade do material
tem o poder de retrair-se, principifllmente, à sua total manipulação.
U m exemplo drástico dessa restrição do ocular foi a discussão que se
deu a respeito da catástrofe da Challenger de 1 9 8 6 , e m que sete astronau-
tas americanos perderam a vida (a respeito do que se vai dizer a seguir, cf.
a biografia de James Gleick sobre Richard Feynman, o qual, c o m o m e m -
bro habilitado da referida comissão, contribuiu de maneira essencial para
o esclarecimento do caso [GLEICK, 1 9 9 3 , p. 6 0 4 s s ] ) .
A catástrofe do Challenger foi provocada pela falha de algumas jun-
tas, responsáveis para, na partida, manter pressionadas entre si as partes
dos mísseis. Em baixas temperaturas, a elasticidade dessas juntas fica re-
duzida, e isso permite o vazamento de alguns 'materiais explosivos. N o
dia do lançamento da Challanger fazia u m frio i n c o m u m . Os técnicos já
sabiam havia anos que as baixas temperaturas apresentam u m alto grau
de risco para as juntas. Todavia, suas admoestações não foram passadas
adiante de maneira ordenada. As investigações do caso mostraram que os
responsáveis não levaram em consideração as informações de que dispu-
nham. Baseados e m dados incorretos, calcularam a probabilidade de uma
catástrofe c o m o 1 e m 1 0 0 . 0 0 0 , enquanto na verdade era de 1 e m 2 0 0 .
Buscou-se assim a causa da catástrofe t a m b é m e m falhas humanas. Depois
de se terem corrigido os valores da probabilidade de catástrofe para baixo,
a coisa parecia ter sido "esclarecida", e c o m u m cuidado redobrado p o -
deria ser evitada u m a nova catástrofe n o futuro. Mas o que não se chegou
a falar ali foi que a fragilidade das juntas, assim c o m o a fissura na palhe-
ta da turbina de engrenagem, que sempre pode ocorrer, pode provocar
u m a catástrofe m e s m o quando todos os valores estão dentro do nível de
tolerância e quando esses níveis são inspecionados e calculados c o m pre-
cisão. M e s m o u m a catástrofe c o m probabilidade de ocorrência de 1 para
1 0 0 . 0 0 0 pode acontecer amanhã, e visto que essa imperfeição surge por
causa dos materiais empregados, de princípio, não pode ser excluída.

Observa-se então que, nesse caso, na opinião pública, as catástrofes


técnicas jamais são atribuídas à contingência inalienável do material, mas
são reduzidas quase sempre apenas a falhas humanas. E notável ver que
nosso olhar continua fixo na calculabilidade e confiabilidade do material.

Natureza como correlato do teorético 117

III
E isso vale t a m b é m para os filósofos que vêm da praxis da engenharia.
Em seu livro Die unvollkommene Technik (A técnica imperfeita), Günter R o -
pohl chega a contar por exemplo entre as causas dessa imperfeição os
fenômenos inevitáveis do desgaste, a falta de inclusão social e t c , mas
não o caráter principialmente opositivo e resistente da matéria (ROPOHL,
1 9 8 5 , p. 8 5 , 1 7 9 ) .
A teoria antiga segundo a qual a matéria é o elemento dispersivo,
o que se contrapõe e oferece resistência à forma, portanto, não fica sus-
pensa realmente por m e i o de sua calculabilidade. Não só para os técnicos
pré-modernos, mas também para aquele que trabalha c o m todos os re-
cursos da matemática moderna, a matéria continua sendo u m princípio
de resistência e do que é fortuito e não pode ser reduzida a u m mero
fundamento positivo que possibilita a configuração técnica.
Mostra-se aqui o que vai ser explicitado especialmente n o p r ó x i m o
capítulo: a saber, que filosoficamente não levamos a sério nosso trato c o m
a natureza e m sua significação própria.

118 Introdução à Filosofia d a Natureza


Capítulo 4
Natureza como correlato do técnico-prático

O próprio conceito de matéria já mostrou ser u m conceito técnico-prá-


tico que transcende a teoria. Neste capítulo deve-se considerar a natureza
diretamente c o m o correlato do técnico-prático. Mas isso não de m o d o
exterior, c o m o viemos concebendo a matéria enquanto substrato ontoló-
gico da ação técnica. Então a finalidade acaba permanecendo n o agente,
enquanto a matéria vem pensada e m si c o m o desprovida de finalidade,
e apenas determinada pelas conhecidas leis fisicais, as quais não têm ne-
nhuma conotação teleológica.
E verdade que na história da física tentou-se interpretar suas leis
fundamentais de m o d o diretamente teleológico. Tentativas altamente
especulativas c o m o as que foram empreendidas por A. N. Whitehead e
Ch. S. Peirce já foram apresentadas e criticadas n o ponto 1 . 2 . 1 . Algo m e -
nos especulativo representavam as interpretações teleológicas dos prin-
cípios extremais. O "princípio fermático" do século XVII ("a luz toma o
c a m i n h o mais c u r t o " ) representou u m dos princípios mais conhecidos.
Mais tarde esse problema foi tratado n u m nível mais generalizado. Foi
assim que, n o século XVIII, P L . Maupertuis desenvolveu o "princípio
da m e n o r atuação", que tinha conotações teleológicas explícitas e era
considerado princípio de e c o n o m i a . As pessoas representavam que a na-
tureza agia o t e m p o todo de m o d o e c o n ô m i c o . Seguramente, o próprio
Leibniz já descobriu que os integrais da atuação p o d e m tornar-se não
só u m m í n i m o mas t a m b é m u m m á x i m o , c o m o que propriamente a
interpretação teleológica estava familiarizada, visto que agora a natureza
só poderia ser explicitada ainda c o m o u m administrador doméstico que
e c o n o m i z a o t e m p o todo (DIJKSTERHUIS, 1 9 5 6 , p. 5 5 2 ) . M e s m o assim,
procurou-se sempre de novo fazer coincidir as explicitações n o m o l ó g i -
cas e as explicitações teleológicas do mundo, por m e i o dos princípios
extremais, a fim de salvar a o r d e m tradicional dos significados. Algo
assim se deu e m Max Planck ( 1 9 8 3 = ' 1 9 3 3 , p. 9 5 s s ) . Todavia, essas
tentativas foram e m vão e por isso não lograram se impor, visto que
já há m u i t o t e m p o fora possível desenvolver, para todos os princípios
integrais, princípios diferenciais, logicamente equivalentes, os quais
já não tinham n e n h u m a conotação teleológica. Depois da "navalha de

119

1111
O c k h a m " os princípios teleológicos, que vinham carregados de preten-
sões metafísicas, acabaram sendo deixados de lado.
Pode-se perguntar de m o d o b e m genérico se a explicitação da inte-
gral atuante c o m o "princípio teleológico" não estava apoiada n o desejo de
que a física e a metafísica pudessem passar novamente uma na outra con-
tinuadamente ( c o m o era ainda em Aristóteles). Se a "atuação" (portanto,
uma grandeza da dimensão energia vezes tempo) deve tornar-se u m míni-
mo, então, pensada "economicamente", ela deveria representar u m b e m ,
que se encontra na relação de u m m e i o para c o m u m fim mais elevado.
Mas que fins poderiam ser esses e por que "atuação" é u m bem?
Todas as tentativas feitas até o presente de introduzir a teleología
diretamente na física podem ser consideradas um fracasso. A última ten-
tativa se enrosca e m torno da discussão sobre o "princípio antrópico"
(BARROW/TIPLER, 1 9 8 6 ) . Em sua versão forte, esse princípio assinala a con-
tingência das constantes da natureza, e m relação às leis da natureza, c o m o
indicação de que o h o m e m é "querido" n o universo. Mostrou-se, propria-
mente, que as constantes fundamentais da natureza, c o m o por exemplo a
velocidade da luz, o quantum efetivo de Planck, as constantes gravitacionais
etc., devem ter mais ou menos o m e s m o valor que possuem facticamente
agora, pois do contrário o h o m e m , c o m o u m ser vivo complexo, à base
de carbono, não poderia existir. Mas a discussão a respeito do "princí-
pio antrópico" mostrou claramente que essa explicitação teleológica é
circular. Se u m Deus tivesse querido o h o m e m , deveria ter instituído as
condições (portanto aqui o valor exato das constantes da natureza), de
tal m o d o que o h o m e m pudesse ter surgido a partir da evolução. Mas, se
nesse raciocínio não pressupomos de antemão a existência de Deus, então
esse raciocínio desmorona (cf. a crítica a isso: MUTSCHLER, 1 9 9 9 ) .
De m o d o geral, pode-se dizer, portanto, que na física, no que diz
respeito ao nível dos objetos e sua descrição matemática, a teologia não
desempenha qualquer função. Isso deveria ficar inconteste também na
teoria da ciência. Disso resultaria que a teleología da natureza não seria
mais usada de m o d o generalizado, se é que o fisicalismo é verdadeiro.
Todavia, n o ponto 1.1 foram citadas algumas razões por que o fisi-
calismo não pode ser verdadeiro. Neste trabalho, parte-se do pressuposto
geral de que o h o m e m dispõe de competências de ação que se afastam de
u m esquema puramente fisicalista.
Se isso é verdadeiro, então deve-se desenvolver novamente a questão
a respeito de uma teleología da natureza. Mesmo que isso não se dê na
própria física, pode haver contextos práticos nos quais a natureza pode se
nos manifestar n u m a perspectiva teleológica.

120 Introdução à Filosofia da Natureza


Mas esse n ã o é o caso enquanto consideramos a natureza apenas
ainda c o m o matéria manipulável pela técnica, q u e satisfaz a certas leis
fisicais. No presente capítulo devem ser analisados ainda outros procedi-
mentos que introduzem u m téÀoç na própria natureza, e quiçá pelo fato
de se instituir a técnica c o m o paradigma da compreensão da natureza.
É evidente que nisso está e m questão algo b e m diferente de uma
pura física teorética. U m sistema fisical está suficientemente definido pe-
las leis nele vigentes; mas u m sistema técnico, além disso, serve a uma
finalidade, que se realiza por m e i o dessas leis. Essas têm u m caráter mera-
mente mediador e m relação à finalidade.
Na literatura e não por último nos filósofos analíticos, inverte-se
esse estado de coisas. O fato de que u m sistema técnico possa muitas
vezes ser descrito p o r equações precisas da física-matemática induz se-
guidamente esses filósofos a crer que c o m isso o sistema j á teria sido
compreendido suficientemente. Para C. G . Hempel, p o r exemplo, u m a
máquina é " u m sistema determinado exclusivamente por leis q u í m i c o -
fisicais" (HEMPEL, 1 9 7 7 , p. 1 5 2 ) . Do m e s m o m o d o se expressaram tam-
b é m autores c o m o Ernest Nagel, Hilary Putnam e muitos outros (NAGEL,
1 9 6 1 , p. 5 2 6 ; P u T N A M , 1 9 9 7 , p. 1 5 ) .

Infelizmente, teóricos da ciência c o m o Paul Lorenzen, Michel Polanyi


o u Hans Poser (LORENZEN, 1 9 8 7 , p. 2 4 5 ; POLANYI, 1 9 8 5 , p. 4 1 - 4 2 ; POSER,
2 0 0 1 , p. 1 7 7 ) , que insistem na autonomia das categorias técnicas diante
das categorias puramente fisicais, representam uma minoria. Foi sobretudo
Polanyi quem descreveu de maneira muito precisa a ligação do aspecto
teleológico-técnico c o m o aspecto nomológico-fisical n o artefato. Segundo
Polanyi, a análise fisical de artefatos técnicos não leva a uma finalidade por-
que na escolha das condições periféricas essa se esconde, e essas condições
são contingentes e m relação às leis fisicais. Essa figura de pensamento de
uma "normatividade do fortuito c o m o conformidade a fins" deverá exercer
uma função importante n o presente trabalho (cf. a seguir ponto 4 . 6 ) .
O fato de u m sistema técnico poder ser descrito muitas vezes por
equações precisas da física-matemática, c o m o se disse, induziu muitos
filósofos a crer que c o m isso já teriam compreendido esse sistema. Mas
quem, por exemplo, calculou todos os fluxos mecânicos de força num
relógio n e m p o r isso sabe o que é u m relógio. Nesse nível de análise, a
finalidade da medição do tempo de m o d o algum se manifesta. G. Cli.
Lichtenberg expressou isso de maneira muito viva: "Quando pergunta
mos que horas são, não queremos saber c o m o é a estruturação do relógio
de b o l s o " (LICHTENBERG, ' 1 9 0 1 = 1 9 7 6 , p. 1 5 0 ) .

Natureza como correlato do técnico-prático 121

• III
Mas a lenda segundo a qual causalidade e finalidade são alternativas
interexcludentes parece ser inextirpável na literatura científica. Assim,
por exemplo, o físico T h e o Mayer-Kuckuk afirma que por m e i o de uma
apreensão finalista do f e n ô m e n o do m u n d o ter-se-ia abdicado da grande
contribuição trazida pelo espírito ocidental desde a Antiguidade, a saber,
a pressuposição de "que o decurso do acontecimento da natureza pode
ser compreendido e esclarecido c o m base nos nexos legais" (MAYER-
KUCKUK, 1 9 8 9 , p. 8 9 ) .

Agora então, as perguntas "por q u ê ? " e "para q u ê ? " tomam u m


r u m o b e m diferente, c o m o foi mostrado aqui n o simples exemplo do re-
lógio mecânico. Assim, q u e m respondeu à pergunta do "por quê?", n e m
por isso já compreendeu a pergunta do "para q u ê ? " (é claro que o inverso
também é verdadeiro). A causalidade e a finalidade, portanto, não estão
numa relação de concorrência (isso foi trabalhado c o m muita clareza por
SPAEMANN/LÕW, 1981).

A teleología da natureza pertence ao âmbito da metafísica, e, visto


que esse m o d o de metafísica é especialmente controverso, é preciso e x -
plicitar mais u m a vez aqui qual a intenção do presente capítulo:
A teleología da natureza defendida aqui depende profundamente da
metafísica. Não diz respeito [a] a nenhuma determinação-do-a-priori, não
se relaciona [ b ] c o m natureza e história e m sua totalidade, e por si [ c ]
não expede nenhuma norma de ação. Além do mais, a teleología da natu-
reza continua sendo hipotética n u m duplo sentido: por u m lado, c o m o já
foi observado, prende-se à pressuposição de uma imagem de ser h u m a n o
não-reducionista, e por outro depende de certas ciências tecnológicas de
conteúdo empírico.
Teleología da natureza c o m o [a] determinação-do-a-priori em sen-
tido gnosiológico foi defendida por Kant e e m sentido ontológico, por
Schelling e Hegel. Aqui n e m sequer se pressupõe c o m o válida a c o n c e p -
ção kantiana m e n o s carregada de pressupostos.
A filosofia da natureza na compreensão defendida aqui é "filosofia
secundária", isto é, ontologia regional, e nada pode fazer [ b ] a respeito das
propriedades metafísicas de uma totalidade de tudo que existe na nature-
za e na história. Se n o fundamento do processo mundial c o m o u m todo
se encontra uma "entelequia", c o m o se afirma em Ch. S. Peirce, isso não
pode ser decidido a partir da posição N a t reg/plur .
O fato de a teleología da natureza aqui defendida não expedir [ c ]
nenhuma norma de ação, já deveria ter ficado claro a partir do que já foi
dito, todavia n o próximo capítulo será esclarecido de m o d o especial.

122 Introdução à Filosofia da Natureza


O caráter duplamente hipotético do conceito aqui defendido prende-
se, portanto, à pressuposição de que a competência humana para agir não
pode ser deduzida do contexto da natureza n e m da suposição de que cer-
tas tecnologias avançadas c o m o a cibernética, a informática, a biônica, a
técnica-artificial-life etc. forneceriam u m saber significativo, gerando uma
praxis igualmente significativa. Na medida em que aceitamos esse saber e
essas praxis, aceitamos a teleologia da natureza n o sentido fraco referido,
visto estar implícita nesse procedimento. Este capítulo serve precisamente
para dirimir essas implicações, uma vez que na maioria das vezes não são
vistas. Assim c o m o cremos que a física teorética nos fornece um conceito
de matéria satisfatório, também estamos propensos a acreditar que ciências
c o m o a "cibernética", a "informática", a "biônica" etc. continuariam a ser
física num sentido mais amplo, sendo que aqui são sustentados princípios
totalmente diversos, que ainda não estão presentes na física.
Essas observações se fizeram necessárias porque dificilmente há u m
terreno filosófico que esteja minado de graves preconceitos c o m o está o
terreno da teleologia da natureza. A causa disso encontra-se n o aspecto
da visão de mundo, pois aqui parece estar e m j o g o a decisão a favor do
teísmo ou do materialismo. Deve-se chamar a atenção, todavia, para o
fato de que a posição defendida aqui não tem essas implicações de uma
visão de mundo.
U m a prova "cosmológica" da existência de Deus só poderia ser de-
duzida de uma teologia da natureza c o m o determinação-do-a-priori. U m a
prova um tanto mais fraca poderia ser tirada de uma teleologia global,
que abrangesse natureza e história, c o m o e m Peirce e Whitehead, visto
que isso se dá de fato nesses dois autores. A posição que ora se defende
é ainda mais fraca: ela simplesmente torna possível pensar Deus na natureza.
E por isso que não pode ter ligação c o m um ateísmo dogmático, o qual,
nesse ponto, se apoia na física. Esse ateísmo, porém, parece ser pouco
atrativo também por outros motivos. E b e m verdade que na física teoré-
tica Deus não aparece, mas isso não justifica deduzir dali sua não-existên-
cia. Em última instância, o próprio h o m e m e m lugar algum aparece ali, o
que jamais o impediu de existir.

4.1 A biônica

Sob "biônica" compreende-se u m m o d o de proceder técnico-científico


surgido nos EUA nos anos sessenta e introduzido na Europa há vinte anos.

Natureza como correlato do técnico-prático 123

• • • •
Nesse m o d o de proceder, certas propriedades optimizadoras da natureza
são tomadas c o m o paradigma para o estabelecimento de finalidades hu-
manas. Pois, visto que a natureza administra desde há milhões de anos
sob condições de escassez, é de esperar de antemão que nisso ela alcan-
ce bons resultados no que diz respeito a graus de atuação energéticos,
aproveitamento de materiais, capacidade de reciclagem, resistência a ar
e água, elasticidade etc. De fato, mostra-se que, quando se consideram
c o m atenção as ordenações quantitativas de uma grandeza, u m talo de
grama é muito mais estável do que uma torre de televisão, u m abelheiro
é muito mais eficiente do que u m avião a jato, ou que os valores-c dos w

corpos de animais são muito mais confortáveis do que os dos automóveis


ou aviões. Assim, por exemplo, alguns animais apresentam u m grau de
atuação energético que atinge 9 8 % , enquanto u m m o t o r a gasolina atinge
apenas 1 3 % ou a placa de u m forno elétrico atinge apenas 1 0 % . Por isso,
n o estabelecimento de dadas finalidades técnicas já se investe há mais de
vinte e até há trinta anos na pesquisa das correspondentes "soluções"
apresentadas pela natureza, buscando orientar-se por elas.
Aristóteles é censurado, muitas vezes, pelo fato de ter colocado es-
truturalmente e m paralelo natureza e técnica. Por outro lado, encontra-
m o s hoje livros c o m o , por exemplo, o livro de Claus Mattheck, chamado
Design in der Natur: Der Baum ais Lehrmeister (Design na natureza: a árvore como mestre
de ensino, 1 9 9 7 ) . Nesse livro, Mattheck mostra c o m o se p o d e m otimizar as
propriedades que dão estabilidade às partes componentes de máquinas
de construção, quando permitimos que cresçam c o m o ossos, isto é, que
cresçam de tal m o d o que ali onde o peso se torna maior possam agregar-
se materiais e vice-versa. Ademais, os resultados dessas pesquisas já são
empregados c o m técnica apurada na indústria automobilística, muitas
vezes sem consciência disso.
Quando se atribui ao técnico a competência para estabelecer finali-
dades reais e quando ele toma a natureza c o m o modelo para estabelecer
suas finalidades, então ipso facto ele teleologizou. Algo que e m si não é
adequado a uma finalidade, tampouco pode servir de m o d e l o para con-
figurações técnicas adequadas a uma finalidade. A problemática filosófica
que aqui se apresenta não fica clara, muitas vezes, n e m sequer na corres-
pondente literatura dessas especialidades.
Na Alemanha, o biônico mais conhecido é Werner Nachtigall. Ele
publicou, por exemplo, a coletânea relativa ao primeiro congresso ale-
m ã o de biônica, e m Wiesbaden, n o ano de 1 9 9 2 . Esse volume reúne a
contribuição de onze autores, que asseveram que é preciso imitar tecni-

124 Introdução à Filosofia da Natureza


camente as estratégias de otimização da natureza. Às vezes usa-se a palavra
"imitação" entre aspas, para chamar a atenção ao problema de que não é
possível ir mais além do que isso.
No livro sobre biônica que juntos publicaram Werner Nachtigall e
Charlotte Schõnbeck, a problemática teleológica é rebaixada a uma mera
"heurística". Nachtigall define a biônica do seguinte m o d o : seria "a ado-
ção de 'invenções da natureza' a serviço da técnica do ser h u m a n o " . Con-
sidera-se de certo m o d o "a natureza" c o m o mestre de ensino da técnica.
O que estaria em questão ali seria apenas u m "princípio heurístico", pois
o produto da natureza é "considerado c o m o se houvesse sido construído
por u m hábil engenheiro". N o m e s m o livro, também W - E . Reif acentua
o "valor meramente heurístico" dessas imputações teleológicas. Por isso,
em última instância, as analogias entre produtos da natureza e artefa-
tos deveriam ser "reduzidas a leis fisicais que servem de base a a m b o s "
(NACHTIGALL/SCHÕNBECK, 1 9 9 4 , p. 119ss, 1 9 3 ) .

Todavia, assim c o m o os artefatos técnicos não p o d e m ser esclare-


cidos exclusivamente pela física, tampouco o téÀoç desempenha uma
função meramente heurística na biônica, c o m o é o caso da física. U m a
intervenção teleológica, c o m o por exemplo o princípio fermático, pode
ser resolvida nessa ciência por leis a-teleológicas — c o m o se mostrou
n o c o m e ç o do capítulo — , leis capazes de fornecer a m e s m a coisa que a
intervenção teleológica, pelo que essa se torna supérflua. Mas o teÀoç que
atribuímos à natureza por m e i o da biônica permanece intacto e m nossos
artefatos técnicos.
Pode-se compreender a "heurística" também de tal m o d o que, nela,
a natureza forneceria meros estímulos para o estabelecimento de nos-
sas finalidades técnicas (assim NACHTIGALL, in: MAIER/ZOGLAUER, 1 9 9 4 , p.
2 8 9 / 9 0 ) . T o d a v i a , m e s m o ali, é uma finalidade c o m u m a ambas, que faz a
ligação entre esses estímulos e aquelas produções humanas. Desse m o d o ,
analisou-se o vôo da coruja, que quase não faz barulho, e os princípios
com os quais evita o barulho foram transpostos, c o m grande sucesso,
para a construção de hélices de aviões. Em certo sentido, isso é "heurísti-
c o " , todavia também aqui se mantém a finalidade, pelo que o conceito de
"heurístico" recebe aqui u m significado totalmente diferente do que na
física e sobretudo diferente do que na biologia.
A monografia de Wolfgang Maier e Thomas Zoglauer a respeito do
tema "Transposições de modelos entre biologia e técnica" é muito Intr
ressante n o contexto dessa problemática fundamental ainda não resolvi-
da. E ali, sobretudo a contribuição de Zoglauer, " O que é um m o d e l o ? "

Natureza como correlato do técnico-prático 1Z5


(MAIER/ZOGLAUER, 1 9 9 4 , p. 12ss), u m artigo n o qual Zoglauer remete essa
questão explicitamente à biônica. Aqui, Zoglauer emprega o conceito de
modelo de m o d o plurissemântico, assim c o m o é empregado, muitas ve-
zes, c o m muitos significados também e m outros lugares. Todavia, e m re-
lação à biônica, esse emprego alcança seu ponto alto específico.
De maneira bastante genérica, deveríamos distinguir c o m Gereon
Wolter u m c o n c e i t o "semântico-formal" de m o d e l o de u m c o n c e i t o
"semântico-material" de modelo. O primeiro é empregado na mate-
mática (por e x e m p l o , os n ú m e r o s naturais c o m o m o d e l o do axioma
de Peano) e na lógica ou ainda na c o n c e p ç ã o estruturalista de ciência
de Patrick Suppes. O último é empregado, por exemplo, na cibernética
(quando, por exemplo, simula-se u m sistema b i o l ó g i c o apenas parcial-
mente, n o que diz respeito a suas relações-input-output). Em ambos os ca-
sos, u m original vem especificado na perspectiva de u m m o d e l o ( W O L -
TERS: verbete " m o d e l o " , in: MITTELSTRASS, 1 9 8 0 II, p. 9 1 1 - 9 1 3 ) . Seria
preciso decidir-se, todavia, sobre o que se quer considerar o "original",
os pressupostos extremamente axiomáticos de u m a teoria ou os objetos
reais, que se dão n o tempo e n o espaço, pois, do contrário, o c o n c e i t o
de m o d e l o torna-se plurissemântico.
A diferença entre u m conceito semântico-formal e semântico-ma-
terial é, portanto, elementar. A relação entre os dois conceitos é de o p o -
sição: U m a vez, o original é aquilo que ocorre n o espaço e n o tempo, o
concreto, o abundante, e o esquema matemático é o modelo; da outra
vez, o modelo é uma axiomática abstrata, uma axiomática matemática
bastante geral, e o modelo é o emprego dessa axiomática e m relação ao
concreto. A causa de, muitas vezes, não se levar e m consideração essa
diferença elementar reside n o platonismo fisical muito difundido e que
foi criticado no ponto 3 . 3 . O platônico parte imediatamente da abundân-
cia concreta daquilo que se dá n o m u n d o da vida e depois desenvolve
u m esquema matemático, generaliza-o, axiomatiza-o e então, de repente,
afirma que seu esquema abstrato é a "própria" realidade e que o con-
creto é meramente o modelo. Todavia, se o platonismo não tem base de
sustentação, então também esses dois conceitos de m o d e l o deveriam ser
mantidos separados, visto terem funções b e m diferentes.
Em seu estudo sobre "O que é u m modelo?", Zoglauer toma o concei-
to de modelo apoiando-se diretamente na matemática, e m sentido "semân-
tico-formal", isto é, ele considera uma determinada estrutura matemática
abstrata c o m o original, estrutura que se espelha em certas estruturas ricas e
especiais do ponto de vista lógico, as quais representam seus "modelos".

126 Introdução à Filosofia da Natureza


A partir desse m o d o de ver, podem-se interpretar certas estrutura-
ções de conchas na natureza ou certas estruturas de suporte de platafor-
mas na técnica c o m o modelos da mesma teoría matemática das super-
fícies minimais. Natureza e técnica são, então, de certo m o d o , modelos
para ura original matemático abstrato. Zoglauer considera ainda que os
artefatos técnicos p o d e m ser explicitados de maneira puramente fisical, as
explicações teleológicas poderiam ser reduzidas a explicitações causais. Se
as coisas forem concebidas dessa maneira, então esse conceito de modelo
seria consistente e m si.
Todavia, visto que o m o d o de proceder da biônica não se confor-
m a c o m isso, Zoglauer acaba mudando diretamente a perspectiva, pensa
repentinamente nos moldes da teleología real e adota uma concepção
semântico-material:
Deveríamos conceber o conceito de modelo de maneira diretamente
pragmática. Nesse caso será válido dizer: " x é u m modelo de y, para u m
usuário do modelo z, para uma determinada finalidade". N o caso prece-
dente essa finalidade seria a economia de material numa máxima estabi-
lidade, e o usuário do modelo z tomaria agora y (a estruturação de conchas
na natureza) c o m o original para seu modelo x (as estruturas de suporte de
plataformas na técnica).
Originalmente, Zoglauer tomou o cálculo matemático c o m o origi-
nal e a natureza e a técnica c o m o seu modelo matemático específico.
Agora, de repente, a natureza torna-se o modelo, e quiçá a natureza na
perspectiva teleológica.
Todavia, se distinguirmos, c o m o devemos fazer, os dois conceitos de
modelo, então o problema filosófico fundamental da biônica se tornará
muito atual: sem dúvida, podem-se encontrar na natureza e na técnica
instanciações comuns das leis matemáticas, mas o ponto alto na biônica
é precisamente u m nexo semântico-material: se x for realmente u m m o -
delo de y, para u m usuário do modelo z, e quiçá para uma determinada
finalidade, e se ademais, y representa o produto da natureza que se dá
concretamente n o espaço e no tempo, então esse produto da natureza
possui u m caráter modelar para a determinação da finalidade de z e deve,
portanto, ser determinado c o m o eficiente em si. Em nada ajuda, portanto:
a biônica i m p õ e u m teÀoç na natureza. "A árvore c o m o mestre de ensino"
(MATTHECK) não é uma mera metáfora.
Com isso retoma-se a discussão de u m problema filosófico antigo,
que já foi mencionado muitas vezes, o paralelo entre ibúoiç e xí%vr\. Em
Aristóteles o (búoei e o TÍXVT) õv deveriam ter uma formação estrutural

Natureza como correlato do técnico-prático 127

I II I
paralela, sendo que o "impulso para o m o v i m e n t o " proviria uma vez
de "dentro", da natureza, e outra vez de "fora", do engenheiro ou do
artesão. Essa antiga doutrina, freqüentemente ridicularizada, voltou de
repente a ser muito atual.
Todavia, ela não é reproduzida simplesmente e apenas pela biônica
moderna. Em Aristóteles, a natureza representava u m dado fundamental
e m relação ao qual a produção humana tinha u m caráter meramente se-
cundário. Não podemos retornar a essa concepção. Não só porque, nesse
caso, retrocederíamos perdendo a autonomia da subjetividade humana,
c o m o já se disse muitas vezes. Tal retrocesso seria desolador não só m o -
ralmente, mas também do ponto de vista puramente técnico. Simples-
mente não é verdade que na biônica a natureza acaba reduzida a um
mero modelo, visto que e m última instância ela não produz rodas, rádios,
radares, aparelhos de barbear e coisas do gênero; antes, o que se passa
é meramente que nos deixamos estimular pelas "soluções de problemas"
apresentados pela natureza, para realizar significativamente os objetivos
impostos pelos homens. Nesse sentido, a definição de Zoglauer estava
extremamente correta: " x é u m modelo de y para u m usuário do modelo
z, para uma determinada finalidade". Q u e m primordialmente persegue
uma finalidade, aqui, é o h o m e m , e toda teleología da natureza continua
sendo derivada. E isso que nos separa de Aristóteles.
Mesmo assim, ainda hoje existem tentativas de recusar naturalística-
mente o poder de que dispõe o humano e sua responsabilidade. Assim,
afirma por exemplo Friedrich Vester em seu livro Technik und die Kybernetik
lebender Systeme (A técnica e a cibernética dos sistemas vivos): "Nenhuma técnica
existe fora do âmbito biológico". Vester chega ao ponto de deduzir da
natureza normas para o agir humano (VESTER, 1 9 8 3 , p. 3 6 ) .
Nesse ponto, a reificação científica já bastante difundida transfor-
ma-se numa idolatria da natureza. A filosofia da natureza deve proteger-
se de ambas.

4.2 A metáfora do computador

Nos últimos tempos, a metáfora do computador vem avançando sempre


mais e acabou transformando-se num paradigma para o entendimento
de todo o universo. O computador representa hoje o que representou o
relógio no século XVIII. Naquela época, todas as coisas eram vistas c o m o

128 Introdução à Filosofia da Natureza


relógios: os animais e o h o m e m eram relógios, a sociedade era u m m e -
canismo e Deus, por fim, era o relojoeiro. Kant resumiu c o m clareza seu
ponto metafísico central nessa comparação do relógio. Ele estabelece a dis-
tinção entre "mecanismo" e "técnica da natureza" (Crítica do Juízo, B 3 5 4 ) .
Para ele, o "mecanismo da natureza" era aquilo que a física newtoniana
mostrava dela, enquanto a "técnica da natureza" ressaltava o m o m e n t o
teleológico na natureza.
Hoje, tudo " é " computador: animais, homens, cérebro, a própria so-
ciedade é descrita pela teoria da informação. (O sociólogo Jürgen Klüver
[ 1 9 9 5 ] , por exemplo, "otimiza" as teorias sociológicas c o m auxílio de
computadores.) Também o universo c o m o u m todo " é " um computador
(DAVIES, 1 9 8 8 , p. 2 0 5 ) , e não falta n e m m e s m o u m deus-computador: numa
obra rica e especulativa, o físico FrankTipler (TIPLER, 1 9 9 4 ) fez a cosmolo-
gia ascender a um ponto de singularidade extrema para formar um máxi-
m o informativo. Aqui a metafísica oculta da idade do computador vem
soletrada até a última letra.
Se hoje e m dia fortalecemos a metáfora do computador para nossa
compreensão da natureza, geramos e m todo caso u m discurso que já não
pertence à física teorética, mas a uma "técnica da natureza" própria de Kant.
Físicos c o m o Frank Tipler ou Roger Penrose consideram os computadores
produtos da natureza, tratando-os c o m o sistemas da física, enquanto na
verdade são produtos culturais (TIPLER, 1 9 9 4 ; PENROSE, 1 9 9 1 ; 1 9 9 5 ) .
Infelizmente, depois de Norbert Wiener, tornou-se costume apagar a
diferença entre técnica e natureza, c o m o às vezes já se mostra nos títulos
dos livros. É assim que um dos documentos fundantes da cibernética, um
livro de Norbert Wiener, leva o título de Kybernetik: Kommunikation und Kon-
trolle in Tier und Maschine (Cibernética: comunicação e controle n o animal e
na máquina).
E a partir daí, infelizmente, é muito c o m u m considerar os sistemas
cibernéticos e m geral e o computador e m particular c o m o produtos da
natureza e não da cultura.
E muito usual distinguir pelo menos três perspectivas de análise, a
saber, uma perspectiva [ 1 ] fisical, [ 2 ] uma sintática e uma [ 3 ] semântica.
J o h n Searle contesta c o m justiça que a física contenha e m si a sintaxe, e
a sintaxe a semântica (SEARLE, 2 0 0 1 ) . Mas também o inverso não é verda-
deiro. Esses níveis_são mutuamente cojitingentes entre si. É só assim que
se p o d e c õ n c l u i r que~õ computador não é uma instância reducionista ou
materialista, pois o comércio entre esses dois níveis não pode ser descrito

Natureza como correlato do técnico-prático 129


nomologicamente ( c o m justiça Martin Carrier [ 1 9 9 3 ] deduz desse fato
que a psicologia não pode ser reduzida à física, m e s m o quando a metáfo-
ra do computador pode ser empregada na relação alma-corpo).
N o fundo, o que está e m questão a cada vez nesses níveis é a rela-
ção forma-matéria n o sentido aristotélico, onde o grau inferior prepara
a "matéria" para o grau superior, sendo que a forma não está contida na
matéria n e m pode atuar sem ela.
É incontestável que os computadores são [ 1 ] sistemas fisicais. Nesse
sentido, por exemplo, eles representam uma instanciação das equações
de Maxwell da eletrodinâmica clássica. Todavia, se são estudados a partir
desse ponto de vista fisical, os níveis mais elevados acabam não sendo
levados e m consideração.
O que chama a atenção na tripla partição é o fato de que não se
atribui qualquer valor autônomo à pragmática. É notável observar que os
atuais léxicos sobre computadores contêm o verbete "sintaxe" e "semân-
tica", mas quase não têm o verbete "pragmática" (assim, por exemplo,
n o Microsoft Computerlexikon, in GRIESER/IRLBECK, 1 9 9 5 ; SCHULZ, 1 9 9 6 , inter alii).
Talvez se possa esclarecer a ausência de uma reflexão sobre a dimensão
pragmática dos computadores pelo fato de já estar implícita, e m certo
sentido, no código de origem e na semântica.
Assim, o código de origem só pode ser desenvolvido na perspectiva de
uma finalidade concreta, c o m o por exemplo o código-ASCII, para decodifi-
cação das letras usuais do alfabeto. Ou, n o caso da semântica, ele regeria as
relações unívocas entre as seqüências de comando e as funções elementares.
Também as redes neuronais são construídas c o m uma finalidade e só po-
dem ser "treinadas" na perspectiva de uma utilização futura etc.
Todas essas perspectivas implicam u m a pragmática. O fato de não se
tornarem objeto explícito de reflexão pode também aqui ser lido c o m o
u m a forma daquele menosprezo da praxis que já foi descrita diversas
vezes neste estudo.
Só assim parece ser possível esclarecer o fato de tantos autores acre-
ditarem que c o m o conceito de uma "máquina deTuring", isto é, u m sis-
tema determinado pela situação, que usa de algoritmos, já se teria c o m -
preendido tudo que constitui u m computador. Nesse nível, podem-se
muito b e m definir situações abstratas, funcionais, realizáveis fisicalmente
de múltiplos modos, sem qualquer relação c o m a finalidade, à qual está
a serviço a máquina c o m o u m todo. A fortiori, também aquelas inserções
voltadas para uma finalidade e mais distanciadas não são levadas e m con-
sideração; todavia, são essas que tornam possível compreender o que seja

130 Introdução à Filosofia da Natureza


u m computador: u m artefato construído por causa de necessidades so-
ciais para a transmissão de informações.
Essa dimensão pragmática, essencialmente pertencente ao conceito
de "computador", e m geral não é vista; e isso se deve a uma multipli-
cidade de significados do conceito de função que muitas vezes não é
observada: "função" significa de imediato e por primeiro "função mate-
mática" c o m o reprodução de grandezas-input e output. Mas depois, sob o
efeito desse conceito sintático de função, acaba sendo identificada c o m a
"função"; esse conceito é realizado pelas situações do computador assim
descritas, nos quadros do programa, isto é, na perspectiva da semântica.
Todavia, a pragmática aqui implícita acaba concedendo conotações irre-
vogavelmente teleológicas ao conceito de função.
Nesse sentido, por exemplo, Hilary Putnam jamais deu destaque a
esse aspecto racional-finalístico, n e m em seu período funcionalista, que
foi o primeiro, n e m e m seu último período, antifuncionalista (PUTNAM,
1975, 1 9 4 9 , 1 9 9 9 ) . De acordo c o m isso, para muitos filósofos analíti-
cos, o computador serve apenas c o m o "máquina de Turing universal" e
não c o m o instanciação de finalidades definidas pela sociedade. E o caso,
por exemplo, de Daniel Dennett, 1 9 8 1 , Ansgar Beckermann, 1 9 8 5 , Holm
Tetens, 1 9 9 4 , e muitos outros. O fato de esses autores negligenciarem a
pragmática tem c o m o conseqüência o fato de acreditarem que a metá-
fora do computador poderia levar o h o m e m a uma "naturalização". As
assim chamadas "ciências do c o n h e c i m e n t o " apóiam-se igualmente nes-
sa falta de clareza conceituai, quando querem explicitar os produtos do
c o n h e c i m e n t o humano c o m o puramente "computacional". A pretensão
de u m a "naturalização" do h o m e m , ali postulada, não tem qualquer base
de sustentação já pelo fato de que os computadores não são produtos da
natureza (cf. GOLD/ENGEL, 1 9 9 8 ) .
Foram apenas poucos filósofos que criticaram c o m bons argumentos
o agravamento que se faz à teoria na compreensão do computador; den-
tre eles está, por exemplo, Peter Janich, que de m o d o bastante genérico
chama a atenção para o significado constitutivo das intervenções técnico-
práticas para a informática, ou Michael Heidelberger, que mostra quanto
se tem negligenciado a significação da programação, na nossa compreen-
são dos computadores, a qual representa uma forma de práxis técnica
(JANICH, 1 9 9 8 ; HEIDELBERGER, in: SCHEFE, 1 9 9 3 , p. 1 3 s s ) .

Se aceitarmos essa crítica, então ficará evidente que a metáfora do


computador é tudo menos metafisicamente inofensiva. Então, precisa-
mente e m seu emprego na natureza, lançará novamente o problema de

Natureza como correlato do técnico-prático 131

llll
u m a "técnica da natureza", já mencionado por Kant na terceira crítica.
Nesse contexto é lamentável que a Crítica do juízo teleológico de Kant qua-
se não desempenhe papel algum na discussão moderna desse problema.
C o m isso, perdeu-se igualmente a visão de u m aspecto central da filosofia
da natureza. As conseqüências concretas desse fato devem ser expostas
agora e m relação a uma técnica específica de programação.

4.3 A técnica arttfidal-Hfe

A "técnica artificial-life", introduzida na Alemanha c o m o "Vida Artificial"


(VA) em contraposição a "Inteligência Artificial" (IA), é uma determina-
da técnica de programação que permite simular cenários evolucionários
no computador. Ela quase não tem doze anos de existência e já remonta
aos assim chamados "algoritmos genéticos", pelo m e n o s c o m o a intro-
duziu J o h n Holland. Nessa técnica imitam-se processos vitais no c o m p u -
tador, concebendo vetores n-dimensionais e matemáticos c o m o "genes"
ou grupos desses "genes" c o m o "populações", os quais são submetidos,
depois, a variações segundo u m princípio fortuito a fim de selecioná-los
de acordo c o m uma "função de fitness" determinada quantitativamente.
( U m a primeira apresentação, não muito técnica, de VA pode ser e n c o n -
trada e m W e r n e r KINNEBROCK, 1 9 9 4 ; 1996.)

E visto que a técnica-VA trabalha c o m sistemas muito complexos,


cujos m o d o s de atuação uma vez fechados já não podem ser verificados,
produzem resultados surpreendentes, que às vezes acabam sendo caracte-
rizados c o m o "emergentes".
N o â m b i t o da IA, pode-se definir o c o n c e i t o de "inteligência" c o m o
mais elevado d o que o c o n c e i t o de "saber". De acordo c o m isso, u m sis-
tema é "inteligente" quando emprega o saber que t e m à disposição de
m o d o optimal. N o âmbito da técnica-VA, ultrapassam-se essas determi-
nações, na medida em que os sistemas-VA devem ser capazes ademais
de transformar sua "inteligência" e m ações, as quais gerariam então u m
" m o d e l o de c o m p o r t a m e n t o " . T r a t a - s e , portanto, de simulação de ações,
sobre o que a fortiori deveremos dispor se q u i s e r m o s implantar a téc-
nica-VA e m r o b ô s , cujo c o m p o r t a m e n t o n o m u n d o circunstante deve
o b e d e c e r a finalidades. Esse c o m p o r t a m e n t o é c o n c e b i d o c o m o " c o m -
portamento adaptativo", o qual só pode ser c h a m a d o de "inteligente"
medida em que maximiza as chances de autoconservação. Significa
que um "ser vivo artificial" deve ser capaz de modificar-se e m relação

Introdução à Filosofia da Natureza


a u m m u n d o circunstante variável, de tal m o d o que possa continuar
existindo de m o d o optimal.
Contrariamente à IA, a VA não possui u m conceito superior ao qual
deva estar ordenada, a partir do qual o sistema correspondente poderia
reagir firmemente alinhado, e m caso de alguma eventualidade. Foi essa
propriedade que mostrou representar notadamente o ponto fraco da IA.
Na VA, ao contrário, o sistema reage de maneira flexível às mudanças do
m u n d o circunstante, é claro que de acordo c o m regras de comportamen-
to firmemente prescritas. Assim, trata-se de u m comportamento empírico
bottom-up, em contraposição aos princípios dedutivos da lógica formal,
princípios top-down, próprios da IA tradicional, e m que nos problemas re-
lacionados c o m otimização trabalha-se c o m comportamentos tradicionais
gradientes, fixados por u m a lógica dedutiva, e que não contêm nenhuma
oscilação fortuita e c o m isso n e n h u m "testar pelo tato".
Se a vida deve ser simulada no computador, então os indivíduos de
uma população devem ser submetidos a u m critério de fitness, que deve
decidir se eles sobrevivem ou não. O critério é supervisionado a partir de
fora n o sentido de observar as chances de vida. Nesse tipo de população,
o nascimento é realizado por m e i o do "copiar" e a morte por m e i o do
"apagar". N o copiar admitem-se falhas de cópia ( c o m o na evolução), na
medida e m que se introduzem fatores fortuitos. M e s m o numa situação
inicial assim tão simples surgem conseqüências difíceis de serem previstas
e que se aproximam do comportamento de seres vivos na natureza. Desse
m o d o , desenvolvem-se, por exemplo, indivíduos que "deixam outros in-
divíduos trabalharem para esses", isto é, apresentam u m comportamento
parasitário. A seguir, os indivíduos tornam-se cada vez mais agressivos na
"luta pela sobrevivência", lutam de m o d o cada vez mais duro por praças
de armazenagem e por tempo de trabalho, e apresentam também outros
m o d o s de comportamento próprios da evolução.
Biologicamente, o que corresponde aqui aos âmbitos de armaze-
nagem fechados são as células vivas, a praça de armazenagem correspon-
de aos suprimentos, os comandos individuais do programa correspondem
aos nucleotídeos do DNA etc.
E c o m u m trabalhar também c o m "sistemas híbridos", dotados de
redes neuronais. Essas redes neuronais, que imitam o m o d o de funciona-
m e n t o do cérebro, permitem a apresentação imprecisa de subordinações
e desempenhos não-lineares, que c o n h e c e m o s t a m b é m da fuzzy logic. (Po-
de-se mostrar que as propriedades das redes neuronais são equivalentes
às da fuzzy logic).

Natureza como correlato do técníco-prático 133


Como exemplo de finalidade alcançada por m e i o da técnica-VA, pode-
mos citar o "problemaTravelling Salesman": é o problema de u m vendedor
viajante que tem a tarefa de visitar urna única vez todas as cidades de deter-
minada região e ali encurtar o caminho para diminuir o tempo de viagem.
Se estimássemos u m caminho por segundo, então já e m vinte cidades todo
o tempo desde a grande explosão primordial não seria suficiente para re-
solver definitivamente o problema, enquanto nos quadros da técnica-VA
chegaríamos rapidamente a resultados plausíveis.
Mas o ponto decisivo na técnica-VA é que serve muito b e m tanto para a
simulação de processos vitais quanto para a solução de problemas técnicos.
Com programas-VA relativamente simples, é possível simular o compor-
tamento de pássaros e peixes num bando ou cardume, ou ainda, no c o m -
putador, podem ser geradas formas orgânicas espantosamente semelhantes
ao crescimento das plantas ou à pigmentação da pele de animais. Robôs
"alimentados" c o m algoritmos genéticos apresentam comportamentos de
" m e d o " ou de "amor" que lembram de perto comportamentos correspon-
dentes em seres humanos ou animais.
A problemática filosófica do VA aparece de maneira muito clara n o
livro Der blinde Uhrmücher (O relojoeiro c e g o ) , do biólogo Richard Dawkins,
no qual descreve seus primeiros ensaios c o m a técnica-VA, muito antes de
esta ser estabelecida (DAWKINS, 1 9 8 7 , p. 70ss).
O próprio Dawkins escreveu u m programa e m que simulou o desen-
volvimento de seres vivos. Inicialmente, assumiu pessoalmente a função de
instância seletiva, selecionando os animais artificiais "mais belos" e deixan-
do os outros "morrerem". Mais tarde se deu conta de que na natureza não
existe tal instância, de tal m o d o que se deveria deixar ao próprio compu-
tador a tarefa de seleção, avaliando positiva ou negativamente certos traços
diferenciais. E o que de fato fazemos hoje c o m os "algoritmos genéticos".
Dawkins tinha razão sobre o fato de que, c o m o selecionador, ele re-
presentaria uma instância teleológica que conforme Darwin não existe na
natureza. Todavia, enganou-se ao pensar que ao deixar que o computador
"selecionasse" o problema estaria resolvido. Também aí é o homem que es-
colhe, m e s m o que por intermédio do computador. A instância teleológica
é apenas deslocada.
Foi John Holland, o inventor dos "algoritmos genéticos", que afirmou
abertamente que a computalização da natureza leva a uma nova teleología.
Ele diz que a evolução seria "aparentemente desprovida de objetivo", parte
portanto por certo da evolução que atua nos moldes real-teleológicos, en-

134 Introdução à Filosofia da Natureza


quanto praticamente todos os biólogos contemporâneos falam apenas de
uma evolução "teleonômica", isto é, de uma evolução aparentemente voltada para
finalidades (HOLLAND, 1 9 9 2 , p. 44).

Aqui estamos diante da ameaça de uma armadilha fisical. Enquanto


usamos a técnica-VA apenas para resolver o "problema do vendedor via-
jante", por exemplo, metafisicamente ela continua inofensiva. Mas, quan-
do empregamos essa técnica à natureza, então conceitos c o m o "gene",
"população", "seleção" etc., apesar de serem h o m ô n i m o s , possuem uma
significação b e m diferente do que na biologia. Por m e i o da função de
fitness, que implica uma finalidade, acabam inseridos num sistema real-
teleológico que modifica qualitativamente os conteúdos conceituais.
Como se dá na biônica ou na cibernética, que vai ser abordada
adiante, esse estado de coisas é encoberto pela matematização. Quando
deparamos c o m u m discurso matematizado, devemos examinar se o pro-
cedimento empregado se torna compreensível pela imputação de uma
finalidade o u não. Na física teorética é sempre esse o caso, enquanto na
VA esse jamais é o caso. É natural que a "imputação de uma finalidade"
não signifique aqui que o sujeito que se dedica à física e àVA poderia ser
pensado nessa sua atuação sem ser guiado por finalidades, o que natural-
mente não é o caso; antes, a "imputação de uma finalidade" refere-se à
questão de saber se os procedimentos gerados pelo sujeito são determi-
nados intrinsecamente por u m a finalidade ou não. Toda a maquinaria dos "al-
goritmos genéticos", por exemplo, só permite ser implementada quando
se considera a "função fitness" c o m o lugar-tenente de u m a finalidade. Do
contrário, não é possível compreender o processo de otimização por ela
provocado. Quando por exemplo uma bolha de sabão "otimiza" sua for-
m a de tal m o d o que, n o volume dado, gere uma superfície minimal, isto
é, esférica, então não preciso imputar à bolha de sabão a idéia de u m o b -
jetivo da tensão m í n i m a de energia; e m todo caso, c o m a imputação desse
" c o m p o r t a m e n t o " não se torna mais compreensível do que sem ela.

Em relação à técnica-VA, todavia, existe outro problema filosófico


importante. Assim, por exemplo, Eilen Thro, e m seu livro sobre a VA, fala
sobre animais programmable (THRO, 1 9 9 4 , p. 1 1 4 ) , enquanto Dawkins, no li-
vro Relojoeiros cegos, trata computadores e automóveis c o m o "objetos bioló-
gicos"; as máquinas seriam "seres vivos honorários", organismos seriam
"máquinas vivas" etc. (DAWKINS, 1 9 8 7 , p. 13ss).
A negação estrita da diferença entre o aspecto técnico e o vivo é
muito difícil de ser realizada intuitivamente. Mesmo que tenhamos m o s -
trado logo acima que comportamentos c o m o a VA implicam uma teleo-

Natureza como correlato do técnico-prático 135

• • • •
logia da natureza e pressupõem u m a ontologia não-reducionista, isso só
vale e m relação à física. O que esses comportamentos não excluem é u m
reducionismo à máquina. Por outro lado, todavia, tampouco fomentam-
no. Assim c o m o se pode ser físico s e m ser fisicalista, também é possível
ocupar-se c o m a técnica-VA s e m cair nesse reducionismo maquinal.
Em seu livro a respeito da VA, Claus E m m e c h e é às vezes bastante
crítico: "VA nada tem a ver c o m vida, ao contrário, é u m passo adiante
r u m o à esterilização do m u n d o circundante e à restrição de nossas pos-
sibilidades de manter uma relação imediata e significativa c o m o resto da
natureza". O característico da vida seria u m a certa "autonomia", possuída
até pelas plantas. Os animais podem decidir por si m e s m o s se querem
rastejar o u andar c o m o caranguejos. Para que algo possa se mover a si
m e s m o , é preciso que aja esse "si m e s m o " . É esse m o m e n t o espontâneo
q u e escapa àVA (EMMECHE, 1 9 9 4 , p. 2 9 - 3 0 , p. 1 3 0 ) .

No p r ó x i m o parágrafo é preciso mostrar que, c o m o foi explicitado,


Aristóteles não só compreendeu melhor que os modernos a relação entre
técnica e natureza; seu m o d o de compreender está e m condições de for-
necer u m lugar legítimo a esse m o m e n t o espontâneo sem precisar negar
abstratamente o aspecto maquinal fortemente asseverado pela VA (cf. a
crítica sobre aVA: MUTSCHLER, 1 9 9 9 - 2 0 0 0 ) .

Na atual discussão desse problema parece haver u m a confusão ca-


tegorial generalizada, e m relação à qual a concepção aristotélica guarda
uma grande clareza. Assim, há autores, precisamente c o m o esse Dawkins,
que muito simplesmente colocam e m pé de igualdade "objeto fisical"
c o m " o b j e t o material", c o m "objeto técnico", c o m "ser vivo".
Essa falta de clareza onera inclusive a posição de Friedrich Kambar-
tel, m e n c i o n a d a n o ponto 1 . 3 . 1 (KAMBARTEL, in: KREBS, 1 9 9 7 , p. 3 3 l s s ) , se-
gundo a qual o ser natural pode ser dividido e m duas classes disjuntivas,
a saber, naqueles seres que dispõem de comportamento expressivo e na-
queles que dele n ã o dispõe. Os seres que dispõem de u m comportamento
expressivo seriam capazes de estabelecer comunicação conosco.
Nesse exemplo, é possível ver a debilidade da posição N a t reg/cien . Uma
vez ela precisa de u m corte arbitrário na scala naturae, outra vez passa a res-
ponsabilidade da natureza restante a u m processo reificador, dentro do
qual já não se p o d e m fazer distinções qualitativas, pois o que se encontra
"abaixo" pertence forçosamente à indistinção do material = fisical = téc-
nico. A "vida" c o m o u m a categoria autônoma já não ocorre.
Contrariamente a isso, Aristóteles formulou a scala naturae de tal m o d o
que, e m seu lugar, [ 1 ] o h o m e m , sem desfazer-se de seu ser natural, en-

136 Introdução à Filosofia da Natureza


contra que [ 2 ] o ente natural e aquilo que foi configurado pela técnica
permanecem distintos e m suas categorias, e que [ 3 ] o vivo mantém sua
autonomia e m relação ao técnico. O autor não conhece nenhuma outra
concepção mais recente que pudesse fornecer tudo isso ao m e s m o tempo.
Se admitirmos a teleología da natureza n o sentido aqui fundamen-
tado, se aceitarmos ademais a concepção desenvolvida n o p r ó x i m o pará-
grafo e n o capítulo 5 a respeito de uma autonomia e espontaneidade do
vivo diante do puramente maquinal, então teremos à disposição catego-
rias suficientemente eficazes para fundamentar uma scala naturae diferen-
ciada, que não consiste apenas e m duas classes antagônicas, e m entidades
capazes e não capazes de comunicação.
Em si, porém, o objetivo do parágrafo 4 . 2 e 4.3 era mostrar que não
só a técnica-VA e m especial, mas também a tecnologia computacional e m
geral possui um TtXoç construído, que se transpõe à natureza quando o
tomamos c o m o a base de nossa compreensão da natureza, um n e x o que
vem encoberto pela interpretação usual do computador, onerada de teoria,
considerando-o c o m o se fosse uma mera máquina universal deTuring.

4.4 Natureza e técnica em Aristóteles

Mostrou-se já desde sempre que a relação entre natureza e técnica con-


tinua sendo frágil. Enquanto Aristóteles apresentou essa relação de ma-
neira bastante consistente, muitas vezes esse traço acabou se perdendo
n o restante da tradição filosófica. Em geral, a causa disso reside n o fato
de não considerarmos o aspecto técnico c o m o uma categoria autônoma.
Muitos autores consideram-no um m o m e n t o dependente dentro da fí-
sica teórica, ou então partem de um conceito de vida muito enfático que
nega tudo que é técnico, até c o m o se fosse um m o m e n t o subordinado.
A marginalização do aspecto técnico torna-se muito patente n o fato de
nas universidades da Alemanha haver muitas cadeiras de teoria da ciência,
mas nenhuma para filosofia da técnica. Todavia, essa marginalização da
técnica possui uma longa tradição. Enquanto Aristóteles distinguia entre
0ecopía, TTpâÇLÇ e iroíricaç c o m o aptidões fundamentais do h o m e m , a fim
de atribuir u m papel autônomo ao aspecto técnico dentro do âmbito
poiético, Tomás de Aquino já marginalizava sua função. Aristóteles contou
c o m o substâncias autênticas inclusive pedaços de madeira colados, sendo
que para ele, n o entanto, o caráter substancial dos artefatos possuía uma
caracterização mais fraca do que os produtos da natureza (Met. D 1016a 1;

Natureza como correlato do técnico-prático 137


1 0 2 3 b 3 4 / 5 ; J 1 0 5 2 a 2 1 - 2 6 ) . Para Tomás, ao contrário, os artefatos já não
constituem autênticas substâncias, uma vez que se constituiriam apenas de
"formas acidentais" (TOMÁS, S.Th. 3 q 6 6 a 4 ) . A maioria dos autores neo-
escolásticos adere a essa idéia. Assim, por exemplo, Zeno Brucher ( 1 9 4 6 ,
p. 3 5 6 ) ; Wolfgang Büchel ( 1 9 5 4 , p. 3 2 0 ) ; J. B. Lotz ( 1 9 7 3 - 1 9 7 4 , p. 2 9 ) ;
N. A. Luyten ( 1 9 6 9 , p. 7 2 ) ; Horst Seidl ( 1 9 8 6 , p. 157ss); Joseph deVries
( 1 9 8 0 , p. 14) etc. Nessa escola, uma exceção foi apenas Walter Brugger,
o qual se manteve fiel à concepção aristotélica originária (BRUGGER, 1 9 7 3 -
1 9 7 4 , p. 1 . 4 5 5 ) . E, visto que o neotomismo representou u m dos últimos
baluartes contra uma compreensão a-finalista da natureza, por m e i o des-
se deslocamento surgiram frentes de batalha totalmente distorcidas, que
cunham as discussões até hoje. E, porque os neotomistas postulavam jun-
to à opinião pública serem os representantes do aristotelismo, ficou pare-
cendo que o filósofo da natureza, que defende a finalidade na natureza,
sustentasse uma teoria da entelequia desprovida de fundamentação. Essa
entelequia polemizaria contra e estaria afastada de tudo que é mecânico,
maquinai, fisical; assim, num sentido invertido, esse aspecto maquinai foi
reivindicado por esse autores, os quais acreditavam c o m seu auxílio po-
derem fundamentar uma posição fisical-reducionista. Em seu comentário
sobre as provas da existência de Deus do Aquinate, o neotomista Horst Sei-
dl defende o argumento da causa final e m contraposição a Anthony Kenny,
que procura refutá-lo c o m u m modelo cibernético (círculo regulador de
u m refrigerador) (SEIDL, 1 9 8 6 , p. 157ss).

Todavia, c o m o deverá ser mostrado no parágrafo seguinte, o empre-


go de modelos cibernéticos na natureza implica precisamente aquela te-
leología que Kenny procurava evitar, enquanto Seidl deveria ter feito uso
dela c o m propriedade. Esse afrontamento distorcido já se fazia presente
no neovitalismo, c o m o por exemplo e m Hans Driesch (cf. 1.4,1). Dries-
ch introduziu sua teoria da entelequia c o m o uma alternativa obrigatória
em relação a u m a "teoria maquinal dos organismos". O u sua teoria da
entelequia é verdadeira, ou é verdadeira a teoria maquinal dos seres vivos
(DRIESCH, 1 9 2 2 , p. 4 - 5 ; 181-182).

Foram essas caricaturas da teoria aristotélica da entelequia que fi-


caram na m e m ó r i a da história. Significa: não foram só os positivistas e
materialistas que consideraram o aspecto técnico e o entelequial c o m o
alternativas excludentes, mas igualmente os representantes da teoria da
entelequia de cultura conservadora admitiram essa falsa alternativa.
Em princípio, isso se estende até nossos dias. N u m artigo que trata
de "unidade de técnica e natureza", sobre "técnica organológica ou na-

138 Introdução à Filosofia da Natureza


turalidade técnica", Karen Gloy, por exemplo, de m o d o algum trata do
problema aristotélico do paralelo entre (búoiç e ikyyr\. Se "organicidade
está baseada na técnica", perderíamos o sentido do vivente, que se abre
preferentemente a u m proceder simpatético (GLOY, 1 9 9 2 ) . Isso era bem
diferente para Aristóteles. Para ele, as substâncias naturais possuíam um
aspecto " t é c n i c o " decidido, que foi marginalizado, por exemplo, inclu-
sive por Christoph Rehmann-Sutter (cf. ponto 1.4.3).
É preciso então, aqui, reconstruir a "Física" aristotélica n o que res-
peita a seu sistemático valor de posição, não só e m relação ao seu concei-
to de técnica mas t a m b é m e m relação a muitos outros topoi. Todavia isso
vai contra uma communis opinio, segundo a qual talvez ainda valha a pena
discutir a ética, a lógica modal, a poética, a metafísica e muitos outros
âmbitos do pensamento de Aristóteles, mas não sua filosofia da natureza.
Na opinião do autor, e m conseqüência da polêmica galilaica contra
Aristóteles, acabaram se impondo diversos estereótipos, c o m poder sobre
a história. Esses estereótipos não p o d e m resistir sequer a u m exame super-
ficial. Assim, por exemplo, Rudolf Carnap expressa uma convicção geral,
afirmando que a passagem de Aristóteles a Galileu corresponderia à passa-
1
gem do Ü priori para o experimental (CARNAP, 1 9 8 6 = 1 9 6 6 , p. 2 4 4 ) .
Contrariamente a isso, diante dos platônicos, Aristóteles sempre de-
fendeu ser "insensato confiar no m e r o pensar" (Fís. IV 1 0 8 a 1 4 - 1 5 ) ,
sendo que a participação apriórica no pensamento da física matemática
sempre foi muito significativa.
Em seu trabalho sobre Galileu, Klaus Fischer mostra c o m o o plato-
nismo levou Galileu a intuir e considerar seus princípios c o m o necessa-
riamente aprióricos, por m e i o do que a referência experimental, em caso
extremo, acabou suspensa (FISCHER, 1 9 8 3 , p. 5 3 ) . C o m o foi demonstrado
n o ponto 3 . 3 , o platonismo constitui uma metafísica muito difundida
c o m o pano de fundo da física moderna. E por isso que os físicos moder-
nos são muito mais propensos a especulações aprióricas do que os aris-
totélicos, que estavam muito mais ligados à experiência. Assim, também
Einstein afirma que " o princípio verdadeiramente criativo encontra-se na
matemática. Num certo sentido considero verdadeira a possibilidade de o
pensador puro apreender o real no m o d o c o m o o sonharam os antigos"
(EINSTEIN, 1 9 5 3 , p. 153).

Ao contrário, dificilmente existe uma filosofia que satisfaça à realida-


de c o m o a aristotélica. A diferença está e m que sua relação experimental
não vem definida por aparelhos de medida, e e m que a linguagem prefe-
rida não é a matemática, motivo pelo qual Bernulf Kanitscheider objeta

Natureza como correlato do técnico-prático 139

9 1 1 1
a Aristóteles que "ele não ousou idealizar na direção correta, c o m o o fez
mais tarde Galileu" (KANrrscHHDER, 1 9 9 1 , p. 6 9 ) .
A questão, porém, é saber se aqui existe uma direção "correta" e
uma direção "falsa". Se a posição N a t r e 8 / p l u j é verdadeira, p o d e m ser le-
gitimadas diversas perspectivas e m relação à natureza, entre as quais a
perspectiva aristotélica poderia ser urna alternativa absolutamente plau-
sível. Na vigencia da historia, q u e m obstruiu nossa mirada para essa
alternativa foi, portanto, Galileu. Em seu livro Aristotles System of the Physical
World, Friedrich Solmsen faz referência à Físico IV 2 1 5 a 31 ss (a relação
entre densidade da matéria e tempo decorrido) e chama a atenção para
a falsa relação entre "significado periférico" dessa teoria n o sistema de
Aristóteles e o "posicionamento central" n o sistema de Galileu; chama
a atenção t a m b é m para o fato de que Galileu chega ao ponto de criar
u m critério para a validade de todo o sistema aristotélico a partir da
correção dessa teoria periférica (SOLMSEN, 1 9 6 0 , p. 1 3 8 ) . Quanto, e m
seus diálogos, Galileu se afasta de Aristóteles pode ser esboçado e m dois
importantes âmbitos, a saber, o problema da idealização matemática e o
problema do movimento.
N o Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo, Salviati ( = Galileu) fo-
menta experimentos idealizados de pensamento, a fim de que a natureza
possa ter validade para a linguagem da matemática: "Pois eu quero abs-
trair de toda imperfeição e quero adotar a matéria c o m o idealmente per-
feita e c o m o imutável..." (GALILEI, 1 9 8 7 I = ' 1 6 3 2 , p. 2 3 6 - 2 3 7 ; p. 3 3 0 ) .
O adversário de Salviati, o aristotélico Simplício, em n e n h u m lugar
objeta aqui, o que ele deveria ter feito enquanto aristotélico, a saber, que
propriamente a natureza sempre se encontra aderida aos acidentes da
matéria (Met. A 9 9 5 a 1 4 - 1 6 ) . N e m aqui n e m e m n e n h u m outro lugar
apresenta argumentos substanciais para fundamentar sua posição, isto é,
ele é "simples" também n o sentido não-intencional, na medida e m que
não estava e m condições de expor a posição de Aristóteles de maneira
correta. É o que se mostra inclusive na discussão a respeito do conceito
de movimento. Galileu/Salviati concebe o movimento n o sentido de uma
movimentação de lugar neutra. Sobre isso, Simplício não mostra, c o m o
deveria, que segundo Aristóteles também "a modificação é expressa de di-
versos m o d o s " (Fís.V 2 2 7 b 3 - 4 ) , significa que o conceito de movimento
é análogo. Salviati chega partilhar o parecer de seu adversário, segundo o
qual " m o v i m e n t o " e "repouso" seriam propriedades da natureza tão i m -
portantes "que se poderia até m e s m o definir a natureza por m e i o delas"
(GALILO, 1 9 8 7 I = ' 1 6 3 2 , p. 2 2 6 ) . Agora, todavia, essas determinações

140 Introdução à Filosofia da Natureza


voltam a ser consideradas c o m o grandezas de medida neutras dentro de
um sistema matemático de coordenadas. C o m isso, o conceito aristotélico
de movimento foi desvirtuado e invertido. Agora não é mais a "Natureza
o c o m e ç o fundamental de modificações" (f) d>úoiç àpxr) Tfjç Kivrpaòç)
(Fís. VII 2 5 3 b 5 - 6 ) . A natureza já não atua espontaneamente a partir de
si: os globos c o m os quais Galileu faz experimentos são colocados em re-
pouso ou e m movimento a partir de fora. Eles não têm nenhum princípio de
espontaneidade, nenhuma ápxf| tf)ç Kivf)aetoç e m si, e por isso tampou-
co buscam seu "lugar natural", por m e i o do que desaparecem também
as diferenças entre movimento c o m e contra a natureza. Em Galileu, a
natureza não tem mais nenhuma tendência imanente, final, contra a qual
poderíamos nos portar. Tudo é e atua c o m o natureza.
Galileu não só substitui o conceito de KÍvrpiç, pelo conceito de m o -
vimentação de lugar neutro, articulado de m o d o totalmente diferente;
ele também chama a atenção para o fato de que, em seus diálogos, os
princípios especificamente aristotélicos — que serão explicitados mais
de perto logo abaixo — desaparecem por completo; são princípios c o m o
as contraposições entre ôúvaLuç e évépy€ia, (púoiç e téxvn, as "causas es-
táticas" eíôoç e uopcpr), as "causas dinâmicas" TÒ KÍvr\aav e TÒ ou eveica
etc. Galileu está falando n o fundo de uma "natureza" completamente di-
ferente. Ele definiu o conceito de natureza de maneira nova e, c o m isso,
muitos conceitos tradicionais acabaram simplesmente perdidos. Outros
foram modificados. Em todo caso, a "física" galilaica e a aristotélica não
podem ser comparadas de m o d o direto.
Se a física moderna compreende a natureza c o m o correlato da razão
teórica, Aristóteles observava-a c o m o u m metafísico voltado para o es-
sencial. Sua metafísica continua acentuando o ser diante do devir, c o m o
faz no fundo toda filosofia antiga. Todavia, n o âmbito da natureza, ele
viu, diferentemente de Platão, que o devir e a contingência desempe-
nhavam u m papel importante, e que era dever da ciência conceituá-los.
C o m isso, acontecia o m e s m o que c o m a esfera da ação, do político, que,
enquanto u m lugar do que se modifica pela história, do contingente,
igualmente não suportava a agudez, a precisão, a imutabilidade da m e -
tafísica, mas tampouco da matemática (EN 1 0 9 4 b 2 3 ) . M e s m o que nos
escritos éticos e políticos de Aristóteles a metafísica quase não desem-
penhe n e n h u m papel, ele procurou, todavia, conectar estreitamente sua
filosofia da natureza à metafísica.
No que se segue, muitas vezes contra a intenção do autor, lê-se a
filosofia da natureza de Aristóteles c o m o u m prolongamento de nossas

Natureza como correlato do técnico-prático 141

ÍBIC
relações prático-técnicas c o m a natureza, pois foi o que ele de fato pre-
tendeu, e é o que a torna ainda atual nos nossos dias.
Contrariamente a isso, a maioria dos exegetas de Aristóteles inter-
preta sua filosofia da natureza c o m o uma antecipação da física moderna
ou da biologia e c o m isso chega freqüentemente a avaliações negativas.
Muitos desses, por exemplo, identificam o conceito aristotélico de teleo-
logía c o m o conceito m o d e r n o da "teleonomia" e supõem que, c o m seu
conceito de formas, Aristóteles teria e m mente o que nós compreende-
m o s hoje por "DNA" (assim, por exemplo, Ingrid Craemer-Ruegenberg
[ 1 9 8 0 , p. 4 7 ] , Ingemar Düring [ 1 9 6 6 , p. 5 4 3 ] , Hans Wagner [ 1 9 8 0 , p.
2 4 8 ] , Hellmut Flashar [ 1 9 8 3 , p. 4 1 1 ] , Wolfgang Kullmann [ 1 9 7 4 , p. 2 9 8 ]
e muitos outros).
Se Aristóteles tivesse intencionado algo c o m o a ciência moderna da
natureza, então teria trabalhado realmente c o m recursos totalmente precá-
rios. Se a "forma" aristotélica é o lugar-tenente do DNA, então no fundo
nada explica, pois Aristóteles pode dizer sempre apenas que, submetida a
condições favoráveis, irá reproduzir-se de maneira idêntica, por meio do
que nada de novo experimentamos. Na verdade, o ponto de vista moderno
é totalmente estranho a Aristóteles. S e observa o físico, e não o fisical, pen-
sa ideologicamente e não nomologicamente, qualitativamente e não quan-
titativamente, ele pensa em substâncias e não em relações, em termos de
"forma" e "matéria" e não nos termos de "força" e "material" (Stoff) etc.
Se compreendermos a filosofia da natureza de Aristóteles a partir da
praxis, ou melhor, a partir da poiesis, então nos livraremos do i n c ô m o d o
problema de precisar atribuir validade a sua metafísica, algo difícil de ser
justificado hoje. Segundo Hilary Putnam, a convicção de que o €Íôoç já
estaria fixado às coisas antes m e s m o que alguém o reconheça representa
o mais grave problema que uma recepção moderna de Aristóteles en-
contraria pelo caminho (PUTNAM, 1 9 9 4 , p. 7 8 ) . Esse problema se resolve
por si m e s m o quando interpretamos sua filosofia da natureza não c o m o
prolongamento de uma metafísica essencialista do ser, mas c o m o con-
figuração de nossa relação prático-técnica c o m a natureza, uma relação
que se modifica historicamente. Que os princípios aristotélicos devem
sua o r i g e m inteiramente a essa esfera, isso é evidente por si m e s m o . A
representação aristotélica de causalidade, o que mais tarde foi chamado
de "teoria das quatro causas", é a estilização de nossa intervenção o p e -
rativa na natureza. C o m seu plano, o operário se aproxima do material
e trabalha-o c o m vistas ao fim a ser realizado. Daí, as "causas internas",
assim chamadas mais tarde, que são a causa formalis e a causa materialis, e

142 Introdução à Filosofia da Natureza


as "causas externas", que são a causa eficiens e causa finalis. Também a ten-
são potência-ato (ôúvaLuç-évépYeia), que serve de base ao devir, se deve
à experiencia do produzir e m vista de u m fim. A maioria dos autores
modernos acredita que essa rede, interdependente de conceitos prático-
técnicos, não pode ser transposta para a natureza (assim, p. ex., Úrsula
W O L F , 1 9 7 9 , p. 65).

Aristóteles, ao contrario, diz de maneira lapidar: r) léx^n LULietTCU


ir\v tbúoty ("a técnica imita a natureza" [Fís. 1 9 4 a 2 1 - 2 2 ] ) . Hans Wag-
ner explicitou essa passagem compreendendo que ali Aristóteles estaria
yT
propondo u m paralelo estrutural entre còúmç e iéx l (WAGNER, 1 9 8 0 ,
p. 2 3 9 ) . Em seu comentário sobre essa passagem, Wagner expressa uma
convicção bastante generalizada ao chamar o paralelo entre cbúoiç e téxvn
de "bastante suspeito". O m e s m o se dá c o m H. G. Zekl e m seu comentá-
rio sobre a Física (WAGNER, 1 9 8 9 , p. 4 5 6 ; ZEKL, 1 9 8 7 , 1 , p. 2 5 1 ) .
Mas, se lemos essas passagens criteriosamente por meio da experiên-
cia da biônica, da informática ou da técnica da artificial-life, então elas per-
dem sua aparência estranha: "se, por exemplo, uma casa pertencesse aos
objetos da natureza, então ela surgiria precisamente c o m o surge agora,
produzida pela habilidade artesanal; se, ao contrário, as coisas da natureza
não surgissem apenas da situação natural, mas também de intervenções
artificiosas, então elas surgiriam precisamente c o m o são compostas pela
natureza (Fís. II 1 9 9 a 1 2 - 1 5 ) .
De fato, nos últimos vinte anos o paralelo entre tbúcaç e téxvn, tem
ganhado significação de m o d o constante. U m exame mais detalhado irá
mostrar que m e s m o outras idéias aristotélicas, conjugadas c o m esse pa-
ralelo, sempre foram e sempre serão esclarecedoras Nisso, irá mostrar-se
novamente que essas idéias, c o m o são defendidas por Aristóteles, não
criam adversidade c o m o que se desenvolveu na modernidade sob o
n o m e de "física".
Aristóteles quase não conhecia n e n h u m nexo que correspondes-
se ao que na física moderna designamos por "lei". É por isso t a m b é m
que sua teoria não está e m condições de antever efeitos, mas trabalha
apenas reconstruindo, c o m o a ciência historiográfica de hoje e amplos
setores da biologia. A física moderna antecipa, Aristóteles reconstrói. As
leis fisicais modernas fornecem condições suficientes para o condicionado;
nexos teleológicos ao contrário fornecem apenas condições necessárias.
Em relação às leis da natureza conhecidas apenas de forma rudimentar,
Aristóteles expressa a contraposição entre o aspecto teleológico e o n o -
m o l ó g i c o do seguinte m o d o :

Natureza como correlato do técnico-prático 143

l l l l
Por que é que isso acontece por u m lado diante de nossos olhos,
por que é que, por e x e m p l o , água e ar formam u m tal curso circular que
necessariamente só chove quando se formam nuvens e necessariamente
só se formam nuvens q u a n d o choveu, enquanto, por outro lado, h o m e n s
e animais não retornam a si m e s m o s n u m curso circular, de tal m o d o que
surja sempre de novo o m e s m o ? Pois não é necessário que tu estejas pre-
sente, quando teu pai está presente, mas apenas quando tu estás presente
é preciso que aquele tenha estado presente (GC 3 3 8 b 7 - 1 2 ) .
A evaporação da água pode ser prognosticada, mas não que deverá
surgir u m ser vivo de outro. Em vez disso, n o âmbito do devir substan-
cial, interpretado teleologicamente, só p o d e m ser presumidas condições
necessárias, que precisam ser preenchidas para que se torne possível
aquilo que deveio. (Essa diferença entre processos cíclicos, prognosti-
cáveis, e processos t e l e o l ó g i c o s , somente reproduzíveis, n o sentido de
condições suficientes e necessárias, encontra-se muito b e m exposta e m
Gerhard SEEL, 1 9 8 2 , p. 3 6 7 ; e correspondentemente t a m b é m em Úrsula
WOLF, 1979, p. 9 1 , 117).

Na teoria analítica da ciência, muitas vezes a previsibilidade é vista


c o m o u m critério necessário para se determinar a cientificidade, de tal
m o d o que uma teoria q u e nada prevê tampouco é considerada teoria.
Na história, todavia, não só factualmente quase não temos condições de
prever alguma coisa, c o m o não se é muito a favor de que ela seja domina-
da por normatividades rígidas, que atuam sempre do m e s m o modo. D o
contrário, nesse ínterim deveríamos ter encontrado pelo menos algumas
dessas normatividades. Mas t a m b é m a natureza tem sua história. Se nela
as mutações não-orientadas desempenham u m papel importante, então a
opinião da maioria dos b i ó l o g o s deve ser correta, a saber, que não p o d e -
m o s prever o decurso c o n c r e t o da evolução. Isso significaria que t a m b é m
a biologia não poderia ser u m a ciência, se considerada sob o critério da
previsibilidade. É preciso, portanto, modificar esse critério.
Também o ato da formulação técnica não é previsível pelas leis da
natureza. Se aceitarmos o paralelo entre (búoiç e tix^u. então transfere-se
o caráter contingente dessa formulação para a natureza. O que nós neces-
sitamos dentro desses quadros é, portanto, uma "lógica da contingência".
Mas tal lógica não é fornecida pela ciência da natureza, visto a direção de
seu empuxo ser b e m diversa. A física e filósofa Brigitte Falkenburg caracte-
rizou o objetivo da física moderna c o m o uma "redução de contingência"
(FALKENBURG, 1 9 9 4 , p. 8 5 ) . Correspondentemente, poderíamos dizer que o
objetivo da "física" de Aristóteles seria uma "reflexão sobre contingência".

144 Introdução à Filosofia da Natureza


N o que diz respeito à teleologia, é universalmente aceito que ela gera
u m a forma específica da "necessidade hipotética" (ávávKn èÇ úrroSéoecoç),
que se distingue fundamentalmente de toda e qualquer "necessidade de
causa mecânica". David Ross expressa essa diferença do seguinte m o d o :
It is not that B must be because A has been but that A must be becouse B is to be (Ross,
1 9 5 3 , p. 7 9 ) .
Anselm Müller conecta esse último c o m a semelhante figura de pen-
samento do "silogismo prático", mostrando c o m o , para Aristóteles, essa é
central não só no âmbito da ação, mas também n o da natureza, na medida
e m que também na filosofia da natureza muitas explicitações têm a forma
de u m silogismo prático. Müller formaliza isso da seguinte forma:

Fazer A é u m c a m i n h o para realizar B


B deve ser realizado por C
A deve ser feito por C

Tal silogismo práüco encontra-se muitas vezes também explicita-


m e n t e nos escritos de Aristóteles sobre ciência natural. Assim, por e x e m -
plo, e m De motu anim. 7 0 0 b 4ss, ele reduz os movimentos dos animais
explicitamente a tal silogismo prático. Mais à frente Müller refere c o m
justiça que Aristóteles verte sua própria física muitas vezes artificiosamen-
te para a forma de silogismos epistêmicos, a fim de suspender o caráter
hipotético, contingente, do âmbito prático para a filosofia da natureza.
Na verdade, as coisas se passam de tal m o d o que podemos sempre rea-
lizar determinada finalidade por meios completamente diferentes. Nesse
contexto, mostra Müller que, c o m reformulações artificiosas, Aristóteles
procurou minimizar a contingência mútua que há entre meios e finalida-
des a fim de torná-los epistemicamente compulsórios, isto é, logicamente
compulsórios (MÜLLER, 1 9 8 2 , p. 4 4 , 1 3 1 , 1 6 4 ) .
Em si, nos nexos da ação, não só se pode empregar qualquer m e i o
para finalidades totalmente diversas, mas também qualquer finalidade
pode ser realizada por meios totalmente diversos — uma relação many-
to-many conhecida a partir da teoria da ação. Também aqui se mostra que
Aristóteles até reconhece o contingente, mas de m o d o renitente. Na Física
ele admite de m o d o totalmente fora da realidade que a u m outro eíôoç
deve corresponder u m a outra ÜÀT| (FÍS. II 1 9 4 b 9 ) . Ou então e m sua ética
ele supõe na maioria das vezes que o m o d o de realizar a determinação de
u m fim não admite alternativas, ou que, no m í n i m o , se deve admitir uma
possibilidade de realização c o m o a melhor, o que igualmente já está su-

Natureza como correlato do técnico-prático 145


perado de há muito (Ét. Nic. 1 1 1 2 b 16ss). Por outro lado, existem outras
passagens e m que Aristóteles admite a relação many-to-many n o âmbito dos
meios e finalidades (Met. H 1 0 4 4 a 2 5 s s ) .
Que muitas vezes ele queira extingui-la, se dá pelo fato de querer es-
tilizar sua teoria na direção de uma univocidade empírica e de conclusões
epistêmicas compulsórias, a fim de acoplá-la a sua metafísica das formas
essenciais imutáveis.
Todavia, no pensar teleológico não pode haver univocidade. É o que
se vai confirmar n o p r ó x i m o parágrafo, que trata da cibernética. Também
ali há o problema da "realizabilidade múltipla". Deveríamos admitir sem
constrangimento: o pensamento teleológico vem agravado pela contin-
gência principiai de u m a ligação conceituai e por uma inalienável pluri-
vocidade de significados da relação experimental, c o m o se sabe inclusive
a partir de teorias modernas da ação; é o caso, por exemplo, do conceito
de uma "ação sob uma descrição" (DAVIDSON, 1 9 9 0 ) , conceito que e x -
pressa o fato de que não pode haver critérios empíricos unívocos para o
sentido de ações. A partir daí, pode-se compreender que físicos modernos
a partir de Galileu tenham deixado de lado as causas finais. Se buscamos
uma teoria precisa, matematizada, é preciso que renunciemos a elas. To-
davia, e m tal teoria já não se pode alcançar uma validade adequada para a
relação prática do h o m e m c o m a natureza.
O que é então uma "necessidade hipotética", isso vem explicitado
por Aristóteles n o exemplo simples de u m a serra: "Por que é que a ser-
ra é desse ou daquele m o d o ? A fim de ser precisamente isso e para que
possa servir a sua finalidade. Ora, essa finalidade pode não ser alcançada
se ela não é de ferro. Portanto, é necessário que seja de ferro se quiser ser
u m a serra e se quiser cumprir sua função. Isso significa: A necessidade
é, portanto, simplesmente condicionada, mas não é necessidade de uma
finalidade, pois ela é u m m o m e n t o n o material, enquanto a finalidade é
u m m o m e n t o n o conceito da coisa correspondente" (Fís. 2 0 0 a 7 - 1 5 ) .
Aqui fica claro o conceito de uma "lógica da contingência": aquilo
que determina formalmente o processo, por seu lado, não é necessário,
mas colocação imposta (Setzung), que poderia também não ocorrer. Con-
tra a pretensão de Aristóteles, o processo é contingente t a m b é m no seu
aspecto material: de m o d o algum, é correto afirmar que a serra deve ser
formada necessariamente de ferro, mas qualquer outro material resistente
pode servir também.
Apesar disso, fica a possibilidade de deduzir a negação do condicio-
nado a partir da negação da condição material, ou julgar post festum o pro-

146 Introdução à Filosofia da Natureza


cesso c o m o significativo n o caso de obter êxito. É certo que não se pode
produzir uma serra de água, todavia há objetos pequenos que podem
muito b e m ser serrados também c o m uma lima de diamante. Por último,
e m alguns contextos, seria possível julgar c o m o absolutamente plausível
o motivo por que Friedrich Kaulbach, e m tais casos, fala de "necessidade
de sentido", que ele distingue de uma necessidade que atuasse da maneira
causal-mecânica (KAULBACH, 1 9 8 6 , p. 7 6 ) .
Ademais, que se tenham muito poucas razões para taxar o conceito de
"necessidade de sentido", apesar de soar ultrapassado, c o m o u m aristo-
telismo cultural-conservador, isso fica claro n o fato de reaparecer factual-
mente e m contextos que estão acima da suspeita de serem devidos a tais
motivações provindas de fora da filosofia.
Assim, por exemplo, e m seu livro Protophysik, Peter Janich fala sobre a
"Poiesis" c o m o u m "lugar da 'necessidade' de conseqüências seriadas deter-
minadas", que se instauram pelo fato de a finalidade da medição impor
uma determinada ordenação metódica aos meios que servem para sua
realização. Essa não é a ordenação de efeitos previsíveis, mas a recons-
trução de u m estabelecimento de finalidades contingentes e m relação a
seus meios (JANICH, 1 9 9 9 , p. 1 1 5 ) . Isso era precisamente o que Aristóteles
tinha e m mente c o m sua "necessidade hipotética", e Kaulbach, c o m sua
"necessidade de sentido".
Aristóteles transpôs esse conceito da "necessidade hipotética" para a
natureza, delimitando-o e m relação ao conceito da necessidade que atua
"mecanicamente", nos moldes c o m o é asseverado pela física moderna.
Se pudermos dizer assim, ele considera, portanto, a natureza u m nexo
histórico e de sentido, cujo c o m e ç o pode ser concluído do final, mais o u
m e n o s c o m o a Coruja de Minerva hegeliana só c o m e ç a seu vôo quando
rompe o anoitecer.
Iluminados pela finalidade, que só pode ser vista n o final, podemos
julgar o c o m e ç o c o m o tendo sentido, c o m o que " c o m p r e e n d e m o s " natu-
reza n o sentido da contraposição — mencionada n o c o m e ç o do segundo
capítulo — entre "esclarecer e "compreender", c o m o é o caso e m G. H.
V. Wright o u e m K. O. Apel. A partir da concepção aristotélica de causali-
dade, a não-previsibilidade do futuro depreende-se já sempre do fato de
que, para essa concepção, a diferença temporal entre causa e efeito n ã o
desempenha função alguma. Causa e efeito devem ser simultâneos, o que
não é aceito na concepção moderna de causalidade.
Foram Hans Wagner e Wolfgang Wieland que pesquisaram o concei-
to aristotélico de causalidade. Wagner retrata esse conceito nas ciências

Natureza como correlato do técnico-prático 147

1 1 iI
modernas dos materiais, onde propriamente ele não ocorre (WAGNER,
1 9 8 0 , p. 2 4 6 s s ) . Wieland observa criticamente que "Aristóteles pergunta
por princípios, e quiçá de tal m o d o que sempre parte de coisas, pergunta-
do pelos seus princípios, mas jamais procura construir uma coisa a partir
de princípios dados" (WIELAND, 1 9 7 2 , p. 2 2 9 s s ) .
Mas quando lemos esse conceito de causalidade a partir da técnica
ele continua sempre atual, pois na formulação técnica os princípios devem
ser simultâneos c o m os principiados. O objetivo, por exemplo, deve for-
necer o processo inteiro, do contrário sai do controle — o m e s m o vale
para a causa material (cf. MUTSCHLER, 1 9 9 4 ) .
Em Aristóteles, a forma (|iopcbr]) tem a propriedade decisiva de ser
emergente diante da matéria, mas também de não poder existir sem ela.
Essa propriedade da "relação-forma-matéria" não vem ligada a uma técnica
de manejo superada, mas se reproduz inclusive e m produtos industriais
modernos. Foi o que se mostrou n o ponto 4 . 2 , no exemplo do plano fisi-
cal, sintático e teleológico-semântico no computador. Sem uma plugagem
fisical não há sintaxe e nenhuma execução de algoritmos. Todavia, embora
essa execução aconteça absolutamente segundo leis fisicais, não está con-
tido nelas analiticamente. A mesma dialética se reproduz na relação entre
o plano funcional e o plano pragmático-semántico. Em nenhum cálculo
matemático se pode ver para que finalidade ele poderia servir.
Essa relação contingente serve genericamente para todas as finalida-
des técnicas. Se, por exemplo, não soubéssemos para que serve uma lâmpada
incandescente, jamais poderíamos adivinhar sua finalidade puramente a
partir de sua estrutura fisical. E, visto que nas lâmpadas incandescentes
o percentual de energia transformada e m calor é b e m maior do que o
percentual transformado e m luz, se desconhecêssemos sua finalidade ten-
deríamos a considerá-las aquecedores elétricos, cujo fornecimento de luz
tomaríamos c o m o acidental. (A contingência do aspecto técnico diante
do fisical vem exposta mais de perto no ponto 4 . 6 . )
A forma é, portanto, emergente diante da matéria. Em Aristóteles,
por outro lado, a matéria não é a "coisa em si", c o m o gostam de supor
os materialistas modernos. Esses partem do pressuposto de que n o mun-
do ocorre, em si, u m a "coisa" digna de nota, chamada "matéria", c o m
propriedades definidas fisicalmente, que depois, de repente, gerariam n o
h o m e m algo assim c o m o "espírito" o u também a ilusão do "espírito".
Todavia, n o ponto 3.4 mostrou-se que não p o d e m o s definir uma
"matéria" assim compreendida a partir da física moderna, mas que c o -
nhecemos a "matéria" sempre c o m o correlato de forma, a saber, correlato

148 Introdução à Filosofia da Natureza


de forma técnica. É esse, e m princípio, o conceito aristotélico, a saber,
que "matéria" não é "coisa e m si", sendo, por isso, não u m predicado
primário, mas u m predicado secundário. Segundo isso, u m A só pode
ser matéria e m relação c o m B , sendo que B faz as vezes de uma forma.
Significa: "matéria" e "forma" são conceitos reflexivos c o m o " m e i o " e
"finalidade", "unidade" e multiplicidade" etc. E, assim c o m o numa certa
perspectiva alguma coisa pode ser m e i o e, e m outra, finalidade, assim
também algo pode ser forma numa perspectiva e matéria numa outra. To-
davia, c o m o existem também finalidades que não são mais meios, c o m o
por exemplo normas éticas, e há meios que já não podem ser finalidades,
c o m o por exemplo movimentos corpóreos (basic actions), t a m b é m a dia-
lética da relação-forma-matéria tem u m limite muito claro tanto "para
c i m a " quando "para b a i x o " . Heinz Happ descreveu a hierarquia aristoté-
lica correspondente do seguinte m o d o :

s
Alma F
4
Corpos todos F = M 5

3
Anhomoiomere F = M 4

2 3
Homoiomere F = M
1
Elementos F = M 2

1
Prima matéria M

Esse esquema torna compreensível t a m b é m por que para Aristóteles


a exclusão do regressus in infinitum era u m princípio filosófico evidente. Essas
relações entre forma e matéria, pensadas de forma teleológica, exigem
u m limite nítido. Também aqui se evidencia claramente a diferença para
c o m o pensamento moderno: ali existe o atual-infinito na teoria da mul-
tiplicidade, a "indução plena" c o m o princípio demonstrativo, isso signi-
fica, justo ao contrário, a inclusão do regressus in infinitum.
O fato de já não reconhecermos a forma específica da hierarquia
aristotélica não muda e m nada n o princípio da relação lógica entre forma
e matéria, a qual independe do conceito de " h o m o i o m e r e " , " a n h o m o i o -
m e r e " , dos quatro elementos etc. O esquema "matéria-forma" continua
sempre sendo útil para descrever a natureza, sobretudo porque m a n t é m
o equilíbrio entre as posições monistas e dualistas, pelo que pode ser
recomendado propriamente também para o debate entre corpo e alma e
entre cérebro e espírito.
Se a forma é emergente diante da matéria, a matéria está " e m p o -
tência" em relação à forma. Essa teoria aristotélica da õúvctLiiç c o m o uma

Natureza como correlato do técnico-prático 149

1 1 1 1
modalidade-de-re' acabou sendo questionada por muitos filósofos depois
que W v. O. Quine polemizou contra " o pântano de possibilidades irrea-
lizadas" (QUINE, 1 9 8 0 , p. 4 2 4 ) . Todavia, ela depende do conceito de fina-
lidade, e quem por exemplo adota a forma c o m o unidade da finalidade
deve aceitar t a m b é m àquela.
N o trabalho de Úrsula Wolf sobre "possibilidade e necessidade e m
Aristóteles h o j e " vem reportada uma concepção muito c o m u m sobre esse
tema. W o l f mostra nesse trabalho que o conceito ontológico (portanto,
o conceito de-re) de possibilidade é central para Aristóteles, mas que ele
conhece t a m b é m o conceito proposicional (de-dicto). Depois ela des-
m e m b r a o significado desses diversos conceitos de possibilidade. Em re-
lação à discussão moderna, ela reporta-se sobretudo à filosofia analítica
e constata que ali o conceito de possibilidade não desempenha papel al-
gum, onde tem vantagem o conceito proposicional. Por isso, também seu
trabalho se d e c o m p õ e e m duas partes rasas. Na primeira parte, histórica,
encontra-se em primeiro plano o conceito ontológico de ÕLWLUÇ; na se-
gunda parte, sistemática, esse conceito já não tem função alguma. Ali só
se fala ainda sobre as modalidades-de-dicto. C o m o foi dito, Wolf recusa-se
a empregar o paradigma técnico na natureza (WOLF, 1 9 7 9 ) .
Mas, se não for para evitar o paradigma técnico, então será imperativo
rediscutir também o conceito ontológico de õúvoqiiç sob uma perspectiva
sistemática. A polêmica quiniana não se atém a esse campo. As "possibili-
dades irrealizadas" servem propriamente nesse campo c o m o claros crité-
rios de identidade. O engenheiro sabe qual a qualidade específica de deter-
minado material, que o torna apropriado para determinadas finalidades. É
justamente isso que o distingue do físico teórico. Esse calcula as qualidades
do material. Todavia, saber a que possibilidades de configuração técnica se
pode referir esse material, isso só pode ser visto à luz de uma finalidade,
o que m e s m o assim está referido às qualidades dos materiais a serem de-
monstradas objetivamente. Água não é uma possível serra.
Por toda parte onde vemos condições materiais de constituição à luz
de uma finalidade, nós as consideramos possibilidades-de-re, direciona-
das a essa finalidade. Para citar uma testemunha insuspeita dessa dialética:
lirnsi Tugendhat, que leva seu princípio de economia metafísica muitas
vi-/vs ao extremo, argumenta contra a concepção segundo a qual os fetos
humanos não devem ser colocados n o m e s m o nível que os animais, o b -
servando que o feto humano encontra-se num "processo teleológico", e

1. Modalldad»- da coisa ela mesma, em contraposição à modalidade-de-dicto. (N.d.T.)

Introdução à Filosofia da Natureza


por isso é absolutamente plausível "caracterizar o possível já c o m o real, n o
nosso caso: c o m o h o m e m " (TUGENDHAT, in: KREBS, 1 9 9 7 , lOOss).
Esse é claramente o conceito ontológico de possibilidade, emprega-
do à natureza. Depende visivelmente da suposição de uma estruturação
real-teleológica do processo c o m o u m todo. Também na discussão dos
"clones terapêuticos", m e s m o q u e m defende a "dignidade do e m b r i ã o "
precisa fazer uso do conceito ontológico de possibilidade.
Infelizmente, não se costuma mais referir as modalidades-de-re à
natureza. Há muitos autores, todavia, que consideram pelo m e n o s a pra-
xis histórica sob esse aspecto. Assim, por exemplo, Arthur Danto, e m sua
i4nalytischen Philosophie der Geschichte (Filosofia analítica da história), fez uma
distinção entre práxis histórica e acontecimentos naturais passíveis de
serem descritos por leis, e numa referência direta a Aristóteles (sobretu-
do referindo-se ao De interpretatione) deu nova legitimidade às categorias
ontológicas da possibilidade para os acontecimentos históricos (DANTO,
1 9 8 0 , p. 1 5 7 , 3 0 2 s s ) .
Do m e s m o m o d o distingue Paul Lorenzen "modalidades teoréticas"
e "práticas". Às primeiras estaria referida a lógica modal, mas também
a física, na medida e m que "ela reconhece certas leis do decurso c o m o
'comprovadas'". De "modalidades teoréticas" poderíamos falar também
em relação ao cálculo de probabilidade, o qual serve para quantificar o
conceito de possibilidade. "Modalidades práticas", ao contrário, seriam
usadas "quando está e m questão nossa ação, nossa capacidade de agir",
portanto processos que só podem ser instaurados pela nossa intervenção
ativa.Também Lorenzen coloca explicitamente essas "modalidades práti-
cas" n o contexto da filosofia aristotélica, a qual, dentro dessa perspectiva,
teríamos negligenciado injustamente. Todavia, o significado das moda-
lidades práticas não residiria e m "ser a ocasião para novos cálculos l ó -
g i c o s " . Tampouco se poderiam "quantificar" possibilidades práticas, por
exemplo, c o m o se faz c o m "probabilidades" (LORENZEN, 1 9 8 7 , p. 107ss,
2 9 1 ) . É a partir daí que Lorenzen distingue entre "história da natureza"
e "história da cultura", a qual e m contraposição c o m a primeira não pos-
sui "força prognóstica", mas "reformatória". Por isso, também ele não
taxa essas interpretações c o m o negativas (LORENZEN, 1 9 8 5 , p. 1 5 2 ) .
Enquanto construtivista, Lorenzen não refere essas interpretações
à natureza, a qual, c o m o foi mostrado n o c o m e ç o do segundo capítulo,
continua sendo ontologicamente subdeterminada pelos construtivistas.
Se não fizermos também nós essa restrição, então não haverá motivos
para se reservar o conceito de ôúvauiç somente à história e não referi-lo
também à natureza.

Natureza como correlato do técnlco-prático 151

lüll
Matéria c o m o ôúvaLuç designa então o m o m e n t o na indeterminida-
de, relativo a uma forma, que ela poderia receber. Essa passagem (KÍvncaç)
da indeterminidade para a determinidade tem e m si algo da paradoxia
do devir c o m o de uma passagem do nada para o ser e m si. O que pode
ser descrito de forma clara é propriamente só o que deveio, que tem o ser
c o m o forma. E por isso que na física moderna existem apenas passagens
de estados determinados para outros estados determinados. O problema
aristotélico da KÍvrioiç. de m o d o algum aparece ali, o que se deve já à pró-
pria formulação matemática. Funções matemáticas ligam entre si sempre
somente estados determinados. Não foi portanto por falta de formação que
Aristóteles recusou-se a empregar a matemática na KÍvnaiç: "dos obje-
tos da matemática, n e n h u m deles se m o v e " (MA 6 9 8 a 2 7 ) . Fala-se hoje
na teoria da ciência de "atemporalidade" dos objetos matemáticos. Mas
para apreender o devir concreto Aristóteles se viu forçado a renunciar à
matemática. Por isso, não foi por acaso que Werner Heisenberg, ali onde
viu fracassar a matemática dentro da teoria quântica, a saber, na redu-
ção da função de ondas, procurou reintroduzir o conceito aristotélico de
õúvauiç. Que sua interpretação em geral não tenha sido aceita, deve-se ao
fato de que ele a introduziu não c o m o filosofia especulativa da natureza,
mas c o m o "apreensão quantitativa do velho conceito de ÔÚVOCLUÇ OU " p o -
tência" na filosofia de Aristóteles, e assim novamente c o m o um conceito
de dentro da física (HEISENBERG, 1 9 5 9 , p. 2 5 ) .

Podemos contar seguramente que todos esses conceitos aristotélicos


recobrarão significado no futuro. Quando biólogos c o m o S. J . Gould ou
Ernst Mayr extraem e destacam o caráter historicamente contingente da
evolução e assim dão mais valor a reconstruções do que a antecipações
(GOULD, 1 9 9 4 ; MAYR, 1 9 9 1 ) ; quando na biologia social o h o m e m não vem
interpretado a partir da natureza, mas também na direção inversa (WICKLER/
SEIBT, 1 9 9 1 ) , então é de se perguntar se no futuro não vamos lançar mão
de figuras do pensamento c o m o estas de Aristóteles, uma vez que o ca-
m i n h o que vai da natureza ao h o m e m jamais poderá ser uma via de m ã o
única, mas porque nós precisamos sempre de novo contrabalançar essa
relação direcionando nossa reflexão na direção oposta. O discurso que
fala de "gene egoísta" só pode ser compreendido, por exemplo, sob esse
pressuposto (DAWKINS, 1 9 7 8 ) .
Matéria c o m o ÕÚMXLUÇ, c o m o foi mostrado, é o fundamento positivo
que dá possibilidade à forma. Mas é também seu empecilho. Essa expe-
riência é feita por qualquer artesão ao lidar c o m o material: ele é impediti-
vo. N o ponto 3 . 4 foi mostrado que nós fazemos essa experiência t a m b é m

152 Introdução à Filosofia da Natureza


hoje, mas que por causa da ampliação das possibilidades de utilização da
matemática acabou ficando à margem de nosso interesse. M e s m o assim,
é possível esperar que essa impeditividade da matéria diante da forma, já
exposta por Aristóteles, sua "incalculabilidade", possa ser vista c o m mais
clareza n o futuro também por nós, visto que de u m lado por causa de
nossas intervenções cada vez mais profundas na natureza, ao repousarem
justo nessa impeditividade, c o m e ç a m a ocorrer inevitáveis catástrofes e
cada vez mais graves; por outro lado, c o m as novas descobertas feitas na
teoria do caos, a calculabilidade da matéria própria da física matemática
mostrou ser muito mais limitada do que pensávamos. As conseqüências
disso tudo são que já agora — c o m propensão para aumentar no futuro —
a não-"antecipabilidade" da matéria começa a ganhar u m peso cada vez
mais firme diante de sua calculabilidade.
A não-"antecipabilidade" encontra-se também na espontaneidade,
c o m o vem caracterizado o ente natural, segundo Aristóteles. Segundo ele,
a diferença entre produtos naturais e artefatos repousa precisamente no
fato de os primeiros terem " e m si m e s m o s u m c o m e ç o de mudança e de
consistência" (àpx*] KLvrjoeax; « a i otáoetoç), e no artefato, ao contrário,
o "princípio de sua produção" estar n u m outro, no artesão. Produtos na-
turais seriam, por exemplo, animais, plantas, mas também terra, fogo, ar
e água; artefatos seriam, por exemplo, uma capa ou u m manto. O produto
natural, e m todo caso, precisaria ser u m "objeto a u t ô n o m o " , isto é, uma
substância (Fís. II 1 9 2 b 8ss).
A partir daqui, a concepção de Rehmann/Sutter, mencionada n o
ponto 1.4.3, parece ser muito estreita, uma vez que é evidente que o
ponto de vista da téxvn desempenha uma função decisiva e m Aristóteles.
Por outro lado, isso era mais fácil para ele porque ainda não conhecia
as formas da técnica moderna, que se voltavam contra a natureza. Reh-
mann-Sutter separa tão nitidamente seu conceito de entelequia de toda e
qualquer forma de causalidade poiética porque tem diante dos olhos os
fenômenos modernos da reificação. Mas, c o m o mostraram as reflexões
sobre a biônica, existe também uma "técnica da natureza" que age intrin-
secamente, que depende diretamente do princípio de espontaneidade,
reivindicado c o m justiça por Rehmann-Sutter.
Segundo Hans Wagner, naquela passagem da Física I I 1 9 2 b 8ss, KÍvrpiç
significa "processualidade", numa compreensão mais generalizada possí-
vel; não significa, portanto, apenas mudanças qualitativas, quantitativas e
espaciais, mas também o surgir e o perecer (muitas vezes chamados tam-
bém de u.etct&oA.n,). Kíuncuç seria um "princípio de processualidade auto-

Natureza como correlato do técnico-prático 153

I l l l
condicionado": "Produtos da natureza não só têm a possibilidade de entrar
em processualidade a partir de si mesmos, mas podem igualmente retornar
à estagnação: o animal pode levantar-se novamente e novamente se deitar"
(WAGNER, 1 9 8 9 , p. 446-447).

Não é por acaso que Wagner explicita o m o m e n t o da espontaneida-


de, que se encontra no conceito de KÍvnpLç, precisamente no exemplo da
capacidade de os animais moverem-se. Aristóteles c o n h e c e a natureza a
partir do vivente, não a partir de movimentos mecânicos, calculáveis. O
técnico para ele é, portanto, apenas u m determinado aspecto no vivente,
cujo núcleo é constituído pela espontaneidade. Em sua metafísica ele faz
referência etimológica da palavra (púoiç extraindo-a de cpútoGaL = "cres-
cer" (Met. D 1 0 1 4 b 1 6 ) . Não foi sem razão que se chegou a falar de uma
"visão de m u n d o biológica" de Aristóteles (DORING, 1 9 6 6 , p. 2 3 1 ) .
Visto que os animais dispõem de espontaneidade, existe também
algo que pode opor-se a sua busca. Se pensamos tudo na natureza se-
gundo esse modelo, então existem "movimentos a favor" e "movimentos
contra a natureza" (rapa e Kctià rpúoiu, Fís. 1 9 2 b 3 5 ) . Se referirmos esse
m o d o de conceber também a processos anorgânicos, então ele perderá
bastante sua força de expressão, chegando a contradizer-se diante da ex-
periência. A essa altura, Aristóteles se vê obrigado a afirmar que os corpos
pesados, c o m o pedras, por exemplo, buscam seu "lugar natural", a saber,
o mais fundo possível, mas não c o m o que cai passivamente mas c o m o
que busca ativamente, e que essa busca do lugar mais profundo possível
é iniciada pela própria pedra, se é que ela também traz em si o àpxn,
Kivúpetuç (o m e s m o se dá c o m o fogo para c i m a ) . Ora, esses processos
são muito mais fáceis de descrever sem categorias de finalidade do que
c o m elas. E esse o motivo, também, por que Aristóteles não encontra
n e n h u m indício na experiência para a ápxr| Kiufjoecoç nas pedras ou no
fogo (Fís. 2 5 5 a l s s ) .
Todavia, c o m o é costume hoje, se renunciarmos completamente a
conceitos c o m o "espontaneidade" e "finalidade", m e s m o n o campo dos
viventes, suspendendo c o m isso a diferença entre movimentos naturais e
movimentos contra a natureza, não se poderá por exemplo preencher c o m
conteúdo o conceito de uma "criação de animais de acordo c o m a espé-
c i e " , n e m sequer o conceito de u m "vivente capaz de sofrer", pois quem
não tem interesse tampouco pode sofrer n e m sequer ser criado menos
de acordo c o m a espécie. Isto significa que, se rechaçarmos de princípio o
conceito de "movimento conforme a natureza" ou "contra a natureza" (e
isso não só para a ciência fisical), então nos fixaremos n u m ponto de vista

154 Introdução à Filosofia da Natureza


rigidamente antropocêntrico n o campo da ética ecológica, ponto de vista
u m tanto contra-intuitivo (cf. capítulo 5 ) .
A ironia dessa questão centra-se justamente no fato de que são quase
sempre os que menos compreendem de física moderna os que a identifi-
cam c o m a física de Aristóteles, e vice-versa.
Num volume sobre a física de Aristóteles, publicado por Lindsay
Judson, Edward Hussey parte do pressuposto de que Aristóteles teria de-
senvolvido uma física matemática n o sentido de Newton. O resultado de
suas investigações diz o seguinte: "The aim has been to show that Aristotle did
deliberately formúlate mathematical 'laws' of physics which were based firmly on observed
facts" (HUSSEY, in: JUDSON, 1 9 9 1 , p. 2 4 2 ) . É SÓ quando, c o m esforço, coloca
fora de ação o âmbito próprio, a saber, o sublunar, que Hussey encontra
uma sombra de leis formuladas matematicamente e m Aristóteles. Contra-
riamente a isso, o físico e filósofo Theodor Leiber sublinha c o m justiça
que a física de Aristóteles seria "fundamentalmente diferente da física
galilaica", e em relação a essa última seu significado estaria referido "aos
nexos de sentido e de significado", c o m o uma "alternativa complementar"
aos "princípios sempre reducionistas da ciência matemática da natureza e
de concepções da teoria dos sistemas". A limitação aristotélica das preten-
sões da matemática e m seu emprego na natureza, considerada e m relação
aos novos modos de ver provindos da teoria fisicalista do caos, seria "an-
tes uma força de sua filosofia da natureza": "Aristóteles talvez tenha sido
o primeiro pensador a chamar a atenção para a diferença entre o processo
ôntico da natureza e a matemática c o m o esquema de descrição formal"
(LEIBER, 1 9 9 3 , p. 6 0 - 6 1 , 371).

4.5 A cibernética

Computadores fazem parte da classe dos sistemas cibernéticos. Por isso,


os problemas filosóficos fundamentais que foram elaborados nos pontos
4.2 e 4.3 e m relação ao computador ou à técnica-artificial-life, que vem
referida ao seu emprego, têm sua origem nas propriedades fundamentais
de sistemas cibernéticos, que aqui devem ser expostos numa explicitação
carregada de importância.
Que o curso da investigação tenha sido interrompido por u m ex-
curso sobre Aristóteles, deve-se ao fato de que muitas propriedades da
filosofia da natureza de Aristóteles são reencontradas surpreendentemente
na cibernética.

Natureza como correlato do técnico-prátlco 155

IMil
Todavia, desde o seu surgimento na cibernética, viu-se uma possibi-
lidade de reconduzir a finalidade a causas que atuam mecanicamente ou
pelo menos de neutralizar seu conceito de tal m o d o que ela não depende-
ria de recursos metafísicos ou de uma relação constitutiva à intencionali-
dade. Em relação a u m a "finalidade" assim compreendida e formalmente
explicitada, será indiferente se for empregada n o âmbito da natureza ou
da técnica. Por isso, tampouco levaria a transpor a estrutura da natureza
para a técnica ou vice-versa, isto é, tornaria supérfluos todos os conceitos
aristotélicos mencionados n o ponto 4 . 4 .
O conceito de " c i b e r n é t i c a " foi formulado por Norbert W i e n e r de
acordo c o m a palavra grega KuflepvnTriç. = " t i m o n e i r o " , e designava pro-
cessos de auto-regulação, que se desenvolveriam segundo o m o d e l o de
u m timoneiro, que m a n t é m o curso de u m navio quando esse é desviado
de sua rota por causa de influxos do seu entorno. A "neutralização o n t o -
lógica" desse processo real-teleológico deveria produzir-se de tal m o d o
na cibernética que a correção que passa do valor-é para o valor-deve
apresentar-se-ia c o m o u m a grandeza situacional passível de ser descrita
matematicamente, e essa grandeza seria estabelecida pelos condiciona-
mentos iniciais correspondentes. Por isso, A. M. Ljapunow designa " o
procedimento fundamental da cibernética" c o m o "a descrição algorít-
m i c a do processo de funcionamento do sistema de regulação" (segundo
ROTHMEYER, 1 9 8 8 , p. 19).

Wolfgang Stegmüfler — cuja interpretação da cibernética deverá ser


tratada mais de perto a seguir — faz parte de uma corrente tradicional de
autores c o m o Norbert Wiener, R. B. Braithwaite ou Ernest Nagel, que l e -
varam avante a discussão de uma "nova" forma de teleología, a saber, u m a
forma matematicamente neutralizada. Stegmüller trata desse problema n o
capítulo oitavo de sua Teoria da ciência, e m conexão c o m a "análise funcio-
nal" e os processos auto-reguladores (STEGMÜLLER, 1 9 8 3 / 1 , p. 6 3 9 s s ) . E,
visto que seu intento de substituir finalidade pela via da cibernética foi
muito influente, é preciso ser explicitado aqui de m o d o exemplar e de-
pois submetido à crítica.
Em seu sentido próprio, "análise funcional" não trata de "funções"
c o m o na matemática, mas refere-se a "funções" que possuem uma certa
propriedade para uma totalidade, isto é, não se trata aqui de uma mera rela-
ção de dependência c o m o na matemática, mas de u m n e x o de relevância.
C o m o exemplos para essas "funções", Stegmüller toma do âmbito
da biologia: leucócitos, que têm a função de proteger o organismo de
microorganismos invasores; c o m o borboletas, que têm figuras coloridas

156 Introdução à Filosofia da Natureza


na superfície superior de suas asas, para afastar predadores. Em tais ca-
sos, a ocorrência de tal marca é explicada pela sua "função" (STEGMÜILER,
1 9 8 3 / 1 , p. 6 7 9 - 6 8 0 ) .
Tecnicamente, essas funções podem ser realizadas por auto-regula-
dores. C o m o uma das primeiras realizações desse gênero, pode-se citar
o regulador de velocidade de rotação da força centrífuga de James Watts
em sua máquina a vapor, a qual recompõe u m determinado valor setado
(Sollwert) da velocidade de rotação. Segundo Stegmüiler, "análises funcio-
nais" podem ser igualmente empregadas de maneira fecunda também
na biologia, psicologia, sociologia, antropologia etc. Em todos esses âm-
bitos deve ser possível, por m e i o dessas análises, substituir a linguagem
teleológica por uma não-teleológica e explicitar processos aparentemente
voltados a u m fim por leis a-finalistas. O objetivo da análise funcional
seria demonstrar a causa finolis c o m o u m caso especial da causa efficiens. E,
visto que já é possível agora simular processos de vida e de consciência
c o m o auxílio de auto-reguladores, não há motivos para não prevermos
que algum dia seja possível reconduzir todas essas potencialidades "supe-
riores" a mecanismos fisicais: "A tarefa da pesquisa, também aqui, deverá
ser a de ir tateando através do estudo das relações funcionais até chegar
ao ponto e m que se possa ultrapassar o pensar e falar em funções e escla-
recer os processos que interessam a alguém segundo o esquema de leis"
(STEGMÜLLER, 1 9 8 3 / 1 , p. 705).

Todavia, a problemática de tal procedimento se impõe sob uma du-


pla perspectiva: por u m lado, pode-se mostrar que a análise funcional não
faz desaparecer realmente o conceito de finalidade, mas que o transfere
para u m metanível. Em segundo lugar, mostra-se que a reconstrução l ó -
gica de conceitos funcionais rompe c o m todas as representações de fim
que, e m sua auto-avaliação, a teoria da ciência, de linguagem formal,
retira de maneira tão proveitosa da filosofia tradicional, mas sobretudo
da "metafísica": conceitos fundamentais aguçados, precisão das deduções
lógicas, a possibilidade de explicitações e prognoses, a continência de leis
da natureza etc. (Essas são as exigências mínimas que Stegmüller impõe a
toda e qualquer ciência [STEGMÜLLER, 1 9 7 4 / 1 1 , / 1 , p. 3 7 3 ] . )
Isso tudo, supondo-se, por u m a vez que seja — for the sake of argu-
ment — , que o programa cibernético seja executado completamente. O
conjunto dos processos da vida e da consciência a nós conhecidas te-
riam se tornado passíveis de ser simulados pelas máquinas cibernéticas,
as quais se servem exclusivamente de leis fisicais claramente transparentes
e de nexos sistemáticos descritíveis pela matemática; m e s m o assim, isso

Natureza como correlato do técnico-prático 157


não seria u m argumento a favor do fisicalismo. A pressuposição de que
uma simulação que deu certo seria igualmente uma explicitação não é
correta. Ninguém acredita que a simulação de u m a sinfonia de Beethoven
em um CD-player explicite essa sinfonia. C o m o a simulação técnica de
processos da vida por máquinas cibernéticas não pode ser uma explicita-
ção, também aquela não o pode ser. Por isso, e m muitos âmbitos c o m o ,
por exemplo, na ecologia científica, as simulações feitas pelo computador
não são reconhecidas c o m o explicitações (REMMERT, 1 9 8 9 , p. 3 2 7 ) .
O problema é que as explicitações funcionais estão referidas a es-
truturas concretas, mas as reconstruções cibernéticas referem-se apenas
a relações-input-output, isto é, à atuação dessas estruturas. Mas entre essas
duas grandezas não existe uma correlação unívoca. Poderíamos até m o s -
trar que existem organizações funcionais cuja estrutura não pode ser
reconstruída, de princípio, dentro de u m n ú m e r o finito de passos a par-
tir das relações-input-output. N o âmbito biológico, não estão e m questão
apenas m o d o s de relação, mas justamente t a m b é m a ordenação somática
das estruturas. A análise cibernética fracassa, portanto, lá onde as condi-
ções materiais de realização são decisivas, visto que ela deve seu alto
grau de universalidade justo ao fato de abstrair dessas condições de rea-
lização. (E claro que a indiferença entre o nível funcional diante do fisi-
cal, mencionada n o ponto 4 . 2 , não passa de u m caso específico do c o n -
texto aqui mencionado.)
Acrescente-se a isso que, m e s m o que fosse possível reconstruir es-
truturas a partir de relações-input-output, uma reprodução cibernética e
estruturalmente fiel de u m ser vivo reproduziria meramente a estrutura
que se formou lácticamente na história da evolução. Se concebêssemos o sen-
tido de explicitações c o m o dedução de leis da natureza, então u m ser vivo
não teria sido explicado m e s m o que houvesse sido reconstruído átomo
por átomo c o m o máquina cibernética, visto que também nesse caso não
teríamos feito outra coisa do que aquilo que faz o CD-player c o m a sin-
fonia de Beethoven, a saber, reproduzir uma configuração que se tornou
assim na história, que tomamos simplesmente c o m o dada. (Cf. a crítica a
essas reproduções: Urlich Kuu, Turgeszenz, Hydraulik, Information und das Maschi-
nenkonzept in der Biologie [Kuu, in: MAIER/ZOGLAUER, 1 9 9 4 , p. 1 9 9 - 2 1 2 ] . )

Aqui se esconde u m problema filosófico fundamental. Muitos autores


falam indistintamente de "explicitações nomológicas", possibilitadas pela
física ou pela cibernética. Mas, em ambos os casos, o conceito do " n o m o -
lógico" possui u m significado completamente diferente. A física formula
suas leis fundamentais a-historicamente, de tal m o d o a terem a mesma

158 Introdução à Filosofia da Natureza


validade e m qualquer lugar temporal ou espacial. As normatividades des-
critas pela cibernética só têm validade local e epocal, c o m o , por exemplo,
as leis da produção artística ou as do Estado. Repousam, portanto, sobre
uma base histórica, que não vem co-esclarecida por sua lógica imanente.
Se por exemplo tivéssemos decifrado as leis elementares da elaboração dos
sinais no cérebro humano c o m base no paradigma computacional, nem
por isso saberíamos por que toda maquinaria poderia surgir e por que dar
preferência justamente a essa forma de normatividade. Se a cibernética
devesse oferecer "explicitações", então c o m certeza não deveriam ser do
m e s m o m o d o que as da física. Esse problema é ignorado por autores c o m o
Holm Tetens, que acredita que uma explicação neuro-cibernética do h o -
m e m seria igual àquela fornecida pela física (TETENS, 1 9 9 4 ) .
Em relação a auto-reguladores, Stegmüller diz que "aqui se deve
manter afastada a consideração de finalidades; o que tem relevância são
apenas as estruturas do sistema e certas leis da natureza" (STEGMÜLLER,
1 9 8 3 / 1 , p. 7 0 3 - 7 0 4 ) .
O problema está na estrutura desses sistemas, que não p o d e m ser
deduzidos das leis naturais neles atuantes e do fato de que, para a cons-
trução e / o u constituição desses sistemas, é preciso lançar m ã o daquele
conceito de finalidade que deve ser eliminado c o m justamente a aju-
da daquelas. Por isso, as máquinas cibernéticas são consideradas pelos
m e m b r o s da escola de "Erlangen" c o m o configurações real-teleológicas.
Assim, por exemplo, fala Peter Janich: "Se, a partir da comunicação hu-
mana, não soubéssemos o que são finalidades da ação, n o m u n d o não
haveria nenhuma máquina que persegue u m fim e c o m isso n e n h u m
m e i o de esclarecer os desempenhos de organismos por modelos técni-
c o s " (JANICH, 1 9 9 2 , p. 149).

A constituição de sistemas, no sentido da análise funcional, tem ainda


por dificuldade o fato de que esses sistemas não " o c o r r e m " pura e sim-
plesmente. Também sistemas fisicais não ocorrem pura e simplesmente,
mas são preparados n o experimento, e todavia sua separação do resto do
m u n d o não costuma criar grandes dificuldades, n e m sequer na teoria
quântica. E verdade que existem físicos, c o m o David B o h m ou Hans Pri-
mas, que afirmam que o único objeto legítimo da teoria quântica seria
o universo c o m o u m todo, isto é, que a teoria quântica não incluiria a
inseparabilidade de entidades individuais; todavia, não se vê c o m o seria
possível, sob esse pressuposto, sequer calcular os estados elementares de
energia de u m simples átomo material da água (BOHM, 1 9 8 5 ; PRIMAS, in:
KANITSCHEIDER, 1 9 8 4 , p. 2 4 3 s s ) .

Natureza como correlato do técnico-prático 159


Quando u m sistema fisical é isolado, via de regra, torna-se passível
de ser descrito por u m número apreensível de parâmetros c o m o "massa",
"energia", "rotação" o u "força de c a m p o " , parâmetros dos quais nin-
guém duvida serem essenciais para o sistema. Não é sem razão que se fala
de "parâmetros ocultos" apenas e m certas interpretações u m tanto afasta-
das da teoria quântica, c o m o se dá justamente e m David B o h m . A maioria
dos físicos não crê, n o entanto, nesses "parâmetros ocultos", enquanto na
cibernética isso é a regra.
Na análise funcional, na maior parte das vezes os sistemas só p o d e m
ser separados no pensamento, por isso designam um objeto totalmente di-
ferente, conforme se estabelecem os limites dos sistemas, sem que esses
limites de algum m o d o sejam dados previamente "pela natureza". Muitas
vezes, quando se vai determinar o limite, entram e m ação pontos de vista
valorativos, o que é o caso a fortiori na escolha de relevantes parâmetros
de sistemas, que, e m contraposição aos sistemas fisicais, são muitas vezes
tão numerosos que se fazem necessários critérios de escolha apropriados.
Mas o que jamais ocorre nos sistemas fisicalistas e sempre ocorre nos
cibernéticos é o fato de que certas grandezas cibernéticas precisam ser
pensadas c o m o tendo também uma determinação axiológica se quiserem
desempenhar sua função específica.Todas essas diferenças tornam impos-
sível reproduzir sistemas cibernéticos c o m o sendo puramente fisicais.
Stegmüller define caracteristicamente o conceito de sistema não de
m o d o explícito. Ele apresenta exemplos paradigmáticos c o m o "organis-
m o s , mas também partes passíveis de serem destacadas desses, c o m o c o -
ração, pulmão, rins; sistemas artificiais, c o m o por exemplo u m avião, que
voa sem piloto; e finalmente também organismos sociais e e c o n ô m i c o s "
(STEGMÜLLER, 1 9 8 3 / 1 , p. 710).

Os exemplos mostram que esses "sistemas" só podem ser isolados de


seu "mundo circunstante" sob uma relação constitutiva para c o m pontos
de vista valorativos e de finalidade. Por que é que o avião sem piloto é con-
siderado sistema e não apenas o conjunto dos aparatos de pilotagem ou o
avião e o monitoramento do rádio, sem os quais não "funcionariam"? Esses
limites do sistema são arbitrários. Para estabelecê-los pressupõem-se pontos
de vista valorativos, pois de acordo c o m o interesse o teórico do sistema
prevê u m objeto totalmente diferente. Por isso, muitos teóricos do siste-
ma consideram que o recurso a finalidades é constitutivo para o conceito
cibernético de sistema (assim, por exemplo, W. R. ASHBY, 1 9 7 4 , p. 6 8 ) . Se
concebermos as coisas desse modo, então a cibernética já não poderá servir
para afastar do mundo a finalidade.

160 Introdução à Filosofia da Natureza


Até o presente, todavia, ainda não se tocou na questão de saber se to-
dos os sistemas p o d e m ser descritos suficientemente c o m o relações-input-
output, quando essas relações são reproduzidas n u m referencial de condi-
ções rígidas, matemáticas. Tal procedimento não implica, por exemplo, o
behaviorismo, isto é, uma psicologia ultrapassada? Ainda mais grave é o
fato de que, c o m o admite o próprio Stegmüller, para a finalidade da aná-
lise funcional se faz necessário o conceito do funcionamento "adequado"
ou "normal", portanto "critérios precisos de normalidade" ou "standards
de normalidade", nos quais naturalmente vêm implícitas determinadas
representações de valor. Todavia, não se explica c o m precisão donde pro-
vêm essas representações de valor. Stegmüller postula que essas represen-
tações deveriam ser "determinadas propriamente nos quadros de toda e
qualquer pesquisa, à base de critérios empíricos objetivos (STEGMÜLLER,
1 9 8 3 / 1 , p. 6 8 3 , 6 9 6 ) .

E evidente, porém, que esse tipo de "objetividade" não pode ser


aquela que caracteriza os sistemas cibernéticos c o m o objetos passíveis de
serem descritos matematicamente. Nesse ponto, Ashby pressupõe "que
ponderações provindas de fora já teriam fixado o que deve ser o objetivo,
isto é, quais são as condições desejadas" (ASHBY, 1 9 7 4 , p. 3 1 7 ) .
Isso significa que as condições não são apenas parâmetros aleatórios,
determinados numericamente, dentro de u m cálculo, mas representam
igualmente valores a ser postulados, dependendo assim indiscutivelmen-
te de contextos finalistas.
O problema que surge aqui é b e m conhecido por causa do debate a
respeito da diferença entre ciências sociais e ciências da natureza. Segun-
do K. O. Apel, nas ciências da natureza existem condições de linguagem e
de comunicação apenas n o lado do sujeito (isto é, no nível constitutivo);
na ciência social, ao contrário, haveria uma "dupla mediação lingüística na cons-
tituição dos dados", visto que "os próprios objetos cognitivos são processos
lingüísticos e de comunicação (ou produtos ou derivados desses proces-
sos)" (APEL, 1 9 7 6 , p. 3 7 ; cf. t a m b é m HABERMAS 1 9 8 1 / 1 , p. 1 5 9 ) .

Esse nexo não atinge apenas a constituição de sistemas sociais, mas


também os da natureza, quando interpretados cibernéticamente. Se, por
exemplo, o curso do sangue de u m mamífero e a manutenção da tem-
peratura por ele possibilitada forem considerados "sistemas", n o sentido
da análise funcional, sendo explicitados c o m o auxílio de processos auto-
regulatórios, então essa explicação do estado setado a ser conservado aca-
ba figurando como norma. Ao contrário, o fato de que se possam descrever
perfeitamente esses auto-reguladores por "séries não-teleológicas de es-

Natureza como correlato do técnico-prático 161

«¡jas
clarecimento" não representa uma objeção a isso (STEGMÜLLER, 1 9 8 3 / 1 , p.
7 2 7 ) , pois essa descrição abstrai da diferença entre auto-reguladores c o m
sentido e sem sentido.
Se suspendermos essa diferença, correremos o risco de que tudo se
transforme e m auto-regulador, pois, uma vez que no universo tudo está
coligado c o m tudo, todas as coisas repercutem sua ação também sobre si
mesmas, suposto que se escolham correspondentemente apenas os limites
do sistema. Por exemplo, toda pedra forma c o m a terra u m sistema gra-
vitacional de efeitos mútuos, c o m feedback negativo (quanto mais alta for
lançada, c o m tanto mais velocidade retornará). Quando houver "falhas"
(no lançar a pedra para o alto), a pedra voltará a reger o "valor setado" de
energia de potência minimal ( e m sua queda alcança tão profundo quanto
p o d e ) . E visto que n o todo do universo tudo gravita, segundo essa repre-
sentação, restariam no m u n d o então só e absolutamente auto-reguladores.
Essa dificuldade corresponde a uma dificuldade que se tornou c o -
nhecida a partir da teoria de sistema de Ludwig Bertalanffy. Baseada na
concepção bastante formal do conceito de fim, sua teoria de sistema le-
vou a que, de m o d o adicional, também n o âmbito anorgânico nada mais
houvesse que não pudesse ser julgado c o m o "adequado à finalidade" no
sentido formal restrito. Todavia, c o m esse instrumentário não mais se po-
deria compreender o que é específico dos viventes.
E só quando estabelecemos uma diferença entre processos auto-re-
guladores c o m sentido e sem sentido que esse conceito não se degenera
em mera tautologia. Mas então o telos se m a n t é m oculto nessa distinção.
De fato, tomamos também auto-reguladores " c o m sentido", c o m o o re-
gulador da força centrífuga de uma máquina a vapor, para "explicitar"
processos de auto-regulação na natureza. Mas, nesse caso, esses "escla-
recimentos" acabam desembocando inversamente numa teleologização
da natureza. Quando se fala de uma "neutralidade ontológica" da ci-
bernética, isso só vale para os condicionamentos internos, que podem
ser descritos pela matemática. Todavia, quando se refletem também os
condicionamentos de seu emprego concreto, então essa "neutralidade" é
suspensa. Nesse contexto, Eve-Marie Engels fala de u m "caso semântico
da cibernética" (ENGELS, 1 9 8 2 , p. 5 1 ) .

Ademais, é significativo que a simulação de nexos finais na ciber-


nética, visto que ela se torna perceptível essencialmente na estrutura dos
aparelhos correspondentes, reproduz exatamente aquelas propriedades
que se queria evitar no fisicalismo e que eram expostas o tempo todo
em contraposição a concepções clássicas de finalidade; são propriedades

162 Introdução à Filosofia da Natureza


c o m o vacuidade e plurivocidade dos conceitos fundamentais, falta de ve-
rificabilidade empírica, a impossibilidade de fazer previsões, de formular
leis rigorosas etc.
Segundo Stegmüller, de início são os "conceitos-chave da análise
funcional...", que, quando comparados c o m a precisão dos conceitos
físico-matemáticos, "apresentam sempre u m espaço de j o g o de vacui-
dade maior ou m e n o r " . Depois, para todas as funções analíticas existem
os chamados "equivalentes funcionais", o que na linguagem teleológica
nada mais significa que uma indiferenciação entre m e i o e finalidade. Essa
indiferenciação minimiza quase totalmente o valor de predição das aná-
lises funcionais. Se J é a marca de u m sistema que garante a realização de
um valor setado, então só se pode predizer que: "se o sistema S funcionar
adequadamente n o tempo t..., então n o tempo t terá se realizado uma
das marcas a partir de J e m S". Significa que só podemos "predizer" ainda
que, havendo u m funcionamento adequado, se houver alguma falha, o
circuito regulador restabelecerá o valor setado correspondente, de u m
m o d o ou de outro (STEGMÜLLER, 1 9 8 3 / 1 , p. 6 8 9 , 7 0 1 s s ) . Mas, c o m isso,
nada de novo experimentamos, pois é por m e i o dessa propriedade que se
define o circuito regulador.
Foi por esse motivo que teóricos da ciência c o m o Ernest Nagel ou
C. G. Hempel contestaram profundamente a relevância explicitadora das
análises funcionais. Mas o problema parece residir e m que as análises
funcionais fazem parte de u m nexo de discussões que não é o de fornecer
explicitações nomológicas; isso porque aquilo pelo que se pergunta em
seus nexos contextuais não é a indicação de condições suficientes para
o surgimento de uma marca J, que garante a realização de determinado
valor setado, mas pela relevância de J para o sistema S. Quando se pergunta
pela função de uma marca, não se está querendo saber o que condicio-
na suas propriedades, mas que significado possui para o sistema c o m o um
todo. Explicitações funcionais não estabelecem, portanto, u m a relação
temporal do antes ou depois. Também aqui correspondem ao conceito
tradicional das causas finais.
Segundo Stegmüller, explicitações são ex-post-facto "pseudo-explicita-
cões". Segundo ele, retrodicções só podem ser'consideradas explicitações
se podem ser transformadas e m previsões na variação de condições prag-
máticas. Nesse sentido, a teoria da evolução na biologia não seria uma
teoria realmente científica, visto fornecer apenas reconstruções, que não
permitem ser transformadas e m previsões. C o m o argumentação, Steg-
müller apresenta o "princípio dos diversos modos de solução" de pro-

Natureza como correlato do técnico-prático 163


blemas de adaptação, que ele compara c o m o princípio das "alternativas
funcionais" (STEGMÜLLER, 1 9 8 3 / 1 , p. 1 4 9 , p. 4 0 4 , p. 4 1 9 , p. 6 8 9 ) .

Mas nesse caso a falta de u m caráter científico na teoria da evolu-


ção — visto que apenas reconstrói — se transpõe para a própria análise
funcional, da qual o próprio Stegmüller admite e m outra passagem que,
para o aparecimento de certas marcas, ela só poderia indicar condições
necessárias e jamais condições suficientes (STEGMÜLLER, 1 9 8 9 / 1 , p. 4 6 0 ) .
Todavia, também essa costumava ser uma das objeções paradigmá-
ticas usadas contra a tradicional teleología da natureza. Se for lida apenas
n o sentido de uma finalidade "aberta", portanto não-determinante, então
só permitirá fazer reconstruções e indicar meras condições necessárias.
Todavia, se essas propriedades forem u m sinal de falta de cientificidade,
então isso deveria valer inclusive para a cibernética.
A possibilidade de indicar sempre alternativas funcionais para todas
as marcas dos sistemas, as quais garantem u m valor setado, reduz natu-
ralmente também a verificabilidade empírica e a univocidade das análises
funcionais. E verdade que na biologia parte-se do pressuposto de que,
num organismo, forma e função são internamente co-dependentes, mas
que não podem ser limitadas a uma relação unívoca, visto que cada es-
trutura pode apresentar empuxos funcionais totalmente diferentes. C o m -
plexos estruturais são sempre "suportes de múltiplas funções". Nesse
âmbito, o conceito do "equivalente funcional" constitui uma experiência
irrevogavelmente plurissemântica. A difficulty of múltiple goals, conhecida a
partir da teoria da ação, também se reproduz no âmbito biológico.
Nesse caso, já não se pode ver o motivo por que os argumentos para-
digmáticos contra o conceito clássico de finalidade não devessem atingir
também a transposição cibernética. Seu caráter "metafísico" foi visto, so-
bretudo, no fato de não ser possível indicar nenhum critério de avaliação
empírico que fosse claro ( é a objeção feita comumente por Stegmüller
[ 1 9 8 9 / 1 , p. 6 4 5 , 6 5 5 , 6 7 8 e t c . ] ) .

Mas isso de modo algum reduz o valor das análises cibernéticas. Trata-
se, portanto, aqui apenas de esclarecer seu grau de valor sistemático. Se elas
devem servir — c o m o é o caso em Stegmüller — para tornar supérfluos
conceitos finais difíceis de serem apreendidos, em favor de conceitos passí-
veis de serem realizados operacionalmente, conceitos mais precisos, então
a substituição não poderá obter êxito, visto que a cibernética transfere o
xkkoç, para um metanível, do qual depende e o qual não consegue precisar,
porque a reprodução técnica de nexos finais precisaria reproduzir também
seus espaços de jogo de vacuidade. O ganho cognitivo da cibernética reside

164 Introdução à Filosofia da Natureza


no modo como se podem realizar finalidades técnicas, o que não é pouco, visto
q u e isso não pôde ser deduzido do conceito clássico de finalidade. Por ou-
tro lado, não era essa também sua direção de impacto.
Aqui deveríamos apenas chamar a atenção para o fato de que tam-
bém o contrário disso não pode dar-se: a análise cibernética não substitui
a análise de finalidade. Por isso, em seu emprego na natureza, c o m o acon-
tece toda vez que se lança m ã o de artefatos técnicos c o m o interpretações,
ela acaba desembocando na teleologização, reproduzindo assim proprie-
dades que haviam sido atribuídas negativamente à filosofia da nature-
za aristotélica, tais c o m o não-previsibilidade, mera retrodicção, relação
e m p í r i c a imprecisa, condicionamentos meramente necessários e m vez de
suficientes, ausência de leis invariáveis n o tempo e n o espaço e m regula-
ridades meramente locais etc.
Esse é o preço a ser pago por uma concepção teleológica da natureza
q u e n ã o deveríamos atribuir negativamente a ninguém, e muito menos
a Aristóteles.

4.6 A legalidade do fortuito como conformidade a fins

Para chegar a uma compreensão de natureza que faça sentido, é preciso


levar e m consideração duas coisas: causalidade e finalidade. Mostrou-se
que n ã o faz sentido pressupor uma relação de concorrência aqui, seja por
m e i o da tentativa de reduzir finalidade a causalidade, c o m o fazem m u i -
tos teóricos da ciência analítica, ou, c o m o fizeram por exemplo Peirce e
W h i t e h e a d , tentando sacar e elaborar uma finalidade oculta na idéia de
causalidade própria da modernidade. Também na corrente da neo-esco-
lástica houve tentativas heróicas de demonstrar que a ordenação ontoló-
gica tradicional, prenhe de sentido, seria a base da ordenação nomológica
m o d e r n a ; mas todas essas tentativas levaram a extrapolações arbitrárias da
ciência moderna da natureza (Zeno BUCHER, 1 9 4 6 ; Andrew MELSEN, 1 9 5 4 ;
Hans MEYER, 1 9 5 5 etc.) e assim, hoje, foram todas esquecidas.
Kant tratou separadamente o aspecto n o m o l ó g i c o e o teleológico
em sua filosofia teórica (KRP) e na prática (CRP). Na Crítica do Juízo ( C J ) ,
p r o c u r o u pensar as duas juntas. C o m o não era u m filósofo da identidade,
não se esforça por demonstrar finalidade diretamente nas leis da natureza,
mas intermedeia-a c o m o conceito do "fortuito". Por isso, na CJ ele diz
estar convencido de que "a legalidade do fortuito significa conformidade
afins" ( C J B 3 4 4 ) .

Natureza como correlato do técnico-prátíco 165


O efeito imediato dessa frase é duplamente paradoxal. O fortuito é
definido precisamente c o m o aquilo que não é conforme à lei, e m e s m o
assim a finalidade e o acaso sempre foram considerados alternativas e x -
cludentes. Mas a graça da frase está n o fato de que Kant define o acaso de
m o d o que dependa do contexto, assim c o m o no fato de que ele reconhe-
ce não uma, mas duas formas de "legalidade", uma final e uma causal.
Visto desse m o d o , poderíamos traduzir essa frase também assim: "Aquilo
que é fortuito e m relação à lei causal, quando lido dentro de u m contexto
teleológico, já não é fortuito, mas necessariamente portador de sentido".
Esse é o conceito que Kaulbach dá a "necessidade-de-sentido", o que
foi mencionado no ponto 4 . 4 . Junto c o m esse, é preciso distinguir entre
explicitações teleológicas c o m o interpretações-post-festum e antecipações à
base de leis causais.
O essencial, portanto, é que Kant concebe o acaso c o m o dependente
do contexto. O conceito de "fortuito" é visto hoje, muitas vezes, c o m o
u m predicado primário. Assim, por exemplo, quando dizemos que as
mutações n o acontecer evolutivo seriam "fortuitas". Mas tal juízo não faz
sentido, visto que precisamos indicar em relação a que algo deve ser "for-
tuito". No caso das mutações, as modificações genéticas são "fortuitas"
e m relação aos nexos funcionais nos seres vivos. Se, por exemplo, forem
causados por radiações eletromagnéticas de alta freqüência — a partir de
u m ponto de vista fisical — , poderão ser seguramente uma conseqüência
obrigatória das leis da natureza.
O conceito de fortuito só poderia ser empregado c o m o u m predi-
cado primário se fornecesse a ordenação do m u n d o unitária e passível
de ser reconhecida claramente por nós. O que contradissesse essa orde-
nação seria então "fortuito" em sentido absoluto. Foi desse m o d o que os
aristotélicos definiram o fortuito c o m o negação de conformidade a leis,
visto que partiam de uma ordenação totalmente finalista da natureza e
acreditavam que essa ordenação — reconhecível por nós — perpassaria
tudo. Autores positivistas modernos c o m o Jaques M o n o d ( 1 9 7 9 ) , que
falam a respeito do acaso, supõem tal ordenação unitária e evidente para
nós, compactuando assim muito mais c o m a metafísica do que c o m seu
pretenso positivismo.
Se, agora, c o m Kant, considerarmos tal conceito idealístico ou mate-
rialístico de unidade, então só se poderá definir o acaso em relação a u m
esquema de ordenação que lhe sirva de base, do qual permanece depen-
dente. Então pode sim acontecer que algo seja "fortuito" num contexto
e e m outro contexto seja "necessário" ou vice-versa. "Acaso" e "necessi-

166 Introdução à Filosofia da Natureza


dade" transformam-se então e m conceitos que se espelham c o m o "uni-
dade" e "multiplicidade", "forma" e "matéria", " m e i o " e "fim" etc., que
igualmente conforme o contexto podem significar cada vez algo total-
mente distinto. Visto serem as coisas assim, podemos muito b e m ler c o m
Kant — sem cairmos e m contradição — que os "acasos" definidos n o -
mologicamente, dentro de u m contexto teleológico, podem muito b e m
ser lidos c o m o "necessidades-de-sentido". De fato, no estudo precedente
já foram mencionados muitos exemplos dessa dialética, constantemente
presente na praxis.
As extrapolações vindas da teoria da auto-organização, mencionadas
no ponto 2 . 2 , por exemplo, seguem esse modelo. Na teoria da auto-or-
ganização alojam-se categorias finais, dando preferência às contingências
n o espaço de fases (Phasenraum), nos chamados "pontos de bifurcação".
Em relação a isso, Ilya Prigogine fala muitas vezes que, nesses pontos, a
natureza pode "escolher": " o que determina a história do sistema é essa
mistura de necessidade e acaso" (PRIGOGINE/STENGERS, 1 9 8 1 , p. 1 7 0 ) .
Em seu trabalho concreto, foram muitos os cientistas da natureza
que se espantaram c o m o fato de que no acaso podem estar ocultas mui-
tas perspectivas de sentido; foi o caso de Werner Heisenber: "Contextos
de certa ordem, que nos permitiam empregar a palavra 'sentido', podem
também estar ligados a acontecimentos que sem qualquer razão pode-
riam também ter-se desenrolado de outro m o d o " (HEISENBERG, 1 9 8 9 =
1
1 9 4 2 , p. 9 5 ; u m a idéia parecida pode ser encontrada e m Alfred GIERER,
1988, p. 89).

Ademais, o "princípio antrópico" mencionado n o c o m e ç o deste ca-


pítulo também pertence a esse contexto, pois também aqui se aninham
categorias teleológicas, na contingência de constantes fundamentais, e m
relação a leis fundamentais.
U m outro exemplo importante foi mencionado no c o m e ç o do capí-
tulo, junto c o m Michael Polanyi. Segundo Polanyi, quando considerada
sob a perspectiva fisicalista, a finalidade de artefatos técnicos fica guar-
dada na escolha dos condicionamentos marginais, que são contingentes
em relação às leis fisicais. Esse é u m contexto fundamental que atinge a
todos os artefatos técnicos modernos que se sustentam na compreensão
das leis fisicalistas. É por causa desse contexto, por exemplo, que jamais
deparamos c o m a finalidade própria de u m relógio, que é a de medir o
tempo, por m e i o da análise fisicalista do m e s m o ; por causa disso também
não se pode deduzir a finalidade de uma lâmpada incandescente a partir
de sua estrutura fisical.

Natureza como correlato do técnico-prático 167


No computador, o gerador de acaso funciona muitas vezes c o m o
suporte de "necessidade-de-sentido". É o caso dos programas-artificial-life,
mencionados n o ponto 4 . 3 . Ali eles servem para percorrer c o m rapidez
o espaço de busca na direção de soluções plausíveis de serem executadas.
Em todo computador próprio para xadrez, u m gerador de acaso cuida
para que, e m alternativas de igual relevância, o aparelho n ã o se torne
incapaz de agir, c o m o a mula de Buridam, a partir donde podemos supor
que t a m b é m a mula de Buridam possuía u m tal gerador de acaso n o cére-
bro para não morrer de fome entre os dois maços de feno.
Em Kant, a conformidade a fins ocorre c o m o "normatividade do for-
tuito" n o contexto sistemático de uma mediação entre "natureza e liber-
dade". Nesse contexto, ela se encontraria também e m autores c o m o Ch.
S. Peirce, A. N.Whitehead, Edgar W i n d ouTeilhard de Chardin. Ela desem-
penha uma função central igualmente n o diálogo entre o físico Wolfgang
Pauli e o psicólogo C. G. Jung sobre a relação entre "causalidade" e "sin-
c r o n i c i d a d e " (PEIRCE, 1 9 9 1 = ' 1 8 8 4 , p. 1 2 1 ; WHITEHEAD, 1 9 8 7 = '1929,
p. 1 8 0 ; W I N D , 2 0 0 1 = ' 1 9 3 4 , p. 205SS;TEILHART, 1 9 6 9 , p . 1 0 5 ; JUNG/PAULI,
1 9 5 2 ; cf. t a m b é m ATMANSPACHER, inter alli, 1995).Trata-se, portanto, de u m
contexto fundamental, que valeria a pena colocar n o centro das reflexões
da filosofia da natureza, ao contrário do que acontece atualmente c o m
diversos autores, que, independentemente entre si, simplesmente intro-
duzem esse tema ad hoc.
Se distinguíssemos diversas formas de "acaso" e "necessidade" e as
referirmos mutuamente, muitos nós poderiam ser desemaranhados e ga-
nhar u m a estrutura c o m sentido, coisas que, do contrário, continuam
incompreensíveis.
Há pelo menos dois modos de acaso: u m que se estabelece pela n e -
gação do esquema finalista ( A c a ^ ) e outro q u e nega u m esquema de-
terminado monologicamente ( A c a nom ) . Se caracterizarmos o esquema de
lei negado de m o d o correspondente c o m o lei^ e l e i n o m , c o m a primeira
designando o que acima se c h a m o u de "necessidade-de-sentido", e a úl-
tima, p o r exemplo, as leis da física matemática, então ficará claro q u e
n e m l e i ^ = l e i ^ n e m aca = a c a ^ têm validade.
fin

Lei fin = lei n o m pode ser compreendido novamente n u m duplo sentido.


Ou colocam-se c o m o fim diretamente os resultados da física moderna,
então surgem aquelas sobrecargas e m cima da ciência da natureza m e n -
cionadas n o caso de Peirce, Whitehead o u da neo-escolástica. O u então
reduz-se l e i ^ a l e i n o m , c o m o se procurou fazer na teoria analítica da ciên-
cia. Neste caso surge aquele círculo assinalado n o ponto 4 . 5 e m relação

168 Introdução à Filosofia da Natureza


ao exemplo de Wolfgang Stegmüller, a saber, de que a finalidade é deslo-
cada para u m metanível.
Também a c a ^ = a c a n o m é falso, e isso novamente de duas maneiras.
Assim, por exemplo, o teólogo e b i ó l o g o Paul Erdrich, e m sua m o n o -
grafia sobre o acaso, define a este último c o m o a c a e, até de maneira 6n

b e m escolástica, c o m o aquilo "que, apesar de possuir causas eficientes,


não possui causa final" (ERBRICH, 1 9 8 8 , p. 1 0 0 ) . Desse m o d o ele e m -
prega essa determinação conceituai à teoria m o d e r n a da evolução, isto
é, identifica-a c o m a c a ^ . Mas, visto que, c o m o teólogo, ele está inte-
ressado e m constituir necessidades-de-sentido, vê-se obrigado a m i n i -
mizar artificialmente os acasos n o quadro da evolução, para poder criar
espaço às idéias sobre finalidade. Vê-se obrigado, portanto, a colocar e m
questão a lógica imanente da biologia. Tal raciocínio, beirando o fun-
damentalismo, corresponde paradigmáticamente ao raciocínio que se
espalhou por entre muitos teóricos da evolução, segundo o qual os aca-
sos nas mutações representariam u m a instância contra a conformidade
a fins própria do acontecer. Os acasos que o b i ó l o g o constata na evolu-
ção pertencem, p o r é m , à categoria a c a n o m . Por princípio, não estão e m
condições de negar a finalidade. Se a partir dos acasos que o c o r r e m na
evolução se pudesse concluir sua liberdade e m relação aos fins, t a m b é m
se poderia concluir a partir das equações de Maxwell que u m aparelho
de rádio não cumpre u m a finalidade. U m a vez que fomos nós próprios
que construímos o rádio, sabemos que ele cumpre u m a finalidade. Mas
c o m o , por outro lado, não fomos nós a perfazer a evolução, t a m b é m não
p o d e m o s saber isso ali. A biologia, portanto, tampouco c o m o a física,
não apoia u m teísmo da visão de m u n d o n e m u m materialismo. Toda-
via, c o m o foi mostrado, a equiparação de a c a ^ e a c a n o m acaba levando a
ambas as formas de dogmatismo. D o g m a t i s m o religioso e materialista
correspondem-se especularmente.

Todavia, c o m u m a mudança dos quadros referenciais — o conceito


de acaso é u m conceito reflexo — as restrições a c a ^ = l e i n o m e aca n o m =
lei fin fazem sentido.
A radiação de alta freqüência gerada por u m a mutação, mencionada
acima, era u m exemplo para aca fin = lei n o m . Por m e i o desse n e x o , pode-se
explicar, por exemplo, também u m a característica própria da filosofia
da natureza aristotélica, que irrita muitos intérpretes. Assim, diante da
necessidade-de-sentido ( l e i ^ ) , Aristóteles e até Platão já antes dele c o l o -
cavam tanto a atuação causal-mecânica da matéria quanto seu processo for-
tuito sob o c o n c e i t o c o m u m da ávávYKT). A respeito disso, Heinz Happ

Natureza como correlato do técnico-prático 169


observa que "aquilo que se mostra c o m o difícil, para nós, modernos,
nesse ponto, é equiparar necessidade c o m 'fortuito' e 'irracional'; n o en-
tanto, consideramos o m e c a n i s m o causal na natureza c o m o a quinta-es-
sência de lei e o r d e m " (HAPP, 1 9 7 1 , p. 7 2 0 ) . A aparência de contradição,
porém, só se dá quando atribuímos a Aristóteles o conceito m o d e r n o
de acaso a c a n o m , que ele não conhecia. Esse conceito seria a negação de
lei n o m . Mas lei fin pode ser contraposto, sem mais e ao mesmo tempo, ao aca fin

e lei dentro de u m gênero c o m u m .


nom o

No contexto da filosofia da natureza, o mais importante é a compa-


ração a c a n o m = lei . Ela se esconde sob o dizer de Kant, segundo o qual a
fin

"normatividade do fortuito se chama conformidade a leis". Kant estava


convencido de que essa transição era vinculante. Se u m n e x o da natureza
não pudesse ser explicitado nomologicamente, então, segundo Kant, de-
veria ser interpretado teleologicamente. Mas visto que para nós, contra-
riamente a Kant, as leis da natureza só têm validade hipotética, também
não há u m fundamento a priori para se introduzirem categorias finalistas
lá onde fracassa o esquema das leis. Podemos interpretar a natureza finalis-
ticamente, mas não estamos obrigados a isso. Quem, m e s m o assim, o faz
deve pagar o ônus da demonstração, pois introduzir categorias finalistas,
do ponto de vista metafísico, é sempre mais exigente do que empregar
meras categorias nomológicas. No capítulo seis, abaixo, será preciso apre-
sentar algumas razões por que, às vezes, parece fazer sentido proceder a
uma esferificação (Abrundung) hermenêutico-teleológico de nosso enten-
dimento científico da natureza.
O que foi dito vale naturalmente apenas para uma interpretação pos-
terior da natureza, compreendida já segundo u m esquema fisicalista, na
perspectiva de uma finalidade, c o m o costuma acontecer na teoria do caos
e na teoria da auto-organização.
B e m outra coisa é quando a natureza não é interpretada fisicalistica-
mente, mas segundo o paradigma da técnica, c o m o acontece na biônica,
na informática, ou b e m em geral na cibernética. Nesses contextos, o con-
ceito de finalidade é constitutivo desde o princípio.
Porque esse estado de coisas é relativamente fácil de ser exposto e
visto, o autor deixou de lado uma demonstração argumentativa, que e m
si teria sido plausível, a saber, a tentativa de perseguir as suposições teleo-
lógicas nos próprios fundamentos da biologia.
Ao próprio Darwin já havia sido objetado que seu conceito de "se-
leção natural" era teleológico. Embora tanto ele quanto seus sequazes te-
nham se posto a salvo dessa imprecação, essa jamais se calou. Munidos de

170 Introdução a Filosofia da Natureza


uma boa fundamentação, muitos autores acreditam que o programa e m
curso de substituir teleologia por teleonomia ( = pseudoteleologia), e m
última instância, não pode ser executado na biologia (cf. ENGELS, 1 9 8 2 ) ;
mas na física, ao contrário, pode ser executado.
Uma outra estratégia seria chamar a atenção para as lacunas e x -
plicativas no modelo de explicitação darwiniano, c o m o aparecem, por
exemplo, na transição de genotipos para fenotipos. Assim, por exemplo,
o biólogo Wolfgang Gutmann, que originalmente provém das ciências
da engenharia, rechaçou uma tal lacuna explanatória entre o programa
genético e o fechamento construtivo dos fenotipos, os quais devem estar
arranjados num direcionamento finalista precisamente c o m o uma m á -
quina, se quiser funcionar (GUTMANN, 1 9 8 9 ) . O ataque geral que Gut-
mann faz à teoria da evolução darwiniana tradicional fez dele u m a persona
non grata na comunidade científica, sobretudo porque pensava de m o d o
abertamente teleológico; todavia, os procedimentos apresentados neste
capítulo, onde tomamos o técnico c o m o ponto de partida para a c o m -
preensão do vivente, apoiam sua tese.
Por outro lado, parece-nos que essas estratégias não fazem sentido
para o espaço reduzido que temos à disposição aqui. Q u e m coloca em
questão a teoria da evolução em curso, num tal ponto central, deveria,
c o m o E. M. Engels, escrever um livro bastante extenso sobre o assunto.
Num espaço assim tão reduzido, parece-nos que a estratégia que aqui
elegemos promete melhores resultados, a saber, buscar desenvolver as i m -
plicações ontológicas de u m procedimento técnico já b e m estabelecido.

Natureza como correlato do técnico-prático 1/1


o me oc
ec meem
Capítulo 5
Natureza como correlato do ético-prático

No terceiro capítulo mostrou-se que a razão teorética seguidamente con-


cebe previamente conteúdos que não podem estar nela presentes. Assim, por
exemplo o conceito de "matéria" não pode ser deduzido n o interior da
física, mas só aparece à vista quando se passa para o âmbito do técnico-
prático. O m e s m o se dá na contraposição entre "essência" e "aparência", a
qual não pode ser legitimada dentro da física, na medida e m que c o m isso
se está adentrando n o âmbito interno da metafísica. Semelhantes modos
de conceber prévio já foram descritos n o segundo capítulo e m relação à
ciência popular. Esse conceber prévio, estranho propriamente ao âmbito
da ciência de rigor, indica que o reducionismo só pode ser executado
metodologicamente, mas nunca ontologicamente. Q u e m acredita nes-
sa possibilidade acaba infestado notoriamente por tais usurpações que o
despertam para uma inflação ontológica no objeto, o qual se perde num
procedimento reducionista.
Neste capítulo, que trata propriamente de ética ecológica e do pro-
blema de uma valoratividade e autofinalidade intrínsecas ao ente natural,
vamos ver c o m o se dá esse conceber prévio no âmbito da biologia e da
ecologia, as quais mostram quão pouco a riqueza de conteúdos do vivente
pode ser banida para os quadros de fórmulas rígidas e fixas. Na medida em
que não temos razões para acreditar que u m átomo possui outras proprie-
dades essenciais além das descritas pela física teorética, n o caso do vivente e
sobretudo do ser vivo dotado de consciência temos boas razões para duvi-
dar se são só e exclusivamente máquinas geneticamente programadas. Por
isso, num primeiro passo, é preciso mostrar c o m o também esses autores
que se fixaram num tal ponto de vista reducionista se vêem obrigados a
superá-lo constantemente.
Num segundo passo, será preciso mostrar c o m alguns exemplos que
também a tentativa de colocar em vigência a riqueza de conteúdos inten-
cionais do vivente dentro dos quadros da ciência não alcança êxito. Por fim,
vemo-nos obrigados a tomar a sério a pluralidade irredutível de perspecti-
vas em relação à natureza, a fim de estabelecer c o m ela uma relação racional
plausível de realização.

173

l l l l l
5.1 A concepção prévia de uma natureza interiormente
prenhe de valores na técnica, na biologia e na ecologia

Que a natureza pode ser determinada c o m o tendo valor em si mesma,


independentemente da elaboração humana, aparece especialmente e m
relação à experiência do vivente. A biologia, a ecologia e a técnica m o -
derna fazem abstração desse ponto de vista. E só sob esse pressuposto que
continuam sendo exatas e eficientes.Todavia, simplesmente através dessas
concepções prévias ad hoc, encontradas em toda parte na literatura corres-
pondente, podemos ver que a valoratividade intrínseca da natureza não
desaparece pelo fato de essas ciências fazerem dela abstração.
Encontramos essas concepções prévias, muitas vezes, e m autores que
expõem a natureza à intervenção puramente racional-finalista, mas de-
pois, diante do vivente, ultrapassam e vão além desse aspecto. O filósofo
técnico Günter Ropohl, por exemplo, defende a posição de uma "técnica
c o m o contranatureza" e um ponto de vista extremamente antropocêntri-
co, que acompanha aquela: Segundo ele, a natureza não seria dotada por
exemplo de "autofinalidade", mas seria meramente " m e i o para finalida-
des humanas", do contrário recairíamos em "formas de pensar míticas" e
na "ideologia da natureza" etc. N o entanto, partindo de uma perspectiva
ecológica, ele lastima "a mutilação biotécnica da herança genética" ou a
"dizimação da diversidade das espécies que vem condicionada à civiliza-
ção", juízos que pressupõem em definitivo uma natureza dotada de um
valor intrínseco (ROPOHL, 1 9 8 3 , p. 3 7 , 9 3 ; 1 9 9 1 , p. 1 2 1 ) .
Também o biólogo Ernst Mayr não consegue sustentar de maneira
coerente seu ponto de vista objetivador em relação à natureza. Embora
atribua valor ao vivente apenas c o m o objeto da ciência específica, que faz
abstração de pontos de vista de finalidade e de valor, m e s m o assim fala
de u m "direito à existência de milhões de espécies de animais selvagens
e plantas" etc. O u também: se a humanidade e o m u n d o c o m o um todo
devem ter algum futuro, será indispensável reduzir as tendências egoístas
de nossa ética e m favor de um maior respeito para c o m a sociedade e a
criação c o m o um todo" (MATR, 1 9 9 1 , p. 1 1 7 ) .
Em tal juízo, o biólogo salta diretamente de uma ciência específica
para a representação do mundo da vida. É inevitável tal salto. Ninguém
pode ser apenas cientista de um setor específico da ciência. Seria de es-
perar, todavia, que a dialética que se esconde por trás de tal salto fosse
explicitada.

174 Introdução à Filosofia da Natureza


A incontornabilidade de conceitos c o m o "fins", "valores" ou "finali-
dades" torna-se evidente também na ecologia científica, sobretudo quan-
do se serve do conceito de sistema. As dificuldades que surgem ali são do
m e s m o tipo que aquelas que se mostraram nas análises cibernéticas feitas
no capítulo quatro.
Bruno Streit ( 1 9 9 4 ) , por exemplo, introduz sua ecologia meramente
c o m o u m agrupamento de sentenças-se-então, de valor neutro e de ca-
ráter n o m o l ó g i c o , a fim de explicitar circuitos da matéria, por exemplo
fluxos de energia, capacidade de carga ou capacidade de auto-regulação
de ecossistemas. A teoria formal de sistema estaria especialmente capa-
citada para servir de m e i o para isso. A explanação de relações-se-então
precisas nos âmbitos citados representa também o ganho científico de
sua investigação. Mas, c o m o tempo, Streit não poderá evitar de valorizar
seus sistemas. Então seria necessário, por exemplo, "reconduzir sistemas
ecológicos destruídos a u m estado funcional p r ó x i m o ao natural", nesse
sentido seria preciso "aconselhar as autoridades competentes" etc. Streit
deduz de sua ecologia prescrições de dever corretas, c o m o por exemplo
para "evitar a desertificação do solo" etc. (STREIT, 1 9 9 4 , p. 17, 9 8 s s ) .
O exemplo de Streit não está ali isolado. Assim também Hermann
R e m m e r estabelece sua ecologia c o m o "rigorosa ciência da natureza", n o
sentido da física e da química, mas n o caso dos ecossistemas não conse-
gue deixar de atribuir-lhes u m valor intrínseco e lamentar sua destruição
crescente. Também aqui a relação entre funcionalidade científica e valor
intrínseco continua sem esclarecimento (REMMERT, 1 9 8 9 , p. 1, 2 1 4 s s ) .
De m o d o b e m geral, a questão da relação entre facticidade, valor e
n o r m a não recebe u m esclarecimento preciso ali onde o vivente desem-
penha uma função constitutiva. Em seu estudo sobre natureza e moral,
Hans Mohr, por exemplo, apresenta a ética e a biologia imediatamente
c o m o dois contextos que não podem ser reduzidos mutuamente e, n o
que diz respeito à ética ecológica, defende u m princípio rigorosamente
antropocêntrico. No entanto, em caso extremo ele retira a natureza de
sua neutralidade axiológica: a evolução seria u m "processo qualitativo
de crescimento", onde no sentido de u m "progresso evolutivo... seriam
substituídos bons genes por genes melhores"; haveria na natureza "estra-
tégias de optimização qualitativa", que poderiam ser cultivadas n o senti-
do da biônica "para o desenvolvimento de procedimentos técnicos"; va-
leria a pena, sobretudo, proteger "as exuberantes florestas naturais", e m
cujos locais o h o m e m teria colocado "vegetação secundária" e "paisagens
degradadas" etc. (MOHR, 1 9 8 7 , p. 1 4 3 s s ) .

Natureza como correlato do ético-prático 175


Também aqui, portanto, continua sem esclarecimento a relação entre
fato e valor na natura viva. Os exemplos citados poderiam ser ampliados alea-
toriamente. Tampouco o biólogo materialista pode deixar de indignar-se,
junto c o m Richard Dawkins por exemplo, c o m o fato de alguns cozinheiros
jogarem os crustáceos vivos dentro da água fervente (DAWKINS, 1987, p. 1 4 ) .
Por que essa reação se, segundo sua teoria, tais animais não passam de má-
quinas cegamente programadas para sobreviver? As mesmas inconseqüên-
cias encontram-se também e m outros biólogos de linha materialista. Assim,
por exemplo, E. O. Wilson negou que o h o m e m possuísse a competência
ética, do ponto de vista sociobiológico, o que não o impediu, porém, de
lastimar durante toda a vida o desaparecimento de diversas espécies e instar
junto a seus contemporâneos para a consciência de responsabilidade.
Quando não entram e m jogo, ad hoc, valores intrínsecos, muitos auto-
res empurram-nos para o irracional e aí já não perturbam a racionalidade
imanente do m u n d o dos fatos, estilizado c o m o desprovido de valores. E o
caso de Konrad Lorenz. Ele extrai o ponto de vista ético a partir da defi-
nição de racionalidade (LORENZ, 1 9 8 3 , p. 8 5 ) e então fala de u m "sentir
os valores de m o d o não-racional", que m e s m o assim deve ser realizado
de m o d o intersubjetivo.
Como poderíamos nos representar isso, fica claro em outra passagem
onde ele se defende contra a pretensa "liberdade valorativa" da natureza:
"Enquanto pesquisador da natureza, quem quiser continuar sendo 'obje-
tivo' a qualquer preço e assim livrar-se a qualquer preço da coerção do
'apenas' subjetivo, que procure uma vez — é claro que só n o experimento
do pensar e da imaginação — , u m após o outro, fazer passar da vida para
a morte um pé de alface, uma mosca, u m sapo, um golfinho, u m gato,
u m cachorro e finalmente u m chimpanzé" (LORENZ, 1 9 6 3 , p. 3 4 2 ) . E cla-
ro que o ato de matar torna-se ah cada vez mais difícil, conforme o lugar
que ocupa o objeto na scala naturae. Esse exemplo esclarece igualmente quão
pouco nos movemos aqui n o âmbito do "sentimento valorativo" irracional.
A valoratividade intrínseca escalonada e m níveis é precisamente um tema
central da ética ecológica e ali é tratada de modo totalmente racional.
'v^Oçaráterjvalorjm^ enquanto concepção pré-
via e direta, imiscui-se, portanto, às vezes na ecologia ou biologia cien-
tífica, é rechaçado de maneira irracionalista ou, c o m o se vai mostrar n o
p r ó x i m o parágrafo, ou incorporado cientificamente, o que também não
alcança êxito. Em todo caso, esses refinamentos conceituais, equivocações
ou irracionalismos remetem a u m problema da filosofia da natureza ainda
não resolvido.

176 Introdução à Filosofia da Natureza


5.2 Cientismo e autofinalidade. Hans Sachsse,
James Lovelock e a síntese que não deu certo

Os exemplos citados n o ponto 5.1 exigem um enquadramento mais con-


sistente. Por isso, muitos autores procuram ampliar os princípios da ciên-
cia da natureza a tal ponto que possam conter e m si o conceito de "au-
tofinalidade". Aqui, então, será preciso reprisar os fracassos dessas tenta-
tivas de maneira exemplar, por m e i o de alguns autores que são tentados
muitas vezes pela ética ecológica a fim de sanar a carência ontológica ali
reinante. Todo ético da ecologia que defenda um ponto de partida não-
antropocêntrico se vê implicado c o m algumas dificuldades, expostas no
próximo parágrafo, a saber, que não pode fazer apelo à ontologia implíci-
ta nas ciências da natureza, mas que também, via de regra, tampouco está
preparado a remontar e servir-se da posição n a t tot/plur .
U m autor que promete oferecer auxílio nesse ponto é o filósofo téc-
nico Hans Sachsse. Ele pretende deduzir de maneira puramente científica
o conceito de "entelequia" e o de "animação (Besseltheit) da natureza viva".
Sachsse apresentou sua concepção em diversos escritos (SACHSSE, 1 9 7 9 ,
1 9 8 4 ) . Aqui, de m o d o especial, será preciso fazer referência a seu artigo
"Será animada a natureza?" (SACHSSE, 1 9 7 6 ) .
Nesse escrito, Sachsse parte do princípio de que a relação do h o m e m
para c o m a natureza entrou e m crise por m e i o de uma tecnificação fo-
mentada da maneira unilateral, c o m o risco e a possibilidade de autodes-
truição. Por isso, seria necessário reconquistar a concepção aristotélica
da animação da natureza, disposta e m níveis anímicos, fazendo frente
ao cartesianismo da modernidade. O conceito de "animação" precisa ser
introduzido ali puramente ao m o d o da ciência da natureza, desprovido de
qualquer metafísica, na medida e m que o programa genético é interpre-
tado c o m o "forma" n o sentido aristotélico.
Segundo Aristóteles, a alma estaria atuante n o vivente de três modos
distintos: [ 1 ] c o m o forma do corpo, que teria vida apenas potencialmen-
te, sendo [ 2 ] ela própria imóvel, mas causa dos movimentos dos corpos,
que [ 3 ] estariam sempre direcionados a u m fim. Essas três características
poderiam ser identificadas c o m o conceito m o d e r n o de "programa gene
tico", visto que esse não apenas governaria a forma do corpo, mas, sendo
ele próprio imóvel, governaria igualmente seu desenvolvimento e seu
comportamento.
Pelo menos a terceira propriedade da forma corporis apresenta aqui difi-
culdades, a saber, seu direcionamento a um fim. Sachsse projeta a causa finalis

Natureza como correlato do ético-prático 177


para o final de um eixo temporal, em cujo início está a causa efficiens. Por
isso não haveria nenhuma diferença essencial entre processos determinados
finalisticamente e nomologicamente. Todo processo determinado por leis
causais poderia ser descrito, de maneira logicamente equivalente, também
c o m o final, visto que, do ponto de vista fisical, não faria diferença partir de
condições iniciais prévias ou remontar voltando de condições finais.
O que n o ponto 4 . 4 se argüiu contra a suspensão da teleologia por
Wolfgang Stegmüller, a saber, que pela eliminação da finalidade os mais
simples fenômenos gravitacionais deveriam ser interpretados c o m o auto-
reguladores, foi transformado por Sachsse e m u m elemento afirmativo: por
exemplo, a água da chuva buscaria o valor setado da mínima energia po-
tencial, portanto o nível do mar. Dali poderia ser deduzida a velha teoria
aristotélica segundo a qual todo ente da natureza busca seu "lugar natural",
portanto a determinaçãoentelequial de todos os processos da natureza.
Desse m o d o , p o d e m ser estabelecidos valores setados também n o
DNA, os quais podem ser interpretados de maneira finalista. Esses valores
setados, depois, são interpretados c o m o évépYetct, na direção da qual se
dirige a ôúvap.iç dos processos regulados pelo DNA. Assim c o m o se viu
n o ponto 4 . 5 , também em Sachsse o acaso "é colocado a serviço para
examinar a possibilidade de otimização".Toda reação química já estaria
se desenrolando segundo esse esquema, visto que seria o movimento es-
tocástico do calor, e m última instância, o fator que provocaria as reações
químicas. Já aqui n o nível da química, esse "processo de otimização"
levaria a "formas mais elevadas" etc.
Aqui, o que acontece é a projeção imediata do conceito de entelequia
para dentro da física, da química e da biologia. Pode-se ver que é uma mera
projeção pelo fato de que nem o conceito de energia, que se impõe c o m
u m m í n i m o potencial, nem o de causação fortuita de reações químicas, e
nem sequer o conceito do programa genético perdem qualquer coisa se
forem privados dessa sobreposição entelequial. Não há razões para aplicar
diretamente o esquema ôúvocuiç-évépYeia aristotélico em processos fisicais,
vislumbrando neles uma busca de "elevação", motivo por que na praxis to-
dos os cientistas da natureza rechaçam essa sobreposição metafísica. O que
Sachsse quer reconquistar é a "autonomia do vivente", diante do qual de-
veríamos ter "respeito"; defende uma nova "parceria" c o m a natureza, que
nessa nova relação seria " o parceiro mais velho e mais experiente" etc.
No entanto, o programa genético não serve para fundamentar tal
conceito, visto não conter nenhum ponto de vista valorativo ou nenhuma
finalidade. Não foi por acaso que análises genéticas acabaram levando a

178 Introdução à Filosofia da Natureza


uma intensificação da intervenção técnica na natureza e não precisamente
a u m maior respeito diante dela.
C o m o até hoje ainda não s e c o r n p e n s o u a contraposição entre uma
natureza tratável tecnicamente, u i m a natureza^ considerada c o m o mera
m a t é r i a / u m a natureza que age-e^pontaneamente a partir de__si_£_urn.a
natureza dotada de entelequia, surgem sempre de novo esses sistemas de
intermediação que implantam o conceito de uma "natureza autônoma"
diretamente na hard science; c o m isso, essa perde sua objetividade e, apesar
disso, não consegue tornar-se uma instância capaz de fundamentar um
"respeito diante da natureza".
Isso serve igualmente para a "hipótese-gaia". Essa hipótese concebe
a terra c o m o u m ser vivo totalitário, do qual nós seríamos apenas uma
parte integrante. Essa "hipótese" foi provocada pelo "Overview Effect"
dos viajantes espaciais, que pela primeira vez na história da humanidade
conseguiram abarcar a terra c o m o u m único olhar. As experiências que
se fizeram ali não devem ser minimizadas, visto que teriam provocado
u m novo m o d o de mística do espaço universal e acabaram tornando-se
na hipótese-gaia. Mostram, sim, que a experiência do valor intrínseco da
natureza não está ligada à existência de paisagens intocadas, que de qual-
quer m o d o já não existem, mas que se impõe espontaneamente também
por intermédio da ciência high-tec (para isso: WHITE, 1 9 8 9 ) .
No embalo dessa visão que surge a partir do espaço universal, James
Lovelock desenvolveu junto c o m a bióloga Lynn Margulis a "hipótese-
gaia". Essa hipótese parte do fato de "que a terra é algo vivo, e investiga os
argumentos a favor e contra". Lovelock chega à conclusão de que a terra
seria um ser vivo no sentido de "apresentar u m sistema que configura e
regula a si m e s m o " . Esse "sistema" tem a propriedade de subsumir em si
todo vivente c o m o seu suporte integrante. Por isso, também sob a perspec-
tiva ética, a vida humana tem sua norma na natureza. Em relação ao sistema
global, por exemplo, é possível estabelecer o conceito de uma "saúde da
terra", a qual estaria seriamente ameaçada por nossos empreendimentos
técnicos. Se tivermos de administrar mal o universo, então, segundo Love-
lock, esse deveria ser submetido a uma direção diferente, que será melhor
para a vida mas não para o h o m e m etc. (LOVELOCK, 1 9 9 1 , p. 2 9 , 5 8 , 2 3 3 ) .
Essas representações altamente metafísicas, imediatamente acusadas de
serem teleológicas, são defendidas por Loverlock indicando a construtibi-
lidade rigorosamente matemática de sua hipótese por meio de leis a-tele-
lógicas. Todavia, u m exame mais detalhado irá mostrar que sua construção
matemática cobre no máximo uma parte marginal de sua hipótese-gaia. As-

Natureza como correlato do ético-prático 179


sim, a partir de u m modelo simplificado c o m flores brancas e pretas e um
certo grau de retrorradiação do globo terrestre, ele deduziu que a relação
entre as flores pretas e as brancas se equilibra de tal modo que a terra rece-
be um máximo de radiação solar. Mas isso não sustenta o conceito de uma
Terra c o m o "um ser vivo total" (por exemplo, esse ser vivo não apresen-
ta mudança material, não se multiplica, não possui informações genéticas
e t c ) . Além do mais, tal construção gera a suspeita de que essas premissas
matemáticas, por demais simplificadas, teriam sido escolhidas de antemão
de tal m o d o que dali devesse surgir um efeito econômico; todavia, m e s m o
que depois esse efeito econômico venha a ser reconhecido, n e m por isso
implica o conceito de "autofinalidade" (LOVELOCK, 1 9 9 1 , p. 64ss).
E preciso mencionar essas concepções que apresentam a natureza in-
trinsecamente dotada de valor c o m o um resultado presumido pela ciência
objetivante, porque na ética ecológica, mas também no movimento eco-
lógico, são tomadas muitas vezes c o m o instâncias às quais se faz apelo e m
favor de uma posição não-antropocêntrica. A hipótese-gaia, por exemplo,
assume uma função importante c o m o pano de fundo ideológico do m o -
vimento verde, n o Greenpeace ou no BUND.

5.3 O problema ontológico que ficou


sem solução na ética ecológica

Quando, a seguir, falamos de "ética ecológica", diante da literatura sem-


pre crescente, trata-se novamente apenas de chamar a atenção, exemplar-
mente, para alguns problemas ontológicos ainda não resolvidos nesse
gênero de literatura. A essa restrição extensional corresponde uma inten-
sional: n o que se segue, trata-se exclusivamente do traço ontológicodejétiças
ecológicas não-antropocêntricas, traço ainda pouco esclarecido. Em que
medida essas éticas, e m particular, estão ou podem ser mais ou menos
fundamentadas, sobre isso não precisamos tratar aqui.
É b e m verdade que se introduzem conceitos c o m o os de ética ecoló-
gica "antropocêntrica" ou "biocêntrica", mas sua escolha foi muito infeliz.
Pois, uma vez que a cognição humana é inevitavelmente "antropocêntri-
ca", o conceito "biocêntrico" representa uma contradição in adjecto, quando
não estabelecermos a distinção entre os diversos pontos de vista desse
conceito. Dietmar von der Pfordten, por exemplo, distingue uma "relação
objetiva", uma "relação do sujeito", uma "intensidade da tomada da rela-
ção" e t c , buscando evitar essas dificuldades (PFORDTEN, 1 9 9 8 , p. 1 9 ) .

180 Introdução à Filosofia da Natureza


Acabou impondo-se uma fina distinção determinada extensional-
mente, que n o mais corresponde amplamente ao conceito de scala naturae
aristotélico. Segundo isso, seria necessário classificar éticas ecológicas de
maneira extensional, cada vez de conformidade c o m quem vem admitido
n o "clube ético":

• antropocêntricas (referidas só ao ser humano)


• pathocêntricas (referidas a seres capazes de sofrer)
• biocêntricas (referidas a todos os seres vivos)
• fisiocêntricas (referidas a todas as entidades)
• holísticas (referidas à natureza c o m o um todo)

N o que se segue, será suficiente distinguir grosseiramente entre éti-


cas "antropocêntricas" e "não-antropocêntricas", na medida e m que re-
duzem a natureza a seu caráter de mediadora para o h o m e m ou atribuem-
lhe um certo caráter de autofinalidade. Nesse último caso, aparece u m
problema ontológico que precisa ser tratado aqui, o qual independe de se
fundamentar a ética correspondente c o m o ética da compaixão, ética da
consciência, do discurso ou ética do interesse, utilitarismo da preferência,
ética dos bens, ética do prazer, ou do sofrer. E só quando se reduz o ser
da natureza exclusivamente a um m e i o para a finalidade humana que o
problema ontológico aqui tratado desaparece.
Aqui não será preciso decidir-se por uma ética antropocêntrica, pa-
thocêntrica, biocêntrica, fisiocêntrica ou holística, visto que essa é uma
questão própria da ciência específica para esse ramo. O ponto de vista
defendido aqui nega o antropocentrismo e não se posiciona a favor do
holismo. Antes, poderia ser compatível c o m uma posição pathocêntrica.
Parece, pois, estar crescendo o número daqueles éticos da ecologia que
consideram a intuição do caráter de avrtofrnaüdade.dQ vivente não c o m o
uma mera ilusão benéfica. Dieter Birnbacher, que antes interpretava rela-
ções metafísicas e estéticas da natureza c o m o meras ressource e c o m finali-
dade monetária, nos últimos tempos parece ter revisto sua posição tosca-
mente antropocêntrica, na medida e m que critica o antropocentrismo e
pensa puramente n o estilo meio-fim, o qual, antes, defendia decididamente
(BIRNBACHER, 1 9 8 6 , p. 1 3 2 - 1 3 3 e B . in: BAYERTZ, 1 9 9 1 , p. 2 7 8 s s ) .
Se o caráter de autofinalidade do vivente é de fato tão penetrante e
está assim difundido c o m o se mostrou n o parágrafo anterior, então fica
difícil compreender de imediato por que há filósofos renomados c o m o
Dieter Birnbacher, Günther Patzig ou J o h n Passmore que lhe negam a
dignidade filosófica.

Natureza como correlato do ético-prático 181

• I•••
Muito mais evidente parece ser aquela figura de pensamento de-
fendida por autores c o m o Bernhard Irrgang ( 1 9 9 0 ) , Hans Lenk ( 1 9 8 3 ) ,
Reinhardt Maurer ( 1 9 8 2 ) , Konrad Ott ( 1 9 9 3 ) , Dietmar von der Pfor-
dten ( 1 9 9 8 ) , Friedo Ricken ( 1 9 8 7 ) etc., segundo a qual a fórmula da
autofinalidade do imperativo categórico kantiano pode ser referida tam-
b é m à natureza, de acordo c o m nível em que se dá u m a organização.
De acordo c o m isso, então, o respeito ordenaria que não se devem usar
animais e plantas só c o m o meios para nossas finalidades. Essa visão que
mais se aproxima à intuição pré-científica apresenta todavia a dificuldade
de pressupor uma metafísica da natureza que transcende a relação c o m a
natureza cunhada pela ciência e técnica, correndo o risco de desembocar
numa especulação sem sustentação. U m a olhada na literatura sobre ética
ecológica mostra que esse temor tem razão de ser (cf. por exemplo os
escritos de Klaus Meyer-Abich, G. M.Teutsch, Hans Jonas e t c ) .
Por isso, John Passmore fundamenta seu ponto de vista rigorosa-
mente antropocêntrico indicando a alternativa de u m conceito de natu-
reza metafísico-especulativo, que recairia necessariamente para trás do
estágio do Aufklärung científico (PASSMORE, 1 9 8 0 , p. 173ss). Com razão, o
próprio Dieter Birnbacher chama a atenção para os equívocos conceituais
que surgem toda vez que se sobrecarregam normativamente as proprie-
dades de u m sistema biológico (BIRNBACHER, 1 9 8 6 , p. 106ss). Essas indica-
ções críticas são muito importantes n o contexto do presente trabalho. Elas
mostram que para fundamentar u m ponto de vista não-antropocêntrico
será preciso adotar necessariamente a posição N a t tot/plur , metafisicamen-
te considerada bastante elevada. Mas, visto haver bons motivos para não
se querer tal coisa, é recomendável manter apenas o antropocentrismo
c o m o u m a posição racional passível de fundamentação.
Mas o interesse central do presente trabalho é precisamente desfazer
essa falsa alternativa. Nem os representantes da posição N a t tot/plur são os
únicos a excetuar a natureza da reificação técnico-científica, c o m o presu-
m e m , n e m o antropocentrismo surge a partir da negação dessa posição.
Por isso, podem-se aceitar os argumentos dos antropocêntricos contra a
posição N a t tot/plur , que refutam as extrapolações não-críticas, n o sentido
apresentado n o ponto 5.2, e, contudo, continuam presos n u m conceito
de natureza não-reducionista n o sentido da posição N a t reg/plur .
As extrapolações citadas no ponto 5.2 p o d e m ser encontradas tam-
b é m najirópriajiteratura a respeito da ética ecológica, c o m o por e x e m -
plo errÍR W.Taylor/que em seu livro Respect for Noture apela diretamente para
a biologia; mas ele interpreta esta a partir da perspectiva real-teleológica.

182 Introdução à Filosofia da Natureza


Os seres vivos teriarri^jrjierent worth", baseados e m "their veiyjiature". seriam
u m " teleológica! (goal-oriented)_center çjjife, pursuing its own good in its own unique
woy". E tudo isso deveria ser o resultado da hard science. Taylor chega afirmar,
a partir de seu princípio, que "the entire outlook isfirmlyrooted in thefindingsof the
physical and biological sciences". Ele não conteria "obscure notions"; seu princípio
seria confirmado pela biologia, cujos resultados seriam suficientes para
explicitar tanto a vida humana quanto a não-humana (TAYLOR, 1 9 8 6 , p.
13, 71ss, 4 5 , 11 lss, 1 2 2 ) . Mas essas não seriam mais do que afirmações
arbitrárias e u m tanto atrevidas.
Mesmo autores que apresentam uma argumentação mais diferenciada
se vêem às voltas c o m aji^cessidade: d^umajantologia. Assim, por exem-
plo, von der Pfordten fundamenta sua ética ecológica não-antropocêntrica
n o conceito de "interesse", conceito que, e m relação às representações hu-
manas do desejo e às m o ç õ e s conscientes da vontade, é enfraquecido a tal
ponto que pode ser empregado inclusive em plantas e animais. O conceito
de "interesse" conteria uma certa a u t o n o j n j ^ ^ ^ e j i t e d a j i a m r e ^ a , que não
aparece ainda no âmbito químico-fisical e poderia ser caracterizado por
conceitos c o m o "autOj^ferençiaçãp", "auto-surgimentp", "autodesen-
volvimento", "autoconseryação". O autor toma o cuidado de ligar esses
conceitos do m o d o mais rigoroso possível c o m as ciências naturais. Nesse
contexto, ele avalia o juízo de Taylor sobre " o direcionamento dos seres
vivos a u m fim" c o m o uma bem fundamentada "descrição dos fatos b i o -
lógicos, o que seguramente não condiz c o m a verdade. Ademais, porém,
fica claro nele que o conceito de "interesse" contém u m m o m e n t o real-
teleológico que naturalmente não é u m conteúdo das ciências positivas.
Também e m outros pontos, von der Pfordten agrava as ciências positivas
c o m uma importância metafísica que estas dificilmente conseguem sus-
tentar. O motivo é que ele admite a metafísica apenas e m suas formas for-
tes, enquanto N a t tot/plur , c o m o é o caso de Hans Jonas ou de Klaus Meyer-
Abich (PFORDTEN, 1 9 9 8 , p. 1 0 9 , 155ss, 2 0 7 , 2 3 8 s s ) . A recusa dessas formas
fortes, enquanto N a t tot/plur , lança-o de volta para a ciência positiva, a qual se
mostra muito fraca então para servir de base para seu conceito central do
"interesse". A questão de saber se entre os animais haveria por exemplo
formas autênticas de altruísmo é classificada por ele c o m o pertencente
ao âmbito de competência da etologia, a qual justamente abstrai desse
ponto de vista. Ou então ele conta seus critérios de autonomia, a saber,
"auto-referenciação", "auto-surgimento", "autodesenvolvimento", "au-
toconservação", c o m o próprios do âmbito de competência da ecologia, da

Natureza como correlato do ético-prático 18J


botânica e da zoologia, as quais não dispõem de u m conceito enfático do
"auto" (PFORDTEN, 1 9 9 8 , p. 2 1 2 - 3 , 2 3 9 ) . O temor de uma posição N a t tot/plui

muito forte leva também aqui, portanto, a sobrecarregar a ciência positiva


com uma gravidade que ela não consegue sustentar.
Konrad Ott vê o problema de uma fundamentação ontológica de
sua ética ecológica não-antropocêntrica e m ter de ultrapassar o que é
dado dentro da ciência positiva. Por isso, faz apelo a autores "alternativos"
c o m o Hans Sachsse, James Lovelock, Humberto Maturana, Francisco Vare-
la etc. c o m o instâncias a que se pode conceber previamente c o m o filoso-
fia da natureza. C o m o foi mostrado, porém, todos esses autores extraem
sorrateiramente o conceito de uma natureza determinada internamente
por valores por m e i o de uma sobreinterpretação de modelos científicos.
O próprio Ott inverte constantemente e sem intermediação a perspectiva.
Significa, por u m lado, que, para ele, os animais poderiam perseguir fins,
p o r é m só n o sentido restrito da "teleonomia", e assim algumas páginas
depois ele concebe a orientação dos organismos e m direção a seu " b e m -
estar" c o m o "causa final" e m sentido próprio etc. (OTT, 1 9 9 3 , p. 4 1 , 4 3 ) .
A atribuição de conotações axiológicas e normativas à teoria dos siste-
mas, criticada c o m justiça por Birnbacher, pode ser vista t a m b é m em Ott
e por fim t a m b é m e m muitos outros autores (OTT, 1 9 9 3 , p. 5 3 ; BÓHLER,
in: RAPP, 1 9 8 1 , p. 7 8 s s ) .

Em todos esses casos, a pretensão da teoria dos sistemas, a partir de


Bertallanfy, de ser "holística" e situar-se além da metafísica e do mecani-
cismo acaba sendo aceita e interpretada c o m o se implicasse uma unidade
finalista, u m a valoratividade intrínseca e t c , o que precisamente ela não
pode fornecer, visto que na teoria matemática dos sistemas está e m ques-
tão sempre apenas o sistema de possibilidades exteriores de governo.
Outros autores chamam a atenção para a lacuna na fundamentação
ontológica, sem n o entanto buscar suprir essa lacuna. Hans Lenk, por
exemplo, num artigo intitulado "Responsabilidade para c o m a natureza",
faz referência à "perspectiva limitada" do conhecimento científico, a qual
deveria ser superada. Mas c o m o ? (LENK, 1 9 8 3 , p. 1 4 ) .
De maneira muito parecida, também Reinhart Maurer — que liga a
exigência de u m "conceito ecológico de natureza c o m a interpretação"
da "natureza c o m o u m reino de finalidades" — " c o n c e b e a natureza não
simplesmente c o m o u m sistema ou u m caos de forças a serem conside-
radas c o m o desprovidas de valor" (MAURER, 1 9 8 2 , p. 3 3 ) . Em todo caso,
esses autores não oferecem nenhum modelo de mediação que provenha
da filosofia da natureza.

184 Introdução à Filosofia da Natureza


Outros ainda, c o m o Angelika Krebs ou Friedo Ricken, apelam para
Aristóteles o u a u m Aristóteles traduzido por Jonas. Todavia, não se pode
recorrer à concepção de natureza de Aristóteles assim simplesmente c o m o
se apresenta. C o m o foi mostrado n o ponto 4 . 4 , é preciso antes de tudo
justificar seu uso.
Em sua Etics of Nature ( 1 9 9 9 ) , Angelika Krebs, ao contrário, lança m ã o
diretamente da concepção de Aristóteles a respeito do automovimento
dos entes da natureza, seguindo Pis. II 1 9 2 b 8ss. Mas essa espontânea
determinação metafísica e entelequial é primeiramente a negação da
normatividade causal, n o sentido da ciência moderna da natureza. Seria
preciso antes de tudo mostrar que essa determinação ainda pode ser sus-
tentada diante dela.
Na transposição de conceitos c o m o "interesse" e "relação-para-con-
sigo", Friedo Ricken apela ao De anima de Aristóteles. Seria mérito de Hans
Jonas "ter ampliado a ontologia aristotélica de organismo e ter destacado
seu significado para a ética ecológica" (RICKEN, 1 9 8 7 ) . Mas u m tal Aris-
tóteles traduzido por Jonas estaria exposto a todas as objeções citadas n o
ponto 1.2.2.
Em seu estudo Natureza como princípio de ação: a relevância da natureza para a
ética, Ludger Honnefelder designa o problema c o m grande penetração:
por causa das conseqüências catastrofistas de nossa relação unilateral c o m
a natureza, cunhada pela técnica, ele batalha por uma "restauração parcial
do conceito aristotélico de natureza", passando pelo "poder de j u í z o "
kantiano. Defende u m "princípio aristotélico vertido ao m o d o de ética
normativa", isto é, umajntegração_dos^ impulsos naturais n o ato éticp,
o qual se atém c o m a ética normativa kantiana igualmente na idéia de
autonomia da modernidade, sendo que a relação constitutiva para c o m
a natureza deveria abarcar não somente a interna natureza instintiva do
h o m e m mas também a natureza exterior. O que ele está refutando é u m
recurso imediato à "natureza física ou metafísica", u m a vez que isso de-
sencadearia u m reducionismo naturalista ou u m retrocesso da idéia de
autonomia da modernidade (HONNEFELDER, 1 9 9 2 , p. 2 1 - 2 2 , 2 8 0 s s ) .
Em relação à natureza interior do h o m e m , Honnefelder remete para a
substituição que W i l h e l m Korff faz da conservação da espécie e da auto-
conservação tomasiana por conceitos da biologia humana, c o m o "agres-
são", "instinto de cuidado para c o m a prole", "reação de fuga" e t c ; a
questão porém é saber se esses conceitos provindos da biologia humana
estão realmente e m condições de serem ligados teleologicamente c o m
o ato ético. E claro que esse não é o caso c o m o saber fornecido pela

Natureza como correlato do ético-prático 185

l l l l l
física ou pela biologia da natureza exterior. Honnefelder admite que seu
modelo depende da concepção de uma "natureza apreendida nos moldes
teleológico-poiéticos", e que apresenta u m problema não resolvido, na
medida e m que "se pode falar de natureza c o m o unidade de sentido e
c o m o grandeza prática" (HONNEFELDER, 1 9 9 2 , p. 15 l s s ) .
/ Em Honnefelder fica claro que uma ética ecológica não-antropo-
cêntrica pressupõe u m a metafísica da natureza relativamente forte e que,
sob uma forma aceita universalmente, essa metafísica não existe hoje.
Enquanto se mantiver esse estado de coisas e enquanto essas formas de
metafísica da natureza discutidas nos meios da opinião pública (sobretu-
do a posição N a t tot/phlI ) se mantiverem tão fortes e expansivas, uma ética
ecológica rígida, rigorosamente antropocêntrica continuará sendo a mais
conseqüente; a partir daí, pode-se esclarecer também a posição intransi-
gente e contra-intuitiva de autores c o m o Birnbacher, Patzig ou Pasmo-
re, pois na realidade o que vale é: "parceria exclui objetivismo radical"
(BIRNBACHER, 1 9 8 6 , p. 139).

Isso está absolutamente correto, todavia fica e m aberto a questão de


saber se a alternativa que se apresenta para uma relação c o m a natureza,
em que a razão está voltada puramente para fins, poderão ser aquelas
formas fortes de u m pensamento ecológico de totalidade, que c o n c e -
b e m a natureza c o m o fonte de normatividade. Presos nessa alternativa
infecunda, ficam, por exemplo, Bayertz, Birnbacher ou von der Pfordten.
Bayertz, por exemplo, identifica "pensamento teleológico" c o m uma "re-
moralização da natureza", fato esse último que ele atribui a Jonas e Meyer-
Abich (BAYERTZ, 1 9 8 7 , p. 157ss). De m o d o correspondente procede tam-
b é m Birnbacher (in: BAYERTZ, 1 9 9 1 , p. 2 9 1 ) , von de Pfordten ( 1 9 9 8 , p.
1 0 9 s s ) , e Schafer ( 1 9 9 9 , p. 1 6 5 s s ) .
Todavia, entre uma concepção de natureza c o m o mera matéria ma-
nipulável e u m a concepção de natureza c o m o fonte de normatividade,
encontra-se u m a natureza interpretada axiologicamente, que passa ao
largo dessa falsa alternativa. Em seu estudo sobre ética ecológica, Julián
Nida-Rümelin lembra, c o m razão, o simples fato de q u e j | x i s t e m jra^.
lores extramorais intrínsecos" (NIDA-RÜMELIN, 1 9 8 9 , p. 1 8 1 ) . A discussão a
respeito dó ^àlífrõpocentrismo" ou do "biocentrismo" torna-se molesta
sobretudo pelo fato de que esse simples fato é esquecido e que acabamos
nos fixando na falsa alternativa entre N a t tot(reg)/cien e Nat tot/plur . Com isso,
acabam sendo excluídas as posições intermediárias.

186 Introdução à Filosofia da Natureza


Capítulo 6
Sobre a hermenêutica
da natureza cientificizada

No capítulo 2 fez-se referência a certas concepções fundamentais da her-


menêutica filosófica. Segundo estas, "compreender" é o ato fundamental
do h o m e m , o qual se relaciona imediatamente c o m o m u n d o simbóli-
co, portanto c o m poesias, normas do direito ou também c o m artefatos
científicos, isto é, c o m u m mundo constituído socialmente. A "natureza"
deveria ser distinta desse âmbito, na medida e m que foi objetivada pela
ciência moderna da natureza. U m a "natureza" compreendida desse m o d o
não é diretamente o ponto referencial da hermenêutica, na medida em
que aqui nada há para "compreender", pois a natureza não foi produzida
por nós, e que as ciências da natureza se esforçam e m produzir u m saber
objetivo, u m saber do tipo que abstrai do humano, isto é, as ciências
constroem "natureza" c o m o seria se não fosse vista p o r .ninguém. (A view
from nowhere, de Thomas Nagel).
No presente vamos manter a "visão de parte alguma" apenas meto-
dologicamente, c o m o uma mirada laboratorial. O cientista que sai de seu
laboratório já não vê o m u n d o apenas sob o restrito e aguçado interesse
do cálculo. O ato fundamental da compreensão hermenêutica de sentido
fecha-se atrás de suas costas e ele c o m e ç a espontaneamente a fazer o que
fazia antes, c o m o u m mero construto neutro, carregado de perspectivas
de sentido e representações do seu universo cotidiano.
Essa "hermenêutica pos festum" ainda não foi estudada. Cientistas e teó-
ricos da ciência, que não percebem a diferença entre "físico" e "fisical",
acentuada no ponto 3 . 1 , n e m sequer vêem c o m o problemática uma tal
"hermenêutica da natureza cientificizada". Porque acreditam que a na-
tureza explicitada a partir do mundo da vida, pré-científica, seria apenas
uma aparência inessencial, que desaparece diante da natureza cientifici-
zada c o m o algo irrelevante, acabam não percebendo essas cegueiras her-
menêuticas. No ponto 2.2.3 citou-se o exemplo de Bernulf Kanitscheider,
que inicialmente defende u m fisicalismo rigoroso, o qual, todavia, contra
sua vontade, acaba sorrateiramente sobrecarregado de acentuados antro-
pomorfismos. Por fim, Kanitscheider acaba afirmando que o cosmos seria
sua "pátria", isto é, a base originária do criativo, o qual teria gerado, inclu-
sive, a nós próprios por meio de u m ato simpatético. Essas representações

187
são pura metafísica, que mais tem a ver c o m uma romântica filosofia da
natureza do que c o m ciência, embora o fisicalista a considere c o m o tal.
De m o d o geral, as sínteses post-modernas e da ciência popular, m e n -
cionadas n o capítulo 2 , eram constituídas de tal m o d o que sobrecarrega-
vam sorrateiramente a hard science c o m a hermenêutica, a fim de produzir
uma "metafísica da natureza, a qual todavia continua desconhecida".
Poderíamos identificar também a questão a respeito da "hermenêu-
tica da natureza cientificizada" c o m a questão a respeito de uma "coloca-
ção do h o m e m no c o s m o s " , u m topos clássico da filosofia, que se renova
também sob as condições científicas, onde todavia sua configuração acaba
prejudicada.
Na metafísica clássica, por exemplo e m Aristóteles ou Tomás, a ques-
tão a respeito de uma "colocação do h o m e m n o c o s m o s " é respondida
analiticamente a partir dos dados do sistema. Uma scak naturae perpassada
de valores, em cujo topo se encontra o h o m e m , mostra a este, ipso facto,
seu lugar na totalidade das coisas. U m a dinâmica das causas do movi-
m e n t o que se perdeu de u m primeiro movente-imóvel, numa deteriora-
ção axiológica até afundar nos elementos imponderáveis da matéria, é o
que localiza o h o m e m não apenas estaticamente, no sentido de uma scala
naturae, mas também dinamicamente, isto é, processualmente dentro do
conjunto total do devir cósmico.
U m a tal localização existencial já não pode ser postulada pela ciência
moderna da natureza de maneira puramente analítica. Visto que o estilo
m o d e r n o de ciência abstrai metodologicamente do h o m e m já não lhe
concede qualquer lugar n o conjunto das coisas; ao contrário, faz c o m
que a questão por esse lugar pareça inclusive obsoleta. Se observarmos
o desenvolvimento do universo em seus grandes planos, c o m o vem des-
crito pela física, então o h o m e m é menos do que uma mosca c o m u m
dia de existência, a saber, é uma quantité cosmológica negligeable. Perguntar
por sua localização n o conjunto das coisas parece ser agora algo u m tanto
híbrido. Todavia, isso só aparece desse m o d o quando esquecemos que
a construção científica do desenvolvimento cosmológico foi gerada ao
m e s m o tempo pelo h o m e m a partir do big bang até o eventual big crunch
ou até a "morte pelo aquecimento", e que por isso essa construção nada
mais é que a maneira c o m o ele vê as coisas.
N o que se segue, será preciso mostrar que não podemos nos desven-
cilhar desse ato hermenêutico básico; todavia, ele fornece a nossa relação
científica para c o m o m u n d o uma pluralidade indispensável. As teorias
modernas a respeito do m u n d o são tão formais que admitem inserções

188 Introdução à Filosofia da Natureza


logicamente incoerentes. Já não estabelecem a "localização do h o m e m
no c o s m o s " de maneira unívoca, puramente analítica, c o m o acontecia na
metafísica clássica.
Embora, a partir de Kant, se procure elaborar a metafísica da física,
jamais se conseguiu formular tal metafísica de m o d o que fosse universal-
mente vinculante. Concorda c o m isso o fato de que diversos físicos c h e -
gam até a concordar quanto aos resultados de suas ciências específicas,
todavia diferem profundamente nas convicções metafísicas que lhe ser-
vem de anteparo. Albert Einstein era espinozista, Werner Heisenber era
platônico, Erwin Schrôdinger era schopenhauriano, Steven Weinberg é
materialista, David B o h m , esotérico. Dificilmente encontramos uma m e -
tafísica ou uma visão de m u n d o que já não houvesse sido defendida por
algum físico (Isaac Newton era profundamente atraído pelo ocultismo).
Significa que: a ciência moderna da natureza não explicita abertamente
seu enquadramento metafísico. Por isso, desde o Círculo de Viena, muitos
filósofos concluíram que essas questões metafísicas não teriam sentido
n e m importância. Todavia, essa conclusão é precipitada, c o m o é precipi-
tado dizer que, pelo fato de o domínio técnico do m u n d o não estabelecer
as normas de seu uso sensato, não se pode concluir que o esclarecimento
dessas premissas normativas seja supérfluo. Que a questão pela "localiza-
ção do h o m e m n o c o s m o s " é incondicional fica bastante claro e m autores
que acreditavam ter-se dela livrado.
Em seu livro Acaso e necessidade, o biólogo molecular Jaques M o n o d
expressa uma concepção de m u n d o positivista que se compreende de
m o d o puramente "objetivo". Seria evidente que "foi preciso que se pas-
sassem muitos milhares de anos até que a idéia do conhecimento objetivo
aparecesse n o âmbito das idéias c o m o a única fonte da autêntica verda-
de", a saber, a ciência moderna da natureza. Esse conhecimento objetivo
"destrói todas as ontogenias míticas, sobre as quais deveriam repousar
os valores, a moral, os costumes, os direitos e proibições para a tradição
animista — desde os habitantes australianos primitivos até os dialéticos
materialistas. Quando acolhe essa mensagem e m sua significação plena, o
h o m e m deve finalmente despertar de seu sonho milenar, reconhecendo
seu total abandono, sua alienação radical. Agora sabe que tem seu lugar
c o m o u m cigano à margem do universo, que é surdo para ouvir suas m ú -
sicas, indiferente e m relação a suas esperanças, dores e delitos" (MONOD,
1 9 7 9 , p. 1 4 8 , 1 5 1 ) . Citou-se muitas vezes a passagem que expressa u m
sentimento — que lembra J. P. Sartre — de estar-lançado num m u n d o
absurdo. Parece mostrar claramente a mesma situação que sentem muitas

Sobre a hermenêutica da natureza cientificizada 189

illlll
pessoas diante da cientifização do mundo, a qual considera a "localização
do h o m e m no c o s m o s " , n o fundo, c o m o uma nulidade.
M e s m o assim, uma segunda mirada no texto de M o n o d mostra que
contém uma contradição fundamental. Por que é que M o n o d chama o
universo de "surdo" e "indiferente"? Surdo e indiferente só pode ser
quem também teve a possibilidade de ouvir ou de ter-se simpatizado. Em
dados casos, pode-se chamar o h o m e m de "surdo" ou de "indiferente",
em casos extremos também u m cão, mas seguramente não o cosmos, e m
todo caso não o cosmos descrito pela ciência.
Q u ã o p o u c o M o n o d conseguiu se desvincular do círculo h e r m e -
nêutico da compreensão, que p e r m a n e c e inevitavelmente antropocên-
trico, mostra-se t a m b é m e m seu discurso sobre "os ciganos nas mar-
gens do universo".
Foi desse m o d o que a cientifização da cosmologia atuou e m muitas
pessoas: na imagem aristotélica de mundo, o h o m e m era o centro geo-
gráfico. Ele havia sido intencionado ao ser produzido pelo cosmos. As
descobertas de Kepler e Galileu, a passagem para uma imagem de m u n d o
heliocêntrica, levou a uma descentralização do h o m e m , e essa descentra-
lização acabou se acentuando c o m cada nova descoberta. Por fim, n e m
o Sol n e m a Via Láctea representavam o centro do universo, mas nosso
lugar fisical parecia apresentar-se c o m o sendo cada vez mais marginal,
de tal m o d o que acabou tornando-se natural a conclusão de que nossa
existência era vagar c o m o os ciganos.
Todavia, isso só parecia ser assim. Visto a partir do ponto de vista da
física, o cosmos não tem centro e, portanto, também nenhuma periferia,
portanto tampouco poderia haver alguém que pudesse manter-se à mar-
gem. Enquanto ciência, a física define suas leis fundamentais de tal m o d o
que sejam independentes da origem das coordenadas. O que se consi-
dera "centro" é questão de convenção. Todos os modelos cosmológicos
existentes hoje partem da homogeneidade e isotropia do universo; isto é,
também do ponto de vista factual, o universo não possui configuração a
partir da qual se pudesse falar n u m "centro". Mas, se o universo não possui
centro, tampouco podemos morar à sua margem.
O discurso monodiano que considera o h o m e m u m "cigano à mar-
gem do universo" é portanto uma interpretação da natureza cientifizada
a partir do ponto de vista da experiência existencial do ser. Não é o resul-
tado da ciência específica c o m o tal.
Porque é assim e porque a cosmologia moderna é assim tão for-
mal, podem ser encontradas também outras explicações alternativas. Já

190 Introdução à Filosofia da Natureza


mencionamos tal explicação, a saber a de Bernulf Kanitscheider. Apóia-se
e m interpretações metafísicas da teoria fisicalista da auto-organização, as
quais já têm u m b o m percurso andado; o discurso de u m "universo par-
ticipativo" ou "criativo", de u m "diálogo c o m " ou dos "direitos próprios
da natureza", de u m a "matéria c o m vontade própria", ou de uma "ten-
dência" da natureza, e m buscar u m nível de organização e complexidade
cada vez mais elevado" e t c , todos esses m o d o s antropocêntricos de falar,
baseados na teleología e já mencionados n o capítulo 2 , já são interpreta-
ções metafísicas da física que lhe serve de base.
Paul Davies chegou a falar de duas "direções" presentes n o universo,
uma destrutiva e uma criativa, uma que pode ser expressa pelo II Princí-
pio fundamental da termodinâmica e uma que se expressa c o m o a força
auto-organizadora da matéria. Essas explicitações estão na base de u m
discurso que considera o universo c o m o nossa "pátria".
Enquanto Jaques M o n o d explica sua experiência da natureza a partir
do ponto de vista existencialista c o m o espelho do absurdo ser-lançado,
Erich Jantsch, e m seu livro sobre a teoria da auto-organização, polemi-
za c o m a comparação monodiana dos ciganos, buscando, ao contrário,
"confirmar a confiança na própria vida e n o sentido de seu desenvolvi-
m e n t o . . . usando os mais recentes resultados da ciência" (JANTSCH, 1 9 8 8 ,
p. 1 7 s s ) . O curso positivo da dinâmica de auto-organização, que perpassa
o mundo inteiro, deve sustentar também o h o m e m enquanto existência,
deve fornecer-lhe a pátria. Física c o m o consoladora.
Essas duas semantizações antagônicas da experiência científica foram
mencionadas a fim de mostrar quão pouco essas semantizações podem
ser resultado de uma análise científica.
M e s m o assim, essas esferificações especulativas de nossa imagem
científica de m u n d o não deveriam ser menosprezadas. São uma instân-
cia intermediadora entre cosmologia e autocompreensão condicionada a
uma época. Estabelecem cada vez a "localização do h o m e m n o c o s m o s " .
Se o que se afirmou aqui for verdadeiro, a saber, que círculo her-
menêutico é inevitável, que não conseguimos evitar de interpretar os
resultados da ciência da natureza alcançados por m e i o de abstrações m e -
todológicas sem retornar a nossa própria situação concreta, então deve-
ríamos tomar a sério essas semantizações da ciência popular, safando-nos
de sua proliferação selvagem. Elas seriam a forma vazia de uma metafí-
sica da natureza sustentada por princípios. Essa metafísica não precisaria
necessariamente apresentar-se c o m o uma visão de m u n d o que cria ou
encobre sentido, c o m o no caso de Erich Jantsch ou Jaques Monod. Nesse

Sobre a hermenêutica da natureza cientificizada 191

a 11 a « li •
contexto podem ser encaixados também problemas mais sóbrios, c o m o
foi mencionado n o ponto 3 . 1 , n o contexto dos principia de Newton. Ali
mostrou-se que fórmulas exatas c o m o "força = massa vezes aceleração",
por exemplo, não expressam aquilo que compreendemos em nossa e x -
periência do aspecto físico no m u n d o da vida c o m o "causalidade" ou
"substancialidade". Apesar disso, não se pode por assim dizer "suspeitar"
que Newton tenha interpretado massas c o m o substâncias e estados de
movimento c o m o acidentes, forças c o m o causas e esses estados de m o -
vimento c o m o efeitos, pois também essas interpretações não podem ser
evitadas. Se o físico tem realmente prioridade diante do fisical, também o
fisical deve poder ser interpretado e m termos do físico.
O m e s m o se dá c o m as explicações citadas n o ponto 3 . 4 a respeito
do conceito de campo c o m o lugar-tenente do "espiritual", que repousa
na analogia " c o m o a forma está para a matéria assim o campo para as
partículas". O esquema-forma-matéria, que Aristóteles abstraiu do ato do
domínio técnico do mundo, continua vigente ainda hoje, c o m o se m o s -
trou n o ponto 4 . 2 e m relação ao computador, e m e s m o uma chave de
fenda, a partir de uma representação prática do m u n d o da vida, é vista
c o m o "matéria formada".
A partir dessas experiências, incorporamos os resultados da física
teórica. Sob sua ótica, as partículas de massa parecem ser "material" ou
energias, ondas o u campos parecem representações do "espiritual". O
engano de idealistas c o m o C. F. v. Weizsäcker ( 3 . 2 . 2 ) ou de materialistas
c o m o certos filósofos analíticos, citados no ponto 3 . 4 , consiste de certo
m o d o no fato de tomarem ao pé da letra o que só pode ser considerado
realce especulativo de nossa imagem científica de mundo.
Essa dialética entre ciência e m u n d o da vida é muito p o u c o levada
em consideração na teoria da ciência, enquanto exerce u m papel impor-
tante n o desempenho concreto da ciência. É assim, por exemplo, que
Richard Feynman afirma defender a "hipótese de que, e m última instân-
cia, a física não precisa da matemática", o que representa uma afirmação
extraordinariamente escabrosa, se levarmos e m conta o alto nível de abs-
tração que têm por exemplo as path-integral de Feynman. De m o d o b e m
mais ameno, mas sempre suficientemente claro, se expressa o teórico da
auto-organização Hermann Haken. Ele afirma "que u m processo... e m
muitos casos, só é compreendido perfeitamente pelos cientistas quando
esse processo pode ser reproduzido também nas palavras de nossa lingua-
g e m usual sem qualquer fórmula" (FEYNMAN, 1 9 9 3 = ' 1 9 6 5 , p . 75;HAKEN,
1 9 8 4 , p. 1 1 ) . Ou então c o m o se expressou Einstein: " N e n h u m cientista

192 Introdução à Filosofia da Natureza


pensa em fórmulas" (EINSTEIN, in: INFELD, 1 9 6 9 , p. 8 1 ) . C o m o pensa ele en-
tão? Seguramente, em imagens visíveis, que t o m o u de seu m u n d o da vida
e de sua experiência pré-científica do âmbito físico, exatamente c o m o
mostra o exemplo de Newton.
Contra isso, encontramos uma concepção muito difundida na teoria
da ciência, segundo a qual a acomodação dos resultados científicos na
linguagem cotidiana seria u m expediente necessário (Rudolf Carnap) ou
até m e s m o que a linguagem cotidiana poderia ser substituída futuramen-
1
te por uma linguagem científica (W. K. Essler) (CARNAP, 1 9 8 6 = 1 9 6 6 , p.
174;ESSLER, 1 9 7 2 , p. 2 9 8 ) .

Por trás desses juízos encontra-se uma metafísica platônica, de acor-


do c o m a qual os resultados formais da ciência expressam o estatuto o n -
tológico das coisas, enquanto os fenômenos concretos continuariam sen-
do passageiros. Mas u m posicionamento aristotélico está e m condições de
detalhar melhor a dialética oculta entre ciência e m u n d o da vida. Assim,
na teoria do conhecimento da escolástica falava-se de uma conversio ad phan-
tasmata. O cognocente parte da riqueza da experiência concreta espácio-
temporal, abstrai daí seus princípios, porém, post festum, deve voltar a referir
esses princípios novamente a tais fenômenos concretos. Mostrou-se que
tal conversio ad phantasmata não está suspensa numa metafísica escolástica da
substância já superada, mas que descreve c o m acerto também o m o d o
de proceder do físico nas altas abstrações da teoria da relatividade ou da
teoria quântica.
O que acontece e m relação à ciência moderna da natureza, e m tal
conversio ad phantasmata, raramente foi refletido na filosofia. Eu pessoalmente
conheço b e m poucos filósofos que tomaram conhecimento do problema
e se preocuparam por uma solução.
Entre eles encontra-se o filósofo de Innsbruck Otto Muck. Ele recon-
duziu a dialética existente entre ciência de rigor e sua formulação her-
menêutica à diferença entre explicações "formais" e "materiais" da teoria
fisical. Explicitações "formais" referem-se, segundo ele, a pressuposições,
sentenças e fórmulas concretas de uma teoria fisical. Dentro de tal modelo
formal de explicitação, a teoria da ciência se define c o m o usual. Explicita-
ções "materiais", ao contrário, remetem uma teoria às "representações in-
tuitivas sobre a realidade, que forma a base dos nexos observáveis... Uma
teoria que se explicita nesse sentido e m matéria de conteúdo diz muito
mais do que a teoria formal. Diz mais também do que aquilo que funda-
menta o método empírico da ciência natural". Muck fala da insuperável
"ambigüidade dessas teorias materiais" (Mucx, 1 9 5 8 , p. 1 2 9 ) .

Sobre a hermenêutica da natureza cientificizada 193

llllll
C o m o exemplos para essas ambigüidades p o d e m servir a semantiza-
ção do cosmos recém-citada, c o m o lugar do ser-lançado ou ao contrário
c o m o "pátria", as explicitações materialistas e espiritualistas da teoria da
auto-organização, citadas n o ponto 2 . 2 , ou ainda a dualidade entre onto-
logia de partículas e ontologia de campo na teoria quântica mencionada
por diversas vezes.
U m a proposta de realizar essas interpretações materiais por princí-
pios provém do filósofo Aloys Wenzl, hoje esquecido, que foi, ademais,
o predecessor de Wolfgang Stegmüller na cátedra de teoria da ciência
e m Munique. (Nessa transposição vemos, ademais, c o m o na filosofia o
avanço é sempre apenas parcial. O incrível ganho em matéria de precisão
lógica formal na transição de Wenzl para Stegmüller defronta-se c o m uma
perda n o que se refere à consciência metafísica dos problemas.)
Wenzl não era apenas teórico da ciência, mas tinha familiaridade
também c o m a metafísica clássica. Ele viu c o m clareza o problema de uma
explicitação material da física moderna. Segundo Wenzl, a física toma to-
das as suas definições diretamente da esfera psíquica: "Indolência, impul-
so, força, trabalho, energia, atuação são conceitos claros, que tomados a
sério provêm de nossa vivência". Ali estariam e m questão seguramente
"antropomorfismos". Porém, se mascararmos esses antropomorfismos a
partir de conceitos fisicais, "eles perderão todo e qualquer conteúdo". Nos
conceitos fisicais, conteúdo só pode se apresentar "no sentido de uma
analogia para c o m nosso ser": e m outra passagem ele chama a isso de "a
única possibilidade de explicação". Consistiria no fato de "que e m nossa
própria vivência empregamos uma excepcional força ativa, a partir da qual
podemos tentar compreender a realidade por m e i o de conclusões analó-
gicas". O cientista da natureza c o m o tal poderia desincumbir-se de per-
guntar pelo "significado" de suas equações, mas o filósofo deveria fazê-lo.
Então adentraria o âmbito da metafísica c o m conceitos c o m o "totalidade",
"liberdade", "finalidade" etc.
Os objetos que foram conquistados pelo entendimento guiado pela
teoria, pelo princípio de Wenzl, deveriam ser interpretados materialmen-
te ainda a partir do ponto de vista prático. Wenzl liga essa sua explicitação
c o m a metafísica da vontade de Schopenhauer. A transição de uma pers-
pectiva científica para uma final acontece, por fim, t a m b é m e m Wenzl
pela mediação de contingências que deixa em aberto a intervenção cien-
tífica, isto é, no sentido de uma "normatividade do fortuito", c o m o no
ponto 4 . 6 ; dá-se, por exemplo, n o sentido de uma explicação final da
distribuição contingente da matéria, do caráter casual de estados iniciais

194 Introdução à Filosofia da Natureza


em relação às leis da natureza etc. Quando Wenzl explica os processos da
natureza assim sob pontos de vista da liberdade, acaba surgindo u m a m e -
tafísica da natureza, que é todavia ainda apenas "hipotética". Ela dispõe
ainda apenas de "diversos graus de probabilidade", e não mais de certeza
a priori (WENZL, 1 9 4 9 , p. 1 1 9 , 1 8 2 - 1 8 4 , 3 4 1 ; 1 9 5 4 , p. 1 0 , 2 2 , 5 4 , 1 3 1 ) .
O que Wenzl deduz aqui, a partir de princípios, está constantemente
acontecendo no desempenho da ciência, mas sem se dar conta disso. Quan-
do os físicos falam de uma "meta otimista" ou "pessimista" no universo,
quando semantizam o conceito de informação, enriquecendo-o pragmati-
camente, quando interpretam o conceito de campo de maneira transcen-
dental e t c , então estão se movendo no nível de uma metafísica post festum.
Essa reflete os resultados da física teórica, a partir de u m ponto de vista
hermenêutico prático, estabelecendo assim a localização do h o m e m numa
natureza cientificizada. Mas não é mais a própria natureza, ela mesma, que
nos prescreve essa localização. Diante do dogmatismo oculto da ciência po-
pular, a filosofia da natureza deve manter livre a autonomia da subjetividade
humana; a filosofia da natureza continua sendo sempre apenas "segunda
filosofia", pairando precariamente entre teoria e praxis.

Sobre a hermenêutica da natureza cientificizada 195


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índice analítico

Acaso (fortuito) 4 5 , 5 1 , 6 1 , 8 1 , Computador 63, 128-135, 137,


86, 103, 11S, 116, 118, 121, 148, 155, 158, 168, 192
132, 133, 152, 154, 165-170, Construtivismo/construtivista 15,
178, 189, 194 3 1 , 4 8 , 6 5 , 6 6 , 6 9 , 7 5 , 8 7 , 151
Antropologia 24, 8 0 , 82, 157 Cosmologia/cosmológico 12, 25,
Artificial life 5 8 , 123, 132, 143, 39,41,43,59,60,67,68,83,
155,168 88, 112, 129, 188, 190, 191
Autofinalidade 6 1 , 63, 64, 173, Darwinismo 10, 134, 170, 171
174, 177, 180-182 Debate corpo-alma (espírito-cérebro)
Auto-organização 17,35,49,50, 21,34,52-54,57,67,77,
65, 75, 8 3 - 8 6 , 8 8 - 9 1 , 167, 170, 106, 130
191, 192, 194 DNA 133, 142, 178
Autopoiese/autopoiético 68, Ecologia/ecológico 8 , 9 , 11, 16,
73-78 17, 5 1 , 5 4 , 55, 58, 6 1 , 155,
Behaviorismo/behaviorista 161 158, 173-177, 180-186
Biologia/biológico 11,13,15, Entelequia 4 2 , 52, 55-58, 61-64,
17,46,47,49,50, 62,63,70, 122, 138, 153, 177-179, 185
72-75, 80, 100, 125, 126, 128, Espontaneidade/espontâneo 36,
135, 142-144, 152, 156-158, 85, 89, 136, 137, 141, 153,
163, 164, 1 6 9 - 1 7 1 , 173-176, 154, 185
178, 182, 183, 185, 186 Essência-manifestação 33, 56, 78,
Biônica 16, 58, 123-128, 135, 143, 8 0 , 8 8 , 9 2 , 9 8 - 1 0 1 , 104, 109,
153, 170, 175 110, 170, 173
Cibernética/cibernético 9, 15, Ética ecológica 11, 16, 17, 5 4 , 55,
16,23,30,31,51,58,68,72, 155, 173, 175-177, 180, 182,
77-80, 82, 9 1 , 123, 126, 128, 183-186
129, 135, 138, 146, 155-162, Filosofia analítica 1 0 , 2 1 , 5 2 - 5 4 ,
164, 165, 170, 175 9 7 - 9 9 , 113, 121, 131, 150,
Ciência cognitiva 2 4 , 131 151, 192
Ciência popular/pertencente à ciência Físico-fisical 7, 16, 22, 25, 26,
popular 14, 17, 19, 72, 83-86, 3 0 , 3 5 , 3 6 , 3 9 , 4 0 , 4 6 , 4 9 , 50,
89, 9 0 , 173, 188, 191, 195 5 1 , 58, 59, 62, 68, 74, 83-88,
Comportamento expressivo 5 1 , 136 9 2 - 1 0 0 , 102, 103, 105, 106,

1\\
109-111, 113, 115, 121, 122, 46, 6 2 , 7 1 , 8 8 , 8 9 , 9 2 , 9 5 - 9 8 ,
126, 127, 129, 130, 135, 136, 100, 102, 110, 126, 174, 187,
138, 142, 148, 150, 154, 155, 192, 193
158, 160, 163, 166-168, 178, Naturalismo 21, 24, 29, 52, 53, 70,
183, 187, 189, 190, 192, 193 71, 80, 81, 113
Fórmula universal 16, 25, 26, 27 Necessidade hipotética 145-147
Fuzzylogic 133 Pampsiquismo 57
Hermenéutica/hermenéutico 15, Platonismo / platônico 1 6 , 2 7 ,
17, 62, 64, 68-71, 80, 81, 83, 97, 99, 100, 103-110, 126,
84, 87, 89, 90, 170, 187, 188, 139, 189
190, 191, 193, 195 Post-modernidade/post-moderno
Heurística/heurístico 4 1 , 62, 125 1 4 , 3 2 , 7 2 , 8 0 , 8 2 , 8 5 , 9 0 , 188
Materia 17,25,31,35,39,40, Principio da entropia/II. Principio
44, 51, 58, 59, 62, 71, 73, primeiro 35, 37, 86, 89, 191
8 4 , 8 6 , 8 9 , 9 0 , 9 2 , 107, 108, Protofisica 88, 96
110-116, 118, 119, 121, 123, Psicologia cognitiva 23
130, 140, 142, 148, 149, 152, Scala naturae 4 5 , 47, 50, 136,
153, 167, 169, 173, 175, 179, 137, 176, 181, 188
186, 188, 191-194 Sociologia/sociológico 68, 72,
Matéria-forma 57, 71, 130, 148, 80-82, 129, 157
149, 192 Teleología da natureza 11, 31,
Materialismo/materialístico 1 9 , 5 1 , 64, 120, 122, 123, 128, 135,
5 3 , 8 9 , 9 0 , 110, 112, 113, 123, 137,164
166, 169 (Teoria) de campo 25, 26, 9 5 , 111,
Metafísica/metafisico 7-11,16, 112, 192, 195
19,21,26,28,32-40,43,45, Teoria analítica da ciencia 16, 28,
46, 50, 52, 53, 56, 58-60, 102, 144, 168
63-65, 72, 75, 76, 78, 81, 83, Teoria de sistema 9, 68, 75, 155,
84, 90, 98-100, 103, 104, 160, 162, 175, 184
107, 109, 120, 122, 129, 139, Teoria do caos 8 3 , 8 5 , 8 6 , 9 1 , 1 5 3 ,
141, 142, 146, 150, 154, 156, 155,170,184
157, 164, 166, 170, 173, Teoria quântica 17, 25, 29, 36, 37,
177-179, 181-186, 188, 189, 39, 88, 95-97, 106, 108, 112,
191, 193-195 116, 152, 159, 160, 193, 194
Mundo da vida/pertencente ao Vitalismo/neovitalismo 55-58, 70,
mundo da vida 14, 16-18, 33, 73, 138

Introdução à Filosofia da Natureza


índice onomástico

Abel, G. 15 Einstein, A. 22, 67, 85, 99, 100, 105,


Apel, K.O. 21, 32, 70, 71, 147, 111, 112, 139, 189, 192, 193
161 Engels, E. M. 162, 171
Aristóteles 1 3 - 1 6 , 4 4 , 4 7 , 4 8 , 5 1 , Erbrich, P. 169
53, 57, 60, 62-64, 73, 74, 76, Essler.WK. 23, 91, 113, 193
93, 94, 98, 114, 120, 124, 127, Falkenburg, B. 92, 93, 96, 144
128, 136, 137, 139-155, 165, Feynman, R. 85, 117, 192
169, 170, 177, 185, 188, 192 Fichte, I. H. F. 6 9 , 7 8 , 7 9 , 8 2
Ashby.WR. 79, 160, 161 Fischer, K. 139
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Baumgartner, H. M. 4 1 , 6 6 , 1 1 3 Fölsing, A. 104
Bayertz, K. 181, 186 Frank, P. 100, 102
Beckermann, A. 92, 113, 114, 131 Galilei, G. 7, 10, 104, 105,
Bergson,H. 12,55,56,58 139-141, 146
Bieri, E 92 Ganoczy.A. 90
Birnbacher, D. 181,182,184,186 Gierer.A. 167
Bohm.D. 55, 85, 159, 160, 189 GloyK. 139
Böhme, G. 1 2 , 6 1 , 6 2 , 9 8 Goodman, N. 15
Breil, R. 12 Gould, S.J. 152
Carnap, R. 1 3 , 2 2 , 2 8 , 2 9 , 4 9 , 6 5 , Günter, G. 77, 78, 79, 82
113, 139, 193 Gutmann.W 171
Craemer-Ruegenberg, I. 142 Habermas, J. 10, 11, 21, 51, 52,
Cramer, F. 85, 90 97, 161
Daecke, S. M. 90 Haken, H. 84, 85, 192
Danto, A.C. 151 Happ, H. 149, 169, 170
Davidson, D. 10, 21, 34, 92, 146 Hauskeller, M. 42, 103
Davies, E 8 5 , 8 6 , 8 9 , 129, 191 Hawking, S. W. 25, 85, 87, 105
Dawkins.R. 4 5 , 134-136, 152, 176 Hegel, G. W. F. 8 , 3 2 , 3 3 , 3 9 , 4 0 , 5 7 ,
Dennett, D. C. 131 73, 76, 81, 82, 107, 122
Dijksterhuis, E. J. 119 Heisenberg, W 25, 37, 85, 99, 105,
Driesch, H. 55-58, 138 109, 111, 152, 167
Duhem, E 1 0 2 , 1 0 3 Hempel, C. G. 20, 23, 29, 65, 1 13,
Düring, I. 142, 154 121, 163

213
Honnefelder, L. 185, 186 Löw.R. 122
Hösle.V. 46 Marcuse, H. 9, 12
Infeld, L. 193 Maturana, H. R. 69, 73-76, 79, 82,
Irrgang, B. 182 184
Jammer, M. 110 Maurer, R. 182, 184
Janich, P. 2 1 , 6 6 , 6 7 , 8 7 , 9 6 , 1 0 8 , Mayr, E. 100, 152, 174
131, 147, 159 Meggle, G. 52
Jantsch, E. 84, 191 Metzinger, T. 69
Jonas, H. 9, 21, 4 3 , 44, 46, 52, 182, Meyer-Abich, K. M. 9 , 1 2 , 2 1 , 4 3 - 4 6 ,
183, 185, 186 55, 182, 183, 186
Jordan, P. 85 Mittelstraß,J. 2 1 , 6 6 , 9 8 , 1 1 3 , 1 2 6
Jung, C G . 168 Mohr.H. 175
Jung, M. 68, 69, 70 MonodJ. 85, 166, 189-191
Kambartel, F. 2 1 , 4 9 - 5 1 , 9 2 , 9 8 , Muck, O. 193
136 Müller, A.W 145
Kanitscheider, B. 1 2 , 2 0 , 2 7 , 8 7 , Mutschier, H. D. 34, 55, 60, 69, 104,
88, 89, 11 1, 139, 140, 159, 120, 136, 148
187, 191 Nachtigall, W 124, 125
Kant.J. 1 3 - 1 5 , 2 2 , 2 6 , 3 8 , 4 0 , 4 5 , 4 9 , Nagel, E. 22, 102, 1 13, 121, 156,
7 9 , 9 1 , 101, 102, 107, 109, 122, 163
129, 132, 165-168, 170, 189 Nagel,T. 50, 52, 57, 68, 69, 87,
Kaulbach, F. 147, 166 187
Keil.G. 24 Neurath, O. 22
Körner, S. 105 Newton, I. 91, 95, 111, 155, 189,
Krebs.A. 1 1 , 4 9 , 50, 51, 61, 136, 192, 193
151, 185 Nida-Rümelin, J. 186
Krings.H. 70, 71, 113 Oehler, K. 3 6 , 4 2
Kuhlmann, W 70 Ott, K. 182, 184
Kullmann.W. 142 Pape, H. 3 6 , 5 3
Lakatos, 1 . 3 1 Passmore.J. 181, 182
Latour, B. 80-82 Patzig, G. 181, 186
Leiber,T. 86, 155 Pauli, W 168
Leibniz, G.W 40, 74, 119 Peirce, C. S. 1 3 , 1 4 , 2 1 , 3 2 - 3 6 , 3 8 ,
Lenk.H. 15, 182, 184 4 0 - 4 3 , 53, 119, 122, 123, 165,
Lichtenberg, G. C. 121 168
Lorenzen, P. 21, 31, 50, 66, 121, Penrose, R. 105, 106, 1 10, 129
151 Pfordten.D. 1 8 0 , 1 8 2 - 1 8 4 , 1 8 6
Lorenz, K. 176 Picht, G. 9, 12
Lovelock.J. 72, 177, 179, 180, 184 Planck, M. 2 2 , 8 5 , 9 9 , 1 0 5 , 1 1 9 , 1 2 0

214 Introdução à Filosofia da Natureza


Platão 3 2 , 3 7 , 4 5 , 9 9 , 104, 105, Stegmüller.W 2 0 , 2 3 , 2 7 - 3 1 , 5 7 ,
109, 141, 169 65, 109-111, 113, 156, 157,
Polanyi.M. 121, 167 159-164, 169, 178, 194
Popper, K. 1 3 , 2 9 , 3 8 Stengers, J. 84, 85, 167
Poser, H. 28, 121 Stöckler, M. 86
Prigogine, I. 84, 8 5 , 86, 89, 167 Strawson, P. F. 1 3 , 9 3 , 9 4
Putnam, H. 1 4 , 1 5 , 2 1 , 2 7 , 5 2 - 5 4 , Taylor, P.W. 182, 183
57, 97, 98, 121, 131, 142 Teilhard de Chardin, P. 8, 3 5 , 58,
Quine, W v.O. 13, 14, 20, 23, 88, 168
49, 92, 94, 96, 99, 101, 102, Tetens, H. 23, 131, 159
109, 150 Thro, E. 135
Rapp, F. 184 Tipler, F.J. 22, 85, 105, 120, 129
Rehmann-Sutter, C. 6 1 - 6 5 , 139, Tomas de Aquino 13 7
153 Toulmin, S. 31
Ricken, R 182, 185 Tugendhat, E. 47, 150, 151
Ropohl, G. 9 , 4 8 , 118, 174 Varela, F.J. 69, 73-76, 79, 82, 184
Rorty, R. 97 Vogeley.K. 100
Ross, D. 145 Vries.J. 138
Sachsse, H. 177, 178, 184 Wagner, H. 1 4 2 , 1 4 3 , 1 4 7 , 1 4 8 ,
Schäfer, L. 9, 56, 58-62, 65, 98, 186 153, 154
Schiemann, G. 62, 98 Weinberg, S. 22, 25-28, 85, 189
Schlick, M. 22, 100 Weizsäcker, C. F. v. 9 9 , 1 0 6 - 1 1 0 ,
Schmidt, S.J. 75 112, 114, 192
Schmitz, H. 61, 62 Wenzl.A. 194, 195
Scholz, H. 32, 105 Whitehead, A.N. 12,14,21,32-43,
Schõnrich, G. 42 103-105, 1 19, 123, 165, 168
Schrödinger, E. 8 5 , 189 Wickler, W 152
Schulz, H.H. 130 Wieland, W 147, 148
Searle.J.R. 129 Wiener, N. 129, 156
Seel.M. 55, 61 Wind, E. 168
Seid], H. 138 Wolf, U. 11, 143, 144, 150
Soentgen, J. 62 Wright, G. H. 70, 71, 147
Solmsen, R 140 Zekl.H.G. 143
Spaemann, R. 122 Zoglauer, T. 125, 126, 127, 128, 158

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