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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO MESQUITA FILHO”

GOVERNANÇA E TERRITÓRIO: DISCUSSÃO NA PERSPECTIVA DA


MUNICIPALIZAÇÃO

Eric Machado Paulucci

Araraquara, SP
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO MESQUITA FILHO”

GOVERNANÇA E TERRITÓRIO: DISCUSSÃO NA PERSPECTIVA DA


MUNICIPALIZAÇÃO

Trabalho apresentado a disciplina de


“Fundamentos da Análise Cognitiva de Política
Pública: a Decisão, Instrumentação e Regulação
na Educação” do Programa de Pós-Graduação em
Educação Escolar da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de
Araraquara como requisito de avaliação da
disciplina.

Araraquara, SP
2019
Apresentação

O presente trabalho intitulado “Governança e Território: Discussão na


perspectiva da municipalização”, tratará a questão da municipalização e
consequentemente da descentralização no Brasil.

É objetivo do trabalho entender como o processo de municipalização foi


acontecendo historicamente, e como ele está vinculado à governança e território,
de maneira que possa-se construir um repertório de informações capazes de
fomentar uma discussão em relação à temática.

Está organizado em três seções. A primeira parte dedica-se em explicar


o que é a municipalização e como está relacionada a descentralização. A
segunda seção se ocupa de descrever como esta medida influencia direta e
especialmente à educação, enunciando desta forma, a municipalização da
educação. Por último, busca-se relacionar toda a temática com o
empoderamento local e a territorialidade.

Para fortalecer as questões aqui postas, o trabalho irá se apoiar na revisão


de literatura acerca da temática, que engloba um olhar reflexivo a respeito dos
conceitos: governança, território e municipalização, envoltos na discussão sobre
o ensino no Brasil.
Governança x Municipalização: “outra forma” de governar

No Brasil, com a Constituição de 1988, um novo marco é constituído


abrindo margens para as constantes metamorfoses que o país vem sofrendo. O
foco principal dessas transformações é o status atribuído aos municípios: o de
entes federados, o que na prática quer dizer que, os municípios passam a ser
considerados dentro de um corpo, junto a União e os Estados, dotado de
autonomia quanto a sua legislação, governo próprio e principalmente
autorrecadação - o que parece uma estratégia bastante conveniente. Essa nova
esfera trouxe uma preocupação com a restauração da democracia, em especial
no que se refere ao empoderamento das comunidades locais, o que
eventualmente poderia desencadear uma maior participação política das
pessoas, ou um conjunto de lideranças que representasse melhor suas
comunidades.

Desta forma, a municipalização surge vinculada à ideia de


descentralização do Estado, se opondo às medidas perfil do período da ditadura
militar no Brasil, reafirmando a democracia como valor social. Estabelece-se aí,
um novo discurso e estratégia política de distribuição de poderes políticos e
financeiros, desburocratização, fiscalização e cooperação, sendo inclusivo no
desenvolvimento de políticas públicas.

Posto isto, a municipalização pode ser identificada como um esforço de


ajustes e articulações dos poderes do Município para a prestação de serviços,
responsabilizando não só a Prefeitura, mas também a sociedade civil. Trata-se
de uma possibilidade de aproximar a população dos serviços, estruturando o
trabalho do Estado com maior eficiência. Por isso, segundo Maria Luiza Levi, no
Dicionário de Políticas Públicas,

[...] a municipalização combina-se com o princípio da


descentralização político-administrativa e com o fortalecimento
da autonomia dos municípios, sustentando-se muitas vezes na
ideia de que a localização dos serviços na esfera municipal faz
com que eles fiquem mais próximos dos cidadãos, de seus
problemas e de sua capacidade de controle e regulação. Em um
país de grandes diversidades econômico-sociais, climáticas e
culturas, como o Brasil, tal modadlidade de descentralização cria
condições para que os municípios assumam responsabilidades
de gestão de acordo com as necessidades e características de
suas populações, estimulando a fixação na esfera municipal de
novas competências e capacidades políticas-institucionais
(LEVI, 2015, p. 601).

Aparentemente a municipalização parecia ser uma alternativa


interessante, sobretudo pela esperança de que os territórios marginalizados
poderiam ser finalmente atendidos e desenvolvidos de acordo com suas
particularidades. Entretanto, no Brasil, haviam alguns poréns entre teoria e
prática, que não necessariamente desmontavam essas ambições, mas que
apontava para uma justificativa bastante intencional para essas mudanças. O
fato dessas transições serem aprovadas através de acordos entre parlamentares
da Assembleia, mostra que apesar da promoção de uma face da municipalização
como uma intenção de transferir responsabilidades (e possibilidades)
administrativas, existem ainda os interesses políticos que essa mudança
carrega, principalmente no que tange às questões econômicas e a formação de
base política.

A proposta de gestão local, se leal a sua finalidade, antes do interesse de


redução de custos, deve apoiar-se no seguinte tripé: aproximação entre quem
organiza e quem é beneficiado pelas ações e políticas públicas; correspondência
entre ação e demanda; e por último a possibilidade de vigilância dos cidadãos
sob as ações realizadas. É neste sentido que Carvalho (2006) defende a ideia
de descentralização:

A municipalização não é apenas expressão de uma reforma do


Estado para reduzir custos e desresponsabilizar o estado na
garantia de serviços de direito dos cidadãos. É necessária para
criar uma governança pautada na participação e democratização
da coisa pública, sobretudo, pautada na produção de uma
gestão territorial de proximidade, integralizando atenções ao
cidadão com desenvolvimento local (CARVALHO, 2006, p.127)

Na prática, a grande movimentação ocorreu na esfera financeira, dado


que o volume próprio de recursos financeiros do municípios cresceu em quase
197% entre os anos de 1988 e 1998. Além disso, este municípios passaram a
ter maior participação no bolo tributário nacional, atingindo 17% (SOUZA, 2004).
Desta forma, o processo de municipalização também destaca a tensão entre a
necessidade de um governo local versus a viabilidade deste governo, mostrando
que este tipo de organização é bastante complexa, atravessando questões como
estrutura, arrecadação, financiamento, etc. Um dos aspectos que envolve esta
complexidade é o fortalecimento da desigualdade recorrente de um sistema de
municipalização aplicado a regiões de características geográficas e
demográficas diversas, apresentando diferentes extensões territoriais.

As tabelas 1 e 2, analisadas em Souza (2004), refletem essa diversidade


numa dimensão regional do país, que nos deixa pistas do que provavelmente
acontece no âmbito municipal.
A Municipalização do Ensino

Nesta seção, a discussão a respeito da municipalização do ensino


destaca dois níveis: a conceitualização histórica e os processos que
desencadearam essa suposta descentralização, e a questão do financiamento
da educação.
Em 1990, a municipalização recebe apoio e reforço de políticas das áreas
sociais, destacando as políticas nacionais de educação, entretanto, este é um
movimento que foi construído muito antes dos anos 90. Historicamente o Brasil
apresenta um consenso, dito utópico pelos autores Oliveira e Teixeira (1997), de
que descentralização de fato é uma premissa para a democratização. E ao
examinar essa premissa esbarramos em três eixos da descentralização do
ensino: administrativo, econômico - financeiro e currícular-pedagógico sendo a
vertente administrativa, a primeira protagonista deste acontecimento.
No contexto brasileiro, há aqueles [pesquisadores] que defendem a
municipalização do ensino, assim como aqueles que percebem que os
municípios ainda não possuem recursos humanos e financeiros para esta
responsabilidade. Dentre aqueles que se colocaram a favor da tarefa, pronuncia-
se em 1924, Anísio Teixeira, defensor do localismo educacional, educador e
escritor brasileiro, assumindo que o Município deveria oferecer a população, os
anos iniciais do nosso atual ensino fundamental, gratuito, com a cooperação
entre o município, as esferas do governo e o financiamento fundamentado no
custo-aluno, ideias já enunciadas na Constituição de 1891. Anísio foi Inspetor
Geral do Ensino no Estado da Bahia, e no período da sua atuação, trouxe leis
com princípios de descentralização administrativa como a Lei n.1.846, de 14 de
agosto de 1925, que reformulou a Instrução Pública do Estado da Bahia e o
decreto estadual 4.312/25 que propunha os primeiros Conselho Municipais de
Educação, que posteriormente desempenharia o papel de zelar e vigiar o serviço
escolar local e indicar medidas que ajustassem as condições do município
(COSTA, 2009).
Como dito anteriormente, desde antes do século XX já se discutia a
descentralização do ensino, conjuntura reforçada pelo Ato Adicional de 1834,
debatendo a responsabilidade do governo e das Províncias, no que se refere à
proposta de educação pública. Segundo Costa (2009), o Ato Adicional encarrega
as Províncias de:
“[...] legislar sobre a instrução pública e estabelecimentos
próprios a promovê-la, não compreendendo as faculdades de
Medicina e Cursos Jurídicos, academias atualmente existentes
e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que de futuro
forem criados por lei geral”. (VIEIRA; FARIAS, 2007 apud
COSTA, 2009, p.123)

Em seguida, no ano de 1891 a discussão segue em amadurecimento com


a composição do Estado Brasileiro com base na norma federalista e com a
Constituição de 1891 pronunciando a autonomia dos municípios, que na prática
correspondeu apenas ao reforço do poder do Estado na nomeação dos prefeitos.
Assim, com a crença de que a descentralização poderia assegurar a educação
como direito, transfere-se a responsabilidade pela educação aos Estados-
membros.
Com o passar dos anos, algumas conquistas foram alcançadas da mesma
forma que admitiram oscilações, como por exemplo, a Constituição de 1934 que
fixa mínimos orçamentários dos Municípios destinados ao ensino e em
contrapartida, a Constituição de 1937 que traz ideias repressivas e
centralizadoras, desfazendo a referência de educação como direito de todos.
Desse modo, neste mesmo seguimento, em 1948, é enviado o primeiro
projeto da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), adotando a
descentralização do ensino como preceito. Em 1961 o projeto é aprovado,
alavancando um escancarado movimento em prol da municipalização.
Após este período, a preocupação efetiva e direta com a municipalização
do ensino parecia mais nítida. Depois da Constituição de 1988 reconhecer o
município como ente federado, autônomo, principalmente quanto a organização
de seu sistema, em 1996, a municipalização do ensino (ensino fundamental) foi
efetivada, em consonância com uma nova gestão de política financeira,
nascendo assim o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério), fundo contábil responsável
por direcionar os gastos com ensino. Segundo Cassab (2010), o FUNDEF atuava
com as seguintes finalidades:

[...] distribuía os seus recursos proporcionalmente ao número de


alunos do ensino fundamental regular, matriculados nas redes
municipais e estaduais. No discurso oficial, o FUNDEF buscava
amenizar alguns dos problemas das redes de ensino
fundamental brasileiras, tais como: as enormes desigualdades
educacionais entre as diferentes regiões; os baixos salários
pagos aos profissionais do ensino fundamental; o grande
número de professores despreparados; a falta de investimento
de muitos municípios no ensino fundamental, entre outros
(CASSAB, 2010, p.9).

Por conseguinte, o fundo foi considerado como uma medida indutiva, já


que ele encoraja os municípios a adotarem a tendência descentralizadora da
municipalização, uma vez que trata a questão do financiamento da educação, e
consequentemente quem ganha ou perde recursos do seu orçamento. Mais
tarde o fundo é substituído pelo FUNDEB (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica), que não investe apenas no ensino
fundamental, mas em todos os níveis da educação básica.
Oliveira (2001) defende que este processo de descentralização pode ser
entendido como um movimento mais complexo que a intenção por uma marcha
em prol da democratização, sendo ela uma transferência de encargos de uma
esfera à outra. Além disso, uma outra possível causa dos disparos a favor da
municipalização está intimamente ligado aos princípios de “racionalização” do
Banco Mundial.
Já Rosar (2001) aponta uma uniformidade em relação a municipalização
em alguns países da América Latina: a tendência descentralizadora como
tentativa de desorganizar resistências de grupos compostos por professores,
submetendo-os a reformas que permitem a ampliação do número de alunos em
sala de aula, a baixa remuneração salarial e de recursos para a educação.
No estado de São, a Associação dos Professores do Ensino Oficial do
Estado de São, Paulo (APEOESP) organizou um movimento contrário à
municipalização, destacando que o projeto apresentava fragmentações
pedagógicas e administrativas, riscos de clientelismo político e a lesão direta do
salário do professor (GUIMARÃES, 1994). Ao que tudo indicava, a
municipalização não levaria, efetivamente, a uma descentralização das
decisões, mantendo o poder sob cautela do Estado, apresentando desta forma
apenas um repasse de recursos.
Para a APEOESP, o movimento da municipalização apareceu como
pressuposto para as privatizações, sendo ele, resultado da dívida externa dos
países da América Latina, que seriam pressionados pelo Fundo Monetário
Internacional a reduzir seus gastos públicos.
Segundo Guimarães (1994), neste período da apresentação da
municipalização como “alternativa”, são maximizadas as carências para que de
alguma forma, qualquer que seja a contribuição do projeto, seja vista como
migalhas, que apesar de migalhas não poderiam ser recusadas.
Desta forma, apresenta-se aqui uma gama de teorias e acontecimentos
que discorrem a temática da municipalização do ensino, que precisa ser
analisada por uma ótica ampla, permitindo diversas visões a respeito da medida.
Nesta perspectiva que azanha produz sua escrita advogando que é preciso ter
claro quais são os problemas que se pretende resolver com uma política
municipalista em educação, para que desta forma estejamos aptos a
desenvolver qualquer opinião:

Nesse quadro, em que a municipalização do ensino se


transformou muito mais numa bandeira do participacionismo do
que num projeto educacional, é preciso um esforço no sentido
de impedir que a exploração política do tema nos conduza a um
desmantelamento não seletivo e, por isso mesmo, não-racional
do sistema estadual do ensino de 1º Grau. Municipalização do
ensino é apenas uma expressão abstrata e, nessas condições,
nada indica que deva provocar reações de apoio ou de
desaprovação (AZANHA, 1991).

Governo x Território x Territorialidade

Antes de iniciar a apresentação em torno do empoderamento local e a


descentralização, percebe-se aqui a necessidade de introduzir a territorialidade
como tema relevante no agrupamento entre os objetos governo, território e
políticas públicas.
Segundo a definição de Bernardo M. Fernandes, disposta no dicionário de
políticas públicas – fonte do qual se fará uso constante nesta seção -, a
territorialidade guarda uma grande complexidade de significados, estando
sempre associada ao território. Para o autor, “a territorialidade é uma
propriedade do território” (FERNANDES, 2015, p.998), tornando imprescindível
incluir nas reflexões acerca das políticas de desenvolvimento do território a
questão da territorialidade. Á vista disso, ao analisar as territorialidades
humanas, a concepção de territorialidade remete a “um conjunto de condições
que explicitam formas, relações e processos que criam e transformam territórios”
(FERNANDES, 2015, p.998), isto é, a comunidade quanto conjunto de pessoas
tem o poder de produzir seus territórios e suas territorialidades, criando relações
e formas de organização, admitindo sistemas, movimentos, produzindo e sendo
produto de relações sociais.
Dentro dessas relações sociais, inevitavelmente há relações de poder;
vínculo este que é expresso pelas territorialidades ao mostrar o dominador e o
dominado nos territórios. Assim, ao identificar tais características, torna-se
plausível trazer os conceitos de território e territorialidade como palavras-chave
na implantação de políticas públicas, uma vez que através delas cria-se
condições de perceber espaços de resistência, necessidades, modos de vida,
sonhos, perspectivas, óticas de mundo, desejos dos indivíduos que habitam
determinado território, etc. Além disso, é preciso estar convencido de que essas
políticas atuam de maneira viva na territorialidade de um território,
transformando-o, estando ciente de que o desenvolvimento só fará sentido se
vinculado a medidas que respeite as propriedades comunitárias e os sujeitos
constituídos por este território.
Fernandes (2015) apresenta um exemplo de territorialidade nas cidades:

[...] os movimento sem teto disputam territórios procurando


garantir moradias populares, enquanto empresas pretendem
construir condomínios, centros de compras etc. Quando um
movimento social conquista um território e as pessoas começam
a construir suas casas, inicia-se a configuração que expressará
sua territorialidade. [...] Essa é uma expressão de poder, é uma
estratégia para transformar o território e dar a ele significado
(FERNANDES, 2015, p.1000).

Agora, ao imaginar o local, isto é, o território como espaço de governança,


como espaço de políticas educativas, traz-se a reflexão sobre o significado e
funções da espacialização das políticas de educação, englobando o “local como
lugar de aplicação, local como lugar de inovação e mobilização; o local como
lugar de decisão e construção de políticas” (BARROSO, 2013, P.13). Nessa
perspectiva, segundo Barroso (2013) a territorialização influência potencialmente
no advento de uma “nova ordem educativa local” como um espaço público
multirregulado, envolvendo diversos atores, como entidades públicas e privadas,
associações, redes informais e movimentos sociais sendo agora um espaço de
decisão e construção de políticas mais democráticas e descentralizadas. Desse
modo, a

descentralização faz-se para atingir os seguintes objetivos: aproximar o


local de decisão do local de aplicação; ter em conta as especificidades
locais; promover a participação dos utilizadores dos serviços públicos
na sua gestão; reduzir a burocracia estatal; libertar a criatividade e
desencadear a inovação pedagógica (BARROSO, 2013, p.17).

Mas ainda, é importante destacar que a descentralização traz consigo


uma série de contradições quando analisado a realidade e as promessas que
seus defensores discursam, isto é, que na prática, a descentralização está longe
de atingir todos os propósitos. Portanto, podemos dizer que, no caso brasileiro,
com a descentralização, apresenta-se aqui um movimento que não
necessariamente cumpre com todas os ideais prometidos, apontando apenas
para o fortalecimento da implementação de políticas socias e não em direção a
uma autonomia capaz de decidir sobre como e onde investir recursos.

Em contrapartida, a Constituição de 1988 empodera comunidades locais


ao promover mecanismos de participação destas comunidades em fóruns
decisórios e o envolvimento no controle dos resultados de algumas políticas
públicas pontuais. Neste sentido, inicia-se aí novos atores no processo decisório
local, começando a consolidar experiências participativas, ainda que de diversos
modelos:
Existem experiências nas quais prevalecem formas mais
restritas de participação, que se resumem a dar voz aos
cidadãos, enquanto em outras a participação torna-se um
mecanismo de empoderamento que visa promover mudanças
na assimetria de poder entre atores sociais locais. Esse último
formato visa, via ação coletiva, diminuir desigualdades políticas
e sociais (SOUZA, 2004, p.38).

Por fim, fica a dúvida se, de fato, essas novas institucionalidades são
viáveis, principalmente no que se refere ao escasso apoio governamental,
mesmo que tenha ocorrido uma maior participação das comunidade em algumas
instâncias da governança local.
Referências

AZANHA, José Mário Pires. Uma idéia sobre a municipalização do ensino. Estudos
Avançados, v. 5, n. 12, p. 61-68, 1991.

BARBOSA, Jorge Luiz. Políticas Públicas, Gestão Municipal e Participação Social na


Construção de uma Agenda de Direitos à Cidade. Scripta Nova. Revista Electrónica
de Geografía y Ciencias Sociales, v. 14, 2010.

BARROSO, João. A emergência do local e os novos modos de regulação das políticas


educativas. Educação: temas e problemas, n. 12_13, p. 13-25, 2013.

CASSAB, Roseane Aparecida da Silva. A municipalização do ensino fundamental e


a valorização do trabalho docente. 2010. Trabalho de conclusão de curso.
Licenciatura em Pedagogia. Insituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, São Paulo.

COSTA, Jean Mario. A proposta de municipalização do ensino nos anos 1990 e seus
impactos nas relações entre entes federados. Gestão Educacional nos Municípios:
entraves e perspectivas. Salvador: EDUFBA, p. 119-163, 2009.

FERNANDES, Bernardo Mançano. Territorialidade. In: GIOVANNI, GERALDO DI;


NOGUEIRA, Marco Aurélio. Dicionário De Políticas Públicas-2ª EDIÇÃO. São
Paulo: UNESP, 2015.

GUIMARÃES, José Luiz. Desigualdades regionais na educação: a municipalização


do ensino em São Paulo. Unesp, 1994.

LEVI, Maria Luiza. Municipalização. In: GIOVANNI, GERALDO DI; NOGUEIRA, Marco
Aurélio. Dicionário De Políticas Públicas-2ª EDIÇÃO. São Paulo: UNESP, 2015.

OLIVEIRA, Cleiton de; TEIXEIRA, Lucia Helena. Municipalização e gestão


municipal. C. WITTMANN; RV GRACINDO (coords.), O estado da arte em política e
gestão da educação no Brasil, v. 1997, p. 133-150, 1991.

OLIVEIRA, R. P. A municipalização do ensino no Brasil. In: OLIVEIRA, D. A. (Org.)


Gestão Democrática da Educação. Petrópolis: Vozes, 2001.

ROSAR, M. F. F.. O Binômio, Descentralização Globalização Como Parte da


Estratégia do Neoliberalismo. In: OLIVEIRA, D. A. (Org): Gestão Democrática da
Educação. Petrópolis: Vozes, 2001.
SOUZA, Celina. Governos locais e gestão de políticas sociais universais. São Paulo
em perspectiva, v. 18, n. 2, p. 27-41, 2004.

Anexo 1 - Verbetes
GIOVANNI, Geraldo Di; NOGUEIRA, Marco Aurélio. Dicionário De Políticas
Públicas-2ª EDIÇÃO. São Paulo: UNESP, 2015.

Territorialidade (Bernardo Mançano Fernandes): A territorialidade é uma


propriedade do território. Expressa as diversas relações e formas de uso do
território que são definidoras da configuração territorial. Dois exemplos: uma
grande extensão de cana-de-açúcar e uma área habilitada por pequenos
agricultores. No primeiro exemplo, o território é usado somente para a produção
de commodities: açúcar, álcool, energia elétrica. No segundo exemplo, o
território é usado para a produção de mercadorias: cereais, frutas, leite etc., e é
nesse mesmo território que pessoas vivem, de modo que podemos encontrar
casas, escolas, igrejas, postos de saúde etc. As formas como estão organizados
e as relações que produzem são definidoras da configuração territorial que
expressam a territorialidade. A territorialidade do território do agronegócio é
distinta do território de uma comunidade camponesa. Portanto, para pensar
políticas de desenvolvimento para esses territórios, é necessário levar em conta
suas territorialidades.

Os primeiros estudos sobre territorialidade analisaram os habitats de


diferentes espécies animais de modo a conhecer melhor seus comportamentos
e como definiam seus territórios. Nos estudos das territorialidades humanas, o
conceito de territorialidade passou a significar um conjunto de condições que
explicitam formas, relações e processos que criam e transformam territórios.
Nesses estudos, procura-se compreender as conflitualidade geradas pelas
produções das territorialidades dos diferentes territórios. As pessoas e suas
formas de organização produzem seus territórios definindo suas territorialidades.
Esses processos são distintos e colidem, explicitando encontros e desencontros
dos modelos de desenvolvimento.

Há diferentes compreensões sobre o conceito de território. A mais


clássica compreende o território como espaço de governança, de modo que esse
seria apenas as áreas territoriais do país, dos estados e dos municípios. O
debate contemporâneo sobre o conceito de território tem como ponto de partida
a definição clássica, mas não limita o território ao espaço de governança. Nesse
debate, há várias vertentes teóricas que procuram analisar as características
materiais e imateriais dos territórios. Com essas análises, o conceito de território
passou a ser utilizado para além das concepções de “área”, “extensão”,
“superfície” e “palco”, “espaço de governança”. O conceito contemporâneo de
território incorpora as relações sociais no processo dialético de criação e
produção de novos espaços e territórios, de modo que o território não é somente
a “base” unidimensional onde se realizam as relações sociais que produzem as
formas e os conteúdos dos territórios. É o conjunto indissociável dos processos,
sistemas, relações, movimentos, possuindo materialidade e imaterialidade,
sendo criador e criação, produtor e produto, sujeito e objeto, de modo que é
produzido pelas relações sociais e produz relações sociais.

A partir dessa concepção multidimensional de território, destacam-se os


espaços políticos produzidos por relações de poder. Os estudos recentes
procuram destacar as diversas dimensões do território. Estudos sobre cultura,
economia, política, sociedade e ambiente em diferentes escalas no campo e na
cidade são realizados procurando analisar diferentes territorialidades. As
territorialidades expressam as relações de poder que determinam as
configurações territoriais. Elas nos ajudam a identificar quem domina e quem é
dominado nos territórios. As territorialidades também estão expressas nas
paisagens de modo que seus componentes revelam as relações sociais,
políticas e econômicas.

Desde o princípio da década de 1990, os conceitos de território e


territorialidade passaram a ser muito mais utilizados por várias áreas do
conhecimento, por governos, agências multilaterais e movimentos sociais,
especialmente pelo movimento dos camponeses e indígenas. Tornaram-se
palavras-chave na implantação de políticas públicas e privada, nos campos, nas
cidades e nas florestas, promovidas pelas transnacionais, governos e
movimentos sociais. Essas políticas formam diferentes modelos de
desenvolvimento que causam impactos socioterritórais e criam formas de
resistências, produzindo constantes conflitualidades. Nesse contexto, o conceito
de território é utilizado em suas diferentes acepções: como espaço de
governança e como espaço de poder formados pelas propriedades particulares
e comunitárias.

A aplicação recente dos conceitos de territorialidade e território surge de


duas fontes: Começou pelas políticas de desenvolvimento para a criação de
infraestrutura e logística para a exploração dos territórios pelas empresas
multinacionais. Essas políticas colidiram com os território indígenas e
camponeses e com as comunidades urbanas que vivem em favelas. Seu objetivo
é o deslocamento dessas populações de modo a liberar o território para as
grandes projetos de produção de commodities agrícolas ou minerais e para a
construção de condomínios de luxo, edifícios de apartamentos, ou centros
comerciais. Evidente que essas políticas mudam completamente a
territorialidade desses territórios. A segunda fonte surgiu das populações
atingidas por essas políticas de desenvolvimento. Elas criaram formas de
resistência e redefiniram o conceito de território para além da concepção de
espaço de governança, defendendo que os espaços onde vivem são seus
territórios e que os projetos de desenvolvimento devem contemplá-los e não
excluí-los.

As disputas territoriais entre governo, empresas e grupos sociais revelam


as territorialidades em questão que estão associadas aos projetos de
desenvolvimento. Quando uma multinacional produtora de monocultura de
árvores se estabelece em um determinado território, ela não tem interesse de
interagir com a população originária. Nas cidades, os movimento sem teto
disputam territórios procurando garantir moradias populares, enquanto
empresas pretendem construir condomínios, centros de compras etc. Quando
um movimento social conquista um território e as pessoas começam a construir
suas casas, inicia-se a configuração que expressará sua territorialidade. Do
mesmo modo, um movimento de sem terras, quando ocupa um latifúndio e o
governo implanta um assentamento, configura uma nova territorialidade. Essa é
uma expressão de poder, é uma estratégia para transformar o território e dar a
ele significado.

O território como espaço de governança contém todos os tipos de


territórios. Governo, empresas, igrejas, sindicatos, organizações não
governamentais, partidos políticos e movimentos sociais possuem seus
territórios e produzem diferentes territorialidades que se sobrepõem gerando a
multiterritorialidade. Nesse complexo socioterritorial ocorrem conflitos que
determinam os usos dos territórios. A multiterritorialidade expressa também as
transformações dos territórios, como expansão, criação e destruição. A
expansão e/ou a criação de territórios são representadas pela territorialização e
a destruição é representada pela desterritorialização. Esses movimentos
explicitam os conflitos e as contradições geradores da territorialização-
desterritorialização-reterritorialização (TDR).

Exemplos de TDR ocorrem quando empresas se instalam ou mudam de


cidades e países de acordo com as conjunturas econômicas e políticas, quando
os movimentos sociais rurais e urbanos ocupam terras reivindicando a reforma
agrária ou moradia, quando a polícia prende traficantes que controlam
determinados bairros e semanas depois o tráfico é reorganizado. Essas ações
estão relacionadas com diversas políticas públicas formuladas pelos governos
ou por ações de grupos sociais que materializam territórios e territorialidades.

A territorialidade possibilita a compreensão das ações no tempo e no


espaço, explicitando múltiplas territorialidade. Uma rua, por exemplo, pode ser
utilizada para o tráfego de veículos, para o lazer nos finais de semana e para a
feira-livre semanal. As territorialidades podem ser vistas como expressões
próprias de um território, mas que acontecem em outros territórios. Dois
exemplos: pessoas tomando chimarrão em determinado lugar nas regiões Norte
e Nordeste. São costumes apropriados por parte da população local como
resultado da interação e convivência com gaúchos. Pessoas dançando forró,
rock ou tango na cidade de São Paulo como resultados das interações e da
convivência com diferentes culturas.

A ideia de território e territorialidade possibilita uma análise ampla, quando


pensamos a relação e o espaço onde ela se realiza. Podemos fazer uma leitura
espacial e compreender melhor propostas, projetos, objetivos, sonhos e desejos
dos sujeitos que vivem nos territórios, que fazem e são feitos pelos territórios por
meio da territorialidade. A territorialidade é conceito essencial para que se
projetem políticas públicas pensadas e implementadas por governos, empresas
e comunidades. É por seu intermédio que reconhecemos as diferenças, as
singularidades, os poderes e as formas de subalternidade. O uso da
territorialidade contribui de fato para o uso democrático dos territórios, onde
todos vivem e produzem, criam e destroem. A territorialidade expressa, por fim,
o modo de vida das pessoas, suas visões de mundo, suas perspectivas. As
políticas públicas são ações que modificam as territorialidades,
predominantemente, para melhor. E no mundo globalizado, territorialidade e
política pública são indissociáveis.

Municipalização (Maria Luiza Levi): Município é uma divisão territorial prevista


na legislação brasileira que designa uma unidade administrativa com autonomia
política e financeira. Municípios são territórios com governo próprio, ao qual
competem determinadas responsabilidades com relação a legislar, fiscalizar,
coletar tributos e prestar serviços de natureza pública.

A autonomia municipal constitui elemento singular do pacto federativo


brasileiro, já que os países organizados como federações normalmente
reconhecem apenas duas esferas de poder, uma central e outra regional, que
eventualmente se subdivide em sub-regiões a ela subordinadas. No Brasil, com
a Constituição de 1988, os municípios adquiriram status de entes federados,
deixando de se subordinar a instâncias superiores e passando a figurar ao lado
da União e dos Estados. No entanto, essa condição de unidade federada é
limitada, já que os municípios não têm assento no Congresso Nacional, ao
contrário dos Estados, que têm no Senado Federal seu espaço específico de
representação na política nacional. Assim, a autonomia política dos municípios
como unidades da Federação se limita ao atributo de governarem a si próprios.

A Constituição de 1988 incorporou uma série de mecanismos objetivando


a descentralização do Estado e o fortalecimento dos poderes locais, como
reação à centralização política e administrativa característica do período da
ditadura militar vigente no Brasil entre 1964 e 1984. A nova carta recebeu a
denominação de Constituição cidadã não somente por estabelecer uma série de
direitos universais, mas também por atribuir mais poderes e responsabilidades
aos municípios, sob a noção de que isso tenderia a aumentar a participação dos
cidadãos na vida pública, condição essencial da consolidação do processo de
abertura política e construção da democracia no país.
Dentre os mecanismos constitucionais que incentivam a multiplicação dos
municípios, destacam-se a aplicação das receitas das prefeituras, tanto próprias
como de transferências da União e dos Estados, e o abrandamento das regras
para a criação de novos municípios, que passou a depender apenas de critérios
estabelecidos em lei estadual. Até então, o desmembramento de um município
deveria preencher uma série de requisitos mínimos, relacionados, por exemplo,
à sua população, sua participação na arrecadação estadual e sua distância em
relação ao município de origem. Efetivamente, dos pouco mais de 5.500
municípios existentes, mais de 1.300 foram criados entre 1988 e 1996, ano em
que uma nova norma, a Emenda Constitucional n. 15/96, acabou, na prática,
interrompendo a tendência de emancipação municipal. Além de ter estabelecido
a obrigatoriedade de consulta prévia às populações envolvidas via plebiscito e
estudo de viabilidade do novo município publicado em forma de lei, a EC n. 15
determinou a necessidade de aprovação de uma lei complementar disciplinando
o período em que um município poderia ser criado (em relação às eleições
municipais), e que ainda não ocorreu.

Alguns autores veem a expansão do número de municípios que se seguiu


à Constituição de 1988 como um processo de fragmentação territorial e
proliferação de pequenas cidades sem condições autônomas de funcionamento.
O fato é que o estabelecimento da fronteira entre as necessidades políticas e
administrativas da população de determinado território e a real viabilidade de um
governo local é uma questão complexa, que envolve vários aspectos. Por um
lado, muitas cidades brasileiras são caracterizadas por grandes extensões
territoriais, o que tende a dificultar o exercício das ações administrativas de suas
prefeituras e a estruturação das políticas públicas. Além disso, o brasil é
caracterizado por enormes disparidades regionais, e a presença de um governo
local pode contribuir para atenuar o baixo dinamismo econômico de determinada
região. Por outro lado, entretanto, muitos dos novos municípios criados após a
nova Constituição têm população extremamente reduzida e baixíssima
capacidade de arrecadação, elementos que questionam a necessidade de sua
existência, seja no que diz respeito à viabilidade de sua administração, seja com
relação à efetivação de sua condição de ente federado autônomo.
A face mais importante do conceito de municipalização, porém, tem a ver
com uma estratégia de transferência para as cidades da responsabilidade e dos
recursos necessários para o pleno exercício das funções de coordenação,
negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria de
uma série de serviços e políticas públicas que antes estavam sob
responsabilidade federal ou estadual. Nesse sentido, a municipalização
combina-se com o princípio da descentralização político-administrativa e com o
fortalecimento da autonomia dos municípios, sustentando-se muitas vezes na
ideia de que a localização dos serviços na esfera municipal faz com que eles
fiquem mais próximos dos cidadãos, de seus problemas e de sua capacidade de
controle e regulação. Em um país de grandes diversidades econômico-sociais,
climáticas e culturas, como o Brasil, tal modalidade de descentralização cria
condições para que os municípios assumam responsabilidades de gestão de
acordo com as necessidades e características de suas populações, estimulando
a fixação na esfera municipal de novas competências e capacidades políticas-
institucionais.

Ao descentralizar recursos e competências, a Constituição de 1988 dotou


o município de autonomia e de novas atribuições no plano da Federação. Os
entes municipais tornaram-se responsáveis pela condução de diversas políticas
públicas. Na área da saúde, por exemplo, estão legalmente obrigados a investir
15% do total de suas receitas. Encarregam-se do Programa Saúde da Família,
da assistência aos partos naturais (parteiras e maternidades) e da distribuição
de medicamentos de atenção básica, programas que se seguiram
progressivamente à implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). No que diz
respeito à educação, o município deve necessariamente investir 25% de suas
receitas. A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1966) atribuiu à
instância municipal a garantia do acesso gratuito à Educação Infantil e ao Ensino
Fundamental. Com a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama),
o município também assumiu competências relacionadas à gestão ambiental. As
municipalidades ficaram responsáveis por criar normas e critérios de controle e
manutenção da qualidade do meio ambiente em seus territórios.

Alguns importantes programas de transferência de renda do governo


federal, como o Bolsa Família, também possuem gestão municipalizada, fato que
abre importante espaço para a criação de experiências locais inovadoras no
combate à pobreza e na melhoria das condições de educação.

O processo de municipalização iniciado com a Constituição de 1988


recebeu importante reforço a partir dos anos 1990, quando várias políticas
integrantes das chamadas “áreas sociais” foram organizadas sob a forma de
subsistemas de proteção social. Em especial, as políticas nacionais de
educação, saúde e assistência social foram formuladas prevendo funções-chave
para os municípios, seja por meio de suas legislações “fundantes” – como a Lei
de Diretrizes Básicas da Educação (Lei n. 9.394/96), a Lei n. 8.080/90, que
disciplina a organização do SUS, e a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei
n.8.742/93), que cria o Sistema único de Assistência Social -, seja a partir de
normas criadas no âmbito da União, associando a transferência de recursos
financeiros federais à realização de determinadas ações voltadas à estruturação
das políticas de cada subsistema. Nos últimos anos, as áreas do Ensino
Fundamental e Atenção Básica à Saúde registraram avanços significativos em
todo o Brasil, em grande medida em função do papel central reservado aos
municípios.

Outra esfera específica de atuação dos governos municipais é a da


políticas de desenvolvimento urbano, cujo instrumento fundamental é o Plano
Diretor, obrigatório para os municípios com população acima de 20 mil
habitantes, segundo a Constituição de 1988. Os mecanismos básicos para a
execução da política urbana, regulamentados pelo Estatuto da Cidade (Lei n.
10.257/01), são o parcelamento, a edificação compulsória, o Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) progressivo, a desapropriação
por interesse público ou por sanção e o usucapião urbano. São expedientes que
permitem aos governos intervir em dimensões importantes, em especial nas
áreas de habitação e ocupação do solo, com grande potencial para acentuar ou
reduzir disparidades nas condições de vida das pessoas. O desafio dos
município é mobilizar esses mecanismos para estruturar de forma adequada o
desenvolvimento urbano e possibilitar a participação da população na gestão
orçamentária e na elaboração do Plano Diretor, conforme previsto no Estatuto
da Cidade.
Ativismo político (Geraldo Di Giovanni): Nos estudos de políticas públicas,
atores são indivíduos, instituições ou coletividades cujas ações, sempre em
busca de uma finalidade ou de um proveito, têm probabilidade de produzir
consequências em um processo político qualquer.

O conceito, inicialmente utilizado como uma metáfora teatral, nasceu nas


ciências sociais, ancorado na sociologia da ação inspirada em Max Weber e
elaborada, com maior aprofundamento, por Tolcott Parsons. Nessa acepção, os
atores sociais, são agentes envolvidos, de algum modo, em um processo de
interação social determinado. Diferentemente dos personagens de uma cena –
onde o enredo é fechado e as condutas são predeterminadas -, realizam uma
sequência de escolhas, mais ou menos livres, dentre muitas alternativas,
orientadas por critérios válidos.

Isso significa que tais ações implicam necessariamente o


desenvolvimento de estratégias e a presença de alguma racionalidade nos
comportamentos de escolha. Como toda ação busca uma finalidade, um ganho,
um proveito, é possível dizer que os atores são portadores de interesses.

Ao aplicarem-se essas noções ao estudar políticas públicas, pode-se


afirmar que estratégias são os modos de ação preconcebidos pelos atores,
considerando:

 Seus interesses, ou seja, o alcance de seus objetivos, de suas finalidades,


proveitos ou ganhos, no final do processo político. São, portanto, os
interesses e motivos que dão o sentido da ação;
 Suas expectativas, ou seja, resultados esperados em razão de uma
avaliação do conjunto dos elementos conhecidos que compõem o
universo de determinada política – tais como o número e a capacidade
política de atores participantes; seu comportamento possível em
situações similares; bem como a probabilidade de conflitos, coalizões ou
alianças.;
 Seus próprios recursos de poder, em outras palavras, o conjunto de
capacidades, meio materiais e imateriais de que cada ator dispõe para
levar a cabo sua ação;
 As “regras do jogo”, ou seja, o conjunto de normas que,
independentemente de seu grau de formalização, limitam ou incentivam
o comportamento dos participantes.

É consenso na literatura especializada que a racionalidade presente nas


escolhas dos atores é sempre limitada. Isso se deve a diversos fatores que
se referem de um lado, ao fato de o contexto das políticas públicas não ser
estático; e de outro ao fato de os atores, por limitações substantivas, não
conseguirem dominar todo o universo de informações necessárias para
orientar suas ações.

Também é importante considerar que a adequação rigorosa entre meios


disponíveis e resultados esperados é sempre dificultada pela presença de
valores sociais que modelam, com mais ou menos força, as preferências dos
atores. Em outras palavras, há sempre um campo de incertezas, cujo âmbitos
os atores procuram racionalmente restringir, seja optando por soluções
satisfatórias, em lugar das ótimas, seja desconsiderando a avaliação das
incertezas das alternativas menos conhecidas que terão menor probabilidade
de serem adotadas.

Dado que não existe ator isolado e que suas ações são sempre referidas
às dos outros, a análise de cada política pública deve sempre considerar que,
durante o processo, as relações entre os atores se dão sob a forma de
ajustamentos mútuos, de modo progressivo e incremental, mesmo que se
saiba de antemão da existência de uma perene assimetria de poderes entre
eles. Assim, a compreensão de cada policy particular passa,
necessariamente, pela localização do conjunto de todos os atores
importantes que compõem aquele “elenco” bem como seus prováveis
interesses, expectativas e estratégias. “Identificar as categorias de atores,
significa [...] verificar quem, de fato, desempenha papeis significativos na
densa trama de consultas, pressões, negociações, conflitos e boicotes que
acompanham a produção de uma política pública, desde a primeira
formulação até sua implementação e avaliação (REGONINI, 2001, p. 316)

A identificação da categoria de atores está sempre baseada na


construção de tipologias que podem obedecer a critérios variáveis.
Encontram-se na literatura classificações que tomam como referência o
aparelho do Estado ou a sociedade civil. Classificam-se também os atores
como individuais ou coletivos. Muitas vezes a classificação baseia-se no
sentido da ação de cada um deles, distinguindo aqueles que realizam
alianças e aqueles que interferem por meio de obstruções (veto players). Os
atores podem ser agrupados em diferentes categorias:

 Integrantes dos poderes da República e das subdivisões do Executivo,


do Legislativo e do Judiciário;
 Órgãos e membros das burocracias públicas;
 Partidos, sindicatos e movimentos sociais;
 Grupos de interesses, lobbies, stakeholders e grupos de pressão;
 Mídia em geral, redes sociais, ciberativistas;
 Organizações da sociedade civil, técnicos ou grupos de técnicos;
 Agentes isolados, porém sempre presentes em uma mesma arena de
policy, que são os policy partisans, ativistas individuais ou grupais
dedicados exclusivamente a uma causa.

É importante salientar que a categorização dos atores não se faz em


abstrato. Cada política pública em particular apresenta um elenco próprio
de atores, hierarquizados de maneira específica, com interesses também
específicos, e desenvolvendo modos próprios de interação, organização
e liderança. Certamente alguns atores se definem a priori como
preponderantes: por exemplo, o Estado, seus organismos e agentes.
Além disso, cada arena de policy tem sempre uma conformação provável
que depende basicamente da natureza das questões envolvidas e da
etapa de desenvolvimento da política pública. Isso significa que o arranjo
e o “jogo” entre os atores sempre deverão ser analisados caso a caso.

O estreito vínculo entre as políticas públicas e o universo dos


direitos de cidadania tem feito com que, nas sociedades contemporâneas,
que passam por permanente revolução de expectativas, ocorra
multiplicação quase que exponencial de atores possível atuando neste
universo. Isso significa um elemento complicador para a análise de
políticas públicas, ao tornar impossível que se crie um rol completo de
atores e que e descrevam as ações da sua totalidade. No entanto, a
constatação de cada policy setorial comporta uma arena política própria,
leva ao consequente reconhecimento da existência de comunidades de
política (policy communities) dotadas de formas próprias de interação
interna e externa, o que se tem chamado de redes de políticas (policy
networks). Nesse contexto, ganham significado a importância os
conceitos de redes e de atores coletivos, na medida em que apreendem
as ações em uma outra dimensão e dão inteligibilidade às múltiplas
interações nas arenas políticas da sociedade contemporânea.

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