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Sociologia da Educação AULA 4

Leandro José dos Santos


Josali Amaral

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

A Sociologia dos
sistemas simbólicos

1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM

„„ Conhecer o referencial sociológico de Pierre Bourdieu;


„„ Discutir o conceito de campo;
„„ Problematizar a categoria de violência simbólica.
A Sociologia dos sistemas simbólicos

2 COMEÇANDO A HISTÓRIA

Caro aluno, observe a imagem. Agora pense


se você se sente livre. Pense no conjunto
de decisões que você toma no dia a dia e
reflita se elas expressam aquilo que você
realmente quer. Agora reflita sobre as coisas
que você deseja: casa, emprego, carro,
boas roupas, viagens... Esses “quereres”
são seus, mas também são coletivos, pois
são a aspiração do mundo moderno,
considerados naturais. Mas por que tantas
pessoas desejam as mesmas coisas? Se
somos diferentes, não seria natural também
desejarmos coisas diferentes? Já sabemos
que não é assim que as coisas acontecem.
Figura 1 Nossas escolhas e vontades correspondem
a uma série de determinações que não
estão sob o nosso controle. Nesta aula, tentaremos compreender até que ponto
somos livres em nossas escolhas. Você está convidado a pensar sobre isso a partir
da teoria de Pierre Bourdieu.

3 TECENDO CONHECIMENTO

Bourdieu não é um autor de fácil entendimento, por isso, para compreendermos


a profundidade de suas reflexões, geralmente precisamos retomar várias vezes
a leitura. Sugerimos que você faça uma leitura cuidadosa, pois os conceitos
aqui discutidos são a ligação entre a primeira e a segunda unidade do nosso
componente curricular. Não se acanhe se precisar pedir ajuda ao seu professor.

Você vai perceber que muitas questões já debatidas pelos autores clássicos são
frequentemente retomadas e, consequentemente, ampliadas pelo pensamento
sociológico contemporâneo. Bourdieu é um bom exemplo disso. Por essa razão,
mostraremos como ele compreendeu a sociedade francesa do século XX tomando
como base os fundamentos da velha Sociologia. Em virtude dessa peculiaridade,
recomendamos que você leia o texto a seguir.

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AULA 4

3.1 A educação e a função da escola:


recapitulando alguns conceitos

Nas aulas anteriores, vimos que, para o fundador da Sociologia, Émile Durkheim,
a educação é sinônimo de socialização, o que significa transmitir e aprender
como ser membro de uma sociedade e nela agir conforme os papéis sociais que
ocupamos.

Figura 2 - Aprendendo com os adultos.

Muitos leitores classificaram Durkheim como um autor profundamente conservador,


já que a sua prática científica positivista consiste na exposição das leis que
regem a inexorabilidade da vida social. Chamamos a atenção para dois pontos
importantes: o primeiro é a questão da inexorabilidade, pois conhecer as regras
que regem os fenômenos sociais, ainda que elas sejam compreendidas como
uma relação de causa e efeito, não significa dizer que a sociedade seja estável e
imutável; o segundo ponto decorre do primeiro e tem a ver com os movimentos
de ruptura aos quais a sociedade está sujeita, como aprendemos em Marx.
Vejamos o exemplo citado abaixo, a respeito do conceito de solidariedade nas
sociedades tradicional e moderna:
Durkheim explica claramente que, na escola, no seio do
grupo natural que é a classe, é possível aprender que o
indivíduo isolado não pode nada contra os males sociais
e que, portanto, é necessário que os esforços particulares
se conjuguem, “organizem-se para produzir algum efeito”.
Portanto, aprender na escola o poder do ser-em-grupo tem
o sentido de um aprendizado da capacidade reformadora
dos grupos, que, por sua vez, fornece uma resposta a uma
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A Sociologia dos sistemas simbólicos

demanda social nitidamente conservadora. (FILLOUX, 2003,


p. 34-35).

Conforme nos esclarece Filloux, a capacidade de agrupamento dos indivíduos para


alcançar certos objetivos é uma regularidade social, ou seja, é um fato recorrente
e que, inclusive, permite a possibilidade de modificação das condições sociais.
Estamos diante de uma questão metodológica que tem implicações na formulação
dos conceitos que utilizamos para analisar a sociedade. No caso de adotarmos
o viés de Durkheim, a escola é entendida como um importante instrumento de
modificação social, uma vez que permite ao indivíduo experimentar o poder
da associação.

Em Marx, a perspectiva não é a mesma de Durkheim. Ao analisar a sociedade


capitalista do século XIX, aquele autor adota uma perspectiva científico-analítica,
de um lado, e uma perspectiva apologético-ideológica, de outro lado. Na
perspectiva científica, Marx foi um pensador que analisou e descreveu as
estruturas da sociedade como elas realmente eram – ou pelo menos como elas
lhe pareciam ser (BARROS FILHO; DAINEZI, 2014). Ele argumenta que a história
da humanidade pode ser desnudada pela análise da luta de classes, a qual é o
combustível da vida social e o motor das mudanças históricas. Consulte a aula
7 de Filosofia da Educação para recordar esse assunto.

Como esse debate já foi realizado em aulas anteriores, você já sabe que cada
segmento social possui uma determinada visão de mundo. Entretanto, em razão
do conflito pelo protagonismo histórico-social, o segmento que possui os meios
sociais de produção impõe a sua visão de mundo sobre os demais, fazendo-os
crer que a maneira como a sociedade está organizada e a sua respectiva maneira
de ver o mundo são as únicas possíveis. Isso é o que Marx chama de ideologia.
Para ele, em todas as épocas, a ideologia dominante é a ideologia da classe
dominante (MARX; ENGELS, 2007).

Figura 3 - O romper da dominação

A ideologia torna eficiente a dominação de uma classe sobre a outra. Esse


mecanismo só pode ser rompido quando os despossuídos tomam consciência de
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AULA 4

sua condição de dominados e explorados. Mas, ao analisar a situação educacional


do operariado fabril do século XIX, Marx identifica que a educação é uma
importante forma de perpetuação da exploração de classe. É por intermédio da
educação que a burguesia dissemina a sua maneira de ver o mundo. Por outro
lado, “pensando a educação como parte de sua utopia revolucionária, [Marx]
identifica nela uma arma valiosa a ser empregada em favor da emancipação
humana” (RODRIGUES, 2004, p. 49). Perceba, caro aluno, que Marx não acredita
numa categoria universal de educação. Para ele, conforme o conteúdo de classe
nela arraigado, a educação pode servir tanto para alienar quanto para emancipar
a mente humana.

Note ainda que a educação escolar não é o único objeto da Sociologia da Educação.
Sob a perspectiva marxiana, não é na escola da sociedade burguesa que os
despossuídos tomam consciência da sua exploração. Para Marx, a revolução
nasce dentro das fábricas e sindicatos e a sua manifestação ocorre na rua, em
praça pública. Na perspectiva por ele adotada, a escola, por ser uma instituição
a serviço da classe dominante, não passa de uma instância reprodutora de sua
ideologia. A educação não se restringe à escola, ao contrário, deve mesmo
combater aquilo que nela é ensinado. Decorre daí a condução ideológica dos
escritos de Marx, já que a transformação da sociedade acontece pela destruição
das bases do sistema econômico vigente e no estabelecimento de uma nova
ordem, calcada na autonomia e liberdade humana.

O terceiro clássico da Sociologia é Max Weber. Existe entre Weber e Durkheim


uma diferença substancial sobre o objeto sociológico. Para Durkheim, a sociedade
e a educação moral, assim como os fatos sociais, são coercitivas e exteriores ao
indivíduo. Em Weber, a sociedade não se impõe ao indivíduo, ela é resultado de
uma inesgotável rede de interações interindividuais. Importa-nos aqui relembrar
o conceito de ação social, cujo centro é o entendimento de que o indivíduo age
segundo as perspectivas do lugar que ocupa na sociedade.

A teoria weberiana denota que,


dependendo do ponto em que
fixamos o nosso olhar, podemos
ver coisas e/ou significados
inacessíveis a observadores
prostrados noutros pontos. Com
esse autor, aprendemos que viver
em sociedade implica dispor de
algum grau de racionalidade Figura 4 - O ponto
de vista de cada um
(WEBER, 2004).
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A Sociologia dos sistemas simbólicos

Assim sendo, uma educação orientada pelos pressupostos weberianos está


tão longe de preparar o indivíduo para ser incorporado ao todo orgânico,
como sugeria Durkheim, como também está distante de uma perspectiva
emancipatória, baseada na ruptura dos mecanismos de exploração e alienação,
descritos por Marx. Com Weber, a educação parece assumir a função de instância
preparadora dos especialistas, aqueles que se tornam peritos no aparato da
moderna administração capitalista. Perceba que esse autor possui uma visão
bastante pessimista da moderna racionalidade.

3.2 Bourdieu e a crítica à receita de bolo

Seguidor das ideias weberianas, Bourdieu acreditava que, para atribuir sentido à
realidade, seria preciso levar em conta as representações elaboradas pelos agentes
sociais, individualmente. Por outro lado, seguindo, também, a ótica marxiana,
ele igualmente pensou a sociedade por meio do conceito de dominação, cuja
prática pode ser observada nas coisas mais simples do dia a dia, das mais banais,
como a escolha de uma peça de roupa, às relações mais complexas, como a
educação escolar, a política partidária, o matrimônio, as práticas religiosas etc.

De Marx, Bourdieu aproveita os conceitos de capital, dominação e ideologia.


Tal como ocorre no marxismo, esse autor aceita que as relações de produção
capitalista estão estruturadas na luta de classes, mas ele faz as suas críticas e as
devidas ressignificações.

Astutamente, você já deve ter percebido que essa reconstrução sugere uma série
de rupturas com as teorias do passado. A primeira ruptura está relacionada ao
peso que Marx atribui à substância (realidade concreta, matéria) em detrimento
das relações e dos sistemas simbólicos criados pelos sujeitos (realidade simbólica,
imaterialidade). Outra ruptura ocorre no campo social que, em Marx, está
estreitamente ligado às categorias inerentes aos fatores econômicos. Bourdieu
descarta esse determinismo econômico. Para ele, o espaço social é multidimensional
e multideterminado.

Ao contrapor o modelo marxiano, Bourdieu elabora a categoria de sistema


simbólico, que pode ser compreendida como instrumento de conhecimento e
comunicação que possui o poder de construir e dar sentido à realidade. É um
mecanismo de integração social, pois permite que consigamos estabelecer um
relativo consenso do sentido do mundo social (BOURDIEU, 1989).

Na perspectiva de Durkheim, os sistemas simbólicos seriam a condição necessária


para a integração moral de um grupo – é o que Durkheim chama de educação
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AULA 4

moral. Por outro lado, se utilizássemos o referencial marxiano, poderíamos


proferir que o sistema simbólico está muito próximo daquilo que Marx chamou
de ideologia. Entretanto, no contexto de uma luta simbólica, o que as partes
conflitantes buscam é o monopólio do poder legítimo de estabelecer as
hierarquias e os princípios que fundamentam a ordem das coisas no interior
dos respectivos campos.

Apesar dessa explicação, você pode estar se questionando o que realmente


as pessoas ganham entrando numa luta simbólica. Em primeiro lugar, você
precisa saber que as pessoas não escolhem participar da disputa, pois a própria
configuração social as inclui no interior de muitas contendas. O problema é que
nem sempre nos damos conta de que estamos na disputa. Por outro lado, quando
temos consciência de que fazemos parte dessa disputa, temos a probabilidade
de ditarmos as regras do jogo. O que se ganha com isso, então, é a possibilidade
de exercer poder e estabelecer a dominação.

Em Bourdieu, nas diversas formas de dominação, o dominante tende a aplicar nos


dominados as suas categorias de classificação, fazendo-os crer que as disparidades
sociais são naturais. Sob essa configuração, o dominado tende a se sentir inferior e
submisso à classe dominante. Bourdieu chama essa engenharia social de violência
simbólica, que é um mecanismo no qual o próprio dominado age de modo a
corroborar – legitimar – o poder e a dominação do opressor, aceitando suas
vontades. “O poder simbólico não pode exercer-se sem a contribuição dos que o
sofrem e que só sofrem porque o constroem como tal” (BOURDIEU, 2002, p. 34).
Essa forma de dominação está presente em toda a estrutura social. Conforme o
nosso autor, a violência simbólica reside em disposições ajustadas às estruturas
de dominação das quais são produto. Tal como Marx, Bourdieu acredita que a
violência simbólica só pode ser combatida por meio de transformações efetivas
nas bases e estruturas das condições sociais de produção.

Agora vamos compreender a noção de campo, muito importante para pensarmos


como ocorre a violência simbólica. Campo é um lugar onde os agentes se
comportam como jogadores. Ou, se você preferir, por analogia, pode-se dizer
que campo é uma espécie de mercado, onde um conjunto específico de agentes
produz e consume determinados bens. No interior do campo, os produtores/
jogadores se enfrentam ininterruptamente numa luta simbólica com o explícito
objetivo de acúmulo de capital, que são os bens produzidos e consumidos no
interior do campo. Na ótica de Bourdieu, aqueles que conseguem acumular a
maior quantidade de capital garantem o domínio do campo e são estes quem
ditam as regras do seu respectivo campo.

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A Sociologia dos sistemas simbólicos

Em síntese, o campo é um espaço de enfrentamento de forças opostas. É uma


espécie de ringue onde lutadores se enfrentam numa luta simbólica para mostrar
aos outros lutadores quem luta melhor. Se você quiser outro exemplo, pense
novamente no sistema escolar. Para Bourdieu, a escola também é um lugar de
disputa por bens escassos. Ou seja, a escola também é um campo. Nela, o objeto
da disputa são, evidentemente, os títulos acadêmicos.

Para Bourdieu, são os conteúdos da luta simbólica que estabelecem as hierarquias


nos campos, como também são eles que estabelecem as hierarquias e os
distanciamentos entre os diferentes campos. Para esse autor, a teoria marxista de
classe é insuficiente e incapaz de explicar o conjunto das diferenças objetivamente
existentes no mundo social. Conforme a crítica de Bourdieu, a teoria marxiana,
ao definir e caracterizar as diferentes posições sociais referindo-se apenas no
escopo das relações de produção, condena o analista social a abrigar em demasia
os pressupostos do campo econômico. Ainda no bojo dessa crítica, argumenta
Bourdieu que Marx joga para debaixo do tapete as posições ocupadas nos
campos e nos subcampos, notadamente aquelas posições estabelecidas no
campo da produção simbólica. Finalmente, diz Bourdieu que a teoria marxista
constrói um mundo social unidimensional, meramente organizado entre dois
blocos, a saber, os detentores dos meios de produção e os que apenas têm a
força de trabalho.

Antes de refletirmos sobre a leitura que Bourdieu faz de Weber, precisamos


explicitar o nosso entendimento sobre subcampo. Novamente, vamos recorrer
a um exemplo para ilustrar o que revela esse conceito. Tomemos o campo
esportivo. No esporte, alguns valores e regras são cruciais para todos os atletas.
Por outro lado, cada modalidade esportiva adota valores e regramento próprios.
Isso significa que, para o praticante de determinado esporte, são perseguidos
tanto os valores universalmente estabelecidos dentro do campo esportivo quanto
os valores, regras, hierarquias e conhecimentos produzidos especificamente no
interior da sua modalidade, ou subcampo.

Da leitura que Bourdieu faz de Weber, o conceito de legitimidade assume papel


proeminente, pois a questão da legitimidade permite compreender como uma
liderança pode perpetuar a sua autoridade sem recorrer, necessariamente, à
coação física (BONNEWITZ, 2005, p. 24). Em sentido amplo, legitimidade identifica
a qualidade daquilo/daquele que é aceito e reconhecido pelos membros de uma
sociedade como representante autêntico de determinado objeto/fenômeno/
poder. Como já é sabido, Weber distingue três tipos puros de dominação legítima:
a dominação racional-legal, a dominação tradicional e a dominação carismática
(WEBER, 2003). A preocupação básica de Bourdieu é determinar os mecanismos
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AULA 4

pelos quais os dominados aceitam a dominação e por que aderem a ela e se


sentem solidários aos dominantes, estabelecendo certo consenso sobre a ordem
estabelecida. Esse é o mecanismo daquilo que chamamos de violência simbólica.

Para completar o quadro conceitual de Bourdieu, não poderiam faltar as


contribuições de Durkheim. Completando a revisão que fizemos acima, jamais
podemos esquecer que a sociologia de Durkheim é definida como o campo de
estudo dos fatos sociais, que, conforme vimos, são todas as maneiras coletivas
de ser, pensar e agir que exercem uma coação externa sobre o indivíduo. O
esforço de Durkheim consiste em mostrar como essa coação está relacionada
aos comportamentos individuais.

Somado a isso, a sociologia de Durkheim implica um método particular, cujos


princípios estão assinalados em As regras do método sociológico. Desses princípios,
Bourdieu fixa a sua atenção em dois: o primeiro tem a ver com a perspectiva do
distanciamento em relação ao objeto, que, para Durkheim, deve ser considerado
como coisa. Isso significa que deveríamos estudar os fatos sociais olhando-os
de fora, como um observador externo. O segundo princípio tem a ver com a
obrigatoriedade do afastamento da subjetividade, das pré-noções e daquelas
representações mediadas pelo senso comum.

Já sabemos que Durkheim ansiava descrever as leis que regem a vida social.
Mas, no afã de identificar os mecanismos de funcionamento e reprodução social,
esse pensador recorre ao método comparativo, fundado no princípio de que as
mesmas coisas sempre produzem os mesmos efeitos. Trata-se, aqui, da questão
da inexorabilidade da qual falamos anteriormente. Para deixar esse ponto mais
claro, temos que resgatar os princípios da Filosofia Positivista seguidos por
Durkheim. O princípio positivista condensa uma pesada carga de objetivismo
e empirismo, cuja orientação geral é procurar as leis objetivas que governam
a realidade.

Aqui, chamamos a sua atenção para as consequências desse movimento. Pense


numa receita de bolo. Você não sabe fazer bolo? Não há problema, veja como
fazer no livro de receitas da vovó ou procure uma receita na internet. Se você
realmente pesquisar e ler alguma dessas receitas, vai se dar conta de que
o verdadeiro encanto do bolo está na forma de fazer e na combinação dos
ingredientes. Assim, se você seguir à risca a prescrição da receita, certamente
compartilhará o prazer de comer um legítimo e delicioso bolo em família.

Lembre-se de que a sua receita é a reveladora da máxima de que “as mesmas


coisas sempre produzem os mesmos efeitos”. E, se você for audacioso o suficiente
para querer alterar os elementos da receita (isso vale para todos os ingredientes
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A Sociologia dos sistemas simbólicos

– farinha, ovos, margarina, açúcar, fermento –, como também vale para a maneira
como os ingredientes são misturados, vale também para o tempo de permanência
e para a temperatura do forno ou tempo de descanso após o cozimento, etc.),
vai perceber que qualquer mudança nos ingredientes – ou nas condições ideais
– resultará na modificação do resultado final. Temos aí uma relação de causa e
efeito bastante rígida.

A rigidez do objetivismo positivista caminha numa direção muito próxima da


receita que a vovó utiliza para fazer bolos. Os positivistas acreditavam que, ao
identificarem as causas de determinados fenômenos, poderiam descrevê-los
objetivamente e, conforme a ocasião, poderiam, inclusive, corrigir as falhas
engendradas no interior dos respectivos sistemas. É exatamente por isso que
Bourdieu foge dessa rigidez. Ele assume outra postura, cujo objetivo não pode
ser traduzido apenas pela tentativa de querer identificar as leis da vida social,
mas as suas regularidades.

3.3 Violência simbólica mata?

Parece confuso? Vamos, então, a um exemplo.

Imagine que uma estudante universitária brasileira proveniente das classes


populares tenha submetido o seu projeto de iniciação científica a um concurso que
objetivava selecionar jovens pesquisadores para estudar no exterior. Admita-se
que ela foi selecionada. Imagine agora que a alguns meses antes do embarque,
essa estudante descubra que está grávida e, vislumbrando os contratempos
que um recém-nascido poderia lhe causar, se põe a pensar em interromper a
gravidez. Aqui, chegamos ao ponto alto do nosso exemplo. Mas não esqueça,
contamos essa estória para ilustrar como Bourdieu relativiza e problematiza
alguns conceitos.

Antes que você pergunte, vamos considerar que o namorado dessa moça advogue
pelo prosseguimento da gravidez, mas que, considerando a oportunidade que
se avista e ponderando que a universidade não admite estudantes gestantes,
não vai contrariar a decisão da namorada.

Então, vejamos! Retomando o conceito de educação moral que vimos em


Durkheim, sabemos, a priori, que essa estudante foi socializada numa sociedade
em que o aborto é uma prática condenável não só do ponto de vista moral, mas
também é rechaçada do ponto de vista legal – note que criminalização jurídica
decorre justamente da censura moral, não o contrário. Se quisermos, também,

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AULA 4

podemos interpretar essa maneira de ver o aborto como uma expressão ideológica
do mundo em que essa moça vive.

Seja como for, um conflito foi instaurado. Se a jovem agir conforme as regras jurídicas
e moralmente instituídas, terá que levar a gravidez adiante e, consequentemente,
desistir do curso. Por outro lado, se ela realizar o aborto, o crime poderá ser
descoberto e ela encarcerada, o que também será um impeditivo para a realização
do seu curso. Há ainda variantes emocionais que podem afetá-la quanto a
qualquer uma das decisões.

Perceba que, ao realizar esses ajuizamentos, a jovem está ponderando – na acepção


weberiana – entre duas ações distintas. A primeira ação tem a face voltada para
o passado e resgata os valores de uma educação moral que repugna o aborto
(ação social com relação a valores); e outra ação com a face voltada para o futuro
que, a despeito da sua reprovação moral, obriga-a a calcular, racionalmente, as
perdas e ganhos da ação em questão.

Ao pensar nas situações sociais a partir da ideia de campo, no qual as regras são
determinadas pelos indivíduos dominantes, podemos dizer que nossa estudante
se vê diante de um dilema conferido por um conjunto de valores que lhe são
impostos. Essas regras atuam como forças simbólicas, imateriais, que exercem
pressão sobre o indivíduo, forçando-o a tomar decisões e/ou praticar ações com
as quais não necessariamente concorde, ou que não estaria disposto a tomar/
fazer em situações comuns. No nosso exemplo, as oportunidades profissionais
estão interpeladas pelo acaso e por regras de conduta rígidas que limitam
as possibilidades de escolha. No contexto burguês atual, constituir família e
desenvolver habilidades profissionais parecem ser práticas antagônicas. Assim
posto, escolhas como essas se tornam cada vez mais conflituosas, em razão das
imposições que se abatem sobre os indivíduos.

Se a moça vislumbrar nessa ida ao exterior a única oportunidade de realização


profissional ou o único meio para garantir um futuro digno para si, ela, certamente,
decidirá pela interrupção da gravidez. Caso contrário, ela poderá desistir desse
curso e seguir estudando no Brasil mesmo.

Aqui também aparece a noção de estratégia da qual falamos anteriormente.


Perceba que, tendo em vista a impossibilidade do cumprimento das regras
jurídicas e morais vigentes no Brasil, a garota poderia realizar os seus objetivos
utilizando uma infinidade de artifícios ilegais.

Com esse exemplo, observamos que, mesmo partindo de conceitos elaborados


por outros autores, se adotarmos uma postura bourdieusiana, não daremos
aos fenômenos sociais os mesmos tratamentos de outrora. Pois, ao mesmo
77
A Sociologia dos sistemas simbólicos

tempo em que devemos considerar o peso e o papel desempenhados pelos


condicionantes morais arraigados pela estrutura social, em situações específicas,
também devemos ponderar as possibilidades de ação individuais.

Ao chegar neste ponto, você, que seguiu ao pé da letra a nossa sugestão de fazer
uma leitura cuidadosa deste texto, deve estar se perguntando: além da questão
da ideologia, qual o lugar da teoria de Marx nessa estória?

Já que a pergunta foi colocada, certamente, para respondê-la, Bourdieu resgataria


o conceito de dominação utilizado por Marx. Mas, como já sabemos que o nosso
autor nunca utiliza os conceitos tal qual faziam os autores clássicos, a angústia
sentida por aquela estudante provavelmente seria interpretada pelo viés da
violência simbólica. Ora, já vimos que a violência simbólica é despojada de
coação física, e que se realiza mediante consentimento e cumplicidade tanto do
dominador quanto do dominado. Dito de outra maneira, tanto o “violentador”
quanto o “violentado” são protagonistas da violência simbólica. Ambos são, ao
mesmo tempo, seus emissores e destinatários (BOURDIEU, 1989; 1999). Trata-se
de uma configuração muito mais fluida, que não se encaixa na categoria de
estrutura nem satisfaz a ideia de um todo orgânico.

Durante a realização da violência simbólica, somos agentes cognoscentes e,


mesmo quando submetidos a determinismos, contribuímos para produzir a
sua eficácia. Isso acontece porque também somos parte desse tipo de violência.
Por isso, a violência simbólica age silenciosamente, uma vez que não a vemos
como violência. Ela opera porque aceitamos um conjunto de pressupostos
como dados, como óbvios e acreditamos que eles não carecem de reflexão
nem questionamento.

Disso resulta que o fato de a nossa estudante optar pela descontinuidade da


gestação não quer dizer que ela seja uma defensora da descriminalização do
aborto. Do mesmo modo, isso também não significa que ela seja uma militante
dos direitos da mulher e que advogue pelo direito de a mulher ser a mandatária
soberana do seu próprio corpo. Ademais, no caso em tela, a possibilidade de a
nossa jovem recriminar o aborto não pode ser descartada. Ou seja, na hipótese
de essa moça se deparar com uma situação semelhante à sua, a probabilidade
de ela tentar dissuadir ou recriminar outras mulheres é assaz considerável. Pode
ela recorrer ao argumento do direito à vida, utilizado pelo senso comum, como
também pode, dependendo da situação e da interlocutora, demonstrar que,
no seu caso, fez porque “não havia outro jeito e o aborto era o que lhe restara”,
afinal, “cada caso é um caso”. Assim, com o olhar recriminador da nossa jovem,
se completa o ciclo da violência simbólica, que nesse caso se resume à ideia
de ela se ver obrigada a decidir praticar uma ação que não corresponde à sua
78
AULA 4

formação moral nem às suas convicções pessoais. Pense se você já não se viu
em situações semelhantes: a de tomar decisões com as quais não concorda em
função de uma crise episódica.

Mas agora você deve estar se perguntando: qual o papel da escola no pensamento
de Bourdieu? Isso será assunto para a próxima aula, na qual discutiremos os
mecanismos de produção social da desigualdade. Ao desenvolvermos esse tema,
a produção sociológica de Bourdieu será novamente resgatada para pensarmos
como ocorre a produção da desigualdade no sistema escolar. Então, se você ainda
tiver alguma dúvida sobre o conceito de violência simbólica, não há razão para
desespero, pois daremos continuidade a essa discussão na aula subsequente.

4 PRATICANDO

Agora que você já está familiarizado com diversos conceitos sociológicos, está
na hora de sair a campo e realizar uma atividade prática.

A nossa sugestão é que você escolha um campo de disputas simbólicas (religião,


política, esporte, artes, etc.) e elabore uma descrição de como os indivíduos se
comportam no interior desse campo. A ideia é que você observe empiricamente
como se estabelecem as relações, como se criam as regras e quem promove
as hierarquias no interior do respectivo campo. Também será importante que
você aponte qual capital – bem material ou imaterial – é objeto da disputa
simbólica no campo.

Para realizar essa atividade prática, você vai precisar falar com as pessoas que
fazem parte do campo. Tente entrevistar tanto os indivíduos que compõem a
base da hierarquia do campo, como aqueles que possuem maior poder e ocupam
posições hierarquicamente superiores. Conversando com essas pessoas, tente
identificar se todos conhecem e reconhecem como legítimas as regras, os tipos
de relações e os objetos disputados no campo.

Feito isso, construa um texto baseado nas suas observações e numa bibliografia
pertinente. Se você tiver dúvidas quanto à escolha do campo, sugerimos que
você opte por algo que lhe seja acessível. Assim, se você for adepto de alguma
religião, poderá observar a lógica de funcionamento da sua igreja e a relação que
os fiéis estabelecem com os objetos sagrados. Mas, se você for membro de algum
partido político ou praticante de alguma modalidade esportiva profissional, opte
por fazer o trabalho nesses lugares. Apenas tome o cuidado para não confundir
as suas convicções pessoais com a maneira como as pessoas agem e pensam no

79
A Sociologia dos sistemas simbólicos

campo. Caso tenha alguma dúvida ou precise de ajuda para erigir um referencial
bibliográfico, peça ajuda ao seu tutor.

5 APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO

Na primeira aula do nosso componente curricular, sugerimos que você assistisse


ao filme O enigma de Kaspar Houser. Certamente você percebeu que aquele não é
um filme para assistir enquanto se come pipoca. Para aliviar a tensão, sugerimos
agora algo mais leve: uma animação.

Trata-se de Vida Maria é um curta-metragem


de animação, produzido em 2006 por Joelma
Ramos e Marcio Ramos. Foi patrocinado
pelo 3º Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo. O
filme recebeu mais de quarenta prêmios em
festivais de cinemas no Brasil e no exterior e
representa a realidade social vivida por milhares
de famílias nordestinas. É uma produção que
vale a pena ser compartilhada. Apesar de curto,
Figura 5
o filme problematiza, de forma interessante, os
conceitos de socialização e violência simbólica.

6 TROCANDO EM MIÚDOS

Nesta aula recapitulamos alguns conceitos da Sociologia Clássica com a finalidade


de compreender algumas teses de Pierre Bourdieu. Partindo da crítica aos pilares
conceituais de Durkheim, Weber e Marx, Bourdieu demonstra que as ações e
escolhas dos indivíduos estão subordinadas às coordenadas elaboradas pela classe
dominante. Por meio da categoria “violência simbólica”, é possível compreender
que a sociedade está fragmentada em diversos sistemas de símbolos, os quais
conferem significado ao mundo e às relações estabelecidas entre os indivíduos,
ao mesmo tempo em que medeiam as relações de poder. Sem que haja a
coerção física, o conjunto de representações contido nas crenças sociais induz
os indivíduos a fazerem escolhas, tomarem decisões, participarem das disputas
de poder, sem necessariamente se darem conta das forças que lhes movem.

80
AULA 4

7 AUTOAVALIANDO

„„ Terminada esta aula, posso dizer que compreendi a complexidade do


pensamento sociológico de Pierre Bourdieu? Tenho condições de elaborar uma
argumentação relativamente consistente numa conversa sobre esse autor?

„„ Consigo delinear os contornos do conceito de campo elaborado por Bourdieu?

„„ Sou capaz de diferenciar uma coação física da violência simbólica? Enfim,


tenho condições de problematizar o conceito de violência simbólica?

81
A Sociologia dos sistemas simbólicos

REFERÊNCIAS

BARROS FILHO, Clóvis; DAINEZI, Gustavo Fernandes. Devaneios sobre a atualidade


do capital. Porto Alegre: Sanskrito, 2014.

BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de Pierre Bourdieu.


Vozes: Petrópolis, 2005.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Oeiras: Celta Editora, 1999.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.

FILLOUX, Jean-Claude. Émile Durkheim. Recife: Massangana, 2010.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. 5. ed. Rio de Janeiro:


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