Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
ANAIS
II COLÓQUIO FILOSOFIA E LITERATURA: fronteiras
(ISBN: 978-85-7822-164-5)
(M. C. Escher)
De 18 a 21 de outubro de 2010
Anfiteatro da Didática V
Campus S. Cristóvão
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
REITOR
Josué Modesto dos Passos Subrinho
VICE-REITOR
Ângelo Roberto Antoniolli
DIRETOR DO CECH
Jonatas Silva Meneses
COMISSÃO ORGANIZADORA
Cícero Cunha Bezerra (DFL/UFS)
Jacqueline Ramos (DLI/UFS)
Maria Roseneide Santana (DLEV/UFS)
COMITÊ CIENTÍFICO:
Prof. M.Sc. Celso Cruz
Prof. Dr. Cícero Bezerra
Prof. Dr. Dominique Marie Philippe G. Boxus
Prof. M.Sc. Fabian Jorge Pineyero
Profa. Dra. Jacqueline Ramos
Prof. Dr. Oliver Tolle
Prof. Dr. Romero Venâncio
Profa. MSc. Roseneide Santana
REALIZAÇÃO:
GeFeLit
Grupo de Estudos em Filosofia e Literatura
PATROCÍNIO:
APOIO:
DLI/UFS
DLE/UFS
DFL/UFS
1
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
FICHA CATALOGRÁFICA
ISBN 978-85-7822-164-5
CDU - 1:82.09
2
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Sumário
Apresentação ................................................................................... 5
Programação .................................................................................... 7
3
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
4
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Apresentação
5
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
6
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Programação
16:00h – Credenciamento
19:00h Abertura do evento
19:15h AGONIA E GOZO: POEMAS DE HILDA HILST
Grupo Atualona
Atores: Paula Auday, Euler Lopes, Sabrina Bavaresco
20:00h DELEUZE E A LITERATURA
Conferência de Abertura
Prof. Dr. Roberto Machado
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
21:30h Coquetel
7
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
8
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Palestras
(resumo expandido)
9
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Professor Adjunto do Departamento de Letra da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
10
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
11
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
12
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
o lugar do thýmos
∗
Professora Adjunto do Departamento de Letras Clássicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
13
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
14
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Professora Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
15
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
16
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
17
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
18
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
19
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Falar sobre mística não é tarefa fácil. Sobre poesia, menos ainda. Não
porque não se possa falar sobre mística, ou poesia, mas exatamente porque se
fala muito sobre ambas. De modo que esta minha intervenção já começa
marcada por um desconforto, a saber, evitar cair no falatório vazio onde tudo
cabe, assim como, no radicalismo filológico que inviabiliza determinadas
formas comuns de “experiências” mediante a distinção terminológica ou
conceitual empregada por aqueles que as descrevem. Um caminho que me
parece viável diante destes dois riscos consiste em demarcar nosso objeto de
análise o que, para mim, significa manter-se em uma “tradição”, isto é,
restringir-se a um modo específico de pensar, tanto na forma quanto no
conteúdo, em uma vivência classificada como “experiencial”, em que a filosofia
e a literatura, compartilham de uma mesma tarefa, a saber: revelar, mediante
metáforas e alegorias, a existência de uma ordem do mundo que não se deixa
abarcar, precisamente, por nenhuma inteligibilidade. Neste sentido, teríamos
que repensar inclusive a idéia mesma de “ordem”. Tarefa que, ao contrário de
conduzir a uma distinção dicotômica entre os âmbitos da natureza (imanência)
e da sua totalidade (transcendência), permite uma compreensão em que o
místico, mais que mistério, é a constatação de que os fatos do mundo não são tudo.
∗
Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
20
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
21
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
22
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Esta fala supõe entender que poesia e outros gêneros de discurso feitos
nos séculos da expansão marítima da Cristandade da Europa ocidental
integraram formas de representação institucional de Estados cristãos na
conquista bélica dos diversos Novos e Velhos Mundos. Conforme tem pensado
João Adolfo Hansen, as práticas de representação que estão supostas nos usos da
poesia, da história, da oratória sacra, da epistolografia, dos livros de doutrina
de toda espécie, fazem dessas formas discursivas elas mesmas também práticas
de representação institucional, como num teatro corporativista que encena os
lugares do poder, os decoros de cada estado segundo sua natureza e
merecimento, e assim por diante. As instituições da coisa bélica, conforme
pensadas aqui, fixam, assim, práticas isto é, usos, costumes, mores, ethé ,
segundo ordens, condições, estamentos, disciplinas que produzem distinções,
as quais hierarquizam os postos do Estado segundo os modelos militares das
Cavalarias. Antigos direitos, recopilados em novos códigos, formalizavam
práticas políticas diversas conforme as diversidades entre os usos das nações da
Cristandade. A implantação de rituais de convívio que se constituíram nos
∗
Professor Adjunto do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
23
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
24
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
25
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Os detetives aos que se refere o título são alguns dos grandes nomes da
literatura policial: Zadig, o personagem do romance Zadig, escrita por Voltaire
em 1747; Auguste Dupin, o detetive amador de Edgard Allan Poe; o Padre
Brown, o sacerdote pesquisador de Chesterton; Isidro Parodi, “o sentenciado da
cela 273” de Bustos Domecq (J. L. Borges e A. Bioy Casares) que resolve seus
casos de dentro da prisão; Ghillerme de Baskerville, o detetive medieval de
Umberto Eco, e tantos outros. E, é claro, Sherlock Holmes, o imortal detetive de
Sir Artur Conan Doyle.
Peirce e a abdução
O que é o método abdutivo de Peirce? Basicamente, um procedimento
que possibilita avaliar as respostas iniciais ou as primeiras soluções que temos
para um problema.
Quando temos um problema –científico, filosófico, no dia-a-dia–
geralmente pensamos em algumas tentativas de solução. O que fez Peirce foi
identificar critérios não empíricos – por exemplo, simplicidade, coerência,
precisão, analogia etc. –, e articulá-los num esquema que permite avaliar qual
destas tentativas de solução tem mais possibilidades de sucesso.
Pense na seguinte situação, que é freqüente na vida universitária: você
tem que escrever um artigo ou uma Tese. Esse é de fato, no contexto acadêmico,
um grande problema. Diante dessa situação, você tenta pensar em algum tema
ou idéia sobre o qual trabalhar. A dificuldade é que você só saberá se essa idéia
era efetivamente boa depois de um tempo considerável de trabalho; isto é,
depois de desenvolver a pesquisa. Nestes casos, o que faz a abdução (AD) é
tentar identificar, antes de desenvolver a pesquisa, se a idéia pode ser boa.
Atenção: a AD não garante que essa resposta será verdadeira ou –
melhor – se ela terá sucesso: você só terá essa informação quando aplicá-la na
prática. A AD indica com que resposta é conveniente começar a trabalhar.
O que a AD faz, em termos técnicos, é indicar se uma idéia é “plausível”.
Quando os cientistas chegam a um consenso a respeito de que uma hipótese é
‘prometedora’, ou quando os integrantes da comissão avaliadora de uma
26
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
A abdução e os detetives
O motivo de toda esta explicação é que os detetives, assim como os
cientistas, os filósofos e todos nós quando resolvemos problemas, também
pensam abdutivamente.
Sim, você leu bem: o raciocínio dos detetives – diferentemente do que
acreditávamos – não é dedutivo, mas abdutivo. Sherlock Holmes, como todo
sabemos, em suas obras repete sistematicamente que seu trabalho é “simples
dedução”. Mas, em sentido estrito, seu trabalho é exatamente o oposto:
“simples abdução”.
O sentido da dedução é do geral ao particular, da causa ao efeito. Se eu
sei que todas as bolas de uma caixa são amarelas, posso deduzir que se tirar uma
bola dela, essa bola será amarela.
A abdução segue o caminho oposto do da dedução. Vai do efeito à causa.
(De fato, outro nome da abdução é ‘retro-dução’, que quer dizer ‘dedução
inversa’). A abdução procura, por exemplo, conjeturar de que caixa provém
uma bola amarela, sem saber qual a cor das bolas das caixas disponíveis.
É exatamente o que acontece na situação clássica dos relatos policiais. Há
um assassinato e o detetive tem que procurar o assassino. Mas para isso só
conta com indícios. Ele não conhece a causa – o assassino –; só conhece alguns
efeitos: ‘sangue’, ‘pegadas’, ‘impressões digitais’, ‘motivações’. Quando
Sherlock Holmes infere que o mordomo é o assassino, faz isso porque entende
que a hipótese “o mordomo é o assassino” é a que melhor explica a presença de
sangue nas mãos do mordomo, as impressões digitais do mordomo no punhal
que está no peito da pessoa assassinada etc.
27
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Professor Adjunto do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
28
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
29
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
30
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Professora Adjunto do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
31
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
32
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
33
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Professor assistente substituto do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal de
Sergipe (UFS).
34
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
35
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
36
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Professora Adjunto do Departamento de Letras de Itabaiana (UFS).
37
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Um cômico destituído do riso e que pode levar ao “leite que a vaca não
prometeu”, por isso “não é o chiste rasa coisa ordinária”. Ao enfatizar o valor do
cômico, Rosa está se contrapondo às concepções que o caracterizam como “não
sério”. Os estudos historiográficos mostram que, a partir da Idade Média, o
cômico passa a sofrer todo um processo de marginalização: foi considerado
gênero menor, ligado ao prosaico; acusado de imoral; associado ao obsceno, ao
pecaminoso, à brincadeira, ao vulgar. Ao reclamar o cômico como modo de
acessar o transcendente, a “realidade superior”, Rosa coloca-se radicalmente
contra essa concepção negativa do cômico. Visão negativa que perdura ainda em
Kant, para quem o riso seria resposta corporal à impossibilidade do pensamento
e que surgiria da “repentina transformação de uma expectativa em nada”. Esse
processo que leva ao nada, e que marca a desconsideração do filósofo em relação
ao cômico, é uma das funções mais valorizadas e perseguidas por Rosa no uso
da comicidade. Dentre as várias anedotas estudadas no prefácio de abertura,
destacam-se três procedimentos cômicos com vistas ao nada: “fórmula à Kafka”,
“niilificação” e “definição por extração”. Procedimentos esses incorporados na
arquitetura das estórias e que podem ser ilustrados respectivamente pelos
enredos de “Barra da vaca”, “A estória dos três homens e do boi que os três
homens inventaram” e “Azo de almirante”, respectivamente.
Enfim, Guimarães Rosa nesse primeiro prefácio de Tutaméia faz uma
revisão crítica acerca das teorias do cômico, dialogando com a tradição e
destacando as funções e procedimentos da comicidade que lhe interessam e que
orientam a construção das estórias e do próprio livro.
38
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Comunicações
(texto completo)
39
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Introdução
Entre os objetivos deste texto pode-se listar: pensar interseções, fronteiras
e as potências criativas e limítrofes e, em certa medida, “híbridas” entre a
literatura de Agualusa e as filosofias de Foucault e Deleuze. Não se trata
simplesmente de uma interpelação filosófica da literatura. O romance O Ano em
que Zumbi tomou o Rio indica, tal como todo tipo de arte, um modo de expressão
do pensamento que consiste num plano de composição ocupado por figuras
estéticas que fazem emergir sensações. O Ano em que Zumbi tomou o Rio tem,
num registro mais geral, duas figuras estéticas antagonistas: Zumbi e Jorge
Velho. Mas, numa “entrevista” deleuzeana do romance, Zumbi pode ser
pensado simultaneamente como uma figura estética e como personagem
conceitual. Vale destacar alguns conceitos que emergem desse personagem,
especialmente, um conceito foucaultiano que abertamente se contrapõe à
utopia: heterotopia. Ou seja, vamos lidar com um território literário de
Agualusa que faz fronteira com os pensamentos de Foucault e de Deleuze.
O alvo deste trabalho está no trânsito entre fronteiras que tornem
possível que um personagem conceitual deleuzeano seja criador de um conceito
que emerge na filosofia de Foucault – a heterotopia – apontando para territórios
do plano de composição de Agualusa. Por um lado, um personagem conceitual
é constituído pelas mesmas forças que compõem uma figura estética; porém,
∗
Filosofia IM/DES/UFRRJ
40
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
41
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
42
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
1
Movimentos d’ angola dizem respeito, tanto ao jogo da capoeira angola, do candomblé angola e da
galinha d’ angola – animal símbolo da filosofia afroperspectivista.
43
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
44
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
45
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Considerações finais
Este texto é uma abertura, uma entrada, uma afroperspectiva e, portanto,
uma maneira de abrir possibilidades dentro dos caminhos sinuosos do
pensamento. Zumbi como personagem histórico encontra ecos no personagem
ficcional de Agualusa, principalmente porque são espelhamentos; não uma
representação. Mas, uma linha de fuga que compartilha as mesmas potências
negras e forças pretas, um devir afroperspectivista.
O que um personagem conceitual pode propor? Por exemplo, na filosofia
afroperspectivista, especificamente dentro da roda da afroperspectividade
circula o personagem conceitual: cavalo de santo. Esta personagem conceitual
recebe uma entidade, é rodante, fala sempre por meios que, em certo registro,
não lhe pertencem. Não se trata, simplesmente, de uma intermediação; porém,
de uma desfiguração, um “não-eu” que se manifesta através do que é, sem
cristalização, ou qualquer tipo de individualização. Mas, sobretudo, através de
uma contínua reinvenção de si a partir de outrem que não deixa de ser ele
mesmo. O cavalo de santo tem traços páticos, porque é um personagem
conceitual que faz muitos agenciamentos, alianças e conexões contínuas por
46
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
redes múltiplas. O cavalo de santo de Zé Pilintra transita bem nas ruas, conhece
os escaninhos da madrugada, sabe viver na boemia, sabe beber, fumar, cortejar,
seduzir e amar uma mulher. Zé Pilintra sabe e gosta de jogar; mas, as suas
apostas não dizem respeito aos jogos de azar, nem têm como alvo ganhar
alguma coisa que não se tem, o desejo é permanecer em jogo, jogando dados,
porrinha ou bilhar. O cavalo de santo de Pomba Gira sabe se defender e circular
nas ruas, ela defende o que pode ser nomeado como um devir mulher, reinventa
gêneros fora do sexismo, revitaliza a sexualidade em eixos que não dizem
respeito às vontades masculinas cristalizadas e marcadas por cifras
pornográficas. Nesse caso, o traço pático afroperspectivista tem um aspecto
muito interessante, a personagem conceitual não recorda o que disse. Não
porque tenha esquecido; mas, porque estava em si e sem apego ao “eu” deixa
de falar, apenas, por si mesma. Não se trata de uma experiência inconsciente;
mas, de um autêntico transe que multiplica as consciências. Ou ainda, “aquilo
de que ele se distingue não se distingue dele. O relâmpago, por exemplo,
distingue-se do céu negro, mas deve acompanhá-lo, como se ele se distinguisse
daquilo que não se distingue” (DELEUZE, 2006: 55). O cavalo de santo de Zé
Pilintra não se distingue da entidade Zé Pilintra, ainda que não sejam os
mesmos.
Os traços relacionais remetem às personagens conceituais como o:
“eles(as) são unha e carne”, uma dupla em que um se diz pelo outro, tal como o
tipo psicossocial; mas, sem se confundir com ela, cada uma pode escolher um
par de sapatos para a outra, um relógio, um batom ou um sanduíche. A tiazinha
– uma linda mulher, negra, 1,60m, 80 kg, 50 anos – diz: “Fulana e Sicrana são
unha e carne e se conhecem muito bem, elas têm o mesmo gosto”. O conceito de
gosto aqui não tem uma relação necessária com a crítica kantiana, talvez, tenha
sentidos transversais. O gosto não passa pela discussão, nem pela opinião;
porém, pela relação que se estabelece consigo. Ou ainda, se denomina “gosto
esta faculdade de co-adaptação, e que regra a criação de conceitos” (DELEUZE;
GUATTARI, 1992: 101).
47
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências bibliográficas
AGUALUSA, José Eduardo. O ano em que Zumbi tomou o Rio. Lisboa: Ed. Dom
Quixote, 2002.
______ . O Brasil é colônia. Época, set. 2004.
BRUNET, Roger et al. Les mots de la Géographie. Dictionnaire critique.
Montpellier: Paris: Reclus/La Documentation Française, 1992.
DELEUZE, Gilles. Conversações, 1972 -1990. Tradução Peter Pál Pelbart. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1996.
_______________. Diferença e repetição. 2ª Edição. Tradução Luiz Orlandi e
Roberto Machado. Rio de Janeiro: Editora Graal, 2006.
_______________. «L’ immanence: une vie». In Philosophie no. 47, Paris: Éd.
Minuit, set.1995, pp.3-7.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução Bento Prado
Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
DUTRA, M. A. Robson Lacerda. O Dia em que um angolano viu o Rio.
Unigranrio, Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades, v. 4, n. 16, jan./mar.
2006.
FOUCAULT, Michel. «Des espaces autres». Architecture, Mouvements, Continuité,
n. 5, p.46-49, out. 1984.
HOUAISS, Antonio. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
2000.
SANTIL, Juliana. “Hotel XXI”. Lusotopie, p. 153-159, 2003.
SCHMIDT, Simone Pereira. “Navegando no Atlântico pardo ou a lusofonia
reinventada”. Crítica Cultural, v. 1, n. 2, jul./dez. 2006.
VALLADARES, Lícia do Prado; MEDEIROS, Lídia. Pensando as favelas do Rio de
Janeiro 1906-2000. Rio de Janeiro: FAPERJ: Reluma Dumará, 2003.
VENTURA, Zuenir. Cidade partida. São Paulo: Companhia das Letras, 1974.
48
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Resumo: Este trabalho analisa os contos de Sergio Faraco, sob a perspectiva da escrita “na”
fronteira (em oposição àquela “sobre” fronteira), ressaltando os influxos platinos, o
contrabando de idéias, o “entre-lugar” da cultura e a cultura do “entre-lugar”. A ruptura com o
binarismo (proximidade e estranhamento, afeição e repulsa ao Outro) deixa à mostra a crise da
centralidade e mesmo de nação, destacando-se as relações entre identidade e “diferência”, na
acepção de que lhe dá Jacques Derrida.
Preliminares
A proposição de um debate sobre fronteiras envolve mais do que um
arcabouço teórico para o enfoque literário que este trabalho propõe. O que, à
primeira vista, parece ser tão-somente mais uma pesquisa sobre os paradigmas
da literatura dos gaúchos pode, também, ser interpretado como um
questionamento sobre a (re)configuração do sujeito hodierno. Afinal, pôr a
fronteira em pauta é tarefa que vai para além dos limiares do Estado,
constituindo-se um tema de relevante conotação no sistema simbólico de
cultura referencial, dos indicadores identitários, das marcas de pertencimento,
da linguagem que separa e une e das narrativas que conformam os mosaicos da
complexidade do mundo contemporâneo. A proposição de um debate sobre
fronteiras implica, pois, a releitura do estar-se no “entre-lugar”, mote comum
dos estudos pós-coloniais e revigorado neste contexto de globalização.
∗
Professora Assistente do Departamento de Letras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
49
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
50
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Nenhuma das duas Coroas […] saberia dizer a seus vassalos por onde
passavam, no terreno, as respectivas linhas confrontantes. A posse das
coisas, portanto, não se dava num espaço nacional conhecido. O
possuidor, com a sua nacionalidade, é que delimitava, por assim dizer,
a soberania do seu Estado. Onde se achava um súdito espanhol, o
território era espanhol; e vice-versa com respeito ao português. Ambos
usufruíam, segundo seu alvedrio, a “terra-de-ninguém” (1978: 44).
1
Recorda-se, com Carlos Reverbel, que “a fronteira do Rio Grande com os países do Prata estende-se por
1.727 quilômetros, dos quais 724 com a Argentina e 1003 com o Uruguai. A fronteira com o Uruguai,
desde a barra do Chuí até a foz do Quaraí, é quase toda seca. Já a divisa com a Argentina, desde a foz do
Peperi-Guaçu até a confluência do rio Quaraí, corre ao longo do rio Uruguai. Nada, entretanto, impede o
livre trânsito entre o Rio Grande e os países platinos”. (REVERBEL, 1998: 89).
51
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
2
E o gaúcho, efetivamente, não o fez. Quanto ao que se sabe da presença gaúcha no Uruguai, tão
expressiva ela era, que, conforme levantamento feito em 1863 pelo Almirante Carbajal, e citado por
Franco, “numa população de 180.000 habitantes haveria cerca de 40.000 brasileiros” e que eles
possuiriam no Uruguai “perto de 4.000 léguas, quase o equivalente à metade do território da República”
(FRANCO, 1992: 32-34). Especialmente nos departamentos do Norte e do Leste uruguaios, os brasileiros
eram dominantes. Dessa forma, já em 1888, Itaqui, Quarai e Uruguaiana estavam ligadas a Montevidéu e
Salto pela via férrea. Em contraste, só em 1907, os trilhos da ferrovia gaúcha estabeleceram conexão com
Porto Alegre. Esse “isolamento” da fronteira brasileira com relação ao próprio Brasil fez com que, até
meados de 1920, boa parte da produção do Oeste gaúcho fosse escoada através do porto de Montevidéu,
que, ademais da proximidade e boa infra-estrutura, cultivava um sistema de baixas tarifas de importação.
3
José de Souza Martins aborda, no estudo citado, a fronteira com o Outro indígena, no contexto da
Amazônia. No entanto, seu trabalho será aqui mencionado no que se aplicar, também, ao entorno
pampiano.
52
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
53
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
4
É mister destacar que não está em discussão o debate que, desde Platão, delineia as considerações dos
teóricos da literatura sobre a medida que aproxima/afasta o personagem de ficção daquele homem que
existiu concretamente. Expulso, já, da República, o gaúcho literário, na abordagem deste trabalho, não
tem a pretensão de provir do mundo real. Não obstante, algumas considerações são pertinentes em face do
objetivo de se proceder a uma análise sobre o construto das tradições no plano de ascensão dos ideais
nacionalistas.
54
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
55
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
[…] o simpático Major não admitia (e sirva o fato para documentar seu
nacionalismo) qualquer aproximação do gaúcho rio-grandense – a
personagem de ficção ou o tipo real – com o gaúcho platino, isto é,
conforme ele mesmo diz, com “o borracho que vive a retoçar [sic] as
polícias locais e a provocar desordens em a polpería e cometer crimes
como se o vê pintado em Martín Fierro e Juan Moreira56. (CÉSAR, 1994:
42)
5
César, aqui, cita JACQUES, Cezimbra. Assuntos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Of. Gráficas da
Escola de Engenharia, 1912. p. 52.
56
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
57
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
58
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
7
Gilda Bittencourt observa que Faraco é um escritor que centra boa parte de sua narrativa na infância. Se
considerados os contos dos anos 70, “praticamente metade das histórias relaciona-se com essa fase da
vida” (p. 117). Contudo, mesmo nos contos em que o narrador é adulto, a criança parece vir à tona,
resgatando o “eu” passado e narrando seus feitos com as limitações e as lacunas que competem ao olhar
ingênuo (p. 118). Cf. BITTENCOURT, 1999.
59
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
que já delata o escopo de primar pela literatura mais afeita ao tom oral da
gauchesca, a preferência de Faraco concorreu com a valoração do narrador,
como se fizesse retomar o causo a correr de estância em estância pela peonada
para ser contado entre um mate e outro junto ao fogo de chão. Assim, não só a
escolha dos temas, mas também a do gênero marca o compromisso dele com a
revisão da narrativa pampiana.
Outro aspecto a ser notado é que o conto, antes de tudo, deve ser
articulado dentro de limites estabelecidos, aproximando-se da idéia da
fronteira. “O conto parte da noção de limite” (CORTÁZAR, 1993: 52), pois o
clímax se realiza quando alcança no leitor um efeito que só é possível em função
da pouca extensão. É o gênero que prima pelo ponto ótimo da “excitação”: na
construção condensada do conto repousa o segredo do bom escritor: na
capacidade de prender o leitor e isolá-lo do mundo, conquistando sua
cumplicidade a partir de imagens e acontecimentos que, não obstante limitados,
sejam capazes suscitar uma espécie de abertura que o guie para além do
narrado, para essa faixa nebulosa do texto em que algo é dito sem dizê-lo
(CORTÁZAR, 1993: 52). Sob essa égide, as idéias de limite/abertura,
fragmento/unidade, tensão/cumplicidade, e a possibilidade de pleitear o
reconhecimento do leitor por meio de mitos, de imagens, de símbolos, o escopo
de prender, de isolar e, paradoxalmente, de deixar à mostra a brecha e o
caminho para ir além aproximam o conto da noção de fronteira. Nessa trilha, e
retomando Miranda para quem “fazer uma nação e fazer literatura são
processos simultâneos” (1994: 33), a eleição do conto é uma forma de abrir
margem à fronteira e pôr em pauta a ambivalência e a negociação transcultural.
Ademais, por ser um flagrante e não se prestar a juízos de valores ou a
digressões morais, o conto se fixou como gênero capaz de apreender o contexto
social estilhaçado ética e ideologicamente, enfocando os afetos esmaecidos sem
o compromisso de explicá-los. Essa é uma característica indelével da obra de
Faraco, que narra situações limites, borderlines, fronteiriças sem, no entanto,
julgá-las. Para ilustrar essa tendência, passa-se à análise de dois contos: “Dois
Guaxos” e “Travessia”.
60
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
[…] não sendo o bugre, ia ser outro qualquer, algum bombachudo que
apeasse por ali e depois se fosse, deixando-a tristonha, solita... solita
como se queda uma novilha prenha. E depois, ah, isso já se sabia,
depois ia virar puta de rancho, puta de bolicho e no fim uma daquelas
reiúnas que vira algumas vezes na carreteira, abanando em desespero
para caminhão de gado (FARACO, 2004: 23).
61
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
62
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
63
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
64
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Considerações finais
Rompendo com a construção do gaúcho mitificado, a narrativa de Faraco
deixou à mostra duas importantes premissas: (1) a tradição sul-rio-grandense
continua em voga: a escrita imiscuída de castelhanismos, os temas próprios do
pampa e os personagens submetidos aos dramas da fronteira seguem
compondo narrativas ao gosto do leitor contemporâneo; (2) o regionalismo teve
de ser revisado para seguir atraente ao consumo de leitura da pós-
modernidade: o leitor ainda precisa da identificação com o lugar na literatura,
porém não busca a construção literária do Rio Grande do Sul como cosmos
perfeito e acabado. Em meio a tudo isso, essa nova literatura reformula o Eu em
frente às tradições e os pilares identitários, ao passo que a imagem do Outro
castelhano vai sofrendo um novo enfoque, mais afeita à queda de barreiras
culturais, políticas e econômicas. Um novo projeto político, pois, que Faraco
soube levar muito bem em sua obra de escritor, crítico e tradutor.
Referências bibliográficas
AGUIAR, Flávio. A épica riograndense. Disponível em:
<http://www.celpcyro.org.br/epica_riograndense.php> Acesso em: 01 nov.
2003.
BEIRED, José Luis Bendicho. Breve história da Argentina. São Paulo: Ática, 1996.
BENJAMIN, Walter. “O Narrador: observações sobre a obra de Nikolai
Leskow”. In: Benjamin, Horkeimer, Adorno e Habermas – Textos escolhidos. São
Paulo: Abril, 1983. p. 57. Coleção Os pensadores.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução Myriam Ávila et al. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 1998.
BITTENCOURT, Gilda Neves da Silva. O conto sul-rio-grandense: tradição e
modernidade. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS, 1999.
BOSSLE, João Batista Alves. Dicionário gaúcho brasileiro. Porto Alegre: Artes e
Ofícios, 2003.
CÉSAR, Guilhermino. Notícia do Rio Grande: literatura. Porto Alegre: Instituto
Estadual do Livro / Editora da Universidade, 1994.
______ . O contrabando no sul do Brasil. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do
Sul / Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978.
65
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
66
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
67
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
68
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
69
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
70
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
71
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
72
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
73
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
74
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
75
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
76
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
77
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
moldura da página que podem ser apreendidos pelo leitor tal como se fosse
uma pintura.
Enfim, o exame desses três elementos (motivo literário, modelo narrativo
e personagem) elucida o modo como a assunção da inevitabilidade da
dependência cultural se opera transgressivamente na ficção, seguindo a
proposta do próprio Silviano Santiago. A despeito disso, o escritor também
assume explicitamente a “diferença”, como pode ser constatado quando o
narrador afirma, logo no exórdio, a necessidade em inventar-se monstro em
função do contato com o outro, com o desconhecido e com a diferença que a
narrativa possibilita e, ainda, porque a narrativa terá como protagonista
Antonin Artaud, intelectual que encarnou a “diferença” no interior da tradição
europeia.
O monstro nada mais é do que a diferença. Assim, por ser um escritor
brasileiro, o narrador – representação do intelectual latino-americano e do
próprio Silviano Santiago – assimila a diferença na forma de traço constitutivo
de sua identidade. Ademais, o contato com o desconhecido e com o “outro”,
principalmente um detentor da “diferença”, tal como o protagonista,
potencializa a necessidade de assumir sua “diferença”. Como se não bastasse,
na narrativa, o monstro constitui, ainda, uma metáfora do processo criativo, no
qual o escritor inventa-se em outro(s) ser(es) e cria uma realidade diversa
daquela na qual está submetido.
A escrita é apresentada na narrativa como espaço propício para o jogo de
suplementariedade – um dos elementos associados à “diferença” derridiana.
Esse jogo manifesta-se explicitamente no interior do romance por meio da
interferência que o narrador faz na narrativa, suplementando a fala do
protagonista, bem como quando o narrador delega ao leitor a responsabilidade
de suplementar o texto escrito por meio da leitura. O romance trata da
construção de uma outra narrativa, a partir do relato de experiências que
Artaud faz para o narrador. Este, contudo, recusa-se a funcionar como mero
escriba e passa a inserir no relato situações por ele imaginadas e, até mesmo,
suas próprias experiências. Assim, o livro escrito pelo narrador suplementa o
78
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
1
No sentido de “[...] sacudir com um abalo que atinge o todo [...]” (DERRIDA, 1995: 16)
79
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências bibliográficas
ANTELO, Raúl. “Rua México”. Revista Z Cultural. Ano III, n. 2, abr/jul 2007.
Disponível em: <http://www.pacc.ufrj.br/z/ano3/02/raulantelo.htm>. Acesso
em: 10 fev 2009.
ARTAUD, Antonin. Os tarahumaras. Lisboa: Relógio D’Água, 2000.
______ O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 2006. (Col. tópicos).
CAMÕES, Luís. Os Lusíadas. In Obra completa: em um volume. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2008. p. 01-264. (Biblioteca luso-brasileira. Série portuguesa).
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 2006a.
______ “Platão e o simulacro”. In Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva,
2006b. p. 259-271. (Col. estudos, vol. 35).
DERRIDA, Jacques. “A diferença”. In Margens da filosofia. Campinhas: Papirus,
1991. p. 33-63.
______ A Escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1995. (Col. debates).
______ Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2006. (Col. estudos, vol. 16).
HOISEL, Evelina. “Silviano Santiago e seus múltiplos”. In CUNHA, Eneida Leal
(Org.). Leituras críticas sobre Silviano Santiago. Belo Horizonte: Editora UFMG;
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2008. p. 143-169. (Col. intelectuais
do Brasil).
80
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
81
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Maicon Barbosa∗
RESUMO: Este trabalho tem como foco pensar o conceito de devir presente no pensamento
de Gilles Deleuze e Felix Guattari, e para isso, foi necessário problematizar o conceito em
questão a partir de quatro eixos: no primeiro, há uma distinção entre devir e mimese; no
segundo, opera-se uma aproximação entre o conceito de devir e o conceito de diferença, para
distinguir um processo de devir do movimento de tomar a forma do outro; no terceiro, o
conceito de devir articula-se à noção de corporeidade; e no quarto eixo, ocorre uma
problematização do devir enquanto uma maneira de efetuação de movimentos micropolíticos,
que criam outros modos para a existência.
Introdução
∗
mestrando em Psicologia Social e Política, Universidade Federal de Sergipe (UFS).
82
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
83
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
84
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Acima de tudo, devir não é uma generalidade, não há devir em geral: não se
poderia reduzir esse conceito, instrumento de uma clínica fina da existência
concreta e sempre singular, à apreensão extática do mundo em seu
universal escoamento - maravilha filosoficamente oca (ZOURABICHVILLE,
2004, p. 48).
Devir e mimese
Um devir nunca é uma imitação. Mas, em que implica a afirmação de
que devir não é imitar? Será que o conceito de devir estaria excluindo a
possibilidade de imitação? Parece-nos que o devir não anula a possibilidade de
emergência das imitações. Porém, é assaz importante marcarmos que a noção
de imitação está próxima da idéia de uma representação do real, ou seja, imitar
seria sempre imitar algo ou alguém, sempre imitação de uma forma, de um
sujeito. Uma diferença fundamental se desenha entre um devir e uma imitação.
Para esta última, o que importa é assemelhar-se à forma pretendida, ao sujeito
intentado. Entretanto, num devir, o que se passa é anterior às formas e sujeitos.
Trata-se, num devir, dos movimentos das linhas que compõem um corpo, das
passagens moleculares que arregimentam partículas numa condensação
temporária para constituir um cruzamento que delineia um outrem, sempre em
vias de nascimento e de morte. O devir não estaria no plano do sujeito, nem
submetido às formas instauradas, já que ele opera de maneira muito
infinitesimal, decompondo silhuetas duras num gradiente de velocidades e
lentidões inapreensível à dimensão formal. Esse movimento de passagem,
levado ao infinito, efetua-se num plano pré-individual, que antecede a
constituição das formas e dos sujeitos.
85
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
86
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
87
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Diferir de si mesmo
88
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
89
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
O devir não produz outra coisa senão ele próprio. É uma falsa
alternativa que nos faz dizer: ou imitamos, ou somos. O que é real é o
próprio devir, o bloco de devir, e não os termos supostamente fixos
pelos quais passaria aquele que se torna (DELEUZE; GUATTARI, 1997:
18).
90
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
se faz presente. O que o devir produz não é uma cópia, ou uma igualdade de
formas. Ele produz a si mesmo, num constante diferir. O devir produz a sua
própria realidade, e é na diferença que essa realidade se passa. Não se trata de
um fechamento sobre si mesmo, pois a diferença do devir é a própria potência
de diferir de si mesmo para constituir sempre um outrem fugidio, temporário e
aberto.
Um outrem se instala enquanto um plano impessoal – que se atualiza em
personagens reais variáveis – e compõe a existência de mundos possíveis, tal
como se exprime na superfície de expressão (DELEUZE, 2009). A relação com
outrem, a radicalidade da interferência das forças de um corpo em relação a um
outro corpo, intensifica uma saída de si, fende o mesmo, e opera passagens que
levam aos incógnitos oceanos que a diferença não cessa de derramar. “Outrem é
sempre percebido como um outro, mas, em seu conceito, ele é a condição de
toda percepção, para os outros e para nós. É a condição sob a qual passamos de
um mundo a outro” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 30). Tornar-se outrem é abrir
as linhas condensadas das formas, desmanchá-las e recompô-las num mundo
possível. O tornar-se outrem que perpassa um devir é um movimento que se
coloca nas encruzilhadas de múltiplos mundos possíveis, carregados sempre de
uma potência de imprevisibilidade e de diferença.
Ainda poderíamos rebater o problema do devir à contradição dialética,
como o faz Hegel? François Châtelet (1995) considera que em Hegel o conceito
de devir seria a superação da contraposição entre o Ser e o Não-Ser, indicando
assim que o devir é conceituado na filosofia hegeliana enquanto uma mediação
intrínseca ao processo dialético. Para Hegel (1982) o devir está atrelado à síntese
possível que funciona como mediação na oposição dialética. Ele toma a relação
entre o Ser e o Nada, concebendo que um desaparece no outro através do devir,
e que este seria um movimento cujos dois diferentes encontram uma síntese
resolutiva. O fato de Hegel considerar que os contrários coexistem e que um
dos termos da relação de negação, que estrutura a dialética, desaparece no
outro – desaparecimento recíproco –, conduz o devir a uma função de mediador
ou de sintetizador que produzirá as condições necessárias para a superação da
91
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Devir e corporeidade
1
Para Deleuze (2002) em Espinosa filosofia prática, um plano de imanência não se refere à projeção de
um planejamento prévio, e está muito mais próximo da noção de plano presente na geometria, ou seja,
plano enquanto seção, intersecção e diagrama.
92
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
93
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
2
Quando Spinoza usa o termo “mente”, não se trata da concepção comumente empregada hoje em dia.
Esse termo pode ser apreendido enquanto pensamento, e de modo algum, Spinoza o separava do corpo,
assim como também não o relacionava a um determinado órgão, como o cérebro, por exemplo.
94
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Por maioria nós não entendemos uma quantidade relativa maior, mas
a determinação de um estado ou de um padrão em relação ao qual
tanto as quantidades maiores quanto as menores serão ditas
minoritárias [...] Maioria supõe um estado de dominação, não o
inverso (DELEUZE; GUATTARI, 1997: 87).
95
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Dizer que num devir se expressa uma política menor, não indica a
existência de um programa, de um objetivo, de um planejamento para o ato de
afirmação política. Um processo de devir não é previsível, pois o tornar-se outra
coisa não depende de uma intencionalidade racionalizada. E isso incita outras
maneiras de pensar o fazer político, desatrelado da idéia de programa
previamente definido. A afirmação política num devir não tem um objetivo
constituído a priori, e uma de suas mais intensas forças localiza-se justamente
nessa impossibilidade de prever o futuro, nessa precariedade das formas que se
desmancham para dar vez a outros arranjos constitutivos da própria vida. A
emergência de um processo de devir opera-se num horizonte de contingências,
cujo risco é iminente durante todo o tempo. Nunca se sabe onde um devir pode
nos levar, e nunca se sabe quais os efeitos que ele poderá produzir. Um devir
não é bom ou mau por natureza, e assim como possibilidades de
potencialização da vida se colocam, os perigos de encontrarmos linhas de
abolição também se fazem presentes.
Últimas considerações
96
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
97
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências bibliográficas
ARISTÓTELES. Poética. Trad. Baby Abrão. In: Aristóteles. Coleção Os
Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2004.
BERGSON, Henri. Evolução criadora. Trad. Bento Prado Neto. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita 2: A experiência limite. Trad. João
Moura Jr. São Paulo: Escuta. 2007.
CHÂTELET, François. Hegel. Trad. Aldo Porto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1995.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia.
Trad. Suely Rolnik. Vol. 4. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997.
______________ . O que é a filosofia. Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso
Muñoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Cleire. Diálogos. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro, São
Paulo: Escuta, 1998.
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34,
1997.
______________ . Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado. 2.
ed. Rio de Janeiro: Graal, 2008.
______________ . Espinosa: filosofia prática. Trad. Daniel Lins e Fabien Pascal
Lins. São Paulo: Escuta, 2002.
______________ . Lógica do sentido. Trad. Luis Roberto Salinas Fortes. 5 ed. São
Paulo: Perspectiva, 2009.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Ciência de la lógica. Trad. Augusta y Rodolfo
Mondolfo. 5. ed. Buenos Aires: Solar, 1982.
HERÁCLITO. Fragmentos. Trad. José Cavalcante de Souza. In: Os pré-socráticos.
Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
NIETZCHE, Friedrich Wilhelm. O crepúsculo dos ídolos (ou como se filosofar com o
martelo). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das letras. 2006
REALE, Giovanni. História da filosofia: filosofia pagã antiga, v. 1 / Giovanni Reale
& Dario Antiseri. Trad. Ivo Storniolo. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2007.
98
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
SPINOZA, Benedictus de. Ética. Trad. Tomaz Tadeu. 2. ed. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2008.
ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Trad. André Telles. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2004.
99
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Resumo: Com este trabalho, tenta-se fazer uma aproximação – através da releitura de Adorno
e Horkheimer em Dialética do esclarecimento – entre Ulisses, que enfrenta as sereias no
duodécimo canto da Odisséia e Luís da Silva, narrador-protagonista do romance Angústia.
Ulisses é considerado pelos filósofos frankfurtianos como protótipo do homem burguês. Luís da
Silva, por sua vez, decide ir para a cidade moderna logo depois que aprende a ler. Como
Ulisses, que fica rico em saber quando vai ao reino dos mortos, na viagem à cidade entra em
contato com a racionalidade do mundo moderno. Não obstante, o caminho da civilização é o da
obediência e do trabalho e Luís da Silva enfrenta fatos que o desencantam e o remetem
nostalgicamente ao passado. A memória, porém, pode ser um perigo: o canto de monstruosas
criaturas, a sedução impositiva do mito, o chamamento ancestral. Se o astucioso Ulisses
enfrentou o canto das sereias e seguiu para Ítaca tapando os ouvidos dos remadores com cera e
se amarrando ao mastro do navio, põe-se em questão se o artifício do jovem retirante Luís
deveria ser trabalhar, não olhar para os lados e resistir para, quem sabe, um dia também chegar
à corte de algum rei Alcino.
Palavras-chave: Cidade. Esclarecimento. Mito. Modernidade.
Introdução
∗
Mestranda em Educação pelo Núcleo de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Sergipe (NPGED/UFS), bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Contemporaneidade (EDUCON/UFS).
100
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
retirante, como indicador da pessoa que emigra para uma cidade em busca de
melhor condição de vida e que, no Brasil, está vinculado ao nordestino
sertanejo.
Na elaboração do título deste trabalho, surgiu a dúvida se Luís da Silva,
o narrador-protagonista de Angústia, poderia ser considerado um retirante ou
não, porquanto, em nenhuma parte da obra, afirma que sua saída do rural
tenha sido motivada por questões climáticas, não sendo, também, ligado à
agricultura, embora seus antepassados tivessem sido. No entanto, quando
relata as dificuldades encontradas para se estabelecer na cidade, ao apelar para
a generosidade das pessoas, ou seja, ao pedir esmolas, afirma ser “um filho do
Nordeste, perseguido pela adversidade” (RAMOS, 2009: 32) ou, quando se
apresenta a uma mulher, define-se como bicho do mato, sertanejo, bruto e
selvagem.
Se retirante for considerado não só o sertanejo que se ocupa da criação de
gado ou da agricultura que “foge” da seca, mas também o indivíduo que não
tem terra ou trabalho e decide abandonar seu lugar de origem em busca de uma
“vida melhor na cidade” – saída motivada por fatores como a seca, a “cerca” ou
a falta de trabalho – então Luís da Silva, neto de um fazendeiro arruinado, pode
ser considerado um retirante na Maceió dos anos 1930, mais um entre tantos
jovens de origem rural que migraram em busca de emprego.
Segundo Silviano Santiago (2009: 289), ele é um “desenraizado na grande
cidade [...]. [onde] estão plantadas suas raízes sentimentais [...]. Ele não é um
citadino. Transplantara-se do campo para a capital, transformando-se em
representante típico da juventude tenentista, isto é ‘molambo que a cidade puiu
demais e sujou’”. E esse jovem retirante que deixou o mundo rural acreditando
que conseguiria melhorar de vida na cidade, tornou-se um assassino.
Ressalte-se, porém, que, com este trabalho, não se tem como objetivo
analisar o crime por ele cometido devido a um despeito amoroso, nem a
decorrente angústia que vive, mas tentar uma aproximação sua – através da
releitura de Adorno e Horkheimer em Dialética do esclarecimento – com Ulisses,
quando este enfrenta as sereias no duodécimo canto da Odisséia.
101
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
1
RAMOS, Graciliano. Angústia. 64. ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2009. As citações são desta
edição.
2
O nome Oudeis – relacionado à Odisséia – “pode ser atribuído tanto ao herói quanto a ninguém”
(HORKHEIMER; ADORNO, 1985: 65), mas Ulisses rompe esse encanto do nome. Para os filósofos, “é
do formalismo dos nomes e estatutos míticos, que querem reger com a mesma indiferença da natureza os
homens e a história, que surge o nominalismo, o protótipo do pensamento burguês” (op. cit.: 65).
102
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
escrever. Seu pai o apresenta ao mestre como “um cavalo de dez anos que não
conhecia a mão direita” (op. cit.: 15).
Com a morte de seu pai, Luís, então com quatorze anos, fica na mais
profunda miséria e se preocupa: “Que ia ser de mim, solto no mundo?” (op. cit.:
21), “Que iria fazer por aí à toa, miúdo, tão miúdo que ninguém me via?” (op.
cit.: 22). Resolve ir embora, tentar a sorte em outro lugar e conta que rodou por
onde achava que teria uma vida melhor. Triste ilusão, pois, na cidade grande,
103
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Não sei por que mexi com eles, tão remotos, diluídos em tantos anos
de separação. Não têm nenhuma relação com as pessoas e as coisas
que me cercam [...]. Os defuntos antigos me importunam [...]. De toda
aquela vida havia no meu espírito vagos indícios. Saíram do
entorpecimento recordações que a imaginação completou (RAMOS,
2009: 16; 19).
Como Ulisses, que fica rico em saber quando vai ao reino dos mortos, na
viagem à cidade, Luís entra em contato com a racionalidade do mundo
moderno. Mas, suas lembranças e nostalgia parecem denotar um quê de
arrependimento pelo conhecimento adquirido, por exemplo, quando se
questiona para que se acostumou a ler papel impresso e a ouvir o rumor de
linotipos, bem como na constatação de como a cidade o afastara de seus avós,
de suas raízes, do mundo rural. Fica a pergunta se Luís começa a desejar não
ser esclarecido e adaptado ao projeto de modernidade, se ele se dá conta de que
“a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor” e de que
o “esclarecimento é totalitário”. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985: 13; 22).
3
Apesar disso, trabalha e se preocupa em não perder seu emprego, uma vez que “o caminho da
civilização era o da obediência e do trabalho” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985: 45). Para Luís, ter um
emprego é prerrogativa do mundo urbano e cita o exemplo do guarda civil, de origem rural, “que veio
para a cidade, arranjou emprego” (RAMOS, 2009: 196).
104
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
105
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
106
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
107
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
108
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
ocupa na sociedade: não ouvir, não olhar e trabalhar ou se amarrar ao mastro do navio
que segue para Ítaca, enquanto os trabalhadores remam.
Para Ítaca
O jovem retirante Luís vive uma contradição: quer e não quer ouvir o canto das
sereias. Não quer, porque isto o aproxima de um passado rural, pobre, antigo e arcaico,
enquanto o deseja com nostalgia, pois faz parte de suas origens. O mundo moderno,
que tanto almejou, é o que imaginava, mas ele não se encaixou na cidade porque,
apesar de ter um trabalho, não consegue consumir sem se endividar a juros altos.
Se não pode ouvir o canto porque seus ouvidos estão com cera, ao menos pode
sonhar e imaginar “fortunas absurdas: dinheiro achado na rua”, um roubo que não
teve coragem de praticar, o aparecimento de um fazendeiro “rico e atilado” que lhe
diria: “Ninguém percebe o seu valor, rapaz. O que lhe falta é roupa. Roupa e trato.
Vamos comer no restaurante” (RAMOS, 2009: 120). Quem sabe, um “rei Alcino” que o
receba depois de tantas viagens.
Deseja se adaptar ao que o projeto de modernidade propõe: trabalho,
dominação, razão e esclarecimento. Como todo o retirante que vai para a cidade
grande, tem consciência de que o trabalho é duro e sem trégua, mas, apesar das
dificuldades, a cidade ainda é considerada melhor que o mundo rural deixado para
trás.
Sente vergonha de sua origem, de seus sapatos sujos e empoeirados. Compara-
se, com despeito, aos tipos burgueses da cidade. Sonha com coisas obtidas através do
dinheiro e do trabalho, com o que uma vida moderna e confortável pode proporcionar:
felicidade com Marina4, sua “Penélope”.
4
Ao contrário de Penélope, na primeira oportunidade que apareceu, Marina trocou Luís por um homem
rico.
109
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências bibliográficas
110
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
*
Graduanda em letras e Bolsista Picvol/CNPq-Universidade Federal de Sergipe-UFS
111
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
112
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
admirado por sua origem, pois dentre os deuses é o mais antigo e que dele não
há genitores, por ser o mais antigo é o que causa os maiores bens, amor é o
apreço ao que é belo e inspiração para virtude” (PLATÃO,1979: 178c). O discurso
de Fedro é de natureza retórica, introduz o discurso como convite à reflexão,
mas se afasta da realidade, ou seja, é um discurso simplório que traz uma
subjetividade, uma idéia de verdade aparente. O Eros é avaliado a partir dos
efeitos que provoca nos homens, não há neste discurso uma busca pela
“essência” dos conceitos, estes são postos de maneira superficial com tom
retórico.
O discurso de Pausânias tem por base o caráter sócio-político do Eros, no
qual o amor não depende da natureza, mas das convenções, sendo uma questão
de nomoi (normas): “Este é o Amor da deusa celeste, ele mesmo celeste e de
muito valor para a cidade e os cidadãos, porque muito forçoso ele obriga a fazer
pela virtude tanto ao próprio amante como ao amado; os outros porém são
todos da outra deusa, a popular” (PLATÃO,1979: 185c).
Pela ordem dos discursos após Pausânias, Aristófanes deveria
prosseguir, porém tomado por um acesso de soluço fica impedido de falar,
passando a palavra para Erixímaco (médico). A estrutura do discurso de
Erixímaco está montada em duas realidades sobre o Eros. Ele percebe uma
forma amorosa mórbida e a outra sadia. Assim o Eros é pensado pela
perspectiva da ciência natural como uma força cósmica: “A natureza dos
corpos, com efeito, comporta esse duplo Amor; o sadio e o mórbido são cada
um reconhecidamente um estado diverso e dessemelhante e o dessemelhante
deseja e ama o dessemelhante” (PLATÃO,1979: 186b).
Depois de Erixímaco o discurso retorna a Aristófanes, com a narrativa do
mito do Andrógino, que revela a unidade originária dos homens, no qual
possuíam formato esférico, com duas faces, dois sexos, no entanto, presunçosos
voltaram-se contra os deuses e por isso foram divididos ao meio. Com isso a
natureza humana se mutilou em duas, tornando-se múltipla, uma metade
ansiava pela outra em busca de tornarem-se unas novamente., ou seja, em busca
de plenitude:
113
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
114
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
115
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
E por ser filho de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele
ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e
belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar,
sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas de
nos caminhos porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com
a precisão (PLATÃO,1979: 203d).
Final
mente, por comportar dupla natureza Eros não é nem sábio, nem ignorante, mas
está entre ambos sendo, portanto, filósofo. O amor é busca do belo no corpo e
na alma. Com isto percebemos que o mito Eros narrado por Diotima, dotado de
elementos poéticos, é a base do pensamento platônico exposto através do
“diálogo socrático”. Sendo assim o papel alegórico do mito nos remete a
seriedade do discurso para definir o Eros, de modo que há uma superação dos
elementos míticos pela racionalidade do pensamento filosófico.
Bakhtin expõe dois procedimentos centrais do “diálogo socrático”, a
saber, a síncrise e a anácrise. A síncrisi é a confronto de opiniões sobre um
determinado objeto, no Banquete o objeto é o Eros através dos discursos
apresentados, já a anácrise entende-se pelo método de provocar a fala do
interlocutor, fazê-lo externar sua opinião preconcebida a fim de refutá-la, ou
como afirma Bakhtin: “desmascarando-lhes a falsidade ou insuficiência; tinha a
habilidade de trazer à luz as verdades correntes” (2008: 126).
Em suma, notamos que é possível observar claramente no Banquete
elementos dialógicos através do jogo entre o personagem Sócrates e seus
interlocutores em que a ironia e a alegoria dos discursos provocam o riso
carnavalesco e elucida a reflexão filosófica características do sério-cômico. A
polifonia é marcada pelas vozes da cultura ateniense enunciadas pelos
interlocutores que versam seu olhar sobre o Eros a partir de perspectivas
inerentes a sua condição, seja de médico,poeta, aristocrata e filósofo. Eis a
fronteira entre filosofia e literatura na obra o Banquete dotada de tom poético-
filosófico e regada a discursos dialógicos para elucidar questões que perpassam
o âmbito do ser.
116
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências Bibliográficas:
BAKHTIN.Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski.Trad. Paulo Bezerra. Rio
de Janeiro, 2008.
PLATÃO. Banquete. Tradução de José Cavalcante de Souza, São Paulo: Abril
cultural, Os pensadores, 1979.
117
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Resumo: O presente trabalho tem por finalidade principal observar na narrativa fílmica
Anticristo, do dinamarquês Lars Von Trier, a reconstrução do mito de Medéia, bem como a
presença dos aspectos da vegetação, seus símbolos e ritos de renovação na reconstrução do
referido mito, analisados a partir do texto O Sagrado e O Profano, de Mircea Eliade, associados
a outros textos da mitocrítica atual .
Palavras-chave: Mito; Anticristo; Medéia.
∗
Universidade Federal de Sergipe – UFS.
118
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Diante do mito original, aparece o mito dos novos começos, que almeja
a ruptura com a história vigente no sentido de provocar a chegada da
história desejada.
[...]
O mito trabalha na esteira da ação, passa por cima dos homens para se
realizar, estabelece sua relação com as potências simbólicas nas quais
eles pensam ter algum apoio, ele alimenta a palavra “quente”, que dá a
certeza que o mundo pode e vai mudar. (BALANDIER, 1997: 26)
119
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
120
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
tempo desfrutaram de paz no casamento, até que Creonte resolveu casar sua
filha Creúsa (ou Glauce) com o herói da Tessália. Repudiada pelo marido e
expulsa da cidade, Medéia resolve vingar-se friamente entregando como
presente de casamento à noiva vestimentas e uma coroa envenenada, que a
mataria e juntamente ao rei Creonte, que em tentativa de salvar a filha se
envenenasse também, além de ter incendiado o palácio real. Tudo conseguido
às custas de seus poderes como feiticeira e domínio sobre as ervas e elementos
da natureza. Como se não fosse suficiente, resolve matar seus filhos, na versão
de Trier para a TV dinamarquesa no ano de 1988, há sugestão de um ritual
macabro, onde o próprio filho mais velho diz à mãe saber o que está prestes a
acontecer, inclusive ajuda a mãe na execução do irmão caçula, como se o diretor
em livre adaptação sugerisse a ritualística morte do patriarcado. Para o
estudioso alemão Jaeger (1986) o confronto entre Medéia e Jasão representa a
tragédia matrimonial burguesa observadas por ele desse modo:
121
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
amigo ou de pessoas de sua idade; mas nós, é preciso não termos olhos
a não ser para eles (EURÍPEDES, 1980: 171).
122
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
que instintivamente faz amor, e à medida que ambos estão em direção ao ápice
sexual, seu filho, um bebê prestes a cair da janela, se aproxima da morte, motivo
que levará a mãe a dor e ao desespero (visto até então como a dor de uma mãe
pela perda do filho e que ao longo da narrativa outros elementos nos levarão a
concluir que, na verdade, se trata de uma dor histórica, impregnada em uma
mulher com sede de vingança), ELE (o pai) lutará pela cura de sua esposa.
Torna-se necessário dizer que até o final desta cena temos diversas pistas e
elementos simbólicos da mórbida história que será contada, entre eles: três
esculturas de pedintes (inscrito em suas bases luto, dor e desespero), água
sendo derramada, sapatos trocados e elementos que caem arrastados pelo vento
(elementos que indicam um mundo em queda), e a pista sutil da reconstituição
do mito de Medéia, em uma cena rápida percebemos que a babá eletrônica está
em mute, dando-nos a pista de que a mãe sabia dos riscos que corria seu filho
próximo a uma janela em casa de andar, morte que aos olhos da personagem
necessária aos seus desígnios.
Após o prólogo, temos o primeiro capítulo chamado de Grief (o
sofrimento ou luto), ele é iniciado por uma cena praticamente muda é em tom
lúgubre cujo som incidental é de um caixão sendo conduzido em cortejo pelo
cemitério, nas sequências seguintes teremos a presença em cena de um vaso de
flores “enterradas” na água, cuja imagem é em zoom e puxada em plano
fechado e surreal, vemos até as micropartículas do vegetal dissolverem-se,
elemento comparativo com a personagem que se encontra na cama depressiva
por conta da recente perda. O tom depressivo é acentuado pela matiz da cor das
flores, uma variação de tons entre o azul e o acinzentado, segue-se a cena com
demonstrações do interior da personagem comparado a vegetais distorcidos:
galhos, folhas, gramíneos e troncos. Quanto mais entramos em contato com o
luto dela mais elementos vegetativos nos são mostrados. Interessante observar
que em algumas dessas imagens o plano cinematográfico é mostrado de baixo
para cima, como se estivéssemos também submersos as camadas inferiores do
vegetal ou em meio a uma floresta de horrores.
123
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
124
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
125
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
No último capítulo The three beggars (Os três pedintes), após o ato
sexual selvagem, ele se encontra como presa, acuado nas entranhas de uma
árvore, ela em acesso de loucura procura-o na tentativa de arrancar o seu sexo,
de vingar-se em nome de todas as irmãs (todas as vítimas de feminicídio). A
floresta agora é toda escura, iluminada pela luz difusa da lua. A morte é
anunciada pela justaposição dos três pedintes (constelação) e representados
pelo aparecimento personificado de um cervo, uma raposa e um corvo (seres
das florestas silvestres). Encerra-se o estranho e misterioso capítulo de vingança
com ELE sufocando-a , assim como o regime do patriarcado fez ao culto da
Grande deusa, matando diversas mulheres ironicamente com o fogo adquirido
de caules vegetais, é assim que morre também uma de nossas protagonistas, a
outra, a natureza vive!
126
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências bibliográficas
ANTICRISTO. Produção de Lars Von Trier. California filmes, Suspense, 103
minutos, EUA, 12/2009.
BALANDIER, Georges. A desordem: elogio do movimento. Tradução: Suzana
Martins. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
BULFINCH, Thomas. O livro de Ouro da Mitologia: história de deuses e heróis.
Tradução David Jardim Junior. 9 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 23ª ed. Rio
de Janeiro: José Olimpio, 2009.
DOGVILLE. Produção de Lars Von Trier. California filmes, drama, 171
minutos, EUA.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano, a essência das religiões. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
GREIMAS, A. J. Elementos para uma teoria da Interpretação da Mítica, In:
Análise estrutural da narrativa, pesquisas semiológicas. Petrópolis: Vozes Limitada,
1971.
IVONILDA, Maria. O trágico espetáculo da vida em O Anticristo de Lars Von Trier.
Fortaleza, 2010.
MEDÉIA. Produção de Lars Von Trier. Artesanato Digital (internet), drama, 75
minutos, Dinamarca, 1988.
METZ, Christian. A Grande Sintagmática do filme Narrativo. In: Análise
estrutural da narrativa, pesquisas semiológica. Petrópolis: Vozes Limitada, 1971.
ONDAS do Destino. Produção de Lars Von Trier. Artesanato Digital (internet),
drama, 152 minutos, Dinamarca.
VERNANT, Jean Pierre. O universo, os deuses, os homens: mitos gregos contados
por Jean Pierre Vernat. São Paulo: Ediouro, 2008.
127
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Resumo: A partir da obra literária de Huxley propõe-se, por uma leitura filosófico-política,
uma quebra da imunidade ideológica da qual gozam atualmente os psicotrópicos, isto é, os
medicamentos como os antidepressivos e ansiolíticos, dentre outros. Procura-se refletir, a partir
do pensamento de Marcuse, sobre o como foi possível a entrada da pulsão na ordem política e
sua regulação. Atualmente, algumas modalidades de relações sociais são reguladas por tipos
específicos de substâncias postas no mercado, a partir de um diagrama de poder político.
Palavras-chave: Psicologia, Filosofia, Literatura.
∗
Psicólogo, formado pela Universidade Tiradentes, UNIT, em julho de 2010, e aluno especial do
mestrado em Psicologia Social da Universidade Federal de Sergipe, UFS, entre 2009 e 2010.
128
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
partir dela, isto é, das relações entre medicamento, vida e política, que se
desenvolvem as linhas de problematização dessa escrita.
Refletindo sobre a tradução corrente de phármakon por remédio (droga
benéfica, portanto), Derrida (2005) comenta se tratar de uma manobra explícita
para conjurar uma dimensão específica do phármakon e deixar aparecer apenas a
idéia de substância benévola, cientificamente neutra e transparente. Relendo as
origens filosóficas que envolvem o phármakon, Derrida (2005: 57) argumenta que
este é uma substância com dupla dimensão, no sentido de que tanto pode
agravar o mal quanto remediá-lo: “O phármakon é esse suplemento perigoso que
entra por arrombamento exatamente naquilo que gostaria de não precisar dele e
que, ao mesmo tempo, se deixa romper, violentar, preencher e substituir,
completar pelo próprio rastro que no presente aumenta a si próprio e nisso
desaparece”.
No phármakon se encontra, portanto, o remédio e o veneno como faces da
mesma moeda, como potencialidades da mesma substância. Essa dupla
dimensão do phármakon, apontada por Derrida, constitui o pilar que sustenta a
argumentação desse trabalho. Desta forma, a crítica se volta não tanto às drogas
ditas ilícitas, cuja argumentação de que causam dependência e podem levar à
deterioração da qualidade de vida é socialmente aceita, mas sim às drogas ditas
lícitas, regulamentadas pela ciência moderna, produzidas pela Indústria
Farmacêutica; e de que modo essas drogas lícitas podem fazer parte de um
projeto de dominação política.
Evidentemente, não se fala nesse trabalho de todo e qualquer tipo de
droga lícita. O objetivo é uma modalidade específica de medicamentos, a saber,
os psicotrópicos. Esses podem ser compreendidos como medicamentos do espírito,
os quais, de acordo com a historiadora e psicanalista Roudinesco (2000: 21),
“têm o efeito de normalizar comportamentos e eliminar os sintomas mais
dolorosos do sofrimento psíquico, sem lhes buscar a significação”. Eles podem
ser classificados em três grandes grupos: os psicolépticos, medicamentos
hipnóticos que tratam distúrbios do sono; os ansiolíticos e os tranqüilizantes, que
eliminam os sinais de angústia, ansiedade, fobia e de diversas outras neuroses;
129
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
130
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
1
Segundo Wojciekowski (2009), o controle do indivíduo é sempre ressaltado como algo positivo em
Admirável Mundo Novo, e a “bokanovskização” é uma das grandes técnicas de reprodução, a qual
consiste em dividir um único óvulo em vários outros que criam de oito a 96 gêmeos idênticos. Esses
gêmeos idênticos são os membros das castas inferiores que, mais tarde, serão treinados para trabalhos
repetitivos e que não exijam o uso do intelecto. Essa é uma das informações que, segundo este autor, nos
fazem compreender que a “perfeição” dessa sociedade é devida, principalmente, à divisão de seus
cidadãos em castas, divididas segundos critérios de função que exercem na sociedade.
2 Publicado na Revista Época. Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI27270-15257,00-
RIVOTRIL+POR+QUE+O+MEDICAMENTO+E+O+SEGUNDO+MAIS+VENDIDO+NO+PAIS.html
também disponível em http://www.imshealth.com/portal/site/imshealth
131
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
3
Apesar dos gritantes dados sobre o Rivotril, ele não é o primeiro psicotrópico a se tornar amplamente
consumido. Outros, como o Haldol, há muito são campeões de venda. Um bom exemplo de conexão entre
quantidade de venda desse tipo de medicamento e demandas políticas é dado por Klein (2008, p. 397).
Ela mostra que durante março de 2003, na invasão das tropas americanas ao Iraque, as farmácias de
Bagdá já tinham vendido todo o seu estoque de remédios para dormir e antidepressivos, de maneira que a
cidade não possuía mais nenhum comprimido de Valium, também psicotrópico.
132
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
4
O conceito de pulsão, dada sua centralidade para pensamento de Freud, mereceria uma abordagem mais
detalhada e cuidadosa. Contudo, devido ao pouco espaço cedido à essa escrita, não se fez isso. Em
contrapartida, indica-se a leitura dos trabalhos de Birman (2009) e de Giacóia (2008) para uma melhor
compreensão. Parte-se aqui da seguinte definição, dada por Freud (2004, p. 148): “a pulsão nos aparecerá
como um conceito-limite entre o psíquico e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que
provêm do interior do corpo e alcançam a psique, como uma medida de exigência de trabalho imposta ao
psíquico em conseqüência de sua relação com o corpo”. Ou seja, deve-se ter em mente que nesse trabalho
a pulsão se refere a uma exigência de trabalho psíquico demandada por sua ligação com o corporal. De
maneira precisa, a pulsão entra como ferramenta conceitual para compreender a atuação dos
psicofármacos nos corpos e suas implicações para o psiquismo.
133
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
134
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
5
O título original do trabalho de Marcuse é One-Dimensional Man: Studies in the Ideology Of Advanced
Industrial Society. Em português, optou-se por Ideologia da Sociedade Industrial, somente. Embora o
ganho desde título seja a ênfase do estatuto da ideologia nas sociedades avançadas, há uma perda da
questão da unidimensionalidade do pensamento que acaba por levar à derrota da lógica do protesto, uma
espécie de “catástrofe da libertação”, inclusive este é o título do penúltimo capítulo do livro.
135
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
6
Em psicanálise, a sexualidade não é instintiva, não tem objeto definido, não é genital mas sim
heterógena e cuja dinâmica é pulsional. O alvo da pulsão é variável e sua meta é sempre a satisfação. A
sexualidade, para a psicanálise, portanto, está fora do domínio da reprodução e inscrita no terreno da
busca pelo prazer. Esse esclarecimento simples se torna necessário na medida em que se deve entender
sexualidade como o domínio do psiquismo regido pelo princípio de prazer. Na citação é uma supressão
do prazer que está em jogo e não uma repressão unicamente de ordem sexual (genital).
7
Para Freud (2010a: p. 121), metapsicológica é “uma exposição na qual consigamos descrever um
processo psíquico em suas relações dinâmicas, topológicas e econômicas”. A junção de meta (em direção
de, além, transcendência, reflexão crítica sobre) com psicologia (discurso do psiquismo ou saber sobre o
psíquico) marca o ultrapassamento freudiano da psicologia centrada na consciência e seus derivados
como percepção, atenção, memória etc., em direção às formações do inconsciente. A metapsicologia é,
logo, um conjunto de conceitos teóricos que estão na base do sistema psicanalítico.
136
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
137
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
de que o capitalismo pode pôr fim a esse suposto caráter libertário do id8,
reservatório das pulsões e regido pelo princípio de prazer.
Marcuse cogita a possibilidade de o capitalismo controlar as pulsões,
imprimindo um caráter superegóico ao id. O que significa pensar numa
satisfação pulsional que “passa a ser administrada contra o princípio de prazer,
revelando o caráter repressivo da própria satisfação pulsional e que apenas as
exigências sociais continuam sendo atendidas” (RAMOS, 2004: 93). Significa o
surgimento de uma nova condição que impõe um controle ainda mais eficaz
sobre o indivíduo, uma vez que atua diretamente em sua dinâmica e economia
pulsional a partir de outro registro que não mais o da repressão. Convém
lembrar: Marcuse levanta essa hipótese estando envolvido nas lutas sociais das
décadas de 60 e 70, procurando refletir sobre o caráter passageiro do
radicalismo de determinados movimentos e a conseqüente falta de uma base
social capaz de levar a cabo uma transformação radical da sociedade.
No dizer de Rouanet (1989: 233) é como se o princípio de prazer não
fosse negado, mas mobilizado pelo princípio de realidade, que o coopta
silenciando seu conteúdo negador. Se a civilização, do ponto de vista freudiano,
exige uma renúncia pulsional como sua base de sustentação, Marcuse pensa na
possibilidade inversa, ou seja, de o capitalismo exigir não mais a repressão
pulsional, mas sua liberação, sua satisfação constante. Em uma palavra: a
possibilidade de a ordem social exercer poder sobre os potenciais pulsionais.
Em Marcuse (1967), a sublimação, ou melhor, a dessublimação
(procedimento marcuseano de duplicar as categorias freudianas), coloca-se
como um programa de uma sociedade unidimensional cujo objetivo político é o
aniquilamento de forças transgressoras que coloquem a ordem vigente em risco.
8
A subjetividade, tal qual proposta pela psicanálise, é topologicamente composta por três lugares ou
níveis: id, ego e superego. De maneira grosseira e resumida, o primeiro, o id, não conhece nenhum
julgamento de valor nem moralidade, assemelha-se a um caldeirão energético que impele para a
satisfação imediata regido pelo princípio de prazer; o terceiro é uma espécie de representante das
restrições morais, mantenedor do princípio de realidade; e o ego é uma derivação do id a quem cabe a
regulação do contato com o mundo externo e a defesa da integridade psíquica, corporal e econômica do
indivíduo. O que está em jogo nessa topologia freudiana é entender a dinâmica subjetiva a partir do
embate dessas três instâncias reguladoras do psiquismo. Para uma melhor compreensão, conferir Freud
(1996c).
138
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
9
Safatle (2008: 133) propõe que se pense numa passagem, cuja mutação de base é da sociedade da
produção à sociedade de consumo, de uma satisfação administrada para uma “insatisfação adminstrada,
na qual ninguém realmente acredita nas promessas de gozo veiculadas pelo sistema de mercadorias (já
que são postas para serem descartadas), a começar pelo próprio sistema, que as apresenta de maneira cada
vez mais auto-irônica e crítica”. A reflexão desse trabalho não adota a “insatisfação” e sim a “satisfação
administrada”, na esteira de Marcuse e Freud (2004), porque este último entende que a meta da pulsão é
sempre a satisfação, a qual só pode ser obtida quando o estado de estimulação presente na fonte pulsional
é suspenso. Ou seja, na regulação pulsional são sempre modos de satisfação através de destinos pulsionais
que estão em jogo, portanto falar em insatisfação pode remeter à dimensão representativa e não à
dimensão intensiva, pulsional.
139
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
O que Löwy (2005: 32) disse sobre Walter Benjamin talvez sirva também
para Huxley: “sua obra pode ser considerada como uma espécie de aviso de
incêndio dirigido aos seus contemporâneos, um sino que repica e busca chamar
a atenção sobre os perigos iminentes que os ameaçam, sobre as novas
catástrofes que se perfilam no horizonte”. A distopia de Huxley pode ser
entendida como um tipo de aviso de incêndio, um exagero proposital para
chamar a nossa atenção de como estamos nos constituindo, o que estamos
fazendo de nós mesmos.
10
Os estudos de caso possuem um papel extremamente relevante à psicologia e, sobretudo, à psicanálise.
Recentemente elaborei um trabalho sobre essa importância, com o título de Como escrever um estudo de
caso: reflexões sugestivas sobre o que é, para que serve e qual a relevância do estudo de caso na prática
clínica de base psicanalítica. Este estudo pode ser encontrado em: Cadernos de Graduação: ciências
biológicas e da saúde / Universidade Tiradentes. – v. 11, n. 11 (jan/jun., 2010) Aracaju: Guttemberg,
2005. pps .167-180. Todavia, é discutível a relevância do estudo de caso em obras literárias.
140
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
uma ontologia crítica de nós mesmos seja uma intensidade comum a todos estes
saberes:
Referências bibliográficas
ASSOUN, Paul-Laurent. A escola de Frankfurt. São Paulo: Ática, 1991.
BIRMAN, Joel. As pulsões e seus destinos: do corporal ao psíquico. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2009.
BRADBURY, Ray. Farenheit 451. São Paulo: Globo, 2007.
CÂNDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000.
COIMBRA, Cecília. Guardiães da Ordem: uma viagem pelas práticas psi no Brasil do
“Milagre”. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1995.
COSER, Orlando. As metáforas farmacoquímicas com que vivemos: ensaios de
metapsicofarmacologia. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
DERRIDA, Jacques. A Farmácia de Platão. São Paulo: Iluminuras, 2005.
DICK, Philip K. Laranja Mecânica. Aleph, 2004.
ENRIQUEZ, Eugène. Da horda ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
FOUCAULT, Michel. A Tecnologia Política dos Indivíduos. In: Ética, sexualidade,
política (Ditos e Escritos, V). 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
______ . História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1997.
______ . O poder psiquiátrico: curso dado no Collège de France (1973-1974). São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
______ . “O que são as Luzes?” In: Arqueologia das ciências e dos sistemas de
pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
FREUD. Sigmund. “A repressão”. In: Introdução ao narcisismo: ensaios de
metapsicologia e outros textos (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras,
2010b.
______ . Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna. In: Obras completas de
Sigmund Freud. Vol. IX. Rio de Janeiro: Imago, 1996a.
______ . O Ego e o Id. In: Obras completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. Rio de
Janeiro: Imago, 1996c.
______ . O inconsciente. In: Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e
outros textos (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2010a.
______ . O Mal-estar na civilização. In: Obras completas de Sigmund Freud. Vol. XXI.
Rio de Janeiro: Imago, 1996b.
141
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
142
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Graduada em Letras-Português pela Universidade Federal de Sergipe
143
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Há uma estreita relação entre literatura e cultura haja vista que só há literatura
onde existe um povo. Proença Filho (1997), revela que a matéria literária é cultural. E
ainda,
144
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Alia
do a um movimento literário, há sempre um teórico. Coutinho cita Gonçalves
de Magalhães e José de Alencar como literatos reconhecidos que também
atuaram como filósofos.
O que aproxima a poesia da filosofia é a verossimilhança e a necessidade.
Como a filosofia trata do universal mantém forte relação com a poesia que é o
próprio trabalho da criação, não é confissão de quem escreve; por isso, a
mimese não pode ser considerada cópia mas criação a partir da realidade.
Assim, ao conhecer as obras de Vladimir Souza Carvalho é possível
compreender a afirmação do filósofo. Os contos que compõem suas obras
refletem o simples cotidiano dos povos interioranos.
O escritor Vladimir Souza Carvalho nasceu em Itabaiana, Sergipe, é Juiz
Federal e tem um estilo particular de apresentar suas obras. Quanto ao seu livro
Água de cabaça, publicado em 2003, ele se refere ao título como nascido de uma
frase de seu compadre Luiz Carlos e explica:
145
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
sua labuta diária, ganha aqui e ali uma xícara de feijão. Só que o feijão
varia. Numa casa é de um tipo, noutra de outro, acolá é fava, etc., etc.
[...]
É justamente isto: histórias de vários tipos e modalidades, nenhuma de
qualidade, aglomeradas em um livro. (CARVALHO, 2009: 7)
“Vá tomar juízo, meu filho, que isso não é assunto para se
tratar”.
(Confissão, p.161.)
“Me fale em gente”.
(Uma cumbuquinha de café, p. 35)
146
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
147
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
148
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
149
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
150
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências bibliográficas
151
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio.
152
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
153
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Sendo assim não peçamos conta a Homero nem a nenhum outro poeta
sobre vários assuntos. Não lhes perguntemos se um deles foi médico,
e não apenas imitador da linguagem destes, que curas se atribuem a
um poeta qualquer, antigo ou moderno, como a [Asclépio], ou que
discípulos eruditos em medicina deixou atrás de si, como [Asclépio]
deixou os seus descendentes. De igual modo, no que concerne às
outras artes, não os interroguemos, vamos deixá-los em paz. Mas
sobre os assuntos mais importantes e mais belos que Homero decide
tratar: as guerras, o comando dos exércitos, a administração das
cidades, a educação do homem, talvez seja justo interrogá-lo e dizer-
lhe “Caro Homero, se é verdade que, no que respeita à virtude, não
estás afastado no terceiro grau da verdade, artífice da imagem, como
definimos o imitador, se te encontras no segundo grau e nunca foste
capaz de saber que práticas tornam os homens melhores ou piores, na
vida particular e na vida pública, diz-nos qual, entre as cidades, graças
a ti, se governou melhor, como, graças a Licurgo, o Lacedemônio, e
graças a muitos outros, muitas cidades, grandes e pequenas? Que
Estado reconhece que foste para ele um bom legislador e um
benfeitor? A Itália e a Sicília tiveram Carondas, e nós Sólon, mas a ti
que Estado pode citar?” Poderia indicar um só que fosse? (PLATÃO,
2000: 326-7)
154
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
155
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
156
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Antes de mim não se sabia o que pode ser feito com a língua alemã —
o que pode ser feito com a língua. A arte do grande ritmo, o grande
estilo dos períodos, para expressar um imenso fluir e refluir de paixão
sublime, sobre-humana, foi descoberto somente por mim; com um
ditirambo como o último do terceiro Zaratustra , intitulado “Os sete
selos”, voei milhares de milhas acima e além do que até então se
chamava poesia (NIETZSCHE, 2001: 57).
1
Conferir: Roberto Machado (org.), Nietzsche e a polêmica sobre O nascimento da tragédia, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar, Ed. 2005, tradução de Pedro Süssekind.
157
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
A Nietzsche filósofo
2
A filosofia de Nietzsche é marcada por um questionamento acerca do valor ocidental atribuído à lógica e
à depreciação do ilógico, o que fica bastante bem explicitado num dos aforismos em que se dedica ao
tema: A necessidade do ilógico – entre as coisas que podem levar um pensador ao desespero está o
conhecimento de que o ilógico é necessário aos homens e que do ilógico nasce muita coisa boa. Ele se
acha tão firmemente alojado nas paixões, na linguagem, na arte, na religião, em tudo o que empresta valor
à vida, que não podemos extraí-lo sem danificar irremediavelmente essas belas coisas. Apenas os homens
muito ingênuos podem acreditar que a natureza humana pode ser transformada numa natureza puramente
lógica; mas se houvesse graus de aproximação a essa meta, o que não se haveria de perder nesse caminho!
Mesmo o homem mais racional precisa, de tempo em tempo, novamente da natureza, isto é, de sua ilógica
relação fundamental com todas as coisas. Friedrich Nietzsche, Humano, demasiado humano: um livro
para espíritos livres, São Paulo: Companhia das letras, 2000, tradução, notas e posfácio de Paulo César de
Souza, p. 38.
Guimarães Rosa, por sua vez, também faz considerações acerca do insistente louvor ao lógico e à
depreciação do “ilógico”, as quais encontraremos mais adiante.
158
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Meus escritos dão trabalho — espero que isso não seja uma objeção
contra eles!... Para se compreender a linguagem mais concisa jamais
falada por um filósofo — e além disso a mais pobre em clichês, a mais
viva, a mais artística — é preciso seguir o procedimento oposto ao que
normalmente pede a literatura filosófica. Esta é preciso condensar, de
outro modo estraga-se o estômago; — a mim é preciso diluir, tornar
líquido, acrescentar água: de outro modo estraga-se o estômago. — O
silêncio é em mim tão instintivo como nos senhores filósofos a
garrulice. Eu sou breve: meus leitores mesmos devem fazer-se
extensos, volumosos, para trazer à tona e juntar tudo o que foi por
mim pensado, e pensado até o fundo (NIETZSCHE, 2001: 125).
159
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
160
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
161
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
162
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
filósofos que o autor mais valoriza; quais pensadores são consonantes aos
enredos de seus textos, à postura de seus personagens ou de um personagem
especificamente; perceber qual corrente filosófica se adequa melhor à sua
postura e/ou personalidade artística; tentar reconhecer a visão de mundo de
algum de seus personagens em particular ou, ainda, através de suas
declarações, tentar compreender a sua filosofia própria. São diversas as
possibilidades, assim como a relação filosofia e literatura, depois que nos
envolvemos mais profundamente com ela, deixa de ser um tema para
transformar-se em um problema literário e filosófico, repleto de caminhos,
entradas e possibilidades interpretativas.
Referências bibliográficas
163
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
164
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Resumo: O presente texto tem como objetivo refletir a partir da personagem de “Josef K”
sobre as implicações da modernidade sobre a subjetividade humana, vendo nesta o nível
conflitivo presente na condição do homem. A intimidade, pensada como referência à tudo
aquilo que pertence ao campo privativo da subjetividade (o domínio dos desejos, pensamentos
e afetos) é submetida a um sistema repressivo e de controle (dos costumes, dos afetos e das
condutas) fundados sobre o princípio do “panoptismo”, ou seja, de pressão cotidiana, regular e
disforme. O problema kafkiano da condição do homem moderno será tratado sob a ótica da
filosofia social, permitindo analisar as implicações da modernidade na construção da
subjetividade humana, mapeando, assim, os esquemas de poder que estão embutidos na rede
de relações sociais.
Palavras-chave: impessoalidade, intimidade, homem moderno.
Introdução
Qual a relação entre filosofia e literatura? Que tipo de saberes
transita no âmbito da literatura que a torna um importante elemento de reflexão
imaginativa do mundo e das coisas? É possível pensar filosoficamente e tratar
determinadas questões a partir da obra literária? Estas são algumas poucas
questões que nos permitiram apresentar um pequeno texto em que fosse
∗
Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade São Tomas de Aquino, cidade de Roma, Itália.
*∗ Mestre em Sociologia pelo Núcleo de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais da Universidade
Federal de Sergipe.
**∗ Aluna do 6º Período do Curso de Letras Português da Universidade Tiradentes.
165
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
166
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
1
Podemos dizer que a obra de Kafka retrata o problema moderno da liberdade. Esta concebida enquanto
possibilidade do homem se mover no plano das relações sociais e políticas sem que para isso sofra,
167
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
segundo Bauman, pressões vindas das instituições e dos mecanismos de controle social. Sobre o assunto
ver a obra de Bauman intitulada “A Liberdade”.
2
Gaston Bachelard. A poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
3
Nesses procedimentos policialescos podemos aplicar a categoria de Foucault sobre as virtualidade que
condicionaram a concepção de criminologia num dado momento da história. Nesse sentido, Foucault
afirmará que tais práticas podem ser vinculadas aquilo que ele denomina de “ortopedia social” (2009:
86).
168
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
169
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
4
Em sua obra Ensaios de Sociologia Max Weber afirma que a racionalidade burocrática, fundamento e
essência das instituições modernas, podem ser reconhecidos a partir de três itens ou eixos estruturadores,
a saber: 1) regularidade na distribuição de competências definidas em lei, 2) o exercício da autoridade se
dá nos limites estabelecidos normativamente, 3) os agentes são selecionados conforme as especificações
definidas pelo interesse público, segundo critérios impessoais e legais. (1982:229)
170
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
171
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
funções do Tribunal; interpretações estas que são levadas à Josef K por diversos
funcionários de estratos diversos e que marcam o nível de sujeição do
“acusado” aos mecanismos judiciários daquela instituição.
Desde os vigias, passando pela “mulher” – esposa do oficial de justiça –
pelo inspetor, pelo aluno, pelo advogado, juiz e capelão o domínio de um saber
relativo aos procedimentos e finalidade do Tribunal e do processo é
manifestado sob a forma de opiniões, interpretações e afirmações vagas que
pouco serve a Josef K em sua empreitada pela compreensão. A distância que o
divide em relação aos mais simples dos funcionários é fator decisivo que define
o seu posicionamento no conjunto dos diálogos e no próprio drama.
A capacidade da instituição em acompanhar e vigiar o sujeito
submetendo-o freqüentemente a um tipo de assédio do poder onde os “rostos”
não são efetivamente mostrados, onde as finalidades e motivações são
ocultadas ficando restrita aos agentes do Tribunal demonstra um caráter
panóptico das relações de sujeição a que é posto Josef K. A máquina inaudita –
nesse caso o Tribunal pensado por Kafka – é na mesma medida uma máquina de
saber, pois seus procedimentos se fundam num conhecimento que articula
especialidade técnica (saber especializado a ser instrumentalizado por
determinados sujeitos) e uma concepção de sujeito. Sendo assim, a máquina
inaudita funciona sob a forma de um aparelho de saber e poder que cerca o
indivíduo.
Podemos afirmar que o Tribunal exerce um tipo de prática que Michel
Foucault denominará de “práticas divisoras” (FOUCAULT, 2009), sendo que nestas
o indivíduo é objetivado (tomado como ponto de convergência das
interferências do poder) e fragmentado (esse termo seria melhor ilustrado pelo
conceito quadriculamento individualizante). Como dirá Foucault “o sujeito é
dividido em seu interior e em relação aos outros” (RABINOW; DREYFUS;1995: 231),
sendo deslocado para determinados espaços de segmentação social.
As práticas divisoras são referência à uma categoria de análise que permite
entender os percursos tomados pela sociedade moderna explicando como a
emergência de determinadas instituições possibilitaram o surgimento de
172
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
173
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Conclusão
A objetivação da personagem Josef K foi demonstrada na obra pelo
incrível nível de opacidade que o impedia de ver e conhecer os procedimentos e
as práticas do Tribunal. Essa relação fora descrita e imaginada por Kafka como
a maior representação de uma violência cometida contra a humanidade de Josef
K. Todavia, em O Processo essa humana enquanto categoria universal – que diz
respeito àquilo que é próprio do homem em termos de valores, afetos e
cognição – é aqui pensada por uma outra categoria que denominamos
“intimidade”.
A intimidade retratada na obra pode ser pensada como aquele espaço da
vivência particular do sujeito tanto no âmbito das relações afetivas (cuja carga
emotiva impregna os contatos sociais de um significado que ultrapassa o mero
uso de códigos de conduta) quanto no âmbito de sua consciência, de sua
“intimidade interior” (para designa a esfera psíquica que faz do homem um ser
autônomo em termos de singularidade cognoscente). Iniciada no espaço
privativo do domicílio – simbolicamente empregado por Kafka para informar
ao leitor a gravidade da transgressão cometida pelo Tribunal – a trajetória de
Josef K é deslocada do universo de suas convivências afetivas e sociais para
outro círculo de relações sociais e afetivas, caminho que a personagem percorre
induzida ou motivada pelas pressões que são impostas pelo Tribunal.
Aqui chamamos a particular atenção para a dimensão da
impessoalidade. Nesta dimensão a impessoalidade pode ser pensada de duas
formas: 1) como propriedade daquilo que não é pessoal, que ultrapassa o
campo das valorações afetivas e particularistas responsáveis pelas “trocas”
sociais que relacionam as pessoas, 2) a impessoalidade é um princípio que rege
o comportamento de todos os indivíduos ligados ao Tribunal fazendo-os
174
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências bibliográficas:
BAUMAN, Zygmunt. A liberdade. Lisboa: Editorial Estampa, 1989.
BACHELARD, Gaston. A poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
175
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
176
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Graduando do 4º período de Letras Português da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
177
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
178
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
fundamentos como base deste artigo, veremos a relação deles com a arte de
Cruz e Sousa: a Arte Poética.
Cruz e Sousa nasceu a 24 de novembro de 1861, em Desterro (atual
Florianópolis). Era negro filho de escravos, mesmo assim fora educado pelos
antigos senhores de seus pais, o marechal Guilherme Xavier de Sousa e sua
esposa. Além disso, foi aluno do sábio alemão Fritz Müller1. Mesmo sendo um
homem de ótima formação cultural e educacional, Cruz e Sousa não era
reconhecido pelos seus bons trabalhos devido à sua cor, segundo Luft (1967).
Sendo por essa razão que ele utilizaria a arte poética para isolar-se na pura
contemplação dos objetos, penetrando, assim, no mundo da intuição,
esquecendo deste modo ele mesmo e as suas próprias vontades, logo o mundo
para o poeta não mais seria como Vontade, e sim como Representação
independente do princípio de razão (essa explanação teórica será exposta mais
adiante). Sua carreira profissional se inicia com o jornalismo, partindo
posteriormente para a carreira literária, além de ter sido também professor.
Fora, entretanto, alvo do preconceito de cor, recusado como promotor público
em Laguna, e barrado em suas tentativas de aspirações de ascensão social.
Como poeta, Cruz e Sousa é considerado o principal do Simbolismo no
Brasil, no entanto fora bastante influenciado pelos parnasianos quanto a
estrutura das poesias, diferenciando-se dos temas abordados. Enquanto os
parnasianos eram essencialmente objetivistas ou racionalistas em suas
descrições poéticas, a poesia simbolista de Cruz e Sousa se caracterizava pelo
subjetivismo2 de uma alma atormentada pelas vontades que o eu - lírico
alimentava. Em seus primeiros livros, como Broquéis (1893), nota-se essa
influência parnasiana. Sendo somente nos seguintes livros que seguiria as
tendências verdadeiramente simbolistas. O crítico literário Afrânio Coutinho
(2004) dissera que Cruz e Sousa fora um parnasiano tão apaixonado da beleza
formal das palavras, tão cuidadoso das regras intransigentes da prosódia, tão
1
Johann Friedrich Müller (1821 – 1897), naturalista, professor de matemática e ciências naturais.
2
Lembrar que o subjetivismo é característica fundamental do Simbolismo.
179
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
desejoso de encher seus poemas do saber carnal das coisas sensíveis como
qualquer parnasiano.
Seu grande mérito, na verdade, foi enriquecer a rigidez parnasiana com
as temáticas que ele aborda, com uma linguagem de força sugestiva e de uma
musicalidade característica da poesia simbolista. Deste modo, se tomarmos por
consideração o pensamento de Schopenhauer em relação à arte poética,
perceberemos o quanto ele tem em comum com a ideia de Cruz e Sousa ser tão
apaixonado pela beleza formal das palavras. Pois para o filósofo, o meio de
ajuda todo especial da poesia são o ritmo e a rima, logo, é através da perfeita
combinação das palavras que se obterá uma boa musicalidade. Celso Luft
(1967) diz que os simbolistas eram entusiastas do Romantismo, da música de
Wagner, da filosofia de Schopenhauer, tentando com isso exprimir mediante
símbolos a vida interior. Para Schopenhauer, a música se encontraria por inteiro
separada das demais artes, sendo a superior entre todas. E os simbolistas, tendo
Paul Verlaine3 como porta-voz, diziam que antes de qualquer coisa (pintura,
poesia, etc.) a música.
Apesar da incontestável qualidade poética, Cruz e Sousa morreu sem
apreciar seu sucesso que mais tarde floresceria. Vivera apenas com esse desejo
escravizante em seu espírito. Já que neste trabalho o interesse é relacionar suas
poesias com a filosofia de Schopenhauer, agora será exposto como o filósofo
alemão explica esse sentimento denominado Vontade, e até onde ela influi na
criação artística.
Como foi dito anteriormente, para Schopenhauer todo indivíduo é um
sujeito de vontades. Portanto, vivemos nossas vidas na busca pela satisfação de
diversos desejos. Muito embora, mesmo um desejo sendo realizado, sempre
virá outro que atormentará uma possível tranquilidade. É por essa razão que o
filósofo diz que todo viver é sofrer. Para Jair Barboza (2006), todo desejo é de
natureza negativa, pois o prazer consiste na supressão momentânea da dor. De
fato, a mente humana é habitada por esse sentimento volitivo, apesar de existir
3
Paul Marie Verlaine (1844 – 1896) foi poeta da estética simbolista francesa.
180
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
4
Tem-se em vista aqui o conceito das Ideias platônicas. Pois para Platão, existem dois mundos: o
material e o das ideias, sendo que este contém a verdade, a imutabilidade, a perfeição e a originalidade
das coisas. Diferenciando-se do material, que seria uma cópia imperfeita do mundo das ideias.
181
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
182
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
183
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
5
Rever a nota de rodapé número 5.
184
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
185
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
186
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Eu me recordo d’imaginativos
luares liriais, contemplativos
por onde eu já vivi na Eternidade!
187
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
188
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências bibliográficas:
COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. São Paulo: Global, 2004.
LUFT, Celso Pedro. Dicionário de literatura portuguesa e brasileira. Porto Alegre:
Globo, 1967.
MURICY, Andrade. Cruz e Sousa: obras completas. Rio de Janeiro: José Aguilar,
1961.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Trad.
Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2005.
______ . Aforismos para a sabedoria de vida. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
______ . Fragmentos sobre a história da filosofia. Trad. Karina Jannini. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
189
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
∗
Professora Adjunto do Departamento de Letras de Itabaiana da Universidade Federal de Sergipe.
190
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
ver aspectos da cultura que seriam escamoteados pelo pensamento sério. Isso
talvez justifique sua presença em autores e obras consagrados de nossa
literatura, pensemos no elemento satírico em Memórias Póstumas de Brás Cubas
de Machado de Assis; em nosso herói sem nenhum caráter, Macunaíma, de
Mário de Andrade; ou ainda no uso constante do chiste em suas mais variadas
funções na obra de Guimarães Rosa.
Foram essas as motivações para o projeto, em andamento, “O cômico na
literatura brasileira”, que venho desenvolvendo na Universidade Federal de
Sergipe.1 O projeto, cujos resultados parciais ora apresentamos, objetiva o
estudo dos modos e formas da comicidade na literatura brasileira.
Nossa investigação concentrou-se inicialmente no inventário das obras
cômicas da literatura brasileira, produzidas pelos autores já consagrados pela
historiografia (COUTINHO, 1959; CANDIDO, 1964; BOSI, 1985). Foram vistoriadas
obras de 69 autores entre a literatura informativa e a primeira geração
modernista. Passamos em revista a obra de cada um deles para rastrear a
presença do cômico. A partir dessa prospecção, elencamos 150 obras literárias
cômicas. Demos inicio também à composição de um acervo de obras cômicas e
nossas letras assim como de teorias sobre o cômico, que conta atualmente com
46 obras impressas e 46 digitalizadas.
Essas atividades já puderam contar com os discentes vinculados ao
projeto através do Programa de Iniciação Científica. Concomitantemente ao
inventário das obras cômicas, organizamos um grupo de estudos das teorias
sobre o cômico, em que foram lidos e discutidos os dois textos de maior
penetração nos estudos críticos sobre o cômico: O riso: ensaio sobre a significação
da comicidade, de H. Bergon (1987) e O chiste e suas relações com o inconsciente, de
S. Freud (1977). O grupo estudou também a interpretação de Jolles (1976) sobre
os mecanismos e funções do chiste, baseada no funcionamento da linguagem.
1
Para a implementação do projeto contamos com o apoio do PAIRD (Programa de Auxílio à Integração de
Docentes e Técnicos Administrativos Recém-Doutores às Atividades de Pesquisa, edital POSGRAP
03/2008) e do PIBIC (Programa Institucional de Iniciação Científica) que nos concedeu três quotas, sendo
uma contemplada com bolsa do CNPq.
191
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
RESULTADOS PARCIAIS
192
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
193
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
2
Função do cômico amplamente explorada por Bergson em seu já clássico O riso: ensaio sobre a
significação do cômico.
194
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
acaba por afastar-se das formas cômicas. As Cartas chilenas de Tomás Antonio
Gonzaga, que satirizam a política de então, foram os únicos textos cômicos encontrados
nesse período. Devido às dificuldades de acesso aos materiais, não foi ainda possível
passar em revista as obras que circularam nas academias literárias que se fundaram
nesse período, que, provavelmente, também produziu seus poemas jocosos.
Essa forte presença do cômico nesse contexto pode ser entendida naquela
função de dar vazão a conteúdos reprimidos (Freud, 1977), seria elemento de
desrecalque social considerando a ausência do censor Portugal. Por outro lado,
a numerosa produção cômica desse período restringe-se basicamente a
comédias de costumes, gênero que se caracteriza por seu aspecto moralizador.
Percebe-se, assim, a ambivalência do cômico na própria história literária:
representa a liberdade para compor textos antes condenados, mas tal produção
opta pelo cômico repressor (Bérgson, 1987): menos que prática de liberdade
parece indicar o processo de transferência e de incorporação do repressor pela
própria cultura.3
O autor de destaque na produção dessas comédias de costume é Martins
Pena, que conta já com importantes estudos críticos; esse gênero cômico
também foi explorado por Machado de Assis em sua produção romântica, com
a qual pretendemos nos ocupar na fase de descrição e análise das obras, já que
3
Ver, a seguir, “O cômico moralizante em O juiz de paz da roça de Martins Pena” de Ana Paula Rocha.
195
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
4
Como ilustra o trabalho de Cintia S. Pimentel, “A representação tragicômica na obra Recordações do
escrivão Isaias Caminha”, também editado nestes Anais (p. 210)
5
Mais conhecido por sua face trágica, a extensa presença do cômico na obra de Manuel Bandeira é
discutida por Alberon Machado Menezes (ver adiante, p. 222).
196
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
197
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Resumo: Escritor do século XIX, Luís Carlos Martins Pena (1815-1848) insere-se no cânone
literário brasileiro como um dos principais representantes do Teatro Romântico, sendo
considerado o fundador da comédia de costumes. Em suas peças percebe-se um olhar atento
sobre as contradições de sua época, sobre os vícios e as virtudes dos homens de seu tempo que
são retratados de forma deformantes através da acentuação de aspectos bons, pitorescos e
engraçados ou de atitudes reprováveis, negativas a serem refutadas por meio da
ridicularização. No trabalho que será apresentado refletiremos, então, sobre o gênero cômico
em uma das obras de Martins Pena, “O Juiz de Paz da Roça” (1833), a partir dos estudos
teóricos do filósofo francês Henri Bergson.
Palavras-chave: Martins Pena, gênero cômico, Bergson.
∗
Graduanda do curso de letras da Universidade Federal de Sergipe (UFS), bolsista CNPq do Programa de
Iniciação Científica.
198
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
199
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
da seguinte maneira: cômico das formas, cômico dos movimentos, cômico de situação,
cômico de palavras e cômico de caráter.
O cômico das formas consiste em um mecanismo de obtenção do riso a
partir da rigidez fisionômica, isto é, a partir da idéia que se tem de algo preso a
uma forma. Nesse sentido, toda a vida moral de um indivíduo parece restringir-
se a certa imobilidade de caracteres do corpo. Assim é que a caricatura, a
exageração de traços distintivos das pessoas, representa um efeito cômico. O
automatismo, a rigidez, um hábito contraído e mantido torna uma fisionomia
engraçada. Mas esse efeito cômico, segundo Bergson, “ganha intensidade
quando podemos vincular tais características a uma causa profunda, a certa
distração fundamental da pessoa, como se a alma se tivesse deixado fascinar,
hipnotizar, pela materialidade de uma ação simples” (1987: 19). Essa distração
do sujeito para consigo produz uma imagem de alguém absorvido na
materialidade de uma ocupação mecânica, como algo sempre igual, imutável,
que não se renova diante da vida. E o riso funciona como um castigo para essa
imobilidade, pois o que se pretende é que as pessoas estejam em constante
vigilância para com as suas condutas, evitando a ridicularização e o
enrijecimento para a vida social.
No cômico dos movimentos o risível é extraído das atitudes, dos gestos, dos
movimentos reproduzidos de forma repetitiva, como uma simples mecânica. A
esse tipo de cômico associa-se um artifício comum da comédia, o qüiproquó. Já
no cômico de situação evidencia-se a repetição insistente de determinados
acontecimentos; a inversão dos papéis de certos personagens motivada por uma
dada situação ou, ainda, a interferência das séries em que uma situação torna-se
cômica quando pertence simultaneamente a dois acontecimentos independentes
entre si levando-se a diferentes interpretações, isto é, uma mesma situação
apresenta ao mesmo tempo dois sentidos diferentes, um que seria o sentido real
e o outro que seria ocasionado pelo mal-entendido.
Quanto à linguagem, Bergson enfatiza que a maioria dos efeitos cômicos
são produzidos por meio dessa particularidade da espécie humana. Em
essência, o cômico de palavras é obtido a partir dos processos de inversão –
200
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
verificado com freqüência nos chistes, em que se joga com o sentido da frase a
partir da inversão de certa idéia, como no exemplo: “por que o senhor joga a
sujeira do seu cachimbo no meu terraço? (...) Por que o senhor põe o seu terraço
debaixo do meu cachimbo?” (BERGSON, 1987: 89) –; de interferência, cujo um dos
meios é o trocadilho, e de transposição inseridos à linguagem. A transposição
apresenta caráter mais profundo que os outros dois processos. Ela é obtida,
segundo Bergson, transpondo-se “para outro tom a expressão natural de uma
idéia” (1987: 92).
O último mecanismo apresentado por Henri Bergson é a comicidade de
caráter considerada pelo autor como a parte mais importante de suas análises. A
essência desse procedimento cômico está na não integração da personagem à
sociedade, no seu desvio comportamental, na sua inflexibilidade diante da vida
cabendo à comédia papel fundamental no reajuste social dos indivíduos. Para
Bergson, o riso não é um prazer desinteressado. A ele subjaz a intenção de
humilhar, de corrigir comportamentos desviados. O riso, assim, tem uma
função moralizadora que age sobre os comportamentos viciosos da sociedade.
Logo, para este teórico, o riso funciona como um mecanismo de
repressão que cumpre a tarefa de reajustar os indivíduos à sociedade. O cômico,
então, é definido como uma manifestação negativa que o riso tem por tarefa
corrigir e essa função coercitiva atribuída ao riso será perquirida, neste trabalho,
a partir da análise da primeira peça do teatrólogo Martins Pena, O Juiz de Paz da
Roça.
Luís Carlos Martins Pena (1815-1848) insere-se no cânone literário
brasileiro como um dos principais representantes do Teatro Romântico. Ao lado
de nomes como João Caetano – grande ator dramático e empresário teatral – e
Gonçalves de Magalhães, Martins Pena esforça-se, segundo Afrânio Coutinho,
“pela criação de fato do teatro brasileiro” (2004: 59) a partir da elaboração de
novos textos caracterizados por temas locais, uma vez que as peças teatrais
criadas nesse período no Brasil calcavam-se em traduções ou adaptações de
composições estrangeiras.
201
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
202
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
203
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
204
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
205
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
206
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
postura que deve sempre estar voltada para uma tensão e uma elasticidade
constantes, premissa que também é colocada em relevo por Bergson na sua
análise da comicidade dos movimentos.
Na comicidade dos movimentos, o risível é extraído dos movimentos
mecânicos com caráter repetitivo a partir de artifícios usuais da comédia como
“a repetição periódica de uma palavra ou de uma cena, a inversão simétrica dos
papéis, o desenvolvimento geométrico dos qüiproquós” (2007: 26-7). Em “O
Juiz de Paz da Roça” nas cenas mais cômicas, as quais giram em torno do
personagem que dá nome ao título da peça, podemos observar o artifício da
repetição de cena. A partir da cena IX, dá-se início a uma seqüência de
movimentos que parecem repetitivos. Em casa do Juiz de Paz pessoas entram e
saem com o intuito de resolverem seus problemas. Na cena, XI Martins Pena
também explora esse mecanismo fonte fácil de riso – Senhor Tomás e senhor
Sampaio, em audiência com o Juiz, disputando a guarda de um leitão agarram
ambos no animal puxando-o cada um para o seu lado em movimentos
mecânicos de vai-e-vem remetendo-nos à imagem de um boneco de mola que
se distende e se contrai em repetições contínuas como uma coisa mecanizada,
mecanização que, representando um desvio de comportamento, – que cena
mais ridícula a disputa por um porco na peça em questão – deve ser combatida.
Todos esses mecanismos utilizados por Martins Pena dão o tom da
comédia a sua primeira peça teatral. Contudo, esses procedimentos atrelados a
outro tipo de comicidade, a comicidade de caráter, veicula uma comédia satírica
na qual se explicita certos desvios comportamentais a que Pena quer chamar a
atenção. Em “O Juiz de Paz da Roça” nos é apresentado um Juiz mal trajado, e
que não entende certos vocábulos – “circunlóquios... Que nome em breve! O
que quererá ele dizer?” (cena IX) –, um Juiz completamente despreparado para
o exercício de sua profissão, pois nem se quer sabe despachar – “Quero-me
aconselhar-me com um letrado para saber como hei de despachar alguns
requerimentos que cá tenho” (cena XXI). Também podemos depreender dessa
peça uma crítica às superficialidades orientadas para o universo europeu a que
a população brasileira se sujeitava, inclusive Aninha, menina do interior, que
207
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
208
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Referências Bibliográficas:
BERGSON, H. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade. Tradução Ivone
Castilho Benedetti. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. – (Coleção Tópicos).
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 42ª. Ed. São Paulo: Cultrix,
1994.
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Romântica. 7ª. Ed. São Paulo:
Global, 2004.
PENA, Martins. O Juiz de Paz da Roça. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/dowload/texto/bn000103.pdf>. Acesso
em: 27 de julho de 2010, 08:24:59.
PENA, Martins. O Judas em Sábado de Aleluia. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/dowload/texto/bn000142.pdf>. Acesso
em: 27 de julho de 2010, 08:45:02.
PENA, Martins. O Noviço. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/dowload/texto/bn000032.pdf>. Acesso
em: 27 de julho de 2010, 08:44:46.
PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1999.
RONCARI, Luiz. Literatura Brasileira: dos Primeiros Cronistas aos Últimos
Românticos. 2. ed. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.
209
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Resumo: O presente trabalho teve como finalidade estudar os modos e as formas do cômico
na obra Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, na qual se buscou identificar a
função e os procedimentos cômicos utilizados pelo escritor. Durante a análise foi averiguado
que Lima Barreto utiliza o cômico a serviço do trágico a partir dos elementos básicos da teoria
da comicidade, defendidos pelos teóricos Bergson (2007), Freud (1977) e Jolles (1976). Para
exemplificar tal afirmação foi escolhido para ser apresentado neste trabalho o personagem
Frederico Lourenço do Couto, o Floc, crítico literário da obra.
Palavras-chave: Pré-modernismo, Cômico, Crítico literário, Lima Barreto
1. Introdução
O objetivo do trabalho aqui apresentado era estudar os modos e as
formas do cômico no período pré-modernista da Literatura Brasileira. Para
tanto, foi realizado um levantamento do corpus de autores canonizados e suas
respectivas obras, com o intuito de identificar aquelas que se enquadram no
gênero cômico. Esse levantamento preliminar buscou suas informações nas já
consagradas historiografias da literatura brasileira, principalmente, a partir dos
críticos literários Afrânio Coutinho (2004) e Alfredo Bosi (2006). De um modo
geral, esse levantamento permitiu observar que as obras cômicas desse período
tendem para o gênero tragicômico e neste gênero se destacam, principalmente,
os escritores Lima Barreto e Monteiro Lobato, com ênfase principal para as
∗
Graduanda do curso de Letras-Português. Atuou no Projeto de Iniciação Científica (PICVol/UFS 2009,
desenvolveu o plano “A representação nacional tragicômica na literatura do Pré-modernismo”, que faz
parte do Projeto “O Cômico na Literatura Brasileira” da Profª Drª Jacqueline Ramos.
210
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
2. Revisão da literatura
Para proceder a análise da comicidade na obra selecionada foram
desenvolvidos estudos do gênero cômico a partir da leitura dos textos de Henri
Bergson (2007), que defende a tese de que a função do cômico é reprimir;
Sigmund Freud (1977), que afirma ser a desrepressão a função do cômico; e
André Jolles (1976) que assegura ser o cômico a disposição mental de
dissolução, seja da linguagem, da ética, da lógica e das próprias formas.
No livro intitulado O Riso: ensaio sobre a significação da comicidade, Bergson
(2007) revela as implicações da comicidade, os procedimentos de fabricação do
risível e qual a intenção da sociedade quando ri. Segundo o teórico, o riso é um
211
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
efeito cômico provocado por certa rigidez com uma significação social, em que
a rigidez é a comicidade e o riso é seu castigo. Nesse sentido é possível inferir
que o cômico é conservador, uma vez que ele diz que o riso tem a função de
coerção social. Assim, é possível afirmar que a teoria de Bergson está de acordo
com a ideologia cristã, uma vez que ambos visam o cômico como algo
repressor.
Para explicar as questões da comicidade, Bergson parte da premissa de
que o cômico seria o mecânico sobreposto ao vivo. Segundo ele, essa
mecanização é uma espécie de vício que pode ser encontrado nas situações, nas
palavras, nas atitudes e no caráter com certa rigidez para que assim se possa
obter o riso, que é provocado quando o automatismo é percebido.
O riso está associado tanto ao prazer quanto à prática de poder, o que
não deixa de ser uma forma de obter o controle do outro. O prazer e o controle
se misturam com a intenção inconfessa de humilhar. Por isso Bergson diz que a
personagem cômica é uma personagem desviada, que não está em dia com a
sociedade e o riso terá a função de corrigir o seu desvio e enquadrá-la à
sociedade. Dessa maneira, a comicidade é relativa aos costumes, às idéias e aos
preconceitos de uma sociedade e o riso serve para reprimir certo desvio especial
dos homens e dos acontecimentos, com o objetivo de sempre obter a mais alta
sociabilidade possível.
Bergson relata ainda que as condições essenciais para fazer rir são a
insociabilidade da personagem, insensibilidade do espectador e o automatismo.
Diz também que só é essencialmente risível aquilo que é automaticamente
realizado e que a comicidade de caráter é feita de rigidez, automatismo, desvio
e insociabilidade. Em relação aos personagens, ele diz ainda que os
personagens cômicos são tipos. De acordo com Angélica Soares (2002), os
personagens denominados tipos são aqueles caracterizados por um traço básico
e que não mudam o comportamento durante a narrativa. Eles recebem o nome
de personagens planas ou desenhadas porque tendem a caricatura
Dessa forma, pode-se concluir que o filósofo define o cômico como o
mecânico sobreposto ao vivo, cuja função é a correção social e que os
212
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
procedimentos cômicos podem aparecer nos gestos, nas ações, nas palavras, nas
situações, nas formas, nos movimentos e no caráter. Assim, é possível inferir
que o riso gostaria de corrigir o estereótipo, o mecânico, o desvio e o
automatismo. Também é bom ressaltar que, para ele, é a própria sociedade que
busca através do cômico a manutenção dos valores sociais.
Já Freud (1977) apresenta uma visão diversa de Bergson e na obra, Os
chistes e sua relação com o inconsciente, aborda os chistes, com o intuito de
descobrir algo mais sobre a formação do inconsciente. Freud aborda os chistes,
seu mecanismo e suas funções sempre os associando aos sonhos e ao
inconsciente.
Freud, assim como Bergson, também relaciona o chiste à prática de
poder, uma vez que, para ele, um chiste nos permite explorar algo ridículo em
um inimigo e observa que torná-lo cômico é uma maneira de obter o prazer de
vencê-lo, ou seja, é a idéia de rebaixamento.
Apesar de revelar na obra que a impressão deixada pela literatura é que é
impraticável tratar os chistes, a não ser em conexão com o cômico, Freud ainda
continuou na tentativa de diferenciar os chistes do cômico. Ele relaciona os
chistes com as espécies do cômico e afirma que, socialmente, eles se comportam
diferentemente. Para ele, o chiste se faz. Enquanto que o cômico se constata nos
movimentos, nas formas, nas atitudes e nos traços de caráter das pessoas. E
ressalta ainda que no cômico a terceira pessoa nada acrescenta, apenas
intensifica o prazer. Já no caso dos chistes, a terceira pessoa é essencial para
completar o processo de produção do prazer. Freud afirma que o disfarce, o
desmascaramento, a caricatura são métodos que servem para colocar a pessoa
em uma situação cômica. Na relação entre os chistes e o cômico Freud afirma
que a principal diferença entre eles está na fonte do prazer, a qual ele afirma
que o prazer do chiste está no inconsciente, enquanto que as análises indicam
que o prazer cômico está no pré-consciente.
Freud ressalta que o que causa o efeito do cômico não é o conteúdo, e sim
o modo como algo é dito. Mas ele também revela que o cômico está na cultura.
Para ele, os mecanismos dos chistes, que coincidem com os mecanismos dos
213
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
214
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
215
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
jornal, da imprensa, dos jornalistas e dos críticos literários da época. Para tanto,
ele fez uso de personagens caricatos. Para averiguar a função do cômico e seus
procedimentos na obra selecionada, foram escolhidos alguns personagens da
obra que eram funcionários do Jornal em que Isaías trabalhou, uma vez que é a
partir da descrição do local e dos personagens que percebemos o quanto ele
utiliza a caricatura.
Isaías revela o que pensa sobre os jornais quando diz que: “No jornal, o
diretor é uma espécie de senhor feudal a quem todos prestam vassalagem e
juramento de inteira dependência: são seus homens. As suas festas são festas do
feudo a quem todos têm a obrigação de se associar; os seus ódios são ódios de
suserano, que devem ser compartilhados por todos os vassalos, vilões ou não”
(LIMA BARRETO, 2009: 129).
Revela também que os jornais do Rio são “guiados pelas mesmas leis,
obedecendo quase sempre a um único critério, todos eles se parecem; e, lido
um, estão lidos todos” (LIMA BARRETO, 2009: 101).
Isso acontece porque é também na segunda parte da obra que aumenta o
seu conhecimento sobre o jornal e sobre as pessoas envolvidas nele, porque ele
passa a ser um funcionário do meio, o que o leva a diminuir o deslumbramento
e aumentar as suas críticas. É a partir de então que a narrativa vai revelando
mais críticas ao meio e que a caricatura fica mais acentuada, ganhando forças
através dos personagens diretamente ligados ao Jornal, como o crítico literário,
Floc, personagem escolhido para ser apresentado neste trabalho.
Frederico Lourenço do Couto, Floc, era o crítico literário do jornal em
que Isaías trabalhava. A sua função era fazer “a crônica literária, as crônicas
teatrais dos espetáculos de todas as celebridades, as informações sobre
literatura e pintura, além do plantão semanal em que ajeitava frases lindamente
literárias” (LIMA BARRETO, 2009: 95).
Lima Barreto não economizou críticas ao descrever as atitudes de tal
personagem, que tinha como regras estéticas as suas relações com o autor, as
recomendações que recebia, os títulos universitários e a condição social. Através
desse personagem, Lima Barreto critica as atitudes dos críticos literários, como
216
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
- É formado?
narra o momento em que Floc iria escrever sobre um livro que acabara de
receber e para o protagonista ele “não possuía talento especial de presteza de
pensamento e revela ainda que quase sempre as crônicas literárias, as fantasias
e as notícias de teatro eram trazidas escritas de casa.” (LIMA BARRETO, 2009,
p. 138). As críticas se asseveram quando Lima Barreto, através de Isaías, afirma
ainda que o crítico tinha consciência da sua falta de habilidade, como podemos
observar nessa passagem:
218
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Por fim, Isaías revela, com muita ironia, que passou a ser respeitado
depois que foi promovido à repórter da redação, comprovando o privilégio
dado àqueles que fazem parte do jornalismo, como podemos verificar no trecho
que segue abaixo:
219
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
que ele tenha facilidade em escrever, o que não era o caso de Floc. Dessa forma,
Floc pode ser caracterizado como um personagem cômico.
4. Conclusão
O trabalho realizado tinha como proposta identificar os autores e as
obras que apresentavam o cômico no período Pré-modernista da Literatura
Brasileira. No decorrer da pesquisa foi observado que as obras cômicas desse
período tendem para o gênero tragicômico e foi averiguado que Lima Barreto
utiliza o cômico a serviço do trágico a partir dos elementos básicos da teoria da
comicidade, defendidos pelos teóricos: Henri Bergson, Sigmund Freud e André
Jolles. E a partir de então é possível afirmar que a obra Recordações do Escrivão
Isaías Caminha apresenta uma ambivalência cômica, já que segundo Bergson, o
escritor critica as excentricidades e através da caricatura Lima Barreto condena
as atitudes. E, por outro lado, apresenta também o fator de desconcerto e
esclarecimento, causando uma desrepressão, já que ele utiliza o espaço para obter
o prazer e o chiste, que de acordo com Freud, nos permite explorar algo ridículo
em um inimigo e torná-lo cômico é uma maneira de vencê-lo. E isso é visto na
construção de alguns personagens caricatos, como o crítico literário, Floc. Outro
ponto explorado pelo autor é a utilização do espaço para dizer tudo aquilo que
não podia ser dito, a não ser através do cômico.
Referências Bibliográficas
BARRETO, Lima. Recordações do Escrivão Isaías Caminha. 10ªed. São Paulo:
Editora Ática, 2009.
BERGSON, Henri. O Riso: Ensaio sobre a significação da comicidade. Tradução
Ivone Castilho Benedetti. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. - (Coleção
Tópicos).
BOSI, Alfredo. A Literatura Brasileira: O Pré-Modernismo. Vol. V. São Paulo:
Cultrix.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 43ªed. São Paulo: Cultrix,
2006.
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Realista, Era de Transição. 7ªed.
São Paulo: Global, 2004.
220
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
221
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Resumo: O gênero literário cômico está intrinsecamente associado ao riso. Este, na mitologia,
estabelecia um provável elo entre o homem e os deuses. Por causa da religião, sofreu discriminação e foi
considerado um gênero “menor”. Porém, no século XX, começa a ser reabilitado e adquire importância
filosófica e lingüística. O objetivo desse trabalho está inserido nessa nova perspectiva, pois esse gênero
propicia a ampliação do sistema lingüístico e acesso às possibilidades não abarcadas pelo pensamento
dito “sério”. A pesquisa se concentrou na escolha de autores brasileiros canonizados da primeira geração
Modernista que apresentam características cômicas. Utilizamos como suporte para o levantamento do
corpus os estudos de Bosi (1985). Na etapa seguinte, escolhemos Manuel Bandeira cuja obra,
normalmente, é associada a temas tais como morte, ausência, paixão, humildade, mas estudamos sua
poesia pela ótica irônica. Serviram de base teórica: Freud (1974), Jolles (1976) e Bergson (2007).
Palavras-chave: Cômico, Ironia, Manuel Bandeira.
∗
Graduando do curso de Letras da Universidade Federal de Sergipe (UFS), trabalho vinculado ao
Programa de Iniciação Científica da UFS, sob orientação da Profa. Dra. Jacqueline Ramos.
222
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
223
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
224
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
225
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
226
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
227
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
228
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
229
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Diminuto castigo para crime tão grande; por outro lado, considerável pena se
levarmos em consideração a extensão da vida humana. Enfim, o poema embora
esteja cheio de ironia, ao satirizar a figura do prefeito usa a comicidade para
reprimir e condenar, elementos relacionados à teoria de Bergson ou chiste
agressivo conforme Freud.
De acordo com Sant’Anna, é possível fazer um paralelo onde aparece a
“paráfrase como efeito de condensação, enquanto a paródia é um efeito de
deslocamento. Numa há o reforço, na outra a deformação” (2006: 28). Na
condensação, dois elementos obtêm equivalência a um único elemento,
enquanto o deslocamento trabalha com a memória de ambos os elementos.
Para ilustrar a informação anterior, temos o poema “Sonho de uma Noite de
Coca”:
O suplicante – Padre Nosso que estás no céu, santificado seu o teu nome.
[Venha a nós o teu reino. Seja feita a tua
[vontade, assim na terra como no céu.
[o pó nosso de cada dia nos dá hoje...
O Senhor (interrompendo enternecidíssimo) – Toma lá, meu filho. Afinal tu
[és pó e em pó te converterás!
Em momento algum ele pede ajuda aos deuses o que seria algo esperado
em uma situação como a descrita. Caso o doutor proferisse “que a única coisa a
230
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
231
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Gesso
Mais
um exemplo da capacidade de Bandeira em transformar um acontecimento
cotidiano em poesia profunda. Em Itinerário de Pasárgada ao escrever sobre
metrificação, ele afirma “que os primeiros versos do poema Gesso, que é em
versos-livres, me deram água pela barba durante anos” (1984: 45). Explicitando
o quanto de trabalho é necessário para a produção de um grande poema.
232
II Colóquio Filosofia e Literatura: fronteiras de 18 a 21 de outubro de 2010
Também, esse poema traz um verso que pode ser a síntese de todo o trabalho
que é “Impregnaram-na da minha humanidade irônica de tísico.” Aqui o poeta
explicita que, apesar do espectro da doença, a ironia é um traço indelével da sua
existência, assim como as cicatrizes são no corpo e na vida.
Referências bibliográficas:
ARRIGUCCI JR, Davi. Humildade, paixão e morte: a poesia de Manuel Bandeira. São
Paulo: Cia das Letras, 1990.
BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
______ . Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade. 2. ed. São
Paulo: Martins fontes, 2007.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix,
2006.
BRAYNER, Sônia. O “humour” bandeiriano ou as histórias de um sabonete. In:
LOPEZ, Telê P. A. (Org.). Manuel Bandeira: verso e reverso. São Paulo: T. A.
Queiroz, 1987, p. 42-48.
CÂNDIDO, Antônio. O estudo analítico do poema. 3. ed. São Paulo: Humanitas
Publicações – FFLCH/USP, 1996.
FREUD, Sigmund. Os chistes e sua relação com o inconsciente. São Paulo: Imago,
1977.
JOLLES, André. Formas simples. São Paulo: Cultrix, 1976.
MOURA, Murilo M. de. Manuel Bandeira. São Paulo: Publifolha, 2001.
MUECKE, D. C. Ironia e o irônico. São Paulo: Perspectiva, 1995.
MORA, J. Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo: Edições Loyola, 2001
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & cia. São Paulo: Ática,
2006.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo:
Cortez Editora, 2008.
FGV. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br>. Acesso em: 17 abr. 2010.
233