Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
que é desenvolvimento motor? Por que o estudo no comportamento motor a mudanças que ocorrem no
do desenvolvimento motor é importante para os sistema nervoso central (SNC). Pensava-se que as mudan-
fisioterapeutas? Por que eu deveria estudar desenvolvi- ças do desenvolvimento nas habilidades motoras refle-
mento motor se não espero trabalhar com crianças? Algu- tiam a maturação do SNC. Recentemente, entretanto, co-
mas dessas informações se relacionam à prática clínica meçamos a perceber que o sistema nervoso não é a única
fora do campo da pediatria? estrutura que determina as mudanças do desenvolvimen-
Tais questões são freqüentemente feitas por estudan- to. Mudanças em outros sistemas do corpo, como as do
tes de fisioterapia quando eles começam a estudar o de- sistema musculoesquelético e cardiorrespiratório, também
senvolvimento motor. São questões muito importantes, e influenciam o desenvolvimento motor. Naturalmente, o
cada uma será respondida posteriormente. ambiente no qual vivemos exerce uma influência muito
O que é desenvolvimento motor? Desenvolvimento mo- forte e sistemática no desenvolvimento motor. Por conse-
tor é o processo de mudança no comportamento motor, o guinte, as causas do desenvolvimento motor são muitas.
qual está relacionado com a idade do indivíduo. O foco na Cada sistema — tanto um sistema do corpo quanto um
relação entre a idade e o comportamento motor torna o sistema ambiental específico — interage de um modo com-
estudo do desenvolvimento motor único sob outros pon- plexo e fascinante para realizar mudanças no comporta-
tos de vista. O desenvolvimento motor inclui mudanças mento motor conforme envelhecemos.
relacionadas à idade tanto na postura quanto no movi- Por que é importante que os fisioterapeutas entendam o
mento, dois ingredientes básicos do comportamento mo- desenvolvimento motor? As mudanças que ocorrem no de-
tor. Embora este capítulo se concentre no desenvolvimento senvolvimento motor dos bebês são realmente notáveis.
motor de bebês e de crianças, o processo de desenvolvi- Ao nascer, o bebê é totalmente dependente, mas no pri-
mento ocorre durante toda a vida. Adolescentes, adultos meiro ano a criança adquire um impressionante grau de
jovens e pessoas com 30, 40 anos ou mais também apresen- independência física. Ela muda da impotência para a com-
tam contínuas mudanças no comportamento motor. petência em atividades motoras amplas, como sentar, en-
O que causa essas mudanças? Por muitos anos, os fi- gatinhar e levantar-se, e em habilidades motoras finas,
sioterapeutas atribuíram muitas das mudanças que vemos que incluem a manipulação de vários tipos de objetos.
14 JAN STEPHEN TECKLIN
Muitas crianças já andam em seu primeiro ano de vida. O Esse período dura tipicamente entre 38 e 40 semanas, o
padrão natural de progressão em direção à independên- que significa aproximadamente nove meses de gravidez.
cia física pode ser um guia muito útil na preparação de A etapa pré-natal é um momento de rápidas mudanças de
um plano de tratamento para ajudar os indivíduos a supe- desenvolvimento.
rarem suas limitações e a ganharem independência. O pla- A idade do indivíduo em desenvolvimento antes do
nejamento do tratamento é facilitado pela compreensão do nascimento é medida usando-se uma variedade de con-
processo natural pelo qual a independência física é adquirida. venções. Idade menstrual (IM) é o termo usado quando a
Por que devo estudar o desenvolvimento motor se não idade do indivíduo é calculada a partir do primeiro dia do
pretendo trabalhar com crianças? Algumas dessas informa- último período menstrual da mãe. A idade menstrual é
ções se relacionam à prática clínica fora do campo da pedia- tipicamente medida em semanas. O termo idade gestacio-
tria? Deficiências físicas resultantes de doença ou trauma nal (IG) tem sido mais usado recentemente e é quase equi-
podem afetar a independência funcional em qualquer ida- valente à idade menstrual. A fase pré-natal do desenvol-
de. Quando a independência é alterada, o padrão natural vimento pode ser dividida em três períodos: o período
pelo qual os indivíduos ganham pela primeira vez a auto- germinal, o período embrionário e o período fetal.
suficiência é um guia muito útil para recuperar a inde- O período germinal começa no momento da fertiliza-
pendência física. O conhecimento sobre desenvolvimento ção e dura duas semanas. É durante essa fase que o ovo
motor é tão importante para aqueles que trabalham com fertilizado — denominado zigoto — submete-se a uma
adultos jovens ou idosos quanto para aqueles que traba- rápida divisão celular. O zigoto viaja pela tuba uterina para
lham com crianças ou adolescentes. Entender como se o útero e, ao final do período germinal, liga-se à parede
consegue controlar a postura e os movimentos por meio uterina. O período embrionário começa duas semanas de-
da aquisição de habilidades que são parte da nossa vida pois da concepção e dura cerca de seis semanas. Durante
diária é uma informação útil para terapeutas em todos os essa fase, o indivíduo em desenvolvimento é conhecido
tipos de prática. O que sabemos sobre as mudanças do como embrião. O período embrionário é caracterizado por
desenvolvimento em um período da vida pode ser usado rápidas mudanças morfológicas. Durante essa etapa, as
para ajudar indivíduos em todas as idades. células dividem-se rapidamente, crescendo e diferencian-
Este capítulo aborda o comportamento motor carac- do-se para assumir funções especializadas. No final do
terístico do período pré-natal e da primeira e da segunda período embrionário, o indivíduo em desenvolvimento tem
infâncias. Começando com o período pré-natal, a discus- cerca de 5 cm de comprimento e é reconhecido como ser
são dos variados e claramente bem-adaptados movimen- humano. O período fetal começa na sétima semana da IM
tos dos fetos estabelece a etapa para a compreensão da e termina ao nascimento. É nessa fase que o comporta-
grande mudança a que o indivíduo se submete, como a mento motor aparece pela primeira vez. Durante o perío-
força da gravidade imediatamente experimentada ao nas- do fetal, o indivíduo em desenvolvimento é referido como
cimento. O notável progresso da infância no alcance de feto. A Tabela 1.1 mostra um panorama das característi-
um grande grau de independência física durante o pri- cas do desenvolvimento.
meiro ano pós-natal será descrito em linhas gerais. A dis-
cussão irá explorar a extensão de fatores conhecidos por
Duas visões do desenvolvimento
influenciar o comportamento motor durante os períodos
motor durante o período fetal
iniciais do desenvolvimento. Os ganhos motores da infân-
cia serão abordados e as realizações mais importantes se- Antes dos anos 70, nosso conhecimento do desenvolvi-
rão resumidas. Finalmente, na conclusão do capítulo, dis- mento durante o período fetal estava limitado por não
cutiremos brevemente algumas idéias contemporâneas podermos visualizar o feto. Os métodos usados para re-
sobre o desenvolvimento motor, úteis para todos os tera- gistrar a atividade fetal incluíam relatos maternos dos
peutas que estão tentando entender os fatos que funda- movimentos fetais, escuta por meio da parede uterina com
mentam o comportamento motor, independentemente da um estetoscópio ou, em algumas ocasiões, ecocardiogra-
idade dos indivíduos com os quais poderão vir a traba- mas ou eletromiografias para detectar movimentos por
lhar. meio do abdômen da mãe.
Sem a possibilidade de visualizar o feto no útero,
médicos e pesquisadores propuseram que o comportamen-
! DESENVOLVIMENTO PRÉ-NATAL
DO COMPORTAMENTO MOTOR
to motor de bebês abortados poderia ser estudado para
entender o movimento fetal. Hooker (1944), um anato-
mista e pesquisador, estudou fetos abortados que não eram
Uma linguagem distinta tem sido desenvolvida para des- capazes de manter as funções vitais necessárias para a
crever os períodos e as características do desenvolvimen- vida extra-uterina. Sua pesquisa serviu como um embasa-
to motor antes do nascimento. O período pré-natal do de- mento clássico para a compreensão de como o comporta-
senvolvimento é também conhecido como período gestacional. mento motor humano evolui antes do nascimento. Teóri-
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA 15
TABELA 1.1
Desenvolvimento embrionário*
Primeiro mês
2 1/2 semanas A forma e o comprimento são determinados.
Início da placa neural para o cérebro.
O coração começa como um único tubo; pode bater; ainda não há sangue circulando.
3 semanas As células diferenciam-se em três camadas:
1. Ectoderme — camada externa: transforma-se em pele, pêlos, unhas, glândulas sensoriais e
de pele e todo tecido nervoso.
2. Mesoderme — camada média: transforma-se em músculos, órgãos circulatórios ósseos e
algumas das glândulas endócrinas.
3. Endoderme — camada interna: transforma-se em órgãos digestivos, fígado, trato
alimentar, revestimentos e na maioria das glândulas endócrinas.
28 dias A região da cabeça é diferenciada, tomando 1/3 do comprimento do corpo.
Comprimento de O cérebro e a medula espinal primitiva são desenvolvidos.
0,50 cm Olhos, ouvidos e nariz rudimentares aparecem.
O broto inicial dos membros aparece.
Segundo mês O embrião fica com uma aparência mais humana com as características tornando-se mais
identificáveis.
6 semanas Formação dos dentes decíduos.
8 semanas O embrião agora se torna um feto.
Comprimento 2,54 cm Os órgãos tornam-se funcionais.
Peso 18,9 g
Final do terceiro mês Começa maior atividade:
Comprimento 7,6 cm O feto gira a cabeça, dobra o cotovelo, fecha o punho, mexe os dedos dos pés e move os
quadris.
Peso 21,2 g Os movimentos não são detectados pela mãe, entretanto soluços serão sentidos.
Quarto mês Aparecem as impressões digitais.
Comprimento 15,2 cm A mãe começa a sentir os movimentos.
Peso 113,4 g
Quinto mês O feto move-se e gira facilmente.
Comprimento 30,4 cm Padrões regulares de vigília e sono desenvolvem-se.
Peso 500 g O reflexo de sucção está presente.
O batimento cardíaco torna-se regular.
Sexto mês O cabelo cresce mais espesso.
Comprimento 35,5 cm Os olhos abrem e fecham-se.
Peso 1 kg
Sétimo mês
Comprimento 40,6 cm
Peso 1,5 kg
Oitavo e nono meses Começa uma fase mais intensa de crescimento.
Os movimentos fetais começam a ficar mais lentos.
*Adaptada de Kaluger G, Kaluger MF: Human Development: The Span of Life. St. Louis: CV Mosby, 1974.
cos pioneiros em fisioterapia, como Margaret Rood e Do- Desenvolvimento das respostas motoras à
rothy Voss, estudaram os achados de Hooker para enten- estimulação
der mais detalhadamente as formas primitivas do movi-
mento humano. Elas aplicaram o que aprenderam de De acordo com Hooker (1944), o comportamento motor
Hooker às suas avaliações do comportamento motor, as- pode ser evocado na idade de aproximadamente oito se-
sim como à seqüência de habilidades motoras que incluí- manas de IM. Em seus estudos, o feto foi mantido em so-
ram em seus programas de tratamento. lução isotônica sob temperatura corpórea. Ele usou a ponta
16 JAN STEPHEN TECKLIN
de um fio de cabelo para aplicar estimulação tátil à pele Em vez de continuar a se espalhar, como as respostas cor-
do feto. Ele filmou e registrou cuidadosamente qualquer porais completas, algumas ações ficaram restritas a áreas
resposta motora à estimulação tátil. As respostas mais locais e as respostas foram variadas. Em fetos de 14 a 15
precoces foram obtidas apenas quando o toque era apli- semanas de IM, Hooker descreveu as características dos
cado em torno da boca, a área perioral. As respostas mo- movimentos como graciosos e delicados. Nessa idade, as
toras foram caracterizadas por movimentos de retirada. respostas que envolviam a ação de todo o corpo poderiam
O feto fletia lateralmente e rodava a cabeça de modo que incluir seqüências completas de ação. Por exemplo, movi-
a boca se movia em direção oposta ao local do estímulo. mentos como a extensão da cabeça e do tronco eram segui-
Hooker nomeou esses reflexos como reações de esqui- das por rotação e flexão. As seqüências de ação foram des-
var-se. Na aplicação do estímulo em fetos mais velhos, ele critas como “antecipatórias” da vida pós-natal, uma vez que
achou que a área sensível à estimulação tátil se tinha es- elas pareciam incluir padrões de ação tipicamente vistos
palhado da boca para todas as direções: para cima em depois do nascimento como o ato de rolar ou de alcançar.
direção ao nariz, para as laterais da face, para o queixo e, Os estudos de Hooker foram considerados pelos fisio-
mesmo em indivíduos mais velhos, para o pescoço e parte terapeutas uma importante fonte de informação em rela-
superior do tórax. A área expandida da sensibilidade cu- ção ao desenvolvimento motor durante o período pré-na-
tânea foi acompanhada por um aumento cada vez maior tal. A suposição de que fetos abortados demonstram um
da variedade da amplitude de resposta de retirada. Em comportamento típico do comportamento fetal intra-ute-
fetos mais velhos, foram vistas não apenas flexão e rota- rino ainda tem sido questionada. Alguns argumentam que
ção de pescoço, mas também o tronco e a pelve fletiam o ambiente de fetos abortados é drasticamente diferente
lateralmente e rodavam para o lado oposto da estimula- do ambiente intra-uterino e que o comportamento motor
ção. Essas respostas de variedade de amplitude foram cha- observado fora do útero não é representativo do desen-
madas de “respostas corporais completas”. Em um feto de volvimento motor normal que ocorre no ambiente intra-
11 semanas, quando as palmas das mãos eram tocadas, uterino. Uma segunda crítica a esses estudos é a de que os
ocorria um fechamento parcial dos dedos. Em fetos da fetos estudados estavam morrendo durante o estudo. Fe-
mesma idade ou ligeiramente mais velhos, o toque na sola tos nascidos tão prematuros quanto os que Hooker estu-
do pé resultava em flexão plantar dos dedos. Assim como dou não poderiam respirar para manterem-se vivos. Mui-
as primeiras respostas vistas na área perioral, as respos- tas das reações observadas podem ter sido decorrentes da
tas dos membros superiores e inferiores eram de maior diminuição de oxigênio no sangue. Além disso, os fetos
variedade de amplitude em fetos mais velhos, envolven- abortados podem ter tido sérias anormalidades que pro-
do flexão e retirada do estímulo aplicado na palma ou na vocaram o nascimento prematuro. Se foi esse o caso, os
sola. Em fetos mais velhos, as áreas de sensibilidade cutâ- movimentos observados e descritos por Hooker podem não
nea eram encontradas em áreas mais proximais dos mem- ser típicos da população normal de bebês nascidos a ter-
bros, incluindo eventualmente todo o membro superior mo ou com 37 a 42 semanas de IG.
ou inferior.
As respostas de fetos mais velhos abrangeram um cres-
Desenvolvimento dos movimentos
cente número de regiões do corpo, e o caráter das respos-
espontâneos
tas também mudou. Ao contrário da retirada da região do
estímulo, houve um aumento na freqüência de respostas Os movimentos espontâneos representam uma classe di-
que moviam a face em direção ao estímulo. Essa mudan- ferente dos movimentos de respostas reflexas. Em vez de
ça gradual na direção — de movimentos contrários ao serem evocados, os movimentos espontâneos surgem sem
estímulo por volta da oitava semana, para o movimento um estímulo aparente. Reflexos são respostas evocadas, e
em direção ao estímulo na 12a semana — tem importan- seu início depende de um estímulo. Os movimentos es-
tes conseqüências. O feto que se move para longe do estí- pontâneos surgem sem estímulos externos e podem ser
mulo está demonstrando o que pode ser interpretado como considerados como auto-iniciados, não sendo necessaria-
uma função de sobrevivência muito primitiva de proteção mente “voluntários”. Na verdade, o termo “movimento
contra lesões. Mesmo depois do nascimento, o indivíduo voluntário” pode ser problemático ao se discutir o desen-
não pode retirar-se de todos os toques recebidos na área volvimento inicial. Vontade implica intenção e propósito,
perioral, pois a alimentação seria impossível. Em um pe- e não temos uma maneira confiável de determinar a in-
ríodo de tempo relativamente curto, na idade de 14 a 15 tenção de um indivíduo muito jovem.
semanas de IM, todos os movimentos de alimentação pre- Até recentemente, os pesquisadores e os médicos con-
liminares, incluindo abertura e fechamento de boca, ma- centravam-se na descrição de reflexos ou respostas evo-
nutenção dos lábios fechados e movimentos da língua, cadas do feto e de bebês e ignoravam as ações espontâ-
estavam presentes. Em fetos de 29 semanas de IM, foi neas. Essa tendência em concentrar-se nos reflexos é pro-
observada sucção audível. O caráter de resposta de tron- vavelmente um resultado de nossa cultura científica, que
co e membros em fetos mais velhos também foi diferente. valoriza experimentos bem-controlados. A preferência pela
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA 17
abordagem de experimentos controlados para documen- uma parte do comportamento motor na 17a semana de
tar o comportamento humano pode ter levado à crença IG. Milani-Comparetti descreveu uma grande variedade
geral de que os bebês conseguem executar apenas “movi- de movimentos fetais muito bem-adaptados, incluindo a
mentos reflexos”. Em uma abordagem experimental ao exploração da face e do corpo com as mãos, agarrar e
estudo do movimento, os movimentos espontâneos foram mover o cordão umbilical e assim por diante. A sucção
considerados eventos aleatórios e sem propósito que in- espontânea do polegar e a deglutição foram documenta-
terferiam no estudo. das. Respostas a estímulos visuais e auditivos apareciam
Na década de 1970, o avanço tecnológico da monito- antes do nascimento. Sons ou luzes foram aplicados na
rização ultra-sonográfica do feto trouxe uma revolução parede abdominal da mãe para examinar as respostas aos
em nosso entendimento do desenvolvimento do movimen- estímulos. Inicialmente, respostas de alarme foram obser-
to durante o período fetal. Milani-Comparetti, um neu- vadas, com ambas as mãos sendo levantadas para prote-
ropsiquiatra infantil italiano, observou e interpretou os ger a face aparentemente em um padrão de proteção.
registros ultra-sonográficos de mais de mil mulheres grá- Milani-Comparetti discutiu como as respostas mais
vidas. Essas gestantes continuaram a esperar bebês nor- precoces eram usadas, em última instância, “para nascer”.
mais e saudáveis. Milani-Comparetti, até o período de seu A locomoção era usada a fim de mover-se para a posição
estudo com o ultra-som, tinha sido um firme adepto dos de nascimento com a cabeça para baixo, encaixada na saída
reflexos como unidade fundamental do comportamento pélvica. Os movimentos de salto eram usados a fim de
motor humano. Entretanto, suas observações dos regis- empurrar a parede uterina para iniciar ou cooperar no
tros ultra-sonográficos dos fetos em desenvolvimento nor- processo de nascimento. Os movimentos de respiração,
mal mudaram seus conceitos mais básicos do desenvolvi- sucção e deglutição eram preparatórios para a alimenta-
mento motor. Milani-Comparetti ficou impressionado com ção depois do nascimento, e as respostas visuais e auditi-
a natureza espontânea e freqüente dos movimentos fetais vas preparavam o bebê para receber informações sobre o
iniciais. Ele não achou estímulos que evocassem os movi- novo ambiente pós-natal. Não se pode ler o trabalho de
mentos naturais do indivíduo em desenvolvimento. Milani-Comparetti sem a impressão geral de que o feto se
Ele descreveu o aparecimento seqüencial de ações comporta de modo a refletir a adaptação progressiva ao
espontâneas durante o período fetal e contribuiu para uma ambiente uterino, assim como antecipa o processo de nas-
grande compreensão do movimento humano pela descri- cimento que ocorre ao final do período gestacional.
ção de padrões de movimentos primários (PMPs). De acor-
do com Milani-Comparetti, os PMPs são dados fundamen-
Resumo
tais de ação a partir dos quais todos os movimentos
humanos se desenvolvem. Os padrões de ação surgem de Existem duas visões distintamente diferentes do período
forma espontânea e posteriormente se tornam ligados a fetal e, desse modo, das origens dos movimentos huma-
estímulos sensoriais para formar automatismos primários. nos. Um ponto de vista baseia-se na pesquisa conduzida
Um automatismo primário é similar a um reflexo. Seu con- em fetos fora do ambiente uterino, e outro, na pesquisa
ceito de que os movimentos espontâneos surgem antes dos conduzida acerca de como os fetos funcionam dentro do
automatismos primários foi revolucionário, sobretudo para útero. Esta última, um estudo mais natural dos movimen-
aqueles que achavam que o reflexo era a unidade básica tos pré-natais, revela movimentos fetais muito ativos e
do comportamento motor a partir da qual todos outros espontâneos. A pesquisa conduzida em um ambiente ex-
movimentos se originariam. tra-uterino mostra os movimentos fetais como reflexos.
A rica e vívida descrição de Milani-Comparetti dos Tais pontos de vista foram influenciados pela tecnologia
movimentos bem-adaptados do feto é um excelente exem- disponível aos pesquisadores na época em que eles con-
plo de como a tecnologia moderna pode ser aplicada para duziam seus estudos, mas também foram influenciados
nos ajudar a compreender o movimento humano. Ele des- pelas perspectivas predominantes na época em que foram
creveu os movimentos precoces como “saltitantes”, os quais desenvolvidos. Recentemente, fisioterapeutas vêm-se in-
apareciam espontaneamente em fetos de aproximadamen- teressando em movimentos autoproduzidos, depois de um
te 10 semanas de IG. Uma série de saltos continuava em longo período de concentração nos reflexos e nas reações
sucessão até o feto atingir uma nova posição de descanso dos pacientes. Pode-se perceber agora o quanto é impor-
no assoalho uterino. A forma mais precoce de salto envol- tante encorajar ações auto-iniciadas, uma vez que são uma
via a extensão dos membros inferiores e a flexão dos mem- parte integral do movimento humano desde o princípio.
bros superiores. Mais tarde, aparentemente devido ao cres- Como resultado, o trabalho de Milani-Comparetti na des-
cimento fetal dentro do espaço intra-uterino restrito, os crição dos movimentos auto-iniciados mais precoces é de
membros superiores eram trazidos para a frente e esten- grande interesse para os terapeutas e é, por natureza, re-
diam-se para baixo em frente ao corpo durante os saltos. volucionário. A perspectiva única de Milani-Comparetti
Os movimentos locomotores que capacitam o feto a coloca em contraste direto a visão tradicional de que o
movimentar-se dentro da placenta foram descritos como feto é um ser reflexo e passivo.
18 JAN STEPHEN TECKLIN
! PLANOS DE MOVIMENTO E
ALINHAMENTO POSTURAL
! DESENVOLVIMENTO MOTOR
DURANTE A PRIMEIRA
INFÂNCIA
Antes de discutir os padrões e as habilidades específicos
associados com o desenvolvimento motor normal, parece A primeira infância é considerada o período do nascimento
útil apresentar o esquema pelo qual o movimento é fre- até a criança ser capaz de ficar em pé e andar. Tipicamente, a
qüentemente descrito. O corpo humano tem uma grande primeira infância dura aproximadamente um ano. Esse pe-
variedade de combinações de movimento disponíveis. ríodo é muito instrutivo para os fisioterapeutas. O neonato,
Como resultado dessas combinações, uma pessoa pode essencialmente incapaz de encarar a gravidade, desenvolve
escolher movimentos em segurança nos variados tipos de de forma gradual a habilidade de alinhar os segmentos do
terrenos, em superfícies com pouco atrito e, nas situações corpo, tanto um segmento em relação ao outro quanto em
em que o equilíbrio é perdido, a pessoa pode tanto recu- relação ao ambiente, alcançando o que é chamado de “pos-
perar uma posição ereta quanto usar as mãos para se pro- tura normal” da posição ereta. O ambiente gravitacional no
teger durante a queda. O desenvolvimento de força equi- qual o bebê tem que viver é quase completamente conquista-
valente ou balanceada na oposição de grupos musculares do durante o primeiro ano. O bebê recém-nascido, capaz de
é considerado por muitos como algo importante para se manter a cabeça apenas por alguns instantes, ganha a habili-
obter uma boa postura. A falha do desenvolvimento de dade de segurar a cabeça em uma postura crescentemente
força equivalente pode distorcer o alinhamento apropria- vertical. A postura fletida dos recém-nascidos dá lugar à pos-
do que, em última análise, leva a movimentos ineficientes tura estendida da posição ereta. Com o passar do tempo, os
e à resistência reduzida. As estruturas do corpo precisam bebês adquirem habilidades locomotoras: primeiro rolando,
suportar grandes esforços e uma carga mecânica aumen- depois rastejando-se e engatinhando, então andando com
tada quando os músculos não estão equilibrados e quan- apoio, até finalmente alcançar a importante marca da loco-
do os ossos e as articulações estão impropriamente ali- moção independente, como mostra a Tabela 1.2.
nhados. Na discussão a seguir, os ganhos motores do primeiro
Em termos de movimento, o corpo é dividido em três ano de vida serão discutidos em cada um dos quatro trimes-
planos: frontal, sagital e transverso. O plano frontal divi- tres durante o primeiro ano pós-natal. Um trimestre abrange
de o corpo em porções anterior e posterior, o plano sagital um período de três meses. A divisão do primeiro ano em
divide o corpo em porções direita e esquerda e o plano quatro períodos é útil para entender as rápidas aquisições
transverso divide o corpo em porções superior e inferior. motoras do bebê. Em cada trimestre, seu comportamento
O movimento dentro do plano sagital ocorre mediante fle- será discutido para cada uma das quatro posições: a posição
xões e extensões contra a gravidade. Os movimentos anti- supina, a posição prona, sentada e em pé. Em vez de focali-
gravitacionais também ocorrem durante a flexão lateral zar uma seqüência mensal de marcos motores, os ganhos
dentro do plano frontal. No plano transverso, os movi- motores do bebê serão resumidos por trimestre.
mentos ocorrem com rotação sobre o eixo do corpo. Os
pontos de referência mudam quando o movimento ocorre
Primeiro trimestre: alinhamento da
por meio do plano de movimento. O movimento que cru-
cabeça
za o plano frontal torna-se anterior e posterior; movimen-
tos que cruzam o plano sagital tornam-se paralelos ou la- O recém-nascido é chamado de neonato — período que
terais. Em função de a movimentação normal raramente dura duas semanas. A postura do neonato é caracterizada
ser unidimensional, para se obter um alinhamento postu- pela flexão, que, acredita-se, é derivada da postura fleti-
ral apropriado, é essencial combinar e controlar todos os da imposta dentro do útero durante o período pré-natal.
movimentos dentro e por meio dos planos. Depois do sétimo mês de gestação, há um espaço limita-
O tônus muscular postural normal também é impor- do para os movimentos do feto. A postura fletida também
tante para suavizar os movimentos por meio dos planos tem sido atribuída aos níveis de desenvolvimento do sis-
de movimentos. O tônus muscular tem sido descrito por tema nervoso. Especificamente, acredita-se que as re-
muitos como a condição do músculo que, embora sem uma giões do cérebro responsáveis pelas habilidades motoras
contração ativa, determina a postura do corpo, a amplitu- envolvidas na extensão do corpo contra a força da gravi-
de de movimento das articulações e a sensação dos mús- dade não estão completamente desenvolvidas nesse pe-
culos. O tônus muscular normal é alto o suficiente para ríodo. Como resultado da postura fletida, quando o bebê
permitir movimentos contra a gravidade, e baixo o sufici- é colocado na posição prona, os braços e as pernas enro-
ente para dar completa liberdade de movimento pelos lam-se sob o tronco, fazendo com que, desse modo, o peso
vários planos e em resposta a vários estímulos. do bebê vá em direção à cintura escapular. Embora essa
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA 19
TABELA 1.2
Marcos do desenvolvimento motor para o primeiro ano de vida*
postura flexora inicial coloque a criança em uma posição responsáveis por esse fenômeno não são claramente com-
que dificulta seus movimentos, o bebê pode desenvolver preendidos. Acredita-se que a postura reflete a elasticida-
uma das mais importantes e básicas habilidades — a de de dos tecidos moles que ficaram confinados em uma pos-
levantar e girar a cabeça de um lado para o outro. Esse é o tura flexora no final do período fetal e a atividade do
primeiro movimento ativo da criança contra a gravidade sistema nervoso central (SNC) nesse ponto inicial do de-
e é realizado usando uma combinação de músculos que senvolvimento pós-natal.
estendem e giram o pescoço. Esse é o principal ganho do A postura fletida do recém-nascido é normal, mas
primeiro trimestre. decresce gradualmente. Ao final do primeiro trimestre, o
grau de flexão dos membros diminui. Os pés e os braços
deixam de manter distância da superfície de apoio. Acre-
A posição supina
dita-se que essa mudança resulte de movimentos exten-
Quando o bebê está em posição supina, a cabeça e a parte sores ativos do bebê e da ação da gravidade.
superior do tronco descansam em uma superfície de apoio A postura dos membros superiores do bebê muda du-
com a cabeça virada para um lado (Figura 1.1). A parte rante o primeiro trimestre. Depois de cerca de um mês, quan-
inferior do tronco em geral está fletida, de modo que as do a cabeça está na posição relativamente central ou na linha
nádegas não tocam completamente a cama. Tanto os mem- média, a flexão dos membros superiores começa a dar lugar
bros superiores quanto os inferiores são mantidos em uma a uma postura de abdução e de extensão de braços. Inicial-
postura relativamente simétrica de flexão durante os pri- mente, essa postura é vista quando o bebê está dormindo
meiros dias depois do nascimento. Os pés podem estar
posicionados perto das nádegas, e as mãos com freqüên-
cia estão em contato com o tronco. Os quadris são tipica-
mente mantidos em flexão e continuamente impedidos
de se aproximar da superfície de apoio pela ação dos
músculos adutores do quadril. Os joelhos estão fletidos e
os tornozelos são mantidos em um ângulo agudo de dor-
siflexão. Os braços são mantidos em flexão junto ao cor-
po. Os cotovelos e as mãos estão fletidos.
Por causa da predominância da flexão, é encontrada
alguma resistência quando os membros do bebê são mo-
vidos passivamente em extensão. Os cotovelos, os joelhos
e os quadris voltam à flexão depois de serem estendidos
passivamente. A tendência a manter uma postura fletida
e a voltar a ela quando liberado de uma posição estendida FIGURA 1.1 Primeiro trimestre, posição supina.
é chamada de “tônus flexor”. Os mecanismos fisiológicos
20 JAN STEPHEN TECKLIN
A posição prona
O levantamento e o balanceio intermitentes da cabeça
associados ao esforço em ganhar uma postura ereta na
FIGURA 1.5 Segundo trimestre, posição supina, posição prona durante o primeiro trimestre começam gra-
alcançando os pés. dualmente a envolver a musculatura do tronco. No início
desse trimestre, o bebê luta na posição prona para elevar
o tronco da superfície de apoio, levantando primeiro os
cotovelos e, em seguida, empurrando-se com as mãos. O
Embora o bebê não role consistentemente da posição bebê passa bastante tempo empurrando-se (Figura 1.7) e
supina, as posições extremas envolvendo o levantamento caindo de volta à posição prona, girando em torno do eixo
dos membros inferiores e a extensão com rotação da cabe- do estômago com os braços e as pernas elevados da su-
ça e do pescoço são precursores para a capacidade de rolar. perfície de apoio. Essa postura-pivô é chamada de “pivo-
Essa luta pode levar à perda da posição supina. O peso tear” ou posição de avião (Figura 1.8).
das pernas, quando transferido para a direita ou para a O bebê aprende a aproveitar a extensão dos braços
esquerda, pode virar o bebê para a posição deitada de ao tentar alcançar brinquedos e tenta transferir o peso
lado. Essa aparente perda do controle dos membros infe- mediante uma série de direções laterais. Essa transferên-
riores durante o levantamento pode ser um dos fatores cia de peso está mais madura em qualidade e é caracteri-
que levam à capacidade de rolar a partir da posição supi- zada pelo alongamento no lado que suporta o peso. No
na. A maioria dos bebês tenta rolar ativamente durante final desse período, quando o bebê se aproveita da posi-
esse período e alguns podem vir a adquirir essa habilida- ção de extensão dos braços, há menos perda de controle
de durante o segundo trimestre, mas eles a adquirem, em da posição anterior (cefálica), uma vez que o centro de
geral, no terceiro trimestre. gravidade do bebê se move caudalmente, dando à criança
O bebê também coloca os pés na superfície de apoio maior controle nessa posição. O bebê pode transferir o
com os quadris e com os joelhos flexionados. Essa postura peso naturalmente enquanto está com os braços estendi-
serve como posição inicial para grandes arrancadas de dos; entretanto, em função de essa tarefa ser difícil, o bebê
extensão que levantam as nádegas e o tronco da superfí- pode voltar a apoiar-se nos cotovelos a fim de alcançar
cie. Esse movimento é chamado de “ponte” (Figura 1.6).
Alguns bebês empurram-se para longe em seus berços por
meio de uma série de movimentos em ponte. Outras ve-
zes, o bebê demonstra forte rotação de cabeça e de pesco-
A posição em pé
Durante o segundo trimestre, o bebê começa novamente
a suportar o peso nos membros inferiores e é capaz de
FIGURA 1.10 Segundo trimestre, posição sentada FIGURA 1.12 Segundo trimestre, em pé com
independente de “proteção superior” por breves instantes. apoio.
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA 25
Resumo
As aquisições do segundo trimestre são impressionantes: o A posição prona
bebê move-se na superfície de apoio pela posição de ponte
ou por rastejamento, senta-se com apoio, levanta-se com as O terceiro trimestre começa com a criança em posição
mãos e com os joelhos e fica em pé com apoio. O bebê está prona, pivoteando em círculos sob o estômago. A posição
ganhando o controle do corpo em posturas fundamentais prona torna-se muito estável para o bebê. Como resulta-
que levarão a uma maior amplitude de mobilidade. O am- do dessa estabilidade aumentada, o bebê pode usar pa-
biente de apoio oferece oportunidades para o bebê explo- drões de movimento de extremidades superiores e infe-
rar o corpo e vencer a força da gravidade evidenciada pelo riores mais dissociados ao brincar na posição prona. A fle-
aumento de posturas elevadas e verticais. xão lateral do tronco é um forte componente do movi-
mento e o bebê pode brincar na posição deitada de lado.
A posição supina
A preferência pela posição supina diminui, sobretudo quan-
do o bebê desenvolve a capacidade de rolar da posição
supina para a prona. O primeiro rolar é freqüentemente
realizado com um forte padrão de extensão de cabeça e
da parte superior do tronco e de rotação com os braços
levantados acima e sobre os ombros (Figura 1.13), ou com
um padrão de flexão bilateral dos membros inferiores, le-
vando as pernas para cima e para o lado (Figura 1.14).
Alguns bebês param na posição deitada de lado antes de
completar o rolar para prona. Alguns passam grande tem-
po deitados de lado, com a parte superior das pernas mo-
vendo-se de trás do corpo para uma posição em frente ao
corpo. Acredita-se que o bebê esteja aprendendo a equili-
brar-se na posição deitada de lado. Alguns bebês usarão o
FIGURA 1.14 Terceiro trimestre, iniciando o rolar
rolar como meio de locomoção, mas o engatinhar é visto usando as pernas fletidas.
com mais freqüência.
26 JAN STEPHEN TECKLIN
FIGURA 1.17 Terceiro trimestre, movendo-se para FIGURA 1.18 Terceiro trimestre, percorrendo uma
ficar em pé. cerca.
A posição sentada
A posição sentada é uma posição muito funcional nesse Elas em geral conseguem levantar-se em cadeiras ou me-
período. A facilidade com a qual a criança se move da sas baixas sem dificuldades no final do quarto trimestre.
posição sentada e de volta para essa posição é bastante Os passos iniciam-se na direção diagonal para frente
notável tanto ao mover-se da posição sentada para a pos- ou na direção lateral. Esse padrão inicial de passos pode
tura de “gatas” quanto ao mover-se da posição sentada ser visto nos primeiros passos que a criança dá com as
para ajoelhada e, então, em pé. As habilidades de equilí- mãos sendo seguradas (Figura 1.21). Os pais, ao anda-
brio tornam-se muito bem desenvolvidas na posição sen- rem atrás delas segurando suas mãos, estão na melhor
tada. A criança com freqüência gira em círculos enquanto posição para observar o padrão diagonal de passos, que
sentada, usando as mãos e os pés para propulsão. Ela sen- leva a criança primeiro para um lado e depois para o ou-
ta fácil e confortavelmente em uma cadeira alta com as tro. Apenas com o tempo a criança faz os movimentos
pernas fletidas e os pés apoiados. Pode mover-se para a corretos de perna para uma direção mais dianteira. Ela
posição prona a partir da posição sentada quando brin- progride da locomoção com as duas mãos apoiadas para
ca ou como parte dos movimentos usados para levantar- a locomoção com apenas uma das mãos para apoio. Com
se do chão. Além disso, o aumento da mobilidade e do encorajamento, eventualmente se solta e dá passos sozi-
equilíbrio oferecem a ela a oportunidade de usar várias nha. Os primeiros passos independentes naturalmente
posições sentadas, como a sentada de lado e a sentada também são na diagonal, levando a uma base de apoio
“em W”. alargada.
Durante as primeiras tentativas de locomover-se, a
criança pode estar na ponta dos pés, com pouco ou ne-
A posição em pé
nhum contato dos calcanhares com o chão. O bebê anda
A posição em pé é a postura preferida pela maioria das em uma postura de pés mais aplainados enquanto usa pas-
crianças durante o quarto trimestre. Mover-se para a po- sos exageradamente posteriores na tentativa de manter o
sição em pé apoiando-se nos móveis leva a percorrer a equilíbrio. O padrão de marcha ainda é imaturo, com a
borda dos móveis enquanto segura-se. A sua habilidade tendência à flexão lateral de tronco para avançar a perna
em recuar para sentar-se a partir da posição em pé é de- em vez de usar um padrão maduro de transferência de
senvolvida no começo desse trimestre, e, no final do tri- peso. Os braços são mantidos em “proteção superior” (Fi-
mestre, surge a habilidade de mover-se para uma postura gura 1.22), o que ajuda a manter a estabilidade e o con-
agachada a partir da posição em pé (Figura 1.20). As trole. A criança tem grande dificuldade com o equilíbrio
crianças sobem pelos móveis a partir da posição em pé. ao tentar carregar um brinquedo em uma mão. Uma
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA 29
FIGURA 1.21 Quarto trimestre, padrão de passos FIGURA 1.22 Quarto trimestre, passos
anteriores e laterais. independentes com mãos em posição de proteção superior.
criança nessa idade achará impossível usar as duas mãos do chão sem apoio externo e pode tentar levantar-se na
para carregar um objeto por causa da necessidade do uso ponta dos pés para alcançar um objeto no alto. Quando
das extremidades superiores para estabilização. Quando empurrada para trás, é mais provável a manutenção do
a criança tenta carregar um objeto, freqüentemente há o equilíbrio sem dar um passo para trás, como costumava
retorno à locomoção na ponta dos pés na tentativa de fazer. Além de levantar-se na ponta dos pés e agachar-se,
aumentar o apoio e a estabilidade. O padrão de locomo- ela consegue levantar uma perna como se fosse subir um
ção na ponta dos pés desloca o peso do corpo anterior- degrau. Esse ato envolve flexão excessiva dos quadris e
mente, o que a impossibilita de usar um padrão mais ima- uma transferência lateral do peso que, combinadas, po-
turo e rígido, que dá a ela maior estabilidade. Uma vez dem causar uma perda do equilíbrio e fazer a criança pro-
que as extremidades superiores estejam livres novamen- curar por apoio.
te, a criança retorna à posição de pés aplainados. A posi- Considerando-se que as tentativas iniciais de loco-
ção em pé independente torna-se uma característica con- moção do bebê mostram um equilíbrio precário, os gan-
sistente no repertório motor da criança, causando, desse hos no primeiro ano pós-natal são bastante notáveis. Em
modo, mais quedas — porém, ela aprende a recuperar-se pouco tempo, o bebê progride da incapacidade para a
rápida e habilidosamente para terminar a atividade ante- mobilidade independente e a exploração ativa do mun-
rior. do. A locomoção tornar-se-á progressivamente suave e
Um notável aumento na estabilidade e no controle coordenada. Podem ser observados um progressivo es-
ocorre no final do primeiro ano. As posições de proteção treitamento da base de suporte e passos na direção dian-
superior e apoio externo são menos necessárias. A criança teira, com um padrão calcanhar-ponta de contato dos
consegue carregar brinquedos mais facilmente enquanto pés. Os braços movem-se da proteção superior para a
anda, consegue abaixar-se para recuperar um brinquedo mediana e finalmente para a proteção inferior, com um
30 JAN STEPHEN TECKLIN
perna. O saltar com uma perna só é definido como a ele- cio do desenvolvimento dessa habilidade, há pouco balan-
vação do corpo do chão com a subseqüente aterrissagem ço posterior ou desvio (finalização) preparatório na perna
usando um único pé. O saltar com uma perna só aparece que chuta. Com o tempo, aparece o balanço posterior, pri-
por volta dos 30 meses, mas não é bem-desempenhado meiro no joelho e, mais tarde, envolvendo o quadril. Gra-
até a criança ter aproximadamente 6 anos de idade, quan- dualmente, o desvio e a inclinação anterior do tronco tor-
do cerca de 10 saltos podem ser realizados em seqüência. nam-se parte da ação de chutar. Essas características são
Depois de poder realizar uma série de saltos, a criança tipicamente vistas em crianças por volta dos seis anos.
tende a incorporá-los em jogos, como a amarelinha, ou
em passos de dança.
Mudanças no desempenho das
O andar saltitante é um padrão complexo de locomo-
habilidades adquiridas na lactância
ção que envolve um passo e um salto em uma perna, se-
guido de um passo e um salto da outra perna. O andar As mudanças relacionadas à idade nos padrões de movi-
saltitante não é realizado pela maioria das crianças até os mento usados para desempenhar habilidades primeira-
6 anos de idade. Assim como muitas outras habilidades mente adquiridas durante a lactância continuam durante
locomotoras, a prática parece ser um fator importante na a primeira e a segunda infâncias e a adolescência. Uma
aquisição dessa habilidade. Indivíduos mais velhos que série de estudos tem documentado os padrões de movi-
não tiveram a oportunidade de praticar essa habilidade mento esperados nas tarefas, como rolar de supino para
freqüentemente não conseguem demonstrar alguns pa- prono, mover-se da posição sentada em uma cadeira para
drões mais sofisticados de locomoção. posição em pé e levantar de supino para ficar em pé.
víduos mais velhos que engatinhem como pré-requisito sempenhar papéis no processo de desenvolvimento mo-
para andar do que os terapeutas da geração passada. tor. Além disso, o ambiente representa uma significativa
fonte de mudanças sistemáticas que influenciam o desen-
volvimento motor. Ao contrário de uma simples e única
Reflexos como componentes
causa de mudança, a teoria dos sistemas reconhece cau-
fundamentais do comportamento
sas múltiplas e complexas do desenvolvimento. Embora
motor
um fator possa ser identificado como um catalisador para
A discussão do comportamento motor emergente do feto mudanças, reconhece-se agora que nenhum agente sozi-
é um excelente exemplo da mudança no pensamento em nho seja “a causa” do desenvolvimento motor. Todos os
relação aos reflexos. Até recentemente, os reflexos eram sistemas parecem submeterem-se constantemente a mu-
vistos como unidades fundamentais do comportamento danças, sendo, portanto, dinâmicos. É a interação desses
motor, das quais evoluíam movimentos voluntários e ações sistemas dinâmicos que promovem o desenvolvimento das
especializadas. O trabalho de Milani-Comparetti sobre a habilidades motoras.
interpretação dos movimentos fetais dentro do útero re- Os terapeutas que olhavam formalmente para o siste-
presenta uma crescente tendência a rejeitar modelos de ma nervoso como um controlador do desenvolvimento das
desenvolvimento humano que não reconhecem a capaci- habilidades motoras estão agora reconhecendo as in-
dade fundamental e primária do indivíduo de gerar com- fluências de outros fatores, como o tamanho do corpo, a
portamentos. Esse reconhecimento da autocriação de mo- motivação e o contexto ambiental no qual as habilidades
vimentos é denominado conceito de organismo ativo. Isso ocorrem, como importantes agentes de mudanças do de-
substitui a visão tradicional de que o feto e o bebê são senvolvimento. As teorias dos sistemas estão tornando-se
incapazes de gerar movimentos e rejeita a teoria de que cada vez mais conhecidas e estão começando a guiar pes-
um indivíduo novo seja um ser reflexo, dependente de quisas de fisioterapeutas. Esta mudança para novas teo-
estímulos externos para ativar o sistema motor — um or- rias promete levar a uma maior compreensão de como as
ganismo passivo. habilidades motoras evoluem, não apenas durante a pri-
O conceito de organismo passivo tem permeado mui- meira infância, mas também durante a infância e a ado-
tas teorias de tratamento na fisioterapia, com facilitação lescência.
e inibição de reflexos como resultado desse conceito. Por
muitos anos, os procedimentos de facilitação eram as prin-
cipais ferramentas que os terapeutas usavam para reme-
diar incapacidades de movimento. Recentemente, entre-
tanto, os terapeutas têm dado crescente importância aos
! BIBLIOGRAFIA E LEITURAS
RECOMENDADAS
movimentos gerados pelos pacientes. Uma ênfase no en-
Albinson IG, Andrew GM, eds. Child in Sport and Physical Activity.
sinamento e no aprendizado de habilidades motoras está Baltimore: University Park Press; 1976.
substituindo as tradicionais abordagens de facilitação. O Asher C. Postural Variations in Childhood. Boston: Butterworths;
aprendizado requer do indivíduo uma participação ativa, 1975.
recebendo e interpretando respostas e gerando ações cor- Bayley N. Bayley Scales of Infant Development. New York: Psycholo-
gical Corp; 1969.
retivas.
Bly L. Motor Skills Acquisition in the First Year. Tucson: Therapy Skill
Em associação ao reconhecimento do papel dos pa- Builders; 1994.
cientes na geração de atividades, tem havido um crescen- Bobath B. Abnormal Postural Reflex Activity Caused by Brain Lesions.
te reconhecimento do papel do paciente na determinação London: Wm Heinemann Medical Books Ltd; 1965.
dos objetivos e dos resultados da fisioterapia. Para crian- Campbell SK. Understanding motor performance in children (section
one). In: Campbell SK, ed. Physical Therapy for Children. Phi-
ças mais novas, isso significa que os familiares devem as- ladelphia: WB Saunders; 1994.
sumir um maior papel na determinação dos objetivos do Caplan F. The First Twelve Months of Life. New York: Bantam; 1995.
tratamento e na continuação dos procedimentos do trata- Casaer P. Postural Behavior in Newborn Infants. Philadelphia: JB Lip-
mento para suas crianças. Essas pessoas em tratamento pincott; 1979.
são menos passivas e mais ativas agora do que se espera- Cech D, Martin ST. Functional Movement Development Across the Life
Span. Philadelphia: WB Saunders; 1995.
va que fossem no passado. Corbin CB. A Textbook of Motor Development. Dubuque, IA: Little,
Brown & Co; 1973.
Espenschade AS, Eckert HM. Motor Development. 2nd Ed. Colum-
Nova teoria do desenvolvimento bus, OH: Charles E. Merrill Publishing Company; 1980.
motor Falkner F. Human Development. Philadelphia: WB Saunders; 1966.
Gallahue DL. Understanding Motor Development in Children. 3rd Ed.
As teorias contemporâneas não se fundamentam tanto no
Dubuque, IA: Wm C. Brown Pub.; 1997.
SNC como a causa do desenvolvimento motor. Outros sis- Gesell A. The ontogenesis of infant behavior. In: Carmichael L, ed.
temas do corpo, como o sistema musculoesquelético e o Manual of Child Psychology. 2nd Ed. New York: John Wiley &
sistema cardiorrespiratório, também são supostos a de- Sons; 1954.
34 JAN STEPHEN TECKLIN
Gesell A, Ames LB. The ontogenetic organization of prone behavior Payne VG, Issacs LD. Human Motor Development: A Lifespan Approach.
in human infancy. J Genet Psychol 1940;56:247-263. 3rd Ed. Mountain View, CA: Mayfield Publishing Co; 1994.
Haywood K. Life Span Motor Development 2nd Ed. Urbana, IL: Hu- Roberton MA, Halverson LE. Developing Children — Their Changing
man Kinetics; 1993. Movement. Philadelphia: Lea & Febiger; 1984.
Holt KS. Child Development: Diagnosis and Assessment. Woburn, MA: Saint-Anne Dargassies S. The Neuro-motor and Psychoaffective Deve-
Butterworth-Heinemann Medical Books Ltd; 1991. lopment of the Infant. New York: Elsevier; 1986.
Hooker D. The Origin of Overt Behavior. Ann Arbor: University of Shirley MM. The First Two Years: A Study of Twenty-five Babies. Min-
Michigan Press; 1944. neapolis: University of Minnesota Press; 1931.
Humphrey T. Postnatal repetition of human prenatal activity sequen- Short-Deraff MA. Human Development for Occupational Therapists:
ces with some suggestions of their neuroanatomical basis. In: Conception through Adolescence. Baltimore: Williams & Wi-
Robinson RJ, ed. Brain and Early Behavior. Development in lkins; 1988.
the Fetus and Infant New York: Academic Press; 1969. Smolak L. Infancy. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall; 1986.
Jacobs MJ. Development of normal motor behavior. Am J Phys Med. Stockmeyer S. An interpretation of the approach of Rood to the treat-
1967;46:41-51. ment of neuromuscular dysfunction. Am J Phys Med.
Kugler PN, Kelso JAS, Turvey MT. On the control and coordination of 1967;46:900-956.
naturally developing systems. In: Kelso TAS, Clark JE, eds. Tanner JM. Fetus into Man: Physical Growth from Conception to Matu-
The Development of Movement Control and Coordination. New rity. 2nd Ed. Cambridge, MA: Harvard University Press; 1990.
York: John Wiley & Sons; 1982. Touwen B. Neurological Development in Infancy. London: Wm Hei-
Levine MD, et al, eds. Developmental Behavioral Pediatrics. 2nd Ed. nemann Medical Books Ltd; 1976.
Philadelphia: WB Saunders; 1992. Van Sant AF. Life-span motor development. In: Lister M, ed. Contem-
Lowry GH. Growth and Development of Children. 8th Ed. Chicago: porary Management of Motor Control Problems. Alexandria,
Yearbook Medical Publishers; 1986. VA: Foundation for Physical Therapy; 1991:77-84.
MacDonald J. Developmental Ordering of the Movement Patterns in Voss, DE. Proprioceptive neuromuscular facilitation. Am J Phys Med.
Infants Rolling Supine to Prone. Richmond: Virginia Com- 1967;46;83-98.
monwealth University, 1988. Tese. Wickstrom RL. Fundamental Motor Patterns. 3rd Ed. Philadelphia:
McGraw MB. The Neuromuscular Maturation of the Human Infant Lea & Febiger; 1983.
New York: Hafner; 1963. Wyke B. The neurological basis of movement: A developmental review.
Milani-Comparetti A. Pattern analysis of normal and abnormal deve- In: Holt K, ed. Movement and Child Development. Philadel-
lopment: The fetus, the newborn, the child. In: Slaton DS, ed. phia: JB Lippincott; 1975.
Development of Movement in Infancy. Chapel Hill, NC: Uni-
versity of North Carolina, Division of Physical Therapy; 1981.