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Eixo Temático

Ciclos & Séries:


contextos e conceitos
na discussão das práticas
curriculares e avaliativas

Andréa Rosana Fetzner1

Resumo
Este ensaio apresenta algumas reflexões realizadas por ocasião
do II Seminário Impacto das políticas de avaliação externa nos
sistemas municipais de ensino: ensino desseriado e avaliação da
aprendizagem, promovido em maio de 2013, na Universidade
Federal de Juiz de Fora, pelo Grupo de Estudo em Sistema de
Ensino – GESE. Na ocasião tive a oportunidade de assistir a
um significativo levantamento de dados de dez municípios da
Baixada Fluminense, que se preocupava em verificar como as
secretarias de educação estavam (ou não) relacionando-se com
as políticas nacionais implementadas no campo da avaliação.
O GESE apresentou o histórico dos ciclos, os documentos
orientadores encontrados, as propostas de avaliação da
aprendizagem em cada um dos municípios (Duque de Caxias;
Guapimirim; Nilópolis; Mesquita; Niterói; Nova Iguaçu; São
Gonçalo; Queimados; São João do Meriti e Rio de Janeiro) e
dados sobre as políticas do MEC nestes contextos: formação
de professores; Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE
e desempenho nas provas externas. Este ensaio propõe-se a
discutir as políticas e práticas encontradas, questionando o que
entendemos por organização escolar em ciclos e como temos
utilizado as políticas nacionais implementadas no campo da
educação, considerando as necessidades de democratização da
escola e do conhecimento escolar.
Palavras-chave: Ciclos; Políticas educacionais; Avaliação;
Currículo.

1 Prof. Programa de Pós-graduação - UNIRIO. E-mail: akarug@uol.com.br


Andréa Rosana
Fetzner
Definindo um conceito de educação escolar
Existem pessoas reais que estão a ser ajudadas e prejudica­
das dentro destes edifícios. Pensamento positivo e não
confrontar aquilo que poderão ser os efeitos mais poderosos
do sistema educativo não eliminarão este fato.
Apple, 1999.

Para apresentação deste ensaio, considero importante


definir alguns conceitos que embasam minha posição em
relação ao currículo e à avaliação escolar. O primeiro deles,
abrangente e fundamental: o que defino como educação
escolar. O trabalho que tenho desenvolvido, por meio do
auxílio de diversos estudos, especialmente das áreas de
currículo e de políticas educacionais, parte do princípio que
os sentidos da escola seriam: a oportunidade da vivência
de experiências formativas sociais fora das orientações
restritas da família e que contribuem com a formação
de uma sociedade mais plural, em que convivência com
diferentes culturas e percepções de mundo seja exercitada
(conhecimento de outras formas de comportamento social
quanto à religiosidade, por exemplo); o reforço da inserção na
cultura geral de sua nação (língua, costumes, história, entre
outros) e, ainda, formação intelectual nas artes, nas línguas,
na história e em diferentes campos de saber (matemática,
entre estes) que possibilite ao sujeito o exercício de suas
potencialidades e o desenvolvimento (mais pleno possível)
de sua pessoa.
Enfim, o sentido da educação escolar estaria em
cola­bo­rar com o desenvolvimento de experiências sociais e
apren­dizagens que nos possibilitariam um saber diferente
do qual a nossa própria família já tem disponível, que nos
orientasse em relação a um sentido de pertencimento a uma
sociedade e, também, em direção ao desenvolvimento de
nossas próprias potencialidades. O verbo colaborar torna-se
importante aqui porque é necessário compreender o papel
da escola como complementar a um processo de educação
e socialização que ocorre na sociedade desde o nascimento
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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nov 2012 / fev 2013 da pessoa.
Embora estes sentidos sejam ampla­men­te proble­mati­ Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
záveis, especialmente se confrontados com os movimentos das práticas curriculares e
avaliativas
de exclusão e humilhação gerados e/ou reproduzidos na
escola (negação de culturas específicas em seus aspectos
linguísticos, corporais ou artísticos, por exemplo) é impor­
tante situar de qual perspectiva política e pedagógica analiso
a escola, pois é com esta percepção que tenho abordado o
currículo e a avaliação escolar.
A escola, no sentido que a percebo, no lugar de definir
as pessoas que pretende formar, abriria, a estas pessoas,
possibilidades de formarem-se frente à sociedade de que par­
ticipam, à família, e aos seus desejos individuais. O problema
que mobiliza este ensaio, e minha participação no II Semi­
nário do GESE, pode ser resumido na percepção de uma
redução da escola, no que se refere aos sentidos anteriormente
apresentados. Esta redução da escola parece ser operada por
um conjunto de políticas educacionais, denunciadas há mais
de vinte anos, que atuam na perspectiva do engessamento
curricular, por meio das tentativas de subordinação da escola à
preparação dos alunos para assimilação de conteúdos escolares
desligados de sentido social, cultural ou estético significativo.
As classes populares parecem ter, sistematicamente,
suas linguagens, comportamentos e práticas negadas na
es­cola e, muitas vezes, valores sociais de solidariedade,
participação e bem viver menosprezados.
O texto aqui apresentado busca trazer a discussão
sobre como as políticas de avaliação externa podem
contribuir com o engessamento curricular e a consequente
redução da escola. Para não deter-me apenas na denúncia
das práticas que reduzem o sentido da escola, também trago
algumas reflexões sobre o que seriam práticas de avaliação
dialogadas. As pesquisas das quais tenho participado e que
contribuem com o trabalho desenvolvido são financiadas
pela FAPERJ, e desenvolvem-se em colaboração, em especial,
dos professores Antonio Flavio Moreira e seu grupo de
pesquisa (UCP), Maria Teresa Esteban (UFF/GRUPALFA)
e Claudia Fernandes, juntamente ao grupo de pesquisa que
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Educ. foco, Juiz de Fora,

coordenamos (GEPAC/UNIRIO). v 17 n. 3, p. 13-33


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Andréa Rosana
Fetzner
O currículo e as avaliações nacionais

Apple (2008) argumenta que “por trás das justificativas


educacionais para um currículo e um sistema de avaliação
nacionais, está uma perigosíssima investida ideológica. Seus
efeitos serão verdadeiramente perniciosos àqueles que já têm
quase tudo a perder nesta sociedade.” (p.62). Para entender
estas consequências perniciosas, o autor indica a necessidade
de percebermos estas políticas dentro de um conjunto de ações
propostas pelo que ele chama de restauração conservadora.
O principal argumento para a adoção de um currículo
nacional foi (em nações como Inglaterra e Estados Unidos,
por exemplo) a ideia de que esta ação poderia elevar o nível
das escolas e responsabilizá-las sobre o sucesso ou o fracasso
de seus alunos. O mesmo movimento por uma restauração
conservadora aparece em redes municipais e/ou estaduais de
educação no Brasil e, parece-me, exige uma reflexão profunda.
Com relativa frequência, mídias e governos se voltam
contra a escola, como se fosse ela a responsável pelo
(suposto) desgoverno em que vivemos e pela desesperança
geral na possibilidade de melhoria das relações sociais e, entre
estas, das relações de produção.
Pouco se aponta sobre esta falta de sentido dos
saberes propostos na escola, evidenciados frente ao mundo
contemporâneo e sobre estas fragilidades, mas muito se
indica sobre a falta de produtividade e a necessidade de
competição como forma de superação da própria condição.
No que se refere às escolas, a solução apontada, muitas
vezes em uníssono entre mídia, governos e determinados
grupos sociais, dirige-se a ações de regulação sobre a escola
(choque de gestão, choque de ordem, programas de qualidade,
ou similares), que tentam enquadrá-la numa lógica de fun­
cionamento empresarial que não corresponde, por suas
finalidades antes expressas, a um funcionamento possível
(ou que favoreça) o alcance de seus fins.
Se a empresa funciona (dentro de seus parâmetros
do que seja funcionar), com base na competitividade, por
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Educ. foco, Juiz de Fora,

exem­plo, a escola não pode (ou não deveria) tomar este


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princípio porque, na sua razão de ser, encontra-se o princípio Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
e a necessidade social de que ela trabalhe com e para todos. das práticas curriculares e
avaliativas
É o sentido de trabalhar com e para todos que dá a escola a
necessidade de acolher a todos, e, quantos mais ela acolha
(especialmente os considerados mais difíceis, não adequados
ou não necessários ao mercado), mais ela desempenha sua
função social.
Quando pensamos em uma escola em que os pais acom­
panham o desenvolvimento de seus filhos, em que as crianças
têm condições razoáveis de sobrevivência (alimentação,
acompanhamento, mediação familiar), podemos imaginar
que o ensino, embora sempre apresente suas dificuldades,
se dê em condições que possam ser consideradas favoráveis.
Agora, quando trabalhamos com escolas que acolhem
crianças que são as mais excluídas de direitos sociais,
culturais e econômicos, percebemos o quanto é mais difícil o
acolhimento a ser praticado pela escola e, ao mesmo tempo,
o quanto mais importante ele se torna, se entendermos o
direito à escolarização como importante.
As escolas que trabalham com comunidades extre­
mamente prejudicadas pela forma como a sociedade e
as empresas se organizam em torno da produção, são as
mais desafiadas pelo trabalho de acolhimento e precisam
estabelecer (e estabelecem) o trabalho possível de ser rea­
lizado. É difícil imaginar o que seriam critérios ou índices
de produtividade, possíveis de medir o esforço e a dedicação
no acolhimento e na promoção da aprendizagem realizadas
por estas escolas.
Mesmo que consideremos apenas o desenvolvimento
cognitivo em disciplinas específicas (como fazem muitas
redes de ensino), precisamos observar que muitos estudos
cur­riculares têm apontado que aquilo que é ensinado nas es­
colas não é isento de parcialidade epistemológica, ou seja, o
que tomamos como verdade, aquilo que valorizamos como
conhecimentos do currículo e ensinamos como ciência na
escola, são verdades parciais, contextualizadas em um deter­
minado tempo e espaço (mas que não são ensinadas com esta
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Educ. foco, Juiz de Fora,

perspectiva de relativização), referenciadas em determinadas v 17 n. 3, p. 13-33


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Andréa Rosana epistemologias, isto é, a determinadas formas de saber, de
Fetzner
produzir o conhecimento e de tomá-lo como verdadeiro.
A ideia de tomar uma forma de conhecer como a única
forma de conhecer pode ser observada na matemática, por
exemplo, quando acreditamos que ensinar a somar é mais
fácil do que ensinar a dividir (e se consideramos algumas
epistemologias indígenas isto não será válido). Da mesma
forma, conteúdos ensinados sobre a história e a geografia
da África, reduzem e tomam, muitas vezes como universais,
valores, práticas e conhecimentos específicos.
Outra questão, no que se refere à pretensão de um
cur­rículo nacional, está imersa na imensa possibilidade
de temáticas relevantes e necessárias a grupos diversos,
visivelmente percebidos quando pensamos a grandiosidade
geográfica e cultural do Brasil, mas não menos presentes
em países de pequena extensão territorial, como Portugal,
por exemplo.
Além da diversidade epistemológica, existem neces­
sidades muito diferentes entre os grupos sociais: a neces­
sidade de estudar sobre a falta de água, em uma região como
Paraupebas, no Pará, pode ser prioritária, enquanto que,
no Rio de Janeiro, os estudos sobre doenças parasitárias
podem ser emergentes. O que dirá qual o tema ou a questão
pro­blema emergente, em quaisquer das realidades, serão as
necessidades cotidianas, as relações percebidas e os saberes
disponíveis entre professoras e professores e estudantes.
Estudar sobre algo relevante para si e para sua comu­
nidade, apreendê-lo em seu sentido histórico, localizado
geograficamente, parece ser um dos sentidos da escola, e
que não cabe (no desenvolvimento pleno dos sentidos da
escola), nos planejamentos curriculares restritos, descritivos
e fechados.
Conforme anunciava Apple, desde os anos 80, os inte­
resses por um currículo único nacional, pouco se associam
à ideia de melhoria das oportunidades de vida das pessoas,
e muito se empenham “em prover as condições educacionais
tidas como necessárias para não só aumentar a competitividade
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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nov 2012 / fev 2013 internacional, o lucro e a disciplina, mas também para resgatar
um passado romantizado de lar, de família e de escola ideais” Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
(2008, p. 68) das práticas curriculares e
avaliativas
O conhecimento oficial é, sempre, um espaço de con­
flito: discutir currículo implica em perceber cultura e poder
em disputa, conceitos e relações de classe, de raça, de gênero
e de religião implicados nestas disputas (Apple, 1997).
Imprescindível, parece-me, é reconhecer o quanto o currículo
é uma questão de opção, de poder e de cultura: “[...] a decisão
de definir alguns conhecimentos de grupos como válidos para
serem transmitidos às gerações futuras, enquanto que a história e
a cultura de outros grupos dificilmente vêem a luz do dia, revela
o modo como o poder opera na sociedade” (Apple, 1999, p. 9)
Analisando a reforma curricular na Grã-Bretanha,
Goodson (2008) aponta que os resultados de uma política
de Cur­rículo Nacional gerou de um lado, que um número
maior de crianças obtivesse resultados melhores na escala
avaliativa, mas, do outro lado da mesma escala percebeu-se:

“[...] uma onda crescente de insatisfação e reprovações na


medida em que as estruturas de avaliação são mais estreitas.
Aqueles que não têm sucesso em um regime de padrões de
qualidade são cada vez mais visivelmente estigmatizados e
marginalizados. Os números da evasão escolar e da baixa
frequência formam um quadro que claramente mostra a
decadência de uma busca precipitada de mercadização e de
reformas altamente reguladas do currículo e da avaliação.”
(p. 25)

Outra face de uma mesma reforma são as avaliações


padronizadas. O argumento por um currículo nacional torna-
se prática escolar por meio destas avaliações. E, quanto mais
ava­liação padronizada se pratica, mais o currículo escolar
parece ser unificado, e o sentido da escola reduzido.
No Brasil, o que temos observado em diferentes
pesquisas é a produção do fracasso escolar pela própria escola.
Crianças que resolvem problemas cotidianos complexos,
que lidam constantemente com situações de stress, tanto na
comunidade em que vivem quanto na escola, e que aprendem
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Educ. foco, Juiz de Fora,
muito rápido o que lhes ensinam oralmente na família e na v 17 n. 3, p. 13-33
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Andréa Rosana escola, por apresentarem dificuldades em responder ao que
Fetzner
lhes pedem as avaliações padronizadas, são rotuladas de
incompetentes para o estudo escolar (Patto, 1999; Moysés,
2001; Esteban, 2002; Tura, 2000).
É neste sentido que tenho percebido a avalanche
de avaliações externas reduzindo o papel da escola e con­
tribuindo para o engessamento curricular. No exemplo a
seguir, podemos verificar como a simples correção da resposta
não contribui com a aprendizagem de determinado conteúdo
escolar.
Leandro2 é um dos meninos que foi acompanhado
por um grupo de estagiárias de Pedagogia, em uma escola
municipal de uma das maiores redes públicas de ensino da
América Latina. Com 9 anos, Leandro participou, durante
o ano de 2009, de uma oficina, com duas horas semanais
de duração, oferecida em sua escola, por estagiárias da
Uni­versidade. A proposta das oficinas foi oferecer um
trabalho diferenciado aos estudantes que, indicados por suas
professoras, precisariam de um atendimento específico pa­
ra progredirem nos estudos. Ele frequentava regularmente
uma turma de terceiro ano do ensino fundamental e já tinha
sido reprovado uma vez na escola. Além de uma prova do 3º
bimestre, do terceiro ano de escolaridade, que foi elaborada
na Secretaria Municipal de Educação da cidade e aplicada a
to­dos os alunos do terceiro ano da rede (avaliação externa,
da rede municipal), possuo oito trabalhos realizados por ele
nas oficinas3.
Na prova realizada em outubro de 2009, Leandro acertou
apenas quatro questões de vinte e cinco. Duas questões foram
respondidas corretamente em português e duas questões
em matemática. Nos trabalhos diversificados, apresentados
na forma escrita, realizados nas oficinas, o mesmo menino
demonstrou ser capaz de desenhar a si mesmo; listar suas

2
Apenas o nome do aluno é fictício.
3
Os trabalhos e os relatórios de estágio foram cedidos para a pesquisa
“Conhecimento escolar: processos de inclusão e exclusão, movimentos
20 curriculares e práticas avaliativas da escola de ensino fundamental” (2009-2011),
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nov 2012 / fev 2013 coordenada por mim na UNIRIO/RJ.
características e as características de um colega (com troca Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
de letras e necessidade de sistematização das chamadas das práticas curriculares e
avaliativas
dificuldades ortográficas); listar produtos recortados de um
encarte de supermercado; distinguir diferenças entre o mundo
que temos e o mundo que queremos; identificar o tempo de
decomposição de materiais como papel, pano, chiclete, latas
e vidro; distinguir lixo orgânico de lixo inorgânico; selecionar
materiais de acordo com as categorias vidros, plásticos, metais,
papéis e restos de alimento; avaliar atitudes positivas e negativas
na relação com o ambiente.
Nos trabalhos realizados na oficina, é possível
perceber que Leandro ainda apresenta muito a aprender
na sistematização da escrita, e dificuldades com cálculos,
mas, o que se pode concluir da observação das atividades
realizadas nas oficinas, é que o aluno sabe muitas coisas e
não apresenta dificuldade de entendimento dos conteúdos
estudados. Todavia, nas provas padronizadas, seu resultado
é muito ruim (quatro questões certas, em vinte e cinco das
propostas).
Analisando a prova aplicada a todos os alunos de
seu ano de escolaridade, na rede de ensino em que estuda
(no 3º bimestre de 2009), percebe-se um conjunto de
atividades que são apresentadas buscando informação sobre
a capacidade do aluno de perceber um horário em um relógio
com ponteiros; identificar qual o menor número em uma
série de números entre 138 e 831; resolver um problema
que envolve multiplicação; contar moedas e representar o
resultado em cédulas de dinheiro; interpretar um gráfico;
operar com frações; identificar o número ausente em uma
lacuna numérica; identificar a centena em um numeral;
subtrair com empréstimo; resolver problemas utilizando
adição com transporte.
Na segunda parte da referida prova, em língua por­
tuguesa, as questões propunham interpretação de diver­
sos textos pequenos, de diferentes categorias textuais;
interpretação de legendas em um calendário e interpretação
de desenhos. As atividades propostas, tanto em matemática
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Educ. foco, Juiz de Fora,

quanto em língua portuguesa, são exercícios a serem v 17 n. 3, p. 13-33


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Andréa Rosana realizados de forma independente das operações e usos
Fetzner
individuais (Certau, 2008) que os leitores possam fazer
dos textos e problemas e sem a consideração das ligações
e trajetórias variáveis dos praticantes (idem) em relação aos
textos e contextos propostos.
Transcrevo, a seguir, duas questões que Leandro não
conseguiu acertar (entre tantas outras) na prova do 3º bimestre:

Marli comprou 5 sacos de bombons. Cada saco tem 6


bombons. Quantos bombons ela comprou ao todo?
11.
25.
30.
35.
(Prova do 3º bimestre, período final do ciclo, 2009, questão 3)

Um GRANDE encontro!
Há 17 anos, o mergulhador Marco Queral se dedica à
fotografia submarina.
Marcos teve um encontro impressionante com uma baleia
Jubarte, a 15 metros de profundidade, no Oceano Pacífico!
Conversando com um jornalista, Marcos declarou: – Na
minha opinião, elas (as baleias) decidem se eu posso tirar
fotos delas ou não, porque, geralmente, as baleias são
tímidas e cautelosas com os seres humanos.
Fonte: http://robertoff.sites.uol.com.br/baleia.gif
O trecho que indica uma opinião é
“... elas (as baleias) decidem se eu posso tirar fotos delas
ou não”.
“... o mergulhador Marcos Queral se dedica à fotografia
submarina”.
“Conversando com um jornalista, Marcos declarou: ...”
“Marcos teve um encontro impressionante...”
(idem, questão 15)

Na questão 3, Leandro marcou a alternativa “A”, quando


deveria ter marcado a alternativa “C”, na questão 15, marcou
a alternativa “D”, quando deveria ter marcado a opção “A”.
Observando a alternativa “A” da questão 3, é possível
que Leandro tenha somado os dois números citados no
problema, concluindo que cinco mais seis são onze. Mas
22 só o que nos poderia dizer se ele fez este raciocínio, é se
Educ. foco, Juiz de Fora,
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ele pudesse explicar qual lógica seguiu e se leu o problema Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
todo (é possível que não, uma vez que ele apresenta muitos das práticas curriculares e
avaliativas
erros na escrita, poderia ter dificuldades de leitura e, por
consequência, resistência à leitura). Assim como é possível
que nenhuma destas possibilidades que levantei estejam
corretas. Um dos problemas que se acrescem aos anteriores
quando pretendemos discutir a utilidade das avaliações
padronizadas, aplicadas massivamente, é que estas avaliações,
muitas vezes, não viabilizam que a professora reconheça o
raciocínio que o estudante realiza na solução do proble­ma
e, portanto, não oportunizam que ela identifique qual é a
me­diação necessária para que ele avance do lugar em que
se encontra. São avaliações que, além de excluir saberes,
humilhar pessoas, promover uma avaliação equivocada
da qualidade social do trabalho desenvolvido pelas esco­
las, congelam o saber no lugar onde ele é flagrado, fora do
movimento do ato de conhecer.
A questão 15 apresenta, também, características que
pouco dizem sobre os saberes e as capacidades de com­
preender de Leandro: se ele leu todo o texto (o que não
temos como saber), pode ser que ele tenha interpretado
que a frase “Marcos teve um encontro impressionante...” seja
a opinião de quem escreveu o texto, ou mesmo que o título
“Um GRANDE encontro” indique que a opinião do autor
é de que este grande encontro foi impressionante, embora a
resposta explícita no texto seja o que vem escrito depois de
“– Na minha opinião, ...” (alternativa “A”).
Retomando, mais uma vez, as contribuições de Apple
(1999), existe a necessidade de que, em reconhecendo-se o
caráter ideológico, epistemologicamente parcial do currículo
escolar, promovamos a denúncia das políticas, estratégias e
táticas que são cerceadoras do processo democrático no qual
“todas as pessoas – não apenas as que são os guardiões intelectuais
da tradição ocidental – se podem envolver no processo deliberativo
sobre aquilo que é importante.” (grifo do autor, p. 15)
No caso aqui relatado, a política pública (proposta)
de avaliar para promover a qualidade, oculta a parcialidade
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Educ. foco, Juiz de Fora,

da avaliação e o conceito de qualidade a que está filiada a v 17 n. 3, p. 13-33


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Andréa Rosana política. Práticas avaliativas são necessárias e imprescindíveis,
Fetzner
nos­sa discussão está na prática avaliativa que, por meio de
uma padronização, nega saberes, rotula e classifica pes­soas
e, ainda, cria resistências ao processo de aprendizagem em
desen­volvimento. A qualidade da educação, em nosso pon­to
de vista, não pode abrir mão da participação dos envolvidos
na elaboração e no acompanhamento do processo e, também,
do diálogo com seus saberes e cultura.
Ainda conforme Apple (1999), este processo demo­
crático precisa da criação das condições necessárias para que
todas as pessoas participem na criação e recriação de sig­
nificados e valores com os quais a escola trabalha. Não seria
por meio da classificação das melhores e das piores escolas
que estas condições necessárias seriam criadas.
O processo democrático é um saber imprescindível
para qualificação da vida, das relações das pessoas entre si
e com o ambiente. Este processo democrático de diálogo
com outros conhecimentos e formas de aprender, bem
como a construção coletiva de objetivos e estratégias para
alcan­ce dos mesmos, estão sufocados pela padronização e
descontextualização que as avaliações padronizadas impõem.
Duas ideias complementares têm contribuído na
possibilidade de pensarmos outra sociedade possível: o bem
viver e o bem estar coletivo. O bem viver pode ser com­
preendido como uma filosofia que enfatiza as relações equi­
libradas, harmônicas, equitativas e solidárias entre humanos e
com a natureza (entendendo-se que os humanos fazem parte
da natureza); a dignidade de cada ser humano e a necessária
interrelação entre seres, saberes, culturas, racionalidades e
lógicas de pensar, atuar e viver (Walsh, 2009).
O bem estar coletivo implica em estar bem consigo
mesmo e com tudo o mais: a família, a comunidade, a socie­
dade, os ancestrais, a natureza, enfatizando a promoção da
humanidade e pensando o desenvolvimento em consideração
da humanidade e do planeta, e apontando, como valores, a com­
plementaridade, a relacionalidade e a unidade na diver­sidade,
a autodeterminação, a solidariedade e a conexão fundamental
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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nov 2012 / fev 2013 entre sociedade e natureza (idem).
Práticas curriculares dinâmicas e críticas, representadas Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
em algumas experiências que trabalham com a organização do das práticas curriculares e
avaliativas
ensino por meio de problemas, temas geradores ou com­plexos
temáticos, por exemplo, costumam priorizar a rea­lidade como
articuladora dos estudos, a pesquisa como meto­dologia e as
avaliações participativas como forma de acompanhamento
dos processos de aprendizagem e de educação escolar.
As práticas de avaliação dialogadas, que incluem o
diálogo desde a busca dos conteúdos do ensino (Freire,
1975), são incompatíveis com o ranking de escolas e impra­
ticáveis quando a intenção é subordinar pessoas e seus
saberes. O que tenho encontrado, no trabalho e na pesquisa
com as escolas de ensino fundamental, é que casos como de
Leandro são muitos e estão cotidianamente a nos desafiar.
Como podemos dizer que ele é um analfabeto funcional, ou
uma criança que não aprende na escola, quando ele demonstra
saber tanto e sobre tantas coisas? E como uma política
pública têm se alastrado pelas redes de ensino, autorizando-
se a dizer que eles (Leandro, e tantos outros) não aprendem
e que sua escola não lhes ensina?
Se o sentido da educação escolar for entendido como
colaboração para que nossas experiências e aprendizagens
sejam reconhecidas, valorizadas, ampliadas e aprofundadas,
assim como a potencialização de nosso pleno desenvolvimento
e bem viver coletivo, precisamos repensar e denunciar, mais
uma vez, estas práticas e estas políticas que nos submetem
a modelos que vêem a aprendizagem como uma apreensão
reduzida de informações.
Se considerarmos valores fundamentais a solidariedade, a
participação e bem viver, a escola parece ter um papel importante
na reflexão sobre os critérios de avaliação e suas metodologias,
e sobre as intencionalidades curriculares de homogeneização e
padronização. Na diversidade, na pluralidade, no fazer coletivo
e na priorização da vida sobre o mercado, estejam, talvez,
algumas pistas para vivermos melhor.
A escola tem se posicionado quanto a sua função
social, em seus projetos político-pedagógicos e em muitos
25
Educ. foco, Juiz de Fora,

discursos docentes, como uma instituição voltada para a v 17 n. 3, p. 13-33


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Andréa Rosana vivência da cidadania, da participação e do pensamento
Fetzner
crítico. Precisamos refletir sobre como ela tem agido em
relação a estas políticas implementadas sobre o seu cotidiano,
geralmente acompanhadas de um determinado discurso de
qualidade da educação, que se afirma de valores de mercado e
que gera, conforme algumas das pesquisas que nos apoiamos
neste trabalho, exclusão e distanciamento entre os incluídos
em determinada forma de pensar e fazer e os excluídos das
formas consideradas legítimas.

Diversidades nos conceitos de ciclos

O conjunto de propostas de organização em ciclos


apre­s entadas no II Seminário do GESE possibilitaram
perceber a diversidade dos conceitos de ciclos, ou talvez, um
pos­sível desconhecimento, no momento das implementações
da política em diferentes municípios, das diferenças entre
ciclos, séries e promoção continuada.
Entendo como organização seriada da escola o
conjunto de conteúdos que, previstos para serem assimilados
em um ano letivo, constituem a diferença entre os anos
esco­lares e, assim, estruturam as turmas na escola. Ou seja,
o que faz a primeira série ser diferente da segunda, e assim
su­cessivamente, são os conteúdos que compõem as séries. O
que faz uma criança estar na segunda série e não na primeira
são os conteúdos que ela supostamente adquiriu.
Uma forma não seriada de organização da escola
pode ser o agrupamento dos estudantes por projetos de
tra­balho. Uma enturmação escolar que não se baseia nos
con­teúdos anteriores adquiridos e também não se organiza
com base na idade dos estudantes, mas nos seus interesses,
fren­te ao que a escola oferece como opção curricular. É o
caso do Instituto Lumiar, por exemplo, apresentado no
Livro Escolas sem sala de aula (Semler; Dimenstein e Costa,
2004), pelo seu idealizador, o empresário Ricardo Semler. No
Instituto, as crianças participam das atividades que escolhem,
em agrupamentos não etários, de acordo com os projetos
26
Educ. foco, Juiz de Fora,

propostos pelos professores. As escolas que agrupam as


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nov 2012 / fev 2013
crianças por projetos não seguem um roteiro de conteúdos, Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
previamente estabelecido, a ser adquirido em um ano letivo. das práticas curriculares e
avaliativas
Outra forma não seriada de agrupamento escolar
é representada pela organização em ciclos de formação.
Resumidamente, esta forma de agrupamento escolar prioriza
o agrupamento etário. Seus argumentos recorrem a Vygotski
(1996) e a Wallon (1995), por exemplo, e defendem que
a enturmação por idade é mais eficaz para promoção da
aprendizagem. Entre os motivos da sua eficácia estaria o fato
de que é importante a convivência, em uma mesma sala de
aula, de crianças com saberes diferentes, pois é no trabalho
coletivo (na diversidade de saberes) que aprendemos o que
não sabemos; é importante considerar que uma criança de
sete anos e um adolescente de quatorze anos, mesmo que os
dois não saibam ainda ler ou escrever, precisam conviver com
pares em idade aproximada para que possam se constituir como
pessoas, com suas diferenças e semelhanças, seus conflitos e sua
forma particular de ver o mundo. Da mesma forma, a escola, ao
propor seu trabalho, precisa considerar que estas duas pessoas
precisam chegar em lugares diferentes da aprendizagem ao
apresentarem um contexto de idade diferente. A motivação,
o apoio, a problematização a serem oportunizadas pela escola
aos seus estudantes implica em reconhecer aspectos sociais,
cognitivos e afetivos de sua idade4.
Os ciclos podem ser entendidos como formas não
seriadas de organização da escola, mas algumas políticas
educacionais os tratam como um misto entre agrupamento
etário e conteúdos a serem adquiridos. Talvez aqui comece um
dos questionamentos à proposta. Os ciclos de alfabetização,
na década de 80, após a ditadura militar no Brasil, baseados
nos estudos que tencionavam as escolas a compreenderem a
leitura e a escrita como um processo de construção que não
volta atrás, problematizavam as reprovações que entendiam a
alfabetização como processo linear que, não tendo ocorrido
em um determinado tempo, precisaria ser repetido (também
de forma linear). Esta premissa, de que a reprovação durante

27
Educ. foco, Juiz de Fora,
v 17 n. 3, p. 13-33
4
Ver KRUG (2001). nov 2012 / fev 2013
Andréa Rosana o processo de alfabetização seria desnecessária, fez com
Fetzner
que o período, tal qual o nome se refere, fosse entendido
como um tempo de alfabetização na escola e não como
um tempo de infância em processos de alfabetização. Este
entendimento talvez tenha sido a base da associação dos
ciclos a um determinado processo (ou conteúdos) que devem
ser desenvolvidos ou assimilados em determinado período.
Os ciclos de aprendizagem, citados nos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs de 1996, também faziam tal
associação: as antigas séries anuais passaram a ser chamadas
de ciclos e ter a duração de dois anos. Em que pese a reforma
curricular implementada pelos PCNs, a ideia de que organizar
a escola em ciclos era indicar um conjunto de conteúdos a
ser desenvolvido a cada dois anos.
Os ciclos de formação, conceito adotado pela Escola
Cidadã em Porto Alegre, em 1995, eram definidos com
base na ideia de que todas as crianças precisariam entrar na
escola e nela aprender durante os nove anos da escolarização
fundamental, em agrupamentos com seus pares em idade
aproximada, e tendo o currículo construído por meio da
pesquisa na comunidade, considerando-se assim, os problemas
sociais e as especificidades da infância (agrupamentos de
crianças entre 6 e 8 anos); da pré-adolescência (entre 9 e 11
anos) e da adolescência (entre 12 e 14 anos).
Para que os ciclos fossem a forma de agrupamento escolar
de fato adotada, seriam necessários: o planejamento coletivo
na escola, e entre os professores que trabalham com cada
ciclo; a organização dos tempos escolares de forma con­tínua
e não em períodos letivos curtos (50 ou 60 minutos de aula,
por exemplo, eram substituídos por turnos de trabalho com
determinado estudo); espaços de aprendizagem diferenciados
voltados para dar conta das necessidades de apren­dizagem
dos alunos (Laboratórios de aprendizagem, salas de recursos,
salas de línguas estrangeiras e artes); incen­tivo das trocas de
experiências entre alunos com saberes diferentes; práticas
avaliativas coletivas e direcionadas para o conjunto da escola
(Fetzner, 2009).
Tomando-se o conceito de ciclos de formação de Porto
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Educ. foco, Juiz de Fora,
v 17 n. 3, p. 13-33
nov 2012 / fev 2013 Alegre como referência, muitas propostas de agrupamento
escolar em ciclos podem ser problematizadas, inclusive as Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
que entendem que o agrupamento etário seria suficiente para das práticas curriculares e
avaliativas
dar conta das aprendizagens escolares.

Uma nova onda de esfriamento do conceito:


as avaliações externas

Todos os municípios estudados demonstram que as


avaliações externas os afetam, ou são levados a considerar
os resultados nos exames como indicador da qualidade da
escola. A implementação dos exames tem sido uma política
promovida por meio do Programme for International Student
Assessment – PISA (Programa Internacional de Avaliação dos
Estudantes), proposto pela Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico – OCDE, e que provocam
uma onda de exames tomados como preparadores para
desempenhos melhores. O grau de adesão à política de
exames parece variado entre os municípios estudados: desde
políticas monetárias de incentivo a melhores resultados nos
testes (grau alto de adesão), até a minimização dos resultados,
sem discussão ou crítica (grau baixo de adesão).
Do ponto de vista da implementação dos ciclos, o fato
da reprovação escolar ser permitida de forma restrita a deter­
minados anos de escolaridade, tem influenciado para que
o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB
fique maior, mesmo que o rendimento, avaliado por meio
dos testes padronizados para toda uma rede de ensino, não
tenha apresentado avanço significativo.
A questão colocada na discussão do seminário versou
sobre o impacto que as avaliações externas podem ter nas
prá­ticas escolares conservadoras. A sucessiva preparação
pa­ra realização das provas (por meio de novas provas do
muni­cípio e do estado, além das avaliações nacionais) tem
gera­do superação ou reforço das práticas conservadoras?
De onde vem o desejo de medir o conhecimento? Existem
outras formas possíveis de pensar a escola, fora do discurso
de Jomtien e do PISA? Estas questões provocam tomar como
29
Educ. foco, Juiz de Fora,

entendimento a necessidade de que a educação seja percebida


v 17 n. 3, p. 13-33
nov 2012 / fev 2013
Andréa Rosana em seus aspectos cotidianos e macro, recolocando o sentido
Fetzner
da educação escolar.
Tomando o sentido da educação escolar como
complementar a nossa inserção social e potencializadora de
nosso desenvolvimento o mais pleno possível, podemos dizer
que ele será sempre localizado em nossas experiências, grupos
sociais e desejos individuais. Do ponto de vista do processo
de aprendizagem, como consequência desta compreensão, as
propostas avaliativas que pretendem medir o conhecimento
por meio de testes padronizados servem para reforçar a ideia
de que existem conhecimentos universais a serem aprendidos
e formas únicas de demonstração/comprovação de sua
aquisição, ao menos é o que se entende quanto os municípios
e estados adotam a prática da avaliação do desempenho em
larga escala, buscando melhorar seus índices nas provas
nacionais. O desejo de medir o conhecimento é fomentado
pela OCDE por meio do PISA, as avaliações nacionais
intensificam os conceitos que o sustentam (produtividade,
competitividade, escola como espaço para preparar para o
trabalho). Pensar a escola fora dos padrões OCDE/PISA,
implica em pensa-la localmente e socialmente como espaço
muito mais importante do que preparar para provas.

O que retomar, a título de conclusão

Neste ensaio apresentei o que considero como sentido


da escola: colaborar com o desenvolvimento de experiências
so­ciais e aprendizagens que nos possibilitariam um saber
dife­rente do qual a nossa própria família já tem disponível;
a inser­ção em conhecimentos e práticas sociais comuns a
nos­sa sociedade e o desenvolvimento mais pleno possível
de nossas potencialidades.
No exercício de olhar a escola e a política avaliativa a
que ela está submetida, tenho percebido uma redução deste
sen­tido da escola, uma vez que a restauração conservadora
(Apple, 2008) toma força por meio de avaliações externas
padronizadas, que classificam as instituições entre as
30
Educ. foco, Juiz de Fora,

melhores e a piores e engessam as propostas curriculares.


v 17 n. 3, p. 13-33
nov 2012 / fev 2013
As políticas avaliativas que se estabelecem sobre as Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
escolas não apenas as classificam, qualificando algumas e das práticas curriculares e
avaliativas
desqualificando outras, mas também classificam, quali­
ficam e desqualificam pessoas e saberes. Precisamos de
outros critérios e outros parâmetros para avaliar nosso
desenvolvimento.
Minha percepção é de que muitas das escolas que hoje
são desqualificadas por meio da avaliação externa realizam o
trabalho escolar mais difícil, ao trabalhar com as pessoas que
se encontram em condições mais cruéis de sobrevivência.
Da mesma forma, trago minhas observações sobre um
dos alunos que, submetido a uma avaliação por meio de uma
prova padronizada, obtém quatro acertos em vinte e cinco
questões. Minhas observações sobre outros trabalhos rea­
lizados pelo mesmo aluno descrevem muitos de seus saberes
e problematizam o seu resultado na avaliação externa, bem
como o que é considerado certo e o que é considerado errado
no instrumento de avaliação e a utilidade destes resultados
para sua aprendizagem.
Trazendo algumas pesquisas sobre as consequências
da aplicação de testes padronizados (Apple, 1999 e 2008 e
Goodson, 2008), e sobre a produção do fracasso escolar na
pró­pria escola (Patto, 1999; Moysés, 2001; Esteban, 2002;
Tura, 2000), indico que os princípios de solidariedade, par­
ticipação e bem viver (Walsh, 2009), são argumentos a serem
retomados, na defesa de uma escola que faça sentido para o
pleno desenvolvimento das pessoas.

Referências

APPLE, Michael W. A política do conhecimento oficial: faz


sentido a ideia de um currículo nacional? In MOREIRA,
Antonio Flavio e SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo, Cultura
e Sociedade. 10ª Ed. São Paulo: Cortez, 2008. p. 59-91.
APPLE, Michael W. Conhecimento oficial: a educação
democrática numa era conservadora. Petrópolis: Vozes, 1997.
APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. Porto, Portugal:
31
Educ. foco, Juiz de Fora,
v 17 n. 3, p. 13-33

Porto Editora, 1999.


nov 2012 / fev 2013
Andréa Rosana CERTAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de
Fetzner
fazer. 14ª. Ed. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:
Vozes, 2008.
ESTEBAN, Maria Teresa. O que sabe quem erra? Reflexões
sobre avaliação e fracasso escolar. 3ª. Ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2002.
FETZNER, Andréa R. A implementação dos ciclos de Formação
em Porto Alegre: para além de uma discussão do tempo-espaço
escolar. Rev. Bras. Educ. 2009, vol.14, n.40, pp. 51-65.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 2ª. Ed. Textos 5.
Afrontamento/Porto. 1975.
GOODSON, Ivor F. As políticas de currículo e de escolarização.
Trad. Vera Joscelyne. Petrópolis: Vozes, 2008.
KRUG, Andréa. Ciclos de formação: uma proposta
transformadora. Porto Alegre: Ed. Mediação, 2001.
MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso. A institucionalização
invisível: crianças que não-aprendem-na-escola. Campinas:
Mercado das Letras; São Paulo: Fapesp, 2001.
PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso
escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 1999.
SOUZA, Márcia Roberta C. de., SANTOS, Maria do Socorro
L., LEITE, Milena de Queiroz. Relatório de Estágio e trabalhos
dos alunos. UNIRIO, 2009, não publicado.
TURA, Maria de Loudes Rangel. O olhar que não quer ver:
histórias da escola. Petrópolis: Vozes, 2000.
VYGOTSKI, Lev. S. Obras escogidas: psicología infantil.
Tomo IV. Madrid: Visor, 1996.
WALLON, Henry. As origens do caráter na criança. São Paulo:
Nova Alexandria, 1995.
WALSH, Catherine. Interculturalidad, estado, sociedade:
luchas (de)coloniales de nuestra época. Quito: Ediciones
32 Abya-Yala/Universidad Andina Simón Bolívar. 2009.
Educ. foco, Juiz de Fora,
v 17 n. 3, p. 13-33
nov 2012 / fev 2013
C ycles and series : contexts and concepts Ciclos & Séries: contextos
e conceitos na discussão
das práticas curriculares e
in the discussion of curriculum practices avaliativas

evaluative

Abstract
This paper presents some reflections made on the occasion
of the II Seminar Impact of policies external evaluation
in municipal systems education, held in May 2013 at the
Federal University of Juiz de Fora, by Study Group System
Teaching - GESE. On occasion I had the opportunity
to attend a significant data collection ten municipalities
of the Baixada Fluminense, who cared to see how the
education departments were (or not) linking up with
national policies implemented in the evaluation field.
The GESE presented the historical cycles, the guiding
documents found, proposals for evaluation of learning in
each of the municipalities (Duque de Caxias, Guapimirim,
Nilópolis, Mesquita, Niterói, Nova Iguaçu, São Gonçalo,
Queimados, São João de Meriti and Rio de Janeiro)
and data on the policies of the MEC in these contexts:
teacher training; School Development Plan - PDE and
performance in external tests. This essay proposes to discuss
policies and practices found, questioning what we mean
by school organization in cycles and how we have used
national policies implemented in the field of education,
considering the needs of democratization of school and
school knowledge.
Keywords: Cycles; educational policies; Evaluation;
Curriculum.

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