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seguidos de uma
Organização de
Abel N. Pena
Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Investigador do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa
Cotovia
Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa
ISBN 978-972-795-382-0
ISBN 978-972-9376-45-0
1. Do Renascimento ao Barroco.
Selecção e organização de Ana Filipa Gomes Ferreira
BIBLIOGRAFIA 149
que afectam a organização do volume, não foi possível incluir na antologia todos os auto-
res e textos que desejaríamos.
2
Cf., Introdução, p. 17 e sg.
3
Estrabão, I, 2.6 e Plutarco, De Pyth. Orac. 406e referem-se à prosa como uma
linguagem «chã», de «pés assentes na terra», por oposição à linguagem nobre e elevada
da poesia épica e da tragédia.
8
G. Bachelard (1987), L’eau et les rêves, (ed. 21e), p. 32.
9
Afrodite e Narciso, embora em planos diferentes, estão ambos ligados ao amor, à
beleza e à imagem reflectida no espelho (katoptron). O motivo inspirou muitos pintores
renascentistas. Cf. Toilette de Vénus, anónimo, 1550; Narciso de Caravaggio (1579-1599);
Eco e Narciso de Poussin (1650); Metamorfose de Narciso de Salvador Dali.
10 Veja-se neste mesmo volume o texto de Filóstrato, Narciso, Imagens I, 23, pp. 38-40.
moralisé é uma tradução do início século XIV constituída por 72000 octossílabos adaptados
das Metamorfoses e, em parte, das Heróides de Ovídio. Sob um fundo cristão, o autor
apresenta três propostas interpretativas dos mitos: etiológica, evemerista e anagógica.
15 Cf. Frank Collin, «Narcisse, Tirésias et Orphée. Un regard moralisé sur le coprs
ABEL N. PENA
Univ. Lisboa — CEC
4
Para uma visão de conjunto sobre o uso dos mitos na sociedade grega antiga e o
seu contexto cf. Richard Buxton (1994), Imaginary Greece. The contexts of mythology,
Cambridge.
passa a designar ‘ficção’ ou ‘mito’. A etimologia é obscura. Cf. Pierre Chantraine (1968),
Dictionnaire étymologique de la langue grecque. Histoire des paroles, Paris, s.v. μῦθος,
pp. 718-719. Aires A. Nascimento (2007), «A envolvência do mito», in A. N. Pena (ed.).
Mythos. Actas do Colóquio Mito, Literatura, Arte. Mitos clássicos no Portugal Quinhentista,
Lisboa, pp. 11-30.
8
Tradução inglesa, comentário e estudo da obra de Cónon encontra-se em M. K.
Brown (2002), The Narratives of Konon. Text, Translation and Commentary on the Diegeseis,
München.
fontes que falam sobre as Metamorfoses de Parténio deixam dúvidas quanto ao género,
pois não fica claro se se tratava de um poema ou de um hypomnema, uma obra em prosa
que relataria mitos de transformações, mas parece mais provável que fosse uma obra
poética. A acreditar nesta proposta, teríamos um exemplo excepcional de poema de
metamorfoses em pentâmetros dactílicos, diferente de todos os outros que conhecemos,
que são em hexâmetros, sendo o mais conhecido e aquele que mais impacto teve na
literatura posterior, depois de Ovídio.
11 O nome desta heroína não é mencionado no fragmento de Parténio mas ela é
além disso, podemos inferir que os versos aludem à sua morte por derra-
mamento de sangue, uma vez que se conserva uma parte que diz literal-
mente «deu à terra». O motivo do sangue aparecia em Cónon, como vimos,
para explicar o nascimento da flor homónima, o que convida a pensar que,
provavelmente, o poema do papiro sugeria também a etiologia da flor.
Ovídio inclui a história de Narciso na sua obra-prima, as Metamorfo-
ses, poema que explica as transformações de diferentes personagens míti-
cas, por ordem cronológica, desde a origem do cosmo até à transformação
da alma de César.14 Trata-se de um vasto poema composto de centenas de
mitos que acabam com uma metamorfose, e que são, por sua vez, mitos
etiológicos, já que explicam a origem de animais, árvores ou outros ele-
mentos a partir dessas transformações. A versão ovidiana é de todas a mais
extensa que conhecemos do mito de Narciso. Além de ser mais descritivo
e dar maior ênfase à parte psicológica dos sentimentos, tanto de Narciso
como de Eco, a versão de Ovídio apresenta episódios que não encontra-
mos em mais nenhuma das versões que se conservaram: começa com o
relato sobre o oráculo de Tirésias no momento do nascimento de Narciso
e continua com a história de Eco, ninfa destinada a repetir as últimas
palavras do seu interlocutor. A particularidade da sua voz é um castigo da
deusa Hera anterior à paixão da ninfa pelo belo rapaz. Eco, apesar da sua
incapacidade verbal, consegue comunicar o seu amor a Narciso, mas é
cruelmente rejeitada. Assim, consome-se de paixão restando dela apenas
os ossos convertidos em pedra e a voz a ecoar pelos montes. Alguns estu-
diosos propõem que a relação entre Eco e Narciso é uma inovação de
Ovídio.15 Mas há também quem considere que é mais provável que o poeta
romano seguisse uma fonte grega (talvez um poema alexandrino) hoje
perdida.16 No entanto, os textos gregos conservados sobre a ninfa não a
relacionam nunca com Narciso.17
and Ovid», Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik 155, 71-84. Especialmente, p. 81.
17 Sobre Eco, ver infra.
propósito das personagens femininas que ele representa nas suas tragédias, reúnem-se nas
Tesmofórias, festa feminina anual, para planearem fazer justiça sobre o tragediógrafo. Um
parente, sogro de Eurípides, infiltra-se nas Tesmofórias, sendo descoberto e preso por
guardas. Eurípides tenta distraí-los usando passagens das suas tragédias. Assim, pede ao
sogro para assumir o papel de Andrómeda, e ele assume o papel de Eco e de Perseu.
21Sobre Lucílio, G. Nisbet (2005), Greek epigram in the Roman Empire. Martial’s
forgotten rivals, Oxford, pp. 36-81.
ΤΟΥ ΑΥΤΟΥ
Ῥύγχος ἔχων τοιοῦτον, Ὀλυμπικέ, μήτ’ ἐπὶ κρήνην
ἔλθῃς, μήτ’ ἐνόρα πρός τι διαυγὲς ὕδωρ.
καὶ σὺ γὰρ ὡς Νάρκισσος ἰδὼν τὸ πρόσωπον ἐναργὲς
τεθνήξῃ μισῶν σαυτὸν ἕως θανάτου.
22 Sobre o uso do mito na Descrição da Grécia de Pausânias, vd. Ch. Jacob, A. Mullen-
-Hohl (1980), «The Greek Traveler’s Areas of Knowledge: Myths and Other Discourses
in Pausanias’ Description of Greece», Yale French Studies 59. Rethinking History: Time,
Myth, and Writing, pp. 65-85.
28
Sobre estes textos há uma tradução espanhola e visão de conjunto em C. Miralles,
F. Mestre (1996), Filóstrato. Calístrato. Heróico. Gimnástico. Descripciones de cuadros.
Descripciones, Madrid.
A (narração) de Narciso
Começa a muito estranha história de um estranho sofrimento. Havia
um jovem, Narciso, que se amava a si próprio e se auto-destruiu, já
que se distinguia na beleza do seu corpo, e por isso recebeu a beleza
também como castigo. Com efeito, chegou a uma fonte para beber e,
como ficou lá a contemplar a sua própria beleza, viu-se preso de
paixão e de admiração por si próprio. Apaixonou-se, e por isso pro-
vocou a sua própria ruína. Era amado sem possuir amante, mas preso
à fonte mostrava afeição pelo seu reflexo como se fosse o seu amado.
Tentando tocar-se, deixou-se cair na água. E ao buscar consolação
para o seu sofrimento encontrou a privação da vida, tendo desfrutado
Τὸ κατὰ Νάρκισσον.
Παραλόγου πάθους ὁ λόγος ὑπῆρξε παραλογώτερος· Νάρκισσος γὰρ ἦν ἐρῶν
οἴκοθεν καὶ φθειρόμενος οἴκοθεν· ὥρᾳ μὲν γὰρ διέφερε σώματος· ὅθεν δὲ τὴν ὥραν
καὶ τὸν πόνον ἐκτήσατο· καταλαμβάνει γὰρ πηγὴν ὁ πιόμενος· θεατὴς δὲ τῆς
οἰκείας μορφῆς καταστὰς, ἐραστὴς ὁ αὐτὸς καὶ θεατὴς κατεφαίνετο· ἤρα δὲ, ὅθεν
αὐτὸς ἐξ αὐτοῦ καταφθείρεται· ἐρώμενος ἦν ἐραστὴν οὐ κτησάμενος· ἀλλ’ ἐπὶ
πηγὴν ἑαυτὸν ἐπαφεὶς, ἔστεργε μὲν τὴν σκιὰν ὡς ἐρώμενος· ἑαυτοῦ δὲ λαβόμενος,
ἑαυτὸν ἐναφῆκε τοῖς ὕδασι· καὶ παραψυχὴν τοῦ πάθους ζητῶν βίου στέρησιν
εὕρατο, τοσοῦτον τῆς τελευτῆς ὀνησάμενος, ὅσον εἰς τέλος μεταπεσεῖν· καὶ δηλοῖ
τὴν μνήμην ὁμωνύμῳ βλαστήματι.
30 Sobre este assunto, cf. F. Hadjittofi (2011), «Nonnus’ Unclassical Epic: Imaginary
Geography in the Dionysiaca», in Ch. Kelly, R. Flower, M. Stuart Williams (eds.), Unclassical
Traditions – Volume II. Perspectives from East and West in Late Antiquity, Cambridge,
29-42.
NEREIDA VILLAGRA
CEC (FCT SFRH/BPD/90803/2012)
Diegeseis 24
EDIÇÃO
BROWN, M. K. (2002), The Narratives of Konon. Text, Translation and Commentary on
the Diegeseis, München.
P. Oxy. 69.4711
Adónis
Astéria
Narciso
]. [
]... ….. [
] ……. [
]… .. [
] ………. [ …. ] …….. [
] …… [ ….. ] é de natureza imortal.. [
] …… …. [ … ] …. … [ … ] … [
] ……. [ …… ] semelhante aos deuses. [
] ….. [ …… ]. [. ] ….. [
] desprezava todos
] enamorou-se da sua própria imagem
] junto da fonte lamentou o prazer de um sonho
] deplorou a sua beleza
] … derramou pela terra
] … para suportar
] …… [
Fonte: http://www.papyrology.ox.ac.uk/POxy/papyri/4711.html
4 Ceu e Febe são irmãos, que pertencem à raça dos Titãs. Da sua união nasceram
duas filhas: Leto e Astéria. Sobre a genealogia dos Titãs, vide Hesíodo, Teogonia 132-136.
5 Apolo e Ártemis, filhos de Leto.
Narciso, Imagens 1, 23
com folhas (regra geral de videira e hera) e encimado por uma pinha.
dante e como que dourado, ajusta-se ao pescoço, cai à frente e atrás das
orelhas, ondula sobre a testa e flui sobre a barba nascente. Os dois
Narcisos são iguais e deixam ver a sua forma da mesma maneira, excepto
que um está exposto ao ar e o outro está mergulhado na água. O rapaz
está parado de pé junto à água, que também está parada. Ou melhor:
que olha fixamente para ele, como que sedenta da beleza.
EDIÇÃO
KALINKA, E. – SCHÖNBERGER, O. (1968), Philostratos: Die Bilder, München.
Excepção: ἴσοι em vez de εἰσί no quinto parágrafo, correcção sugerida por Jacobs,
mantida por editores posteriores e apoiada por Keydell (1970: 758).
3. Estava de pé, usando a fonte como espelho e derramando para ela a forma
da sua face. A fonte recebia os traços dele e perfazia a mesma imagem,
de modo que as naturezas pareciam rivalizar uma com a outra. A pedra
transformava-se toda naquele, o menino real, enquanto a fonte competia
com as maquinações da arte na pedra, pois criava numa figura incorpó-
rea a semelhança do corpo do modelo e criava o reflexo vindo da estátua
com a natureza da água como se com uma espécie de carne.
4. A figura nas águas era tão viva e espirante que pareceu ser o próprio
Narciso, aquele que, segundo dizem, chegou a uma fonte e, vista a sua
forma nas águas, morreu entre as Ninfas por ter desejado unir-se à sua
imagem — e agora aparece em flor nos prados durante a Primavera.
Verias como a pedra, embora fosse de uma só cor, se adaptava à expres-
são dos olhos e conservava um registo do carácter e indicava percepções
dos sentidos e denunciava emoções e acompanhava a exuberância do
penteado, dissolvendo-se na sinuosidade do cabelo.
5. Mas isto não pode ser dito com palavras: pedra estava relaxada a ponto
de se tornar fluida e apresentava um corpo contrário ao seu ser. Embora
tivesse uma natureza mais dura, transmitia uma sensação de delicadeza,
difundindo-se numa espécie de substância corpórea porosa. Tinha nas
mãos uma siringe,12 aquela que ele dedicava aos deuses pastoris — e
fazia o ermo ressoar com as suas canções, se desejasse entreter-se com
instrumentos de corda.
EDIÇÃO
BÄBLER, B. – NESSELRATH, H.-G. (2006), Ars et verba: die Kunstbeschreibungen des
Kallistratos.Einführung, Text, Übersetzung, Anmerkungen, archäologischer Kommentar,
München.
13 Poeta grego que compôs hinos. Terá sido um autor da época arcaica (anterior a
Homero) ou da época helenística (a ter em conta a análise estilística dos seus versos). Cf.
Encyclopaedia of the Ancient World (vol. 10, s.v. “Pamphos”); e The Oxford Classical Dictionary
(s.v. “Pamphus”).
14 Trata-se de Perséfone, filha de Deméter, raptada pelo deus Hades, que a levou
para os Infernos, fazendo dela sua mulher. Segundo o mito, a jovem estava a colher flores,
no momento em que foi raptada. A estadia alternada de Perséfone entre o Olimpo (onde
vive com a mãe, durante uma metade do ano) e os Infernos (onde vive com o marido,
durante a outra metade do ano) explica o mito da sucessão das estações.
EDIÇÃO
ROCHA-PEREIRA, Maria Helena (1981), Pausaniae. Graeciae Descriptio, vol. 3, Leipzig.
15 Ninfas dos freixos, também conhecidas por Melíades (o seu nome é formado a
partir de μελία que significa “árvore de freixo”). Cf. Hesíodo, Teogonia 187; Calímaco,
Hino a Zeus 47.
16 Ninfas das árvores, em geral, e dos carvalhos, em particular (o seu nome é formado
EDIÇÃO
REEVE, Michael D. (1982), Longus. Daphnis et Chloe, Leipzig.
Narciso
A (narração) de Narciso
Começa a muito estranha história de um estranho sofrimento. Havia
um jovem, Narciso, que se amava a si próprio e se auto-destruiu, já que
se distinguia na beleza do seu corpo, e por isso recebeu a beleza também
como castigo. Com efeito, chegou a uma fonte para beber e, como ficou
lá a contemplar a sua própria beleza, viu-se preso de paixão e de admira-
ção por si próprio. Apaixonou-se, e por isso provocou a sua própria ruína.
Era amado sem possuir amante, mas preso à fonte mostrava afeição pelo
seu reflexo como se fosse o seu amado. Tentando tocar-se, deixou-se cair
na água. E ao buscar consolação para o seu sofrimento encontrou a pri-
vação da vida, tendo desfrutado da sua morte tanto quanto da sua meta-
morfose final. E deixou visível a sua lembrança num rebento homónimo.
EDIÇÃO:
WALTZ, C. (1832-1836), Rhetores Graeci, Stuttgart, Tubinga, Londres e Paris, vol. 1,
[Osnabrück 1963].
EDIÇÃO
ROUSE, W. H. D. (1963), Nonnos. Dionysiaca, vol. 3, London and Cambridge.
EDIÇÃO
PATON, W. R. (1958), The Greek Anthology, vol. 3, London and Cambridge.
EDIÇÃO
PATON, W. R. (1958), The Greek Anthology, vol. 3, London and Cambridge.
370 Ora bem, quando viu Narciso a vaguear pelos campos ermos,
inflamou-se de amor. Sorrateiramente, vai seguindo atrás dele.
E, quanto mais o segue, mais de perto é a chama que a inflama,
tal como quando o enxofre vivaz, que embebe as pontas
dos archotes, arrebata as chamas que se lhe chegam perto.
375 Oh! quantas vezes quis chegar à sua beira com doces palavras
e lançar-lhe ternas súplicas! A sua natureza, porém, opõe-se,
e impede-a mesmo de começar. Permite sim é estar a postos
para aguardar sons, aos quais possa reenviar suas palavras.
25 Némesis.
EDIÇÃO
PREMIER MYTHOGRAPHE DU VATICAN (2003), texte établi par Nevio Zorzetti,
traduit par Jacques BERLIOZ, Les Belles Lettres, Paris.
1) João da Silveira, Cancioneiro Geral, 617 (excerto) [vol. III, pp. 355-356]
De Joam da Silveira a Simam de Sousa do Sem, porque veo ao Terreiro
d’Almeirim em ũa mula, com ũas largas esporas da jineta esmaltadas
e com chapins.
De Dom Joam Lobo.
Se o dissesse Oriana,
e Iseu alegar posso,
diriam quem se engana,
que suspiros são oufana,
cuidado, quebranto nosso.
Diriam: Quem alegou
suspiros contra cuidado,
nunca bem se namorou,
ca o que a nós matou
mata todo namorado.
26
Estabelecido e sugerido por Ricardo Nobre. Leitura de: Cancioneiro Geral, org.
Garcia de Resende. Lisboa: Herman de Campos, 1516, fol. 1v-2.
28 Sugerido por Ricardo Nobre. Poema atribuído a Camões por Faria e Sousa. Leitura
de: Luís de Camões (1688). Rimas Várias, coment. Faria e Sousa. Tomo IV, parte II, Lisboa:
Impr. Craesbeeckiana, pp. 41-49.
29 Entenda-se a açucena.
9) Soneto
15) Epigrama
16) Epigrama
Álemo venturoso,
Que tendes as raízes na água clara
Deste rio fermoso,
Que correndo aqui pára
Só por me ouvir cantar a Ninfa cara;
As que na competência
Seu espumoso engano enobrece eram,
Honrando a resistência,
Torres de alambre ergueram,
E obeliscos de neve aos ares deram.
30Alcorça: massa de açúcar e farinha com que se cobrem ou fazem diversos doces;
em sentido figurado designa uma coisa ou pessoa delicada.
31 Abemolado: em sentido figurado significa extremamente suave, afectado.
A Fénix Renascida, ed. António Nunes Correia e Matias da Silva Pereira, 2.ª edição, tomo
III, Lisboa, António Pedroso Galrão, 1746.
D. Francisco de Portugal, Divinos e humanos versos, introdução e notas de Maria Lucília
Gonçalves Pires, Porto, Centro Inter-Universitário de História da Espiritualidade,
2012.
D. Francisco de Portugal, Divinos e humanos versos, Lisboa, Oficina Craesbeckiana, 1652.
Diogo Bernardes, O Lima, Lisboa, Simão Lopes, 1596.
Diogo Bernardes, Rimas várias. Flores do Lima, Lisboa, Manuel de Lira, 1597.
Garcia de Resende, Cancioneiro Geral, fixação do texto e estudo por Aida Fernanda Dias,
volumes III e IV, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003.
Gregório Silvestre, Obras, Lisboa, Manuel de Lira, 1592.
Jerónimo Corte Real, Obras, introdução e revisão de Manuel Lopes de Almeida, Porto,
Lello & Irmão, 1979.
Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, introdução, notas e vocabulário de António José Saraiva,
Porto, Figueirinhas, 1999.
Luís Vaz de Camões, Rimas, texto estabelecido, revisto e prefaciado por Álvaro Júlio da
Costa Pimpão, apresentação de Aníbal Pinto de Castro, Coimbra, Almedina, 2005.
Manuel da Veiga Tagarro, Laura de Anfriso, Évora, Manuel Carvalho, 1627.
Manuel de Faria e Sousa, Fuente de Aganipe o Rimas varias, Madrid, Juan Sánchez, 1644.
Pero de Andrade Caminha, Visões de glória (Uma introdução à poesia de Pero de Andrade
Caminha), edição de Vanda Anastácio, vol. 2, Lisboa, Fundação Calouste Gulben-
kian, 1998.
Vasco Mousinho de Quevedo e Castelo Branco, Afonso Africano, Lisboa, António Álvares,
1611.
“Narciso, Gentileza”32
32 Leitura de: Madre Soror Maria do Céu (1736). Enganos do Bosque, Desenganos do
Rio, em que a Alma Entra Perdida e Sai Desenganada. Lisboa Ocidental: Of. Manuel
Fernandes da Costa, p. 205. No mesmo volume (pp. 107-109), encontra-se um poema em
espanhol com a mesma temática.
33
Publicado em 1791; citado de: Bocage (2008). Obra Completa, 1.º vol.: Sonetos,
ed. Daniel Pires, 2.ª ed. Porto: Caixotim, p. 227.
34
1.ª ed. 1821. O texto é citado a partir da 5.ª ed. (Lisboa: Empresa da História de
Portugal, 1903).
Carta XVI: Eco a Narciso (pp. 99-104; excerto das pp. 101 e 102)
…………………………………
……………………………………………………
……………………………………………………
“Narciso”37
37
Incluído em Poemas de Deus e do Diabo (1.ª ed. 1925), o texto foi republicado em
Biografia (1.ª ed. 1929); transcrito de: José Régio (2001). Poesia I, introd. José Augusto
Seabra. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 56 e 118.
Foi num mar interior que o rio da minha vida findou. À roda do meu
solar sonhado todas as árvores estavam no outono. Esta paisagem circular
é a coroa-de-espinhos da minha alma. Os momentos mais felizes da minha
vida foram sonhos, e sonhos de tristeza, e eu via-me nos lagos deles como
um Narciso cego, que gozasse o frescor próximo da água, sentindo-se
debruçado nela, por uma visão anterior e nocturna, segredada às emoções
abstractas, vivida nos recantos da imaginação com um cuidado materno
em preferir-se.
(...)
Sei que falhei. Gozo a volúpia indeterminada da falência como quem
dá um apreço exausto a uma febre que o enclausura.
Tive um certo talento para a amizade, mas nunca tive amigos, quer
porque eles me faltassem, quer porque a amizade que eu concebera fora
um erro dos meus sonhos. Vivi sempre isolado, e cada vez mais isolado,
quanto mais dei por mim.
Narciso39
A todos os olhos verdes
— como os meus
39
Publicado em 1940 ainda com o nome de José Fontinhas, o poema seria renegado
pelo poeta, pelo que nunca chegou a integrar recolhas posteriores da obra completa.
Lisboa — 1939
“Moderno Narciso”40
Era aqui,
aqui…
nesta mesma casa e tempo,
mas há um ano…
Não se ouvia o vento
nem outros ruídos.
40
Publicado no ano de 1942 em Seara Nova, LXX, 801. Citado de: Irene Lisboa
(1986). Folhas Soltas da Seara Nova (1925-1955), ant., pref. e notas Paula Morão. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 382-384.
Vens cabisbaixo!
Trazes um sorriso amargo
e pareces cansado.
Foi extenso o caminho,
dizem-me os teus passos arrastados.
Extenso…
Minha imagem,
que me acenas quando te aceno,
deixa-me que te ame.
O olhar que me envias, resolve-me.
“Narciso”41
“Narciso”42
42
Publicada em 1949 no 1.º fascículo de Távola Redonda, a poesia foi mais tarde
reunida em 77 Poems (Londres: George Allen and Unwin, 1955, p. 50).
“Narciso”43
13.1 “O Narciso”44
O desenho impreciso
De cada rosto humano, reflectido!
Mas o velho Narciso
Continua fiel e debruçado
Sobre o ribeiro…
Porque não há-de ver-se inteiro
Quem todo se deseja revelado?
44 Poema publicado em 1950 no volume Cântico do Homem. Citado de: Miguel Torga
13.2 “Mergulho”45
Angústia marginada,
Meu canto é um lago turvo
Que devolve a paisagem, como um eco
Silencioso.
Um lago onde me afogo
Sem vontade,
Puramente impelido
Por não sei que fatal necessidade
De me sentir poeta e possuído.
45 Poema datado de 22 de Julho de 1951 e publicado no Diário VI. Citado de: Miguel
de: Miguel Torga (2010). Diário. 2.º vol. [V a VIII], Lisboa: D. Quixote, p. 288.
(O monstruoso Narciso.)
Vai.
47 Poema XIX de Idílio de Recomeço (1951), depois reunido em Poesia IV. 2.ª ed.,
Lisboa: Portugália, 1971, p. 99 e em Poeta Militante. 2.º vol., Lisboa: Moraes Editores –
Círculo de Poesia, 1977, pp. 164-165. Só nesta última versão “Narciso” surge com
maiúscula, o que na transcrição se mantém. Citado de: José Gomes Ferreira (1991). Poeta
Militante: Viagem do Século Vinte em Mim. 2.º vol., 4.ª ed., Lisboa: D. Quixote, p. 192.
“Narciso”48
48 Soneto citado de: João Maia (1954). Abriu-se a Noite. Braga: Edições Critério, pp.
77-78.
“Narciso”49
Quase adormecido
olha o seu reflexo
para que junto ao rosto
a água principie.
De novo procura
a voz que recebe
apenas um segredo
que lhe fecha os lábios.
49
Texto incluído no volume A Face Junto ao Vento (1956), citado de: Fernando
Guimarães (1994). Poesias Completas I. 1952-1988. Porto: Afrontamento, p. 21.
“Ars Poetica”50
50
Poema publicado no volume Do Tempo ao Coração (1966). Citado de: David
Mourão-Ferreira (2006). Obra Poética: 1948-1988, introd. Eduardo Prado Coelho. Lisboa:
Presença, p. 198.
“Narciso”51
51
Poema datado de 9 de Julho de 1970. Citado de: Jorge de Sena (1974). Conheço o
Sal… e outros poemas. Lisboa: Morais, p. 15.
“Narciso”52
Digo: Narciso!
Narcisos são em barda… são aos montes…
um batalhão… nos vales, junto aos ribeiros,
campânulas amarelas, campainhas…
Quando perpassa a brisa, ouve-se música
nervosa e ondulante… São os narcisos!…
52
Texto publicado em 1981 no volume 56 Poemas; citado de: Ruy Cinatti (1992).
Obra Poética, org. e prefácio Fernando Pinto do Amaral. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, pp. 633-634.
20.1 “Narciso”53
53 Publicado em 1985 no volume Lira de Líquen, o poema é citado de: Nuno Júdice
55
Poema citado de: Nuno Júdice (2015). Navegação de Acaso. 3.ª ed, Lisboa: D.
Quixote, p. 33 (1.ª ed. 2013).
vi a flor nascendo
desde a semente
no reflexo de um lago
de que não me esqueço
56 Poema citado de: Ricardo Marques (2015). Metamorphoses. s/l.: não (edições), p.16.
CONTEMPLAÇÃO
A consciência: Narciso,
diante da água serena do espelho.
O eu livre e autónomo
habita no exílio interior; feliz
morador dum castelo com seteiras,
contempla os outros seres, que aparecem
como um reflexo da água: indefinido
girassol ou miragem. Até que, um dia,
o amor, secretamente, parte o espelho.
REFLEXO
Na planície da noite,
as constelações formam um grande rebanho;
a lua é o pastor.
E, à alba, pouco a pouco,
o mundo retoma um jogo incerto
de volumes e de linhas,
uma música vaga de cores.
Mas a luz é o reflexo do Um
invisível, o espelho onde bate o Sol,
agora escondido–que avermelha a risca
do horizonte, na alvorada da morte.
CHAMADA
Chamou alguém.
Atrás da porta, há um rosto
anónimo, uma estranha fisionomia
sumidiça, com um sorriso lento.
Uns olhos, escancarados, que me interpelam,
uma boca que diz palavras ignoradas.
A promessa de outro, o comovido
silêncio d’um eu único.
Ao mesmo tempo irmão e hóspede.
EREMOS
ROSTO
BANALIDADE
MINOTAURO
O HERÓI
SONHO
FILEMON E BAUCIS
INQUIETUDE
VIDA INCERTA
Somos vulneráveis,
como um bebé deixado à intempérie,
como uma fina fatia de gelo, numa poça, ameaçada
pela pedra duma criança,
como, na clareira de um bosque, um cervato
Todos partilhamos o acaso da vida: corrente
de sangue, que há-de gelar-se, pestanejo
duns olhos, baixo a cúpula imutável
do céu. Dizemos palavras de perdão,
como num sonho; amamo-nos às cegas;
temos medo da morte; somos todos um rosto
sem defesa, um fraco pára-vento.
1. Edições e traduções
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