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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA

RODRIGO CANTOS SAVELLI GOMES

MÚSICA, GÊNERO, COMUNIDADE:


uma etnografia no morro do Mont Serrat, Morro da Caixa d’Água,
Florianópolis, SC.

FLORIANÓPOLIS
2008
RODRIGO CANTOS SAVELLI GOMES

MÚSICA, GÊNERO, COMUNIDADE:


uma etnografia no morro do Mont Serrat, Morro da Caixa d’Água,
Florianópolis, SC.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à banca examinadora como requisito parcial
para a obtenção de título de Graduação em
Licenciatura em Música no Centro de Artes
da Universidade do Estado de Santa Catarina,
sob orientação da professora Áurea Demaria
Silva.

Data de aprovação: 28 de novembro de 2008.

__________________________________
Profª Ms. Áurea Demaria Silva (orientadora)
Universidade do Estado de Santa Catarina

__________________________________
Prof. Dr. Acácio Tadeu Camargo Piedade
Universidade do Estado de Santa Catarina

__________________________________
Profª Drª. Cristiana Tramonte
Universidade Federal de Santa Catarina

2
Este trabalho é dedicado à memória da professora Maria Ignez Cruz Mello (Mig), que me
guiou pelos caminhos da pesquisa acadêmica e despertou-me para a importância dos estudos
sobre relações de gênero.

3
AGRADECIMENTOS

Antes de tudo gostaria de agradecer à Geny, minha mãe, mulher guerreira e


batalhadora que me mostrou o valor do estudo e tornou tudo possível em minha vida, meu
grande exemplo de vida.

Agradeço à professora Áurea pela sua paciente orientação, pelas longas horas de
discussão sobre música e pelas valiosas trocas de experiências sobre a Comunidade do Mont
Serrat.

Às pessoas que me concederam às entrevistas, que me receberam em suas casas e


dispuseram algumas horas de seu tempo, Dona Uda, Hamilton, Dona Tota, Seu Teco, Clarice,
Bruna, Dinho, Jandira, Joseane, Sandra, Alexandra, Eloísa, Daniela, Karla e Luíze.

Ao Padre Vilson e Seu Teco por serem as luzes que iluminam os caminhos com seus
exemplos de vida.

À Priscila, pelo amor, carinho e por me mostrar os ‘segredos’ da Comunidade do Mont


Serrat.

Agradeço também a CAPES, ao CNPq e a UDESC por terem me concedido Bolsa de


Iniciação Científica por três anos consecutivos, o que foi decisivo na minha orientação
profissional.

Não queria deixar também de mencionar o espírito colaborativo de colegas, como


Letícia, Cecília e Alexandre com quem tive o prazer em trocar experiências e saberes sobre
pesquisa, música e educação musical, o que, de certa forma, contribuiu também neste
trabalho.

Gostaria, ainda, de aproveitar esta página para prestar um agradecimento à professora


Mig (in memoriam) pela participação em sua pesquisa sobre gênero e música e, em especial,
ao professor Acácio pela sua dedicação em continuar o trabalho que vinha sendo
desenvolvido, concluindo-o com todo o carinho merecido.

4
RESUMO

A partir da perspectiva etnomusicológica, o presente trabalho apresenta uma breve


etnografia das principais manifestações musicais que fazem parte da vida dos moradores da
comunidade do Mont Serrat. Para tanto, foi feito um levantamento que remete desde a (1) um
passado não muito distante, época em que a região começou a constituir-se como
‘comunidade’, com a vinda dos primeiros moradores, no qual destacamos o canto das
lavadeiras, o cacumbi e o terno de reis, hoje não mais existentes; (2) passando pelas
manifestações mais estabelecidas e duradouras, como samba, umbanda e catolicismo; (3) até
as novas tendências propostas pela juventude como o pagode e o hip-hop; incluindo, neste
último, o movimento pentecostal evangélico por se tratar de uma manifestação também
relativamente recente no âmbito da comunidade. A partir da ótica dos estudos de gênero,
buscamos verificar como se dá a participação feminina nas atividades musicais, examinando
como as relações de gênero, instituídas de poder, prestígio, hierarquia e discriminações,
afetam, modelam e estruturam os discursos e as performances musicais no âmbito da
comunidade. Ao fazê-lo, identificamos: as diferentes formas de inserção das mulheres nos
diversos espaços promovidos pela comunidade; os papéis assumidos por elas neste processo a
partir de sua condição de gênero; e as causas de sua possível invisibilidade e/ou reduzida
participação em determinados espaços e funções. A partir do conceito de comunidade,
buscamos verificar de que modo as atividades musicais coletivas se revelam como
manifestações formadoras de valores, crenças, ideais e identidade. Com isso, levantamos os
seguintes pontos: o que demarcam e caracterizam estas diferentes manifestações musicais; de
que maneira elas se relacionam; em que espaços elas coincidem; e como se manifestam nelas
o sentimento de pertencimento à ‘comunidade do Mont Serrat’.

Palavras-chave: etnomusicologia; música e relações de gênero; música e comunidade.

5
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................08
...
1 REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................................14
.......1.1 RELAÇÕES DE GÊNERO........................................................................................14
..............1.1.2 Gênero e Música.............................................................................................17
.......1.2 O CONCEITO DE COMUNIDADE..........................................................................20
..............1.2.1 Comunidade e o Mont Serrat............................................................................22
....
2 A MÚSICA NA COMUNIDADE DO MONT SERRAT................................................25
.......2.1 REMINISCÊNCIAS: marcas que sobrevivem no sangue e na memória....................25
...............2.1.1 Cacumbi............................................................................................................25
...............2.1.2 O Canto das Lavadeiras....................................................................................28
...............2.1.3 Terno de Reis...................................................................................................32
.......2.2 FORTALEZAS: cordéis de resistência e segurança....................................................37
...............2.2.1 Catolicismo.......................................................................................................37
.........................2.2.1.1 Catolicismo Popular.............................................................................37
.........................2.2.1.2 Comunidades Eclesiais de Base.........................................................41
......................................2.2.1.2.1 Relações de Gênero na Comunidade de Base......................42
......................................2.2.1.2.2 Música na Comunidade de Base..........................................46
...............2.2.2 Umbanda...........................................................................................................51
.........................2.2.1.1 Música e Gênero na Umbanda.............................................................55
...............2.2.3 O Samba............................................................................................................60
.........................2.2.3.1 Gênero e Comunidade na Copa Lord..................................................64
.........................2.2.3.2 Música e Gênero na Copa Lord..........................................................67
........2.3 RECENTICIDADES: renovações ou variações sobre o mesmo tema?......................77
...............2.3.1 Pagode...............................................................................................................77
...............2.3.2 Pentecostalismo.................................................................................................81
.........................2.3.2.1 Música e Gênero nas Igrejas Pentecostais...........................................83
...............2.3.3 Hip-Hop...........................................................................................................85
....
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................92
...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................95
...
ANEXOS................................................................................................................................107

6
LISTA DE ANEXOS

ANEXO A – Ficha dos entrevistados.....................................................................................108


ANEXO B – Folhas de cânticos da missa...............................................................................110
ANEXO C – Letra e gravação do hip-hop de Bruna L. Vier..................................................114
ANEXO D – Letra e gravação do samba-enredo, Copa Lord 2008.......................................115
ANEXO E – Letra e gravação do Hino à Virgem do Mont Serrat.......................................116
ANEXO F – Recorte de Jornais e Revistas............................................................................117
ANEXO G – Fotos..................................................................................................................122
ANEXO H – Capa do CD do Ministério de Música da Igreja N. S. do Mont Serrat........125
ANEXO I – Capa do livreto Memórias.................................................................................126
....

7
INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta uma breve etnografia das principais manifestações


musicais que fazem parte da vida e da cultura dos moradores da comunidade do Mont Serrat.
Para tanto, foi feito um levantamento que remete desde a (1) um passado não muito distante
(início do século XX), época em que a região começou a constituir-se como ‘comunidade’,
com a vinda dos primeiros moradores, no qual destacamos o canto das lavadeiras, o cacumbi e
o terno de reis, manifestações não mais existentes; (2) passando pela manifestações mais
estabelecidas e duradouras, como samba, umbanda e catolicismo; (3) até as novas tendências
propostas pela juventude como o pagode e o hip-hop; neste mesmo tópico, foi incluído o
movimento dos evangélicos, por se tratar de uma manifestação também relativamente recente
no âmbito da comunidade.

Anexa ao Maciço do Morro da Cruz1, em pleno centro da cidade de Florianópolis, a


comunidade do Mont Serrat forma parte de um complexo de 17 comunidades – em sua
maioria formadas por afro-descendentes – que lutam contra a pobreza, discriminação racial,
social e por mais visibilidade ante uma sociedade e instituições governamentais que insistem
em mantê-las as margens dos projetos sócio-estruturais da cidade. As ruas principais que
cruzam a comunidade do Mont Serrat são a ‘Nestor Passos’ e ‘General Vieira da Rosa’, as
quais desembocam numa das principais e mais bem valorizadas áreas da cidade, a ‘Avenida
Mauro Ramos’. Nesta última encontramos luxuosos prédios e centros comerciais, os quais
contrastam veementemente com os casebres, becos e falta de estrutura do morro logo ao lado.

Contudo, a forte organização política e social dos moradores da comunidade do Mont


Serrat, estabelecendo um sistema de ajuda mútua, de solidariedade e de luta por seus direitos
têm transformado este espaço num lugar repleto de atividades sociais, culturais, religiosas e
educacionais. Estas características têm atraído atenção de inúmeros pesquisadores de diversas
1
No Maciço Central do Morro da Cruz estão localizados os morros da Mariquinha; Prainha; Mocotó; Horácio;
Morro do Chapecó; José Mendes; Queimada; Serrinha; Monsenhor Topp; Tico-Tico; Caieira do Saco dos
Limões; Alto do Caieira; Penitenciária; Vinte e Cinco; Nova Trento; Morro do Céu; Caieira da Vila Operária;
José Boiteux; Morro do Quilombo; Morro do Pedregal; além do Mont Serrat, que integra em seu território as
localidades do Pastinho e Nova Descoberta (GRADE, 2006, p. 58).

8
áreas do conhecimento, os quais produziram nas últimas décadas uma série de estudos sobre a
comunidade, como: (GIACOMET, 1967; PEREIRA E., 1990; MORAES, 1990; SOUZA, E.,
1992; MARIA, 1997; MACHADO, 1999; SOUZA, M. A., 2002; SILVA, A., 2002, 2006;
COPPETE, 2003; PERIM, 2003; VIEIRA, 2003; ARAÚJO, 2004, 2006; BLUMENBERG,
2005)2.

A origem da maioria dos moradores nativos que integram a comunidade está


intimamente relacionada com a vinda dos primeiros negros escravos para Santa Catarina e que
por aqui se estabeleceram após a abolição. Isso coloca o Mont Serrat como uma das
comunidades mais antigas e tradicionais da cidade. Estes moradores estariam qualificados
num grupo que Cardoso e Ianni (1960) classificam como

a elite da população trabalhadora negra. Esse grupo tanto numérica quanto


socialmente desempenha um importante papel na população negra. São
descendentes dos antigos escravos dos serviços ou das ‘profissões mecânicas’, que
conseguiram permanecer nas mesmas posições ocupadas pelos seus ancestrais no
sistema ocupacional da comunidade. Formam a camada mais estável da população
negra e em termos da comunidade global, fazem parte dos ‘antigos habitantes’.
Isso se evidencia, ainda hoje, pela localização de suas habitações, na Ilha e não no
Estreito [continente] (op. cit, p. 141).

Diversos estudos abordam a questão da origem dos negros em Florianópolis


(CARDOSO e IANNI, 1960; CARDOSO, 2000; TRAMONTE, 1996 e 2001; MACHADO,
1999; PEDRO, 1988; LUZ, 2006; ALVES, 1990), por essa razão, e devido às dimensões deste
trabalho, não cabe aqui um detalhamento aprofundado desta questão.

A partir da ótica dos estudos de gênero, buscamos verificar como se dá a participação


feminina nas atividades musicais, examinando como as relações de gênero, instituídas de
poder, prestígio, hierarquia e discriminações, afetam, modelam e estruturam o discurso e as
performances3 musicais no âmbito da comunidade. Sendo a música uma das manifestações
culturais mais próximas do cotidiano das pessoas, esta pesquisa parte do princípio que a
mesma pode estar diretamente afetada pelas determinações de gênero, seja reproduzindo,
afirmando ou contestando modelos e costumes vigentes (BRETT e WOOD, 2002).

2
Também é possível encontrar referências à comunidade do Mont Serrat, direta ou indiretamente, em estudos
envolvendo as populações negras da capital, onde são destacadas as práticas culturais, religiosas e as lutas
sociais das comunidades afro-descendentes (GROH, 1998; TRAMONTE, 1996 e 2001; CARDOSO e IANNI,
1960; CARDOSO F., 2000; CAMARGO, 2002; ALVES, 1990; GRADE, 2006).
3
Assim como Small (1989), referimo-nos a “performance” não como aquela ligada às habilidades técnicas,
físico-motoras, mas sim ao evento social onde uns tocam e outros ouvem, onde a experiência do fazer e da
interação entre as pessoas é mais relevante do que o produto final.

9
Apesar do grande avanço, nas diferentes áreas do conhecimento, em estudos sobre as
relações de gênero, alguns setores da sociedade ainda não exploraram o tema em seus mais
variados aspectos, como é o caso dos estudos sobre a produção musical feminina. Sabe-se que
há muitos séculos o meio musical tem sido um privilégio dos homens. Estudos recentes têm
mostrado que desde Platão é possível observar uma musicologia calcada “em metáforas de
gênero, diferença sexual, atração e repulsa sexual” que favoreceram uma estruturação musical
consolidada em valores que refletem predominantemente o ponto de vista da masculinidade
(MELLO, 2007). Nas últimas décadas, estudos em Antropologia, Musicologia, História,
Psicologia, Sociologia, etc, têm explorado a temática de gênero em diferentes contextos
geográficos, culturais e socioeconômicos, indicando novas perspectivas para o assunto além
da total dominação masculina, apontando para um sistema de “complementaridade entre os
gêneros” (MELLO, 2005, p. 287), como é o caso dos estudos musicológicos em aldeias
indígenas brasileiras (PIEDADE 2004; MENEZES BASTOS, 1999; MELLO, 2005).

No Departamento de Música da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),


o estudo sobre relações de gênero no campo musical foi desenvolvido pela professora Dra.
Maria Ignez Cruz Mello, nos anos de 2003 a 2008, na área da Etnomusicologia. A
participação como bolsista de iniciação científica em um projeto de pesquisa4 que estuda as
relações de gênero na produção musical contemporânea brasileira, de 2006 a 2008 – orientado
pela professora em questão – fomentou o debate na área, apontando para as diversas
possibilidades que o tema pode ser direcionado, o que instigou na continuação nesta linha de
pesquisa através deste Trabalho de Conclusão de Curso.

A partir do conceito de comunidade, buscamos entender de que modo as atividades


musicais coletivas se revelam como manifestações formadoras de valores, crenças, ideais e
identidade. Neste sentido, entendemos que a vivência musical coletiva pode ser determinante
na composição identitária de uma comunidade ou grupo social e, ao mesmo tempo, exercer
influência na formação da identidade individual dos sujeitos envolvidos (MÜLLER 2000;
SMALL, 1989).

4
As principais publicações vinculadas ao projeto de pesquisa Relações de Gênero e a Produção Musical
Contemporânea Brasileira estão disponíveis on-line, ver: Mello (2007); Gomes e Mello (2007); Gomes e Mello
(2008a); Gomes, Mello e Piedade (2008b); Dias e Mello (2007); Dias, Mello e Piedade (2008); Schneider, Mello
e Piedade (2008).

10
A participação nos anos de 2004 e 2005, também como bolsista de iniciação científica,
em outro projeto de pesquisa5, desta vez coordenado pela professora Vânia Beatriz Müller, foi
igualmente decisiva no direcionamento desta investigação. Esta pesquisa centrava-se na
música comunitária e os processos de subjetivação estabelecidos através da performance
musical, tendo campo de estudo a Comunidade Batuel Cunha, localizada no bairro do Rio
Tavares, em Florianópolis. Este trabalho trouxe à tona a importância da aproximação das
pesquisas acadêmicas com as comunidades periféricas, visto que estas apresentam um campo
fértil para o estudo das relações sócio-culturais. No entanto, muitas vezes estas comunidades
são tratadas com certa ‘invisibilidade’ pelos organismos governamentais, pela sociedade e,
diga-se de passagem, por algumas instituições de pesquisa e ensino.

Infelizmente, a imagem negativa que muitas pessoas têm acerca do território dos
empobrecidos, as impede de vê-lo como local de inovação e de pesquisa. Sendo
assim, possivelmente não o enxergam como um campo fértil de possibilidades de
ação e conseqüentemente acabam não percebendo que é muitas vezes nestes lugares
que surgem as perguntas mais instigantes, especialmente na área da educação e da
cultura, pois “[...] na periferia existe uma vontade real de resistir ao insuportável”.
Essa vontade aliada às iniciativas, constrói espaços e delimita territórios geradores
de vida e conhecimento (COPPETE, 2003, p 86).

Assim, a participação nestas duas atividades de pesquisa durante o período da


graduação convergiram, de certo modo, na orientação teórica do presente trabalho, a qual será
discutida mais detalhadamente no capítulo seguinte.

A escolha do cenário, ou seja, a comunidade do Mont Serrat, deve-se, entre outras


razões já apontadas, à intimidade do pesquisador com diversos moradores da localidade. Os
laços iniciaram a partir de meados 2004 quando, a convite de um grupo de jovens mulheres,
foi iniciado um trabalho voluntário em um projeto envolvendo a prática musical na igreja
católica da comunidade, o qual se estende até os dias atuais. Embora distante da proposta
inicial do projeto, esta equipe logrou criar um conjunto musical que, deste então,
semanalmente conduz as atividades musicais que fazem parte das celebrações eucarísticas
desta igreja6. Os vínculos entre comunidade e pesquisador se reforçaram a partir de um
relacionamento afetivo-amoroso com uma das idealizadoras deste projeto; Priscila, membro
de uma das famílias mais tradicionais e influentes da comunidade, a família de João Ferreira
de Souza, mais conhecido com Seu Teco.

5
Projeto de pesquisa intitulado Música, Comunidade, Subjetivação: um estudo de caso. Ver: Müller e Gomes
(2006).
6
Maiores informações sobre este grupo musical estão detalhadas no tópico ‘catolicismo’, capítulo 2.

11
Na experiência de convergir em um mesmo campo duas disciplinas distintas da
universidade – prática docente (estágio) e pesquisa (TCC) – optou-se em realizar o estágio
curricular numa instituição de ensino da comunidade, a Escola Básica Estadual Lúcia
Livramento Mayvorne. Assim, ao longo de um ano foi possível lecionar música para três
turmas do período da tarde, 5ª, 6ª e 8ª séries do ensino fundamental7. Esta experiência
favoreceu para obter uma visão mais ampla sobre as atividades musicais presentes no morro,
especialmente o pagode e o hip-hop, que são os estilos preferidos da juventude, portanto, mais
visíveis na escola. Assim, nesta vivência contínua com a comunidade através da experiência
na escola básica; na convivência com Priscila e a família de Seu Teco; e na participação das
atividades musicais da igreja, entre outras; foi possível conhecer um pouco as lutas deste
povo, seus valores, suas atividades culturais e musicais, destacando dia trás dia aos olhos do
pesquisador a imensa riqueza cultural que permeia o cotidiano dos moradores desta
comunidade.

Foto: parte baixa do Mont Serrat, vista da Rua Nestor Passos.


Fotografia: Rena Diem. Copyright © Todos os direitos reservados. 8

7
Assim como este Trabalho de Conclusão de Curso, o Estágio Curricular foi também orientado pela professora
Áurea Demaria Silva, ver: Gomes (2008c). Sua orientação nestes dois estudos contribuiu singularmente,
trazendo questões sobre a comunidade a partir de novas perspectivas. A comunidade do Mont Serrat, através da
Escola de Samba Copa Lord, foi também seu campo de pesquisa na graduação e mestrado, ver: Silva (2002 e
2006).
8
Disponível em: <http://flickr.com/photos/33433959@N00/1376025492>. Acessado em: 19/11/2008.

12
A perspectiva metodológica empregada nesta investigação está fundamentada nas
correntes antropológicas e (etno)musicológicas (KERMAN, 1987; LÜHNING, 1991; LUCAS,
1995; ARAÚJO, S., 1999; MENEZES BASTOS 1999; NETTL, 2005), tendo como
ferramenta principal as técnicas etnográficas (SEEGER, 1992) na coleta de dados,
caracterizada a partir de uma inserção intensa e freqüente do pesquisador no cenário da
pesquisa, com observação livre e/ou participante em algumas atividades musicais, sociais,
individuais e coletivas, como por exemplo, os ensaios da escola de samba; as manifestações
religiosas (catolicismo, umbanda e pentecostalismo); o movimento hip-hop; os encontros de
pagode e rodas de samba. Os dados empíricos foram coletados através de entrevistas,
conversas com os moradores, descrição e relatos das observações em diário de campo, além de
fotografias e gravações em áudio.

A comunidade do Mont Serrat, com suas múltiplas manifestações musicais, se


qualifica perfeitamente como objeto de estudo da etnomusicologia contemporânea. De acordo
com Nettl (2001), desde os anos de 1960 a etnomusicologia tem se encaminhado para
diferentes direções, partindo de um estudo eminentemente das culturas mais isoladas,
passando, ao longo das décadas seguintes a incluir em seu repertório o estudo da música culta
ocidental, música popular, música urbana. Ainda segundo o autor, neste processo, intensifica-
se a necessidade de interlocuções com a musicologia histórica, assim como a investigação de
manifestações musicais relacionadas a grupos específicos dentro das populações, como
mulheres, negros e crianças.

Nettl (2001, p. 134) também ressalta que “dos novos métodos antropológicos que
influenciaram a etnomusicologia atual sobressaíram três grandes áreas: o método etnográfico,
as correlações estatísticas e a semiótica”. Assim, este trabalho segue primeira tendência, visto
que a etnografia musical possibilita “a descrição da convivência e da aproximação das
intersubjetividades do pesquisador e do pesquisado, possibilitando a apreensão do fluxo
cotidiano de ações e valores contidas no ordinário e no extraordinário da experiência musical”
(LUCAS, 1995, p.20). Neste sentido, Seeger (1992) destaca que “a compreensão de um
sistema musical requer um conhecimento intensivo do mesmo, a etnografia da música requer
o conhecimento em primeira-mão e em profundidade da tradição musical e da sociedade da
qual tal tradição é uma parte constitutiva”.

13
1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 RELAÇÕES DE GÊNERO

Desde os primeiros registros históricos da nossa sociedade ocidental a figura feminina


esteve em grande parte do tempo encoberta por uma sociedade que favoreceu imensamente a
projeção dos membros do sexo masculino frente a uma desvalorização e invisibilidade do
sexo feminino. Diante dos poucos registros das atividades e da presença feminina, tendemos a
pensar que estas tiveram pequena participação ou um papel secundário nas decisões e
formações históricas da nossa sociedade, conforme denunciam Joana Pedro (1994) e Miriam
Grossi (1998). Contudo, atualmente sabemos que isso não reflete exatamente a realidade,
muitas(os) historiadoras(es) têm revelado que mesmo em épocas de grande opressão, haviam
ocasiões em que as mulheres obtiveram poder e reconhecimento social. Grossi (1998) explica
como a ciência e a mentalidade moderna se adequou à imagem masculina, dando pouca
margem nos espaços intelectuais, sociais e políticos para a projeção da face feminina:

A ciência, tal como conhecemos, parece dar explicações “neutras” e “objetivas” para
as relações sociais. No entanto, a ciência que aprendemos desde a escola reflete os
valores construídos no Ocidente desde o final da Idade Média, valores que refletem
apenas uma parte do social: a dos homens, brancos e heterossexuais. Sempre
aprendemos que Homem com H maiúsculo se refere à humanidade como um todo,
incluindo nela homens e mulheres. Mas o que os estudos de gênero tem mostrado é
que, em geral, a ciência está falando apenas de uma parte desta humanidade, vista sob
o ângulo masculino e que não foi por acaso que durante alguns séculos havia muito
poucas cientistas mulheres. Grande parte das mulheres queimadas como “bruxas” pela
Inquisição eram mulheres que faziam ciência e lidavam com plantas e processo de
cura (op. cit, p.05).

Uma vez ciente desta lacuna na literatura, nos registros históricos, nas
metodologias científicas, não se pode negar a importância da participação feminina em função

14
de uma simples ausência de relatos, visto que a ausência pode ser traduzida aqui pela palavra
invisibilidade.

Estudos atuais em antropologia (PIEDADE, 2004; MENEZES BASTOS, 1999;


MELLO, 2005; GROSSI, 1998) e sociologia (BITENCOURT, 2001; SCOTT, 1990, 2005)
têm trazido uma nova perspectiva para o discurso de gênero além daquele onde as mulheres
estariam subordinadas, dominadas, presas a um sistema opressor, mostrando que elas
participaram como agentes atuantes na construção e idealização do mesmo, reproduzindo-o e
remodelando-o ao longo dos anos. Entende-se desse modo que o sistema hierárquico ocidental
construído sobre as diferenças sexuais não se manteve por causa de uma “perversidade
natural” dos homens, mas sim que se perpetuou ao longo dos séculos por servir a interesses,
muitas vezes, ocultos e inconscientes da sociedade, da cultura, de homens e mulheres,
interesses esses que foram fundamentais para a sobrevivência, desenvolvimento e
conservação dos indivíduos de ambos os sexos.

Contudo, desde o início do século XX – principalmente após a revolução industrial, ao


se abrir o mercado de trabalho para o sexo feminino, ocasionando uma reestruturação dos
papéis das mulheres na sociedade – a conveniência desse sistema passou a ser amplamente
questionada pela sociedade, culminando no movimento feminista dos anos 60. Esse
movimento teve um papel fundamental na reformulação dos papéis de gênero estabelecidos
pela sociedade ao longo dos séculos.

Procurando a superação das limitações da teoria feminista é que surge o conceito


gênero enquanto uma categoria de análise para ajudar a compreender as relações entre
homens e mulheres numa determinada sociedade e num determinado momento histórico,
procurando fazer ver que certos padrões de conduta e expectativas para homens e mulheres
são construídos e remodelados socialmente ao longo do tempo, podendo, portanto, ser
mudados de acordo com o interesse de cada época e região.

Sendo assim, podemos dizer que gênero é um conceito recente que se popularizou no
meio acadêmico por volta da década de 1980, considerado pelos estudiosos como uma
herança dos estudos sobre mulheres advindos do feminismo (MELLO, 2007; FARIA, 2002;
GROSSI, 1998). Enquanto o feminismo centrava seus esforços na luta pela igualdade de
direitos entre os sexos – ressaltando principalmente a opressão exercida pela sociedade sobre
as mulheres, caracterizando-se como um movimento pensado e idealizado, sobretudo, pelo

15
sexo feminino – os estudos de gênero, por outro lado, procuraram apontar na perspectiva de
entender como se constroem as relações de poder entre os sexos nas diferentes culturas,
comunidades, sociedades, povos, grupos, etc, e como esta relação se estabelece e se
reestrutura ao longo dos anos9. Sendo assim, gênero deixou de ser um estudo conduzido
apenas por mulheres e passou a ser uma questão discutida em todos os segmentos da
sociedade, como uma peça fundamental para a compreensão das relações humanas entre
mulheres e homens, mulheres e mulheres, homens e homens, já que, segundo Scott, “gênero é
considerado como uma forma primária de dar significado às relações de poder (mesmo que
não seja único), ou seja, é o campo primário, no interior, ou por meio do qual o poder é
articulado” (apud SARTORI e BRITTO, 2004, p.33).

Segundo a vertente feminista, em nossa sociedade, por exemplo, a divisão sexual teria
sido uma das primeiras razões aparentes para a legitimação da divisão do trabalho, o que por
sua vez conduziu à divisão de classes, impregnando, conseqüentemente, todos os demais
espaços sociais, políticos, as manifestações culturais e religiosas. Autores mais atuais
(GROSSI, 1998; SCOTT, 1990) embora não renunciem a esta hipótese, preferem ampliar o
conceito para além da divisão sexual, considerando gênero como

um instrumento de ordenação do mundo, e mesmo não sendo anterior à organização


social, ele é inseparável desta. Portanto, o gênero é a organização social da diferença
sexual. Ele não reflete a realidade biológica primeira, mas ele constrói o sentido
dessa realidade. A diferença sexual não é a causa originária da qual a organização
social poderia derivar. Ela é antes uma estrutura social movente, que deve ser
analisada nos seus diferentes contextos históricos (HEILBORN e RIAL apud
GROSSI, 1998, p.06).

Em outras palavras, gênero é uma classificação que não se estabelece somente sobre a
diferença de sexo, mas, acima de tudo, uma categoria que serve para dar significado a esta
diferença (SCOTT, 1990).

Com essa herança feminista, os estudos de gênero centraram seu foco na imagem da
mulher, tomando-o quase que como um sinônimo de estudo sobre mulheres, o que tem
deixando em desconforto alguns estudiosos. Contudo é preciso ressaltar que as identidades
masculinas e femininas se constroem de forma relacional, pois existe uma

9
Ver: FARIA, 2002; JESUS, 2003; MELLO, 2005; PIEDADE, 2004; MENEZES BASTOS, 1999; WELTER,
1999; BRETT e WOOD, 2002; MATOS, 2004; BARBOSA V., 2006; BARBOSA M., 2005; BITENCOURT,
2001; ERTZOGUE, 2002; NUERNBERG, 2005; GROSSI, 1998.

16
complementaridade entre ambas as partes. Por isso, atualmente tem-se preferido adotar o
termo relações de gênero, visto que

“é impossível tornar-se mulher na nossa sociedade, sem ter conhecimento do que


significa tornar-se homem, assim como creio que é impossível tornar-se negro, sem
ter conhecimento do que significa tornar-se branco – e vice-versa” (CORRÊA). No
entanto, deve-se registrar que isso apenas recentemente tem chamado a atenção dos
pesquisadores e das pesquisadoras. [...] Um outro aspecto que o termo ‘gênero’
permite, para além da substituição do termo ‘mulheres’, é que a sua utilização
sugere que qualquer informação sobre as mulheres refere-se necessariamente aos
homens. Segundo essa interpretação, o estudo das mulheres de maneira isolada
perpetua o mito de que apenas a experiência de um sexo tem visibilidade e que tem
muito pouco a ver com a de outro (SARTORI e BRITTO, 2004, p.34-35).

Ou seja, quando se trata de gênero não existe um estudo sobre mulheres ou sobre
homens isoladamente, mas sim estudo sobre a relação estabelecida entre os sexos. “O
indivíduo não pode ser pensado sozinho: ele só existe em relação” (GROSSI, 1998, p.06).
Portanto, há a necessidade de referências concretas, de análises comparativas e relacionais
sobre a identidade masculina e feminina para compreender a posição de cada gênero na
sociedade, a valorização ou desvalorização de seu trabalho, de seus papéis sociais, de suas
condutas, de seus deveres e obrigações, etc.

Como gênero é relacional, quer enquanto categoria analítica quer enquanto processo
social, o conceito deve ser capaz de captar a trama das relações sociais, bem como
as transformações historicamente por elas sofridas através dos mais distintos
processos sociais, trama essa na qual as relações de gênero têm lugar (SAFFIOTI,
1992 apud http://www.mj.gov.br/sedh/ct/genero.ppt).

1.1.2 Gênero e Música

Pesquisas sobre música e gênero tiveram maior abrangência em países como EUA e
Inglaterra, sendo estes considerados os precursores na abordagem deste assunto. Segundo
Holanda e Gerling (2005) e Mello (2007), os primeiros vestígios começaram por volta anos
1980 nos Estados Unidos, com as primeiras antologias de partituras e biografias de
compositoras. Nos anos 1990 Susan McClary (1991), Lawrence Krammer (1990) e Marcia
Citron (1993), levantaram os primeiros debates sobre as metáforas de gênero no código

17
musical, mostrando como convenções e construções retóricas da teoria e análise musical
podem estar repletas de metáforas sexuais construídas a partir de sensações e impressões que
refletem majoritariamente o modelo de masculinidade. Ainda na década de 90, outras autoras
como Ellen Walterman (1993), Suzanne G. Cusick (1994) e também as já citadas Marcia
Citron (1993) e Susan McClary (1991) procuraram perceber pontos diferenciais nas estruturas
e elaborações de composições, arranjos e interpretações em atividades femininas, a fim de
revelar como as mulheres encontram mecanismos para expressar sua subjetividade em um
sistema musical construído sobre o domínio patriarcal.

Sendo assim, em linhas gerais, os estudos de gênero em música estão centrados


principalmente nos seguintes pontos: estudos sobre o código musical, onde se analisam as
representações de gênero presentes como metáforas na teoria da musica tradicional e como as
mulheres se utilizam deste código para expressar sua subjetividade; análise e observação das
performances musicais, onde se procura perceber o emprego maior ou não da corporalidade,
sensualidade, e as diferenças e semelhanças de atitude na realização musical entre sexos;
investigação do discurso presente nas letras das músicas (desde óperas até canções populares,
folclóricas, etc) onde se faz menção às relações afetivas, sociais e morais entre homens e
mulheres; observação sobre a presença das mulheres nos ambientes musicais, principalmente
exercendo funções consagradas aos membros do sexo masculino, como por exemplo:
mulheres compositoras, mulheres regentes, bateristas, baixistas, Djs, etc.

No Brasil, as grandes temáticas que permeiam as discussões em torno da categoria de


gênero têm pouca repercussão nos estudos sobre música, sendo abordado, na maior parte das
vezes, questões que dizem respeito ao trabalho, violência e sexualidade. Os estudos que
envolvem a questão de gênero na música brasileira apontam predominantemente para a
análise do discurso embutido nas letras das canções, onde se coloca em evidência a
representação feminina. Estes estudos revelam que o conteúdo da letra, na maior parte das
vezes, tende a reproduzir os estereótipos de masculinidade e feminilidade. Neste caso, a figura
feminina aparece constantemente subjugada aos valores morais de uma sociedade onde o
papel da mulher deve ser o de submissa. Assim, de modo geral, em se tratando das letras, a
música freqüentemente não aparece como um instrumento contestador ou transformador, mas
sim como consolidador dos papéis de gênero vigentes, mesmo quando composto por
mulheres. Estes estudos são, na sua maioria, dirigidos por áreas do conhecimento alheias à
musicologia, como é o caso dos estudos em Letras e Literatura (BELTRÃO, 1993; SANTA
CRUZ, 1992; BARBOSA, M., 2005), Ciências Sociais e Ciências Políticas (COSTA, 2006;
18
BARBOSA, V., 2006, VIANNA L., 1998), História e História Social (FARIA, 2002;
ERTZOGUE, 2002; VEIGA 2006; PARANHOS, 2006; MATOS, 2004).

Outra vertente tem se dedicado a identificar onde estão as mulheres no meio musical,
que funções exercem e qual a importância delas no contexto social da sua época. Nesta linha
também se destacam os estudos biográficos de mulheres que tiveram significativa repercussão
nos ambientes artístico-musicais de sua época (STIVAL, 2004; BARONCELLI, 1987;
PACHECO e KAYAMA, 2006; WELLER, 2005; DINIZ, 1984; KATER, 2001; LIRA, 1978;
SCARINCI, 2006).

A antropologia tem dado certo destaque a esta discussão, ao olhar para a questão de
gênero e música a partir de outras culturas, principalmente as indígenas, como é o caso dos
estudos em Etnomusicologia que vêm sendo realizados nas aldeias indígenas brasileiras
(MELLO, 2005; PIEDADE 2004; MENEZES BASTOS, 1999). Na Musicologia, Holanda
(2006) traz em sua tese uma importante discussão sobre a questão de gênero na linguagem
musical10, acompanhada no campo da Educação Musical por Helena Lopez da Silva (2000)
que conduz proveitosas reflexões em relação à construção da identidade de gênero na
adolescência a partir dos usos simbólicos da música no espaço escolar.

Na Universidade do Estado de Santa Catarina, nos últimos anos, uma série de estudos
foram fomentados na linha etnomusicológica através do projeto de pesquisa Relações de
Gênero e a Produção Musical Contemporânea Brasileira, coordenado pela professora Maria
Ignez Cruz Mello, os quais destacamos: Mello (2007); Gomes e Mello (2007); Gomes e Mello
(2008a); Gomes, Mello e Piedade (2008b); Dias e Mello (2007); Dias, Mello e Piedade
(2008); Schneider, Mello e Piedade (2008).

10
Joana Holanda (2006) conduz uma investigação sobre a música de Eunice Katunda e Esther Scliar, a partir de
suas trajetórias individuais e pela análise musical das obras Sonata Louvação e Sonata para Piano das
respectivas compositoras. Esta pesquisa é um importante referencial sobre os estudos de gênero em música, visto
que “esta questão é problematizada tanto no estudo do texto musical [análise], a partir do referencial teórico de
estudos de gênero em música, [mais especificamente focalizando código e conceitos musicais], quando na
abordagem de suas trajetórias” individuais (p. 19); onde a questão é problematizada a partir do contexto sócio-
cultural; do engajamento das compositoras em diversos movimentos como o grupo ‘música viva’, o
nacionalismo, o partido comunista (PCB); e também pela sua intransferível identidade social, como sujeito
‘mulheres’.

19
1.2 O CONCEITO DE COMUNIDADE

De acordo com a literatura sociológica mais antiga, tratar de comunidade é referir-se a


um conjunto de pessoas com interesses em comum, que convivem num mesmo espaço, ou
seja, uma determinada área geográfica com dimensões bem determinadas (LENHARD, 1980;
CINOY, 1967), como “uma aldeia ou vila, um conjunto de sítios dispostos ao redor de uma
capela, escola, venda, etc., uma cidade pequena ou grande” (LENHARD, 1980, p. 37). Neste
caso, as pessoas que integram uma determinada comunidade desenvolvem um conjunto de
traços específicos com os quais passam a se identificar, como por exemplo, linguajar,
vestimentas, costumes, comportamentos, regras locais, etc. Assim, os elementos fundamentais
que classificam um determinado agrupamento de pessoas como uma ‘comunidade’ são a
homogeneidade, coesão, interesses em comum, consenso, solidariedade, cooperação,
identificação dos sujeitos entre si e com o espaço geográfico que ocupam (ARCOVERDE,
1985).

No entanto, as comunidades não formam um grupo isolado, integrando um conjunto


maior, as chamadas sociedades, estando submetidas a estas, conforme descreve Chinoy
(1967):

Existe óbvia imbricação entre comunidade e sociedade, as quais, em pequenas


sociedades coesas, são virtualmente idênticas. Mas dentro da maioria das
sociedades há, por via de regra, subdivisões geograficamente distintas, a que
chamamos vilas, aldeias, povoações, cidades e, às vezes, bairros dentro de cidades.
Como parte de um conjunto maior, essas comunidades geralmente não são
independentes mas, sem embargo disso, é possível a homens viverem a vida inteira
dentro de seus limites. Nas próprias metrópoles encontramos áreas em que muitos
residentes locais nasceram e foram criados, nas quais trabalham, entretêm-se,
casam, constituem famílias e esperam ser enterrados (op. cit, p. 83-84).

Com a expansão do capitalismo – e impulsionado também pelas intensas revoluções


tecnológicas – novos valores vão sendo incorporados às sociedades modernas, transformando
as formas de relacionamento entre os indivíduos destes pequenos núcleos, ou seja, as
comunidades. O individualismo se sobrepõe ao coletivismo presente no ‘espírito
comunitário’; a coesão, harmonia entre os indivíduos é submetida ao conflito, pois a

20
desintegração gera mais lucros ao sistema capitalista, conforme revela Bauman (2003)11; o
sucesso pessoal, o triunfo, o lucro a qualquer custo e conseqüência invade o terreno da
solidariedade, da fraternidade, da partilha.

Assim, a presença e organização das comunidades no mundo contemporâneo passaram


a representar um campo inóspito ao sistema capitalista, pois os valores que elas carregam
estão em desarmonia com aqueles necessários para sustentá-lo (BAUMAN, 2003). Por isso,
muitos destes núcleos comunitários passaram por uma forte desarticulação interna nas últimas
décadas, tornando-se, com isso, cada vez mais raro no mundo contemporâneo comunidades
que ainda preservam elevado grau de coesão, especialmente nos grandes centros urbanos.

No contexto contemporâneo, o termo ‘identidade’ passou a adquirir maior projeção no


meio acadêmico, visto que reflete a realidade e os valores desta nova sociedade, calcada no
individualismo, no ser diferente, no único, enquanto que ‘comunidade’ tem se tornado um
conceito cada vez com menos sentido prático, obsoleto, fora de moda, caindo em desuso
(BAUMAN, 2003). No entanto, isto não significa que comunidades deixaram de existir,
apenas passaram a representar um campo de estudo menos interessante frente às novas formas
de relações sociais.

A organização social no mundo contemporâneo tem levado a diferentes formas de


estruturação social, neste caso, menos em função da identificação com a terra, com a origem
étnico-racial, origem genealógica, e mais em razão de uma soma de interesses particulares e
ideológicos em comum, como é o caso das “comunidades religiosas”, as “comunidades
científicas”, “comunidades virtuais”, entre outras. Como percebemos, o termo ‘comunidade’
ressurge no vocabulário moderno, contudo, adquire valores e sentidos distantes do
originalmente designado a este conceito. Neste caso, percebemos na literatura uma crítica
quanto ao uso e abuso deste termo, como observou recentemente Eric Hobsbawm (apud
BAUMAN, p. 20), “a palavra ‘comunidade’ nunca foi utilizada de modo mais indiscriminado
e vazio do que nas décadas em que as comunidades no sentido sociológico passaram a ser
difíceis de encontrar na vida real”.

11
Segundo Bauman (2003, p. 95), a estratégia dos capitalistas é adotar “o antigo e bem usado princípio de
dividir para reinar, ao qual os poderes de todos os tempos alegremente recorreram sempre que se sentiram
ameaçados [...]. Quando os pobres brigam entre si, os ricos têm todas as razões para se alegrar”. O autor cita um
trecho de Richard Rorty que sintetiza os usos atuais desta estratégia: “O objetivo será manter 75% dos
americanos e 95% da população mundial ocupados com hostilidades étnicas e religiosos... Se os proletários
puderem ser distraídos de seu próprio desespero por pseudo-eventos criados pela mídia, incluindo uma breve e
sangrenta guerra ocasional, os super-ricos nada terão a temer”.

21
1.2.1 Comunidade e o Mont Serrat

A forma de organização dos moradores do Mont Serrat, sua forte articulação político-
social calcada num sistema de ajuda mútua, de solidariedade, de luta por seus direitos, o
apego a um território (o morro) apoderado há décadas por seus ancestrais e uma identidade
étnico-racial comum, indica que esta localidade se trata de uma das poucas comunidades
remanescentes dos grandes centros urbanos. De acordo com Eronildo C. de Souza (1992, p.
1) “a comunidade de Mont Serrat apresenta aspectos organizacionais bastante peculiares e de
alto espírito comunitário, sempre na busca dos mais diversos caminhos para promover o bem
estar de seus moradores”. O termo ‘comunidade’ está incorporado também no discurso de
muitos moradores, os quais comumente referem a sua região como “a comunidade do Mont
Serrat”, conforme percebemos nestes trechos de entrevistas:

“O nosso morro é uma comunidade com boa organização social. Temos posto de saúde,
escola, creche, centro cultural e um conselho comunitário. O nosso Morro é uma
comunidade” (Luciana)12.

“O Mont Serrat não é uma favela. Não, não é não! [...] Eu gosto mesmo é dizer que
eu moro na comunidade do Mont Serrat” (Dona Bibina)13.

“Eu não moro em uma favela porque aqui temos um desenvolvimento comunitário”
(Dona.Maria)14.

Em suas falas percebemos também o aspecto comunitário no apego a terra que ocupam
e no vínculo estabelecido com os demais moradores:

“Pra mim aqui é o melhor morro que existe. É um privilégio estar aqui, eu não quero sair
daqui por nada. É tranqüilo, todo mundo é conhecido. Tem bastante gente que é unida, pra
mim é o melhor lugar” (Clarice)15.

“Ser morador do Mont Serrat é amar aquele pedacinho que gerou ele. Eu digo isso porque
nasci aqui e não tem como eu sair daqui. [...] É uma comunidade que sempre persistiu nas
coisas. Sempre esteve à frente, sempre lutou. [...] O Mont Serrat é conhecido como o que

12
Luciana Varella, entrevista concedida à Maria Conceição Coppete (2003, p. 34).
13
Felisbina Costa (Dona Bibina), entrevista concedida à Maria Conceição Coppete (2003, p. 33).
14
Maria Varella, entrevista concedida à Maria Conceição Coppete (2003, p. 32)
15
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).

22
sempre sai na frente das outras comunidades. Então morar aqui é ter tudo. Se me perguntam:
‘Teco, queres sair daqui?” Pra quê, pra morar no centro da cidade?” (Seu Teco)16.

“Eu sempre digo assim: a comunidade Mont Serrat é a melhor que tem! Tem uma escola; tem
uma creche pra cuidar das crianças; tem um centro cultural que dá toda assistência para
nossas gurizadas, para nossos jovens; tem uma escola de samba que dá lazer. Tem tudo! O
que falta mais? Somos acolhedores! O que falta mais?” (Dona Uda)17.

Esse reconhecimento coletivo em torno de uma “comunidade do Mont Serrat” ganhou


força a partir do final dos anos 1980, quando a igreja católica intensificou suas ações no
morro a fim de desenvolver uma nova identidade para seus habitantes, baseando-se para isso
na história deste povo, na cultura afro-brasileira e na religiosidade popular. Antes disso, a
localidade era conhecida apenas com Morro da Caixa d’Água, como ainda é reconhecida por
alguns moradores e por algumas pessoas de fora. Silva (2006, p. 118) ao analisar a relação da
Escola de Samba Copa Lord com a comunidade percebe que o termo “Morro da Caixa se
torna uma referência menos importante diante das reivindicações dos moradores da
comunidade [...]”. A mudança do local de referência da escola de samba de ‘Morro da Caixa’
para ‘Mont Serrat’ foi observada pela autora em sambas-enredo mais recentes e, segundo ela,
essa modificação “pode estar relacionada ao envolvimento da igreja católica nos processos
reivindicatórios dos moradores da comunidade da Embaixada Copa Lord” (op. cit, p. 117).

Neste sentido, podemos dizer que a mudança do nome deste morro fez (e ainda está
fazendo) parte do processo de construção de uma nova identidade para muitos moradores,
principalmente para aqueles vinculados a instituições articuladas ao movimento católico,
como é o caso da Copa Lord, da Escola Básica Lúcia Livramento Mayvorne, do Centro
Cultural Escrava Anastácia, do Centro Comunitário, e da própria Igreja Católica. Além disso,
a mudança de referência está oficializada a nível governamental, a qual pode ser percebida
nos letreiros dos ônibus, nos projetos da Prefeitura e do Estado.

No entanto, permanece ainda o forte reconhecimento de alguns moradores torno do


termo Morro da Caixa, o qual percebemos, por exemplo, nas composições dos rappers da
comunidade (ver: anexo C); na fala de alguns sambistas mais antigos, como no caso do Avez-
Vous, o qual coloca em seu livro o Mont Serrat como sendo um território dentro do Morro da
Caixa (ver: Blumenberg, 2005); no discurso dos evangélicos, os quais tendem a conflitar com

16
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
17
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.

23
o termo Mont Serrat por remeter diretamente à imagem de uma santa católica (a Virgem do
Mont Serrat), o que está em desacordo com sua doutrina religiosa.

Por outro lado, atualmente o peso do sistema capitalista neoliberal também tem
produzido na comunidade novas formas de se viver neste mundo pós-moderno, por vezes,
distante do ideal comunitário. Isto é de alguma forma percebido pelos moradores, os quais em
reuniões e encontros constantemente vêem se queixando da pouca participação e da
desintegração dos moradores.

“Ta faltando também um pouco de união. Se todo mundo der as mãos, conversar, trazer
propostas, idéias para melhorar, eu acho que a coisa ia avançar, ira ser bem melhor. [...] As
famílias estão muito dispersas, tu poder ver isso na escola. Antes a gente fazia uma reunião,
vinham cento e poucas pessoas. Enchia o auditório! No dia que a gente conseguir uma
família participativa, se nossa comunidade é a melhor, vai se tornar nem sei o quê!”
(Dona.Uda)18.

Percebe-se hoje que os moradores desta região não formam um grupo tão coeso como
há poucas décadas atrás. Além da falta de participação de diversas famílias nas atividades
locais, muitos dos pequenos núcleos, ou seja, as ‘pequenas comunidades’ que formam a
‘grande comunidade do Mont Serrat’, como por exemplo, a ‘comunidade evangélica’, a
‘comunidade copalordense’, a ‘comunidade católica’, a ‘comunidade do pastinho’, cada vez
mais buscam uma identidade própria, uma atuação independente, distanciando-se umas das
outras.

Assim, por vezes, percebemos que o uso da expressão ‘comunidade do Mont Serrat’
surge no discurso dos moradores mais tradicionais na angústia de preservar algo que está se
esfacelando aos seus olhos, uma tentativa de revitalizar uma forma de viver que já não existe
mais em seu sentido integral – ou ao menos como foi no passado –, mas que se espera
ansiosamente retomar. O conflito entre tradição (comunitarismo) e modernidade
(individualismo) transfigura a cada dia o conceito tradicional de ‘comunidade’ na vida dos
moradores do Mont Serrat, dando forma a uma nova e complexa ‘identidade’ para seus
habitantes. Neste sentido, Queiroz (2002), sintetiza este conflito ao argumentar que

as interlocuções entre preservação e mudança são requisitos básicos para a


existência da própria tradição, não podendo esta ser a repetição das mesmas
seqüências ou a tradução de um estado imóvel da cultura que se transmite de uma
geração para outra. A atividade e a mudança estão na base do conceito de tradição.
(op. cit, p.135).

18
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.

24
2 A MÚSICA NA COMUNIDADE DO MONT SERRAT

2.1 REMINISCÊNCIAS: marcas que sobrevivem no sangue e na memória

2.1.1 Cacumbi

Cacumbi, catumbi, ticumbi, quicumbi, Natal dos Pretos, festa de Nossa Senhora do
Rosário são os vários nomes que recebe esta manifestação afro-brasileira que acontecia em
diversas regiões do Estado de Santa Catarina. Na década de 1990, de acordo com
levantamento feito Alves et al (1990), havia apenas dois grupos em todo Estado, com
características bem diferentes: o Cacumbi de Itapocu e o Cacumbi do Capitão Amaro.
“Enquanto grupo de negros de Itapocu realiza um ritual em homenagem a Nossa Senhora do
Rosário, na época de natal, o grupo [Capitão Amaro] de Florianópolis apresenta-se ao público
urbano com um espetáculo” (ALBUQUERQUE apud LUZ, 2006, p. 71). Em levantamento
mais recente, Soares (2002) destaca também a presença de dois grupos, o de Capitão Amaro e
o de Araquari. Atualmente, esta talvez seja a manifestação folclórica catarinense mais
esquecida e abandonada, “condenada a um desaparecimento sem vestígios”, conforme
descreve a própria prefeitura de Florianópolis19.

Há poucos registros desta prática dentro da comunidade do Mont Serrat, mesmo os


moradores mais antigos pouco se recordam a respeito desta manifestação tipicamente afro-
descendente. Encontramos algumas referências ao cacumbi em alguns sambas-enredo
produzidos pela Escola de Samba Copa Lord.

19
Informação extraída do site da prefeitura municipal, a qual disponibiliza um Roteiro das manifestações
culturais do município. Disponível em <http://www.pmf.sc.gov.br/turismo/lazer_cultura/_html/ folclore.htm#>.
Acessado em: 26 set. 2008.

25
Capoeira, cacumbi
É chique é charme é show
Negro, negro...
(samba-enredo, Copa Lord, 2002).
clique para ouvir

Tem cacumbi, boi-de-mamão


e pau de fita, lendas e mitos
deste povo sonhador.
(samba-enredo, Copa Lord, 2007).
clique para ouvir

Outra referência ao cacumbi encontramos no livreto Memórias20, produzido pela


comunidade, o qual descreve que na época da chegada dos primeiros negros ao Morro da
Caixa “[...] os divertimentos eram o cacumbi, boi-de-mamão, bailes, entrudo” (op. cit, p. 7).

Grande parte dos primeiros moradores que migram para o Mont Serrat veio da Região
do Alto Biguaçu, atualmente município de Antônio Carlos, SC. De acordo com Araújo
(2006), o fluxo migratório entre essas regiões teve início a partir dos anos 1920, tendo seu
auge nos anos 1950 e 1960, época em que muitas famílias foram atraídas por parentes já
estabelecidos no morro, os quais haviam migrado anos antes.

Neste período de maior trânsito migratório, um grupo de Cacumbi teria sido “registrado
na década de 50 pelo pesquisador W. Piazza no interior de Biguaçu, na localidade de Cachoeira”
(ALVES et al., 1990, p. 33). Assim, possivelmente, alguns integrantes desmembraram-se desse
grupo para habitar no então Morro da Caixa (Mont Serrat). Seu Gentil, ao recordar a época de sua
juventude, descreve como teria se dado esse processo de integração do Cacumbi na comunidade.

“[...] que eu tinha mais conhecimento assim na minha juventude, é que vinha muito cacumbi
do Alto Biguaçu até porque a comunidade ali do Mont Serrat ela praticamente veio toda de lá
do Alto Biguaçu. De Biguaçu que vieram morar aqui, trabalhar por aqui, [...] iam subindo o
morro e já iam ficando e foi criando essa comunidade. Aí então eu sei que nos domingos
sempre tinha o cacumbi, eles diziam que era do Alto do Biguaçu. Aí depois, com os eventos,
acompanhando eventos é que eu tive a satisfação de conhecer o cacumbi do Capitão Amaro”
(Seu Gentil)21.

20
No ano de 1992, algumas lideranças da comunidade do Mont Serrat, estreitamente ligadas ao movimento
católico, lançaram um pequeno de livrete intitulado Memórias: a caminhada de gente que faz e conta a sua
história. Através das lembranças de alguns moradores, esta obra procurou reconstruir um pedaço da história
daquela localidade. De acordo com Araújo (2006, p. 94), “o livrete foi elaborado em um momento no qual a
comunidade passava por um processo de reorganização social, inspirado pelos movimentos sociais dos anos
1980”.
21
Gentil Camilo do Nascimento Filho (Seu Gentil) entrevista concedida a Daniel Luz (2006, p. 40).

26
Para seguirem praticando o ritual em sua forma completa, provavelmente os moradores
tinham que se dirigir a grupos de outras localidades, visto que na comunidade não há registro de
nenhum grupo de Cacumbi estabelecido, embora seu Gentil tenha nos dado pistas de que aos
domingos o cacumbi era de alguma forma relembrado pelos moradores recém chegados. Segundo
a pesquisadora Jucélia Maria Alves et al. (1990), a qual desenvolveu um amplo estudo sobre o
Cacumbi em Santa Catarina, em Florianópolis, além do Cacumbi do Capitão Amaro,

Há indícios da existência de Cacumbis em outras localidades. Na ilha de Santa


Catarina parece que havia juizado (juizado de São Benedito) na localidade de Canto
da Lagoa. É possível que também houvesse pelo menos a dança do Cacumbi em
Vagem Grande [...] [Segundo relatos do] Capitão Amaro para a pesquisadora Telma
Piacentini, [...] nas décadas de 30 e 40 houve festivais de encontros entre outros
grupos de Cacumbi da região da Grande Florianópolis (op. cit, p. 34 e 53).

Assim, os indícios apontam que na comunidade do Mont Serrat o cacumbi sobreviveu


de forma fragmentada. Através da memória oral, contos e lendas do folclore eram passados
para as novas gerações, possivelmente os cantos eram relembrados, talvez alguns passos da
dança, conforme descreve Seu Gentil.

“O cacumbi que eu comecei a conhecer inclusive catado por meu pai” (Seu Gentil)22.

Seu Gentil23 hoje é um dos poucos, talvez o único morador da comunidade que através
da sua cantoria e seu orocongo guarda alguns dos mistérios desta antiga manifestação
popular24.

Seu Gentil em sua residência no Mont Serrat.

22
Gentil Camilo do Nascimento Filho (Seu Gentil), entrevista concedida a Daniel Luz (2006, p. 40).
23
Gentil Camilo do Nascimento Filho – ou Gentil do Orocongo, como é popularmente conhecido – é um ilustre
morador da Comunidade do Mont Serrat. Suas peculiaridades são tão marcantes que Daniel Luz (2006)
desenvolveu uma etnografia especificamente sobre a arte e a vida deste personagem. “Falar de Gentil é contar da
arte de construir e tocar o orocongo, é mostrar um pouco da cultura de Santa Catarina e de Florianópolis” (LUZ,
2006, p. 25).
24
Para saber mais sobre o Cacumbi, sua forma, vestimentas, músicas, significados, origens, ver: Alves et al
(1990); Soares (2002); Luz (2006); Souza P., (2006).

27
2.1.2 O Canto das Lavadeiras

Da primeira metade do século XX até meados dos anos 70, um dos ofícios mais
comuns desempenhados pelas mulheres do Mont Serrat foi o de lavadeira. O Morro oferecia
uma estrutura com diversas fontes naturais, o que favorecia essa prática. De acordo com Seu
Teco,

“Os dois lugares que mais tinha lavadeira [em Florianópolis] era o Mont Serrat e o
Itacorubi. A gente tinha que levar a roupa lá no centro, e quando descia, dia de chuva tinha
que se cuidar, porque se bobeasse sujava a roupa e tinha que lavar tudo de novo”
(Seu.Teco)25.

Com isso, moradia e trabalho compartilhavam o mesmo espaço. A água jorrava em


abundância em três pontos do morro e, portanto,

[...] aqueles que moravam na rua geral, chamada na época de Rua Lages (atual rua
General Vieira da Rosa), utilizavam a nascente do alto do morro (onde hoje se
localiza a escola Lúcia do Livramento Mayvorne). As lavadeiras que moravam
abaixo da Igreja, assim como aquelas moradoras do Pastinho, subiam a rua do
Encano, desciam e utilizavam as águas da atual região da Caieira. A Invernada, um
terreno pertencente ao Estado (onde atualmente se localiza a creche), era outro
ponto muito utilizado para construir fontes (Araújo, 2006, p. 130).

A lavação apresentava-se como uma das poucas formas das mulheres do morro
gerarem alguma renda para sua família, o que, em muitos casos, podia significar o único
subsídio financeiro do qual podiam contar. Desfrutavam deste serviço as famílias mais
abastadas residentes no centro da cidade, além de hotéis, bares e restaurantes. Contudo, mais
do que um simples modo de ganhar dinheiro, a lavação consistia em um momento de
articulação política (resistência), sociabilidade e expressão musical, conforme veremos a
seguir.

“era interessante a maneira como elas descobriam que alguém precisava de lavação. Era
assim: Uma dizia pra outra: ‘ – Ó, lá onde minha filha trabalha precisa de lavadeira’. Ou
então ‘ – a madame (fulana de tal) da cidade está precisando de lavadeira.” (Dona Uda)26.

O relato de Dona Uda nos revela que através da lavação as mulheres se protegiam e
ajudavam umas as outras, exercendo a solidariedade. A oferta de trabalho compartilhada entre

25
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
26
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida à Maria C. Coppete (2003, p. 68).

28
as vizinhas garantia que o negócio permanecesse entre as moradoras da comunidade.
Michelle Perrot (apud COPPETE, p. 68), em seus estudos sobre mulheres em um lavadouro
da França no século XIX, também constatou que o espaço de trabalho representa “para elas
muito mais do que um lugar funcional onde se lava a roupa; é um centro de encontro onde
trocam as novidades do bairro, (....) receitas, remédios, informações de todos os tipos.”
Provavelmente, a situação deveria ser muito similar entre as lavadeiras do Morro da Caixa.

A música era uma constante que permeava todas as etapas do trabalho de lavação –
durante as lavagens, na subida e descida do morro, enquanto esperava a roupa ferver e secar –
e esta se fazia presente através do canto das lavadeiras.

“[...] lavava e ali já tinha uma lata pra gente ferver a roupa e ali fervia tudo. Enquanto
fervia, já ia lavando. [...] Ali a gente cantava, contava história... ali secava a roupa. A música
saía assim... a gente ia inventando” (Dona Uda)27.

Não há registros de como eram exatamente esses cantos, quais as músicas, como eram
interpretadas, mas segundo os relatos das moradoras, tratavam-se na maioria das vezes de
cantos religiosos, possivelmente cantos trazidos dos encontros na igreja, da catequese, das
procissões, das festividades.

“Era gostoso principalmente levar a roupa. Mas a farra maior era quando nós voltávamos.
[...] Cantávamos geralmente cantos sacros e vínhamos batendo palmas no escuro. Não havia
luz. Era noite. [...] Descíamos o morro baixo e não tínhamos vergonha. Quando as trouxas
eram maiores, as mulheres desciam com elas na cabeça. Todos levavam trouxas, até as
crianças” (Dona Uda)28.

Além de alegrar as atividades ligadas ao trabalho de lavação, o canto servia como uma
forma de aliviar o sofrimento de mulheres que no seu dia-a-dia tinham que suportar condições
precárias de subsistência, falta de alimentos, longas horas de jornada de trabalho e
preconceitos de todos os tipos.

“Nos íamos às 7 horas da manhã e voltávamos às cinco ou seis da tarde. Já vinha com a
roupa sequinha, dobradinha. Muitas vezes ficava lá o dia inteiro sem comida. Então a gente
cantava, assobiava pra esquecer da fome. Conversava. Quando tinha um pouquinho de
comida, repartia. Um comia do outro.” (Dona Bibina)29.

27
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida à Maria C. Coppete (2003, p. 73).
28
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida à Maria C. Coppete (2003, p. 67).
29
Felisbina Costa (Dona Bibina), entrevista concedida à Maria C. Coppete (2003, p. 68).

29
O livreto Memórias, redigido pelos moradores da comunidade, também revela a rotina
sofrida dessas mulheres ao lembrar da história de Dona Catarina30 que, orando em forma de
cantos, buscava forças para seguir adiante em sua jornada.

Dona Catarina nunca teve medo de lutar. Ela descia e subia o morro 5 vezes por dia
para lutar pela sobrevivência. Lavou muito tempo roupa na cachoeira. Lá pelas 5
horas da manhã se dirigia para a cachoeira. Era a primeira a chegar e enquanto
lavava, cantava hinos de louvor a Deus. Eram orações pedindo que Deus a
protegesse e lhe desse forças para trabalhar e sustentar seus filhos (Memórias, 1992,
p.22).

Imagens ilustrativas

Com isso, o que se percebe é que as fontes se constituíam especialmente em um


território das mulheres e das crianças. Um espaço de afirmação, de construção de uma
identidade feminina e comunitária onde o ruído das águas se misturava aos seus cantos,
ficando estes resguardados pela tradição oral. Hoje as fontes já não existem. Consumidas pela
urbanização, transformaram-se em um córrego que desce o morro exalando mau cheiro,
resultado da falta de investimento do poder público em saneamento básico na região. Além
disso, avançadas tecnologias vêm cada vez mais substituindo o trabalho manual, neste caso, o
trabalho das lavadeiras faz-se cada vez menos necessário diante das modernas máquinas que
lavam à quente, centrifugam e secam as roupas em poucos minutos. Sem dúvida, estas
máquinas, embora vilãs das antigas lavadeiras, representaram um marco para os movimentos
feministas, pois, somadas às outras conquistas, possibilitaram às mulheres dedicar menor
tempo às atividades domésticas.

30
Só para citar algumas, além de Dona Catarina, destacaram-se como lavadeiras também Dona Bibina, Dona
Daura, Dona Uda, Dona Isolete, Marlete, Dona Paulina, Vó Rita, Dona Darci, Bia, Paulina, Maria Augusta,
Jordelina, Antônia, Gina, Maria do Geraldino, Vó Bertolina. Alguns destes nomes foram recolhidos do libreto de
memórias e outros de relatos dos moradores. Seguramente outras tantas mulheres ficaram de fora desta listagem.

30
Com isso, as lavadeiras e seus cantos ficaram apenas na memória, nas histórias
contadas pelos moradores mais antigos, por vezes relembradas e homenageadas: “[...] vai iô
iô, vai buscar água na bica pra regar o nosso amor / e as lavadeiras estendem suas roupas
no varal / Hoje tem pagode no pastinho / improvisado lá no fundo do quintal [...]” (Samba-
enredo “A voz e a vez do morro”, Copa Lord, 1989).

Em diversas localidades do Brasil encontramos história de tantas outras lavadeiras de


origem similar às mulheres do Morro da Caixa. Algumas conseguiram vencer a barreira do
mundo pós-moderno e continuam seu oficio até hoje em bicas improvisadas no alto dos
morros. Outras encontraram no seu canto uma nova perspectiva de vida como, por exemplo,
as Lavadeiras de Almenara31 do vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, as quais gravaram
CDs e atualmente fazem apresentações musicais até pelo exterior.

Embora há muitos anos não se ouça mais o canto das lavadeiras subindo e descendo o
morro da Comunidade do Mont Serrat, resquícios desta tradição permanecem no convívio de
várias famílias. Nas casas do terreno de Seu Teco32, por exemplo, a cantoria rola solta durante
as atividades domésticas, por sinal, cantos religiosos, assim como faziam as lavadeiras33.
Desse modo, o que se percebe é que estes cantos de trabalho ainda permanecem vivos na
comunidade, em outras formas, outros espaços, outras pessoas, outros significados.

Os cantos de trabalho formam uma categoria padronizada pela Etnomusicologia,


sendo classificados como elementos constitutivos da cultura popular regional e do repertório
folclórico musical. Por via de regra, acompanham a realização de trabalhos manuais,
representando a arte verbal e popular de um determinado grupo social, sendo transmitido
oralmente, de pessoa para pessoa, sem possuir autoria identificada, por vezes, chegando a
transcender ao seu espaço e comunidade de origem (ERTZOGUE, 2002). Assim como os
cantos das lavadeiras, muitos outros cantos de trabalho estão se tornando cada vez mais raros
no mundo contemporâneo devido ao processo de mecanização das tarefas e à acentuada
divisão (especialização) do trabalho.

31
Fundado em 1991, o coral das Lavadeiras de Almenara gravou os CD-livros “Batukim Brasileiro” (2002) e
“AQUA” (2005).
32
O terreno de seu Teco forma parte de um complexo de 14 casas, onde não há qualquer divisória como muros,
cercas, linhas. Neste espaço residem apenas membros de sua família.
33
Pude observar a constância desse acontecimento ao longo da minha convivência de aproximadamente quatro
anos com a família de Seu Teco. Nos finais de semana, após as refeições – momento de arrumar a cozinha, lavar
a louça, limpar o chão – sua filha (Marlete) e netas (Priscila e Débora) sempre puxam longas cantorias que só
param quando o serviço termina. Por vezes, é possível ouvir até melodias em terças. Contudo, não foi possível
constatar se em outras famílias este fenômeno se faz presente com a mesma intensidade.

31
2.1.3 Terno de Reis

Folia de Reis, Santos de Reis, Reisado ou Terno de Reis são os vários nomes pelos
quais é conhecida esta manifestação popular baseada nas festividades cristãs. Em Santa
Catarina, o termo mais comumente empregado é Terno de Reis. Em resumo, a função do
ritual é representar/reviver a visita que os Reis Magos Melchior, Baltazar e Gaspar fizeram a
Jesus Cristo à época de seu nascimento, conforme descrito na Bíblia no Evangelho de Mateus
(Mt 2: 1-11).

Assim como a maioria dos elementos da cultura cristã, esta tradição foi trazida ao
Brasil pelos portugueses e açorianos, tendo sofrido diversas adaptações em cada região em
função do processo imigratório e das miscigenações locais (SOARES, 2002; NUNES, 2002).
Vivenciado na sua grande maioria por pessoas das classes mais populares, ainda hoje o Terno
de Reis permanece vivo em diversas regiões do Brasil, principalmente no meio rural e em
algumas regiões litorâneas, em cada local com suas características próprias.

Durante décadas seguidas alguns moradores da comunidade do Mont Serrat realizaram


todos os anos o ritual do Terno de Reis, passando de casa em casa, conforme dita a tradição.
Pelo menos dois grupos foi possível identificar nesta pesquisa. Hoje essa tradição está
praticamente abandonada na comunidade. Dinho34 foi um dos moradores que reunia seu grupo
e saía às ruas, passando pelas casas, representando o ritual dos Reis. Assim nos conta:

“Eu cantava muito em Terno de Reis [...] cantava no morro, era uma maravilha. Era em
dezembro geralmente. Começávamos à noite, em torno das nove, dez horas da noite e íamos
até o meio dia do outro dia cantando. As pessoas adoravam, nos recebiam maravilhosamente
bem, abriam suas casas, davam comida, davam bebida, era uma festa, uma maravilha! [...]
Era eu, o Edenir, Seu Nilton – ele que puxava o terno, tocava violão –, a irmã dele (a Nilsa),
a Conceição – que é uma daqui de cima também – a Eteldina, também participou, que é uma
senhora que já faleceu. Aí, mais tarde foi entrando mais gente, o Moisés, que é meu primo,
um outro garoto que já faleceu também. Foi entrando outros instrumentos, o pandeiro, entrou
o chocalho” (Dinho)35.

34
Dinho, filho de Dona Catarina, mencionada no tópico “o canto das lavadeiras”, participa ativamente de
inúmeras atividades do morro como, por exemplo, da escola de samba, dos terreiros de umbanda, da igreja
católica. Além do terno-de-reis cantou em diversos corais, entre eles o coral do Mont Serrat, coral do Saco dos
Limões, coral da igreja Nossa Senhora do Rosário. Atualmente segue suas atividades musicais no coral da
Catedral Metropolitana, onde canta há mais de dez anos.
35
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.

32
Seu Gentil, também morador da comunidade, reunia seu grupo de Terno de Reis, este
formado em grande parte por membros de sua família. Assim descreve como foi esta
experiência:

“[...] eu praticamente nasci dentro do terno de reis, [...] a gente pegou com os pais da gente,
cantando. Na época sem violão, só o chocalho de feijão, milho, e nós, os pequenos, com a voz
meio fina, fazia até uma voz fina, né. Aí meu pai, era Bastião, minha mãe era cantadeira, minha
irmã mais velha, [...] então a gente cantava terno de reis de porta em porta, como manda a
tradição, né” (Seu Gentil)36.

De acordo com Dinho, a visita do grupo de Terno de Reis era um acontecimento


aguardado ansiosamente pelas famílias, pois, segundo a cultura popular, quem recebe o Terno
de Reis em sua casa é abençoado.

“[...] o nosso grupo era esperado todo ano. As pessoas nos cobravam, diziam: ‘ah, foi na
casa do fulano, passou na frente da minha e não cantaram’. Não dava pra cantar em todas as
casa, então a gente pulava, porque não tinha como. Se fazendo esse esquema íamos até o
meio-dia, imagina se a gente fosse em todas as casas. Fazíamos duas noites, uma semana
antes do natal e uma semana antes do fim do ano” (Dinho)37.

Quanto aos instrumentos musicais mais utilizados nas festividades de Terno de Reis, o
Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (IFTG), classifica “a viola, a rabeca ou rebeca, a
gaita, o violão, o tambor ou caixa e o triângulo” como os instrumentos mais freqüentes.
Antigamente era comum, também “a parceria da viola com a rabeca, acrescida do tambor ou
triângulo. [...] Hoje, a gaita (acordeom) toma conta da parte musical, fazendo-se acompanhar
do violão, e não raro do pandeiro, do chocalho e do cavaquinho”38. Soares (2002) também
destaca que “na época atual, [o Terno de Reis] se compõe de quatro a oito cantores, raramente
acompanhado de algum instrumento, apenas gaita, violão e pandeiros” (op. cit, p. 38).

Esse levantamento está de acordo com os relatos dos moradores da comunidade do


Mont Serrat, descrito anteriormente por Dinho – o qual destacou o violão, o pandeiro e
chocalho – e complementado por Seu Teco a seguir:

“No terno de reis era mais usado o cavaquinho. Tinha um senhor, o nome dele era Nilton,
mas nós o chamávamos de ‘Canguara’. Era o homem dos sete instrumentos. Ele tocava

36
Gentil Camilo do Nascimento Filho (Seu Gentil), entrevista concedida a Daniel Luz (2006, p. 38).
37
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
38
Disponível em: <http://www.igtf.rs.gov.br/not/terno_de_reis.doc> Acessado em: 29/09/2008.

33
cavaco, tocava violão, tocava banjo, tocava bateria, tocava pandeiro. Então, em terno de reis
era mais usado o cavaquinho e a gaita de oito baixos” (Seu Teco)39.

De modo geral, o ritual do Terno de Reis praticado em Florianópolis40 se divide em


três partes. Na chegada, com uma canção o grupo saúda os donos da casa e pede licença para
entrar. Se forem recebidos, adentram na casa e cantam mais algumas canções,
preferencialmente próximo a arvore de natal. A cantoria é interrompida quando o dono da
casa, seguindo o exemplo dos Reis Magos, presenteia o grupo com bebidas e comidas. A
apresentação se encerra com o agradecimento e uma canção de despedida. Ao parecer, os
moradores agraciados com a visita em geral são adeptos do catolicismo, pois de acordo com
Brandão (apud NUNES, 2002) “os moradores podem dizer que não querem em suas casas a
visita dos Reis [...]. Alguns fazem isso [...] quando não são mais católicos ou quando não
gostam da Folia. Aos não-católicos perdoa-se e sequer se pede um giro em suas casas”. Seu
Gentil assim descreve a euforia deste momento:

“O terno de reis, né, ele tem uma coisa assim que empolga.. Ele tem aquela reciprocidade de
chegar na porta, abrir as portas e ser recebido com café, bolo, doce. Aí a gente às vezes até
esquece de cantar na outra casa de tanta comedeira. [...] alguma casa não tem a oferta, mas só
no abrir a porta para receber o terno a gente já fica contente, [pois] passa às vezes várias casas
que não abrem a porta. Aí quando abre a porta parece até que a gente chegou em casa, tem essas
coisas toda do terno de reis, aí mandam entrar, a pessoa canta o terno dentro, na árvore de natal,
né, e assim é feito o terno de reis” (Seu Gentil)41.

De acordo com alguns estudiosos, a participação feminina não é comum neste ritual.
Fernandes (2004) encontrou em seu campo de pesquisa uma “presença exclusivamente
masculina entre os cantores, inclusive a terceira voz, [...] feita por um homem, por não haver
participação feminina” (op. cit, p. 30). A pesquisadora descreve a história de Joelson, um
senhor que, devido à mudança para outra cidade, formou um grupo novo de Terno de Reis no

39
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
40
Em cada região o ritual pode ser encenado de forma diferenciada. De acordo com diversos autores (NUNES,
2002; SOARES, 2002), o Terno de Reis realizado em Santa Catarina apresenta características extremamente
diferentes daquele realizado, por exemplo, na Bahia. Em alguns locais há um cuidado com a vestimenta,
empregando diversos adereços, trajes com cores fortes e chapéus enfeitados com fitas coloridas e espelhinhos.
Dependendo da região o rito pode ir além da cantoria realizada dentro das casas, chegando a ser feita uma
encenação em praça pública, com danças, adicionando personagens como: rei, mestre-sala, alferes, a burrinha, o
boi, o jaraquá, a arara, o caipora, a ema, etc. Muitos outros personagens podem aparecer, dependendo da região
em que esta festa é realizada. Em algumas regiões de São Paulo, por exemplo, há também a figura de palhaços,
reza-se o terço ao entrar nas casas e a cada ano é coroada uma família que será responsável em realizar o ritual
no ano seguinte. Fonte: <http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendareisado.html>. Acessado em: 30/09/2008.
41
Gentil Camilo do Nascimento Filho (Seu Gentil), entrevista concedida a Daniel Luz (2006, p. 39).

34
qual mulheres senhoras passaram a fazer o canto. Segundo a autora, “essa foi uma
transformação do terno-de-Reis tradicional, pela inclusão de mulheres na cantoria, mas foi
também uma das certezas de que a manifestação do Terno-de-Reis permaneceria” (op. cit,
p.61). De acordo um dos informantes entrevistados por essa autora, a presença feminina não
era bem quista, pois “a mulher cantando trazia maus augúrios à família visitada” (op. cit, p.
71).

Conforme um levantamento feito pelo Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, no Rio


Grande do Sul “os ternos de reis eram e ainda são, compostos por pessoas das mais variadas
idades, geralmente formados por homens, sendo poucos os que tinham mulheres entre seus
figurantes”42. Soares (2002), também percebe que “em Laguna, Imaruí, São Francisco, Itajaí,
São José, Santo Amaro e tantos outros municípios [...], algumas vezes, [...] os grupos tinham
somente elementos masculinos, havendo entre os cantores os que imitavam vozes femininas”
(op. cit, p. 37). Conforme vemos, a voz aguda parece ser essencial no ritual e, portanto, para
suprir a necessidade da voz feminina, alguns homens cantam oitava acima.

No Mont Serrat a participação de mulheres no Terno de Reis parece ter sido algo
comum, visto que nos relatos de Dinho e de Seu Gentil, figuras femininas são citadas como
integrantes dos grupos. A presença delas em momento algum é mencionada como algo
descomunal. Assim, a prerrogativa de que o Terno de Reis se caracteriza como “uma
representação exclusivamente masculina” (FERNANDES, 2004, p. 89) não se aplica ao
contexto aqui pesquisado.

O grupo de Terno de Reis da comunidade do qual Dinho participava chegou em certo


momento a ter uma certa projeção local. Segundo ele,

“E era uma tradição que nós tínhamos aqui no morro. Esse grupo já era conhecido, então as
pessoas chamavam pra ir cantar. [...] Ás vezes nós saíamos daqui pra cantar na Agronômica.
Uma época nós fomos cantar em Forquilinha também. [...] Aí com a violência a coisa foi
diminuindo, diminuindo até que hoje ninguém canta mais nada. Infelizmente, com a violência
a coisa foi acabando” (Dinho)43.

A falta de segurança é apontada como um dos principais motivos para o grupo ter
encerrado suas atividades.

“Faz uns cinco anos que nosso grupo acabou. Desmotivou pelo medo, nós saindo para cantar
de madrugada e o tiro comendo, como né? Por que o bom é pegar as pessoas dormindo, isso
42
Disponível em: <http://www.igtf.rs.gov.br/not/terno_de_reis.doc> Acessado em: 29/09/2008.
43
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.

35
que era o interessante do ritual. E a sensação de quem ta dormindo, parece que aquilo ta
longe, que não é na tua casa. Até tu sacar que ta na porta da tua casa, demora um pouco. E
era um som muito bom, uma coisa muito agradável” (Dinho)44.

Hoje no Mont Serrat essa tradição desapareceu. Seu Gentil ainda recorda as canções
do Terno ao cantá-las acompanhado de seu orocongo, mas o ritual de passar de casa em casa
durante as madrugadas já não é mais feito. Esta é uma manifestação que tem se tornado cada
vez menos freqüente em toda a cidade de Florianópolis. Em uma pesquisa como Bolsista de
Iniciação Científica, orientada pela Profa. Vânia B. Müller, entrevistamos Seu Agenir, um
dos moradores mais antigos da Comunidade Batuel, no Rio Tavares. Segundo ele, na sua
comunidade “antigamente cantava muito terno. Hoje já não canta mais [...] o povo antigo vai
morrendo e o povo moderno não quer mais”45. Atualmente, alguns festivais são promovidos
no Estado na tentativa de manter essa tradição viva.

“Hoje no Saco dos limões tem um grupo, no Ribeirão da Ilha também tem, e em algumas
praias do sul e do norte. E tem um encontro, o pessoal faz um encontro uma vez por ano aqui
no centro. Junta esses grupos e faz um encontro de Terno de Reis, no dia de Reis. Mas, o
nosso grupo nunca participou” (Dinho)46.

Em Santa Catarina, já está na quarta edição um Festival Estadual de Terno de Reis que
ocorre sempre em Itajaí. Nesta cidade há mais de 20 grupos, para citar alguns, ‘Luz Divina’,
‘Isaías e Júnior’, ‘Esperança’, ‘Sonho Natalino’, ‘Cidade Nova’, ‘Estrela Guia’, ‘Os
Criativos’, ‘Unidos da Paciência’, ‘Dagnoni’, ‘Cantores da Paz’, ‘Pais & Filhos’. Além
desses, o último festival contou com a participação de grupos de diversas regiões, entre eles:
Família Dias (Blumenau), Família Schmitt (Joinville), Grupo Estrela do Oriente (Indaial),
Filhos da Terra (Palhoça), Grupo de Terno de Reis (Barra Velha), Grupo de Terno de Reis
(Bombinhas), Grupo de Terno de Reis (Taquaras), Amigos para Sempre (Brusque) e Vozes de
Luzes (Brusque)47. O grupo de Terno de Reis ‘Família Dias’ de Blumenau é um dos mais
conhecidos e tradicionais de Santa Catarina. Sua origem remete ao ano de 1919 e atualmente
têm cinco cd’s e um dvd gravados.

44
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
45
Entrevista concedida a mim e a Professora Vânia Müller, no dia 26/07/2006 para o Projeto de Pesquisa do
Centro de Artes da UDESC intitulado: Música Comunidade, Subjetivação: um estudo de caso. Para mais
informações, ver bibliografia: (Gomes e Müller 2006). O trecho citado não foi publicado no artigo.
46
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
47
Fonte: <http://www.itajai.sc.gov.br/noticias_det.php?id_noticia=5545> , Acessado em 29/09/2008.

36
2.2 FORTALEZAS: cordéis de resistência e segurança

2.2.1 Catolicismo

2.2.1.1 Catolicismo Popular

As origens do Catolicismo Popular48 no Brasil remetem ao período colonial, uma


herança cultural das camadas pobres européias, trazida especialmente pelos portugueses
imigrantes. No início, proliferou-se significativamente na zona rural, sendo que, ainda hoje, é
neste contexto que mais se faz presente. De acordo com Cordeiro (2008) e Andrade (2006) o
Catolicismo Popular tem um grau bastante elevado de independência da Igreja Católica
Apostólica Romana, estabelecendo vínculos mais fortes com a estrutura da comunidade local
do que com a Igreja formal. Desse modo, costuma se desenvolver em espaços onde a força
institucional da igreja não é tão presente. Neste contexto, padres e líderes religiosos não
conduzem a vida espiritual da comunidade, comparecendo, em alguns casos, apenas nas
celebrações eucarísticas e/ou em momentos festivos. Desassistido, o próprio povo conduz sua
espiritualidade, estimulando, com isso, a crenças em santos, milagres, promovendo
procissões, festas religiosas. Neste sentido, “o leigo ocupa papel central; o especialista, papel
secundário” (CORDEIRO, 2008).

Na Comunidade do Mont Serrat, de acordo com o libreto Memórias (p. 26) “os
elementos de um ‘catolicismo popular’ sempre estiveram presentes [...], desde os primeiros
passos da Irmandade da Nossa Senhora do Mont Serrat [fundada em 1926], [caracterizando
esta como] uma das primeiras comunidades a se organizar a nível eclesial”. A Irmandade da
Nossa Senhora do Mont Serrat surge como uma herança da participação de leigos e leigas na
vida espiritual da comunidade. Este fenômeno também foi analisado por Marta M. A.

48
Segundo Andrade (2006), a ampla difusão do catolicismo pelo mundo e pelo Brasil, implementado em
diversas culturas e etnias, gerou uma série de hibridizações entre tradição católica oficial e as culturas locais, o
que tem levado teóricos a criarem diferentes designações para cada contexto específico, como por exemplo:
catolicismo formal; catolicismo tradicional; catolicismo cultural; catolicismo rústico; catolicismo popular;
catolicismo oficial; catolicismo misturado com magias e crenças indígenas; catolicismo reunido ao espiritismo,
catolicismo em sincretismo com o espiritismo e os cultos africanos.

37
Machado (1999), que desenvolveu um amplo estudo sobre a religiosidade católica no morro,
tendo como foco a participação feminina neste contexto. Segundo a autora,

[...] desde os primeiros momentos de formação da comunidade, a Igreja Católica se


fez presente no Morro da Caixa d’Água, seja na forma laical e popular do
catolicismo da Irmandade Nossa Senhora do “Monte Serrat”, seja pelo jeito clerical
da Igreja que assistia aos fiéis numa espiritualidade voltada para dentro da
instituição eclesiástica e para a lei da Igreja (op. cit, p. 122). [...] A prática popular
do catolicismo das irmandades levaria para o morro a devoção a Nossa Senhora do
“Mont Serrat” [...]. Desde os tempos mais remotos da comunidade, a experiência de
fé das moradoras e dos moradores tem indicado a presença da religião católica
formando a identidade religiosa da gente do Morro da Caixa (op. cit, p. 172).

Mesmo com a presença mais atuante da instituição Católica no morro, ou seja, com a
vinda dos padres Augusto Staehelin e Vilson Groh, esse tipo de catolicismo, não foi
abandonado, ao contrário, foi renovado, pois estes padres se esforçaram em mesclar os
elementos do catolicismo popular à sua doutrina político-religiosa, conforme veremos a
seguir.

Padre Agostinho49, que esteve presente na comunidade de 1954 há 196850, promoveu


uma mudança na ação evangelizadora da igreja ao motivar os moradores da comunidade a
iniciarem um novo processo de participação comunitária. Assim, “a igreja aproximando-se da
‘vida comunitária’ começou a fazer parte das iniciativas que nasciam na comunidade: a
organização da Escola [Básica], do Copa Lord; a luta pelo calçamento da rua General Vieira
da Rosa (do início até a Igrejinha); a formação de grupos de jovens para atividades de
catequese e coral” (Memórias, p. 26). Machado (1999), descreve a importância da atuação
deste padre não só para a comunidade, como também como uma referência em toda a cidade
por sua ação inovadora:

[...] os primeiros sinais de mudança na Comunidade “Mont Serrat” foram


manifestados, segundo as lideranças comunitárias, com o trabalho pastoral do padre
Augusto. [...] Foi este a marcar o pioneirismo de uma organização comunitária em
Florianópolis, ligada a experiências pastorais de outras partes do país, junto aos
marginalizados na Comunidade “Mont Serrat” (MACHADO, p. 124 e 129).

As mudanças promovidas na comunidade em função da presença deste padre também


estão na memória da maioria dos moradores e moradoras mais antigos, os quais recordam
desta época com muito carinho:

49
Padre Augusto Staehelin é carinhosamente chamado de Padre Agostinho pelos moradores da comunidade do
Mont Serrat. Há certa confusão quanto à ortografia de seu sobrenome. Machado (1999) escreve “Sähelin”; no
livreto Memórias encontramos “Ställin”; e Araújo (2006) descreve como “Staehelin”. Optamos por empregar
neste trabalho esta última versão devido ao cuidado do pesquisador com o caráter histórico.
50
Essas datas foram levantadas por Camilo Araújo (2006), que desenvolveu um amplo estudo sobre as
articulações políticas na comunidade do Mont Serrat na época de atuação do Padre Augusto.

38
“O padre Augusto Sähelin ele tinha uma horta comunitária atrás da igreja, era a
coisa mais bonita! A gente colhia vagem, tomate, tudo isso, né. [...] Ele trouxe médico pra
comunidade. [...] As nossas ruas eram a maior tristeza. [...] Ele botou a comunidade em
frente dos órgãos públicos para pedir material, e o pessoal fez tudo com mutirão”
(Mercedes)51.

“O padre Agostinho tinha uma liderança muito grande aqui. Ele só dizia assim: ‘– gente,
preciso que hoje nós vamos à prefeitura’. Descia todo mundo! Ou: ‘ – precisamos de um
mutirão pra calçar a rua’. Armando era pedreiro, Nelinho ajudava a carregar
paralelepípedo, o Ito, seu Toca, essa turma toda” (Dona Uda)52.

“O caminho até a igreja, antes tinha a rua que só abriam na época da procissão, no mês de
setembro. Com a vinda do Padre Agostinho pra cá, ele conversou com o prefeito nós fizemos
o mutirão para o calçamento da rua General Vieira da Rosa. Antigamente era chamada rua
Lages [...]. Depois nós fizemos o calçamento da igreja até o grupo Lúcia Mayvorne. [...] Nós
não tínhamos estrada, hoje nós temos. [...] Então, primeiro foi a luz, depois os calçamentos,
depois veio a água. Depois veio a expansão da rede de saneamento básico, porque antes cada
um tinha sua fossa. Para isso, nós conseguimos fazer dois partidos de oposição sentar na
mesa pra chegar num acordo. Aí conseguimos com a prefeitura [Governo Municipal] o
material e a CASAN [Governo Estadual] entraria com a mão-de-obra. Depois conseguimos
negociar a ligação nas casas, que era pago. Naquela época, quando a gente ia reivindicar
nós não íamos em duas ou três pessoas, íamos em quinze, vinte” (Seu Teco)53.

De acordo com o livreto Memórias (p. 27), a atuação do Padre Agostinho foi tão
intensa e mobilizadora que chegou a ser afastado por acusação do governo militar que
acreditava estar criando “uma pequena célula comunista” na comunidade. Contudo, apesar
desta postura voltada para o social, esta possibilidade de articulação do padre com os
movimentos de uma esquerda radical é contestada por Camilo Araújo (2006). Segundo o
autor, “do ponto de vista histórico, pensar o padre Agostinho Staehelin como comunista
parece-nos inverossímil” (op. cit, p. 97). De acordo com a análise Araújo, apesar de estar
imerso em movimentos sindicais e políticos da época, as ações do Padre Agostinho estavam a
serviço de uma política assistencialista promovida pelas classes dominantes e, portanto, em
conformidade com “a hierarquia católica e com uma concepção ‘conservadora’ ou
‘reformista’ de Igreja” (op. cit, p. 104). Assim, aos cuidados de Agostinho, encontramos

Uma Igreja engajada socialmente – porém radicalmente diferente da teologia da


libertação que nascerá anos depois – disposta a camuflar o antagonismo entre
capital e trabalho, oferecendo o humanismo cristão como alternativa em busca de

51
Mercedes é um codinome, pois a identidade foi preservada pela pesquisadora. Entrevista concedida à Marta
Magda M. Machado (1999, p. 124).
52
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
53
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.

39
um capitalismo solidário e do desenvolvimento do país. Nesse momento,
propunha-se um novo modelo de cristandade, ao sabor das encíclicas papais e da
filosofia humanista cristã, onde a Igreja influenciaria as esferas de decisão pública e
assumiria a execução de um projeto social em conjunto com o Estado brasileiro
(ARAÚJO, 2005).

Assim, após analisar as articulações políticas do padre, especialmente seus


movimentos para coibir qualquer manifestação revolucionária dentro e fora da comunidade,
Camilo Araújo conclui justamente o contrário do sugerido pelo livreto Memórias, ou seja, que
“não [...] resta dúvida de que Agostinho Staehelin era declaradamente anticomunista” (op. cit,
2006, p. 119).

Durante o período de sua atuação, Padre Agostinho fundou um coral de mulheres na


comunidade, o qual era regido por ele mesmo. Anos antes, fundara também o coral da
Catedral, que hoje é regido pelo Padre Ney Brasil. Dinho nos revela que o coral da
comunidade era composto por mulheres de pouquíssima instrução e nenhum conhecimento
teórico musical.

“Segundo o que me contavam, a maioria das pessoas eram analfabetas, não sabiam ler nem
escrever. E diziam que tinham uma voz maravilhosa, que cantavam muito bem. E cantavam
em latim! Imagina, pessoas que nunca leram e escreveram cantar em latim” (Dinho)54.

Ao conversar com alguns moradores como Seu Teco, Dinho, Hamilton e Dona Tota,
todos recordaram com nostalgia a performance deste coral. Segundo eles as vozes soavam em
perfeita harmonia e ouvi-las cantar era uma experiência fascinante. Dona Tota, com certo
esforço, conseguiu recordar o nome de algumas dessas mulheres:

“Tinha a Graça, a Sinhá, a Eteldina, a Conceição, Dona Catarina. Naquele tempo elas
cantavam em latim. Cantavam a missa era domingo, às 7h da noite. Mas o Coral cantava
mais mesmo em dia de festa, festa da Nossa Senhora” (Dona Tota)55.

Com a saída do padre Agostinho a comunidade viveu um período de desmobilização


social (1967-1983), no qual percebemos uma desarticulação entre a comunidade e o poder
público e, também, uma desarticulação interna entre os próprios moradores. Revela-se
também, neste período, a insatisfação dos moradores quanto a atuação dos representantes da

54
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
55
Natália Silva Barbosa (Dona Tota), entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h, no centro de Umbanda
localizado no terreno de sua casa no Mont Serrat.

40
igreja católica. Curiosamente, ao revisar os estudos que resgatam a história da comunidade,
percebemos que pouco se comenta sobre esta época. O mesmo foi possível observar nas
entrevistas realizadas com os moradores, os quais, ao comentarem suas lembranças do
passado, remetiam-se diretamente à época do Padre Agostinho ou aos primeiros anos da
chegada do Padre Vilson. Assim, este período de transição é praticamente ignorado, tanto pela
bibliografia quanto pelos moradores.

De acordo com Machado (1999) , “[...] houve certa estagnação na vida comunitária no
período após a saída do padre Augusto, quando a pastoral era dirigida também às questões
sociais. A antiga capelinha do morro estava caindo, igualmente a participação da comunidade
na Igreja decaíra; além disto, a horta comunitária não produzia com nos anos anteriores”. Um
dos poucos comentários desta época surge nesta fala de uma das moradoras:

“[...] o padre vinha só aos sábados rezar missa, né? Rezava e ia embora pra catedral, tudo
bem! Tivemos [...] o padre Luiz, o padre Henrique, o padre Vitor, o padre Orlando, que hoje
é bispo... A gente teve muitos, muitos padres aqui. E depois então veio o padre [Vilson]”
(Antônia)56.

2.2.1.2 Comunidade Eclesial de Base

Vilson Groh veio morar na comunidade a partir do ano de 1983, permanecendo até os
dias atuais. Com sua vinda, passou a implementar uma nova forma de viver a religiosidade
católica a partir de sua experiência com a Teologia da Libertação, estimulando na localidade a
organização de um núcleo de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Estas organizações,
movidas e geradas por leigos (neste caso, os próprios moradores), se articulam de modo a
promover entre os membros da comunidade um sistema de ajuda mútua, baseando-se em
valores como solidariedade, reciprocidade, fraternidade, igualdade, tendo a fé religiosa como
instrumento principal para gerar esse espírito coletivo. Ao mesmo tempo, procuram, neste
processo, valorizar e resgatar os saberes populares, as crenças, as histórias, assim como as
antigas tradições.

56
Antônia é um codinome, pois a identidade foi preservada pela pesquisadora. Entrevista concedida à Marta
Magda M. Machado (1999, p. 123)

41
Desse modo, esse novo jeito de viver a religiosidade implementada por Vilson – e
abraçada pela comunidade – não promoveu uma ruptura com as tradições do passado, ao
contrário, resulta em uma incorporação dos elementos do Catolicismo Popular, da Cultura
Afro-brasileira presente no morro, bem como em uma retomada do trabalho social iniciado
pelo Padre Agostinho. Não obstante, diferentemente do que vinha sendo implementado
anteriormente, as bases prático-teóricas deste movimento estimulado por Vilson apontam para
além de uma rede social assistencialista, buscando “nas periferias urbanas, mediar a criação
da identidade entre os habitantes locais” de modo que os envolvidos neste processo passem a
se enxergar e agir como sujeitos autônomos, agentes construtores e criadores da sua realidade,
“reconhecendo-se em sua unidade e lutando contra um inimigo comum” (ARAÚJO, 2004a, p.
35). Assim, mais do que assistir e suprir as necessidades emergenciais, esta orientação
político-teológica se resume num constante caminhar em busca da emancipação de um povo
oprimido por um sistema capitalista excludente. No caso do Mont Serrat, o trabalho é
encaminhado para que a comunidade possa si própria gerar recursos para sua subsistência e o
caminho pra atingir esta meta está representado em um investimento massivo em educação.
Veremos a seguir como todos esses elementos se articulam dentro do catolicismo atual da
comunidade e de que forma as relações de gênero e a música interagem neste processo.

2.2.1.2.1 Relações de Gênero na Comunidade Eclesial de Base

A partir da organização da igreja, o trabalho social passou a ser implementado através


de parcerias com o poder público e empresas privadas, tendo como foco principal a educação
das crianças e a formação profissional de jovens e adultos para ingresso no mercado de
trabalho. Este trabalho atualmente está tão consolidado que passou a atender diversas outras
localidades além do Mont Serrat, conforme descreve Padre Vilson:

“Se nos olharmos enquanto comunidade do Mont Serrat, hoje, veremos as coisas que
nasceram a partir daqui da igreja: o Centro Cultural, Centro Social Marista, que acolhe 200
crianças. Centro Cultural escrava Anastácia que hoje está trabalhando em 60 áreas de
Florianópolis com a nossa juventude, com 3500 jovens. 1000 jovens inseridos no mercado de
trabalho com carteira assinada. Mais de 200 nesta área do cooperativismo no antigo IML.
Entramos na palhoça, no antigo Dom Jaime, onde estamos com quatro oficinas com o Centro

42
Cultural: motocicleta, jardinagem, marcenaria. Já empregamos um monte de jovens nas
empresas de marcenaria ao redor. Só na Palhoça estamos com 300 jovens trabalhando. [...]
Isso é fruto daqui, semente daqui. Quando a comunidade não se acomoda ela gera
oportunidade” (Pe.Vilson)57.

Todo esse movimento descrito acima por Vilson é fruto da iniciativa de algumas
mulheres que no passado se uniram para criar o Centro Cultural Escrava Anastácia, fundação
que hoje, associada ao Centro Social Marista, possibilita abarcar todos estes projetos. Assim,
o Centro Cultural surgiu a partir do movimento dessas mulheres que perceberam a
necessidade de ocupar as crianças da comunidade com atividades que as mantivessem longe
dos perigos da rua, como por exemplo, o tráfico de drogas, conforme descreve Coppete
(2003):

Assim, um grupo de mulheres (líderes comunitárias e também religiosas), em 1994,


iniciou uma atividade social envolvendo crianças e adolescentes que ficavam pelas
ruas do morro, geralmente no período em que não freqüentavam a escola, conforme
descreve [Tânia] a coordenadora do Projeto: “[O Centro Cultural] não foi algo
pensado por uma pessoa isolada. Ele é resultado de um grupo de mulheres,
lideranças comunitárias, e de mulheres religiosas também, irmãs [...] Essas
mulheres fizeram este trabalho inicial que depois foi pensado melhor pelo Padre
Vilson, por mim, Tânia, que ajudei a escrever o Projeto em parceria com Isabel
Porto (coordenadora das Oficinas do Saber). Encaminhamos as discussões,
procurando projetar em termos de intenções, mas ainda não tínhamos a clareza
pedagógica que temos hoje” (op. cit, p. 122 e 125).

Recentemente, no início de 2008, as mulheres da comunidade demonstraram mais uma


vez sua capacidade de iniciativa ao tomar a frente do movimento para a fundação de um
Centro Cultural, desta vez na comunidade vizinha, localidade que ainda apresenta condições
precárias de subsistência, conforme declara Vilson Groh:

“Do mesmo modo a gente fez no Alto da Caieira. Começou lá em cima com a nossa
comunidade. Com as mulheres do apostolado da oração, fomos um dia lá pra cima em
missão, um domingo inteiro, fincamos quatro estacas, e está lá hoje um centro com 200
jovens e uma comunidade que está se organizando” (Pe.Vilson)58.

A massiva presença feminina no interior das Comunidades Eclesiais de Base de todo


país tem sido tema de estudo de diversas autoras e autores, como: Maria Thereza Couto
(2002); Daniela de Oliveira Rezende (2006); Benincá e Almeida (2006); Marta M. A.

57
Padre Vilson Groh, trecho transcrito por mim de seu pronunciamento durante a missa de 08 de setembro de
2008, às 19h30, dia comemorativo da padroeira da comunidade, a Santa “Nossa Senhora do Mont Serrat”.
58
Padre Vilson Groh, trecho transcrito por mim de seu pronunciamento durante a missa de 08 de setembro de
2008, às 19h30, dia comemorativo da padroeira da comunidade, a Santa “Nossa Senhora do Mont Serrat”.

43
Machado (1999), esta última tendo como objeto de estudo a própria comunidade do Mont
Serrat. Este tema tem se revelado como campo de estudo cada vez mais crescente.

A força das mulheres nas CEBs tem sido considerada como incontestável no âmbito
da própria Igreja e da literatura acadêmica especializada. É, contudo, no início dos
anos 1990, que a visibilidade das mulheres nas CEBs torna-se foco central de
análise em alguns estudos sob diferentes aspectos, como comportamento
reprodutivo, sexualidade, conflitos familiares, ação política, entre outros
(COUTO,.2002).

Em seu estudo, Marta M. A. Machado (1999) destaca as diversas formas de atuação e


articulação feminina dentro das CEBs:

A ‘dimensão feminina’ é com freqüência mencionada, realçando a novidade da


presença das mulheres na CEB: o cuidado da vida, particularmente a participação
na educação dos filhos e no orçamento doméstico, a sensibilidade, o ‘jeito
feminino’ diferentemente dos homens de conduzir determinadas situações; o
acolhimento das mulheres e sua capacidade de aceitar todo e qualquer desafio pelo
bem da comunidade; a ternura, sua força de luta e seu papel fundamental na
caminhada do morro; a capacidade intuitiva; a coragem e o seu testemunho em
defesa da vida; Dentre as lideranças comunitárias, as mulheres destacam-se não
apenas pelo número delas nas diversas pastorais, mas também porque são, de fato,
assíduas nos compromissos que assumem com a comunidade (op. cit, p. 151).

Daniela de O. Rezende (2006) ao analisar a produção textual dos encontros nacionais


promovidos pelas CEBs identifica que

[...] os discursos empreendidos pelas Ceb’s em seus Intereclesiais, percebemos,


inicialmente, que o tom geral desses discursos é de essencialização e naturalização
do feminino, uma vez, que nos textos analisados há uma constante analogia entre
mulher/vida, mulher/cuidado ou serviço, e mulher/natureza. [...] [Contudo,] o
caráter positivo da participação das mulheres nas Ceb’s como conquista do espaço e
da visibilidade pública é ressaltado, bem como a importância das influências das
teologias feministas na apresentação das imagens femininas de Deus como forma
de conscientização da existência de relações de gênero desiguais. A estrutura
patriarcal da Igreja, à qual as Ceb’s estão submetidas, também é criticada no texto
como limitadoras do empoderamento das mulheres nesse espaço religioso
(REZENDE, 2006).

Essa ambigüidade entre essencialização e resistência na formação da identidade


feminina das mulheres imersas no movimento das Comunidades Eclesiais de Base também
pode ser percebida nos discursos proferidos pelo Padre Vilson durante as celebrações
eucarísticas, conforme podemos perceber neste trecho transcrito da celebração de 08 de
setembro 2008, dia padroeira da comunidade, a “Nossa Senhora do Mont Serrat”:

“O legado que a gente enquanto comunidade do Mont Serrat pode deixar é o orgulho de
termos seguido Maria, de termos seguido Nossa Senhora. Porque ela foi mulher, guerreira,
bíblica, de coragem e emancipadora. Quem emancipa esse mundo são as mulheres.
Emancipação é passar pelo caminho das mulheres, mulheres corajosas, mulheres bíblicas.

44
[...] Ela [Maria] foi sempre o grande exemplo que nós tivemos e o grande modelo [...]
modelo de solidariedade, modelo da partilha, modelo de justiça, modelo do amor e de
compaixão da misericórdia, modelo da acolhida, modelo do serviço, modelo de fé, modelo de
resistência. Uma mulher que sempre resistiu que nunca desanimou, que assumiu
continuamente a cruz e transformou a cruz em caminho e ressurreição para levar a frente a
proposta. [...] Maria é a mulher que transforma os limites em desafios, transforma os
desafios em saída, e aí está o segredo da vida comunitária. Comunidade que cresce, que
caminha, que dá passos é a comunidade que não tem medo de enfrentar sua própria a
realidade, que transforma sua realidade, que transforma o seu caminho, que organiza, que
vai à frente, que não tem medo de fazer essa caminhada que fez Maria” (Pe.Vilson)59.

Por outro lado, de acordo alguns estudos, a maioria das “mulheres que aderem ao
movimento [das CEBs] não o fazem segundo uma consciência de classe ou uma perspectiva
ou estímulo de base feminista” (COUTO, 2002). O mesmo foi constatado por Marta Machado
(1999) ao analisar a Comunidade do Mont Serrat. Segundo a autora, “a maioria das mulheres
líderes da Comunidade Mont Serrat não articula o discurso da teologia da libertação” (op. cit,
p. 157). Podemos atribuir esta constatação das autoras ao fato de, não só das mulheres, mas a
população leiga em geral, se envolver mais diretamente no aspecto prático da ação social-
coletiva do que nas discussões e fundamentações teóricas sobre este processo. De acordo com
nossas experiências, em conversas e contatos informais, constatamos que uma parcela
bastante significativa das mulheres e homens que freqüentam a igreja da comunidade não
conhece o termo “CEBs” e menos ainda “Teologia da Libertação”. Contudo, apesar de não
encontramos em suas falas um discurso emancipador, politicamente articulado com as
correntes teóricas, acreditamos que a consciência política das mulheres e homens desta
comunidade eclesial está num plano distante daquele delimitado pelo “objetivismo” da
acadêmica. A fala de Padre Vilson ilustra bem esta problemática:

“Especialmente na academia, nós nos apropriamos de uma linguagem, de um código de


comunicação e temos uma visão de organização. Achamos que talvez essa visão seja melhor
do que aquela existente que está ali. E aí queremos levar os nossos modos de organizar, e
dentro de uma perspectiva de que os nossos modos é são modos conscientes, modos políticos,
modos não sei o quê, estruturas que nós achamos que sejam melhores. É aqui está o embate
da compreensão do popular que influencia e que deixa ser influenciado, por que a cultura
popular é ambígua e a compreensão do político também. Aqui tem dois elementos: o que o
popular tem que nós não temos; o seu olhar, a sua visão, a sua compreensão de mundo e a
nossa compreensão de mundo na relação com o popular” (Pe.Vilson)60.

59
Padre Vilson Groh, trecho transcrito por mim de seu pronunciamento durante a missa de 08 de setembro de
2008, às 19h30, dia comemorativo da padroeira da comunidade, a Santa “Nossa Senhora do Mont Serrat”.
60
Padre Vilson Groh, entrevista concedida à Maria Conceição Coppete (2003, p. 39)

45
2.2.1.2.2 Música na Comunidade Eclesial de Base

O movimento musical dentro igreja é também em grande parte dirigido pelas


mulheres. Até meados de 2004, Maria Varella e Darcy Vitória de Brito eram as principais
encarregadas de promover as músicas que faziam parte das celebrações eucarísticas. Com
suas vozes, com ou sem o auxílio de microfones, puxavam os cantos que em seguida eram
acompanhados em coro por toda congregação. Com uma voz potente, Maria Varella, mesmo
sem equipamentos amplificadores, fazia-se (e ainda o faz) ouvir em toda a igreja. Em algumas
ocasiões, irmãos e irmãs ligados às pastorais religiosas traziam seus instrumentos para
acompanhá-las no canto, principalmente em dias festivos. Mas, na maioria das vezes, estas
senhoras cantavam à capela.

O repertório escolhido por elas orientava-se por três diferentes correntes religiosas,
organizadas a seguir de acordo com o grau de freqüência com que apareciam nas celebrações:
músicas do catolicismo tradicional, ou oficial; músicas do movimento das CEBs; e, em menor
medida, músicas com influências afro-brasileiras. Esta última, geralmente cantada em
celebrações dedicadas ao resgate da cultura negra, chamadas de missa afro. De acordo com
Coppete (2003), “Para quem participa dessas celebrações [missa afro], fica evidente que não
se trata de um ritual tradicional do Catolicismo, tampouco de uma celebração religiosa
africana, apenas, parece muito mais uma apropriação de diferentes ritos católicos e afros dos
quais muitos moradores participam” (op. cit, p.81). Araújo (2004a), revela que

Desde o começo da década de 90, celebra-se na igreja do Mont Serrat missas afro
nas quais os instrumentos tradicionais da celebração são substituídos por
instrumentos populares. Nas palavras de Darcy Vitória de Brito, uma das
precursoras: “a missa afro é mais ritmada, são cantos afros mesmo, a gente que
introduz. Porém, nem todos gostam que levem batuque, nós usamos atabaque,
pandeiro, violão e nem todas as pessoas aceitam, para mim é uma missa linda”
(op.cit, p. 122).

Contudo este ritual não tem sido tão bem aceito por alguns membros da comunidade.
Por essa razão, e por falta de envolvimento dos moradores, a missa afro vem sendo cada vez
menos freqüente:

46
“Essa conscientização [do resgate da cultura negra] não atinge a todos porque existe ainda
muito preconceito, como no caso do uso do atabaque, que alguns identificam como samba”
(Dona Darcy)61.

“A missa afro nós fazíamos mais no mês de novembro, mês da consciência negra. Mais
antigamente, havia uma programação onde todo mês se fazia uma missa afro. Mas falta
pessoas para ajudar, puxar os cantos. Tinha a Darcy que fazia, mas, se fica em cima de uma
pessoa, só acaba cansando. Ela que tem que organizar tudo, convidar as pessoas, ver as
vestes. Falta integração dos membros da igreja, da comunidade” (Seu Teco)62.

Além da missa afro, a incorporação de elementos da cultura afro-brasileira é


evidenciada pela presença de um busto com a imagem da Escrava Anastácia o qual, desde
1995, permanece sempre dentro da igreja. Esta imagem é reverenciada todos os anos no dia da
consciência negra, quando a imagem é reintroduzida na igreja por alguns moradores.

“Na igreja, atualmente, temos dado outro sentido, estamos introduzindo a cultura negra,
estamos fazendo a missa na dimensão afro. [...] No ano passado, em 1995, nós celebramos o
20 de novembro (Dia da Consciência Negra), fazendo uma celebração muito bonita quando
introduzimos na igreja a imagem da escrava Anastácia, que para nós, mulheres negras, é
símbolo de resistência. Este símbolo de resistência tem muito valor atualmente, por esta força
que ela nos transmite” (Dona Darcy)63.

A utilização de instrumentos musicais como o atabaque (por vezes acompanhando


cantos com dialetos africanos), o uso de vestimentas tipicamente afro-brasileiras e a
reverência aos antepassados que sofreram no período da escravidão – neste caso, a Escrava
Anastácia –, em certa medida, pode induzir a uma associação aos rituais da Umbanda. Talvez,
por isso, a rejeição de muitos dos moradores e o imediato estranhamento das pessoas de fora
da comunidade ao se depararem com esses elementos. Segundo padre Vilson

“a escrava Anastácia é um processo de transgressão na Igreja. Eu também acho que as


mulheres do morro aprenderam a transgredir a questão do instituído, a questão do
canônico” (Pe Vilson)64.

61
Darcy Vitória de Brito. Este depoimento foi retirado do livro de Coppete (2003, p. 81), mas a entrevista foi
originalmente realizada por Pe Vilson, por ocasião de sua pesquisa desenvolvida em 1998.
62
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
63
Darcy Vitória de Brito. Este depoimento foi retirado do livro de Coppete (2003, p. 81), mas a entrevista foi
originalmente realizada por Pe Vilson, por ocasião de sua pesquisa realizada em 1998.
64
Padre Vilson Groh, entrevista concedida à Marta Magda M. Machado (1999, p. 219).

47
Foto: Busto da Escrava Anastácia no interior da Igreja Nossa Senhora do Mont Serrat.
Fotografia: Rodrigo Cantos, em 14/08/2008.

Marta M. Machado (1999), parece concordar parcialmente com Vilson ao afirmar que

O novo símbolo da escrava Anastácia talvez signifique uma espécie de transgressão


física/material, porquanto divide o espaço da igreja com algumas santas (Nossa
Senhora do “Mont Serrat”, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora de Fátima) e
santos (Cristo crucificado, Sagrado Coração de Jesus). Mas ele não muda os
sentidos das devoções tradicionais a Maria e a Jesus. Pelo contrário, de certo modo,
até os reforça. A teologia da libertação trouxe novos elementos [...] para uma
prática de fé ligada à vida tradicional (comunitária-social, política), porém sem
alterar as interpretações tradicionais binárias fixas e naturalizadas (MACHADO,
1999, p. 223-224).

Neste sentido, enquanto que para alguns moradores a presença de elementos afro-
brasileiros pode representar uma ameaça à tradição católica, conforme nos descreve Dona
Darcy65 – “nessa parte afro elas [senhoras de mais idade] não gostam muito, elas acham que
nós estamos desrespeitando Cristo” – para outros “celebrar um mito africano é reconhecer a
religiosidade afro no Morro e uma forma de valorizá-la também. Ao mesmo tempo é uma
possibilidade de destacar a importância das mulheres negras, uma vez que este mito consiste
num exemplo de resistência, principalmente para as mulheres do Morro” (COPPETE, 2003, p.
81).

Em 2004 jovens meninas da comunidade, Débora, Elainy, Priscila, Graziela, Adriana,


tomaram a iniciativa de criar um conjunto musical diferente para o ministério de música da
igreja, chamado ‘Geração de Adoradores’, com instrumentos diversos (bateria, baixo, violão,
65
Darcy Vitória de Brito, entrevista concedida a Marta Magda A. Machado (1999, p. 205).

48
teclado) e vários cantores e cantoras. Neste processo, outros jovens da comunidade foram
convidados a participar como Luciano (baixo), Viviane (bateria), Sandro (percussão). A
convite destas jovens, ingressei também neste grupo, permanecendo até os dias atuais. Com
orientação do Padre, foi elaborado um projeto66 onde foi possível comprar alguns
instrumentos e equipamentos para dar início a esta proposta. Com isso, parte deste grupo –
dito deste modo, visto que atualmente está bastante modificado em relação à formação
inicial67 – veio a preencher o espaço antes ocupado por Maria Varella e Dona Darcy.

Além de novos personagens na cena musical da igreja, esse grupo buscou também
trazer uma sonoridade diferente para as músicas cantadas nas celebrações eucarísticas, tendo
como influência principal as canções do movimento de Renovação Carismática Católica
(RCC). Com isso, o repertório escolhido passou ser orientado pelas seguintes correntes,
também, organizadas de acordo com o grau de freqüência com que se destacam nas
celebrações: músicas do movimento RCC; músicas do movimento das CEBs; e, em menor
medida, músicas do catolicismo tradicional. As músicas afro-brasileiras, resgatadas por Dona
Darcy e Maria Varella, não tiveram boa receptividade neste conjunto musical. Assim, quando
se faz necessário cantar esse repertório, devido alguma data específica, como por exemplo, no
dia da consciência negra, recorre-se às duas senhoras para que se encarreguem das atividades
musicais.

Inicialmente essa mudança de grupos musicais gerou conflitos estéticos e ideológicos.


Estéticos porque a comunidade católica do morro não estava acostumada a tantos
instrumentos, o que conseqüentemente gerou um volume sonoro maior dentro da igreja. Aos
ouvidos mais sensíveis, a sensação era de ‘barulho’ e não de música. Ideológicos porque o
movimento da RCC e o movimento das CEBs atuam em linhas completamente opostas.
Enquanto que a Renovação Carismática atua numa linha bastante introspectiva, voltada para a
experiência pessoal e individual, tendo como foco o desenvolvimento da espiritualidade
através dos dons do Espírito Santo, as Comunidades Base atuam no sentido de desenvolver
um espírito coletivo entre seus membros, colocando as necessidades materiais em primeiro
plano. As músicas de ambos movimentos refletem bem essa questão: enquanto que a maior
parte das letras da RCC apresentam os verbos conjugados na primeira pessoa do singular,
ressaltando o ‘eu’, o ‘meu’, as letras das CEBs aparecem quase sempre na primeira pessoa do

66
Para mais detalhes ver: http://www.projetomusicaviva.galeon.com. Acessado em 21/10/2008.
67
Hoje participam do ministério de música Débora (canto), Priscila (canto), Joana (canto), Jéssica (canto),
Rodrigo (canto e teclado), Helbert (canto e violão).

49
plural, destacando o ‘nós’, o ‘nossos’. Neste sentido, ‘individualidade x coletividade’ e
‘espiritualidade x materialidade’ são uma das principais divergências entre esses movimentos.

Para os membros mais exaltados das CEBs, por exemplo, é inconcebível a atitude
deste novo conjunto musical em abandonar o repertório afro-brasileiro pesquisado e recolhido
pelo grupo anterior, visto que este representa a história e a cultura dos antepassados, a qual
deve ser preservada e recontada. Na mesma medida, um grupo musical gerado a partir de um
núcleo de uma CEB cantando músicas da RCC pode ser interpretado como paradoxo, sem
fundamento, pois para ambas as correntes teológicas o discurso musical deve carregar as
ideologias propostas pelo movimento, os quais que neste caso, apresentam poucas afinidades
em comum.

Nos dias atuais este conflito está mais assentado no Mont Serrat. A comunidade
acostumou-se com a sonoridade do novo grupo e os conflitos ideológicos estão sendo
incorporados de ambos os lados. A saber: o conjunto musical vem participando mais
ativamente dos movimentos regionais das CEBs, estando inclusive responsável em organizar
as atividades musicais do próximo Encontro Estadual das CEBs a ser realizado em 2011, com
um projeto de gravação de um CD contendo exclusivamente músicas deste movimento; as
lideranças religiosas passaram a ver com bons olhos a presença de músicas da RCC nas
celebrações, entendendo que se trata uma maneira de trazer mais animação para as
celebrações e uma forma de atrair mais fiéis para dentro da igreja. Pe Vilson, de forma
graciosa, costuma chamar este grupo musical de ‘carismáticos pés no chão’, o que, para ele,
representa pessoas que participam, gostam da animação e da energia gerada pelo movimento
carismático, mas que colocam o social em primeiro plano, sem abandonar, assim, os
fundamentos básicos das CEBs.

50
2.2.2 Umbanda

Atualmente, são inúmeras as religiões afro-brasileiras existentes em todo o território


nacional68. As mais populares e tradicionais são a Umbanda e o Candomblé, estando estas
presentes em diversas partes do país. Por apresentarem diversos aspectos semelhantes em seu
ritual e por designarem pelo mesmo termo o espaço para seu culto – chamado popularmente
de Terreiro –, há uma certa confusão na distinção entre as diversas as religiões afro-
brasileiras, fazendo com que, muitas vezes, sejam classificadas de forma generalizada, por
vezes, tratadas com excessivo preconceito (ao designá-las, por exemplo, como macumba),
especialmente pela congregação cristã.

Apesar da grande popularidade do Candomblé e de outras religiões afro-brasileiras em


todo o país, em Florianópolis a Umbanda despontou por décadas como a principal religião
afro-brasileira (TRAMONTE, 2008). Atualmente existem inúmeros terreiros de outras
vertentes, especialmente do Candomblé e Almas de Angola. Apesar disso, ainda hoje a
Umbanda é considerada a principal referência na cidade – assim como na Comunidade do
Mont Serrat –, por isso, a esta dedicaremos maior atenção.

A Umbanda surge no Brasil no século XIX, sendo consolidada a partir sincretização69


de elementos de diversas religiões, especialmente das culturas indígenas70, africanas71 e
européias72. No passado, todos esses elementos foram incorporados pelos negros trazidos ao
Brasil, escravos e ex-escravos. Ainda hoje são conservados majoritariamente por seus
descendentes, havendo, com isso, “uma hegemonização do negro sobre as outras

68
Para citar algumas: Almas e Angola (SC); Babaçuê (PA); Batuque (RS); Cabula (ES, MG, RJ, SC); Culto aos
Egungun (BA, RJ, SP); Culto de Ifá (BA, RJ, SP); Macumba (RJ); Omoloko (RJ, MG, SP); Quimbanda (RJ,
SP); Tambor-de-Mina (MA); Terecô (MA); Xambá (AL, PE); Xangô do Nordeste (PE). Além do Candomblé e
da Umbanda já mencionados.
69
Sobre o sincretismo na Umbanda ver: Tramonte (2001) e (2008).
70
A cultura indígena é representada especialmente através figura do ‘Caboclo’ e pelo uso de elementos da
natureza pra fins terapêuticos. O Caboclo é considerado uma das principais entidades. Embora a palavra
‘Caboclo’ signifique mestiço de branco com índio, para os umbandistas trata-se de indígenas que em épocas
remotas habitaram diversas partes do planeta. Esta figura representa força, vitalidade e juventude (BORGES,
2004).
71
A cultura africana permeia praticamente todo o ritual, mas se faz mais fortemente presente através da figura do
Preto Velho e dos Orixás. O culto aos antepassados é um dos elementos afros mais característicos na umbanda,
onde recorda-se o sofrimento daqueles que viveram no período da escravidão.
72
Partes do catolicismo (como a figura dos santos) e do espiritismo são os principais elementos da cultura
européia presente no ritual da Umbanda.

51
contribuições” (TRAMONTE, 2008), o que caracteriza esta manifestação como parte da
cultura afro-descendente, ou afro-brasileira.

Essa característica de congregar elementos de diversas etnias73 e a capacidade de seus


líderes religiosos em dialogar com os setores dominantes da sociedade são apontados como
uma das principais razões pelo sucesso da Umbanda em todo país. Em Santa Catarina, este
processo foi observado por Tramonte (2004), ao analisar as estratégias de afirmação de Mãe
Malvina, considerada a mais importante e tradicional Mãe-de-santo do Estado e fundadora do
primeiro terreiro de Santa Catarina: o Centro Espírita São Jorge, localizado Bairro de Fátima,
hoje Coloninha. Segundo a autora, Mãe Malvina

[...] pode ser considerada um caso emblemático da constituição das religiões afro-
brasileiras na Grande Florianópolis. [...] “aproveitou-se” de suas sólidas bases de
apoio – entre estas, os políticos tradicionais – para fazer avançar e ampliar o espaço
da Umbanda e da cultura afro-brasileira em geral na Grande Florianópolis. [...] As
estratégias de Mãe Malvina, urdidas na trama do sincretismo e da ludicidade e
costuradas em sólidas e diversificadas bases sociais, resultaram no caminho
possível de enfrentamento do autoritarismo brasileiro à época [década de 50 e 60] e
trançaram o tecido social e político necessário para a expansão da rede das religiões
afro-brasileiras até a atualidade (TRAMONTE, 2004).

Assim como o terreiro de Mãe Malvina, na Comunidade do Mont Serrat o primeiro


centro de Umbanda – chefiado também por uma mulher, a Dona Tuquinha74 – surge em uma
época de grande restrição à liberdade de expressão (por volta da década de 60). Tramonte
(2004) descreve a disseminação dos terreiros pela cidade nesta época como um paradoxo, pois

[...] vivia-se no auge do totalitarismo do governo militar pós-64 e a liberdade de


expressão da sociedade civil era praticamente inexistente. Se pensarmos neste
contexto, agravado pelo fato de Florianópolis ser a capital de um estado cuja
imagem simbólica é marcada pela europeização de sua população e cultura, é
realmente surpreendente o que se passava na Umbanda em nível local (op. cit.).

Após esse período, nas décadas seguintes, outros terreiros surgiram na comunidade do
Mont Serrat, entre eles o do Dijo75, da Dona Lídia, da Graça, do Hamilton, da Tânia, da Dona
Maria. Hoje apenas os três últimos estão funcionando, sendo o da Dona Maria ligado ao rito
de Almas e Angola.

73
Uma “síntese brasileira” conforme classifica Ortiz (apud TRAMONTE, 2008, p.3).
74
A informação de que o primeiro Terreiro fundado no Mont Serrat teria sido o de Dona Tuquinha foi revelada
pelo pai-de-santo Hamilton para mim em entrevista.
75
Dijo foi um dos mais importantes e respeitados chefes espirituais da comunidade, sendo inclusive reverenciado
em sambas-enredo da escola de samba: “[..] Linda Favela com é belo teu luar/ teu chão salpicado de estrelas
vem iluminar/ este sorriso de criança embala o sonho, a esperança e a fé/ que o Dijo traz para a avenida para
dar mais vida à vida e mostrar todo o axé [...]” (Samba-enredo, Copa Lord, 1989).

52
Foto: Parte interna da Tenda Espírita Pai Guiné de Aruanda, chefiada pelo pai-de-santo Hamilton (canto
direito), localizada no Pastinho (Mont Serrat). Fotografia: Rodrigo Cantos, em 08/09/2008.

Apesar da Umbanda “possuir como essência a inclusão da diversidade da sociedade


brasileira” (TRAMONTE, 2008), esse sincretismo freqüentemente é visto com pudor por
outras religiões, especialmente as cristãs. Muitos dos umbandistas consideram-se também
católicos, freqüentam as Igrejas e reverenciam em seus Terreiros diversos santos católicos,
embora estes santos sejam designados algumas vezes por outros nomes. Contudo, a presença
deles na igreja causa certo incômodo para alguns fiéis católicos. No passado eram freqüentes
os embates diretos da Igreja Católica, a qual, por vezes, fazia uso de sua força política para,
com o auxílio da polícia, fechar diversos terreiros. Hoje a relação entre estas duas religiões
está mais tranqüila, ao menos entre os líderes religiosos, mas o preconceito ainda é bastante
visível entre os leigos. Com o passar dos anos, as religiões evangélicas passaram a herdar este
conflito, tornando-se uma das principais opositoras das religiões afro-brasileiras. Isso pode ser
percebido na descrição de Tramonte (2008), ao relatar a tentativa de fechamento do terreiro da
Mãe Ida, fato ocorrido por volta dos anos 50 na cidade de Florianópolis:

[...] a força policial, geralmente acionada pela vizinhança, veio a somar-se a


oposição de religiosos ligados à Igreja Católica. Neste conflito, surge também um
outro elemento: a perseguição dos “crentes” às religiões afro-brasileiras, que, nesta
época – anos 50 – parece estar já despontando, anunciando um fenômeno do final
do século, cinco décadas após este acontecimento: o combate implacável por parte
de membros da Igreja do Reino de Deus ao povo-de-santo.

Na comunidade do Mont Serrat o diálogo entre catolicismo e religiões afro-brasileiras


já foi tema de estudo por Camilo Araújo (2002 e 2004b). Diferentemente do descrito acima

53
por Tramonte, o conflito foi bem menos intenso na comunidade devido ao posicionamento
ideológico dos padres que por ali passaram. Orientado pela perspectiva da Teologia da
Libertação, Padre Vilson, há 26 anos na comunidade, intensificou o diálogo com os terreiros
da comunidade, participando até mesmo de algumas seções quando convidado. Para ele:

“O terreiro é um espaço de inclusão, ele inclui a criança, a vovó, o bebê de colo porque a
mãe está ali batucando, e o bebê já vai no embalo do batuque porque todo toque é importante
para o mundo negro. O tempo e o espaço do negro está muito ligado ao ritmo, ao corpo. (...)
É interessante quando a gente passa nas casas e não vê um banheiro decente, fazem suas
necessidades num canto, mas ao entrar no barraco vemos uma aparelhagem de som
novíssima. Agora, não compreender que a música para o negro é como comida, é não
compreender o seu tempo, seu espaço, o seu ritmo, e o terreiro me mostrou isso”
(Pe.Vilson)76.

Além desses diálogos entre o pároco e os terreiros, muitos moradores da comunidade


freqüentam os dois espaços religiosos, considerando-se a si mesmos como católicos e
umbandistas. Entre os dois entrevistados que comentaram sobre as religiões afro-brasileiras
da comunidade, o pai-de-santo Hamilton, considera-se católico e umbandista, embora
freqüente pouco a igreja devido ao preconceito. Dinho, considera-se católico e simpatizante
da Umbanda, freqüentando esta última ocasionalmente. Para os umbandistas, essa dupla
religiosidade é aceita, considerada normal e, por vezes, desejada. Sua própria característica
sincretizadora tende tornar a Umbanda mais flexível no que se refere à aceitação da multi-
religiosidade de seus adeptos. Em relação aos elementos católicos e afros nos rituais da
Umbanda, Lody (apud TRAMONTE, 2004) descreve que “alguns [adeptos] fundem essas
duas categorias; outros privilegiam a primeira em detrimento da segunda; outros ainda, em
menor número não aceitam a presença de imagens católicas”.

Quando começaram a surgir os primeiros terreiros na comunidade, a participação dos


umbandistas nas cerimônias da igreja católica não foi bem quista pelos católicos mais
conservadores. Estes não aceitavam essa dupla religiosidade e agiam de modo a coibir a
presença dos umbandistas na igreja. Dona Tota, mãe do pai-de-santo Hamilton, conta que
quando seu filho começou a construir o terreiro, sua função de Ministra da Eucaristia passou a
ser contestada por alguns religiosos católicos, conforme nos revela:

“Antes diziam assim: ‘ – ah, o Padre Vilson chama a Tota pra ser serva do Senhor, mas ela é
uma macumbeira’. Eu disse pro Padre Vilson: ‘ – Ta todo mundo me chamando de
macumbeira’. [...] Agora estão mais acostumados, mas falaram muito no começo. Até

76
Padre Vilson Groh, , entrevista concedida a Camilo Araújo (2004, p. 125).

54
queriam que o Padre Vilson me tirasse [da função de ministra]. O Padre Vilson não falou
nada, mas eu soube. [...] Aí o Padre disse assim pra mim: ‘ – o Miltinho [pai Hamilton]
segue a [religião] dele e tu segue a tua’” (Dona Tota)77.

Embora o terreiro não seja de Dona Tota, mas de seu filho Hamilton – Tota sequer se
considera umbandista –, esta situação trouxe desconforto para alguns fiéis da comunidade.
Mesmo para Dona Tota, a orientação religiosa de seu filho foi bastante conturbadora no
começo. Segundo ela teria sido “uma facada no peito” ver seu filho “rodando na Umbanda”,
mas acabou por aceitar a situação pelo fato do Terreiro ter conseguido tirar seu filho do vício
e da enfermidade.

“Eu também no começo não queria, mas já que foi preciso, eu aceito. Quando ele [Hamilton]
quer ele vai na igreja” (Dona Tota)78.

Essa é apenas uma das situações conflituosas que foi possível aqui destacar, mas é
preciso ressaltar que a relação entre católicos e umbandistas ainda é bastante árdua,
especialmente por parte de católicos que insistem em relacionar a prática da Umbanda aos
rituais de magia negra, denominando-a pejorativamente como Macumba.

2.2.2.1 Música e Gênero na Umbanda

No Mont Serrat, a supremacia das mães-de-santo no morro apresenta-se como um dos


indicativos da força feminina na Comunidade. Dos sete terreiros destacados anteriormente,
cinco foram chefiados por mães-de-santo, sendo que dos três vigentes atualmente, dois
continuam liderados por mulheres. De acordo com Amaral (2007),

Diversamente do que ocorre em muitas outras, nas religiões afro-brasileiras as


mulheres ocupam as principais posições hierárquicas. Aos homens se reservam os
cargos auxiliares, ministeriais, embora seja crescente o número de sacerdotes, o que,
inclusive, ocorre sob as graças das mães-de-santo, que não se recusaram a iniciar
homens, dando mostra de que seu poder não se estabelece sobre disputas e sim sobre
alianças, como bem demonstram a história das religiões afro-brasileiras e a biografia
das mães-de-santo de norte a sul (op. cit.).

77
Natália Silva Barbosa (Dona Tota), entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h, no centro de Umbanda
localizado no terreno de sua casa no Mont Serrat.
78
Natália Silva Barbosa (Dona Tota), entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h, no centro de Umbanda
localizado no terreno de sua casa no Mont Serrat.

55
Ao analisar o caso de Florianópolis, Tramonte (2008) também ressalta que, em relação
à cultura dominante, nas religiões afro-brasileiras da cidade “a hierarquia de gênero está
invertida, valem dizer, os grupos geralmente excluídos na sociedade circundante – mulheres e
homossexuais – estão no topo da pirâmide, no que diz respeito à autoridade e legitimidade
religiosas” (op. cit).

Por essa razão, a liderança feminina e sua hegemonia nas religiões afro-brasileiras têm
sido tema de ampla discussão, não apenas em estudos específicos sobre religiosidade, mas
também em diversas áreas do conhecimento79. Uma das causas deste interesse deve-se ao fato
das implicações da atuação feminina transpassarem os limites do terreiro, produzindo intensas
transformações nos diversos elementos da cultura brasileira e, em especial, no campo das
relações de gênero (AMARAL, 2007; TRAMONTE, 2008).

Em épocas em que a exclusão das mulheres era agravada por sua origem étnica e de
classe, a mulher negra, pobre, pouco ou nada escolarizada, ainda mais excluída,
muitas vezes encontrou nos terreiros o espaço de afirmação de sua identidade como
mulher e como ser político, gestando ali, lentamente, a mudança cultural, afastando
aos poucos as marcas da escravidão e obtendo o reconhecimento social como
guardiã de uma significativa parcela de valores da cultura nacional. A antropóloga
Ruth Landes, em seu livro A Cidade das Mulheres, de 1932, observou que a mulher
negra exercia, inclusive, uma importante influência modernizadora na cultura
brasileira, já que por tradição herdada dos costumes africanos e por contingências da
escravidão e do período pós Abolição, eram economicamente ativas e
independentes. Eram mulheres que tomavam suas próprias decisões, o que lhes era
possível porque para viverem contavam com seu próprio trabalho, geralmente como
cozinheiras, lavadeiras, costureiras, amas-de-leite, amas-secas, vendedoras de
acarajé, quindins, canjica e outros quitutes, criadas, padeiras, quitandeiras etc. Esta
liberdade e independência ecoavam em sua autoridade no candomblé (e vice-versa),
oferecendo o contraponto matriarcal ao desabrido domínio dos homens em toda a
vida nacional e latina da época (AMARAL 2007).

Tramonte (2008) ressalta a força das mães-de-santo ao afirmar que “A história de


resistência contra a repressão física e simbólica protagonizadas por estas mulheres negras e
pobres abriram espaço para as religiões afro-brasileiras, para as mulheres e negros em geral e
ampliaram o espaço de expressão democrática da população como um todo” (op.cit). Assim, o
Terreiro cumpre um papel além do espiritual, sendo um espaço de resistência e afirmação da
cultura e identidade negra.

Na comunidade do Mont Serrat, a iniciação de pais-de-santo causou certos conflitos


em relação ao uso das vestimentas utilizadas por homens que encarnavam entidades
femininas, conforme descreve Dinho:

79
Ver: Moura (1995); Velloso (1990); Jacob (2006); Tramonte (2004 e 2008); Amaral (2007).

56
“Antigamente era assim: o homem que trabalhava com orixá mulher, principalmente com
pomba gira, eles geralmente não poderiam colocar saia, vestir-se de saia rodadas, né. Mas
aos poucos isso foi quebrando. Nós tínhamos aqui o Dijo – mas já faleceu –, tinha uma época
que ele coloca a saia. Mas tinha muitos terreiros que não aceitavam. Ele [o Dijo] aceitavam
por que respeitavam ele. Mas muitos outros não eram aceitos. Hoje em dia não! Eu tenho
corrido muitos Centros [de Umbanda] e tenho visto muitos homens vestidos de mulher, com
roupa de pomba gira. Eu particularmente acho que não fica legal. Apesar do orixá ser
mulher, esse orixá sabe que ta na cabeça de um homem. Seja esse homem afeminado ou não,
mas ta na cabeça de um homem” (Dinho)80.

À parte da vestimenta, que pode causar um estranhamento visual, não há problema


algum em relação à sexualidade da entidade ser compatível ou não com a sexualidade daquele
que a recebe, conforme descreve Hamilton:

“O santo não tem sexo. Pode uma mulher trabalhar com Preto Velho um homem trabalhar
com Pomba Gira, com Iemanjá, não tem problema. Porque é ele [o santo] que escolhe a
gente, não é a gente que escolhe” (Hamilton)81.

Em contrapartida, a performance instrumental na Umbanda – e em outros cultos afro-


brasileiros – foi por muito tempo um território exclusivamente masculino. Ainda hoje, poucas
mulheres ocupam esta função, embora em proporções cada vez maiores. De acordo com
Amaral e Silva (2008), “A produção da música delimita ainda os papéis masculinos e
femininos. A maior parte dos instrumentos é tocada por homens, cabendo às mulheres o adjá
e, eventualmente, o agogô. O canto, por outro lado, não é privilégio de nenhum dos sexos”. A
autora refere-se ao candomblé, mas a mesma situação pode ser transportada para o caso da
Umbanda, assim como para os terreiros da comunidade do Mont Serrat, os quais passaram
recentemente a contar com mulheres entre os músicos instrumentistas, conforme descreve
Dinho:

“Tem mulheres que tocam também. Tocam atabaque, e tocam muito bem por sinal. Tem
também as que puxam o canto. Antigamente era função só de homem isso, mas agora não, a
mulher já começou a aprender, tomar gosto pelo atabaque e ta também tocando e cantando”
(Dinho)82.

No terreiro do pai-de-santo Hamilton só homens tocam os atabaques, mas segundo ele


não há qualquer restrição quanto à participação feminina, desde que devidamente iniciada.

80
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
81
José Hamilton Barbosa, entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h no seu centro de Umbanda,
localizado ao lado de sua casa no Mont Serrat.
82
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.

57
“Aqui só homem. Mas tem terreiro que tem mulher que toca também. Basta querer, passar
pelo ritual. [...] O chefe [dos atabaques] ta comigo há oito anos, o nome dele é Jean Rafael
dos Santos. Aí depois é o Jê que ta comigo há uns quatro anos. Tem o Dê que ta uns dois
meses, e aí tem outro que às vezes vem às vezes não vem. Ele vem mais em dia de festa”
(Hamilton)83.

Para tocar os atabaques é preciso passar por um ritual de iniciação, visto que os
instrumentos são tidos como portadores das entidades. Assim como as imagens dos Orixás, os
instrumentos permanecem sempre dentro do terreiro. Quando não estão sendo utilizados
ficam cobertos com um pano branco e devem ser tratados com muito cuidado durante as
performances. É através do som dos atabaques e do canto que as entidades são invocadas,
cabendo aos instrumentistas e cantores a execução do repertório apropriado a cada divindade.

“Tem a música de abertura do centro. Depois, para cada orixá tem uma chamada,
uma música. Assim começa. Começa a parte branca, com o Caboclo, o Povo-de-luz. Iemanjá,
ou Nanã, ou Iansã. Às vezes tem o Ogum que também pode se manifestar. Todos orixás têm
um ponto específico pra eles. Aí as pessoas ficam aí, incorporam. Tem uns orixás que
conversam, outros não conversam” (Dinho)84.

Na Comunidade, cada terreiro realiza semanalmente seu ritual, sempre durante a noite.
Segunda é o dia do Almiton, sábado acontece na Tânia e sexta na Maria. Alguns umbandistas
são assíduos apenas a seu terreiro, mas é muito comum que as pessoas da comunidade
transitem entre os três, freqüentando também terreiros de fora da comunidade. De modo geral,
as festas constituem-se no principal motivo para o povo-de-santo transitar pelos terreiros, por
isso, estas se apresentam como um importante espaço de sociabilidade e troca de
conhecimento, conforme descreve Amaral (apud TRAMONTE, 2004):

a festa é uma das mais expressivas instituições da religião, “espaço de realização de


toda a diversidade de papéis, dos graus de poder e conhecimento a eles
relacionado...as individualidades como identidades de orixás e de nação”. Assim, as
festas do povo-de-santo não promovem apenas a celebração religiosa, mas o
encontro de diversos aspectos da vida tais como religião, economia, política, prazer,
lazer, etc. (op. cit.).

Os terreiros de Umbanda seguem um calendário festivo em comum85. Na comunidade


do Mont Serrat os chefes espirituais procuram planejar as festas de modo que os umbandistas

83
José Hamilton Barbosa, entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h no seu centro de Umbanda,
localizado ao lado de sua casa no Mont Serrat.
84
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
85
Os principais dias festivos celebrados nos terreiros de Umbanda da comunidade são: 20 de janeiro (São
Sebastião ou Oxosse); 23 de abril (São Jorge ou Ogum); 13 de maio (Preto Velho e libertação dos escravos); 13

58
possam comparecer em todos os terreiros. Por exemplo, se a data festiva cair num sábado, um
terreiro celebra na sexta, outro no sábado e o outro na quinta, ou até mesmo na semana
seguinte. Estes dias são amplamente divulgados entre os umbandistas, de modo que, nestas
ocasiões, pessoas de diversas localidades procuram estes centros. De acordo com Tramonte
(2004), em Florianópolis “as festas são inúmeras e praticamente semanais, pois os terreiros
revezam-se continuamente no oferecimento de ocasiões festivas e comparecimento assíduo
quando estas ocorrem, gerando um fluxo intenso que faz com que o povo-de-santo esteja
constantemente comemorando” (op. cit.). No terreiro do Hamilton é nos dias festivos que há
maior movimentação, conforme nos revela:

“Só vêm mais pessoas quando é dia de festa, aí enche. Mas nos dias comum só eu que
trabalho mesmo. Vez ou outra vêm algumas pessoas, mas geralmente só eu trabalho. Dia de
festa eles vêm para o meu terreiro, às vezes eu vou no deles também” (Hamilton)86.

Dinho descreve a importância desta festa para os umbandistas da comunidade,


constituindo pra ele num especial momento de confraternização.

“Quem conversa muito também é o povo de esquerda que eles chamam, Exu, Pomba- Gira.
Esses conversam muito, fumam, bebe muito. É uma festa! É a parte onde o povo participa,
come, bebe, na realidade é a parte que o povo mais gosta. São as entidades que gostam de
festa, né. Então o povo adora!” (Dinho)87.
Para Tramonte (2004), as festas das religiões afro-brasileiras têm sido tratadas com
pouca importância pelos estudos acadêmicos:

[...] o povo-de-santo pode ser chamado também, povo-de-festa, tal a importância da


presença deste elemento em seu cotidiano. [...] na maioria dos trabalhos sobre as
religiões afro-brasileiras, a festa tem sido tratada como o momento final da
iniciação ou são destacados apenas os aspectos da possessão dos médiuns pelos
orixás, quando, na verdade, é elemento fundamental para entender a religião em sua
totalidade (TRAMONTE, 2004).

de junho (Exum); 24 de junho (São João Batista ou Xangô); 29 de junho (São Pedro ou Xangô); 13 de agosto
(Pomba-Gira); 27 de setembro (São Cosme e Damião).
86
José Hamilton Barbosa, entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h no seu centro de Umbanda,
localizado ao lado de sua casa no Mont Serrat.
87
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.

59
2.2.3 O Samba

Em uma análise de trabalhos relevantes da literatura acadêmica que tratam da origem e


desenvolvimento do samba em nosso país, percebemos que este gênero musical está tão
disseminado na cultura brasileira que resgatar a história do samba, por vezes, se traduz na
própria história da música popular brasileira (SANDRONI, 2001; VIANNA, H. 2007;
MOURA, 2004; MOURA, 1995; ARAÚJO, 1999 e 2008; DINIZ, 2006). Segundo diversos
autores, uma das causas deste fenômeno foi um intenso movimento, a partir dos anos de 1930,
para transformação do samba em símbolo da identidade nacional (VIANNA, H., 2007;
MOURA, 2004; MENEZES BASTOS, 1995; PARANHOS, 2003). Por essa razão, em todo
país, o universo do samba vêm sendo há décadas tema de estudo de pesquisas, não só no meio
musical, mas também em diversas áreas do conhecimento.

Por outro lado, em Florianópolis o samba se desenvolveu em um contexto onde a


história e a cultura das populações afro-brasileiras permaneceu encoberta, por décadas, por
uma política que favoreceu imensamente a projeção das tradições européias (açorianos,
alemães e italianos), negligenciando a cultura das populações negras como parte da identidade
catarinense, conforme revelam Ilka B. Leite (1995), Cristiana Tramonte (1996) e Áurea D.
Silva (2006).

Por esse motivo, há pouquíssimos estudos acadêmicos sobre a história e o


desenvolvimento do samba em Florianópolis. Na década de 1990 surge um dos primeiro
estudos, com Cristiana Tramonte (1995 e 1996), direcionado às escolas de samba da ilha,
onde foi produzido também o documentário Samba Escola de Que? (1992). No meio musical,
recentemente alguns trabalhos começaram a despontar como, por exemplo, o de Ricardo Fujii
(2002), que traz um estudo de caso sobre o grupo de samba de raiz Os Novos Bambas; as
pesquisas de Áurea D. Silva (2002 e 2006), direcionadas ao segmento das escolas de samba –
mais especificamente a Embaixada Copa Lord –; e o trabalho de Airon A. Pereira (2007), que
faz um levantamento sobre o pagode romântico88 praticado na cidade. Em outras áreas do
conhecimento, embora não tendo como foco principal a música, mas o samba como um
universo mais amplo, podemos destacar os estudos de Camila A. Reis (2007), também sobre a

88
Termo empregado pelo autor para definir o estilo de pagode dos anos 90 (pagode romântico), o qual tem como
principais precursores os grupos Raça Negra, Só pra Contrariar, Negritude Jr, diferenciando-se, assim,.do pagode
dos anos 80 praticados pelos freqüentadores do Cacique de Ramos, representados por figuras como Zeca
Pagodinho, Beth Carvalho, Grupo Fundo de Quintal.

60
Escola Copa Lord; Camilo Araújo (2005 e 2006), que investigou as relações de poder entre
igreja e escola de samba na comunidade do Mont Serrat; Marco A. Silva (2003) que traz um
panorama sobre a participação da parcela homossexual da população no carnaval
florianopolitano; Marcelo da Silva (2000), que investiga o samba nas camadas populares no
período de 1920 à 1950; Eduardo da Silva (2005) que destaca as relações de poder na
organização do carnaval local; e Renato S. Bueno (2008) que analisa a articulação das escolas
de samba com o poder público no processo de construção da passarela de samba da cidade.
Fora do meio acadêmico, em 2001, Clodosweley Bernard, conhecido como Mickey, sambista
carioca que veio a residir em Florianópolis, lançou um dicionário das escolas de samba onde
inclui informações sobre o samba da cidade. Seguido, posteriormente por Abelardo H.
Blumenberg (2005), popularmente conhecido como Avez-Vous, o qual publicou um livro
sobre suas memórias como sambista e fundador da escola de samba Embaixada Copa Lord.
Neste período, surge o documentário Ali na esquina, trazendo significativas reflexões sobre o
universo do samba da capital catarinense, tendo como recorte os anos de 2000 a 2005.
Contudo, apesar do recente interesse em investigar essa manifestação cultural, as bases para
uma reflexão mais consistente sobre o samba da ilha de Santa Catarina ainda estão em
formação. Se poucos registros existem sobre a história e o desenvolvimento do samba na
cidade, que dirá sobre a atuação das mulheres neste segmento.

Segundo os registros históricos, em Florianópolis o samba teria sido estimulado pela


presença de marinheiros cariocas que por ali passaram durante as décadas de 1940 e 1950
(TRAMONTE, 1996; SILVA A., 2006, ALI NA ESQUINA, 2006). Estes, durante sua
permanência na cidade, teriam se instalado temporariamente nas proximidades do Morro da
Cruz, possivelmente no Morro do Mocotó, conhecido durante certa época também como
‘Morro do Governo’89. Este intercâmbio da população negra que vivia nos morros do centro
da cidade com os marinheiros cariocas, teria sido um dos elementos que estimularam
decisivamente o surgimento das primeiras escolas de samba (TRAMONTE, 1996). Desde este
período até os dias atuais, diversas escolas de samba, agremiações e blocos foram fundados na
cidade. Atualmente, existem apenas quatro escolas: Protegidos da Princesa; Embaixada
Copa Lord; Unidos da Coloninha; e Consulado do Samba.

Ainda hoje, grande parte do universo do samba de Florianópolis está diretamente


vinculado a estas instituições, sendo elas as principais responsáveis por gerar, manter e

89
A designação do “Morro do Mocotó” como “Morro do Governo” em épocas passadas, revelada por Seu Teco
em entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no Mont Serrat.

61
estimular esta prática na cidade. Situação ligeiramente diferente do que ocorre, por exemplo,
no Rio de Janeiro, onde há práticas bastante independentes, com intenção inclusive de se
diferenciar ao máximo dos paradigmas propostos por estas agremiações, conforme revela
Roberto M. Moura (2004) em seu estudo sobre o samba carioca.

Na comunidade do Mont Serrat, a escola de samba Embaixada Copa Lord, desde sua
fundação em 1955, tem sido o centro de referência para os moradores que participam de
alguma forma do ‘mundo do samba’90. Segundo o livreto Memórias há indícios de que uma
escola de samba mais antiga teria sido fundada anos antes no Pastinho, região anexa ao Mont
Serrat. Este livreto não especifica no nome da escola e nem a data em questão, sugerindo
apenas que o fato teria ocorrido antes da fundação da Embaixada Copa lord.

Há muitos anos atrás a criançada do Pastinho, da Rua Geral, brincava o Carnaval à


sua moda. No Pastinho havia a Escola de Samba do Morro, com diretoria e tudo
mais. Faziam parte da diretoria o Antônio, conhecido por “Camisa”, o Pedro, a
Conceição e o presidente da Escola de Samba da Rua Geral era o Zeco [...] Hoje
estas crianças já adultas, participam de várias Escolas de Samba como Embaixada
Copa Lord, Protegidos da Princesa, e outras escolas e blocos (Memórias, 1992, p.
16).

De acordo com recente levantamento bibliográfico feito por Áurea D. Silva (2006), há
registros de que a primeira escola de samba criada na cidade teria sido a Narciso e Dião em
1947 e esta “teve como local de saída o Morro da Caixa”, atual Mont Serrat (op. cit, p. 66)91.
A autora ressalta que este dado é relativamente recente, pois durante décadas atribuiu-se à
Protegidos da Princesa o mérito de ser a primeira escola fundada na cidade. Avez-Vous,
morador da comunidade e um dos fundadores da Copa Lord nos deixa algumas pistas sobre
esta antiga escola:

“Da primeira escola eu participei em 1947. Chamava-se Narciso e Dião. Ela


destoava totalmente de escola de samba, na acepção da palavra. Havia um porta-estandarte,
o famoso Zininho [Cláudio Alvim Barbosa, mais tarde conhecido como autor do "Rancho de
Amor à Ilha", hoje hino oficial de Florianópolis]. Os demais eram instrumentistas. Não havia

90
Tramonte (1996) define ao menos três espaços centrais que formam o mundo do samba da ilha: (1) os pontos
de encontro ocasionais, como os bares, o mercado público, festas, programas de rádio e televisão; (2) as rodas de
samba e concursos, geralmente organizados pelos sambistas ou pelas escolas de samba, o quais se intensificam
no período que antecede o carnaval. (3) As associações e escolas de samba, que se apresentam como um dos
motores principais de todo este movimento. A autora ainda coloca que para ser considerado um integrante deste
universo é preciso “gostar de samba, freqüentar os espaços tradicionais onde o samba acontece, freqüentar os
eventos promovidos por seus integrantes, respeitar o código de ética e moral elaborado pela convivência interna
e ter certo tempo cronológico de freqüência nos ambientes e eventos” (op. cit, p. 212).
91
A autora remete esta informação ao trabalho de Eduardo da Silva, o qual não tivemos acesso para esta
pesquisa, mas destacamos aqui sua referência a fim de facilitar sua localização: SILVA, Eduardo da. Para além
de momo: relações de força nos bastidores do carnaval florianopolitano. Dissertação (Mestrado) História Social.
UFRJ, 2005.

62
alas, nem pastoras. Os instrumentos eram de percussão e de sopro. Sobressaíam os sopros,
constituídos pelos melhores músicos aqui da Ilha. O grupo juntava a Orquestra do [Clube]
Doze de Agosto e alguns componentes do Lira [Tênis Clube]” (Avez-Vous)92.

Essas agremiações mais antigas, com a Escola do Pastinho e a Escola Narciso e Dião
não constam na historiografia de alguns autores por não considerá-las como escolas de samba,
mas sim como blocos carnavalescos devido a suas pequenas dimensões.

Segundo informações verbais recolhidas por A. Silva (2006) há indícios que a


Protegidos da Princesa também teria sido fundada “na Rua Major Costa, no Morro da Caixa, o
mesmo ‘reduto’ onde surgiu a escola de samba Narciso e Dião e onde posteriormente surgiria
a Embaixada Copa Lord” (op. cit, p. 67). Percebe-se, com isso, a sólida presença do samba
nas imediações da comunidade do Mont Serrat neste período.

Especulações à parte, o certo é que a Escola de Samba Embaixada Copa Lord há


décadas vem sendo a grande referência para a comunidade, não só em termos de samba, mas
também como fonte de cultura, lazer, educação, resistência, poder e articulação política. Por
esta razão, para muitos moradores seria impensável a vida da social da comunidade sem a
escola:

“A escola de samba é uma necessidade para a comunidade, que fala de carnaval o ano
inteiro, diferente do resto da sociedade que só se interessa pelo momento do carnaval. Se não
houver desfile de escola de samba, dá um vazio na comunidade, as pessoas ficam doentes,
muita tristeza. O carnaval é a alimentação da comunidade. O pessoal do morro desce para a
praça, para os ensaios, é vida” (Dica)93.

“É muito mais cultural. Uma grande parte da comunidade quer expressar sua cultura. Você
precisa ver a transformação da comunidade dois, três meses antes do carnaval, tem mais
disposição, nem parece que tem tantos problemas [...] A Copa Lord é a alma da comunidade,
é um pedaço dela” (Cacá)94.

Na mesma medida em que a comunidade precisa da escola para consolidar suas


práticas sócio-culturais, a escola de samba Embaixada Copa Lord também precisa manter este
vínculo comunitário para afirmar sua “tradição” e manter seu status de “autenticidade”
enquanto entidade representativa das camadas pobres e negras da cidade. Esta reciprocidade
foi evidenciada no trabalho de Tramonte (1996), sobre as Escolas de Samba de Florianópolis,

92
Abelardo Henrique Blumenberg (Avez-Vous), entrevista concedida ao jornal ANotícia em 02 março 2003 e
publicada no seguinte endereço: http://www1.an.com.br/2003/mar/02/1ger.htm.
93
Eronildo Crispim de Souza (Dica), entrevista concedida a Cristiana Tramonte (1996, p. 219).
94
Carlos Alberto (Cacá), entrevista concedida a Cristiana Tramonte (1996, p. 219-220).

63
e no trabalho de A. Silva sobre a Embaixada Copa Lord. Segundo Tramonte (1996, p. 217)
“viver em comunidade é o elemento-chave do universo simbólico dos componentes das
escolas de samba de Florianópolis”. Como exemplo da necessidade de vinculação das escolas
de samba às comunidades periféricas e de origem negra, a autora faz referência à Escola
Consulado do Samba, a qual teria uma origem diferenciada e precisou adaptar-se para ser
mais reconhecida dentro do universo do samba:

A Escola de samba Consulado enfrenta, no início de sua formação, a acusação de


ser uma escola “desvinculada da comunidade”, já que sua sede era nas
dependências da ELETROSUL, onde surgiu. Sua origem social diferenciada das
outras escolas locais, causa, no princípio, algumas tensões que aliviam-se com o
tempo mas não desaparecem por completo, emergindo novamente quando a escola
é vencedora. [...] Reformulando sua atuação, a Consulado instala-se numa
“comunidade” (Caieira) e principia a acumular títulos na década de 90. As vitórias
ininterruptas, aliadas à origem de classe (e portanto, racial) da escola, serão alvo
fácil de acusações de algumas pessoas ou de grupos de identidade racial que
consideram a “escola de brancos” uma prova da perda de prestígio e poder das
camadas populares de origem negra nas escolas de samba e, portanto da perda de
“autenticidade” a exemplo do que vinha ocorrendo no Rio de Janeiro, segundo essa
visão (TRAMONTE, 1996, p. 191-192).

2.2.3.1 Gênero e Comunidade na Copa Lord

Um dos elementos chaves para a definitiva integração da Copa Lord com a


comunidade, e vice-versa, foi a construção na década de 1960 da Sede da escola em um
espaço dentro da comunidade. Com a Sede, posteriormente chamada de “Sede Social”, os
laços afetivos se reforçaram, visto que a comunidade passou a interagir de forma mais ativa
nos preparativos para o carnaval. A Sede propiciou também um envolvimento maior das
mulheres nas atividades da escola, fazendo com que elas passassem a estar diretamente
ligadas

aos desfiles e a Escola, principalmente na organização das festividades e na parte


social. [...] Quando criaram a sede, um grupo de dez mulheres, esposas dos diretores
[...], organizou o ‘grêmio feminino’ para participarem ativamente dentro da Escola
de samba. [...] Segundo Uda, o Carnaval antes era apenas o desfile, e nele era muito
mais comum a participação de mulheres solteiras (REIS, 2007, p. 30).

O livreto Memórias também ressalta a importância da participação destas mulheres na


constituição da escola ao afirmar que os Grêmios Femininos “contribuíram para fortalecer a
Sociedade e a Escola de Samba” (Memórias, 1992, p. 14).
64
“Foi fundado um grêmio onde a Dona Valdionira foi a primeira presidente e eu era
secretária. Começamos a ajudar os nossos maridos, pois os nossos maridos eram da
executiva. Então, nos participávamos do grêmio, eu, Valdionira, Dona Bibina, Dona
Mariana, Dona Lourdes, Dona Daura, formávamos o grêmio do Copa Lord. E daí as
mulheres começaram a participar, ficar nos bares para olhar, pra tomar conta. Eu acredito
que o sucesso da Copa Lord foi também devido a essas senhoras darem a vida por aquilo ali
também, as mulheres dos diretores, né” (Dona Uda)95.

Foto: Sede Social da Embaixada Copa Lord. Ensaio aberto da Bateria Mirim.
Fotografia: Rodrigo Cantos, em maio 2006.

Na mesma medida em que a escola se beneficiou imensamente com participação


incisiva dos moradores, com a Sede a escola passou a oferecer diversas atrações para a
comunidade que extrapolavam os limites do samba, como bailes, festas, cursos, etc. Áurea D.
Silva (2006), ao analisar este processo, observa que

A criação do clube fortaleceu os vínculos entre a entidade carnavalesca e os


moradores do Morro da Caixa, pois tinha como função atender os interesses dos
carnavalescos e sambistas residentes no próprio bairro, ou seja, pessoas que além de
serem escola também estavam preocupadas com a necessidade da realização de
atividades sociais e culturais dentro da comunidade. [...] Além de proporcionar um
espaço de entretenimento para a juventude do Morro da Caixa, o Clube Copa Lord
possibilitou aos jovens a realização de experiências profissionais, abrindo espaços
para grupos de samba e de pagode e para equipes de sonorização formadas por
moradores da própria comunidade. Assim como a organização das sociedades
recreativas revelava uma estratégia e inserção social da população afrodescendente
no ambiente da cidade, também o Clube Social Copa Lord desempenhou esse
papel, abrindo um novo espaço para a realização de atividades associativas e para a
valorização da cultura negra (SILVA, A., 2006, p. 148-149).

95
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.

65
Dona Uda descreve como que a construção da Sede Social – idéia de seu marido e
vizinhos – surgiu a partir da necessidade de suprir as necessidades da escola enquanto
instituição e da comunidade enquanto localidade carente de espaços para o lazer e
sociabilidade.

“Isso aí tem uma história, o Armando ele imaginava assim: terminava a escola de samba,
terminava o carnaval, desapareciam todos. [...] Quando terminava o carnaval saia todo
mundo e ficavam as dívidas. E não tinha como ter uma renda pra suprir as dívidas que
ficavam do carnaval. Eu, como esposa dele, só ficava escutando, porque não sabia o que
fazer. Às vezes o Ito e seu Nelinho vinham pra cá.... O Ito sempre dizia assim: ‘ – Ah
Armando, como eu gostaria de poder ganhar mais pra poder te ajudar a suprir o que ficou,
mas eu não posso’. O Nelinho vinha pra cá e dizia: ‘ – Presidente, vamos botar nosso terno,
nossa gravata e vamos sair por aí. Vamos pedir!’. Saíam os dois tristes, mas quando
voltavam já voltavam sorrindo. [...] Até que um dia veio a idéia de fundar um clube social.
Eles diziam: ‘ – Onde vão se divertir os filhos daqueles que machucam as mãos, cansam pra
botar um carnaval na rua?’. Por que o nosso pessoal daqui, os nossos jovens, eles não
tinham onde se divertir. Eles iam dançar ali no clube oito, no estreito, ou no 25, lá no morro
Chapecó. Então terminou o Carnaval acaba tudo pra eles” (Dona Uda)96.

Hoje, em função do crescimento da escola de samba, conseqüência da necessidade de


adaptação devido à profissionalização do carnaval, a atuação da Copa Lord extrapola os
limites territoriais da comunidade do Mont Serrat. Com a popularização dos desfiles, a escola
passou a reunir um número significativo de pessoas de fora da comunidade, de diferentes
classes sociais e com diferentes propósitos. A. Silva (2006, p. 93) percebe que “os
participantes do grupo possuem diferentes formas de se relacionar com a agremiação”. Neste
sentido, o termo “comunidade” pode adquirir diferentes significados dentro da escola,
dependendo do sujeito em questão, conforme constatou Reis (2007). Segundo a autora, no
discurso de três de suas entrevistadas foi possível perceber os diferentes sentidos que cada
uma delas atribui ao conceito de comunidade no contexto da Escola de Samba.

Para D. Uda Gonzaga, a comunidade a que se refere é a dos moradores do Monte


[sic] Serrat. D. Uda é uma líder comunitária, nasceu e cresceu no morro, e vive lá até
hoje [...] Sua relação de vida, com a comunidade do Monte [sic] Serrat e com a Copa
Lord está entrelaçada no seu discurso sobre o que é comunidade. [...] Mas, ao
entrevistar Nega Tide e Elizângela Aranha, notei outro sentido para o termo
comunidade, que estaria para além do Monte Serrat. Elas se referem à comunidade
como a “comunidade copalordense”, aos que participam da Escola, mas não
necessariamente residem no Monte Serrat (op.cit, p. 31).

96
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.

66
Em entrevista para esta autora, Elizângela Aranha, madrinha da Bateria da Escola,
expõe o sentido que a palavra comunidade tem para si no contexto da Embaixada Copa Lord.

“Para mim a comunidade mesmo é as pessoas que estão ali participando. Tem gente que
mora do lado da comunidade, e que não se dedicam tanto quanto pessoas que moram ali do
outro lado da ponte” (Elizângela Aranha)97.

2.2.3.2 Música e Gênero na Copa Lord

A música constitui-se o motor que gera a maior parte do movimento em torno da


escola de samba, principalmente nos meses que antecedem o carnaval. Os principais
responsáveis por manter essa energia acesa são os(as) integrantes da bateria – mestres e
ritmistas – e os(as) cantores(as) – puxadores do samba-enredo e as pastoras. A bateria é
ensaiada exaustivamente, iniciando suas atividades meses antes do desfile. É uma das alas
mais exigidas em termos de resultados. Além do mais, o ensaio da bateria é um dos principais
responsáveis por atrair, reunir e manter a união dos membros da escola durantes os
preparativos para o desfile. Neste período, o local de ensaio torna-se ponto de encontro de
todos os participantes da escola, de moradores da comunidade do Mont Serrat, além de atrair
curiosos, integrantes de outras escolas, turistas, jornalistas, etc.

O evento central dos ensaios da Embaixada Copa Lord é a performance realizada


pelos batuqueiros, puxadores, intérpretes e passistas consistindo essencialmente na
preparação do samba-enredo a ser apresentado pela agremiação no desfile oficial.
Grande parte dos integrantes desse “núcleo” – dos envolvidos mais diretamente
com a música – comparece aos ensaios juntamente com seus familiares, que
geralmente integram também outros setores da escola de samba como a ala das
crianças, a harmonia, ala de baianas, ala coreografada, Velha Guarda, oficina de
fantasias, o barracão etc. Acrescentando a esse “núcleo” os moradores do Morro da
Caixa (Mont Serrat) e também de outras comunidades localizadas no entorno do
centro urbano, temos então o público que participa com maior freqüência desses
ensaios (SILVA, A., 2006, p. 121).

A autora destaca também que o ensaio da bateria constitui-se num momento de


aprendizagem não só para os ritmistas, para todos os integrantes da escola, os quais esforçam-
se em aprender a cantar samba-enredo. Cantar o samba-enredo na avenida é um dos elementos
que pode influenciar na decisão dos jurados, os quais costumam observar se a maioria dos

97
Elizângela Aranha, entrevista concedida à Camila Azevedo dos Reis (2007, p. 31).

67
integrantes da escola canta juntamente com os puxadores e se o público presente é envolvido
pela energia da escola. Ao observar os preparativos para o carnaval de 2002, Silva percebe
que

A principal atividade dos ensaios da Copa Lord era o aprendizado do samba enredo.
Porém, não eram somente os batuqueiros, mas todos os integrantes da escola
estavam empenhados em aprender a músicas. Os organizadores da escola
distribuíam a letra do samba para os presentes, a fim de facilitar a memorização da
música (SILVA, A., 2002, p. 59).

A importância da bateria também pode ser percebida na fala daqueles que dela
participam:

“De todas as alas [...] eu acho que a bateria é o melhor da escola, porque tu vem nos
ensaios, tua acaba te envolvendo com as outras pessoas, na verdade, tu fica bem
familiarizado, tu faz mais amigos, é uma coisa mais do tipo assim, tipo família mesmo, tu te
enturma, né, faz amizade com todo mundo, não é aquela coisa de te ver ali no dia do desfile, e
deu acabou. [...] Eu acho que a melhor parte da escola é a bateria” (Beatriz)98.

Além desta bateria que se apresenta no desfile de carnaval, chamada também de


‘Bateria Geral’, a escola possui outras duas baterias, a ‘Bateria Show’ e ‘Bateria Mirim’. A
Bateria Show, com um número bem reduzido de participantes em relação a anterior, com
aproximadamente 10 a 15 integrantes, representa a escola durante o ano todo, em festividades,
eventos e encontros em geral. Para o desfile de carnaval, os membros da Bateria Show são
convidados a aprender as levadas do samba-enredo alguns meses antes da Bateria Geral.
Desse modo, este grupo é responsável por sustentar o ritmo enquanto os ritmistas menos
experientes da Bateria Geral ainda estão em processo de aprendizagem.

A Bateria Mirim foi uma iniciativa recente da Copa Lord, iniciada por volta de 2004.
É formada exclusivamente por crianças de sete a treze anos99, tendo aproximadamente 30
componentes ao todo, sendo praticamente todos moradores da comunidade do Mont Serrat.
Para fazer parte deste grupo, a criança tem de estar estudando e com rendimentos escolares
satisfatórios, processo que é acompanhado de perto pela educadora Uda Gonzaga. Das quatro
observações que pudemos fazer dos ensaios da Bateria Mirim em meados de 2006,
percebemos uma escassa presença de meninas, geralmente duas ou três em um grupo de mais
de 20 integrantes. Assim como a Bateria Show, a Bateria Mirim também tem realizado

98
Beatriz, entrevista concedida à Áurea Demaria Silva (2002, p. 59).
99
Treze anos é a idade mínima necessária para ingressar na Bateria Geral da Copa Lord, por isso, a Bateria
Mirim oferece vagas apenas para crianças que ainda não atingiram esta idade.

68
diversas apresentações. Contudo, os espaços escolhidos para a performance deste grupo são
ligeiramente diferentes, geralmente em escolas, centros culturais, ONGs, Museus, Teatros.

Além das baterias, a Copa Lord também conta com a musicalidade da Velha Guarda, a
qual recentemente, por volta de 2004, passou a organizar uma equipe chamada “Velha Guarda
Show”. Esse conjunto é constituído por senhoras e senhores de idade mais avançada os quais
cantam antigos sambas, geralmente acompanhados pelos instrumentistas do grupo de samba
de raiz Um Bom Partido. Segundo informações dispostas na página da Internet da Copa
Lord100, atualmente está sendo desenvolvida uma equipe de percussão com integrantes da
própria velha-guarda, com o Coca no tamborim, Osmarino (dom Pedro) no Balde Show,
Lidinho no reco-reco , Vidomar no chocalho, Ari no Agogô. O grupo canta todos os sambas
enredos da escola desde o primeiro samba enredo de 1956 “Vem Forasteiro”, composição de
Avez-Vous, até os sambas enredos atuais da escola. Assim como a Bateria Show, a Velha
Guarda Show faz apresentações em diversos eventos promovidos pela escola, além terem
feito participações especiais no palco de sambistas famosos que passaram pela cidade, como
Elizah, Elza Soares, Guilherme de Brito, Monarco da Portela, para citar alguns.

Foto: apresentação da Velha Guarda da Copa Lord no dia comemorativo de 25 anos da presença
do Padre Vilson na comunidade do Mont Serrat. Fotografia: Rodrigo Cantos, em 06/12/2006.

Os ensaios da Bateria Geral são sempre abertos ao público e em locais públicos, por
isso, de todos os grupos musicais promovidos pela Escola citados até então, com este houve
um maior acompanhamento nesta pesquisa, sendo possível assistir semanalmente seus ensaios

100
http://www.copalord.com.br/velhaguarda.htm Acesso em: 27/10/2008.

69
e realizar entrevistas com alguns de seus participantes. Assim, a seguir faremos algumas
observações a respeito da participação de homens e mulheres neste grupo, tendo como recorte
o período de ensaios para o carnaval de 2008.

Neste período, foi possível observar a atuação das mulheres nas atividades musicais
nos seguintes espaços: como cantoras (pastoras) e como ritmistas. Neste último, com uma
predominante concentração entorno do naipe dos chocalhos. Outras funções como,
compositor, cavaquinista, violonista, intérprete101, mestre e contra-mestres de bateria, foram
compostas exclusivamente por homens. Como ritmistas, apenas duas mulheres atuaram fora
do naipe dos chocalhos, uma no tamborim e outra no repenique.

Embora sem uma deliberada intenção, o naipe dos chocalhos tem se tornado um
espaço centralizador para as mulheres que desejam participar da bateria desta escola, sendo
considerado, atualmente, praticamente uma ala feminina, conforme relata Karla, coordenadora
deste naipe.

“Só um ou outro [homem] que procura. Eles já sabem que o chocalho as mulheres
sempre procuram, então eles deixam de lado. Esse ano só tem dois, ano passado tinha
três, cada ano que passa vai diminuindo. [...] Eles vêem que só tem mulher, ficam
meio assim...[desconfiados?]. Já virou a ala feminina” (Karla).102

A presença de alas femininas nas baterias das escolas de Samba de Florianópolis foi
constatada no carnaval da década de 60 por Cristiana Tramonte (1996). Segundo a autora, a
escola Protegidos da Princesa teria desfilado em 1960 com uma “ala feminina de Bateria –
com sete ‘inimitáveis ritmistas’” e 15 pastoras (op. cit, p. 99). Para a autora

a presença de uma ala de bateria feminina é um dado inédito para uma realidade
que até há poucos anos não permitia a entrada de mulheres nem para desfilar na
escola de samba [...]. Entretanto, esta prática de incluir mulheres na bateria não teve
grande continuidade. Ainda hoje, 1995, é minoritária a participação de mulheres
nas baterias em Florianópolis e mesmo no Rio de Janeiro (op. cit, p. 102).

Outros pesquisadores como Luciana Prass (2004) e Paulo C. de Oliveira Neto (2004)
também têm observado em outras escolas do país uma concentração feminina nos chocalhos.
É um indicativo que este movimento está se tornando uma tendência na cultura das escolas de
samba.

101
Embora no meio musical termo ‘intérprete’ seja empregado para contrapor o músico que executa daquele que
compõe, na escola de samba ‘intérpretes’ são os cantores que fazem a voz principal do samba-enredo. As
pastoras, embora sejam também cantoras, não são destacadas como intérpretes do samba.
102
Karla Terezinha, entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h30min, no Miramar (centro), local de
ensaio da Bateria Geral da escola. Karla há oito anos é ritmista da escola, sempre nos chocalhos. Nos dois
últimos anos assumiu a função de coordenadora deste naipe.

70
Apesar da ala de chocalhos da Bateria Geral da Copa Lord ter contado com a presença
de dois homens, percebemos que havia um certo desconforto por parte deles. Um se recusava
a permanecer junto ao grupo, freqüentemente abandonava seu posto para andar entre os
demais ritmistas e, quanto retornava, permanecia de costas para o seu naipe103. O outro rapaz
justificou sua presença no chocalho ao fato de ser membro da bateria show da escola104.

Apesar de não haver qualquer tipo de impedimento formal quanto à presença de


homens no chocalho, há sim um bloqueio simbólico, gerado por uma silenciosa reestruturação
dos papéis de gênero neste setor da bateria, o que tem tornado a participação deles cada vez
mais rara e a presença feminina garantida (ou permitida) entre os ritmistas. A conquista do
chocalho pelas mulheres já é tão forte nesta escola que algumas mulheres até hesitam ao
escolher outro instrumento que não este.

“Pensei chocalho... coisa de mulher... eu sou mulher, eu pensei! Porque que eu não to no
chocalho, né? Mas chocalho não é uma coisa que me diverte [...] não é aquela coisa toda, é
legal, até um dia eu podia sair, mas minha paixão mesmo é o tamborim” (Luize)105.

Em contrapartida, o chocalho é freqüentemente visto como um instrumento fácil de


tocar, o que o coloca, de acordo com suas falas, como mais adequado às mulheres. Ao
questioná-las sobre o porquê da maior presença feminina neste naipe, as respostas foram
muito similares.

“É natural mesmo, elas já vão direto. Eu acho mais fácil. O chocalho é importante na
bateria, é claro, mas não é tão importante como os outros instrumentos. Ele é o mais fácil de
fazer” (Sandra)106.

“Eu acho que elas acham que é mais fácil de tocar” (Karla)107.

103
À parte deste senhor, nenhum outro ritmista da escola saía da sua posição. Ele também trazia seu próprio
instrumento que, por sinal, não tinha as mesmas características físicas daqueles usados pelas demais integrantes
do naipe. Ao que parece, se trata de um ícone da escola, ou seja, um senhor que há muito tempo desfila nesta
posição e já tem seu lugar reservado todos os anos.
104
Em conversa informal, perguntei sobre sua presença nos chocalhos, sua reposta: “É, mas eu sou da bateria
show”.
105
Luize Caroline dos Santos, há um ano é ritmista da ala dos tamborins. Entrevista concedida a mim em
29/01/2008 às 21h30min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.
106
Sandra Regina de Jesus. Há sete anos ritmista da escola, sempre nos chocalhos. Entrevista concedida a mim
em 28/01/2008 às 20h30min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.
107
Karla Terezinha, entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h30min, no Miramar (centro), local de
ensaio da Bateria Geral da escola.

71
Foto: ensaio da Bateria Geral no Terminal Cidade de Florianópolis. Close na ala dos chocalhos.
Fotografia: Rodrigo Cantos, em 29/01/2008.

Além da suposta facilidade, questões como força física e resistência também aparecem
como elementos decisivos no processo de escolha de um instrumento.

“Tem mulher que toca surdo, mas só quem tem força mesmo, eu acho que surdo é pra
homem. Tamborim e chocalho já combina mais [com mulher]. Querendo ou não o homem
tem mais força, então o surdo já é um instrumento pensado [para homem], a mulher não tem
condições... Tem mulher que consegue, mas eu, por exemplo, não ia conseguir sair na
avenida tocando surdo”(Eloísa)108.

Por outro lado, a “força” a que se refere pode estar mais embutida no âmbito cultural
do que físico propriamente dito. “Diversos instrumentistas, não apenas bateristas, observam
que, para tocar um instrumento, é necessário o aproveitamento do movimento do peso do
corpo, e não ‘força’ propriamente dita” (JACQUES, 2007, p. 98). Em contrapartida, em suas
falas também percebemos que o chocalho não se trata exatamente de um instrumento que
exige pouca resistência física.

“No começo dói muito os braços. Tu toca um tempo e depois leva um ano pra tocar de novo.
Aí quando retoma fica uns três dias doendo o braço. Mas depois que esquenta o corpo pára
de doer. Mas cansa bastante, a gente sai daqui com o braço bem doído” (Sandra)109.

108
Eloísa Costa Gonzaga. Há seis anos pastora da escola. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às
22h00min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.
109
Sandra Regina de Jesus. Há sete anos ritmista da escola, sempre nos chocalhos. Entrevista concedida a mim
em 28/01/2008 às 20h30min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.

72
O chocalho utilizado pelas escolas de samba consiste em um instrumento de grande
dimensão, três a quatro vezes maior que um tamborim, pesando em média de um quilo a um
quilo e meio. Para executá-lo deve ser sustentado numa região próxima altura do pescoço,
exigindo para isso firmeza e controle de mãos e braços. Somando a isso várias horas
consecutivas de ensaios, numa altíssima intensidade sonora, dia trás dia, não é de causar
estranheza o cansaço percebido ao final de cada jornada.

Já no canto, as mulheres atuam apenas na posição de pastoras, ou seja, fazendo um


contracanto em partes selecionadas do samba-enredo, enquanto que aos homens cabe fazer a
voz principal. A presença das pastoras é opcional, portanto, muitas escolas preferem abrir
mão deste recurso, deixando apenas a voz principal. Em Florianópolis, ainda é uma posição
que está sendo reconhecida, causando estranheza para alguns.

“Tem gente que olha meio de lado... mulher cantando... por que é um pouco raro aqui
em Florianópolis mulher cantando [em escola de samba]. [...] Por enquanto é só na Copa
Lord que tem, a Protegidos parece que ta botando também. Estamos conquistando nosso
espaço dentro do universo masculino” (Daniela)110.

Conforme dito anteriormente, na Copa Lord as mulheres que participam como


cantoras limitam-se à voz secundária. A pesquisadora Camila A. Reis (2007), revelou que em
uma conversa com Nega Tide ela teria informado que “só houve uma puxadora de samba, que
foi a Jane. Jane puxou o samba-enredo ‘No Comércio da Vila’, em 1990, um desfile de vitória
para a Copa Lord” (op. cit, p. 41). No entanto, esse tipo de participação feminina aparece
como exceção e não como regra, pois essa divisão pode ser constatada em praticamente todas
as escolas de samba do país, constituindo-se numa tradição das escolas de samba. Contudo,
percebemos há um desejo de quebrar este paradigma por parte das mulheres da Copa Lord.

“Na parte das músicas a gente não canta o samba inteiro, a gente entra só de vez em quando,
pra dar o brilho na música. Mas às vezes eu acho que eles acham que a gente não é capaz de
cantar um samba inteiro na avenida pra ajudar. Eles dizem que nossa voz não tem peso igual
à de um homem. [...] Eles não querem quebrar essa [tradição?]” (Daniela)111.

110
Daniela M. dos Santos. Há seis anos pastora da Embaixada Copa Lord e vocalista do grupo Os Novos
Bambas. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h45min, no Miramar (centro), local de ensaio da
Bateria Geral da escola.
111
Daniela M. dos Santos. Há seis anos pastora da Embaixada Copa Lord e vocalista do grupo Os Novos
Bambas. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h45min, no Miramar (centro), local de ensaio da
Bateria Geral da escola.

73
“Falam que a mulher tem voz aguda, não pode puxar samba-enredo, que é homem que tem
que puxar. A gente não canta todas as partes do samba-enredo. Eles acham que a gente não
tem voz pra isso” (Eloísa)112.

Essa insatisfação pode ser conseqüência da desvalorização de seu papel, de sua


importância como cantora e integrante do grupo. Segundo suas percepções, sua presença é
percebida como quase que dispensável.

“Na escola de samba eu notei que se a mulher for tudo bem, se não for tanto faz. Não tem
tanta importância. O importante é o puxador... a gente sabe da importância do puxador, mas
a gente sabe do brilho que a mulher dá quando ta do lado dele. Acho que é o conjunto”
(Jandira).113

Na disposição dos ensaios, pudemos notar que as pastoras sempre ficavam atrás dos
puxadores, há dois ou três metros de distância, formando um grupo à parte. Se alguma delas
não pudesse ir, nenhuma comparecia ao ensaio e, quando isto ocorria, o mesmo parecia seguir
normalmente.

Foto: puxadores (homens) ao centro, pastoras (mulheres) no canto direito.


Fotografia: Rodrigo Cantos em 29/01/2008, antigo terminal urbano de Florianópolis.

Quanto à discriminação, nenhuma das ritmistas entrevistadas relatou perceber algum


tipo de preconceito na bateria pelo fato de serem mulheres. Em contrapartida, todas as
cantoras afirmaram, em alguma medida, percebê-lo. Curiosamente, este dado se contrapõe

112
Eloísa Costa Gonzaga. Há seis anos pastora da escola. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às
22h00min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.
113
Jandira Souza, vocalista, percussionista e compositora do grupo Um Bom Partido. Atuou como pastora da
Embaixada Copa Lord em anos anteriores. Entrevista concedida a mim em 22/06/2008 às 19h, no Bar Kanttum,
na cabeceira da ponte Hercílio Luz, no continente.

74
com a participação feminina ao longo da história da música ocidental, onde as mulheres há
décadas conquistaram reconhecimento e prestígio como cantoras, enquanto que como
instrumentistas (e mais ainda como percussionistas) o processo foi mais lento, gerando
polêmicas até os dias atuais, conforme pudemos constatar em estudo desenvolvido
anteriormente (ver: Gomes e Mello, 2008a). No carnaval deste ano, Fernanda da Silveira foi a
cavaquinista oficial da Escola de Samba Protegidos da Princesa, uma função também pouco
comum entre as mulheres.

Apesar da presença feminina ainda ser minoritária nas atividades musicais da Copa
Lord, percebemos que as mulheres exercem um papel fundamental na estrutura social desta
instituição. Dona Uda é um exemplo dessas mulheres que nos momentos mais difíceis
assumem as maiores responsabilidades. Referimo-nos, neste caso, à sua gestão como
presidente nos anos de 1983 e 1984, um dos momentos mais sensíveis para a escola, conforme
nos relata:

“Quando tinha reunião, eu olhava aquela mesa repleta de homens, e nenhum quis assumir.
Será porque? [...] Tava um ano difícil. Foi um ano que os conselheiros deixaram a escola,
uns por motivo de doença, outros por motivo de força maior. Não quiseram mais, saíram e
foram embora. Aí diziam: ‘ – o Copa Lord vai acabar, vai acabar!’. Aí vieram aqui pra me
dizer: ‘ – Uda, não queres assumir?’. Se eu nem participava quando meu marido era vivo, só
participava uma vez ou outra porque eu era muito envergonhada. Mas diziam: ‘ – Uda,
ninguém quer, se você não aceitar...’. Isso foi no ano de 83. Aí fiquei, tiramos em 4º lugar.
Depois assumi outra vez em 84, foi aonde muita gente da ELETROSUL veio nos ajudar, aí
botamos um carnaval lindo, maravilhoso” (Dona Uda)114.

Por outro lado, após a recuperação da escola, sua presença na presidência passou a ser
contestada.

“No início, quando tinha aquela preocupação de não ter verba, não tinha isso, não tinha
como começar... aí todos deram as mãos. Depois, quando o Copa Lord começou a avançar,
quando a gente começou a fazer bailes para ajudar, aí os homens se sentiram meio coagidos,
assim: ‘- ah, nós sermos dirigidos por uma mulher’. Depois de estar avançando começaram
‘– ah, nos sermos dirigidos por uma mulher, com tanto homem’. Eu disse: ‘– olha, eu só
assumi porque vocês não quiseram. Olha, vamos fazer uma eleição, se alguém quiser assumir
não tem problema não’. Acima de tudo, acima do poder, eu sou Copa Lord de coração.
Aprendi isso com meu marido. Aí pronto, em 1987 assumiu o Dejair e daí pra frente... Mas eu
me senti muito importante. Dei jeito! Me senti muito importante naquele período, porque se
eu não tivesse assumido o Copa Lord hoje não seria o que é, não estaria no estágio que está.

114
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.

75
Porque eles tinham abandonado e eu assumi com muito carinho. Graças ao esforço dos
outros diretores também a gente colocou o Copa Lord no seu devido lugar” (Dona Uda)115.

Até hoje, Dona Uda foi a única mulher a assumir a presidência da Copa Lord e a
primeira mulher a presidir uma escola de Samba de Florianópolis116. Hoje, ela é considerada
a Matriarca da escola e a principal liderança feminina, não só dentro da agremiação, mas
também para a comunidade do Mont Serrat, conforme constataram também Silva A. (2006) e
Reis (2007). Esse posto teria sido ocupado no passado por Mariazinha (Maria Lúcia do
Santos), tida como “o símbolo da Copa Lord, cheia de graça, cheia de raça” conforme conta
Avez-Vous, fundador da escola, ao escrever em seu livro uma pequena biografia sobre esta
personagem (BLUMENBERG, 2005, p. 105). Segundo Reis (2007), Mariazinha era
“considerada a Rainha das baianas de Florianópolis, [...] era a coordenadora da ala das
baianas antes de Uda, e pesava 120 quilos. Para Uda, ela representava a típica baiana, pois
andava sempre de turbante, saias compridas e tinha a ‘mão cheia’ para a cozinha, ‘ela cozinha
para a sociedade’” (op. cit, p. 46). Em 1995, ano comemorativo dos 40 anos de existência da
Copa Lord, a escola homenageou Mariazinha com o samba-enredo ‘Uma festa pra Festeira’,
onde, em certos momentos da letra, Mariazinha e Copa Lord fundem-se em um único
personagem: “Lá vem ela/ Linda e maravilhosa/ Sambar com ela é estar num mar de rosas./
Os teus tamborins ecoam pelo infinito/ Embalando os deuses neste sonho tão bonito (bis)/
Baiana, roda com axé/ Sacode e explode, que a galera diz no pé (bis)/ Ai, saudade! Me leva,
me conduz/ Vou viajar entre as estrelas num rancho de luz/ Reviver seus antigos carnavais/
Embalado na magia dos banquetes da Maria/ Hoje eu quero é mais/ Nesta doce loucura
vamos brindar/ Hoje a festa é sua, até a lua veio te abraçar/ O Nego Quirido balançou/ Neste
balanço, me leva que eu vou (bis)” (Copa Lord, samba-enredo, 1995).

115
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
116
Segundo Tramonte (1996), Dona Iraci Goulart “foi a primeira mulher a ser Presidente de Escola de Samba em
Florianópolis na direção da Escola de Samba Consulado” (op. cit, p. 141). Contudo, a autora não especifica a
data exata, sugerindo apenas a década de 1990 como o período de maior projeção pública desta mulher. Uda
Gonzaga foi presidente da Copa Lord nos anos de 1983 e 1984, ao parecer, anos antes de Dona Iraci.

76
2.3 RECENTICIDADES: renovações ou variações sobre o mesmo tema?

2.3.1 Pagode

Nas últimas décadas, muitas das discussões sobre o samba e música popular brasileira
no meio acadêmico e nos meios de comunicação tem circundado a polarização de temas como
“cultura popular x cultura de massa”, “expressão comunitária x atividade comercial”, “cultura
negra x embranquecimento”, “tradição x espetáculo”, “autenticidade x modernidade”,
“qualidade x quantidade”. Essas discussões tendem a se agravar na medida em que a produção
musical vai se tornando mais acessível às classes populares, especialmente, com o advento
das revoluções tecnológicas. No universo do samba, o surgimento do pagode ou “pagode
romântico”117, no início da década de 1990 desencadeou uma série destes questionamentos
citados anteriormente devido “a intenção explícita de seus protagonistas de misturar a prática
tradicional do samba com elementos da estética pop” (TROTTA, 2007). Esta discussão teve
grande repercussão tendo em vista a profunda identificação do samba com a própria
identidade nacional, gênero musical considerado como um dos principais representante da
‘autêntica’ música brasileira.

Contudo, apesar do recente interesse em discutir estes temas, estas questões fazem
parte do universo do samba desde seus tempos mais remotos. Sandroni (2001), em seu estudo
sobre as transformações do samba carioca nos anos de 1917 a 1937, revela como que a
passagem do samba de sua forma folclórica para uma sua forma popular gerou incômodos

117
Conforme Trotta (2007) e Lima (2002), podemos dizer que o samba atualmente se divide em duas correntes
principais: aqueles se identificam como “de raiz” e os que se associam ao pagode ou “pagode romântico”. O
termo ‘samba de raiz’ costuma ser usado para identificar o trabalho de sambistas tradicionais, que aceitam em
menor medida a influência da indústria fonográfica. Sua sonoridade remete desde ao estilo do Estácio (anos 30 e
40) até o estilo desenvolvido no Cacique de Ramos por volta dos anos 80. Na literatura há diversas designações,
como: Neopagode (Moura, 2004), samba moderno (Pereira, 2007), pagode (Diniz, 2006), pagode de raiz ou
pagode ‘original’ (Trotta, 2007; Lima, L., 2002). Embora tidos como ‘de raiz’, tocam também músicas bastante
atuais. Já o termo ‘pagode’ costuma ser associado aos grupos menos conservadores, mais comerciais, abertos ao
gosto das grandes mídias. Suas sonoridades remetem ao estilo desenvolvido nos anos 90 por grupos como Raça
Negra, Negritude Jr. Na literatura, os termos mais comuns associados a este estilo são: pagode romântico (Trotta,
2007; Pereira, 2007; Lima, L., 2002), pagode comercial (Diniz, 2006), pagode paulista (Pereira, 2007), pagode
brega. Em realidade, o termo ‘pagode’ acabou sendo alvo de disputa entre esses dois segmentos. Mas, com o
passar do tempo, muitos sambistas tradicionais preferiram abandoná-lo e adotar o termo “samba de raiz” como
forma de se diferenciar do pagode romântico.

77
entre os sambistas, os quais inclinavam em não reconhecer a nova variante como parte do
universo do samba. O autor classifica o samba folclórico, como

o tipo mais antigo [...] associado à Tia Ciata e aos compositores que freqüentavam
sua casa, como Donga, João da Baiana, Sinhô, Caninha, Pixinguinha. [...] o tipo
mais recente [popular], é associado a um bairro do Rio de Janeiro – chamado
Estácio de Sá [...] – e aos compositores que ali viviam ou circulavam: Ismael Silva
[...], Nilton Bastos [...], Bide [...], Brancura [...] e outros (op. cit, p. 131).

Sandroni (2001) cita um trecho de uma entrevista com Donga e Ismael Silva no qual
os compositores são questionados sobre o que é samba. “Donga respondeu com o exemplo de
‘Pelo Telefone’ e Ismael discordou: ‘ – Isso é maxixe’. Para ele, samba de verdade era ‘Se
você jurar’ (composto por ele e Nilton Bastos em 1931). Mas Donga também discordou: ‘ –
Isso não é samba, é marcha” (op. cit, p. 132).

Do mesmo modo, Moura (2004) descreve como que uma nova variante do samba, o
pagode do Cacique de Ramos, surgido nos anos 1980, foi no início objeto de desconfiança e
discriminação pelos sambistas mais antigos, especialmente aqueles ligados às escolas de
samba. Segundo o autor,

a rigor, o que os jovens caciqueanos fizeram foi [...] virar as costas às escolas,
agremiações que pareciam deter o monopólio do gênero no Rio de Janeiro, [...]
reinventa[ndo] a tradição, entregando-a aos sambistas mais jovens numa versão
renovada, mas com absoluto respeito pelos que moldaram a história do samba” (op.
cit, p. 201-202).

Diniz (2006) reforça a idéia ao afirmar que a união de sambistas em torno do Cacique
de Ramos foi “uma resposta competente dos compositores contra a institucionalização do
gênero ocorrido nas quadras [escolas] de samba” (op. cit, p. 210). O autor revela que na época
de seu surgimento todas as “modificações proporcionadas pela geração do Cacique de Ramos
levantaram uma reflexão para o mundo do samba: seria então o pagode um novo gênero
musical? Estava instaurada a polêmica” (op. cit, p. 210). Ou seja, segundo o autor, havia
correntes dentro do samba que não aceitavam a inclusão desta variante como parte do
universo do samba.

Expomos apenas algumas ilustrações entre os diversos embates ideológicos dentro do


mundo do samba para demonstrar que situação similar ocorre no presente momento com os
adeptos do “pagode romântico”. Embora os contextos sociais, político e econômicos sejam
diferentes, o ciclo parece repetir-se na atualidade. Para os tradicionalistas, devido às
inovações estéticas e comerciais promovidas por seus protagonistas, esta nova variante do

78
samba constitui-se uma ameaça à tradição e a “autenticidade” da cultura do samba, por isso, a
tentativa em mantê-la à margem deste processo, conforme revela Trotta (2007):

[...] é impossível ignorar o grau de legitimidade que determinados jornalistas,


sambistas e pesquisadores possuem no conjunto da sociedade, formando um seleto
grupo que detém o poder de “qualificar” certos produtos culturais. [...] Defendendo
essa “raiz”, um time expressivo de jornalistas, pesquisadores e sambistas com
razoável destaque em jornais e revistas manifesta de forma recorrente um amplo
leque de julgamentos negativos com relação aos grupos de pagode romântico. Esses
músicos e críticos, com acesso privilegiado aos meios de comunicação de massa,
amplificam suas opiniões sobre o samba. [...]. [Esta] profusão de termos pejorativos
na análise crítica da música dos grupos de pagode romântico denota um sentimento
de desprezo pelo seu trabalho que, por sua vez, reflete a intenção de separá-los do
segmento consagrado da categoria samba e deslegitimar o uso desta nomeação.
Uma estratégia cuja finalidade é exatamente determinar que esses grupos não estão
fazendo samba. E não podem fazer samba, pois não compartilham essa vivência
comunitária, ‘os segredos e o fundamento’ do imaginário do gênero (op. cit, 2007).

Em Florianópolis, além das tradicionais Escolas de Samba, o universo do samba pode


ser dividido dois núcleos principais: os grupos de samba de raiz; e os grupos de pagode.
Segundo levantamento realizado em pesquisas anteriores (GOMES, MELLO e PIEDADE,
2008b), o primeiro núcleo conta atualmente com três conjuntos musicais na cidade: o Número
Baixo, Os Novos Bambas e o grupo Um Bom Partido. Estes dois últimos apresentam uma
significativa parcela feminina, praticamente a metade do contingente. Quanto ao segundo, ou
seja, os grupos de pagode, de acordo com recente levantamento feito por Pereira (2007),
existem aproximadamente vinte seis grupos na região, todos formados por homens118, à
exceção do Entre Elas, que conta (propositalmente) apenas com mulheres119. A
desproporcional quantidade de grupos distribuídos em cada núcleo (26 contra 3) é um dado
extraordinário, o que sugere uma popularidade e demanda maior do pagode na cidade.

Pereira (2007) indica que “somente em 2001 e 2002, o mercado para as bandas de
pagode em Florianópolis começou a se abrir. [...] O principal mercado que foi aberto naquela
época – e que sustenta as bandas até hoje – são as casas voltadas a um público de alto poder
aquisitivo, ou utilizando um termo mais atual, ‘baladas’” (op.cit, p. 26). Além do mais, com a
popularização do pagode nos meios de comunicação, entre outra razões, muitos grupos de
pagode começaram a surgir também entre os jovens das classes médias e altas, distanciando-
se, com isso, ainda mais dos núcleos comunitários, da população negra, espaço este
consagrado como gerador do mundo samba. O distanciamento do mundo do samba pelos
118
Esse dado sobre a sexualidade dos integrantes não foi publicado em seu trabalho, mas confiado a através de
contato pessoal. As integrantes do grupo Entre Elas também não indicaram nenhuma outra mulher fora de seu
grupo que estivesse fazendo pagode na cidade.
119
A participação feminina no mundo do samba de Florianópolis foi debatida em pesquisas anteriores, ver:
Gomes et al, (2008).

79
grupos de pagode também pode ser percebido pela tímida relação que estes estabelecem com
as escolas de samba se comparado, por exemplo, aos grupos de samba de raiz. Dificilmente
os grupos de pagode são convidados a tocar nos eventos promovidos por estas agremiações e
seus integrantes raramente exercem cargos de destaque nas atividades musicais das escolas de
samba. É comum a participação como ritmista da bateria geral, no entanto, é preciso ressaltar
que este espaço se configura como um lugar aberto para todos que desejam participar. Por
outro lado, no Mont Serrat não verificamos um distanciamento tão acentuado entre esses dois
segmentos do samba, conforme veremos a seguir.

Na comunidade do Mont Serrat há diversos grupos de pagode, formados quase que


exclusivamente por jovens e adolescentes entre 10 e 20 anos. Em conversa informal com
Lucas, percussionista de um destes grupos, ele indicou a presença de pelo menos três
conjuntos musicais, os quais destacamos a seguir: Carícias (formado por Lucas, Marcos,
Ruan, Mateus, Guilherme, Leo, Ph, Weber); Fascinasamba, (formado por Marcos, Rajam,
Guilherme, Dedê, Podo); Só Paixão, (com Alexandre, Leleco, Binho, Mano, Jéferson).
Observamos nesta relação informada por Lucas a presença exclusiva de elementos do sexo
masculino. Por sinal, durante aproximadamente quatro anos de convívio com a comunidade,
jamais constatamos a presença de elementos femininos em grupos de pagode do morro, seja
como vocalista ou instrumentista120.

Foto: apresentação do grupo Só Paixão.


Fotografia retirada da página da Internet criada pelo grupo no site de relacionamentos orkut.121

120
Mesmo nas rodas de samba de fundo de quintal, em festas, aniversários, a participação das mulheres se
restringe ao canto e as palmas, enquanto que os instrumentos ficam nas mãos dos homens. Neste sentido, a
escola de samba emerge como um dos poucos espaços onde as mulheres da comunidade assumem uma postura
diferenciada no universo do samba.
121
Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Profile.aspx?uid=12328498900479261895> Acessado em:
19/11/2008.

80
Percebemos na convivência com alguns dos integrantes dos grupos citados que o
movimento do pagode no morro não apresenta características tão distantes do mundo do
samba, ao menos no que se refere ao envolvimento com a comunidade, no compromisso com
a tradição e na simplicidade de suas performances. Neste sentido, estes aproximam mais das
características dos grupos de samba de raiz, a exceção do repertório escolhido, o qual se
identifica com aquele ligado ao movimento do ‘pagode romântico’ nacional. É possível que
isto se dê pelo fato dos grupos da comunidade serem de origem negra, pobre e residirem em
uma das comunidades mais tradicionais da cidade, especialmente em se tratando de samba.

2.3.2 Pentecostalismo

Em oposição à forma católica de viver o cristianismo122, surge um fenômeno


conhecido como protestantismo, iniciado em 1517 com a chamada ‘Reforma Protestante’,
encabeçada por Martinho Lutero, na Alemanha. Essa foi uma das maiores rupturas já
acontecidas entre o povo cristão, tendo em sua época, praticamente dividido o mundo
ocidental em duas metades. Nesta divisão, os países da península ibérica rejeitaram as novas
doutrinas advindas da reforma protestante, seguindo, assim, com o então catolicismo; tradição
a qual trouxeram também para suas colônias. O Brasil, herdeiro desta tradição, teve durante
séculos o catolicismo como a única manifestação religiosa aceita no país, conservando-se
assim até meados do século XIX.

Os primeiros vestígios do protestantismo no Brasil surgem com a vida dos imigrantes


alemães já no século XIX, os quais trouxeram consigo sua tradição religiosa. No entanto,
esses alemães não apresentavam características missionárias, sendo que sua prática estava
mais restrita à sua população e seus descendentes. É partir das missões evangelizadoras norte-
americanas (presbiteriana, batista, metodista e episcopal) – também derivadas da Reforma
Protestante –, que essa manifestação começa a ser amplamente difundida entre a população
brasileira no final do século XIX e início do século XX.
122
As grandes linhas divisórias do cristianismo têm sido delineadas da seguinte forma: catolicismo romano,
igrejas orientais e ortodoxas e protestantismo.

81
Como diferencial fundamental, os seguidores desta doutrina defendem o direito de
todas as pessoas interpretarem a Bíblia, sem a necessidade de intermediação dos padres e
líderes religiosos. Essa convicção foi e continua sendo a principal responsável pela
fragmentação das igrejas protestantes em todo mundo, visto que qualquer pessoa pode fundar
seu movimento, sem que este tenha qualquer relação de hierarquia com os demais existentes
(SANTOS, 2002). Por isso, existe hoje uma gama infinita de igrejas, as quais foram se
dividindo, reformulando seus conceitos e doutrinas (WESCHENFELDER, 2004).
Atualmente, os praticantes de qualquer linha de protestantismo são chamados de evangélicos,
devido à ênfase de suas doutrinas nas escrituras bíblicas.

Apesar desta aparente desintegração, no Brasil é possível classificar os seguidores da


linha protestante em três grandes núcleos: históricos, pentecostais e neopentecostais,
conforme descreve Santos (2004):

Os históricos abrangem aqueles que são originários do protestantismo surgido com


a Reforma do século XVI. Abrangem, portanto, os batistas, presbiterianos,
luteranos e metodistas que fundaram igrejas no Brasil no século passado. [...] Já os
pentecostais surgiram no Brasil a partir de 1910. [...] A maior representante é a
Assembléia de Deus, [...] realizam cultos baseados na emoção, mais informais que
os das igrejas tradicionais. [...] Os neopentecostais englobam as igrejas criadas a
partir da década de 70. Nesse grupo inclui a Universal do Reino de Deus. Os
neopentecostais destacam o dom do Espírito Santo que leva à cura divina e ao
exorcismo (que eles chamam de libertação). A guerra entre Deus e o diabo ganha
tons dramáticos (Folha de São Paulo apud SANTOS, 2004, p. 22).

As igrejas evangélicas, sobretudo as do chamado ramo pentecostal, penetraram com


enorme velocidade nas comunidades empobrecidas. No Mont Serrat, por exemplo,
encontramos uma presença massiva da igreja Assembléia de Deus (pentecostal), com
aproximadamente dez templos espalhados por toda comunidade, os quais conquistaram em
sua chegada uma parcela significativa dos moradores, muitos deles ex-adeptos do catolicismo.

“Agora há divisões. Naquela época, a única seita que não era católica era a espírita,
os umbandistas. [...] De uns dez anos pra cá é que apareceram outras seitas na comunidade.
Aí ta um racha. Hoje nossa comunidade tem três templos diferentes, tem o centro de
umbanda, a assembléia de Deus e tem uma outra que foi criada que eu não lembro o nome.
Então, muitos adeptos ao catolicismo saíram para outras seitas” (Seu Teco)123.

123
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.

82
“Sobre a igreja, tem uma coisa: não havia outro tipo de igreja, só tinha a igreja
católica. De repente, de 1983 por aí, foi surgindo uma igreja, outra igreja e mais outra, e
hoje está minado de outras igrejas” (Dona Uda)124.

No entanto, apesar da quantidade, percebe-se que estes templos são mantidos por um
público comum, os quais se movimentam entre várias igrejas como forma manter a
quantidade e a união necessária entre os fiéis:

“Tem gente que congrega em duas igrejas. Por que assim: no dia que tem ali perto da creche,
ali no pastinho tem. E quando tem lá na Descoberta os da Assembléia todo mundo desce pra
lá. Nessa área são unidos. Os daqui descem pra lá e os de lá sobe pra cá. Aí quando tem
congresso vão tudo lá pro Caieira” (Clarice)125.

A ideologia difundida pelas igrejas evangélicas criou uma segmentação acentuada


entre as pequenas células que formam a comunidade do Mont Serrat. A “comunidade
evangélica”, com se identificam, mantém poucas relações com os demais núcleos, como por
exemplo, com a “comunidade copalordense”, com os umbandistas, com a comunidade
católica (CEBs). Estas manifestações acabam sendo desaprovadas por contrariarem as
doutrinas pregadas pelas lideranças evangélicas, as quais admitem em menor medida as
diferenças ideológicas, traçando o caminho da homogeneização como o mais seguro para
desenvolver suas práticas religiosas.

2.3.2.1 Música e Gênero nas Igrejas Pentecostais

Ana P. Weschenfelder (2004) que fez um estudo sobre a administração musical na


sede da igreja Assembléia de Deus em Florianópolis, constatou que a música se trata

uma atividade muito presente nas igrejas evangélicas, seja para adoração a Deus,
evangelismo ou confraternização. Cada igreja evangélica [...] dispõe-se de variadas
atividades musicais, sejam elas com foco na prática do culto, educação ou
entretenimento. [...] [Assim estas] igrejas realizam oficinas, festivais de talentos,
shows, palestras; além de manter grupos musicais somente vocais, instrumentais ou

124
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
125 125
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).

83
ambos, com orquestra, banda de louvor, quartetos, trios, coros (de casais, jovens,
adolescentes, crianças, idosos). São formações musicais das mais diversas,
seguindo de acordo com os recursos humanos, materiais e financeiros de cada uma
(op. cit, p. 23)

Santos (2004) destaca que nas igrejas evangélicas a música tem um papel fundamental
para conversão e preservação dos fiéis, tratando-se de uma das principais formas de transmitir
os seus sistemas de crença e atingir a elevação espiritual. Por isso, acaba sendo um
instrumento largamente utilizado nos cultos e nas campanhas evangelizadoras. O investimento
feito por essas instituições neste setor é bastante considerável, tanto que diversos grupos deste
ramo adquirem projeção nacional e internacional com número recorde de vendas de CDs e de
público em seus eventos. Devido a esse investimento e a valorização da instituição, entre
outras coisas, os músicos evangélicos têm na igreja uma parte da sua vida, do seu cotidiano.

Clarice, freqüentadora das igrejas evangélicas do morro, nos conta que estas possuem
diversas atividade musicais:

“Começa assim: na assembléia tem os dois hinos da harpa cristã, aí depois tem o corinho,
como vocês cantam na católica, depois tem bastante irmã que canta. Mas assim, elas têm o
playback delas, aí eles chamam cinco ou seis pessoas pra cantar sozinha, mas se quiser
cantar com alguém também. É como se fosse um show. Aí depois tem a pregação”
(Clarice)126.

Segundo nos revela, muitas mulheres fazem participações musicais especiais durante o
culto, para tanto, levam um acompanhamento musical previamente gravado e sobre ele
cantam alguma música. Clarice é uma das mulheres que participam desta maneira e assim nos
conta como se dá sua participação:

“Eu canto com playback, sozinha, eu e o acompanhamento. Em qualquer igreja! Sou


convidada bastante pra cantar fora. [...] Eu participo assim: ‘Vamos ouvir a Clarice cantar’:
aí eu canto, levo meu CD, dou o número [da faixa] e canto sozinha. Aí tem bastante jovens
ali que cantam. Mas também tem a mocidade, que o coral, aí o coral todo canta” (Clarice)127.

Em sua fala percebemos que além das participações individuais, solo, há também os
conjuntos musicais com instrumentos e os grupos só vocais. Ao menos dois foram destacados

126
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).
127
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).

84
por ela: um deles formado por Jorge (cavaquinho) e Francisco (guitarra); e um grupo vocal
formado por Fabrício, Fabrícia e Fagner, carinhosamente chamado por ela de família “f”,
visto que todos são parentes. Além desses

“[...] Tem o circulo de oração das mulheres, mulheres casadas. Aí elas têm o coral delas
também. Aí tem os dias de se encontrar, dia de ensaiar. Aí tem o grupo da mocidade também,
que é a mesma coisa, e o grupo de adolescente e crianças” (Clarice)128.

2.3.3 Hip-Hop

O hip-hop é uma manifestação que surgiu nos Estados Unidos nos anos 1970,
resultado das tradições musicais de origem negra deste país, recebendo influências
principalmente do, blues, soul e o gospel (HERSCHMANN, 2000). Espalhou-se rapidamente
por diversos países do hemisfério ocidental, em especial em localidades onde há uma forte
presença de núcleos afro-descendentes. O Brasil, o segundo país com maior população negra
do mundo, ficando apenas atrás da Nigéria, rapidamente absorveu esta manifestação cultural,
passando a produzir um hip-hop tipicamente nacional já nos anos 1980 (HERSCHMANN,
2000).

De acordo com Zeni (2004) os bailes blacks, animados por música soul e funk, já eram
comuns nas principais metrópoles brasileiras desde os anos 1970, especialmente em São
Paulo e no Rio de Janeiro. Ou seja, o ambiente propício para a difusão do hip-hop em solo
nacional já estava estabelecido, tratando-se apenas de uma questão de confluência com os
estilos então presentes, o que aconteceria na década seguinte.

Mais do que um gênero musical, o hip-hop consiste numa expressão cultural bastante
complexa, contendo diversos elementos os quais formam o chamado ‘movimento hip-hop’,
entre os principais podemos destacar: o break, (dança/coreografia); o grafite (pintura/artes

128
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).

85
129
plásticas); e o rap (música e poesia) . Contudo, no Brasil o termo hip-hop acabou se
tornando sinônimo de rap, ou seja, na maior parte das vezes falar em hip-hop é referir-se à
música desta manifestação. Isto se deve à hegemonia do rap sobre as outras expressões, como
o break e o grafite, as quais apresentam uma escassa presença no movimento hip-hop
nacional. De acordo com Herschmann (2000, p. 201), “nos EUA o rap também goza de
hegemonia no mundo do hip-hop”, mas há uma diferença no peso que tem o break e o grafite
na cultura desta nação em comparação com a baixa popularidade que alcançaram no Brasil.

Na convivência com os moradores da comunidade do Mont Serrat foi possível


observar que a música, ou seja, o rap, também se sobrepõe sobre às demais manifestações
artísticas do chamado movimento hip-hop. Em nenhuma ocasião tivemos oportunidade de
presenciar manifestações de break e grafite, o que não significa dizer que não estejam
presentes de algum modo. Sandra Regina Adão, realizou um estudo em 2006 sobre como a
cultura hip-hop aparece na escola pública130 desta comunidade. Em sua pesquisa ela revela
que o break só se fez presente na escola quando havia uma oficina de dança, através de um
projeto financiado pelo governo do Estado. Na troca de governo, com a mudança partidária, o
projeto acabou sendo abandonado e a dança deixou de existir neste espaço. O grafite é
revelado rapidamente por ela por meio de uma fotografia e numa descrição do ambiente da
escola: “O auditório é amplo [...] e na parede se vê a cultura hip hop expressa em grafite,
trabalho feito pelos adolescentes da escola” (ADÃO, 2006, p. 33).

Foto: grafite na parede do auditório da Escola Básica Lúcia Livramento Mayvorne.


Fotografia: Sandra Adão (2006).

129
Além destes, podemos citar, os trajes típicos (bonés, roupas largas, correntes grandes penduradas no pescoço),
o linguajar próprio (gírias) e o discurso politizado como parte do “mundo do hip-hop” (HERSCHMANN, 2000,
p. 190).
130
Escola Básica Estadual Lúcia Livramento Mayvorne.

86
Percebe-se, com isso, que elementos do break e do grafite estão presentes na cultura
hip-hop da comunidade, embora em menor medida se comparado ao rap. Na experiência
letiva com os alunos da escola durante o ano de 2008 não encontramos nenhuma manifestação
de hip-hop, seja música, break, ou grafite, exceto durante aulas de música com a 5ª série,
onde, como professor estagiário da turma, procuramos introduzir um pouco da música hip-
hop em função do desejo expresso de alguns alunos (ver: Gomes, 2008c).

No que se refere à música, desde seu surgimento nos EUA, o tema principal das
composições dos rappers recai sobre a discriminação, violência e opressão sofrida pela raça
negra. Ao chegar ao Brasil, essa característica permanece, havendo “uma continuidade e um
refinamento no trato dessa[s] quest[ões], que vai da postura agressiva e de enfrentamento [...],
até uma atitude mais afirmativa, de orgulho de ser negro” (ZENI, 2004, p. 232). Assim, de
modo geral, grande parte da produção musical do movimento hip-hop está consagrada “a
desenvolver a consciência política, a honra, os impulsos revolucionários (...) outros raps
funcionam como fábulas morais de rua propondo histórias preventivas e conselhos práticos
sobre problemas criminais, drogas e higiene sexual” (SCHUSTERMAN apud GONÇALVES,
2003, p. 297). Gonçalves (2003, p. 297) sintetiza este universo ao afirmar que “os rappers
recuperam a história, produzem memórias, com linguagem, identidade e filosofia de vida
renovados. Produzem uma crítica social elaborada e contextualizada onde reclamam seu
pertencimento à sociedade e reivindicam direitos”.

De acordo com Ângela M. Souza (2006b, p. 53), que fez uma etnografia do hip-hop
em Florianópolis131, esta manifestação chega primeiramente a São Paulo, espalhando-se
“pelas grandes cidades brasileiras, inclusive Florianópolis, [onde] chega no final dos anos
80”. Apesar do movimento hip-hop possuir algumas características globais, conforme
mencionado anteriormente, por onde passa adquire profundos vínculos com a realidade local,
passando a interagir diretamente com os problemas sociais da localidade (HERSCHMANN,
2000).

Assim, Souza (2006b), constata que a violência emerge como uma das principais
temáticas presentes nas músicas compostas pelos grupos de hip-hop da cidade. Segundo ela

entre os rappers de Florianópolis é possível perceber que em suas letras de música


alguns assuntos sobressaem, entre eles a discussão sobre a violência e o que a
circunda. A forma como o movimento hip-hop se manifesta, através de suas letras de
música, do vestuário, da performance em palco, das gírias, faz referência constante a
um cenário que envolve a violência. A violência é tema recorrente e ganha ares
performáticos, a ênfase que o ato ganha, parece ser uma forma importante de dar

131
Ver: Souza, A. (1998).

87
visibilidade a uma existência. A riqueza de detalhes na construção da narrativa deixa
esta violência mais real (op. cit, p. 55-56).

No Mont Serrat, a violência também surge como uma das principais questões
presentes nas letras dos compositores de raps da comunidade, conforme podemos perceber
neste trecho do refrão de uma das músicas mais conhecidas da produção local, música do
grupo RDC132.

Morro da Caixa periferia,


a gente era feliz e não sabia.
Antigamente era alegria,
agora é tiroteio e correria.
clique para ouvir

Embora o tema “violência” esteja presente nas composições de rappers não só de


Florianópolis, mas de diversas partes do mundo, percebemos nas músicas a referência à
realidade local, característica marcante do hip-hop, conforme apontado anteriormente. Neste
caso, a música do grupo RDC remete a um passado mais tranqüilo no morro e a um presente
de insegurança e medo. Em entrevista cedida a Adão (2006), um dos integrantes do
movimento hip-hop da comunidade – cujo nome não foi identificado pela pesquisadora –
expressa o que o inspira a compor suas músicas:

“Não sei, assim, nos baseamos nos fatos que acontecem na comunidade. Quando
acontece de matar alguém ali embaixo aí nós fazemos um pouco em cima dessas coisas,
começamos a escrever”133.

Esta mesma violência permeia a composição das mulheres rappers do morro. Bruna
descreve em sua música uma violência sexual sofrida por uma menina adolescente dentro
comunidade.

Desta vez uma situação que me deixou revoltada,


uma menina menor virgem que foi estuprada.
E a lei que lei é essa que não ta fazendo nada,

132
O grupo RDC é composto por Rajam, Diego, Carlos e Choquito. É um dos grupos de hip-hop de maior
projeção do Mont Serrat, apresentando-se em diversos eventos dentro e fora da comunidade. Algumas de suas
músicas são bastante conhecidas pelos moradores, como por exemplo, esta que selecionamos, conhecida
inclusive entre aqueles que não simpatizam com o movimento.
133
Identidade preservada pela pesquisadora. Entrevista concedida a Sandra Regina Adão (2006, p. 81).

88
fatos reais, não é hipocrisia.
Chega-se a ponto de sair do local em que cresceu com sua família.
[...] Denúncia, BO, foi tudo registrado,
mas ainda continuam na ativa e livre os safados
que não sabem viver como seres humanos.
clique para ouvir

Novamente, percebe-se que, embora a temática ‘violência’ permaneça, os problemas e


conflitos locais é que tomam destaque na música. Assim, o hip-hop aparece como uma forma
de discutir os problemas práticos enfrentados pelos moradores e moradoras desta localidade
no seu dia-a-dia.

Bruna, Clarice, Iasmim e Camila são algumas das mulheres que cantam hip-hop na
comunidade134. Junto com Danilo, irmão de Clarice, elas estão tentando fundar um conjunto
musical, ainda sem nome. Clarice e Bruna, as quais pudemos entrevistar, participam
ativamente da cena musical do morro. Fazem participações especiais com outros rappers,
como por exemplo, com o grupo Movimento Negro Periférico135, também da comunidade, e
com o grupo feminino Declínio do Sistema136.

A participação feminina no hip-hop ainda é pouco comum, conforme revela


Herschamann (2000), que pesquisou este fenômeno na cena carioca e paulista. Segundo ele

[...] a mulher no mundo do hip-hop carioca ou paulista ocupa um papel secundário,


apesar de nenhum de seus membros admitir isso nas várias entrevistas realizadas.
Além de enfrentarem um machismo velado, que se expressa no uso freqüente da
expressão ‘vadia’ nas músicas e discursos, elas enfrentam o pouco espaço que
existe para que artistas do sexo feminino – seja cantora, dançarina ou grafiteira –
possam se manifestar. Ao contrário das mulheres no funk, as do hip-hop não podem
usar explicitamente o erotismo como estratégia para subverter esse universo
predominantemente masculino. Nenhuma delas usa roupas provocantes, com medo
justamente de serem estigmatizadas por isso. Sua indumentária lembra as roupas
pesadas e largas dos homens. Sua estratégia é fazer uso da palavra, em um discurso
que se aproxima muito do ‘feminista tradicional’. Respondem ao discurso dos
homens com mais discurso, ou melhor, diante da verborragia masculina, produzem
mais verborragias (op. cit, p. 204).

134
Em entrevista, Bruna e Clarice indicaram não conhecer nenhuma outra mulher na comunidade fazendo hip-
hop.
135
Atualmente, o grupo Movimento Negro Periférico é composto apenas por Djavan, Bruna e Clarice, moradores
da comunidade do Mont Serrat.
136
O grupo Declínio do Sistema tem suas origens vinculadas ao Mont Serrat, quando fazia seus ensaios na sede
da UNEGRO, a qual fixava-se nas proximidades da Escola de Samba Copa Lord. Com a mudança de local da
sede da UNEGRO e com a mudança de residência de algumas integrantes, este grupo acabou perdendo o contato
com a comunidade. Contudo, este contato está sendo retomado atualmente com a participação de Bruna e Clarice
nesta equipe.

89
Santos (2008) ao referir-se ao break, mas não exclusivamente, aponta que “O hip-hop,
nos dias de hoje, é narrado como um terreno masculino no cenário da dança: música, roupas,
acessórios, movimentos coreográficos, acrobacias e cores utilizadas por esses dançarinos
apontam para um lugar ocupado/produzido pelo homem. A mulher, neste espaço, ocupa uma
posição coadjuvante e auxiliar”. O mesmo foi constatado por Adão (2006) que associa
aparição de meninas em sua pesquisa ao fato delas participarem de um projeto vinculado à
escola, e não por estarem engajadas ao movimento.

Discordando de Santos (2008) que coloca a participação feminina no hip-hop como


“coadjuvante e auxiliar”, e concordando com Souza (2008), entendemos que as mulheres que
atuam neste movimento, ao menos no rap, produzem narrativas musicais bastante específicas,
com peculiaridades próprias do gênero feminino (SOUZA, A., 2008). Esse fenômeno foi
constatado por nós em pesquisa desenvolvida anteriormente (GOMES e MELLO, 2007) e
também por diversas autoras que analisaram a participação feminina neste movimento. De
acordo com estes estudos, as mulheres que atuam no hip-hop se posicionam de acordo com
sua condição de gênero (SOUZA, A., 2006; LIMA, M., 2005; MATSUNAGA, 2006).
Segundo as autoras, “as mulheres se colocam no Movimento Hip Hop no sentido de provocar
uma reflexão sobre sua condição de gênero, [...] criticando fortemente a forma como vários
rappers (homens) referem-se às mulheres de forma pejorativa e objetificante” (SOUZA, A.,
2006a). “Os raps femininos promovem a importância da mulher, o desenvolvimento de sua
auto-estima questionando a posição estereotipada de que são sexualmente submissas” (LIMA,
M., 2005, p. 64). “A tentativa de reverter este quadro [da supremacia masculina] está
presente, principalmente, no discurso das mulheres que fazem parte do movimento e
reivindicam para si outras representações” (MATSUNAGA, 2006, p. 183).

Assim, apesar de ainda formarem minoria, percebemos que as mulheres, em especial


mulheres negras, estão encontrando no hip-hop um significativo espaço para fomentar
discussões sobre as causas femininas, promovendo através das letras das canções a
conscientização das mulheres sobre temas como aborto, cuidado com o corpo, uso de
anticoncepcionais, entre outras questões que integram o universo feminino. A música, o rap,
surge também como um locus para a divulgação dos seus direitos civis, como por exemplo,
licença maternidade, aposentadoria para donas de casa e domésticas, denúncia à violência
contra mulheres, etc.

90
Jussara Lima, conhecida também como Sing, umas das integrantes de um grupo
feminino de hip-hop de Florianópolis, o Declínio do Sistema, confirma este dado ao revelar
como sua produção musical reflete uma forma feminina de retratar a realidade.

“A gente luta por nós mulheres, a gente mostra a realidade das mulheres [...] e essa
realidade os rapazes não mostram. Nossas músicas giram em torno da causa feminina,
sempre da causa feminina. Temos até um CD que fala de saúde, tudo da causa feminina, de
aborto, sobre o corpo, tudo isso” (Jussara)137.

Bruna, moradora da comunidade do Mont Serrat, ao ser questionada sobre os temas


que aborda em suas composições destaca que sua principal temática circunda o universo da
mulher.

“da mulher, o mundo da mulher. Essa violência que existe por aí. A mulher precisa ser
respeitada, sobre aborto, discriminação, o preconceito que existe sobre a mulher mesmo”
(Bruna)138.

137
Jussara Pereira Lima, conhecida também por Sing, seu nome artístico. Entrevista concedida a mim em
19/04/2007 às 15h para o projeto de pesquisa “Relações de Gênero e a produção musical contemporânea
brasileira”, do Centro de Artes da UDESC, orientado pela professora Maria Ignez Cruz Mello. Ver: Gomes e
Mello (2007).
138
Bruna Luzzi Viér, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, na residência de Clarice,
localizada no Pastinho (Mont Serrat).

91
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conhecer e descrever as manifestações musicais de uma realidade diferente implica


em participar da sua vida interna, buscando, com isso, reconhecer seus códigos, valores, suas
especificidades (LUCAS, 1995; NETTL, 2001; SEEGER, 1992; LÜHNING, 1991). Assim, a
configuração musical de uma comunidade é melhor compreendida se analisarmos os diversos
espaços por onde perpassam as interações sociais de seus habitantes, como por exemplo, as
festas, as manifestações religiosas, as ações coletivas, etc.

A convivência estreita e intensa com os moradores do Mont Serrat ao longo de


aproximadamente quatro anos, intensificada pela atividade docente desenvolvida na escola
pública local, somadas aos dados empíricos levantados por esta pesquisa etnográfica,
propiciou um ponto de vista privilegiado das estruturas organizativas internas da localidade,
tais como: a cultura do samba, do pagode e do carnaval; as manifestações religiosas (Igreja
Católica, Igrejas Pentecostais e Centros de Umbanda); os espaços educativos (Escola Básica,
Centro Cultural); as marcas divisórias estipuladas pela territorialidade (Pastinho, Nova
Descoberta, Quebra-Pote; parte de baixo, parte de cima). É a partir da percepção de algumas
destas demarcações internas que emergiu neste trabalho a representação das manifestações
musicais locais em três partes.

Em ‘Reminiscências: marcas que sobrevivem no sangue e na memória’, trouxemos o


cacumbi, o canto das lavadeiras e o terno de reis. Essas manifestações expressam parte de um
mundo em extinção (extinto, no caso do Mont Serrat), cada vez menos visíveis e possíveis de
ser vividas nas sociedades modernas. Buscar resgatá-las e entendê-las, não significa
necessariamente vivê-las como passado, mas sim, revivê-las no presente, pois, além de
permanecerem vivas na memória de muitos habitantes, apresentam um alicerce para a
compreensão do hoje e para a previsão do amanhã. Passar de casa em casa em plena
madrugada, no caso do terno de reis, é algo menos possível num mundo onde cada vez menos
sabemos quem são nossos vizinhos. A insegurança, marca registrada da pós-modernidade,
intensificada durante as madrugadas, representa um perigo tanto para quem deseja sair às ruas

92
para realizar o terno de reis, como para quem abre as portas de sua casa para recebê-lo. A
atividade das lavadeiras, tornou-se impossível em face das escassas fontes de água limpa nos
centros urbanos (e mesmo no meio rural), uma conseqüência da destruição do meio ambiente,
causada por um consumo imprudente dos recursos naturais e pelo crescimento demográfico
desordenado.

Em ‘Fortalezas: cordéis de resistência e segurança’, trouxemos o catolicismo, a


umbanda e o samba. Estas manifestações que atravessaram o passado, destacam-se não
apenas por sua longa trajetória e por se preservarem até a atualidade, mas, principalmente, por
serem vividas intensamente no presente, reformulando os sentidos de sua prática no decorrer
de sua existência. Conseguiram adaptar-se ao mundo pós-moderno dialogando, congregando e
reinterpretando os valores de diversas etnias (européias, africanas, indígenas), integrando-os
(em maior e/ou menor medida, em cada caso) à realidade cultural da comunidade, neste caso,
hegemonicamente afro-brasileira. Através do catolicismo a comunidade produziu um espaço
de organização, de mobilização social, revelando-o como um mecanismo eficiente na
reivindicação dos seus direitos ante uma sociedade excludente. A integração entre tradição
católica romana e as necessidades locais pode ser percebida através da valorização da história
e cultura negra presente nesta manifestação. Esta integração pode ser observada através de
elementos da cultura afro presentes nas celebrações eucarísticas (por exemplo, o busto da
Escrava Anastácia, as missas afros), através do resgate da história local (como, por exemplo, a
elaboração do livreto Memórias), bem como pela mobilização dos membros da congregação
na edificação dos espaços educativos (como o centro cultural, escola básica, creche). A
umbanda emerge na comunidade como um espaço autêntico para realizar, reviver e preservar
as práticas mais remotas da herança africana. Consolidou-se no mundo contemporâneo em
face da imensa capacidade de adaptação ao congregar elementos de diversas etnias e ao
estabelecer um estreito diálogo com os setores dominantes da sociedade. Através do samba a
comunidade encontrou não apenas uma forma de afirmação e valorização da cultura negra,
mas também um espaço de sociabilidade (SILVA, 2006), um mecanismo para estabelecer
diálogos com as elites e setores políticos, transformando, com isso, está pratica num
patrimônio que transcende o território da comunidade.

Em ‘Recenticidades: renovações ou variações sobre o mesmo tema?’, destacamos o


pagode, o pentecostalismo e o hip-hop. Devido à recente aparição destas manifestações, estas
ainda não conquistaram estabilidade na comunidade. Por incorporarem mais intensamente as
mudanças, os valores da sociedade moderna, as inovações tecnológicas, são freqüentemente

93
qualificadas como ameaçadoras à sobrevivência das tradições. Apesar de partirem de uma
origem mais ou menos semelhante, podendo até considerá-las um embrião das tradições, estas
novas manifestações modificaram as relações, propondo diferentes formas de viver as
coletividades, gerando, com isso, desconfiança e incerteza.

Assim, ao contrastar essas três gerações, buscamos identificar os seguintes pontos: o


que demarca e caracteriza estas diferentes manifestações musicais; de que maneira elas se
relacionam; em que espaços elas coincidem; e como se manifesta nelas o sentimento de
pertencimento à ‘comunidade do Mont Serrat’. Na mesma medida, refletir sobre as relações
de gênero neste universo tão amplo nos conduziu a discutir questões como: as diferentes
formas de inserção das mulheres nos diversos espaços promovidos pela comunidade; os
papéis assumidos por elas neste processo a partir de sua condição de gênero; e as causas de
sua possível invisibilidade e/ou reduzida participação em determinados espaços e funções.

Contudo, seria por demais pretensiosa uma conclusão para esta pesquisa visto que a
realidade é muito mais rica e matizada do que foi possível captar nesta etnografia. É preciso
ressaltar que no processo de construção deste trabalho foi possível conhecer algumas
realidades não outras, observar alguns eventos e não outros, entrar em contato com algumas
pessoas e não com outras. Portanto, não se pretende aqui apresentar um quadro que seja
completo, mas uma contribuição parcial que só pode fazer sentido se somada àquelas já
existentes e se aprofundada por novas investigações que possibilitem diferentes perspectivas
para este caso.

94
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DOCUMENTOS

Memórias: a caminhada de gente que faz e conta a sua história. Florianópolis, Comunidade do
Mont Serrat, 1992, 32p.

VÍDEOS DOCUMENTÁRIOS

ALI NA ESQUINA. Direção: Graziela Storto e Rita Piffer. Produção: André Barbosa e Cristine
Corrêa. Direção de Fotografia: Marx Vamerlatti. Produção independente. DVD (1h30min),
2006.

SAMBA ESCOLA DE QUÊ? Direção: Cristiana Tramonte e Márcio Vieira de Souza.


Produção: Diálogo – Cultura e Comunicação. NTSC. 26 min. Cor. DVD.
FACOART/UNIVALI 1992.

105
SITES

Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esporte. Prefeitura Municipal de Florianópolis.


Disponível em <http://www.pmf.sc.gov.br/turismo/lazer_cultura/_html/folclore.htm#>.
Acessado em: 26/09/2008.

Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore.


Disponível em: <http://www.igtf.rs.gov.br/not/terno_de_reis.doc> Acessado em: 29/09/2008.

Reisado e Folia de Reis. Rosane Volpatto.


Disponível em: <http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendareisado.html>. Acessado em:
30/09/2008.

Prefeitura de Itajaí. Notícias. Festival de Terno de Reis.


Disponível em: <http://www.itajai.sc.gov.br/noticias_det.php?id_noticia=5545> , Acessado
em 29/09/2008

Jornal ANotícia. 02 março 2003. Entrevista com Avez-Vous.


Disponível em <http://www1.an.com.br/2003/mar/02/1ger.htm>. Acessado em: 17/11/2008.

Página oficial da Escola de Samba Embaixada Copa Lord.


Disponível em:<http://www.copalord.com.br/> Acessado em: 27/10/2008

Projeto Música Viva. Banda de Música para a Comunidade do Mont Serrat.


Disponível em: <http://www.projetomusicaviva.galeon.com>. Acessado em: 17/11/2008.

106
ANEXOS

107
Anexo A - Ficha dos entrevistados

João Ferreira de Souza (Seu Teco)


70 anos, homem, negro. Presidente da Velha Guarda da Copa Lord. Presidente do Conselho
Comunitário do Mont Serrat. Coordenador geral da Igreja Nossa Senhora do Mont Serrat.
Entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no Mont Serrat.

Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda)


70 anos, mulher, negra. Diretora da Escola Básica Lúcia Livramento Mayvorne.
Entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min, em sua residência no Mont Serrat.

Clarice Simão
25 anos, mulher, negra. Entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua
residência, localizada no Pastinho (Mont Serrat).

Bruna Luzzi Vier


21 anos, mulher, negra. Entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min,
na residência de Clarice, localizada no Pastinho (Mont Serrat).

Juscelino Barbosa (Dinho)


45 anos, homem, negro. Entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência
de Seu Teco no Mont Serrat.

José Hamilton Barbosa


50 anos, homem, negro. Pai-de-Santo e chefe espiritual da Tenda Espírita Pai Guiné de
Aruanda, localizada no Pastinho (Mont Serrat). Entrevista concedida a mim em 08/09/2008
às 16h no seu centro de Umbanda ao lado de sua casa.

Natália Silva Barbosa (Dona Tota)


71 anos, mulher, negra. Ministra da Eucaristia na Igreja Nossa Senhora do Mont Serrat.
Entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h, no centro de Umbanda localizado
no terreno de sua casa no Mont Serrat.

Alexandra dos Santos Costa


35(ca.) anos, mulher, negra. Há dez anos ritmista da Embaixada Copa Lord, toca diversos
instrumentos na bateria, como surdo, caixa, repenique, tarol. Entrevista concedida a mim
em 28/01/2008 às 21h, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da
Copa Lord.

108
Anexo A (continuação...)

Daniela M. dos Santos


20(ca.) anos, mulher, negra. Há seis anos pastora da Embaixada Copa Lord e vocalista do
grupo Os Novos Bambas. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h45min, no
Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da Copa Lord.

Eloísa Costa Gonzaga


25(ca.) anos, mulher, negra. Há seis anos pastora da escola Embaixada Copa Lord.
Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 22h00min, no Miramar (centro),
local de ensaio da Bateria Geral da Copa Lord.

Jandira Souza
35(ca.) anos, mulher, negra. Vocalista, percussionista e compositora do grupo
Um Bom Partido. Atuou como pastora da Embaixada Copa Lord em anos anteriores.
Entrevista concedida a mim em 22/06/2008 às 19h, no Bar Kanttum, na cabeceira
da ponte Hercílio Luz, no continente.

Josiane Souza
35(ca.) anos, mulher, negra. Vocalista, cantora do grupo Um Bom Partido. Atuou
como pastora da Embaixada Copa Lord em anos anteriores. Entrevista concedida
a mim em 22/06/2008 às 19h30min, no Bar Kanttum, na cabeceira da ponte
Hercílio Luz, no continente.

Karla Terezinha
33 anos, mulher, negra. Há oito anos é ritmista da Embaixada Copa Lord, sempre
nos chocalhos. Nos dois últimos anos assumiu a função de coordenadora deste naipe.
Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h30min, no Miramar (centro), local
de ensaio da Bateria Geral da Copa Lord.

Luize Caroline dos Santos


16 anos, mulher, negra. Há um ano é ritmista da ala dos tamborins da Embaixada
Copa Lord. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h30min, no Miramar
(centro), local de ensaio da Bateria Geral da Copa Lord.

Sandra Regina de Jesus


35(ca.) anos, mulher, negra. Há sete anos ritmista da Copa Lord, sempre nos chocalhos.
Entrevista concedida a mim em 28/01/2008 às 20h30min, no Miramar (centro), local de ensaio
da Bateria Geral da Copa Lord.

109
Anexo B – Folhas de cânticos da missa

110
Anexo B (continuação...)

111
Anexo B (continuação...)

112
Anexo B (continuação...)

113
Anexo C - Letra e gravação do hip-hop de Bruna L. Vier

Menor de treze anos


Autora: Bruna Luzzi Vier
clique para ouvir

Tem momentos no seu dia-dia


que você se pega parada pensando em tudo que acontece
na sua ou em outra área.
Desta vez foi uma situação que me deixou revoltada
Uma menina menor virgem que estuprada.
E a lei que lei é essa que não está fazendo nada.
Fatos reais não é hipocrisia.
Chegou ao ponto de sair do local que cresceu com sua família.

Retrato de injustiça carrega consigo para o resto de sua existência


Os traumas que vivenciou na sua adolescência.
Denúncias, B.O foi tudo registrado, mas ainda continuam na ativa
E livre os safados que não sabem viver como seres humanos.
Se pensam na razão e que bons, não estão se importando. Se acham os gostosão –
que não tem poder de sedução – e pegam as meninas a força...

Não se vê mais alegria no olhar daquela menina


que cuidava dos irmãos menores e na vida dos outros não se intrometia
Isso não é destino traçado para alguém que tinha sonhos, planos e objetivos
Por isso canto...

Meninas mulheres maltratadas


Que como ninguém são vistas
São elas que geram vida
Mulheres chefes de família

Num local qualquer ou no matagal torturada,


Esses são relatos de atos covardes, três homens e uma menor de idade.
Viver com a paz está cada vez mais longe da realidade
Está cada dia mais difícil, pois está aumentando o alto índice de violência à mulher
Que são vistas como sexo frágil perante a sociedade
Que não é verdade, pois são capazes de se refazer da dor de uma grande adversidade.
Tem que ser de fibra para combater todo este sofrimento
É cansativo ver a injustiça neste mundo traiçoeiro.

Meninas mulheres maltratadas


Que como ninguém são vistas
São elas que geram vida
Mulheres chefes de família.

114
Anexo D - Letra e gravação do samba-enredo, Copa Lord 2008

clique para ouvir

115
Anexo E - Letra e gravação do Hino à Virgem do Mont Serrat
(Gravação retirada do CD do ministério de música da igreja, ver anexo H)

clique para ouvir

C Dm
Virgem do Mont Serrat
G C
Que estais no monte a rezar
C Am F Dm
Pedi pelos vossos filhos
G C
Que não vos cansam de amar

C Dm
A vossa ermida clara
G C
Como uma hóstia de luz
C Am F Dm
Fala de vossa presença
G C
Celeste mão de Jesus

C Dm
Sois a nossa padroeira
G C
Sentimos rezando a vós
C Am F Dm
O céu mais perto da terra
G C
Quando estás perto de nós

C Dm
Fica conosco Senhora
G C
Rezai conosco também
C Am F Dm
Agora e na nossa morte
G C
E para sempre, Amém.

116
Anexo F - Recortes de Jornais e Revistas

117
Anexo F (continuação...)

118
Anexo F (continuação...)

119
Anexo F (continuação...)

120
Anexo F (continuação...)

121
Anexo G – Fotos

Grupo de pagode Facisnasamba. Grupo de pagode Carícias.

Grupo de pagode Só Paixão. Alunos da Escola Lúcia L. Mayvorne


fazendo um pagode no aniversário de Dona Uda, 2008.

Pastoras da Copa Lord.


Ala de chocalhos da Copa Lord
Desfile do carnaval de 2007.

122
Anexo G – (continuação...)

Copa Lord, desfile do carnaval de 1962. Fonte: http://www.velhobruxo.tns.ufsc.br/Albuns.html .

Copa Lord, desfile do carnaval de 2008.

Seu Teco montado de ‘Velha Guarda’, Bateria Mirim da Copa Lord.


acompanhado por sua neta, Priscila,
e seus bisnetos Mateus e João.

123
Anexo G – (continuação...)

Missa comemorativa dos 25 da presença do Jovens meninas coroando a Nossa Senhora do


do Pe Vilson na comunidade. Mont Serrat, setembro de 2007, local: Caixa d’água.
Dezembro de 2006, Caixa d’água, Mont Serrat.

Procissão de Nossa Senhora do Mont Serrat, setembro de 2008.

Senhoras mais idosas da comunidade coroando a Nossa Senhora do Mont Serrat, setembro de 2008.

124
Anexo H - Capa do CD do Ministério de Música Geração de Adoradores.

125
Anexo I - Capa do livreto Memórias

126

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