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CENTRO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
FLORIANÓPOLIS
2008
RODRIGO CANTOS SAVELLI GOMES
__________________________________
Profª Ms. Áurea Demaria Silva (orientadora)
Universidade do Estado de Santa Catarina
__________________________________
Prof. Dr. Acácio Tadeu Camargo Piedade
Universidade do Estado de Santa Catarina
__________________________________
Profª Drª. Cristiana Tramonte
Universidade Federal de Santa Catarina
2
Este trabalho é dedicado à memória da professora Maria Ignez Cruz Mello (Mig), que me
guiou pelos caminhos da pesquisa acadêmica e despertou-me para a importância dos estudos
sobre relações de gênero.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço à professora Áurea pela sua paciente orientação, pelas longas horas de
discussão sobre música e pelas valiosas trocas de experiências sobre a Comunidade do Mont
Serrat.
Ao Padre Vilson e Seu Teco por serem as luzes que iluminam os caminhos com seus
exemplos de vida.
4
RESUMO
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................08
...
1 REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................................14
.......1.1 RELAÇÕES DE GÊNERO........................................................................................14
..............1.1.2 Gênero e Música.............................................................................................17
.......1.2 O CONCEITO DE COMUNIDADE..........................................................................20
..............1.2.1 Comunidade e o Mont Serrat............................................................................22
....
2 A MÚSICA NA COMUNIDADE DO MONT SERRAT................................................25
.......2.1 REMINISCÊNCIAS: marcas que sobrevivem no sangue e na memória....................25
...............2.1.1 Cacumbi............................................................................................................25
...............2.1.2 O Canto das Lavadeiras....................................................................................28
...............2.1.3 Terno de Reis...................................................................................................32
.......2.2 FORTALEZAS: cordéis de resistência e segurança....................................................37
...............2.2.1 Catolicismo.......................................................................................................37
.........................2.2.1.1 Catolicismo Popular.............................................................................37
.........................2.2.1.2 Comunidades Eclesiais de Base.........................................................41
......................................2.2.1.2.1 Relações de Gênero na Comunidade de Base......................42
......................................2.2.1.2.2 Música na Comunidade de Base..........................................46
...............2.2.2 Umbanda...........................................................................................................51
.........................2.2.1.1 Música e Gênero na Umbanda.............................................................55
...............2.2.3 O Samba............................................................................................................60
.........................2.2.3.1 Gênero e Comunidade na Copa Lord..................................................64
.........................2.2.3.2 Música e Gênero na Copa Lord..........................................................67
........2.3 RECENTICIDADES: renovações ou variações sobre o mesmo tema?......................77
...............2.3.1 Pagode...............................................................................................................77
...............2.3.2 Pentecostalismo.................................................................................................81
.........................2.3.2.1 Música e Gênero nas Igrejas Pentecostais...........................................83
...............2.3.3 Hip-Hop...........................................................................................................85
....
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................92
...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................95
...
ANEXOS................................................................................................................................107
6
LISTA DE ANEXOS
7
INTRODUÇÃO
8
áreas do conhecimento, os quais produziram nas últimas décadas uma série de estudos sobre a
comunidade, como: (GIACOMET, 1967; PEREIRA E., 1990; MORAES, 1990; SOUZA, E.,
1992; MARIA, 1997; MACHADO, 1999; SOUZA, M. A., 2002; SILVA, A., 2002, 2006;
COPPETE, 2003; PERIM, 2003; VIEIRA, 2003; ARAÚJO, 2004, 2006; BLUMENBERG,
2005)2.
2
Também é possível encontrar referências à comunidade do Mont Serrat, direta ou indiretamente, em estudos
envolvendo as populações negras da capital, onde são destacadas as práticas culturais, religiosas e as lutas
sociais das comunidades afro-descendentes (GROH, 1998; TRAMONTE, 1996 e 2001; CARDOSO e IANNI,
1960; CARDOSO F., 2000; CAMARGO, 2002; ALVES, 1990; GRADE, 2006).
3
Assim como Small (1989), referimo-nos a “performance” não como aquela ligada às habilidades técnicas,
físico-motoras, mas sim ao evento social onde uns tocam e outros ouvem, onde a experiência do fazer e da
interação entre as pessoas é mais relevante do que o produto final.
9
Apesar do grande avanço, nas diferentes áreas do conhecimento, em estudos sobre as
relações de gênero, alguns setores da sociedade ainda não exploraram o tema em seus mais
variados aspectos, como é o caso dos estudos sobre a produção musical feminina. Sabe-se que
há muitos séculos o meio musical tem sido um privilégio dos homens. Estudos recentes têm
mostrado que desde Platão é possível observar uma musicologia calcada “em metáforas de
gênero, diferença sexual, atração e repulsa sexual” que favoreceram uma estruturação musical
consolidada em valores que refletem predominantemente o ponto de vista da masculinidade
(MELLO, 2007). Nas últimas décadas, estudos em Antropologia, Musicologia, História,
Psicologia, Sociologia, etc, têm explorado a temática de gênero em diferentes contextos
geográficos, culturais e socioeconômicos, indicando novas perspectivas para o assunto além
da total dominação masculina, apontando para um sistema de “complementaridade entre os
gêneros” (MELLO, 2005, p. 287), como é o caso dos estudos musicológicos em aldeias
indígenas brasileiras (PIEDADE 2004; MENEZES BASTOS, 1999; MELLO, 2005).
4
As principais publicações vinculadas ao projeto de pesquisa Relações de Gênero e a Produção Musical
Contemporânea Brasileira estão disponíveis on-line, ver: Mello (2007); Gomes e Mello (2007); Gomes e Mello
(2008a); Gomes, Mello e Piedade (2008b); Dias e Mello (2007); Dias, Mello e Piedade (2008); Schneider, Mello
e Piedade (2008).
10
A participação nos anos de 2004 e 2005, também como bolsista de iniciação científica,
em outro projeto de pesquisa5, desta vez coordenado pela professora Vânia Beatriz Müller, foi
igualmente decisiva no direcionamento desta investigação. Esta pesquisa centrava-se na
música comunitária e os processos de subjetivação estabelecidos através da performance
musical, tendo campo de estudo a Comunidade Batuel Cunha, localizada no bairro do Rio
Tavares, em Florianópolis. Este trabalho trouxe à tona a importância da aproximação das
pesquisas acadêmicas com as comunidades periféricas, visto que estas apresentam um campo
fértil para o estudo das relações sócio-culturais. No entanto, muitas vezes estas comunidades
são tratadas com certa ‘invisibilidade’ pelos organismos governamentais, pela sociedade e,
diga-se de passagem, por algumas instituições de pesquisa e ensino.
Infelizmente, a imagem negativa que muitas pessoas têm acerca do território dos
empobrecidos, as impede de vê-lo como local de inovação e de pesquisa. Sendo
assim, possivelmente não o enxergam como um campo fértil de possibilidades de
ação e conseqüentemente acabam não percebendo que é muitas vezes nestes lugares
que surgem as perguntas mais instigantes, especialmente na área da educação e da
cultura, pois “[...] na periferia existe uma vontade real de resistir ao insuportável”.
Essa vontade aliada às iniciativas, constrói espaços e delimita territórios geradores
de vida e conhecimento (COPPETE, 2003, p 86).
5
Projeto de pesquisa intitulado Música, Comunidade, Subjetivação: um estudo de caso. Ver: Müller e Gomes
(2006).
6
Maiores informações sobre este grupo musical estão detalhadas no tópico ‘catolicismo’, capítulo 2.
11
Na experiência de convergir em um mesmo campo duas disciplinas distintas da
universidade – prática docente (estágio) e pesquisa (TCC) – optou-se em realizar o estágio
curricular numa instituição de ensino da comunidade, a Escola Básica Estadual Lúcia
Livramento Mayvorne. Assim, ao longo de um ano foi possível lecionar música para três
turmas do período da tarde, 5ª, 6ª e 8ª séries do ensino fundamental7. Esta experiência
favoreceu para obter uma visão mais ampla sobre as atividades musicais presentes no morro,
especialmente o pagode e o hip-hop, que são os estilos preferidos da juventude, portanto, mais
visíveis na escola. Assim, nesta vivência contínua com a comunidade através da experiência
na escola básica; na convivência com Priscila e a família de Seu Teco; e na participação das
atividades musicais da igreja, entre outras; foi possível conhecer um pouco as lutas deste
povo, seus valores, suas atividades culturais e musicais, destacando dia trás dia aos olhos do
pesquisador a imensa riqueza cultural que permeia o cotidiano dos moradores desta
comunidade.
7
Assim como este Trabalho de Conclusão de Curso, o Estágio Curricular foi também orientado pela professora
Áurea Demaria Silva, ver: Gomes (2008c). Sua orientação nestes dois estudos contribuiu singularmente,
trazendo questões sobre a comunidade a partir de novas perspectivas. A comunidade do Mont Serrat, através da
Escola de Samba Copa Lord, foi também seu campo de pesquisa na graduação e mestrado, ver: Silva (2002 e
2006).
8
Disponível em: <http://flickr.com/photos/33433959@N00/1376025492>. Acessado em: 19/11/2008.
12
A perspectiva metodológica empregada nesta investigação está fundamentada nas
correntes antropológicas e (etno)musicológicas (KERMAN, 1987; LÜHNING, 1991; LUCAS,
1995; ARAÚJO, S., 1999; MENEZES BASTOS 1999; NETTL, 2005), tendo como
ferramenta principal as técnicas etnográficas (SEEGER, 1992) na coleta de dados,
caracterizada a partir de uma inserção intensa e freqüente do pesquisador no cenário da
pesquisa, com observação livre e/ou participante em algumas atividades musicais, sociais,
individuais e coletivas, como por exemplo, os ensaios da escola de samba; as manifestações
religiosas (catolicismo, umbanda e pentecostalismo); o movimento hip-hop; os encontros de
pagode e rodas de samba. Os dados empíricos foram coletados através de entrevistas,
conversas com os moradores, descrição e relatos das observações em diário de campo, além de
fotografias e gravações em áudio.
Nettl (2001, p. 134) também ressalta que “dos novos métodos antropológicos que
influenciaram a etnomusicologia atual sobressaíram três grandes áreas: o método etnográfico,
as correlações estatísticas e a semiótica”. Assim, este trabalho segue primeira tendência, visto
que a etnografia musical possibilita “a descrição da convivência e da aproximação das
intersubjetividades do pesquisador e do pesquisado, possibilitando a apreensão do fluxo
cotidiano de ações e valores contidas no ordinário e no extraordinário da experiência musical”
(LUCAS, 1995, p.20). Neste sentido, Seeger (1992) destaca que “a compreensão de um
sistema musical requer um conhecimento intensivo do mesmo, a etnografia da música requer
o conhecimento em primeira-mão e em profundidade da tradição musical e da sociedade da
qual tal tradição é uma parte constitutiva”.
13
1 REFERENCIAL TEÓRICO
A ciência, tal como conhecemos, parece dar explicações “neutras” e “objetivas” para
as relações sociais. No entanto, a ciência que aprendemos desde a escola reflete os
valores construídos no Ocidente desde o final da Idade Média, valores que refletem
apenas uma parte do social: a dos homens, brancos e heterossexuais. Sempre
aprendemos que Homem com H maiúsculo se refere à humanidade como um todo,
incluindo nela homens e mulheres. Mas o que os estudos de gênero tem mostrado é
que, em geral, a ciência está falando apenas de uma parte desta humanidade, vista sob
o ângulo masculino e que não foi por acaso que durante alguns séculos havia muito
poucas cientistas mulheres. Grande parte das mulheres queimadas como “bruxas” pela
Inquisição eram mulheres que faziam ciência e lidavam com plantas e processo de
cura (op. cit, p.05).
Uma vez ciente desta lacuna na literatura, nos registros históricos, nas
metodologias científicas, não se pode negar a importância da participação feminina em função
14
de uma simples ausência de relatos, visto que a ausência pode ser traduzida aqui pela palavra
invisibilidade.
Sendo assim, podemos dizer que gênero é um conceito recente que se popularizou no
meio acadêmico por volta da década de 1980, considerado pelos estudiosos como uma
herança dos estudos sobre mulheres advindos do feminismo (MELLO, 2007; FARIA, 2002;
GROSSI, 1998). Enquanto o feminismo centrava seus esforços na luta pela igualdade de
direitos entre os sexos – ressaltando principalmente a opressão exercida pela sociedade sobre
as mulheres, caracterizando-se como um movimento pensado e idealizado, sobretudo, pelo
15
sexo feminino – os estudos de gênero, por outro lado, procuraram apontar na perspectiva de
entender como se constroem as relações de poder entre os sexos nas diferentes culturas,
comunidades, sociedades, povos, grupos, etc, e como esta relação se estabelece e se
reestrutura ao longo dos anos9. Sendo assim, gênero deixou de ser um estudo conduzido
apenas por mulheres e passou a ser uma questão discutida em todos os segmentos da
sociedade, como uma peça fundamental para a compreensão das relações humanas entre
mulheres e homens, mulheres e mulheres, homens e homens, já que, segundo Scott, “gênero é
considerado como uma forma primária de dar significado às relações de poder (mesmo que
não seja único), ou seja, é o campo primário, no interior, ou por meio do qual o poder é
articulado” (apud SARTORI e BRITTO, 2004, p.33).
Segundo a vertente feminista, em nossa sociedade, por exemplo, a divisão sexual teria
sido uma das primeiras razões aparentes para a legitimação da divisão do trabalho, o que por
sua vez conduziu à divisão de classes, impregnando, conseqüentemente, todos os demais
espaços sociais, políticos, as manifestações culturais e religiosas. Autores mais atuais
(GROSSI, 1998; SCOTT, 1990) embora não renunciem a esta hipótese, preferem ampliar o
conceito para além da divisão sexual, considerando gênero como
Em outras palavras, gênero é uma classificação que não se estabelece somente sobre a
diferença de sexo, mas, acima de tudo, uma categoria que serve para dar significado a esta
diferença (SCOTT, 1990).
Com essa herança feminista, os estudos de gênero centraram seu foco na imagem da
mulher, tomando-o quase que como um sinônimo de estudo sobre mulheres, o que tem
deixando em desconforto alguns estudiosos. Contudo é preciso ressaltar que as identidades
masculinas e femininas se constroem de forma relacional, pois existe uma
9
Ver: FARIA, 2002; JESUS, 2003; MELLO, 2005; PIEDADE, 2004; MENEZES BASTOS, 1999; WELTER,
1999; BRETT e WOOD, 2002; MATOS, 2004; BARBOSA V., 2006; BARBOSA M., 2005; BITENCOURT,
2001; ERTZOGUE, 2002; NUERNBERG, 2005; GROSSI, 1998.
16
complementaridade entre ambas as partes. Por isso, atualmente tem-se preferido adotar o
termo relações de gênero, visto que
Ou seja, quando se trata de gênero não existe um estudo sobre mulheres ou sobre
homens isoladamente, mas sim estudo sobre a relação estabelecida entre os sexos. “O
indivíduo não pode ser pensado sozinho: ele só existe em relação” (GROSSI, 1998, p.06).
Portanto, há a necessidade de referências concretas, de análises comparativas e relacionais
sobre a identidade masculina e feminina para compreender a posição de cada gênero na
sociedade, a valorização ou desvalorização de seu trabalho, de seus papéis sociais, de suas
condutas, de seus deveres e obrigações, etc.
Como gênero é relacional, quer enquanto categoria analítica quer enquanto processo
social, o conceito deve ser capaz de captar a trama das relações sociais, bem como
as transformações historicamente por elas sofridas através dos mais distintos
processos sociais, trama essa na qual as relações de gênero têm lugar (SAFFIOTI,
1992 apud http://www.mj.gov.br/sedh/ct/genero.ppt).
Pesquisas sobre música e gênero tiveram maior abrangência em países como EUA e
Inglaterra, sendo estes considerados os precursores na abordagem deste assunto. Segundo
Holanda e Gerling (2005) e Mello (2007), os primeiros vestígios começaram por volta anos
1980 nos Estados Unidos, com as primeiras antologias de partituras e biografias de
compositoras. Nos anos 1990 Susan McClary (1991), Lawrence Krammer (1990) e Marcia
Citron (1993), levantaram os primeiros debates sobre as metáforas de gênero no código
17
musical, mostrando como convenções e construções retóricas da teoria e análise musical
podem estar repletas de metáforas sexuais construídas a partir de sensações e impressões que
refletem majoritariamente o modelo de masculinidade. Ainda na década de 90, outras autoras
como Ellen Walterman (1993), Suzanne G. Cusick (1994) e também as já citadas Marcia
Citron (1993) e Susan McClary (1991) procuraram perceber pontos diferenciais nas estruturas
e elaborações de composições, arranjos e interpretações em atividades femininas, a fim de
revelar como as mulheres encontram mecanismos para expressar sua subjetividade em um
sistema musical construído sobre o domínio patriarcal.
Outra vertente tem se dedicado a identificar onde estão as mulheres no meio musical,
que funções exercem e qual a importância delas no contexto social da sua época. Nesta linha
também se destacam os estudos biográficos de mulheres que tiveram significativa repercussão
nos ambientes artístico-musicais de sua época (STIVAL, 2004; BARONCELLI, 1987;
PACHECO e KAYAMA, 2006; WELLER, 2005; DINIZ, 1984; KATER, 2001; LIRA, 1978;
SCARINCI, 2006).
A antropologia tem dado certo destaque a esta discussão, ao olhar para a questão de
gênero e música a partir de outras culturas, principalmente as indígenas, como é o caso dos
estudos em Etnomusicologia que vêm sendo realizados nas aldeias indígenas brasileiras
(MELLO, 2005; PIEDADE 2004; MENEZES BASTOS, 1999). Na Musicologia, Holanda
(2006) traz em sua tese uma importante discussão sobre a questão de gênero na linguagem
musical10, acompanhada no campo da Educação Musical por Helena Lopez da Silva (2000)
que conduz proveitosas reflexões em relação à construção da identidade de gênero na
adolescência a partir dos usos simbólicos da música no espaço escolar.
Na Universidade do Estado de Santa Catarina, nos últimos anos, uma série de estudos
foram fomentados na linha etnomusicológica através do projeto de pesquisa Relações de
Gênero e a Produção Musical Contemporânea Brasileira, coordenado pela professora Maria
Ignez Cruz Mello, os quais destacamos: Mello (2007); Gomes e Mello (2007); Gomes e Mello
(2008a); Gomes, Mello e Piedade (2008b); Dias e Mello (2007); Dias, Mello e Piedade
(2008); Schneider, Mello e Piedade (2008).
10
Joana Holanda (2006) conduz uma investigação sobre a música de Eunice Katunda e Esther Scliar, a partir de
suas trajetórias individuais e pela análise musical das obras Sonata Louvação e Sonata para Piano das
respectivas compositoras. Esta pesquisa é um importante referencial sobre os estudos de gênero em música, visto
que “esta questão é problematizada tanto no estudo do texto musical [análise], a partir do referencial teórico de
estudos de gênero em música, [mais especificamente focalizando código e conceitos musicais], quando na
abordagem de suas trajetórias” individuais (p. 19); onde a questão é problematizada a partir do contexto sócio-
cultural; do engajamento das compositoras em diversos movimentos como o grupo ‘música viva’, o
nacionalismo, o partido comunista (PCB); e também pela sua intransferível identidade social, como sujeito
‘mulheres’.
19
1.2 O CONCEITO DE COMUNIDADE
20
desintegração gera mais lucros ao sistema capitalista, conforme revela Bauman (2003)11; o
sucesso pessoal, o triunfo, o lucro a qualquer custo e conseqüência invade o terreno da
solidariedade, da fraternidade, da partilha.
11
Segundo Bauman (2003, p. 95), a estratégia dos capitalistas é adotar “o antigo e bem usado princípio de
dividir para reinar, ao qual os poderes de todos os tempos alegremente recorreram sempre que se sentiram
ameaçados [...]. Quando os pobres brigam entre si, os ricos têm todas as razões para se alegrar”. O autor cita um
trecho de Richard Rorty que sintetiza os usos atuais desta estratégia: “O objetivo será manter 75% dos
americanos e 95% da população mundial ocupados com hostilidades étnicas e religiosos... Se os proletários
puderem ser distraídos de seu próprio desespero por pseudo-eventos criados pela mídia, incluindo uma breve e
sangrenta guerra ocasional, os super-ricos nada terão a temer”.
21
1.2.1 Comunidade e o Mont Serrat
A forma de organização dos moradores do Mont Serrat, sua forte articulação político-
social calcada num sistema de ajuda mútua, de solidariedade, de luta por seus direitos, o
apego a um território (o morro) apoderado há décadas por seus ancestrais e uma identidade
étnico-racial comum, indica que esta localidade se trata de uma das poucas comunidades
remanescentes dos grandes centros urbanos. De acordo com Eronildo C. de Souza (1992, p.
1) “a comunidade de Mont Serrat apresenta aspectos organizacionais bastante peculiares e de
alto espírito comunitário, sempre na busca dos mais diversos caminhos para promover o bem
estar de seus moradores”. O termo ‘comunidade’ está incorporado também no discurso de
muitos moradores, os quais comumente referem a sua região como “a comunidade do Mont
Serrat”, conforme percebemos nestes trechos de entrevistas:
“O nosso morro é uma comunidade com boa organização social. Temos posto de saúde,
escola, creche, centro cultural e um conselho comunitário. O nosso Morro é uma
comunidade” (Luciana)12.
“O Mont Serrat não é uma favela. Não, não é não! [...] Eu gosto mesmo é dizer que
eu moro na comunidade do Mont Serrat” (Dona Bibina)13.
“Eu não moro em uma favela porque aqui temos um desenvolvimento comunitário”
(Dona.Maria)14.
Em suas falas percebemos também o aspecto comunitário no apego a terra que ocupam
e no vínculo estabelecido com os demais moradores:
“Pra mim aqui é o melhor morro que existe. É um privilégio estar aqui, eu não quero sair
daqui por nada. É tranqüilo, todo mundo é conhecido. Tem bastante gente que é unida, pra
mim é o melhor lugar” (Clarice)15.
“Ser morador do Mont Serrat é amar aquele pedacinho que gerou ele. Eu digo isso porque
nasci aqui e não tem como eu sair daqui. [...] É uma comunidade que sempre persistiu nas
coisas. Sempre esteve à frente, sempre lutou. [...] O Mont Serrat é conhecido como o que
12
Luciana Varella, entrevista concedida à Maria Conceição Coppete (2003, p. 34).
13
Felisbina Costa (Dona Bibina), entrevista concedida à Maria Conceição Coppete (2003, p. 33).
14
Maria Varella, entrevista concedida à Maria Conceição Coppete (2003, p. 32)
15
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).
22
sempre sai na frente das outras comunidades. Então morar aqui é ter tudo. Se me perguntam:
‘Teco, queres sair daqui?” Pra quê, pra morar no centro da cidade?” (Seu Teco)16.
“Eu sempre digo assim: a comunidade Mont Serrat é a melhor que tem! Tem uma escola; tem
uma creche pra cuidar das crianças; tem um centro cultural que dá toda assistência para
nossas gurizadas, para nossos jovens; tem uma escola de samba que dá lazer. Tem tudo! O
que falta mais? Somos acolhedores! O que falta mais?” (Dona Uda)17.
Neste sentido, podemos dizer que a mudança do nome deste morro fez (e ainda está
fazendo) parte do processo de construção de uma nova identidade para muitos moradores,
principalmente para aqueles vinculados a instituições articuladas ao movimento católico,
como é o caso da Copa Lord, da Escola Básica Lúcia Livramento Mayvorne, do Centro
Cultural Escrava Anastácia, do Centro Comunitário, e da própria Igreja Católica. Além disso,
a mudança de referência está oficializada a nível governamental, a qual pode ser percebida
nos letreiros dos ônibus, nos projetos da Prefeitura e do Estado.
16
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
17
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
23
o termo Mont Serrat por remeter diretamente à imagem de uma santa católica (a Virgem do
Mont Serrat), o que está em desacordo com sua doutrina religiosa.
Por outro lado, atualmente o peso do sistema capitalista neoliberal também tem
produzido na comunidade novas formas de se viver neste mundo pós-moderno, por vezes,
distante do ideal comunitário. Isto é de alguma forma percebido pelos moradores, os quais em
reuniões e encontros constantemente vêem se queixando da pouca participação e da
desintegração dos moradores.
“Ta faltando também um pouco de união. Se todo mundo der as mãos, conversar, trazer
propostas, idéias para melhorar, eu acho que a coisa ia avançar, ira ser bem melhor. [...] As
famílias estão muito dispersas, tu poder ver isso na escola. Antes a gente fazia uma reunião,
vinham cento e poucas pessoas. Enchia o auditório! No dia que a gente conseguir uma
família participativa, se nossa comunidade é a melhor, vai se tornar nem sei o quê!”
(Dona.Uda)18.
Percebe-se hoje que os moradores desta região não formam um grupo tão coeso como
há poucas décadas atrás. Além da falta de participação de diversas famílias nas atividades
locais, muitos dos pequenos núcleos, ou seja, as ‘pequenas comunidades’ que formam a
‘grande comunidade do Mont Serrat’, como por exemplo, a ‘comunidade evangélica’, a
‘comunidade copalordense’, a ‘comunidade católica’, a ‘comunidade do pastinho’, cada vez
mais buscam uma identidade própria, uma atuação independente, distanciando-se umas das
outras.
Assim, por vezes, percebemos que o uso da expressão ‘comunidade do Mont Serrat’
surge no discurso dos moradores mais tradicionais na angústia de preservar algo que está se
esfacelando aos seus olhos, uma tentativa de revitalizar uma forma de viver que já não existe
mais em seu sentido integral – ou ao menos como foi no passado –, mas que se espera
ansiosamente retomar. O conflito entre tradição (comunitarismo) e modernidade
(individualismo) transfigura a cada dia o conceito tradicional de ‘comunidade’ na vida dos
moradores do Mont Serrat, dando forma a uma nova e complexa ‘identidade’ para seus
habitantes. Neste sentido, Queiroz (2002), sintetiza este conflito ao argumentar que
18
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
24
2 A MÚSICA NA COMUNIDADE DO MONT SERRAT
2.1.1 Cacumbi
Cacumbi, catumbi, ticumbi, quicumbi, Natal dos Pretos, festa de Nossa Senhora do
Rosário são os vários nomes que recebe esta manifestação afro-brasileira que acontecia em
diversas regiões do Estado de Santa Catarina. Na década de 1990, de acordo com
levantamento feito Alves et al (1990), havia apenas dois grupos em todo Estado, com
características bem diferentes: o Cacumbi de Itapocu e o Cacumbi do Capitão Amaro.
“Enquanto grupo de negros de Itapocu realiza um ritual em homenagem a Nossa Senhora do
Rosário, na época de natal, o grupo [Capitão Amaro] de Florianópolis apresenta-se ao público
urbano com um espetáculo” (ALBUQUERQUE apud LUZ, 2006, p. 71). Em levantamento
mais recente, Soares (2002) destaca também a presença de dois grupos, o de Capitão Amaro e
o de Araquari. Atualmente, esta talvez seja a manifestação folclórica catarinense mais
esquecida e abandonada, “condenada a um desaparecimento sem vestígios”, conforme
descreve a própria prefeitura de Florianópolis19.
19
Informação extraída do site da prefeitura municipal, a qual disponibiliza um Roteiro das manifestações
culturais do município. Disponível em <http://www.pmf.sc.gov.br/turismo/lazer_cultura/_html/ folclore.htm#>.
Acessado em: 26 set. 2008.
25
Capoeira, cacumbi
É chique é charme é show
Negro, negro...
(samba-enredo, Copa Lord, 2002).
clique para ouvir
Grande parte dos primeiros moradores que migram para o Mont Serrat veio da Região
do Alto Biguaçu, atualmente município de Antônio Carlos, SC. De acordo com Araújo
(2006), o fluxo migratório entre essas regiões teve início a partir dos anos 1920, tendo seu
auge nos anos 1950 e 1960, época em que muitas famílias foram atraídas por parentes já
estabelecidos no morro, os quais haviam migrado anos antes.
Neste período de maior trânsito migratório, um grupo de Cacumbi teria sido “registrado
na década de 50 pelo pesquisador W. Piazza no interior de Biguaçu, na localidade de Cachoeira”
(ALVES et al., 1990, p. 33). Assim, possivelmente, alguns integrantes desmembraram-se desse
grupo para habitar no então Morro da Caixa (Mont Serrat). Seu Gentil, ao recordar a época de sua
juventude, descreve como teria se dado esse processo de integração do Cacumbi na comunidade.
“[...] que eu tinha mais conhecimento assim na minha juventude, é que vinha muito cacumbi
do Alto Biguaçu até porque a comunidade ali do Mont Serrat ela praticamente veio toda de lá
do Alto Biguaçu. De Biguaçu que vieram morar aqui, trabalhar por aqui, [...] iam subindo o
morro e já iam ficando e foi criando essa comunidade. Aí então eu sei que nos domingos
sempre tinha o cacumbi, eles diziam que era do Alto do Biguaçu. Aí depois, com os eventos,
acompanhando eventos é que eu tive a satisfação de conhecer o cacumbi do Capitão Amaro”
(Seu Gentil)21.
20
No ano de 1992, algumas lideranças da comunidade do Mont Serrat, estreitamente ligadas ao movimento
católico, lançaram um pequeno de livrete intitulado Memórias: a caminhada de gente que faz e conta a sua
história. Através das lembranças de alguns moradores, esta obra procurou reconstruir um pedaço da história
daquela localidade. De acordo com Araújo (2006, p. 94), “o livrete foi elaborado em um momento no qual a
comunidade passava por um processo de reorganização social, inspirado pelos movimentos sociais dos anos
1980”.
21
Gentil Camilo do Nascimento Filho (Seu Gentil) entrevista concedida a Daniel Luz (2006, p. 40).
26
Para seguirem praticando o ritual em sua forma completa, provavelmente os moradores
tinham que se dirigir a grupos de outras localidades, visto que na comunidade não há registro de
nenhum grupo de Cacumbi estabelecido, embora seu Gentil tenha nos dado pistas de que aos
domingos o cacumbi era de alguma forma relembrado pelos moradores recém chegados. Segundo
a pesquisadora Jucélia Maria Alves et al. (1990), a qual desenvolveu um amplo estudo sobre o
Cacumbi em Santa Catarina, em Florianópolis, além do Cacumbi do Capitão Amaro,
“O cacumbi que eu comecei a conhecer inclusive catado por meu pai” (Seu Gentil)22.
Seu Gentil23 hoje é um dos poucos, talvez o único morador da comunidade que através
da sua cantoria e seu orocongo guarda alguns dos mistérios desta antiga manifestação
popular24.
22
Gentil Camilo do Nascimento Filho (Seu Gentil), entrevista concedida a Daniel Luz (2006, p. 40).
23
Gentil Camilo do Nascimento Filho – ou Gentil do Orocongo, como é popularmente conhecido – é um ilustre
morador da Comunidade do Mont Serrat. Suas peculiaridades são tão marcantes que Daniel Luz (2006)
desenvolveu uma etnografia especificamente sobre a arte e a vida deste personagem. “Falar de Gentil é contar da
arte de construir e tocar o orocongo, é mostrar um pouco da cultura de Santa Catarina e de Florianópolis” (LUZ,
2006, p. 25).
24
Para saber mais sobre o Cacumbi, sua forma, vestimentas, músicas, significados, origens, ver: Alves et al
(1990); Soares (2002); Luz (2006); Souza P., (2006).
27
2.1.2 O Canto das Lavadeiras
Da primeira metade do século XX até meados dos anos 70, um dos ofícios mais
comuns desempenhados pelas mulheres do Mont Serrat foi o de lavadeira. O Morro oferecia
uma estrutura com diversas fontes naturais, o que favorecia essa prática. De acordo com Seu
Teco,
“Os dois lugares que mais tinha lavadeira [em Florianópolis] era o Mont Serrat e o
Itacorubi. A gente tinha que levar a roupa lá no centro, e quando descia, dia de chuva tinha
que se cuidar, porque se bobeasse sujava a roupa e tinha que lavar tudo de novo”
(Seu.Teco)25.
[...] aqueles que moravam na rua geral, chamada na época de Rua Lages (atual rua
General Vieira da Rosa), utilizavam a nascente do alto do morro (onde hoje se
localiza a escola Lúcia do Livramento Mayvorne). As lavadeiras que moravam
abaixo da Igreja, assim como aquelas moradoras do Pastinho, subiam a rua do
Encano, desciam e utilizavam as águas da atual região da Caieira. A Invernada, um
terreno pertencente ao Estado (onde atualmente se localiza a creche), era outro
ponto muito utilizado para construir fontes (Araújo, 2006, p. 130).
A lavação apresentava-se como uma das poucas formas das mulheres do morro
gerarem alguma renda para sua família, o que, em muitos casos, podia significar o único
subsídio financeiro do qual podiam contar. Desfrutavam deste serviço as famílias mais
abastadas residentes no centro da cidade, além de hotéis, bares e restaurantes. Contudo, mais
do que um simples modo de ganhar dinheiro, a lavação consistia em um momento de
articulação política (resistência), sociabilidade e expressão musical, conforme veremos a
seguir.
“era interessante a maneira como elas descobriam que alguém precisava de lavação. Era
assim: Uma dizia pra outra: ‘ – Ó, lá onde minha filha trabalha precisa de lavadeira’. Ou
então ‘ – a madame (fulana de tal) da cidade está precisando de lavadeira.” (Dona Uda)26.
O relato de Dona Uda nos revela que através da lavação as mulheres se protegiam e
ajudavam umas as outras, exercendo a solidariedade. A oferta de trabalho compartilhada entre
25
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
26
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida à Maria C. Coppete (2003, p. 68).
28
as vizinhas garantia que o negócio permanecesse entre as moradoras da comunidade.
Michelle Perrot (apud COPPETE, p. 68), em seus estudos sobre mulheres em um lavadouro
da França no século XIX, também constatou que o espaço de trabalho representa “para elas
muito mais do que um lugar funcional onde se lava a roupa; é um centro de encontro onde
trocam as novidades do bairro, (....) receitas, remédios, informações de todos os tipos.”
Provavelmente, a situação deveria ser muito similar entre as lavadeiras do Morro da Caixa.
A música era uma constante que permeava todas as etapas do trabalho de lavação –
durante as lavagens, na subida e descida do morro, enquanto esperava a roupa ferver e secar –
e esta se fazia presente através do canto das lavadeiras.
“[...] lavava e ali já tinha uma lata pra gente ferver a roupa e ali fervia tudo. Enquanto
fervia, já ia lavando. [...] Ali a gente cantava, contava história... ali secava a roupa. A música
saía assim... a gente ia inventando” (Dona Uda)27.
Não há registros de como eram exatamente esses cantos, quais as músicas, como eram
interpretadas, mas segundo os relatos das moradoras, tratavam-se na maioria das vezes de
cantos religiosos, possivelmente cantos trazidos dos encontros na igreja, da catequese, das
procissões, das festividades.
“Era gostoso principalmente levar a roupa. Mas a farra maior era quando nós voltávamos.
[...] Cantávamos geralmente cantos sacros e vínhamos batendo palmas no escuro. Não havia
luz. Era noite. [...] Descíamos o morro baixo e não tínhamos vergonha. Quando as trouxas
eram maiores, as mulheres desciam com elas na cabeça. Todos levavam trouxas, até as
crianças” (Dona Uda)28.
Além de alegrar as atividades ligadas ao trabalho de lavação, o canto servia como uma
forma de aliviar o sofrimento de mulheres que no seu dia-a-dia tinham que suportar condições
precárias de subsistência, falta de alimentos, longas horas de jornada de trabalho e
preconceitos de todos os tipos.
“Nos íamos às 7 horas da manhã e voltávamos às cinco ou seis da tarde. Já vinha com a
roupa sequinha, dobradinha. Muitas vezes ficava lá o dia inteiro sem comida. Então a gente
cantava, assobiava pra esquecer da fome. Conversava. Quando tinha um pouquinho de
comida, repartia. Um comia do outro.” (Dona Bibina)29.
27
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida à Maria C. Coppete (2003, p. 73).
28
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida à Maria C. Coppete (2003, p. 67).
29
Felisbina Costa (Dona Bibina), entrevista concedida à Maria C. Coppete (2003, p. 68).
29
O livreto Memórias, redigido pelos moradores da comunidade, também revela a rotina
sofrida dessas mulheres ao lembrar da história de Dona Catarina30 que, orando em forma de
cantos, buscava forças para seguir adiante em sua jornada.
Dona Catarina nunca teve medo de lutar. Ela descia e subia o morro 5 vezes por dia
para lutar pela sobrevivência. Lavou muito tempo roupa na cachoeira. Lá pelas 5
horas da manhã se dirigia para a cachoeira. Era a primeira a chegar e enquanto
lavava, cantava hinos de louvor a Deus. Eram orações pedindo que Deus a
protegesse e lhe desse forças para trabalhar e sustentar seus filhos (Memórias, 1992,
p.22).
Imagens ilustrativas
30
Só para citar algumas, além de Dona Catarina, destacaram-se como lavadeiras também Dona Bibina, Dona
Daura, Dona Uda, Dona Isolete, Marlete, Dona Paulina, Vó Rita, Dona Darci, Bia, Paulina, Maria Augusta,
Jordelina, Antônia, Gina, Maria do Geraldino, Vó Bertolina. Alguns destes nomes foram recolhidos do libreto de
memórias e outros de relatos dos moradores. Seguramente outras tantas mulheres ficaram de fora desta listagem.
30
Com isso, as lavadeiras e seus cantos ficaram apenas na memória, nas histórias
contadas pelos moradores mais antigos, por vezes relembradas e homenageadas: “[...] vai iô
iô, vai buscar água na bica pra regar o nosso amor / e as lavadeiras estendem suas roupas
no varal / Hoje tem pagode no pastinho / improvisado lá no fundo do quintal [...]” (Samba-
enredo “A voz e a vez do morro”, Copa Lord, 1989).
Embora há muitos anos não se ouça mais o canto das lavadeiras subindo e descendo o
morro da Comunidade do Mont Serrat, resquícios desta tradição permanecem no convívio de
várias famílias. Nas casas do terreno de Seu Teco32, por exemplo, a cantoria rola solta durante
as atividades domésticas, por sinal, cantos religiosos, assim como faziam as lavadeiras33.
Desse modo, o que se percebe é que estes cantos de trabalho ainda permanecem vivos na
comunidade, em outras formas, outros espaços, outras pessoas, outros significados.
31
Fundado em 1991, o coral das Lavadeiras de Almenara gravou os CD-livros “Batukim Brasileiro” (2002) e
“AQUA” (2005).
32
O terreno de seu Teco forma parte de um complexo de 14 casas, onde não há qualquer divisória como muros,
cercas, linhas. Neste espaço residem apenas membros de sua família.
33
Pude observar a constância desse acontecimento ao longo da minha convivência de aproximadamente quatro
anos com a família de Seu Teco. Nos finais de semana, após as refeições – momento de arrumar a cozinha, lavar
a louça, limpar o chão – sua filha (Marlete) e netas (Priscila e Débora) sempre puxam longas cantorias que só
param quando o serviço termina. Por vezes, é possível ouvir até melodias em terças. Contudo, não foi possível
constatar se em outras famílias este fenômeno se faz presente com a mesma intensidade.
31
2.1.3 Terno de Reis
Folia de Reis, Santos de Reis, Reisado ou Terno de Reis são os vários nomes pelos
quais é conhecida esta manifestação popular baseada nas festividades cristãs. Em Santa
Catarina, o termo mais comumente empregado é Terno de Reis. Em resumo, a função do
ritual é representar/reviver a visita que os Reis Magos Melchior, Baltazar e Gaspar fizeram a
Jesus Cristo à época de seu nascimento, conforme descrito na Bíblia no Evangelho de Mateus
(Mt 2: 1-11).
Assim como a maioria dos elementos da cultura cristã, esta tradição foi trazida ao
Brasil pelos portugueses e açorianos, tendo sofrido diversas adaptações em cada região em
função do processo imigratório e das miscigenações locais (SOARES, 2002; NUNES, 2002).
Vivenciado na sua grande maioria por pessoas das classes mais populares, ainda hoje o Terno
de Reis permanece vivo em diversas regiões do Brasil, principalmente no meio rural e em
algumas regiões litorâneas, em cada local com suas características próprias.
“Eu cantava muito em Terno de Reis [...] cantava no morro, era uma maravilha. Era em
dezembro geralmente. Começávamos à noite, em torno das nove, dez horas da noite e íamos
até o meio dia do outro dia cantando. As pessoas adoravam, nos recebiam maravilhosamente
bem, abriam suas casas, davam comida, davam bebida, era uma festa, uma maravilha! [...]
Era eu, o Edenir, Seu Nilton – ele que puxava o terno, tocava violão –, a irmã dele (a Nilsa),
a Conceição – que é uma daqui de cima também – a Eteldina, também participou, que é uma
senhora que já faleceu. Aí, mais tarde foi entrando mais gente, o Moisés, que é meu primo,
um outro garoto que já faleceu também. Foi entrando outros instrumentos, o pandeiro, entrou
o chocalho” (Dinho)35.
34
Dinho, filho de Dona Catarina, mencionada no tópico “o canto das lavadeiras”, participa ativamente de
inúmeras atividades do morro como, por exemplo, da escola de samba, dos terreiros de umbanda, da igreja
católica. Além do terno-de-reis cantou em diversos corais, entre eles o coral do Mont Serrat, coral do Saco dos
Limões, coral da igreja Nossa Senhora do Rosário. Atualmente segue suas atividades musicais no coral da
Catedral Metropolitana, onde canta há mais de dez anos.
35
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
32
Seu Gentil, também morador da comunidade, reunia seu grupo de Terno de Reis, este
formado em grande parte por membros de sua família. Assim descreve como foi esta
experiência:
“[...] eu praticamente nasci dentro do terno de reis, [...] a gente pegou com os pais da gente,
cantando. Na época sem violão, só o chocalho de feijão, milho, e nós, os pequenos, com a voz
meio fina, fazia até uma voz fina, né. Aí meu pai, era Bastião, minha mãe era cantadeira, minha
irmã mais velha, [...] então a gente cantava terno de reis de porta em porta, como manda a
tradição, né” (Seu Gentil)36.
“[...] o nosso grupo era esperado todo ano. As pessoas nos cobravam, diziam: ‘ah, foi na
casa do fulano, passou na frente da minha e não cantaram’. Não dava pra cantar em todas as
casa, então a gente pulava, porque não tinha como. Se fazendo esse esquema íamos até o
meio-dia, imagina se a gente fosse em todas as casas. Fazíamos duas noites, uma semana
antes do natal e uma semana antes do fim do ano” (Dinho)37.
Quanto aos instrumentos musicais mais utilizados nas festividades de Terno de Reis, o
Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (IFTG), classifica “a viola, a rabeca ou rebeca, a
gaita, o violão, o tambor ou caixa e o triângulo” como os instrumentos mais freqüentes.
Antigamente era comum, também “a parceria da viola com a rabeca, acrescida do tambor ou
triângulo. [...] Hoje, a gaita (acordeom) toma conta da parte musical, fazendo-se acompanhar
do violão, e não raro do pandeiro, do chocalho e do cavaquinho”38. Soares (2002) também
destaca que “na época atual, [o Terno de Reis] se compõe de quatro a oito cantores, raramente
acompanhado de algum instrumento, apenas gaita, violão e pandeiros” (op. cit, p. 38).
“No terno de reis era mais usado o cavaquinho. Tinha um senhor, o nome dele era Nilton,
mas nós o chamávamos de ‘Canguara’. Era o homem dos sete instrumentos. Ele tocava
36
Gentil Camilo do Nascimento Filho (Seu Gentil), entrevista concedida a Daniel Luz (2006, p. 38).
37
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
38
Disponível em: <http://www.igtf.rs.gov.br/not/terno_de_reis.doc> Acessado em: 29/09/2008.
33
cavaco, tocava violão, tocava banjo, tocava bateria, tocava pandeiro. Então, em terno de reis
era mais usado o cavaquinho e a gaita de oito baixos” (Seu Teco)39.
“O terno de reis, né, ele tem uma coisa assim que empolga.. Ele tem aquela reciprocidade de
chegar na porta, abrir as portas e ser recebido com café, bolo, doce. Aí a gente às vezes até
esquece de cantar na outra casa de tanta comedeira. [...] alguma casa não tem a oferta, mas só
no abrir a porta para receber o terno a gente já fica contente, [pois] passa às vezes várias casas
que não abrem a porta. Aí quando abre a porta parece até que a gente chegou em casa, tem essas
coisas toda do terno de reis, aí mandam entrar, a pessoa canta o terno dentro, na árvore de natal,
né, e assim é feito o terno de reis” (Seu Gentil)41.
De acordo com alguns estudiosos, a participação feminina não é comum neste ritual.
Fernandes (2004) encontrou em seu campo de pesquisa uma “presença exclusivamente
masculina entre os cantores, inclusive a terceira voz, [...] feita por um homem, por não haver
participação feminina” (op. cit, p. 30). A pesquisadora descreve a história de Joelson, um
senhor que, devido à mudança para outra cidade, formou um grupo novo de Terno de Reis no
39
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
40
Em cada região o ritual pode ser encenado de forma diferenciada. De acordo com diversos autores (NUNES,
2002; SOARES, 2002), o Terno de Reis realizado em Santa Catarina apresenta características extremamente
diferentes daquele realizado, por exemplo, na Bahia. Em alguns locais há um cuidado com a vestimenta,
empregando diversos adereços, trajes com cores fortes e chapéus enfeitados com fitas coloridas e espelhinhos.
Dependendo da região o rito pode ir além da cantoria realizada dentro das casas, chegando a ser feita uma
encenação em praça pública, com danças, adicionando personagens como: rei, mestre-sala, alferes, a burrinha, o
boi, o jaraquá, a arara, o caipora, a ema, etc. Muitos outros personagens podem aparecer, dependendo da região
em que esta festa é realizada. Em algumas regiões de São Paulo, por exemplo, há também a figura de palhaços,
reza-se o terço ao entrar nas casas e a cada ano é coroada uma família que será responsável em realizar o ritual
no ano seguinte. Fonte: <http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendareisado.html>. Acessado em: 30/09/2008.
41
Gentil Camilo do Nascimento Filho (Seu Gentil), entrevista concedida a Daniel Luz (2006, p. 39).
34
qual mulheres senhoras passaram a fazer o canto. Segundo a autora, “essa foi uma
transformação do terno-de-Reis tradicional, pela inclusão de mulheres na cantoria, mas foi
também uma das certezas de que a manifestação do Terno-de-Reis permaneceria” (op. cit,
p.61). De acordo um dos informantes entrevistados por essa autora, a presença feminina não
era bem quista, pois “a mulher cantando trazia maus augúrios à família visitada” (op. cit, p.
71).
No Mont Serrat a participação de mulheres no Terno de Reis parece ter sido algo
comum, visto que nos relatos de Dinho e de Seu Gentil, figuras femininas são citadas como
integrantes dos grupos. A presença delas em momento algum é mencionada como algo
descomunal. Assim, a prerrogativa de que o Terno de Reis se caracteriza como “uma
representação exclusivamente masculina” (FERNANDES, 2004, p. 89) não se aplica ao
contexto aqui pesquisado.
“E era uma tradição que nós tínhamos aqui no morro. Esse grupo já era conhecido, então as
pessoas chamavam pra ir cantar. [...] Ás vezes nós saíamos daqui pra cantar na Agronômica.
Uma época nós fomos cantar em Forquilinha também. [...] Aí com a violência a coisa foi
diminuindo, diminuindo até que hoje ninguém canta mais nada. Infelizmente, com a violência
a coisa foi acabando” (Dinho)43.
A falta de segurança é apontada como um dos principais motivos para o grupo ter
encerrado suas atividades.
“Faz uns cinco anos que nosso grupo acabou. Desmotivou pelo medo, nós saindo para cantar
de madrugada e o tiro comendo, como né? Por que o bom é pegar as pessoas dormindo, isso
42
Disponível em: <http://www.igtf.rs.gov.br/not/terno_de_reis.doc> Acessado em: 29/09/2008.
43
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
35
que era o interessante do ritual. E a sensação de quem ta dormindo, parece que aquilo ta
longe, que não é na tua casa. Até tu sacar que ta na porta da tua casa, demora um pouco. E
era um som muito bom, uma coisa muito agradável” (Dinho)44.
Hoje no Mont Serrat essa tradição desapareceu. Seu Gentil ainda recorda as canções
do Terno ao cantá-las acompanhado de seu orocongo, mas o ritual de passar de casa em casa
durante as madrugadas já não é mais feito. Esta é uma manifestação que tem se tornado cada
vez menos freqüente em toda a cidade de Florianópolis. Em uma pesquisa como Bolsista de
Iniciação Científica, orientada pela Profa. Vânia B. Müller, entrevistamos Seu Agenir, um
dos moradores mais antigos da Comunidade Batuel, no Rio Tavares. Segundo ele, na sua
comunidade “antigamente cantava muito terno. Hoje já não canta mais [...] o povo antigo vai
morrendo e o povo moderno não quer mais”45. Atualmente, alguns festivais são promovidos
no Estado na tentativa de manter essa tradição viva.
“Hoje no Saco dos limões tem um grupo, no Ribeirão da Ilha também tem, e em algumas
praias do sul e do norte. E tem um encontro, o pessoal faz um encontro uma vez por ano aqui
no centro. Junta esses grupos e faz um encontro de Terno de Reis, no dia de Reis. Mas, o
nosso grupo nunca participou” (Dinho)46.
Em Santa Catarina, já está na quarta edição um Festival Estadual de Terno de Reis que
ocorre sempre em Itajaí. Nesta cidade há mais de 20 grupos, para citar alguns, ‘Luz Divina’,
‘Isaías e Júnior’, ‘Esperança’, ‘Sonho Natalino’, ‘Cidade Nova’, ‘Estrela Guia’, ‘Os
Criativos’, ‘Unidos da Paciência’, ‘Dagnoni’, ‘Cantores da Paz’, ‘Pais & Filhos’. Além
desses, o último festival contou com a participação de grupos de diversas regiões, entre eles:
Família Dias (Blumenau), Família Schmitt (Joinville), Grupo Estrela do Oriente (Indaial),
Filhos da Terra (Palhoça), Grupo de Terno de Reis (Barra Velha), Grupo de Terno de Reis
(Bombinhas), Grupo de Terno de Reis (Taquaras), Amigos para Sempre (Brusque) e Vozes de
Luzes (Brusque)47. O grupo de Terno de Reis ‘Família Dias’ de Blumenau é um dos mais
conhecidos e tradicionais de Santa Catarina. Sua origem remete ao ano de 1919 e atualmente
têm cinco cd’s e um dvd gravados.
44
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
45
Entrevista concedida a mim e a Professora Vânia Müller, no dia 26/07/2006 para o Projeto de Pesquisa do
Centro de Artes da UDESC intitulado: Música Comunidade, Subjetivação: um estudo de caso. Para mais
informações, ver bibliografia: (Gomes e Müller 2006). O trecho citado não foi publicado no artigo.
46
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
47
Fonte: <http://www.itajai.sc.gov.br/noticias_det.php?id_noticia=5545> , Acessado em 29/09/2008.
36
2.2 FORTALEZAS: cordéis de resistência e segurança
2.2.1 Catolicismo
Na Comunidade do Mont Serrat, de acordo com o libreto Memórias (p. 26) “os
elementos de um ‘catolicismo popular’ sempre estiveram presentes [...], desde os primeiros
passos da Irmandade da Nossa Senhora do Mont Serrat [fundada em 1926], [caracterizando
esta como] uma das primeiras comunidades a se organizar a nível eclesial”. A Irmandade da
Nossa Senhora do Mont Serrat surge como uma herança da participação de leigos e leigas na
vida espiritual da comunidade. Este fenômeno também foi analisado por Marta M. A.
48
Segundo Andrade (2006), a ampla difusão do catolicismo pelo mundo e pelo Brasil, implementado em
diversas culturas e etnias, gerou uma série de hibridizações entre tradição católica oficial e as culturas locais, o
que tem levado teóricos a criarem diferentes designações para cada contexto específico, como por exemplo:
catolicismo formal; catolicismo tradicional; catolicismo cultural; catolicismo rústico; catolicismo popular;
catolicismo oficial; catolicismo misturado com magias e crenças indígenas; catolicismo reunido ao espiritismo,
catolicismo em sincretismo com o espiritismo e os cultos africanos.
37
Machado (1999), que desenvolveu um amplo estudo sobre a religiosidade católica no morro,
tendo como foco a participação feminina neste contexto. Segundo a autora,
Mesmo com a presença mais atuante da instituição Católica no morro, ou seja, com a
vinda dos padres Augusto Staehelin e Vilson Groh, esse tipo de catolicismo, não foi
abandonado, ao contrário, foi renovado, pois estes padres se esforçaram em mesclar os
elementos do catolicismo popular à sua doutrina político-religiosa, conforme veremos a
seguir.
49
Padre Augusto Staehelin é carinhosamente chamado de Padre Agostinho pelos moradores da comunidade do
Mont Serrat. Há certa confusão quanto à ortografia de seu sobrenome. Machado (1999) escreve “Sähelin”; no
livreto Memórias encontramos “Ställin”; e Araújo (2006) descreve como “Staehelin”. Optamos por empregar
neste trabalho esta última versão devido ao cuidado do pesquisador com o caráter histórico.
50
Essas datas foram levantadas por Camilo Araújo (2006), que desenvolveu um amplo estudo sobre as
articulações políticas na comunidade do Mont Serrat na época de atuação do Padre Augusto.
38
“O padre Augusto Sähelin ele tinha uma horta comunitária atrás da igreja, era a
coisa mais bonita! A gente colhia vagem, tomate, tudo isso, né. [...] Ele trouxe médico pra
comunidade. [...] As nossas ruas eram a maior tristeza. [...] Ele botou a comunidade em
frente dos órgãos públicos para pedir material, e o pessoal fez tudo com mutirão”
(Mercedes)51.
“O padre Agostinho tinha uma liderança muito grande aqui. Ele só dizia assim: ‘– gente,
preciso que hoje nós vamos à prefeitura’. Descia todo mundo! Ou: ‘ – precisamos de um
mutirão pra calçar a rua’. Armando era pedreiro, Nelinho ajudava a carregar
paralelepípedo, o Ito, seu Toca, essa turma toda” (Dona Uda)52.
“O caminho até a igreja, antes tinha a rua que só abriam na época da procissão, no mês de
setembro. Com a vinda do Padre Agostinho pra cá, ele conversou com o prefeito nós fizemos
o mutirão para o calçamento da rua General Vieira da Rosa. Antigamente era chamada rua
Lages [...]. Depois nós fizemos o calçamento da igreja até o grupo Lúcia Mayvorne. [...] Nós
não tínhamos estrada, hoje nós temos. [...] Então, primeiro foi a luz, depois os calçamentos,
depois veio a água. Depois veio a expansão da rede de saneamento básico, porque antes cada
um tinha sua fossa. Para isso, nós conseguimos fazer dois partidos de oposição sentar na
mesa pra chegar num acordo. Aí conseguimos com a prefeitura [Governo Municipal] o
material e a CASAN [Governo Estadual] entraria com a mão-de-obra. Depois conseguimos
negociar a ligação nas casas, que era pago. Naquela época, quando a gente ia reivindicar
nós não íamos em duas ou três pessoas, íamos em quinze, vinte” (Seu Teco)53.
De acordo com o livreto Memórias (p. 27), a atuação do Padre Agostinho foi tão
intensa e mobilizadora que chegou a ser afastado por acusação do governo militar que
acreditava estar criando “uma pequena célula comunista” na comunidade. Contudo, apesar
desta postura voltada para o social, esta possibilidade de articulação do padre com os
movimentos de uma esquerda radical é contestada por Camilo Araújo (2006). Segundo o
autor, “do ponto de vista histórico, pensar o padre Agostinho Staehelin como comunista
parece-nos inverossímil” (op. cit, p. 97). De acordo com a análise Araújo, apesar de estar
imerso em movimentos sindicais e políticos da época, as ações do Padre Agostinho estavam a
serviço de uma política assistencialista promovida pelas classes dominantes e, portanto, em
conformidade com “a hierarquia católica e com uma concepção ‘conservadora’ ou
‘reformista’ de Igreja” (op. cit, p. 104). Assim, aos cuidados de Agostinho, encontramos
51
Mercedes é um codinome, pois a identidade foi preservada pela pesquisadora. Entrevista concedida à Marta
Magda M. Machado (1999, p. 124).
52
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
53
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
39
um capitalismo solidário e do desenvolvimento do país. Nesse momento,
propunha-se um novo modelo de cristandade, ao sabor das encíclicas papais e da
filosofia humanista cristã, onde a Igreja influenciaria as esferas de decisão pública e
assumiria a execução de um projeto social em conjunto com o Estado brasileiro
(ARAÚJO, 2005).
“Segundo o que me contavam, a maioria das pessoas eram analfabetas, não sabiam ler nem
escrever. E diziam que tinham uma voz maravilhosa, que cantavam muito bem. E cantavam
em latim! Imagina, pessoas que nunca leram e escreveram cantar em latim” (Dinho)54.
Ao conversar com alguns moradores como Seu Teco, Dinho, Hamilton e Dona Tota,
todos recordaram com nostalgia a performance deste coral. Segundo eles as vozes soavam em
perfeita harmonia e ouvi-las cantar era uma experiência fascinante. Dona Tota, com certo
esforço, conseguiu recordar o nome de algumas dessas mulheres:
“Tinha a Graça, a Sinhá, a Eteldina, a Conceição, Dona Catarina. Naquele tempo elas
cantavam em latim. Cantavam a missa era domingo, às 7h da noite. Mas o Coral cantava
mais mesmo em dia de festa, festa da Nossa Senhora” (Dona Tota)55.
54
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
55
Natália Silva Barbosa (Dona Tota), entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h, no centro de Umbanda
localizado no terreno de sua casa no Mont Serrat.
40
igreja católica. Curiosamente, ao revisar os estudos que resgatam a história da comunidade,
percebemos que pouco se comenta sobre esta época. O mesmo foi possível observar nas
entrevistas realizadas com os moradores, os quais, ao comentarem suas lembranças do
passado, remetiam-se diretamente à época do Padre Agostinho ou aos primeiros anos da
chegada do Padre Vilson. Assim, este período de transição é praticamente ignorado, tanto pela
bibliografia quanto pelos moradores.
De acordo com Machado (1999) , “[...] houve certa estagnação na vida comunitária no
período após a saída do padre Augusto, quando a pastoral era dirigida também às questões
sociais. A antiga capelinha do morro estava caindo, igualmente a participação da comunidade
na Igreja decaíra; além disto, a horta comunitária não produzia com nos anos anteriores”. Um
dos poucos comentários desta época surge nesta fala de uma das moradoras:
“[...] o padre vinha só aos sábados rezar missa, né? Rezava e ia embora pra catedral, tudo
bem! Tivemos [...] o padre Luiz, o padre Henrique, o padre Vitor, o padre Orlando, que hoje
é bispo... A gente teve muitos, muitos padres aqui. E depois então veio o padre [Vilson]”
(Antônia)56.
Vilson Groh veio morar na comunidade a partir do ano de 1983, permanecendo até os
dias atuais. Com sua vinda, passou a implementar uma nova forma de viver a religiosidade
católica a partir de sua experiência com a Teologia da Libertação, estimulando na localidade a
organização de um núcleo de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Estas organizações,
movidas e geradas por leigos (neste caso, os próprios moradores), se articulam de modo a
promover entre os membros da comunidade um sistema de ajuda mútua, baseando-se em
valores como solidariedade, reciprocidade, fraternidade, igualdade, tendo a fé religiosa como
instrumento principal para gerar esse espírito coletivo. Ao mesmo tempo, procuram, neste
processo, valorizar e resgatar os saberes populares, as crenças, as histórias, assim como as
antigas tradições.
56
Antônia é um codinome, pois a identidade foi preservada pela pesquisadora. Entrevista concedida à Marta
Magda M. Machado (1999, p. 123)
41
Desse modo, esse novo jeito de viver a religiosidade implementada por Vilson – e
abraçada pela comunidade – não promoveu uma ruptura com as tradições do passado, ao
contrário, resulta em uma incorporação dos elementos do Catolicismo Popular, da Cultura
Afro-brasileira presente no morro, bem como em uma retomada do trabalho social iniciado
pelo Padre Agostinho. Não obstante, diferentemente do que vinha sendo implementado
anteriormente, as bases prático-teóricas deste movimento estimulado por Vilson apontam para
além de uma rede social assistencialista, buscando “nas periferias urbanas, mediar a criação
da identidade entre os habitantes locais” de modo que os envolvidos neste processo passem a
se enxergar e agir como sujeitos autônomos, agentes construtores e criadores da sua realidade,
“reconhecendo-se em sua unidade e lutando contra um inimigo comum” (ARAÚJO, 2004a, p.
35). Assim, mais do que assistir e suprir as necessidades emergenciais, esta orientação
político-teológica se resume num constante caminhar em busca da emancipação de um povo
oprimido por um sistema capitalista excludente. No caso do Mont Serrat, o trabalho é
encaminhado para que a comunidade possa si própria gerar recursos para sua subsistência e o
caminho pra atingir esta meta está representado em um investimento massivo em educação.
Veremos a seguir como todos esses elementos se articulam dentro do catolicismo atual da
comunidade e de que forma as relações de gênero e a música interagem neste processo.
“Se nos olharmos enquanto comunidade do Mont Serrat, hoje, veremos as coisas que
nasceram a partir daqui da igreja: o Centro Cultural, Centro Social Marista, que acolhe 200
crianças. Centro Cultural escrava Anastácia que hoje está trabalhando em 60 áreas de
Florianópolis com a nossa juventude, com 3500 jovens. 1000 jovens inseridos no mercado de
trabalho com carteira assinada. Mais de 200 nesta área do cooperativismo no antigo IML.
Entramos na palhoça, no antigo Dom Jaime, onde estamos com quatro oficinas com o Centro
42
Cultural: motocicleta, jardinagem, marcenaria. Já empregamos um monte de jovens nas
empresas de marcenaria ao redor. Só na Palhoça estamos com 300 jovens trabalhando. [...]
Isso é fruto daqui, semente daqui. Quando a comunidade não se acomoda ela gera
oportunidade” (Pe.Vilson)57.
Todo esse movimento descrito acima por Vilson é fruto da iniciativa de algumas
mulheres que no passado se uniram para criar o Centro Cultural Escrava Anastácia, fundação
que hoje, associada ao Centro Social Marista, possibilita abarcar todos estes projetos. Assim,
o Centro Cultural surgiu a partir do movimento dessas mulheres que perceberam a
necessidade de ocupar as crianças da comunidade com atividades que as mantivessem longe
dos perigos da rua, como por exemplo, o tráfico de drogas, conforme descreve Coppete
(2003):
“Do mesmo modo a gente fez no Alto da Caieira. Começou lá em cima com a nossa
comunidade. Com as mulheres do apostolado da oração, fomos um dia lá pra cima em
missão, um domingo inteiro, fincamos quatro estacas, e está lá hoje um centro com 200
jovens e uma comunidade que está se organizando” (Pe.Vilson)58.
57
Padre Vilson Groh, trecho transcrito por mim de seu pronunciamento durante a missa de 08 de setembro de
2008, às 19h30, dia comemorativo da padroeira da comunidade, a Santa “Nossa Senhora do Mont Serrat”.
58
Padre Vilson Groh, trecho transcrito por mim de seu pronunciamento durante a missa de 08 de setembro de
2008, às 19h30, dia comemorativo da padroeira da comunidade, a Santa “Nossa Senhora do Mont Serrat”.
43
Machado (1999), esta última tendo como objeto de estudo a própria comunidade do Mont
Serrat. Este tema tem se revelado como campo de estudo cada vez mais crescente.
A força das mulheres nas CEBs tem sido considerada como incontestável no âmbito
da própria Igreja e da literatura acadêmica especializada. É, contudo, no início dos
anos 1990, que a visibilidade das mulheres nas CEBs torna-se foco central de
análise em alguns estudos sob diferentes aspectos, como comportamento
reprodutivo, sexualidade, conflitos familiares, ação política, entre outros
(COUTO,.2002).
“O legado que a gente enquanto comunidade do Mont Serrat pode deixar é o orgulho de
termos seguido Maria, de termos seguido Nossa Senhora. Porque ela foi mulher, guerreira,
bíblica, de coragem e emancipadora. Quem emancipa esse mundo são as mulheres.
Emancipação é passar pelo caminho das mulheres, mulheres corajosas, mulheres bíblicas.
44
[...] Ela [Maria] foi sempre o grande exemplo que nós tivemos e o grande modelo [...]
modelo de solidariedade, modelo da partilha, modelo de justiça, modelo do amor e de
compaixão da misericórdia, modelo da acolhida, modelo do serviço, modelo de fé, modelo de
resistência. Uma mulher que sempre resistiu que nunca desanimou, que assumiu
continuamente a cruz e transformou a cruz em caminho e ressurreição para levar a frente a
proposta. [...] Maria é a mulher que transforma os limites em desafios, transforma os
desafios em saída, e aí está o segredo da vida comunitária. Comunidade que cresce, que
caminha, que dá passos é a comunidade que não tem medo de enfrentar sua própria a
realidade, que transforma sua realidade, que transforma o seu caminho, que organiza, que
vai à frente, que não tem medo de fazer essa caminhada que fez Maria” (Pe.Vilson)59.
Por outro lado, de acordo alguns estudos, a maioria das “mulheres que aderem ao
movimento [das CEBs] não o fazem segundo uma consciência de classe ou uma perspectiva
ou estímulo de base feminista” (COUTO, 2002). O mesmo foi constatado por Marta Machado
(1999) ao analisar a Comunidade do Mont Serrat. Segundo a autora, “a maioria das mulheres
líderes da Comunidade Mont Serrat não articula o discurso da teologia da libertação” (op. cit,
p. 157). Podemos atribuir esta constatação das autoras ao fato de, não só das mulheres, mas a
população leiga em geral, se envolver mais diretamente no aspecto prático da ação social-
coletiva do que nas discussões e fundamentações teóricas sobre este processo. De acordo com
nossas experiências, em conversas e contatos informais, constatamos que uma parcela
bastante significativa das mulheres e homens que freqüentam a igreja da comunidade não
conhece o termo “CEBs” e menos ainda “Teologia da Libertação”. Contudo, apesar de não
encontramos em suas falas um discurso emancipador, politicamente articulado com as
correntes teóricas, acreditamos que a consciência política das mulheres e homens desta
comunidade eclesial está num plano distante daquele delimitado pelo “objetivismo” da
acadêmica. A fala de Padre Vilson ilustra bem esta problemática:
59
Padre Vilson Groh, trecho transcrito por mim de seu pronunciamento durante a missa de 08 de setembro de
2008, às 19h30, dia comemorativo da padroeira da comunidade, a Santa “Nossa Senhora do Mont Serrat”.
60
Padre Vilson Groh, entrevista concedida à Maria Conceição Coppete (2003, p. 39)
45
2.2.1.2.2 Música na Comunidade Eclesial de Base
O repertório escolhido por elas orientava-se por três diferentes correntes religiosas,
organizadas a seguir de acordo com o grau de freqüência com que apareciam nas celebrações:
músicas do catolicismo tradicional, ou oficial; músicas do movimento das CEBs; e, em menor
medida, músicas com influências afro-brasileiras. Esta última, geralmente cantada em
celebrações dedicadas ao resgate da cultura negra, chamadas de missa afro. De acordo com
Coppete (2003), “Para quem participa dessas celebrações [missa afro], fica evidente que não
se trata de um ritual tradicional do Catolicismo, tampouco de uma celebração religiosa
africana, apenas, parece muito mais uma apropriação de diferentes ritos católicos e afros dos
quais muitos moradores participam” (op. cit, p.81). Araújo (2004a), revela que
Desde o começo da década de 90, celebra-se na igreja do Mont Serrat missas afro
nas quais os instrumentos tradicionais da celebração são substituídos por
instrumentos populares. Nas palavras de Darcy Vitória de Brito, uma das
precursoras: “a missa afro é mais ritmada, são cantos afros mesmo, a gente que
introduz. Porém, nem todos gostam que levem batuque, nós usamos atabaque,
pandeiro, violão e nem todas as pessoas aceitam, para mim é uma missa linda”
(op.cit, p. 122).
Contudo este ritual não tem sido tão bem aceito por alguns membros da comunidade.
Por essa razão, e por falta de envolvimento dos moradores, a missa afro vem sendo cada vez
menos freqüente:
46
“Essa conscientização [do resgate da cultura negra] não atinge a todos porque existe ainda
muito preconceito, como no caso do uso do atabaque, que alguns identificam como samba”
(Dona Darcy)61.
“A missa afro nós fazíamos mais no mês de novembro, mês da consciência negra. Mais
antigamente, havia uma programação onde todo mês se fazia uma missa afro. Mas falta
pessoas para ajudar, puxar os cantos. Tinha a Darcy que fazia, mas, se fica em cima de uma
pessoa, só acaba cansando. Ela que tem que organizar tudo, convidar as pessoas, ver as
vestes. Falta integração dos membros da igreja, da comunidade” (Seu Teco)62.
“Na igreja, atualmente, temos dado outro sentido, estamos introduzindo a cultura negra,
estamos fazendo a missa na dimensão afro. [...] No ano passado, em 1995, nós celebramos o
20 de novembro (Dia da Consciência Negra), fazendo uma celebração muito bonita quando
introduzimos na igreja a imagem da escrava Anastácia, que para nós, mulheres negras, é
símbolo de resistência. Este símbolo de resistência tem muito valor atualmente, por esta força
que ela nos transmite” (Dona Darcy)63.
61
Darcy Vitória de Brito. Este depoimento foi retirado do livro de Coppete (2003, p. 81), mas a entrevista foi
originalmente realizada por Pe Vilson, por ocasião de sua pesquisa desenvolvida em 1998.
62
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
63
Darcy Vitória de Brito. Este depoimento foi retirado do livro de Coppete (2003, p. 81), mas a entrevista foi
originalmente realizada por Pe Vilson, por ocasião de sua pesquisa realizada em 1998.
64
Padre Vilson Groh, entrevista concedida à Marta Magda M. Machado (1999, p. 219).
47
Foto: Busto da Escrava Anastácia no interior da Igreja Nossa Senhora do Mont Serrat.
Fotografia: Rodrigo Cantos, em 14/08/2008.
Marta M. Machado (1999), parece concordar parcialmente com Vilson ao afirmar que
Neste sentido, enquanto que para alguns moradores a presença de elementos afro-
brasileiros pode representar uma ameaça à tradição católica, conforme nos descreve Dona
Darcy65 – “nessa parte afro elas [senhoras de mais idade] não gostam muito, elas acham que
nós estamos desrespeitando Cristo” – para outros “celebrar um mito africano é reconhecer a
religiosidade afro no Morro e uma forma de valorizá-la também. Ao mesmo tempo é uma
possibilidade de destacar a importância das mulheres negras, uma vez que este mito consiste
num exemplo de resistência, principalmente para as mulheres do Morro” (COPPETE, 2003, p.
81).
48
teclado) e vários cantores e cantoras. Neste processo, outros jovens da comunidade foram
convidados a participar como Luciano (baixo), Viviane (bateria), Sandro (percussão). A
convite destas jovens, ingressei também neste grupo, permanecendo até os dias atuais. Com
orientação do Padre, foi elaborado um projeto66 onde foi possível comprar alguns
instrumentos e equipamentos para dar início a esta proposta. Com isso, parte deste grupo –
dito deste modo, visto que atualmente está bastante modificado em relação à formação
inicial67 – veio a preencher o espaço antes ocupado por Maria Varella e Dona Darcy.
Além de novos personagens na cena musical da igreja, esse grupo buscou também
trazer uma sonoridade diferente para as músicas cantadas nas celebrações eucarísticas, tendo
como influência principal as canções do movimento de Renovação Carismática Católica
(RCC). Com isso, o repertório escolhido passou ser orientado pelas seguintes correntes,
também, organizadas de acordo com o grau de freqüência com que se destacam nas
celebrações: músicas do movimento RCC; músicas do movimento das CEBs; e, em menor
medida, músicas do catolicismo tradicional. As músicas afro-brasileiras, resgatadas por Dona
Darcy e Maria Varella, não tiveram boa receptividade neste conjunto musical. Assim, quando
se faz necessário cantar esse repertório, devido alguma data específica, como por exemplo, no
dia da consciência negra, recorre-se às duas senhoras para que se encarreguem das atividades
musicais.
66
Para mais detalhes ver: http://www.projetomusicaviva.galeon.com. Acessado em 21/10/2008.
67
Hoje participam do ministério de música Débora (canto), Priscila (canto), Joana (canto), Jéssica (canto),
Rodrigo (canto e teclado), Helbert (canto e violão).
49
plural, destacando o ‘nós’, o ‘nossos’. Neste sentido, ‘individualidade x coletividade’ e
‘espiritualidade x materialidade’ são uma das principais divergências entre esses movimentos.
Para os membros mais exaltados das CEBs, por exemplo, é inconcebível a atitude
deste novo conjunto musical em abandonar o repertório afro-brasileiro pesquisado e recolhido
pelo grupo anterior, visto que este representa a história e a cultura dos antepassados, a qual
deve ser preservada e recontada. Na mesma medida, um grupo musical gerado a partir de um
núcleo de uma CEB cantando músicas da RCC pode ser interpretado como paradoxo, sem
fundamento, pois para ambas as correntes teológicas o discurso musical deve carregar as
ideologias propostas pelo movimento, os quais que neste caso, apresentam poucas afinidades
em comum.
Nos dias atuais este conflito está mais assentado no Mont Serrat. A comunidade
acostumou-se com a sonoridade do novo grupo e os conflitos ideológicos estão sendo
incorporados de ambos os lados. A saber: o conjunto musical vem participando mais
ativamente dos movimentos regionais das CEBs, estando inclusive responsável em organizar
as atividades musicais do próximo Encontro Estadual das CEBs a ser realizado em 2011, com
um projeto de gravação de um CD contendo exclusivamente músicas deste movimento; as
lideranças religiosas passaram a ver com bons olhos a presença de músicas da RCC nas
celebrações, entendendo que se trata uma maneira de trazer mais animação para as
celebrações e uma forma de atrair mais fiéis para dentro da igreja. Pe Vilson, de forma
graciosa, costuma chamar este grupo musical de ‘carismáticos pés no chão’, o que, para ele,
representa pessoas que participam, gostam da animação e da energia gerada pelo movimento
carismático, mas que colocam o social em primeiro plano, sem abandonar, assim, os
fundamentos básicos das CEBs.
50
2.2.2 Umbanda
68
Para citar algumas: Almas e Angola (SC); Babaçuê (PA); Batuque (RS); Cabula (ES, MG, RJ, SC); Culto aos
Egungun (BA, RJ, SP); Culto de Ifá (BA, RJ, SP); Macumba (RJ); Omoloko (RJ, MG, SP); Quimbanda (RJ,
SP); Tambor-de-Mina (MA); Terecô (MA); Xambá (AL, PE); Xangô do Nordeste (PE). Além do Candomblé e
da Umbanda já mencionados.
69
Sobre o sincretismo na Umbanda ver: Tramonte (2001) e (2008).
70
A cultura indígena é representada especialmente através figura do ‘Caboclo’ e pelo uso de elementos da
natureza pra fins terapêuticos. O Caboclo é considerado uma das principais entidades. Embora a palavra
‘Caboclo’ signifique mestiço de branco com índio, para os umbandistas trata-se de indígenas que em épocas
remotas habitaram diversas partes do planeta. Esta figura representa força, vitalidade e juventude (BORGES,
2004).
71
A cultura africana permeia praticamente todo o ritual, mas se faz mais fortemente presente através da figura do
Preto Velho e dos Orixás. O culto aos antepassados é um dos elementos afros mais característicos na umbanda,
onde recorda-se o sofrimento daqueles que viveram no período da escravidão.
72
Partes do catolicismo (como a figura dos santos) e do espiritismo são os principais elementos da cultura
européia presente no ritual da Umbanda.
51
contribuições” (TRAMONTE, 2008), o que caracteriza esta manifestação como parte da
cultura afro-descendente, ou afro-brasileira.
[...] pode ser considerada um caso emblemático da constituição das religiões afro-
brasileiras na Grande Florianópolis. [...] “aproveitou-se” de suas sólidas bases de
apoio – entre estas, os políticos tradicionais – para fazer avançar e ampliar o espaço
da Umbanda e da cultura afro-brasileira em geral na Grande Florianópolis. [...] As
estratégias de Mãe Malvina, urdidas na trama do sincretismo e da ludicidade e
costuradas em sólidas e diversificadas bases sociais, resultaram no caminho
possível de enfrentamento do autoritarismo brasileiro à época [década de 50 e 60] e
trançaram o tecido social e político necessário para a expansão da rede das religiões
afro-brasileiras até a atualidade (TRAMONTE, 2004).
Após esse período, nas décadas seguintes, outros terreiros surgiram na comunidade do
Mont Serrat, entre eles o do Dijo75, da Dona Lídia, da Graça, do Hamilton, da Tânia, da Dona
Maria. Hoje apenas os três últimos estão funcionando, sendo o da Dona Maria ligado ao rito
de Almas e Angola.
73
Uma “síntese brasileira” conforme classifica Ortiz (apud TRAMONTE, 2008, p.3).
74
A informação de que o primeiro Terreiro fundado no Mont Serrat teria sido o de Dona Tuquinha foi revelada
pelo pai-de-santo Hamilton para mim em entrevista.
75
Dijo foi um dos mais importantes e respeitados chefes espirituais da comunidade, sendo inclusive reverenciado
em sambas-enredo da escola de samba: “[..] Linda Favela com é belo teu luar/ teu chão salpicado de estrelas
vem iluminar/ este sorriso de criança embala o sonho, a esperança e a fé/ que o Dijo traz para a avenida para
dar mais vida à vida e mostrar todo o axé [...]” (Samba-enredo, Copa Lord, 1989).
52
Foto: Parte interna da Tenda Espírita Pai Guiné de Aruanda, chefiada pelo pai-de-santo Hamilton (canto
direito), localizada no Pastinho (Mont Serrat). Fotografia: Rodrigo Cantos, em 08/09/2008.
53
por Tramonte, o conflito foi bem menos intenso na comunidade devido ao posicionamento
ideológico dos padres que por ali passaram. Orientado pela perspectiva da Teologia da
Libertação, Padre Vilson, há 26 anos na comunidade, intensificou o diálogo com os terreiros
da comunidade, participando até mesmo de algumas seções quando convidado. Para ele:
“O terreiro é um espaço de inclusão, ele inclui a criança, a vovó, o bebê de colo porque a
mãe está ali batucando, e o bebê já vai no embalo do batuque porque todo toque é importante
para o mundo negro. O tempo e o espaço do negro está muito ligado ao ritmo, ao corpo. (...)
É interessante quando a gente passa nas casas e não vê um banheiro decente, fazem suas
necessidades num canto, mas ao entrar no barraco vemos uma aparelhagem de som
novíssima. Agora, não compreender que a música para o negro é como comida, é não
compreender o seu tempo, seu espaço, o seu ritmo, e o terreiro me mostrou isso”
(Pe.Vilson)76.
“Antes diziam assim: ‘ – ah, o Padre Vilson chama a Tota pra ser serva do Senhor, mas ela é
uma macumbeira’. Eu disse pro Padre Vilson: ‘ – Ta todo mundo me chamando de
macumbeira’. [...] Agora estão mais acostumados, mas falaram muito no começo. Até
76
Padre Vilson Groh, , entrevista concedida a Camilo Araújo (2004, p. 125).
54
queriam que o Padre Vilson me tirasse [da função de ministra]. O Padre Vilson não falou
nada, mas eu soube. [...] Aí o Padre disse assim pra mim: ‘ – o Miltinho [pai Hamilton]
segue a [religião] dele e tu segue a tua’” (Dona Tota)77.
Embora o terreiro não seja de Dona Tota, mas de seu filho Hamilton – Tota sequer se
considera umbandista –, esta situação trouxe desconforto para alguns fiéis da comunidade.
Mesmo para Dona Tota, a orientação religiosa de seu filho foi bastante conturbadora no
começo. Segundo ela teria sido “uma facada no peito” ver seu filho “rodando na Umbanda”,
mas acabou por aceitar a situação pelo fato do Terreiro ter conseguido tirar seu filho do vício
e da enfermidade.
“Eu também no começo não queria, mas já que foi preciso, eu aceito. Quando ele [Hamilton]
quer ele vai na igreja” (Dona Tota)78.
Essa é apenas uma das situações conflituosas que foi possível aqui destacar, mas é
preciso ressaltar que a relação entre católicos e umbandistas ainda é bastante árdua,
especialmente por parte de católicos que insistem em relacionar a prática da Umbanda aos
rituais de magia negra, denominando-a pejorativamente como Macumba.
77
Natália Silva Barbosa (Dona Tota), entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h, no centro de Umbanda
localizado no terreno de sua casa no Mont Serrat.
78
Natália Silva Barbosa (Dona Tota), entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h, no centro de Umbanda
localizado no terreno de sua casa no Mont Serrat.
55
Ao analisar o caso de Florianópolis, Tramonte (2008) também ressalta que, em relação
à cultura dominante, nas religiões afro-brasileiras da cidade “a hierarquia de gênero está
invertida, valem dizer, os grupos geralmente excluídos na sociedade circundante – mulheres e
homossexuais – estão no topo da pirâmide, no que diz respeito à autoridade e legitimidade
religiosas” (op. cit).
Por essa razão, a liderança feminina e sua hegemonia nas religiões afro-brasileiras têm
sido tema de ampla discussão, não apenas em estudos específicos sobre religiosidade, mas
também em diversas áreas do conhecimento79. Uma das causas deste interesse deve-se ao fato
das implicações da atuação feminina transpassarem os limites do terreiro, produzindo intensas
transformações nos diversos elementos da cultura brasileira e, em especial, no campo das
relações de gênero (AMARAL, 2007; TRAMONTE, 2008).
Em épocas em que a exclusão das mulheres era agravada por sua origem étnica e de
classe, a mulher negra, pobre, pouco ou nada escolarizada, ainda mais excluída,
muitas vezes encontrou nos terreiros o espaço de afirmação de sua identidade como
mulher e como ser político, gestando ali, lentamente, a mudança cultural, afastando
aos poucos as marcas da escravidão e obtendo o reconhecimento social como
guardiã de uma significativa parcela de valores da cultura nacional. A antropóloga
Ruth Landes, em seu livro A Cidade das Mulheres, de 1932, observou que a mulher
negra exercia, inclusive, uma importante influência modernizadora na cultura
brasileira, já que por tradição herdada dos costumes africanos e por contingências da
escravidão e do período pós Abolição, eram economicamente ativas e
independentes. Eram mulheres que tomavam suas próprias decisões, o que lhes era
possível porque para viverem contavam com seu próprio trabalho, geralmente como
cozinheiras, lavadeiras, costureiras, amas-de-leite, amas-secas, vendedoras de
acarajé, quindins, canjica e outros quitutes, criadas, padeiras, quitandeiras etc. Esta
liberdade e independência ecoavam em sua autoridade no candomblé (e vice-versa),
oferecendo o contraponto matriarcal ao desabrido domínio dos homens em toda a
vida nacional e latina da época (AMARAL 2007).
79
Ver: Moura (1995); Velloso (1990); Jacob (2006); Tramonte (2004 e 2008); Amaral (2007).
56
“Antigamente era assim: o homem que trabalhava com orixá mulher, principalmente com
pomba gira, eles geralmente não poderiam colocar saia, vestir-se de saia rodadas, né. Mas
aos poucos isso foi quebrando. Nós tínhamos aqui o Dijo – mas já faleceu –, tinha uma época
que ele coloca a saia. Mas tinha muitos terreiros que não aceitavam. Ele [o Dijo] aceitavam
por que respeitavam ele. Mas muitos outros não eram aceitos. Hoje em dia não! Eu tenho
corrido muitos Centros [de Umbanda] e tenho visto muitos homens vestidos de mulher, com
roupa de pomba gira. Eu particularmente acho que não fica legal. Apesar do orixá ser
mulher, esse orixá sabe que ta na cabeça de um homem. Seja esse homem afeminado ou não,
mas ta na cabeça de um homem” (Dinho)80.
“O santo não tem sexo. Pode uma mulher trabalhar com Preto Velho um homem trabalhar
com Pomba Gira, com Iemanjá, não tem problema. Porque é ele [o santo] que escolhe a
gente, não é a gente que escolhe” (Hamilton)81.
“Tem mulheres que tocam também. Tocam atabaque, e tocam muito bem por sinal. Tem
também as que puxam o canto. Antigamente era função só de homem isso, mas agora não, a
mulher já começou a aprender, tomar gosto pelo atabaque e ta também tocando e cantando”
(Dinho)82.
80
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
81
José Hamilton Barbosa, entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h no seu centro de Umbanda,
localizado ao lado de sua casa no Mont Serrat.
82
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
57
“Aqui só homem. Mas tem terreiro que tem mulher que toca também. Basta querer, passar
pelo ritual. [...] O chefe [dos atabaques] ta comigo há oito anos, o nome dele é Jean Rafael
dos Santos. Aí depois é o Jê que ta comigo há uns quatro anos. Tem o Dê que ta uns dois
meses, e aí tem outro que às vezes vem às vezes não vem. Ele vem mais em dia de festa”
(Hamilton)83.
Para tocar os atabaques é preciso passar por um ritual de iniciação, visto que os
instrumentos são tidos como portadores das entidades. Assim como as imagens dos Orixás, os
instrumentos permanecem sempre dentro do terreiro. Quando não estão sendo utilizados
ficam cobertos com um pano branco e devem ser tratados com muito cuidado durante as
performances. É através do som dos atabaques e do canto que as entidades são invocadas,
cabendo aos instrumentistas e cantores a execução do repertório apropriado a cada divindade.
“Tem a música de abertura do centro. Depois, para cada orixá tem uma chamada,
uma música. Assim começa. Começa a parte branca, com o Caboclo, o Povo-de-luz. Iemanjá,
ou Nanã, ou Iansã. Às vezes tem o Ogum que também pode se manifestar. Todos orixás têm
um ponto específico pra eles. Aí as pessoas ficam aí, incorporam. Tem uns orixás que
conversam, outros não conversam” (Dinho)84.
Na Comunidade, cada terreiro realiza semanalmente seu ritual, sempre durante a noite.
Segunda é o dia do Almiton, sábado acontece na Tânia e sexta na Maria. Alguns umbandistas
são assíduos apenas a seu terreiro, mas é muito comum que as pessoas da comunidade
transitem entre os três, freqüentando também terreiros de fora da comunidade. De modo geral,
as festas constituem-se no principal motivo para o povo-de-santo transitar pelos terreiros, por
isso, estas se apresentam como um importante espaço de sociabilidade e troca de
conhecimento, conforme descreve Amaral (apud TRAMONTE, 2004):
83
José Hamilton Barbosa, entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h no seu centro de Umbanda,
localizado ao lado de sua casa no Mont Serrat.
84
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
85
Os principais dias festivos celebrados nos terreiros de Umbanda da comunidade são: 20 de janeiro (São
Sebastião ou Oxosse); 23 de abril (São Jorge ou Ogum); 13 de maio (Preto Velho e libertação dos escravos); 13
58
possam comparecer em todos os terreiros. Por exemplo, se a data festiva cair num sábado, um
terreiro celebra na sexta, outro no sábado e o outro na quinta, ou até mesmo na semana
seguinte. Estes dias são amplamente divulgados entre os umbandistas, de modo que, nestas
ocasiões, pessoas de diversas localidades procuram estes centros. De acordo com Tramonte
(2004), em Florianópolis “as festas são inúmeras e praticamente semanais, pois os terreiros
revezam-se continuamente no oferecimento de ocasiões festivas e comparecimento assíduo
quando estas ocorrem, gerando um fluxo intenso que faz com que o povo-de-santo esteja
constantemente comemorando” (op. cit.). No terreiro do Hamilton é nos dias festivos que há
maior movimentação, conforme nos revela:
“Só vêm mais pessoas quando é dia de festa, aí enche. Mas nos dias comum só eu que
trabalho mesmo. Vez ou outra vêm algumas pessoas, mas geralmente só eu trabalho. Dia de
festa eles vêm para o meu terreiro, às vezes eu vou no deles também” (Hamilton)86.
“Quem conversa muito também é o povo de esquerda que eles chamam, Exu, Pomba- Gira.
Esses conversam muito, fumam, bebe muito. É uma festa! É a parte onde o povo participa,
come, bebe, na realidade é a parte que o povo mais gosta. São as entidades que gostam de
festa, né. Então o povo adora!” (Dinho)87.
Para Tramonte (2004), as festas das religiões afro-brasileiras têm sido tratadas com
pouca importância pelos estudos acadêmicos:
de junho (Exum); 24 de junho (São João Batista ou Xangô); 29 de junho (São Pedro ou Xangô); 13 de agosto
(Pomba-Gira); 27 de setembro (São Cosme e Damião).
86
José Hamilton Barbosa, entrevista concedida a mim em 08/09/2008 às 16h no seu centro de Umbanda,
localizado ao lado de sua casa no Mont Serrat.
87
Juscelino Barbosa (Dinho), entrevista concedida a mim em 01/09/2008 às 20h, na residência de Seu Teco no
Mont Serrat.
59
2.2.3 O Samba
88
Termo empregado pelo autor para definir o estilo de pagode dos anos 90 (pagode romântico), o qual tem como
principais precursores os grupos Raça Negra, Só pra Contrariar, Negritude Jr, diferenciando-se, assim,.do pagode
dos anos 80 praticados pelos freqüentadores do Cacique de Ramos, representados por figuras como Zeca
Pagodinho, Beth Carvalho, Grupo Fundo de Quintal.
60
Escola Copa Lord; Camilo Araújo (2005 e 2006), que investigou as relações de poder entre
igreja e escola de samba na comunidade do Mont Serrat; Marco A. Silva (2003) que traz um
panorama sobre a participação da parcela homossexual da população no carnaval
florianopolitano; Marcelo da Silva (2000), que investiga o samba nas camadas populares no
período de 1920 à 1950; Eduardo da Silva (2005) que destaca as relações de poder na
organização do carnaval local; e Renato S. Bueno (2008) que analisa a articulação das escolas
de samba com o poder público no processo de construção da passarela de samba da cidade.
Fora do meio acadêmico, em 2001, Clodosweley Bernard, conhecido como Mickey, sambista
carioca que veio a residir em Florianópolis, lançou um dicionário das escolas de samba onde
inclui informações sobre o samba da cidade. Seguido, posteriormente por Abelardo H.
Blumenberg (2005), popularmente conhecido como Avez-Vous, o qual publicou um livro
sobre suas memórias como sambista e fundador da escola de samba Embaixada Copa Lord.
Neste período, surge o documentário Ali na esquina, trazendo significativas reflexões sobre o
universo do samba da capital catarinense, tendo como recorte os anos de 2000 a 2005.
Contudo, apesar do recente interesse em investigar essa manifestação cultural, as bases para
uma reflexão mais consistente sobre o samba da ilha de Santa Catarina ainda estão em
formação. Se poucos registros existem sobre a história e o desenvolvimento do samba na
cidade, que dirá sobre a atuação das mulheres neste segmento.
89
A designação do “Morro do Mocotó” como “Morro do Governo” em épocas passadas, revelada por Seu Teco
em entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no Mont Serrat.
61
estimular esta prática na cidade. Situação ligeiramente diferente do que ocorre, por exemplo,
no Rio de Janeiro, onde há práticas bastante independentes, com intenção inclusive de se
diferenciar ao máximo dos paradigmas propostos por estas agremiações, conforme revela
Roberto M. Moura (2004) em seu estudo sobre o samba carioca.
Na comunidade do Mont Serrat, a escola de samba Embaixada Copa Lord, desde sua
fundação em 1955, tem sido o centro de referência para os moradores que participam de
alguma forma do ‘mundo do samba’90. Segundo o livreto Memórias há indícios de que uma
escola de samba mais antiga teria sido fundada anos antes no Pastinho, região anexa ao Mont
Serrat. Este livreto não especifica no nome da escola e nem a data em questão, sugerindo
apenas que o fato teria ocorrido antes da fundação da Embaixada Copa lord.
De acordo com recente levantamento bibliográfico feito por Áurea D. Silva (2006), há
registros de que a primeira escola de samba criada na cidade teria sido a Narciso e Dião em
1947 e esta “teve como local de saída o Morro da Caixa”, atual Mont Serrat (op. cit, p. 66)91.
A autora ressalta que este dado é relativamente recente, pois durante décadas atribuiu-se à
Protegidos da Princesa o mérito de ser a primeira escola fundada na cidade. Avez-Vous,
morador da comunidade e um dos fundadores da Copa Lord nos deixa algumas pistas sobre
esta antiga escola:
90
Tramonte (1996) define ao menos três espaços centrais que formam o mundo do samba da ilha: (1) os pontos
de encontro ocasionais, como os bares, o mercado público, festas, programas de rádio e televisão; (2) as rodas de
samba e concursos, geralmente organizados pelos sambistas ou pelas escolas de samba, o quais se intensificam
no período que antecede o carnaval. (3) As associações e escolas de samba, que se apresentam como um dos
motores principais de todo este movimento. A autora ainda coloca que para ser considerado um integrante deste
universo é preciso “gostar de samba, freqüentar os espaços tradicionais onde o samba acontece, freqüentar os
eventos promovidos por seus integrantes, respeitar o código de ética e moral elaborado pela convivência interna
e ter certo tempo cronológico de freqüência nos ambientes e eventos” (op. cit, p. 212).
91
A autora remete esta informação ao trabalho de Eduardo da Silva, o qual não tivemos acesso para esta
pesquisa, mas destacamos aqui sua referência a fim de facilitar sua localização: SILVA, Eduardo da. Para além
de momo: relações de força nos bastidores do carnaval florianopolitano. Dissertação (Mestrado) História Social.
UFRJ, 2005.
62
alas, nem pastoras. Os instrumentos eram de percussão e de sopro. Sobressaíam os sopros,
constituídos pelos melhores músicos aqui da Ilha. O grupo juntava a Orquestra do [Clube]
Doze de Agosto e alguns componentes do Lira [Tênis Clube]” (Avez-Vous)92.
Essas agremiações mais antigas, com a Escola do Pastinho e a Escola Narciso e Dião
não constam na historiografia de alguns autores por não considerá-las como escolas de samba,
mas sim como blocos carnavalescos devido a suas pequenas dimensões.
“A escola de samba é uma necessidade para a comunidade, que fala de carnaval o ano
inteiro, diferente do resto da sociedade que só se interessa pelo momento do carnaval. Se não
houver desfile de escola de samba, dá um vazio na comunidade, as pessoas ficam doentes,
muita tristeza. O carnaval é a alimentação da comunidade. O pessoal do morro desce para a
praça, para os ensaios, é vida” (Dica)93.
“É muito mais cultural. Uma grande parte da comunidade quer expressar sua cultura. Você
precisa ver a transformação da comunidade dois, três meses antes do carnaval, tem mais
disposição, nem parece que tem tantos problemas [...] A Copa Lord é a alma da comunidade,
é um pedaço dela” (Cacá)94.
92
Abelardo Henrique Blumenberg (Avez-Vous), entrevista concedida ao jornal ANotícia em 02 março 2003 e
publicada no seguinte endereço: http://www1.an.com.br/2003/mar/02/1ger.htm.
93
Eronildo Crispim de Souza (Dica), entrevista concedida a Cristiana Tramonte (1996, p. 219).
94
Carlos Alberto (Cacá), entrevista concedida a Cristiana Tramonte (1996, p. 219-220).
63
e no trabalho de A. Silva sobre a Embaixada Copa Lord. Segundo Tramonte (1996, p. 217)
“viver em comunidade é o elemento-chave do universo simbólico dos componentes das
escolas de samba de Florianópolis”. Como exemplo da necessidade de vinculação das escolas
de samba às comunidades periféricas e de origem negra, a autora faz referência à Escola
Consulado do Samba, a qual teria uma origem diferenciada e precisou adaptar-se para ser
mais reconhecida dentro do universo do samba:
Foto: Sede Social da Embaixada Copa Lord. Ensaio aberto da Bateria Mirim.
Fotografia: Rodrigo Cantos, em maio 2006.
95
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
65
Dona Uda descreve como que a construção da Sede Social – idéia de seu marido e
vizinhos – surgiu a partir da necessidade de suprir as necessidades da escola enquanto
instituição e da comunidade enquanto localidade carente de espaços para o lazer e
sociabilidade.
“Isso aí tem uma história, o Armando ele imaginava assim: terminava a escola de samba,
terminava o carnaval, desapareciam todos. [...] Quando terminava o carnaval saia todo
mundo e ficavam as dívidas. E não tinha como ter uma renda pra suprir as dívidas que
ficavam do carnaval. Eu, como esposa dele, só ficava escutando, porque não sabia o que
fazer. Às vezes o Ito e seu Nelinho vinham pra cá.... O Ito sempre dizia assim: ‘ – Ah
Armando, como eu gostaria de poder ganhar mais pra poder te ajudar a suprir o que ficou,
mas eu não posso’. O Nelinho vinha pra cá e dizia: ‘ – Presidente, vamos botar nosso terno,
nossa gravata e vamos sair por aí. Vamos pedir!’. Saíam os dois tristes, mas quando
voltavam já voltavam sorrindo. [...] Até que um dia veio a idéia de fundar um clube social.
Eles diziam: ‘ – Onde vão se divertir os filhos daqueles que machucam as mãos, cansam pra
botar um carnaval na rua?’. Por que o nosso pessoal daqui, os nossos jovens, eles não
tinham onde se divertir. Eles iam dançar ali no clube oito, no estreito, ou no 25, lá no morro
Chapecó. Então terminou o Carnaval acaba tudo pra eles” (Dona Uda)96.
96
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
66
Em entrevista para esta autora, Elizângela Aranha, madrinha da Bateria da Escola,
expõe o sentido que a palavra comunidade tem para si no contexto da Embaixada Copa Lord.
“Para mim a comunidade mesmo é as pessoas que estão ali participando. Tem gente que
mora do lado da comunidade, e que não se dedicam tanto quanto pessoas que moram ali do
outro lado da ponte” (Elizângela Aranha)97.
97
Elizângela Aranha, entrevista concedida à Camila Azevedo dos Reis (2007, p. 31).
67
integrantes da escola canta juntamente com os puxadores e se o público presente é envolvido
pela energia da escola. Ao observar os preparativos para o carnaval de 2002, Silva percebe
que
A principal atividade dos ensaios da Copa Lord era o aprendizado do samba enredo.
Porém, não eram somente os batuqueiros, mas todos os integrantes da escola
estavam empenhados em aprender a músicas. Os organizadores da escola
distribuíam a letra do samba para os presentes, a fim de facilitar a memorização da
música (SILVA, A., 2002, p. 59).
A importância da bateria também pode ser percebida na fala daqueles que dela
participam:
“De todas as alas [...] eu acho que a bateria é o melhor da escola, porque tu vem nos
ensaios, tua acaba te envolvendo com as outras pessoas, na verdade, tu fica bem
familiarizado, tu faz mais amigos, é uma coisa mais do tipo assim, tipo família mesmo, tu te
enturma, né, faz amizade com todo mundo, não é aquela coisa de te ver ali no dia do desfile, e
deu acabou. [...] Eu acho que a melhor parte da escola é a bateria” (Beatriz)98.
A Bateria Mirim foi uma iniciativa recente da Copa Lord, iniciada por volta de 2004.
É formada exclusivamente por crianças de sete a treze anos99, tendo aproximadamente 30
componentes ao todo, sendo praticamente todos moradores da comunidade do Mont Serrat.
Para fazer parte deste grupo, a criança tem de estar estudando e com rendimentos escolares
satisfatórios, processo que é acompanhado de perto pela educadora Uda Gonzaga. Das quatro
observações que pudemos fazer dos ensaios da Bateria Mirim em meados de 2006,
percebemos uma escassa presença de meninas, geralmente duas ou três em um grupo de mais
de 20 integrantes. Assim como a Bateria Show, a Bateria Mirim também tem realizado
98
Beatriz, entrevista concedida à Áurea Demaria Silva (2002, p. 59).
99
Treze anos é a idade mínima necessária para ingressar na Bateria Geral da Copa Lord, por isso, a Bateria
Mirim oferece vagas apenas para crianças que ainda não atingiram esta idade.
68
diversas apresentações. Contudo, os espaços escolhidos para a performance deste grupo são
ligeiramente diferentes, geralmente em escolas, centros culturais, ONGs, Museus, Teatros.
Além das baterias, a Copa Lord também conta com a musicalidade da Velha Guarda, a
qual recentemente, por volta de 2004, passou a organizar uma equipe chamada “Velha Guarda
Show”. Esse conjunto é constituído por senhoras e senhores de idade mais avançada os quais
cantam antigos sambas, geralmente acompanhados pelos instrumentistas do grupo de samba
de raiz Um Bom Partido. Segundo informações dispostas na página da Internet da Copa
Lord100, atualmente está sendo desenvolvida uma equipe de percussão com integrantes da
própria velha-guarda, com o Coca no tamborim, Osmarino (dom Pedro) no Balde Show,
Lidinho no reco-reco , Vidomar no chocalho, Ari no Agogô. O grupo canta todos os sambas
enredos da escola desde o primeiro samba enredo de 1956 “Vem Forasteiro”, composição de
Avez-Vous, até os sambas enredos atuais da escola. Assim como a Bateria Show, a Velha
Guarda Show faz apresentações em diversos eventos promovidos pela escola, além terem
feito participações especiais no palco de sambistas famosos que passaram pela cidade, como
Elizah, Elza Soares, Guilherme de Brito, Monarco da Portela, para citar alguns.
Foto: apresentação da Velha Guarda da Copa Lord no dia comemorativo de 25 anos da presença
do Padre Vilson na comunidade do Mont Serrat. Fotografia: Rodrigo Cantos, em 06/12/2006.
Os ensaios da Bateria Geral são sempre abertos ao público e em locais públicos, por
isso, de todos os grupos musicais promovidos pela Escola citados até então, com este houve
um maior acompanhamento nesta pesquisa, sendo possível assistir semanalmente seus ensaios
100
http://www.copalord.com.br/velhaguarda.htm Acesso em: 27/10/2008.
69
e realizar entrevistas com alguns de seus participantes. Assim, a seguir faremos algumas
observações a respeito da participação de homens e mulheres neste grupo, tendo como recorte
o período de ensaios para o carnaval de 2008.
Neste período, foi possível observar a atuação das mulheres nas atividades musicais
nos seguintes espaços: como cantoras (pastoras) e como ritmistas. Neste último, com uma
predominante concentração entorno do naipe dos chocalhos. Outras funções como,
compositor, cavaquinista, violonista, intérprete101, mestre e contra-mestres de bateria, foram
compostas exclusivamente por homens. Como ritmistas, apenas duas mulheres atuaram fora
do naipe dos chocalhos, uma no tamborim e outra no repenique.
Embora sem uma deliberada intenção, o naipe dos chocalhos tem se tornado um
espaço centralizador para as mulheres que desejam participar da bateria desta escola, sendo
considerado, atualmente, praticamente uma ala feminina, conforme relata Karla, coordenadora
deste naipe.
“Só um ou outro [homem] que procura. Eles já sabem que o chocalho as mulheres
sempre procuram, então eles deixam de lado. Esse ano só tem dois, ano passado tinha
três, cada ano que passa vai diminuindo. [...] Eles vêem que só tem mulher, ficam
meio assim...[desconfiados?]. Já virou a ala feminina” (Karla).102
A presença de alas femininas nas baterias das escolas de Samba de Florianópolis foi
constatada no carnaval da década de 60 por Cristiana Tramonte (1996). Segundo a autora, a
escola Protegidos da Princesa teria desfilado em 1960 com uma “ala feminina de Bateria –
com sete ‘inimitáveis ritmistas’” e 15 pastoras (op. cit, p. 99). Para a autora
a presença de uma ala de bateria feminina é um dado inédito para uma realidade
que até há poucos anos não permitia a entrada de mulheres nem para desfilar na
escola de samba [...]. Entretanto, esta prática de incluir mulheres na bateria não teve
grande continuidade. Ainda hoje, 1995, é minoritária a participação de mulheres
nas baterias em Florianópolis e mesmo no Rio de Janeiro (op. cit, p. 102).
Outros pesquisadores como Luciana Prass (2004) e Paulo C. de Oliveira Neto (2004)
também têm observado em outras escolas do país uma concentração feminina nos chocalhos.
É um indicativo que este movimento está se tornando uma tendência na cultura das escolas de
samba.
101
Embora no meio musical termo ‘intérprete’ seja empregado para contrapor o músico que executa daquele que
compõe, na escola de samba ‘intérpretes’ são os cantores que fazem a voz principal do samba-enredo. As
pastoras, embora sejam também cantoras, não são destacadas como intérpretes do samba.
102
Karla Terezinha, entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h30min, no Miramar (centro), local de
ensaio da Bateria Geral da escola. Karla há oito anos é ritmista da escola, sempre nos chocalhos. Nos dois
últimos anos assumiu a função de coordenadora deste naipe.
70
Apesar da ala de chocalhos da Bateria Geral da Copa Lord ter contado com a presença
de dois homens, percebemos que havia um certo desconforto por parte deles. Um se recusava
a permanecer junto ao grupo, freqüentemente abandonava seu posto para andar entre os
demais ritmistas e, quanto retornava, permanecia de costas para o seu naipe103. O outro rapaz
justificou sua presença no chocalho ao fato de ser membro da bateria show da escola104.
“Pensei chocalho... coisa de mulher... eu sou mulher, eu pensei! Porque que eu não to no
chocalho, né? Mas chocalho não é uma coisa que me diverte [...] não é aquela coisa toda, é
legal, até um dia eu podia sair, mas minha paixão mesmo é o tamborim” (Luize)105.
“É natural mesmo, elas já vão direto. Eu acho mais fácil. O chocalho é importante na
bateria, é claro, mas não é tão importante como os outros instrumentos. Ele é o mais fácil de
fazer” (Sandra)106.
“Eu acho que elas acham que é mais fácil de tocar” (Karla)107.
103
À parte deste senhor, nenhum outro ritmista da escola saía da sua posição. Ele também trazia seu próprio
instrumento que, por sinal, não tinha as mesmas características físicas daqueles usados pelas demais integrantes
do naipe. Ao que parece, se trata de um ícone da escola, ou seja, um senhor que há muito tempo desfila nesta
posição e já tem seu lugar reservado todos os anos.
104
Em conversa informal, perguntei sobre sua presença nos chocalhos, sua reposta: “É, mas eu sou da bateria
show”.
105
Luize Caroline dos Santos, há um ano é ritmista da ala dos tamborins. Entrevista concedida a mim em
29/01/2008 às 21h30min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.
106
Sandra Regina de Jesus. Há sete anos ritmista da escola, sempre nos chocalhos. Entrevista concedida a mim
em 28/01/2008 às 20h30min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.
107
Karla Terezinha, entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h30min, no Miramar (centro), local de
ensaio da Bateria Geral da escola.
71
Foto: ensaio da Bateria Geral no Terminal Cidade de Florianópolis. Close na ala dos chocalhos.
Fotografia: Rodrigo Cantos, em 29/01/2008.
Além da suposta facilidade, questões como força física e resistência também aparecem
como elementos decisivos no processo de escolha de um instrumento.
“Tem mulher que toca surdo, mas só quem tem força mesmo, eu acho que surdo é pra
homem. Tamborim e chocalho já combina mais [com mulher]. Querendo ou não o homem
tem mais força, então o surdo já é um instrumento pensado [para homem], a mulher não tem
condições... Tem mulher que consegue, mas eu, por exemplo, não ia conseguir sair na
avenida tocando surdo”(Eloísa)108.
Por outro lado, a “força” a que se refere pode estar mais embutida no âmbito cultural
do que físico propriamente dito. “Diversos instrumentistas, não apenas bateristas, observam
que, para tocar um instrumento, é necessário o aproveitamento do movimento do peso do
corpo, e não ‘força’ propriamente dita” (JACQUES, 2007, p. 98). Em contrapartida, em suas
falas também percebemos que o chocalho não se trata exatamente de um instrumento que
exige pouca resistência física.
“No começo dói muito os braços. Tu toca um tempo e depois leva um ano pra tocar de novo.
Aí quando retoma fica uns três dias doendo o braço. Mas depois que esquenta o corpo pára
de doer. Mas cansa bastante, a gente sai daqui com o braço bem doído” (Sandra)109.
108
Eloísa Costa Gonzaga. Há seis anos pastora da escola. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às
22h00min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.
109
Sandra Regina de Jesus. Há sete anos ritmista da escola, sempre nos chocalhos. Entrevista concedida a mim
em 28/01/2008 às 20h30min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.
72
O chocalho utilizado pelas escolas de samba consiste em um instrumento de grande
dimensão, três a quatro vezes maior que um tamborim, pesando em média de um quilo a um
quilo e meio. Para executá-lo deve ser sustentado numa região próxima altura do pescoço,
exigindo para isso firmeza e controle de mãos e braços. Somando a isso várias horas
consecutivas de ensaios, numa altíssima intensidade sonora, dia trás dia, não é de causar
estranheza o cansaço percebido ao final de cada jornada.
“Tem gente que olha meio de lado... mulher cantando... por que é um pouco raro aqui
em Florianópolis mulher cantando [em escola de samba]. [...] Por enquanto é só na Copa
Lord que tem, a Protegidos parece que ta botando também. Estamos conquistando nosso
espaço dentro do universo masculino” (Daniela)110.
“Na parte das músicas a gente não canta o samba inteiro, a gente entra só de vez em quando,
pra dar o brilho na música. Mas às vezes eu acho que eles acham que a gente não é capaz de
cantar um samba inteiro na avenida pra ajudar. Eles dizem que nossa voz não tem peso igual
à de um homem. [...] Eles não querem quebrar essa [tradição?]” (Daniela)111.
110
Daniela M. dos Santos. Há seis anos pastora da Embaixada Copa Lord e vocalista do grupo Os Novos
Bambas. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h45min, no Miramar (centro), local de ensaio da
Bateria Geral da escola.
111
Daniela M. dos Santos. Há seis anos pastora da Embaixada Copa Lord e vocalista do grupo Os Novos
Bambas. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h45min, no Miramar (centro), local de ensaio da
Bateria Geral da escola.
73
“Falam que a mulher tem voz aguda, não pode puxar samba-enredo, que é homem que tem
que puxar. A gente não canta todas as partes do samba-enredo. Eles acham que a gente não
tem voz pra isso” (Eloísa)112.
“Na escola de samba eu notei que se a mulher for tudo bem, se não for tanto faz. Não tem
tanta importância. O importante é o puxador... a gente sabe da importância do puxador, mas
a gente sabe do brilho que a mulher dá quando ta do lado dele. Acho que é o conjunto”
(Jandira).113
Na disposição dos ensaios, pudemos notar que as pastoras sempre ficavam atrás dos
puxadores, há dois ou três metros de distância, formando um grupo à parte. Se alguma delas
não pudesse ir, nenhuma comparecia ao ensaio e, quando isto ocorria, o mesmo parecia seguir
normalmente.
112
Eloísa Costa Gonzaga. Há seis anos pastora da escola. Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às
22h00min, no Miramar (centro), local de ensaio da Bateria Geral da escola.
113
Jandira Souza, vocalista, percussionista e compositora do grupo Um Bom Partido. Atuou como pastora da
Embaixada Copa Lord em anos anteriores. Entrevista concedida a mim em 22/06/2008 às 19h, no Bar Kanttum,
na cabeceira da ponte Hercílio Luz, no continente.
74
com a participação feminina ao longo da história da música ocidental, onde as mulheres há
décadas conquistaram reconhecimento e prestígio como cantoras, enquanto que como
instrumentistas (e mais ainda como percussionistas) o processo foi mais lento, gerando
polêmicas até os dias atuais, conforme pudemos constatar em estudo desenvolvido
anteriormente (ver: Gomes e Mello, 2008a). No carnaval deste ano, Fernanda da Silveira foi a
cavaquinista oficial da Escola de Samba Protegidos da Princesa, uma função também pouco
comum entre as mulheres.
Apesar da presença feminina ainda ser minoritária nas atividades musicais da Copa
Lord, percebemos que as mulheres exercem um papel fundamental na estrutura social desta
instituição. Dona Uda é um exemplo dessas mulheres que nos momentos mais difíceis
assumem as maiores responsabilidades. Referimo-nos, neste caso, à sua gestão como
presidente nos anos de 1983 e 1984, um dos momentos mais sensíveis para a escola, conforme
nos relata:
“Quando tinha reunião, eu olhava aquela mesa repleta de homens, e nenhum quis assumir.
Será porque? [...] Tava um ano difícil. Foi um ano que os conselheiros deixaram a escola,
uns por motivo de doença, outros por motivo de força maior. Não quiseram mais, saíram e
foram embora. Aí diziam: ‘ – o Copa Lord vai acabar, vai acabar!’. Aí vieram aqui pra me
dizer: ‘ – Uda, não queres assumir?’. Se eu nem participava quando meu marido era vivo, só
participava uma vez ou outra porque eu era muito envergonhada. Mas diziam: ‘ – Uda,
ninguém quer, se você não aceitar...’. Isso foi no ano de 83. Aí fiquei, tiramos em 4º lugar.
Depois assumi outra vez em 84, foi aonde muita gente da ELETROSUL veio nos ajudar, aí
botamos um carnaval lindo, maravilhoso” (Dona Uda)114.
Por outro lado, após a recuperação da escola, sua presença na presidência passou a ser
contestada.
“No início, quando tinha aquela preocupação de não ter verba, não tinha isso, não tinha
como começar... aí todos deram as mãos. Depois, quando o Copa Lord começou a avançar,
quando a gente começou a fazer bailes para ajudar, aí os homens se sentiram meio coagidos,
assim: ‘- ah, nós sermos dirigidos por uma mulher’. Depois de estar avançando começaram
‘– ah, nos sermos dirigidos por uma mulher, com tanto homem’. Eu disse: ‘– olha, eu só
assumi porque vocês não quiseram. Olha, vamos fazer uma eleição, se alguém quiser assumir
não tem problema não’. Acima de tudo, acima do poder, eu sou Copa Lord de coração.
Aprendi isso com meu marido. Aí pronto, em 1987 assumiu o Dejair e daí pra frente... Mas eu
me senti muito importante. Dei jeito! Me senti muito importante naquele período, porque se
eu não tivesse assumido o Copa Lord hoje não seria o que é, não estaria no estágio que está.
114
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
75
Porque eles tinham abandonado e eu assumi com muito carinho. Graças ao esforço dos
outros diretores também a gente colocou o Copa Lord no seu devido lugar” (Dona Uda)115.
Até hoje, Dona Uda foi a única mulher a assumir a presidência da Copa Lord e a
primeira mulher a presidir uma escola de Samba de Florianópolis116. Hoje, ela é considerada
a Matriarca da escola e a principal liderança feminina, não só dentro da agremiação, mas
também para a comunidade do Mont Serrat, conforme constataram também Silva A. (2006) e
Reis (2007). Esse posto teria sido ocupado no passado por Mariazinha (Maria Lúcia do
Santos), tida como “o símbolo da Copa Lord, cheia de graça, cheia de raça” conforme conta
Avez-Vous, fundador da escola, ao escrever em seu livro uma pequena biografia sobre esta
personagem (BLUMENBERG, 2005, p. 105). Segundo Reis (2007), Mariazinha era
“considerada a Rainha das baianas de Florianópolis, [...] era a coordenadora da ala das
baianas antes de Uda, e pesava 120 quilos. Para Uda, ela representava a típica baiana, pois
andava sempre de turbante, saias compridas e tinha a ‘mão cheia’ para a cozinha, ‘ela cozinha
para a sociedade’” (op. cit, p. 46). Em 1995, ano comemorativo dos 40 anos de existência da
Copa Lord, a escola homenageou Mariazinha com o samba-enredo ‘Uma festa pra Festeira’,
onde, em certos momentos da letra, Mariazinha e Copa Lord fundem-se em um único
personagem: “Lá vem ela/ Linda e maravilhosa/ Sambar com ela é estar num mar de rosas./
Os teus tamborins ecoam pelo infinito/ Embalando os deuses neste sonho tão bonito (bis)/
Baiana, roda com axé/ Sacode e explode, que a galera diz no pé (bis)/ Ai, saudade! Me leva,
me conduz/ Vou viajar entre as estrelas num rancho de luz/ Reviver seus antigos carnavais/
Embalado na magia dos banquetes da Maria/ Hoje eu quero é mais/ Nesta doce loucura
vamos brindar/ Hoje a festa é sua, até a lua veio te abraçar/ O Nego Quirido balançou/ Neste
balanço, me leva que eu vou (bis)” (Copa Lord, samba-enredo, 1995).
115
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
116
Segundo Tramonte (1996), Dona Iraci Goulart “foi a primeira mulher a ser Presidente de Escola de Samba em
Florianópolis na direção da Escola de Samba Consulado” (op. cit, p. 141). Contudo, a autora não especifica a
data exata, sugerindo apenas a década de 1990 como o período de maior projeção pública desta mulher. Uda
Gonzaga foi presidente da Copa Lord nos anos de 1983 e 1984, ao parecer, anos antes de Dona Iraci.
76
2.3 RECENTICIDADES: renovações ou variações sobre o mesmo tema?
2.3.1 Pagode
Nas últimas décadas, muitas das discussões sobre o samba e música popular brasileira
no meio acadêmico e nos meios de comunicação tem circundado a polarização de temas como
“cultura popular x cultura de massa”, “expressão comunitária x atividade comercial”, “cultura
negra x embranquecimento”, “tradição x espetáculo”, “autenticidade x modernidade”,
“qualidade x quantidade”. Essas discussões tendem a se agravar na medida em que a produção
musical vai se tornando mais acessível às classes populares, especialmente, com o advento
das revoluções tecnológicas. No universo do samba, o surgimento do pagode ou “pagode
romântico”117, no início da década de 1990 desencadeou uma série destes questionamentos
citados anteriormente devido “a intenção explícita de seus protagonistas de misturar a prática
tradicional do samba com elementos da estética pop” (TROTTA, 2007). Esta discussão teve
grande repercussão tendo em vista a profunda identificação do samba com a própria
identidade nacional, gênero musical considerado como um dos principais representante da
‘autêntica’ música brasileira.
Contudo, apesar do recente interesse em discutir estes temas, estas questões fazem
parte do universo do samba desde seus tempos mais remotos. Sandroni (2001), em seu estudo
sobre as transformações do samba carioca nos anos de 1917 a 1937, revela como que a
passagem do samba de sua forma folclórica para uma sua forma popular gerou incômodos
117
Conforme Trotta (2007) e Lima (2002), podemos dizer que o samba atualmente se divide em duas correntes
principais: aqueles se identificam como “de raiz” e os que se associam ao pagode ou “pagode romântico”. O
termo ‘samba de raiz’ costuma ser usado para identificar o trabalho de sambistas tradicionais, que aceitam em
menor medida a influência da indústria fonográfica. Sua sonoridade remete desde ao estilo do Estácio (anos 30 e
40) até o estilo desenvolvido no Cacique de Ramos por volta dos anos 80. Na literatura há diversas designações,
como: Neopagode (Moura, 2004), samba moderno (Pereira, 2007), pagode (Diniz, 2006), pagode de raiz ou
pagode ‘original’ (Trotta, 2007; Lima, L., 2002). Embora tidos como ‘de raiz’, tocam também músicas bastante
atuais. Já o termo ‘pagode’ costuma ser associado aos grupos menos conservadores, mais comerciais, abertos ao
gosto das grandes mídias. Suas sonoridades remetem ao estilo desenvolvido nos anos 90 por grupos como Raça
Negra, Negritude Jr. Na literatura, os termos mais comuns associados a este estilo são: pagode romântico (Trotta,
2007; Pereira, 2007; Lima, L., 2002), pagode comercial (Diniz, 2006), pagode paulista (Pereira, 2007), pagode
brega. Em realidade, o termo ‘pagode’ acabou sendo alvo de disputa entre esses dois segmentos. Mas, com o
passar do tempo, muitos sambistas tradicionais preferiram abandoná-lo e adotar o termo “samba de raiz” como
forma de se diferenciar do pagode romântico.
77
entre os sambistas, os quais inclinavam em não reconhecer a nova variante como parte do
universo do samba. O autor classifica o samba folclórico, como
o tipo mais antigo [...] associado à Tia Ciata e aos compositores que freqüentavam
sua casa, como Donga, João da Baiana, Sinhô, Caninha, Pixinguinha. [...] o tipo
mais recente [popular], é associado a um bairro do Rio de Janeiro – chamado
Estácio de Sá [...] – e aos compositores que ali viviam ou circulavam: Ismael Silva
[...], Nilton Bastos [...], Bide [...], Brancura [...] e outros (op. cit, p. 131).
Sandroni (2001) cita um trecho de uma entrevista com Donga e Ismael Silva no qual
os compositores são questionados sobre o que é samba. “Donga respondeu com o exemplo de
‘Pelo Telefone’ e Ismael discordou: ‘ – Isso é maxixe’. Para ele, samba de verdade era ‘Se
você jurar’ (composto por ele e Nilton Bastos em 1931). Mas Donga também discordou: ‘ –
Isso não é samba, é marcha” (op. cit, p. 132).
Do mesmo modo, Moura (2004) descreve como que uma nova variante do samba, o
pagode do Cacique de Ramos, surgido nos anos 1980, foi no início objeto de desconfiança e
discriminação pelos sambistas mais antigos, especialmente aqueles ligados às escolas de
samba. Segundo o autor,
a rigor, o que os jovens caciqueanos fizeram foi [...] virar as costas às escolas,
agremiações que pareciam deter o monopólio do gênero no Rio de Janeiro, [...]
reinventa[ndo] a tradição, entregando-a aos sambistas mais jovens numa versão
renovada, mas com absoluto respeito pelos que moldaram a história do samba” (op.
cit, p. 201-202).
Diniz (2006) reforça a idéia ao afirmar que a união de sambistas em torno do Cacique
de Ramos foi “uma resposta competente dos compositores contra a institucionalização do
gênero ocorrido nas quadras [escolas] de samba” (op. cit, p. 210). O autor revela que na época
de seu surgimento todas as “modificações proporcionadas pela geração do Cacique de Ramos
levantaram uma reflexão para o mundo do samba: seria então o pagode um novo gênero
musical? Estava instaurada a polêmica” (op. cit, p. 210). Ou seja, segundo o autor, havia
correntes dentro do samba que não aceitavam a inclusão desta variante como parte do
universo do samba.
78
samba constitui-se uma ameaça à tradição e a “autenticidade” da cultura do samba, por isso, a
tentativa em mantê-la à margem deste processo, conforme revela Trotta (2007):
Pereira (2007) indica que “somente em 2001 e 2002, o mercado para as bandas de
pagode em Florianópolis começou a se abrir. [...] O principal mercado que foi aberto naquela
época – e que sustenta as bandas até hoje – são as casas voltadas a um público de alto poder
aquisitivo, ou utilizando um termo mais atual, ‘baladas’” (op.cit, p. 26). Além do mais, com a
popularização do pagode nos meios de comunicação, entre outra razões, muitos grupos de
pagode começaram a surgir também entre os jovens das classes médias e altas, distanciando-
se, com isso, ainda mais dos núcleos comunitários, da população negra, espaço este
consagrado como gerador do mundo samba. O distanciamento do mundo do samba pelos
118
Esse dado sobre a sexualidade dos integrantes não foi publicado em seu trabalho, mas confiado a através de
contato pessoal. As integrantes do grupo Entre Elas também não indicaram nenhuma outra mulher fora de seu
grupo que estivesse fazendo pagode na cidade.
119
A participação feminina no mundo do samba de Florianópolis foi debatida em pesquisas anteriores, ver:
Gomes et al, (2008).
79
grupos de pagode também pode ser percebido pela tímida relação que estes estabelecem com
as escolas de samba se comparado, por exemplo, aos grupos de samba de raiz. Dificilmente
os grupos de pagode são convidados a tocar nos eventos promovidos por estas agremiações e
seus integrantes raramente exercem cargos de destaque nas atividades musicais das escolas de
samba. É comum a participação como ritmista da bateria geral, no entanto, é preciso ressaltar
que este espaço se configura como um lugar aberto para todos que desejam participar. Por
outro lado, no Mont Serrat não verificamos um distanciamento tão acentuado entre esses dois
segmentos do samba, conforme veremos a seguir.
120
Mesmo nas rodas de samba de fundo de quintal, em festas, aniversários, a participação das mulheres se
restringe ao canto e as palmas, enquanto que os instrumentos ficam nas mãos dos homens. Neste sentido, a
escola de samba emerge como um dos poucos espaços onde as mulheres da comunidade assumem uma postura
diferenciada no universo do samba.
121
Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Profile.aspx?uid=12328498900479261895> Acessado em:
19/11/2008.
80
Percebemos na convivência com alguns dos integrantes dos grupos citados que o
movimento do pagode no morro não apresenta características tão distantes do mundo do
samba, ao menos no que se refere ao envolvimento com a comunidade, no compromisso com
a tradição e na simplicidade de suas performances. Neste sentido, estes aproximam mais das
características dos grupos de samba de raiz, a exceção do repertório escolhido, o qual se
identifica com aquele ligado ao movimento do ‘pagode romântico’ nacional. É possível que
isto se dê pelo fato dos grupos da comunidade serem de origem negra, pobre e residirem em
uma das comunidades mais tradicionais da cidade, especialmente em se tratando de samba.
2.3.2 Pentecostalismo
81
Como diferencial fundamental, os seguidores desta doutrina defendem o direito de
todas as pessoas interpretarem a Bíblia, sem a necessidade de intermediação dos padres e
líderes religiosos. Essa convicção foi e continua sendo a principal responsável pela
fragmentação das igrejas protestantes em todo mundo, visto que qualquer pessoa pode fundar
seu movimento, sem que este tenha qualquer relação de hierarquia com os demais existentes
(SANTOS, 2002). Por isso, existe hoje uma gama infinita de igrejas, as quais foram se
dividindo, reformulando seus conceitos e doutrinas (WESCHENFELDER, 2004).
Atualmente, os praticantes de qualquer linha de protestantismo são chamados de evangélicos,
devido à ênfase de suas doutrinas nas escrituras bíblicas.
“Agora há divisões. Naquela época, a única seita que não era católica era a espírita,
os umbandistas. [...] De uns dez anos pra cá é que apareceram outras seitas na comunidade.
Aí ta um racha. Hoje nossa comunidade tem três templos diferentes, tem o centro de
umbanda, a assembléia de Deus e tem uma outra que foi criada que eu não lembro o nome.
Então, muitos adeptos ao catolicismo saíram para outras seitas” (Seu Teco)123.
123
João Ferreira de Souza (Seu Teco), entrevista concedida a mim em 19/08/2008 às 10h, em sua residência no
Mont Serrat.
82
“Sobre a igreja, tem uma coisa: não havia outro tipo de igreja, só tinha a igreja
católica. De repente, de 1983 por aí, foi surgindo uma igreja, outra igreja e mais outra, e
hoje está minado de outras igrejas” (Dona Uda)124.
No entanto, apesar da quantidade, percebe-se que estes templos são mantidos por um
público comum, os quais se movimentam entre várias igrejas como forma manter a
quantidade e a união necessária entre os fiéis:
“Tem gente que congrega em duas igrejas. Por que assim: no dia que tem ali perto da creche,
ali no pastinho tem. E quando tem lá na Descoberta os da Assembléia todo mundo desce pra
lá. Nessa área são unidos. Os daqui descem pra lá e os de lá sobe pra cá. Aí quando tem
congresso vão tudo lá pro Caieira” (Clarice)125.
uma atividade muito presente nas igrejas evangélicas, seja para adoração a Deus,
evangelismo ou confraternização. Cada igreja evangélica [...] dispõe-se de variadas
atividades musicais, sejam elas com foco na prática do culto, educação ou
entretenimento. [...] [Assim estas] igrejas realizam oficinas, festivais de talentos,
shows, palestras; além de manter grupos musicais somente vocais, instrumentais ou
124
Maria de Lourdes da Costa Gonzaga (Dona Uda), entrevista concedida a mim em 21/08/2008 às 17h30min,
em sua residência no Mont Serrat.
125 125
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).
83
ambos, com orquestra, banda de louvor, quartetos, trios, coros (de casais, jovens,
adolescentes, crianças, idosos). São formações musicais das mais diversas,
seguindo de acordo com os recursos humanos, materiais e financeiros de cada uma
(op. cit, p. 23)
Santos (2004) destaca que nas igrejas evangélicas a música tem um papel fundamental
para conversão e preservação dos fiéis, tratando-se de uma das principais formas de transmitir
os seus sistemas de crença e atingir a elevação espiritual. Por isso, acaba sendo um
instrumento largamente utilizado nos cultos e nas campanhas evangelizadoras. O investimento
feito por essas instituições neste setor é bastante considerável, tanto que diversos grupos deste
ramo adquirem projeção nacional e internacional com número recorde de vendas de CDs e de
público em seus eventos. Devido a esse investimento e a valorização da instituição, entre
outras coisas, os músicos evangélicos têm na igreja uma parte da sua vida, do seu cotidiano.
Clarice, freqüentadora das igrejas evangélicas do morro, nos conta que estas possuem
diversas atividade musicais:
“Começa assim: na assembléia tem os dois hinos da harpa cristã, aí depois tem o corinho,
como vocês cantam na católica, depois tem bastante irmã que canta. Mas assim, elas têm o
playback delas, aí eles chamam cinco ou seis pessoas pra cantar sozinha, mas se quiser
cantar com alguém também. É como se fosse um show. Aí depois tem a pregação”
(Clarice)126.
Segundo nos revela, muitas mulheres fazem participações musicais especiais durante o
culto, para tanto, levam um acompanhamento musical previamente gravado e sobre ele
cantam alguma música. Clarice é uma das mulheres que participam desta maneira e assim nos
conta como se dá sua participação:
Em sua fala percebemos que além das participações individuais, solo, há também os
conjuntos musicais com instrumentos e os grupos só vocais. Ao menos dois foram destacados
126
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).
127
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).
84
por ela: um deles formado por Jorge (cavaquinho) e Francisco (guitarra); e um grupo vocal
formado por Fabrício, Fabrícia e Fagner, carinhosamente chamado por ela de família “f”,
visto que todos são parentes. Além desses
“[...] Tem o circulo de oração das mulheres, mulheres casadas. Aí elas têm o coral delas
também. Aí tem os dias de se encontrar, dia de ensaiar. Aí tem o grupo da mocidade também,
que é a mesma coisa, e o grupo de adolescente e crianças” (Clarice)128.
2.3.3 Hip-Hop
O hip-hop é uma manifestação que surgiu nos Estados Unidos nos anos 1970,
resultado das tradições musicais de origem negra deste país, recebendo influências
principalmente do, blues, soul e o gospel (HERSCHMANN, 2000). Espalhou-se rapidamente
por diversos países do hemisfério ocidental, em especial em localidades onde há uma forte
presença de núcleos afro-descendentes. O Brasil, o segundo país com maior população negra
do mundo, ficando apenas atrás da Nigéria, rapidamente absorveu esta manifestação cultural,
passando a produzir um hip-hop tipicamente nacional já nos anos 1980 (HERSCHMANN,
2000).
De acordo com Zeni (2004) os bailes blacks, animados por música soul e funk, já eram
comuns nas principais metrópoles brasileiras desde os anos 1970, especialmente em São
Paulo e no Rio de Janeiro. Ou seja, o ambiente propício para a difusão do hip-hop em solo
nacional já estava estabelecido, tratando-se apenas de uma questão de confluência com os
estilos então presentes, o que aconteceria na década seguinte.
Mais do que um gênero musical, o hip-hop consiste numa expressão cultural bastante
complexa, contendo diversos elementos os quais formam o chamado ‘movimento hip-hop’,
entre os principais podemos destacar: o break, (dança/coreografia); o grafite (pintura/artes
128
Clarice Simão, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua residência, localizada no
Pastinho (Mont Serrat).
85
129
plásticas); e o rap (música e poesia) . Contudo, no Brasil o termo hip-hop acabou se
tornando sinônimo de rap, ou seja, na maior parte das vezes falar em hip-hop é referir-se à
música desta manifestação. Isto se deve à hegemonia do rap sobre as outras expressões, como
o break e o grafite, as quais apresentam uma escassa presença no movimento hip-hop
nacional. De acordo com Herschmann (2000, p. 201), “nos EUA o rap também goza de
hegemonia no mundo do hip-hop”, mas há uma diferença no peso que tem o break e o grafite
na cultura desta nação em comparação com a baixa popularidade que alcançaram no Brasil.
129
Além destes, podemos citar, os trajes típicos (bonés, roupas largas, correntes grandes penduradas no pescoço),
o linguajar próprio (gírias) e o discurso politizado como parte do “mundo do hip-hop” (HERSCHMANN, 2000,
p. 190).
130
Escola Básica Estadual Lúcia Livramento Mayvorne.
86
Percebe-se, com isso, que elementos do break e do grafite estão presentes na cultura
hip-hop da comunidade, embora em menor medida se comparado ao rap. Na experiência
letiva com os alunos da escola durante o ano de 2008 não encontramos nenhuma manifestação
de hip-hop, seja música, break, ou grafite, exceto durante aulas de música com a 5ª série,
onde, como professor estagiário da turma, procuramos introduzir um pouco da música hip-
hop em função do desejo expresso de alguns alunos (ver: Gomes, 2008c).
No que se refere à música, desde seu surgimento nos EUA, o tema principal das
composições dos rappers recai sobre a discriminação, violência e opressão sofrida pela raça
negra. Ao chegar ao Brasil, essa característica permanece, havendo “uma continuidade e um
refinamento no trato dessa[s] quest[ões], que vai da postura agressiva e de enfrentamento [...],
até uma atitude mais afirmativa, de orgulho de ser negro” (ZENI, 2004, p. 232). Assim, de
modo geral, grande parte da produção musical do movimento hip-hop está consagrada “a
desenvolver a consciência política, a honra, os impulsos revolucionários (...) outros raps
funcionam como fábulas morais de rua propondo histórias preventivas e conselhos práticos
sobre problemas criminais, drogas e higiene sexual” (SCHUSTERMAN apud GONÇALVES,
2003, p. 297). Gonçalves (2003, p. 297) sintetiza este universo ao afirmar que “os rappers
recuperam a história, produzem memórias, com linguagem, identidade e filosofia de vida
renovados. Produzem uma crítica social elaborada e contextualizada onde reclamam seu
pertencimento à sociedade e reivindicam direitos”.
De acordo com Ângela M. Souza (2006b, p. 53), que fez uma etnografia do hip-hop
em Florianópolis131, esta manifestação chega primeiramente a São Paulo, espalhando-se
“pelas grandes cidades brasileiras, inclusive Florianópolis, [onde] chega no final dos anos
80”. Apesar do movimento hip-hop possuir algumas características globais, conforme
mencionado anteriormente, por onde passa adquire profundos vínculos com a realidade local,
passando a interagir diretamente com os problemas sociais da localidade (HERSCHMANN,
2000).
Assim, Souza (2006b), constata que a violência emerge como uma das principais
temáticas presentes nas músicas compostas pelos grupos de hip-hop da cidade. Segundo ela
131
Ver: Souza, A. (1998).
87
visibilidade a uma existência. A riqueza de detalhes na construção da narrativa deixa
esta violência mais real (op. cit, p. 55-56).
No Mont Serrat, a violência também surge como uma das principais questões
presentes nas letras dos compositores de raps da comunidade, conforme podemos perceber
neste trecho do refrão de uma das músicas mais conhecidas da produção local, música do
grupo RDC132.
“Não sei, assim, nos baseamos nos fatos que acontecem na comunidade. Quando
acontece de matar alguém ali embaixo aí nós fazemos um pouco em cima dessas coisas,
começamos a escrever”133.
Esta mesma violência permeia a composição das mulheres rappers do morro. Bruna
descreve em sua música uma violência sexual sofrida por uma menina adolescente dentro
comunidade.
132
O grupo RDC é composto por Rajam, Diego, Carlos e Choquito. É um dos grupos de hip-hop de maior
projeção do Mont Serrat, apresentando-se em diversos eventos dentro e fora da comunidade. Algumas de suas
músicas são bastante conhecidas pelos moradores, como por exemplo, esta que selecionamos, conhecida
inclusive entre aqueles que não simpatizam com o movimento.
133
Identidade preservada pela pesquisadora. Entrevista concedida a Sandra Regina Adão (2006, p. 81).
88
fatos reais, não é hipocrisia.
Chega-se a ponto de sair do local em que cresceu com sua família.
[...] Denúncia, BO, foi tudo registrado,
mas ainda continuam na ativa e livre os safados
que não sabem viver como seres humanos.
clique para ouvir
Bruna, Clarice, Iasmim e Camila são algumas das mulheres que cantam hip-hop na
comunidade134. Junto com Danilo, irmão de Clarice, elas estão tentando fundar um conjunto
musical, ainda sem nome. Clarice e Bruna, as quais pudemos entrevistar, participam
ativamente da cena musical do morro. Fazem participações especiais com outros rappers,
como por exemplo, com o grupo Movimento Negro Periférico135, também da comunidade, e
com o grupo feminino Declínio do Sistema136.
134
Em entrevista, Bruna e Clarice indicaram não conhecer nenhuma outra mulher na comunidade fazendo hip-
hop.
135
Atualmente, o grupo Movimento Negro Periférico é composto apenas por Djavan, Bruna e Clarice, moradores
da comunidade do Mont Serrat.
136
O grupo Declínio do Sistema tem suas origens vinculadas ao Mont Serrat, quando fazia seus ensaios na sede
da UNEGRO, a qual fixava-se nas proximidades da Escola de Samba Copa Lord. Com a mudança de local da
sede da UNEGRO e com a mudança de residência de algumas integrantes, este grupo acabou perdendo o contato
com a comunidade. Contudo, este contato está sendo retomado atualmente com a participação de Bruna e Clarice
nesta equipe.
89
Santos (2008) ao referir-se ao break, mas não exclusivamente, aponta que “O hip-hop,
nos dias de hoje, é narrado como um terreno masculino no cenário da dança: música, roupas,
acessórios, movimentos coreográficos, acrobacias e cores utilizadas por esses dançarinos
apontam para um lugar ocupado/produzido pelo homem. A mulher, neste espaço, ocupa uma
posição coadjuvante e auxiliar”. O mesmo foi constatado por Adão (2006) que associa
aparição de meninas em sua pesquisa ao fato delas participarem de um projeto vinculado à
escola, e não por estarem engajadas ao movimento.
90
Jussara Lima, conhecida também como Sing, umas das integrantes de um grupo
feminino de hip-hop de Florianópolis, o Declínio do Sistema, confirma este dado ao revelar
como sua produção musical reflete uma forma feminina de retratar a realidade.
“A gente luta por nós mulheres, a gente mostra a realidade das mulheres [...] e essa
realidade os rapazes não mostram. Nossas músicas giram em torno da causa feminina,
sempre da causa feminina. Temos até um CD que fala de saúde, tudo da causa feminina, de
aborto, sobre o corpo, tudo isso” (Jussara)137.
“da mulher, o mundo da mulher. Essa violência que existe por aí. A mulher precisa ser
respeitada, sobre aborto, discriminação, o preconceito que existe sobre a mulher mesmo”
(Bruna)138.
137
Jussara Pereira Lima, conhecida também por Sing, seu nome artístico. Entrevista concedida a mim em
19/04/2007 às 15h para o projeto de pesquisa “Relações de Gênero e a produção musical contemporânea
brasileira”, do Centro de Artes da UDESC, orientado pela professora Maria Ignez Cruz Mello. Ver: Gomes e
Mello (2007).
138
Bruna Luzzi Viér, entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, na residência de Clarice,
localizada no Pastinho (Mont Serrat).
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
92
para realizar o terno de reis, como para quem abre as portas de sua casa para recebê-lo. A
atividade das lavadeiras, tornou-se impossível em face das escassas fontes de água limpa nos
centros urbanos (e mesmo no meio rural), uma conseqüência da destruição do meio ambiente,
causada por um consumo imprudente dos recursos naturais e pelo crescimento demográfico
desordenado.
93
qualificadas como ameaçadoras à sobrevivência das tradições. Apesar de partirem de uma
origem mais ou menos semelhante, podendo até considerá-las um embrião das tradições, estas
novas manifestações modificaram as relações, propondo diferentes formas de viver as
coletividades, gerando, com isso, desconfiança e incerteza.
Contudo, seria por demais pretensiosa uma conclusão para esta pesquisa visto que a
realidade é muito mais rica e matizada do que foi possível captar nesta etnografia. É preciso
ressaltar que no processo de construção deste trabalho foi possível conhecer algumas
realidades não outras, observar alguns eventos e não outros, entrar em contato com algumas
pessoas e não com outras. Portanto, não se pretende aqui apresentar um quadro que seja
completo, mas uma contribuição parcial que só pode fazer sentido se somada àquelas já
existentes e se aprofundada por novas investigações que possibilitem diferentes perspectivas
para este caso.
94
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95
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DOCUMENTOS
Memórias: a caminhada de gente que faz e conta a sua história. Florianópolis, Comunidade do
Mont Serrat, 1992, 32p.
VÍDEOS DOCUMENTÁRIOS
ALI NA ESQUINA. Direção: Graziela Storto e Rita Piffer. Produção: André Barbosa e Cristine
Corrêa. Direção de Fotografia: Marx Vamerlatti. Produção independente. DVD (1h30min),
2006.
105
SITES
106
ANEXOS
107
Anexo A - Ficha dos entrevistados
Clarice Simão
25 anos, mulher, negra. Entrevista concedida a mim em 04/10/2008 às 10h30min, em sua
residência, localizada no Pastinho (Mont Serrat).
108
Anexo A (continuação...)
Jandira Souza
35(ca.) anos, mulher, negra. Vocalista, percussionista e compositora do grupo
Um Bom Partido. Atuou como pastora da Embaixada Copa Lord em anos anteriores.
Entrevista concedida a mim em 22/06/2008 às 19h, no Bar Kanttum, na cabeceira
da ponte Hercílio Luz, no continente.
Josiane Souza
35(ca.) anos, mulher, negra. Vocalista, cantora do grupo Um Bom Partido. Atuou
como pastora da Embaixada Copa Lord em anos anteriores. Entrevista concedida
a mim em 22/06/2008 às 19h30min, no Bar Kanttum, na cabeceira da ponte
Hercílio Luz, no continente.
Karla Terezinha
33 anos, mulher, negra. Há oito anos é ritmista da Embaixada Copa Lord, sempre
nos chocalhos. Nos dois últimos anos assumiu a função de coordenadora deste naipe.
Entrevista concedida a mim em 29/01/2008 às 21h30min, no Miramar (centro), local
de ensaio da Bateria Geral da Copa Lord.
109
Anexo B – Folhas de cânticos da missa
110
Anexo B (continuação...)
111
Anexo B (continuação...)
112
Anexo B (continuação...)
113
Anexo C - Letra e gravação do hip-hop de Bruna L. Vier
114
Anexo D - Letra e gravação do samba-enredo, Copa Lord 2008
115
Anexo E - Letra e gravação do Hino à Virgem do Mont Serrat
(Gravação retirada do CD do ministério de música da igreja, ver anexo H)
C Dm
Virgem do Mont Serrat
G C
Que estais no monte a rezar
C Am F Dm
Pedi pelos vossos filhos
G C
Que não vos cansam de amar
C Dm
A vossa ermida clara
G C
Como uma hóstia de luz
C Am F Dm
Fala de vossa presença
G C
Celeste mão de Jesus
C Dm
Sois a nossa padroeira
G C
Sentimos rezando a vós
C Am F Dm
O céu mais perto da terra
G C
Quando estás perto de nós
C Dm
Fica conosco Senhora
G C
Rezai conosco também
C Am F Dm
Agora e na nossa morte
G C
E para sempre, Amém.
116
Anexo F - Recortes de Jornais e Revistas
117
Anexo F (continuação...)
118
Anexo F (continuação...)
119
Anexo F (continuação...)
120
Anexo F (continuação...)
121
Anexo G – Fotos
122
Anexo G – (continuação...)
123
Anexo G – (continuação...)
Senhoras mais idosas da comunidade coroando a Nossa Senhora do Mont Serrat, setembro de 2008.
124
Anexo H - Capa do CD do Ministério de Música Geração de Adoradores.
125
Anexo I - Capa do livreto Memórias
126