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Professor Emérito da UFRGS e pesquisador do pensamento sul-rio-
grandense. Av. Ganzo, 385, Apto. 706, CEP 90.150-071, Porto Alegre, RS,
Brasil. E-mail: luizoleite@bol.com.br
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Doutorando em Filosofia da UFRGS. Bolsista do CNPq – Brasil. E-mail:
prkonzen@yahoo.com.br
honras do domínio absoluto (...). O futuro pertence à síntese
objetiva: Darwin matará Comte”.
Mais tarde, em 1886, no editorial de apresentação de um
pequeno jornal, O Combate, Argemiro Galvão e Karl von
Koseritz, no curso das mesmas idéias, proclamariam
enfaticamente:
Por muitos séculos dominaram as
doutrinas teológico-metafísicas; estamos
hoje em pleno domínio crítico-realista. As
entidades materiais, os fantasmas
impalpáveis e os raciocínios apriorísticos
foram eliminados das especulações
humanas. A razão, atualmente, medita
sobre os dados fornecidos pela experiência.
As ciências formam-se, classificam-se,
ordenam fatos, desses fatos induzem-se leis
e das leis de cada ciência engendra-se a
verdade filosófica.
No 2º grupo, cresciam as idéias de A. Comte e H.
Spencer. Em 1874, ocorreu, através da imprensa, a primeira
manifestação comteana no RS: Augusto Luiz, na Revista do
Partenon Literário, no artigo “Duas palavras sobre Literatura”,
conclamou a poesia a louvar a ciência. São os primórdios do
advento da poesia científica.
Em 1877, Júlio de Castilhos (1860-1903) ingressou na
Faculdade de Direito, de São Paulo, onde, em 1880, assumiu a
direção de A República, periódico do Clube Republicano
Acadêmico. Também em 1880, iniciou-se a publicação da
revista mensal, da Sociedade Científica e Literária, Culto às
Letras, fundada pelos oficiais-alunos da Escola Militar de
Porto Alegre. Os colaboradores eram positivistas spenceristas e
darwinistas. Em 1881, Júlio de Castilhos retorna a Porto
Alegre. Em 1884, foi fundado o jornal A Federação,
divulgador de concepções filosóficas e políticas positivistas.
No mesmo ano, publica-se o programa do Partido Republicano
Riograndense (PRR). Em 1887, Júlio de Castilhos e Demétrio
Ribeiro publicaram, em A Federação, artigo sob o título:
“Augusto Comte, profissão de fé e expressão de convicções
filosóficas”, por ocasião do 30º aniversário da morte do mestre
de Montpellier. No mesmo dia, Torres Homem pronunciou
conferência no Teatro São Pedro, na qual sugeriu a fundação,
em Porto Alegre, de um Centro Positivista. Em 1890, criou-se,
em Bagé, um núcleo positivista. Em 1891, foi promulgado a
Constituição Sul-Rio-Grandense, inspirada nos ideais
positivistas. A Carta poderia ser adjetivada como “Constituição
Castilhista”. No mesmo ano, Miguel Lemos escreveu carta a
Demétrio Ribeiro, censurando-o em função de sua atitude de
entrar em dissidência com Júlio de Castilhos. Em 1896, o Pe.
Júlio Maria, então sacerdote secular, mais tarde missionário
redentorista, veio a Porto Alegre e pregou na Catedral, onde
combateu os novos sistemas filosóficos. Ainda em 1896, foi
fundada a Escola de Engenharia de Porto Alegre. Seus
fundadores eram, em sua maioria, positivistas, muitos deles
amigos e discípulos de Benjamin Constant. Em 1897, Carlos
Maximiliano escreveu o prefácio da obra, de Alcides Maya,
Pelo Futuro, e J. J. Felizardo Jr. publicou a tradução da obra de
Jorge Lagarrigue: Positivismo e Catolicismo; além disso, o Tte.
Cel. Rodolfo Cardoso Pau Brasil discorreu sobre a evolução da
Filosofia e encerrou o seu curso com a apologia de Spencer,
denominado “ponto culminante do pensamento moderno”.
Finalmente, antes de aparecer o livro de Koseritz,
Graciano de Azambuja (1847-1911), historiador e jornalista,
fundador e diretor em Porto Alegre do Anuário da Província
do Rio Grande do Sul, mais tarde denominado Anuário do
Estado do Rio Grande do Sul (1889-1911), iniciava a
publicação, na Gazeta de Porto Alegre, de março a novembro
de 1880, de suas “Lições de Filosofia Elementar”,
consideradas, na época, por Sílvio Romero e Carlos
Maximiliano, como o único tratado de Filosofia moderna,
aparecido no Brasil até 1897. Sílvio manifestou a intenção de
adotá-las como livro de texto no Colégio D. Pedro II, do Rio de
Janeiro, onde lecionava a cadeira de Filosofia. Graciano
afinava com a filosofia dominante no seu tempo. Era um
empirista e um relativista. Todas as teorias que não pudessem
ser comprovadas rigorosamente pelo método experimental,
como a própria teoria da evolução, não passava para ele de
simples hipótese. “A teoria da evolução é a única que apresenta
a explicação racional e grandiosa do universo e que, ligando
todos os fenômenos da natureza com um encadeamento de
efeitos da mesma causa, satisfaz, não plenamente, porém mais
do que outra qualquer, nossa aspiração intelectual de
causalidade”. Graciano é precursor do spencerismo no RS.
Embora simpático de A. Comte e de sua filosofia positiva,
principalmente quanto ao método, percebe-se que sua afinidade
é maior com H. Spencer, cujas concepções se lhe afiguram de
horizonte mais amplos, podendo abranger os vários e diferentes
aspectos da fenomenologia universal. Adeptos do pensamento
de Spencer foram também Alcides Maya e Carlos
Maximiliano.
Os dois grupos até aqui registrados têm em comum
posição atéia ou agnóstica.
No 3º grupo, vamos encontrar o pensamento teísta,
concretizado no viés católico pela filosofia neo-escolástica dos
jesuítas alemães, ensinada nos colégios e seminários dirigidos
no RS. Essa filosofia era originária de pensadores como J.
Kleutgen, SJ (1811-1883), o principal restaurador do neo-
tomismo na Alemanha e autor de Die Philosophie der Vorzeit
(1863), que vivera longo tempo em Roma, respirando a
atmosfera do tomismo reformado no ambiente romano, e de F.
Ehrle, SJ (1895-1934), responsável pela biblioteca vaticana,
que traçou, aos eruditos das universidade, um plano de estudo e
publicação de manuscritos medievais. Os jesuítas alemães da
época observavam literalmente os preceitos de Leão XIII, na
Encíclica Aeterni Patris (1879), que recomendava o
seguimento da filosofia de São Tomás de Aquino.
Os jesuítas alemães, deste período, haviam estudado na
Faculdade de Maria Laach, a qual publicara um curso
filosófico neo-escolástico completo, denominado Philosophia
Lacensis, editado em Friburg-Br., pela Editora Herder, em onze
volumes, por T. Pesch, Th. Meyer e J. Hontheim. Sucessora
desta Faculdade foi a de Valkenburg, que publicou também um
Cursus Philosophicus, in usum scholarum, em substituição ao
Lacensis, com 6 volumes, a saber: 1. Logica (1894), de Carolus
Frick, SJ; 2. Ontologia (1894), de Carolus Frick, SJ; 3.
Philosophia Naturalis (1926), de Carolus Franck, SJ; 4.
Psychologia Speculativa (1927), em 2 volumes, de Josephus
Fröbes, SJ; 5. Theodicea (1926), de Josephus Hontheim, SJ; e
6. Philosophia Moralis (1893), de Victor Cathrein, SJ. Todas
as obras aqui registradas foram publicadas em latim, idioma
oficial dos estudos eclesiásticos na época.
Neste contexto filosófico, com suas diferentes
tendências, é preciso inserir o Pe. Gustavo Locher, SJ (1853-
1943). Mas, quem foi Pe. Locher?
Pe. Locher nasceu aos 14.08.1853, em Tettnang, na
Suábia, próximo ao lago de Constança. O jovem Gustavo
estudou no colégio Stella Matutina de Feldkirch, de 1865 a
1870, quando ingressou na Companhia de Jesus. Em sua
formação jesuítica, Pe. Locher cumpriu as seguintes etapas:
Noviciado, em Gorheim (1870-72); Humanidades e Retórica,
em Wynandsrade, Holanda (1873-74); Filosofia, em
Blyenbeck, Holanda (1875-77); Prática Pedagógica, no colégio
Mongré, Lyon, França (1878-79); Teologia, Ditton-Hall,
próximo de Liverpool, Inglaterra (1880-1882), ano de sua
ordenação sacerdotal; e, finalmente, Terceira Provação, no
Pórtico, Inglaterra (1882-83).
Em 1883, Pe. Locher viajou da Inglaterra para o RS,
onde iniciou os seus trabalhos, entre os quais merece destaque
o seu livro Vade mecum philosophico: offerecido à mocidade
brasileira.
3
LOCHER, Gustavo, SJ. Vade-mécum filosófico. 2ª ed. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2000. 304 p. Coleção Pensadores Gaúchos, 7. Reedição de
Vade mecum philosophico: offerecido à mocidade brasileira. São Paulo:
Typographia Brazil de Carlos Gerke & CIA, 1898. 336 p. Bibliografia do
Pe. Locher: Oração Fúnebre, celebrando-se as solenes exéquias do
santíssimo Leão XIII (1903); A Cia. de Jesus - Centenário de sua
Restauração (1914); A Cia. de Jesus - 4º centenário de sua existência
(1540-1940) (1940); Somos ainda católicos?; Um século de glórias, de
prosperidades, de bênçãos, sob a égide da fé (1922); Lutar, não desesperar
(1925); Conferências sobre a Graça e a Fé (1925); Apelo à Mocidade
Católica do Brasil, In: Revista Social, Porto Alegre, v. 16, fasc. 157 (1921-
22).
verdade, para as campanhas inevitáveis da
vida, ofereço-lhes, como armadura
indispensável, um elenco de algumas das
mais importantes verdades com seus
respectivos argumentos (p. 23).
A motivação de sua obra, portanto, é oferecer à juventude
estudantil um contraponto para as muitas filosofias
consideradas ateístas, as quais estariam pervertendo os jovens.
Por isso, Pe. Locher inclusive afirma: “É coisa entranhável que
tantos jovens, apesar de haverem recebido educação religiosa,
já às primeiras lançadas da filosofia atéia hodierna, percam o
equilíbrio moral e sofram uma queda lastimosa” (p. 25).
Entre as várias filosofias criticadas no livro, encontra-se
o positivismo de A. Comte, ao qual Pe. Locher dedica o
capítulo I (p. 29-55). Já no início, afirma que o positivismo é
um “adversário da religião de nossos pais”, sobretudo porque
estaria “tolhendo-lhe [da mocidade brasileira] as forças nativas
e incapacitando-a de ver a luz da verdade” (p. 29). Na
seqüência, afirma literalmente: “Damos, sem pedir vênia, ao
positivismo o predicado de alucinação sistematizada” (p. 29).
Tal crítica enfática gerou grande repercussão e produziu
as mais diversas reações. Isso pode ser exemplificado pela
carta de Frater Germano Middeldorf, escrita em 03.10.1898,
São Leopoldo:
Aprendemos Português com (...)
Padre Locher (...). De momento é o mesmo
aqui um dos homens mais falados na
imprensa periódica. É que nesta terra o
positivismo importa (...) e seu incubador
(Ausbrüter) vem a ser o semilouco Augusto
Comte (...). Partidário ou defensor principal
do mesmo é nosso anterior presidente
estadual do Rio Grande, Júlio de Castilhos
(...). Deu-se, porém, que, faz alguns meses,
o Padre Locher publicou, qual vade-mécum
para a juventude estudantil, uma obra
filosófica de cunho popular. Não passa ela,
propriamente, de simples compilação de
toda a Filosofia. Mas o padre tinha pisado
precisamente àquele senhor nos calos
positivistas, de modo que, em quase todos
os jornais, levantaram-se gritos de clamor
por socorro contra o padre, mas também,
aqui e ali, alguns a seu favor4.
A crítica de Pe. Locher ao positivismo atingia um dos
maiores partidários ou o seu principal defensor no Rio Grande
do Sul, a saber, Júlio de Castilhos. Porém, no livro, em nenhum
momento, o nome de Júlio de Castilhos é citado. Apesar de
discorrer sobre a relação entre Estado e Religião, Pe. Locher
não menciona a realidade gaúcha. Todas as referências contra o
positivismo se baseiam na vida de A. Comte e na sua doutrina.
Mas, indiretamente, suas críticas questionam e ocorrem durante
a era castilhista.
No livro, Pe. Locher busca desqualificar A. Comte e sua
doutrina. Começa com relatos sobre a sua vida, buscando
mostrar como “extravagante era Comte em sua vida familiar e
moral” (p. 32). Afirma que A. Comte vivenciou “alguns
tentames frustrados de suicídio e um tratamento feliz no
hospício do Dr. Esquirols” (p. 31). Em suma, que a “alienação
mental de Comte” (p. 35) talvez seja a desencadeadora de sua
“filosofia e política subversivas” (p. 30).
Tais afirmações, procurando depreciar a vida do
fundador do positivismo, não cabem aqui serem avaliadas, pois
não envolvem argumentos filosóficos. Como o próprio Pe.
Locher reconhece, cabe apresentar uma refutação mais direta
ao positivismo:
Parece que registrar e ler esses
desvarios já é condenar o positivismo, e se
no capítulo seguinte, e mais adiante, na
4
Apud: RABUSKE, Arthur. “Prefácio”. In: LOCHER, Gustavo. Vade-
mécum filosófico. 2ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 21.
parte ética, dedicamos a essa
pseudofilosofia uma refutação mais direta,
visamos menos o positivismo comtista do
que o materialismo e o empirismo, que, sob
a capa multicor do positivismo hodierno,
tentam fazer prosélitos entre os espíritos
incautos e pensadores menos enérgicos (p.
48).
Na parte III, do cap. I, intitulada “Refutação do
positivismo”, Pe. Locher busca apresentar e refutar os
fundamentos do positivismo. O principal elemento de embate
com a fé católica, afirmada por Pe. Locher como a verdadeira,
é que o positivismo insiste em “negar, redondamente, que para
nós exista o supra-sensível, o metafísico” (p. 48). Na medida
em que o positivismo nega a metafísica, atendo-se meramente
ao empirismo (experimentalismo), segundo Pe. Locher, “ele é
uma tentativa muito inepta e malsucedida de destruir a
verdadeira filosofia” (p. 40). Para o autor, “o positivismo,
negando a metafísica, impossibilita ao homem a cogitação e o
deprime ao nível do bruto” (p. 53); contudo, “na vida prática,
os próprios positivistas desmentem sua teoria absurda” (p. 52),
a saber, “quanto mais combatem a metafísica, argumentando,
mais a afirmam e mais condenam eles mesmos seu princípio
fundamental”. Pe. Locher procura assim apresentar uma
refutação direta do princípio fundamental do positivismo: o de
que toda ciência se funda e se encerra na experiência, nos fatos
observáveis. Conforme afirmação do Pe. Locher: “Essas
poucas observações bastam para mostrar que o positivismo é
uma contradição e uma impossibilidade. Em que lhe pese, a
metafísica é uma realidade, inseparável da alma inteligente, e a
verdadeira filosofia passa à ordem do dia” (p. 54). Por último,
como parágrafo final do capítulo, consta:
Deixemos, pois, aqui o positivismo
nos tremedais de sua negação, de sua
pobreza de espírito e de seu baixo
sensualismo; passemos a barreira quimérica
do “ignoramos”, e, de velas enfunadas,
sigamos o rasto luminoso da verdadeira
filosofia, que nos levará ao paraíso do
espírito humano, ao mundo ideal, supra-
sensível, onde encontraremos o que há de
mais positivo - a eterna e puríssima fonte
da verdade e ciência, Deus! (p. 55).
Tais críticas ao positivismo têm em vista, sobretudo, a
sua influência na ordem moral e social e, também, suas
implicações na ordem política ou no Estado. No capítulo XI:
“A ordem moral e social segundo o positivismo” (p. 215-224),
Pe. Locher ainda afirma:
A tais absurdos chega o espírito
humano, que orgulhosamente se desprende
do grande fundamento, de todo saber e
poder: do Deus-Criador! Tirar essa base da
criação material e espiritual é destruir tudo:
a alma imortal, a verdade, virtude, dever,
lei, autoridade, família, Estado, e a própria
inteligência e dignidade do homem (p.
223).
No capítulo XIV: “O Estado” (p. 277-294), consta ainda
o seguinte:
Na opinião do positivismo, como já
vimos, o indivíduo desaparece igualmente
diante da divindade do Grande-Ser, a
humanidade. O Estado ideal positivista é
uma república universal, em que exerce a
supremacia - a moral, isto é, o altruísmo.
Todo cidadão - altruísta nato -
desempenhará espontaneamente seu papel
de funcionário da humanidade. (...) Todas
essas teorias fantásticas, às quais se filiam
todos os modernos sistemas ateístas, cujo
ideal é a cultura, o progresso indefinido da
humanidade, fazem do Estado uma pessoa
moral distinta dos cidadãos (p. 285).
O conjunto de afirmações do Pe. Locher é bem mais
amplo e complexo, contudo, já fica claro as críticas enfáticas
ao positivismo, o qual era, durante o período castilhista, a
principal cartilha no Rio Grande do Sul e, por isso, toda a
reação que o texto acabou promovendo.
Conclusão
O Vade-mécum filosófico do Pe. Locher foi uma pequena
semente, lançada à mocidade estudantil brasileira, envolvida
pelas doutrinas positivistas, spenceristas, evolucionistas,
cientificistas, materialistas, ateístas, entre outras. Obra
polêmica, questionável e até revolucionária, que certamente
não unificou e monopolizou o pensamento filosófico sul-rio-
grandense, mas serviu para fomentá-lo e, no campo cristão,
canalizou o pensamento católico a um futuro destacado e
significativo, ao lado das numerosas tendências que
caracterizam as diversas linhas filosóficas contemporâneas.