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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

CARINA SILVA D’ALMEIDA CARDOSO

APROXIMAÇÃO POLÍTICA ENTRE CHINA E JAPÃO:

RELEVÂNCIA PARA A INTEGRAÇÃO DO CONTINENTE ASIÁTICO

Rio de Janeiro

2005
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C268 CARDOSO, Carina Silva d’Almeida


Aproximação política entre China e Japão : relevância
para a integração do continente asiático. / Carina Silva d’Almeida
Cardoso.- Rio de Janeiro, 2005.

106 f.
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
Monografia (Graduação em Relações Internacionais) –
Universidade Estácio de Sá,
2005.

CARINA SILVA D’ALMEIDA CARDOSO


1.Integração econômica internacional. 2. China, Comércio
exterior. 3. Japão, Comércio exterior. 4.Ásia, Política
econômica. I. Título.

CDD 382
APROXIMAÇÃO POLÍTICA ENTRE CHINA E JAPÃO:

RELEVÂNCIA PARA A INTEGRAÇÃO DO CONTINENTE ASIÁTICO

Monografia apresentada à Universidade Estácio de Sá


como requisito para a conclusão da graduação
em Relações Internacionais

Professor Orientador: Anselmo Machado Fagundes


Especialista em Desenvolvimento Urbano e Regional - UFPE

Rio de Janeiro

2005
CARINA SILVA D’ALMEIDA CARDOSO

APROXIMAÇÃO POLÍTICA ENTRE CHINA E JAPÃO:


RELEVÂNCIA PARA A INTEGRAÇÃO DO CONTINENTE ASIÁTICO

Monografia apresentada à Universidade Estácio de Sá


como requisito para a conclusão da graduação
em Relações Internacionais

Apresentada em 15 de dezembro de 2005

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________

Professor Orientador: Anselmo Machado Fagundes


Especialista em Desenvolvimento Urbano e Regional
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

______________________________________________________

Professora Etiene Magalhães de Oliveira


Mestre em Administração
Universidade Estácio de Sá

______________________________________________________

Professor Leonardo Braga


Mestre em Relações Internacionais - Instituto de Relações Internacionais
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO)
Termo de Compromisso

Comprometo-me de que todo o conteúdo deste trabalho é de minha inteira autoria, salvo as

citações e referências indicadas na Bibliografia ou notas de pé de página, conforme as normas

da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, que regulamenta este trabalho.

Carina Silva d’Almeida Cardoso


Dedico este trabalho a minha mãe, Maguí da Silva Cardoso,
a meu avô, Guy Nicolau d’Almeida Cardoso (in memoriam),
que me infundiram o gosto pela literatura, e à minha afilhada
Anna Carolina Gurgel Alves, que preenche minha vida de luz.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por todas as oportunidades que d’Ele recebi, pela

fortaleza nos momentos de incerteza e por dar-me a perseverança necessária para alcançar

meu objetivo.

Minha gratidão se dirige especialmente a minha mãe e mestra, Maguí da Silva

Cardoso, por todas as noites insones em meu auxílio, pelo suporte nas pesquisas e por seu

apoio emocional em todas as etapas deste trabalho.

Agradeço igualmente à minha madrinha, Onir Silva Reis, a quem sempre recorri como

filha e, sem a qual, este sonho jamais teria se realizado.

A meus amigos e familiares que me apoiaram na realização deste trabalho com

amizade, compreensão e orações, também dedico minha eterna gratidão.

Um agradecimento especial a meu querido professor Anselmo Machado Fagundes,

Especialista em Desenvolvimento Urbano e Regional, por sua orientação e também por seus

ensinamentos, sem os quais esta pesquisa não seria possível.

Por fim, agradeço a todos que colaboraram diretamente ou indiretamente para a

realização deste projeto.


“Sonhar o sonho impossível, sofrer a angústia implacável,

pisar onde os bravos não ousam, reparar o mal irreparável,

amar um amor casto a distância, enfrentar um inimigo invencível,

tentar quando as forças se esvaem, alcançar a estrela inatingível.

Esta é a minha busca.”

Miguel de Cervantes
RESUMO

O objeto deste estudo é o relacionamento entre China e Japão, desde o início da rivalidade

entre os dois países, até sua recente aproximação, sob o contexto de integração do continente

asiático. Levantaremos as características particulares deste processo, acompanhando a

evolução dos mecanismos de cooperação existentes, e, principalmente, buscaremos, na

compreensão da origem do conflito entre seus principais atores, traçar as perspectivas para a

evolução do regionalismo na Ásia Oriental.


ABSTRACT

The object of this study is the relationship between China and Japan, since the beginning of

the contend among the two countries, until their recent approach, under the context of the

integration of the asian continent. We will be studying the particular characteristics of this

process, observing the evolution of the existent mechanisms of cooperation, and, mainly, we

will search, by comprehending the origin of the conflict between its main characters, track for

the perspectives of the evolution of the regionalism in the Eastern Asia.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 12

CAPÍTULO I - Regionalismo e Integração no Leste Asiático................................................ 16


1.1. Conceito de Integração..................................................................................................... 17
1.2. Realismo X Interdependência........................................................................................... 21
1.3. Fragmentação X Globalismo............................................................................................ 24
1.4. O Processo de Integração do Sudeste Asiático................................................................. 25

CAPÍTULO II – A Influência Ocidental na Ásia Oriental...................................................... 34


2.1. O Imperialismo Europeu na China.................................................................................... 35
2.2. A Ocidentalização do Japão.............................................................................................. 46
2.3. As Principais Diferenças entre a Reação Chinesa e a Japonesa........................................ 53

CAPÍTULO III - O Desenvolvimento das Relações Sino-Japonesas...................................... 58


3.1. O Esfacelamento da Dinastia Manchu.............................................................................. 59
3.2. O Expansionismo Imperialista Japonês............................................................................ 66
3.3. A Retirada Japonesa e o Nascimento da República Popular da China............................. 75
3.4. Antagonismo Ideológico.................................................................................................. 77

CAPÍTULO IV - Perspectivas para a Integração Asiática.......................................................83


4.1. Vantagens do Comércio Intra-asiático..............................................................................83
4.2. Tendências da Integração Asiática....................................................................................86
4.3. As Lições do Regionalismo Asiático................................................................................90
4.3.1. Papel Desenvolvimentista do Estado.................................................................90
4.3.2. Capacidade de Adaptação..................................................................................92
4.3.3. Estabelecimento de um Setor Produtivo Forte...................................................92
4.3.4. Manutenção do Controle sobre o Capital...........................................................93
4.3.5. Fortalecimento da Posição Político-Econômica.................................................94
4.3.6. Determinação de uma Política Regional Independente......................................95
4.3.7. Criação de uma Coligação Financeira Asiática..................................................95
4.3.8. Reforma das Instituições Mundiais....................................................................96
4.3.9. Inconversibilidade da Moeda.............................................................................97
4.3.10. Produção Baseada na Divisão Internacional do Trabalho...............................97

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................99
ÍNDICE DE FIGURAS..........................................................................................................102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................104
Introdução

O continente asiático conquistou uma posição de destaque no cenário das relações

internacionais. A integração do continente asiático que se desenvolveu ao final da década de

90 e o conseqüente estabelecimento de não apenas três fortes potências – China, Índia e Japão

– mas de um grupo de países de industrialização recente (NICs) economicamente fortes,

competitivos e com elevadas taxas de crescimento, despertaram o interesse de diversos

autores sobre a região.

O interesse pelo continente asiático teve início nos primeiros períodos do curso,

com o desenrolar de uma preocupação acadêmica acerca da redução da hegemonia norte-

americana e a pergunta imperativa: quem poderia substituí-la? Novas disciplinas trouxeram

novos questionamentos e as possibilidades que a região apresentava acabaram por despertar o

desejo de compreender sua história e traçar as perspectivas para seu futuro. Porém, somente

com o estudo de Processos Geo-Econômicos de Integração o foco central desta pesquisa pôde

ser delineado: seria possível a realização de uma integração asiática de fato sem que China e

Japão solucionassem sua rivalidade ancestral?

Embora a literatura teórica sobre o regionalismo seja vasta, como bem coloca

Andrew Hurrell, ela é também desigual e fragmentada, dificilmente abrangendo os processos

originados fora da Europa. No entanto, o crescimento contínuo desta região vem atraindo a

atenção de teóricos das Relações Internacionais, sobretudo pela possibilidade de uma eventual

substituição do eixo dinâmico do Ocidente para o Oriente. É possível, hoje, encontrarmos não

apenas obras que versem sobre a integração no leste asiático, mas também que realizem uma

ponte desta zona de interação com o restante do globo.

Neste estudo, portanto, nos dedicaremos a compreender o processo de integração

do leste asiático, nos concentrando principalmente naquele que consideramos o maior

obstáculo para o desenvolvimento das negociações: o relacionamento entre China e Japão.


Assim, estaremos acompanhando a evolução dos mecanismos de cooperação dentro da

perspectiva destes dois países centrais, buscando avaliar os reflexos das relações não-

econômicas para o regionalismo. Podemos dizer, assim, que o objeto de nosso estudo é o

reflexo das relações sino-japonesa no desenvolvimento da integração asiática.

Para a execução de nosso trabalho realizamos um levantamento bibliográfico em

busca de literatura que abrangesse China, Japão e os processos de integração regional –

buscando tanto o referencial teórico quanto os que analisavam efetivamente o regionalismo

asiático. Em nossa pesquisa, porém, não encontramos nenhuma fonte especificamente dirigida

para a análise das relações sino-japonesas no contexto na integração asiática, o que nos

demandou um cuidado especial acerca das conclusões realizadas.

Buscamos, a cada etapa, realizar uma contextualização história, com a finalidade

de entender cada etapa dentro de uma evolução dinâmica e, mais ainda, demonstrar a conexão

de cada uma dessas etapas com o cenário contemporâneo na Ásia Oriental. Assim, utilizamos

autores com obras de forte embasamento histórico como Spence e Panikkar para traçar um

panorama local à época observada. Em nossas análises dos processos de integração nos

baseamos em autores como Hurrell, Haesbert e Tomassini; no caso particular da Ásia,

buscamos textos de Meyer e Miyazaki. Algumas fontes foram estudadas com o objetivo de

nos fornecer um quadro econômico do continente asiático, como Fiori, Grenet e Griffith-

Jones, de modo que pudéssemos compreender as forças atuantes na região. Muito outros

textos nos ajudaram a obter uma visão ampla e geral do cenário estudado, porém não se

relacionavam especificamente com o tema desenvolvido e, assim sendo, não estão listados em

nossas referências bibliográficas.

De forma a obtermos uma compreensão mais profunda do tema, no primeiro

capítulo o estudo traz uma breve introdução sobre os processos de integração geo-econômica,

conceituando, definindo as origens do pensamento regionalista, oferecendo uma visão ampla

das teorias regionalistas mais relevantes para a compreensão do caso asiático e delimitando os
modelos existentes de integração. Para o embasamento teórico, utilizaremos principalmente

os textos de Hurrell e Haesbert; já na construção de um panorama da integração asiática,

trabalharemos os textos de Miyazaki e Meyer. Após esta visão geral, nos deteremos, ainda

neste capítulo, em analisar os mecanismos regionais em ação no leste asiático, dirigindo nosso

estudo para o papel de China e Japão nesta dinâmica.

Após colocarmos os pressupostos teóricos e tendo enquadrado o leste asiático na

temática da integração, partiremos, no segundo capítulo, em busca de uma maior

compreensão das relações sino-japonesas desde suas origens, entendendo-as no contexto da

inserção internacional. Nesse sentido, em nosso segundo capítulo, iremos buscar na

introdução destes países no cenário internacional, que ocorre com a chegada dos ocidentais ao

continente, no século XVII, influências desta nova cultura no desenvolvimento destes dois

países. Através, principalmente de Panikkar, obteremos uma visão bastante objetiva das

relações que se iniciam e seremos capazes de perceber, durante esta explanação, que este

contato levará estas duas nações a traçar caminhos diferentes política, econômica e

tecnologicamente. Este capítulo é especialmente relevante para nosso estudo, principalmente

por demonstrar como esta diferença na assimilação da cultura ocidental contribuirá para

determinar o fim das relações pacíficas entre China e Japão neste período.

Na terceira parte de nossa pesquisa, nos deteremos a analisar as relações

conflituosas que se estabelecem entre os dois principais atores da região nas últimas décadas

do governo dinástico dos Qing na China. Através das obras de Spence, Daniel Aarão e

Panikkar iremos acompanhar todo o expansionismo japonês do princípio do século XX e seus

reflexos em uma China fragilizada e sem unidade política. Observaremos, igualmente, a partir

do fim da II Guerra Mundial, o estabelecimento de um antagonismo ideológico que levará

estes países a seguirem caminhos diametralmente opostos de desenvolvimento: de um lado,


uma potência militar capitalista e, de outro, uma economia que, mesmo hoje, após o fim do

socialismo real1, ainda faz questão de rotular-se como uma economia socialista de mercado.

No quarto capítulo, acompanharemos a evolução das relações comerciais

regionais na Ásia Oriental, analisando a interdependência econômica inerente àquela região.

Neste capítulo, conduzidos por autores como Guimarães, Miyazaki, Griffith-Jones e Frank,

verificaremos os mecanismos de transferência tecnológica que serão responsáveis não apenas

pelo estreitamento dos laços comerciais na região, mas também por uma aproximação política

que irá impulsionar todo o processo de integração asiático.

Nas considerações finais, concluindo o desenvolvimento do estudo nos capítulos

relatados, procuraremos sintetizar as conclusões obtidas em cada parte deste estudo e apontar,

brevemente, o caminho que a economia asiática parece seguir. Buscaremos alcançar, então,

nosso objetivo de contextualizar a rivalidade entre China e Japão no processo de cooperação

asiática, demonstrando a relevância de uma concertação política para o desenvolvimento

econômico de uma integração regional.

Capítulo I: Regionalismo e integração na Ásia Oriental


1
Grande parte dos estudiosos, entre eles Daniel Aarão Reis Filho, assim denomina o regime econômico e social
implantado a partir da URSS, de modo a diferenciá-lo das propostas esboçadas na teoria marxista. N. da A.
Para compreendermos o regionalismo asiático contemporâneo faremos uma breve

introdução ao conceito de integração regional, buscando conhecer sua origem, suas

características e as conseqüências desta cooperação para os atores envolvidos. Confrontando,

principalmente, as definições de Andrew Hurrell e Joseph Nye, buscaremos caracterizar este

processo e diferenciá-lo das tentativas de organização regional da década de 1960,

contextualizando-o no século XXI. Ainda, utilizando o que Luciano Tomassini aponta como

“tendências globais2”, descreveremos as transformações ocorridas neste “novo mundo”,

responsáveis por conferir a esta nova tendência regionalista um caráter tão diverso dos

processos dos anos 60.

Diversas correntes teóricas apresentaram premissas que buscam debater e, assim,

explicar o regionalismo como processo necessário aos Estados. Através de Hurrell,

verificaremos o debate entre as correntes realista e de interdependência entre as nações 3 e as

críticas que se apresentam a cada uma destas visões. Através de Rogério Haesbert, veremos a

aproximação entre duas outras correntes que trabalham a fragmentação e a globalização 4 e a

contribuição destas para a compreensão do regionalismo.

De posse de uma base teórica acerca da formação destes espaços regionais,

buscaremos entender o processo de regionalização do leste asiático. Primeiramente,

levantaremos os obstáculos que se colocam para o estabelecimento de uma integração na

região, depois, utilizando a definição de Balassa5 dos tipos de integração possíveis,

verificaremos o modelo mais adequado às características do leste asiático, comparando-o com

os modelos já operantes na região.

2
TOMASSINI, Luciano. “Globalização e Regionalismo”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra,
setembro / outubro / novembro 1995 – Vol. 4 – Nº 2, p. 150-152.
3
HURRELL, Andrew. O Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial, Contexto Internacional. Vol. 17,
no. 1, 1995. p. 25-26.
4
HAESBAERT, Rogério. Globalização e Fragmentação no Mundo Contemporâneo. Niterói, RJ, EdUFF –
Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998, p. 11-53.
5
Apud in MIYAZAKI, Silvio Yoshiro Mizuguchi. “Regionalismo no Pacífico Asiático: integração econômica
orientada pelo comércio externo”. Revista de Economia Política. Vol. 16, No. 1 (61), janeiro/março/96. p.129.
Finalizando este capítulo, verificaremos a importância de China e Japão para a

origem deste impulso regionalista, ainda que superficialmente, para compreendermos a

importância da evolução destes dois atores para o estabelecimento bem-sucedido de uma

integração no leste asiático.

1.1. Conceito de Integração

A última metade do século XX foi marcada por transformações políticas,

econômicas, tecnológicas e sócio-culturais que aplicaram ao mundo uma nova configuração,

mais dinâmica e interdependente6. A maior conseqüência destas mudanças é a maior

permeabilidade da soberania nacional, caracterizada por uma linha cada vez mais tênue entre

os interesses nacionais e os assuntos internacionais. Como coloca Andrew Hurrell, “os limites

territoriais estão se tornando cada vez menos importantes, o sentido tradicional de soberania

está sendo solapado e as regiões individualmente passaram a ser consideradas dentro de um

contexto global mais amplo7”. Este fenômeno pode ser demonstrado através da freqüência

cada vez maior de processos de formação de blocos regionais.

Balassa8 define integração econômica como sendo o processo em que dois ou

mais países “desenvolvem medidas para eliminar as barreiras existentes entre as diferentes

economias nacionais”. Gohran Ohlin9 classifica a integração como “um processo de

crescimento no qual os países aprendem a superar suas desconfianças e finalmente perceber o

que há de diferente entre eles”. Independente dos diversos conceitos, segundo Andrew

6
TOMASSINI, Luciano. “Globalização e Regionalismo”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra,
setembro / outubro / novembro 1995 – Vol. 4 – Nº 2, p. 150.
7
HURRELL, Andrew. O Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial, Contexto Internacional. Vol. 17,
no. 1, 1995. p. 25-26.
8
Apud in MIYAZAKI, Silvio Yoshiro Mizuguchi. “Regionalismo no Pacífico Asiático: integração econômica
orientada pelo comércio externo”. Revista de Economia Política. Vol. 16, No. 1 (61), janeiro/março/96. p.129.
9
OHLIN, Goran. O sistema multilateral de comércio e a formação de blocos. Política Externa. Vol. 1, no. 2. São
Paulo: Paz e Terra, Set. 1992, p.59.
Hurrell10, “em boa parte do debate político e acadêmico está (...) implícito que o regionalismo

é uma coisa naturalmente boa”.

Para o autor, este fenômeno contemporâneo nada mais é que o ressurgimento de

uma “onda regionalista” que ocorreu pela última vez nos anos 60. A formação de blocos

econômicos regionais teve início na Europa, quando os países do continente perceberam a

importância da integração de forças na reconstrução de seus países.

Naquele período, Joseph Nye11 descreveu duas formas de regionalismo:

1) uma integração econômica formal, estruturada por instituições formais; e

2) organizações de caráter político, voltadas para o controle e a solução de

conflitos na região.

Ao mesmo tempo, também, como aponta Batuli12, eclodiram, em outros pontos do

globo, “tentativas isoladas de integração”: a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste

Asiático), na Ásia, e a ALALC (Associação Latino Americana de Livre Comércio), na

América Latina, são alguns exemplos. Também segundo Batuli, a maioria destes processos

permaneceu inativa durante a Guerra Fria, principalmente pelo temor norte-americano de

perder o controle sobre cada um destes Estados, caso eles estivessem fortalecidos pela política

“em bloco”.

Luciano Tomassini aponta três tendências globais que tiveram forte influência na

globalização das relações internacionais, na diversificação do sistema internacional e,

conseqüentemente, ao que ele denomina “um pujante processo de regionalização13”. A

primeira foi o surgimento de um novo paradigma sociotecnológico, com base principalmente

no conhecimento, na informática e na microeletrônica. A segunda, a criação de uma


10
HURRELL, Andrew. O Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial, Contexto Internacional. Vol. 17,
no. 1, 1995. p. 25-26.
11
NYE, Joseph S. Peace in Parts: Integrations and Conflict in Regional Organizations, Boston, Little, Brown and
Co. 1971.
1212
BATULI, Aline Wakin. As Transformações da China e o Processo de internacionalização do Leste Asiático.
Monografia apresentada à Universidade Estácio de Sá: Rio de Janeiro, 2004.

13
TOMASSINI, Luciano. “Globalização e Regionalismo”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra,
setembro / outubro / novembro 1995 – Vol. 4 – Nº 2, p. 150-152.
comunidade global formada pelo agrupamento de sociedades nacionais e suas estruturas

produtivas, seus fluxos de comércio e movimentações financeiras, suas tendências políticas e

os valores de seus cidadãos. Por último, o ressurgimento de uma sociedade civil recém-liberta

de um Estado militar, industrial e burocrático, disposta a exigir os seus direitos frente ao

governo.

Estas tendências globais apontadas por Tomassini são as responsáveis pelas

transformações ocorridas nos “novos” processos de integração, em relação às tendências

regionalistas da década de 60. Rogério Haesbaert, porém, coloca a globalização

contemporânea como “um produto da expansão cada vez mais ampliada do capitalismo e da

sociedade de consumo, acarretando uma crescente mercantilização da vida humana14”. Este

processo derivaria da lógica própria do capitalismo, que é responsável não somente por

expansão para novas áreas, mas também pelas redivisões entre diversos blocos de influência

do capital financeiro. Assim sendo, seriam as movimentações das empresas transnacionais o

impulso para o aprofundamento do processo de integração em formas cada vez mais

complexas15.

Hurrell aponta quatro características deste “novo regionalismo 16”, fundamentais

para a compreensão de um processo de integração regional na Ásia contemporânea:

1) a emergência de um “regionalismo Norte-Sul”, ou seja, a formação de blocos

geo-econômicos por suas zonas hemisféricas, como é o caso do NAFTA 17, da União Européia,

da América Latina e dos processos regionais em formação na Ásia. Uma explicação para a

formação desta delimitação geográfica seria a similaridade cultural, econômica, política e até

mesmo étnica, que geraria uma sensação de “pertencimento”;

14
HAESBAERT, Rogério. Globalização e Fragmentação no Mundo Contemporâneo. Niterói, RJ, EdUFF –
Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998, p. 13.
15
TOMASSINI, Luciano. “Globalização e Regionalismo”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra,
setembro / outubro / novembro 1995 – Vol. 4 – Nº 2, p. 151.
16
HURRELL, Andrew. O Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial, Contexto Internacional. Vol. 17,
no. 1, 1995. p. 24.
17
North American Free Trade Agreement ou Acordo Norte Americano de Livre Comércio. N. da A.
2) a diversidade no grau de institucionalização dos novos agrupamentos, muitos

deles evitando a burocratização das organizações tradicionais. Embora, como veremos mais

detalhadamente, os processos de integração asiáticos sigam um modelo mais informal de

integração, Hurrell lembra que a Conferência de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático

mantém uma preocupação constante com o grau exato de institucionalização necessária para a

eficácia do esquema regionalista;

3) uma permeabilidade cada vez maior da divisão entre interesses econômicos e

políticos, o que fica bem evidente nas relações sino-japonesas, onde uma convergência

política tem sido feita a despeito do revanchismo histórico entre os dois atores, visando

sempre o sucesso das relações comerciais; e

4) o renascimento do sentimento de identidade e pertencimento regional, o que, no

caso asiático, como debateremos posteriormente, pode estar ligado não somente à necessidade

de fazer frente ao poderio norte-americano e europeu, mas também, à valorização crescente de

uma imagem oriental em oposição a uma ocidental.

Estas características, portanto, estão intimamente relacionadas ao mecanismo de

integração na Ásia, afetando mesmo os projetos mais antigos como o da ASEAN, que teve

início ainda na década de 80.

1.2. Realismo X Interdependência

Tendo visto o debate preliminar sobre o conceito de integração, iremos aprofundá-

lo situando-o no bojo das discussões teóricas no âmbito das Relações Internacionais.

Neste sentido, verificamos, a partir da criação da Comunidade Européia, em 1957,

que diversos autores concentrados principalmente nas transformações nas relações intra-

regionais, começam a desenvolver teorias para explicar sua criação, suas possibilidades de

aprofundamento em termos econômicos e, por outro lado, suas perspectivas de criação de uma
comunidade política18. Com o surgimento de outros processos regionais, não apenas em outras

partes do globo, mas também com níveis diferenciados de integração entre os membros, novas

teorias - com novos objetivos, dados e conclusões - foram desenvolvidas para debater o

regionalismo dentro de um contexto contemporâneo. Estas são as teorias que trabalharemos

neste capítulo.

Andrew Hurrell levanta duas discussões principais: a primeira, debate o

regionalismo em uma visão sistêmica, ou seja, levando em conta o contexto político e

econômico no qual este processo regionalista está inserido e o impacto deste sobre a região; a

segunda, estuda o regionalismo in loco, ou seja, dentro de seu próprio processo, avaliando a

interdependência entre os Estados membros em oposição ao seu relacionamento com o

restante do globo19. Em ambas as discussões o enfoque principal trata da dicotomia entre as

teorias realistas e as teorias de interdependência entre as nações.

A teoria realista entende o regionalismo como sendo fruto da necessidade de

fortalecimento do estado frente à competição no mercado internacional ou diante de uma

ameaça externa. Como exemplo da primeira carência, o autor aponta os Estados sul-

americanos, que, tendo pouca expressão no cenário competitivo como single players20,

utilizaram a formação de um bloco regional de comércio como uma forma de garantirem

mercado consumidor para seus produtos e, ao mesmo tempo, aumentarem o seu poder de

barganha. Assim, ainda segundo Hurrell, conseguiram manter um desempenho ótimo mesmo

frente a países desenvolvidos no continente, como Estados Unidos e Canadá.

Já na segunda premissa realista, o regionalismo seria uma estratégia de

fortalecimento das nações frente a um inimigo ou ameaça comum. O exemplo clássico que

Hurrell utiliza em sua exposição é o europeu, que, após a devastação econômica e física de

18
HURRELL, Andrew. O Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial, Contexto Internacional.
Vol. 17, no. 1, 1995. p. 30.
19
Idem, p. 31.
20
Ou “atores independentes”, o que significa atuar isoladamente nas negociações internacionais, visando
unicamente os interesses de seu país, não de uma região. N. da A.
seu continente, percebeu ser a cooperação regional a melhor forma de não só recuperar sua

economia fragilizada, mas também se manter a salvo da ameaça soviética, tão próxima

geograficamente.

Hurrell critica alguns pontos do neo-realismo:

[...] o neo-realismo diz pouco sobre as características da cooperação regional


depois de estabelecida, e sobre o modo como os hábitos de cooperação
sustentada podem envolver estruturas institucionais muito diferentes da idéia
tradicional de coalizão, aliança ou organização internacional. [...] O neo-
realismo também diz pouco sobre o impacto dos fatores internos. Fala muito
de Estados quanto atores com interesses próprios competindo em um mundo
anárquico, mas deixa sem explicação a identidade dos “próprios” e a
natureza dos interesses, ou simplesmente as pressupõe 21.

Já a teoria da interdependência, que Hurrell associa a estudiosos como Joseph

Nye, Robert Keohane e Edward Morse, critica vigorosamente o neo-realismo, avaliando o

regionalismo contemporâneo no contexto de uma globalização cada vez mais intensa. Esta

teoria trabalha com a idéia de flexibilização da economia e da redução da importância dos

limites territoriais. Os responsáveis por ele apontados são a tecnologia da informação e a

facilidade com que esta difunde idéias, tecnologias e conhecimentos, além da força

homogeneizadora e integradora do mercado internacional. Assim o regionalismo seria “o

nível mais viável para reconciliar o mercado integrador e as pressões tecnológicas para a

globalização e integração, de um lado, e as tendências igualmente visíveis à fissão e

fragmentação, do outro22”.

Os principais argumentos desta teoria apóiam-se em alguma das seguintes

considerações, enumeradas por Hurrell23:

21
HURRELL, Andrew. O Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial, Contexto Internacional. Vol. 17,
no. 1, 1995. p. 32.
22
HURRELL, Andrew. O Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial, Contexto Internacional. Vol. 17,
no. 1, 1995. p. 39.
23
Idem, p. 37.
1) um aumento dramático na “densidade” e na “profundidade” da

interdependência econômica;

2) um papel crucial da tecnologia da informação e da revolução da informação na

difusão de conhecimentos, tecnologias e idéias; e

3) a criação de uma infra-estrutura material para o fortalecimento da

interdependência das sociedades.

Assim, Hurrell afirma que, cada vez mais, a regionalização econômica é

conduzida pelas políticas de companhias transnacionais, deixando os Estados de serem os

únicos atores relevantes. Essa visão é também confirmada por Tomassini, que considera

previsível que “continue se aprofundando o processo de integração produtiva impulsionado

pelas empresas transnacionais24”. Porém, à medida que estes acordos passem a abranger

políticas estratégicas para as nações, como segurança, transferência tecnológica, migrações e

outros aspectos considerados “internos”, o Estado permanece ainda em um papel

fundamental, como mediador e até mesmo controlador dos acordos negociados.

1.3. Fragmentação X Globalismo

Deixando o âmbito do debate nas Relações Internacionais, analistas regionais –

seja no campo econômico, seja no político – ressaltam que o regionalismo é, em si, uma

questão que, para ser discutida, deve ser também contextualizada nos dias de hoje.

Neste sentido, uma outra interpretação do fenômeno do regionalismo trabalha

diretamente com as transformações sofridas nas últimas décadas, dando ao mundo uma nova e

complexa geografia e onde, segundo Rogério Haesbert, podemos inserir a dinâmica da

globalização/fragmentação25. Citando Ortiz, ele afirma que “contrapor globalização à


24
TOMASSINI, Luciano. “Globalização e Regionalismo”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra,
setembro / outubro / novembro 1995 – Vol. 4 – Nº 2, p. 151.
25
HAESBERT, Rogério. Globalização e Fragmentação no Mundo Contemporâneo. Niterói, RJ, EdUFF –
Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998, p. 24.
fragmentação é um falso problema. (...) a globalização se realiza através da diferenciação 26”.

Assim sendo, a fragmentação pode tanto ter um vínculo profundo com o conceito de

globalização, como pode ser utilizado para contradizê-lo ou mesmo contestá-lo.

Por isso, distingue uma fragmentação “integradora” ou “inclusiva” de uma

“desintegradora” ou “excludente”.27 Uma fragmentação inclusiva, na visão de Haesbert, seria

uma parte intrínseca da globalização, constituindo, na realidade, uma forma de realizá-la. Um

exemplo, que será mais detalhado ao explicarmos a teoria dos gansos voadores de Akamatsu,

é a fragmentação da produção em países com diferentes níveis tecnológicos, permitindo que

todos possam usufruir o aquecimento do mercado, ainda que dentro de seu potencial. Ao

mesmo tempo, no caso asiático, esta fragmentação acabou por servir como uma forma de

transferência de tecnologia, diferente da visão de “taylorismo sanguinário” descrita por

Lipietz, onde a produção de alto nível tecnológico ficou restrita a alguns núcleos seletos28.

Para Haesbert o processo de criação de espaços regionais “é uma das respostas do

próprio capitalismo globalizado tendo em vista sua melhor performance 29”. Ou seja, tentando

definir formas que atinjam melhor seus interesses acima das metas nacionais estabelecidas.

Nesta perspectiva, ainda segundo o autor, seria não só uma estratégia de sobrevivência, mas

também uma forma de manter pacífico um cenário dominado por três forças predominantes:

japoneses, americanos e europeus.

1.4. O Processo de Integração do Sudeste Asiático

26
Apud in HAESBERT, Rogério. Globalização e Fragmentação no Mundo Contemporâneo. Niterói, RJ, EdUFF
– Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998, p. 24.
27
HAESBERT, Rogério. Globalização e Fragmentação no Mundo Contemporâneo. Niterói, RJ, EdUFF –
Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998, p 24-25.
28
HAESBERT, Rogério. Globalização e Fragmentação no Mundo Contemporâneo. Niterói, RJ, EdUFF –
Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998, p. 24-25.
29
Idem, p. 27.
Após introduzirmos algumas das principais premissas do debate acerca do

regionalismo, buscaremos, a seguir, levantar determinadas características que particularizam a

Ásia nessa questão.

Assim sendo, podemos iniciar com uma citação de Gilson Schwartz, no texto “O

Bloco Asiático” de Altemani e Amorin, onde este diz que o processo de integração na região

“esbarra em inúmeras dificuldades, a começar pela memória política da região, diferenças

culturais e de distribuição de renda30”. Apesar disto, a partir do final do século XX, tornou-se

corrente a idéia de um bloco asiático liderado pelo Japão.

Hoje, diversos fatores contribuem para o pensamento de que um bloco na região

asiática seria composto, não sob as asas de uma única potência, mas sob um ponto de vista

multipolar. A primeira razão seria o fato de que, além do Japão, duas outras economias

despontam como principais: China e Índia. Apesar disso, conforme afirma Arthur Meyer,

estes três países ainda não se encontram em condições de “exercer um papel de major player

nas políticas regional e mundial31”. Ou seja, qualquer projeto de integração precisaria contar

com os esforços conjuntos destas três nações.

A segunda razão relaciona-se com os new industrialized countries (países de

industrialização recente), que vêm seguindo o mesmo processo acelerado de desenvolvimento

econômico do Japão dos anos 60. Embora seja claro que o Japão tenha exercido a função de

“locomotiva” do processo de desenvolvimento desses países, existe um medo muito grande de

que as economias de porte diferenciado viessem a deixar o ônus da integração recair sobre os

menos desenvolvidos. Porém, para que uma integração desse tipo ocorra, é preciso um maior

equilíbrio na região historicamente conhecida por seus conflitos étnicos e religiosos. A Ásia é

uma região que possui imensa riqueza histórica e cultural, mas ela também é conhecida por

30
SCHWARTZ, Gilson, coordenador. Lições da Economia Japonesa. São Paulo, Saraiva S.A. Livreiros
Editores, 1995 / 1ª edição, p. 141.
31
MEYER, Arthur V. Correa. “A Região da Ásia-Pacífico no Limiar do Século XXI: o Papel da APEC e da
ASEAN”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, junho 1996 – Vol. 5 – Nº 1, p. 103.
possuir tradições e costumes milenares que constituem, no entender de Lytton Guimarães,

“fator de resistência ao processo de modernização e um verdadeiro desafio (...)32”.

A primeira questão refere-se à convivência na região de quatro civilizações: a

islâmica, tendo como exemplo a Indonésia, que possui a maior população islâmica do mundo;

a cinótica, ou chinesa, em um sentido amplo; a eslava ou ortodoxa, considerando-se a parte

asiática da Federação Russa; e a ocidental, se tomarmos a Oceania como um apêndice da

integração asiática ao levarmos em conta a delimitação da bacia Ásia-Pacífico. Essa

característica já seria, por si só, um obstáculo à integração. Some-se isso à convivência de

diversas culturas, convivência nem sempre pacífica, e à mistura de etnias nos países, que nem

sempre se dá de forma equilibrada, e temos uma região onde parece ser impossível um

acordo33.

Segundo Silvio Miyazaki34, os modelos de integração são desenvolvidos com base

no grau de interação econômica da região, que pode variar desde um regionalismo aberto a

uma completa integração econômica, como classificado por Balassa:

[...] numa área de livre comércio as tarifas e restrições quantitativas entre os


países participantes são eliminadas, entretanto cada país mantém suas
próprias tarifas contra os não membros. O estabelecimento de uma união
tarifária envolve [...] a equalização das tarifas comerciais com os países não-
membros. [...] num mercado comum, [...] não somente são abolidas as
restrições de comércio, mas também as restrições quanto ao movimento de
fatores. Uma união econômica [...] combina a supressão das restrições com
políticas coordenadas em relação aos produtos finais e fatores econômicos.
[...] a integração econômica total pressupõe a unificação monetária, fiscal,
social e de políticas e requer a construção de um poder supranacional 35[...]”.

32
GUIMARÃES, Lytton L.. A Ásia Contemporânea e sua Inserção Internacional. in GUIMARÃES, Lytton L.
Ásia-América Latina-Brasil: A Construção de Parcerias. Brasília: UnB/CEAM/NEÁSIA, 2003, p. 21.
33
ABDENUR, Roberto. “O Brasil e a Nova Realidade Asiática: uma Estratégia de Aproximação”. Política
Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, dezembro 1993 – Vol. 2 – Nº 3, p. 47
34
MIYAZAKI, Silvio Yoshiro Mizuguchi. “Regionalismo no Pacífico Asiático: integração econômica orientada
pelo comércio externo”. Revista de Economia Política. Vol. 16, No. 1 (61), janeiro/março/96. p.128-139.
35
Apud in MIYAZAKI, Silvio Yoshiro Mizuguchi. “Regionalismo no Pacífico Asiático: integração econômica
orientada pelo comércio externo”. Revista de Economia Política. Vol. 16, No. 1 (61), janeiro/março/96. p.128-
139.
Para ele, no caso do regionalismo aberto, o grau de integração é mais brando que

em uma área de livre comércio, assim, levando em conta os fatores peculiares à Ásia,

Miyazaki afirma ser o “regionalismo aberto” o tipo de integração ideal para a região. Embora,

à primeira vista, pareça excluir os países externos, a vantagem deste modelo é o de permitir

que seus membros reduzam suas tarifas com não-participantes, mantendo quaisquer vínculos

comerciais existentes antes do compromisso intrabloco 36. Citando Yamazuwa, Miyazaki

afirma que “o regionalismo aberto é o mais adequado para regiões em que já há

interdependência econômica, como a do Pacífico Asiático37”.

Um dos exemplos já existentes deste tipo de integração é a APEC (Ásia Pacific

Economic Cooperation), criada em 1989. Ela está baseada em quatro princípios:

1) liberalização unilateral, o que permite que o Estado exerça sua soberania ao

escolher os países outros com quem deseja negociar;

2) redução das barreiras comerciais e de investimentos a países que não são

membros;

3) extensão dos benefícios da APEC aos não membros em bases recíprocas,

incluindo as obrigações;

4) liberalização individual dos países membros a não membros em bases

condicionais ou em bases incondicionais.

Um outro bloco vem tentando trabalhar questões não-vinculadas à economia, mas

principalmente as questões políticas: a ASEAN, Associação dos Países do Sudoeste da Ásia.

As maiores discussões versam sobre as conseqüências da redução da presença armada dos

EUA na região e sobre focos de instabilidade política. Apesar disto, seu comércio exterior tem

crescido de forma extraordinariamente rápida, como nos coloca Meyer, alcançando um

crescimento de 40% em 1994, atingindo 111 bilhões de dólares38.


36
Idem, p.30.
37
Ibidem.
38
MEYER, Arthur V. Correa. “A Região da Ásia-Pacífico no Limiar do Século XXI: o Papel da APEC e
da ASEAN”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, junho 1996 – Vol. 5 – Nº 1, p. 111.
A questão de um bloco na região asiática, porém, vai muito além das decisões

sobre sua implementação. Uma das questões mais preocupantes da região é a explosão

demográfica que traz perspectivas assustadoras para o continente, incluindo a destruição de

mananciais de água, escassez de alimentos, crise habitacional, desemprego e até a quebra do

sistema previdenciário. Em 2000, segundo Lytton Guimarães, a população total dos 16

países incluídos em seu estudo (Japão, Cingapura, Coréia do Sul, Malásia, Tailândia,

Filipinas, Sri Lanka, China, Vietnã, Indonésia, Índia, Myanmar, Camboja, Paquistão, Laos e

Bangladesh) representava 54% da população mundial39. Acredita-se que apenas o Camboja, o

Paquistão e o Laos continuem, até 2015, com a taxa de crescimento acima dos 2%; porém são

estes justamente os países, ressalta Lytton, com os indicadores de pobreza mais elevados40.

Outra preocupação se relaciona com o Índice de Desenvolvimento Humano – o

IDH, índice que procura medir as realizações de um país através de uma média calculada de

seu desempenho em áreas como expectativa de vida, escolaridade e distribuição de renda.

Este índice, segundo Lytton, veio “preencher uma lacuna há muito reclamada por especialistas

de várias áreas, políticos e líderes mundiais, preocupados não apenas com o crescimento

econômico, mas principalmente com as dimensões sociais, culturais e políticas do

desenvolvimento”. Dentro dos 16 países da região, metade está classificada como de IDH

baixo, ocupando as últimas posições do ranking mundial41. Essa informação traz maiores

preocupações quando estabelecemos uma comparação com Japão, Cingapura e Coréia do Sul,

consideradas como de IDH Alto. Esta questão, porém, tem sido estudada por estes países e é

possível notar, como coloca Arthur Meyer, que os países asiáticos vêm apresentando, de

forma bastante similar, “taxas altas de poupança e investimento doméstico e gastos públicos

39
GUIMARÃES, Lytton L. A Ásia Contemporânea e sua Inserção Internacional. in GUIMARÃES, Lytton L.
Ásia-América Latina-Brasil: A Construção de Parcerias. Brasília: UnB/CEAM/NEÁSIA, 2003, p. 34
40
GUIMARÃES, Lytton L. A Ásia Contemporânea e sua Inserção Internacional. in GUIMARÃES, Lytton L.
Ásia-América Latina-Brasil: A Construção de Parcerias. Brasília: UnB/CEAM/NEÁSIA, 2003, p. 34.
41
Idem, p. 32.
em educação primária e secundária42”. Meyer chega a afirmar que o investimento principal do

governo tem sido no crescimento econômico através do comércio exterior. Esta não é uma

perspectiva recente. Na verdade, a Ásia é dona de um comércio milenar, tradicionalmente tido

como organizado, apesar dos conflitos regionais constantes.

A partir de meados do século XX, iniciou-se, a partir do Japão, um processo de

transmissão de industrialização de um país a outro, através do que Akamatsu denominou

“flying wild geese pattern”, ou teoria dos gansos voadores. Segundo esta teoria, que explicaria

o caso do desenvolvimento japonês e, a partir deste país para toda a região, haveria um ciclo

que levaria a que a produção de um determinado fator, ao atingir seu auge de exportação,

passaria a ser produzida no país importador, deixando o país previamente industrializado livre

para se dedicar a um novo produto de tecnologia mais avançada 43. Este ciclo, que teria se

iniciado nos Estados Unidos, teria se repetido no Japão e, a partir deste, em todo o Leste

asiático, como demonstrado no gráfico a seguir:

42
MEYER, Arthur V. Correa. “A Região da Ásia-Pacífico no Limiar do Século XXI: o Papel da APEC e da
ASEAN”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, junho 1996 – Vol. 5 – Nº 1, p. 108.

43
MIYAZAKI, Silvio Yoshiro Mizuguchi. “Regionalismo no Pacífico Asiático: integração econômica orientada
pelo comércio externo”. Revista de Economia Política. Vol. 16, No. 1 (61), janeiro/março/96. p.128-139.
Segundo Silvio Miyazaki, “o crescimento econômico liderado pelas exportações

dos países do Sudeste e Leste Asiático, assim como a interdependência econômica 44” são as

principais causas do desenvolvimento na região. Dentro deste ponto de vista é possível

conceber o comércio exterior no bloco asiático, principalmente se aliado a um processo de

substituição de importações, como o grande motor de desenvolvimento e, como tal, deve ser

estimulado e priorizado, em detrimento de quaisquer perspectivas políticas e ideológicas.

Um exemplo da importância primordial que os países vêm dando ao comércio

exterior é o caso da China. Após a abertura ao comércio, ainda que suave, no final do século

XX, o PIB chinês elevou-se em mais de 50% 45. A China começou, então, a estender seus

limites: assinou o acordo de Bancoc, onde se comprometeu a expandir o comércio entre os

países em desenvolvimento do continente através de reduções preferenciais de tarifas, assinou

um acordo com a Índia, em fevereiro de 2003, estabelecendo reduções tarifárias para cerca de

44
Idem, p. 128.
45
MEYER, Arthur V. Correa. “A Região da Ásia-Pacífico no Limiar do Século XXI: o Papel da APEC e da
ASEAN”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, junho 1996 – Vol. 5 – Nº 1, p. 105.
200 itens46 e, o que Eduardo Gonçalves Serra acredita que possa ser considerado “o principal

acontecimento da economia internacional da última década 47”: ingressou na Organização

Mundial do Comércio – principal organismo internacional de caráter capitalista – em

dezembro de 2001, fortalecendo e consolidando a dimensão global desse organismo e gerando

modificações profundas no comércio mundial. Toda essa dedicação rendeu bons frutos: o

governo japonês, segundo Amaury, registrou estar a China “deslocando o Japão como líder do

crescimento econômico do Leste Asiático”.

Isso levanta mais um ponto de discórdia na questão de integração. O Japão já não

é mais visto como o líder regional da Ásia. Essa desaceleração é fruto principalmente da

expressiva desvalorização dos mercados de ativos no Japão no início da década passada. Por

conta disso, o país apresentou, entre 1990 e 2000, decepcionantes 1,1% ao ano de taxa de

crescimento, a menor entre os 16 países do Leste Asiático 48. Um país que se recuperara tão

fantasticamente de duas bombas nucleares levou o mundo a crer que sua recuperação desta

crise econômica, com subseqüente reajuste bancário, seria feita muito mais rapidamente do

que efetivamente tem sido. Dentro do bloco o país apresenta ainda uma reação de relutância

dos seus vizinhos regionais, devido à frustrada expansão imperialista e ao recente

reaparelhamento militar que vai contra a sanção que lhe havia sido imposta ao final da 2ª

Guerra Mundial.

Além de seus problemas particulares, Japão e China precisam, antes de tudo,

resolver sua rivalidade ancestral. É possível perceber uma tendência ao esquecimento de

conflitos e uma aproximação crescente entre os dois países. Apesar disso, o Japão encontra-se

entre dois caminhos muito diferentes: manter-se isolado e buscar uma aliança, ainda que mais

46
OLIVEIRA, Amaury Porto. “O Salto Qualitativo de uma Economia Continental”. Política Externa. São
Paulo, Editora Paz e Terra, março / abril / maio 2003 / Vol.11 – Nº 4, p. 5.
47
SERRA, Eduardo Gonçalves. “Considerações sobre os impactos da entrada da China na OMC”. Política
Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, março / abril / maio 2003 / Vol.11 – Nº 4, pp. 39-40.
48
GUIMARÃES, Lytton L. A Ásia Contemporânea e sua Inserção Internacional. in GUIMARÃES, Lytton L.
Ásia-América Latina-Brasil: A Construção de Parcerias. Brasília: UnB/CEAM/NEÁSIA, 2003, p. 36.
branda, com os Estados Unidos, ou submeter-se a uma integração regional em pé de igualdade

com a China, ou, na pior das hipóteses, sob a égide desta nação.

Além disso, é preciso dizer que todos os problemas existentes no Sudeste Asiático

nem de longe superam os da Ásia Meridional. Roberto Abdenur coloca que, apesar da

evolução marcadamente positiva desde os anos 80, estima-se que cerca da metade da

população que sobrevive em estado de pobreza more nesta região 49. Embora estes países

venham implementando reformas importantes como redução da interferência estatal na

economia, privatizações e abertura comercial, a redução das taxas de crescimento

populacional é uma das necessidades fundamentais para que a melhora dos padrões de vida

realmente ocorram.

Abdenur, utilizando alguns dos elementos de análise esboçados por Samuel

Huntington em “O Choque das Civilizações”, afirma que a região passa por uma tendência

crescente à convivência pacífica e que, à exceção da península coreana, a Ásia goza de um

período de paz e estabilidade. Uma das causas deste interlúdio é um crescente sentimento pan-

asiático responsável pela criação de uma consciência oriental dentro da qual os países do leste

asiático se reúnem buscando uma identidade comum para fazer frente a um elemento externo

à região. Como salienta Abdenur, Huntington alerta que seria possível haver coalizões de

culturas distintas para fazerem frente a uma ameaça comum representada por uma cultura

externa que estivesse se impondo, podendo vir a modificar estruturas e valores locais, o que

resultaria em movimentos de resistência. Através desta perspectiva, verificaremos, no

próximo capítulo, que, ainda que esta unidade regional tenha ficado mais evidente a partir dos

anos 80, suas raízes datam, na verdade, da chegada dos europeus ao continente, ainda no

século XVI.

Capítulo II: A Influência Ocidental na Ásia Oriental


49
ABDENUR, Roberto. “O Brasil e a Nova Realidade Asiática: uma Estratégia de Aproximação”. Política
Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, dezembro 1993 – Vol. 2 – Nº 3, p. 47.
A chegada dos ocidentais à Ásia provocou diversas transformações nas

civilizações ali estabelecidas. Porém, à época da chegada dos europeus, apenas duas delas

estavam realmente organizadas em uma estrutura estatal que verdadeiramente exercesse o

sentido de soberania, tal como esse será entendido pela Europa pós-Westfalia 50. Estas

sociedades eram China e Japão.

Mesmo assim, a soberania chinesa, naquele momento, poderia ser compreendida

como se estendendo até o Japão. Isto não quer dizer que, considerando-o parte de seu império

multi-estatal, a China exercesse sobre ele um controle efetivo, pois além de ser um território

insular, não era considerado prioritário aos seus interesses. Sua preocupação com o Japão

consistia em garantir que suas bordas estariam cercadas e, assim, o Império do Meio estaria

defendido.

Portanto, para entendermos não apenas a dinâmica política do nascimento dos

demais Estados nacionais e soberanos que hoje atuam na região, mas também o

fortalecimento de uma unidade regional sob a bandeira do pan-asiatismo 51, estudaremos a

reação de China e Japão ao contato com o Ocidente.

Os dois países apresentaram reações bastante diferentes e assimilaram de maneira

diversa a influência da nova cultura. Essas diferenças foram fundamentais não apenas para o

desenvolvimento científico, tecnológico e até mesmo político dessas sociedades, mas,

principalmente, para a mudança de perspectiva nas relações entre ambos, pondo um termo

definitivo à tentativa de retorno da suserania da China sobre o Japão.

Para obtermos a compreensão destas influências, analisaremos neste capítulo, as

tentativas de aproximação dos ocidentais, as disputas imperialistas que as nações européias

50
Em Westfalia, no ano de 1648, após a Guerra dos 30 anos, é assinado um Tratado de caráter fundamental para
as Relações Internacionais, pois, além de reconhecer a soberania nacional dos Estados, estabelece a igualdade
entre todas as nações, conceito fundamental para o equilíbrio do sistema internacional. N. da A.
51
Sentimento de unidade regional, surgido na década de 1980, que pode ser identificada pelo lema: a Ásia para
os asiáticos.
empreenderam na região, a reação de cada nação a estes “conquistadores” e as conseqüências

desta resposta na estrutura destes países. Embora este capítulo tenha um caráter

fundamentalmente histórico, nosso objetivo é exatamente situar nossos atores principais –

China e Japão – no momento histórico responsável pelas diferenças em seus processos de

desenvolvimento e, dadas estas diferenças, nas rivalidades que surgirão entre eles. Uma vez

que estas diferenças surgem exatamente do modo de absorção da cultura ocidental por cada

um destes Estados, daí a importância da compreensão deste primeiro contato entre Oriente e

Ocidente.

Uma vez que estaremos trabalhando os processos históricos destes dois países,

nos basearemos essencialmente nos livros “A Dominação Ocidental na Ásia”, de Panikkar e

“Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História”, de Jonathan Spence, que nos

ajudaram a entender o desenvolvimento da história destes atores.

2.1. O Imperialismo Europeu na China

Até o final da era Ming o Japão reconhecia a suserania da China, chegando por

vezes a declarar-se “súdito do imperador Ming” e utilizando o selo de Estado da corte de

Pequim. A dinastia Ming dedicou-se a “restaurar” a civilização chinesa, promulgando todo um

Código de leis, compilando enciclopédias e lançando inúmeras expedições marítimas.

Segundo Panikkar, “o império sob os Ming (...) gozou do século XVI à metade do século

XVII de uma paz e de uma prosperidade quase contínuas52”.

Apesar da extrema dedicação à ressurreição da China e de suas tendências

nacionalistas, a política da dinastia Ming não tinha como princípio o isolacionismo. Desde

que obedecessem o cerimonial da corte e reconhecessem as pretensões do Filho do Céu, as

52
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição, p.
73.
embaixadas de todos os países eram muito bem recebidas 53. Assim, quando, com a conquista

de Málaca pelos portugueses, a Europa toma conhecimento das imensas riquezas do império

chinês, nada mais natural que tentassem estabelecer contato com o continente desconhecido.

Portugal foi o primeiro país a aventurar-se em um comércio com a China. Seus

atos de pirataria e seu desrespeito a todas as regras do comércio internacional 54, porém,

impediram os avanços em uma negociação diplomática até o século XIX, quando obtiveram

autorização para montar um posto avançado de comércio que hoje conhecemos como Macau.

Aos portugueses seguiram-se os espanhóis, que já haviam se estabelecido nas Filipinas.

Também estes não obtiveram grande êxito em sua empreitada, pois, além da autorização para

comerciar em Cantão não houve nenhum avanço em suas relações com o país.

Com o declíneo do poderio português no primeiro quartel do século XVII, os

holandeses pouco a pouco tomaram todas as posições portuguesas nos mares orientais, com

exceção de Macau. Além disso, ocuparam Formosa, à época ainda não realmente colonizada

pelos chineses, utilizando-a como base comercial e ponto avançado para o contato com o

Japão. Em 1662, contudo, foram atacados por Ching Ching-Cong e seu exército de 25 mil

homens, em nome do imperador Ming55. Rendidos, foram obrigados a abandonar o forte.

Neste momento, porém, a China sofria a mais grave revolta deste o

estabelecimento da era Ming. Seus últimos imperadores haviam atingido o prestígio da

dinastia com sua depravação, corrupção e um grande desprezo pelos interesses públicos.

Assim, quando Li Tsen-Tcheng desencadeia uma revolta, a capital une-se a ele, decretando o

fim definitivo da dinastia secular56. Os manchus ocuparam o norte da China e invadiram o

país.

53
Idem, p. 75.
54
Ibidem, p. 76.
55
PANIKKAR, K. M.. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 79.
56
Idem.
Organizados em clãs, os manchus não eram propriamente uma nação, mas um

povo situado na fronteira da China com a Rússia que, embora tenha reconhecido por diversas

vezes a suserania da China, jamais fora realmente conquistado por ela 57. A Nurachi, um

manchu movido pelo desejo de vingar o assassinato de seu pai e de seu avô por um oficial

chinês, coube a organização da tribo em uma confederação. Nem mesmo a conferência do

título de General do Dragão e do Tigre pelo império chinês serviram para aplacar-lhe a ira,

apenas conferindo-lhe mais autoridade para constituir um poderoso exército. Por volta de

1586, aos 27 anos, Nurachi era o chefe inconteste da Manchúria58.

Em 1618, o governo de Pequim tenta abalar o poder de Nurachi. Este, em

resposta, declara guerra à China. Embora decadente, o império Ming mantém a luta de modo

desordenado por 17 anos. Com a morte de Nurachi, em 1626, os manchus já haviam

penetrado a península de Liao Tung. Tien Tsung, seu sucessor, dominou o estado coreano, os

mongóis do Tchaar e levou a guerra ao território chinês. Sua morte desencadeia a revolta de

Li Tzu-Tcheng e leva ao suicídio o último dos Ming. Em 1645, os Tsing – como era chamada

a dinastia manchu – sobem ao trono de Pequim e submetem a China à sua lei59.

A esta época o território da China limitava-se à região situada ao sul da Grande

Muralha e não compreendia nem o Sinkiang, nem o Tibet. Dois séculos depois o império

chinês havia crescido desmedidamente, indo do extremo norte da Coréia ao Camboja, e do

Pacífico ao Himalaia e ao Caracorum 60, adquirindo uma configuração bem mais semelhante à

atual, como poderemos ver no mapa a seguir:

57
Ibidem, p. 80.
58
PANIKKAR, K. M.. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição.
p. 80.
59
Idem, p. 81
60
Ibidem.
FIGURA 1: Território da China no século XIX.

Os primeiros a tentar estabelecer relações diplomáticas com o novo império,

segundo Panikkar, foram os holandeses, acreditando que receberiam algumas embaixadas em

troca do apoio ao soberano manchu em sua luta. Porém o fato de serem protestantes fez com

que os missionários europeus já instalados na corte de Pequim desde o fim da era Ming

impedissem a entrada dos holandeses a todo custo61. À Holanda seguiu-se a Inglaterra;

primeiro, buscando uma aproximação conjunta, depois tentou a sorte por si só. Após uma

61
Ibidem.
frustrada tentativa de dominar Cantão e obter, assim, a permissão para negociarem livremente,

foram obrigados a carregar seus navios e partir novamente em direção às Índias.

Em 1685, um decreto imperial que visava desenvolver as relações comerciais da

China com o resto do mundo, abriu o porto de Cantão ao comércio e a Companhia Inglesa das

Índias, que detinha o monopólio do comércio inglês na Ásia, pôde instalar neste uma feitoria,

assim como um pequeno posto em Ningpó62. A legalização oficial do comércio britânico,

porém, ocorreu apenas em 1715. Este comércio era restrito à cidade de Cantão e, ainda assim,

as negociações eram feitas por intermédio dos Hong – guilda de mercadores que detinham o

monopólio do comércio da cidade. Dentro de seus edifícios, os ingleses eram reis, fora dele,

porém, estavam submetidos às normas impostas pelos chineses, como coloca Panikkar:

O regulamento encarregava-se de fazer-lhes lembrar: proibição de usar

cadeirinhas, proibição de ir a jardim público sem estarem acompanhados de

um guarda, proibição de penetrar na cidade; finalmente, todas as

reclamações, requerimentos e comunicações deveriam passar pelos Co-

Hong63.

A situação dos países europeus na China, no princípio do século XIX, era bastante

parecida com a que ocupavam na Índia em 1748: embora possuíssem algumas feitorias nas

regiões costeiras, não possuíam nenhuma influência política, tampouco poderio militar 64. Ao

contrário do que ocorria na Índia, contudo, o governo chinês não desejava o comércio

marítimo. Havia um preconceito nacional em relação aos produtos estrangeiros que os levava

a encarar as relações comerciais como inúteis e contrárias ao prestígio do país.

Assim sendo, as relações comerciais com a China permaneceram, por muitos

anos, em um sentido único: embora comprassem imensas quantidades de seda, chá e ruibarbo,

os europeus tinham grande dificuldade em encontrar uma mercadoria necessária aos chineses,

62
PANIKKAR, K. M.. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 83.
63
Idem, p. 84.
64
Ibidem, p. 122.
evitando as exportações de ouro que até então haviam mantido a balança comercial

equilibrada65.

O comércio do ópio foi a solução encontrada para corrigir este desequilíbrio.

Apesar de proibido em 1729, em decreto imperial, como substância entorpecente e droga

causadora de dependência, o consumo jamais havia sido muito elevado. Com a plantação em

grande escala em seu império na Índia, a Inglaterra reverteu este quadro, mais que duplicando

as vendas para o país em 16 anos66. Em 1800, sendo o comércio mais rigidamente proibido, a

Companhia Inglesa das Índias estabeleceu um sistema de contrabando no qual a mercadoria

era inserida no país em grande quantidade em navios chineses licenciados que vendiam

diretamente aos mercadores, sem passar oficialmente por intermédio do Co-Hong.

Apesar das condições comerciais impostas pelo governo, havia um próspero

comércio paralelo, efetuado em sua maioria longe das vias oficiais e legais. Lintim, ilha

situada à embocadura do rio de Cantão, era o destino de navios cujas mercadorias jamais

seriam aceitas no porto. Enquanto o comércio estrangeiro oficial de Cantão não ultrapassava

sete milhões de dólares, o comércio paralelo de Lintim alcançava 17 milhões, sendo 11

milhões de responsabilidade exclusiva do ópio67.

Preocupado com as atitudes inglesas e decidido a tomar medidas enérgicas para

acabar com o comércio ilegal, o imperador nomeou Lin Tse-hsu, até então vice-rei de Hu

Kuang, que Panikkar descreve como sendo um homem íntegro, honrado e patriota 68,

Comissário Imperial Extraordinário, dando-lhe poderes ilimitados para exercer a tarefa.

Embora desejasse manter as boas relações comerciais com os ingleses, Lin pretendia eliminar

de vez o tráfico do ópio. Para isso, destruiu 20 mil caixas de ópio obtidas de mercadores

65
Ibidem, p. 125.
66
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição, p.
126.
67
Idem, p. 129.
68
Ibidem, p. 130.
chineses em uma cerimônia e fez com que mercadores ingleses e chineses assinassem uma

promessa formal de não mais exercerem esta atividade ilegal.

O assassinato de um chinês por alguns marujos ingleses bêbados e a conseqüente

recusa do superintendente inglês em entregar o criminoso fez com que Lin exigisse a retirada

dos navios ingleses dentro de três dias. Enquanto isso, o Grande Almirante reuniu uma frota

de juncos de guerra. Sem nenhuma tentativa de negociar, os ingleses abriram fogo sobre os

juncos, afundando-os. Na visão de Panikkar, a ingenuidade de Lin e seu desconhecimento do

poderio marítimo da Inglaterra influenciaram no desfecho do conflito, porém, não

justificavam os artifícios belicistas da Inglaterra69.

Desde o início do conflito, os ingleses exigiam não somente compensações pelo

ópio apreendido, mas também as ilhas que lhe haviam sido tomadas. A idéia de um imenso

país, com um mercado inesgotável, totalmente inexplorado, atingiu o imaginário inglês. A 13

de junho de 1842, as forças britânicas ocuparam Shanghai, o Iang-Tsé e a cidade de Nanquim,

assinando o Tratado de Nanquim a 29 de agosto de 184270. Além da anexação de Hong Kong,

o tratado abria ao comércio cinco portos, onde os mercadores se instalariam com as famílias

para negociar sem restrições. Era autorizado aos oficiais consulares ou superintendentes

residirem nos cinco portos e as tarifas e direitos alfandegários seriam fixados em uma base

legal e honesta71.

Em 1844, a despeito de tensões causadas por ataques a um grupo de americanos,

Cushing – ministro plenipotenciário dos Estados Unidos na China – apressou-se a assinar um

tratado semelhante entre os dois países72. Em 24 de outubro do mesmo ano, os franceses

fizeram o mesmo através do Tratado de Whampoa. Os portugueses, aproveitando a ocasião,

exigiram privilégios que jamais haviam desfrutado em sua feitoria em Macau.


69
PANIKKAR, K. M.. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 132.
70
Idem, p. 133.
71
Ibidem, pg 133-134.
72
SPENCE, Jonathan D.. Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História. São Paulo, Editora
Companhia das Letras, 1995 & Editora Schwartz Ltda., 1996, p. 171.
Estes tratados forçavam a China a romper seu isolacionismo e a obrigava-a a

comerciar com os países ocidentais sob termos que Panikkar considera extremamente

maléficos para o país. As autoridades chinesas, no entanto, não se davam conta do que

exatamente haviam sido obrigados a assinar. O desconhecimento da língua e das estratégias

estrangeiras deixou a China totalmente entregue aos ocidentais. Os privilégios estabelecidos

pelo Tratado de Nanquim contribuíram para um enfraquecimento contínuo da autoridade

governamental, assim como para um crescente ódio pelo estrangeiro73.

Percebendo o perigo que a pressão popular representava para suas relações com o

governo chinês, os ingleses decidiram que somente pela força poderiam instalar-se

definitivamente no país, alegando, para isso, a proteção do governo a certos contrabandistas

chineses74. A França, desejosa de participar da partilha asiática, aproveitou-se do assassinato

de um de seus missionários para juntar-se à Inglaterra na guerra. Apesar de um atraso

provocado pela revolta dos Cipaios, levante de grupos indianos contra a exploração britânica,

iniciado em 1857, que teve um ano de duração, Cantão havia sido ocupada e o vice-rei

capturado e enviado à Índia. Após a ocupação dos fortes de Taku, que guardavam Tientsin, a

Corte aceitou negociar e nomeou plenipotenciários imperiais.

As nações obtiveram então, através dos tratados de Tientsin, a realização de todas

as suas ambições: a livre navegação no Iang-Tsé, a abertura de 11 novos portos, uma

jurisdição autônoma para seus processos, liberdade de ação para as missões cristãs e o direito

de manter representantes permanentes75. Apenas a Inglaterra não estava satisfeita. Com o

pretexto de não terem autorização para subir o rio, os britânicos atacaram os fortes de Taku,

junto com seus aliados franceses. Com a captura de três parlamentares ingleses, os aliados

decidiram marchar sobre Pequim, destruindo o palácio de Verão após o fracasso das

negociações preliminares com o Príncipe Kong.


73
PANIKKAR, K. M.. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 137.
74
Idem, p. 198.
75
Ibidem, p. 138.
Em 25 de outubro de 1860, era assinado o Tratado de Pequim, que obrigava o

imperador a indenizações ainda mais elevadas, ao acréscimo de Tientsin aos portos do tratado

e à concessão perpétua de Ku-lung à Grã-Bretanha. As missões francesas, por outro lado,

obtiveram o direito de alugar ou comprar terras e construir casas. Através destes tratados,

como afirma Panikkar, o orgulhoso império chinês foi de tal modo reduzido à impotência que

as nações européias puderam apoderar-se das terras e dividir seu imenso território em áreas de

influência76.

De 1860 a 1908, a imperatriz viúva Tseu Hi – ou “o velho Buda” – governou a

China como déspota inconteste. Simples concubina, Tseu Hi foi elevada a co-regente em

nome de seu filho Tongzhi, de 1861 a 1873, e em nome de seu sobrinho, Guangxu, de 1875 a

1889. Em 21 de setembro de 1898, devido aos interesses de Guangxu por um programa de

reformas, a imperatriz colocou-o sob detenção no palácio e lançou um édito afirmando que o

imperador lhe pedira para assumir o poder77, ali permanecendo até sua morte, em 1908.

Quando Tseu Hi assumiu o poder, os Taipings – um movimento que misturava

fanatismo cristão ao nacionalismo anti-manchu, conseqüência do contato com os estrangeiros

– detinham o vale do Iang-Tsé. Hong Sieu t’inan, que se considerava o Rei Celeste, filho e

representante de Deus na Terra, nas palavras de Panikkar, “pregava uma estranha versão do

Cristianismo, na qual ele (...) proclamava seu direito divino de governar o mundo 78”. Fruto de

uma educação européia e tendo reforçado sua crença por numerosas visões, Hong anunciou a

76
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição, p.
169.
77
SPENCE, Jonathan D. Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História. São Paulo, Editora
Companhia das Letras, 1995 & Editora Schwartz Ltda., 1996, pp. 223-234.
78
PANIKKAR, K. M.. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 170.
FIGURA 2: Tseu Hi , o Velho Buda, e seu sucessor Pu Yi, no Palácio Imperial da Cidade Proibida.
toda parte a “boa nova” e fundou uma Igreja, a qual denominou Sociedade do Absoluto. Tseu

Hi, apesar da grave ameaça, organizou uma verdadeira campanha contra os rebeldes, em uma

revolta que durou 14 anos.

Essa revolta, como afirma Panikkar, teve conseqüências desastrosas:

deu um golpe fatal no ensino tradicional no grande centro da cultura chinesa


que era o vale do Iang-Tsé: três bibliotecas imperiais com seus tesouros
inestimáveis e numerosas outras coleções haviam sido destruídas pelos
rebeldes, no ímpeto fanático de seu aberrante cristianismo. (...) Obras-primas
da arte chinesa, como o Pagode de Porcelana de Nanquim, uma das
maravilhas do mundo, sem dúvida, foram saqueadas como símbolos da velha
idolatria79.

Em 1864 a imperatriz sofreu mais um golpe: o Sinkiang havia sido dominado por

Iakub Beg e tornara-se independente, estabelecendo inclusive relações de caráter diplomático

com as potências estrangeiras. Muito mais ameaçador que a Revolta dos Taipings, a Revolta

Muçulmana do noroeste foi uma rebelião contra a China. Tso Tsung-tang, vice-rei da

província estratégica de Tchi-li, dando provas de diplomacia, habilidade e paciência, assim

como de crueldade quando necessário, como enfatiza Panikkar, penetrou no Sinkiang e varreu

o Estado edificado, em 187880.

Após o fracasso da revolta do Sinkiang, a paz reinou em todo o país, graças à

administração da última geração dos grandes mandarins. Como descreve Panikkar, “o

79
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,,
p. 172.
80
Idem, 173-174.
prestígio da dinastia e do império encontrava-se bem estabelecido e as relações com as

potências estrangeiras mantinham-se sem muitos choques81”.

Durante esse período, porém, Shanghai tornou-se um verdadeiro Estado soberano,

vedado às autoridades chinesas, onde as leis do país não eram aplicadas e, incrivelmente, os

chineses eram tratados como membros de uma raça inferior 82. Em 1875, a cidade encontrava-

se na seguinte situação: as exportações chinesas eram avaliadas em pouco mais de 10 milhões

de libras, enquanto as importações “legais” não ultrapassavam três milhões. Embora os portos

do tratado enriquecessem, a economia interna era desastrosa. A autoridade de seu governo

havia sido minada e o prestígio junto ao povo destruído83.

A falsa paz reinante na China veio a ser abalada pelo interesse expansionista do

Japão na Coréia, sob a qual a China vinha exercendo uma vaga suserania há 300 anos. Esse

expansionismo japonês irá resultar na guerra sino-japonesa, vindo a modificar não apenas as

relações entre China e Japão, mas todas as relações diplomáticas da China com o Oeste. Além

disso, as conseqüências desta guerra, trouxeram perdas profundas para a China e abalaram

profundamente a estrutura política do país, acabando por permitir a penetração das idéias

ocidentais, fossem estas em defesa do capitalismo, fossem as que preconizavam as idéias

socialistas, visto que ambas são produtos do Ocidente, não apenas o capitalismo, mas também

seu “antídoto” – o socialismo – na concepção marxista e que se expressaram na China através

do embate entre o Kuomintang pró-capitalismo e o Partido Comunista Chinês, como veremos

mais detalhadamente no próximo capítulo.

2.2. A Ocidentalização do Japão

81
Ibidem, p. 174.
82
Ibidem, p. 176
83
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição, p.
182-183.
Obtendo, numa primeira passagem, uma visão geral sobre os efeitos da penetração

ocidental na China, observaremos, a seguir, como decorreu, no Japão, este primeiro contato

com a civilização européia.

À época da chegada dos portugueses ao Japão, em 1541, o país encontrava-se em

plena crise feudal, com a independência dos grandes príncipes do Oeste, sob a direção do

dáimo de Satsuma, que se recusavam a reconhecer a autoridade do Micado e do Xógum.

Imediatamente os dáimos foram seduzidos pelos barcos pesadamente armados e pelos

arcabuses portugueses, percebendo a vantagem que poderiam obter.

Panikkar aponta como fator de sorte para os japoneses o fato de Portugal, àquela

época, já haver perdido toda sua influência política, mesmo na costa, tendo dificuldade

mesmo para manter sua soberania em territórios ocupados por eles há 50 anos 84. Não fosse

isso, afirma, Portugal teria ocupado algumas ilhas ou pelo menos agravado a situação interna

do Japão.

A unidade do Japão foi firmada com a autoridade de Oda Nobunaga (1534-1582),

que conseguiu não só eliminar os dáimos, mas também exercer um poder que os próprios

príncipes não ousaram romper. Mas havia uma brecha dentro da qual Portugal conseguia

exercer bastante influência: a tolerância religiosa de Nobunaga e as facilidades que oferecia

aos missionários cristãos. Afinal, como afirma Panikkar, “a obra missionária, (...) alimentada

pelas rendas da Coroa, não podia deixar de confundir-se com a obra comercial e política85”.

Nobunaga foi sucedido pelo general Taiko Hideioshi que, embora desejasse

manter as relações amistosas com Portugal, preocupou-se com os armamentos pesados de

seus barcos e o interesse que os dáimos do Oeste demonstravam por este equipamento. Ao

saber que estes tentavam conquistar os estrangeiros para sua causa, Hideioshi proibiu as

missões cristãs em todo o território japonês86. O interesse dos dáimos pelas armas de Portugal
84
PANIKKAR, K. M.. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 86.
85
Idem, pp. 86-87.
86
Ibidem, p. 87.
rendeu conseqüências também para os espanhóis. Após um incidente entre o comandante de

um galeão espanhol e um dáimo, Hideioshi deu ordem de prisão a todos os espanhóis e

mandou crucificá-los em Nagasaki como espiões.

Com o assassinato do general em 1598, seu filho tentou assumir o poder, mas foi

vencido por Iyeasu Tokugawa em 1600. Três anos depois, Iyeasu recebe o título de Shetai

Xógum – Grande General da Submissão dos Bárbaros – fundando o xogunato dos Tokugawa

que durante 265 anos exerceram uma autoridade de fato sobre todo o Império Japonês.

Embora devesse prestar contas de suas ações ao imperador, informá-lo acerca de problemas

de importância nacional e necessitasse de sua sanção para as medidas graves, o poder militar

era exclusivamente seu87.

O xogunato determinou uma política isolacionista, na qual o contato com o

estrangeiro somente era permitido sob controle oficial. Esse controle, se, por um lado,

eliminava as pretensões de senhores feudais de aliar-se a potências estrangeiras ou obterem

armas modernas para desafiar o poder central, por outro lado, impedia que os estrangeiros

avançassem em seus planos de invasão de qualquer parte do território japonês.

A preocupação de Tokugawa pôde ser confirmada em 1637, com a revolta cristã

de Shembara. Os rebeldes, recém convertidos ao cristianismo, apoiados – segundo o que se

dizia – pelos portugueses, demandaram todo um exército, uma campanha longa e onerosa para

serem subjugados. Além disso, em 1622, o xógum descobriu um plano de invasão do Japão

pela Espanha. Além de expulsar todos os espanhóis, determinou a eliminação de todos os

japoneses convertidos. Essas ações determinaram o fim do relacionamento do Japão com os

europeus88.

O sistema do xogunato possuía três principais elementos: um governo central

extremamente poderoso, uma engenhosa máquina administrativa e uma burocracia dirigida

87
PANIKKAR, K. M.. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 87-88.
88
Idem, p. 89.
por um Conselho de Anciões. Na visão de Panikkar, é a instituição deste sistema que permite

ao Japão restabelecer a paz interna e assim enfrentar sem receio o mundo exterior89.

É preciso entender que o édito de exclusão não significou propriamente uma

ruptura total com o Ocidente. A ilha de Deshima, próxima a Nagasaki, permaneceu aberta aos

mercadores estrangeiros, permitindo que um grupo de sábios, o Rangashuka – ou grupo dos

discípulos dos holandeses - permanecesse em contato com a ciência ocidental, traduzindo e

publicando obras clássicas européias de astronomia, matemática, medicina e botânica 90. As

autoridades japonesas acompanhavam, pelos mercadores de Deshima, as atividades européias,

mas seu interesse era especificamente voltado para a ciência, buscando compreender as razões

de seu poderio.

Paradoxalmente, a razão para a reaproximação do Japão com a Europa deu-se pela

preocupação crescente com o perigo de uma invasão ocidental da Ásia, preocupação esta que

aumentou sensivelmente com a derrota da China na guerra contra a Inglaterra. Tendo

considerado sempre a China como um modelo de poder imperial, a derrota chinesa levou-os a

questionar as razões de uma derrocada tão inesperada.

A chegada do Comodoro Perry, e conseqüentemente dos Estados Unidos, ao

Pacífico, a 8 de julho de 1853, foi o fator determinante para a mudança no relacionamento do

Japão com o Ocidente. Decididos a forçar sua entrada no mercado asiático, o Presidente

Fillmore enviou o Comodoro com quatro navios de guerra a Ourawa, portando uma carta ao

xógum assegurando suas intenções amigáveis. A carta, porém, sugeria que o Japão se

submetesse até que dominasse a ciência estrangeira e fosse capaz de negociar em pé de

igualdade. Acrescentava também que a frota havia trazido consigo apenas quatro de seus

menores navios, mas, caso necessário, ela estaria pronta para retornar a Iedo com uma força

bem maior91. Diante do medo de tornar-se uma nova China, o Japão enviou a resposta
89
Ibidem, p. 90.
90
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,,
p. 338
91
Idem, p. 203.
favorável esperada e, a 31 de março de 1854, um tratado abria os portos ao comércio

americano e autorizava a instalação de representantes diplomáticos. Outros países europeus

apressaram-se em firmar tratados semelhantes.

Esta abertura enfraqueceu a posição do xógum, uma vez que nobres, samurais e a

própria corte eram avessos à abertura do país a estrangeiros. Exatamente neste momento

crítico, o xógum que negociava os tratados morreu sem deixar herdeiro varão. Aproveitando-

se das turbulências causadas pela sucessão, os Estados Unidos formularam novas exigências,

seguidos obviamente por franceses e ingleses. Os novos tratados autorizavam os estrangeiros

a residirem nos dois portos de Nagasaki e reconheciam o princípio da extraterritorialidade92.

Em virtude da violenta oposição popular, o imperador recusou-se por muito tempo

a referendar os tratados. Panikkar enfatiza que “os japoneses só se resignaram a essas

cláusulas após terem sido longamente ameaçados por Townsend Harris, o primeiro dos

representantes diplomáticos americanos, que lhes pedira que meditassem no exemplo dos

chineses em Cantão93”. Ainda assim, entre 1857 e 1863, após a ratificação dos tratados, os

ataques aos estrangeiros haviam se multiplicado de tal forma que o imperador ordenou a

expulsão dos estrangeiros a 25 de julho de 1863. O xógum, no entanto, declarou não ter a

menor intenção de aplicar as medidas necessárias à aplicação do decreto.

Estava instaurado o conflito entre tradicionalistas e modernistas. Os primeiros se

prendiam ao lema: “Reverenciar o trono, expulsar o estrangeiro”. Os últimos, influenciados

por aqueles que retornavam do estrangeiro, acreditavam que era necessário adotar uma nova

política, que não a isolacionista, para impedir uma dominação estrangeira. Mesmo com todos

os esforços para restabelecer sua autoridade, o xogunato desmoronou, dando início à Era

Meiji a partir de 1868.

92
Segundo este princípio, todo cidadão estrangeiro estaria submetido somente à lei de seu país natal; não sendo,
portanto, obrigado a obedecer às leis do país no qual estivesse habitando em caráter temporário. N. da A.
93
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição, p.
204.
FIGURA 3: Ocidentalização do Japão: convivência de hábitos e de costumes europeus com as tradições japonesas.
Àquela época, a situação do Japão não era melhor que a da China após o tratado

de Nanquim. Panikkar oferece um panorama do período:

Estabeleceram-se colônias estrangeiras nas cidades, abriram-se portos ao


comércio e, em Nagasaki, os ingleses chegaram a usar de violência para
obter condições mais vantajosas para sua frota e seus entrepostos. [...] os
funcionários estrangeiros começavam a ditar suas vontades às autoridades
locais e a organizar com a maior tranqüilidade pequenas forças militares
destinadas a protegê-los. [...] em suma, instalaram-se de modo estável,
esperando que o Japão, [...] fosse juntar-se aos países asiáticos no matadouro
ocidental94.

Pouco depois do começo da Era Meiji, o imperador promulgou um decreto,

anunciando sua decisão de entrar em relações com o exterior, sendo a corte imperial – e

somente ela – a responsável por tais relações e que as cláusulas dos tratados seriam

preenchidas de acordo com as leis internacionais. Acima de tudo o desejo do Japão era

salvaguardar sua dignidade nacional95.

O ensino estrangeiro passou a ser fundamental para o crescimento do “novo”

Japão. Além do movimento científico, reacendeu-se a chama do xintoísmo em diversas seitas.

Segundo esta doutrina, o imperador é a verdadeira encarnação do Japão e descende

diretamente do Deus Sol. Assim, segundo Panikkar, “todo o renascimento japonês que se

seguiu à Era Meiji foi assinalado por uma mistura bizarra de cientificismo ocidental e de

xintoísmo autêntico96”.
94
PANIKKAR, K. M.. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 205.
95
Idem, 206-207
96
Ibidem, p. 340.
Esta reestruturação foi muito bem sucedida em todos os níveis: um governo

central foi estabelecido, um moderno exército estruturado, uma indústria criada, uma

economia desenvolvida e um sistema educacional edificado para dar ao império as bases de

uma nação moderna97. Apesar do que Panikkar classifica como um entusiasmo delirante por

tudo que era ocidental, a tripla identificação da religião, política e educação permitiu que o

Japão ultrapassasse sem choque este período de transição.

Ao longo do último quartel do século XIX, o Japão enfrentou diversas guerras

com os chineses, demonstrando ter atingido seu objetivo de “dotar o país não apenas de um

exército nacional e instituições modernas, mas também de uma indústria capaz de, sob

controle de capitais nacionais, garantir o fornecimento dos meios necessários ao

enfrentamento tanto dos exércitos ocidentais quanto dos países vizinhos 98”. Mas sua

afirmação definitiva como potência internacional ocorreu, segundo Ernani Teixeira Torres

Filho, em 1905, com a vitória sobre os russos, inimigos históricos.

2.3. As Principais Diferenças entre a Reação Chinesa e a Japonesa

Tendo descrito os efeitos da penetração ocidental em cada um dos países

isoladamente, buscaremos estabelecer uma análise comparativa dos dois casos, confrontando,

para isso, as visões que nos foram oferecidas por Spence e Panikkar da reação de ambas e

definindo as divergências entre elas.

A primeira diferença fundamental é o objetivo de cada uma em relação à estrutura

da sociedade. A China buscava a formação de uma estrutura liberal que servisse de base para a

construção de uma democracia, pois sua maior preocupação era a organização interna do país.

Tendo enfrentado diversas crises internas e atravessando um momento de grande


97
Ibidem.
98
FILHO, Ernani Teixeira Torres. Japão: da industrialização tardia à globalização financeira in FIORI, José Luís.
Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações. Petrópolis, Editora Vozes, 1999 / 2ª edição, p. 223.
descontentamento da população com o governo, verificaremos que os reflexos deste contato

irão atingir diretamente a estrutura política da China, modificando-a profundamente. O Japão,

por sua vez, procurava um fortalecimento externo, construindo uma força militar reacionária

com base no conhecimento técnico e científico ocidental, além de uma indústria moderna

capaz de atender as necessidades geradas por suas atividades bélicas. É inegável que a

construção deste poderio técnico militar colaborou para que, posteriormente, o Japão não

apenas figurasse entre as maiores potências mundiais, mas, tivesse segurança para buscar

estender sua influência sobre toda a Ásia.

O segundo ponto de divergência é o modo como as reformas foram conduzidas

nos dois países. Enquanto na China os movimentos foram espontâneos e sem um

planejamento conjunto e, principalmente, promovidos por classes sem interesses políticos que

visavam o estabelecimento de condições sociais indispensáveis à grandeza nacional, no Japão

a recuperação foi dirigida pelo governo, buscando manter a coesão nacional e reforçar o

poderio militar99. Por esta razão, quando o forte e unificado Japão entrou em guerra com a

fragilizada China, seu governo encontrava-se sem condições para reagir, ficando a resistência

por conta de sociedades secretas antiimperialistas.

Outro ponto importante foi a questão religiosa: o Japão compreendia que para a

construção de um país forte e independente era fundamental haver uma unidade espiritual,

que, no caso, se deu através do xintoísmo. Essa doutrina tinha importância fundamental, não

apenas no sentido religioso, mas também como fonte de coesão política. Porém, a “Jovem

China”, como denomina Panikkar, foi fundamentalmente anti-religiosa. Dentro de uma visão

cética chinesa moldada pelo Confuncionismo, a religião não tinha qualquer papel a

desempenhar na vida moderna.

9993
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 336-337.
FIGURA 4: Soldados japoneses aprendem os métodos de combate ocidentais.

FIGURA 5: Compra e posterior fabricação das armas ocidentais para uso em guerras.

FIGURA 6: Substituição dos Samurais como força guerreira e protetora.


Segundo Lorde Elgin a diferença fundamental está no desprezo da China pelo

progresso crescente da ciência ocidental, o que a levava a uma ruína inelutável, enquanto o

Japão buscava conhecê-la cada vez mais e podia valer-se dos benefícios advindos desta 100.

Para os japoneses, tudo o que pudesse instruí-los era bom, assim, a cultura ocidental

impregnou todas as esferas da atividade intelectual do Japão do século XIX e foi um momento

de multiplicação de universidades e criações de institutos de pesquisa101. O grande desafio era

unir o pensamento ocidental moderno ao espírito do sistema tradicional.

Estas diferenças colaboram para a compreensão dos resultados das reformas que

ocorreram em cada uma destas nações. O Japão, embora tenha enfrentado uma crise

financeira de graves proporções na primeira década do século XX, a despeito de um vigoroso

processo de industrialização, pôde reverter sua situação graças ao boom exportador causado

pela Primeira Guerra Mundial102. Isto, porém, não teria ocorrido se, graças ao núcleo de

intelectuais que se dedicaram a estudar com afinco a cultura ocidental, não estivesse o país

dotado da tecnologia necessária para substituir os países europeus, completamente destruídos

pela primeira guerra, como centro produtor-exportador.

A China, porém, não teve a mesma sorte. O movimento “Jovem China” foi

rapidamente detido pelas circunstâncias políticas, deixando caminho às idéias revolucionárias

marxistas. A anarquia social, na visão de Panikkar, havia alcançado um ponto tal em que a

sociedade chinesa somente poderia reorganizar-se em bases liberais ao preço de um intenso e

prolongado esforço103. Antes que as teorias da “Nova China” pudessem ser aplicadas,

realizando um equilíbrio entre a ciência ocidental e o conhecimento tradicional chinês, as

100
Pakse-Smith, M. e Thompson, J. L. apud in PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de
Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição, p. 343.
101
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 344
102
FILHO, Ernani Teixeira Torres. Japão: da industrialização tardia à globalização financeira in FIORI, José
Luís. Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações. Petrópolis, Editora Vozes, 1999 / 2ª edição, p. 223.
103
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 344.
doutrinas da Revolução Russa haviam-se implantado na China e, em 1921, o Partido

Comunista Chinês era criado.

É preciso compreender, entretanto, que a implantação do comunismo na China

não invalidou o processo de industrialização do país. Porém, a partir deste momento, China e

Japão passam a estar em graus diferentes de desenvolvimento tecnológico e, principalmente, a

participar de maneira comercial e politicamente diversa da dinâmica internacional. Para isso,

precisamos, primeiramente, compreender de que forma se deu esta diferenciação, o que

faremos analisando a evolução das relações sino-japonesas da Guerra da Coréia à

proclamação da República Popular da China.

Até o presente momento, observamos as mudanças ocorridas em cada um dos

atores a partir do contato com o Ocidente, comparando, em seguida, estas diferenças. No

entanto, mais importante do que a realidade de cada um destes países ou do que a comparação

que possa ser feita entre estes é o efeito desta nova realidade no relacionamento entre ambos

e, conseqüentemente, na nova qualidade destas relações sobre o cenário asiático.


Capítulo III: O Desenvolvimento das Relações Sino-Japonesas

As últimas décadas do século XIX assistiram ao esfacelamento da dinastia Qing,

representada, a esta época, pela figura da imperatriz viúva Tseu Hi. A pressão contrária entre

duas forças colaborava para este enfraquecimento, traduzidas em duas correntes de

pensamentos: uma tradicionalista - que acreditava ser necessário repudiar todo o

conhecimento ocidental e fortalecer o pensamento milenar chinês - e uma reformista - que

percebia as infinitas possibilidades que a adoção de algumas das práticas ocidentais traria para

o país.

Exatamente neste momento uma rebelião doméstica tem início na Coréia e o

Japão enxerga neste incidente uma excelente oportunidade para estabelecer neste território sua

influência e, assim, suprir as necessidades que se impõe a seu crescimento. A disputa pela

península coreana entre China e Japão irá gerar um conflito que não apenas afetará

eternamente as relações entre ambos, mas também levarão os dois países por dois caminhos

até bem recentemente considerados irreconciliáveis.

Além disso, a violência empregada pelo Japão em sua expansão territorial irá

refletir em toda a região, gerando uma desconfiança permanente nos países dominados, o que

constitui um dos pontos mais preocupantes com relação ao projeto de integração asiático.

Portanto, buscaremos compreender, na dinâmica das relações sino-japonesas na virada do

século XX, as razões que dificultaram o estabelecimento de um diálogo cooperativo entre os

dois países por tanto tempo: as marcas deixadas pelos crimes de guerra japoneses e o

antagonismo ideológico advindo da dialética capitalismo-marxismo que se manteve viva

mesmo após o fim da União Soviética.


3.1. O Esfacelamento da Dinastia Manchu

Após esboçarmos um panorama geral das relações sino-japonesas após a

penetração ocidental, buscaremos uma melhor compreensão, analisando as ações e reações

particulares de nossos atores diante desse novo contexto de relações, começando por obter um

quadro da China em sua tentativa heróica de resistir a sua fragmentação.

Durante o governo de Tseu Hi sobre a China, um homem de confiança da

imperatriz foi responsável por um número desproporcional de reformas durante as últimas

décadas do século XIX: Li Hongzhang. As principais áreas beneficiadas foram a empresarial,

a educacional e a diplomática. Entre seus projetos estão a Companhia de Navegação a Vapor

Mercantil da China (1872), a expansão das minas de carvão de Kaiping (1877), a criação de

um grande cotonifício em Shanghai (1878), o estabelecimento de arsenais em Tianjin para

fabricação de balas e bombas e, posteriormente, de rifles Remington (1880) e também a

construção de novas instalações portuárias em Lüschun e um trecho de mais de quatro

quilômetros de ferrovias (1881)104.

No campo da educação, Li apoiou a proposta de uma missão educacional nos

Estados Unidos, enviando, por cerca de dez anos, grupos de meninos chineses, com idades

entre doze e catorze anos, para absorver o conhecimento ocidental. Nos Estados Unidos,

porém, os estudantes não tinham acesso à educação militar ou naval tecnicamente avançada,

conhecimentos de extrema necessidade para o governo. Assim, a partir de 1881, Li passou a

enviar os alunos a países como França, Alemanha ou Grã-Bretanha, onde não havia objeções

a esse respeito. Além disso, criou academias militar e naval na própria Tianjin105.

No campo diplomático, na década de 1870, Li enfrentou diversos problemas,

incluindo as negociações com os japoneses sobre as ilhas Ryukyu e a Coréia. Além da

104
SPENCE, Jonathan D. Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História. São Paulo, Editora
Companhia das Letras, 1995 & Editora Schwartz Ltda., 1996, p. 224.
105
Idem, p. 225.
ausência de um argumento forte que justificasse sua soberania sobre estes territórios, a China

estava totalmente despreparada para responder à extraordinária expansão do poderio militar

japonês neste período, fruto das reformas econômicas e institucionais da Restauração Meiji.

Assim, em 1879, os japoneses anexaram as Ryukyu e, não fosse o desempenho de Li, a Coréia

teria tido o mesmo fim106.

Para evitar a conquista de uma base japonesa permanente na Coréia, a corte criou

o posto de “residente” chinês em Seul, como tentativa de manter o status privilegiado da

China no país. A irrupção de uma rebelião doméstica na Coréia levou ambos os países a

enviarem tropas. Os japoneses, porém, apressaram-se a tomar o palácio coreano em 21 de

julho de 1894 e designaram um “regente” fiel aos interesses deles 107. Mesmo com as tentativas

chinesas de enviar reforços, as tropas terrestres japonesas derrotaram os chineses em uma

série de batalhas em torno de Seul e Pyongyang e, em outubro, já haviam penetrado o

território Qing.

Li Hongzhang teve de ir pessoalmente ao Japão negociar, o que foi feito através

do Tratado de Shimonoseki, formalizado em abril de 1895, com termos desastrosos para a

China. Além de reconhecer a “autonomia e independência total e completa da Coréia”, o que,

como explica Spence, significava fazer da Coréia um protetorado japonês, se comprometiam a

pagar uma indenização de 200 milhões de taéis, liberavam mais quatro portos e cediam

“eternamente” Taiwan, as Pescadores e a região de Liaodong, no sul da Manchúria, ao

Japão108. Posteriormente os japoneses desistiram da reivindicação sobre Liaodong em troca de

mais 30 mil taéis de indenização, sob forte pressão de russos, alemães e franceses.

Nos anos que se seguiram à guerra sino-japonesa, disseminou-se uma formulação

que pretendia manter uma estrutura fundamental de valores filosóficos e morais chineses, ao

mesmo tempo permitindo adotar rapidamente todo o tipo de prática ocidental. Assim, “o
106
SPENCE, Jonathan D. Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História. São Paulo, Editora
Companhia das Letras, 1995 & Editora Schwartz Ltda., 1996, p. 225.
107
Idem, p. 227.
108
Ibidem, p. 228.
conhecimento chinês devia continuar sendo a essência, mas o conhecimento ocidental devia

ser usado para o desenvolvimento prático109”.

Outros reformistas, porém, como Sun Yat-sem, tomaram um caminho diferente.

Filho de uma família pobre da região de Cantão, Sun emigrou para o Havaí no início da

década de 1880 e ali recebeu educação em escolas missionárias, sendo apresentado às idéias

de democracia e governo republicano. Com grandes ambições e profundamente preocupado

com o destino da China, Sun havia oferecido seus serviços à Li Hongzhang, para ajudar na

defesa e no desenvolvimento do país. Com outras preocupações em mente, Li ignorou-o. Em

resposta, Sun criou uma sociedade secreta no Havaí, no final de 1894, como nome de

“Sociedade Reviver a China”, com o objetivo de derrubar a dinastia manchu 110. Unido a

outros chineses inquietos, Sun voltou ao Oriente e continuou a lutar por seus objetivos através

de sociedades secretas ou de seus confrades juramentados.

Àquela época, o imperador Guangxu, dotado de uma visão mais ampla que seus

predecessores, decidiu afirmar sua independência como monarca e, entre junho e setembro de

1898, divulgou um corpo coerente de idéias reformistas jamais apresentados, que mereceram

o nome de “Reformas dos Cem Dias”.111 Elevou o nível da educação do país, ordenou

reformas fundamentais ao desenvolvimento econômico, buscou o fortalecimento das forças

armadas e simplificou a burocracia, tornando-a mais eficiente.

Muitos funcionários graduados receberam com desconfiança as propostas do

imperador, considerando-as prejudiciais ao futuro do país e até mesmo destruidoras dos

verdadeiros valores intrínsecos da China112. Mesmo sua tia Tseu Hi perturbou-se com algumas

das mudanças e preocupou-se com o fato do apoio a Guangxu vir de uma facção

perigosamente subordinada a influências francesas e inglesas. Assim, após saber de uma

109
SPENCE, Jonathan D. Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História. São Paulo, Editora
Companhia das Letras, 1995 & Editora Schwartz Ltda., 1996, p. 230.
110
Idem, p. 232.
111
Ibidem, p. 233.
112
Ibidem, pp. 233-234.
tentativa de aproximação destes reformistas de alguns generais, Tseu Hi voltou subitamente à

Cidade Proibida e, dois dias depois, um édito afirmava que o imperador solicitara seu retorno

ao poder. Guangxu havia sido detido no palácio sob suas ordens e seis de seus assessores

foram executados antes mesmo de serem processados113.

Durante este período, dentro do que Spence denomina uma “onda geral de

expansão imperialista” as potências estrangeiras aumentaram suas pressões sobre a China: os

alemães ocuparam Qingdao e reivindicaram direitos sobre as minas e ferrovias da região; os

ingleses tomaram o porto de Weihaiwei; os russos aumentaram sua presença na Manchúria e

ocuparam Lüshun; os franceses reivindicaram direitos especiais em Yunnan, Guangxi,

Guangdong e sobre a ilha de Hainan; e os japoneses, já senhores de Taiwan, continuaram a

pressionar a Coréia e intensificaram sua penetração econômica na China central114.

Em resposta a esta atmosfera de hostilidade e medo, forças nacionalistas

começaram a se desenvolver no país. Um movimento denominado “Boxers Unidos em

Probidade” começou a ganhar força ao noroeste de Shandong em 1898 e, embora não

tivessem uma liderança unificada, recrutavam lavradores e outros trabalhadores desesperados,

exigindo o fim dos privilégios gozados por chineses conversos e atacando os missionários

cristãos. Sob a égide “acatar a dinastia e exterminar o estrangeiro”, que havia sido inspirada

no xintoísmo japonês do período pré-Era Meiji, o movimento dos Boxers era formado por

gente simples, mas profundamente patriota115.

Seriamente preocupados com os sucessivos ataques, os estrangeiros exigiram que

o governo reprimisse o movimento. As autoridades, assim como a corte, oscilou ora

protegendo os estrangeiros, ora parecendo tolerar as demonstrações de patriotismo

xenofóbico. Sem o apoio firme do governo chinês, os ocidentais intensificaram o envio de

113
SPENCE, Jonathan D. Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História. São Paulo, Editora
Companhia das Letras, 1995 & Editora Schwartz Ltda., 1996, p. 234-235.
114
Idem, p. 234.
115
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 196.
tropas, tomando os fortes de Taku, em 17 de junho de 1900, a fim de dar cobertura ao

desembarque dos soldados, caso irrompesse uma guerra em larga escala. Naquele mesmo dia

a imperatriz reuniu-se em caráter de emergência e, dois dias depois, lançava uma “declaração

de guerra” às potências estrangeiras. Com o apoio declarado de Tseu-hi, os boxers lançaram

uma série de ataques aos estrangeiros, os mais violentos ocorrendo em Shanxi, Hebei e

Henan. Segundo Panikkar, àquela época, o movimento boxer identificava-se com a China

inteira116.

Em 4 de agosto de 1900, japoneses, russos, britânicos, americanos e franceses

reuniram-se em uma estrutura de comando complexa composta por 20 mil soldados. A

resistência dos boxers logo esmoreceu e as tropas entraram em Pequim e levantaram o cerco

dos boxers em 14 de agosto. Tseu-hi e seu sobrinho fugiram para Oeste, estabelecendo uma

capital temporária em Xi’an. Após longas negociações, conduzidas mais uma vez por Li

Hongzhang, um tratado formal de paz, conhecido como Protocolo dos Boxers, foi assinado

em setembro de 1901. Em janeiro de 1902, a imperatriz e seu sobrinho voltaram à Pequim -

onde Li acabara de morrer, aos 78 anos de idade - estabelecendo sua residência na Cidade

Proibida, pondo-se, nas palavras de Panikkar, “a adular as mulheres dos diplomatas, a receber

as esposas dos pastores, a fazer boa figura para todos, como se nada tivesse vindo perturbar a

harmonia de relações cordiais117”.

Com a morte da imperatriz em 1908, Pu Yi ascendeu ao trono. No entanto, os dez

anos que separariam o Protocolo dos Boxers do fim da dinastia manchu foram marcados por

uma forte dominação européia na China. A educação era praticamente monopolizada pelos

missionários cristãos; Cantão, Shanghai e Tietsin se tornaram centro de uma atividade

econômica quase que exclusivamente européia. Dentro deste contexto, um poderoso

116
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 196.
117
Idem, p. 199-200.
FIGURA 7: Ascensão de Pu Yi ao trono, em 1908.

FIGURA 8: Sun Yat-sem assume, em 1912, como Presidente provisório.


movimento nacionalista nasceu e espalhou-se pelo país; a arma política utilizada para

hostilizar os estrangeiros foi o boicote: em 1905, os chineses de Cantão boicotaram os

produtos americanos e, em 1908, os japoneses foram vítimas de um boicote ainda mais

rigoroso118.

A conjuntura advinda com a crise do sistema levou às condições ideais para a

derrubada do regime imperial, assim como do complexo edifício construído pelos ocidentais

no decorrer de 70 anos. Após a abdicação do imperador-menino Pu Yi, em fevereiro de 1912,

uma Assembléia Nacional convocada em caráter de emergência levou à Proclamação da

República Chinesa e Sun Yat-sen foi eleito para o cargo de presidente provisório. Em março

deste mesmo ano, ele renunciava em favor de Yuan Tche-kai, a esperança do partido imperial.

Assim Severino Cabral Filho descreve os acontecimentos que se seguiram à instauração da

república na China:

Ao longo de toda a primeira metade do século, os chineses inspirados nos


três princípios do povo – Nacionalismo, Democracia e Justiça Social –
defendidos pelo Dr. Sun Yat-sen, lutaram para erguer um novo estado dos
escombros da ordem monárquica, sob a pressão das potências e dos
interesses estrangeiros na China119.
Diante de um tesouro vazio e um parlamento obstrutivo, Yuan foi negociar um

empréstimo no estrangeiro, buscando, de uma só vez, solucionar suas dificuldades internas e

assegurar apoio internacional ao seu governo ainda não de todo estabelecido. De posse do

montante, Yuan pôs-se a eliminar sistematicamente seus opositores: esmagou uma revolta

militar e prescreveu os principais dirigentes do partido revolucionário120. Reunindo um novo

Parlamento, pôde finalmente ser eleito Chefe de Estado em dezembro de 1915. Yuan, porém,

118
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 200.
119
FILHO, Severino Cabral. “O Desenvolvimento da China e Ásia Pacífico: Perspectivas para o Século XXI”.
Estratégias de Desenvolvimento Regional: Mercosul, Nafta e Alca. p. 141.
120
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 276.
morreu poucos meses depois, deixando a China praticamente entregue à anarquia nos 11 anos

subseqüentes, ou seja, até a marcha vitoriosa do Kuomintang.

Sun Yat-sem, profundamente decepcionado com o governo de Yuan refugiou-se

em Tóquio, mudando-se posteriormente para a concesão internacional de Shanghai. Em 1922,

já influenciado pela revolução Russa, entrou em contato com Lenine, que lhe enviou Adolfo

Joffé, com o qual deu início à Convenção Sino-soviética onde a URSS declarava seu apoio ao

povo chinês. A primeira medida de Sun ao retornar a Cantão foi enviar Tchiang Kai-tchek a

Moscou “para estudar a organização do Exército Vermelho121”.

Tchiang retornou com instrutores, conselheiros e, principalmente, armas. Fundou

a academia de Whampoa e, durante o Congresso Nacional do Kuomintang, abriu as fileiras de

seu exército aos comunistas. A presença deste novo contingente seria fundamental para a

resistência da China à Guerra que seria imposta pelo Japão nos anos seguintes. Além dos

numerosos soldados que fortaleceram a frente libertária, os ideais de igualdade e unidade

comunistas levaram muitos camponeses a combaterem as forças japonesas ainda que em

nome de uma nação não muito estruturada.

3.2. O Expansionismo Imperialista Japonês

No Japão, em 1912, morria o imperador Meiji, responsável por tirar o país de um

isolamento feudal para transformá-lo em uma potência de prestígio sem precedentes em sua

história. Além de ter se tornado uma das grandes nações do mundo, o Japão fora encorajado

por sua aliada Inglaterra a anexar a Coréia e apoderar-se dos direitos russos sobre a

Manchúria. Embora a aliança anglo-japonesa tivesse perdido em parte sua razão de ser graças

121
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 277.
aos acordos anglo-russos em 1907, o desenvolvimento naval alemã, que ameaçava

gravemente os interesses ingleses no Pacífico, havia restituído toda sua importância e valor122.

Ao estourar da guerra, o Japão viu neste momento uma “oportunidade

providencial de eliminar a Europa da China e afirmar sua preponderância sobre o continente

asiático123”, assim assumindo a direção dos negócios na região. Percebendo que havia uma

frente única na Ásia contra eles, trataram de obter de cada potência em separado uma

aprovação de sua política na China.

O Japão não encontrou resistência na Inglaterra, na França, na Itália e na Rússia.

Porém, ao abordarem os Estados Unidos, estes reafirmaram a doutrina da “porta aberta”,

proibindo a aquisição de novos privilégios que atentassem contra a integridade territorial da

China. Para Panikkar, houve aí um erro de interpretação de ambas as partes, pois, enquanto o

Japão compreendera que os Estados Unidos reconheciam seus interesses especiais na

Manchúria e na Mongólia Interior, os Estados Unidos acreditaram ter o Japão renunciado aos

atentados à soberania chinesa124.

Imaginando-se assim autorizado para gozar dos direitos que julgava obter, o Japão

estava pronto para auxiliar a Inglaterra e a França, impondo apenas mais uma condição: que

estes apoiassem suas reivindicações às ilhas alemães ao sul do Equador 125. Satisfeita a

condição, uma esquadra japonesa comandada pelo Almirante Sato entrou no Mediterrâneo.

Era a primeira vez, desde o princípio do século XVI que um barco asiático entrara em águas

européias. Vitorioso, tomou assento ao lado das demais potências ao fim da guerra na

Conferência de Versalhes.

A guerra, porém deslocara o centro político do mundo da Europa para a América e

o Presidente Wilson mostrou-se ferozmente hostil às reivindicações japonesas na Conferência.

122
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 291.
123
Idem, p. 278.
124
Ibidem, p. 293.
125
Ibidem, p. 293.
Os americanos temiam que a aliança anglo-japonesa pudesse provocar um conflito no

Pacífico, desconfiança que crescera com a expansão do Japão nas ilhas do Pacífico Sul. Além

disso, todos os países se davam conta de que o Japão reforçaria sua marinha para defender as

novas possessões, podendo gerar uma corrida armamentista126.

A Conferência de Washington foi, então, a solução encontrada para propor uma

limitação dos armamentos navais, assim pondo um fim aos problemas do Pacífico.

Compreendendo a tentativa de isolá-lo e percebendo que deveria se preparar para enfrentar

uma coalizão de todo o Ocidente, o Japão tomou todas as precauções necessárias para que a

decisão não alterasse o status das posições já adquiridas antes de aceitar os termos norte-

americanos127. Esperava assim, preservar seus direitos no Chantung, assim como na

Manchúria.

Sentindo-se privado de qualquer apoio, o Japão fez o possível para tornar-se uma

grande potência industrial, desenvolveu suas forças militares, melhorou suas culturas e

intensificou seu comércio. Porém, carecendo de carvão, minério de ferro e com recursos

agrícolas insuficientes, somente na Manchúria poderia preencher estas lacunas. Assim sendo,

o Japão procurou a primeira ocasião para ali se instalar.

Usando como pretexto a sabotagem de sua via férrea Sul-Manchuriana, em 18 de

setembro de 1931, os japoneses ocuparam Mukden e, em poucos dias, haviam ocupado todos

os centros estratégicos da Manchúria 128. Ao final do ano, não só o Japão dominara a maior

parte da Manchúria, como suscitara um movimento autonomista manchu que servia a seus

interesses.Ao apelo da China à Liga das Nações, o Japão respondeu desembarcando tropas em

Shanghai e atacando tropas chinesas no subúrbio de Chapei.

126
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
pg 295
127
Idem, p. 296-297.
128
Ibidem, p. 298.
FIGURA 9: Pu Yi assume como Imperador de Manchuko, em 1934.
Os Estados Unidos reagiram duramente, apelando inclusive à Liga das Nações, da

qual não fazia parte. Recusava-se a reconhecer qualquer tratado ou acordo que atentasse

contra à integridade territorial da República Chinesa. Percebendo que o Japão escarnecia do

Tratado dos Nove – que consagrava a preponderância dos Estados Unidos no Pacífico, os

norte-americanos concentraram sua frota no Havaí, à guisa de advertência 129. Sob pressão, a

Liga das Nações nomeou uma comissão para viabilizar o fim das hostilidades em Shanghai,

propondo todas as medidas imediatas que se fizessem necessárias. Nas palavras de Panikkar,

os Estados Unidos haviam conseguido formar, mais uma vez, uma impressionante coalizão

contra os japoneses130.

O Japão, alegando legítima defesa, retirou suas tropas de Shanghai a 4 de março

de 1932. Porém, em relação a Manchúria, conseguira suscitar um movimento que

proporcionava uma razoável cobertura à sua política. Os manchus haviam conquistado a

China e, desde o fim da dinastia manchu, politicamente, não possuíam com esta mais nenhum

vínculo. Todavia, ainda que o imperador Pu Yi houvesse renunciado ao trono da China, não

havia feito o mesmo com seu título de imperador da Manchúria. Assim sendo, a 18 de

fevereiro de 1932, o Manchuko – que significava terra dos manchus” – foi proclamado

“estado independente” e, a 9 de março, Pu Yi assumia como “executivo-chefe”131.

O Japão imaginou que os países ocidentais se dignariam a reconhecer uma

Manchúria legítima e dotada de uma constituição moderna, porém, em novembro de 1931, a

129
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 296.
130
Idem, p. 299.
131
SPENCE, Jonathan D. Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História. São Paulo, Editora
Companhia das Letras, 1995 & Editora Schwartz Ltda., 1996, p. 379
Liga das Nações enviou uma comissão liderada pelo estadista inglês lorde Lytton para

examinar a situação. Em fevereiro de 1933, com certa pressão dos Estados Unidos, que se

recusava a reconhecer um acordo que desrespeitava as leis da negociação internacional

pacífica, todos os países endossaram o relatório Lytton, rejeitando o conceito de um

Manchuko independente. Abandonando a Liga das Nações, o Japão rompe com a Europa,

resolvido a empregar a força na China132, antes que esta fosse capaz de realizar qualquer

reorganização interior.

O Japão, ao encontrar-se isolado após a Conferência de Washington, persuadiu-se

do fracasso da política liberal, tornando-se cada vez mais militarista e fascista. Embora, até

1931, a vida política do Japão estivesse dominada pela grande burguesia capitalista, o exército

assumia um papel cada vez mais importante, agindo sozinho e fazendo “sua” política 133.

Spence descreve desta forma o sentimento do país:

Muita gente achava que as grandes corporações industriais financiadas pelo


governo tinham se tornado poderosas e corruptas demais, tendo solapado a
integridade de políticos eleitos e da burocracia. Exército e marinha, bem
equipados e treinados, sentiam-se frustrados pelos tratados internacionais e
uma política externa que parecia negar-lhes um papel significativo 134.

O exército japonês passa a atacar ainda mais violentamente, usando de uma

mistura de força, astúcia e guerra psicológica: subornaram generais para que desertassem ou

formassem organizações rivais, estimularam a formação de sociedades secretas e

paramilitares e davam ordens falsas para comandantes chineses, provocando confusão nos

planos de batalha135. Desmoralizados e divididos, os exércitos chineses pediram paz no final

de maio de 1933, assinando a humilhante Trégua de Tanggu, que reduzia ainda mais a

soberania da polícia chinesa.

132
PANIKKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977 / 3ª edição,
p. 301.
133
Idem, p. 304.
134
SPENCE, Jonathan D. Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História. São Paulo, Editora
Companhia das Letras, 1995 & Editora Schwartz Ltda., 1996, p. 375.
135
Idem, p. 80-81.
FIGURA 10: Passeata pela libertação da China da dominação japonesa.

FIGURA 11: Vestígios da violência empregada pelo exército japonês.


FIGURA 12: Comemoração japonesa na tomada do porto de Cantão.

Desde o início da agressão sistemática do Japão à China, um movimento nacional

de protesto vinha tomando força, exigindo uma postura mais enérgica por parte do governo

central de Nanquim contra os agressores. Para o governo, porém a primeira prioridade era

unificar a China, depois, sim, combater o inimigo externo – o que, em outras palavras,

significava combater o comunismo que se estabelecera, principalmente no noroeste do país.

Porém, as tropas do Kuomintang, lideradas por Tchiang Kai-chek, estavam frustradas por se

verem obrigadas a recuar sem combater o invasor japonês e não tinham a menor motivação

para enfrentar os comunistas136.

Assim, ao chegar em Xi’an, Kai-chek é preso por seus próprios generais, que

haviam aderido apenas formalmente ao Kuomintang. Sua libertação é negociada em troca de

um compromisso com a Frente Única, onde os dois partidos lutassem juntos contra o inimigo

comum. As negociações da Frente arrastam-se até o lançamento de uma ofensiva geral

japonesa contra a China, em julho de 1937. O Kuomintang compromete-se a organizar um

regime democrático e socialmente justo, enquanto os comunistas silenciam sua propaganda e

passam a integrar o exército de Tchiang Kai-chek137.

136
FILHO, Daniel Aarão Reis. A Revolução Chinesa. São Paulo, Editora Brasiliense, 1981 / 2ª edição, p. 70.
137
FILHO, Daniel Aarão Reis. A Revolução Chinesa. São Paulo, Editora Brasiliense, 1981 / 2ª edição, p. 70.
O imperialismo japonês domina, pouco a pouco, todos os centros urbanos de

importância e as províncias litorâneas. Os exércitos do Kuomitang oferecem pouca

resistência, recuando para sudoeste, capitulando ou simplesmente aderindo aos japoneses.

Terminada a ofensiva o Japão organiza a China em quatro “Estados satélites”: o Manchuko; o

“Governo reformado” de Pequim, dirigido por senhores de guerra ligados à influência

japonesa; o Conselho Mongol Unificado; e o Governo Central de Nanquim, que busca os

ideais do pan-asiatismo e da co-prosperidade definida pelo Japão. Estes territórios, na

realidade, tornam-se colônias japonesas, fornecendo mão-de-obra e matérias-primas

estratégicas ao esforço de guerra japonês138.

Em dezembro de 1941, os japoneses atacam Pearl Harbor e lançam uma nova

ofensiva, desta vez no sudeste asiático, tomando o Vietnã, a Malásia, Cingapura, a Birmânia e

ameaçando a Índia. Estados unidos e Inglaterra se vêem obrigados a declarar guerra ao Japão.

Assim, os Estados Unidos passam a apoiar militar e financeiramente o governo de

Tchiang Kai-chek. Os camponeses, porém, diante da brutalidade dos invasores japoneses e do

tratamento semelhante recebido dos “generais” do Kuomitang iniciam numerosas revoltas e

passam a se organizar em torno dos comunistas. Em 1945, os comunistas já haviam alargado

consideravelmente sua influência, possuindo 19 bases, sendo a maior parte localizada no norte

do país, onde havia a maior concentração de pressão japonesa.

As forças militares comunistas vão se distinguir do exército Kuomintang pelo

respeito em relação aos camponeses. Dotadas de moral elevado, para Daniel Aarão Reis Filho,

as tropas vermelhas compensavam “a precariedade de seu equipamento militar com a

superioridade do fator humano139”. Ganharam a confiança e a admiração dos camponeses

através da política de Reforma Agrária, da política democrática de poder e, acima de tudo, de

um novo estilo de vida, em que predominavam os valores comunitários e igualitários.

138
Idem, p. 72-73.
139
FILHO, Daniel Aarão Reis. A Revolução Chinesa. São Paulo, Editora Brasiliense, 1981 / 2ª edição, p. 73.
É assim que, com o apoio da população, os “vermelhos” conseguem cercar as

tropas japonesas nas cidades e nos principais entrocamentos rodoferroviários. Com a explosão

da primeira bomba atômica em Hiroshima, a 6 de agosto, e da segunda, três dias depois, que

destrói Nagasaki, o Japão capitula a 14 de agosto de 1945140.

FIGURA 13: A bomba atômica de Nagazaki, vista da China; o cogumelo formado pela explosão em Hiroshima;
e o tratamento de uma criança vítima da explosão.

3.3. A Retirada Japonesa e o Nascimento da República Popular da China

Até este momento, a história de nossos atores pode ser sintetizada por uma China

tendo seu império fragmentado no cenário asiático e por um Japão expansionista neste mesmo

contexto, delineando assim o confronto entre o esfacelamento de um império – o do Meio –

com a tentativa de implantação de outro – o Império do Sol Nascente.

No entanto, após a II Guerra Mundial os antagonismos se manteriam, só que não

mais sob a ótica dos dois impérios em confronto – o decadente e o ascendente. O fim da
140
Idem, p. 85.
Guerra afirmou o Ocidente na região e decretou o fim dos “impérios asiáticos”. Assim, o

Japão era a grande nação derrotada pelo Ocidente, enquanto a China buscava reerguer-se das

ruínas causadas pela II Guerra Mundial e pela Guerra Civil que havia se instalado no país.

Com a derrota japonesa uma questão decisiva se colocava: Quem receberá a

rendição? A “China Livre” do Kuomintang, ou a “China Vermelha”? Assim tem início a

primeira escaramuça de uma guerra civil que terá início menos de um ano depois. Além da

desconfiança recíproca que esmorecia todas as tentativas de acordo entre os lados, os EUA e a

URSS pressionavam a construção de um governo de “unidade nacional”, se oferecendo como

“mediadores” entre os partidos141.

Finalmente um acordo foi firmado e, em 10 de outubro de 1945, o Kuomintang

comprometia-se a convocar uma Conferência Política Consultiva, reunindo, além dos dois

partidos, as forças democráticas e liberais do “centro”. Logo ficou evidente que o Kuomintang

não tinha nenhuma intenção de cumprir os acordos, pois continuava a reprimir o movimento

comunista e a atacar os estudantes que iam às ruas exigir o estabelecimento de uma real

democracia142. Tchiang Kai-chek, independente das medidas democráticas definidas na

Conferência Política Consultiva em Chongqing, não aceita as decisões e o Kuomintang inicia

sua caminhada para um isolamento político inevitável.

Com a saída das tropas soviéticas da Manchúria, e a conseqüente questão de

ocupação que se coloca, a guerra civil se instala. O Kuomintang une-se aos Estados Unidos,

recebendo recursos militares, conselheiros civis e militares, apoio logístico e ajuda financeira.

Mas o apoio estrangeiro mais prejudicava que auxiliava a imagem do partido. O Exército

Popular de Libertação (EPL), com sua luta nacional contra “os estrangeiros que querem se

substituir aos japoneses143”, tinham um apelo muito mais forte aos chineses, recém saídos de

uma longa guerra de libertação anti-japonesa.


141
FILHO, Daniel Aarão Reis. A Revolução Chinesa. São Paulo, Editora Brasiliense, 1981 / 2ª edição, p. 86.
142
Idem, p. 88.
143
FILHO, Daniel Aarão Reis. A Revolução Chinesa. São Paulo, Editora Brasiliense, 1981 / 2ª edição, p. 91.
Grifo do autor.
Do final de 1948 ao início de 1949, as forças do Exército Popular de Libertação

ocupam a Manchúria e importantes centros urbanos e industriais no norte e centro da China.

Tchiang Kai-chek se retira para Taiwan, onde instala o “seu” governo. Em setembro de 1949,

os comunistas realizam formalmente uma nova Conferência Política Consultiva, contendo um

amplo leque de forças políticas. A Conferência aprova um Programa Comum e Mao Tse-tung

é eleito. No dia 1º de outubro de 1949 é finalmente proclamada a República Popular da

China144.

FIGURA 14: Proclamação da República Popular da China, sob governo de Mao Tse-tung.

3.4. Antagonismo Ideológico

Essa nova realidade não decretou o fim dos antagonismos, mas apenas modificou

a qualidade deste, agora no contexto internacional de uma Guerra Fria. Este antagonismo se
144
Ibidem, p. 95.
traduzirá, na escala regional, no confronto sino-japonês nas configurações que descreveremos

nesta seção.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, o Japão tinha um saldo de dois milhões de

mortos e uma economia em ruínas. A guerra havia esgotado a indústria local por falta de

estoques de reposição, as cidades estavam destruídas por sucessivos bombardeios, a recessão

e o desemprego estavam no auge e a inflação reduzia a cada dia o poder de compra dos

trabalhadores. Ocupado pelos vencedores americanos, a primeira providência destes foi

desmantelar a potência financeira das zaibatsu145, com o objetivo de “punir permanentemente

o povo japonês por sua aventura militarista146”. O grande projeto norte-americano era utilizar

todas as suas forças para reconstruir seu outro aliado no continente: a China.

Esta política, no entanto, foi completamente abandonada com o acirramento da

Guerra Fria em 1948 e com a Revolução Chinesa de 1949. Para evitar o contágio do “perigo

vermelho”, era imperativo que as economias atingidas pela guerra pudessem se estabilizar,

ainda que fossem países inimigos recentemente derrotados. Assim os EUA modificaram sua

pressão, de uma posição de controle às estruturas monopolistas dos zaibatsus, para a cobrança

de uma recuperação econômica imediata do Japão. Para isso lhes devolveram a liberdade de

operar, por seus próprios meios, sua economia, contanto que de acordo com as diretrizes da

nova ordem internacional147.

Viu-se o Japão lançado em um sistema comercial e cambial para o qual não tinha

preparo, com um programa de orçamento fiscal superavitário e uma paridade fixa entre o

dólar e o iene. Não fosse a maciça ajuda financeira americana, o Japão teria mergulhado em

uma crise financeira que levaria à redução da atividade interna e a um aumento das falências e

do desemprego. Percebendo a necessidade de um plano exclusivamente voltado para suas

145
Zaibatsus: grandes grupos econômicos formados, em sua maioria, por antigos senhores feudais do período
imperial, que compunham uma elite político-econômica no Japão. N. da A.
146
FILHO, Ernani Teixeira Torres. Japão: da industrialização tardia à globalização financeira in FIORI, José
Luís. Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações. Petrópolis, Editora Vozes, 1999 / 2ª edição, p. 13.
147
Idem.
necessidades, o Japão negociou algumas mudanças: o câmbio seria monopólio do Estado e as

importações e a entrada de capital estrangeiro seriam diretamente controladas pelo governo.

As medidas defensivas levaram o país a uma trajetória sem precedentes pelos dez

anos seguintes: o produto nacional bruto atinge um crescimento de 10% ao ano e, em 1955, o

país é admitido no Gatt. Já em 1970, o Japão é a terceira potência econômica do mundo, atrás

apenas dos Estados Unidos e da União Soviética 148. Em menos de 20 anos, o Japão se tornou

um produtor e exportador de porte internacional no setor de insumos industriais e de

máquinas e equipamentos. Com a aceleração das exportações, o Japão foi elevado, em curto

espaço de tempo, à posição de principal credor líquido do mundo, particularmente com os

Estados Unidos.

A China, por outro lado, estava profundamente vinculada à URSS, inspirando-se

em sua experiência para desenvolver um grande esforço de industrialização. Alguns fatores

apontados por Argemiro Procópio, porém, levaram a China a distanciar-se daquilo que o autor

denomina uma “camisa de força” na qual a potência soviética desejava aprisioná-la:

“A caótica administração, o corrupto gerenciamento das economias

nacionais inspiradas no estilo da administração militar soviética,

proporcionava enormes privilégios para minorias oportunistas, aliás, quase

as mesmas que agora mandam na sofrida Rússia. (...) Privilégios desfrutados

pela burocracia comunista levaram a população a duvidar da honestidade dos

ideais socialistas apregoados pelos que usufruíam o poder 149”.

Assim, a República Popular seguiu um caminho próprio, promovendo o “Grande

Salto à Frente” e dando prova de flexibilidade, impedindo que os equívocos do autoritarismo

148
GRENET, Yves. O Capitalismo assalta a Ásia in FERRAULT, Gilles (org.) O Livro Negro do Capitalismo.
Record: 1999. pg. 406
149
PROCÓPIO, Argemiro. China em tempos de mudança in MARTINS, Estevão Chaves de Rezende
(organizador). Relações Internacionais: Visões do Brasil e da América Latina, Coleção Relações Internacionais.
São Paulo, FUNAG – Fundação Alexandre de Gusmão, IBRI – Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, p.
400.
soviético provocasse perversos efeitos em seu país, que possuía estrutura social

completamente distinta da soviética150. Embora não caracterizasse uma política de isolamento,

o maoísmo partiu para uma política de auto-sustentação, acompanhada por um processo de

fechamento para o campo externo.

Se este rigoroso processo estatal funcionou com sucesso no começo dos anos 50,

aos poucos foi tornando-se contraproducente. “O baixo nível de consumo, a reduzida

produtividade, a péssima política de distribuição dos estoques e as enormes amarras

burocráticas no processo da venda para o consumidor” são conseqüências citadas por

Procópio151 que contribuíam para o aumento da pobreza.

Com a morte de Mao Tse-tung, um novo núcleo dirigente, sob a liderança de Deng

Xiaoping, deu início a uma mudança do eixo estratégico da política partidária para a

construção de uma economia nacional baseada na estabilidade e na unidade. Para isso, era

necessário inserir na economia chinesa os mecanismos do mercado capitalista, pois, na

concepção da nova liderança, as relações mercantis poderiam expandir o processo de

modernização da economia socialista chinesa152.

Substituiu-se as Comunas Populares pelo Sistema de Responsabilidade com base

na família aldeã, aumentando a rentabilidade geral da agricultura; foram criadas Zonas

Especiais de Exportações, permitindo o desenvolvimento de um vasto programa de geração de

indústrias com capital e tecnologia provenientes do exterior; e estabeleceu-se a construção de

uma economia socialista de mercado, permitindo o enriquecimento mais rápido da sociedade,

mas onde o estado tivesse o papel de definidor dos parâmetros, de forma a evitar uma

eventual polarização entre as classes.

150
Idem.
151
PROCÓPIO, Argemiro. China em tempos de mudança in MARTINS, Estevão Chaves de Rezende
(organizador). Relações Internacionais: Visões do Brasil e da América Latina, Coleção Relações Internacionais.
São Paulo, FUNAG – Fundação Alexandre de Gusmão, IBRI – Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, p.
402.
152
FILHO, Severino Cabral. “O Desenvolvimento da China e Ásia Pacífico: Perspectivas para o Século XXI”.
Estratégias de Desenvolvimento Regional: Mercosul, Nafta e Alca. p. 142.
A China pôde, assim, vivenciar o que, nas palavras de Severino Cabral Filho, foi

um dos mais extraordinários processos de crescimento industrial no século XX 153. Sendo o

sétimo maior país exportador mundial (3,9% do total) e o oitavo maior importador (3,4%), a

China conquistou um papel decisivo na economia mundial. Portanto, é compreensível que

Eduardo Gonçalves Serra154 acredite que a entrada da China na Organização Mundial do

Comércio, em 2001, talvez seja o principal acontecimento da economia internacional na

primeira década do século XXI.

Graças ao sucesso desta política de crescimento, exemplificado principalmente

pela elevação constante do nível de vida da população chinesa, o país tornou-se um forte

candidato ao papel de principal concorrente dos EUA no âmbito do comércio exterior. Mais

ainda, a China aparece hoje, como afirma Serra, como uma forte candidata à condição de

superpotência no futuro próximo e as relações que vem mantendo com os países vizinhos e

com uma série de outros países em desenvolvimento demonstram seu interesse em participar

cada vez mais ativamente do comércio internacional, particularmente dentro da comunidade

asiática155.

Esta perspectiva torna-se ainda mais evidente ao observarmos a estagnação da

economia japonesa, além de um aparente desinteresse pelo papel de liderança das

transformações econômicas que vêm ocorrendo no continente. A conjugação destes fatores

vem fazendo com que o Japão, cada vez mais, perca sua posição de locomotiva na região ou,

em uma perspectiva mais branda, tenha que dividir esse papel com a China e, muito

possivelmente, com a Índia.

A redefinição da política econômica chinesa para uma dinâmica de mercado, que

tem início com Deng Xiaoping, ainda que dentro de uma perspectiva socialista, aproximou

153
Idem. p. 142..
154
SERRA, Eduardo Gonçalves. “Considerações sobre os Impactos da Entrada da China na OMC”. Política
Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, março / abril / maio 2003 – Vol.11 – Nº 4, p. 39.
155
SERRA, Eduardo Gonçalves. “Considerações sobre os Impactos da Entrada da China na OMC”. Política
Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, março / abril / maio 2003 – Vol.11 – Nº 4, p. 47.
novamente as realidades de China e Japão. Onde antes havia forças antagônicas de poder

disputando a supremacia de um território, abriu-se um caminho para o estabelecimento de um

diálogo cooperativo, visando o bem-estar de ambos os países. Este diálogo, porém, não seria

possível caso a China mantivesse uma política isolacionista, como foi o caso da URSS, ou não

estivesse aberta a absorver as novas tecnologias industriais comercializadas na região.

O próximo capítulo, portanto, discorrerá sobre as relações entre estas duas

potências contemporâneas dotadas de imenso potencial político, econômico e tecnológico, no

sentido de estabelecer, através de um próspero comércio regional, uma unidade asiática.

Nessa perspectiva, China e Japão tornam-se atores regionais não mais condicionados ao

confronto de impérios da primeira metade do século XX, nem mesmo à dialética capitalismo

X socialismo da guerra Fria, mas sim no contexto da Globalização que terá início com o

surgimento da Nova Ordem Mundial ao fim da bipolaridade. Com a Globalização surge

também uma maior discussão sobre integração regional, uma vez que os cenários locais

deixam de ser palco de conflitos regionais para se tornarem espaços de processos de

integração regional. Neste último capítulo buscaremos, também, através de todos os pontos

trabalhados, analisar as perspectivas que se colocam para o futuro da integração continental.


Capítulo IV: Perspectivas para a Integração Asiática

Com o estabelecimento de uma economia socialista de mercado, podia iniciar sua

ascensão rumo ao panteão das grandes potências econômicas mundiais. O mundo, no entanto,

não era mais o mesmo com o qual o país estava acostumado. Muito embora o comércio

exterior continuasse tendo importância estratégica para o crescimento das nações, um novo

paradigma havia sido implantado e era agora o próprio cerne de toda a dinâmica do sistema

mundial: o conhecimento.

A era da informática não apenas gerara novas necessidades de consumo, mas

também acelerou o processo de obsolescência de máquinas e procedimentos de forma

fantástica. Deste modo, para adequar-se a essa nova realidade seria necessário à China

absorver todo o conhecimento tecnológico e científico que, por tanto tempo, repudiara.

Assim, o país, aproveitando-se de um movimento liderado pelo Japão, inicia um

processo de assimilação tecnológica, investindo maciçamente em pesquisa e

desenvolvimento, reformulando suas estruturas industriais e participando ativamente do

comércio internacional.

É, portanto, a partir deste papel ativo da China no cenário internacional que

analisaremos a integração na Ásia Oriental, verificando, igualmente, as lições que poderemos

apreender deste processo.

4.1. Vantagens do Comércio Intra-asiático


Uma das características da integração asiática que levantamos em nosso primeiro

capítulo foi a interdependência econômica de seus países. Citando Hitotsubashi Daigaku,

Miyazaki afirma que uma das características principais das economias do Pacífico Asiático é a

crescente interdependência resultante de suas relações de comércio e de investimento 156. O

fato de terem economias complementares facilitou, e muito, o processo de desenvolvimento

das negociações para a criação de um bloco que viesse a institucionalizar as relações já

existentes. Esta complementaridade pode ser explicada através do modelo flying wild geese

pattern de Akamatsu, onde as exportações são a principal razão do desenvolvimento.

Segundo este modelo, ocorreria um ciclo de transmissão da industrialização e do

crescimento econômico, onde as tecnologias passariam de um país ao outro e deste para um

terceiro. Assim, nas palavras de Miyazaki, “se antes um país B era tardiamente

industrializado, quando se emparelha ao desenvolvimento do país A, previamente

industrializado, o país B torna-se previamente industrializado para um país C157”.

Deste modo, a produção, que teria se iniciado nos Estados Unidos, teve seu

excedente exportado para o Japão. O Japão realizou a produção interna do produto, enquanto

o importava, em um processo de substituição de importações. Quando a quantidade produzida

excedeu a quantidade consumida, esse excedente foi exportado para as Novas Economias

Industrializadas da Ásia (NIEs – Coréia do Sul, Hong Kong e Taiwan) e assim

sucessivamente. Miyazaki afirma que a seqüência de industrialização foi Estados Unidos,

Japão, NIEs, Asean (Cingapura, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia), e este teria sido

previamente industrializado para a China158.

Cada um destes atores apresentou um período de crescimento voraz nas últimas

décadas. Primeiro o “milagre econômico japonês”, iniciado ao final da Segunda Guerra


156
MIYAZAKI, Silvio Yoshiro Mizuguchi. “Regionalismo no Pacífico Asiático: integração econômica orientada
pelo comércio externo”. Revista de Economia Política. Vol. 16, No. 1 (61), janeiro/março/96. p.128-139.
157
Idem, p. 134.
158
Ibidem.
mundial. Depois, o surgimento dos “tigres asiáticos” – Coréia, Taiwan, Hong Kong e

Cingapura – a partir da década de 1970. Nos anos 80 e 90, foi a vez dos “dragões asiáticos” –

Malásia, Filipinas, Tailândia e Indonésia. Finalmente, a China começou um processo

ininterrupto de crescimento a partir de 1980. Fiori aponta que diversos pensadores

acreditaram estar nascendo um novo “centro”, que substituiria a Europa e os Estados Unidos

“como núcleo hegemônico e dinamizador da economia capitalista e do sistema de poder

mundial159”.

Esse evidente deslocamento do eixo dinâmico na direção do Leste Asiático teve

fim, porém, com um ataque dos capitais especulativos à Tailândia. Uma das causas

fundamentais da crise, segundo Lytton Guimarães, foi a perda de confiança dos investidores,

principalmente, “em decorrência da falta de estabilidade e credibilidade das moedas, o que

desencadeou a saída repentina e em grande volume de investimentos internacionais160”.

Frankel e Schmukler161 observam que os fundos mútuos desempenharam um papel

transmissor da Tailândia para os países do Leste asiático, causando um impacto posterior

sobre as ações locais. Por serem países com ligações comerciais estreitas, o que era

considerado um fator de fortalecimento no período de crescimento econômico, Griffith-Jones

considera esta interdependência uma das razões para que houvesse um rápido contágio na

região162. Uma vez instalada a recessão, a demanda por importações intra-regionais diminuiu,

agravando ainda mais a crise nestes países.

Apesar da profundidade da crise, que acabou por afetar a estabilidade financeira

mundial, os cinco países mais afetados (Coréia do Sul, Filipinas, Malásia, Indonésia e

Tailândia) vêm apresentando sinais evidentes de recuperação. A Coréia do Sul apresentou em


159
FIORI, José Luis. 60 Lições de 90 – Uma década de Neoliberalismo. Record: 2001. p. 144
160
GUIMARÃES, Lytton L. A Ásia Contemporânea e sua Inserção Internacional. in GUIMARÃES, Lytton L.
(org.) Ásia-América Latina-Brasil: A Construção de Parcerias. Brasília: UnB/CEAM/NEÁSIA, 2003, p. 64.
161
FRANKEL, J.A., SCHMUKLER, S. (1996) apud in GRIFFITH-JONES, Stephany. A crise financeira
do Leste asiático: uma reflexão sobre suas causas, conseqüências e implicações para a política econômica.
Política Externa. Vol. 7 – No. 3 – Dezembro, 1998, p. 34.
162
GRIFFITH-JONES, Stephany. A crise financeira do Leste asiático: uma reflexão sobre suas causas,
conseqüências e implicações para a política econômica. Política Externa. Vol. 7 – No. 3 – Dezembro, 1998, p.
27-28.
2001 um PNB quase 25% superior ao registrado em 1996; as Filipinas e a Malásia também

obtiveram resultados expressivos – cerca de 20% de crescimento no mesmo período; e os

demais conseguiram atingir os mesmos patamares apresentados em 1996163.

4.2. Perspectivas para a Integração Asiática

É provável que, não fosse a complementaridade destes mercados, a superação dos

efeitos recessivos levasse muito mais tempo para ocorrer. Para Lytton Guimarães, o papel de

instituições multilaterais como a ASEAN e a APEC, tem sido fundamental, “tanto nos

processos de transformação econômica e consolidação democrática, como na recuperação da

crise164”. A ASEAN uniu-se ao Japão, à Coréia do Sul e à China, formando uma ASEAN + 3,

no sentido de criar um bloco de livre comércio que atenda à região do Leste Asiático. É a

primeira vez que a região trabalha na criação de seu próprio bloco econômico, com propostas

que visam, além do incremento ao comércio regional, até mesmo a formação de um Fundo

Monetário Asiático que possa fornecer apoio-mútuo, inclusive em situações de crise

financeira. Além destas propostas, os países concordaram em promover o desenvolvimento do

Leste Asiático através de uma maior coordenação econômica e de um emprego mais eficiente

da ajuda externa que facilite a implementação do livre comércio na região.

A China já havia apresentado projetos de integração com os países da ASEAN,

porém há uma possibilidade de que a inclusão de Japão e Coréia do Sul na ASEAN + 3 tenha

como objetivo impedir qualquer tentativa hegemônica da China165. O país vem apresentando

um desempenho bem acima dos demais membros da APEC e continua bem menos vulnerável,

principalmente em relação ao Japão, cuja economia permanece estagnada há um longo

período.
163
GUIMARÃES, Lytton L. A Ásia Contemporânea e sua Inserção Internacional. in GUIMARÃES, Lytton L.
(org.) Ásia-América Latina-Brasil: A Construção de Parcerias. Brasília: UnB/CEAM/NEÁSIA, 2003, p. 64.
164
Idem.
165
Ibidem, p. 65.
Outra possibilidade que pode oferecer grandes chances de desenvolvimento para a

região é o processo ASEM – Asia Europe Meeting – reunindo 10 países asiáticos (Brunei,

China, Indonésia, Japão, Malásia, Filipinas, Coréia do Sul, Cingapura, Tailândia e Vietnã) e os

países que compõe a União Européia. Com encontros bienais, este processo permite a

construção de um diálogo econômico e político de alto nível, proporcionando uma

oportunidade ímpar para que os países asiáticos absorvam a vasta – e bem sucedida –

experiência européia de integração166.

Esta aproximação com a Europa, porém, não significa buscar um grau de

vinculação tão elevado quanto o da União Européia. A permeabilidade é exatamente uma das

características mais importantes da integração asiática e permite que os países possam ter

acesso a negociações com outras regiões do mundo para suprir necessidades que o mercado

regional não pode atender. Um exemplo claro é a deficiência energética na qual a China se

encontra e os acordos bilaterais que têm feito com países como Sudão, Angola, Argélia, Líbia

e vários outros países africanos167.

As questões políticas internas, porém, continuam sendo o maior entrave a uma

integração asiática, não apenas na China e no Japão, mas em todo o Leste asiático. Apesar de

ter apresentado um crescimento elevado contínuo nos últimos anos, a China possui uma

estrutura institucional primitiva, principalmente nos sistemas jurídico e financeiro, o que

constitui, segundo Meyer, sua maior fraqueza168. O Japão vive um momento de estagnação

econômica, causado pelo subconsumo do mercado japonês. Os demais países acabam por

sofrer as conseqüências destes problemas internos, seja pelo reflexo que porventura tenham

no comércio exterior, seja pela ameaça da explosão de uma guerra civil que acabe por atingir

todo o continente.

166
GUIMARÃES, Lytton L. A Ásia Contemporânea e sua Inserção Internacional. in GUIMARÃES, Lytton L.
(org.) Ásia-América Latina-Brasil: A Construção de Parcerias. Brasília: UnB/CEAM/NEÁSIA, 2003, pg. 68-69
167
LOHBAUER, Christian. “A China e a Dimensão Energética da Ásia”. Política Externa. São Paulo, Editora
Paz e Terra, março / abril / maio 2003 – Vol.11 – Nº 4, p. 53.
168
MEYER, Arthur V. Correa. “A Região da Ásia-Pacífico no Limiar do Século XXI: o Papel da APEC e da
ASEAN”. Política Externa. São Paulo, Editora Paz e Terra, junho 1996 – Vol. 5 – Nº 1 , p. 109.
Assim, sendo, somente uma integração maior entre China e Japão, nos campos

econômico, político, social, científico e cultural, o que exige a superação de todas as

divergências passadas, poderia realmente permitir à região usufruir um maior dinamismo. A

China parece disposta a desempenhar um papel mais ativo na região, quase representativo. O

Japão, porém, parece cada vez mais isolado e não tem tomado nenhuma medida evidente para

impedir o fechamento de seu mercado. É possível que as instituições multilaterais como

APEC, ASEAN e até mesmo a ASEM promovam um diálogo mais ativo que incentivem estes

países a buscar esta proximidade e, talvez, solucionarem suas dificuldades através de uma

política macroeconômica conjunta que beneficie toda a região, trazendo resultados positivos

para cada país.

Diferentemente dos demais continentes, há uma forte necessidade destes países

em manter relações de cooperação com os demais países do globo, pois, embora possuam um

alto grau de complementaridade de seus mercados, os países da região possuem determinadas

carências, a energética, por exemplo, que somente poderão ser sanadas através de um diálogo

aberto com as demais regiões do mundo. Esta liberdade é o que irá diferenciar seu processo de

integração regional e torná-lo tão particular.

O estudo das relações entre os dois principais Estados da região nos oferece uma

visão ainda mais ampla de multipolaridade, uma vez que demonstra estarem os países

relacionados bastante preocupados com uma tentativa de hegemonia destes atores. Embora o

Japão não aparente desejar exercer um papel de condutor da economia asiática, a China várias

vezes apresentou a intenção de ser uma espécie de “porta-voz” do continente. A dominação

japonesa que teve lugar nos diversos países da região durante a Segunda Guerra Mundial,

porém, deixou marcas profundas, que não foram ainda totalmente superadas. Assim sendo,

existe uma preocupação em evitar que estes dois atores possam exercer qualquer tipo de

soberania nos acordos que se desenvolvem atualmente.


Outra preocupação é de que a desconfiança permanente de um comportamento

expansionista japonês, principalmente no que tange o relacionamento entre China e Japão,

esconda na verdade um conflito latente que possa, futuramente, desencadear um conflito

bélico na região. Exemplificando esta preocupação, os países do sudeste asiático vêm

buscando um acordo que inclua Japão, China e Coréia do Sul, permitindo uma maior

segurança coletiva da região, enquanto impeça tentativas armadas de conflito entre os

participantes. Esta estratégia também tranqüiliza estes países quanto aos conflitos internos que

freqüentemente surgem na região. De democratização recente, a maioria dos países apresenta

ainda problemas políticos internos, tornando-se uma região bastante vulnerável, apesar da

recente prioridade dada ao relacionamento comercial harmônico e à solução pacífica de

conflitos.

De modo geral, podemos assinalar um período bastante benéfico para o

regionalismo asiático, caracterizado por uma aproximação política maior entre os Estados e

por uma maior liberdade de ação para seus membros nas negociações extra-regionais. Embora

não excessivamente, o regionalismo aberto asiático vem se tornando mais institucionalizado,

o que lhe conferindo uma maior legitimidade.

A conjugação destes fatores corrobora a idéia de que Japão e China, e o leste

asiático como um todo, estejam empenhados no estabelecimento de uma cooperação bem-

sucedida. É possível, obviamente, que a razão fundamental para esta dedicação seja a

percepção de sua dependência dos Estados ao redor para o estabelecimento de seu equilíbrio

interno, em uma concepção bastante neo-realista. Esta perspectiva não é de todo negativa,

pois, uma vez que direciona estes países na construção de um diálogo cordial permanente, os

benefícios advindos deste processo vêm mantendo - e tendem a assim permanecer - China e

Japão unidos em um ideal pacífico comum, baseado nas trocas comerciais que tanto oferecem

para todos os atores envolvidos.


4.3. As Lições do Regionalismo Asiático

Embora não possamos avaliar o processo regional do leste asiático como um todo,

uma vez que este se encontra ainda em evolução, seus resultados bem-sucedidos servem de

exemplo para o restante do globo. Este aprendizado é especialmente importante para a

América Latina, também vítima de desequilíbrios oriundos de um expansionismo europeu.

Mais que obtermos a visão da integração asiática como um todo, nosso

objetivo fundamental é compreender o papel “motor” de China e Japão neste processo e

verificar o quanto esta aproximação política influenciou para a efetivação de um

processo de integração geo-econômica bem-sucedido.

Enumeramos, a seguir, algumas das características mais particulares do processo

de integração da Ásia Oriental, que colaboraram para torná-la uma região de destaque no

cenário internacional por sua força e capacidade de desenvolvimento:

4.3.1. Papel Desenvolvimentista do Estado

Importante destacar a importância que os governos destes países, todos com

pensamentos de origem confunciana, onde o coletivo sempre prevalece diante do

individualismo, adágio bastante evidente nas estruturas de governo chinesa e japonesa,

tem para o desenvolvimento deste pólo de poder econômico, político e tecnológico. Todos os

países possuíram, principalmente no auge das modificações que introduziram o método de

produção industrial, um governo desenvolvimentista voltado para a modernização dos

processos produtivos e para a integração de seus países na esfera econômica global. Isto fica

bem implícito na afirmação de Theotonio dos Santos:

[...] a dependência crescente das novas tecnologias de pesquisa e


desenvolvimento [...] obrigou o Estado a subsidiar cada vez mais a P&D cuja
execução no interior dos grupos empresariais promoveu um vínculo
crescente das empresas com a chamada alta ciência169.

Assim, diferente do Ocidente, onde estas mudanças se deram principalmente

através da classe civil burguesa, o crescimento asiático foi basicamente orientado por seus

governos e, independente do quão democrático ou capitalista o país seja, os resultados são

acompanhados de perto pelos governantes e as ações necessárias são em sua maioria por eles

coordenadas. É preciso lembrar também que, uma vez sendo os Estados os verdadeiros atores

das negociações internacionais, o desenvolvimento de qualquer possibilidade de integração

passa, obrigatoriamente, pelo interesse específico do governo neste sentido.

A questão governamental, e parece haver um consenso na literatura a este

respeito, tem importância fundamental para o desenvolvimento de políticas de integração na

América Latina. Como o continente asiático, a região é formada por países com diferentes

graus de desenvolvimento industrial e com semelhantes problemas políticos. A maioria dos

países latino-americanos teve governos militares ditatoriais até os anos 80 e ainda não se

adaptaram totalmente ao sistema democrático, carecendo de uma sociedade civil expressiva e

sofrendo as conseqüências da corrupção e da política de interesses das classes mais abastadas

que comandam estes países.

Um projeto de integração profunda, como é o caso do europeu, dificilmente será

bem sucedido, pois depende fundamentalmente de uma balança de poder equilibrada, o que

hoje, é inviável para a América Latina. Assim, um projeto de integração mais poroso, como a

ALADI170 atual, pode trazer resultados muito mais benéficos, em termos de cooperação para o

desenvolvimento e também no que tange à liberdade de negociação com as demais regiões do

mundo.

4.3.2. Capacidade de Adaptação


169
SANTOS, Theotonio dos. Unipolaridade ou hegemonia compartilhada. SANTOS, Theotonio dos (coord.).
Os Impasses da Globalização – Hegemonia e Contra-Hegemonia. São Paulo: Edições Loyola & Rio de Janeiro:
PUC – Pontifícia Universidade Católica, 2003 – Vol. 1. p. 53.
170
Associação Latino-Americana de Integração: formada por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba,
Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. N. da A.
Uma característica fundamental para o crescimento dos países do leste asiático e a

principal razão para a fantástica recuperação de suas economias após os períodos de crise

consiste em sua flexibilidade institucional e capacidade de adaptação. Como bem coloca

Andre Gunder Frank, nenhuma forma institucional particular ou prática econômica política é

capaz de oferecer sucesso permanente, “já que os obstáculos e as oportunidades no mercado

mundial competitivo mudam em relação a tempo e lugar171”.

Portanto, assim como a China soube o momento correto de migrar de um

comunismo isolacionista para uma economia socialista de mercado, sem converter-se,

devemos frisar, ao capitalismo, também os demais países podem encontrar um caminho

próprio que lhe seja mais conveniente e eficiente que os ditados pelas instituições

internacionais vigentes. Na realidade, a maioria dos países de industrialização recente do leste

asiático atingiram um resultado mais positivo após adotarem uma estratégia econômica

própria, mais rigorosa que a economia de mercado exigida pelo Banco Mundial ou pelo

Fundo Monetário Internacional.

4.3.3. Estabelecimento de um Setor Produtivo Forte

No caso asiático, a transmissão de tecnologia foi um dos fatores que mais

contribuíram para o nivelamento científico-cultural dos países da região. Não apenas os países

da região puderam manter-se sempre dedicados a uma atividade produtiva com mercado-alvo

definido, mas também permitiram a criação de um paradigma, principalmente nos países do

leste asiático e na China, de sobrevalorização do potencial estratégico deste setor.

A criação deste paradigma foi fundamental para que períodos de crise, como a dos

capitais especulativos, no final dos anos 80, não afetassem a recuperação deste setor após a

171
FRANK, Andre Gunder. Tigre de papel, dragão de fogo. SANTOS, Theotonio dos (coord.). Os Impasses da
Globalização – Hegemonia e Contra-Hegemonia. São Paulo: Edições Loyola & Rio de Janeiro: PUC –
Pontifícia Universidade Católica, 2003 – Vol. 1. p. 39.
estabilização. Na verdade, afirma Frank, “a atual crise de superprodução e de excessiva

capacidade é a comprovação da força subjacente do setor produtivo172”. Uma vez que as

recessões econômicas não podem ser evitadas, impedir o esgotamento da capacidade

produtiva é uma estratégia essencial para garantir a retomada do crescimento em um mínimo

de tempo.

4.3.4. Manutenção do Controle sobre o Capital

A crise asiática gerada pela entrada de um fluxo de capital especulativo, sob

sugestão do FMI, destruiu o aparelho produtivo destes países e causou uma proporção tal de

desemprego e recessão, que poucos acreditariam ser possível superar o problema econômico

então originado. As economias, entretanto, se recuperaram e a Ásia protegeu-se da melhor

forma possível: mantiveram controle sobre o fluxo de capital estrangeiro, abrindo seu

mercado de capitais a influxos, mas restringindo especialmente os fluxos para fora de suas

fronteiras do capital especulativo173.

A maioria dos países do dito “Terceiro Mundo” submeteu-se à política de ajustes

determinada pelo FMI e pelo Banco Mundial. Os resultados foram semelhantes ou, em alguns

casos, mais graves que na região do leste asiático. Alguns países sofreram efeitos tão

profundos que causaram um problema econômico crônico, impossibilitando o acesso destes

ao rumo do desenvolvimento. A medida, que impediu China, Malásia e Coréia de serem

engolidos pela onda trazida pela crise financeira, se implementada, pode favorecer a

recuperação destes países, permitindo que estes retomem o desenvolvimento econômico e,

principalmente, evitará que crises vindouras surtam o mesmo efeito avassalador.

172
FRANK, Andre Gunder. Tigre de papel, dragão de fogo. SANTOS, Theotonio dos (coord.). Os Impasses da
Globalização – Hegemonia e Contra-Hegemonia. São Paulo: Edições Loyola & Rio de Janeiro: PUC –
Pontifícia Universidade Católica, 2003 – Vol. 1. p. 41.
173
Idem. p. 44.
4.3.5. Fortalecimento da Posição Político-Econômica

O ponto anterior relaciona-se com este, na medida em que, para a maioria dos

países em desenvolvimento falta a força necessária para resistir ao que Frank denomina

“chantagem ocidental174”. Em sua maioria, estes países detêm pouca ou nenhuma

preponderância militar, sua posição política dificilmente poderia ser qualificada como

estratégica – com exceção talvez do Brasil – e suas economias possuem pouco ou nenhum

poder de barganha.

No caso asiático, porém, China, Japão e Coréia representam economias fortes e

credoras das grandes potências ocidentais; com exceção do Japão, que, mesmo possuindo uma

das tecnologias militares mais avançadas, ainda se respalda no esquema de segurança norte-

americano, China e Coréia possuem organizações militares em aperfeiçoamento contínuo; e,

por fim, estes três atores, e a Índia cada vez mais, possuem uma relevância política regional e

internacional capaz de fazer frente às potências européias, permitindo-lhes executar suas

estratégias independentemente das diretrizes do FMI, do Banco Mundial, da Organização

Mundial do Comércio, de Wall Street e de outros instrumentos175.

4.3.6. Determinação de uma Política Regional Independente

Diversos autores acreditam estarem os EUA vivenciando uma diluição de seu

poder hegemônico no momento presente. As forças do mercado teriam redistribuído o poderio

econômico e industrial, possibilitando o aparecimento de novos pólos de poder.

174
FRANK, Andre Gunder. Tigre de papel, dragão de fogo. SANTOS, Theotonio dos (coord.). Os Impasses da
Globalização – Hegemonia e Contra-Hegemonia. São Paulo: Edições Loyola & Rio de Janeiro: PUC –
Pontifícia Universidade Católica, 2003 – Vol. 1, p. 42.
175
Idem, p. 42
Na Ásia-Pacífico, segundo Amaury Porto de Oliveira, “começou a tomar corpo a

convicção de que não faz mais sentido formular políticas, econômicas ou outras, partindo da

premissa da hegemonia dos EUA176”. Isso não quer dizer, porém, que ignorem sua força, ou

que não o levem em consideração na definição de suas estratégias regionais ou nacionais,

apenas que percebem a mobilidade dos fluxos de poder e não temem traçar objetivos que

possam deslocar o eixo dinâmico da política econômica internacional para a Ásia Oriental.

4.3.7. Criação de uma Coligação Financeira Asiática

No item 4.3.4, mencionamos a pressão exercida pelas instituições financeiras

internacionais, controladas pelo Ocidente, sobre a Ásia Oriental durante a última crise

financeira. Frank acredita ser provável – uma vez sendo economicamente possível – que estes

países criem uma nova coligação financeira e instituições bancárias que evitem a recorrência

desta situação no futuro, escapando do estrangulamento dos mercados de capitais controlados

pelo Ocidente177.

Uma iniciativa desta, embora não fosse economicamente viável no momento atual

da América Latina ou da África, por exemplo, regiões onde a maioria dos países apresenta

fracas estruturas financeiras e burocráticas, poderia ser um projeto a longo prazo. Na verdade,

um projeto conjunto neste sentido poderia auxiliar, e muito, os países com maiores

deficiências nesses setores a realizarem um avanço tecnológico nas suas instituições

nacionais, acelerando a construção de uma estrutura de atuação regional.

176
OLIVEIRA, Amaury Porto de. Lições da Ásia-Pacífico: Reposicionar-se no Pós-hegemonia. JÚNIOR,
Gélson Fonseca & CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de. Temas de Política Externa Brasileira II. São Paulo,
Editora Paz e Terra, 1994 – Vol. 2, p. 164.
177
FRANK, Andre Gunder. Tigre de papel, dragão de fogo. SANTOS, Theotonio dos (coord.). Os Impasses da
Globalização – Hegemonia e Contra-Hegemonia. São Paulo: Edições Loyola & Rio de Janeiro: PUC –
Pontifícia Universidade Católica, 2003 – Vol. 1. p. 43.
4.3.8. Reforma das Instituições Mundiais

Uma vez certos de que os organismos de atuação internacional, principalmente os

instituídos em Bretton Woods178, encontram-se dominados pelo Ocidente, China e Japão

iniciaram uma batalha para remodelar as instituições bancárias e financeiras mundiais. Para

evitar o aprofundamento da recessão na Ásia Oriental, o Japão queria estabelecer a criação de

um fundo monetário asiático, capaz de prestar o auxílio necessário sem todos os requisitos

exigidos pelo organismo baseado em Washington. A China, após entrar na Organização

Mundial do Comércio, busca reformá-la para seu proveito.

Outros países também seguem o mesmo caminho, buscando utilizar sua posição

no cenário internacional para reformar estes organismos. Um exemplo atual, que se encontra

em análise, na Organização das Nações Unidas, é o da abertura do Conselho de Segurança a

outros países com pesos regionais e estratégicos elevados. Entre os países a serem avaliados

estão Brasil, Japão, Índia, Coréia e África do Sul. Mesmo com toda a relutância das potências

regionais em modificarem a estrutura do Conselho, é certo que a importância destes países

tem afetados outros grupos não tão tradicionais e os pólos de decisão tornam-se cada vez mais

delineados.

4.3.9. Inconversibilidade da Moeda

Para Frank, um dos fatores que contribuiu para que a Índia e, ainda que em menor

escala, a China se mantivessem imunes à recessão atual foi a inconversibilidade da moeda, a

178
Lugar onde ocorreu a Conferência que deu origem às seguintes instituições: Organização das Nações Unidas,
Organização Internacional do Comércio, Fundo Monetário Internacional, Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD ou Banco Mundial), entre outras. N. da A.
rúpia e o yuan179. Junto com a válvula de controle do mercado de capitais, este mecanismo

reforçou o controle sobre os capitais, permitindo a livre entrada de capitais no país, mas

dificultando a saída de grandes montantes de maneira súbita.

Este mecanismo reduziria bastante a fragilidade dos mercados nos países latino-

americanos e africanos, normalmente vulneráveis ao “comportamento de manada 180”,

responsável pela evasão dos capitais durante a crise asiática. É bom lembrar que, àquela

época, estes países também foram percebidos como instáveis, sofrendo o reflexo da mudança

de percepção originada na Tailândia.

4.3.10. Produção Baseada na Divisão Internacional do Trabalho

A transferência de tecnologia no modelo do flying geese pattern permitiu a criação

de uma nova escala de produção, baseada no conceito da divisão internacional do trabalho.

Este modelo exigiu que as empresas desenvolvessem uma estrutura industrial flexível, capaz

de, num curto prazo, substituir velhas tecnologias ou transferi-las para outras economias

nacionais inter-relacionadas181.

Tentativas semelhantes têm sido feitas na América Latina, mas ainda em um

sentido de complementaridade, não de transferência. Talvez a diferença fundamental seja a

ausência de uma nação industrialmente potente, como foi o caso do Japão, que assumiu a

liderança do processo na região. Brasil e África do Sul não estão ainda, tecnológica e

politicamente, preparados para exercer este mesmo papel dinamizador.

179
FRANK, Andre Gunder. Tigre de papel, dragão de fogo. SANTOS, Theotonio dos (coord.). Os Impasses da
Globalização – Hegemonia e Contra-Hegemonia. São Paulo: Edições Loyola & Rio de Janeiro: PUC –
Pontifícia Universidade Católica, 2003 – Vol. 1. p. 43.
180
GRIFFITH-JONES, Stephany. A crise financeira do Leste asiático: uma reflexão sobre suas causas,
conseqüências e implicações para a política econômica. Política Externa. Vol. 7 – No. 3 – Dezembro, 1998, p.
53.
181
SANTOS, Theotonio dos. Unipolaridade ou hegemonia compartilhada. SANTOS, Theotonio dos (coord.).
Os Impasses da Globalização – Hegemonia e Contra-Hegemonia. São Paulo: Edições Loyola & Rio de Janeiro:
PUC – Pontifícia Universidade Católica, 2003 – Vol. 1. p. 53-54.
O desenho de uma coordenação de ações que vem se delineando nesta última

década sugere um crescimento para a Ásia Oriental que rivalize até mesmo com a

performance da União Européia. Ainda que as perspectivas para o regionalismo asiático não

determinem o fim da hegemonia norte-americana, o papel crescente que a região vem

ocupando no comércio internacional e o poderio militar das nações ali instaladas tendem a

contrabalançar os efeitos perniciosos de uma unipolaridade. É inegável, portanto, que a

projeção da Ásia Oriental tornou a “balança de poder” mais equilibrada.

É fundamental a compreensão de que o nacionalismo destes países não

esmoreceu, muito pelo contrário. A globalização fez surgir nestes uma sociedade civil muito

mais consciente e assertiva, comprometida com as metas de desenvolvimento de seus

governos. Assim, este nacionalismo deixou de representar um entrave ao regionalismo para se

tornar o cumprimento do compromisso destes Estados com a integração e, assim, com os

objetivos e necessidades de todo o país.

As estratégias utilizadas pela região, se bem aplicadas nas demais regiões,

certamente conduzirão a um sistema mundial mais equilibrado, onde as Relações

Internacionais sejam o que Amaury Porto de Oliveira denomina “jogo de soma positiva”, ou

seja, um jogo em que todos ganhem182.

182
OLIVEIRA, Amaury Porto de. Lições da Ásia-Pacífico: Reposicionar-se no Pós-hegemonia. JÚNIOR,
Gélson Fonseca & CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de. Temas de Política Externa Brasileira II. São Paulo,
Editora Paz e Terra, 1994 – Vol. 2, p. 164.
Considerações Finais

Nossa proposta com o presente estudo foi apresentar um continente dinâmico,

com um papel cada vez mais fundamental para a economia internacional. Não apenas pelos

números bem-sucedidos que seus países vêm apresentando nas últimas décadas, nem mesmo

por sua imensa capacidade de regeneração demonstrada pela superação da crise asiática nos

anos 80. Como demonstrado na primeira parte de nosso estudo, a importância da Ásia está

principalmente na liberdade que permeia as relações entre os atores regionais.

Ainda na primeira parte, em nossa análise do processo de integração à luz das

teorias das Relações Internacionais, reforçamos o papel realista que China e Japão –

profundamente envolvidos com o papel de potências regionais que compartilham – e que, a

partir da força econômica que vêm conseguindo obter neste cenário de integração foram

capazes de se projetar no plano internacional. Do mesmo modo, pudemos concluir serem os

conceitos de globalização e fragmentação complementares para a compreensão do

regionalismo e não antagônicos, como poderíamos supor em uma primeira análise.

Após a construção do cenário asiático no contexto da integração, preocupamo-

nos, no segundo capítulo, em demonstrar as diferentes reações de China e Japão à chegada

dos ocidentais no continente e as conseqüências das influências deste “novo mundo” para

ambos. Verificamos assim, uma assimilação positiva da tecnologia ocidental pelo Japão,

embora conjugada com um renascimento do xintoísmo, o que permitiu que o país absorvesse

o necessário ao seu desenvolvimento sem se desviar de seus propósitos nacionais. No caso

chinês, acompanhamos seu repúdio inicial à cultura estrangeira e a fragilidade decorrente

desta sua atitude, deixando-a fragilizada perante o imperialismo ocidental e, principalmente,

em relação à moderna força militar japonesa.

Na terceira parte, observamos a iniciativa do Japão de, valendo-se desta

fragilidade demonstrada pela China, do primitivismo das forças chinesas e, ainda, do


afastamento temporário da Europa do continente, estender seu domínio por todo o continente

asiático. Esta tentativa japonesa trouxe duas conseqüências fundamentais ao nosso estudo:

marcou profundamente a China e os demais países da região com suas táticas de guerra

abusivas e infundiu na população chinesa uma força e um vigor novos, responsáveis pelo

surgimento de um sentimento nacionalista-libertário que uniu e renovou o país.

Finalmente, no último capítulo, acompanhamos a evolução de China e Japão nos

séculos XX e XXI. Já estabelecidas como duas potências relevantes internacionalmente e

tendo observado os efeitos da interdependência econômica da região, baseada em um modelo

de crescimento fundamentado na exportação e nas relações destes países. Nesta parte, também

definimos as perspectivas que se colocam para os processos já em progresso na região, assim

como os reflexos e as lições da integração asiática para todo o globo e para a América Latina

em particular.

A Ásia foi, portanto, definida como uma região de profunda interdependência

econômica, o que foi o determinante para o desenvolvimento de acordos visando uma ação

conjunta, mas ainda com alguns obstáculos políticos à integração. Destes, o que tem sido de

mais difícil superação é o ranço histórico que afeta o relacionamento político entre China e

Japão. Porém, o destaque que estes dois atores apresentam no cenário internacional, torna o

desenvolvimento regional da Ásia, cada vez mais dependente de um clima positivo

proveniente das relações sino-japonesas, bastando para isso que ambos os países dediquem à

integração a mesma importância estratégica e optem por privilegiar o desenvolvimento

regional em detrimento de seus próprios interesses.


ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURA 1: Território da China no século XIX. Endereço eletrônico: http://


html.rincondelvago.com. Acesso em 13/11/2005.

FIGURA 2: Tseu Hi , o Velho Buda, e seu sucessor Pu Yi, no Palácio Imperial da Cidade
Proibida. Foto extraída do filme “O Último Imperador” (The Last Emperor) de Bernardo
Bertolucci, 1987.

FIGURA 3: Ocidentalização do Japão: convivência de hábitos e de costumes europeus com as


tradições japonesas. Foto extraída do filme “O Último Samurai” (The Last Samurai) de
Edward Zwick, 2005.

FIGURA 4: Soldados japoneses aprendem os métodos de combate ocidentais.


Foto extraída do filme “O Último Samurai” (The Last Samurai) de Edward Zwick, 2005.

FIGURA 5: Compra e posterior fabricação das armas ocidentais para uso em


guerras. Foto extraída do filme “O Último Samurai” (The Last Samurai) de Edward Zwick,
2005.

FIGURA 6: Substituição dos Samurais como força guerreira e protetora. Foto


extraída do filme “O Último Samurai” (The Last Samurai) de Edward Zwick, 2005.

FIGURA 7: Ascensão de Pu Yi ao trono, em 1908. Foto extraída do filme “O


Último Imperador” (The Last Emperor) de Bernardo Bertolucci, 1987.

FIGURA 8: Sun Yat-sen assume, em 1912, como Presidente provisório. Foto


extraída do filme “O Último Imperador” (The Last Emperor) de Bernardo Bertolucci, 1987.

FIGURA 9: Pu Yi assume como Imperador de Manchuko, em 1934. Foto extraída


do filme “O Último Imperador” (The Last Emperor) de Bernardo Bertolucci, 1987.

FIGURA 10: Passeata pela libertação da China da dominação japonesa. Foto


extraída do filme “Borboleta Púrpura” (Purple Butterfly) de Ye Lou, 2003.

FIGURA 11: Vestígios da violência empregada pelo exército japonês. Foto


extraída do filme “O Império do Sol” (The Empire of the Sun) de Steven Spielberg, 1987.

FIGURA 12: Comemoração japonesa na tomada do porto de Cantão. Foto


extraída do filme “O Império do Sol” (The Empire of the Sun) de Steven Spielberg, 1987.
FIGURA 13: A bomba atômica de Nagazaki, vista da China; o cogumelo formado
pela explosão em Hiroshima, extraído do filme “O Império do Sol”; e o tratamento de uma
criança vítima da explosão, extraído do filme “Borboleta Púrpura”.

FIGURA 14: Proclamação da República Popular da China, sob governo de Mao


Tse-tung. Foto extraída do filme “O Último Imperador” (The Last Emperor) de Bernardo
Bertolucci, 1987.
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