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COLUNISTA
Fábula da aposentadoria
O ato de se aposentar no Brasil refete a imensa desigualdade no País
Maria, a diarista, corre para preparar as roupas que dona Glenda vai levar para a viagem, antes
que chegue do salão de beleza. Glenda, ex-advogada, já parou de trabalhar: usufruiu das regras
atuais e se aposentou aos 53 anos de idade. Ela pôde se aposentar bem antes de Rosa, a manicure,
que só vai conseguir se aposentar aos 63 anos, já que não conseguiu muito tempo de emprego
com carteira assinada. Maria, a diarista, vai se aposentar aos 68 anos.
Maria apressa-se, porque também tem de limpar a bagunça feita por Jorge, o pintor, contratado
pelo seu Henrique, ex-engenheiro, para pintar o novo quarto. Henrique se aposentou aos 56 anos
de idade, Jorge só o fará aos 68 anos.
Trabalhadores mais mal inseridos no mercado de trabalho têm de se aposentar depois. Vítimas
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,fabula-da-aposentadoria,70003022264[29/09/2019 23:17:58]
Fábula da aposentadoria - Economia - Estadão
das altas e crônicas taxas de desemprego e informalidade, só podem se aposentar a partir dos 60
anos (mulheres) ou 65 anos (homens) se não cumprirem os requisitos da aposentadoria por
tempo de contribuição. Nesse caso, podem receber a aposentadoria por idade, com menos tempo
de carteira: 15 anos. Em média, é concedida aos 67 anos para homens e 63 anos para mulheres,
como no caso de Rosa, a manicure.
O requisito de 15 anos, porém, pode ser muito para ocupações de menor produtividade, em que
labutam trabalhadores menos escolarizados, principalmente no caso de mulheres. Como fcam
muito tempo inclusive fora da força de trabalho, muitas só podem recorrer a uma modalidade de
aposentadoria formalmente assistencial, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), com idade
mínima de 65 anos para ambos os sexos. Em média, é concedida aos 68 anos para mulheres,
como Maria, a diarista, ou Jorge, o pintor.
A desigualdade do nosso sistema que privilegia os com melhor emprego se observa não só nos
dados da idade média de concessão, mas também na duração dos benefícios. Na estimativa do
economista Rodrigo Coelho, a expectativa de vida aos 65 anos é de 86 anos para as mulheres que
se aposentam por tempo de contribuição, mas de 82 anos para as benefciárias do BPC. Para
homens, é de 83 anos na aposentadoria por tempo de contribuição e de 79 anos no BPC.
Apesar de viver menos, Maria, a doméstica, se aposentará 15 anos depois da patroa Glenda.
Apesar de viver menos, Jorge, o pintor, se aposentará 12 anos depois do patrão Henrique.
Essa desigualdade é endereçada na reforma da Previdência, que cria a idade mínima para a
aposentadoria por tempo de contribuição, sem elevar o tempo mínimo de contribuição dos atuais
trabalhadores ou a idade do BPC.
Também não afeta a idade mínima da Previdência rural, de que não tratamos neste texto,
enquanto endurece os requisitos e o cálculo da aposentadoria dos servidores públicos – maior
fonte de desigualdade do sistema pelos valores envolvidos.
Pelo seu foco nos maiores benefícios da Previdência urbana, como a aposentadoria por tempo de
contribuição, e não na Previdência rural ou no BPC, a reforma tem seu impacto fscal concentrado
no Sudeste e no Sul do Brasil.
Do impacto de R$ 620 bilhões em dez anos nos benefícios operados pelo INSS, cerca de R$ 200
bilhões, um terço, está em São Paulo. Equivale ao dobro do impacto dos Estados de Norte e
Nordeste somados, em minha estimativa. Os demais Estados do Sul e do Sudeste, Rio de Janeiro
a frente, concentrariam quase 50%.
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,fabula-da-aposentadoria,70003022264[29/09/2019 23:17:58]
Fábula da aposentadoria - Economia - Estadão
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https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,fabula-da-aposentadoria,70003022264[29/09/2019 23:17:58]