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ORGANIZADOR

PATRICK J. SINKO, PH.D., RPH


Parke-Davis Professor of Pharmaceutics and Drug Delivery
Chair, Department of Pharmaceutics
Ernest Mario School of Pharmacy
Rutgers, The State University of New Jersey
Piscataway, New Jersey

CO-ORGANIZADOR
MS. SHARANA TAYLOR

COLABORADORES
CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 16, 17, 22
GREGORY KNIPP, PH.D. TAMARA MINKO, PH.D.
Assistant Professor Associate Professor of Pharmaceutics
Industrial and Physical Pharmacy Department of Pharmaceutics
Purdue University Ernest Mario School of Pharmacy
West Lafayette, Indiana Rutgers, The State University of New Jersey
Piscataway, New Jersey
KENNETH MORRIS, PH.D.
Professor and Associate Head CAPÍTULO 20
Industrial and Physical Pharmacy
Purdue University MARK LONGER, PH.D.
West Lafayette, Indiana Senior Director, Pharmaceutical Sciences
Pfizer Global Research & Development
CAPÍTULO 3 Ann Arbor, Michigan
HUGO MORALES-ROJAS, PH.D. CAPÍTULO 21
Associate Professor of Chemistry
Centro de Investigaciones Químicas BOZENA MICHNIAK-KOHN, PH.D.
Universidad Autónoma del Estado de Morelos Associate Professor of Pharmaceutics
Cuernavaca, México Dept. of Pharmaceutics
Ernest Mario School of Pharmacy
DEA HERRERA-RUIZ, PH.D. Rutgers, The State University of New Jersey
Associate Professor of Pharmacy Piscataway, New Jersey
Facultad de Farmacia Director
Universidad Autónoma del Estado de Morelos Laboratory for Drug Delivery & Industrial Membership Program
Cuernavaca, México New Jersey Center for Biomaterials Life Sciences Building
GREGORY KNIPP, PH.D. Rutgers, The State University of New Jersey
Piscataway, New Jersey
CAPÍTULO 4 VICTOR MEIDAN, PH.D.
GREGORY KNIPP, PH.D. Lecturer
Department of Pharmaceutical Sciences
DEA HERRERA-RUIZ, PH.D. University of Strathclyde
Glasgow G4 0NR
HUGO MORALES ROJAS, PH.D. Scotland, UK
RASHMI THAKUR, M.S.
Ernest Mario School of Pharmacy
Rutgers, The State University of New Jersey
Piscataway, New Jersey
PATRICK J. SINKO, Ph.D.
Parke-Davis, Professor in Pharmaceutics and Drug Delivery Chair,
Department of Pharmaceutics Ernest Mario School of Pharmacy Rutgers,
The State University of New Jersey

MARTIN
Físico-farmácia
e ciências farmacêuticas
5ª EDIÇÃO

Tradução
George González Ortega
Doutor em Tecnologia Farmacêutica pela Universität Tübingen (Eberhard-Karls), Tübingen, Alemanha.
Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Paulo A. Netz
Doutor em Química e pós-doutorado na Universität Bielefeld, Alemanha.

Letícia Hoerbe Andrighetti


Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Maria Paula Garofo Peixoto


Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de São Paulo.
Doutoranda em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição


George González Ortega
Doutor em Tecnologia Farmacêutica pela Universität Tübingen (Eberhard-Karls), Tübingen, Alemanha.
Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Versão impressa
desta obra: 2008

2008
Obra originalmente publicada sob o título
Martin’s Physical Pharmacy and Pharmaceutical Sciences, 5/E

ISBN 978-0-7817-5027-1

A editora não se responsabiliza (em termos de produtos, negligência ou outros) por qualquer dano
decorrente do conteúdo apresentado. Esta publicação contém informações referentes a fundamentos gerais
da atenção médica que não devem ser interpretadas como instruções específicas para pacientes individuais.
Recomenda-se ao leitor consultar a bula da medicação antes de sua administração a fim de obter
informações atuais sobre contra-indicações, doses e precauções.

Published by arrangement with Lippincott Williams & Wilkins, USA.

Capa: Henrique Chaves Caravantes

Preparação do original: Patrícia Yurgel

Leitura final: Ivaniza O. de Souza

Supervisão editorial: Cláudia Bittencourt

Editoração eletrônica: Techbooks

S617m Sinko, Patrick J.


Martin [recurso eletrônico] : físico-farmácia e ciências
farmacêuticas / Patrick J. Sinko ; tradução George González
Ortega ... [et al.]. – 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :
Artmed, 2008.

Editado também como livro impresso em 2008.


ISBN 978-85-363-1478-5

1. Farmácia – Físico-química. I. Título.

CDU 615.011

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à


®
ARTMED EDITORA S.A.
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90040-340 Porto Alegre RS
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É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,


sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,
fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.

SÃO PAULO
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SAC 0800 703-3444

IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Dedicado aos meus pais, Patricia e Patrick Sinko,
à minha esposa, Renee, e aos meus filhos, Pat e Katie.
ALFRED N. MARTIN 1919–2003

O professor Alfred N. Martin, um pioneiro no campo da Físi- fundar suas bases acadêmicas. Licenciou-se em Farmácia pela
co-farmácia, foi um dos primeiros a aplicar os princípios da Faculdade de Farmácia e Ciências de Filadélfia em 1941, após
físico-química a teoria e prática das Ciências Farmacêuticas. o que prestou serviços como piloto de avião-torpedeiro e no
Este livro, o primeiro da sua classe, abrange muitos anos de Squadron Flight Officer do U.S. Marine Corps Air Wing até
trabalho do professor Martin, dos seus alunos de pós-gradua- 1946. Como veterano condecorado, Alfred Martin e sua jovem
ção, de colegas e até da sua esposa, Mary, que digitou o origi- noiva foram, então, para West Lafayette, Indiana, onde ele ob-
nal do manuscrito da primeira edição, publicada em 1960. teve o Mestrado em Química Farmacêutica e o Doutorado em
Como um dos alunos de pós-graduação do professor Mar- Tecnologia Farmacêutica pela Universidade de Purdue. O pro-
tin na Universidade de Purdue, no início da década de 1960, fui fessor Martin começou sua carreira acadêmica como professor
testemunha da agitação que cercou a publicação da primeira assistente na universidade de Temple da Filadélfia, em 1950.
edição deste livro, assim como do impacto transformador que Posteriormente, assumiu postos nas universidades de Purdue
ele teve na consolidação dos alicerces científicos dos currícu- e do Estado de Virgínia, em Richmond, e finalmente na Uni-
los das faculdades de Farmácia dos Estados Unidos e de outros versidade do Texas, em Austin. Foi Decano da Faculdade de
países. A Físico-farmácia era uma disciplina emergente nos Farmácia da Universidade de Temple, de 1968 a 1972, e pro-
currículos de Farmácia e foi ali que surgiu o grande interesse fessor e diretor do Drug Dynamics Institute da Universidade
pela obra do professor Martin. Várias faculdades adotaram-na do Texas, em Austin, de 1973 a 1978. Em 1977, foi nomeado
prontamente em seus cursos. O professor Martin foi o autor Professor Coulter R. Sublett do Drug Dynamics Institute dessa
ideal para o monumental esforço de criar, na área de Farmá- mesma universidade, posição que manteve até seu falecimento,
cia, o primeiro livro baseado exclusivamente em fundamentos em 2003.
físico-químicos. Alfred Martin foi um autêntico erudito, sem- Este livro-texto foi o maior objetivo da vida profissional
pre repleto de novas idéias e estudando constantemente. Foi de Alfred N. Martin, autor do Physical Pharmacy e editor da
um professor-pesquisador amável e comedido, dotado de uma segunda, terceira e quarta edições. Mas é sobretudo por causa
mente brilhante e criativa, sempre à procura dos meios para de sua conduta no campo acadêmico, da profunda influência
aplicar as teorias mais recentes, desde as ciências básicas até que exerceu sobre tantos estudantes e colegas das instituições
as ciências farmacêuticas. Foi um mestre destacado, um orien- de ensino e do âmbito da indústria farmacêutica, e por muitas
tador sensato para os 44 alunos de doutorado com quem traba- contribuições ao avanço das Ciências Farmacêuticas, tanto por
lhou, e um pesquisador dedicado com inúmeras publicações e meio da pesquisa como dos serviços, que deve ser relembrado.
sempre engajado, de forma incansável, no avanço do ensino A ausência do professor Martin será sentida profundamente
farmacêutico por meio de serviços prestados em diversos co- por todos aqueles que o conheceram e cujas vidas ele tocou.
mitês em nível universitário e federal. Esta quinta edição de Martin – Físico-farmácia e ciências far-
Nascido em Pittsburgh, Pensilvânia, em 1919, Alfred Mar- macêuticas é um tributo digno a ele.
tin era filho de um farmacêutico e foi essa feliz circunstância
que fomentou sua paixão pela profissão e seu desejo de apro- John L. Colaizzi
AGRADECIMENTOS

Esta quinta edição representa o trabalho árduo e a dedicação de pós-graduação também contribuíram de diferentes formas
de muitas pessoas. Sem o apoio do corpo docente do Depar- para esta edição e serei sempre grato por suas idéias, críticas e
tamento de Farmácia da Faculdade de Farmácia Ernest Mario sugestões. Os seguintes alunos de graduação e pós-graduação
da Universidade de Rutgers, esta edição não teria sido pos- foram além do “chamado ao dever” e merecem agradecimento
sível. Discutimos coletivamente e debatemos o foco desta e pelo seu trabalho: Hilliard Kutscher, Sung-Hack Lee, Refika
das futuras edições e o levamos à prática em um curto período Isil Pakunlu, Seonghee Park, Yaming Su e Helen Usansky.
de tempo. De modo especial, gostaria de agradecer aos drs. Obrigado, Amy Grabowski, por sua inestimável assistência na
Gregory Knipp (Capítulos 2 a 4), Mark Longer (Capítulo 20), coordenação de esforços e pelo apoio na interação com todos
Bozena Michniak (Capítulo 21) e Tamara Minko (Capítulos aqueles que contribuíram. Sharana Taylor colaborou de modo
16, 17, 22) por seu árduo trabalho ao escrever, atualizar e revi- admirável como editor-assistente, com um número de respon-
sar por inteiro os Capítulo 2 a 4, 16, 17 e 20 a 22. Da mesma sabilidades aparentemente infinito. Obrigado, Marianne Shen,
forma, agradeço aos drs. Victor Meidan (Capítulo 21), Ken- por seu auxílio nas questões financeiras. Finalmente, a todo o
neth Morris (Capítulo 2), Hugo Morales-Rojas (Capítulo 3 e pessoal da LWW que relembrou, estimulou, deu força e, acima
4), Dea Herrera-Ruiz (Capítulo 3 e 4) e Rashmi Thakur (Ca- de tudo, apoiou nossa empreitada. De modo especial, a David
pítulo 21), que trabalharam de forma diligente esses capítulos, Troy, por apoiar nossa idéia sobre este projeto, a Matt Hauber,
bem como aos drs. Susan Bogdanowich-Knipp (Capítulo 2) e por seu esforço em lançar o projeto e coordenar os aspectos
Guofeng You por sua contribuição nos capítulos “Estados da logísticos referentes aos participantes, e a Andrea Klingler, por
Matéria” e “Biofarmácia”. Grande parte do material da quarta nos ajudar a concluir este livro.
edição foi escrito originalmente pelo dr. Alfred Martin, com
uma contribuição importante dos drs. Pilar Busamante e Hans Patrick Sinko
Schott nos Capítulos 19 e 20, respectivamente. Vários alunos Piscataway, New Jersey
PREFACIO

Desde que a primeira edição de Martin – Físico-farmácia DESTAQUES


foi publicada, há 35 anos, o objetivo do dr. Alfred Martin foi
prover um livro-texto que introduzisse os alunos de Farmá-
Cada capítulo começa com um Sumário dos tópicos a serem
cia na aplicação dos princípios físico-químicos das Ciências
tratados, seguido de uma relação dos Objetivos do Capítulo,
Farmacêuticas. Essa visão permanece como o objetivo-mor
sendo ambos característicos desta edição. O sumário é um as-
desta edição. Martin – Físico-farmácia tem sido utilizado
pecto particularmente importante, uma vez que cada capítulo
por gerações de alunos de graduação e de pós-graduação em
abrange uma ampla gama de assuntos com um aprofundamen-
Farmácia e, embora alguns tópicos tenham mudado com o
to considerável. Contudo, tomou-se o cuidado de apresentar a
passar do tempo, os princípios básicos permaneceram cons-
informação em níveis, indo desde o básico até as discussões
tantes, de modo que cada edição reflete as Ciências Farma-
mais aprofundadas. Tal sistemática permite ao professor adap-
cêuticas em determinada época. Nos 13 anos que se seguiram
tar as necessidades do seu curso e focalizar a atenção dos estu-
à publicação da quarta edição, presenciamos mudanças im-
dantes sobre determinados tópicos e subtópicos.
portantes nos currículos dos cursos de doutorado em Farmá-
A quinta edição também introduz destaques aos conceitos
cia e Ciências Farmacêuticas. Também houve algumas alte-
importantes mediante o uso de quadros Conceito. Além dis-
rações no perfil demográfico dos estudantes que utilizam o
so, foram mantidos os Exemplos ilustrativos, alguns dos quais
livro. Muitos dos estudantes de pós-graduação não possuem
atualizados e ampliados.
a formação em Farmácia, porém devem freqüentar os mes-
mos cursos de ciências básicas exigidos aos estudantes de
doutorado em Farmácia que ingressam no seu primeiro ano
profissional. De várias formas, o estudante de doutorado em ALTERAÇÕES EM RELAÇÃO À QUARTA EDIÇÃO
Farmácia em metade de carreira e o aluno de pós-graduação
em Ciências Farmacêuticas que recém-ingressa estão basi-
camente no mesmo nível de educação. São eles o foco desta Entre as alterações importantes estão as considerações melho-
quinta edição. radas da difusão, dissolução e liberação de fármacos. Cada um
desses tópicos transformou-se em um capítulo completo. O ca-
pítulo sobre liberação de fármacos substitui o de delineamento
de produtos farmacêuticos da quarta edição. Um capítulo so-
ORGANIZAÇÃO bre biofarmácia foi adicionado, visando proporcionar uma base
forte sobre os conceitos de formulação e liberação de fármacos
contidos no livro. A integração das propriedades físico-químicas
Da mesma forma que as edições anteriores, esta apresenta a
e biológicas reflete o estado atual do conhecimento e, ao mesmo
atualização de vários capítulos, uma expansão significativa de
tempo, projeta qual será esse estado em um futuro previsível.
outros e a incorporação de novos, de modo a refletir as aplica-
Finalmente, os exercícios práticos continuam sendo parte im-
ções dos princípios da físico-química que são de grande impor-
portante da quinta edição. Eles foram agrupados em uma única
tância na atualidade para as Ciências Farmacêuticas. A exem-
seção, ao final da obra.
plo do que o dr. Martin fez durante anos, esta edição constitui
um trabalho progressivo que espelha as diversas sugestões
Patrick Sinko
dadas por estudantes e colegas da academia e da indústria. A
Piscataway, New Jersey
quinta edição está dividida em cinco seções: Princípios Bási-
cos, Fenômenos de Equilíbrio, Fenômenos Cinéticos, Sistemas
Dispersos e Liberação de Fármacos. Há 22 capítulos nesta edi-
ção, em comparação com os 20 contidos na anterior. Todos
foram reestruturados e atualizados com o intuito de tornar o
material mais acessível aos estudantes.
SUMARIO

1 Introdução 15

1 PRINCÍPIOS BÁSICOS
2 Estados da Matéria 35
3 Termodinâmica 73
4 Determinação das Propriedades Físicas das
Moléculas 97

2 FENÔMENOS DE EQUILÍBRIO
5 Não-eletrólitos 133
6 Soluções de Eletrólitos 157
7 Equilíbrios Iônicos 175
8 Força Eletromotriz e Oxidação-redução 201
9 Soluções e Isotônicas Tamponadas 223
10 Solubilidade e Fenômenos de Distribuição 245
11 Complexação e Ligação a Proteínas 281

3 FENÔMENOS CINÉTICOS
12 Difusão 315
13 Liberação e Dissolução de Fármacos 351
14 Biofarmácia 369
15 Cinética Química e Estabilidade 441

4 SISTEMAS DISPERSOS
16 Fenômenos de Interface 451
17 Colóides 483
18 Dispersões Grosseiras 513
14 S UMÁRIO

5 LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS
19 Micromerítica 547
20 Reologia 575
21 Biomateriais 599
22 Sistemas de Liberação de Fármacos 643
Exercícios de Revisão 695
Resolução dos Exercícios de Revisão 775
Índice 795
1
1 INTRODUÇÃO

DIMENSÕES E UNIDADES Logaritmos


Comprimento e área Variações
Volume Métodos gráficos
Massa Algarismos significativos
Densidade e peso específico
MÉTODOS ESTATÍSTICOS E ANÁLISE DOS
Outras dimensões e unidades
ERROS
Força
Erros determinados
Pressão
Erros indeterminados
Trabalho e energia
Precisão e exatidão
Temperatura
Média aritmética
ALGUNS ELEMENTOS DE MATEMÁTICA Medidas de dispersão
Cálculos envolvendo dimensões Análise de regressão linear
Expoentes Regressão linear múltipla e polinomial

O farmacêutico de hoje, mais do que nunca, necessita demons- mais conhecido hoje em dia como Ciências Farmacêuticas. O
trar um sólido conhecimento de biofarmacêutica, bioquímica, objetivo do cientista farmacêutico permanece o mesmo – de-
química, farmacologia e fisiologia e uma inteligente com- senvolver novos fármacos e sistemas de liberação e aperfeiçoar
preensão das propriedades físicas, químicas e biofarmacêu- os diversos modos de administração.
ticas dos produtos medicinais que prepara e entrega, seja na Como conseqüência disso, há mudanças sutis, porém im-
atenção farmacêutica comunitária ou na prática farmacêutica portantes, em áreas como a liberação de fármacos. No passa-
institucional. do, a liberação de fármacos se preocupava quase que exclusi-
Esteja ele engajado na pesquisa e desenvolvimento, ou no vamente com a Tecnologia Farmacêutica (ou seja, produção e
ensino, produção, assistência farmacêutica ou qualquer dos teste de comprimidos, cápsulas, cremes, ungüentos, soluções,
outros ramos da profissão, deve reconhecer a forte necessidade etc.). Esta área ainda é importante hoje em dia. O farmacêuti-
do conhecimento das ciências básicas. Isso se deve ao fato de co, contudo, precisa entender como os sistemas de liberação
a Farmácia ser uma ciência aplicada, composta de princípios agem e respondem aos estados fisiológicos normal e patoló-
e métodos que foram tomados de outras disciplinas. O far- gico do paciente. A integração de aspectos físico-químicos e
macêutico engajado em estudos avançados deve trabalhar na
fronteira entre as várias ciências e estar a par dos avanços nos
campos da química, da física e da biologia para compreender e
contribuir para o desenvolvimento de sua profissão.
Nas próximas páginas, o leitor será conduzido através de CONCEITO CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
teorias fundamentais e resultados experimentais até conclusões
práticas, numa seqüência que o estudante médio de Farmácia
deverá achar fácil de acompanhar. A Farmácia, como muitas outras entre estas diversas disciplinas
Antigamente, o nome Física Farmacêutica estava associa- ciências aplicadas, passou por científicas que servem como base
do com a área da Farmácia que lidava com os princípios quan- uma era descritiva e empírica. para a Farmácia se refletem nes-
titativos e teóricos da ciência aplicados à prática farmacêutica. Hoje em dia a “arte” da Farmácia te livro. Os princípios científicos
A Física Farmacêutica tentava integrar o conhecimento factual tem fundamentos científicos só- da Farmácia não são tão com-
da Farmácia pelo desenvolvimento de seus próprios princípios, lidos. À medida que a Farmácia plexos como alguns acreditam e
auxiliando o farmacêutico e o cientista na predição de solubili- começa a se deslocar para uma certamente eles não estão além
dade, estabilidade, compatibilidade e ação biológica de fárma- era mais quantitativa e mecanís- da capacidade de entendimento
cos. Isso ainda permanece verdadeiro hoje. Mais recentemente, tica, a integração das ciências de um farmacêutico moderno
o campo da Física Farmacêutica tornou-se altamente integrado biológicas, químicas e físicas se bem instruído.
nos aspectos biomédicos da prática da Farmácia. Como resul- torna crítica. Os elos teóricos
tado desta ênfase adicional, este campo do conhecimento é
16 P ATRICK J. S INKO

biológicos é relativamente nova nas ciências farmacêuticas. À é colocada mais ênfase na aplicação de princípios científicos
medida que este campo progride em direção à completa inte- a problemas profissionais práticos. Embora os fatos sejam o
gração destas subdisciplinas, o impacto nas ciências biofarma- fundamento sobre o qual qualquer conhecimento é construído,
cêuticas e na liberação de fármacos será enorme. O advento e a pura e simples memorização de “partículas” desconexas de
a comercialização de tecnologias de liberação de fármacos em conhecimento não leva ao pensamento lógico e sistemático. O
escala molecular, nanoescala e microescala resultam direta- estudante deve dedicar-se, neste curso, a integrar os fatos e as
mente desta nova integração das ciências biológicas e físico- idéias como um todo dotado de significado. Na carreira profis-
químicas. Há alterações significativas na terminologia que de- sional do farmacêutico, ele freqüentemente terá de lançar mão
vem ser feitas como resultado destas mudanças. Antigamente, destas generalizações para resolver problemas farmacêuticos
uma forma farmacêutica e um sistema de liberação de fárma- práticos.
co eram considerados como sendo sinônimos. Uma forma far- A compreensão do material da disciplina é primariamen-
macêutica é a entidade administrada a pacientes de modo que te de responsabilidade do estudante. O professor pode guiar
eles recebam uma dose efetiva do fármaco. O entendimento e dirigir, explicar e esclarecer, mas a facilidade na resolução
tradicional sobre como funciona uma forma farmacêutica de problemas na sala de aula e no laboratório depende gran-
oral, como um comprimido, por exemplo, é de que o paciente demente da compreensão da teoria pelo estudante, da memó-
ingere o medicamento com algum líquido, ele se desintegra e ria dos fatos, da habilidade em integrar o conhecimento e da
o fármaco dissolve no estômago, sendo, então, absorvido atra- disposição para dedicar tempo e esforço suficientes às tarefas.
vés dos intestinos na corrente sangüínea. Se a dose for muito Cada teste deve ser lido e esquematizado e os problemas esco-
elevada, um comprimido de menor dosagem é recomendado. lhidos devem ser resolvidos fora da sala de aula. Os comentá-
Se não houver no mercado um comprimido de menor dosa- rios do professor servirão para esclarecer os pontos dúbios e
gem, o paciente pode ser instruído a dividir o comprimido. ajudar o estudante a melhorar as suas habilidades de julgamen-
Contudo, se um farmacêutico dispensa PROCARDIA XL Ex- to e raciocínio.
tended Release Tablet ou DITROPAN XL Extended Release
Tablet a um paciente, deve adverti-lo de que não deve morder,
mastigar ou dividir o “comprimido”. A razão para isso é que DIMENSÕES E UNIDADES
a forma farmacêutica de comprimido, neste caso, é, na verda-
de, um elegante sistema de liberação de fármaco, na forma As propriedades da matéria são usualmente expressas pelo uso
de uma bomba osmótica que, no entanto, tem a aparência de de três dimensões fundamentais: comprimento, massa e tem-
um comprimido tradicional. Esta abordagem criativa resolve po. A cada uma destas propriedades está associada uma unida-
vários desafios em relação à oferta de assistência farmacêutica de definida e a um padrão de referência. No sistema métrico,
aos pacientes. Por um lado, fornece um sistema de liberação as unidades são: o centímetro (cm), o grama (g) e o segundo
controlada de fármaco aos pacientes, de modo que eles podem (s). Assim, este sistema é chamado de sistema cgs. Um padrão
ingerir a sua medicação com menos freqüência, aumentando, de referência é uma unidade fundamental que relaciona cada
assim, a adesão ao tratamento por parte do paciente e influen- quantidade mensurável a uma constante natural ou artificial no
ciando positivamente a taxa de sucesso do regime terapêutico. universo.
Entretanto, o paciente vê uma forma farmacêutica familiar, Quantidades mensuráveis, como área, densidade, pressão
que pode ser administrada de modo conhecido. Em essência, e energia são compostas das três dimensões fundamentais su-
as bombas osmóticas são sistemas de liberação de fármacos pracitadas. Ao conduzir uma operação de medida, atribuímos
“empacotados” em uma forma farmacêutica que é trivial ao a cada propriedade uma dimensão expressa quantitativamente
paciente. As diferenças sutis entre as formas farmacêuticas e em unidades. Assim, as quantidades de comprimento, área e
os sistemas de liberação se tornarão ainda mais acentuadas volume são medidas nas dimensões de comprimento (L), com-
nos próximos anos, devido à migração dos sistemas de libera- primento ao quadrado (L2) e comprimento ao cubo (L3), res-
ção à escala molecular. pectivamente, correspondendo a unidades de cm, cm2 e cm3 no
Esta disciplina deve marcar o ponto de virada no padrão de sistema cgs. As dimensões fundamentais, unidades e padrões
estudos do aluno, pois na última parte do currículo de Farmácia de referência estão relacionados na Tabela 1-1.

TABELA 1-1
DIMENSÕES E UNIDADES FUNDAMENTAIS

Dimensão
(quantidade Símbolo Padrão de
mensurável) dimensional Unidade CGS Unidade SI referência
Comprimento (l) L Centímetro (cm) Metro (m) Metro
Massa (m) M Grama (g) Quilograma (kg) Quilograma
Freqüência atômica do
Tempo (t) T Segundo (s) Segundo (s) césio-133
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 17

CONCEITO FORMAS FARMACÊUTICAS E SISTEMAS DE LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS


Um comprimido PROCARDIA XL Extended Release é similar na aparência encontrar um comprimido nas fezes. Não se assuste, pois este é apenas
a um comprimido convencional. Ele consiste, contudo, de uma membrana o invólucro exterior do comprimido: o fármaco foi absorvido pelo corpo.”
semipermeável que envolve um núcleo de fármaco osmoticamente ativo. Examinando a figura, note como o comprimido de bomba osmótica tem
O núcleo é dividido em duas camadas: uma camada “ativa” contendo o aparência idêntica a um comprimido convencional.
fármaco e uma camada ativa contendo componentes farmacologicamente OROS ® Push-Pull TM L-OROS TM OROS ® Tri-Layer
inertes, mas osmoticamente ativos. Quando a água do trato gastrintestinal Membrana Orifício de liberação Orifício de liberação
semi-permeável
entra no comprimido, a pressão aumenta na camada osmótica e pressiona Membrana Camada Abertura Compartimento
Orifício de controladora osmótica do fármaco de fármaco #1
a camada de fármaco, liberando este através de um orifício perfurado a Liberação de velocidade propulsora
laser na camada ativa. O comprimido PROCARDIA XL é designado para
fornecer nifedipina a uma taxa aproximadamente constante ao longo de
24 horas. Esta velocidade controlada de liberação de fármaco no lume
gastrintestinal é independente do pH e da mobilidade gastrintestinal. Este Compartimento Membrana
polimérico Capsula de Membrana
comprimido depende, para a sua ação, da existência de um gradiente os- baneira
propulsor gelatina mole Compartimento controladora
interna
propulsor da velocidade
mótico entre o conteúdo do núcleo da bicamada e o fluido no trato gastrin- Núcleo osmótico
Formulação líquida Compartimento
contendo fármaco
testinal. A liberação de fármaco permanece essencialmente constante, do fármaco de fármaco #2

desde que o gradiente osmótico também permaneça constante, e depois


Lembre-se: na maior parte das vezes, quando um paciente ingere um
cai gradualmente até zero. Após a ingestão, os componentes biologica- comprimido, este é também um sistema de liberação de fármaco. Ele foi
mente inertes do comprimido permanecem intactos durante o trânsito no otimizado de forma a poder ser produzido em massa e liberar o fármaco de
trato gastrintestinal e são eliminados nas fezes como um invólucro inso- um modo reprodutível e confiável. Quase sempre ocorre a desintegração
lúvel. A informação que o farmacêutico deve comunicar ao paciente inclui completa e desagregação e há pouca, se existe, evidência de uma forma
“Não morda, mastigue ou quebre o comprimido de liberação controlada farmacêutica que possa ser encontrada nas fezes. Contudo, com um sis-
PROCARDIA XL. Estes comprimidos são especialmente formulados para tema de liberação na forma de uma “bomba osmótica”, o “comprimido”
liberar o medicamento lentamente no corpo. Engula os comprimidos in- não desintegra, mesmo que todo o fármaco seja liberado. Eventualmente,
teiros com um copo de água ou outro líquido. Eventualmente você poderá o “comprimido” exaurido chega a ser eliminado com as fezes.

A União Internacional de Química Pura e Aplicada (IU- maneira:


PAC) introduziu o Sistema Internacional de Unidades (Systè-
1 metro 1,65076373 106 λKr-86
me International ou SI) como uma tentativa de estabelecer um
conjunto uniforme de unidades. Este livro usa, de modo geral, onde λKr–86 = 6,0578021 × 10–7 m é o comprimento de onda
as unidades cgs ou o sistema comum de unidades. As unidades no vácuo de uma transição entre dois níveis energéticos es-
SI estão listadas nas Tabelas 1-1 e 1-2 e algumas constantes pecíficos do átomo de criptônio 86. Antes desta definição,
físicas aparecem na capa interna deste livro como Constantes o metro era definido arbitrariamente como a distância entre
Físicas. duas linhas numa barra de platina−irídio preservada no Insti-
tuto Internacional de Pesos e Medidas em Sèvres, França. A
unidade de comprimento, o centímetro, é 1/100 de metro, e
Comprimento e área as dimensões comuns e seus múltiplos são listados na Tabe-
A dimensão de comprimento serve como medida da distância e la 1-2. Na escala microscópica, comprimentos são expressos
tem como padrão de referência o metro. É definido da seguinte como micrometros (μm), nanômetros (nm) e angstroms (A,
às vezes grafado Å). Unidades são freqüentemente multipli-
cadas por potências positivas ou negativas de 10 para indicar
sua magnitude, sendo o micrometro 1 × 10–3 mm ou 1 × 10–4
TABELA 1-2
cm, o nanômetro 0,001 μm e o angstrom 0,1 nm ou 1 × 10–8
FRAÇÕES E MÚLTIPLOS DE UNIDADES cm. Embora o micrometro (μm) seja o termo preferido para
0,001 mm em textos modernos de química de colóides, na
Múltiplo Prefixo Símbolo
prática se usa, às vezes, o termo mais antigo e familiar mí-
1012 tera T cron (μ). De modo análogo, o nanômetro substituiu o mili-
109 giga G
106 mega M mícron (mμ). O estudante deve adquirir familiaridade com
103 quilo k os prefixos (Tabela 1-2) que acompanham as unidades de
10–3 mili m massa, volume e tempo. Por exemplo, um nanossegundo (ns)
10–6 micro μ é 1 × 10–9s, um megaton (Mton) é 1 × 106 toneladas. A área é
10–9 nano n o quadrado do comprimento e tem a unidade de centímetros
10–12 pico p
quadrados (cm2).
18 P ATRICK J. S INKO

Volume volume, a uma temperatura e pressão definidas, sendo expressa


no sistema cgs em gramas por centímetro cúbico (g/cm3). Nas
A quantidade mensurável volume também é derivada do com- unidades SI, a densidade é expressa em quilogramas por metro
primento. Seu padrão de referência é o metro cúbico. Sua cúbico (kg/m3).
unidade cgs é um milionésimo deste valor, ou um centímetro Peso específico, ao contrário da densidade, é um número
cúbico (cc ou cm3). O volume foi definido, originalmente, em puro, sem dimensão. Contudo, pode ser convertido à densi-
termos do litro, o volume de 1 quilograma (kg) de água a 1 at- dade pelo uso de fórmulas apropriadas.4 Peso específico é
mosfera (atm) de pressão e 4 °C, e se supunha ser equivalente definido como a razão entre a densidade de uma substância
a 1000 cm3. Em decorrência da falta da correção devido ao ar e a densidade da água, sendo os valores para ambas deter-
dissolvido na água, contudo, as duas unidades não são exata- minados à mesma temperatura, a não ser que especificado
mente iguais. Sabe-se que 1 litro de fato é igual a 1000,027 de modo contrário. O termo peso específico, à vista desta
cm3. Do mesmo modo, há uma discrepância entre o mililitro definição, é errôneo, sendo mais apropriado se referir à den-
(1/1000 do litro) e o centímetro cúbico, mas ela é tão peque- sidade relativa.
na que pode ser desconsiderada nas práticas química e farma- Peso específico é definido mais freqüentemente para pro-
cêutica. Os volumes são, usualmente, expressos em mililitros pósitos práticos como a razão entre a massa de uma subs-
neste livro, abreviadamente mL, em conformidade com a U.S. tância e a massa de um volume igual de água a 4 °C ou a
Pharmacopoeia – National Formulary (USP/NF)). Centímetros outra temperatura especificada. As seguintes notações são
cúbicos, contudo, são usados neste livro sempre que esta nota- freqüentemente encontradas em indicações de peso específi-
ção se mostrar mais apropriada. co: 25°/25°, 25°/4° e 4°/4°. O primeiro número indica a tem-
O farmacêutico usa provetas, copos graduados, conta-go- peratura do ar no qual a substância foi pesada e o número
tas, pipetas e buretas para medir volumes, sendo que os copos após a barra indica a temperatura da água usada. Os compên-
graduados são os mais usados dentre os aparelhos de medida dios oficiais de Farmácia usam a base 25°/25° para expressar
no laboratório farmacêutico. O copo cônico graduado é menos o peso específico.
preciso do que o de tipo cilíndrico e seu uso deve ser desen- O peso específico pode ser determinado mediante o uso
corajado, a não ser para líquidos que não necessitam ser me- de vários tipos de picnômetros, pela balança de Mohr-Wes-
didos precisamente. A seleção do copo graduado correto para tphal, hidrômetros e outros equipamentos. As medidas e cál-
o volume do líquido a ser medido é descrita por Goldstein e culos são discutidos em livros elementares de Química, Física
colaboradores.1 e Farmácia.

Massa Outras dimensões e unidades


O padrão de massa é o quilograma (kg). Ele é a massa de um As dimensões derivadas e suas unidades cgs e SI estão listadas
bloco de platina-irídio preservado no Instituto de Pesos e Me- na Tabela 1-3. Embora as unidades e relações sejam auto-ex-
didas. A unidade prática de massa no sistema cgs é o grama plicativas para a maioria das dimensões derivadas, força, pres-
(g), que é 1/1000 de 1 kg. A massa é freqüentemente expressa são e energia requerem alguma elaboração.
como o peso de um corpo. A balança é usada para “pesar” e as
massas são referidas como “pesos”. A relação específica entre Força
massa e peso será considerada no tópico de força.
Para pesar fármacos de modo preciso e acurado, o farma- Qualquer pessoa está familiarizada com força na experiência
cêutico deve entender os erros inerentes na operação de uma do dia-a-dia, no ato de empurrar ou puxar para colocar um cor-
balança. Uma balança classe A, usada para o aviamento de po em movimento. Quanto maior a massa do corpo e quanto
prescrições, é adequada somente se mantida em condições maior a aceleração requerida, maior a força que se deve exer-
de uso e verificada periodicamente para conferir a igualdade cer. Assim, a força é diretamente proporcional à massa (quan-
no tamanho do braço, a exatidão do fiel da balança e a sen- do a aceleração é constante) e à aceleração (quando a massa é
sibilidade. Estes testes são descritos no livro de Goldstein e constante). Isto pode ser representado pela relação:
Mattocks2. Além disso, uma boa balança é inútil sem um bom Força Massa Aceleração (1-1)
conjunto de pesos.
A proporcionalidade é convertida numa igualdade, isto é,
numa equação ou expressão matemática envolvendo um sinal
Densidade e peso específico* de igualdade, de acordo com as leis da álgebra, mediante a in-
trodução de uma constante. Assim, podemos escrever:
O farmacêutico freqüentemente usa estas quantidades mensu-
ráveis quando faz a conversão entre massa e volume. Densi- f k m a (1-2)
dade é uma quantidade derivada porque combina as unidades onde f é a força, k é uma constante de proporcionalidade, m é
de massa e volume. É definida como a massa por unidade de a massa e a é a aceleração. Se as unidades forem escolhidas de
forma que a constante se torne unitária (ou seja, com um valor
de 1), obtém-se a conhecida equação de força da física:
* N. de T.: Também conhecido como densidade relativa e, menos freqüente-
mente, gravidade específica. f m a (1-3)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 19

TABELA 1-3
DIMENSÕES E UNIDADES DERIVADAS*
Símbolo Relação com outras
Dimensão derivada dimensional Unidade CGS Unidade SI dimensões
Área (A) L2 cm2 m2 O quadrado de um comprimento
Volume (V) L3 cm3 m3† O cubo de um comprimento
Densidade (ρ) ML−3 g/cm3 kg m – 3 Massa por unidade de volume
Velocidade (v) LT−1 cm/s m s –1 Comprimento por unidade de tempo
Aceleração (a) LT −2 cm/s2 m s –2 Comprimento por tempo ao quadrado
Força (f) MLT −2 g cm/s2 ou dina kg m s – 2 = J m– 1 = N Massa × aceleração
Pressão (p) ML−1T −2 dina/cm2 N m – 2 = kg m – 1 s – 2 = Pa Força/unidade de área
Energia (E) ML2T − 2 g cm2/s2 ou erg kg m2 s – 2 = N m = J Força × comprimento
* N = newton, ou quilograma × metro × segundo – 2; Pa = pascal, ou newton × metro – 2; J = joule. Nesta tabela, m = metro (não massa); L = comprimento, T = tempo;
M = massa.

O metro cúbico é um volume muito grande, de modo que o volume é freqüentemente expresso no SI como decímetro cúbico (dm3), que é igual a 1.000 cm3.

A unidade cgs de força é o dina, definido como a força que de uma coluna de mercúrio ou outro líquido em unidades de
leva um corpo de massa 1 g a uma aceleração de 1 cm/s2. pressão é:
O leitor deve lembrar, da física, que peso é a força de atra- Pressão (dinas/cm 2 ) ρ g h (1-5)
ção gravitacional que a terra exerce sobre um corpo, e deve ser
expressa apropriadamente em unidades de força (dinas) e não onde ρ é a densidade do líquido em g/cm a uma dada tempe-3

em unidades de massa (gramas). A relação entre peso e massa ratura, g é a aceleração da gravidade (980,665 cm/s2) e h é a
pode ser obtida da equação (1-3). Quando substituirmos a for- altura em cm da coluna do líquido. No nível do mar, a pressão
ça pelo peso (w) e a aceleração pela aceleração da gravidade média da atmosfera suporta uma coluna de mercúrio de 76 cm
(g), a equação se torna (760 mm) ou 29,9 polegadas de altura. A pressão barométrica
pode ser convertida na unidade fundamental de pressão, dina/
w m g (1-4) cm2, multiplicando a altura, h = 76 cm pela área transversal de
Embora a aceleração gravitacional de um corpo varie de uma 1 cm2, vezes a densidade ρ do mercúrio a 0 °C, 13,595 g/cm3,
parte da terra para outra, ela é aproximadamente constante, para converter em massa, e multiplicando esta pela aceleração
valendo 981 cm/s2. Substituindo este valor para g, podemos da gravidade, g = 980,7 cm/s2. O resultado, dividido por cm2,
calcular o peso de uma massa de 1 g a partir da equação (1-4) é 1,0133 × 10 6 dinas/cm2 e é igual a 1 atm. Esta série de mul-
como segue: tiplicações e divisões é expressa simplesmente pela equação
(1-5).
w 1g 981 cm s 2
No sistema SI, a unidade de pressão (ou tensão) é o newton
e dividido pelo metro quadrado (N m –2), sendo chamada de pas-
w 981 g cm s 2 ou 981 dinas cal (Pa) (ver Tabela 1-3).
Assim, o peso de um corpo de massa 1 g é, de fato, 981
EXEMPLO 1-1
dinas. É prática comum expressar peso na unidade de massa,
gramas, porque o peso é diretamente proporcional à massa. Converter a pressão de uma coluna de álcool etílico de 76 cm
Contudo, em problemas envolvendo estas quantidades físicas, (760 mm) a uma pressão ao nível do mar e a 0 °C expressa em
deve ser feita a distinção. (a) dinas/cm2 e (b) pascal (Pa). A densidade, ρ, do etanol a 0 °C é
A unidade SI de força é o newton (N), que é igual a 1 kg m 0,80625 g/cm3.
s –2. Ele é definido como a força que imprime a uma massa de (a) Para obter a pressão padrão em dinas/cm2, usamos a equa-
1 kg a aceleração de 1 m s –2 (veja a Tabela 1-3). ção (1-5) com a densidade ρ = 0,80625 g/cm3, a aceleração da
gravidade g ao nível do mar de 980,665 cm/s2 e a altura h da
coluna de 76,000 cm Hg.
Pressão
Pressão = 0 80625 g cm3 × 980 665 cm s 2 × 76 000 cm
Pressão pode ser definida como força por unidade de área. A = 6 00902 104 dina cm2
unidade comumente usada é o dina/cm2. A pressão também
é em geral expressa em atmosferas (atm) ou centímetros ou (b) Para obter a pressão em pascal, usamos unidades SI na equa-
milímetros de mercúrio (cm Hg ou mm Hg). A última unida- ção (1-5):
de é derivada da medida da altura de uma coluna de mercúrio ∗
num barômetro, que é usado para medir a pressão atmosférica. kg (102 )3 cm3
Pressão = 0 80625 g cm3 × ×
A equação da física elementar usada para converter a altura 103 g 1 m3
20 P ATRICK J. S INKO

m
× 980 665 cm s 2 ×
100 cm
ALGUNS ELEMENTOS DE MATEMÁTICA
m
× 76 000 cm ×
100 cm O estudante deve familiarizar-se com os conceitos fundamen-
= 6 00902 × 103 kg m−1 s−2 (ou N m −2 ou Pa ) tais de matemática freqüentemente usados nas ciências físicas

1 metro = 102 cm; portanto, 1 m3 = (102 )3 cm3 = 106 cm3 e que são a base de muitas das equações e representações grá-
ficas encontradas neste livro.

Trabalho e energia
Cálculos envolvendo dimensões
Energia é freqüentemente definida como a condição de um
corpo que lhe dá a capacidade de realizar trabalho. O conceito Razões e proporções são freqüentemente usadas nas ciências
de energia é, de fato, tão fundamental que nenhuma definição físicas para a conversão de um sistema em outro. O cálculo a
adequada pode ser dada. A energia pode ser classificada como seguir ilustra o uso das proporções.
energia cinética ou energia potencial.
A idéia de energia é melhor abordada por meio de seu equi- EXEMPLO 1-2
valente mecânico, conhecido como trabalho, e de seu equivalen-
Quantas calorias há em 3,00 J? Devemos primeiro lembrar a re-
te térmico, ou calor. Quando uma força constante for aplicada a
lação ou razão entre calorias e joules. A relação que vem à mente
um corpo na direção de seu movimento, o trabalho realizado no
é 1 cal = 4,184 J. A questão é, então, reelaborada na forma de
corpo é igual à força multiplicada pelo deslocamento, e há um
uma proporção: se 1 cal é igual a 4,184 J, quantas calorias há em
aumento de energia do sistema. O produto de força e distância
3,00 J? Escreva a proporção, cuidando para expressar cada quan-
tem as mesmas dimensões de energia, ou seja, ML2T–2. Outros
tidade nas unidades adequadas. Para a quantidade desconhecida,
produtos que também têm a dimensão de energia são: pressão ×
usamos X.
volume, tensão superficial × área, massa × velocidade2 e dife-
rença de potencial elétrico × quantidade de eletricidade. 1 cal
=
X
A unidade cgs do trabalho, que é também a unidade de 4 184 joules 3 00 joules
energia potencial e cinética, é o érgio. Ele é definido como o 3 00 joules × 1 cal
X=
trabalho realizado quando uma força de 1 dina age sobre uma 4 184 joules
distância de 1 cm: X = 0 717 cal

1 erg 1 dina 1 cm
Um segundo método, baseado na igualdade das unidades
O érgio é normalmente muito pequeno para o uso prático,
e dimensões em ambos os lados da igualdade é, às vezes, mais
sendo substituído pelo joule (J) (pronunciado djúl), que é igual
conveniente do que o método das proporções.
a 107 erg:
1 joule 1 107 erg EXEMPLO 1-3
Quando são feitos cálculos no sistema cgs envolvendo tra- Quantos galões são equivalentes a 2,0 litros? É necessário o uso
balho e pressão, o trabalho deve ser expresso em erg e a pres- de proporções sucessivas para resolver este problema. No método
são em dinas/cm2. Quando usando o sistema SI ou qualquer envolvendo a identidade das unidades em ambos os lados da equa-
outro, devem também ser usadas unidades consistentes (N.de ção, a quantidade desejada (X galões) é colocada na esquerda e o
T.: no caso específico de joule, N m–2). seu equivalente, 2,0 litros, é escrito no lado direito da equação. O
Calor e trabalho são formas equivalentes de energia e são lado direito deve, então, ser multiplicado por relações conhecidas
intercambiáveis sob certas circunstâncias. A unidade térmica na forma de razão, tais como 1 pinta por 473 mL, para resultar
de energia no sistema cgs é a caloria-grama (ou pequena calo- nas unidades de galões. Conduzir as operações indicadas produ-
ria). Antigamente ela era expressa como a quantidade de calor zirá o resultado nas unidades adequadas:
necessária para elevar a temperatura de 1 g de água de 15 °C
X (em galões) = 2 0 litros × (1000 mL litro)
para 16 °C. A pequena caloria agora é definida como igual a
4,184 J. A caloria grande ou caloria-quilograma (kcal) é igual × (1 pinta 473 mL)
a 1000 pequenas calorias. A unidade SI para energia ou traba- × (1 galão 8 pinta)
lho é o joule (J), que, conforme a Tabela 1-3, é equivalente ao X = 0 53 galão
newton × metro (N m).
Alguns podem ficar preocupados a respeito do aparente
Temperatura desrespeito das regras de algarismos significativos nos equiva-
lentes como 1 pinta = 473 mL. A quantidade em pintas pode
À temperatura é associada uma unidade conhecida como o ser medida de modo tão preciso quanto a quantidade em mili-
grau. Na escala Celsius e na escala Kelvin ou absoluta, o con- litros, de modo que assumimos que trata-se de 1,00 pinta. As
gelamento e a ebulição da água pura a 1 atm são separados por quantidades 1 galão e 1 litro são também exatas por definição,
100 graus. Zero grau na escala Celsius é igual a 273,15 Kelvin e os algarismos significativos não precisam ser considerados
(K) na escala Kelvin. nestes casos.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 21

Expoentes ln a 2 303 log a (1-10)


As várias operações envolvendo expoentes, ou seja, as potên- A equação (1-10) pode ser derivada da seguinte maneira.
cias às quais um número é elevado, podem ser melhor revistas Seja
estudando os exemplos na Tabela 1-4. log a x (1-11)
de forma que
TABELA 1-4
a 10x (1-12)
AS REGRAS DOS EXPOENTES
Tomando o logaritmo natural da equação (1-12), teremos
−2
1
a×a×a a 3
a a2 4
a 2−4
a ln a ln 10x x ln 10 (1-13)
a2
a ×a
2 3
a2 3
a 5
a a2 2
√a
2−2
a 0
1 Como ln 10 = 2,303, a equação (1-13) torna-se
(a 2 )3 a 2 × a 2 × a 2 a 6 a1 2 a
a 3 ln a 2 303 x (1-14)
a 3 b3 a1 2 × a1 2
a1 2 1 2
a1 a
b √
3 Substituir a identidade x = log a da equação (1-11) na equação
5 2
a a a 5−2 a 3 a2 3
(a 2 )1 3
a2
5 4 (1-14) leva à fórmula desejada.
a a a 5−4 a 1 a
A aplicação dos logaritmos é melhor demonstrada consi-
derando alguns exemplos. Na expressão
log 60 0 1 778
Logaritmos
o dígito 1 à esquerda da vírgula no logaritmo é conhecido
A igualdade como a característica e significa que o número 60,0 pertence à
103 1000 (1-6) classe de números com a magnitude de 101 e, portanto, contém
dois algarismos à esquerda da vírgula. A quantidade 0,778 do
é expressa na notação logarítmica como
logaritmo é conhecida como mantissa e pode ser encontrada
log10 1000 3 (1-7) em tabelas de logaritmos comuns. Às vezes é conveniente ex-
O expoente 3, ao qual a base 10 deve ser elevada para re- pressar o número 60,0 escrevendo-o com um algarismo signifi-
sultar 1000 na equação (1-6), é dito logaritmo de 1000. O nú- cativo à esquerda da vírgula, 6,00, multiplicado por 10 elevado
mero 1000 é conhecido como o antilogaritmo do número 3. à primeira potência, ou seja 6,00 × 101. O expoente de 10 dá a
De modo mais geral, se b for elevado à potência x para dar o característica e o valor na tabela de logaritmos nos permite ler
número a, então o logaritmo de a na base b é x. diretamente a mantissa.
Este método pode ser usado para obter o logaritmo de
bx a (1-8)
6000 de uma tabela da seguinte maneira: o número é escrito
logb a x (1-9) primeiro como 6,000 × 103, se for suficientemente preciso
para ser expresso com 4 algarismos significativos. A carac-
Quando 10 é a base usada, o logaritmo é conhecido como terística é 3 e a mantissa, encontrada na tabela, é 0,778. Por-
comum ou Briggsiano, enquanto que o número 2,71828..., de- tanto,
signado como e, é usado como base para os logaritmos na-
turais ou Neperianos. A quantidade e é importante no desen- log 6000 3 778
volvimento teórico das ciências físicas e bioquímicas, sendo Para frações decimais, que ocorrem freqüentemente em
discutida com algum detalhe por Daniels.4 Este número é a problemas envolvendo concentrações molares, o seguinte mé-
soma da série 1 + 1 + 1/2! + 1/3! + 1/4!..., onde o símbolo ! todo é usado. Suponha que se deseje conhecer o logaritmo de
denota o fatorial de um número, que é definido como o produto 0,0600. O número é escrito como 6,00 × 10–2. A característi-
dos inteiros positivos entre 1 e o número. Assim, 2! = 1 × 2, 3! ca do número pode ser positiva ou negativa, mas a mantissa é
= 1 × 2 × 3 = 6, e 4! = 1 × 2 × 3 × 4 = 24. Os logaritmos comuns sempre positiva. A característica, neste caso, é –2 e a mantissa
são designados pelo símbolo log10 ou simplesmente log, e os é 0,778. Portanto,
logaritmos naturais são escritos como loge ou ln.
log 0 0600 2 0 778 1 222
Embora normalmente todos tenham acesso a uma calcula-
dora para obter os logaritmos dos números, às vezes é possível O seguinte exemplo ilustra como encontrar um número
que se tenha apenas uma tabela dos logaritmos comuns (ver a numa tabela quando for dado o seu logaritmo, isto é, como
guarda do livro). Para conversão de um sistema em outro, par- obter o antilogaritmo. Qual é o valor de a se log a = 1,7404? A
ticularmente dos logaritmos naturais para os comuns, usamos característica é 1 e a mantissa é 0,7404. Da tabela de logarit-
a seguinte fórmula.∗ mos, encontra-se que o número que corresponde à mantissa de
0,7404 é 5,50. A característica é 1, de forma que o antilogarit-
mo é 5,50 × 101, ou 55,0.
∗O fator de conversão, 2,303, é expresso mais precisamente como Vamos examinar como é encontrado o antilogaritmo de
2,302585. um número negativo, por exemplo –2,699. Lembrando que
22 P ATRICK J. S INKO

TABELA 1-5
0 0 0 REGRAS DOS LOGARITMOS

1
log ab log a log b log log 1 − log a log a
–1 –1 –1 a
a
log log a − log b log a 2 log a log a 2 log a
–3 –2.699 b
√ 1
–2 –2 –2 log 1 0 10◦ 1 log a log a 1 2 log a
2
1
log a −2 2 log a 2 log
0,301 a
–3 –3 –3

Figura 1-1 Representação esquemática para se encontrar o antilogaritmo


de um número negativo. log37 (100) ln(100) ln(37) 1 2753
Também podemos usar logaritmos decimais no lado direi-
to da equação:
a mantissa deve ser sempre positiva, separamos o logaritmo
numa característica negativa e numa mantissa positiva: log37 (100) log10 (100) log10 (37) 1 2753

2 699 3 00 0 301 Estas fórmulas permitem obter o logaritmo na base b de


qualquer número positivo inteiro ou fracionário desejado.
Esta transformação pode ser facilmente visualizada na Fi- Como pode ser visto na tabela dos expoentes (Tabela 1-4),
gura 1-1, onde −2,699 equivale a descer a escala na direção os números podem ser multiplicados e divididos pela adição
negativa até –3 e, voltar atrás, subindo a escala 0,301 unidades e subtração dos expoentes. Como logaritmos são expoentes,
na direção positiva. De fato, neste processo, nós estamos sub- eles seguem as mesmas regras. Algumas das propriedades dos
traindo 1 da característica e adicionando 1 à mantissa, ou seja, logaritmos são exemplificadas pelas identidades relacionadas
à quantidade
na Tabela 1-5.
2 699 ( 2) ( 0 699)
nós subtraímos e adicionamos 1, resultando Variações
( 2 1) ( 0 699 1) 3 0 301 O cientista tenta, continuamente, relacionar fenômenos e es-
O resultado (–3 + 0,301) é às vezes abreviado como (3̄,301), tabelecer generalizações com base nas quais é possível conso-
onde a barra acima do 3 se aplica apenas à característica. O lidar e interpretar dados experimentais. O problema pode fre-
termo 3̄ é comumente chamado de 3–barra. Em algumas áreas, qüentemente ser colocado como a busca de uma relação entre
como na análise quantitativa, é prática usual usar a forma na duas quantidades que mudam a uma determinada velocidade
qual 10 é adicionado e subtraído, para resultar: ou de um modo particular. A dependência de uma propriedade,
a variável dependente y, em relação à mudança ou alteração
3̄ 301 7 301 10 de outra quantidade mensurável, a variável independente x, é
Para cálculos físico-químicos e para a representação gráfi- expressa matematicamente como:
ca dos logaritmos de números, é mais conveniente usar a forma
y x (1-16)
–2,669 do que uma das formas com uma mistura de partes po-
sitivas e negativas. Para o uso de tabelas de logaritmos, contu- que é lida como “y varia diretamente com x” ou “y é diretamen-
do, é necessária a forma mista. Assim, para se obter o antilo- te proporcional a x”. A proporcionalidade transforma-se numa
garitmo, escrevemos o logaritmo como 3̄,301. O número que equação do seguinte modo: se y é, em geral, proporcional a x,
corresponde à mantissa é encontrado na tabela de logaritmos e então todos os pares de valores específicos de y e x, como y1 e
vale 2,00. A característica é –3, e o resultado final é, portanto, x1, y2 e x2,..., são proporcionais. Assim,
2,00 × 10–3.
Nós discutimos logaritmos na base 10 (logaritmos co- y1 y2
muns) e na base e = 2,71828 (logaritmos naturais). Logaritmos x1 x2 (1-17)
tendo qualquer outro número positivo como base b, também
Uma vez que o quociente entre qualquer y e seu x corres-
podem ser obtidos. A fórmula para este cálculo é:
pondente é igual ao quociente entre outro y e x, os quocientes
logb (a) loge (a) loge (b) (1-15) são constantes ou, em geral,
Para obter o logaritmo de um número a = 100 na base b = y
Constante
37, substituímos na equação (1-15): x (1-18)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 23

TABELA 1-6
FÓRMULAS ILUSTRATIVAS DO PRINCÍPIO DE VARIAÇÃO
Variável Constante de
Medida Equação Variável dependente independente proporcionalidade
Circunferência de um círculo C = πD Circunferência, C Diâmetro, D π = 3,14159....
Densidade M=ρV Massa, M Volume, V Densidade, ρ
Distância percorrida por um corpo s = 12 g t2 Distância, s Tempo, t2 Constante da
em queda livre gravidade, 12 g
Diminuição do ponto de congelamento ΔTf =Kf m Diminuição do ponto de Molalidade, m Constante crioscópica, Kf
congelamento, ΔTf,

Assim, é simples transformar a proporcionalidade em uma A relação mais simples entre duas variáveis, onde as variá-
igualdade pela introdução de uma constante de proporcionali- veis não contêm nenhum expoente diferente de um (equação
dade, k. Em resumo, se de primeiro grau), leva a uma linha reta quando representada
y x graficamente. A linha reta ou relação linear é expressa como:

Então y a bx (1-21)
y kx (1-19) na qual y é a variável dependente, x é a variável independente,
É freqüentemente desejável mostrar a relação entre x e y e a e b são constantes. A constante b é a inclinação da linha.
pelo uso de uma notação mais geral: Quanto maior o valor de b, mais íngreme será a inclinação.
Ela é expressa como a variação em y produzida pela variação
y f (x) (1-20) em x, ou b = xy ; b também é a tangente do ângulo que a linha
que é lida como “y é uma função de x”. Isto significa que y pode faz com o eixo x. A inclinação pode ser positiva ou negativa,
ser igual a, por exemplo, 2x ou 27x2 ou a 0,0051 + log(a/x). dependendo de a linha subir ou descer para a direita, respec-
A notação funcional na equação (1-20) meramente significa tivamente. Quando b = 1, a linha faz um ângulo de 45° com
que y e x estão relacionados de algum modo, sem especificar o eixo x (tan 45° = 1), e a equação da linha pode ser escrita
a equação real pela qual eles estão relacionados. Algumas fór- como:
mulas bem conhecidas ilustrando o princípio de variação estão
mostradas na Tabela 1-6. y a x (1-22)
Quando b = 0, a linha é horizontal (ou seja, paralela ao
Métodos gráficos eixo x) e a equação se reduz a
y a (1-23)
Os cientistas nem sempre têm a sorte de iniciar cada problema
com uma equação à mão que relacione as variáveis estudadas. A constante a é conhecida como intercepto ou intersecção
Ao contrário, o pesquisador deve coletar dados brutos e colo- com o eixo y e denota o ponto no qual a reta cruza o eixo y.
cá-los na forma de uma tabela ou gráfico para melhor observar Se a for positivo, a linha cruza o eixo y acima do eixo x; se for
as relações. A construção de um gráfico com os dados repre- negativo, cruza o eixo y abaixo do eixo x. Quando a for zero, a
sentados de modo a formar uma curva suave pode permitir equação (1-21) pode ser escrita como:
ao pesquisador observar mais claramente as relações e talvez
permitir a expressão da conexão entre as variáveis na forma y bx (1-24)
de uma equação matemática. O procedimento para obter uma e a linha passa pela origem.
equação empírica a partir da representação gráfica de dados é Os resultados da determinação do índice de refração de
conhecido como ajuste de curvas, sendo tratado em livros de uma solução de benzeno contendo concentrações crescentes de
estatística e análise gráfica. tetracloreto de carbono são mostrados na Tabela 1-7. Os dados
A magnitude da variável independente é, costumeiramen- são representados graficamente na Figura 1-2 e produzem uma
te, medida na escala de coordenadas horizontal, chamada o linha reta com inclinação negativa. A equação da linha pode
eixo x. A variável dependente é medida na escala vertical, o ser obtida usando a forma de dois pontos da equação linear,
eixo y. Os dados são inseridos no gráfico e uma linha suave y2 − y1
é desenhada através dos pontos. O valor de x de cada ponto é y − y1 (x − x1 )
x2 x1 (1-25)
conhecido como a coordenada x ou abscissa e o valor y é co-
nhecido como a coordenada y ou a ordenada. A interseção do O método envolve a seleção de dois pontos bastante dis-
eixo x e do eixo y é referida como origem. Os valores de x e y tantes (x1, y1) e (x2, y2) na linha e a substituição na equação de
podem ser positivos ou negativos. dois pontos.
24 P ATRICK J. S INKO

TABELA 1-7 y Intercepto = 1,501


ÍNDICES DE REFRAÇÃO DE MISTURAS DE BENZENO E 1,500
TETRACLORETO DE CARBONO x1, y1 -4
Inclinação = - 4,00 x 10
Concentração de CCl4 (x) Índice de
(volume %) refração (y)

Índice de refração
1,490
10,0 1,497
25,0 1,491
33,0 1,488
50,0 1,481
1,480
60,0 1,477 x2, y2
Equação da reta
y = - 4,00 x 10-4x + 1,501

EXEMPLO 1-4
1,470
Referindo-se à Figura 1-2, seja 10,0% o valor de x1 e seu valor 0 20 40 60
correspondente de y, 1,497, é tomado como y1; da mesma manei- Tetracloreto de carbono (volume %)
ra, 60,0% é x2 e 1,477 é y2. A equação então se torna:
Figura 1-2 Índice de refração do sistema benzeno-tetracloreto de carbono
1 477 − 1 497
y − 1 497 = (x − 10 0) a 20 °C.
60 0 − 10 0
−4
y − 1 497 = −4 00 × 10 (x − 10 0)
y = 4 00 10−4 x + 1 501
ficante x na abscissa de um gráfico de coordenadas retangulares.
Na Figura 1-4, o logaritmo da separação de óleo é representado
O valor –4,00 × 10 é a inclinação da linha reta e correspon-
–4
contra a concentração. Na Figura 1-5, os dados são representa-
de a b na equação (1-21). Um valor negativo de b indica que y dos em papel semilogarítmico, consistindo de uma escala loga-
decresce com valores crescentes de x como observado na Fi- rítmica no eixo vertical e uma escala linear no eixo horizontal.
gura 1-2. O valor 1,501 é o intercepto com y e corresponde a Embora a Figura 1-3 represente de modo direto a sepa-
a na equação (1-21).* Ele pode ser obtido do gráfico na Figu-
ração de óleo, surgem dificuldades quando se tenta desenhar
ra 1-2 pela extrapolação (extensão) da linha à esquerda até o
uma linha suave que passe pelos pontos ou extrapolar a curva
ponto no qual ela intersecta o eixo y. Também se observa que
além dos dados experimentais. Além disso, a equação para a
y2 − y1 y curva não pode ser obtida prontamente da Figura 1-3. Quando
b
x2 x1 x (1-26) o logaritmo da separação de óleo é representado graficamen-
e esta fórmula simples permite calcular a inclinação de uma te como a ordenada, como na Figura 1-4, resulta numa linha
linha reta. O uso da estatística para determinar se os dados se reta, indicando que o fenômeno segue uma relação logarítmica
ajustam à inclinação desta linha e ao seu intersepto com o eixo ou exponencial. A inclinação e a interseção com y podem ser
y é ilustrado adiante neste capítulo. obtidas do gráfico e a equação da linha é obtida mediante o uso
Nem todos os dados experimentais produzem linhas retas da fórmula de dois pontos:
quando representados graficamente em papel de coordenadas log y 0 85 0 28x
retangulares. Equações contendo x2 ou y2 são conhecidas como
A Figura 1-4 requer que se obtenham os logaritmos dos
equações quadráticas ou de segundo grau e os gráficos destas
dados de separação de óleo antes da construção do gráfico e,
equações resultam em parábolas, hipérboles, elipses e círculos.
Os gráficos e suas equações correspondentes podem ser encon-
trados em livros-texto usuais sobre geometria analítica.
Relações logarítmicas ocorrem com freqüência em traba- TABELA 1-8
lhos científicos. Os dados relacionando a quantidade de óleo
ESTABILIDADE DA EMULSÃO COMO UMA FUNÇÃO DA
que separa por mês de uma emulsão (variável dependente, y), CONCENTRAÇÃO DE EMULSIFICANTE
como uma função da quantidade de emulsificante (variável in-
dependente, x), são mostrados na Tabela 1-8. Separação de Logaritmo da
Os dados deste experimento podem ser representados grafi- Emulsificante (x) óleo (y) separação de óleo
camente de vários modos. Na Figura 1-3, a separação de óleo y (% concentração) (mL/mês) (log y)
é representada como ordenada contra a concentração de emulsi- 0,50 5,10 0,708
1,00 3,60 0,556
1,50 2,60 0,415
* A interseção com y, 1,501 é de fato o índice de refração do benzeno puro
a 20 oC. Para os propósitos deste exemplo, assumimos que não pudemos
2,00 2,00 0,301
encontrar este valor numa tabela de índices de refração. Em livros de Quí-
2,50 1,40 0,146
mica e Física, o valor encontrado é 1,5011, a 20 oC. 3,00 1,00 0,000
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 25

6,0 7,0

6,0
Separação de óleo (mL/mês)

5,0

Separação de óleo (escala log)


4,0
4,0

3,0
2,0

2,0
0
0 1,0 2,0 3,0
Concentração de emulsionante (% m/V)
Figura 1-3 Dados de estabilidade de emulsão representados graficamente
em coordenadas retangulares.
1,0
0 1,0 2,0 3,0
Concentração de emulsionante (% m/V)
reciprocamente, que se obtenham os antilogaritmos das or-
denadas ao se ler a separação de óleo a partir do gráfico. As Figura 1-5 Estabilidade da emulsão representada graficamente em escala
inconveniências da conversão a logaritmos e antilogaritmos semilogarítmica.
podem ser evitadas mediante o uso de papel semilogarítmico.
Os valores x e y da Tabela 1-8 são colocados diretamente no
gráfico, resultando numa linha reta, como visto na Figura 1-5. Assim, escalas gráficas logarítmicas podem ser usadas tanto
Embora um gráfico assim obtido não seja usado para se obter para logaritmos naturais quanto decimais.
a equação da linha, ele é conveniente para a leitura direta da
separação de óleo a partir do gráfico. É bom lembrar que o ln
de um número é simplesmente 2,303 vezes o log deste número. Algarismos significativos
Um algarismo significativo é qualquer dígito usado para re-
presentar uma magnitude ou uma quantidade no local no qual
se encontra. O número zero é considerado um algarismo sig-
nificativo, exceto quando usado meramente para localizar a
vírgula decimal. Os dois zeros imediatamente após a vírgula
0,80 no número 0,00750 apenas localizam a vírgula e não são sig-
nificativos. O zero após o algarismo 5, contudo, é significativo
Log y = – 0,28x + 0,85
porque não seria necessário para escrever o número. Se ele não
Log da separação de óleo (ml/mês)

fosse significativo, ele poderia ser omitido. Assim, o número


0,60 contém três algarismos significativos. A questão dos algaris-
mos significativos no número 7500 é ambígua. Não se sabe se
algum ou todos os zeros são significativos ou se eles são usa-
dos simplesmente para indicar a magnitude do número. Para
expressar os algarismos significativos de valores como este de
0,40
modo não-ambíguo, é melhor usar uma notação exponencial. A
expressão 7,5 × 10 3, indica que o número contém dois algaris-
mos significativos e, portanto, os zeros não são significativos.
Na expressão 7,500 × 10 3, ambos os zeros são significativos
0,20 e o número contém, portanto, quatro algarismos significativos.
O número de algarismos significativos de alguns valores está
listado na Tabela 1-9.
Os algarismos significativos de um número incluem todos
0 os dígitos certos mais o primeiro dígito incerto. Por exemplo,
0 1,0 2,0 3,0 podemos usar uma régua, cuja menor subdivisão seja o cen-
Concentração de emulsionante (% m/V) tímetro, para medir o comprimento de um tubo de vidro. Se
Figura 1-4 Gráfico do logaritmo da separação de óleo de uma emulsão ver- alguém conclui que o tubo mede um pouco mais do que 27
sus a concentração, em um gráfico de coordenadas retangulares. cm, é razoável estimar a fração duvidosa, por exemplo, 0,4, e
expressar o número como 27,4 cm. Uma réplica da medida po-
26 P ATRICK J. S INKO

resultado de forma que ele contenha apenas um algarismo


TABELA 1-9
seguindo a vírgula.
ALGARISMOS SIGNIFICATIVOS O resultado arredondado é 503,9.
Número de A regra 2 obviamente não se aplica às massas e volumes
Número algarismos significativos dos ingredientes de uma preparação farmacêutica. A mas-
sa ou o volume mínimo de cada componente numa fórmu-
53, 2
la farmacêutica ou prescrição deve ser grande o suficiente
530,0 4
para que os erros introduzidos não sejam maiores que, por
0,00053 2
exemplo, 5 em 100 (5%), usando os aparelhos de pesos
5,0030 5 e medidas à disposição. A exatidão e a precisão na pre-
5,3 × 10–2 2 paração de uma prescrição são discutidas em detalhe por
5,30 × 10–4 3 Brecht.5
53.000 Indeterminado
3. Na multiplicação ou divisão, a regra comumente usada é
reter, no resultado, o mesmo número de algarismos signifi-
cativos daquele valor com o menor número de algarismos
deria dar o valor 27,6 cm ou 27,2 cm, de modo que o resultado
significativos. Ao multiplicar 2,67 por 3,2, o resultado é
seria expresso como 27,4 ± 0,2 cm. Quando um valor como
melhor expresso como 8,5 do que como 8,544. Uma regra
27,4 cm for encontrado na literatura, sem qualquer especifica-
ção, deve-se assumir que o algarismo final está correto em ± 1 algo melhor é reter no resultado o número de algarismos
na última casa decimal, o que significa o desvio médio de uma significativos que produza uma porcentagem de erro que
única medida. Contudo, uma afirmação do compêndio oficial não seja maior do que aquela que possui a maior incerteza
U.S. Pharmacopoeia – National Formulary tal como “não me- percentual.
nos que 99”, significa 99,0 e não 98,9.
4. Quando são usados logaritmos para multiplicação e di-
Algarismos significativos são particularmente úteis para
visão, se preconiza reter o mesmo número de algarismos
indicar a precisão de um resultado. O instrumento usado
significativos na mantissa que os existentes nos números
para fazer a medida limita a precisão. Uma régua de me-
dida marcada em divisões de centímetro não irá produzir originais. A característica significa apenas a magnitude do
uma precisão tão grande quanto uma marcada em 0,1 cm ou número e, portanto, não é significativa. Uma vez que os
mm. Pode-se obter um comprimento de 27,4 ± 0,2 cm com cálculos usados em Farmácia não requerem mais do que
a primeira e um valor de, digamos, 27,46 ± 0,02 cm com a três algarismos significativos, uma tábua de logaritmos de
segunda. A última régua, que fornece um resultado com qua- quatro casas é suficiente para estes trabalhos. Tal tabela
tro algarismos significativos, é obviamente a mais precisa. O pode ser encontrada na contracapa do livro. Uma calcula-
número 27,46 implica uma precisão de cerca de 2 partes em dora manual, contudo, é mais prática, e as tábuas de loga-
3000, ao passo que 27,4 implica uma precisão de apenas 2 ritmos raramente são usadas hoje em dia.
partes em 300. 5. Se o resultado for usado em cálculos subseqüentes, se pre-
A magnitude absoluta de um valor não deve ser confundi- coniza reter ao menos um dígito a mais do que o sugerido
da com a sua precisão. Consideramos o número 0,00053 mol/L
pelas regras. O resultado final, então, é arredondado até o
como uma quantidade relativamente pequena, por causa dos
seu último algarismo significativo.
três zeros após a vírgula. Estes zeros não são significativos,
contudo, e não nos dizem nada a respeito da precisão da medi-
da. Quando o resultado for expresso como 5,3 × 10 – 4 mol/L
ou, ainda melhor, como 5,3 (± 0,1) × 10 – 4 mol/L, tanto a pre- MÉTODOS ESTATÍSTICOS E ANÁLISE DOS ERROS
cisão quanto a magnitude tornam-se aparentes.
Quando lidamos com dados experimentais, existem cer- Quando queremos manter um alto grau de exatidão no avia-
tas regras a respeito dos algarismos a serem consideradas nos
mento de prescrições e na manufatura de produtos em larga es-
cálculos:
cala, deve-se localizar e eliminar erros constantes e acidentais,
1. Quando se rejeitam algarismos supérfluos, aumentar em na medida do possível. Os farmacêuticos devem reconhecer,
1 o último algarismo retido se o algarismo rejeitado se- contudo, que assim como eles não podem esperar produzir um
guinte for 5 ou maior. Não alterar o último algarismo se o produto farmacêutico perfeito, também não podem fazer uma
rejeitado for menor que 5. Assim, se o valor 13,2764 tiver medida absoluta. Além das imperfeições inevitáveis na apare-
que ser arredondado para quatro algarismos significativos, lhagem e das leves impurezas sempre presentes nos produtos
ele será escrito como 13,28. O valor 13,2744 seria arre- químicos, a exatidão perfeita é impossível, devido à impos-
dondado para 13,27. sibilidade do operador de fazer uma medida ou estimar uma
2. Na adição e subtração, incluir apenas tantos algarismos à quantidade a um grau mais preciso do que a menor divisão da
direita da vírgula quanto os presentes no número com a escala do instrumento.
menor quantidade de tais algarismos. Assim, ao adicionar O erro pode ser definido como o desvio do valor absoluto
442,78, 58,4 e 2,684, obter a soma e então arredondar o ou de uma média real obtida de um grande número de resulta-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 27

dos. Dois tipos de erros podem ser reconhecidos: determina- pseudo-acidentais. Erros variáveis determinados, embora
dos (constantes) ou indeterminados (aleatórios ou acidentais). aparentemente indeterminados, podem, então, ser corrigidos
mediante análise cuidadosa e refinamento da técnica por parte
do executor. Apenas erros que resultem de flutuações alea-
Erros determinados tórias puras na natureza serão considerados verdadeiramente
indeterminados.
Erros determinados ou constantes são aqueles que, embora às
vezes insuspeitos, podem ser evitados ou determinados e corri-
gidos, uma vez reconhecidos. Eles estão usualmente presentes Precisão e exatidão
em cada medida e afetam todas as observações de uma série
do mesmo modo. Exemplos de erros determinados são aqueles Precisão é a medida da concordância entre os valores de um
inerentes a um método particular usado, erros na calibração e grupo de dados, enquanto que exatidão é a concordância
na operação dos instrumentos de medida, impurezas nos re- entre os dados e o valor correto. Erros indeterminados ou
agentes e fármacos, e erros por vício do operador (p. ex., a aleatórios influenciam a precisão dos resultados, e a medi-
leitura errônea de um menisco), erros ao verter e misturar, em da da precisão é melhor realizada mediante meios estatís-
operações de pesagem, na comparação de cores e na realiza- ticos. Erros determinados ou constantes afetam a exatidão
ção de cálculos. A mudança do volume de uma solução com a dos dados. As técnicas usadas na análise da precisão dos
temperatura, embora não seja constante, é um erro sistemático resultados, que por sua vez fornecem uma medida dos er-
que também pode ser determinado e contabilizado, uma vez ros indeterminados, serão consideradas primeiramente, e a
conhecido o coeficiente de expansão. detecção e eliminação de erros determinados ou inexatidões
Erros determinados podem ser combatidos em trabalhos serão discutidas após.
analíticos mediante o uso de aparelhos calibrados, usando Erros indeterminados ou aleatórios ocorrem de acordo
brancos ou controles, usando diversos procedimentos analíti- com as leis da probabilidade, sendo que erros positivos e nega-
cos e aparelhos, eliminando impurezas e conduzindo o experi- tivos são igualmente prováveis, e erros grandes são menos pro-
mento sob diversas condições. Na indústria farmacêutica, erros váveis do que erros pequenos. Se alguém representar grafica-
determinados podem ser eliminados calibrando os pesos e ou- mente um grande número de resultados com diversos erros no
tros aparelhos e fazendo com que outros verifiquem os cálcu- eixo vertical versus a magnitude dos erros no eixo horizontal,
los e resultados. Correções adequadas para erros determinados obterá uma curva em forma de sino, conhecida como a curva
devem ser feitas antes que a estimativa de erros indetermina- da distribuição normal de freqüência, mostrada na Figura 1-6.
dos tenha qualquer significado. Se a distribuição dos resultados seguir exatamente uma lei de
probabilidade normal, os desvios serão representados exata-
mente pela curva para um número infinito de observações, que
Erros indeterminados constituem o universo ou população. Enquanto a população é
o todo da categoria sob consideração, a amostra é a porção da
Erros indeterminados podem ocorrer por acidente ou por aca- população usada na análise.
so e eles variam de uma medida para outra. Quando se atiram
balas a um alvo, algumas podem atingir a mosca, enquanto
que outras estarão espalhadas em torno deste ponto central. Média aritmética
Quanto maior a habilidade do atirador, menos espalhado será
o padrão em torno do alvo. De modo semelhante, numa análi- Quando se obtém uma distribuição normal, segue-se que a
se química, os resultados de uma série de testes irão produzir média aritmética é a melhor medida do valor central da dis-
um padrão aleatório em torno de um valor central, conhecido
como média. Erros aleatórios também ocorrem ao preencher
um determinado número de cápsulas com fármaco, e os pro-
dutos finais mostrarão uma variação definida em termos de
massa. 99,7%
Erros indeterminados não podem ser contabilizados ou 95,5%
corrigidos devido às flutuações naturais que ocorrem em todas 68%
as medidas.
Freqüência

Os erros que provêm de flutuações aleatórias na tempe-


ratura ou outros fatores externos e de variações envolvidas
na leitura de instrumentos não são considerados acidentais
ou aleatórios. De fato, eles pertencem à classe de erros de-
terminados e são freqüentemente chamados de erros pseudo-
acidentais ou erros determinados variáveis. Eles podem ser
reduzidos controlando as condições mediante o uso de ba-
–3 –2 – 0 _ + +2 +3
nhos termostatizados ou estufas, de tampões e pela manu- ⯝ x
tenção constante da umidade e da pressão, quando indicado.
O cuidado na leitura de frações de unidades em recipien- 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17
tes, balanças e outros aparelhos também pode reduzir erros Figura 1-6 A curva normal para a distribuição de erros indeterminados.
28 P ATRICK J. S INKO

tribuição, isto é, a média representa o ponto correspondente onde X i − X é a soma dos desvios absolutos em rela-
à maior proximidade da mosca do alvo. A média teórica para ção à média. As linhas verticais em cada lado do termo no
um número grande de medidas (o universo ou população) é numerador indicam que os sinais algébricos não devem ser
conhecida como a média do universo ou da população e recebe considerados.
o símbolo μ (mu). Youden6 desencoraja o uso do desvio médio porque ele
A média aritmética X é obtida somando os resultados das dá uma estimativa viciada que sugere uma precisão maior do
várias medidas e dividindo o total pelo número N de medidas. que a de fato existente quando um pequeno número de valores
Em notação matemática, a média aritmética para um pequeno é usado no cálculo. Além disso, o desvio médio de pequenos
grupo de valores é expressa como: subconjuntos pode ser largamente espalhado em torno da mé-
(X i ) dia das estimativas e, portanto, d não é particularmente eficien-
X te como medida da precisão.
N (1-27)
O desvio-padrão σ (a letra grega sigma minúscula) é a raiz
onde Σ indica a soma, Xi é o valor da i-ésima medida de um quadrada da média dos quadrados dos desvios. Este parâmetro
grupo e N é o número de valores. X é uma estimativa para é usado para medir a dispersão ou a variabilidade de um gran-
μ e se aproxima deste à medida que cresce o número de de número de medidas, por exemplo, as massas dos conteúdos
medidas N. de vários milhões de cápsulas. Este conjunto de itens ou me-
didas é aproximadamente igual à população ou universo, e σ
Medidas de dispersão é, portanto, chamado de desvio-padrão do universo.* Desvios
padrão do universo são mostrados na Figura 1-6.
Depois de haver escolhido a média aritmética como a ten- Como observado anteriormente, qualquer grupo finito
dência central dos dados, é necessário expressar a dispersão de dados experimentais pode ser considerado um subconjun-
ou o espalhamento em torno do valor central de um modo to ou amostra da população. A estatística ou característica da
quantitativo, para estabelecer uma estimativa da variação amostra do universo usada para expressar a variabilidade do
entre os resultados. Esta variabilidade é usualmente expres- subconjunto e fornecer uma estimativa do desvio-padrão da
sa como a amplitude (da diferença), o desvio médio ou o população é conhecida como o desvio-padrão da amostra e é
desvio-padrão. designado pela letra s. A fórmula é:
A amplitude é a diferença entre o maior e o menor valor
em um grupo de dados e dá uma idéia aproximada da disper- (X i − X )2
s
são. Contudo, ela às vezes leva a resultados ambíguos quando N (1-29)
os valores máximos e mínimos não estão de acordo com o
restante dos dados. A amplitude não será mais considerada Para uma amostra pequena, a equação é escrita como
neste texto.
A distância média de todos os tiros em relação ao centro do (X i − X )2
s
alvo serviria como uma medida conveniente do espalhamento N −1 (1-30)
em torno daquele. O espalhamento médio em torno da média
aritmética em uma grande série de pesagens ou análises é o O termo (N–1) é conhecido como o número de graus de
desvio médio δ da população.* A soma dos desvios positivos liberdade. Ele substitui N para reduzir o caráter viciado do
e negativos em torno da média é igual a zero. Assim, os sinais desvio-padrão s, o qual em média é menor do que o desvio-
algébricos são ignorados para se obter a medida da dispersão. padrão do universo.
O desvio médio d de uma amostra, ou seja, o desvio de A razão para introduzir (N–1) é a seguinte. Quando um
uma observação individual da média aritmética da amostra é estatístico seleciona uma amostra e faz uma única medida ou
observação, ele obtém ao menos uma estimativa grosseira da
obtido computando-se as diferenças entre cada valor individual
média da população original. Esta única observação, contu-
Xi e a média aritmética X , somando as diferenças sem levar em
do, não dá nenhuma pista a respeito do grau de variabilidade
consideração seu sinal algébrico e dividindo esta soma pelo da população. Quando se faz uma segunda medida, contudo,
número de valores para obter o valor médio. O desvio médio se obtém uma primeira base para estimar a variabilidade da
de uma amostra é expresso como população. O estatístico expressa este fato dizendo que duas
Xi − X observações fornecem um grau de liberdade para a estimativa
d das variações no universo. Três valores fornecem dois graus de
N (1-28)
liberdade, quatro valores fornecem três graus de liberdade, e
assim por diante.

* O desvio médio da população é escrito como

Xi − μ * A equação para o desvio-padrão do universo é


δ
N
onde Xi é uma medida individual, μ é a média da população e N é o número (X i − μ)2
σ
de medidas. N
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 29

Assim, nós não temos acesso a todos os N valores de uma aproximadamente 25% maior do que o desvio médio, ou seja,
amostra para obter uma estimativa do desvio-padrão de uma σ = 1,25 δ.
população. Ao contrário, devemos usar um valor de N me- Os estatísticos estimam que, devido a erros aleatórios,
nos uma unidade, ou seja, (N–1), como mostrado na equação cerca de 68% de todos os resultados de um conjunto grande
1-30. Quando N for muito grande, por exemplo, N > 100, po- irão se localizar entre um desvio-padrão de cada lado da média
demos usar N no lugar de (N–1) para estimar o desvio-padrão aritmética, 95,5% entre ± 2 desvios padrão e 99,7% entre ± 3
da população porque a diferença entre os dois se torna des- desvios, como visto na Figura 1-6.
prezível. Goldstein7 selecionou o valor 1,73 δ como uma tolerân-
Métodos estatísticos modernos podem trabalhar bastante cia padrão justa para produtos em prescrições, enquanto que
bem com amostras pequenas. Os pesquisadores devem reco- Saunders e Fleming8 advogaram pelo uso de ± 3σ como limites
nhecer, contudo, que a estimativa do desvio-padrão se torna aproximados de erro para um único resultado.
menos reprodutível e, em média, se torna menor que o desvio- Em trabalhos farmacêuticos, deve ser considerado admis-
padrão do universo quando amostras pequenas são usadas para sível aceitar ± 2s como uma medida da variabilidade ou “espa-
calcular a estimativa. lhamento” dos dados em amostras pequenas. Assim, espera-se
Um exemplo de cálculo envolvendo média aritmética, que cerca de 5 a 10% dos resultados individuais caiam fora da
desvio médio e a estimativa do desvio-padrão é mostrado a faixa, se houve apenas erros aleatórios.
seguir. A estimativa do desvio-padrão no Exemplo 1-5 é calcula-
da como segue:
EXEMPLO 1-5 0 0362
s 0 078 g
Um farmacêutico recebe uma prescrição para um paciente com ar- (7 − 1)
trite reumatóide solicitando sete envelopes, cada um pesando 1,00
g. Para verificar a sua destreza em preencher os envelopes com os e ± 2s é igual a ± 0,156 g. Ou seja, baseado na análise deste
pós, ele remove os conteúdos de cada envelope, após preencher experimento, o farmacêutico deve esperar que cerca de 90 a
cuidadosamente a prescrição mediante o método de progressão 95% dos valores das amostras caiam entre ± 0,156 g da média
aritmética, e pesa cada conteúdo cuidadosamente. Os resultados da amostra.
das pesagens estão mostrados na primeira coluna da Tabela 1-10; Quanto menor a estimativa do desvio-padrão (ou desvio
os desvios de cada valor em relação à média aritmética, ignorando médio), mais precisa será a operação de preparação. No preen-
o sinal, são relacionados na coluna 2 e os quadrados dos desvios chimento de cápsulas, a precisão é uma medida da habilidade
são mostrados na última coluna. Baseado no desvio médio, o peso do farmacêutico em colocar a mesma quantidade do fármaco
dos pós pode ser expresso como 0,98 ± 0,046 g. A variabilidade de em cada cápsula e em reproduzir os resultados em operações
uma única medida pode ser expressa em termos do desvio percen- subseqüentes. Técnicas estatísticas para predizer a probabilida-
tual dividindo o desvio médio pela média aritmética e multipli- de da ocorrência de um desvio específico em operações futu-
cando por 100. O resultado é 0,98 ± 4,6%; obviamente, isto inclui ras, embora importantes em Farmácia, requerem métodos que
os erros devidos à remoção dos pós dos envelopes e à pesagem dos estão fora do objetivo deste livro. O leitor interessado pode
pós na análise. consultar tratados sobre análise estatística.
Enquanto que o desvio médio e o desvio-padrão podem
O desvio-padrão é mais usado do que o desvio médio em ser usados como medidas da precisão de um método, a dife-
trabalhos de pesquisa. Para um grande conjunto de dados, ele é rença entre a média aritmética e o valor verdadeiro ou absoluto
expressa o erro que pode ser freqüentemente usado como uma
medida da exatidão do método.
O valor verdadeiro ou absoluto é considerado como a mé-
TABELA 1-10 dia universal μ — ou seja, a média de um conjunto infinita-
ANÁLISE ESTATÍSTICA DA TÉCNICA DE AVIAMENTO DE mente grande — porque se assume que há uma aproximação
PÓS DIVIDIDOS do valor verdadeiro à medida que o tamanho da amostra se
torna progressivamente maior. A média universal não coin-
Massa do Desvio Quadrado cide, contudo, com o valor verdadeiro da quantidade medi-
conteúdo de (ignorando o sinal), do desvio, da nos casos nos quais erros determinados estão inerentes às
pó (g) Xi − X (X i − X )2 medidas.
A diferença entre a média aritmética da amostra e o valor
1,00 0,02 0,0004
verdadeiro dá medida da exatidão de uma operação conhecida
0,98 0,00 0,0000 como o erro médio.
1,00 0,02 0,0004 No Exemplo 1-5, o valor verdadeiro é 1,00 g, a quantidade
1,05 0,07 0,0049 solicitada pelo médico. O erro aparente envolvido no aviamen-
0,81 0,17 0,0289 to desta prescrição é
0,98 0,00 0,0000 E 1 0 − 0 98 0 02 g
1,02 0,04 0,0016
onde o sinal positivo significa que o valor verdadeiro é maior
Total Σ = 6,84 Σ = 0,32 Σ = 0,0362 que o valor médio. Uma análise destes resultados mostra, con-
Média 0,98 0,046 tudo, que esta diferença não é estatisticamente significativa e
30 P ATRICK J. S INKO

que é, mais provavelmente, devida a erros acidentais*. Assim, resultado numa massa média de 0,60 g com um desvio médio
a exatidão na operação no Exemplo 1-5 é suficientemente gran- de 0,5%, os resultados seriam aceitos como sendo precisos. O
de para se assumir a não-ocorrência de algum erro sistemático. grau de exatidão, contudo, seria baixo, porque a massa média
Nós podemos concluir, com uma análise posterior, contudo, que diferiria do valor verdadeiro por 40%. Reciprocamente, o fato
um ou mais dos resultados são questionáveis. Esta possibilidade de um resultado ser exato não significa necessariamente, que ele
será considerada adiante. Se a média aritmética no Exemplo 1-5 seja também preciso. É possível uma situação na qual o valor
fosse 0,90 em vez de 0,98, seria possível dizer que a diferença médio está próximo do valor real, mas a dispersão devida ao
teria significância estatística porque a probabilidade de um re- acaso é grande. Saunders e Fleming8 observaram que “é melhor
sultado destes ocorrer apenas por acaso seria pequena.† ser aproximadamente exato do que precisamente errado”.
O erro médio neste caso seria Um estudo dos valores individuais de um conjunto, fre-
qüentemente ajuda na estimativa da exatidão das operações.
1 00 − 0 90 0 10 g Retornando aos dados do Exemplo 1-5, notamos um valor
O erro relativo é obtido dividindo o erro médio pelo va- algo discordante, a saber, 0,81 g. Se a média aritmética for
lor verdadeiro. Ele pode ser expresso como uma porcentagem, recalculada ignorando esta medida, obtemos uma média de
multiplicando o valor por 100, ou em partes por mil, multipli- 1,01 g. O desvio médio sem o resultado questionável será 0,02
cando o valor por 1000. É mais fácil comparar vários conjun- g. Nós vemos que o resultado divergente é 0,20 g menor que
tos de resultados usando o erro relativo do que o erro absoluto a nova média ou, em outras palavras, seu desvio é 10 vezes
médio. O erro relativo, no caso acima citado é: maior que o desvio médio. Um desvio maior que quatro vezes
o desvio médio ocorreria ao acaso apenas uma ou duas vezes
0 10 g em 1000 medidas; assim, a discrepância neste caso é prova-
× 100 10% velmente causada por algum erro definido na técnica. Estatís-
1 00 g
ticos questionam esta regra, com razão, mas este é um critério
O leitor deve reconhecer que é possível que um resultado útil, embora nem sempre fidedigno, para encontrar resultados
seja preciso sem ser exato, ou seja, um erro constante está pre- discrepantes.
sente. Se os conteúdos das cápsulas no Exemplo 1-5 tivessem Tendo descoberto a variabilidade das massas entre as me-
didas, podemos proceder para investigar as causas dos erros
* O desvio da média aritmética em relação ao valor verdadeiro ou à média da
determinados. O farmacêutico pode concluir que algum pó foi
população de origem pode ser testado pelo uso da seguinte expressão: deixado nos lados do gral ou no papel de pesagem ou, possi-
velmente, foi perdido durante a trituração. Se vários dos pesos
X −1 desviarem grandemente da média, pode-se suspeitar de uma
t √ séria deficiência na técnica do responsável. Apreciações como
s N −1
estas em laboratórios técnicos auxiliam o estudante a localizar
Nesta equação, t é um parâmetro estatístico conhecido como o valor t de Stu-
e corrigir os erros e ajudam o farmacêutico a fazer aviamentos
dent, em homenagem a W. S. Gosset, que escrevia sob pseudônimo de “Stu-
dent”. Os outros termos na equação têm o significado que lhes foi previamente
de modo seguro e eficiente antes de entrar na prática da Farmá-
atribuído. cia. Bingenheimer9 descreve tal programa para estudantes nos
laboratórios de dispensação.
Valor t de Student para seis graus de liberdade
Probabilidade de um desvio positivo ou negativo maior que t
Análise de regressão linear
0,8 0,6 0,4 0,2 0,02 0,001
t valore 0,27 0,55 0,91 1,44 3,14 5,96 Os dados na Tabela 1-7, representados graficamente na Figu-
ra 1-2, indicam claramente a existência de uma relação linear
Substituindo os resultados da análise dos pós divididos na equação dada acima,
entre o índice de refração e a porcentagem em volume do te-
X −1 0 98 − 1 00 0 02 tracloreto de carbono no benzeno. A linha reta que une virtu-
t √ √ 0 61 almente todos os pontos pode ser traçada facilmente na figura,
s N −1 0 08 6 0 033
alinhando os pontos com uma régua e desenhando a linha que
Entrando o valor de t de 0,61 vemos que a probabilidade de encontrar um des- pode ser confiavelmente extrapolada até o eixo y.
vio ± maior que o valor de t é aproximadamente igual a 0,6. Isto significa que Suponhamos, porém, que a pessoa que preparou as soluções
em uma amostragem grande haverá cerca de 60 chances em 100 de encontrar
e realizou as medidas dos índices de refração não era suficien-
um valor de t maior que –0,61 apenas por acaso. Esta probabilidade é suficien-
temente grande para sugerir que a diferença entre a média e o valor verdadeiro temente treinada e, como resultado de sua técnica insuficiente,
pode ser atribuída apenas ao acaso. permitiu o aparecimento de erros indeterminados. Nós podería-
mos, então, nos vermos confrontados com os dados da Tabela
† Se a média fosse 0,90 g, o valor de t seria
1-11. Quando estes dados são representados graficamente num
0 90 − 1 00 −0 10 papel, uma apreciável dispersão é observada (Figura 1-7) e não
t √ 3 podemos, com qualquer grau de segurança, desenhar uma linha
0 08 6 0 033
que expresse a relação entre o índice de refração e a concentra-
e a probabilidade de encontrar um valor de t maior que –3 como resultado ção. É neste ponto que precisamos empregar melhores métodos
apenas do acaso é, de acordo com a tabela, de cerca de 0,02 ou 2 chances em de analisar os dados disponíveis.
100. Esta probabilidade é suficientemente pequena para sugerir que a dife-
A primeira etapa é determinar se os dados na Tabela 1-11
rença entre a média e o valor verdadeiro é real, e o erro deve ser computado
de acordo. podem ser aproximados por uma linha reta, e para isto nós
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 31

Assumindo que os valores calculados de r mostram uma


TABELA 1-11 correlação significativa entre x e y, então é necessário calcular
ÍNDICES DE REFRAÇÃO DE MISTURAS DE BENZENO E a inclinação e o intercepto da linha, usando a equação:
TETRACLORETO DE CARBONO
(x − x)(y − y)
b
Concentração de CCl4 (x) Índice de (x − x)2 (1-32)
(% em volume) refração (y)
na qual b é o coeficiente de regressão, ou inclinação. Substi-
10,0 1,497 tuindo o valor de b na equação (1-33), podemos obter o inter-
26,0 1,493 cepto y:
33,0 1,485 y y b(x − x) (1-33)
50,0 1,478
A seguinte série de cálculos, baseada nos dados da Tabela
61,0 1,477 1-11, irá ilustrar o uso destas equações.

EXEMPLO 1-6
calculamos o coeficiente de correlação, r, usando a seguinte
equação: Usando os dados da Tabela 1-11, calcule o coeficiente de correla-
ção, o coeficiente de regressão e o intercepto com o eixo y.
(x − x)(y − y) Examinando as equações (1-31) até (1-33) mostra-se que os
r
(x − x)2 (y − y)2 (1-31) valores a serem calculados são os seguintes:
x (x − x) (x − x)2
Quando houver uma perfeita correlação entre as duas 10,0 −
variáveis (isto é, uma relação linear perfeita, r = 1. Quando 26,0 −
as duas variáveis forem completamente independentes, r = 33,0 −
0. Dependendo dos graus de liberdade e do nível de proba- 50,0 +
bilidade escolhido, é possível calcular os valores de r acima 61,0 +
dos quais há correlação significativa e abaixo dos quais não = 180 0 =0 = 1606 0
há. Obviamente, no último caso, não é proveitoso proceder x = 36 0
adiante com a análise, a não ser que os dados possam ser re- y (y − y) (y − y)2
presentados graficamente de outro modo para resultar numa +
relação linear. Um exemplo é mostrado na Figura 1-4, no +
qual um gráfico linear é obtido mediante a representação −

gráfica do logaritmo da separação de óleo de uma emulsão −
versus a concentração do agente emulsificante, em oposição = 7 430 =0 = 0 000316
à Figura 1-3, na qual os dados brutos são representados gra- y = 1 486
ficamente de modo convencional. (x − x)(y − y)


+


= −0 690
y Intercepto = 1,502
1,500
Substituindo os valores relevantes na equação (1-31) resulta
em:*
−0 690
Índice de refração

Inclinação = - 4,325 x 10-4 ∗


r √ 0 97
1,490 1606 0 × 0 000316

1,480 * Os valores teóricos de r, quando o nível de probabilidade é fixo em 0,05 são:


Graus de liberdade (N – 2):
Equação da reta
y= - 4,325 x 10–4 + 1,502 2 3 5 10 20 50
Coeficiente de correlação, r:
1,470
0 20 40 60
0 95 0 88 0 75 0 58 0 42 0 27
Tetracloreto de carbono (volume %)
No Exemplo 1-6, (N – 2) = 3 e, portanto, o valor teórico de r é 0,88.
Figura 1-7 Inclinação, intercepto e equação da reta para os dados da Tabela
1-11, calculados por regressão linear. O valor calculado foi 0,97, e a correlação entre x e y é, portanto, significativa.
32 P ATRICK J. S INKO

Da equação (1-32) Nas equações (1-34) e (1-35), y é a variável dependente e


−0 690 a, b, c e d são os coeficientes de regressão obtidos pela resolu-
b 4 296 × 10−4 ção da equação de regressão. Normalmente são usados compu-
1606 0 tadores para resolver estas equações mais complexas, mas al-
e, finalmente, da equação (1-33) gumas calculadoras portáteis, como Hewlett Packard HP41C,
Intercepto no eixo y = 1,486 são programadas para resolver equações de regressão múltipla,
contendo duas ou mais variáveis independentes. O valor de r2
−4 315 × 10−4 (0 − 36) usado nas regressões múltiplas é chamado de o quadrado dos
1 502 coeficientes de correlação múltiplos e, muitas vezes em alguns
Note que para o intercepto, colocamos x igual a zero na textos, se usa o símbolo R2 para distingui-lo de r 2, o quadra-
equação (1-31). Inserindo o valor de x na equação (1-33), ob- do do coeficiente de correlação linear. A análise de regressões
teremos o valor de y que será encontrado neste valor particular múltiplas é tratada por Draper e Smith.10
de x. Assim, quando x = 10,
y 1 486 − 4 315 × 10−4 (10 − 36) Referências
1 486 − 4 315 × 10−4 (−26) 1. S. W. Goldstein, A. M. Mattocks, and U. Beirmacher, J. Am. Pharm.
1 497 Assoc. Pract. Ed. 12, 421, 1951.
2. S. W. Goldstein and A. M. Mattocks, Professional Equilibrium and
Este valor está de acordo com o valor experimental e este Compounding Precision [Livro reimpresso de J. Am. Pharm. Assoc.
ponto encontra-se, conseqüentemente, na reta calculada esta- Pract. Ed. April-August 1951].
tisticamente, desenhada na Figura 1-7. 3. CRC Handbook of Chemistry and Physics, 63rd Ed., CRC Press, Boca
Raton, Fl., 1982–1983, p. D-227.
4. F. Daniels, Mathematical Preparation for Physical Chemistry, McGraw-
Regressão linear múltipla e polinomial Hill, New York, 1928.
5. E. A. Brecht, in Sprowls’ American Pharmacy, L. W. Dittert, Ed., 7th Ed.,
Pode-se fazer regressão para duas, três ou mais variáveis inde- Lippincott, Philadelphia, 1974, Capítulo 2.
pendentes usando a equação linear: 6. W. J. Youden, Statistical Methods for Chemists, R. Krieger, Huntington,
y a bx1 cx2 d x3 (1-34) N.Y., 1977, p. 9.
7. S. W. Goldstein, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 38, 18, 131, 1949; 39,
Para uma série de potências em x, uma forma polinomial 505, 1950.
é empregada: 8. L. Saunders and R. Fleming, Mathematics and Statistics, Pharmaceutical
Press, London, 1957.
y a bx cx 2 dx3 (1-35) 9. L. E. Bingenheimer, Am. J. Pharm. Educ. 17, 236, 1953.
10. N. Draper and H. Smith, Applied Regression Analysis, Wiley,
NewYork,1980.
1
2 ESTADOS DA MATÉRIA
3 TERMODINÂMICA
PRINCÍPIOS BÁSICOS

4 DETERMINAÇÃO DAS PROPRIEDADES FÍSICAS DAS


MOLÉCULAS
1
2
2 ESTADOS DA MATÉRIA

FORÇAS DE LIGAÇÃO ENTRE MOLÉCULAS O ESTADO LÍQUIDO CRISTALINO


Forças repulsivas e atrativas Estrutura e propriedades dos cristais líquidos
Forças de van der Waals
Superposição de orbitais PROPRIEDADES E IMPORTÂNCIA DOS
Forças íon-dipolo e íon-dipolo induzido CRISTAIS LÍQUIDOS
Interações íon-íon O ESTADO DE FLUIDO SUPERCRÍTICO
Ligações de hidrogênio
Energias de ligação ANÁLISE TÉRMICA
Calorimetria diferencial de varredura
ESTADOS DA MATÉRIA
Análise térmica diferencial
O ESTADO GASOSO Análises termogravimétrica e termomecânica
A lei dos gases ideais O método de Karl Fisher
Massa molecular Análise de sorção e dessorção de vapor
Teoria cinética molecular
A equação de van der Waals para gases reais EQUILÍBRIO DE FASES E A REGRA DAS FASES
A regra das fases
O ESTADO LÍQUIDO Sistemas contendo um componente
Liquefação de gases
Métodos de liquefação SISTEMAS CONDENSADOS
Aerossóis Sistemas de dois componentes contendo fases
Pressão de vapor de líquidos líquidas
Equação de Clausius-Clapeyron: calor de vaporização Sistemas de dois componentes contendo fases
Ponto de ebulição sólidas e líquidas: misturas eutéticas
SÓLIDOS E O ESTADO CRISTALINO Dispersões sólidas
Sólidos cristalinos Equilíbrio de fases em sistemas de três componentes
Polimorfismo Regras relacionadas a diagramas triangulares
Solvatos Sistemas ternários com um par de líquidos
Sólidos amorfos parcialmente miscíveis
Difração de raios X Efeito da temperatura
Ponto de fusão e calor de fusão Sistemas ternários com dois ou três pares de
Ponto de fusão e forças intermoleculares líquidos parcialmente miscíveis

Ao concluir este capítulo, o equação de Clausius-Clapeyron, calores de fusão e ponto


OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: de fusão e as equações da regra das fases.
1 Compreender a natureza das forças intra e intermolecula- 6 Compreender as propriedades dos diferentes estados da
res envolvidas na estabilização de estruturas moleculares matéria.
e físicas. 7 Descrever a relevância farmacêutica dos diferentes esta-
2 Compreender as diferenças entre essas forças e sua rele- dos da matéria para os sistemas de liberação de fármacos,
vância em diferentes tipos de moléculas. com referência a exemplos específicos dados em caixas
3 Discutir estados supercríticos para ilustrar a utilidade de de texto.
fluidos supercríticos para a cristalização e formulações de 8 Descrever estado sólido, cristalinidade, solvatos e poli-
microparticulados. morfismo.
4 Perceber as diferenças entre as magnitudes das forças in- 9 Descrever e discutir técnicas-chave utilizadas para a carac-
termoleculares que são responsáveis pela estabilidade das terização de sólidos.
estruturas nos diferentes estados da matéria. 10 Reconhecer e elucidar a relação entre calorimetria dife-
5 Realizar cálculos envolvendo a lei dos gases ideais, mas- rencial de varredura, termogravimetria, análises de Karl
sas moleculares, pressão de vapor, pontos de ebulição, Fisher e análises de sorção na determinação de polimorfos
teoria cinética molecular, gases reais de van der Waals, a versus solvatos.
36 P ATRICK J. S INKO

11 Compreender o equilíbrio de fases e as transições de fases


entre os três principais estados da matéria.
12 Compreender a regra das fases e sua aplicação a diferentes Repulsão
sistemas contendo múltiplos componentes.

Energia

Líquida
FORÇAS DE LIGAÇÃO ENTRE MOLÉCULAS Distância

Para que as moléculas existam como agregados em gases,


líquidos e sólidos, devem existir forças intermoleculares. A
compreensão das forças intermoleculares é importante no
estudo de sistemas farmacêuticos e segue de modo lógico a Atração
partir de uma discussão detalhada das energias de ligação in-
tramoleculares. Assim como as energias de ligação intramo-
leculares encontradas em ligações covalentes, as ligações in-
Figura 2-1 Energias repulsivas e atrativas e energia líquida em função da
termoleculares são fortemente governadas por interações de
distância entre as moléculas. Note que ocorre um mínimo na energia líquida
orbitais de elétrons. A diferença-chave é que a covalência não
por causa do caráter diferente das curvas de atração e repulsão.
se estabelece no estado intermolecular. Coesão, ou atração
entre moléculas iguais, e adesão, ou atração entre molécu-
las diferentes, são manifestações de forças intermoleculares.
Repulsão é uma reação entre duas moléculas que as força a eletrônicas negativamente carregadas são responsáveis, em
se afastarem. Para que as moléculas interajam, é necessário grande medida, pelo balanço (equilíbrio) de forças entre as
que essas forças estejam balanceadas em um arranjo energe- duas moléculas. Quando as moléculas são colocadas tão pró-
ticamente favorável. Em resumo, o termo energeticamente ximas que suas nuvens exteriores de carga se tocam, elas se
favorável é usado para descrever distâncias intermoleculares repelem como corpos elásticos rígidos.
e conformações intramoleculares nas quais a energia de in- Assim, as forças atrativas são necessárias para haver coe-
teração é minimizada com base no balanço entre as forças são das moléculas, enquanto que as repulsivas agem no sentido
atrativas e repulsivas. Nesse ponto, se as moléculas são mo- de prevenir a interpenetração e aniquilação mútua. Moelwyn-
vidas levemente em qualquer direção, a estabilidade da inte- Hughes1 apontou para uma analogia entre o comportamento
ração é modificada, seja pelo decréscimo da atração (quando humano e os fenômenos moleculares: assim como as ações dos
as moléculas se movem para uma posição mais distante umas humanos são freqüentemente influenciadas por um conflito de
das outras), ou pelo acréscimo da repulsão (quando se movem lealdades, também o comportamento molecular é governado
uma em direção da outra). por forças atrativas e repulsivas.
O conhecimento dessas forças e de seu balanço (equilí- A repulsão é devida à interpenetração das nuvens eletrô-
brio) é importante para compreender não apenas as proprie- nicas das moléculas e aumenta exponencialmente com a dimi-
dades de gases, líquidos e sólidos, mas também fenômenos nuição da distância entre elas. A certa distância de equilíbrio,
interfaciais, floculação em suspensões, estabilização de emul- cerca de (3 a 4) × 10-8 cm (3–4 angstrom), as forças atrativas
sões, compactação de pós em cápsulas, dispersão de pós e e repulsivas são iguais. Nessa posição, a energia potencial das
gotículas de líquido em aerossóis e compressão de grânu- duas moléculas é um mínimo e o sistema é o mais estável
los para formarem comprimidos. Com o rápido crescimen- (Figura 2-1). Este princípio do mínimo na energia potencial
to dos produtos derivados da biotecnologia, é importante ter se aplica não apenas a moléculas, mas também a átomos e a
em mente que propriedades são fundamentais na influência objetos macroscópicos. O efeito da repulsão na estrutura in-
das estruturas secundária, terciária e quaternária de sistemas termolecular tridimensional de uma molécula é bem-ilustrado
biomoleculares (p. ex., proteínas, DNA, etc.) e que têm uma considerando a conformação dos dois grupos metila terminais
profunda influência na estabilidade desses produtos durante a no butano, no qual eles estão energeticamente favorecidos na
produção, a formulação e o armazenamento. Discussões a res- conformação trans, devido à minimização das forças repulsi-
peito de produtos biomoleculares serão limitadas neste texto, vas. É importante notar que o arranjo dos átomos em um es-
mas há correlações entre agentes terapêuticos de moléculas tereoisômero particular resulta na configuração da molécula.
pequenas e de grandes biomoléculas devido à universalidade Por outro lado, a conformação se refere aos diferentes arran-
dos princípios físicos da química. jos dos átomos resultantes de rotações em torno das ligações
simples.
Os vários tipos de forças intermoleculares atrativas serão
Forças repulsivas e atrativas discutidos nas subseções seguintes.
Quando as moléculas interagem, operam ambas as forças re-
pulsivas e atrativas. Quando se aproximam dois átomos ou Forças de van der Waals
moléculas, as cargas e forças de ligação opostas das duas mo-
léculas encontram-se mais próximas do que as cargas e forças As forças de van der Waals estão relacionadas às interações
similares, causando uma atração mútua entre elas. As nuvens não-iônicas entre as moléculas, porém elas envolvem inte-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 37

CONCEITO FORÇAS DE VAN DER WAALS


Dipolo permanente Forças de Keesom Forças de Debye Forças de London

δ− Sem interação Sem interação


O
δ+ δ− δ+ δ−

δ+ δ−
N C
Indução Indução
δ+ δ− δ+ δ−
H
δ+ δ− δ+ δ−
Interação Interação
δ+ δ−

Interações de van der Waals são forças fracas que envolvem uma disper- semelhante a íons. Contudo, uma vez que as cargas são parciais, a força
são da carga ao longo da molécula chamada dipolo. Num dipolo perma- da ligação é muito menor. As forças de Debye mostram a capacidade de
nente, como ilustrado na ligação peptídica, o oxigênio eletronegativo puxa um dipolo permanente em polarizar a carga em uma molécula vizinha. Nas
o par de elétrons da ligação dupla carbono-oxigênio para perto do núcleo forças de London, duas moléculas neutras vizinhas, por exemplo, hidro-
de oxigênio. A ligação torna-se, então, polarizada, devido ao fato de que o carbonetos alifáticos, induzem distribuições de carga parcial. Levando-se
átomo de oxigênio atrai fortemente o par isolado do nitrogênio em direção em consideração as cadeias alifáticas no núcleo lipídico de uma membra-
ao átomo de carbono, gerando, dessa forma, uma ligação dupla parcial. na, como uma membrana biológica ou um lipossoma, podemos imaginar
Finalmente, para compensar a valência, o átomo de nitrogênio puxa o par as cadeias vizinhas no interior como induzindo uma rede dessas cargas
eletrônico envolvido na ligação nitrogênio-oxigênio para si e cria uma parciais, de modo a manter o interior intacto. Sem essa polarização, o
carga parcial positiva no hidrogênio. Isso afeta bastante a estrutura das interior da membrana seria desestabilizado e as bicamadas lipídicas se
proteínas, o que está, porém, além do objetivo desta discussão. Nas for- romperiam. Assim, as forças de London são responsáveis pela fluidez e
ças de Keesom, os dipolos permanentes interagem mutuamente de modo pela coesão da membrana sob condições fisiológicas normais.

rações carga-carga (ver a caixa de conceito sobre forças de As interações eletrostáticas fracas mediante as quais molé-
van der Waals). Na química orgânica são introduzidas várias culas não-polares, como hidrogênio gasoso, tetracloreto de car-
reações, como substituições nucleofílicas, nas quais uma mo- bono ou benzeno, atraem umas as outras, foram reconhecidas
lécula pode possuir uma carga parcial positiva e ser atrativa pela primeira vez por London, em 1930. As forças de dispersão
para a interação com um reagente nucleofílico com carga ne- ou forças de London são suficientes para levar à condensação
gativa parcial. Essas cargas parciais podem ser permanentes de moléculas de gases não-polares de modo a formar líquidos e
ou induzidas por grupos vizinhos, e elas refletem a polaridade sólidos, quando as moléculas encontram-se próximas umas das
da molécula. A recíproca pode ser verdadeira para reagen- outras. Em todos os três tipos de forças de van der Waals, a ener-
tes eletrofílicos. Isso será ilustrado no Capítulo 4, no qual o gia potencial de interação varia inversamente com a distância de
conceito de medidas de constante dielétrica será discutido em separação, r, elevada à sexta potência, r6. A energia potencial
detalhes. A presença de polaridades em moléculas pode ser de repulsão varia de modo mais rápido com a distância, como
similar àquelas observadas em ímãs. Por exemplo, moléculas mostrado na Figura 2-1. Isso leva a um mínimo na energia po-
dipolares freqüentemente tendem a se alinhar com seus vizi- tencial, com uma distância de equilíbrio correspondente, re.
nhos, de modo que o pólo negativo de uma molécula aponte Uma boa analogia conceitual para ilustrar este ponto é a
para o pólo positivo da próxima. Assim, grandes grupos de interação entre pólos opostos de ímãs (Figura 2-2). Se dois
moléculas podem estar associados mediante interações fracas ímãs de mesmo tamanho são colocados próximos, em uma
conhecidas como interações dipolo-dipolo ou forças de Kee- mesa, de modo que os pólos opostos se sobrepõem comple-
som. Dipolos permanentes são capazes de induzir um dipolo tamente, a interação resultante será atrativa e corresponde à
elétrico em moléculas apolares (facilmente polarizáveis) para configuração mais favorecida energeticamente (Figura 2-2a).
produzir interações dipolo-dipolo induzido, ou forças de De- Se deslizarmos os ímãs de modo a sobrepor regiões de pólos
bye, e moléculas apolares podem induzir mutuamente uma iguais (Figura 2-2b), surgirá uma repulsão e uma força que
polaridade pelas interações dipolo induzido-dipolo induzido empurrará os pólos de volta à configuração mais favorecida
ou forças de London. Esta última merece aqui alguns comen- (Figura 2-2a). Contudo, deve ser notado que as forças atra-
tários adicionais. tivas (sobreposição de pólos opostos) e repulsivas (sobrepo-
38 P ATRICK J. S INKO

TABELA 2-1
FORÇAS INTERMOLECULARES E LIGAÇÕES DE VALÊNCIA
Energia de ligação
(aprox.) (kcal/
Tipo de ligação mol)

Forças de van der Waals e outras atrações intermoleculares


Interação dipolo-dipolo, efeito de orientação ou força de Keesom
Interação dipolo-dipolo induzido, efeito de indução ou força de Debye 1–10
Interação dipolo induzido-dipolo induzido, efeito de dispersão ou força de London
Interação íon-dipolo
Ligações de hidrogênio: O–H· · ·O 6
C–H· · ·O 2–3
O–H· · ·N 4–7
N–H· · ·O 2–3
F–H· · ·F 7
Ligações primárias de valência
Eletrovalente, iônica, heteropolar 100–200
Covalente, homopolar 50–150

sição de pólos iguais) coexistem. Se os pólos de mesmo sinal fenômeno tem sido bastante estudado em proteínas, nas quais
são colocados em proximidade um do outro, a força resultan- o stacking de 50 a 60% das cadeias laterais aromáticas pode,
te é completamente repulsiva (Figura 2-2c). freqüentemente, contribuir para a energia de estabilização de
As diversas interações listadas na Tabela 2-1, conhecidas estruturas secundárias e terciárias (intramolecular) e mesmo
como forças de van der Waals,∗ são associadas à condensação participar na estabilização de interações quaternárias (inter-
de gases, à solubilidade de alguns fármacos (Capítulo 10), à molecular). O stacking aromático pode também ocorrer no
formação de alguns complexos metálicos e compostos mole- estado sólido e foi identificado inicialmente como uma força
culares de adição (Capítulo 11) e a certos processos biológicos de estabilização da estrutura de cristais orgânicos pequenos. É
e ação de fármacos. As energias associadas às ligações quími- importante ressaltar que, devido à natureza dessas interações,
cas são incluídas para comparação. a repulsão também é bastante plausível e pode ser desestabi-
lizante se o balanço das forças atrativas for modificado. Pares
isolados de elétrons em átomos como oxigênio podem também
Sobreposição de orbitais interagir com orbitais pi aromáticos e levar a interações atrati-
vas ou repulsivas. Essas interações têm natureza dipolo-dipolo
Uma importante força dipolo-dipolo em sistemas é a interação e são introduzidas para ressaltarmos sua importância. Estudan-
entre os orbitais de elétrons pi. Por exemplo, interações aro- tes podem encontrar informações adicionais sobre o assunto
mático-aromático podem ocorrer quando houver sobreposição no excelente artigo de revisão de Meyer e colaboradores.3
de orbitais pi das ligações duplas dos dois anéis (Figura 2-3)2.
Anéis aromáticos possuem natureza dipolar, tendo uma carga
parcial negativa na nuvem de elétrons dos orbitais pi acima (a) (b)
e abaixo do anel e cargas parciais positivas residindo nos hi-
drogênios equatoriais, como mostrado na Figura 2-3a. Assim,
uma interação dipolo-dipolo pode ocorrer entre duas moléculas
aromáticas. De fato, em certas geometrias as interações aro-
máticas podem estabilizar interações intra ou intermoleculares
(Figura 2-3b e c), com a maior energia de interação ocorren-
do quando os anéis estão quase perpendiculares entre si.2 Esse

(c)
∗ O termo forças de van der Waals é freqüentemente usado de modo pouco ri- denota atração
goroso. Às vezes, todas as combinações de forças intermoleculares entre íons,
dipolos permanentes e dipolos induzidos são chamadas de forças de van der ou denota repulsão
Waals. Por outro lado, a força de London é, às vezes, chamada de força de van
der Waals porque leva em conta as atrações entre moléculas não-polares, como
expresso pelo termo a/V2 na equação dos gases de van der Waals. Neste livro,
as três forças dipolares de Keesom, Debye e London são chamadas de forças
de van der Waals. As outras forças, como a interação íon-dipolo ou as ligações
de hidrogênio (que possuem características similares tanto às forças iônicas Figura 2-2 Interações (a) atrativas, (b) parcialmente repulsivas, e (c) comple-
quanto às dipolares) são designadas apropriadamente, quando necessário. tamente repulsivas entre dois ímãs postos em contato.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 39

Um desequilíbrio na razão entre prótons e elétrons dá origem


a um estado carregado, e a valência determinará se a espécie
é catiônica ou aniônica. As interações íon-íon são normalmen-
te vistas do ponto de vista das forças atrativas: um cátion em
um composto interage com um ânion em um outro compos-
to, dando origem a uma associação intermolecular. Interações
íon-íon também podem ser repulsivas quando dois íons de car-
gas iguais são postos em proximidade um do outro. A repulsão
entre as cargas iguais se origina da sobreposição da nuvem de
elétrons, a qual leva a um aumento das distâncias intermole-
culares, resultando em uma dispersão energeticamente favo-
recida das moléculas.* A ilustração dos pólos magnéticos na
Figura 2-2 oferece um excelente corolário para a compreen-
são das interações atrativas catiônica (pólo positivo) e aniônica
(pólo negativo) (painel A), bem como para a necessidade de
uma distância adequada para uma interação eletrovalente ener-
geticamente favorecida (painéis A e B), e as forças repulsivas
Figura 2-3 Esquema mostrando (a) a natureza dipolar de um anel aromáti- que podem ocorrer entre cargas iguais (painéis B e C). As inte-
co, (b) seu ângulo preferido de interações aromáticas entre 60 e 90°, e (c) a rações íon-íon podem ser intermoleculares (p. ex., num cloreto
interação planar menos preferida de anéis aromáticos. Embora encontradas de um fármaco) ou intramoleculares (p. ex., uma interação do
tipicamente em proteínas, essas interações podem estabilizar também ou- tipo ponte salina entre contra-íons em proteínas).
tras substâncias e estados da matéria. Veja o excelente artigo de revisão a Claramente, a intensidade das interações íon-íon deve variar
respeito deste assunto, com enfoque no reconhecimento biológico, feito por de acordo com o balanço de forças atrativas e repulsivas entre es-
Meyer e colaboradores.3 pécies contendo cátions e ânions. É importante ter em mente que
as interações íon-íon são consideravelmente mais fortes do que
muitas das forças descritas nesta seção e, quando uma ligação
iônica é formada, podem até ser mais fortes do que uma ligação
Forças íon-dipolo e íon-dipolo induzido covalente. A intensidade das interações íon-íon tem um profundo
efeito em várias propriedades físicas de agentes farmacêuticos,
Além das interações dipolares conhecidas como forças de van incluindo seleção da forma salina, hábito cristalino, solubilidade
der Waals, ocorrem outras atrações entre moléculas polares ou (Capítulo 10), dissolução (Capítulo 13), determinação de pH e
apolares e íons. Esses tipos de interação permitem explicar, em pK (Capítulo 9), e estabilidade de soluções (Capítulo 15).
parte, a solubilidade de substâncias iônicas cristalinas em água
(Capítulo 10); o cátion, por exemplo, atrai o átomo de oxigê-
nio relativamente negativo da água e o ânion atrai o átomo de Ligações de hidrogênio
hidrogênio das moléculas dipolares de água. Presumivelmente,
as forças íon-dipolo induzido estão presentes na formação do A interação entre uma molécula contendo um átomo de hidro-
complexo de iodeto: gênio e um átomo fortemente eletronegativo como flúor, oxi-
gênio ou nitrogênio é de grande interesse. Devido ao pequeno
I2 K I− K I3 − (2-1)
tamanho do átomo de hidrogênio e ao seu grande campo ele-
A reação (2-1) explica a solubilidade do iodo numa so- trostático, ele pode mover-se para a proximidade de um átomo
lução de iodeto de potássio. Esse efeito pode claramente in- eletronegativo e formar uma união de tipo eletrostático conhe-
fluenciar a solubilidade de um soluto e pode ser importante no cida como ligação de hidrogênio ou ponte de hidrogênio. Essa
processo de dissolução (Capítulo 13). ligação, descoberta por Latimer e Rodebush4 em 1920, existe no
gelo e na água líquida. Ela é responsável por muitas das proprie-
dades não-usuais da água, incluindo a alta constante dielétrica,
Interações íon-íon a anormalmente baixa pressão de vapor e o elevado ponto de
ebulição. A estrutura do gelo é uma rede tridimensional aberta,
Outra importante interação que envolve carga é a interação porém bem ordenada, de tetraedros regulares com o oxigênio no
íon-íon. Uma ligação iônica, eletrovalente, entre dois contra- centro de cada tetraedro e os átomos de hidrogênio nos quatro
íons, é a interação de ligação mais forte e pode persistir na vértices. Os hidrogênios não estão exatamente eqüidistantes dos
distância mais longa. Existem, contudo, interações íon-íon oxigênios, como pode ser observado na Figura 2-4. Cerca de
mais fracas, em particular a formação de sais, que podem um sexto das ligações de hidrogênio do gelo é rompida quan-
influenciar sistemas farmacêuticos. Esta seção foca as mais do a água passa para o estado líquido, e essencialmente todas
fracas. As interações íon-íon de sais e formas salinas já foram as ligações de hidrogênio são destruídas quando essa vaporiza.
discutidas amplamente em cursos anteriores de Química Ge- Ligações de hidrogênio ocorrem também entre moléculas de ál-
ral e Química Orgânica, porém serão brevemente revisadas coois, ácidos carboxílicos, aldeídos, ésteres e polipeptídeos.
neste texto.
Sabe-se que os íons formam-se devido a mudanças de va-
lência em um átomo. Sob condição de neutralidade, o número * N. de T.: Aparentemente o autor confunde a repulsão eletrostática de longo
alcance entre cargas iguais com a repulsão de curto alcance, causada pela
de prótons e o número de elétrons em um átomo são iguais.
sobreposição das nuvens elétricas.
40 P ATRICK J. S INKO

TABELA 2-2
ENERGIAS ASSOCIADAS A INTERAÇÕES MOLECULARES E
Fluoreto de hidrogênio
IÔNICAS
Ácido fórmico, dímero
Interação (kcal/mol)
Energias
Composto Orientação Indução Dispersão totais

H2O 8,69 0,46 2,15 11,30


HCl 0,79 0,24 4,02 5,05
Ácido salicílico mostrando as ligações HI 0,006 0,027 6,18 6,21
de hidrogênio intra e intermoleculares
NaCl — — 3,0 183
Água

valência primária, será mencionada em conexão com sólidos


cristalinos.
As energias associadas às forças intermoleculares de diver-
sos compostos são mostradas na Tabela 2-2. Observa-se que as
energias totais de interação entre as moléculas são constituídas
de uma combinação de efeitos de orientação, indução e disper-
são. A natureza das moléculas determina qual desses fatores
é o mais influente na atração. Na água, substância altamente
polar, a orientação ou interação dipolo-dipolo predomina sobre
as outras duas forças, e a solubilidade de fármacos em água é
influenciada principalmente pela energia de orientação ou in-
teração de dipolo. No cloreto de hidrogênio, a molécula tem
Camada de moléculas de ácido bórico em um cristal. um caráter iônico de cerca de 20%, e o efeito de orientação é
As moléculas estão unidas por pontes de hidrogênio ainda significativo, mas as forças de dispersão contribuem em
grande medida para a interação total entre as moléculas. O io-
Figura 2-4 Estruturas representativas de ligações de hidrogênio.
deto de hidrogênio é predominantemente covalente, sendo sua
atração intermolecular fornecida principalmente pelas forças
de London ou de dispersão. O cristal iônico de cloreto de sódio
As ligações de hidrogênio dos ácidos fórmico e acético foi incluído na Tabela 2-2 para comparação, a fim de mostrar
são suficientemente fortes a ponto de resultar em dímeros que sua estabilidade, refletida em sua grande energia total, é
(duas moléculas unidas), que podem existir mesmo na fase muito maior que a dos agregados moleculares, e apesar disso
vapor. O fluoreto de hidrogênio no estado vapor existe como as forças de dispersão existem em tais compostos iônicos do
um polímero com ligações de hidrogênio (F—H... )n, onde mesmo modo que nas moléculas.
n pode ter valores de até 6. Isso é, em grande parte, devido
à alta eletronegatividade do átomo de flúor interagindo com
o átomo de hidrogênio eletropositivo, positivamente carre- ESTADOS DA MATÉRIA
gado (uma interação análoga à íon-íon). Várias estruturas
envolvendo ligações de hidrogênio são mostradas na Figura Gases, líquidos e sólidos cristalinos são os três estados da ma-
2-4. As linhas tracejadas representam ligações de hidrogê- téria ou fases primárias. As moléculas, átomos e íons no estado
nio. Deve ser notado que ocorrem tanto ligações de hidrogê- sólido se mantêm em grande proximidade pelas forças inter-
nio intramoleculares como intermoleculares (como no ácido moleculares, interatômicas ou iônicas. Os átomos no sólido
salicílico). podem oscilar apenas em torno de posições fixas. À medida
que se eleva a temperatura de uma substância sólida, os átomos
adquirem energia suficiente para romper o arranjo ordenado
Energias de ligação da rede e passar para a forma líquida. Finalmente, quando é
fornecida energia suficiente, os átomos ou moléculas passam
Energias de ligação servem como medida da intensidade das para o estado gasoso. Sólidos com elevada pressão de vapor,
ligações. Ligações de hidrogênio são relativamente fracas, como iodo e cânfora, podem passar diretamente do estado sóli-
tendo uma energia de ligação de cerca de 2 a 8 kcal/mol, do ao gasoso sem fusão à temperatura ambiente. Esse processo
comparada com um valor de cerca de 50 a 100 kcal para li- é conhecido como sublimação, e o processo reverso, ou seja,
gação covalente e de até mais de 100 kcal para a ligação iô- a condensação do estado sólido, pode ser chamado de deposi-
nica. A ligação metálica, representando um terceiro tipo de ção. A sublimação não será abordada em detalhes aqui, mas é
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 41

CONCEITO SUBLIMAÇÃO NA SECAGEM POR CONGELAMENTO (LIOFILIZAÇÃO)


A secagem por congelamento (liofilização) é amplamente usada na primário, que é conduzido a baixa temperatura, aplica-se vácuo, a água
indústria farmacêutica de produção de fármacos sensíveis ao calor. sublima para a forma de vapor e é removida do sistema, deixando um
A liofilização é a técnica comercial mais comum para obter um pó este- pó com alto conteúdo de água (a água residual é mais fortemente liga-
rilizado. Isso é particularmente válido para formulações injetáveis, nas da ao pó sólido); (e) a temperatura é elevada (mas ainda se mantém o
quais o fármaco em suspensão pode sofrer uma degradação rápida em estado congelado) para fornecer mais energia ao sistema, e um ciclo
solução e, portanto, prefere-se a forma seca, em pó. Muitas formula- secundário de liofilização é conduzido sob vácuo para retirar mais da
ções de proteínas são também preparadas como pós liofilizados para água firmemente ligada; e (f) as tampas são então comprimidas nos
prevenir processos de instabilidade química e física, que ocorrem mais frascos para selá-los e os pós são deixados num container selado a
rapidamente em solução do que no estado sólido. Como o seu nome vácuo sem troca de ar. Esses frascos são subseqüentemente selados
implica, a liofilização é um processo no qual o fármaco, em suspensão com uma tampa metálica que é colocada in situ. É importante notar
em água, é congelado e então seco por um processo de sublimação. Os que freqüentemente há água residual nos pós depois de se comple-
seguintes processos costumam ser seguidos na liofilização: (a) O fár- tar a liofilização. Além disso, se as tampas não forem herméticas, a
maco é preparado em uma formulação de um tampão estéril e coloca- umidade pode entrar nos frascos e fazer com que os pós absorvam
do num frasco (é importante notar que há diferentes tipos disponíveis água atmosférica (a medida da capacidade de um material em pó ou
de frascos e esses tipos podem ter efeitos distintos na estabilidade sólido absorver água é chamada de higroscopia), o que pode levar a
de soluções, conforme será visto no Capítulo 10); (b) uma tampa com uma maior instabilidade. Alguns pós liofilizados são tão higroscópicos
ranhuras é parcialmente inserida no frasco, sendo colocada de tal for- a ponto de absorver água suficiente para formar uma solução. Isso é
ma que o ar pode entrar e sair do frasco; (c) os frascos são postos em chamado de deliqüescência e é comum em pós liofilizados. Uma vez
bandejas, cubetas ou cápsulas e colocados em um liofilizador, que co- que a água é removida por sublimação e o composto não cristaliza, o
meça o congelamento inicial; (d) quando se completa o congelamento pó residual é amorfo.

muito importante no processo de secagem por congelamento A lei dos gases ideais
(liofilização), conforme detalhado brevemente na caixa de tex-
to de conceito sobre sublimação na liofilização. Os estudantes podem recordar, a partir da Química Geral,
Determinadas moléculas freqüentemente exibem uma que as leis dos gases formuladas por Boyle, Charles e Gay-
quarta fase, mais propriamente denominada uma mesofase Lussac referem-se a uma situação ideal, na qual não há in-
(do grego mesos, meio), que se situa entre os estados líqui- terações intermoleculares e as colisões são perfeitamente
do e cristalino. Esse estado, chamado de cristal líquido, será elásticas. Assim, não há troca de energia quando das coli-
posteriormente discutido. Fluidos supercríticos também são sões. A idealidade permite que se façam certas suposições
considerados uma mesofase; neste caso, trata-se de um es- para derivar essas leis. A lei de Boyle relaciona o volume
tado de matéria que existe sob alta pressão e temperatura e a pressão de uma dada massa de um gás a temperatura
e que possui propriedades intermediárias entre aquelas dos constante,
líquidos e dos gases. Fluidos supercríticos serão discutidos 1
adiante devido à sua crescente utilização no processamento P∝
V
de agentes farmacêuticos. ou
PV k (2-2)
A lei de Gay-Lussac e Charles afirma que o volume e a
O ESTADO GASOSO temperatura de uma dada massa de um gás a pressão constante
são diretamente proporcionais,
Devido ao movimento rápido e vigoroso e às resultantes coli- V ∝T
sões, as moléculas de um gás viajam em percursos aleatórios e ou
colidem não apenas entre si, mas também com as paredes do re-
V kT (2-3)
cipiente no qual se encontram confinadas. Assim, elas exercem
uma pressão – força por unidade de área – expressa em dina/ Essas equações podem ser combinadas para resultar na re-
cm2. A pressão também pode ser registrada em atmosferas ou lação familiar:
em milímetros de mercúrio com o uso do barômetro na medida P1 V1 P2 V2
da pressão. Outra importante característica de um gás, o seu (2-4)
T1 T2
volume, é usualmente expressa em litros ou centímetros cúbi-
cos (1 cm3 = 1 mL). A temperatura envolvida nas equações dos Na equação (2-4), P1, V1 e T1 são os valores sob um con-
gases é dada na escala absoluta ou Kelvin. Zero grau na escala junto de condições e P2, V2 e T2 são os valores sob outro con-
centígrada (Celsius) é igual a 273,15 kelvin (K). junto de condições.
42 P ATRICK J. S INKO

EXEMPLO 2-1 atm = 1,0133 × 106 dina/cm2) e o volume correspondente em


unidades de cm3 (22,414 litros = 22,414 cm3). Então,
O efeito de variações da pressão no volume de um gás
ideal PV 1 0133 × 106 × 22 414
R
No ensaio do espírito* de nitrito de etila, o óxido nítrico gasoso T 273 16
que é liberado de uma quantidade definida da solução e coletado 8 314 × 106 erg/mol K
numa bureta de gases ocupa um volume de 30,0 mL, a uma tem-
ou, uma vez que 1 joule = 107 erg,
peratura de 20 °C e uma pressão de 740 mmHg. Assumindo que o
gás é ideal, qual é o volume a 0 °C e 760 mmHg? R 8 314 joule/mol K
Teremos:
A constante também pode ser expressa em cal/mol K, em-
740 × 30 0 760 × V2
= pregando o equivalente 1 cal = 4,184 joules:
273 + 20 273
8 314 joule/mol K
V2 = 27 2 mL R 1 987 cal/mol K
4 184 joule cal

Da equação (2-4), pode-se ver que PV/T sob um conjunto Sempre se deve ter muito cuidado para usar o valor de R
de condições é igual a PV/T sob outro conjunto de condições, coerente com as unidades apropriadas sob consideração em
e assim por diante. Assim, é possível inferir que, embora P, V e cada problema. Em problemas de lei de gases, R é usualmente
T variem, a razão PV/T é constante e pode ser expressa mate- expresso em atm L/mol K, enquanto que em cálculos termo-
maticamente como dinâmicos, ele costuma aparecer em unidades de J/mol K ou
PV cal/mol K.
R
T
EXEMPLO 2-2
ou
PV RT (2-5) Cálculo do volume usando a lei dos gases ideais.
Qual é o volume de 2 móis de um gás ideal a 25 °C e 780 mm Hg?
onde R é o valor constante para a razão PV/T de um gás ideal.
Essa equação é correta apenas para 1 mol (ou seja, uma massa (780 mm 760 mm atm−1 ) × V =
molecular em gramas) do gás. Para n móis, torna-se
2 móis× (0 08205 litro atm mol K ) × 298 K
PV n RT (2-6) V = 47 65 litros
A equação (2-6) é conhecida como a lei geral dos gases
ideais e, uma vez que ela relaciona as condições específicas ou
de estado, isto é, pressão, volume e temperatura para uma dada Massa molecular
massa de um gás, é chamada de equação de estado de um gás
ideal. Gases reais não interagem sem troca de energia e, por- A massa molecular aproximada de um gás pode ser determi-
tanto, não seguem as leis de Boyle e de Gay-Lussac e Charles, nada usando-se a lei dos gases ideais. O número de móis, n,
como se assume que sigam os gases ideais. Esse desvio será é substituído pelo seu equivalente g/M, onde g é a massa em
considerado numa seção posterior. gramas do gás e M é a sua massa molecular:
A constante molar dos gases R é muito importante na g
físico-química. Ela aparece em diversas relações na eletro- PV RT (2-7)
M
química, teoria das soluções, química dos colóides e outros
campos, além de constar das leis dos gases ideais. Para se ou
obter um valor numérico para R, vamos proceder do seguin- g RT
te modo: se 1 mol de um gás ideal for escolhido, sabe-se M (2-8)
PV
que seu volume experimental, sob condições normais de
temperatura e pressão (CNTP) (i.e., a 0 °C e 760 mm Hg)
é de 22,414 litros. Substituindo esse valor na equação (2-6), EXEMPLO 2-3
obtemos:
Determinação de massa molecular pela lei dos gases ideais
1 atm × 22 414 litros 1 mol × R × 273 16 K
Se 0,30 g de álcool etílico no estado vapor ocupam 200 mL a uma
pressão de 1 atm e a uma temperatura de 100 °C, qual é a massa
R 0 08205 litro atm/mol K molar do álcool etílico? Assuma que o vapor se comporte como
A constante molar dos gases pode também ser dada em um gás ideal. Assim, teremos que:
unidades de energia, expressando a pressão em dina/cm2 (1 0 30 × 0 082 × 373
M=
1×0 2
* N. de T.: Espírito refere-se a uma solução alcoólica contendo solutos M = 46 0 g mol
voláteis.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 43

Os dois métodos mais usados para determinar a massa por μ) das moléculas de um gás ideal.* Resolvendo para c2 na
molecular de líquidos facilmente vaporizáveis como álcool equação (2-9) e tirando a raiz quadrada em ambos os lados da
e clorofórmio são os de Regnault e de Victor Meyer. No equação, se chega à fórmula:
último método, o líquido é pesado dentro de um bulbo de 3P V
vidro, é vaporizado, e o volume é determinado a uma dada μ (2-10)
temperatura e pressão barométrica. Os valores são final- nm
mente substituídos na equação (2-8) para se obter a massa Restringindo para o caso de 1 mol de gás, encontramos
molecular. que PV torna-se igual a RT pela equação de estado (2-5), n
torna-se o número de Avogadro NA, e NA multiplicado pela
massa de uma molécula se torna igual à massa molecular M. A
Teoria cinética molecular velocidade média quadrática é, portanto, dada por
As equações apresentadas na seção anterior foram formu- 3RT
μ (2-11)
ladas a partir de considerações experimentais em condições M
próximas à idealidade. A teoria desenvolvida para explicar o
comportamento dos gases e para fornecer apoio adicional à EXEMPLO 2-4
validade das leis dos gases é chamada de teoria cinética mo-
lecular. Aqui estão algumas das afirmações mais importantes Cálculo da velocidade média quadrática
dessa teoria: Qual a velocidade média quadrática do oxigênio (massa molecu-
lar, 32,0) a 25 °C (298 K)?
1. Os gases são compostos de partículas chamadas átomos
ou moléculas, cujo volume total é tão pequeno a ponto de 3 × 8 314 × 107 × 298
μ= = 4 82 × 104 cm s
ser desprezível frente ao volume do espaço onde as mo- 32
léculas estão confinadas. Essa condição ocorre de modo
aproximado em gases reais apenas a baixas pressões e al- Uma vez que o termo nm/V é igual à densidade, podemos
tas temperaturas, quando as moléculas do gás estão longe escrever a equação (2-10) como:
umas das outras.
2. As partículas do gás não exercem atração mútua, mas 3P
μ (2-12)
sim se movem com completa independência. Do mes- d
mo modo, essa afirmação somente é válida a baixas Lembrando que a densidade é definida como a massa por
pressões. unidade de volume, vemos que a velocidade de difusão de um
3. As partículas exibem um movimento aleatório contínuo gás é inversamente proporcional à raiz quadrada de sua den-
devido à sua energia cinética. A energia cinética média, E, sidade. Essa relação confirma os resultados de Graham, que
é diretamente proporcional à temperatura absoluta do gás, mostrou que um gás leve difunde mais rapidamente através de
3
ou E 2
RT . uma membrana porosa do que um gás pesado.
4. As moléculas exibem elasticidade perfeita, ou seja, não
há perda líquida de velocidade ou transferência de ener-
gia após as colisões entre moléculas ou das moléculas A equação de van der Waals para gases reais
com as paredes do recipiente que as contém, sendo que
estas são responsáveis pela pressão do gás. Embora a A equação cinética fundamental (2-9) é comparável com a equa-
velocidade líquida e, portanto, a energia cinética média ção dos gases ideais porque a teoria cinética é baseada nas hipó-
não se alterem quando das colisões, a velocidade e a teses do estado ideal. Gases reais, contudo, não são compostos
energia das moléculas individuais podem diferir gran- de esferas infinitamente pequenas e perfeitamente elásticas sem
atração. Ao contrário, eles são compostos de moléculas com um
demente de um instante para outro. Expresso de modo
volume finito que tendem a atrair umas às outras. Esses fatores
mais simples, a velocidade média podem ser uma média
afetam os termos do volume e da pressão na equação do gás
da velocidade de muitas moléculas, e assim, uma dis- ideal, de modo que certos refinamentos devem ser incorporados
tribuição de velocidades moleculares individuais pode para a equação (2-5) fornecer resultados comparáveis com os
estar presente no sistema. experimentos. Várias dessas expressões foram sugeridas, sendo
A partir desses e de outros postulados, a equação cinética fun- que a mais conhecida é a equação de van der Waals. Para 1 mol
damental a seguir é derivada: de gás, a equação de van der Waals é escrita como:
a
1 P (V − b) RT (2-13)
PV nmc2 (2-9) V2
3
onde P é a pressão e V o volume ocupado por um número
* Note que a velocidade média quadrática ( c2 )1 2 não é igual à velocida-
n qualquer de moléculas de massa m tendo uma velocidade de média, c. Isto pode ser demonstrado mediante um exemplo simples:
média c. Façamos c ter três valores 2, 3 e 4. Então c (2 3 4) 3 , onde
Usando essa equação fundamental, podemos obter a ve- μ (c2 )1 2 é a raiz quadrada da média da soma dos quadrados, ou seja,

locidade média quadrática ( c2 )1 2 (usualmente representada (22 32 42 ) 3 9 67 e μ 3 11
44 P ATRICK J. S INKO

(a)
TABELA 2-3 0 193 mol × 0 0821 litro atm K mol × 295 K
CONSTANTES DE VAN DER WAALS PARA ALGUNS P =
7 35 litro
GASES = 0 636 atm

a b (b)
Gás (litro2 atm/mol2) (litro/mol) 0 193 mol × 0 0821 litro atm K mol × 295 K
P =
7 35 litro − (0 193 mol ) × (0 1344 litro mol )
H2 0,244 0,0266
17 38 litro2 atm mol 2 (0 193 mol )2
O2 1,360 0,0318 −
(7 35 litro)2
CH4 2,253 0,0428
= 0 626 atm
H2O 5,464 0,0305
Cl2 6,493 0,0562
CHCl3 15,17 0,1022 EXEMPLO 2-6
Cálculo das constantes de van der Waals
Calcule a pressão de 0,5 mol de CO2 gasoso em um extintor de
Para o caso mais geral de n móis de um gás em um reci- incêndio de 1 litro de capacidade a 27 °C usando a equação dos
piente de volume V, a equação (2-13) torna-se: gases ideais e a equação de van der Waals. As constantes de van
an 2 der Waals podem ser calculadas a partir da temperatura crítica Tc
P (V − nb) n RT (2-14) e da pressão crítica Pc (veja a seção sobre liquefação de gases para
V2
as definições):
O termo a/V2 leva em conta a pressão interna por mol, que 27R2 Tc 2 RTc
resulta das forças intermoleculares de atração entre as molécu- a= e b=
64 Pc 8Pc
las; b leva em conta a incompressibilidade das moléculas, ou
seja, o volume excluído, que é cerca de quatro vezes o volume A temperatura crítica e a pressão crítica do CO2 são 31,0 °C e
molecular. Essa relação é verdadeira para todos os gases, mas 72,9 atm, respectivamente.
a influência da não-idealidade é maior quando o gás é compri- Usando a equação dos gases ideais, obtemos
mido. O Capítulo 10 discute em mais detalhes como a pres- nRT 0 5 mol ×0 0821 litro atm K mol ×300 15 K
são interna pode ser usada para descrever as forças coesivas P= =
V 1 litro
(atrativas) em líquidos. Líquidos polares têm altas pressões = 12 32 atm
internas e servem como solventes apenas para substâncias com
Usando a equação de van der Waals, obtemos:
pressões internas similares. Moléculas apolares possuem bai-
xas pressões internas e não conseguem sobrepujar as grandes 27 × (0 0821 litro atm K mol )2 × (304 15 K )2
a =
forças coesivas das moléculas do solvente polar. Óleo mineral 64 × 72 9 atm
é imiscível com água por essa razão. 2
Quando o volume de um gás é grande, as moléculas en- = 3 608 litro2 atm mol
contram-se bastante dispersas. Sob essas condições, a/V2 e b (0 0821 litro atm K mol ) × 304 15 K
tornam-se insignificantes em relação a P e V, respectivamente. b=
8 × 72 9 atm
Sob tais condições, a equação de van der Waals para 1 mol
= 0 0428 litro mol
de gás se reduz à equação de um gás ideal, V = RT, e a baixas
pressões, os gases reais se comportam de modo ideal. Os va- nRT an2
P = − 2
lores de a e b foram determinados para vários gases e alguns V − nb V
estão listados na Tabela 2-3. As forças fracas de atração de van (0 5 mol × 0 821 litro atm K mol ) × 300 15 K
der Waals, expressas pela constante a, são aquelas referidas na =
1 litro − (0 5 mol × 0 0428821 litro mol )
Tabela 2-1.
3 608 litro2 atm mol 2 × (0 5) mol)2

EXEMPLO 2-5 (1 litro)2

Aplicação da equação de van der Waals = 11 69 atm


Uma amostra de 0,193 móis de éter foi confinada em um re-
cipiente de 7,35 litros a 295 K. Calcule a pressão produzida Embora esteja além do objetivo deste texto, deve ser men-
usando (a) a equação dos gases ideais e (b) a equação de van cionado que, para levar em conta a não-idealidade, o conceito
der Waals. O valor de a para o éter é de 17,38 litro2 atm/mol2; de fugacidade foi introduzido por Lewis.5 Na Química Geral,
o valor de b é de 0,1344 litro/mol. Para resolver em relação à o estudante aprende o conceito de potencial químico (Capítulo
pressão, a equação de van der Waals pode ser rearranjada da 3). No equilíbrio, em um sistema fechado homogêneo ideal,
seguinte maneira: as interações intermoleculares são consideradas como sendo
nRT an2 inexistentes. Em estados gasosos reais e em sistemas de vários
P= − 2
V − nb V componentes, contudo, ocorrem interações intermoleculares.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 45

Sem entrar em grandes detalhes, podemos dizer que essas in- misturas refrigerantes. Outros métodos dependem do efeito
terações podem influenciar o potencial químico e causar des- de resfriamento produzido em um gás quando ele expan-
vios do estado ideal. Tais desvios se refletem nas atividades de. Assim, vamos supor que façamos um gás ideal expandir
dos componentes dentro do sistema. Colocada em termos sim- tão rapidamente de modo que nenhum calor possa entrar no
ples, a fugacidade é uma medida de atividade associada com sistema. Tal expansão, chamada de uma expansão adiabá-
interações não-ideais. Para detalhes posteriores pertinentes à tica, pode ser realizada conduzindo o processo num fras-
fugacidade e seus efeitos nos gases, o estudante deve consultar co de Dewar, ou evacuado, o qual efetivamente isola o seu
qualquer texto introdutório de físico-química. conteúdo do ambiente externo. O trabalho necessário para
realizar a expansão deve vir do próprio gás, a expensas de
sua própria energia térmica (freqüência de colisões). Como
resultado, a temperatura do gás diminui. Se esse procedi-
O ESTADO LÍQUIDO mento for repetido um número suficiente de vezes, a queda
total de temperatura pode ser suficiente para causar a lique-
Liquefação de gases fação do gás.
Um efeito de resfriamento também é observado quando
Quando um gás é resfriado, ele perde um pouco de sua energia um gás não-ideal altamente comprimido expande para uma
cinética na forma de calor e a velocidade de suas moléculas região de baixa pressão. Nesse caso, a queda de temperatura
diminui. Se for aplicada uma pressão sobre o gás, as moléculas resulta da energia necessária para superar as forças de atração
serão postas dentro da esfera de ação das forças de interação coesivas entre as moléculas. O resfriamento é conhecido como
de van der Waals e passam para o estado líquido. Por causa efeito Joule-Thomson e difere daquele produzido por uma ex-
dessas forças, os líquidos são consideravelmente mais densos pansão adiabática, na qual o gás realiza trabalho externo. Para
que os gases e ocupam um volume definido. As transições gás- fazer a liquefação através do efeito Joule-Thomson, pode ser
líquido e líquido-sólido dependem não apenas da temperatura, necessário pré-resfriar o gás antes de submetê-lo à expansão.
mas também da pressão à qual está submetida a substância. Se Oxigênio líquido e ar líquido são obtidos por métodos basea-
a temperatura for suficientemente elevada, chega-se a um valor dos nesse efeito.
acima do qual é impossível liquefazer um gás, não importando
a pressão aplicada. Essa temperatura, acima da qual um líquido
não pode mais existir, é conhecida como temperatura crítica. A Aerossóis
pressão necessária para liquefazer um gás na sua temperatura
Gases podem ser liquefeitos sob altas pressões em uma câma-
crítica é a pressão crítica, a qual também é a pressão de vapor
ra fechada desde que esta seja mantida abaixo da temperatura
mais elevada que um líquido pode exibir. Quanto mais abaixo
crítica. Quando a pressão for reduzida, as moléculas expan-
de sua temperatura crítica um gás for resfriado, menor será a
dem e o líquido reverte para gás. Essa mudança reversível de
pressão necessária para liquefazê-lo. Com base nesse princí-
estado é o princípio básico envolvido na preparação de aeros-
pio, todos os gases conhecidos podem ser liquefeitos. Fluidos
sóis farmacêuticos. Em tais produtos, um fármaco é dissolvi-
supercríticos, nos quais uma temperatura e pressão excessiva
do ou suspenso em um propelente, material que é líquido sob
são aplicadas, existem como uma fase separada ou intermediá-
as condições de pressão existentes no interior do recipiente,
ria e serão discutidos brevemente ainda neste capítulo.
mas que forma um gás sob condições atmosféricas normais.
A temperatura crítica da água é 374 °C ou 647 K, e sua
O recipiente é construído de tal modo que, apertando uma vál-
pressão crítica é 218 atm, ao passo que os valores correspon-
vula, um pouco da mistura fármaco-propelente é expelida por
dentes para o hélio são 5,2 K e 2,26 atm. A temperatura crítica
causa do excesso de pressão no interior do recipiente. Se o
serve como uma medida aproximada das forças atrativas entre
fármaco for não-volátil, ele forma um spray fino à medida que
as moléculas, uma vez que, a temperatura acima do valor crí-
deixa o orifício da válvula e, ao mesmo tempo, o propelente
tico, as moléculas possuem tal energia cinética, que nenhuma
líquido vaporiza.
pressão poderá trazê-las para a região de atuação das forças
atrativas que fazem com que os átomos ou moléculas fiquem Compostos clorofluorcarbonados (CFCs) e hidrofluor-
juntos. Os altos valores críticos para a água resultam das inten- carbonados (HFCs) têm sido tradicionalmente usados como
sas forças dipolares entre as moléculas e particularmente das propelentes nesses produtos devido à suas propriedades fí-
ligações de hidrogênio. Entretanto, existem apenas fracas for- sico-químicas. Contudo, em face da crescente preocupação
ças de London entre moléculas de hélio e, conseqüentemente, ambiental (diminuição do ozônio atmosférico) e leis como o
esse elemento deve ser resfriado à temperatura extremamen- Clean Air Act (Lei do Ar Limpo), os CFCs e HFCs são for-
te baixa de 5,2 K antes que possa ser liquefeito. Acima dessa temente regulados. Isso tem levado pesquisadores à identifi-
temperatura crítica, o hélio permanece no estado gasoso, não cação de propelentes adicionais e ao uso crescente de outros
importando a pressão aplicada. gases, como nitrogênio e dióxido de carbono. Contudo, um
esforço considerável tem sido despendido na procura de me-
lhores sistemas propelentes. Variando as proporções de vários
Métodos de liquefação propelentes, é possível produzir, no interior do recipiente,
pressões de 1 a 6 atm a temperatura ambiente. Propelentes
Uma das maneiras mais óbvias de se liquefazer um gás é fluorocarbonados que não diminuem a camada de ozônio es-
submetê-lo a um resfriamento intenso mediante o uso de tão sendo pesquisados.6
46 P ATRICK J. S INKO

Os recipientes são preenchidos seja mediante o resfriamento 1.000


do propelente e do fármaco a uma baixa temperatura dentro do Acetona
recipiente, o qual é então selado com a válvula, seja colocando Benzena
o fármaco no recipiente à temperatura ambiente e então preen- Água
chendo este com a quantidade necessária de propelente, injetado
sob pressão. Em ambos os casos, quando o produto se encontra
na temperatura ambiente, parte do propelente encontra-se no es-
tado gasoso e exerce a pressão necessária para expelir o fárma-
co, enquanto que o resto encontra-se no estado líquido e fornece

Pressão (mm Hg)


um veículo de solução ou suspensão para o fármaco.
A formulação de fármacos na forma de aerossóis tem
crescido de forma contínua porque o método freqüentemen-
te oferece vantagens distintas sobre alguns dos métodos mais
convencionais de formulação. Assim, materiais anti-sépticos
podem ser borrifados na pele ferida com um mínimo de des-
conforto ao paciente. Um produto, o cloreto de etila, esfria su-
ficientemente sob expansão. Quando borrifado na pele, ele es-
Ácido acético
fria o tecido e produz uma anestesia local. Esse procedimento 100
é às vezes utilizado em pequenas operações cirúrgicas.
Mais significativo é o aumento de eficiência freqüen-
temente observado e também a facilidade para a introdução 100
de medicamento em cavidades e passagens corpóreas. Esses Temperatura (°C)
e outros aspectos de aerossóis têm sido considerados por vá- Figura 2-5 Variação da pressão de vapor de alguns líquidos em função da
rios pesquisadores. 7,8 Byron e Clark9 estudaram a absorção temperatura.
de fármacos mediante inalação de aerossóis e fornecem uma
análise bastante detalhada do problema. A Farmacopéia Norte-
americana (USP)9a inclui uma discussão sobre inaladores com nômetro for adaptado a um recipiente evacuado contendo o
dispositivo doseador e fornecem padrões e procedimentos de líquido, é possível medir a pressão de vapor em milímetros de
teste (USP, p. 2253). mercúrio. A presença de um gás, como o ar, acima do líquido,
A identificação de produtos derivados da biotecnologia diminui a velocidade de evaporação, mas não afeta a pressão
tem aumentado muito a utilização de formulações na forma de vapor de equilíbrio.
de aerossóis.10 Proteínas, DNA, oligopeptídeos e nucleotídeos À medida que a temperatura do líquido for elevada, mais
demonstram baixa biodisponibilidade oral devido ao ambiente moléculas se aproximam da velocidade necessária para esca-
severo do trato gastrintestinal, ao seu tamanho relativamente par à fase gasosa. Como resultado, a pressão de vapor aumen-
grande e ao rápido metabolismo. As rotas de administração ta com o aumento da temperatura, como mostrado na Figura
pulmonar e nasal fornecem maiores taxas de passagem para 2-5. Qualquer ponto em uma das curvas representa uma con-
a circulação sistêmica do que a administração oral.11 Isso é dição na qual o líquido e o vapor coexistem em equilíbrio.
abordado no capítulo sobre sistemas de liberação de fármacos Como observado no diagrama, se a temperatura de qualquer
(Capítulo 22). É importante salientar que os produtos na for- um dos líquidos for aumentada enquanto a pressão se mantém
ma de aerossóis são formulados sob altas pressões e limites de constante ou se a pressão for diminuída enquanto a tempera-
tensão. A estabilidade física de biomoléculas complexas pode tura for mantida constante, todo o líquido passa para o estado
ser afetada de modo negativo sob tais condições (lembre que de vapor.
a pressão e a temperatura podem influenciar as forças inter ou
intramoleculares atrativas e repulsivas presentes).
Equação de Clausius-Clapeyron: calor de
Pressão de vapor de líquidos vaporização
A energia translacional do movimento (energia cinética) não A relação entre a pressão de vapor e a temperatura absoluta
se encontra uniformemente distribuída entre as moléculas; de um líquido é expressa pela equação de Clausius-Clapeyron
algumas moléculas têm mais energia e, por conseguinte, ve- (as equações de Clapeyron e de Clausius-Clapeyron serão de-
locidades maiores do que outras a um dado instante. Quando rivadas no Capítulo 3):
um líquido é colocado em um recipiente evacuado a uma tem-
peratura constante, as moléculas com maior energia podem
romper a superfície do líquido e passar ao estado gasoso, e al-
gumas das moléculas retornam, subseqüentemente, ao estado * Um gás é chamado de vapor abaixo de sua temperatura crítica. Uma
líquido ou condensam. Quando a velocidade de condensação definição menos rigorosa de vapor é uma substância que é líquida ou só-
for igual à velocidade de vaporização a uma dada tempera- lida à temperatura ambiente e passa para o estado gasoso quando aque-
tura, o vapor torna-se saturado e se estabelece um equilíbrio cida a uma temperatura suficientemente alta. Um gás é uma substância
que existe no estado gasoso mesmo à temperatura ambiente. Mentol e
dinâmico. A pressão do vapor saturado sobre o líquido* é co- etanol são vapores a temperaturas suficientemente elevadas. Oxigênio e
nhecida como a pressão de vapor de equilíbrio. Se um ma- gás carbônico são gases.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 47

p2 Hν (T2 − T1 ) O calor que é absorvido quando a água vaporiza no seu


log (2-15)
p1 2 303RT1 T2 ponto normal de ebulição (ou seja, o calor de vaporização a
100 °C) é de 539 cal/g ou cerca de 9720 cal/mol. Para o benze-
onde p1 e p2 são as pressões de vapor nas temperaturas abso- no, o calor de vaporização é de 91,4 cal/g no ponto normal de
lutas T1 e T2, e ΔHv é o calor molar de vaporização, ou seja, o ebulição de 80,2 °C. Essas quantidades de calor, denominadas
calor absorvido por 1 mol de líquido que passa para o estado calores latentes de vaporização, são absorvidas quando o lí-
vapor. quido vaporiza e são liberadas quando o vapor condensa para
Os calores de vaporização podem variar bastante com a formar o líquido.
temperatura. Por exemplo, o calor de vaporização da água é de O ponto de ebulição pode ser considerado a temperatu-
539 cal/g a 100 °C, 478 cal/g a 180 °C e na temperatura críti- ra na qual a agitação térmica consegue sobrepujar as forças
ca, na qual não há distinção entre o líquido e o gás, o calor de atrativas entre as moléculas de um líquido. Assim, o ponto
vaporização torna-se zero. Assim, ΔHv da equação (2-15) deve de ebulição de um composto, como o calor de vaporização e
ser tomado como um valor médio e a equação considerada a pressão de vapor a uma dada temperatura, fornecem uma
como sendo estritamente válida apenas em uma faixa estreita indicação aproximada da magnitude das forças atrativas.
de temperaturas. A equação contém aproximações adicionais, Os pontos de ebulição de hidrocarbonetos normais, ál-
uma vez que assume que o vapor se comporta como um gás coois simples e ácidos carboxílicos aumentam com o au-
ideal e que o volume molar do líquido é desprezível frente ao mento da massa molecular porque as forças atrativas de van
do vapor. Essas aproximações são importantes face à não-ide- der Waals tornam-se maiores com o aumento do número
alidade das soluções reais. de átomos. A ramificação da cadeia produz uma molécula
menos compacta com atração intermolecular reduzida e,
EXEMPLO 2-7 portanto, resulta em um decréscimo do ponto de ebulição.
Em geral, os álcoois entram em ebulição a uma temperatu-
Aplicação da equação de Clausius-Clapeyron ra muito mais elevada que os hidrocarbonetos saturados de
Calcule a pressão de vapor da água a 120 °C. A pressão de vapor mesma massa molecular por causa da associação das molé-
p1 da água a 100 °C é 1 atm, e podemos assumir um ΔHv igual a culas de álcool mediante ligações de hidrogênio. Os pontos
9720 cal/mol para essa faixa de temperatura. Assim, de ebulição de ácidos carboxílicos são anormais porque os
p2 9720 × (393 − 373) ácidos formam dímeros mediante ligações de hidrogênio, os
log =
10 2 303 × 1 987 × 393 × 373 quais podem persistir mesmo no estado de vapor. Os pontos
p2 = 1 95 atm de ebulição de álcoois primários de cadeia não-ramificada
e ácidos carboxílicos aumentam cerca de 18 °C para cada
A equação de Clausius-Clapeyron pode ser escrita em uma grupo metileno adicional. O paralelo aproximado entre as
forma mais geral: forças intermoleculares e os pontos de ebulição ou calores
ΔHν 1 latentes de vaporização são ilustrados na Tabela 2-4. Subs-
log p = − + constante (2-16)
2 303R T tâncias não-polares, cujas moléculas são mantidas coesas
ou, em logaritmos naturais,
predominantemente por meio de forças de London, apre-
sentam baixos pontos de ebulição e calores de vaporização.
ΔHν 1
ln p = − + constante (2-17) Moléculas polares, sobretudo aquelas como álcool etílico e
R T água, que são associadas por ligações de hidrogênio, exibem
do que se observa que uma representação gráfica do logaritmo da altos pontos de ebulição e altos calores de vaporização.
pressão de vapor contra o inverso da temperatura absoluta resulta
em uma linha reta, permitindo o cálculo do calor de vaporização
do líquido a partir da inclinação da linha.
TABELA 2-4
Ponto de ebulição PONTOS DE EBULIÇÃO NORMAIS E CALORES DE
VAPORIZAÇÃO
Se um líquido for colocado em um recipiente aberto e aqueci-
do até que sua pressão de vapor se iguale à pressão atmosfé- Ponto de Calor latente de
rica, o vapor formará bolhas que subirão rapidamente através Substância ebulição ( °C) vaporização (cal/g)
do líquido e escaparão para a fase gasosa. A temperatura na
Hélio –268,9 6
qual a pressão de vapor do líquido se iguala à pressão externa
Nitrogênio –195,8 47,6
ou atmosférica é conhecida como o ponto de ebulição. Todo
o calor absorvido é usado para converter o líquido em vapor Propano –42,2 102
e a temperatura não se eleva até que todo o líquido seja com- Cloreto de metila –24,2 102
pletamente vaporizado. A pressão atmosférica ao nível do mar Isobutano –10,2 88
é aproximadamente 760 mm Hg; a altitudes mais elevadas a Butano –0,4 92
pressão atmosférica decresce e o ponto de ebulição diminui. A Éter etílico 34,6 90
uma pressão de 700 mm Hg, a água entra em ebulição a 97,7 Dissulfeto de carbono 46,3 85
°C e a 17,5 mm Hg ela o faz a 20 °C. A variação do ponto de
Álcool etílico 78,3 204
ebulição com a pressão pode ser calculada usando a equação
de Clausius-Clapeyron. Água 100,0 539
48 P ATRICK J. S INKO

Outras propriedades dos líquidos, como a tensão super- taleno formam cristais compostos de moléculas como as suas
ficial e a viscosidade, serão discutidas nos Capítulos 16 e 17, unidades básicas. Nos compostos orgânicos, as moléculas se
respectivamente. mantêm coesas pela ação das forças de van der Waals, forças
coulômbicas e ligações de hidrogênio, o que explica as liga-
ções fracas e os baixos pontos de fusão desses cristais. Hidro-
carbonetos alifáticos cristalizam com suas cadeias em arranjo
SÓLIDOS E O ESTADO CRISTALINO paralelo, enquanto que ácidos graxos cristalizam em camadas
de dímeros com cadeias paralelas ou dobradas em certo ângulo
Sólidos cristalinos em relação ao plano de base. Os cristais iônicos ou atômicos
são, de modo geral, duros e quebradiços e possuem altos pon-
As unidades estruturais dos sólidos cristalinos, como gelo, tos de fusão, ao passo que os cristais moleculares são macios e
cloreto de sódio e mentol, encontram-se dispostas em padrões têm pontos de fusão relativamente baixos.
geométricos fixos ou redes (também chamados retículos). Só- Cristais metálicos são compostos de íons positivamente
lidos cristalinos, diferentemente de líquidos e gases, possuem carregados que se movem livremente em um campo de elé-
formas definidas e um arranjo ordenado de unidades. Gases trons, às vezes chamado de um gás de elétrons. Metais são
são facilmente compressíveis, enquanto que os sólidos, assim bons condutores de eletricidade por causa do movimento livre
como os líquidos, são praticamente incompressíveis. Sólidos dos elétrons na rede. Os metais podem ser macios ou duros e
cristalinos têm pontos de fusão definidos, com uma passa- ter ponto de fusão alto ou baixo. A dureza e a resistência dos
gem um tanto abrupta do estado sólido para o estado líquido. metais dependem, em parte, de algumas imperfeições nos cris-
A cristalização, como ensinado nos cursos de laboratório de tais, os defeitos de rede.
Química Orgânica, ocorre pela precipitação do composto,
com sua remoção da solução e constituição de uma rede or-
denada. Note que há muitas variáveis importantes aqui, in- Polimorfismo
cluindo o(s) solvente(s) usado(s), a temperatura, a pressão, o
Algumas substâncias elementares, como carbono e enxofre,
padrão de arranjo cristalino, os sais (se a cristalização ocor-
que podem existir em mais de uma forma cristalina, são ditas
re mediante a formação de complexos de sais insolúveis que
formas alotrópicas, o que se constitui em um caso especial de
precipitam) e assim por diante, que influenciam na velocidade
polimorfismo. Polimorfos podem ter diferentes estabilidades e
e na estabilidade da formação do cristal (ver a seção sobre
espontaneamente se converter de uma forma metaestável a uma
Polimorfismo). As diversas formas cristalinas são divididas
temperatura para a forma estável. Eles também possuem pontos
em seis sistemas cristalinos distintos, com base na simetria.
de fusão, padrões cristalinos de raios X e de difração (ver dis-
Esses são, com exemplos de cada um, o cúbico (cloreto de
cussão a seguir) e solubilidades diferentes, embora sejam quimi-
sódio), tetragonal (uréia), hexagonal (iodofórmio), rômbico
camente idênticos. As diferenças podem, às vezes, não ser gran-
(iodo), monoclínico (sacarose) e triclínico (ácido bórico). A
des ou mesmo não ser detectáveis por métodos analíticos, mas
morfologia de uma forma cristalina freqüentemente chamada
podem ser substanciais. A solubilidade e os pontos de fusão são
de seu hábito, sendo o hábito cristalino definido em relação a
muito importantes em processos farmacêuticos, incluindo dis-
uma mesma estrutura, mas de aparências externas diferentes
solução e formulação, o que explica a razão primária do motivo
(ou, dito alternativamente, hábito é a coleção de faces e as
pelo qual estamos interessados nos polimorfos. A formação de
razões de áreas que compõem o cristal).
polimorfos de um composto pode depender de muitas variáveis
As unidades que constituem a estrutura cristalina podem
pertinentes ao processo de cristalização, incluindo diferenças
ser átomos, moléculas ou íons. O cristal de cloreto de sódio,
de solvente (o empacotamento de um cristal pode ser diferente
mostrado na Figura 2-6, consiste de uma rede cúbica de íons
quando for formado em um solvente polar ou apolar), impure-
sódio interpenetrada por uma rede de íons cloreto, sendo a for-
zas que podem favorecer um polimorfo metaestável devido à
ça de ligação do cristal a atração eletrostática entre os íons de
inibição específica de padrões de crescimento, nível de super-
cargas opostas. No diamante e no grafite, as unidades de rede
saturação a partir do qual o material é cristalizado (geralmente,
consistem de átomos mantidos unidos por ligações covalen-
quanto maior o excesso de concentração acima da solubilidade,
tes. Dióxido de carbono sólido, cloreto de hidrogênio e naf-
tanto maior a probabilidade de se formar um forma metaestá-
vel), temperatura na qual a cristalização é realizada, geometria
das ligações covalentes (as moléculas são rígidas e planares
ou livres e flexíveis?), atração e repulsão de cátions e ânions
(adiante veremos como a cristalografia de raios X é usada para
definir o mapa de densidade eletrônica de um composto), modo
como os cátions se ajustam nas posições energeticamente favo-
ráveis na rede cristalina, temperatura e pressão.
Talvez o exemplo mais comum de polimorfismo seja o
contraste entre o diamante e o grafite, ambos compostos de
carbono cristalino. Nesse caso, altas pressões e temperaturas
levam à formação de diamante a partir de carbono elementar.
Comparando-se um anel de brilhante a um lápis, torna-se claro
que o diamante tem um hábito cristalino diferente daquele que
Figura 2-6 A rede cristalina do cloreto de sódio. o grafite possui. Deve ser notado que o diamante é uma forma
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 49

cristalina menos estável (metaestável) do que o grafite. Real-


mente, as imperfeições nos diamantes continuam a ocorrer
com o passar do tempo e representam o diamante se converten-
do, muito lentamente, a temperatura e pressão ambientes, na
forma do polimorfo mais estável, que é o grafite.
Quase todos os compostos orgânicos de cadeia longa exi-
bem polimorfismo. Em ácidos graxos, isso resulta de diferen-
tes modos de arranjo geométrico entre os grupos carboxila de
moléculas adjacentes, o que, por sua vez, modifica o ângulo de
dobramento das cadeias no cristal. O triglicerídeo triestearina
parte da forma metaestável de baixo ponto de fusão alfa (α)
passando pela forma beta-linha (β’) e finalmente chegando à
forma estável beta (β), que possui alto ponto de fusão. A tran-
sição não pode ocorrer na direção oposta.
O óleo de cacau ou manteiga de cacau é uma gordura
polimórfica natural. Uma vez que ela é constituída principal-
mente de um único glicerídeo, ela funde em grande parte em
uma faixa estreita de temperatura (de 34 a 36 °C). A manteiga
de cacau pode existir em quatro formas polimórficas: a forma
gama instável, fundindo a 18 °C, a forma alfa, fundindo a 22
°C, a forma beta-linha, fundindo a 28 °C e a forma estável
beta, fundindo a 34,5 °C. Riegelman12 mostrou a relação en-
tre o polimorfismo e a preparação de supositórios de manteiga
de cacau. Se ela for aquecida até o ponto em que se encontra
completamente liquefeita (cerca de 35 °C), os núcleos dos
cristais estáveis beta são destruídos e a massa não cristali- Figura 2-7 (a) Estrutura e numeração da espiperona. (b) Conformação mo-
za até que seja super-resfriada, a cerca de 15 °C. Os cristais lecular dos polimorfos I e II da espiperona. (Modificada de J. W. Moncrief
que se formam são os das formas metaestáveis gama, alfa e and W. H. Jones, Elements of Physical Chemistry, Addison-Wesley, Reading,
beta-linha, e os supositórios fundem entre 23 e 24 °C ou a Mass., 1977, p. 93; e R. Chang, Physical Chemistry with Applications to Bio-
temperatura ambiente ordinária. O método mais adequado de logical Sistems, 2nd Ed., Macmillan, New York, 1977, p. 162.) (Retirada de:
preparação envolve fusão da manteiga de cacau em sua tem- M. Azibi, M. Draguet-Brughmans, R. Bouche, et al., J. Pharm. Sci., 72, 232,
peratura mais baixa possível, cerca de 33 °C. A massa é sufi- 1983. Com permissão.)
cientemente líquida para se verter, porém os núcleos de cris-
tais da forma estável beta não são perdidos. Quando a massa
for resfriada no molde, é produzido um supositório estável,
estável antes que a suspensão seja preparada. Aquecimento, tri-
consistindo de cristais beta e fundindo a 34,5 °C.
O polimorfismo tem adquirido importância na última dé- turação sob água e suspensão em água são fatores que afetam a
cada devido ao fato de que diferentes polimorfos exibem dife- interconversão das diferentes formas do acetato de cortisona.16
rentes solubilidades. No caso de fármacos levemente solúveis, Embora a determinação da estrutura cristalina tenha se tor-
isso pode afetar a velocidade de dissolução. Como resultado, nado rotina com o advento de métodos difratométricos rápidos
um polimorfo pode ser mais ativo terapeuticamente do que e de alta resolução, bem como de softwares que permitem a
outro polimorfo do mesmo fármaco. Aguiar e colaboradores13 resolução de dados de difração de raios X a partir de amostras
mostraram que o estado polimórfico do palmitato de cloran- em pó, a determinação da estrutura cristalina de polimorfos
fenicol tem uma influência significativa na biodisponibilidade altamente instáveis de um fármaco constitui ainda um desafio.
do fármaco. Khalil e colaboradores14 relataram que a forma II Azibi e colaboradores17 estudaram dois polimorfos da espipe-
da sulfameter, um agente antibacteriano, era mais ativa oral- rona, um potente agente antipsicótico usado principalmente no
mente em humanos do que a forma III, embora as preparações tratamento da esquizofrenia. A estrutura química da espipero-
farmacêuticas disponíveis no mercado fossem principalmente na é mostrada na Figura 2-7a e as conformações moleculares
desta última forma. Outro caso é o do fármaco para AIDS rita- dos dois polimorfos, I e II, são mostradas na Figura 2-7b. A
novir, que era comercializado como uma formulação em solu- diferença entre os dois polimorfos reside na posição dos áto-
ção até que surgiu um polimorfo mais estável e menos solúvel, mos das cadeias laterais, como mostrado na Figura 2-7b, junto
anteriormente desconhecido. Isso resultou no recolhimento e com o modo no qual cada molécula se liga às moléculas vizi-
reformulação do produto, antes que ele fosse novamente intro- nhas de espiperona no cristal. Os resultados da investigação
duzido no mercado. mostraram que o cristal do polimorfo II é constituído de díme-
O polimorfismo pode também ser um fator importante na ros (moléculas em pares), enquanto que o cristal do polimorfo
tecnologia de suspensões. O acetato de cortisona existe em pelo I é construído de moléculas não-dimerizadas de espiperona.
menos cinco formas diferentes, quatro das quais são instáveis Em um estudo posterior, Azibi e colaboradores18 examinaram
em presença de água e se alteram para a forma estável.15 Uma o polimorfismo de um número de fármacos para se certificar
vez que a transformação é usualmente acompanhada por um de quais propriedades levam um composto a existir em mais
caking dos cristais, todos devem estar na forma do polimorfo de uma forma cristalina. Verificou-se que diferenças nas forças
50 P ATRICK J. S INKO

Figura 2-8 Haloperidol.

intermoleculares de van der Waals e nas ligações de hidrogê-


nio produzem diferentes estruturas cristalinas em compostos
antipsicóticos, como haloperidol (Figura 2-8) e bromoperidol.
A variabilidade nas ligações de hidrogênio também contribui
para o polimorfismo nas sulfonamidas.19
Goldberg e Becker20 estudaram as formas cristalinas do
citrato de tamoxifeno, um fármaco antiestrogênio e antineoplá-
sico usado no tratamento de câncer de mama e sintomas pós-
menopausa. A fórmula estrutural do tamoxifeno é mostrada na
Figura 2-9. Das duas formas encontradas, o empacotamento
no polimorfo estável, denominado de forma B, é dominado pe-
las ligações de hidrogênio. Um grupo carboxílico da porção
de ácido cítrico doa seu próton ao átomo de nitrogênio de uma
molécula adjacente de tamoxifeno, levando à formação da rede
de ligações de hidrogênio responsável pela estabilização da
forma B. O outro polimorfo, conhecido como forma A, é um
polimorfo metaestável do citrato de tamoxifeno, de estrutura
molecular menos organizada que a da forma estável B. Uma
suspensão etanólica do polimorfo A espontaneamente se rear- Figura 2-10 (a) Duas moléculas do polimorfo α-carbamazepina unidas por
ranja formando o polimorfo B. ligações de hidrogênio (Segundo M. M. J. Lowes, M. R. Caira, A. P. Lotter, et
Lowes e colaboradores21 realizaram estudos físicos, quí- al., J. Pharm. Sci., 76, 744, 1987. Com permissão.)
micos e de raios X sobre a carbamazepina, que é usada no (b) Carbamazepina.
tratamento da epilepsia e da nevralgia do trigêmeo (dor grave
na face, lábios e língua). O polimorfo β do fármaco pode ser
cristalizado em solventes de alta constante dielétrica, como léculas de solvente e, portanto, devem ser classificados como
álcoois alifáticos. O polimorfo α é cristalizado em solventes solvatos, e não como polimorfos. Os solvatos são, às vezes,
de baixa constante dielétrica, como tetracloreto de carbono e chamados de pseudopolimorfos. Obviamente, os solvatos tam-
cicloexano. Um estudo aprofundado das duas formas polimór- bém podem exibir polimorfismo, à medida que se comparam
ficas da carbamazepina foi realizado usando espectroscopia estruturas cristalinas de “igual” estado de solvatação.23 Outros
de infravermelho, análise termogravimétrica, microscopia em compostos relacionados ao estradiol podem existir em formas
placa quente, velocidade de dissolução e difração de raios X. A poliméricas verdadeiras.
estrutura com ligações de hidrogênio do polimorfo α da carba- Behme e colaboradores24 fizeram uma revisão dos princí-
mazepina é mostrada na Figura 2-10a e sua fórmula molecu- pios do polimorfismo com ênfase nas mudanças que as formas
lar é mostrada na Figura 2-10b. polimórficas podem sofrer. Quando a mudança de uma forma
Os estrogênios são hormônios essenciais para o desenvol- para outra for reversível, ela é dita enantiotrópica. Quando a
vimento das características sexuais femininas. Quando o po-
transição ocorre somente em um sentido – por exemplo, de
tente estrogênio sintético etinilestradiol é cristalizado a partir
um estado metaestável para um estável –, a mudança é dita
dos solventes acetonitrila, metanol e clorofórmio saturado com
monotrópica. Enantiotropia e monotropia são propriedades
água, quatro diferentes solvatos cristalinos são formados. Há
importantes dos polimorfos, como descrito por Behme e co-
relatos de que o etinilestradiol pode existir em várias formas
laboradores.24
polimórficas. Contudo, Ishida e colaboradores22 mostraram,
mediante estudos de análise térmica, espectroscopia infraver- A temperatura de transição no polimorfismo é importante
melha e raios X, que essas formas são cristais contendo mo- porque ajuda a caracterizar o sistema e a determinar a forma
mais estável em temperaturas de interesse. Em suas temperatu-
ras de transição, os polimorfos têm a mesma energia livre (ou
seja, as formas estão em equilíbrio entre si), solubilidades idên-
ticas em um dado solvente e a mesma pressão de vapor. Desse
modo, representações gráficas do logaritmo da solubilidade de
dois polimorfos versus 1/T fornecem a temperatura de transição
na intersecção das curvas extrapoladas. Freqüentemente os grá-
ficos não são lineares e não podem ser extrapolados com preci-
Figura 2-9 Citrato de tamoxifeno. são. Para soluções diluídas, nas quais se aplica a lei de Henry,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 51

o logaritmo dos quocientes entre as solubilidades dos dois po- Difração de raios X
limorfos pode ser representado graficamente versus 1/T. Nesse
caso, a intersecção com o quociente igual à unidade fornece Raios X são uma forma de radiação eletromagnética (Capítu-
a temperatura de transição.25 Essa temperatura pode ser obti- lo 4) com um comprimento de onda da ordem das distâncias
da também a partir de um diagrama de fases da pressão versus interatômicas (cerca de 1,54 angstroms para a maioria dos ins-
temperatura ou usando calorimetria diferencial de varredura.26 trumentos de laboratório usando radiação Cu Kα; sendo a liga-
ção C-C de cerca de 1,5 angstroms). Os raios X são difratados
pelos elétrons em torno dos átomos individuais das moléculas
Solvatos dos cristais. O arranjo regular dos átomos no cristal (periodi-
cidade) faz com que algumas direções interferiram construti-
Uma vez que muitos sólidos farmacêuticos são freqüente- vamente com algumas direções e destrutivamente com outras,
mente sintetizados por métodos padrão da química orgânica, do mesmo modo que as ondas na água interferem quando se
purificados e então cristalizados a partir de diferentes solven- jogam ao mesmo tempo duas pedras na água (devido, como
tes, algum solvente residual pode ficar aprisionado no retículo mencionado, à similaridade entre comprimentos de onda e as
cristalino. Isso cria um co-cristal, como descrito anteriormen- distâncias entre os átomos ou moléculas do cristal). O padrão
te, denominado solvato. A presença de um solvente residual de difração de raios X em instrumentos modernos é detecta-
pode afetar dramaticamente a estrutura cristalina do sólido, do em uma placa sensível colocada atrás do cristal, e é uma
dependendo dos tipos de interação intermolecular que o sol- “sombra” do retículo cristalino que o produz. Usando métodos
vente pode ter com o sólido cristalino. Nas seções seguintes computacionais, é possível determinar as conformações das
discutiremos a influência dos solvatos e como eles podem ser moléculas, bem como a relação entre elas na estrutura. Isso
detectados usando métodos padrão de análises de caracteriza- resulta em uma descrição completa da estrutura, incluindo o
ção de sólidos. Biles27 e Haleblian e McCrone28 discutem em menor dos blocos estruturais, chamado de célula unitária.
detalhes a relevância do polimorfismo e solvatação na prática A densidade eletrônica e, conseqüentemente, a posição
farmacêutica. dos átomos em estruturas complexas, como a penicilina, pode
ser determinada a partir de um estudo matemático exaustivo
Sólidos amorfos do padrão de difração de raios X. O mapa de densidade ele-
trônica da benzilpenicilina potássica é mostrado na Figura
Os sólidos amorfos podem, em uma primeira aproximação, ser 2-11. A elucidação dessa estrutura por cristalografia de raios
considerados líquidos super-resfriados nos quais as moléculas X pavimentou o caminho para a síntese posterior da penicili-
estão arranjadas de maneira parcialmente aleatória, similar ao na por químicos orgânicos. Aspectos de cristalografia de raios
estado líquido. Substâncias como vidro, piche e muitos plás- X de interesse farmacêutico são revisados por Biles30 e Lien
ticos sintéticos são sólidos amorfos. Eles diferem dos sólidos e Kennon.31
cristalinos uma vez que tendem a fluir quando sujeitos a uma Quando cristais isolados não estão disponíveis ou são
pressão suficientemente grande, durante um período de tempo, inadequados para análise, a substância pode ser analisada
e porque não possuem ponto de fusão definido. O Capítulo 20 na forma de pó. O padrão de difração de raios X de pó pode
discute o modo como os reologistas classificam como sólido ser considerado a impressão digital da estrutura de um cris-
qualquer substância que deve ser submetida a uma força de ci- tal. A comparação da posição e intensidade das linhas em
salhamento definida antes que sofra ruptura ou comece a fluir. tais padrões (a mesma interferência construtiva discutida an-
Essa força, abaixo da qual o corpo mostra propriedades elásti- teriormente) com as linhas correspondentes nos padrões de
cas, é conhecida como ponto de cedência (yield value). uma amostra conhecida nos permite uma análise qualitativa
Substâncias amorfas, bem como cristais cúbicos, são usu- e quantitativa. É importante notar que dois polimorfos terão
almente isotrópicas, ou seja, exibem propriedades similares dois padrões distintos de difração de raios X. A presença de
em todas as direções. Cristais não-cúbicos são anisotrópicos um solvato também irá influenciar o padrão de difração de
e apresentam características diferentes (condutividade elétrica, raios X de pó porque o solvato terá a sua própria estrutura
índice de refração, crescimento cristalino, velocidade de solu- cristalina singular. Isso pode levar uma forma polimórfica a
bilidade) nas diferentes direções no cristal. aparecer como uma forma mutável ou de dois polimorfos dis-
Nem sempre é possível determinar por simples inspeção tintos. Um modo de determinar se a presença de uma alte-
se uma substância é cristalina ou amorfa. A cera de abelhas e a ração em um padrão de difração de raios X em pós é devida
parafina, embora pareçam amorfas, assumem arranjos cristali- a um solvato ou a um polimorfo separado é medir o padrão
nos quando são resfriadas lentamente após terem sido aqueci- de difração de raios X em várias temperaturas. Uma vez que
das. A vaselina contém componentes cristalinos e amorfos. Al- os solventes tendem a ser expelidos das estruturas abaixo do
guns materiais amorfos, como vidro, podem cristalizar depois ponto de fusão, a medida dos padrões de difração de raios
de longos períodos de repouso. X em várias temperaturas pode eliminar o solvente e revelar
Foi demonstrado que o fato de um fármaco ser amorfo ou a forma não-solvatada. A ausência de alterações nos padrões
cristalino afeta sua atividade terapêutica. Assim, a forma crista- de difração de raios X em diferentes temperaturas é um forte
lina do antibiótico ácido de novobiocina é fracamente absorvida indício de que a forma não é realmente solvatada, bem como
e não tem atividade, enquanto que a forma amorfa é rapidamen- pequenas alterações podem indicar uma estrutura que mantém
te absorvida e terapeuticamente ativa.29 Isso é devido às diferen- seu motivo de empacotamento sem a presença do solvente
ças nas velocidades de dissolução. Uma vez dissolvidas, porém, (ver Figura 2-12 para o espirapril). Isso pode ser confirmado
as moléculas não exibem memória de sua origem. por outros métodos descritos adiante.
52 P ATRICK J. S INKO

Figura 2-11 (a) Mapa de densidade eletrônica da benzilpenicilina potássica. (Modificada de G. L. Pitt, Acta Cryst.
5, 770, 1952.) (b) Um modelo da estrutura que pode ser construída a partir da análise da projeção da densidade
eletrônica.

Ponto de fusão e calor de fusão energia. Lembre que em um líquido o movimento molecular
ocorre em uma velocidade muito maior do que em um sólido.
A temperatura na qual um líquido passa para o estado sólido é O calor (energia) absorvido quando 1 g de um sólido funde
conhecida como ponto de congelamento e é, também, o ponto ou o calor liberado quando o líquido solidifica é conhecido como
de fusão do composto cristalino puro. O ponto de congelamen- calor latente de fusão, que, para a água a 0 °C, é de cerca de 80
to ou ponto de fusão de um sólido cristalino puro é estrita- cal/g (1.436 cal/mol). O calor adicionado durante o processo de
mente definido como a temperatura na qual o líquido puro e o fusão não leva a uma alteração de temperatura até que todo o sóli-
sólido existem em equilíbrio. Na prática, esse ponto considera- do tenha desaparecido, porque esse calor é convertido na energia
se como a temperatura de uma mistura em equilíbrio, a uma potencial das moléculas que escapam do sólido para a fase líqui-
pressão externa de 1 atm. Ele é, às vezes, conhecido como o da. Os pontos normais de fusão de alguns compostos são relacio-
ponto normal de congelamento ou o ponto normal de fusão. O nados na Tabela 2-5 junto com os calores molares de fusão.
estudante deve lembrar que diferentes forças intermoleculares A alteração do ponto de congelamento ou de fusão com
estão envolvidas na coesão da estrutura cristalina e que a adi- a pressão pode ser obtida usando uma forma da equação de
ção de calor para fundir o cristal é na realidade uma adição de Clapeyron, expressa como:
T Vl − Vs
T (2-18)
P Hf
Intensidade relativa

TABELA 2-5
PONTOS NORMAIS DE FUSÃOS E CALORES MOLARES DE
FUSÃO DE ALGUNS COMPOSTOS
Calor molar de fusão,
Substância Ponto de fusão (K) ΔHf (cal/mol)

H2O 273,15 1440


H2S 187,61 568
NH3 195,3 1424
PH3 139,4 268
Figura 2-12 Padrões de difração de raios X em pó para o cloridrato de espi- CH4 90,5 226
rapril. O monoidrato (acima) e a amostra desidratada a 75 °C por 106 e 228 C2H6 90 683
horas (no meio e abaixo, respectivamente), demonstrando que o motivo es-
trutural permanece essencialmente não modificado no “hidrato desidratado”. n-C3H8 85,5 842
(Segundo Wei Xu, “Investigation of Solid State Stability of Selected Bioacti- C6H6 278,5 2348
ve Compounds”, Dissertação não-publicada, Purdue University, Purdue, Ind.,
C10H8 353,2 4550
1997. Com permissão).
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 53

onde Vt e Vs são os volumes molares do líquido e do sólido, EXEMPLO 2-9


respectivamente. O volume molar (volume em unidades de
cm3/mol) é calculado dividindo a massa molecular em gramas Efeitos da pressão nos pontos de fusão
pela densidade do composto. ΔHf é o calor molar de fusão, ou De acordo com o Exemplo 2-8, um aumento da pressão em 1 atm re-
seja, a quantidade de calor absorvida quando 1 mol de um só- duz o ponto de fusão do gelo em 0,0075 K. A que temperatura se reduz
lido se converte em 1 mol de um líquido, e ΔT é a variação de o ponto de fusão quando um garoto de 90 libras patina sobre o gelo? A
ponto de fusão causada pela variação de pressão ΔP. área das lâminas do patim em contato com o gelo é 0,085 cm2.
A água é tida como atípica, pois possui no ponto de fusão Em adição à pressão atmosférica, que pode ser desprezada,
um volume molar maior no estado sólido do que no estado lí- a pressão dos patins sobre o gelo é igual à massa (90 lb = 40,8 kg)
quido (Vs > Vl). Portanto, ΔT/ΔP é negativo, significando que multiplicada pela aceleração da gravidade (981cm/s2) e dividida
pela área das lâminas do patim (0,085 cm2):
o ponto de fusão é abaixado mediante um aumento de pressão.
Esse fenômeno pode ser racionalizado em termos do princípio 40,800 g × (981 cm s 2 )
Pressão =
de Le Chatelier, que afirma que um sistema em equilíbrio rea- 0 085 cm2
justa-se de modo a reduzir o efeito de uma perturbação exter- = 4 71 × 108 dina cm2
na. Como conseqüência, se for aplicada uma pressão ao gelo a Convertendo para atmosferas (1 atm = 1,01325 × 106 dina/
0 °C, ele será transformado em água líquida, ou seja, no estado cm2) resulta em uma pressão de 464,7 atm. A variação de volu-
de menor volume, e o ponto de fusão será abaixado. me, ΔV, da água para o gelo é de 0,018 – 0,01963 litro/mol, ou –
0,00163 litro/mol para a transição gelo para água líquida.
Use a equação (2-18) na forma de uma derivada:
EXEMPLO 2-8
dT ΔV
=T
Demonstração do princípio de Le Chatelier dp ΔH f
Qual é o efeito do aumento da pressão em 1 atm no ponto de con- Para a variação de pressão de 1 atm até 464,7 atm, quando os
gelamento da água (ponto de fusão do gelo)? patins do garoto de 90 libras tocam o gelo, a temperatura de fusão
A 0 °C, T = 273,16 K, ΔHf ≅ 1440 cal/mol, o volume molar diminuirá de 273,15 K(0 °C) até T, a temperatura final de fusão
da água é 18,018 e o volume molar do gelo é 19,651, ou Vl – Vs = do gelo sob as lâminas dos patins, o que converte o gelo em água
–1,633 cm3/mol. Para obter o resultado em K/atm usando a equa- líquida e facilita a lubrificação. Para este problema devemos colo-
ção (2-18), primeiro convertemos ΔHf em cal/mol em unidades de car a equação na forma de uma integral, ou seja, integrando entre
erg/mol multiplicando pelo fator 4,184 × 107 erg/cal: 273,15 K e T devido a uma variação de pressão sob as lâminas dos
ΔH f = 6025 × 107erg mol ou 6025 × 106 dina cm mol patins de 1 atm até (464,7 + 1) atm:
T 465 7 atm
1 ΔV
A seguir, multiplicando a equação (2-18) pelo fator de conver- dT = T dP
273 15 K T ΔH f 1 atm
são (1,013 × 106 dina/cm2)/atm (o que é permitido, uma vez que o
−0 00163 litro mol 24 2 cal
numerador e o denominador desse fator são equivalentes — ver ln T − ln(273 15) = (P2 − P1 )
1440 cal mol 1 litro atm
Capítulo 1 — de modo que o fator é igual a 1) dá o resultado nas
unidades desejadas: Nesta equação integrada, 1440 cal/mol é o calor de fusão ΔHf
da água na região de 0 °C; 24,2 cal/litro atm é o fator de conversão
ΔT 273 16 K × (−1 633 cm3 mol)
= (veja a página de rosto do livro) para se converter cal a atm litro.
ΔP 6025 × 107 dina cm mol
Temos agora:
× (1 013 × 106 dina cm2 ) atm ln T = (−274 × 10−5 atm)(465 7 − 1 atm) + ln(273 15)
ΔT
= − 0 0075 K atm T = 269 69 K
ΔP
A temperatura de fusão foi reduzida de 273,15 a 269,69 K, ou
seja, a redução no ponto de fusão causada pela pressão das lâmi-
Assim, o aumento de pressão em 1 atm diminui o pon- nas dos patins sobre o gelo foi de 3,46K.
to de congelamento da água em cerca de 0,0075 K ou, em Um modo mais simples para se resolver o problema da pa-
outras palavras, seria necessário um aumento de pressão de tinação sobre o gelo é reconhecer que uma pequena variação de
cerca de 133 atm para diminuir o ponto de congelamento da temperatura, –3,46 K, ocorre devido a uma grande variação de
água em 1 K. (Quando a mistura em equilíbrio gelo-água for pressão de cerca de 465 atm. Assim, não precisamos integrar, mas
saturada com ar sob uma pressão total de 1 atm, a temperatu- sim obter a variação de temperatura, ΔT, por unidade de variação
ra diminui adicionalmente em 0,0023 K.) A pressão tem ape- de pressão, ΔP, e multiplicar esse valor pela pressão real, 464,7
nas um leve efeito na temperatura de equilíbrio de sistemas atm. Obviamente, o calor de fusão da água, 1440 cal/mol, deve
condensados (ou seja, líquidos e sólidos). O maior volume ser multiplicado pelo fator de conversão, 1 litro atm/24,2 cal, para
resultar em 59,504 litro atm. Obteremos assim:
molar ou baixa densidade do gelo (0,9168 g/cm3 comparado
ΔT TΔV (273 15 K)(0 0180 − 0 0196) litro mol
com 0,9988 g/cm3, para a água a 0 °C) explica o fato de que = =
o gelo flutua na água líquida. O abaixamento do ponto de fu- ΔP ΔH f 59 504 litro atm mol
ΔT
são com o aumento da pressão é usado na patinação no gelo. = −0 00734 K atm
A pressão das lâminas do patim diminui o ponto de fusão ΔP
e leva o gelo a fundir abaixo dos patins. Essa fina camada Para uma variação de pressão de 464,7 atm, a diminuição de
de líquido fornece uma ação lubrificante e permite ao patim temperatura é:
ΔT = −0 00734 K atm × 464 7 atm
deslizar sobre a superfície dura. Obviamente, a fricção do
= −3 41 K
patim também contribui de forma significativa para a fusão e
para a ação lubrificante. que pode ser comparada com o valor mais exato, –3,46K.
54 P ATRICK J. S INKO

Ponto de fusão e forças intermoleculares


O calor de fusão pode ser considerado como o calor neces-
sário para aumentar as distâncias interatômicas e intermo-
leculares nos cristais, permitindo, assim, a ocorrência da
fusão (com aumento do movimento molecular). Um cristal
que é unido por forças fracas geralmente terá baixo calor
de fusão e baixo ponto de fusão, enquanto que um cristal
unido por forças fortes terá elevado calor de fusão e alto
ponto de fusão.
Uma vez que as formas polimórficas representam diferen- Figura 2-14 Configuração de moléculas de ácidos graxos no estado cristali-
tes arranjos moleculares que levam a diferentes formas cris- no (Modificada de A. E. Bailey, Melting and Solidification of Fats, Interscien-
talinas do mesmo composto, é óbvio que diferentes forças in- ce, New York, 1950, p. 120.)
termoleculares atuarão de formas distintas. Consideremos um
polimorfo A unido por forças atrativas maiores que as de um
polimorfo B. É óbvio que mais calor será necessário para rom-
per as forças atrativas no polimorfo A, então sua temperatura II. Os grupos carboxila se ligam em dois pontos nos compostos
de fusão será maior que a do polimorfo B. de número par, de modo que a rede cristalina é mais estável e o
As parafinas cristalizam na forma de pequenas lamelas ponto de fusão é maior.
compostas de cadeias em ziguezague empacotadas em um Os pontos de fusão e solubilidades de xantinas de inte-
arranjo paralelo. Os pontos de fusão dos hidrocarbonetos resse farmacêutico, determinados por Guttman e Higuchi,32
normais saturados aumentam com a massa molecular por- exemplificam também a relação entre o ponto de fusão e a
que as forças de van der Waals entre as moléculas do cristal estrutura molecular. Solubilidades, como pontos de fusão,
se tornam maiores com o aumento do número de átomos são fortemente influenciadas por forças intermoleculares,
de carbono. Os pontos de fusão de alcanos com um núme- como discutido no Capítulo 10. Isso pode ser observado na
ro par de átomos de carbono são maiores que aqueles dos Tabela 2-6, onde a metilação da teofilina para formar ca-
hidrocarbonetos com um número ímpar de átomos, como feína e o aumento da cadeia lateral de metila (cafeína) a
mostrado na Figura 2-13. Esse fenômeno ocorre, presumi- propila na posição 7 resulta em um decréscimo do ponto de
velmente, devido ao fato de alcanos com número ímpar de fusão e aumento da solubilidade. Esses efeitos são, presu-
átomos de carbono serem empacotados em um cristal de mivelmente, devidos ao progressivo enfraquecimento das
modo menos eficiente. forças intermoleculares.
Os pontos de fusão dos ácidos carboxílicos normais tam-
bém mostram esta alternância, como visto na Figura 2-13. Isso
pode ser explicado do seguinte modo: ácidos graxos cristali- TABELA 2-6
zam em cadeias moleculares, um segmento das quais é mos-
PONTOS DE FUSÃO E SOLUBILIDADE DE ALGUMAS
trado na Figura 2-14. Os ácidos com número par de átomos de
XANTINAS*
carbono são arranjados na estrutura mais simétrica I, ao passo
que os de número ímpar se arranjam de acordo com a estrutura R
H 3C O
N
N1 6
5 7
8
2 3 4 9
O N N
CH 3

Ácidos carboxílicos
Estrutura básica

Solubilidade em água
Ponto de fusão a 30 °C
Ponto de fusão (°C)

Substância (°C não-corrigido) (mol/litro × 102)


Alcanos
Teofilina 270–274 4,5
(R = H)
Cafeína 238 13,3
(R = CH3)
7-Etil-teofilina 156–157 17,6
Número de átomos de carbono
(R = CH2CH3)
7-Propil-teofilina 99–100 104,0
Figura 2-13 Os pontos de fusão de alcanos e ácidos carboxílicos em função
(R = CH2CH2CH3)
do tamanho da cadeia de carbonos. (Modificada de C. R. Noller, Chemistry of
Organic Compounds, 2nd Ed., Saunders, Philadelphia, 1957, pp. 40, 149.) * De D. Guttman and T. Higuchi, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 46, 4, 1957.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 55

O ESTADO LÍQUIDO CRISTALINO Em geral, moléculas que formam mesofases são (a)
orgânicas, (b) alongadas e retilíneas quanto à forma, (c)
Três estados da matéria foram discutidos até agora neste ca- rígidas e (d) possuem dipolos fortes e grupos facilmente
pítulo: gás, líquido e sólido. Um quarto estado da matéria é o polarizáveis. O estado líquido cristalino pode resultar do
estado líquido cristalino ou mesofase. O termo cristal líquido aquecimento de sólidos (cristais líquidos termotrópicos)
é uma contradição aparente, mas é útil em um sentido descriti- ou da ação de certos solventes em sólidos (cristais líquidos
vo, porque os materiais nesse estado são, de muitas maneiras, liotrópicos). O primeiro registro de observação de um cris-
intermediários entre os estados líquido e sólido. tal líquido termotrópico foi feito por Reinitzer, em 1888,
quando aqueceu benzoato de colesterila. A 145 °C, o sólido
formou um líquido turvo (um cristal líquido termotrópico),
Estrutura e propriedades dos cristais líquidos que apenas se tornou claro, resultando no estado líquido
convencional, a 179 °C.
Como visto anteriormente, as moléculas no estado líquido
são móveis em três direções e podem também rotar em torno
de três eixos mutuamente perpendiculares. No estado sólido,
entretanto, as moléculas são imóveis e as rotações não são PROPRIEDADES E IMPORTÂNCIA DOS CRISTAIS
tão fáceis. LÍQUIDOS
É razoável supor, portanto, que haja estados intermediá-
rios de mobilidade e rotação e, de fato, eles existem. São esses
estados que constituem a fase líquida cristalina ou mesofase, Devido a sua natureza intermediária, os cristais líquidos pos-
como também é chamada. suem algumas das propriedades dos líquidos e algumas das
Os dois principais tipos de cristais líquidos são chama- propriedades dos sólidos. Por exemplo, cristais líquidos são
dos de esméticos (semelhantes a sabão ou a graxa) e nemá- móveis e podem, por conseguinte, ser considerados como ten-
ticos (semelhantes a fios). No estado esmético, as moléculas do propriedades de fluidez semelhantes aos dos líquidos. Ao
são móveis em duas direções e podem rotar em um eixo (Fi- mesmo tempo, eles possuem a propriedade de serem birrefrin-
gura 2-15a). No estado nemático, as moléculas podem rotar gentes, uma propriedade associada com cristais. Na birrefrin-
também em um eixo, mas são móveis em três dimensões gência, a luz que passa através do material é dividida em dois
(Figura 2-15b). Há um terceiro tipo de cristal (colestérico), componentes com diferentes velocidades e, conseqüentemen-
que pode, porém, ser considerado um caso especial do tipo te, há índices de refração diferentes.
nemático. Na arteriosclerose, a incorporação de colesterol Alguns cristais líquidos mostram variações consistentes de
e lipídios em macrófagos humanos subendoteliais origina cor com a temperatura e essa característica tem sido utilizada
uma membrana biológica líquido-cristalina insolúvel,33 a para detectar áreas de elevada temperatura sob a pele, que po-
qual, por fim, resulta na formação de uma placa. A fase es- dem ser causadas por um processo de doença. Cristais líquidos
mética é, provavelmente, a de maior importância farmacêu- nemáticos podem ser sensíveis a campos elétricos, uma pro-
tica, porque é a fase que usualmente forma-se em misturas priedade usada no desenvolvimento de sistemas de display. A
ternárias (ou mais complexas) que contêm um tensoativo, mesofase esmética tem aplicação na solubilização de materiais
água e um aditivo fracamente anfifílico ou não-polar (ver insolúveis em água. É possível que fases líquido-cristalinas
Capítulo 18). desse tipo estejam freqüentemente presentes em emulsões e

(a) Mesofase esmética

Figura 2-15 O estado de cristal líquido. (a) Estrutura esmética;(b)


(b) Mesofase nemática estrutura nemática.
56 P ATRICK J. S INKO

possam ser responsáveis pela elevada estabilidade física, devi-


do a sua natureza altamente viscosa.
O estado líquido-cristalino é bastante difundido na natureza, Fluido
supercrítico
com formas lipóides encontradas em nervos, tecido cerebral e
vasos sangüíneos. A arteriosclerose pode ser relacionada à depo- Líquido
sição de lipídeo no estado líquido-cristalino nas paredes dos va- Pc
Ponto crítico
sos sangüíneos. Os três componentes da bile (colesterol, um sal
do ácido da bile e água), nas proporções corretas, formam uma
mesofase esmética, e isso pode estar envolvido na formação de
Sólido
cálculos biliares. Bogardus34 aplicou o princípio da formação de A curva
cristal líquido à solubilização e dissolução do colesterol, o maior líquido-vapor

Pressão
componente dos cálculos biliares. O colesterol é convertido em
uma fase líquido-cristalina na presença de oleato de sódio e água
e se dissolve rapidamente da superfície dos cálculos.
Cristais líquidos não-aquosos podem ser formados da Gás
trietanolamina (TEA) e ácido oléico com uma série de polie-
tilenoglicóis e vários ácidos orgânicos como solventes, como
o miristato de isopropila, esqualano, esqualeno, óleo naftênico,
para substituir a água dos mesomorfos aquosos. Gráficos trian-
gulares ou diagramas de fase ternários foram usados por Friberg
e colaboradores35a,35b para mostrar as regiões da fase líquido-
cristalina nas quais os componentes polares (polietilenoglicóis) Tc
ou não-polares (esqualeno, etc.) estão presentes como solvente. Temperatura
Ibrahim36 estudou a liberação de ácido salicílico como fár- Figura 2-16 Diagrama de fases mostrando a região supercrítica de um gás
maco-modelo, a partir de sistemas líquido-cristalinos liotrópicos comprimido. PC: ponto crítico. (Modificada de Milton Roy, Co.,Supercritical
através de barreiras lipídicas até uma solução aquosa tamponada. Fluid Extraction: Principles and Aplicações [Bulletin 37.020], Milton Roy Co.,
Finalmente, cristais líquidos apresentam estruturas que se Ivydale, Pa.)
acredita serem similares àquelas encontradas em membranas
celulares. Desse modo, cristais líquidos podem servir como
modelos biofísicos úteis para a estudar a estrutura e a funcio-
na viscosidade, enquanto que a capacidade do fluido supercrí-
nalidade de membranas celulares.
tico em dissolver compostos também aumenta. Um gás, que
Friberg escreveu uma monografia sobre cristais líquidos.35b
pode não ter tendência (ou ter uma tendência muito pequena)
Para uma discussão mais detalhada do estado líquido-cristali-
a dissolver um composto sob condições ambientes, pode dis-
no, referimos ao artigo de revisão de Brown,37 o qual serve
solver completamente o composto sob alta pressão na faixa
como introdução conveniente à literatura a respeito do tema.
supercrítica. A Figura 2-17 ilustra esse fenômeno com o CO2,
em que o CO2 mantido na mesma temperatura pode dissolver
diferentes classes de substâncias químicas a partir de fontes de
O ESTADO DE FLUIDO SUPERCRÍTICO produtos naturais quando a pressão for aumentada.38 É tam-
bém importante notar que pode ser feita a adição de mais um
gás ou a adição de um solvente (denominado de co-solvente)
Fluidos supercríticos foram descritos pela primeira vez há mais
como água e/ou etanol para aumentar a capacidade do fluido
de 100 anos e podem ser formados por muitos gases normais
supercrítico em dissolver substâncias.
diferentes, como o dióxido de carbono. Eles possuem proprie-
dades que são intermediárias entre aquelas dos líquidos e dos Aplicações de fluidos supercríticos nas Ciências Farma-
gases, possuindo maior capacidade em permear substâncias cêuticas foram muito bem abordadas por Kaiser e colabora-
sólidas (de modo similar aos gases) e possuindo altas densida- dores39 em um artigo de revisão. Há vários usos comuns para
des que podem ser reguladas pela pressão (como os líquidos). os fluidos supercríticos, incluindo extração,40,41 cristaliza-
Um fluido supercrítico é uma mesofase formada pelo estado ção,42 e preparação de formulações (eles estão sendo cada vez
gasoso quando o gás é mantido sob uma combinação de tem- mais usados para preparar misturas de polímeros43,45 e para a
peraturas e pressões que excede o ponto crítico da substância formação de micro e nanopartículas46). Fluidos supercríticos
(Figura 2-16). Resumidamente, um gás que é levado acima de oferecem diversas vantagens sobre metodologias tradicionais:
sua temperatura crítica (Tc) ainda irá se comportar como um potencial para extrações a baixa temperatura e purificação de
gás, independente da pressão aplicada. A pressão crítica (Pc) compostos (considere o calor adicionado em procedimentos
é a pressão mínima necessária para liquefazer um gás a uma de destilação), volatilidade de solventes sob condições am-
dada temperatura.* À medida que a pressão é elevada, a den- bientes, seletividade dos compostos extraídos (Figura 2-17),
sidade do gás pode aumentar sem um acréscimo significativo menor uso de energia e menor viscosidade do que os solven-
tes.38 Mais importante é a redução de toxicidade dos gases e
* N. de T.: A pressão de equilíbrio líquido-vapor é a pressão mínima neces-
a redução da necessidade do uso de solventes perigosos, que
sária para liquefazer um gás a uma dada temperatura. A pressão crítica é requerem um descarte caro. Por exemplo, o fluido supercrítico
a maior das pressões de equilíbrio líquido-vapor possíveis para uma dada CO2 pode ser descartado simplesmente mediante a abertura de
substância, como fica claro na Figura 2-16. uma válvula e a liberação do CO2 na atmosfera.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 57

A
Quantidade

Óleos Terpenos de elevada Ácidos Óleos Ceras Resinas Pigmentos


essenciais massa graxos livres livres
molecular
870 psi/60 °C 1450 psi/60 °C 4350 psi/60 °C

Figura 2-17 Efeito da pressão na capacidade de fluidos supercríticos em extrair diferentes compostos. (Modifica-
da de Milton Roy Co., Supercritical Fluid Extraction: Principles and Applications [Bulletin 37.020], Milton Roy Co.,
Ivyland, Pa.)

Um dos melhores exemplos do uso de fluidos supercríti- variação da temperatura. Os métodos para caracterizar tais al-
cos é a descafeinização do café.39,47 Tradicionalmente, solven- terações por aquecimento ou resfriamento de uma amostra do
tes como o cloreto de metileno têm sido usados no processo de material são denominados análise térmica. Os tipos mais co-
descafeinização. Isso leva a um grande custo na aquisição e no muns de análise térmica são: a calorimetria diferencial de var-
descarte dos resíduos de solventes e aumenta o risco de toxici- redura (DSC), a análise térmica diferencial (DTA), a análise
dade. O CO2 supercrítico tem sido usado para a descafeinização termogravimétrica (TGA) e a análise termomecânica (TMA).
do café e do chá. O interessante é que o uso inicial de CO2 re- Esses métodos se mostraram úteis na pesquisa farmacêutica e
sultou na remoção de importantes compostos responsáveis pelo no controle de qualidade para caracterização e identificação de
sabor. A perda desses compostos resultou em um gosto não mui- compostos, determinação da pureza, polimorfismo,20,21 con-
to agradável e em um produto inaceitável. Estudos adicionais teúdo de solvente e umidade, conteúdo amorfo, estabilidade e
demonstraram que a adição de água ao CO2 supercrítico levou
compatibilidade com adjuvantes.
a uma significativa redução na perda do sabor. Contudo, nesse
Em geral, métodos térmicos envolvem o aquecimento
processo, uma amostra contendo grãos de café é colocada no
sistema para saturar a água com os compostos responsáveis pelo de uma amostra sob condições controladas e a observação
sabor. O CO2 é passado em uma coluna de extração mediante das mudanças físicas e químicas que ocorrem. Tais méto-
diminuição da pressão e a cafeína residual que ele carrega é co- dos medem diversas propriedades diferentes, como ponto de
letada na coluna. A amostra de grãos é removida e descartada e fusão, capacidade calorífica, calores de reação, cinética de
então a primeira batelada de grãos de café a serem comercializa- decomposição e propriedades de alterações no fluxo (reoló-
dos é passada no sistema e a água é recirculada. Várias bateladas gicas) de alimentos, materiais bioquímicos, farmacêuticos e
de café descafeinado são preparadas dessa maneira antes que a da agricultura. Esses métodos serão brevemente descritos,
água seja descartada. O processo leva à remoção de aproxima- com exemplos de aplicações. A análise térmica diferencial
damente 97% da cafeína dos grãos. Esse é um excelente exem- vinha sendo usada mais freqüentemente do que a DSC, prin-
plo de como os co-solventes podem ser usados para melhorar a cipalmente porque os instrumentos para a DTA apareceram
qualidade do material processado por CO2 supercrítico. antes no mercado e eram mais baratos. A calorimetria di-
ferencial de varredura é a técnica mais comum e mais útil
porque suas medidas podem ser relacionadas mais direta-
ANÁLISE TÉRMICA mente a propriedades termodinâmicas. A princípio, qualquer
análise que pode ser realizada com DTA pode ser também
Conforme mencionado anteriormente neste capítulo, vários feita com DSC, sendo, portanto, esta última uma técnica
efeitos químicos e físicos podem ser produzidos mediante a mais versátil.
58 P ATRICK J. S INKO

Pico de fusão
Velocidade de fluxo de calor (cal/s)

Endoterma

Exoterma

ºC

, , ,
Figura 2-18 Termograma de um fármaco. Transições endotérmicas (absorção de calor) são mostradas na direção
ascendente e transições exotérmicas (perda de calor) são representadas graficamente para baixo. A fusão é um
processo endotérmico, enquanto a cristalização ou congelamento é um processo exotérmico. A área sob o pico de
fusão é proporcional ao calor de fusão, ΔHf.

Figura 2-19 Calorímetro diferencial de var-


redura Perkin-Elmer DSC-3. Os diais e janelas
no console à direita são usados para progra-
mar o aumento e diminuição da temperatura
sob velocidades definidas e para definir a
linha de base do termograma, que é então
desenhado graficamente num plotter. A se-
ção à esquerda do instrumento é a unidade
de aquecimento, com dois recipientes para
amostra, Q e o bloco de aquecimento, P. A
tampa da amostra, R, é fechada e a unidade
de aquecimento é coberta por uma cápsula
de proteção durante a medida.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 59

Calorimetria diferencial de varredura Termopar

Na calorimetria diferencial de varredura, a amostra e um ma-


terial de referência são colocados em panelinhas separadas e a
temperatura de cada uma é aumentada ou diminuída a uma ve-
locidade pré-determinada. Quando a amostra, por exemplo, áci-
do benzóico, atinge o seu ponto de fusão, nesse caso 122,4 °C,
ela permanece na mesma temperatura até que todo o material Amostra Referência
Aquecedor
tenha passado para o estado líquido devido à natureza endotér- (fonte comum de
mica do processo de fusão. Há uma diferença de temperatura, calor para ambas
portanto, entre o ácido benzóico e a referência, índio (ponto de amostras)
fusão [p.f.]= 156,6 °C), à medida que a temperatura dos dois Figura 2-20 Fonte comum de calor no analisador térmico diferencial com
materiais é aumentada de forma gradual através da faixa de 122 termopares em contato com a amostra e com o material de referência.
a 123 °C. Um segundo circuito de temperatura é usado no DSC
para fornecer o fluxo de calor necessário para sobrepujar essa
diferença de temperatura. Assim, a temperatura da amostra,
ácido benzóico, é mantida no mesmo valor que a da referência, particular, associadas com espectroscopia infravermelha e di-
índio. A diferença é o calor fornecido à amostra, e o valor da fração de raios X. Usando essas técnicas, eles caracterizaram
quantidade de calor por unidade de tempo é transmitido a um várias formas sólidas de fármacos, como sulfonamidas, e cor-
computador e representado graficamente como dH/dt versus a relacionaram várias propriedades físicas de materiais cristali-
temperatura média à qual a amostra e a referência estão sendo nos com interações entre sólidos, velocidades de dissolução,
elevadas. A entrada diferencial de calor é registrada com uma estabilidades nos estados cristalino e amorfo.
sensibilidade de ±0,1 mcal/s, e a faixa de temperatura sobre a Para referências adicionais sobre o uso do DSC na pesquisa
qual o instrumento opera varia de –175 até 725 °C. Os dados e tecnologia, pode-se contatar os fabricantes dos equipamentos
coletados em uma análise de DSC para um composto como o de análise térmica diferencial para bibliografias completas.50
ácido benzóico são mostrados no termograma na Figura 2-18.
O instrumento DSC-3 é esboçado de maneira esquemática na
Figura 2-19. O painel com seus controles e leitura de tempe- Análise térmica diferencial
ratura é mostrado com diais para pré-definir a temperatura e as Na análise térmica diferencial (DTA), tanto a amostra quan-
taxas de variação de temperatura. A unidade na esquerda forne- to o material de referência são aquecidos por uma fonte co-
ce aquecimento e resfriamento uniforme e contém a amostra e mum de calor (Figura 2-20), diferentemente dos aquecedores
a referência em panelinhas apropriadas na câmara da amostra. individuais usados no DSC (Figura 2-21). Termopares são
Um analisador termogravimétrico e um analisador termome- colocados em contato com a amostra e a referência no DTA
cânico podem ser adicionados ao instrumento básico. Uma es- para monitorar a diferença de temperatura entre a amostra e
tação de dados pode ser também acoplada para processar os a referência, à medida que elas são aquecidas a velocidade
dados térmicos. O DSC-4 difere levemente em aparência do constante. A diferença de temperatura entre a amostra e a re-
DSC-3 mostrado na Figura 2-19. ferência é representada graficamente em função do tempo.
A DSC é uma medida do fluxo de calor para e a partir do Um processo endotérmico, como uma fusão (ou exotérmico
sistema. Em geral, uma reação endotérmica (o material está ab- como uma reação de decomposição) é representado por um
sorvendo calor) na DSC provém de dessolvatações, fusões, tran- pico no termograma.
sições vítreas e, mais raramente, decomposições. Uma reação Embora a DTA seja uma ferramenta útil, vários fatores
exotérmica medida por DSC é usualmente indicativa de um pro- afetam os resultados. A diferença de temperatura, ΔT, depen-
cesso de decomposição (a energia é liberada quando uma ligação de, dentre outros fatores, da resistência ao fluxo de calor, R.
é rompida) e reorganizações moleculares, como cristalização. A Por seu turno, R depende da temperatura, natureza da amostra
calorimetria diferencial de varredura tem tido uso crescente na
padronização do processo de liofilização.48 Mudanças nos cristais
e formação de eutéticos no estado congelado, bem como o caráter
amorfo, podem ser detectados por DSC (e por DTA) quando os Amostra Referência
instrumentos estão operando abaixo da temperatura ambiente.
Embora a DSC seja usada de forma ampla em Farmácia
para estabelecer a identidade e pureza, é também quase tão co-
mumente usada para se obterem as capacidades caloríficas e Sensores de
calores de fusão mencionados nos Capítulos 3 e 10. Também calor de platina
é útil para a construção de diagramas de fase para estudar po-
limorfos discutidos neste capítulo e para realizar estudos de
cinética de decomposição de sólidos (Capítulo 15). Aquecedores
Calorimetria diferencial de varredura e outros métodos de individuais
análise térmica têm diversas aplicações na pesquisa biomédi-
ca e na tecnologia de alimentos. Guillory e colaboradores49 Figura 2-21 Fontes de calor separadas e sensores de calor de platina usa-
exploraram as aplicações da análise térmica, DSC e DTA em dos na calorimetria diferencial de varredura.
60 P ATRICK J. S INKO

e empacotamento do material nas bandejas de análise. Assim,


não é possível calcular diretamente as energias de fusão, su-
blimação e decomposição, pelo que a DTA é usada como um
CONCEITO APLICAÇÃO PRÁTICA DA
método qualitativo ou semiquantitativo para as medidas calori- ANÁLISE TÉRMICA
métricas. A DSC, embora mais cara, é necessária para resulta-
dos mais exatos e precisos. Usando TGA em combinção com 260 °C, podem ser elaboradas
Uma técnica relacionada é a análise dielétrica (DEA), DSC ou DTA, podemos classi- algumas hipóteses. A perda de
também discutida no Capítulo 4. O conceito envolvido é que ficar as reações endotérmicas 4% em massa foi associada a
as moléculas movem-se em resposta a um campo elétrico ou exotérmicas. Por exemplo, uma transformação endotér-
aplicado de acordo com o seu tamanho, momentos de dipo- se um termograma DSC exibir mica, que pode corresponder à
lo e ambiente (o qual se altera com a temperatura). Nessa uma reação endotérmica a 120 dessolvatação, fazendo-a uma
técnica, a amostra serve como um meio dielétrico em um °C, outra reação endotérmica a escolha provável para a respos-
capacitor e, à medida que o campo elétrico de corrente alter- 190 °C, e uma exotérmica a 260 ta endotérmica. A ausência de
nada oscila, o movimento dos dipolos permanentes é sentido °C, o cientista deve determinar perda de massa a 190 °C pode
como um deslocamento de fase relativo à escala de tempo a causa de cada um desses pro- sugerir, provavelmente, uma fu-
das freqüências usadas. Cada amostra terá uma resposta cessos de troca de calor. Com são, devido à transformação en-
característica ou permissividade a uma dada temperatura e a utilização de um instrumento dotérmica observada no DSC. A
freqüência. Conforme a amostra é aquecida ou resfriada, a TGA, a mudança no peso de uma perda final de toda a massa res-
resposta varia, pois a mobilidade dos dipolos moleculares amostra é medida em função da tante a 260 °C é possivelmente
se altera. Ao passar por uma transição de primeira ordem, temperatura. Se o mesmo mate- devida a uma decomposição, e
como a fusão, a mobilidade irá exibir uma mudança drástica rial for submetido a uma análise a exotérmica medida no DSC
independente da freqüência, dando origem a uma família de TGA, as transições podem ser apóia essa conclusão. Além
curvas com diferentes intensidades, porém, com um máximo classificadas de acordo com a disso, uma análise Karl Fisher,
comum ocorrendo na temperatura de transição. Para transi- alteração na massa. Assim, se descrita na próxima seção, pode
ções vítreas (pseudo-segunda ordem), nas quais a transição uma perda de 4% de massa for ser usada para determinar se o
ocorre sobre uma ampla faixa de temperatura, haverá uma observada a 120 °C, se nenhu- sólido é um solvato de água, a
variação distinta na intensidade e na temperatura, permitindo ma perda for observada a 190 fim de determinar se a perda de
uma detecção extremamente sensível de tais eventos. A DEA °C e se houver perda da massa 4% da massa é devida à água.
detecta a “viscosidade” microscópica do sistema e pode for-
necer informação sobre energias de ativação das transforma-
ções, bem como sobre a homogeneidade das amostras. Essa
técnica, contudo, requer significativamente mais análise de
dados do que os outros métodos discutidos. ção da temperatura. Usando um dispositivo de sonda (probe
assembly) em contato com o material, qualquer movimento
devido à expansão, fusão ou outras transformações físicas
Análises termogravimétrica e termomecânica fornece um sinal elétrico ao registrador. O forno, no qual
são colocadas a amostra e a sonda, controla a temperatura, a
Variações do peso com a temperatura (análise termogravi- qual pode ser programada em uma faixa de –150 a 700 °C. O
métrica, TGA) e variações de propriedades mecânicas com a aparelho serve essencialmente como um penetrômetro, dila-
temperatura (análise termomecânica, TMA) são usadas na pes- tômetro ou teste de tensão sobre uma larga faixa de tempe-
quisa de Engenharia Farmacêutica e no controle de qualidade raturas programadas. Humphries e colaboradores53 usaram
industrial. Na TGA, uma balança no vácuo com sensitividade TMA em estudos das propriedades mecânicas e viscoelás-
de 0,1 μg é usada para registrar o peso da amostra sob pressões ticas do cabelo e do estrato córneo da pele. A análise TMA
de 10-4 mm a 1 atm. também é amplamente usada na análise de filmes poliméri-
Os instrumentos de TGA agora começam a ser acoplados cos e revestimentos usados nos processos farmacêuticos.
com espectrômetros infravermelhos ou de massas para deter-
minar a natureza química dos gases liberados da amostra. A
próxima subseção descreve a análise do tipo Karl Fisher, que O método Karl Fisher
pode também auxiliar a determinar se a dessolvatação pode
ser atribuída à água ou a solventes residuais do processamento O método Karl Fisher costuma ser aplicado como um mé-
químico. As variações com a temperatura de sais hidratados, todo de titulação potenciométrica usado comumente para se
como o oxalato de cálcio, CaC2O4 H2O, foram estudadas usan- determinar a quantidade da água associada com um mate-
do TGA, como foi discutido por Simons e Newkirk.51 rial sólido. O método segue a reação do iodo (gerado ele-
A caracterização por TGA do tecido ósseo associado troliticamente no ânodo de um banho reagente) e enxofre
com estruturas dentais foi descrita por Civjan e colaborado- com água. Um mol de iodo reage com 1 mol de água, de
res.52 A análise termogravimétrica também pode ser usada modo que a quantidade de água é diretamente proporcional
para estudar a estabilidade de fármacos e a cinética de de- à eletricidade produzida. Como mencionado, uma medida
composição. de DSC poderia indicar uma reação endotérmica a 120 °C.
A análise termomecânica (TMA) mede a expansão e ex- Essa reação endotérmica pode consistir na fusão do material
tensão de materiais ou variações nas propriedades viscoelás- cristalino ou ser causada por uma dessolvatação ou por uma
ticas e distorções devidas ao calor, como contração, em fun- conversão polimórfica. Se alguém mede o mesmo material
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 61

usando TGA e encontra uma perda de peso de cerca de 4% condições, mas na maioria dos sistemas é usual encontrar-
na mesma temperatura que o processo endotérmico, pode mos fases em coexistência. Por exemplo, um copo de água
determinar que a transformação endotérmica procede de um com gelo em um dia quente de verão consiste de três fases
processo de dessolvatação. coexistentes: gelo (sólido), água (líquido) e vapor (gás). A
Usando a análise Karl Fisher pode-se adicionar material quantidade de gelo na bebida depende de muitas variáveis,
sólido à unidade de titulação e determinar a quantidade de incluindo a quantidade de gelo inicialmente colocada no
água misturando os reagentes e os eletrodos potenciométri- copo, a temperatura da água na qual o gelo foi colocado e
cos. O método de Karl Fisher é um auxílio na medida em a temperatura do ar das vizinhanças. Quanto mais demora-
que pode determinar se a dessolvatação é toda devida à água damente o copo for exposto ao ar quente, mais decrescerá
(mostrando um conteúdo de água de 4%) ou provém da perda a quantidade de gelo e a sua fusão produzirá mais água lí-
de outros solventes aprisionados na rede cristalina. O método quida. Contudo, a evaporação da água para a fase vapor que
é rotineiramente usado em aplicações farmacêuticas, incluin- é liberada em um grande volume de ar também decrescerá
do o estudo de efeitos da umidade em sólidos que absorvem o volume do líquido. Para este sistema, não se estabelece o
água do ar e, em controle de qualidade, para demonstrar a equilíbrio, porque o volume disponível para o vapor é re-
quantidade de água associada a diferentes lotes de produtos lativamente infinito em contraste com os volumes da água
sólidos manufaturados. líquida e do gelo.
Se a água com gelo for mantida fechada dentro de uma
garrafa, os efeitos da evaporação serão limitados ao espaço de
Análise de sorção e dessorção de vapor ar disponível, o gelo funde formando o líquido e a evaporação
depende do tempo e da temperatura. Por exemplo, se a garra-
Esta técnica é similar à TGA na medida em que mede varia- fa for colocada em um congelador, apenas uma fase, o gelo,
ções de massa em sólidos quando expostos a diferentes va- estará presente após um longo tempo de armazenamento. O
pores de solventes e condições de temperatura e/ou umidade, aquecimento da garrafa, desde que o volume se mantenha
embora ela tipicamente opere de modo isotérmico. Greens- fixo, pode potencialmente levar à formação apenas da fase
pan54 publicou uma lista definitiva de soluções salinas satura- vapor. Abrir e fechar a garrafa irá alterar a composição da
das que podem ser usadas para controlar a umidade relativa e fase vapor e, portanto, afetar o equilíbrio. Esse exemplo de
são amplamente utilizadas para estudar muitas propriedades um sistema de um componente pode ser estendido para siste-
físico-químicas de fármacos. Por exemplo, se uma solução mas de dois componentes de uma suspensão de um fármaco,
salina saturada selecionada, que confere uma alta umidade na qual o fármaco sólido encontra-se suspendido e dissolvido
relativa, for colocada em um recipiente fechado, a higrosco- em solução e a evaporação pode ocorrer no volume de ar dis-
pia do fármaco pode ser determinada medindo a variação de ponível no recipiente. O sistema de suspensão permanecerá
massa no sólido sob essa umidade. Uma variação positiva na em equilíbrio até que o recipiente seja aberto para a admi-
massa indica que o material sólido está absorvendo (coleti- nistração do fármaco, e o equilíbrio deve então ser restabe-
vamente chamado sorção) o solvente, nesse caso água, da at- lecido para o novo sistema. Um novo estado de equilíbrio ou
mosfera no interior do recipiente. A capacidade do sólido de de não-equilíbrio será estabelecido, pois o uso da suspensão
continuamente absorver água até se transformar em uma solu- decrescerá o volume do líquido e do sólido no recipiente. As-
ção é chamada de deliqüescência. Uma perda de massa pode sim, um novo sistema é criado após cada abertura, uso de uma
também ser medida sob baixas umidades relativas controladas dose e fechamento do recipiente. Isso será discutido em mais
com diferentes sais, sendo chamada de dessorção. A sorção e detalhes posteriormente.
dessorção do vapor de água pode ser usada para estudar va- Antes de entrar em detalhes sobre as fases individuais, é
riações no estado de solvatação de um material cristalino.55,56 importante entender como as fases coexistem, quais as regras
Variações de instrumentos comerciais também permitem a de-
que governam a sua coexistência, e o número de variáveis ne-
terminação da sorção/dessorção de outros solventes. O grau
cessárias para definir o(s) estado(s) de matéria presentes sob
de solvatação de uma forma cristalina pode ter um efeito ad-
determinadas condições.
verso na sua estabilidade química57 e/ou na sua capacidade de
ser manufaturada.
Geralmente, quanto menos sensível um material sólido A regra das fases
ou uma formulação for a variações na umidade relativa, tanto
mais estável será o tempo de prateleira e a eficácia do produto. Em cada um dos exemplos há pouco mencionados, cada fase
A indústria farmacêutica fornece produtos em todo o mundo, pode ser definida por uma série de variáveis independentes (p.
com consideráveis variações climáticas de lugar para lugar. ex., temperatura) e sua coexistência pode ocorrer apenas em
Portanto, a medição das velocidades e da extensão da sorção/ uma faixa limitada. Por exemplo, o gelo não resiste tanto tem-
dessorção de umidade é muito importante para a predição da po em água fervente quanto em água fria. Portanto, para enten-
estabilidade dos fármacos. der e definir o estado de cada fase, é necessário o conhecimen-
to de diversas variáveis. J. Willard Gibbs formulou a regra das
fases, que é uma relação para determinar o número mínimo
de variáveis intensivas (variáveis independentes do volume ou
EQUILÍBRIO DE FASES E A REGRA DAS FASES tamanho da fase, p. ex., temperatura, pressão, densidade e con-
centração) que podem ser alteradas sem modificar o estado de
As três fases primárias da matéria (sólido, líquido e gás) equilíbrio do sistema ou, alternativamente, o número mínimo
são muitas vezes definidas individualmente sob diferentes necessário para definir o estado do sistema. Esse número críti-
62 P ATRICK J. S INKO

co é chamado de F, o número de graus de liberdade no sistema, ou outra variável seja conhecida e varie independentemente do
e a regra é expressa como: volume do gás. De modo similar, se a temperatura do gás for
F C−P 2 definida, é necessário conhecer o volume, pressão ou alguma
(2-19)
outra variável para definir completamente o sistema.
onde C é o número de componentes e P é o número de fases A seguir consideraremos um sistema consistindo em um
presentes. líquido, por exemplo, água, em equilíbrio com o seu vapor.
Olhando para esses termos com mais detalhe, podemos de- Definindo a temperatura definimos o sistema completamente,
finir fase como uma porção homogênea, fisicamente distinta do uma vez que a pressão sob a qual o líquido e o vapor podem
sistema, que é separada de outras porções do sistema por superfí- coexistir também é definida. Se, pelo contrário, decidimos tra-
cies de fronteira. Assim, um sistema contendo água e seu vapor é balhar a uma dada pressão, então a temperatura do sistema será
um sistema de duas fases (bifásico). Uma mistura em equilíbrio automaticamente definida. De novo, isso está de acordo com
de gelo, água líquida e vapor de água é um sistema de três fases. a regra das fases porque a equação (2-18) agora fornece F =
O número de componentes é o menor número de consti- 1 – 2 + 2 = 1.
tuintes com os quais a composição de cada fase no sistema em Como um terceiro exemplo, suponhamos que resfriamos a
equilíbrio pode ser expressa como uma fórmula ou equação água líquida e seu vapor até que uma terceira fase (o gelo) se
química. O número de componentes na mistura de gelo, água forme. Sob essas condições, o estado do sistema trifásico gelo-
líquida e vapor de água em equilíbrio é igual a um, porque a água-vapor é completamente definido e a regra das fases fornece
composição de todas as três fases é descrita pela fórmula quí- F = 1 – 3 + 2 = 0. Em outras palavras, não há graus de liberdade.
mica H2O. No sistema de três fases CaCO3 = CaO + CO2, a Se tentarmos variar as condições particulares de temperatura ou
composição de cada fase pode ser expressa pela combinação pressão necessárias para manter esse sistema, perderemos uma
de duas quaisquer das espécies químicas presentes. Por exem- das fases. Assim, se quisermos preparar um sistema trifásico
plo, se escolhermos usar CaCO3 e CO2, podemos escrever contendo gelo, água e vapor, não teremos escolha a respeito da
CaO como (CaCO3 – CO2). Assim, o número de componentes temperatura ou da pressão nas quais trabalharemos. Essa com-
no sistema é dois. binação é fixa e unívoca. Isso é conhecido como o ponto triplo, e
O número de graus de liberdade é o número mínimo de iremos discuti-lo posteriormente com mais detalhe.
variáveis intensivas que devem ser fixas ou conhecidas para A relação entre o número de fases e os graus de liberdade
se descrever completamente o sistema. Aqui reside a utilidade em sistemas de um componente está resumida na Tabela 2-7.
da regra das fases. Embora um grande número de proprieda- O estudante deve confirmar estes dados consultando a Figura
des intensivas seja associado a qualquer sistema, não é neces- 2-22, a qual mostra o equilíbrio de fases da água sob pressões
sário enumerá-las todas para definir o sistema. Por exemplo, moderadas.
consideremos uma dada massa de um gás, digamos, vapor de É importante perceber que, à medida que aumenta o nú-
água, confinado em um dado volume. Usando a regra das fa- mero de componentes, aumenta também o número de graus de
ses, apenas duas variáveis independentes são necessárias para liberdade necessários para definir o sistema. Assim, na medida
se definir o sistema, F = 1 – 1 + 2 = 2. Uma vez que precisa- em que o sistema se torna mais complexo, se torna necessário
mos conhecer duas das variáveis para definir completamente fixar mais variáveis para defini-lo. Quanto maior o número de
fases em equilíbrio, contudo, tanto menor será o número de
o sistema gasoso, dizemos que o sistema tem dois graus de
graus de liberdade.
liberdade. Assim, mesmo que o volume seja conhecido, será
Assim:
impossível para alguém duplicar esse sistema exatamente (so-
mente por puro acaso) a não ser que a temperatura, pressão Água líquida + vapor

TABELA 2-7
APLICAÇÃO DA REGRA DAS FASES A SISTEMAS DE UM COMPONENTE

Sistema Número de fases Graus de liberdade Comentários

Gás, líquido ou sólido 1 F= C – P + 2 O sistema é bivariante (F=2) e encontra-se em algum lugar dentro
=1–1+2=2 das áreas marcadas como vapor, líquido ou sólido na Figura
2-22. Devemos fixar duas variáveis, por exemplo, P2 e t2, para
definir o sistema D.
Gás-líquido, líquido- 2 F= C – P + 2 O sistema é univariante (F=1) e encontra-se em algum lugar nas
sólido ou gás-sólido =1–2+2=1 linhas entre as regiões bifásicas, ou seja, as linhas AO, BO ou
CO na Figura 2-22. Devemos fixar uma variável, ou seja, P1 ou
t2, para definir o sistema E.
Gás-líquido-sólido 3 F= C – P + 2 O sistema é invariante (F=0) e somente pode estar localizado no
=1–3+2=0 ponto de intersecção das linhas demarcatórias das três regiões
de fase, ou seja, o ponto O na Figura 2-22.
* C = número de componentes; P = número de fases.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 63

um aumento de pressão, pois a compressão traz as moléculas


para dentro da faixa de ação das forças intermoleculares atra-
tivas. É interessante observar que a uma temperatura abaixo
Pressão de vapor (mm Hg)

Sólido Líquido do ponto triplo, por exemplo, t3, um aumento de pressão na


água na fase vapor primeiro converterá o vapor em gelo e
então a uma pressão mais elevada em água líquida. Esta se-
qüência vapor → gelo → líquido é devida ao fato de que o
gelo ocupa um volume maior que o da água líquida abaixo
do ponto triplo. No ponto triplo, todas as três fases coexistem
Vapor em equilíbrio, ou seja, o único equilíbrio se dá a essa pressão
, 0,0098 °C
com essa temperatura de 0,0098 °C (ou, com respeito à regra
das fases, F = 0).
Como foi visto na Tabela 2-7, em qualquer uma das três
Temperatura (°C) regiões nas quais o sólido puro, o líquido ou o vapor existem e
Figura 2-22 Diagrama de fases da água a pressões moderadas. P = 1, a regra das fases resulta em:
F 1−1 2 2
Portanto, temos que fixar duas condições, a saber, tempe-
Álcool etílico líquido + vapor
ratura e pressão, para especificar ou descrever o sistema com-
Água líquida + álcool etílico líquido + mistura vapor
pletamente. Essa afirmação significa que, se quisermos regis-
(Nota: Álcool etílico e água são completamente miscí- trar os resultados de um experimento científico envolvendo
veis, como vapores ou líquidos.) uma dada quantidade de água, não seria suficiente dizer que a
Água líquida + Álcool benzílico líquido + mistura vapor água fora mantida a, digamos, 76 °C. A pressão também deve-
(Nota: Álcool benzílico e água formam duas fases lí- ria ser especificada para definir completamente o sistema. Se
quidas separadas e uma fase vapor. Gases são miscíveis o sistema fosse aberto à atmosfera, a pressão atmosférica no
em todas as proporções. Água e álcool benzílico são ape- momento do experimento seria registrada. Reciprocamente,
nas parcialmente miscíveis. Portanto, no sistema com- não seria suficiente mencionar que a água líquida estava pre-
pletamente miscível (monofásico) álcool etílico-água é sente a certa pressão sem mencionar também a temperatura. A
necessário definir as duas variáveis, mas apenas uma va- regra das fases nos diz que o experimentador pode alterar duas
riável no sistema parcialmente miscível (bifásico) álcool condições sem causar o aparecimento ou desaparecimento da
benzílico-água.) fase líquida. Assim, dizemos que a água líquida exibe dois
graus de liberdade.
Ao longo de qualquer uma das três curvas nas quais duas
Sistemas contendo um componente fases coexistem em equilíbrio, F = 1 (ver Tabela 2-7). As-
Já consideramos um sistema contendo um componente, a sim, apenas uma condição é suficiente para definir o sistema.
saber, a água, ilustrado na Figura 2-22 (não desenhada em Se afirmarmos que o sistema contém água líquida e vapor de
escala). A curva OA no diagrama P-T (pressão-temperatura) água em equilíbrio a 100 °C, não precisamos especificar a
na Figura 2-22 é conhecida como curva da pressão de va- pressão, pois a pressão de vapor não pode ter nenhum outro
por. Seu limite superior é a temperatura crítica, 374 °C para a valor a não ser 760 mm Hg a 100 °C sob essas condições. De
água, e seu limite inferior termina em 0,0098 °C, o chamado modo similar, apenas uma variável é suficiente para se definir
ponto triplo. Ao longo da curva da pressão de vapor, vapor e o sistema ao longo da linha OB ou OC. Finalmente, no ponto
líquido coexistem em equilíbrio. Essa curva é análoga à curva triplo, no qual as três fases coexistem em equilíbrio – gelo,
para a água vista na Figura 2-5. A curva OC é a curva de água líquida e vapor de água –, vimos que F = 0.
sublimação e nesta o vapor e o sólido coexistem em equi- Como já mencionado, o ponto triplo da água livre de ar
líbrio. A curva OB é a curva do ponto de fusão, na qual o é 0,0098 °C, enquanto que o ponto de congelamento (i. e., o
sólido e o líquido estão em equilíbrio. A inclinação negativa ponto no qual a água líquida saturada com ar está em equilíbrio
da curva OB mostra que o ponto de congelamento da água com o gelo a uma pressão total de 1 atm) é 0 °C. Aumentando
diminui com o aumento da pressão externa, como já discutido a pressão de 4,58 mm Hg a 1 atm, diminuímos o ponto de con-
no Exemplo 2-8. gelamento em cerca de 0,0075 °C (Exemplo 2-8). O ponto de
O resultado das variações na pressão (a temperatura congelamento é, então, diminuído adicionalmente em 0,0023
constante) ou na temperatura (a pressão constante) se tor- K pela presença de ar dissolvido em água a 1 atm. Assim, o
na evidente mediante a análise do diagrama de fases. Se a ponto normal de congelamento da água é 0,0075 °C + 0,0023
temperatura for mantida constante em t1, em que a água está °C = 0,0098 °C abaixo do ponto triplo. Em resumo, a tempera-
no seu estado gasoso acima da sua temperatura crítica, o sis- tura na qual um sólido funde depende (fracamente) da pressão.
tema permanece no estado gasoso, não importa o quanto a Se a pressão for aquela do líquido e do sólido em equilíbrio
sua pressão seja aumentada (verticalmente ao longo da li- com o vapor, a temperatura é conhecida como o ponto triplo.
nha tracejada). A uma temperatura t2 abaixo da temperatura Se, contudo, a pressão for de 1 atm, a temperatura é o ponto
crítica, o vapor de água é convertido em água líquida por normal de congelamento.
64 P ATRICK J. S INKO

SISTEMAS CONDENSADOS
Uma fase líquida
Já vimos, por meio da regra das fases, que, em sistemas de
um componente, o número máximo de graus de liberdade é
66,8 Água (A)
dois. Essa situação ocorre quando apenas uma fase está pre- Fenol (B)
sente, ou seja, F = 1 – 1 + 2 = 2. Como ficará claro na próxi-
ma seção, um máximo de três graus de liberdade é possível
em um sistema de dois componentes, por exemplo, tempera-

Temperatura (°C)
tura, pressão e concentração. Para representar o efeito de to-
das essas variáveis no equilíbrio de fases de tal sistema, seria
necessário utilizar um modelo tridimensional no lugar de uma
figura plana usada no caso da água. Uma vez que na prática
estamos preocupados primariamente com as fases líquidas e/ Duas fases líquidas
ou sólidas de um sistema particular sob estudo, freqüentemen-
te desconsideramos a fase vapor e trabalharmos sob condi-
ções normais de 1 atm de pressão. Desse modo, reduzimos o Fenol Fenol
número de graus de liberdade em um. Em um sistema de dois
componentes, portanto, somente restam duas variáveis (tem-
peratura e concentração) e podemos representar graficamente
a interação dessas variáveis mediantes figuras planas, em um Fenol em água (m/m %)
papel usando coordenadas retangulares. Sistemas nos quais
a fase vapor é ignorada e apenas são consideradas as fases Figura 2-23 Diagrama temperatura-composição para o sistema consistindo
sólida e/ou líquida são denominados sistemas condensados. de fenol e água (De A. N. Campbell and A. J. R. Campbell, J. Am. Chem. Sec.
Veremos na próxima discussão de sistemas de três compo- 59, 2481, 1937.)
nentes que é também mais conveniente, neste caso, trabalhar
com sistemas condensados.
É importante ter em mente que em sistemas gasosos ou ocorre é de 11% em massa de fenol em água. A análise da
aerossóis o vapor não pode ser ignorado. Sistemas conden- segunda fase, que se separa no fundo do recipiente, mostra
sados são mais apropriados para formas farmacêuticas sóli- que ela contém 63% em massa de fenol em água. Essa fase
das ou líquidas. Como será discutido neste e em capítulos rica em fenol é denotada pelo ponto c no diagrama de fases.
posteriores, os sólidos também podem ter fase(s) líquida(s) Na medida em que preparamos misturas contendo quanti-
associadas a eles, sendo a recíproca também verdadeira. Por-
dades crescentes de fenol, ou seja, conforme seguimos no
tanto, mesmo em um comprimido aparentemente seco po-
diagrama do ponto b para o ponto c, formamos sistemas em
dem estar presentes pequenas quantidades de “solução”. Por
que a quantidade da fase rica em fenol (B) aumenta conti-
exemplo, será mostrado no capítulo sobre estabilidade que
nuamente, como se mostra nos tubos de ensaio desenhados
a solvólise é o mecanismo primário da degradação de um
na Figura 2-23. Ao mesmo tempo, a quantidade da fase rica
fármaco sólido.
em água (A) diminui. Quando a concentração total de fenol
excede 63% a 50 °C, uma única fase líquida, rica em fenol,
Sistemas de dois componentes contendo fases é formada.
A temperatura máxima na qual a região de duas fases exis-
líquidas te é chamada de temperatura crítica de solução ou temperatu-
Sabemos, a partir da experiência, que álcool etílico e água ra consoluta superior. No caso do sistema fenol-água, é 66,8
são miscíveis em quaisquer proporções, enquanto que mer- °C (ponto h na Figura 2-23). Todas as combinações de fenol e
cúrio e água são, para todos os efeitos práticos, completa- água acima dessa temperatura são completamente miscíveis e
mente imiscíveis, não importando as quantidades relativas resultam em sistemas de uma fase líquida.
presentes de cada um. Entre esses dois extremos se encontra A linha bc desenhada no interior da região contendo
uma ampla faixa de sistemas que exibem miscibilidade (ou duas fases é chamada de linha de amarração. Ela é sempre
imiscibilidade) parcial. Um desses sistemas é o sistema fe- paralela à linha de base em sistemas de dois componentes.
nol-água. Uma porção do diagrama de fases condensado está Uma característica importante dos diagramas de fase é que
mostrada na Figura 2-23. A curva gbhci mostra os limites todos os sistemas preparados numa linha de amarração, no
de temperatura e concentração dentro dos quais as duas fa- equilíbrio, irão separar em fases de composição constante.
ses líquidas existem em equilíbrio. A região fora dessa curva Essas fases são denominadas fases conjugadas. Por exem-
contém sistemas exibindo apenas uma fase líquida. Partin- plo, qualquer sistema representado por um ponto na linha
do do ponto a, equivalente a um sistema contendo 100% de bc a 50 °C deve se separar para originar um par de fases
água (ou seja, água pura), a 50 °C, e adicionando incremen- conjugadas cujas composições serão b e c. As quantidades
tos de fenol a uma massa fixa de água, mantendo o sistema a relativas das duas fases variam, contudo, como pode ser
50 °C, resultará na formação de uma única fase líquida, até visto na Figura 2-23. Assim, se preparamos um sistema
que se atinja o ponto b, no qual uma diminuta quantidade contendo 24% em massa de fenol e 76% em massa de água
de uma segunda fase aparece. A concentração em que isso (ponto d), no equilíbrio teremos duas fases líquidas presen-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 65

tes no tubo. A fase superior, A, tem uma composição de definir o sistema porque F se reduz a 1.* Na Figura 2-23
11% de fenol em água (ponto b no diagrama), enquanto que podemos ver que, se a temperatura for fornecida, as com-
a fase inferior, B, contém 63% de fenol (ponto c no diagra- posições das duas fases são fixas pelos pontos terminais das
ma). A fase B se situa abaixo da fase A porque ela é rica em linhas de amarração, por exemplo, os pontos b e c a 50 °C.
fenol, o qual possui densidade maior do que a da água. Em As composições (quantidades relativas de fenol e água) das
termos das massas relativas das duas fases, haverá mais da duas camadas líquidas são então calculadas pelo método já
fase rica em água A do que da fase rica em fenol B no ponto discutido.
d. Assim: O diagrama de fases é usado na prática para formular siste-
mas contendo mais de um componente em que pode ser vanta-
Massa da fase A Comprimento dc joso obter um produto de uma única fase líquida. Por exemplo,
Massa da fase B Comprimento bd o manuseio do fenol sólido, um agente cáustico, é facilitado na
Farmácia se for usada uma solução de fenol e água. Diversas
O termo no lado direito poderia aparecer, em um pri- soluções contendo diferentes concentrações de fenol são ofi-
meiro momento, como o recíproco da proporção que deve- ciais em várias Farmacopéias. A não ser que o ponto de conge-
ria ser escrita. Contudo, a massa da fase A é maior do que lamento da mistura fenol-água seja suficientemente baixo, con-
a da fase B, porque o ponto d está mais próximo do ponto tudo, pode ocorrer alguma solidificação em condições de baixa
b do que do ponto c. Os comprimentos dc e bd podem ser temperatura ambiente. Isso levará à imprecisão no aviamento,
medidos com uma régua em centímetros ou polegadas no bem como a uma perda do benefício procurado. Mulley58 de-
diagrama de fases, mas é mais conveniente usar as unidades terminou a porção relevante do diagrama de fases fenol-água
de percentagem em massa de fenol como as encontradas na e sugeriu que a formulação mais conveniente de uma solução
abscissa da Figura 2-23. Por exemplo, uma vez que o ponto de uma única fase líquida é de 80% massa por volume, o que
b = 11%, o ponto c = 63%, e o ponto d = 24%, o quociente é equivalente a cerca de 76% em massa. Essa mistura tem um
ponto de congelamento de cerca de 3,5 °C, comparado com fe-
dc/bd = (63 – 24)/(24 – 11) = 39/13 = 3/1. Em outras pala-
nol liquefeito, de acordo com a Farmacopéia Norte-americana
vras, para cada 10 g do sistema líquido em equilíbrio repre- (USP), que contém aproximadamente 90% em massa de fenol
sentado pelo ponto d, encontramos 7,5 g da fase A e 2,5 g da e que congela a cerca de 17 °C. Não é possível, portanto, usar
fase B. Se, por outro lado, prepararmos um sistema contendo a preparação oficial muito abaixo de 20 °C ou a temperatura
50% em massa de fenol (ponto f, Figura 2-23), o quociente ambiente. A formulação proposta por Mulley, baseada na con-
entre as fases A e B será fc/bf = (63 – 50)/(50 – 11) = 13/39 sideração do diagrama de fases fenol-água, deve, portanto, ser
= 1/3. Nesse caso, para cada 10 g de sistema f preparado, preferida. Vários outros sistemas líquidos binários do mesmo
obteremos uma mistura de equilíbrio contendo 2,5 g da fase tipo que fenol e água têm sido estudados, embora poucos te-
A e 7,5 g da fase B. É obvio que um sistema contendo 37% nham aplicação prática em Farmácia. Alguns são: água-anilina,
em massa de fenol resultará, sob condições de equilíbrio a dissulfeto de carbono-álcool metílico, isopentano-fenol, álcool
50 °C, em massas iguais da fase A e da fase B. metílico-cicloexano e álcool isobutílico-água.
Ao trabalhar em uma linha de amarração no diagrama A Figura 2-24 ilustra uma mistura líquida que não pos-
de fase podemos calcular não apenas a massa relativa de sui uma temperatura consoluta superior, mas sim uma tem-
cada fase, mas também a composição. Assim, torna-se sim- peratura consoluta inferior, abaixo da qual os componentes
ples calcular a distribuição do fenol (ou da água) no sistema são miscíveis em todas as proporções. O exemplo mostrado
como um todo. Por exemplo, vamos supor que tenhamos é o sistema trietilamina-água. A Figura 2-25 mostra um dia-
grama de fases para o sistema nicotina-água, o qual possui
misturado 24 g de fenol com 76 g de água, aquecido a mis-
uma temperatura consoluta inferior e uma temperatura con-
tura até 50 °C e esperado até atingir o equilíbrio nessa tem- soluta superior. Temperaturas consolutas inferiores surgem,
peratura. Quando da separação das duas fases, teremos 75 g presumivelmente, por causa de uma interação entre os com-
da fase A (contendo 11% em massa de fenol) e 25 g da fase ponentes que leva à miscibilidade completa apenas a baixas
B (contendo 63% em massa de fenol). A fase A contém, por temperaturas.
conseguinte, um total de (11 × 75)/100 = 8,25 g de fenol,
enquanto que a fase B contém um total de (63 × 25)/100 =
15,75 g de fenol. Isso dá uma soma total de 24 g de fenol no Sistemas de dois componentes contendo fases
sistema total. Tal valor é igual à quantidade de fenol origi- sólidas e líquidas: misturas eutéticas
nalmente adicionada e, conseqüentemente, confirma nossas
hipóteses e cálculos. Deixa-se para o leitor confirmar que a Restringiremos nossa discussão àquelas misturas sólido-
fase A contém 66,75 g de água e a fase B 9,25 g de água. As líquido nas quais os dois componentes são completamente
fases são mostradas nos pontos b e c na Figura 2-23. miscíveis no estado líquido e completamente imiscíveis en-
Aplicando a regra das fases à Figura 2-23, mostra-se quanto sólidos, ou seja, as fases sólidas formadas consistem
um sistema condensado de dois componentes tendo uma
fase líquida, F = 3. Uma vez que a pressão é mantida fixa, F
* O número de graus de liberdade calculado pela regra das fases se o sistema
é reduzido a 2 e, para se definir o sistema, é necessário fixar não for condensado é o mesmo. Assim, quando uma fase líquida e o seu
a temperatura e a concentração. Quando duas fases líquidas vapor estiverem presentes, F = 2 – 2 + 2 = 2. Portanto, é necessário definir
estiverem presentes, F = 2. Também nesse caso a pressão é duas condições: temperatura e concentração. Quando dois líquidos e o vapor
fixa. Precisamos, portanto definir apenas a temperatura para coexistem, F = 2 – 3 + 2 = 1, apenas a temperatura necessita ser definida.
66 P ATRICK J. S INKO

tado a temperatura na mistura até 50 °C. Tal sistema é re-


presentado pelo ponto x na Figura 2-26. Resfriando esse
sistema, observamos a seguinte seqüência de mudanças de
fase. O sistema permanece com um único líquido até que
a sua temperatura cai a 29 °C e, nesse ponto, uma pequena
Temperatura (°C)

Duas fases quantidade de timol sólido se separa, formando um sistema


bifásico sólido-líquido. A 25 °C (temperatura ambiente), o
sistema x (denominado na Figura 2-26 como x1) é composto
pela fase líquida a1 (composição de 53% timol em salol) e
pelo sólido puro timol, b1. O quociente entre a massa de a1
e b1 é (100 – 60)/(60 – 53) = 40/7, ou seja, a1: b1 = 5,71:
1. Quando a temperatura for reduzida a 20 °C (ponto x2),
Uma fase
a composição da fase líquida é a2 (45% em massa de timol
em salol), enquanto que a fase sólida continua sendo timol
Trietilamina em água (m/m %) puro, b2. O quociente é a2: b2 = (100 – 60)/(60 – 45) = 40/15
= 2,67: 1. A 15 °C (ponto x3), a composição da fase líquida
Figura 2-24 Diagrama de fases para o sistema trietilamina-água mostrando é 37% de timol em salol (a3) e a proporção da fase líquida
uma temperatura consoluta inferior. para o timol puro (a3: b3) é (100 – 60)/(60 – 37) – 40/23 =
1,74: 1. Abaixo de 13 °C, a fase líquida desaparece e o sis-
tema contém duas fases sólidas; salol puro e timol puro. As-
dos componentes cristalinos puros. Exemplos desses siste- sim, a 10 °C (ponto x4), o sistema contém uma mistura em
mas são: salol-timol, salol-cânfora, acetaminofeno-propife- equilíbrio de salol sólido puro (a4) e timol sólido puro (b4),
nazona. em uma proporção em massa de (100 – 60)/(60 – 0) = 40/60
O diagrama de fases para o sistema salol-timol é mos- = 0,67:1. À medida em que o sistema x é progressivamente
trado na Figura 2-26. Note que há quatro regiões: (i) uma resfriado, os resultados indicam que mais e mais timol se
única fase líquida, (ii) uma região contendo salol sólido e separa como um sólido. Uma seqüência similar de mudan-
uma fase líquida conjugada, (iii) uma região na qual o timol ças de fase é observada se o sistema y for resfriado de modo
sólido está em equilíbrio com uma fase líquida conjugada e análogo. Nesse caso, contudo, a fase sólida que se separa a
(iv) uma região onde ambos os componentes estão presentes 22 °C é salol puro.
como fases sólidas puras. As regiões contendo duas fases (ii, A menor temperatura na qual uma fase líquida pode sub-
iii e iv) são comparáveis à região de duas fases do sistema sistir no sistema salol-timol é 13 °C, que ocorre em uma mis-
fenol-água, mostrado na Figura 2-23. Assim, é possível cal- tura contendo 34% de timol em salol. Esse ponto no diagrama
cular tanto a composição quanto a quantidade relativa de cada de fases é conhecido como ponto eutético, no qual coexistem
fase mediante o conhecimento das linhas de amarração e das três fases (líquido, salol sólido e timol sólido). O ponto euté-
fronteiras de fase. tico, portanto, indica um sistema invariante, porque, em um
Suponhamos que tenhamos preparado um sistema con- sistema condensado, F = 2 – 3 + 1 = 0. O ponto eutético é
tendo 60% em peso de timol em salol e tenhamos aumen- aquele no qual as fases líquida e sólida apresentam a mes-
ma composição (a composição eutética). A fase sólida é uma
mistura intrincada de finos cristais dos dois compostos. O fato
de a mistura ser íntima dá origem ao fenômeno de “fusão por
Uma fase contato”, que resulta na menor temperatura de fusão sobre
uma faixa de composições. Explicando de modo alternativo,
a composição eutética é a composição de dois ou mais com-
postos que exibem uma temperatura de fusão mais baixa do
Temperatura (°C)

que qualquer outra mistura dos compostos. Misturas de salol


Duas fases e cânfora mostram comportamento semelhante. Nessa com-
binação, o ponto eutético ocorre num sistema contendo 56%
em massa de salol em cânfora em uma temperatura de 6 °C.
Muitas outras substâncias formam misturas eutéticas (p. ex.,
cânfora, hidrato de cloral, mentol e beta-naftol). O critério
,
primário para a formação do eutético é a solubilidade mútua
dos componentes na fase líquida ou fundida.
Uma fase
Na seção de análise térmica deste capítulo, mostramos que
a calorimetria pode ser usada para estudar transições de fase.
Pontos eutéticos são freqüentemente determinados estudando-
Nicotina em água (m/m %)
se a diminuição do ponto de congelamento (ou de fusão, quan-
Figura 2-25 Sistema nicotina-água mostrando temperaturas consolutas su- do é adicionado calor). Note que o ponto de congelamento em
perior e inferior. um sistema de um componente é influenciado simplesmente
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 67

Ponto de fusão
do timol puro
y x
50 50
Ponto de fusão
do salol
puro

40 Uma fase 40
líquida
Temperatura (oC)

Temperatura (oC)
(i)

líquido + timol
30 sólido 30
(iii)
x1
a1 b1
Salol sólido Ponto x2
20 + líquido eutético 20
a2 b2
(ii)
x3
a3 b3
13 13
x4
10 10
a4 b4
salol sólido + timol sólido
(iv)
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Timol em salol (m/m%)
Figura 2-26 Diagrama de fase para o sistema timol-salol mostrando o ponto eutético. (Dados de A. Siedell, Solu-
bilities of Organic Compounds, 3rd Ed., Vol. 2, Van Nostrand, New York, 1941, p. 723.)

pela temperatura. Em sistemas de dois ou mais componentes, se insere na estrutura do cristal do “hóspede”, o que é favore-
podem ocorrer interações entre estes e, dependendo das con- cido pelas similaridades moleculares e/ou espaços abertos na
centrações dos componentes, o ponto de congelamento absolu- rede do hóspede. Soluções sólidas podem exibir aumento, di-
to pode mudar. O ponto eutético resulta da proporção do com- minuição ou uma não-alteração do ponto de fusão, dependen-
ponente que possui o mais baixo ponto de fusão observado. do do grau de interação do hóspede na estrutura cristalina. Um
Essa relação é freqüentemente usada para fornecer informação terceiro tipo comum de dispersão é a dispersão molecular de
sobre como os solutos interagem em solução, sendo que o pon- um composto em outro, onde o sólido, de modo geral, é amor-
to eutético fornece a composição favorecida para os solutos fo. Tais sólidos amorfos mistos ou soluções vítreas exibem
em solução, como ilustrado no exemplo salol-timol. A mistura temperatura de transição vítrea intermediária entre aquelas dos
de 1:1 de lidocaína e prilocaína, dois anestésicos locais, forma sólidos amorfos puros. A dispersão de partículas sólidas em
um eutético com temperatura de 18 °C. A mistura é, portanto, semi-sólidos é também uma estratégia de dispersão comum, na
líquida à temperatura ambiente e forma um anestésico local qual sólidos cristalinos ou amorfos são dispersos para auxiliar
misto que pode ser usado para aplicação tópica. O eutético lí- a liberação em alguns produtos tópicos (p. ex., Monistat-1).
quido pode ser emulsionado com água, abrindo a possibilidade Desse modo, há amplo interesse em dispersões sólidas,
para a bioabsorção tópica de dois anestésicos locais.59,60 pois elas podem oferecer um modo de facilitar a dissolução e,
freqüentemente, a biodisponibilidade de fármacos fracamen-
Dispersões sólidas te solúveis, quando combinadas com “carregadores” bastante
solúveis, tais como uréia e polietilenoglicol. Esse aumento na
Sistemas eutéticos são exemplos de dispersões sólidas. As fa- velocidade de dissolução é atingido por uma combinação de
ses sólidas constituindo o eutético contêm, cada uma, apenas efeitos, o mais significativo dos quais é a redução do tama-
um componente e o sistema pode ser visto como uma mistu- nho da partícula em uma extensão que não pode ser facilmente
ra cristalina íntima de um componente no outro. Um segundo atingida por métodos convencionais de moagem. Outros fato-
grande grupo de dispersões sólidas são as soluções sólidas, nas res que contribuem incluem o aumento da molhabilidade do
quais cada fase sólida contém ambos os componentes, ou seja, material, a diminuição da agregação e aglomeração e um pro-
um soluto sólido é dissolvido em um solvente sólido resultan- vável aumento da solubilidade do fármaco devido à presença
do em um cristal misto. Soluções sólidas são tipicamente não- do carregador solúvel em água. Podem ser consultadas as obras
estequiométricas e o componente minoritário ou “hospedeiro” de Chiou e Riegelman61 e Goldberg62 para mais detalhes.
68 P ATRICK J. S INKO

100% B

Au
B

me
de

nto
nto

de
me

C
Au

100% A
Figura 2-27 O diagrama triangular para sistemas de três com-
100% C
Aumento de A ponentes.

Equilíbrio de fases em sistemas de três ao fato de que este é um método fácil e direto de preparação de
componentes dispersões e, além disso, permite que a concentração também
possa ser expressa em termos de fração molar ou molalidade.
Em sistemas contendo três componentes, mas apenas uma As concentrações em sistemas ternários são, portanto, também
fase, F = 3 – 1 + 2 = 4 para um sistema não-condensado. Os expressas em termos ponderais. As seguintes afirmações de-
quatro graus de liberdade são: temperatura, pressão e as con- vem ser estudadas analisando-se a Figura 2-27:
centrações de dois dos três componentes. Apenas dois termos 1. Cada um dos três vértices do triângulo representa 100%
de concentração são necessários porque a soma destes, sub- em massa de um componente (A, B ou C). Como resul-
traída do total, dará a concentração do terceiro componente. tado, o mesmo vértice irá representar 0% dos outros dois
Se tratarmos o sistema como condensado e mantivermos a componentes. Por exemplo, o vértice superior na Figura
temperatura constante, então F=2 e podemos novamente usar 2-27 representa 100% de B.
um diagrama planar para ilustrar o equilíbrio de fases. Uma
2. As três linhas ligando os vértices (lados) representam mis-
vez que estamos lidando com um sistema de três componen-
turas de dois componentes das três possíveis combinações
tes, é mais conveniente usar gráficos de coordenadas triangu-
de A, B e C. Assim, as linhas AB, BC e CA são usadas para
lares, embora também seja possível usar os de coordenadas
misturas de dois componentes de A e B, B e C e C e A,
retangulares.
respectivamente. Dividindo cada linha em 100 unidades
Os diversos equilíbrios de fases que existem em siste-
iguais, podemos relacionar diretamente a localização do
mas de três componentes contendo fases líquidas e/ou sólidas
ponto na linha à concentração percentual de um compo-
são, freqüentemente complexos, e estão além do escopo do
nente em um sistema binário. Por exemplo, o ponto y, no
presente texto. Alguns sistemas típicos de três componentes
meio entre A e B na linha AB, representa um sistema con-
serão discutidos aqui, visto que apresentam interesse farma-
tendo 50% de B (e portanto também 50% de A). O ponto
cêutico. Por exemplo, várias áreas de processamento farma-
z, a três quartos da extensão BC, representa um sistema
cêutico, como cristalização, seleção da forma salina e análi-
contendo 75% de C em B.
ses cromatográficas se apóiam no uso de sistemas ternários
Ao seguirmos uma linha delimitando o triângulo, de
para a sua otimização.
modo a representar a concentração em um sistema de
dois componentes, não importa se procedemos em sen-
Regras relacionadas aos diagramas triangulares tido horário ou anti-horário ao longo do triângulo, desde
que sejamos consistentes. A convenção mais usual é a
Antes de discutir o equilíbrio de fases em sistemas ternários, é horária, que foi aqui adotada. Assim, ao nos movermos
essencial que o estudante esteja familiarizado com determina- ao longo da reta AB na direção de B, temos sistemas de A
das “regras” que se relacionadas ao uso das coordenadas trian- e B contendo concentrações crescentes de B, e de modo
gulares. Deve ter tornado-se claro na discussão de sistemas de análogo concentrações decrescentes de A. Ao nos mo-
dois componentes que todas as concentrações são expressas em vermos ao longo de BC em direção a C teremos sistemas
termos de porcentagem ponderal (fração mássica). Isso se deve de B e C contendo mais e mais C; quanto mais nos apro-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 69

ximarmos de A na linha CA, maior será a concentração B. Note que em todos os três sistemas a proporção de A
de A em sistemas de A e C. para B é constante e idêntica àquela da mistura origi-
3. A área no interior do triângulo representa todas as com- nal.
binações possíveis de A, B e C para resultar sistemas de 5. Qualquer linha paralela a um dos lados do triângulo, por
três componentes (ternários). A localização de um siste- exemplo, a linha HI na Figura 2-27, representa um sis-
ma ternário particular dentro de um diagrama de fases, tema ternário no qual a proporção (ou porcentagem em
por exemplo, o ponto x, pode ser realizada da seguinte massa) de um componente é constante. Assim, todos os
maneira. sistemas preparados na linha HI conterão 20% de C e di-
A linha AC oposta ao vértice B representa sistemas versas concentrações de A e B.
contendo A e C. O componente B está ausente, ou seja,
B = 0. Linhas horizontais no triângulo, paralelas AC,
indicam porcentagens crescentes de B desde B = 0 (na Sistemas ternários com um par de líquidos
linha AC) até B = 100 (no ponto B). A linha paralela a parcialmente miscíveis
AC, que corta o ponto x, é equivalente a 15% de B; con-
seqüentemente, o sistema contém 15% de B e 85% de Água e benzeno são miscíveis apenas em uma pequena pro-
A e C em conjunto. Aplicando argumentos semelhantes porção e, assim sendo, a mistura dos dois usualmente produz
aos outros dois componentes do sistema, podemos dizer um sistema bifásico. A fase mais densa de ambas consiste de
que, ao longo da linha AB, C = 0. À medida que segui- água saturada com benzeno, enquanto que a fase mais leve
mos da linha AB em direção a C no diagrama, a con- é benzeno saturado com água. Por outro lado, álcool é com-
centração de C aumenta até que, no vértice, C = 100%. pletamente miscível tanto com benzeno como com água. É
O ponto x se situa em uma linha paralela a AB que é de se esperar, portanto, que a adição de álcool em quantidade
equivalente a 30% de C. Segue-se, portanto, que a con- suficiente a um sistema bifásico de benzeno e água produzi-
centração de A é 100 – (B + C) = 100 – (15 + 30) = 55%. rá uma única fase líquida, na qual todos os três componentes
Isso é facilmente confirmado seguindo no diagrama da são miscíveis. Essa situação é ilustrada na Figura 2-28, que
linha BC até o vértice A; o ponto x se encontra em uma representa esse sistema ternário. Pode ser útil considerar que
linha equivalente a 55% de A. o álcool age de modo comparável ao da temperatura no sis-
4. Se desenharmos uma linha passando por um vértice até tema binário fenol-água considerado anteriormente. O au-
um ponto no lado oposto (p. ex., a linha DC na Figura mento de temperatura no sistema binário fenol-água leva à
2-27), então todos os sistemas representados por pon- completa miscibilidade das duas fases conjugadas e à forma-
tos nessa linha terão uma proporção constante de dois ção de uma única fase líquida. A adição de álcool ao sistema
componentes, nesse caso, A e B. Além disso, uma adi- benzeno-água leva ao mesmo efeito, mas por um meio dife-
ção contínua de C a uma mistura de A e B produzirá rente, a saber, um efeito do solvente no lugar de um efeito da
sistemas situados progressivamente mais próximos ao temperatura. Há uma forte similaridade entre o uso de calor
vértice C (100% do componente C). Esse efeito é ilus- para romper as forças coesivas entre as moléculas e o uso de
trado na Tabela 2-8, na qual massas crescentes de C são solventes para atingir o mesmo resultado. O efeito do álcool
adicionadas a uma mistura de massas constantes de A e será mais bem entendido quando introduzirmos as constan-

TABELA 2-8
EFEITO DA ADIÇÃO DO TERCEIRO COMPONENTE (C) A UM SISTEMA BINÁRIO DE
A (5,0 g) E B (15,0 g)

Sistema final
Massa do terceiro Localização do
componente C Massa Massa Razão de sistema na
adicionado (g) Componente (g) (%) A para B Figura 2-27

10,0 A 5,0 16,67 3:1 Ponto E


B 15,0 50,00
C 10,0 33,33
100,0 A 5,0 4,17 3:1 Ponto F
B 15,0 12,50
C 100,0 83,33
1000,0 A 5,0 0,49 3:1 Ponto G
B 15,0 1,47
C 1000,0 98,04
70 P ATRICK J. S INKO

B dal, marca a extensão da região bifásica. O restante do triân-


gulo contém uma única fase líquida. As linhas de amarração
dentro da binodal não são, necessariamente, paralelas umas
às outras ou à linha de base, AC, como era no caso de uma
região bifásica em sistemas binários. De fato, as direções das
linhas de amarração estão relacionadas à forma da binodal, a
qual, por sua vez, depende da solubilidade relativa do terceiro
componente (nesse caso, o álcool) nos outros dois compo-
Uma fase nentes. Apenas quando o componente adicionado agir igual-
líquida mente nos outros dois componentes para levá-los à solução a
binodal será perfeitamente simétrica e as linhas de amarração
d serão paralelas à linha da base.
As propriedades das linhas de amarração discutidas ante-
e riormente ainda se aplicam. Os sistemas g e h, preparados na
i
linha de amarração fi, darão ambos origem a duas fases com
Duas fases líquidas composições denotadas pelos pontos f e i. As quantidades rela-
h tivas, em massa, das duas fases conjugadas, dependerão da po-
f g
sição do sistema original na linha de amarração. Por exemplo,
A a b j c C o sistema g, após atingir o equilíbrio, irá separar-se em duas
Figura 2-28 Um sistema de três líquidos, um par dos quais é parcialmente fases, f e i, sendo que a proporção da fase f para a fase i, em
miscível. termos ponderais, será dada pela razão gi: fg. A mistura h, na
metade da linha de amarração, conterá massas iguais das duas
fases em equilíbrio.
O equilíbrio de fases exibido na Figura 2-28 mostra que
tes dielétricas das soluções e a polaridade de solventes, em a adição do componente B a uma mistura 50:50 dos compo-
capítulos posteriores. nentes A e C produzirá uma mudança de fase de um sistema
Nesse caso, o álcool age como um solvente de polarida- de dois líquidos para um sistema de um líquido no ponto d.
de intermediária que desloca o equilíbrio eletrônico dos pa- Com uma mistura de 25:75 de A e C, mostrada como o ponto
res dramaticamente opostos água (altamente polar) e benzeno j, a adição de B leva a uma mudança de fase no ponto e. Na-
(apolar), levando à solvatação. turalmente, todas as misturas ao longo da linha dB e eB serão
Na Figura 2-28, suponhamos que A, B, e C representem sistemas de uma fase.
água, álcool e benzeno, respectivamente. A linha AC, portan- Como já foi visto, em uma região monofásica, F = 2, sen-
to, representa misturas binárias de A e C, e os pontos a e c do necessário definir duas concentrações para fixar um sistema
são os limites das solubilidades de C em A e de A em C, res- em particular. Na curva binodal afdeic, F = 1, e apenas preci-
pectivamente, na temperatura particular que é usada. A curva samos conhecer um termo de concentração, pois isso permitirá
afdeic, freqüentemente chamada de curva binodal ou bino- que a composição de uma fase seja fixada pela curva binodal.
Temperatura

Figura 2-29 Alterações nas curvas binodais com as mudanças de temperatura. (a) Curvas num diagrama triangu-
lar a temperaturas t1, t2 e t3. (b) O arranjo tridimensional dos diagramas em ordem de temperatura crescente. (c)
Projeção obtida com uma visão a partir do topo da figura (b).
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 71

Figura 2-30 Efeito das variações de temperatura nas curvas binodais representando um sistema de dois pares de
líquidos parcialmente miscíveis.

A partir da linha de amarração, podemos obter a composição aplicam. Com dois pares de líquidos parcialmente miscíveis,
da fase conjugada. há duas curvas binodais. A situação é mostrada na Figura
2-30b, na qual A e C, bem como B e C exibem miscibilidade
parcial. A e B são completamente miscíveis na temperatura
Efeito da temperatura em questão. O aumento da temperatura geralmente leva à
A Figura 2-28 mostra o equilíbrio de fases em um sistema de redução nas áreas de ambas as curvas binodais e a seu even-
três componentes sob condições isotérmicas. Variações na tem- tual desaparecimento (Figura 2-30c). A redução da tem-
peratura levarão a uma alteração na área de imiscibilidade, deli- peratura expande as curvas binodais e, a uma temperatura
mitada pela curva binodal. Em geral, a área da binodal decresce suficientemente baixa, elas se encontram e fundem-se para
à medida que a temperatura aumenta e a miscibilidade é favo- formar uma única região de miscibilidade parcial mostrada
recida. Finalmente, atinge-se um ponto no qual se obtém uma na Figura 2-30a. As linhas de amarração ainda existem nes-
miscibilidade completa e a binodal desaparece. Para estudar o sa região e aplicam-se as regras usuais. O número de graus
efeito da temperatura no equilíbrio de fases em sistemas de três de liberdade também não se altera, quando P = 1, F = 2 e
componentes, uma figura tridimensional, o prisma triangular, quando P = 2, F = 1.
é freqüentemente usado (Figura 2-29b). De forma alternativa, Sistemas contendo três pares de líquidos parcialmente
uma família de curvas representando as várias temperaturas miscíveis são de interesse. Quando as três curvas binodais
pode ser utilizada, como mostrado na Figura 2-29c. Os três se encontram (Figura 2-31a), aparece uma região central na
lados planares do prisma são simplesmente três diagramas de qual três fases conjugadas coexistem em equilíbrio. Nessa
fase de sistemas binários. A Figura 2-29 ilustra o caso de um região, D, que é triangular, F = 0 para um sistema conden-
sistema ternário contendo um par de líquidos parcialmente mis- sado sob condições isotérmicas. Como resultado, todos os
cíveis (A e C). À medida que a temperatura aumenta, a região de sistemas no interior da região consistem em três fases cujas
imiscibilidade diminui. O volume fora da região hachurada do composições são sempre dadas pelos pontos x, y e z. As úni-
prisma consiste em uma única fase de um líquido homogêneo. cas quantidades que variam são as proporções relativas des-
tas três fases conjugadas. Aumentando-se a temperatura se
Sistemas ternários com dois ou três pares de alteram as formas e tamanhos das regiões, como visto na
líquidos parcialmente miscíveis Figura 2-31b e 2-31c.
A aplicação e discussão de fenômenos de fase e sua apli-
Todas as considerações anteriores para sistemas ternários cação em certos sistemas farmacêuticos será discutida em ca-
contendo um par de líquidos parcialmente miscíveis ainda se pítulos posteriores.

Figura 2-31 Efeitos da temperatura em um sistema de três pares de líquidos parcialmente miscíveis.
72 P ATRICK J. S INKO

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30. J. A. Biles, J. Pharm. Sci. 51, 499, 1962. 1974, Capítulo 5.
3
3 TERMODINÂMICA

A PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA Entropia e desordem


Processos isotérmicos e adiabáticos
A TERCEIRA LEI DA TERMODINÂMICA
Trabalho de expansão contra uma pressão constante
Processos reversíveis FUNÇÕES DA ENERGIA LIVRE E APLICAÇÕES
Trabalho máximo Trabalho máximo total
Transformações a volume constante Critérios de equilíbrio e espontaneidade
Gases ideais e a primeira lei Coeficientes da pressão e temperatura da energia
Transformações a pressão constante livre
Resumo Fugacidade
Sistemas abertos
TERMOQUÍMICA Potencial químico
Calor de formação Equilíbrio em um sistema heterogêneo
A lei de Hess e o calor de combustão Equação de Clausius-Clapeyron
Calores de reação a partir das energias de ligação Atividades e coeficientes de atividade
Aplicações adicionais da termoquímica Equação de Gibbs-Helmholtz
Energia livre padrão e a constante de equilíbrio
A SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA
A equação de van’t Hoff
A eficiência de uma máquina térmica
Entropia RESUMO

Ao concluir este capítulo, o genheiros interessados na eficiência de máquinas a vapor, os


OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: conceitos formulados a partir dela se mostraram muito úteis
nas ciências químicas e em disciplinas relacionadas, como a
1 Compreender a teoria da Termodinâmica e seu uso para Farmácia. Como será demonstrado mais adiante neste capítu-
descrever mudanças relacionadas à energia em reações. lo, a propriedade chamada de energia é amplamente aplicável,
2 Compreender a primeira lei da termodinâmica e seu uso. desde a determinação do resultado de processos químicos sim-
3 Compreender a segunda lei da termodinâmica e seu uso. ples até a descrição do comportamento bastante complexo de
4 Compreender a terceira lei da termodinâmica e seu uso. células biológicas.
5 Definir e calcular as funções da energia livre e aplicá-las a A Termodinâmica é baseada em três “leis” ou fatos ex-
assuntos de relevância farmacêutica. perimentais, os quais nunca foram provados de modo direto,
6 Compreender os princípios básicos do impacto da Termo- em parte devido às condições ideais para as quais eles foram
dinâmica em aplicações de relevância farmacêutica. derivados. Várias conclusões, contudo, usualmente expressas
em forma de equações matemáticas, podem ser deduzidas des-
7 Definir o potencial químico e os processos em equilíbrio. ses três princípios, e os resultados estão em acordo, de modo
consistente, com as observações. Conseqüentemente, as leis da
A Termodinâmica* lida com as relações quantitativas da inter- Termodinâmica, das quais tais equações são obtidas, são acei-
conversão das diversas formas de energia, incluindo a energia tas como válidas para sistemas envolvendo um grande número
mecânica, química, elétrica e radiante. Embora a Termodinâ- de moléculas.
mica tenha sido originalmente desenvolvida por físicos e en- É útil, neste ponto, distinguir os atributos dos três tipos de
sistemas freqüentemente usados para descrever propriedades
* O estudante poderá encontrar o assunto deste capítulo revisado de modo termodinâmicas. A Figura 3-1a mostra um sistema aberto, no
detalhado nos seguintes livros: (a) G.W. Castellan, Physical Chemistry, qual energia e matéria podem ser trocadas com as vizinhanças.
3rd Ed., Addison-Wesley, New York, 1983; (b) I. M. Klotz e R. M. Ro- Em contraste, a Figura 3-1b e 3-1c traz exemplos de sistemas
senberg, Chemical Thermodynamics: Basic Theory and Methods, 6th Ed., fechados, nos quais não há troca de matéria com as vizinhan-
Wiley-Interscience, New York, 2000; (c) R. Chang, Physical Chemistry for ças, ou seja, a massa do sistema é constante. A energia, contu-
the Chemical and Biological Sciences, 3rd Ed., University Science Books,
do, pode ser trocada seja mediante trabalho (Figura 3-1b) ou
Sausalito, Calif., 2000; (d) I. Tinoco, K. Sauer, J. C.Wang, e J. D. Puglisi,
Physical Chemistry: Principles and Applications in Biological Sciences, calor (Figura 3-1c) através das fronteiras do sistema fechado.
4th Ed., Prentice Hall, Englewood Cliffs, N. J., 2001; (e) P.W. Atkins e O último exemplo (Figura 3-1d) é um sistema no qual nem
J.W. Locke, Atkins’s Physical Chemistry, 7th Ed., Oxford University Press, matéria nem energia podem ser trocadas com as vizinhanças,
Oxford, 2002. chamado sistema isolado.
74 P ATRICK J. S INKO

Por exemplo, se dois solventes imiscíveis, água e tetraclo-


CONCEITO DEFINIÇÕES BÁSICAS DA reto de carbono, forem confinados em um recipiente fechado,
e iodo for distribuído entre as duas fases, cada fase será um
TERMODINÂMICA sistema aberto, apesar de o sistema global composto pelas duas
fases ser um sistema fechado, pois não troca matéria com suas
Antes de dar detalhes sobre a lho (W) e calor (Q) também têm vizinhanças.
origem e os conceitos envolven- significados termodinâmicos
do as três leis, vamos definir a precisos. Trabalho é a transfe-
linguagem comumente usada rência de energia que pode ser
na Termodinâmica, a qual tem usada para alterar a altura de A PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA
significados científicos preci- um peso colocado nas vizinhan-
sos. Um sistema, na Termodinâ- ças; calor é a transferência de A primeira lei estabelece a conservação da energia. Ela afirma
mica, é uma parte bem-definida energia resultante de uma di- que, embora a energia possa ser transformada de um tipo em
do universo que é objeto de es- ferença de temperatura entre o outro, ela não pode ser criada ou destruída. Dito de outro modo,
tudo. O sistema está separado sistema e as vizinhanças. É im- a energia total de um sistema e suas vizinhanças imediatas per-
de suas vizinhanças, o resto do portante considerar que tanto manece constante durante qualquer operação. Essa afirmação
universo, a partir das quais as trabalho quanto calor aparecem se depreende do fato de que as várias formas de energia são
observações são realizadas, por apenas nas vizinhanças do sis- equivalentes e que, quando um tipo de energia é formado, uma
barreiras físicas (ou virtuais) de- tema, quando a energia estiver quantidade igual de outro tipo deve desaparecer. A descrição
nominadas de fronteiras. Traba- sendo transferida. relativística do universo expressa na equação de Einstein,
Energia = (variação de massa) × (velocidade da luz)2
sugere que a matéria pode ser considerada como outra forma
de energia, sendo 1g equivalente a 9 × 1013 joules. Essas enor-
mes quantidades de energia são envolvidas em transforma-
ções nucleares, mas não são importantes em reações químicas
ordinárias.
De acordo com a primeira lei, os efeitos de Q e W em um
dado sistema durante uma transformação a partir de um estado
termodinâmico inicial até um estado termodinâmico final estão
relacionados a uma propriedade intrínseca do sistema chamada
de energia interna, definida como:
U U2 − U1 Q W (3-1)
onde U2 é a energia interna do sistema no seu estado final, U1
a energia interna do sistema no seu estado inicial, Q o calor e
W o trabalho. A variação na energia interna ΔU está relacio-
nada a Q e W transferidos entre o sistema e suas vizinhanças.
A equação (3-1) também expressa o fato de que o trabalho e
(a) (b)
o calor são modos equivalentes de alterar a energia interna do
sistema.
A energia interna está relacionada ao movimento micros-
cópico dos átomos, íons ou moléculas dos quais o sistema é
composto. O conhecimento de seu valor absoluto nos informa
a respeito dos movimentos microscópico, vibracional, rotacio-
nal e translacional dos componentes. Além disso, o valor abso-
luto fornece informações sobre as energias cinética e potencial
dos elétrons e núcleos constituintes, o que, contudo, é extrema-
mente difícil de ser obtido. Desse modo, a Termodinâmica se
ocupa principalmente com variações de energia interna e não
com os valores absolutos desta.

EXEMPLO 3-1
( c) (d) Estado termodinâmico
Figura 3-1 Exemplos de sistemas termodinâmicos. (a) Um sistema aberto Considere o exemplo do transporte de uma caixa de equipamento
trocando massa com suas vizinhanças, (b) um sistema fechado trocando tra- de um acampamento num vale para outro no topo de uma mon-
balho com suas vizinhanças, (c) um sistema fechado trocando calor com suas tanha. A principal preocupação, neste exemplo, é com a energia
vizinhanças, (d) um sistema isolado, no qual nem trabalho nem calor podem potencial e não com a energia interna, mas o princípio é o mes-
ser trocados através das fronteiras. mo. É possível içar a caixa até o topo da montanha usando um
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 75

guincho suspenso de um rochedo íngreme e produzir pouco calor A variação infinitesimal de qualquer propriedade de esta-
neste processo. Pode-se, também, arrastar a caixa, mas será ne- do como dU, também chamada de diferencial exata, pode ser
cessário muito mais trabalho e será produzido consideravelmente geralmente escrita, por exemplo, como uma função de T e V,
mais calor devido à resistência da fricção. A caixa também pode como na seguinte equação para um sistema fechado (ou seja,
ser transportada para o aeroporto mais próximo, de onde se parte com massa constante):
para sobrevoar o local de destino, e ser finalmente lançada com ∂E ∂E
um pára-quedas. É fácil observar que cada um desses métodos en- dE dT dV (3-3)
∂T V ∂V T
volve uma quantidade diferente de calor e trabalho. A variação da
energia potencial, contudo, depende apenas da diferença de altura As derivadas parciais da energia na equação (3-3) são im-
entre o acampamento no vale e aquele no topo da montanha e não portantes propriedades do sistema e mostram a taxa de variação
depende do caminho usado para transportar a caixa. da energia com a variação de T a volume constante ou com a
variação de V a temperatura constante. Portanto, é útil encontrar a
Usando a equação (3-1) (a primeira lei), podemos calcu- sua expressão em termos de propriedades mensuráveis. Isso pode
lar a variação de energia interna medindo Q e W durante uma ser feito combinando-se as equações (3-2) e (3-3), resultando em
mudança de estado. É útil, contudo, relacionar a variação da ∂E ∂E
energia interna a propriedades mensuráveis do sistema: P, V dl q dl w dT dV (3-4)
e T. Quaisquer duas dessas variáveis devem ser especificadas ∂T V ∂V T
para definir a energia interna. Para uma variação infinitesimal Essa equação será usada, posteriormente, para descrever
na energia, dU, a equação (3-1) é escrita algumas propriedades de U como função de T e V.
dE dl q dl w (3-2)
onde dlq é o calor absorvido e dlw é o trabalho realizado durante Processos isotérmicos e adiabáticos
uma mudança infinitesimal no sistema. As letras maiúsculas Q
e W são usadas para calor e trabalho na equação (3-1) a fim de Quando a temperatura for mantida constante durante um proces-
indicar variações finitas nessas quantidades. O símbolo dl na so, é dito que a reação foi conduzida isotermicamente. Uma rea-
equação (3-2) significa variações infinitesimais em proprieda- ção isotérmica pode ser conduzida colocando-se o sistema num
des que dependem do “caminho”, também chamadas de dife- grande banho termostatizado, de modo que o calor é retirado do
renciais inexatas. Assim, dl q e dl w não são, nessas circunstân- sistema ou flui para o sistema sem afetar a temperatura de forma
cias, propriedades termodinâmicas. significativa. Quando não se ganha nem se perde calor durante
um processo, é dito que a reação ocorreu adiabaticamente. Uma
reação conduzida no interior de um frasco de Dewar selado ou de
uma “garrafa de vácuo” é adiabática porque o sistema encontra-se
termicamente isolado de suas vizinhanças. Em termos termodinâ-
CONCEITO-CHAVE ESTADO micos, é dito que um processo adiabático é um processo no qual dl
TERMODINÂMICO q = 0, e a primeira lei, sob condições adiabáticas, se reduz a
dl w dE (3-5)
O termo estado termodinâmico pítulo 2, são equações de estado. De acordo com a equação (3-5), quando o sistema realiza
significa a condição na qual as Assim, V, P e T são variáveis que trabalho, a energia interna decresce e, uma vez que o calor não
propriedades mensuráveis de um definem um estado, as chamadas pode ser absorvido em um processo adiabático, a temperatura
sistema têm um valor definido. O variáveis de estado. As variáveis deve cair. Neste caso, o trabalho realizado torna-se uma pro-
estado de 1 g de água a U1 pode de um estado termodinâmico são priedade termodinâmica dependente apenas dos estados inicial
ser especificado pelas condições independentes da forma como tal e final do sistema.
de, digamos, 1 atm de pressão e estado foi atingido.
10 °C, e o estado U2 pelas condi- Uma característica da va-
ções de 5 atm e 150 °C. Assim, os riação de energia interna, ΔU,
Trabalho de expansão contra uma pressão constante
estados de maior interesse para o
descoberta pela primeira lei, Vamos discutir, em primeiro lugar, o termo trabalho. Devido à
químico são definidos, de modo
é que ela depende apenas dos sua importância na Termodinâmica, o foco inicial é no traba-
geral, especificando quaisquer
estados termodinâmicos inicial lho produzido pela variação de volume de um sistema (ou seja,
duas das três variáveis, tempera-
tura (T ), pressão (P ) e volume (V ). e final, isto é, é uma variável de trabalho de expansão ou trabalho de compressão) contra uma
Às vezes, porém, algumas variá- estado, sendo uma propriedade pressão externa de oposição constante, Pex. Imagine um vapor
veis independentes adicionais pre- termodinâmica do sistema. No confinado num cilindro hipotético com um pistão sem peso e
cisam ser especificadas. Qualquer entanto, Q e W dependem do sem fricção, com área A, como mostrado na Figura 3-2. Se
equação relacionando as variáveis modo como a variação é conduzi- uma pressão externa constante, Pex, for exercida sobre o pistão,
necessárias, por exemplo, V = f da. Assim, Q e W não são variá- a força total será Pex × A, porque P = Força/Área. O vapor no
(T,P ) é uma equação de estado. A veis de estado ou propriedades cilindro é expandido mediante aumento da temperatura e o pis-
lei dos gases ideais e a equação termodinâmicas, mas dependem tão se desloca em uma distância h. O trabalho exercido contra
de van der Waals, descritas no Ca- do “caminho” da transformação. a pressão de oposição em uma única etapa é
W Pex × A × h (3-6)
76 P ATRICK J. S INKO

então evaporar para manter a pressão de vapor constante no


P (pressão) seu valor original, e será extraído calor do banho para manter
a temperatura constante e promover a vaporização. Durante
esse processo, haverá uma troca de calor entre o sistema e o
banho termostatizado.
Se, por outro lado, a pressão externa for aumentada le-
Pistão vemente pela adição de um peso infinitesimalmente pequeno
(Figura 3-3c), o sistema será comprimido e a pressão de
vapor aumentará de modo infinitesimal. Um pouco da água
h condensará para restabelecer a pressão de vapor de equilí-
brio e o calor liberado será absorvido pelo banho termosta-
tizado. Se o processo puder ser conduzido de modo infinita-
mente lento, de modo que nenhum trabalho seja gasto para
A (área)
fornecer energia cinética ao pistão, e se o pistão for conside-
Figura 3-2 Um cilindro com um pistão sem peso e sem fricção. rado sem fricção, de modo que nenhum trabalho seja gasto
contra a força de fricção, então todo o trabalho será usado
para expandir ou comprimir o vapor. Portanto, uma vez que
o processo se encontra sempre em um estado de equilíbrio
Porém, A × h é o aumento do volume, ΔV = V2 – V1, de termodinâmico virtual, podendo ser revertido por uma varia-
modo que, a pressão constante, ção infinitesimal de pressão, ele é dito reversível. Se a pres-
W Pex V Pex (V2 − V1 ) (3-7) são no sistema for aumentada ou diminuída de forma rápida
ou se a temperatura no banho termostatizado não puder ser
ajustada instantaneamente às variações no sistema, este não
Processos reversíveis estará no mesmo estado termodinâmico a cada momento e o
processo será irreversível.
Agora, vamos imaginar o caso hipotético da água em seu Embora nenhum processo real possa ser conduzido de
ponto de ebulição, no interior de um cilindro com um pistão modo estritamente reversível, alguns o podem ser de modo
sem peso e sem fricção (Figura 3-3a). O aparato é imerso aproximado. Um dos melhores exemplos de reversibilidade é
em um banho termostatizado, mantido na mesma temperatu- aquele envolvido na medida do potencial de uma célula eletro-
ra que a água no cilindro. Por definição, a pressão de vapor química por meio de um método potenciométrico.
da água no seu ponto de ebulição é igual à pressão atmosfé-
rica, representada na Figura 3-3 por um conjunto de pesos Trabalho máximo
equivalente à pressão atmosférica de 1 atm. A temperatura é,
portanto, 100 °C. O processo é isotérmico, ou seja, conduzido O trabalho realizado por um sistema em um processo de ex-
a temperatura constante. Se a pressão externa for diminuída pansão isotérmica é máximo quando o processo for realizado
de leve pela remoção de um dos pesos infinitesimalmente pe- de forma reversível. É possível mostrar que essa afirmação é
quenos (Figura 3-3b), o volume do sistema aumentará e a verdadeira pelo seguinte argumento: se um gás ideal expande
pressão de vapor diminuirá de modo infinitesimal. A água irá livremente no vácuo, onde P = 0, nenhum trabalho é realizado,

(b) (a) (c)

Figura 3-3 Um processo reversível: evaporação e condensação da água a 1 atm em um sistema fechado. (a) Siste-
ma em equilíbrio com Pex = 1 atm; (b) a expansão é infinitesimal; (c) a compressão é infinitesimal.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 77

porque qualquer trabalho depende da pressão externa. À me- EXEMPLO 3-2


dida que a pressão externa aumenta, uma quantidade maior de
trabalho é realizada pelo sistema e essa quantidade é máxima Um gás expande em 0,5 litros contra uma pressão externa cons-
tante de 0,5 atm, a 25 °C. Qual será o trabalho feito pelo sistema
quando a pressão externa for infinitesimalmente menor do que
em érgios e em joules?
a pressão do gás, ou seja, quando o processo for reversível. É
claro que, se a pressão externa for aumentada de forma con- W = P ΔV
tínua, o gás será comprimido e não expandido, e o trabalho 1 atm = 1 013 × 106 dina cm2
será exercido no sistema e não pelo sistema em um processo W = (0 507 × 106 dina cm2 ) × 500 cm3
isotérmico reversível.
= 2 53 × 108 erg = 25 3 J
Assim, o trabalho máximo realizado pelo sistema que se
expande de modo reversível será: O exemplo seguinte demonstra o tipo de problema que pode
2 V2 ser resolvido pela aplicação da primeira lei da Termodinâmica.
W dl w P dV (3-8)
A pressão externa na equação (3-8) pode ser substituída pela
1 V1 pressão de um gás ideal, P = nRT/V e, desde que a temperatura
onde Pex foi substituída por P, porque a pressão externa é ape- do gás permaneça constante durante o processo (isotérmico),
nas infinitesimalmente menor do que a pressão do sistema. De podemos colocar o termo nRT para fora da integral, resultando
modo similar, pode ser deduzido que o trabalho mínimo em na equação:
V2
uma compressão reversível do sistema também nos levará à dV
equação (3-8), porque em cada etapa Pex é apenas infinitesi- Wmax dl w max nRT (3-9)
malmente maior do que P. O termo à direita na equação (3-8) V
V1
pode ser representado como a área sombreada na Figura 3-4,
que representa o trabalho máximo de expansão ou o trabalho V2
Wmax nRT ln (3-10)
mínimo de compressão em um processo reversível. V1

P Estado inicial

V2

∫ PdV
V1

Estado final

V1 V2
V

Sistema P ex

Figura 3-4 Expansão reversível de um gás.


78 P ATRICK J. S INKO

Note que, na expansão, V2 > V1, e que ln(V2/V1) é uma quantidade As condições deste problema são similares às do Exemplo 3-2,
positiva. O trabalho é, portanto, feito pelo sistema, de modo que exceto que a equação (3-10) pode agora ser usada para se obter o
a energia diminui (sinal negativo). Quando vale o oposto, V2 < trabalho (máximo) envolvido em uma expansão reversível desse
V1, e ln(V2/V1) é negativo devido à compressão do gás, é exercido gás em 0,5 litros. Assim,
trabalho sobre o sistema, de forma que a energia aumenta (sinal W = −(1 mol) (8,3143 J/K mol) (298,15 K) ln(1,5/1,0)
positivo). O próprio processo determina o sinal de W e ΔU. W = −1005,3 J
A equação (3-10) fornece o trabalho máximo exercido na ex-
pansão, bem como o calor absorvido, uma vez que Q = ΔU – W e, Quando se compara a solução do Exemplo 3-4 (trabalho feito
como será mostrado adiante, ΔU é igual a zero para um gás ideal de modo reversível) com os resultados do Exemplo 3-3 (traba-
em um processo isotérmico. O trabalho máximo em uma expan- lho realizado em uma etapa contra uma pressão fixa), torna-se
são isotérmica reversível pode também ser expresso em termos claro que a quantidade de trabalho necessária para a expansão,
da pressão porque, da lei de Boyle, V2/V1 = P1/P2 a temperatura em caminhos distintos, pode ser bastante diferente.
constante. A equação (3-10) pode, portanto, ser escrita como:
P1
Wmax nRT ln (3-11)
P2 Transformações a volume constante
Se o volume do sistema for mantido constante durante uma
EXEMPLO 3-3* transformação, dV = 0, a primeira lei pode ser expressa como
Um mol de água em equilíbrio com seu vapor é convertido em va- dE dl Q v (3-12)
por a 100 °C e 1 atm. O calor absorvido no processo (isto é, o calor
de vaporização da água a 100 °C) é de cerca de 9720 cal/mol. Quais
onde o subscrito V indica que o volume é constante. De modo si-
serão os valores dos três termos da primeira lei, Q, W e ΔU?
milar, nessas condições a equação combinada (3-4) é reduzida a:
A quantidade de calor absorvida é o calor de vaporização, ∂E
dl qV dT (3-13)
9720 cal/mol. Portanto, ∂T V
Q = 9720 cal mol
Essa equação relaciona o calor transferido durante o pro-
O trabalho, W, realizado contra a pressão atmosférica cons- cesso a volume constante, dlQV, com a variação de temperatura,
tante é obtido usando a equação (3-10), W = –nRT ln(V2/V1). dT. O quociente entre essas quantidades define a capacidade
Aqui, V1 é o volume de 1 mol de água líquida a 100 °C, ou calorífica molar a volume constante:
seja, cerca de 0,018 litros. O volume, V2, de 1 mol de vapor de
água a 100 °C e 1 atm é dado pela lei dos gases ideais, assumindo- dl qV ∂E
CV ≡ (3-14)
se que o vapor se comporta de maneira ideal: dT ∂T V
RT 0 082 × 373
V2 = = = 30 6 litros
P 1
Agora é possível obter-se o trabalho: Gases ideais e a primeira lei
W = −(1 mol) (1‚9872 cal/K mol) (398,15 K) ln(30,6/0,018)
W = −5883 cal
Um gás ideal não possui pressão interna e, portanto, nenhum
trabalho necessita ser exercido para separar as moléculas das
A variação de energia interna ΔU é obtida da expressão da suas forças coesivas quando ele expande. Então, dl w = 0,* e a
primeira lei, primeira lei se torna:
ΔU = 9720 − 5883 = 3837cal
dE dl q (3-15)

Portanto, das 9720 calorias de calor absorvido por 1 mol Assim, o trabalho feito pelo sistema em uma expansão iso-
de água, 5883 calorias são empregadas para exercer o traba- térmica de um gás ideal é igual ao calor absorvido pelo gás.
lho de expansão, ou “trabalho PV”, contra uma pressão exter- Uma vez que o processo é realizado isotermicamente, não há
na de 1 atm. As restantes 3837 calorias aumentam a energia variação de temperatura nas vizinhanças, dT = 0 e q = 0. A
interna do sistema. Essa quantidade de calor fornece a energia equação (3-5) se reduz a:
potencial das moléculas de vapor, isto é, representa o trabalho ∂E
dE dV 0 (3-16)
realizado contra as forças não-covalentes de atração. ∂V T
Nessa equação, dV ≠ 0 porque houve uma expansão, e po-
EXEMPLO 3-4
demos escrever
Qual é o trabalho máximo feito pelo sistema em uma expansão isotér- ∂E
0 (3-17)
mica reversível de um mol de um gás ideal de 1 a 1,5 litros a 25 °C? ∂V T
A equação (3-17) sugere que a energia interna de um gás
ideal é uma função somente da temperatura, o que é uma das
* N. de T.: Na realidade, a equação adequada para este contexto seria a equa-
ção (3-7). O trabalho W realizado contra a pressão atmosférica constante
usando esta equação será W = –P (V2 – V1) = W = –1 atm (30,6 L – 0,018 * N. de T.: Apenas a fração do trabalho referente à forças de interação (ou
L) = 30,6 atm L = 741 cal, sendo que a variação de energia interna é igual, seja, relacionado à energia potencial) é zero em um gás ideal, não todo o
portanto, a ΔU = 9720–741 = 8979 cal. trabalho, portanto a equação (3-15), estritamente falando, não procede.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 79

condições necessárias para se definir um gás ideal do ponto de dl q P ∂H


vista termodinâmico. CP ≡ (3-26)
dT ∂T P

e, para uma diferença de entalpia entre produtos e reatantes,


Transformações a pressão constante como:
Quando o trabalho de expansão é feito a pressão constante, W H Hprodutos − Hreatantes
= –P ΔV = –P(V2 – V1) pela equação (3-7), e sob essas condi- a equação (3-26) pode ser expressa como:
ções, a primeira lei pode ser escrita como
∂( H )
U Q P − P(V2 − V1 ) (3-18) CP (3-27)
∂T P
onde Qp é o calor absorvido a pressão constante. Rearranjan- onde ΔCp = (Cp)produtos – (Cp)reatantes. A equação (3-27) é conhe-
do-se, esta equação resulta em cida como a equação de Kirchhoff.
QP U2 − U1 P(V2 − V1 )
(U2 P V2 ) − (U1 P V1 ) (3-19)
Resumo
O termo U + PV é chamado de entalpia, H. O aumento da
entalpia, ΔH, é igual ao calor absorvido a pressão constante Algumas das restrições especiais que foram postas à primei-
pelo sistema. É o calor necessário para aumentar a energia in- ra lei até aqui neste capítulo, juntamente com as modifica-
terna e realizar o trabalho de expansão, como visto pela substi- ções resultantes na lei, são resumidas na Tabela 3-1. Uma
tuição de H na equação (3-19), comparação das entradas da Tabela 3-1, em conjunto com
o material anterior, serve como uma revisão detalhada da
QP H2 − H1 H (3-20) primeira lei.
e escrevendo a equação (3-18) como:
H U P V (3-21)
TERMOQUÍMICA
Para uma transformação infinitesimal, podemos escrever:
dl q P dH (3-22) Muitos processos físicos e químicos de interesse são realiza-
dos sob pressão atmosférica essencialmente constante. Sob
O calor absorvido em uma reação conduzida à pressão at- essa condição, o calor trocado durante o processo é igual à
mosférica é independente do número de etapas e do mecanis- variação de entalpia, de acordo com a equação (3-20), QP =
mo da reação. Ele depende apenas das condições inicial e final. ΔH. Assim, a variação de entalpia acompanhando uma rea-
Esse fato será usado na seção sobre termoquímica. ção química permanece uma função apenas da temperatura,
Deve ser enfatizado que ΔH = QP apenas quando o traba-
como na equação (3-27). Um valor negativo de ΔH e de Qp
lho não-expansivo (ou seja, um trabalho diferente do que o de
expansão ou compressão contra uma pressão externa) for des- significa que o calor é liberado (exotérmico), enquanto um va-
cartado. Quando for considerado trabalho elétrico ou trabalho lor positivo de ΔH e de Qp significa que o calor é absorvido
contra superfícies ou forças centrífugas, devemos escrever: (endotérmico). Também é possível que a reação ocorra em um
recipiente fechado. Nesse caso, o calor trocado é igual à varia-
H Q P − Wnonatm (3-23)
ção de energia interna (ou seja, QV = ΔU).
A função H é uma função composta de propriedades de A termoquímica lida com as trocas de calor acompanhan-
estado e, portanto, é também uma propriedade de estado que do reações químicas isotérmicas a pressão constante ou a vo-
pode ser definida por uma diferencial exata. Se T e P são esco- lume constante, das quais valores de ΔH e ΔU podem ser ob-
lhidas como as variáveis, dH pode ser escrito como tidos. Essas propriedades termodinâmicas estão, obviamente,
∂H ∂E relacionadas pela definição de H à equação (3-21). Em reações
dH dT dP (3-24) em solução, os termos P ΔV não são significantes, de modo
∂T ∂P
P T que ΔH ≅ ΔU. Esta aproximação não é valida, contudo, para
Quando a pressão for mantida constante, como, por exem- reações envolvendo gases.
plo, quando a reação é conduzida em um recipiente aberto no
laboratório, a uma pressão atmosférica essencialmente cons-
tante, a equação (3-24) se torna
Calor de formação
∂H Para qualquer reação representada pela equação química
dH dT (3-25)
∂T P aA bB cC dD
Uma vez que dl qP = dH a pressão constante, de acordo a variação de entalpia pode ser escrita como
com a equação (3-22) a capacidade calorífica molar em pres-
são constante CP é definida como: H H produtos − H reatantes (3-28)
80 P ATRICK J. S INKO

TABELA 3-1
EQUAÇÕES MODIFICADAS DA PRIMEIRA LEI PARA PROCESSOS OCORRENDO SOB CONDIÇÕES DIVERSAS
Modificação da primeira lei,
dU = dl q + dlw, sob as
Condições especificadas Processo Meios para se estabelecer a condição condições especificadas

(a) Sem fluxo de calor dlq = 0 Adiabático Recipiente isolado, como um frasco de dU = dlw
Dewar
(b) Processo reversível a dT = 0 Isotérmico Banho a temperatura constante dlw = Wmax
temperatura constante
(c) Gás ideal a (∂U/∂V)T = 0 Isotérmico Banho a temperatura constante dU = 0,
temperatura constante dlq = –dlw
(d) Volume constante dV = 0 Isométrico Recipiente fechado, de volume dlw = –PdV = 0,
(isocórico) constante, como uma bomba dU = QV
calorimétrica
(e) Pressão constante dP = 0 Isobárico Reação ocorrendo em um recipiente dH = QP
aberto a pressão constante dU = dH–PdV
(atmosférica)

H cH C d H D − a H A − bH B (3-29)
onde H = entalpia por mol (chamada de entalpia molar), e a, b, CONCEITO-CHAVE ENTALPIA-PADRÃO
c e d são coeficientes estequiométricos. É sabido que apenas as
entalpias molares dos compostos, sejam reatantes sejam pro- Na Termodinâmica, a convenção de um estado-padrão ou de re-
dutos, contribuem para a variação de entalpia de uma reação de atribuir entalpia zero a todos ferência:
química. Entalpias são grandezas relativas, de modo que é útil os elementos no seu estado mais ◦ ◦
definir o calor envolvido na formação de compostos químicos. H (composto) ≡ H f
estável a 1 atm de pressão e 25
Podemos, por exemplo, escolher a reação de formação do °C é conhecida como a escolha
dióxido de carbono a partir de seus elementos,
C(s) O2(g) CO2(g) ; H ◦f (25◦ C) 94 052 cal (3-30)
onde
H ◦f (25◦ C) H (CO2 g 1 atm) H (C s 1 atm) relação aos produtos, de modo que essa quantidade de calor
é liberada durante a reação. Se a reação fosse invertida e o
− H (O2 g 1 atm) (3-31)
CO2 fosse convertido a carbono e oxigênio, a reação seria
Os subscritos representam os estados físicos: (s) simboliza endotérmica. Ela envolveria a absorção de 94,052 cal, e ΔH
um sólido e (g), um gás. Símbolos adicionais, (l) para um lí- teria um valor positivo.
quido e (aq) para soluções aquosas diluídas, serão encontrados Os calores-padrão de formação de milhares de compos-
em equações termoquímicas subseqüentes. tos foram determinados, e alguns destes são relacionados na
Se os valores de H para os elementos C(s) e O2(g) forem Tabela 3-2.
escolhidos arbitrariamente como zero, então, de acordo com
a equação (3-31), a entalpia molar do composto, H (CO2, g,
1 atm), é igual à entalpia da reação de formação, ΔH°f(25 °C), A lei de Hess e o calor de combustão
para o processo, na equação (3-30), a 1 atm de pressão e a
25 °C. Não é possível medir diretamente os calores de formação de
O calor-padrão de formação do dióxido de carbono ga- cada composto como na equação (3-30). Reações incomple-
soso é ΔH°f(25 °C) = –94,052 cal. O sinal negativo acompa- tas ou reações colaterais com freqüência complicam essas
nhando o valor de ΔH significa que o calor é liberado, ou determinações. Contudo, já em 1840, Hess mostrou que,
seja, a reação é exotérmica. O estado da matéria ou forma uma vez que ΔH depende apenas dos estados inicial e fi-
alotrópica dos elementos deve também ser especificado na nal de um sistema, as equações termoquímicas para diversas
definição do estado-padrão. A equação (3-30) afirma que, etapas de uma reação podem ser adicionadas e subtraídas
quando 1 mol de carbono sólido (grafite) reage com 1 mol para se obter o calor da reação global. O princípio é conhe-
de oxigênio gasoso para produzir 1 mol de dióxido de car- cido como a lei de Hess da soma constante do calor, sendo
bono gasoso a 25 °C, 94,052 cal são liberadas. Isso significa usado para obter-se calores de reação que não são facilmente
que os reagentes possuem 94,052 de calorias em excesso em medidos de modo direto.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 81

TABELA 3-2 Calores de reação a partir de energias de ligação


CALORES-PADRÃO DE FORMAÇÃO A 25 °C No Capítulo 2, as energias de ligação foram discutidas em
ΔH° ΔH°
termos das forças que mantêm unidas as moléculas (ligações
Substância (kcal/mol) Substância (kcal/mol)
intramoleculares) ou das responsáveis pelos estados de agre-
gação da matéria (forças não-covalentes). Por exemplo, as
H2(g) 0 energias associadas a ligações covalentes entre átomos situam-
H(g) 52,09 Metano(g) –17,889 se entre 50 e 200 kcal/mol. Esses valores abarcam os diversos
O2(g) 0 Etano(g) –20,236 tipos de ligação que o estudante aprendeu nos cursos de Quí-
O(g) 59,16 Etileno(g) 12,496 mica Geral e Orgânica, incluindo ligações duplas e triplas que
surgem da sobreposição de elétrons em orbitais π, mais fracas
I2(g) 14,88 Benzeno(g) 19,820
que as ligações covalentes dos elétrons dos orbitais σ.* Liga-
H2O(g) –57,798 Benzeno(l) 11,718 ções eletrovalentes ou iônicas que ocorrem entre átomos com
H2O(l) –68,317 Acetaldeído(g) –39,76 cargas opostas permanentes podem ser mais fortes que uma
HCl(g) –22,063 Álcool etílico(l) –66,356 ligação covalente. Em uma molécula, as forças responsáveis
Hl(g) 6,20 Glicina(g) –126,33 pela formação de uma ligação entre átomos surgem da combi-
CO2(g) –94,052 Ácido acético(l) –116,4 nação de energias atrativas e repulsivas associadas a cada áto-
mo na molécula. Essas forças podem variar em sua intensidade
Retirada de: F. D. Rossini, K. S. Pitzer, W. J. Taylor, et al., Selected Values of
Properties of Hydrocarbons (Circular of the National Bureau of Standards 461),
devido à competição entre atração e repulsão. Portanto, a ener-
U.S. Government Printing Office, Washington, D.C., 1947; F. D. Rossini, D. gia total de ligação que mantém um conjunto de átomos unidos
D. Wagman, W. H. Evans, et al., Selected Values of Chemical Thermodynamic em uma molécula é o resultado aditivo de todas as energias de
Properties (Circular of the National Bureau of Standards 500), U.S. Government ligação individuais.
Printing Office, Washington, D.C., 1952.
Em uma reação química, as ligações podem ser rompidas
e novas ligações podem ser formadas para gerar os produtos. A
energia total associada com a reação, o calor de reação, pode
ser estimada a partir das energias das ligações que são rom-
EXEMPLO 3-5 pidas e das energias das ligações que são formadas durante o
É extremamente importante o uso do calor de combustão, ou seja, processo de reação. Muitas das energias de ligação covalente
do calor envolvido na oxidação completa de 1 mol de um com- ou de outros tipos de ligação podem ser encontradas em livros
posto a 1 atm de pressão, para se converter o composto em seus de termodinâmica, tais como aqueles listados na nota de roda-
produtos. Por exemplo, a formação do metano é escrita como pé do início deste capítulo.
C(s) + 2H2(g) = CH4(g) ; ΔH ◦f (25◦ C)
EXEMPLO 3-6
e a combustão do metano é escrita como
CH4(g) + 2O2(g) = CO2(g) + 2H2 O(l) ; A energia de ligação covalente na reação
◦ H H
ΔHcomb(25 ◦ C) = −212 8 kcal
H2 C = CH2 + Cl Cl → Cl C C Cl
As entalpias de formação tanto do CO2(g) como do H2O(l) H H
foram medidas com extrema exatidão. Assim, ΔH°f(25 °C) para pode ser calculada sabendo-se que uma ligação C=C é rompida
o metano gasoso pode ser obtido subtraindo-se ΔH°f(25 °C) do (necessitando de 130 kcal), uma ligação Cl–Cl é rompida (neces-
CO2(g) e duas vezes o ΔH°f(25 °C) H2O(l) do calor de combustão: sitando de 57 kcal), uma ligação C–C é formada (liberando 80
CO2(g) + 2 H2 O(l) = CH4(g) + 2O2(g) ; kcal), e duas ligações C–Cl são formadas (liberando 2 × 78 ou 156
kcal). Desse modo, a energia ΔH da reação é
ΔH ◦ comb(25◦ C) = +212 8 kcal
ΔH = 130 + 57 − 80 − 156 = −49 kcal
C(s) + O2(g) = CO2(g) ; ΔH ◦ f (25◦ C) = −94 052 kcal Uma vez que 1 cal = 4,184 J, –49 kcal é expresso em unidades
2(H2(s) + 1 2 O2(g) = H2 O(l) ); 2(ΔH ◦ f (25◦ C) = −68 317) SI como –2,05 × 105 J.
O processo anterior não é uma situação idealizada, mas es-
tritamente falando ele se aplica apenas a reações em fase gaso-
C(s) + 2H2(g) = CH4(g)
sa. Se houver uma mudança de fase de um gás para uma fase
ΔH ◦ f (25◦ C) (CH4 g) = −ΔH ◦ comb + ΔH f (CO2 g) condensada, então os calores de condensação, solidificação ou
+ 2 × ΔH f (H2 O l) cristalização devem ser contabilizados no cálculo global. Esta
abordagem pode ser usada para se estimar a energia associada à
instabilidade química.
= 212 8 kcal + (−94 052 kcal) + 2(−68 317 kcal)
= −17 886 kcal
O calor de formação do CH4(g), metano, é registrado na Tabe-
* N. de T.: Na verdade, a contribuição da sobreposição dos elétrons dos orbitais
la 3-2 como –17,889 kcal.
π é mais fraca do que a contribuição dos elétrons dos orbitais σ, não a ligação
como um todo: as ligações duplas e triplas são mais fortes que as simples.
82 P ATRICK J. S INKO

Aplicações adicionais da termoquímica O desenvolvimento histórico da propriedade termodinâmi-


ca que explica a tendência natural da ocorrência dos processos,
Dados termoquímicos são importantes em muitos cálculos agora chamada de entropia, tem suas origens nos estudos da
químicos. Calores de mistura podem ser usados para determi- eficiência das máquinas a vapor, dos quais a seguinte observa-
nar se uma reação como precipitação está ocorrendo durante ção foi elaborada: “Uma máquina a vapor pode exercer traba-
a mistura de duas soluções salinas. Se nenhuma reação ocorre lho apenas com uma queda na temperatura e um fluxo de calor
quando soluções diluídas dos sais forem misturadas, então o para a temperatura inferior. Não se pode obter trabalho a partir
calor de reação é zero. do calor a temperatura constante”. Esta é uma maneira de se
A constância dos calores de neutralização obtidos de for- formular a segunda lei da Termodinâmica.
ma experimental quando soluções aquosas diluídas de vários
ácidos fortes e bases fortes são misturadas mostra que a reação
envolve apenas: A eficiência de uma máquina térmica
H (aq) OH− (aq) H2 O(l) ; H25◦ C 13 6 kcal (3-32)
Uma consideração importante a ser feita é a respeito da possibili-
Nenhuma combinação entre outras espécies ocorre em dade da conversão de calor em trabalho. Não apenas o calor é iso-
reações como: termicamente indisponível para ser convertido em trabalho, como
HCl(aq) NaOH(aq) H2 O(l) Na (aq) Cl− (aq) ele nunca pode ser convertido completamente em trabalho.
O caráter espontâneo de um processo natural e as limita-
porque HCl, NaOH, e NaCl são completamente ionizados em ções na conversão de calor em trabalho constituem a segunda
água. Na neutralização de um eletrólito fraco por um ácido ou lei da Termodinâmica. Uma queda de água permite a realiza-
base forte, contudo, a reação envolve, além da neutralização, a io- ção de trabalho devido à diferença de energia potencial entre
nização, e o calor da reação não é mais –13,6 kcal/mol. Uma vez os dois níveis, e trabalho elétrico pode ser feito devido a uma
que calor é absorvido na ionização de um eletrólito fraco, o calor diferença de potencial elétrico (força eletromotriz – fem).
liberado é inferior àquele da neutralização de espécies completa- Uma máquina térmica (como uma máquina a vapor), de modo
mente ionizadas. Assim, o conhecimento do ΔH de neutralização análogo, pode produzir trabalho usando dois reservatórios de
nos permite diferenciar entre eletrólitos fortes e fracos. calor, uma “fonte” e um “escoadouro”, em duas temperaturas
Outra aplicação importante da termoquímica é a determi- diferentes. Apenas uma parte do calor da fonte é convertida
nação da quantidade de calorias obtidas de diversos alimentos. em trabalho, sendo que o restante retorna ao escoadouro (o
Esse tópico é discutido em textos de bioquímica e em livros qual, em operações práticas, representa, freqüentemente, as
sobre alimentos e nutrição. vizinhanças) a uma temperatura inferior. A fração do calor, Q,
que na fonte é convertido em trabalho, W, é conhecida como a
eficiência da máquina térmica:
W
A SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA ≡ (3-33)
Q
Na experiência ordinária, observa-se que a maioria dos fenô- A eficiência, mesmo de uma máquina térmica hipotética
menos naturais ocorre em uma direção. Por exemplo, o calor operando sem fricção, não pode ser unitária porque W é sem-
flui espontaneamente apenas dos corpos quentes para os cor- pre menor que Q numa conversão contínua de calor em traba-
pos frios, enquanto que dois corpos tendo a mesma tempera- lho, de acordo com a segunda lei da Termodinâmica.
tura não evoluem para temperaturas diferentes, mesmo que a Imagine uma máquina térmica hipotética operando rever-
primeira lei da Termodinâmica não proíba essa possibilidade. sivelmente entre uma temperatura superior Tquente e uma tem-
De modo similar, os gases expandem naturalmente de pressões peratura inferior Tfria. Ela absorve calor Qquente de um aquece-
altas para pressões baixas e as moléculas de soluto difundem dor ou fonte e, por meio de uma substância de trabalho, como
de uma região de alta concentração para uma região de baixa o vapor, converte a quantidade W em trabalho e retorna Qfria ao
concentração. Não se podem realizar processos inversos a es- reservatório frio ou escoadouro. Carnot, em 1824, provou que
tes processos espontâneos sem a intervenção de alguma força a eficiência de tal máquina, operando de forma reversível em
externa para facilitar sua ocorrência. Embora processos espon- cada etapa e retornando ao seu estado inicial (processo cícli-
tâneos não sejam termodinamicamente reversíveis, eles podem co), poderia ser dada pela expressão:
ser conduzidos de modo quase reversível pela atuação de uma W Q quente − Q fria
força externa. O trabalho máximo é obtido conduzindo um pro- (3-34)
cesso espontâneo de maneira reversível. A presença de perdas Q quente Q quente
friccionais e a necessidade de se conduzir o processo em uma É sabido que o fluxo de calor na operação da máquina se-
velocidade infinitamente lenta, contudo, impede a possibilida- gue o gradiente de temperatura, de modo que o calor absorvido
de de reversibilidade completa em processos reais. e rejeitado pode ser relacionado diretamente às temperaturas.
A primeira lei da Termodinâmica simplesmente observa que Lorde Kelvin usou os quocientes entre as duas quantidades de
a energia deve ser conservada quando é convertida de uma forma calor, Qquente e Qfria, do ciclo de Carnot, para estabelecer a es-
em outra. Ela não diz nada a respeito da probabilidade de um cala de temperatura Kelvin:
processo ocorrer. A segunda lei refere-se à probabilidade da ocor-
rência de um processo baseada na tendência observada de um Q quente Tquente
(3-35)
sistema em aproximar-se de um estado de equilíbrio de energia. Q fria Tfria
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 83

Combinando as equações (3-33) através de (3-35), pode- a variação de entropia do processo reversível a Tfria. A varia-
mos descrever a eficiência como: ção de entropia ΔSquente durante a absorção de calor de Tquente
Q quente − Q fria Tquente − Tfria é positiva, contudo, porque Qquente é positivo. Na temperatura
Eficiência (3-36) inferior, Qfria é negativo e a variação de entropia ΔSfria é nega-
Q quente Tquente
tiva. A variação total de entropia, ΔSciclo, no processo cíclico
Pode-se observar na equação (3-36) que, quanto maior for reversível é zero. Usaremos os dados do Exemplo 3-7 para de-
Tquente e quanto menor for Tfria, maior a eficiência da máquina. monstrar isso. Pode ser constatado que somente parte do calor
Quando Tfria se aproxima do zero absoluto na escala Kelvin, Qquente (1.000 cal) é convertida em trabalho (200 cal) na má-
a máquina térmica reversível converterá calor integralmente quina. A diferença em energia (800 cal) é o calor retornado
em trabalho e sua eficiência teórica será unitária. Isso pode ser ao escoadouro Qfria a uma temperatura inferior e que não está
visto colocando-se Tfria = 0 na equação (3-36). Uma vez que disponível para conversão em trabalho. Quando as variações
o zero absoluto é considerado inatingível, uma eficiência de de entropia das duas temperaturas forem calculadas, verifica-
1 é impossível, e o calor nunca pode ser completamente con- se que ambas são iguais a 2,7 cal/K:
vertido em trabalho. Essa afirmação pode ser escrita usando a Q quente rev cal
S 2 7 cal K
notação de limites da seguinte maneira: Tquente 373
W Q fria rev 800 cal
lim 1 S 2 7 cal
Tfria →0 Q (3-37) Tfria 298
Se Tquente = Tfria na equação (3-36), o ciclo é isotérmico e a Portanto
sua eficiência será zero, apoiando a afirmação anterior de que Sciclo Squente Sfria 0
o calor é indisponível, isotermicamente, para a conversão em
trabalho. Também deve ser notado que, se Qquente é o calor absorvido
pela máquina a Tquente, então –Qquente deve ser o calor perdido
pelas vizinhanças (o reservatório quente) a Tquente, e a entropia
EXEMPLO 3-7 das vizinhanças é*
Uma máquina a vapor opera entre as temperaturas de 373 e 298 Q quente
K. (a) Qual será a sua eficiência teórica? (b) Se fornecermos à Sviz (3-41)
Tquente
máquina 1.000 cal de calor Qquente, qual será o trabalho teórico
em érgios? Dessa forma, para qualquer sistema e suas vizinhanças, ou
(a) seja, para o universo,
W 373 − 298
Eficiência = = = 0 20 ou 20% Suniv Ssist Sviz 0 (3-42)
Q quente 373
(b) Há, portanto, dois casos nos quais ΔS = 0: (a) um sistema
W= × 0 20 = 200 cal em um processo cíclico reversível e (b) um sistema e suas vizi-
200 cal × 4 184 × 107 erg cal = 8 36 × 109 erg nhanças submetidos a um processo reversível qualquer.
Em um processo irreversível, a variação de entropia do
sistema total ou universo (sistema e suas vizinhanças) é sem-
pre positiva porque ΔSviz é sempre inferior a ΔSsist. Em uma
Entropia simbologia matemática, escrevemos:
Ao se analisarem as propriedades de ciclos reversíveis, uma Suniv Ssist Sviz > 0 (3-43)
característica se revela: a de que a soma das quantidades Qrev,i e essa relação pode servir como um critério de espontaneidade
/Ti é zero para o ciclo, ou seja, de um processo real.
Q quente Q fria As equações (3-42) e (3-43) resumem todas as possibili-
0 (3-38)
Tquente Tfria dades para a entropia: para processos irreversíveis (transfor-
mações reais) a entropia sempre aumenta até que atinge um
Tal comportamento é similar ao de outras funções de esta- máximo no equilíbrio, situação na qual ela permanece então
do, como ΔU e ΔH. Carnot reconheceu que, quando Qrev, que invariável (sua variação é igual a zero).
é dependente do caminho, é dividido por T, gera-se uma nova Dois exemplos de cálculos de entropia serão dados a se-
propriedade, independente do caminho, chamada de entropia. guir: o primeiro, um processo reversível, e o segundo, um pro-
Ela é definida como: cesso irreversível.
Q rev
S (3-39)
T EXEMPLO 3-8
e, para uma variação infinitesimal, Qual será a variação de entropia que acompanha a vaporização de
∂H 1 mol de água em equilíbrio com o seu vapor a 25 °C? Neste pro-
dH dT (3-40)
∂T P

Assim, o termo Qquente/Tquente é conhecido como a varia- * N. de T.: A variação de entropia do sorvedouro ou fonte fria também deve
ção de entropia do processo reversível a Tquente, e Qfria/Tfria é ser contabilizada como entropia das vizinhanças.
84 P ATRICK J. S INKO

cesso isotérmico reversível, o calor de vaporização ΔHv necessário onde 1.343 cal/mol é o calor de fusão do gelo a –10 °C. Desse modo,
para converter o líquido no vapor é de 10.500 cal/mol. ΔStotal sistem = ΔSH2 O + ΔSbanho
O processo é conduzido a pressão constante, de modo que Qp = −4 91 + 5 10
= ΔHv, e, uma vez que o processo é reversível, a variação de entro- = 0 17 cal mol K
pia pode ser escrita como
ΔHv 10 500
ΔS =
T
=
298
= 35 2 cal mol K O processo do Exemplo 3-8 é espontâneo porque ΔS > 0.
Esse critério de espontaneidade não é muito conveniente, por-
que requer o cálculo das variações de entropia do sistema e
Freqüentemente se precisa da variação de entropia envolvida das vizinhanças. As funções de energia livre, tratadas na última
à medida que a temperatura varia. Essa relação é necessária seção, não requerem informações a respeito das vizinhanças e
para o exemplo a seguir. O calor absorvido a pressão constante são critérios mais adequados de espontaneidade.
é dado pela equação (3-26), dlqp = CP dT, e, para um processo
reversível,
C P dT dl qrev Entropia e desordem
dS (3-44)
T T A segunda lei fornece um critério decisivo para um processo
Integrar T1 e T2 resulta em seguir a direção natural ou espontânea. Muito embora as causas
T2 T2 para a preferência de uma direção particular de uma transforma-
S C P ln 2 303 C P log (3-45) ção ou a impossibilidade da direção reversa sejam desconheci-
T1 T1 das, o raciocínio subjacente é que o processo reverso não é exa-
tamente impossível, mas sim extraordinariamente improvável.
EXEMPLO 3-9 Sistemas termodinâmicos descritos por propriedades
macroscópicas, tais como T, P ou variáveis de composição,
Calcule a variação de entropia para uma transição (irreversível) também podem ser descritos em termos de quantidades mi-
de 1 mol de água líquida em gelo, a –10 °C, a pressão constante. A croscópicas como os movimentos moleculares aleatórios. A in-
variação de entropia é obtida calculando-se as variações de entro- terpretação microscópica ou molecular da entropia é enunciada
pia para diversas etapas reversíveis.
comumente como uma medida da desordem devida ao movi-
Primeiro, vamos considerar a conversão de água líquida su-
mento molecular. À medida que a desordem aumenta, também
pergelada a –10 °C até água líquida a 0 °C, e então a transforma-
a entropia aumenta. A impossibilidade de se converter toda a
ção desta em gelo a 0 °C, para finalmente considerar o resfriamen-
energia térmica em trabalho resulta do caráter desordenado das
to reversível do gelo até –10 °C. A soma das variações de entropia
moléculas existentes no sistema. A desordem pode ser vista
dessas etapas resulta em ΔSágua. A esta deve ser adicionada a va-
como o número de modos nos quais o interior de um siste-
riação de entropia das vizinhanças de modo a se obter a variação
total de entropia. Se o processo for espontâneo, o resultado será
ma pode ser arranjado de forma que o exterior tenha a mesma
um valor positivo. Se o sistema estiver em equilíbrio, ou seja, se a
aparência. A interpretação quantitativa da entropia foi dada há
água líquida estiver em equilíbrio com o gelo a –10 °C, não haverá
bastante tempo por Boltzmann; a equação para a entropia de
tendência em ocorrer a transição e a variação total de entropia um sistema em um dado estado termodinâmico é
será zero. Finalmente, se o processo não for espontâneo, a varia- S k ln O (3-46)
ção total de entropia será negativa.
A capacidade calorífica da água é de 18 cal/K e a do gelo é de
onde k é a constante de Boltzmann e O é o número de estados
9 cal/K dentro dessa faixa de temperatura.
microscópicos ou configurações que o sistema pode adotar.
A transformação reversível de água a –10 °C até gelo a –10 °C
De modo diferente da definição termodinâmica de entropia na
é conduzida do seguinte modo:
equação (3-39) ou (3-40), para se compreender o que significa
uma configuração, ou seja, O, é necessário um modelo estrutu-
Tfinal
H2 O(l −10◦ ) → H2 O(l 0◦ ) ; ΔS = C P ln = 0 67 ral para o sistema.
Tinicial Imaginemos que o sistema consista de um gás em um re-
qrev − cipiente fechado que é deixado expandir livremente no vácuo
H2 O(l 0◦ ) → H2 O(s 0◦ ) ; ΔS = = = −5 26
T 273 2 (Figura 3-5). O estado inicial corresponde a V1 e o estado final
1
Tfinal corresponde a V2, o qual é maior que V1:V1 = 2V2.
H2 O(s 0◦ ) → H2 O(s −10◦ ) ; ΔS = C P ln = −0 34 Se houvesse apenas uma partícula do gás no estado inicial,
Tinicial
haveria, estatisticamente, duas possibilidades iguais para a par-
H2 O(l −10◦ ) → H2 O(s −10◦ ) ; ΔSH2 O = −4 93 cal mol K tícula ocupar V2, ao passo que apenas uma para ocupar V1. Em
outras palavras, a probabilidade P para a partícula permanecer
A entropia da água diminui durante o processo, uma vez que 1
em V1 seria P = 2 (ver Figura 3-6a). Agora consideremos duas
ΔS é negativa, mas a espontaneidade do processo não pode ser partículas independentes, sendo que a probabilidade de encontrá-
julgada até que se calcule ΔS das vizinhanças. 1
las ambas em V1 após V2 se tornar disponível seria de P = ( 2)2 =
Para a variação de entropia das vizinhanças, a água necessi- 1
4, (ver Figura 3-6b). Para três partículas haveria oito possíveis
ta ser considerada em equilíbrio com um banho suficientemente configurações, de modo que a probabilidade de todas as partícu-
grande a –10 °C, e o calor liberado quando a água congela é absor- las permanecerem em V1 seria apenas 1/8. Para um sistema com-
vido pelo banho sem variação apreciável de temperatura. Assim, a 1
posto de N partículas, a probabilidade se tornaria P = ( 2)N. Se
absorção reversível de calor pelo banho é dada por: N for da ordem de quantidades moleculares ordinárias, ou seja,
ΔSviz = −
Q rev
= = 5 10 cal mol K ∼1023 moléculas, a probabilidade de encontrá-las todas no estado
1 23
T 263 2 inicial seria extraordinariamente pequena, P = ( 2)10 .
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 85

Vácuo

Figura 3-5 Expansão livre de um gás em um


sistema fechado.

Assim, nesse sistema-modelo, ao mudar do estado inicial


V1 para o estado final V2, aumentamos de forma significativa o Do ponto de vista desse modelo simples, a expansão iso-
número de possibilidades de distribuição das N partículas. Uma térmica de um gás ideal aumenta a entropia devido ao aumento
do número de configurações em um volume maior, comparado
vez que o sistema tenha se expandido, será extremamente im-
com o volume menor. Quanto maior for o número de configu-
provável que ele se encontre, por acaso, apenas em V1. Para esse
rações, mais desordenado será considerado o sistema. Assim,
sistema simples, a probabilidade expressa pelo número de confi-
o aumento de entropia com o aumento do número de confi-
gurações após um processo irreversível de um estado 1 para um gurações é descrito de modo claro e simples pelo conceito de
estado 2 é dada geralmente relacionada aos volumes, como Boltzmann dado pela equação (3-46).
P (O1 O2 ) (V1 V2 ) N (3-47)
e, portanto, a variação de entropia para 1 mol de um gás é
dada por A TERCEIRA LEI DA TERMODINÂMICA
S S2 − S1 k ln (O1 O2 ) k NA ln(V1 V2 ) (3-48)
A terceira lei da Termodinâmica afirma que a entropia de uma
substância cristalina pura é zero, na temperatura absoluta zero,
porque um arranjo cristalino mostra o seu maior ordenamento
nessa temperatura. Em outras palavras, um cristal puro per-
feito possui somente uma configuração possível e, de acordo
com a equação (3-46), sua entropia será zero [pois S = k ln(1)
V2 = 0]. Como uma conseqüência da terceira lei, a temperatura do
(a) V1 zero absoluto (0 K) não é atingível mesmo mediante processos
sofisticados que usam a orientação dos spins dos elétrons e dos
spins nucleares para atingirem temperaturas muito baixas de 2
× 10–3 e 10–5 K, respectivamente.
A terceira lei torna possível o cálculo das entropias absolu-
tas de substâncias puras da equação (3-44) rearranjada como
dl qrev i
2 ST S0 (3-49)
Ti
onde S0 é a entropia molar no zero absoluto e ST é a entropia
1 2 1 molar absoluta a qualquer temperatura. As quantidades dl qrev
podem ser substituídas pelos seus valores CP dT corresponden-
tes, a pressão constante, de acordo com a equação (3-26). Des-
(b) se modo, ST pode ser determinada a partir do conhecimento
das capacidades caloríficas e das variações de entropia durante
mudanças de fase à medida que a temperatura se eleva de 0 K a
T. A equação seguinte mostra ST para uma substância que sofre
1 1 2 duas transições de fase, fusão (f) e vaporização (v),
Tm Tv
C P dT Hm C P dT
2
ST
T Tm T
0 Tm
T
Hν C P dT
Figura 3-6 (a) Os dois estados possíveis de um sistema de uma molécula. (b) Os
quatro estados possíveis de um sistema de duas moléculas independentes. Tν T

86 P ATRICK J. S INKO

onde S0 = 0 foi omitido. Cada um dos termos pode ser avaliado U, H, T e S. Dessa forma, as condições de espontaneidade e
de maneira independente. Em particular, a primeira integral é equilíbrio se reduzem apenas a
calculada numericamente representando em forma de gráfico A 0 (a T constante V constante) (3-58)
CP/T versus T. Abaixo de 20 K poucos dados estão disponí-
veis, de modo que se costuma aplicar a aproximação de Debye, G 0 (a T constante P constante) (3-59)
CP ≅ aT 3 J/mol K, nessa região.

Trabalho máximo total


FUNÇÕES DA ENERGIA LIVRE E APLICAÇÕES Para um processo isotérmico, a segunda lei da Termodinâ-
mica, expressa na equação (3-53), pode ser combinada com
O critério de espontaneidade fornecido pela segunda lei requer a conservação da energia substituindo Q = ΔU- W, resultan-
o conhecimento das variações de entropia tanto do sistema do em
quanto das vizinhanças, como expresso na equação (3-43).
Pode ser bastante útil, contudo, ter uma propriedade que de- U−W −T S 0 (3-60)
penda somente do sistema e, não obstante, indique se um pro- Nesse caso, W representa todas as formas possíveis de tra-
cesso ocorre na direção natural das transformações. balho disponível e não apenas o trabalho PV (ou seja, o traba-
Consideremos um sistema isolado composto de um reci- lho de expansão e compressão do sistema). O sistema exer-
piente fechado (ou seja, o sistema) em equilíbrio com um ba- ce um trabalho máximo (Wmax) quando opera sob condições
nho termostatizado (ou seja, as vizinhanças), como ilustrado reversíveis. Portanto, apenas a igualdade na equação (3-60)
na Figura 3-1d. De acordo com as equações (3-42) e (3-43), a se aplica. Mediante a inclusão da definição de A na equação
equação resultante será (3-60), obtemos:
Ssistema isolado Ssist Sviz ≥ 0 (3-50) A − Wmax 0 ou A Wmax (3-61)
O equilíbrio é uma condição na qual a transferência de ca- Essa equação explica o significado da energia de Hel-
lor ocorre reversivelmente, portanto, a temperatura constante, mholtz (e explica também porque ela é chamada de função
ΔSviz = –ΔSsiste trabalho), ou seja, o trabalho máximo produzido em uma
Q rev transformação isotérmica é igual à variação na energia de
Sviz (3-51) Helmholtz.
T
Se W for separada no trabalho PV e em todas as outras
Agora, renomeando ΔSsist = ΔS e Qrev = Q, podemos escre- formas de trabalho e a expansão ou compressão for excluída, a
ver a equação (3-50) como: equação (3-60) envolvendo Wa (também chamado de trabalho
Q útil) para um processo isotérmico, a pressão constante, pode
S− ≥0 (3-52) ser escrita como:
T
que pode também ser escrita da seguinte maneira: U − Wa P V − T S 0 (3-62)
Q−T S≤0 (a T constante) (3-53) A definição da energia de Gibbs dada em (3-60) pode tam-
bém ser escrita como:
Para um processo a volume constante, QV = ΔU, de forma
que a equação (3-53) torna-se: G U PV − T S (3-63)
U−T S ≤ 0 (a T constante V constante) (3-54) Para um processo reversível, a equação (3-62) se transfor-
ma em:
Para o caso de um processo a pressão constante, QP = ΔH,
G − Wa 0 ou G Wa (3-64)
teremos:
H −T S ≤ 0 (a T constante P constante) (3-55) A equação (3-64) expressa o fato de que a variação da
energia livre de Gibbs é igual ao trabalho útil ou trabalho
As equações (3-54) e (3-55) são combinações da primeira máximo líquido (Wa), a temperatura e pressão constantes, que
e da segunda leis da Termodinâmica e expressam tanto as con- pode ser obtido desse processo. Sob circunstâncias nas quais
dições de equilíbrio (=) como de espontaneidade (<), depen- o termo PV é insignificante (como em células eletroquímicas
dendo apenas das propriedades do sistema. Elas são, portanto, e medidas de tensão superficial), a variação de energia livre é
de uma importância prática fundamental. Os termos à esquerda aproximadamente igual ao trabalho máximo.
das equações (3-54) e (3-55) são comumente definidos como a
energia livre de Helmholtz ou função trabalho A,
A U − TS
Critérios de equilíbrio e espontaneidade
(3-56)
e a energia livre de Gibbs G, Quando nenhum trabalho líquido pode ser obtido de um pro-
cesso, G estará em um mínimo e ΔG = 0. Essa afirmação sig-
G H − TS (3-57) nifica que o sistema está em equilíbrio. Por outro lado, da
respectivamente, as quais são duas novas propriedades de esta- equação (3-62) se depreende que uma variação negativa de
do, uma vez que elas são compostas pelas variáveis de estado energia livre, escrita como ΔG < 0, significa que o processo
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 87

TABELA 3-3
CRITÉRIOS DE ESPONTANEIDADE E EQUILÍBRIO

Sinal da função
Função Restrições Espontâneo Não-espontâneo Equilíbrio

Sistema total
ΔSuniverso ΔU = 0, ΔV = 0 + ou >0 – ou <0 0
ΔG ΔT = 0, ΔP = 0 – ou <0 + ou >0 0
ΔA ΔT = 0, ΔV = 0 – ou <0 + ou >0 0

é espontâneo. Se ΔG for positivo (ΔG > 0), indica que um Se o termo T ΔS for pequeno comparado com ΔH, um va-
trabalho líquido deve ser absorvido para que a reação ocorra lor negativo de ΔH ocorrerá quando ΔG for negativo, isto é,
e, conseqüentemente, o processo não é espontâneo. quando o processo for espontâneo. Quanto T ΔS for grande,
Quando o processo ocorrer de modo isotérmico e a volu- contudo, ΔG pode ser negativo e o processo pode ser espontâ-
me constante, e não a pressão constante, o critério de espon- neo, mesmo que ΔH seja positivo.
taneidade e de equilíbrio passa a ser ΔA. Pela equação (3-58), A entropia de todos os sistemas, como antes afirmado, ten-
essa quantidade é negativa para um processo espontâneo e se de espontaneamente à desordem, de acordo com a segunda lei,
torna igual a zero no equilíbrio. de modo que quanto mais desordenado um sistema se torna,
Tais critérios, junto com o critério de entropia para o equi- maior a sua probabilidade e maior a sua entropia. Assim, a
líbrio e a espontaneidade, estão listados na Tabela 3-3. equação (3-64) pode ser escrita como:
A diferença no sinal entre ΔG e ΔSuniverso implica que a
Diferença nas energias de
condição para que um processo seja espontâneo mudou de um
aumento da entropia total ΔSuniverso > 0, para um decréscimo na G ligação ou energias atrativas
energia livre de Gibbs, ΔG < 0. A energia livre de Gibbs, contu- entre produtos e reatantes, ΔH
do, é apenas um termo composto que expressa a variação total Variação na probabilidade
de entropia unicamente em termos das propriedades do siste- − durante o processo, (3-69)
ma. Para provar isso, podemos combinar as equações (3-42) e T S
(3-51) para um processo isotérmico reversível, obtendo:
T Suniverso T S − Q rev (a T constante) (3-65) Pode-se afirmar que ΔG será negativo e que a reação
será espontânea, seja quando a entalpia diminui ou quan-
Então, se a pressão for constante, do a probabilidade do sistema aumenta na temperatura da
T Suniverso T S − H (a T constante P constante) reação.
(3-66) Assim, embora a conversão de gelo em água a 25 °C ne-
cessite de uma absorção de calor de 1.650 cal/mol, a reação
Para o mesmo processo temos que: leva a um arranjo mais provável das moléculas, ou seja, a um
G H −T S (3-67) aumento na liberdade do movimento molecular. Assim, a en-
e, portanto, tropia aumenta e ΔS = 6 cal/mol K é suficientemente positivo
para fazer com que ΔG se torne negativo, a despeito do valor
G T Suniverso (3-68) positivo de ΔH.
A partir dessa equação torna-se claro que o único critério Muitos dos complexos discutidos no Capítulo 9 formam-
para uma transformação espontânea é o aumento da entropia se em solução com absorção de calor, e os processos são es-
do universo (ou seja, do sistema e suas vizinhanças). Reações pontâneos apenas porque a variação de entropia é positiva. O
químicas são usualmente conduzidas a temperatura e pressão aumento da aleatoriedade ocorre pela seguinte razão: a dis-
constantes. Assim, equações envolvendo ΔG são de particular solução dos solutos na água pode ser acompanhada por uma
interesse para o químico e o farmacêutico. diminuição na entropia, porque tanto as moléculas de água
Durante algum tempo se pensou que, a pressão constante, quanto as de soluto perdem graus de liberdade de movimento
um valor negativo de ΔH (liberação de calor) era, por si pró- como ocorre a hidratação. Na complexação, esse arranjo al-
prio, uma prova da espontaneidade da reação. Muitas reações tamente ordenado é rompido, uma vez que os íons separados
naturais ocorrem com liberação de calor. A fusão espontânea ou moléculas reagem mediante a coordenação e seus consti-
do gelo a 10 °C, contudo, é acompanhada da absorção de calor. tuintes exibem mais graus de liberdade no complexo final do
É possível citar inúmeros outros exemplos para provar o erro que eles tinham quando estavam hidratados. O aumento de
desta hipótese. A razão pela qual ΔH é freqüentemente tido entropia associado a esse aumento de aleatoriedade resulta
como um critério de espontaneidade pode ser vista a partir da em uma reação espontânea e é refletido em um valor negativo
expressão familiar (3-67). de ΔG.
88 P ATRICK J. S INKO

Reciprocamente, algumas reações de associação são acom- Em um processo reversível, no qual dlqrev = T dS, a primei-
panhadas por uma diminuição de entropia, e elas ocorrem ape- ra lei, restrita ao trabalho de expansão, (isto é, dU= dl qrev – P
sar do valor negativo de ΔS apenas porque o calor liberado na dV), pode ser escrita como:
reação é suficientemente negativo. Por exemplo, uma reação
dU T dS − P dV (3-71)
do tipo ácido-base de Lewis, na qual o iodeto torna-se solúvel
em solução aquosa, Substituindo-se dU da equação (3-71) na equação (3-70),
− − resulta em:
I (aq) I2(aq) I3 (aq) ; H25◦ cal
dG T dS − P dV P dV V dP − T dS − S dT
é acompanhada de um ΔS de –4 cal/mol K. Ela é espontânea,
uma vez que ou

G − [298 × (−4)] dG V dP − S dT (3-72)


cal mol A temperatura constante, o último termo é nulo e a equa-
ção (3-72) se reduz a
Nos exemplos anteriores, o leitor não deve se surpreen-
der ao encontrar uma variação negativa de entropia associada dG V dP (3-73)
a uma reação espontânea. Os valores de ΔS considerados aqui ou
se referem às variações apenas da entropia da substância, ∂G
não do sistema total, ou seja, a substância e suas vizinhan- V (3-74)
∂P
ças imediatas. Como afirmado anteriormente, quando ΔS for T

usado como um teste de espontaneidade de reação, as varia- A pressão constante, o primeiro termo do membro direito
ções de entropia do sistema global devem ser consideradas. da equação (3-72) torna-se nulo, e
Para reações a temperatura e pressão constantes, que são as
dG S dT (3-75)
mais comuns, a variação de energia livre é usada ordinaria-
mente como critério, no lugar de ΔS. Ela é mais conveniente ou
porque elimina a necessidade de se calcular as variações nas ∂G
vizinhanças. S (3-76)
∂T
Reportando-se ao Exemplo 3-9, sabe-se que ΔS para a P

transformação de água líquida em gelo a –10 °C é negati- Para obter a variação isotérmica da energia livre, inte-
va. Isso é esperado porque as moléculas perdem alguns dos gramos a equação (3-73) entre os estados 1 e 2 a temperatura
seus graus de liberdade quando passam para o estado cris- constante:
talino. A entropia da água com as suas vizinhanças, contu- G2 P2
do, aumenta durante a transição e o processo é espontâneo. dG V dP (3-77)
A conveniência de se usar ΔG no lugar de ΔS para obter G1 P1

a mesma informação torna-se clara no próximo exemplo, Para um gás ideal, o volume V é igual a nRT/P, permitin-
que pode ser comparado à análise mais elaborada feita no do, assim, que a equação seja integrada:
Exemplo 3-9. P2
dP
G (G 2 − G 1 ) n RT
P1 P
EXEMPLO 3-10
P2 P2
Os valores de ΔH e ΔS para a transição de água líquida a gelo a G n RT ln 2 303n RT log (3-78)
P1 P1
–10 °C e 1 atm de pressão são, respectivamente, –1.343 cal/mol e
–4,91 cal/mol K. Calcule ΔG para a mudança de fase nesta tem- onde ΔG é a variação de energia livre de um gás ideal submeti-
peratura (–10 °C=263,2 K) e indique se o processo é espontâneo do a uma transformação isotérmica reversível ou irreversível.
ou não.
Logo, EXEMPLO 3-11
ΔG = − − [263 2 × (−4 91)] = −51 cal mol
Qual será a variação de energia livre quando 1 mol de um gás
= −213 joules
ideal é comprimido de 1 atm até 10 atm a 25 °C? Temos que:
O processo é espontâneo, como se reflete no valor negativo de ΔG. 10
ΔG = 2 303 × 1 987 × 298 × log
1
ΔG = cal
Coeficientes de pressão e temperatura da
A variação de energia livre de um soluto quando a concentra-
energia livre ção for alterada é dada pela equação
a2
Diferenciando-se a equação (3-63), obtêm-se várias relações ΔG = 2 303nRT log (3-79)
úteis entre energia livre e pressão e temperatura. Aplicando a1
a diferencial de um produto, d(uv) = u dv + v du, à equação onde n é a quantidade de matéria (número de móis) do soluto
(3-63), temos a seguinte relação: e a1 e a2 são as atividades inicial e final do soluto, respectiva-
mente.
dG dU P dV V dP − T dS − S dT (3-70)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 89

EXEMPLO 3-12 Assim, para um gás ideal podemos escrever


P
Borsook e Winegarden1 calcularam de modo aproximado a varia- μ μ◦ RT ln (3-84)
ção de energia livre quando os rins transferem vários constituin- 1 atm
tes químicos, à temperatura corpórea (37 °C ou 310,2 K), desde o
onde a constante de integração μ° depende apenas da tempe-
plasma sangüíneo até a urina, que é mais concentrada. O quocien-
ratura e da natureza do gás e representa o potencial químico
te entre as concentrações foi assumido como igual ao quociente
entre as atividades na equação (3-79). Eles encontraram:
de 1 mol da substância no seu estado de referência, onde P°
é igual a 1 atm. Note que P na equação (3-84) é um número
0 333
ΔG = 2 303 × 0 100 × 1 987 × 310 2 × log finito e não uma função. Quando um gás real não se compor-
0 00500 ta de maneira ideal, uma função, conhecida como fugacidade
ΔG = 259 cal
(f) pode ser introduzida para substituir a pressão, assim como
A concentração de uréia no plasma é de 0,00500 mol/litro e as atividades são introduzidas para substituir as concentrações
a concentração na urina é de 0,333 mol/litro. Calcule a variação em soluções não-ideais (veja discussão adiante). A equação
de energia livre quando do transporte de 0,100 móis de uréia do (3-84) torna-se
plasma até a urina.
μ μ◦ RT ln f (3-85)
Esse resultado significa que um trabalho equivalente a 259 cal
deve ser feito no sistema ou essa quantidade de trabalho líquido
deve ser realizada pelos rins para fazer a transferência.
Sistemas abertos
Fugacidade Os sistemas considerados até agora foram sistemas fechados.
Eles trocam calor e trabalho com suas vizinhanças, mas o proces-
Para um processo reversível isotérmico restrito ao trabalho PV, so não envolve transferência de matéria, de modo que as quanti-
a variação de energia livre é descrita pela equação (3-73) ou dades dos componentes do sistema permanecem constantes.
(3-74). Uma vez que V é uma quantidade sempre positiva, essas O termo componente deve ser esclarecido antes que siga-
relações indicam que, a temperatura constante, a energia livre mos adiante. Diz-se que uma fase consistindo de w2 gramas de
de Gibbs varia proporcionalmente às variações de P. Assim, da NaCl dissolvidos em w1 gramas de água contém duas massas
equação (3-73) é possível calcular a variação de energia livre de variáveis independentemente, ou dois componentes. Embora a
Gibbs para uma substância pura integrando-se entre, P° e P: fase contenha as espécies Na+, Cl–, (H2O)n, H3O+,OH– e assim
P P por diante, elas não podem ser variadas de modo independente.
dG V dP Uma vez que H2O e suas diversas espécies, H3O+,OH–, (H2O)
n, e assim por diante, estão em equilíbrio, a massa m de água é
P◦ P◦
suficiente para especificar essas espécies. Todas as formas po-
P
dem ser derivadas da espécie simples H2O. De modo similar,

G−G V dP (3-80) todas as formas de cloreto de sódio podem ser representadas
P◦ pela espécie única NaCl, e o sistema consiste, portanto, de ape-
nas dois componentes, H2O e NaCl. O número de componen-
Para sólidos ou líquidos puros, o volume depende muito tes de um sistema é o menor número de substâncias químicas
pouco da pressão, de forma que pode ser considerado constan- variáveis de modo independente que devem ser especificadas
te, e a equação (3-80) reduz-se a: para descrever as fases de forma quantitativa.
G G ◦ V (P − P ◦ ) (para sólidos e líquidos) Em um sistema aberto, no qual a troca de matéria entre as
(3-81) fases deve também ser considerada, quaisquer das proprieda-
des extensivas, como o volume ou a energia livre, tornam-se
Entretanto, gases possuem uma forte dependência em re-
uma função da temperatura, da pressão e do número de móis
lação à pressão. Aplicando-se a equação dos gases ideais, V =
dos diversos componentes.
nRT/P, a equação (3-80) torna-se:
P
◦ nRT
G−G dP Potencial químico
P
P◦
Consideremos a variação de energia livre de Gibbs para um sis-
P tema aberto composto de uma fase de dois componentes (sistema
nRT ln (para um gás ideal) (3-82)
P◦ binário). Uma transformação reversível infinitesimal é dada por
As relações (3-81) e (3-82) podem ser simplificadas assu- ∂G ∂G
dG dT dP
mindo-se que P° = 1 atm como o estado de referência. Assim, ∂ T P n1 n2 ∂ P T n1 n2
dividindo-se pela quantidade de substância, n resulta em uma
∂G ∂G
nova propriedade (G/n) chamada de energia livre molar de Gi- dn 1 dn 2 (3-86)
bbs ou potencial químico, definido pela letra μ, ∂n 1 T P n 2 ∂n 2 T P n 1
G
μ (3-83) As derivadas parciais (∂G/∂n1)T,P,n2 e (∂G/∂n2)T,P,n1 po-
n dem ser identificadas com os potenciais químicos (μ) dos
90 P ATRICK J. S INKO

componentes n1 e n2, respectivamente, de modo que a equa- Equilíbrio em um sistema heterogêneo


ção (3-86) pode ser escrita de modo mais conveniente como
Começamos com um exemplo sugerido por Klotz.2 Para um
∂G ∂G
dG dT dP sistema bifásico consistindo de, digamos, iodo distribuído
∂ T P n1 n2 ∂P T n 1 n 2 entre água e uma fase orgânica, o sistema global é um sis-
μ1 dn 1 μ2 dn 2 (3-87) tema fechado, enquanto que as soluções aquosa e orgânica
de iodo são sistemas abertos. O potencial químico do iodo
As relações (3-74) e (3-76), (∂G/∂P)T = V e (∂G/∂T )P = na fase aquosa é escrito como μIw e na fase orgânica como
–S, respectivamente, para um sistema fechado, também se apli- μIo. Quando as duas fases estão em equilíbrio a temperatu-
cam a um sistema aberto, de modo que podemos escrever a ra e pressão constantes, as variações de energia livre dGw e
equação (3-87) como dGo de ambas as fases devem ser iguais porque a variação de
dG S dT V dP μ1 dn1 energia livre para o sistema como um todo é zero. Portanto,
μ2 dn 2 (3-88) os potenciais químicos do iodo nas duas as fases são idênti-
cos. Isso pode ser mostrado permitindo-se uma quantidade
O potencial químico, também conhecido como energia infinitesimal de iodo passar da fase aquosa para a fase orgâ-
livre molar parcial, pode ser definido em termos das proprie- nica, na qual, no equilíbrio, de acordo com a equação (3-93),
dades extensivas como U, H, ou A. A definição geral mais temos:
útil, contudo, é aquela baseada na energia livre de Gibbs: a μIw dn Iw μIo dn Io 0 (3-94)
temperatura e pressão constantes, com as quantidades dos
outros componentes (nj) mantidas constantes, o potencial Uma diminuição da quantidade de iodo na fase aquosa é,
contudo, exatamente igual ao aumento da quantidade de iodo
químico de um componente i é igual à variação de energia
na fase orgânica, de modo que temos:
livre devida à variação infinitesimal do número de móis ni do
componente: −dn Iw dn Io (3-95)
∂G Substituindo (3-95) na equação (3-94), resulta-se em:
μi (3-89)
∂n i T P n j μIw dn Iw μIo (−dn Iw ) 0 (3-96)

Podemos considerar, por exemplo, a variação de ener- e, finalmente,


gia livre de uma solução aquosa de cloreto de sódio quando μIw μIo (3-97)
1 mol de NaCl é adicionado a uma grande quantidade de
Essa conclusão pode ser generalizada na afirmação de que
solução, de modo que a composição não se altera de forma o potencial químico de um componente é idêntico em todas
significativa. A temperatura e pressão constantes, os dois as fases de um sistema heterogêneo quando elas estiverem em
primeiros termos do lado direito da equação (3-88) tornam- equilíbrio a uma temperatura e pressão fixas. Assim,
se iguais a zero, e μiα μiβ μiγ (3-98)
dGT P μ1 dn 1 μ2 dn 2 (3-90)
onde α, β, γ,... são várias fases dentre as quais a substância i se
ou, em notação abreviada, encontra distribuída. Por exemplo, numa solução aquosa satu-
rada de sulfadiazina, o potencial químico do fármaco na fase
dG T P μi dn i (3-91)
sólida é o mesmo que na solução.
o que, sob integração, resulta em Quando duas fases não estão em equilíbrio a tempera-
tura e pressão constantes, a energia livre total do sistema
GT P N μ1 n 1 μ2 n 2 (3-92) tende a decrescer e a substância passa, espontaneamente, da
para um sistema de composição constante N = n1 + n2 + · · ·. fase de maior potencial químico para uma das fases de po-
tencial químico mais baixo, até que os potenciais se tornem
Na equação (3-92), a soma dos termos no lado direito é igual
iguais. Desse modo, o potencial químico de uma substância
à energia livre total do sistema a temperatura, pressão e com- pode ser usado como uma medida da tendência de escape do
posição constantes. Portanto, μ1, μ2,..., μn podem ser consi- componente da sua fase. O conceito de tendência de escape
derados como as contribuições por mol de cada componente será usado em vários capítulos neste livro. A analogia entre
para a energia livre total. O potencial químico, como qualquer o potencial químico e o potencial elétrico ou gravitacional
outra quantidade molar parcial, é uma propriedade intensiva; é evidente. O fluxo, nesses casos, sempre vai do maior para
em outras palavras, é independente do número de móis dos o menor potencial, e continuará assim até que todas as par-
componentes no sistema. tes do sistema tenham um potencial uniforme. Para uma fase
Para um sistema fechado no equilíbrio, a temperatura e consistindo de uma única substância simples, o potencial
pressão constante, a variação de energia livre é zero, dGT,P = 0, químico é a energia livre da substância por mol, definida na
e a equação (3-91) torna-se equação (3-83).
μ1 dn 1 μ2 dn 2 0 (3-93) Para um sistema bifásico de um único componente, por
exemplo, água líquida e vapor de água em equilíbrio a tempe-
para todas as fases do sistema global, que é fechado. ratura e pressão constantes, a energia livre molar de Gibbs G/n
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 91

é idêntica em todas as fases. Tal afirmação pode ser verificada e, finalmente,


combinando-se as equações (3-98) e (3-83). P2 Hν (T2 − T1 )
ln 0
P1 RT1 T2
A equação de Clausius-Clapeyron ou
P2 Hν (T2 − T1 )
Se a temperatura e a pressão de um sistema bifásico de um log 0
componente, por exemplo, água líquida (l) e vapor d´água (v) P1 2 303RT1 T2 (3-107)
em equilíbrio, são alteradas por uma pequena quantidade, as Essa equação é usada para calcular o calor médio de va-
variações de energia livre molar são iguais e porização de um líquido, se sua pressão de vapor em duas
dGl dGν (3-99) temperaturas for conhecida. Analogamente, se o calor médio
de vaporização e a pressão de vapor a uma temperatura forem
As variações de energia livre para 1 mol da substância são conhecidos, a pressão de vapor em outra temperatura pode
dadas pela equação (3-72), ser obtida.
dG V dP − T dS As equações de Clapeyron e Clausius-Clapeyron são
importantes no estudo das diversas transições de fase e no
Portanto, a partir das equações (3-99) e (3-72),
desenvolvimento das equações de algumas propriedades co-
Vl d P − Sl dT Vv dP − Sν dT ligativas.
ou
dP Sv − Sı S EXEMPLO 3-13
dT Vv − Vı V (3-100) O calor médio de vaporização da água pode ser considerado como
sendo cerca de 9.800 cal/mol dentro da faixa de temperatura entre
A pressão constante, contudo, o calor absorvido no pro- 20 °C e 100 °C. Qual será a pressão de vapor a 95 °C? A pressão de
cesso reversível (em uma condição de equilíbrio) é igual ao ca- vapor P2 a uma temperatura T2 = 373 K (100 °C) é de 76 cm Hg, e
lor molar de vaporização, e da segunda lei se depreende que: R é expresso como 1,987 cal/K mol.
Hv Escrevendo
S
T (3-101) 78,0 9800 373 − 368
log =
Substituindo (3-101) em (3-100), encontra-se P1 2,303 × 1,987 368 × 373
dP Hv P1 = 63,5 cm Hg
dT T V (3-102)
onde ΔV = Vv – Vl, é a diferença entre os volumes molares das
duas fases. Essa é a equação de Clapeyron. Atividades e coeficientes de atividade
O vapor obedecerá à lei dos gases ideais de modo razoá-
vel quando a temperatura estiver longe o suficiente do ponto Se o vapor sobre uma solução pode ser considerado como se
crítico, de modo que Vv pode ser substituído por RT/P. Além comportando idealmente, o potencial químico do solvente no
disso, Vl é insignificante quando comparado com Vv. No caso estado vapor em equilíbrio com a solução pode ser escrito na
da água a 100 °C, por exemplo, Vv = 30,2 litros e Vl = 0,0188 forma da equação (3-84),
litros. μ μ◦ RT ln P
Sob essas condições restritivas, a equação (3-102) se torna:
Se a lei de Raoult for agora introduzida para o solvente, P1
dP P Hv = P1.X1, a equação (3-84) se torna
dT RT 2 (3-103)
μ1 μ◦1 RT ln P1◦ RT ln X 1 (3-108)
a qual é conhecida como a equação de Clausius-Clapeyron.
Ela pode ser integrada entre os limites de pressão de vapor P1 Combinar o primeiro e o segundo termos do lado direito
e P2 e as temperaturas correspondentes T1 e T2, assumindo que em uma única constante resulta em
ΔHv seja constante na faixa de temperatura considerada: μ1 μ◦ RT ln X 1 (3-109)
P2 T2
dP H para uma solução ideal. O estado de referência μ° é igual ao
T −2 dT potencial químico μ1 do solvente puro (ou seja, X1 = 1). Para
P R
P1 T1 (3-104) soluções não-ideais, a equação (3-109) é modificada introdu-
zindo-se a “concentração efetiva” ou atividade do solvente, em
Hν 1 1 substituição à fração molar:
[ln P] PP21 − − −
R T2 T1 (3-105) μ1 μ◦ RT ln a1 (3-110)
Hν 1 1 ou, para
ln P2 − ln P1 −
R T1 T2 (3-106) a γX (3-111)
92 P ATRICK J. S INKO

Com γ sendo denominado coeficiente de atividade, teremos: dada pela soma dos potenciais químicos μ de cada componente
μ1 μ◦ RT ln γ1 X 1 (3-112) multiplicada pelos números de móis [veja a equação (3-83)]:
G (cμC dμD ) − (aμA bμB ) (3-122)
Para o soluto, na escala da fração molar,
μ2 μ◦ RT ln a2 (3-113) Quando reatantes e produtos são gases ideais, o potencial
químico de cada componente é expresso em termos da pressão
μ2 μ◦ RT ln γ2 X 2 (3-114) parcial [equação (3-84)]. Para gases não-ideais, μ é escrito em
termos das fugacidades [equação (3-85)]. As expressões cor-
ou, baseado nas escalas práticas (molal e molar) respondentes para soluções são dadas pelas equações (3-110)
μ2 μ◦ RT ln γm m (3-115) a (3-116). Vamos usar a equação (3-110), que é uma expres-
são mais geral que relaciona o potencial químico à atividade.
μ2 μ◦ RT ln γc c (3-116) Substituindo essa equação para cada componente na equação
As equações (3-110) e (3-113) são freqüentemente usadas (3-121), teremos
como definições de atividade. G c(μC ◦ RT ln aC ) d(μ◦D RT ln aD )
−a(μA ◦ RT ln aA ) − b(μB ◦ RT ln aB ) (3-123)
A equação de Gibbs-Helmholtz Rearranjando a equação (3-123), teremos
Para um processo isotérmico a pressão constante entre um G cμC ◦ dμD ◦ − aμA ◦ − bμB ◦ RT (ln aC c lnaD d )
estado inicial 1 e um estado final 2, a equação (3-57) for- − RT (ln aA a ln aBb ) (3-124)
nece
G 2 − G 1 (H2 − H1 ) − T (S2 − S1 ) μ° é a variação da energia livre molar parcial ou potencial
químico sob condições padrão. Uma vez que ela está multi-
G H −T S (3-117) plicada pelo número de móis na equação (3-124), a soma al-
A equação (3-76) pode ser escrita como gébrica dos termos envolvendo μ° representa a variação to-
∂G 2 ∂G 1 tal de energia livre padrão da reação e é chamada de ΔG°:
− S (S2 − S1 ) −
∂T P ∂T P
G ◦ cμC ◦ dμD ◦ − aμA ◦ − bμB ◦ (3-125)

ou ou, em geral,
∂(G 2 − G 1 ) ∂( G) G◦ nμ◦ (produtos) − nμ◦ (reatantes) (3-126)
− S (3-118)
∂T P ∂T P
Usando as regras dos logaritmos, podemos expressar a
Substituindo a equação (3-118) na equação (3-119), tere- equação (3-124) como:
mos: G G◦ RT ln[(aC c aD d ) (aA a aB b )] (3-127)
∂( G)
G H T (3-119) Os produtos das atividades entre colchetes são chamados
∂T P de quocientes de reação, definidos como:
que é uma das formas da equação de Gibbs-Helmholtz. Q [(aC c aD d ) (aA a aB b )] (3-128)
ou, de modo geral,
Energia livre padrão e a constante de equilíbrio n
aprodutos
Q n (3-129)
Muitos dos processos de interesse farmacêutico, tais como areatantes
complexação, ligação com proteínas, dissociação de eletrólitos
Assim, a equação (3-127) pode ser escrita como:
fracos ou distribuição de um fármaco entre duas fases imis-
cíveis são processos em equilíbrio e podem ser descritos em G G ◦ RT ln Q (3-130)
termos das variações da energia livre de Gibbs (ΔG). Uma vez que ΔG° e RT são constantes a P e T constantes
Considere um sistema fechado a temperatura e pressão e que a condição de equilíbrio é ΔG = 0, a equação (3-130) se
constantes, como a seguinte reação química: torna:
aA bB cC dD (3-120) 0 G◦ RT ln K (3-131)
Uma vez que G é uma função de estado, a variação de ou
energia livre da reação ao se proceder dos reatantes aos pro-
dutos é igual a: G◦ RT ln K (3-132)
G G produtos − G reatantes (3-121) onde Q foi substituído por K, a constante de equilíbrio.
A equação (3-132) é uma expressão muito importante,
A equação (3-120) representa um sistema fechado com vá- uma vez que relaciona a variação da energia livre de Gibbs
rios componentes. Portanto, a T e P constantes, a variação total padrão, ΔG°, à constante de equilíbrio, K. Essa expressão per-
de energia livre dos produtos e reatantes na equação (3-121) é mite o cálculo de K quando se conhece ΔG° e vice-versa.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 93

A constante de equilíbrio foi expressa em termos das ati- ΔG ◦ = −RT ln K = −(1 9872 × 298 × 0 788)
vidades. Ela também pode ser dada como quociente das pres- = −466 6 cal mol
sões parciais ou fugacidades (para gases) e como quociente
O processo é espontâneo sob condições-padrão.
de diferentes expressões de concentração usadas em soluções
(fração molar, molaridade, molalidade). A constante de equilí- (b) Mantendo constante a concentração do monômero, suponha
brio não tem dimensão, sendo que o quociente das atividades que alguém seja capaz de remover parte da espécie dimérica
ou concentrações cancela as unidades. O valor numérico de por meios físicos ou químicos, de modo que a sua concentra-
K, porém, difere dependendo das unidades usadas (atividade, ção seja agora quatro vezes menor que a concentração original
fração molar, fugacidade, etc.). do dímero. Calcule a variação de energia livre. Qual será o
efeito no equilíbrio?
EXEMPLO 3-14 A concentração do dímero será agora
3 52 × 10−5
Derive uma expressão para as variações de energia livre ΔG e ΔG° = 8 8 × 10−6 mol / litro
4
da reação
Fe(s) + H2 O(g) = FeO(s) + H2(g) Uma vez que as condições não são de equilíbrio, a equação
(3-130) deve ser usada. Primeiro calculamos Q:
Uma vez que o potencial químico de um sólido é constante [Dímero] 8 8 × 10−6
(pois não depende da concentração), a constante de equilíbrio Q= = = 0 550; ln Q = −0 598
[Monômero ]2 (4 × 10−3 )2
depende apenas das pressões (ou fugacidades) dos gases. Usando
pressões, obtemos: e, da equação (3-130),
ΔG = μ◦ FeO(s) + μ◦ H2 (g) − μ◦ Fe(s) − μ◦ H2 O(g) + RT ln PH2 (g) ΔG = −466 6 + [1 9872 × 298 × (−0 598)]
− RT PH2 O(g) = 0 = −820 7 cal mol
ΔG = ΔG ◦ + RT ln PH2(g) − RT PH2 O(g) = 0
ΔG é negativo, Q é menor que K; a reação se desloca para o
e lado direito da equação com a formação de mais dímero.
PH2(g) Se o monômero for removido da solução, a reação é deslo-
ΔG ◦ = −RT ln cada para o lado direito, formando monômero, e ΔG torna-se
PH2 O(g)
positivo. Suponha que a concentração do monômero seja ago-
ra 1 × 10–3 mol/litro e a do dímero seja 3,52 × 10–5 mol/litro:
A magnitude e o sinal de ΔG° indicam se a reação é es- 3 52 × 10−5
Q= = 35 2; ln Q = 3 561
pontânea [ver a equação (3-59)], mas apenas sob condições- (1 × 10−3 )2
padrão. Quando a reação não está em equilíbrio, ΔG ≠ 0 e ΔG = −466 6 + (1 9872 × 298 × 3 561) = +1642 cal mole
a variação de energia livre é descrita pela equação (3-130),
onde Q, assim como K, é o quociente de atividades [equação O sinal positivo de ΔG indica que a reação não segue espon-
(3-129)], fugacidades ou unidades de concentração dos pro- taneamente para o sentido direto.
dutos e reatantes, mas sob condições diferentes daquelas do
equilíbrio. Q não deve ser confundido com K, o quociente
das atividades, fugacidades, etc. sob condições-padrão no
A equação de van’t Hoff
equilíbrio. O efeito da temperatura nas constantes de equilíbrio é obtido
escrevendo a equação como:
EXEMPLO 3-15 G◦
ln K (3-133)
O colato de sódio é um sal da bile que cumpre um importante RT
papel na dissolução ou dispersão do colesterol e de outros lí-
Diferenciando em relação à temperatura, teremos:
quidos no corpo. O colato de sódio pode existir na forma mo-
nomérica ou dimérica (ou n-meros mais elevados) em solução d ln K 1 d( G ◦ T )
(3-134)
aquosa. Consideremos a reação de equilíbrio entre o monômero dT R dT
e o dímero, A equação de Gibbs-Helmholtz pode ser escrita na forma
K
Dímero (veja algum dos textos de Termodinâmica citados nas notas de
rodapé da introdução deste capítulo)
a qual afirma que dois móis (ou moléculas) de monômeros formam
1 mol (ou 1 molécula) de dímero.
d( G T ) H
(3-135)
dT T2
(a) Se a concentração molar a 25 °C da espécie monomérica
for de 4 × 10–3 mol/litro e a concentração dos dímeros for de Expressando a equação (3-135) em uma forma para reatan-
3,52 × 10–5 mol/litro, qual será a constante de equilíbrio e a tes e produtos nos seus estados-padrão, nos quais ΔG se torna
energia livre padrão do processo de dimerização? Podemos igual a ΔG°, e substituindo na equação (3-134), resulta em:
escrever: d ln K H◦
(3-136)
[Dímero] 3 52 × 10−5 dT RT 2
K= = = 2 20
[ ]2 (4 × 10−3 )2
onde ΔH° é a entalpia-padrão de reação. A equação (3-136) é
ln K = 0 788 conhecida como a equação de van’t Hoff. Essa equação pode
94 P ATRICK J. S INKO

ser integrada assumindo que ΔH° é constante sobre a faixa de


TABELA 3-4
temperatura considerada. Ela torna-se:
CONSTANTES DE IONIZAÇÃO DA PILOCARPINA A VÁRIAS
K2 H ◦ T2 − T1
ln (3-137) TEMPERATURAS *†
K1 R T1 T2
T ( °C) T (K) 1/T × 103 Ka × 107 log Ka
A equação (3-137) permite o cálculo da entalpia de uma
reação se conhecermos as constantes de equilíbrio nas tem- 15 288 3,47 0,74 –7,13
peraturas T1 e T2. Reciprocamente, ela pode ser usada para 20 293 3,41 1,07 –6,97
se calcular a constante de equilíbrio a uma temperatura defi- 25 298 3,35 1,26 –6,90
nida se conhecermos o seu valor em outra temperatura. Uma 30 303 3,30 1,58 –6,80
vez que ΔH° varia com a temperatura e a equação (3-137)
fornece apenas valores aproximados, necessitamos de equa- 35 308 3,24 2,14 –6,67
ções mais elaboradas se quisermos resultados mais precisos. 40 313 3,19 2,95 –6,53
A solubilidade de um sólido em uma solução ideal é um tipo 45 318 3,14 3,98 –6,40
especial de equilíbrio, e não é surpreendente que a solubili- * Para a coluna intitulada 1/T × 103, os números são 1000 (ou seja, 103) vezes
dade possa ser escrita como maiores que os números reais. Assim, a primeira entrada da terceira coluna
tem o valor 3,47 × 10-3 ou 0,00347. Analogamente, na próxima coluna, Ka
X2 Hf T2 − T1 × 107 significa que o número 0,74 e as outras entradas nessa coluna são
ln (3-138)
X1 R T1 T2 acompanhadas do valor exponencial 10-7 e não 10+7. Desse modo, o primeiro
valor na quarta coluna deve ser 0,74 × 10-7 e o último valor 3,98 × 10-7.
que é semelhante à equação (3-137). Essas expressões serão †
A partir de A. K. Mitra and T. J. Mikkelson, J. Pharm. Sci. 77, 772, 1988. Com
encontradas em outros capítulos. permissão.
Combinando as equações (3-117) e (3-133), teremos outra
forma da equação de van’t Hoff, a saber,
ln K ( H ◦ R)1 T S◦ R (3-139)
Respostas:
ou
ΔH ◦ = cal mol
log K [ H ◦ (2 303R)]1 T S◦ (2 303R) (3-140)
= 40 94 kJ mol
onde ΔS°/R é o intercepto no eixo ln K de um gráfico ln K ΔS◦ = 1 30 cal mole K
versus 1/T.
Enquanto a equação (3-137) fornece um valor de ΔH° ba- ΔG ◦ 25◦ = ΔH ◦ − TΔS◦ = cal mol
seado no uso de dois valores de K a duas temperaturas abso-
lutas, T1 e T2, as equações (3-139) e (3-140) dão os valores Esses valores termodinâmicos têm os seguintes significa-
de ΔH° e ΔS°, e portanto o valor de ΔG°= ΔH° – TΔS°. Nas dos: ΔH° é grande e positivo, indicando que a ionização da pi-
equações de regressão linear (3-139) e (3-140), podemos usar locarpina (como seu ácido conjugado) deve aumentar como o
tantos valores de ln K e correspondentes 1/T quantos estiverem aumento da temperatura. Os valores crescentes de Ka na tabela
disponíveis do experimento. mostram que isso de fato ocorre. A variação-padrão de entro-
pia, ΔS° = 1,30 unidades de entropia, embora pequena, fornece
EXEMPLO 3-16 a força motriz para que a reação dos íons pilocarpínio forme
No estudo do transporte de pilocarpina através da córnea, Mitra a pilocarpina (Figura 3-7). Em um ambiente aquoso, os íons
e Mikkelson4 apresentaram um gráfico de van’t Hoff do logaritmo pilocarpínio sendo positivos e, portanto, de natureza iônica, são
da constante de ionização, log Ka, da pilocarpina versus o recípro- provavelmente mantidos em um arranjo mais ordenado do que
co da temperatura absoluta, T–1 = 1/T. a pilocarpina, que é não-iônica. O aumento da desordem no
Usando os dados na Tabela 3-4, faça a regressão linear de processo de dissociação explica o aumento da entropia, o qual,
log Ka versus T–1. Usando a equação de van’t Hoff (3-139), obte- contudo, é pequeno, ΔS° = 1,30 unidades de entropia. Note que
nha os valores da entalpia-padrão ΔH° de ionização da pilocar- um valor positivo de ΔH° não significa que a ionização não
pina e da entropia-padrão do processo de ionização. A partir do ocorrerá. Significa, sim, que a constante de equilíbrio para a
ΔH° e ΔS°, calcular ΔG° a 25 °C. Qual é o significado dos sinais e reação direta (ionização) terá um valor pequeno, por exemplo,
dos valores de ΔH°, ΔS ° e ΔG°? Ka ≅1 × 10–7, como observado na Tabela 3-4.

C 2H 5 CH 3 C 2H 5 CH 3
CH 2 N CH 2 N
H 2O + H 3O +
O O N O O N
H+
Figura 3-7 Reação do íon pilocarpínio resultando na base
Íon pilocarpínio Pilocarpina pilocarpina.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 95

TABELA 3-5
FATOR INTENSIDADE E FATOR CAPACIDADE DE ENERGIA

Fator intensidade ou potencial Fator capacidade ou quantidade Unidade de energia


Forma de energia (propriedade intensiva) (propriedade extensiva) comumente usada

Calor (térmica) Temperatura (K) Variação de entropia (cal/K) Caloria


Expansão Pressão (dina/cm2) Variação de volume (cm3) Érgio
Superfície Tensão superficial (dina/cm) Variação de área (cm2) Érgio
Elétrico Força eletromotriz ou diferença Quantidade de eletricidade Joule
de potencial (volts) (coulombs)
Químico Potencial químico (cal/mol) Número de móis Caloria

Outra explicação sobre o sinal de ΔH° também é útil. RESUMO


Mahan5 salientou que, no primeiro estágio da ionização do áci-
do fosfórico, por exemplo,
Neste capítulo, as relações quantitativas entre as diferentes for-
H3 PO4 → H H2 PO4 − ; H◦ 3 1 kcal mol mas de energia foram revisadas e expressas nas três leis da Ter-
a reação de hidratação dos íons é suficientemente exotérmi- modinâmica. A energia pode ser considerada como um produto
ca a ponto de produzir a energia necessária para a ionização, de um fator intensidade e de um fator capacidade, e então os
ou seja, a energia suficiente para remover o próton do ácido, vários tipos de energia podem ser representados como um pro-
H3PO4. Por essa razão, ΔH° no primeiro estágio de ionização é duto de uma propriedade intensiva (ou seja, independente da
negativo e K1 = 7,5 × 10–3 a 25 °C. No segundo estágio, quantidade de matéria) e uma diferencial de uma propriedade
extensiva que é proporcional à massa do sistema. Por exemplo,
H2 PO4 − → H HPO2−
4 ; H◦ 0 9 kcal mol o trabalho mecânico feito por um gás nas suas vizinhanças é
ΔH° agora é positivo, e a reação é endotérmica, e K2 = 6,2 × P dV. Algumas das formas de energia, juntamente com esses
10–8. Finalmente, no terceiro estágio, fatores e suas unidades, são fornecidas na Tabela 3-5.

4 →H
HPO2− PO3−
4 ; H◦ 4 5 kcal mol
Referências
ΔH° é um valor positivo relativamente grande e K3 = 2,1 ×
10–13. Esses valores de ΔH° e Ka mostram que uma energia 1. H. Borsook and H. M. Winegarden, Proc. Natl. Acad. Sci. USA 17, 3,
crescente é necessária para se remover o próton positivamente 1931.
carregado, à medida que a carga negativa aumenta no ácido, do 2. J. M. Klotz, Chemical Thermodynamics, Prentice Hall, Englewood Cliffs,
primeiro até o último estágio de ionização. Valores positivos N.J., 1950, p. 226.
de ΔH° (reação endotérmica) não significam que o ácido não 3. M. Vadnere and S. Lindenbaum, J. Pharm. Sci. 71, 875, 1982.
se ioniza – ou seja, que o processo não é espontâneo – mas 4. A. K. Mitra and T. J. Mikkelson, J. Pharm. Sci. 77, 771, 1988.
simplesmente mostram que a reação direta, representada pela 5. B. H. Mahan, Elementary Chemical Thermodynamics, Benjamin/
constante de ionização, torna-se progressivamente menor. Cummings, Menlo Park, Calif., 1963, pp. 139–142.
4
4 DETERMINAÇÃO DAS PROPRIEDADES
FÍSICAS DAS MOLÉCULAS

ESTRUTURA MOLECULAR, ENERGIA E ESPECTROSCOPIA DE INFRAVERMELHO


PROPRIEDADES FÍSICAS RESULTANTES
ESPECTROSCOPIA DO INFRAVERMELHO
PROPRIEDADES ADITIVAS E CONSTITUTIVAS PRÓXIMO
CONSTANTE DIELÉTRICA E POLARIZAÇÃO ESPECTROSCOPIA DE RESSONÂNCIA
INDUZIDA PARAMAGNÉTICA DO ELÉTRON E
RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR
MOMENTO DE DIPOLO PERMANENTE DE
MOLÉCULAS POLARES ÍNDICE DE REFRAÇÃO E REFRAÇÃO MOLAR
RADIAÇÃO ELETROMAGNÉTICA ROTAÇÃO ÓPTICA
ESPECTRO ATÔMICO E MOLECULAR DISPERSÃO ÓPTICA ROTATÓRIA
ESPECTROFOTOMETRIA ULTRAVIOLETA E DICROÍSMO CIRCULAR
VISÍVEL
ESPALHAMENTO DE ELÉTRONS E NÊUTRONS
FLUORESCÊNCIA E FOSFORESCÊNCIA E ESPECTROSCOPIA DE EMISSÃO

Ao concluir este capítulo, o 11 Entender a polarização de feixes de luz e o uso da luz po-
OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: larizada para estudar moléculas quirais.
12 Compreender os princípios fundamentais da refração de
1 Compreender a natureza das forças intra e intermolecu-
feixes de elétrons e nêutrons e como esses feixes são usa-
lares que estão envolvidas na estabilização das estruturas
dos para se determinar propriedades moleculares.
moleculares e físicas.
2 Compreender as diferenças energéticas dessas forças e sua
relevância em diferentes moléculas.
3 Compreender as diferenças em energias entre os níveis ESTRUTURA MOLECULAR, ENERGIA E PROPRIEDADES
vibracional, translacional e rotacional e definir o seu
significado. FÍSICAS RESULTANTES
4 Compreender as diferenças entre as técnicas espectroscó-
picas atômicas e moleculares e as informações que elas Um átomo consiste de um núcleo, feito de nêutrons (neutros, i.
fornecem. e., sem carga) e prótons (positivamente carregados), com cada
5 Avaliar as vantagens de técnicas espectroscópicas sele- partícula carregando uma massa de aproximadamente 1 g/mol.
cionadas usadas na identificação e na detecção de agentes Além disso, existem elétrons (negativamente carregados) em
farmacêuticos. orbitais atômicos cercando o núcleo e eles possuem uma mas-
sa significativamente menor. Átomos carregados provêm de
6 Definir o espectro de radiação eletromagnética em termos
um desequilíbrio no número de elétrons e prótons e isso pode
de comprimento de onda, número de onda, freqüência e
levar a interações iônicas (discutidas no Capítulo 2). A massa
energia associadas com cada faixa.
atômica é derivada da contagem do número de prótons e nêu-
7 Definir e compreender as relações entre as forças atômicas trons em um núcleo. Podem, também, existir isótopos para um
e moleculares e sua resposta às fontes de energia eletro- dado tipo de átomo. Por exemplo, o carbono tem um número
magnéticas. atômico de 6, que descreve o número de prótons, e há vários
8 Definir e compreender a espectroscopia de ultravioleta e isótopos de carbono com diferentes números de nêutrons no
luz visível em termos da estrutura eletrônica. núcleo: 11C (com cinco nêutrons), 12C (com seis nêutrons), 13C
9 Definir e compreender a fluorescência e a fosforescência (com sete nêutrons), 14C (com oito nêutrons) e 15C (com nove
em termos da estrutura eletrônica. nêutrons).1 O carbono-13, 13C, é um isótopo comum usado em
10 Compreender a precessão eletrônica e nuclear em átomos ressonância magnética nuclear (RMN) e em estudos do efeito
sujeitos a radiação eletromagnética e seu papel na deter- isotópico cinético nas velocidades de reação, e o 14C é radio-
minação da estrutura atômica em uma molécula. ativo e usado como marcador para estudos que requerem alta
98 P ATRICK J. S INKO

R O H R O H
Figura 4-1 A natureza da ligação amida (peptídica) dentro de um
ψ ω φ ψ ω φ peptídeo em uma proteína e seu efeito na estrutura. Como mencio-
Cα C N C Cα C N C α nado no texto, o isômero trans de um peptídeo é favorecido energeti-
camente devido ao impedimento estérico dos aminoácidos. A prolina
(com um grupo amino terciário) e a glicina (com dois hidrogênios e,
H H R H H R portanto, com o menor impedimento estérico do grupo R) podem se
rearranjar mais facilmente e adaptar a conformação trans em um
Ligação amida tem ângulo ω Ligação amida tem ângulo ω = 180° peptídeo ou proteína do que os outros aminoácidos.

sensitividade e para datação por carbono. Tanto o 11C quanto paço interatômico das ligações. Por exemplo, devido a dife-
o 15C têm tempo de vida muito curto, possuindo meia-vida de renças nas propriedades atômicas como eletronegatividade, a
20,3 min e 2,5 segundos, respectivamente, e não são usados em natureza de cada ligação interatômica pode variar bastante.
aplicações práticas. Aqui, “natureza” se refere à energia da ligação, à rotação em
As moléculas surgem quando ocorrem ligações interatô- torno da mesma, à vibração a ao movimento dos átomos na
micas. A estrutura molecular é refletida pela rede de átomos ligação, à rotação do núcleo de um átomo na ligação e assim
dentro da molécula, sendo mantida unida pela energia de liga- por diante.
ção, a qual depende, fortemente, da orientação dos orbitais e Como exemplo da natureza de uma ligação, considere a
da sobreposição desses. Isso é ilustrado na caixa de conceitos ligação carbonila-amida entre dois aminoácidos em uma pro-
sobre estrutura atômica e ligação. Cada ligação em uma mo- teína (Figura 4-1), como descrita por Mathews e van Hol-
lécula complexa tem uma energia intrínseca e terá diferentes de.2 O oxigênio da carbonila é muito eletronegativo e puxa
propriedades, como a reatividade. As propriedades dentro de os elétrons para si. O par isolado de elétrons no nitrogênio
uma molécula dependem das interações intramoleculares, e permanece não-ligado, mas o nitrogênio tem uma eletronega-
cada molécula possui uma energia líquida de ligação que é de- tividade consideravelmente mais baixa que o oxigênio. Lem-
finida por sua composição unívoca de átomos. É importante bre-se que a ligação covalente ocorre entre o carbono (que
notar, também, que para macromoléculas, como proteínas ou também possui baixa eletronegatividade) no grupo carbonila
polímeros sintéticos, a presença de cargas vizinhas ou intera- e a amina do aminoácido seguinte. Contudo, os elétrons da li-
ções de dipolo, impedimento estérico ou repulsão, forças de gação dupla carbono-oxigênio na carbonila são puxados para
Debye e assim por diante, dentro do esqueleto principal ou perto do oxigênio devido à sua grande eletronegatividade, le-
dos grupos funcionais da molécula, também pode levar a dis- vando este átomo a assumir uma carga parcial negativa. O
torções nas energias de ligação intramolecular primárias e ao carbono possuirá, então, uma carga parcial positiva e puxará
surgimento de ligações covalentes adicionais (p. ex., pontes de os elétrons do par isolado do nitrogênio. Isso irá formar uma
dissulfeto numa proteína como a insulina). ligação dupla parcial, a qual leva o nitrogênio a exibir uma
Quanto mais um átomo participa de ligações, menor será carga parcial positiva, produzindo um dipolo líquido (ver a
a densidade da nuvem eletrônica em torno do núcleo e maior seção sobre momento dipolar permanente de moléculas po-
a distribuição dos elétrons atômicos compartilhados no es- lares). “É interessante notar que, em estruturas secundárias

CONCEITO ESTRUTURA ATÔMICA E LIGAÇÃO


líquida, é cercado de uma nuvem eletrônica uniforme de seis elétrons (6e).
Considere o que acontece quando os dois carbonos formam uma ligação
6 P +6 n 6 P +6 n covalente. Dois elétrons, um de cada carbono, preenchem o espaço do
orbital híbrido entre os átomos. O núcleo não se encontra mais cercado
de uma nuvem uniforme de carga igual, mas sim está agora cercado de
6e 6e
cinco elétrons e possui um elétron que é compartilhado na ligação. A dis-
tribuição de carga em torno de cada núcleo é similar à do átomo sozinho,
mas sua forma é diferente. Como veremos neste capítulo, a diferença na
distribuição está relacionada às propriedades físicas da molécula. Quando
os átomos isolados ou em uma molécula forem expostos a campos de
6P+6n 2e 6P+6n energia externos, eles se comportarão de modo diferente. Mudanças da
ordem atômica quando da ocorrência de ligações moleculares, portanto,
5e 5e podem ser medidas por diferentes técnicas usando diferentes níveis de
energia externa.
Considere dois átomos de carbono que não estão ligados. Cada núcleo,
com seis prótons (6P na figura), seis nêutrons (6n) e uma carga positiva
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 99

CONCEITO QUIRALIDADE DE AMINOÁCIDOS


R O H O Todos os α-aminoácidos, com exceção da glicina, têm um átomo de
α-carbono quiral. O confôrmero L é preferido, mas o confôrmero D tam-
bém é encontrado. Para se determinar o confôrmero, Richardson3a e
N Cα C N Cα C outros propuseram a estrutura do macete do “corn”. Em conexão com a
figura mostrada aqui, se tomarmos a α-hélice de frente dos olhos e olhar-
mos pela ligação do α-carbono, ao ler no sentido horário em torno deste
H H H R veremos a palavra “CORN”* para o confôrmero L.

HC χ * N. de T.: A palavra “corn” pode ser traduzida, dentre diversos significa-


CO N dos, por cereal, mas a tradução faria perder o sentido do macete.

estendidas, em particular em α-hélices, o dipolo efetivo da dade constitutiva, porque ela depende da quiralidade da molé-
ligação peptídica pode exercer um forte efeito de estabiliza- cula, determinada pelo arranjo das ligações.
ção na estrutura secundária.3 Isso reduz a rotação em torno Muitas propriedades físicas são constitutivas, mas têm
da ligação carbono-nitrogênio, permitindo apenas a isomeria alguma medida de aditividade. A refração molar de um com-
cis/trans. Embora isso não seja o tema do presente contex- posto, por exemplo, é a soma das refrações dos átomos e do
to, o estudante deve recordar das discussões sobre rotações arranjo dos grupos funcionais que constituem o composto.
energeticamente favorecidas em torno de ligações na química Uma vez que os arranjos dos átomos em cada grupo são dife-
orgânica. A orientação da ligação peptídica trans é energe- rentes, os índices de refração de duas moléculas também serão
ticamente favorecida e o confôrmero cis aparece apenas em diferentes. Ou seja, os grupos individuais em duas moléculas
casos especiais, em particular na prolina, que é conformacio- diferentes contribuirão de modo diverso na refração global das
nalmente restringida. Como discutido em cursos gerais de moléculas.
Um cálculo simples ilustra o princípio de aditividade e
bioquímica, a estrutura secundária de um peptídeo é então
constitutividade. As refrações molares dos dois compostos
determinada somente pela rotação em torno dos ângulos φ e
ψ. Finalmente, os aminoácidos costuman ocorrer no confôr- O
mero L, com exceção da glicina. Essa quiralidade é seguida
C2 H5 −C−CH3
em quase todos os peptídeos e proteínas, resultando em um
profundo efeito na função. Um exemplo de quiralidade com e
um L e um D-aminoácido é apresentada na caixa de conceitos CH3 CH CH CH2 OH
sobre quiralidade de aminoácidos, a título de revisão.
que possuem exatamente o mesmo número de átomos de car-
bono, oxigênio e hidrogênio, são calculadas usando a Tabela
4-1. Obtivemos os seguintes resultados:
PROPRIEDADES ADITIVAS E CONSTITUTIVAS O
C2 H5 C CH3
O estudo das propriedades físicas das moléculas de um fár-
maco é pré-requisito para a formulação de produtos e leva a 8H 8 × 1 100 8 800
uma melhor compreensão das relações entre as propriedades 3C (simples) 3× 2 418 7 254
moleculares e físico-químicas de um fármaco e sua estrutura 1C (dupla) 1 × 1 733 1 733
e ação. Essas propriedades provêm do ordenamento das liga- 1O (C O) 1 × 2 211 2,211
ções moleculares dos átomos na molécula e podem ser aditi- 19,998 20 0
vas (derivadas da soma das propriedades de átomos ou grupos CH3 CH CH CH2 OH
funcionais individuais dentro da molécula) ou constitutivas 8H 8 × 1 100 8 800
(dependentes do arranjo estrutural dos átomos dentro da molé- 2C (simples) 2 × 2 418 4 836
cula). Por exemplo, a massa é uma propriedade aditiva (massa 2C (dupla) 2 × 1 733 3 466
molecular é a soma das massas de cada átomo na molécula), ao 1O (OH) 1 × 1 525 1,525
passo que a rotação óptica pode ser considerada uma proprie- 18,627 18,7
100 P ATRICK J. S INKO

potencial que são necessárias para a criação de novas molécu-


TABELA 4-1 las com atividade farmacológica seletiva. O terceiro fornece
CONTRIBUIÇÕES ATÔMICAS E DE GRUPO PARA A ao pesquisador ferramentas para o desenho e a produção de
REFRAÇÃO MOLAR fármacos e oferece ao analítico uma ampla gama de métodos
para testar a qualidade dos produtos farmacêuticos. O nível
C (simples) 2,418 de compreensão das propriedades físicas das moléculas cres-
—C (duplo) 1,733 ceu muito e, com grandes avanços na tecnologia, o desenvol-
—C (triplo) 2,398 vimento de ferramentas computacionais para o desenho de
moléculas com propriedades físicas ideais se tornou um lugar
Fenil (C 6 H5 ) 25,463 comum.
H 1,100 Em nenhum outro lugar o impacto da modelagem com-
O (C O) 2,211 putacional teve maior importância do que na descoberta e de-
O (O—H) 1,525 senho de fármacos, onde as ferramentas computacionais ofe-
recem grandes possibilidades para aumentar a velocidade do
O (éter, éster, C—O) 1,643 desenho e seleção de fármacos. A modelagem computacional
Cl 5,967 de alvos terapêuticos (p. ex., a protease HIV) é usada ampla-
mente. Tal enfoque é baseado na varredura de propriedades
Br 8,865 físicas conhecidas ou preditas (p. ex., a conformação da pro-
l 13,900 teína da protease HIV) de um alvo terapêutico no computador
para elucidar a(s) área(s) onde a molécula pode ser sintetizada
* Estes valores se referem à linha D do sódio como fonte de luz. (De J. Dean, Ed,
Lange’s Handbook, 12th Ed. McGraw-Hill, New York, 1979, p. 10-94. Ver também para se ligar de modo otimizado e bloquear (antagonista) ou
Bower et al., em A. Weissberger, Ed., Physical Methods of Organic Chemistry, Vol. 1, aumentar (agonista) a ação do alvo. Esse tipo de modelagem
Part II, 3rd Ed., Chapter 28. Wiley-Interscience, New York, 1960. costuma revelar um número limitado de tipos e arranjos espa-
ciais de átomos, como em um grupo funcional, que podem ser
utilizados no desenho de uma molécula para extrair a resposta
farmacológica desejada. Outros programas computacionais
Assim, embora os dois compostos tenham o mesmo nú- podem, então, ser utilizados para calcular o número de mo-
mero e tipo de átomos, suas refrações molares são diferentes. léculas que podem ser fármacos razoáveis, com base nessas
As refrações molares dos átomos são aditivas, mas os átomos restrições moleculares.
de carbono e oxigênio são constitutivos na refração. A refração É importante notar que esses modelos são relativamente
de um carbono com ligação simples não é exatamente igual à novos, mas oferecem um grande potencial para o futuro da
de um carbono com ligação dupla, e um oxigênio de carbonila descoberta e desenho de fármacos. É, também, importante
(C–O) não é o mesmo que um oxigênio de hidroxila. Os dois notar que todos os enfoques computacionais são baseados
compostos exibem propriedades que são aditivas e constituti- somente nas propriedades físicas das moléculas que foram
vas e possuem refrações molares diferentes que serão discu- determinadas em anos de pesquisa. A capacidade de dese-
tidas de modo mais aprofundado neste capítulo e em outras nhar e testar moléculas usando um computador e sintetizá-las
seções do livro. rapidamente por meio de bibliotecas químicas também au-
As perturbações moleculares resultam de fontes externas mentou muito a necessidade de equipamentos tecnologica-
que exercem energia nas moléculas. De fato, qualquer molécu- mente superiores para medir as propriedades físicas dessas
la que existe encontra-se em condições atmosféricas, desde que moléculas e para confirmar o acerto das propriedades que
excluída a idealidade. Assim, ela existe em um estado natural foram preditas. As bibliotecas químicas podem atingir mais
perturbado. Conseqüentemente, as propriedades físicas envol- de 10.000 moléculas individuais e podem ser testadas para
vem relações específicas entre átomos em moléculas e formas numerosas propriedades moleculares em modernos sistemas
bem-definidas de energia ou outros padrões externos de medida. de high-throughput. De fato, bibliotecas “virtuais” contêm
Por exemplo, o conceito de peso usa a força da gravidade como rotineiramente milhões de compostos. Isso ajuda o cientista
uma medida externa para comparar a massa de objetos, enquan- a selecionar um composto-líder cujo potencial para uso clíni-
to a rotação óptica usa a luz plano-polarizada para descrever a co é maior do que todas as outras moléculas consideradas. A
rotação de moléculas organizadas em um arranjo particular de habilidade de medir as propriedades físicas de um composto-
ligações. Portanto, uma propriedade física deve ser facilmente líder é crucial para assegurar que durante a transição da mo-
medida ou calculada, e tais medidas devem ser reprodutíveis delagem computacional, para a manufatura em larga escala,
para moléculas individuais sob circunstâncias ótimas. a molécula identificada no princípio permaneça fisicamente a
Quando se associa de forma cuidadosa propriedades físi- mesma. Esta é uma diretriz que a FDA (Food and Drug Ad-
cas específicas com a natureza química de moléculas aparen- ministration) requer para garantir a segurança humana e a efi-
tadas, podemos (a) descrever o arranjo espacial dos átomos cácia do fármaco.
nas moléculas de um fármaco, (b) fornecer evidências para o O restante deste capítulo descreve algumas das interações
comportamento químico ou físico relativo de uma molécula, bem-definidas que são importantes para determinar as proprie-
e (c) sugerir métodos para a análise qualitativa e quantitativa dades físicas das moléculas. Todas as quantidades apresenta-
de um agente farmacêutico particular. O primeiro e o segundo das são expressas nas unidades do Sistema Internacional (SI)
pontos levam a implicações sobre natureza química e ação para todos os casos práticos.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 101

CONSTANTE DIELÉTRICA E POLARIZAÇÃO INDUZIDA e das cadeias laterais pode estabilizar estruturas secundárias
como α-hélices e também influenciar a conformação de or-
dem mais elevada de uma proteína. Dipolos induzidos em uma
A eletricidade está relacionada à natureza das cargas em um
proteína podem influenciar estruturas de proteína com interior
sistema dinâmico (p. ex., fluxo de elétrons). Quando uma mo-
hidrofóbico, de forma que ambos os tipos de dipolo cumprem
lécula carregada encontra-se em repouso, suas propriedades um papel proeminente na estabilização de medicamentos deri-
são definidas pela eletrostática. Para duas cargas separadas vados de proteínas. Dipolos permanentes em moléculas serão
pela distância r, a energia potencial é definida pela lei de abordados na seção seguinte.
Coulomb, Para discutir adequadamente os dipolos e os efeitos da
q1 q2 solvatação é preciso compreender os conceitos de polaridade
U (r )
4πε0r (4-1) e constante dielétrica. Colocar uma molécula em um campo
onde as cargas q1 e q2 estão em coulombs (C), r está em me- elétrico é uma maneira de induzir um dipolo. Considere duas
tros, ε0 (a constante de permissividade) = 8,854 × 10–12 C2 N–1 placas paralelas condutoras, tais como as placas de um con-
m–2, e a energia potencial está em joules. A lei de Coulomb densador elétrico, que estão separadas por um meio em uma
distância r, e aplique uma diferença de potencial entre as pla-
pode ser usada para descrever tanto as interações atrativas
cas (Figura 4-3). A eletricidade fluirá da placa esquerda para a
quanto as repulsivas. Da equação (4-1), também fica claro
placa direita através da bateria até que a diferença de potencial
que as interações eletrostáticas dependem da permissividade
entre as placas seja igual à da bateria que fornece a diferença
do meio no qual as cargas se encontram. Solventes diferentes
de potencial inicial. A capacitância (C, em farads [F]) é igual à
terão permissividades diferentes devido à sua natureza quími-
quantidade de carga elétrica (q, em coulombs) armazenada nas
ca, polar ou apolar. Para uma discussão mais aprofundada, ver
placas dividida pela diferença de potencial (V, em volts [V])
Bergethon e Simons.4 entre as placas:
Quando não existirem cargas permanentes nas moléculas,
uma medida de sua polaridade (i. e. a distribuição eletrônica C qV (4-2)
dentro da molécula) é dada pela propriedade que chamamos A capacitância do condensador na Figura 4-3 depende
de momento de dipolo (μ). Na descrição mais simples, um do tipo de meio que separa as placas, bem como de sua es-
dipolo é a separação de duas cargas opostas em uma distância pessura, r. Quando o espaço entre as placas for evacuado, a
r (Figura 4-2), sendo geralmente descrito por um vetor cuja capacitância será C0. Este valor é usado para se comparar ca-
magnitude é dada por μ = qr. Dipolos não possuem cargas lí- pacitâncias de outras substâncias colocadas no espaço entre as
quidas, mas a separação de cargas pode freqüentemente criar placas. Se o espaço for preenchido com água, a capacitância
interações similares às interações entre cargas e influenciar aumenta, pois a molécula de água pode orientar-se de modo
várias propriedades químicas e físicas. Em moléculas com- que sua extremidade negativa encontre-se próxima da placa
plexas, a distribuição eletrônica pode ser aproximada, de for- positiva do condensador e sua extremidade positiva próxima
ma que os momentos de dipolo globais podem ser estimados à placa negativa (ver Figura 4-3). Esse alinhamento propicia
a partir das cargas atômicas parciais. Uma propriedade-chave um movimento adicional de cargas, porque o fluxo de elétrons
nesses cálculos é a simetria da molécula. Uma molécula si- entre as placas é facilitado. Assim, uma carga adicional pode
métrica não apresentará momento de dipolo, seja porque não ser armazenada nas placas por unidade de voltagem aplicada.
há separação de carga (p. ex., H2,O2,N2) ou como conseqüên- A capacitância do condensador preenchido com algum ma-
cia de um cancelamento de vetores de dipolo (p. ex., benzeno terial, Cx, dividida pela referência-padrão, C0, é chamada de
ou metano). constante dielétrica, ε:
Uma molécula pode manter a separação de cargas elétricas ε C x C0 (4-3)
por meio de indução por um campo elétrico externo ou me-
diante separação permanente de cargas dentro de uma molécu- A constante dielétrica não possui dimensões, pois ela é o
la polar. A natureza dipolar da ligação peptídica é um exemplo quociente entre duas capacitâncias. Por definição, a constante
de dipolo fixo ou permanente, e seus efeitos na estrutura de dielétrica do vácuo é igual a 1. As constantes dielétricas de
ligação foram discutidos anteriormente neste capítulo. Em pro- alguns líquidos encontram-se listadas na Tabela 4-2. As cons-
teínas, a natureza dipolar permanente das ligações peptídicas tantes dielétricas de misturas de solventes podem ser relacio-

(a) (b) ( c)

O

+ +
H H Figura 4-2 Natureza vetorial dos momentos de
− + −
+
dipolo permanentes para (a) água, (b) dióxido de
O C O C N carbono e (c) uma ligação peptídica. A distância
O r é dada pela linha tracejada para cada molécu-
la. As setas representam a direção convencional
como um momento de dipolo é representado: do
− −
H negativo para o positivo.
102 P ATRICK J. S INKO

Fonte de voltagem nadas à solubilidade do fármaco como descrito em Gorman e


Hall,5 e ε para veículos de fármacos pode ser relacionados à
concentração de fármaco no plasma como relatado por Pagay
e colaboradores.6
A constante dielétrica é uma medida da capacidade da
molécula de resistir a uma separação de cargas. Se os quo-
r
cientes entre as capacitâncias forem próximos, haverá maior
resistência à separação de cargas. À medida que o quocien-
+ –
+ – te aumenta, aumenta a capacidade da molécula de separar
+ – as cargas. Note que a intensidade do campo e a temperatura
+ – + – influenciam nessas medidas. Se a molécula tiver um momen-
+ – to de dipolo permanente, ela terá uma pequena resistência à
+ Meio dielétrico – separação de cargas e irá migrar no campo. A recíproca, po-
+ – rém, também é verdadeira. Considere uma molécula de água
+ – no nível atômico com seus núcleos positivamente carregados
+ – + – puxados em direção à placa negativa e a nuvem eletrônica
+ Molécula – negativamente carregada puxada em direção à placa positiva.
polarizada O oxigênio é muito eletronegativo e terá uma atração mais
Figura 4-3 Condensador de placas paralelas. forte em direção ao pólo positivo do que um átomo menos
eletronegativo. De modo análogo, os átomos de hidrogênio
são mais eletropositivos e irão se mover de forma mais acen-
tuada em direção à placa negativa do que os mais eletrone-
gativos. Conceitualmente, isso irá se refletir em uma menor
resistência ao campo.
TABELA 4-2 Uma molécula colocada nesse campo irá alinhar-se na
CONSTANTES DIELÉTRICAS PARA ALGUNS LÍQUIDOS A mesma orientação das moléculas de água, mesmo que a ex-
25 °C tensão do alinhamento e a separação de cargas induzida pos-
sam ser bastante diferentes devido à estrutura atômica. Para
Substância Constante dielétrica, ε essa discussão, considere uma molécula como o pentano. O
pentano é um hidrocarboneto alifático que não é carregado
N-Metil formamida 182 e suas energias atrativas primárias baseiam-se em interação
Cianeto de hidrogênio 114 de van der Waals. O pentano não é uma molécula polar, e o
Formamida 110 carbono não é fortemente eletronegativo. Ligações carbono-
Água 78,5 hidrogênio são muito mais fortes (menos ácidas) do que liga-
Glicerina 42,5 ções oxigênio-hidrogênio; portanto, os elétrons nas ligações
Metanol 32,6
σ são mais compartilhados. A estrutura eletrônica não irá fa-
Tetrametil uréia 23,1
vorecer uma grande separação de cargas na molécula e ela
Acetona 20,7
terá uma baixa constante dielétrica. Se um grupo funcional
n-Propanol 20,1
polar, como uma porção álcool, for adicionado para gerar o
Isopropanol 18,3
1-pentanol, aumentará a capacidade de separação de cargas
Isopentanol 14,7
l-Pentanol 13,9
e resultará em aumento da constante dielétrica. Isso pode ser
Álcool benzílico 13,1 visto na Tabela 4-2, na qual estão registradas a constante
Fenol 9,8 (60 °C) dielétrica do pentano (a 20 °C) é 1,84, e a do 1-pentanol (a 25
Acetato de etila 6,02 °C), 13,9, a do isopentanol é 14,7 (a 25 °C).
Clorofórmio 4,80 Quando moléculas não-polares como o pentano forem
Ácido clorídrico 4,60 colocadas em um solvente adequado entre as placas de um
Éter dietílico 4,34 (20 °C) capacitor carregado, pode ocorrer a polarização induzida das
Acetonitrila 3,92 moléculas. Esse dipolo induzido ocorre por causa da separa-
Dissulfeto de carbono 2,64 ção de cargas elétricas dentro da molécula devido ao campo
Trietilamina 2,42 elétrico gerado entre as placas. O deslocamento dos elétrons
Tolueno 2,38 e núcleos de suas posições originais é o resultado principal do
Cera de abelhas (sólida) 2,8 processo de indução. O momento de dipolo induzido tempo-
Benzeno 2,27 rário é proporcional à força do campo no capacitor e à polari-
Tetracloreto de carbono 2,23 zabilidade induzida, αP, que é uma propriedade característica
1,4-Dioxano 2,21 da molécula específica.
Pentano 1,84 (20 °C) A partir da teoria eletromagnética, é possível obter a
Furfural 41 (20 °C) relação:
Piridina 12,3 ε−1 4
Salicilato de metila 9,41 (30 °C) π nα p (4-4)
ε 2 3
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 103

CONCEITO POLARIZABILIDADE
Polarizabilidade é definida como a facilidade com a qual um íon ou uma POLARIZABILIDADES
molécula podem ser polarizados por uma força externa qualquer, seja
Molécula α p × 1024 (cm3 )
um campo elétrico ou energia luminosa ou mediante interação com ou-
tra molécula. Ânions grandes têm muita polarizabilidade porque eles H2 1,68
N2 1,79
retêm os seus elétrons externos de modo frouxo. As polarizabilidades
HCl 3,01
para moléculas são dadas na tabela ao lado. As unidades para αp são HBr 3,5
Å3 ou 10–24 cm3. HI 5,6
HCN , 59

onde n é o número de moléculas por unidade de volume. A tar cargas parciais, essas cargas se equilibram mutuamente de
equação (4-4) é conhecida como equação de Clausius-Mossot- modo que a molécula não possui uma carga líquida. Novamen-
ti. Multiplicando ambos os lados pela massa molar da substân- te podemos relacionar tal separação à estrutura atômica con-
cia, M, e dividindo ambos os lados pela densidade do solvente, siderando a eletronegatividade dos átomos em uma ligação. A
ρ, obteremos água possui um dipolo permanente devido a diferenças entre
ε−1 M 4 π n Mα p 4 oxigênio e hidrogênio. A magnitude do momento de dipolo
π N α p Pi (4-5) permanente, μ, é independente de qualquer dipolo induzido
ε 2 ρ 3 ρ 3
por um campo elétrico. O dipolo é definido como a soma ve-
onde N é o número de Avogadro, 6,023 × 1023 mol–1, e Pi é torial dos momentos de carga individuais dentro da molécula,
conhecida como a polarização molar induzida. Pi representa incluindo aqueles das ligações e de pares de elétrons desempa-
o momento de dipolo induzido por mol para substâncias não- relhados. Os vetores dependem da distância de separação entre
polares quando a força do campo elétrico do condensador, V/m as cargas. A Figura 4-2 fornece uma ilustração dos vetores do
em volts por metro, for unitária. momento de dipolo para água, dióxido de carbono e ligação
peptídica. A unidade de μ é o debye, sendo 1 debye igual a
EXEMPLO 4-1 10–18 unidades eletrostáticas (esu) cm. A unidade eletrostática
é a medida da carga eletrostática, definida como a carga no
Polarizabilidade do Clorofórmio vácuo que repele uma carga igual de mesmo sinal distante 1
O clorofórmio tem uma massa molecular de 119 g/mol e uma den- cm com uma força de 1 dina. Em unidades SI, 1 debye = 3,34 ×
sidade de 1,43 g/cm3 a 25 °C. Qual é a polarizabilidade molar in- 10–30 C–m. É derivado da carga do elétron (aproximadamente
duzida? Temos 10–10 esu) multiplicada pela distância média entre os centros
(ε − 1) M (4 8 − 1) 119 carregados em uma molécula (cerca de 10–8 cm ou 1 Å).
Pi = × = × = 46 5 cm3 mol Em um campo elétrico, moléculas com momentos de di-
(ε + 2) ρ (4 8 + 2) 1 43
polo permanentes também podem ter dipolos induzidos. A
molécula polar, contudo, tende a orientar-se com seus centros
O conceito de momentos de dipolo induzido pode ser negativamente carregados mais próximos aos centros positi-
estendido do modelo de condensador recém discutido para o vamente carregados de outras moléculas antes que o campo
modelo de uma molécula não-polar em solução, cercada por elétrico seja aplicado. Quando um campo elétrico aplicado es-
íons. Nesse caso, um ânion irá repelir os elétrons da molécula, tiver presente, a orientação é na direção do campo. Momentos
enquanto que um cátion os atrairá. Isso deve causar uma in- de dipolo máximos ocorrem quando as moléculas estiverem
teração da molécula com os íons em solução e produzirá um quase perfeitamente orientadas em relação aos campos. Uma
dipolo induzido. A distribuição e a facilidade de atração e re- orientação absolutamente perfeita nunca ocorre por causa da
pulsão dos elétrons na molécula apolar afetarão a magnitude energia térmica das moléculas, a qual contribui para o movi-
do dipolo induzido, assim como a intensidade do campo elétri- mento molecular que se opõe ao alinhamento das moléculas.
co externo faria. A polarização molar total, P, é a soma dos efeitos dos dipolos
permanente e induzido:
ε−1 M
P Pi P0 (4-6)
MOMENTO DE DIPOLO PERMANENTE ε 2 ρ
DE MOLÉCULAS POLARES onde P0 é a polarização de orientação dos dipolos permanentes.
P0 é igual a 4πNμ2/9 kT, onde k é a constante de Boltzmann,
Em uma molécula polar, a separação entre as regiões positiva 1,38 × 10–23 J/K. Uma vez que P0 depende da temperatura, T, a
e negativamente carregadas pode ser permanente, e a molécula equação (4-6) pode ser reescrita em forma linear como
terá um momento de dipolo permanente, μ. É um fenômeno 1
P Pi A (4-7)
não-iônico e, embora as regiões da molécula possam apresen- T
104 P ATRICK J. S INKO

momento de dipolo, como se observa com o dióxido de carbo-


TABELA 4-3
no (sem dipolo líquido) na Figura 4-2. De forma semelhante,
MOMENTOS DE DIPOLO DE ALGUNS COMPOSTOS benzeno e p-diclorobenzeno são moléculas planares simétricas
Momento de Dipolo e têm momentos de dipolo iguais a zero. Os derivados meta e
Composto (Debye) orto do benzeno, contudo, não são simétricos e têm momentos
de dipolo significativos, como mostra a Tabela 4-3.
p-Diclorobenzeno 0 A importância das interações de dipolo não pode ser su-
H2 0 bestimada. Para solutos iônicos e solventes não-polares, in-
Dióxido de carbono 0 terações íon-dipolo induzido cumprem um papel essencial
Benzeno 0 nos fenômenos de solubilidade (Capítulo 8). Para a ligação
1,4-Dioxano 0 fármaco-receptor, as interações dipolo-dipolo são forças não-
Monóxido de carbono 0,12 covalentes essenciais que contribuem para aumentar o efeito
Iodeto de hidrogênio 0,38 farmacológico, como descrito por Kollman.7 Para sólidos com-
Brometo de hidrogênio 0,78 postos de moléculas com momentos de dipolo permanentes, as
Cloreto de hidrogênio 1,03 interações dipolares contribuem para o arranjo cristalino e para
Dimetilamina 1,03 a estrutura global do sólido. Por exemplo, as moléculas de água
Barbital 1,10 em cristais de gelo são organizadas mediante suas forças dipo-
Fenobarbital 1,16 lares. Interpretações adicionais do significado dos momentos
Etilamina 1,22 de dipolo são discutidas por Minkin e colaboradores.8
Ácido fórmico 1,4
Ácido acético 1,4
Fenol 1,45
Amônia 1,46 RADIAÇÃO ELETROMAGNÉTICA
m-Diclorobenzeno 1,5
Tetraidrofurano 1,63 A radiação eletromagnética é uma forma de energia que se pro-
n-Propanol 1,68 paga através do espaço como campos oscilantes elétrico e mag-
Clorobenzeno 1,69 nético, ambos perpendiculares entre si e com relação à direção
Etanol 1,69 de propagação, como mostrado na Figura 4-4a. Tanto o campo
Metanol 1,70 elétrico quanto o magnético podem ser descritos por ondas se-
Deidrocolesterol 1,81
noidais com amplitude, A, e freqüência, ν, características. A re-
Água 1,84
presentação comum de um campo elétrico em duas dimensões é
Clorofórmio 1,86
mostrada na Figura 4-4b. A freqüência, ν, é o número de ondas
Colesterol 1,99
passando por um ponto fixo em 1 segundo. O comprimento de
Etilenodiamina 1,99
onda, λ, é a extensão de uma única onda de radiação, ou seja, a
Ácido acetilsalicílico 2,07
distância entre dois máximos sucessivos da onda, e está relacio-
o-Diclorobenzeno 2,3
nada à freqüência pela velocidade de propagação, ν:
Acetona 2,88
Cianeto de hidrogênio 2,93 ν νλ (4-8)
Nitrometano 3,46
A freqüência da radiação depende da fonte e permanece
Acetanilida 3,55
constante. A velocidade, contudo, depende da composição
Androsterona 3,70
do meio através do qual ela passa. No vácuo, uma onda de
Acetonitrila 3,92
radiação viaja em sua velocidade máxima, a velocidade da
Metiltestosterona 4,17
luz, c = 2,99792 × 108 m/s. Assim, a freqüência pode ser
Testosterona 4,32
Uréia 4,56
definida como:
ν c (4-9)
Sulfanilamida 5,37
--
O número de onda, v, definido como o recíproco do com-
primento de onda, é outra forma de descrever a radiação ele-
tromagnética:
onde a inclinação A é 4π Nμ2/9k e Pi é o intercepto em y. Se 1 v
P for obtido em várias temperaturas e representado grafica- --
v (4-10)
mente contra 1/T, a inclinação do gráfico pode ser usada para λ ν
calcular μ e o intercepto pode ser aplicado para obter αp. Os O número de onda (em cm–1) representa o número de com-
valores de P podem ser obtidos da equação (4-6) medindo a primentos de onda encontrados em 1 cm da radiação no vácuo.
constante dielétrica e a densidade do composto polar em várias Ele é amplamente usado porque é diretamente proporcional à
temperaturas. Os momentos de dipolo de diversos compostos freqüência e, portanto, à energia da radiação, E, dada pela rela-
encontram-se listados na Tabela 4-3. ção famosa e fundamental de Planck e Einstein para o quantum
Em solução, o dipolo permanente de um solvente como de luz ou energia de um fóton:
a água pode interagir fortemente com as moléculas de soluto.
E hv hcv-- (4-11)
Essa interação contribui para o efeito do solvente e está asso-
ciada, no caso da água, com a hidratação de íons e moléculas. onde h é a constante de Planck, que é igual a 6,6261 × 10–34
A simetria da molécula também pode ser relacionada com seu joules.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 105

Campo elétrico
y

Campo magnético
x

Direção de
propagação

+ Comprimento
de onda, λ
Campo elétrico, y

Amplitude, A

Figura 4-4 Os campos elétricos e magnéticos oscilantes associados com a


_ Tempo ou distância radiação eletromagnética.

O espectro eletromagnético é classificado de acordo com existir em certos estados discretos caracterizados por quanti-
seu comprimento de onda ou número de onda correspondente, dades finitas de energia (p. ex., níveis energéticos ou estados
como ilustrado na Tabela 4-4. O comprimento de onda se tor- eletrônicos) porque os elétrons encontram-se em movimento
na mais curto à medida que a energia radiante aumenta. Muito ao redor de um núcleo positivamente carregado nos átomos.
do que conhecemos a respeito da estrutura e das propriedades Desse modo, a energia radiante absorvida por uma espécie quí-
atômicas e moleculares vem da interação da radiação eletro- mica tem somente certos valores discretos correspondentes às
magnética com a matéria. O componente do campo elétrico é o transições individuais de um estado energético (E1) para um
principal responsável por fenômenos como transmissão, refle- segundo estado, de maior energia, (E2), que podem ocorrer em
xão, refração, absorção e emissão de radiação eletromagnética, um átomo ou em uma molécula. (Figura 4-5). O padrão de
que dá origem a muitas técnicas espectroscópicas discutidas freqüências de absorção é chamado de espectro de absorção e
neste capítulo. O componente magnético é responsável pela é produzido se a radiação de um comprimento de onda especí-
absorção de energia na ressonância paramagnética eletrônica fica é passada através da amostra e medida. Se a energia da ra-
(RPE) e na ressonância magnética nuclear (RMN), técnicas diação diminui na saída, a mudança na intensidade de radiação
descritas no final deste capítulo. se deve à excitação eletrônica.
Em alguns casos, a radiação eletromagnética também pode
ser produzida (emissão) quando a espécie excitada (átomos,
íons ou moléculas excitadas por meio do calor de uma chama,
ESPECTRO ATÔMICO E MOLECULAR fagulha de corrente elétrica, absorção de luz ou alguma outra
fonte de energia) relaxa para níveis energéticos mais baixos,
Todos os átomos e moléculas absorvem radiação eletromag- liberando energia na forma de fótons (hv). A radiação emitida
nética em certas freqüências características. De acordo com como uma função do comprimento de onda ou da freqüência é
a teoria quântica elementar, íons e moléculas somente podem chamada de espectro de emissão.
106
TABELA 4-4
FAIXAS DE RADIAÇÃO ELETROMAGNÉTICA DE ACORDO COM COMPRIMENTO DE ONDA, NÚMERO DE ONDA, FREQÜÊNCIA E ENERGIA, E TÉCNICAS QUE UTILIZAM
ESSAS FORMAS DE RADIAÇÃO*
Radiação Comprimento Número de onda Freqüência Técnicas representativas
eletromagnética de onda λ (m) v̄ (cm−1 ) (Hz) Energia (joule) não completo

Raios gama <1 × 10−11 >1 × 109 >3 × 1019 >2 × 10−14 microscopia, fotografia,
P ATRICK J. S INKO

traçamento radioativo
Raios X 1 × 10−11 –1 × 10−8 1 × 109 –1 × 106 3 × 1019 –3 × 1016 2 × 10−14 –2 × 10−17 microscopia, fotografia,
traçamento radioativo
difração, ionização
Ultravioleta de vácuo 1 × 10−8 –2 × 10−7 1 × 106 –5 × 104 3 × 1016–1,5 × 1015 2 × 10−17 –9 9 × 10−19 Espectrofotometria
Ultravioleta próximo 2 × 10−7 –4 × 10−7 5 × 104–2,5 × 104 1,5 × 1015–7,5 × 1014 9 9 × 10−19 –5 × 10−19 Espectrofotometria,
fluorescência, dicroísmo
circular
Luz visível 4 × 10−7 –7 × 10−7 2,5 × 104–1,4 × 104 7,5 × 1014–4 × 1014 5 × 10−19 –3 × 10−19 Espectrofotometria,
fluorescência,
espalhamento de luz,
rotação óptica
Infravermelho próximo 7 × 10−7 –5 × 10−6 1,4 × 104–2 × 103 4 × 1014 –6 × 1013 3 × 10−19 –4 × 10−20 Espectroscopia vibracional e
rotacional, caracterização
de amostras sólidas
Infravermelho médio 5 × 10−6 –3 × 10−5 2 × 103–3,33 × 102 6 × 1013 –1 × 1013 4 × 10–20–6,6 × 10–21 Espectroscopia vibracional e
(ou intermediário) rotacional
Infravermelho distante 3 × 10−5 –1 × 10−3 3,33 × 102–10 1 × 1013 –3 × 1011 6 6 × 10−21 –2 × 10−22 Espectroscopia vibracional e
(ou longínquo) rotacional
Microondas 1 × 10–3–0,1 10–0,1 3 × 1011 –3 × 109 2 × 10−22 –2 × 10−24 Ressonância paramagnética
eletrônica
ondas de rádio >0,1 <0,1 < 3 × 109 < 2 × 10−24 Ressonância magnética
nuclear
*As informações sobre os valores foram derivadas parcialmente do website da NASA http://imagine.gsfc.nasa.gov/docs/science/know_11/spectrum_chart.html e Campbell e Dweb.11
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 107

Emissão Emissão
Excitação atômica Excitação molecular
S 2 4p S2 0

S 1 3p S1 0
Energia

590 nm

330 nm
4

S 0 3s
3
2
1
} Níveis
vibracionais

λ1 λ2 S0 0
λ1 λ2

Banda 1 Banda 2

(a) (b)
Figura 4-5 Comparação entre níveis energéticos (a) atômicos e (b) moleculares.

Os espectros atômicos são os mais simples de descrever, e A energia E de um fóton de radiação eletromagnética
usualmente apresentam uma série de linhas correspondentes a está relacionada à freqüência pela equação (4-11). Substi-
freqüências de transições eletrônicas específicas. Uma descri- tuindo a diferença de energia pelo número de onda caracte-
ção exata dessas transições somente é possível para o átomo de rístico de acordo com a equação (4-11) na equação (4-13),
hidrogênio, para o qual existe uma solução completa em nível nós obtemos
de mecânica quântica.9 Contudo, os espectros de absorção e 2π 2 Z 2 me4 1 1
emissão para o átomo de hidrogênio também podem ser expli- --
v − 2
cados usando uma teoria menos sofisticada como o modelo de h3c n 21 n2 (4-14)
Bohr. Nessa abordagem, a energia de um elétron movendo-se
onde n1 e n2 são os números quânticos principais para os esta-
em uma órbita definida em torno de um núcleo positivamente
carregado em um átomo é dada por: dos orbitais envolvidos na transição eletrônica de átomo de um
nível E1 para E2.
2π 2 Z 2 me4 O primeiro termo na direita da equação (4-14) é com-
E (4-12)
n2h2 posto de constantes fundamentais e do número atômico Z.
Para o átomo de hidrogênio, Z = 1, e a substituição dos va-
onde Z é o número atômico, m é a massa do elétron (9,1 ×
lores apropriados resulta na constante R8, cujo valor é 109
10–31 kg), n é um número inteiro correspondente ao número
quântico principal da órbita, e é a carga do elétron (1,602 × 737,3 cm–1. Tal valor é calculado a partir da teoria de Bohr
10–19 coulomb ou 1,519 × 10–14 m3/2 kg1/2 s–1), e h é a constan- e assume que o núcleo de massa infinita é estacionário em
te de Planck. relação à órbita do elétron. Uma análise mais acurada envol-
O modelo de Bohr também assume que os elétrons, mo- ve a substituição da massa do elétron pela massa reduzida
vendo-se nessas órbitas, são estáveis (ou seja, o momentum do elétron no átomo de hidrogênio, μH = 0,9994558m. O
angular é quantizado) e, portanto, a absorção e a emissão so- valor corrigido de R8, agora chamado de RH, é (109737,3)
mente ocorrem quando os elétrons mudam de órbita. Assim, (0,9994558) = 109 677,6 cm–1. O valor experimental para
a freqüência característica de um fóton absorvido ou emitido esta constante, também conhecida como constante de
corresponde ao valor absoluto da diferença entre os estados Rydberg, é RH = 109 678,76 cm–1. A admirável concordância
energéticos envolvidos na transição eletrônica em um átomo. entre os valores teórico e experimental de RH forneceu um
Desse modo, a diferença entre os níveis energéticos, E2 – E1, apoio inicial à teoria de Bohr, embora ela tenha sido depois
que possuem, respectivamente, números quânticos n2 e n1, é abandonada em favor de um tratamento mecânico-quântico
dada pela expressão mais completo.9 Os espectros de emissão e absorção do áto-
mo de hidrogênio, contudo, são completamente explicados
2π 2 Z 2 me4 1 1
E2 − E1 2
− 2 (4-13) pela teoria de Bohr. Assim, introduzindo-se RH na equação
h2 n1 n2 (4-14), nós encontramos os números de onda partindo ape-
108 P ATRICK J. S INKO

nas dos valores de n, o número quântico principal da órbita


do elétron na transição, a partir da relação simples: TABELA 4-5
2 1 COMPRIMENTOS DE ONDA ESPECTRAIS ASSOCIADOS
--
v RH − 2 (4-15) COM TRANSIÇÕES ELETRÔNICAS USADAS NA DETECÇÃO
n 21 n2 DE ELEMENTOS ESPECÍFICOS

EXEMPLO 4-2 Comprimento


Elemento de onda (nm)
Energia de excitação
As 193,7
(a) Qual é a energia (em joules e cm–1) de um quantum de ra- Ca 422,7
diação absorvida para promover o elétron de um átomo de hi-
Na 589,0
drogênio de seu estado fundamental (n1 = 1) para o seu segundo
orbital, n2 = 2? Cu 324,8
Podemos resolver o problema usando a equação (4-13) e Hg 253,7
substituindo os valores de todas as constantes físicas envolvidas e Li 670,8
usando Z = 1. Teremos assim: Pb 405,8
2 × (3 14)2 × (1)2 × (9 1 × 10−31 ) × (1 519 × 10−14 )4 Zn 213,9
E2 − E1 =
(6 626 × 10−34 )2 K 766,5
1 1
× −
(1)2 (2)2
= 1 63 × 10−18 joule Uma vez que 1/∞ ∼ 0,
Note que joule = kg × m × s (unidades SI; ver a Tabela
2 –2
2π 2 Z 2 me4
1-3). E2 − E1
h2
Para obter a resposta em cm–1, podemos usar a equação (4-11)
para converter joules em número de onda ou usar diretamente a Isso é equivalente a –E para n = 1, de acordo com a equa-
equação (4-15): ção (4-13). Assim, o potencial de ionização é exatamente igual
ao negativo da energia de um elétron no nível fundamental com
1 1
v-- = RH 2
− 2 um valor de 109.677,6 cm–1 (que é igual a 13,6 eV).
n1 n2 Virtualmente, todos os átomos que não o hidrogênio pos-
Usando esta relação, obtemos, suem mais de um elétron. São usados, portanto, métodos apro-
ximados para se avaliar os estados das transições eletrônicas
1 1
v-- = (109.677,6 cm−1 ) − = 82.258,2 cm−1 para a maioria dos átomos. Nesses átomos, surgem a energia
(1)2 (2)2
de pareamento de spin e a repulsão elétron-elétron, de modo
e portanto, da equação (4-10), o comprimento de onda da linha que a descrição dos estados eletrônicos não é tão direta quanto
espectral quando um elétron passa do orbital n = 1 para o orbital para o átomo de hidrogênio. Para propósitos práticos, a maio-
n=2é ria dos elementos da tabela periódica apresenta um espectro
1 1 atômico característico de absorção e emissão associado com
λ= = = 1 22 × 10−5 ou 122 nm os seus estados eletrônicos, o qual pode ser usado para se iden-
v̄ 82.258,2
tificar e quantificar os elementos específicos. Alguns dos com-
primentos de ondas espectrais associados a átomos específicos
Essa é a primeira linha da série de Lyman no ultravioleta são mostrados na Tabela 4-5. Por exemplo, o diagrama simpli-
do espectro do hidrogênio. Note que, da equação (4-12), o elé- ficado de níveis de energia do átomo de sódio na Figura 4-5(a)
tron do átomo de hidrogênio no estado fundamental, n = 1, tem ilustra a origem das linhas de um espectro típico de emissão
uma energia mais baixa (–2,18 × 10–18 joule) do que aquele no do sódio em fase gasosa. O único elétron da última camada no
estado de energia elevada mais próximo, n = 2 (–0,55 × 10–18 estado fundamental para o sódio está localizado no orbital 3s.
joule). Após a excitação (ou seja, a absorção de energia como mos-
Quando o elétron adquire energia suficiente para deixar o trada pelas linhas onduladas), duas linhas de emissão (cerca
átomo, ele é considerado como estando infinitamente distante de 330 e 590 nm) resultam das transições 4p → 3s e 3p→3s,
do núcleo, e considera-se que o núcleo não mais o afeta. A respectivamente. Há muitos tipos de espectrômetros atômicos
energia necessária para esse processo, que resulta na ionização disponíveis, dependendo dos métodos usados para a atomiza-
do átomo de acordo com ção e introdução da amostra. Detalhes adicionais podem ser
encontrados nas referências citadas neste capítulo.
H − le− → H A espectroscopia atômica encontra aplicações farmacêuti-
é conhecida como o potencial de ionização. Se nós conside- cas na análise de íons metálicos em fármacos e no controle de
rarmos esse processo como igual a uma transição para n = ∞, qualidade de soluções eletrolíticas parenterais. Por exemplo, os
então o potencial de ionização a partir do estado fundamental níveis sangüíneos de lítio, usado para tratar a desordem bipolar
(n = 1) até n =∞ será (desordem maníaco-depressiva), podem ser analisados por es-
pectroscopia atômica para verificar a overdose de sais de lítio.
2π 2 Z 2 me4 1 1
E2 − E1 − Além de apresentar estados eletrônicos, as moléculas tam-
h2 1 ∞ bém possuem estados vibracionais quantizados que estão asso-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 109

ciados a energias causadas por vibrações interatômicas (p. ex., A energia absorvida por uma molécula pode ser encontrada
estiramento e deformação), e estados rotacionais, que estão apenas em alguns comprimentos de onda discretos em ultravio-
relacionados à rotação das moléculas em torno de seu centro leta, visível ou infravermelho, mas as absorções também podem
de gravidade. Esses estados energéticos adicionais disponíveis ser numerosas e em comprimentos de onda maiores do que os
para transições eletrônicas fazem com que o espectro das mo- originalmente esperados. O último caso, envolvendo radiação de
léculas seja mais complexo do que os dos átomos. No caso das grande comprimento de onda, é normalmente encontrado para
vibrações, as ligações interatômicas podem ser consideradas moléculas com estruturas de ressonância, como o benzeno, em
como molas entre os átomos (ver Figura 4-14) que podem vi- que as ligações são alongadas pela ressonância e têm transições
brar em várias configurações de estiramento ou deformação, de energia mais baixa do que seria esperado. A radiação eletro-
dependendo dos seus níveis energéticos. Na rotação, o movi- magnética também pode ser absorvida por uma molécula nas re-
mento é semelhante ao de um pião que pode rodar de acordo giões de microondas e de ondas de rádio (ver Tabela 4-4). Tran-
com seu nível energético. Além disso, as moléculas podem ter sições de baixa energia envolvem o spin dos elétrons na região
alguma energia cinética associada com seu movimento trans- das microondas e o spin dos núcleos na região das ondas de rádio.
lacional (retilíneo) em uma direção particular. O estudo dessas transições constitui o campo da espectroscopia
Os níveis energéticos associados com essas diversas tran- de ressonância paramagnética do elétron e da espectroscopia de
sições diferem muito entre si. A energia associada com o mo- ressonância magnética nuclear. Essas várias formas de espectros-
vimento de um elétron de um orbital para outro costuma ser copia molecular serão abordadas nas seções seguintes.
cerca de 10–18 joules (transições eletrônicas absorvem na re-
gião ultravioleta e da luz visível entre 180 e 780 nm; ver o
Exemplo 4-2), enquanto que a energia envolvida nos modos
vibracionais é cerca de 10–19 a 10–20 joules (região do infraver- ESPECTROFOTOMETRIA ULTRAVIOLETA E VISÍVEL
melho), dependendo dos átomos envolvidos, e a energia para
variações rotacionais é cerca de 10–21 joules. A energia asso- A radiação eletromagnética nas regiões espectrais do ultravio-
ciada com o movimento translacional é ainda menor, cerca de leta (UV) e visível (Vis) corresponde às energias de transições
10–35 joules. As energias exatas envolvidas com as transições eletrônicas de uma ampla variedade de moléculas orgânicas,
individuais dependem dos átomos e ligações que compõem a inorgânicas e íons. As espécies que absorvem são classificadas
molécula. Cada estado energético eletrônico de uma molécula de acordo com o tipo de níveis energéticos moleculares envol-
possui, normalmente, diversos estados vibracionais possíveis, vidos na transição eletrônica, dependentes das ligações dentro
e cada um deles tem diversos estados rotacionais. Os níveis da molécula.10,11 Em geral, a ligação covalente ocorre como o
energéticos rotacionais são mais baixos do que os níveis vi- resultado de um par de elétrons que se move em torno do núcleo
bracionais e são desenhados de modo similar aos níveis vibra- de modo a minimizar tanto a repulsão coulômbica internuclear
cionais quantizados nos estados eletrônicos, como mostrado quanto a intereletrônica. Combinações de orbitais atômicos (ou
na Figura 4-5b. Os estados translacionais são tão numerosos seja, sobreposição) dão origem a orbitais moleculares, que são
e a diferença de energia entre os níveis energéticos translacio- locais no espaço com uma energia associada com a qual os elé-
nais é tão pequena que eles são normalmente considerados trons de ligação podem ser encontrados.
como uma forma contínua de energia e não são tratados como Por exemplo, os orbitais moleculares comumente associados
quantizados. A energia total de uma molécula é a soma de suas com ligações covalentes simples em espécies orgânicas são cha-
energias eletrônica, vibracional, rotacional e translacional. mados de orbitais sigma (σ), enquanto a ligação dupla costuma
Quando uma molécula absorve radiação eletromagnética, ser descrita como contendo dois tipos de orbitais moleculares:
ela pode sofrer certas transições, dependendo da quantidade um sigma e um pi (π). Os níveis energéticos dos orbitais molecu-
quantizada de energia absorvida. Na Figura 4-5, a absorção de lares usualmente seguem a ordem mostrada na Figura 4-6.
radiação (linhas onduladas) leva a duas transições energéticas Assim, quando moléculas orgânicas são expostas à luz nas
diferentes, E, que resultam em transições eletrônicas desde o regiões UV-visível do espectro (ver Tabela 4-4), elas absorvem
nível energético mais baixo do estado fundamental (S0) até um luz de comprimentos de onda particulares dependendo do tipo de
estado eletrônico excitado (S1 ou S2). Transições eletrônicas transição eletrônica que é associada com a absorção. Por exem-
de moléculas envolvem energias correspondentes à radiação plo, hidrocarbonetos que contenham apenas ligações do tipo σ
ultravioleta ou visível. Transições puramente vibracionais po- podem sofrer apenas transições eletrônicas do tipo σ → σ∗ a par-
dem ocorrer dentro de um mesmo estado eletrônico (p. ex., a tir do seu estado fundamental. O asterisco (∗) indica um orbital
transição do nível 1 para o nível 2 em S0) e envolvem radiação molecular antiligante ocupado pelo elétron no estado excitado
do infravermelho próximo. Transições rotacionais (não estão após a absorção de uma quantidade quantizada de energia. Essas
mostradas na Figura 4-5) são associadas com radiação de bai- transições eletrônicas ocorrem com radiação de comprimento de
xa energia em toda a região de comprimento de onda do in- onda curto, na região do ultravioleta do vácuo (comprimentos
fravermelho. A energia relativamente grande associada a uma de onda entre 100 e 150 nm). Se um grupo carbonila estiver pre-
transição eletrônica costuma levar a uma variedade de transi- sente na molécula, contudo, o átomo de oxigênio desse grupo
ções concorrentes vibracionais e rotacionais. Leves diferenças funcional possui um par de elétrons não-ligantes (n) que podem
na natureza vibracional e rotacional do estado eletrônico exci- sofrer transições eletrônicas n → π∗ ou n → σ∗. Essas transi-
tado complicam o espectro. Essas diferenças levam a bandas ções requerem uma energia mais baixa do que as transições σ
largas, características das regiões do ultravioleta e visível, em → σ∗ e, portanto, ocorrem mediante a absorção de radiação de
contraste com as linhas estreitas e definidas de vibrações indi- comprimentos de onda maiores (ver Figura 4-6). Para a acetona,
viduais ou transições rotacionais na região do infravermelho. transições n → π∗ e n → σ∗ ocorrem em comprimentos de onda
110 P ATRICK J. S INKO

σ∗ Antiligante

π∗ Antiligante
σ∗

σ∗
π∗

π∗
σ

π
Energia

n
n Não-ligante

π Ligante

Figura 4-6 Transições entre orbitais moleculares mais comumente


σ Ligante encontradas na espectroscopia ultravioleta-visível.

de 280 e 190 nm, respectivamente. Para aldeídos e cetonas, a (b) Se uma solução de clordiazepóxido tem uma absorbância
região do espectro ultravioleta entre 270 e 290 nm está associada de 0,298 em uma célula de 1 cm a 260 nm, qual será a sua concen-
a transições eletrônicas n → π∗ da carbonila, e isso pode ser tração?
usado para sua identificação. Assim, os tipos de orbitais eletrô- (a)
nicos presentes no estado fundamental de uma molécula ditam a A 6 48 × 10−1
região do espectro no qual a absorção pode ocorrer. Aquelas par- ε= =
bc 1 × (2 × 10−5 )
tes de uma molécula que podem ser diretamente associadas com = 3 24 × 104 litro mol cm
uma absorção de radiação ultravioleta ou luz visível, tais como
um grupo carbonila, são chamadas de cromóforos. (b)
A maioria das aplicações da espectroscopia de absorção a A 2 98 × 10−1
moléculas orgânicas baseia-se em transições de elétrons n ou c= = = 9 20 × 10−6 mol litro
bε 1 × (3 24 × 104 )
π para π∗, porque as energias associadas com essas transições
eletrônicas caem na região entre 200 e 700 nm, que é experi-
mentalmente conveniente. O elevado valor de ε indica que o clordiazepóxido absor-
A quantidade de luz absorvida por uma amostra é baseada ve fortemente nesse comprimento de onda. A absortividade
na medida da transmitância, T ou absorbância, A, em cubetas molar é característica do fármaco dissolvido em NaOH 0,1 M
transparentes ou células com um percurso ótico b (em cm) de nesse comprimento de onda e não será a mesma que em HCl
acordo com a equação (4-16): 0,1 M. Uma lactama é formada a partir do fármaco em condi-
ções ácidas, a qual possui um máximo de absorção a 245 e não
A log T log(I0 I ) εbC (4-16) a 260 nm, e o seu valor de ε também é diferente. Valores eleva-
onde I0 é a intensidade do feixe de luz incidente, e I é a intensi- dos para absortividades molares são usualmente encontrados
dade do feixe de luz que emerge da amostra. em moléculas que possuem um alto grau de conjugação de
A equação (4-16) é também conhecida como a lei de Beer, cromóforos, como as ligações duplas conjugadas no 1,3-bu-
e relaciona a quantidade de luz absorvida (A) à concentração da tadieno, ou a combinação de carbonilas e ácidos carboxílicos
substância absorvente (C em mol/litro), ao comprimento do per- com ligações duplas, como em cetonas α,β-insaturadas. Em
curso ótico da radiação que passa através da amostra (b em cm), particular, moléculas muito conjugadas, como hidrocarbone-
e a uma constante, ε, conhecida como a absortividade molar da tos aromáticos e heterociclos, têm bandas de absorção carac-
espécie absorvente (em unidades de litro/mol cm). A absortivi-
dade molar depende não apenas da molécula cuja absorbância
está sendo determinada, mas também do tipo de solvente usado,
da temperatura e do comprimento de onda usado na análise.

EXEMPLO 4-3
O máximo da absorbância varia devido à instabilidade
química.
(a) Uma solução c = 2 × 10–5 mol/litro de clordiazepóxido dis-
solvida em hidróxido de sódio 0,1 M foi colocada em uma célula
de sílica fundida com um percurso ótico de 1 cm. A absorbância A
encontrada foi de 0,648 no comprimento de onda de 260 nm. Qual Clordiazepóxido Lactama do fármaco
é a absortividade molar?
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 111

terísticas de transições π → π∗ e, têm valores de ε significati- de onda distintos. O espectro molecular resultante pode ser
vamente maiores. usado, portanto, como uma “impressão digital molecular”
para determinar a estrutura da molécula. Mudanças na or-
EXEMPLO 4-4 dem de ligação ou na estrutura eletrônica alteram o espec-
tro UV-visível, como ilustrado com o clordiazepóxido e sua
Cálculo de máximo de absorção lactama. Como resultado, várias propriedades moleculares
A aminacrina é um agente antiinfeccioso com a seguinte estrutura diferentes podem ser monitoradas pela espectroscopia UV-
molecular: visível, incluindo reações químicas, complexação e degrada-
ção, tornando essa técnica uma ferramenta poderosa para o
cientista farmacêutico.
A espectroscopia de absorção é um dos métodos mais
usados para análise quantitativa devido a ampla aplicabili-
dade tanto a sistemas orgânicos quanto inorgânicos, a sen-
Aminacrina
sibilidade e seletividade moderada a alta, e a boa precisão
e conveniência. A instrumentação espectroscópica moderna
Seus anéis de acridina, altamente conjugados, produzem um para a medição do espectro de absorção UV-visível comple-
espectro ultravioleta complexo em ácido sulfúrico diluído que to é bastante comum tanto na indústria como nos ambientes
inclui máximos de absorção a 260, 313, 326, 381, 400 e 422 nm. acadêmicos. Dois dos principais tipos de espectrofotômetros,
As absortividades molares das absorbâncias de 260 e 313 nm são, usualmente acoplados a computadores pessoais para análise
respectivamente, 63.900 e 1.130 litro/mol cm. Qual é a quantidade de dados, estão disponíveis no comércio: os de feixe duplo e
mínima de aminacrina que pode ser detectada em cada um desses de arranjo de diodo.
comprimentos de onda? Um diagrama esquemático de um espectrofotômetro tra-
Se assumirmos um nível de absorbância de A= 0,002 corres- dicional UV-visível de feixe duplo é mostrado na Figura 4-7.
pondendo à concentração mínima detectável do fármaco, então, O feixe de luz da fonte, que costuma ser uma lâmpada de
a 260 nm, deutério, passa através de um prisma ou rede monocroma-
A 0 002 dora para dividir a luz de acordo com o seu comprimento de
c= = = 3 13 × 10−8 mol litro
b×ε 1 × 63900 onda e para separar os comprimentos de onda em uma faixa
e a 381 nm ampla. Isso permite que uma região de comprimento de onda
0 002
particular seja facilmente detectada ao passar através de fen-
c= = 1 77 × 10−6 mol litro das apropriadas. O feixe de luz selecionado é então separado
1 × 1130
em dois feixes mediante um espelho rotatório ou chopper,
sendo que um feixe passa através da referência (branco), que
Uma sensibilidade cerca de 100 vezes maior na detecção é o solvente usado para dissolver a amostra, e o outro atra-
do fármaco é possível com a banda de absorção de 260 nm, vés da célula amostral contendo a substância a ser analisada.
o que reflete o fato de que há um maior número de transições Depois de cada feixe passar pela sua célula respectiva, ele
eletrônicas ocorrendo na maior energia. O nível de absorbân- é refletido em um segundo espelho e em outro conjunto de
cia de 0,002 foi escolhido como sendo um sinal significante choppers, que pode selecionar a referência ou os feixes com-
acima do ruído (ou seja, a interferência gerada pelo espec- binados para focar no detector fotomultiplicador. O sinal de
trofotômetro na ausência do fármaco). Para uma análise par- corrente que muda rapidamente do detector é proporcional
ticular, o nível mínimo de absorbância para detecção de um à intensidade do feixe particular e alimenta um amplifica-
composto depende tanto das condições instrumentais quan- dor, o qual separa de maneira eletrônica os sinais do feixe
to do estado da amostra, por exemplo, o solvente escolhido de referência daqueles da amostra. A diferença final nos si-
para a sua dissolução. Condições instrumentais variam entre nais dos feixes é automaticamente registrada. Além disso, é
os espectrofotômetros e serão discutidas posteriormente. Em prática comum colocar primeiro o solvente em uma célula
relação às condições da amostra, os solventes podem ter po- de amostra e ajustar a absorbância do espectrofotômetro a
laridades bastante diferentes, o que é abordado na seção so- zero para servir como linha-base de referência. As amostras
bre constante dielétrica e polarização induzida. A polaridade podem então ser colocadas na célula de amostra e medidas,
de um solvente pode influenciar o estado de ligação de uma sendo indicada a diferença em relação à linha-base. Os dados
molécula ao alterar as forças atrativas e repulsivas na molé- da amostra são indicados graficamente como a intensidade,
cula através da solvatação. Por exemplo, um composto polar usualmente a absorbância, contra o comprimento de onda,
dissolvido em água terá diferentes capacidades de sofrer tran- tal como é mostrado para a lactama do clordiazepóxido na
sições eletrônicas do que se ele estivesse dissolvido em uma Figura 4-8.
solução não-polar, aprótica. A Figura 4-9 é uma ilustração de um espectrofotômetro
Como ilustrado no Exemplo 4-4, uma molécula pode típico do tipo arranjo de diodos. Esses instrumentos têm com-
ter mais do que uma banda de comprimento de onda de ponentes ópticos mais simples e, como resultado, a passagem
absorção característica, e o espectro completo de absorção de radiação é muito maior do que em instrumentos tradicio-
UV-visível pode fornecer informação para a identificação nais de feixe duplo. Depois do feixe de luz passar pela amos-
de um composto. Cada grupo funcional tem uma estrutura tra, a radiação é focada numa fenda de entrada e direcionada
molecular de ligação e uma estrutura eletrônica diferentes, e à rede. O transdutor é uma arranjo de diodos que pode ter
terão um máximo de absorção de energia em comprimentos resoluções de até 0,5 nm. Uma única amostragem de 200 a
112 P ATRICK J. S INKO

Espelho da fonte de luz

Lâmpada UV Lâmpada de luz visível

Pré-monocromador Segundo monocromador

Fendas ajustáveis

Segundo chopper
Primeiro chopper

Amostra e referência
Figura 4-7 Um espectrofotômetro de feixe du-
plo ultravioleta-visível (Cortesia de Varian, Inc.,
Fotomultiplicadora Palo Alto, Calif.)

1.100 nm dura apenas 0,1 s, o que leva a uma melhora signi- A espectrofotometria é uma ferramenta útil para o estudo
ficativa na razão sinal-ruído mediante o acúmulo de múltiplas do equilíbrio químico ou para a determinação da velocidade
varreduras em um intervalo curto de tempo. de reações químicas. As espécies químicas participantes no
A curva de calibração de uma série de soluções-padrão de equilíbrio devem ter espectros de absorção diferentes devido
concentrações diferentes conhecidas costuma ser usada para às mudanças na estrutura eletrônica nos estados associado ou
gerar curvas-padrão para análise quantitativa. Um espectro de dissociado (Capítulo 7), que influenciam a estrutura das liga-
absorção pode ser usado para se determinar um comprimento ções. Essas alterações resultam na variação na absorção em
de onda, em geral um máximo de absorção, no qual a absorção um comprimento de onda representativo para cada espécie, en-
de cada amostra possa ser medida de forma eficiente. A absor- quanto o pH ou outra variável de equilíbrio for sendo alterada.
bância para os padrões é medida nesse ponto e plotada contra a Quando se determina a concentração das espécies mediante a
concentração, como mostrado na Figura 4-10, obtendo o que é lei de Beer e se conhece o pH da solução, pode-se calcular
conhecida como uma curva da lei de Beer (ou curva de calibra- aproximadamente o pKa para um fármaco. Por exemplo, se o
ção). A concentração de uma amostra desconhecida pode então fármaco é um ácido livre (HA) em equilíbrio com sua base
ser determinada por interpolação de um gráfico como esse. (A–), então o pKa é definido por
Unidades de absorção

Lactama
245 nm

Figura 4-8 Os máximos de absorção da lac-


tama do clordiazepóxido em função do compri-
mento de onda (Modificada de http://chrom.
200 225 250 275 300 325 350
tutms.tut.ac.jp/JINNO/DRUGSPECTRA/sp-
Comprimento de onda (nm) 17chlordiazepoxide.gif.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 113

Arranjo de diodos
0,15

Dispositivo de dispersão

Absorbância
0,10
Fenda de entrada
Amostra

0,05
Fonte

Figura 4-9 Esquema de um espectrofotômetro UV-visível de arranjo de dio-


dos HP-8453 (Cortesia de Hewlett-Packard, Palo Alto, Calif.)
1 2 3 4 5
–6
Concentração (10 mol/litro)
[HA]
pK a pH log (4-17) Figura 4-10 Um gráfico da lei de Beer de absorbância versus a concentração
[A− ]
do clordiazepóxido.
Quando [HA] = [A–], de acordo com a determinação espec-
trofotométrica de suas respectivas absorbâncias, pKa ∼ pH.
Velocidades de reação também podem ser medidas quando
EXEMPLO 4-5 uma espécie particular tem um espectro de absorção que é nota-
Estado de ionização e absorção velmente diferente do espectro de outros reatantes ou produtos.
Pode-se monitorar a velocidade de aparecimento ou desapare-
O fenobarbital possui um máximo de absorção em 240 nm na
cimento de espécies químicas selecionadas, registrando-se sua
forma do sal monossódico (A–), enquanto que o ácido livre (HA)
não apresenta máximo de absorção na região de comprimentos
absorbância em intervalos específicos durante o processo de
de onda de 230 a 290 nm. Se o ácido livre em água for titulado
reação. Se nenhuma outra espécie da reação absorve no compri-
lentamente com volumes conhecidos de NaOH diluído e o pH da mento de onda específica escolhido para essa determinação, a
solução e a absorbância a 240 nm forem medidos após cada titu- velocidade da reação será simplesmente proporcional à variação
lação, chega-se a um máximo de absorbância em pH 10 após a da absorbância com o tempo de reação. Curvas-padrão podem
adição de 10 mL de titulante. Como podemos determinar o pKa a ser geradas se o reagente selecionado estiver disponível na for-
partir dessa titulação? ma pura. Repare que assumir que outras espécies ou interme-
Plotando-se a absorbância versus o pH sobre a faixa de titu- diários de reação não interferem com o reagente pode não se
lação até o pH = 10, obteremos o ponto médio na absorbância, no justificar, como será discutido posteriormente. Um exemplo do
qual metade do ácido livre foi titulado e [HA] = [A–]. O pH cor- uso da espectrofotometria para a determinação de velocidades
respondente ao ponto médio de absorbância é aproximadamente de reação na farmácia é discutido por Jivani e Stella,12 que usa-
igual ao pKa, a saber, o pKa1 para o primeiro estágio de ionização ram o desaparecimento do ácido para-aminosalicílico da solu-
do fenobarbital. Esse ponto médio ocorre em um pH de 7,3; por- ção para determinar sua velocidade de descarboxilação.
tanto, pKa ∼ 7,3. Para determinações mais acuradas de pKa ver as A espectrofotometria pode ser usada para estudar reações
discussões no Capítulo 7. de enzimas e para avaliar os efeitos de fármacos em enzimas.
Por exemplo, a análise do ácido clavulânico pode ser realizada

R
R
O O
HN HN
S β-Lactamase S
CH 3 CH 3

N R = C 6 H 5 CH 2 HN
CH 3 OOC CH 3
O

COO COO

Penicilina G Ácido penicilóico


114 P ATRICK J. S INKO

medindo a absorção no ultravioleta da penicilina G a 240 nm, cíficos de absorção. Contudo, os mesmos problemas podem
como descrito por Gutman e colobadores13 O ácido clavulâni- ofuscar os dados, mesmo com essa abordagem. Em muitos
co inibe a atividade das enzimas β-lactamase, que convertem a casos, portanto, o meio complexo reacional não é prontamen-
penicilina G no ácido penicilóico, onde R é C6H5CH2—. te adaptável a um único método espectroscópico. Assim, a
O método requer, primeiro, que a velocidade de alteração habilidade em separar as espécies individuais e quantificá-las
de absorção a 240 nm seja medida com uma solução contendo aumenta a sensibilidade. Espectrômetros UV-visível são tam-
penicilina G e a enzima β-lactamase. Experimentos em du- bém usados em conjunção com muitos outros métodos para
plicata são então realizados com concentrações padronizadas a detecção de moléculas, por exemplo, cromatografia líquida
crescentes de ácido clavulânico. Eles mostram um decréscimo de alta eficiência (CLAE), o que elimina a interferência en-
na alteração da absorção, equivalente à inibição da enzima pelo tre as espécies, separando os compostos antes da detecção. O
fármaco, à medida que a concentração do fármaco aumenta. A maior uso da espectrofotometria se dá no campo da análise
concentração de uma quantidade desconhecida de ácido cla- quantitativa, na qual a absorbância de cromóforos é determi-
vulânico é medida comparando-se sua velocidade de inibição nada. Várias aplicações da espectrofotometria são discutidas
enzimática com a dos padrões. por Schulman e Vogt.14
Um ponto fraco primário relacionado com o uso do es-
pectrômetro como anteriormente descrito é que ele mede
todas as espécies em uma amostra, mesmo que um único
comprimento de onda seja selecionado para a especificida- FLUORESCÊNCIA E FOSFORESCÊNCIA
de da detecção molecular. Os espectros UV-visível gerados a
um dado comprimento de onda não podem detectar de modo Luminescência é uma emissão de radiação nas regiões do ul-
apropriado alterações em espécies que surgem durante a rea- travioleta, visível ou infravermelho próximo a partir de espé-
ção. Por exemplo, um intermediário de reação (ou diversos cies eletronicamente excitadas. Um elétron em um átomo ou
intermediários) pode ser gerado e ter absorção mais acen- molécula pode ser excitado mediante a absorção de energia,
tuada no comprimento de onda selecionado para o reatante por exemplo, um fóton de luz, para atingir um estado eletrôni-
ou produto que está sendo medido. Há muitos caminhos de co excitado (ver a discussão anterior a respeito das transições
reação que incluem muitas espécies com sobreposição de de orbitais). O estado excitado tem um tempo de vida relativa-
absorção, de modo que a seleção de um único comprimento mente curto, e o elétron pode retornar ao estado fundamental
de onda para a detecção não fornece boa seletividade. Um através de emissão de energia radioativa ou não-radioativa. Se
modo de corrigir esse problema é gerar uma varredura de um o caminho preferido para o retorno ao estado fundamental en-
espectro de absorção UV-visível sobre uma ampla faixa de volver liberação de energia através de conversões internas por
comprimentos de onda e medir alterações em máximos espe- alterações de estados vibracionais ou por meio de colisões com

IC
S2

T1

CI ISC

S1 ISC
T1

ABSORÇÃO FLUORESCÊNCIA FOSFORESCÊNCIA

SO SO

Figura 4-11 Um diagrama de Perrin-Jablonski ilustrando os múltiplos caminhos pelos quais uma energia molecu-
lar absorvida pode ser liberada. A relaxação pode ocorrer através de um caminho não-radioativo ou por emissão
radioativa de fluorescência ou fosforescência. Os estados singleto (S) e tripleto (T ) pertencem à estrutura eletrô-
nica da molécula depois da excitação.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 115

Célula da
amostra
Detector
(fototubo) Medidor ou
registrador
Fenda Rede de
fluorescência

Rede de excitação
(filtro primário)

Fenda
Figura 4-12 Diagrama esquemático de um
fluorômetro de filtro. (De G. H. Schenk, Ab-
sorption of Light and Ultraviolet Radiation,
Fonte de luz Allyn and Bacon, Boston, 1973, p. 260. Com
permissão.)

o ambiente (p. ex., moléculas de solvente), então a molécu- após a excitação do que a fluorescência. Em geral, a fluores-
la não apresentará luminescência. Muitas espécies químicas, cência ocorre entre 10–10 e 10–7 segundos após a excitação, en-
contudo, emitem radiação quando retornam ao estado funda- quanto que o tempo da fosforescência encontra-se entre 10–7
mental, seja através de fluorescência ou fosforescência, depen- e 1 s. Por causa de sua duração mais curta, a fluorescência é
dendo do mecanismo pelo qual o elétron finalmente retorna ao medida enquanto a molécula está sendo excitada. A fosfores-
estado fundamental. cência usa uma fonte de excitação pulsada para permitir um
A Figura 4-11 mostra um diagrama simplificado de ener- tempo suficiente para se detectar a emissão. Deve ser notado
gia (também conhecido como diagrama de Perrin-Jablonsky) que as medidas de tempos de fluorescência da ordem de femto-
de mecanismos típicos que uma espécie química pode seguir segundos se mostraram úteis no estudo de estados de transição,
após ser eletronicamente excitada. A absorção de um fóton como descrito por Zewail.15
excita um elétron desde o estado fundamental até estados ex- A fluorescência normalmente possui um comprimento de
citados sem alterar o seu spin (i. e., um estado fundamental onda maior do que a radiação usada para a fase de excitação,
singleto irá absorver até um estado excitado singleto, o que é sobretudo por causa das perdas internas de energia na molé-
chamada uma transição permitida por spin). cula excitada antes que a emissão fluorescente S1 → S0 ocorra
O estado tripleto usualmente não pode ser atingido por ex- (Figura 4-11). O intervalo entre a primeira banda de absor-
citação a partir do estado fundamental, sendo essa transição ção e o máximo de fluorescência é chamado de deslocamento
chamada, portanto, de uma transição “proibida” de acordo com de Stokes. A fosforescência tem comprimentos de onda ainda
a mecânica quântica. Ela costuma ser atingida por meio de um maiores que os da fluorescência, devido à diferença de energia
processo chamado de cruzamento intersistemas – intersystem que ocorre no cruzamento entre sistemas, assim como à perda
crossing (ISC), que é uma transição não-radioativa entre dois de energia devida à conversão interna em um tempo longo.
níveis vibracionais isoenergéticos pertencentes a estados ele- Uma representação esquemática de um fluorômetro típico
trônicos de diferentes multiplicidades. Por exemplo, o estado é mostrada na Figura 4-12. Em geral, a intensidade de fluo-
excitado singleto (S1) no modo vibracional 0 pode se mover rescência é medida nesses instrumentos colocando o detector
para o nível vibracional isoenergético do estado tripleto, Tn, e fotomultiplicador em ângulos retos com o feixe de luz inciden-
então uma relaxação vibracional pode levar o sistema para o te que produz a excitação. A intensidade do sinal é registrada
nível vibracional mais baixo T1, com concomitante perda de como fluorescência relativa contra uma solução padrão. Uma
energia (ver Figura 4-11). A partir de T1, pode ocorrer uma vez que a fotoluminescência pode ocorrer em qualquer direção
emissão radioativa até S0, que é chamada de fosforescência. a partir da amostra, o detector captará uma parte da emissão
O estado excitado tripleto (T1) é considerado mais estável total a um comprimento de onda característico e não será capaz
(ou seja, tem um tempo de vida mais longo) do que o estado de detectar radiação do feixe de luz usado para a excitação.
excitado singleto (S1). O intervalo de tempo durante o qual luz A fluorometria é uma técnica bastante sensível, até 1.000
será emitida após a molécula ter sido excitada depende do tem- vezes mais sensível que a espectrofotometria. Isso se deve ao
po característico da transição eletrônica. Portanto, podemos fato de que a intensidade de fluorescência é medida contra um
esperar que a fosforescência ocorra por um período mais longo nível de fundo baixo, enquanto na medida de baixas absorbân-
116 P ATRICK J. S INKO

TABELA 4-6
FLUORESCÊNCIA DE ALGUNS FÁRMACOS
Comprimento de onda Comprimento de onda
Fármaco de excitação (nm) de emissão (nm) Solvente

Fenobarbital 255 410–420 NaOH 0,1 N


Hidroflumetiazida 333 393 HCl 1 N
Quinina 350 ∼450 H2SO4 0,1 N
Tiamina 365 ∼440 Isobutanol, após oxidação
com ferricianeto
Aspirina 280 335 Ácido acético 1% em
clorofórmio
Cloreto de tetraciclina 330 450 NaOH(aq) 0,05 N
Fluoresceína 493,5 514 Água (pH 2)
Riboflavina 455 520 Etanol
Hidralazina 320 353 H2SO4 concentrado

cias, dois sinais intensos levemente diferentes são comparados. é também uma área excitante e de rápido desenvolvimento. É
Recentemente, avanços na instrumentação tornaram possível a recomendada a pesquisa em sites de empresas como a Mole-
detecção de fluorescência no nível de uma única molécula.16 cular Probes (www.probes.com) para ter uma idéia do amplo
A fotoluminescência pode ocorrer apenas naquelas mo- escopo e uso de marcadores e sondas fluorescentes, bem como
léculas que sofrem as emissões especificadas de fótons após da instrumentação moderna no campo. Schulman e Sturgeon17
a excitação com conseqüente retorno ao estado fundamental. fornecem um extenso artigo de revisão sobre aplicações da fo-
Muitas moléculas não possuem fotoluminescência, embora toluminescência à análise de fármacos tradicionais.
possam absorver luz. Mais freqüentemente, moléculas que
apresentam fluorescência ou fosforescência contêm uma es-
trutura rígida conjugada, como hidrocarbonetos aromáticos,
rodaminas, cumarinas, óxidos, polienos e outros, ou íons ESPECTROSCOPIA DE INFRAVERMELHO
inorgânicos da série dos lantanídeos, como Eu3+ ou Tb3+, que
também apresentam forte fluorescência. Muitos fármacos (p. O estudo da interação da radiação eletromagnética com res-
ex., a morfina), alguns aminoácidos naturais e co-fatores (p. sonâncias vibracionais ou rotacionais (ou seja, oscilações
ex., tirosina, triptofano, nicotinamida adenina dinucleotídeo, harmônicas associadas a estiramento ou deformação de li-
[NADH], a forma reduzida da flavina dinucleotídeo [FAD], gações) dentro da estrutura de uma molécula é chamado de
etc.) fluorescem. Alguns exemplos são mostrados na Tabela espectroscopia de infravermelho. Normalmente, a radiação
4-6 com seus correspondentes comprimentos de onda de emis- infravermelha na região de cerca de 2,5 a 50 μm, equivalente
são e absorção, os quais podem ser usados para análises quan- a 4.000 a 200 cm–1 em número de onda, é usada em espectrô-
titativas e qualitativas. metros comerciais para determinar a maioria das transições
A detecção e a análise da fluorescência tornaram-se uma vibracionais ou rotovibracionais importantes. As massas in-
grande ferramenta na análise biofarmacêutica e química, par- dividuais dos átomos ou dos grupos funcionais que sofrem
ticularmente em áreas relacionadas à manipulação de biopolí- vibração ou rotação, bem como as forças das ligações e as
meros (ácidos nucléicos e proteínas), geração de imagens de simetrias moleculares determinam a freqüência (e, portan-
membranas biológicas e organismos vivos (células, bactérias, to, o comprimento de onda) da absorção de infravermelho.
etc.). Por exemplo, em proteínas e peptídeos a absorbância de A absorção de radiação infravermelha ocorre somente se o
UV para as transições n → π∗ (ε = 100) e π→ π∗ (ε = 7.000) momento de dipolo permanente da molécula se altera com a
em ligações peptídicas ocorre entre cerca de 210 a 220 e 190 ressonância vibracional ou rotacional. A simetria molecular
nm, respectivamente.11 A absorbância de várias transições em está relacionada diretamente ao momento de dipolo perma-
cadeias laterais pode ser ofuscada pela absorbância das ligações nente, como já discutido. O estiramento ou a deformação de
peptídicas e de outras espécies presentes em solução, e por- ligações pode afetar essa simetria, deslocando o momento de
tanto, não oferece boa especificidade. O triptofano (280 nm), dipolo, como ocorre com os modos vibracionais normais (2),
a tirosina (274 nm), a fenilalanina (257 nm) e a cistina (250 (3), e (3´) para o CO2 na Figura 4-13. Outras ressonâncias,
nm) têm transições eletrônicas que ocorrem acima da faixa dos como (1) para o CO2 na Figura 4-13, não afetam o momento
220 nm da ligação peptídica, mas essas transições podem ser de dipolo e, portanto, não produzem absorção no infraver-
mascaradas.11 Contudo, o triptofano, a fenilalanina e a tirosina melho. Ressonâncias que deslocam os momentos de dipolo
também podem exibir fluorescência, que pode ser usada para podem levar a absorções por parte das moléculas no infraver-
discriminar peptídeos ou proteínas de matrizes biológicas. O melho, mesmo que as moléculas consideradas não possuam
uso de outros corantes e fluoróforos para aplicações biológicas momento de dipolo permanente, como benzeno ou CO2. As
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 117

Comprimento de onda (μm)


(1) 0–C-0 1.340 cm –1
5 6 7 8 9 10 12 15
–1 100
(2) 0–C-0 2.349 cm
90
(3) 0–C-0 667 cm –1
80
70
667 cm –1

% Transmitância
(3’) 0–C-0 60
Figura 4-13 Os modos normais de vibração do CO2 e os seus números de 50
onda de ressonância, mostrando as direções dos movimentos ao chegar 40
no extremo do ciclo harmônico. (Modificada a partir de W. S. Brey, Physi-
30
cal Chemistry and Its Biological Applications, Academic Press, New York,
1978, p. 316.) 20
10 a
0
2.000 1.800 1.600 1.400 1.200 1.000 800 600
freqüências das bandas de absorção do infravermelho cor-
respondem de modo bastante próximo às vibrações de partes Número de onda (cm–1)
específicas da molécula. As vibrações de estiramento e defor- Figura 4-15 Espectro infravermelho da teofilina. (De E. G. C. Clarke, Ed.,
mação do acetaldeído, junto com as freqüências associadas Isolation and Identification of Drugs, Pharmaceutical Press, London, 1969.
de absorção no infravermelho, são mostradas na Figura 4-14. Com permissão.)
Além das bandas de absorção fundamentais ilustradas na fi-
gura, cada uma das quais correspondendo a uma ressonância
vibracional ou rotovibracional e a uma mudança no momento da freqüência (2 × 1.730 cm–1) para a banda de estiramento
de dipolo, podem ser observadas bandas mais fracas na forma da carbonila. Uma vez que as freqüências estão relacionadas
de sobretons para múltiplos de cada uma dessas freqüências de modo simples com o movimento harmônico da energia
(em números de onda). radiante, os sobretons podem ser pensados como múltiplos
Por exemplo, uma banda de sobretom pode aparecer simples que estão exatamente em fase com a freqüência fun-
para o acetaldeído a 3.460 cm–1, que corresponde ao dobro damental e, portanto, se ajustam na mesma vibração resso-
nante dentro da molécula.
Uma vez que as ressonâncias vibracionais de uma mo-
—CH 3 deformação C—H estiramento do CH 3 lécula complexa podem freqüentemente ser atribuídas a
1.460 cm –1 (6,85 μm) 2.960 cm–1 (3,38 μm) grupos ou ligações específicos, elas se comportam como
2.870 cm–1 (3,48 μm) se resultassem das vibrações em uma molécula diatômica.
H
Isso significa que vibrações produzidas por ligações e áto-
mos similares são associadas com bandas de infravermelho
H H em uma faixa estreita de freqüências, mesmo que essas vi-
brações ocorram em moléculas completamente diferentes.
O uso qualitativo é a principal aplicação da espectroscopia
C de infravermelho em Farmácia. Um espectro infravermelho
típico da teofilina é mostrado na Figura 4-15. O espectro
dá a “impressão digital” do fármaco e fornece um meio de
C—C estiramento
1.165 cm –1 (~8,6 μm)
verificar compostos. As bandas individuais podem ser asso-
ciadas a grupos particulares. Por exemplo, a banda a 1.660
C—H estiramento do CHO
cm–1, a na Figura 4-15, é devida à vibração de estiramento
2.720 cm–1 (3,86 μm)
C da carbonila na teofilina.
Os espectros de infravermelho podem ser complexos,
e as freqüências características variam dependendo do es-
— estiramento
C—O tado físico da molécula em exame. Por exemplo, ligações
H
1.730 cm–1 (5,77 μm) de hidrogênio entre moléculas da amostra podem alterar o
espectro. Para álcoois em solução diluída de tetracloreto de
carbono, há poucas ligações de hidrogênio intermoleculares,
e a vibração de estiramento da hidroxila ocorre em cerca
O
de 3.600 cm–1. A localização precisa e a forma da banda de
infravermelho associada com o grupo hidroxila depende da
concentração do álcool e do grau de ligação de hidrogênio.
Figura 4-14 Freqüências de deformação e estiramento para o acetaldeído. Efeitos estéricos, tamanho e carga relativa dos grupos vi-
(De H. H. Willard, L. L. Merritt, Jr., and J. A. Dean, Instrumental Methods of zinhos e mudanças de fase podem afetar deslocamentos de
Analysis, 4th Ed., Van Nostrand, New York, 1968. Com permissão.) freqüência similares.
118 P ATRICK J. S INKO

O uso da espectroscopia de infravermelho em Farmácia μs


está centrado nas suas aplicações para a identificação de fár-
macos, como descrito por Chapman e Moss.18 O desenvolvi-
mento da espectroscopia de infravermelho transformada de
Fourier (FT-IR),19 aumentou as aplicações do infravermelho
tanto para análises qualitativas quanto para análises quantita-
tivas de fármacos devido à maior sensibilidade e ao aumento
da capacidade de analisar amostras aquosas com instrumenta-
ção de FT-IR. Revisões completas das técnicas e aplicações da
espectroscopia de infravermelho se encontram em Smith20 e
Willard e colaboradores.21 μs

ESPECTROSCOPIA DO INFRAVERMELHO PRÓXIMO m s = + 1 /2 m s = -1/2

Figura 4-16 Rotação eletrônica e nuclear.


A espectroscopia do infravermelho próximo vem se tornando
uma valiosa técnica para a análise de compostos farmacêu-
ticos. A região do infravermelho próximo varia de cerca de como mostrado na Figura 4-16 (ou seja, comportam-se como
10.000 a 4.000 cm–1 e se constitui principalmente de sobre- pequenos ímãs). Quando os elétrons estão emparelhados, os
tons do infravermelho médio e combinações desses sobretons spins são opostos, de modo que os momentos magnéticos se
a partir de transições eletrônicas de átomos pesados, incluin- cancelam. Contudo, elétrons desemparelhados têm um mo-
do estiramentos O–H, C–H e N–H. Assim, a espectroscopia mento magnético (em magnétons de Bohr, μBohr) igual a
de infravermelho próximo costuma ser usada para a análise
eh
de água, álcoois e aminas. Além disso, bandas do infraver- μBohr 9 274 × 10−24 joule T (4-18)
melho próximo surgem de transições proibidas; assim, são 4π m e
muito menos intensas do que as bandas de absorção típicas onde e é a carga elementar, h é a constante de Planck e me
para esses átomos.22 é a massa do elétron.*
Algumas vantagens do uso de espectroscopia de infraver- De modo similar, o movimento nuclear em prótons e cer-
melho próximo sobre outras técnicas incluem tempos de aná- tos núcleos também tem um momento magnético associado,
lise extremamente rápidos, análise não-destrutiva, ausência de cuja magnitude pode ser calculada com uma equação similar à
necessidade de preparação de amostra, resultados quantitativos equação (4-18) substituindo a massa da partícula. Os prótons
e qualitativos e possibilidade de análise multicomponente. As têm uma massa maior que os elétrons, de modo que o magné-
aplicações farmacêuticas incluem identificação de polimorfos, ton nuclear é μN = 5,051 × 10–27 joule/T.
análise do conteúdo de água e identificação ou monitoramento Quando o elétron (ou o próton) é colocado em um campo
de um composto ativo dentro de um comprimido ou forma far- magnético externo, seu momento magnético é orientado em
macêutica sólida. Devido à natureza não-destrutiva da técnica, duas direções diferentes em relação ao campo magnético, B,
é possível fazer uma análise online para o controle de proces- paralelo e antiparalelo, dando origem a dois novos níveis de
sos em larga escala. energia separados entre si por uma magnitude, ΔE, que depen-
de do campo aplicado B de acordo com
E gμBohr B (4-19)
ESPECTROSCOPIA DE RESSONÂNCIA PARAMAGNÉTICA g é chamado de fator de separação de Land ou simples-
DO ELÉTRON E RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR mente fator g. Para radicais livres orgânicos, g é aproximada-
mente igual ao seu valor para o elétron livre, 2,0023, que é o
Agora descreveremos duas técnicas espectroscópicas ampla- quociente entre o momento magnético de spin do elétron e seu
mente usadas nas ciências farmacêuticas e nas áreas correlatas momento magnético orbital. O fator g é também característico
da química, biologia e medicina. A ressonância paramagnética para certos complexos metálicos com elétrons desemparelha-
eletrônica (EPR) e a ressonância magnética nuclear (RMN) dos, a partir dos quais se pode obter informação sobre o seu
são baseadas no comportamento magnético das partículas atô- ambiente.
micas como os elétrons e os núcleos na presença de um campo Para um elétron colocado em um campo magnético de B =
magnético externo. No texto a seguir, serão dados os funda- 1T, ΔE = 18,54 × 10–24 joule; de acordo com a equação (4-19).
mentos das técnicas, incluindo as diferenças entre os elétrons e Portanto, um cálculo simples da freqüência correspondente à
os núcleos, quando aplicáveis. essa diferença de energia, v = E/h, indica que um elétron pode
Partículas carregadas como elétrons (negativamente car-
regados) e prótons (positivamente carregados) comportam-se * O tesla, T, é a unidade de densidade de fluxo magnético. 1 T induz uma
como se fossem piões que giram. Eles possuem momentos diferença de potencial de 1V num condutor de 1 m de comprimento que se
magnéticos associados ao movimento em torno dos seus eixos, move com velocidade de 1 m/s. O tesla é equivalente a 104 gauss, unidade
que foi substituída pelo tesla.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 119

Na presença do
campo aplicado B
Sem campo m = +1/2

ΔE = g μB

m = -1/2
Figura 4-17 Separação dos spins eletrônico e nuclear quando sujeitos à
aplicação de um campo magnético externo.

ser excitado por uma radiação de 28 GHz, correspondente à re-


gião de microondas do espectro (ver a Tabela 4-4). Um cálculo
similar para prótons, usando Figura 4-19 Diferenças de energia observadas nas precessões eletrônicas
ou nucleares como função da intensidade do campo magnético.
E gN μN B (4-20)
com gN = 5,586, leva a uma separação energética de 2,82 ×
10–26 joule, correspondendo a uma freqüência eletromagnética
de 42,58 MHz, também na região do microondas. possíveis. Diversos núcleos também possuem momentos mag-
Transições entre níveis energéticos de spin eletrônico dão néticos e, portanto, sinais no RMN.
origem ao fenômeno da ressonância paramagnética eletrônica, Núcleos com números de massa ímpares têm um spin total
como indicado na Figura 4-17. A propriedade corresponden- de um valor semi-inteiro, enquanto que núcleos com números
te dos spins nucleares leva à ressonância magnética nuclear. atômicos ímpares e números de massa pares têm um spin total
O termo “ressonância” se relaciona à interpretação clássica com um valor inteiro. Os exemplos são 13C, 19F, e 31P, que pos-
do fenômeno, porque as transições ocorrem apenas quando a suem spin 1 2, e 2H e 14N, que possuem spin 1.
freqüência, ν, da radiação eletromagnética corresponde à fre- Considerando as equações (4-19) e (4-20), podemos
qüência de Larmor, vL de precessão em torno do eixo do cam- obter o sinal de ressonância mediante variação gradual da
po magnético aplicado, como mostrado na Figura 4-18. intensidade do campo magnético, B, mantendo a freqüência
Até agora, consideramos apenas elétrons e prótons, par- de rádio, v, constante. A um valor particular de B, ocorrerá
tículas com spin 1 2, que têm apenas dois níveis energéticos uma transição de um spin, quando um elétron ou um núcleo
altera o seu spin de um estado para outro (p. ex., de I = –1 2
a + 1 2, como na Figura 4-18). Em muitos espectrômetros,
o experimento pode ser feito de modo reverso: mantendo B
constante e variando v. Esse método é geralmente conhecido
como onda contínua ou de varredura de campo, e o valor
particular de v depende linearmente de B, como ilustrado na
Figura 4-19.
Na maioria dos espectrômetros modernos, particularmente
de RMN, todos os spins de uma espécie na amostra são exci-
tados simultaneamente usando-se um pulso curto de alta fre-
qüência de radiação eletromagnética. A sua relaxação é então
medida como uma função do tempo e transformada do domí-
nio do tempo ao domínio da freqüência por meio de técnicas de
transformação rápida de Fourier (FFT). A relação sinal-ruído
pode ser significativamente melhorada pela acumulação de um
grande número de medidas.
Como vimos, as bases teóricas da espectroscopia EPR são
similares às da RMN, exceto que a primeira é restrita a es-
pécies paramagnéticas (i. e., com elétrons desemparelhados).
Dentre os milhares de tipos de substâncias constituindo os sis-
temas biológicos com relevância farmacológica, apenas muito
poucos, a saber, os radicais livres, incluindo o oxigênio mo-
lecular (O2) e o óxido nítrico (NO), e um número limitado de
Figura 4-18 Precessão do spin eletrônico ou nuclear em torno de um campo íons de metais de transição revelam propriedades paramagnéti-
magnético aplicado. cas e podem ser observados por espectroscopia EPR. Contudo,
120 P ATRICK J. S INKO

a espectroscopia EPR tem muitos usos potenciais na medicina v = ΔE h = (2 82123 × 10−26 joule 6 626196
e bioquímica quando se introduz no sistema sondas exógenas × 10−34 = 4 2576981 × 107 Hz
paramagnéticas, detectáveis com EPR (marcadores de spin ou
spin labels). Este método costuma eliminar a necessidade de
purificar amostras biológicas. Assim, a espectroscopia EPR Dos exemplos acima, é importante notar que a diferença
aplicada a tecidos biológicos e fluidos pode identificar as al- entre a freqüência de ressonância do clorofórmio e a do TMS
terações nos processos redox que contribuem para doenças. com campo magnético constante é de apenas 308 Hz (ou
Ela também pode ser usada para caracterizar certos produtos ondas/s). Essa pequena diferença de radiofreqüência é equiva-
derivados de plantas como potencialmente importantes na bio- lente a mais do que a metade da faixa total dentro da qual são
tecnologia pelo aumento no nível de radicais livres e outras detectados os sinais de 1H RMN.
espécies reativas produzidas durante o estresse oxidativo in- O valor da constante de blindagem, σ, para um núcleo par-
duzido por luz na célula. Diversas outras aplicações podem ser ticular, dependerá dos campos magnéticos locais, incluindo
encontradas nas referências no final deste capítulo.23–25 aqueles produzidos por elétrons vizinhos dentro da molécula.
A ressonância magnética nuclear é um método experi- Esse efeito é promovido ao se colocar a molécula dentro de um
mental poderoso na química e biologia porque a freqüência de grande campo magnético externo, B. A maior blindagem ocor-
ressonância de um núcleo dentro de uma molécula depende de rerá com uma maior densidade eletrônica perto de um núcleo
seu ambiente químico. O campo local que um átomo sente, na particular, e isso reduzirá a freqüência na qual a ressonância
molécula, é menor que o campo magnético externo por uma ocorre. Assim, para o TMS, a alta densidade eletrônica do áto-
quantidade dada por mo de Si produz um aumento da blindagem e, portanto, uma
freqüência de ressonância menor. A diferença relativa entre um
B B(1 − σ ) (4-21) sinal particular de RMN e um sinal de referência (usualmente
onde σ é a constante de blindagem para um átomo particular TMS para RMN de próton) é chamada de deslocamento quími-
(ou seja, a medida de sua suscetibilidade para induzir um cam- co, δ, dado em partes por milhão (ppm).
po magnético) e B é a intensidade do campo magnético ex- É definido como
terno. Em vez de medir-se o valor absoluto de σ, costuma-se δ (σr − σs ) × 106 (4-22)
medir a sua diferença relativa a uma referência.
onde σr e σs são as constantes de blindagem para o núcleo da
referência e da amostra, respectivamente.
EXEMPLO 4-6 Se a separação entre a amostra e a referência for ΔH ou
Energia de spin nuclear Δv, então
(a) Qual é a energia associada com o spin nuclear do 1H do cloro- H
δ × 106 × 106 (4-23)
fórmio, que possui uma constante de blindagem, σ, de –7,25 × 10–6 HR νR
e um momento nuclear magnético, μN, de 5,050824 × 10–27 joule/T
onde BR e vR são a intensidade do campo magnético e a radio-
em um campo magnético, B, de 1 T?
freqüência para o núcleo, dependendo se for usado RMN com
Podemos obter ΔE = gNμNBlocal para esse núcleo particular,
no qual o campo local correspondente sentido pelo átomo é dado
varredura de campo ou de freqüência.
pela equação (4-21). O campo magnético local, Blocal, é substituí-
do, e obtemos EXEMPLO 4-8
−27
ΔE = g N μN B(1 − σ) = (5 585691)(5 050824 × 10 joule T) Referência de deslocamento de próton
−6 −26
× (1 T) (1 + 7 25 × 10 ) = 2 821254 × 10 joule Qual é o deslocamento químico do clorofórmio usando o TMS
como uma referência?
(b) Qual é a radiofreqüência na qual ocorrerá a ressonância
Substituindo as freqüências obtidas a partir dos Exemplos
para essa transição de spin nuclear, sob as condições acima? 4-6b e 4-7 na equação (4-23), obtemos o deslocamento químico:
v = ΔE h = (2 821254 × 10−26 6 626196
δ = Δv × 106 v R = 308 × 106 42 57 × 106 = 7 23 ppm
× 10−34 = 4 2577289 × 107 Hz

O tetrametilsilano (TMS) é freqüentemente usado como com- Esse é um valor aproximado, devido à exatidão relativa
posto de referência no RMN de próton porque sua freqüência de usada para determinar cada freqüência no exemplo. O valor
ressonância do único sinal de próton para seus quatro grupos me- aceito de forma experimental para esse deslocamento quími-
tila idênticos situa-se abaixo da maioria dos outros compostos. co é 7,24 ppm. O deslocamento químico de um núcleo forne-
Além disso, o TMS é relativamente estável e inerte. ce informações a respeito de seu ambiente magnético local e,
portanto, pode identificar uma determinada espécie. A Tabela
4-7 lista alguns deslocamentos químicos de próton represen-
EXEMPLO 4-7 tativos. A Figura 4-20 mostra um espectro de RMN de pró-
ton para o acetato de benzila, CH3COOCH2C6H5, usando o
Resssonância do tetrametilsilano TMS como referência. Note que cada banda representa um
Qual é a radiofreqüência na qual ocorre a ressonância para o TMS tipo particular de próton, ou seja, o próton a δ = 2,0 provém
em um campo magnético de 1 T? do grupo CH3, ao passo que aquele a 5,0 é devido ao CH2, e
A constante de blingagem é σ = 0,000, e ΔE = 2,821243 × 10–26 os prótons a cerca de 7,3 são relativos aos prótons aromáti-
joule para o TMS, portanto cos. A curva integral sobre o espectro é a soma das respecti-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 121

tão simples porque cada núcleo particular pode estar aco-


TABELA 4-7 plado por interações de spin com núcleos vizinhos. Se esses
DESLOCAMENTOS QUÍMICOS DE PRÓTON PARA GRUPOS núcleos vizinhos estiverem em diferentes ambientes magné-
QUÍMICOS E COMPOSTOS REPRESENTATIVOS ticos locais, haverá um desdobramento das bandas devido a
diferenças na densidade eletrônica. Isso leva a padrões de
Composto ou grupo ppm
multipletos com diversas linhas para um único núcleo resso-
Tetrametilsilano (TMS), (CH3)4Si 0,00 nante. O padrão de desdobramento do multipleto pode forne-
CH4 0,23 cer informações valiosas a respeito da natureza dos núcleos
Ciclohexano 1,44 vizinhos.
Acetona 2,08
A Figura 4-21 mostra o espectro de RMN de próton
do acetaldeído, CH3CHO, no qual o dubleto do grupo CH3
CH3Cl 3,06
(lado direito da figura) é produzido pelo acoplamento com o
CHCl3 7,25 único próton vizinho, e o quarteto do próton isolado do gru-
Benzeno 7,27 po CHO (à esquerda na figura) é produzido pelo acoplamen-
Etileno 5,28 to com os três prótons da metila. Para qualquer molécula, se
Acetileno 1,80 os núcleos acoplados representativos encontram-se em uma
R—OH (com ligação de hidrogênio) 0,5–5,0 proporção de AX:AY em grupos vizinhos, então a banda de
ressonância para AX irá se desdobrar em (2AY × I + 1) linhas,
R2—NH 1,2–2,1
onde I é o número quântico de spin para o núcleo, ao passo
Ácidos carboxílicos (R—COOH) 10–13 que a banda de AY irá desdobrar em (2AX × I + 1) linhas,
H2O ∼4,7 assumindo-se que os núcleos se encontram em ambientes
locais diferentes. Por exemplo, no acetaldeído, AX:AY é
CH3:CH, e o padrão de desdobramento de bandas resultante
vas áreas das bandas, e a altura de cada degrau é proporcional é AX (CH3) como duas linhas e AY (CH) como quatro linhas.
ao número de próton representado por cada banda. Tal desdobramento produz um espectro de primeira ordem
Na Figura 4-20, as bandas de sinais são de forma sim- quando a diferença em ppm entre todas as linhas do multi-
ples, com pouca complexidade aparente. Tais bandas estrei- pleto (conhecida como a constante de acoplamento, J) for
tas isoladas são conhecidas como singletos na terminologia pequena, se comparada com a diferença no deslocamento
de RMN. Na maioria dos espectros RMN as bandas não são químico, δ, entre os núcleos acoplados. Espectros de primei-
ra ordem produzem multipletos simples com intensidades
determinadas pelos coeficientes da expansão binomial, que
podem ser obtidos do Triângulo de Pascal:
n 0 1
n 1 1 1
n 2 1 2 1
n 3 1 3 3 1
n 4 1 4 6 4 1
onde n é o número de núcleos vizinhos equivalentes. Assim,
um dubleto apresenta intensidade 1:1; um tripleto, 1:2:1; um
quarteto,1:3:3:1. Mais detalhes sobre multiplicidade e inter-
pretação de espectros de RMN podem ser encontrados em tex-
tos gerais sobre o assunto.26,27
A faixa típica de deslocamentos químicos de RMN depen-
TMS
de do núcleo observado. Para prótons, é cerca de 15 ppm em
compostos orgânicos, enquanto é em torno de 400 ppm para
espectros de 13C e 19F. A Tabela 4-8 fornece a ressonância
básica de RMN para certos isótopos puros, junto com suas
abundâncias naturais. À medida que a abundância natural do
isótopo diminui, a sensibilidade relativa do RMN torna-se pro-
porcionalmente menor.
Um núcleo bastante usado na caracterização de novos
8 7 6 5 4 3 1 0
compostos químicos é o 13C. O desenvolvimento da espectros-
Deslocamento químico (ppm) copia RMN de 13C tem sido influenciado pelas técnicas de de-
Figura 4-20 Espectro de RMS de próton do acetato de benzila com o tetra- sacoplamento de spin para intensificar e simplificar o espectro
metilsilano (TMS) como referência. A banda do TMS aparece na extremidade de RMN de 13C, de outra forma complexo. O desacoplamento
direita. A curva superior é uma integração das bandas espectrais, a altura de spins de prótons é produzido mediante a irradiação contí-
de cada degrau é proporcional à área sob a banda. (De W. S. Brey, Physical nua, de toda a faixa espectral dos prótons, com uma radiação
Chemistry and Its Biological Applications, Academic Press, New York, 1978, de radiofreqüência de banda larga. O desacoplamento produz
p. 498. Com permissão.) o colapso de sinais de multipleto em sinais mais simples e
122 P ATRICK J. S INKO

10,5 8,5 6,5 4,5 2,5 0,5

Deslocamento químico (ppm)


Figura 4-21 Espectro de RMN de próton do acetaldeído. (De A. S. V. Burgen and J. C. Metcalfe, J. Pharm. Phar-
macol. 22, 156, 1970. Com permissão.)

mais intensos. Ele também produz um efeito conhecido como abundância natural do 13C bem como seu pequeno momento
efeito Overhauser nuclear (NOE), no qual o desacoplamento magnético, μ, quando comparado ao do hidrogênio.
dos prótons produz uma interação dipolo-dipolo e uma trans- Uma poderosa extensão desses melhoramentos no espectro
ferência de energia aos núcleos de carbono, resultando em uma de 13C envolve o desacoplamento sistemático de apenas alguns
maior relaxação (ou seja, a taxa de perda de energia de um prótons específicos pela irradiação de radiofreqüências parti-
núcleo com estado de spin elevado em um estado mais bai- culares no lugar de uma irradiação de banda larga. Os desaco-
xo) e, conseqüentemente, uma maior população de núcleos de plamentos sistemáticos permitem que átomos de carbono indi-
carbono no estado de spin mais baixo (ver Figura 4-17). O viduais que mostram multipleto colapsem e aumentem o sinal,
aumento de população no estado inferior de spin permite um como mencionado anteriormente, quando os prótons ligados
maior sinal de absorção no RMN, de modo que o NOE pode àquele átomo de carbono em particular forem irradiados. As al-
aumentar um sinal do núcleo de carbono até em um fator de terações de sinal permitem que núcleos de carbono particulares
três. O desacoplamento de spin de próton e o NOE aumenta- na molécula possam ser associados a prótons particulares e pro-
ram a sensibilidade do RMN de 13C. Eles compensam a baixa duz o que é chamado de espectroscopia de RMN bidimensional.
Farrar28 descreve as técnicas envolvidas nesses experimentos.
A ressonância magnética nuclear é uma ferramenta ver-
sátil na pesquisa farmacêutica. O espectro de RMN pode for-
necer evidências poderosas para uma conformação molecular
TABELA 4-8 particular de um fármaco, incluindo a distinção entre estrutu-
ras isoméricas intimamente relacionadas. Essa identificação é
RESSONÂNCIAS BÁSICAS DA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA normalmente baseada na posição dos deslocamentos químicos,
NUCLEAR (RMN) E ABUNDÂNCIAS NATURAIS DE bem como na multiplicidade dos picos e em outros parâmetros
ISÓTOPOS SELECIONADOS* associados com acoplamento de spins. Interações fármaco-
Freqüência de RMN (MHz) a receptor podem ser distinguidas e caracterizadas por meio de
uma dada intensidade alterações específicas no espectro de RMN de um fármaco não-
Abundância ligado, após a adição de uma proteína de ligação adequada. As
de campo
natural alterações são devidas a restrições na orientação do fármaco.
Isótopo A 1,0000 T A 2,3487 T (%) Burgen e Metcalfe29 descrevem aplicações do RMN para pro-
1
1H
blemas envolvendo interações fármaco-membrana e fármaco-
42,57 100,00 99,985
13
proteína. Ilustrações das interações são analisadas por Lawrence
6 C 10,71 25,14 1,108 e Gill30 usando ESR, e por Tamir e Lichtenberg31 usando RMN
15 4,31 10,13 0,365 de próton. Resultados de ESR e de RMN de próton mostram
7 N
19
40,05 94,08 100
que os tetraidrocanabinóis psicotrópicos reduzem o ordenamen-
9 F
to molecular de bicamadas de lipossomas usados como mode-
* De A. J. Gordon and R. A. Ford, The Chemist’s Companion, Wiley, New York, 1972, los simples de membranas biológicas. Os resultados sugerem
p. 314. Com permissão. que os canabinóides exercem efeitos psicotrópicos por meio de
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 123

interações não-específicas do canabinóide com constituintes li- onde sen i é o seno do ângulo do raio de luz incidente e sen
pídicos, principalmente o colesterol, de membranas de células r é o seno do ângulo do raio de luz refratado, e c1 e c2 são as
nervosas. Rackham32 revisou o uso do RMN na pesquisa farma- velocidades da luz nos meios respectivos. Em geral, o nume-
cêutica, com especial referência a problemas analíticos. rador é tomado como a velocidade da luz no ar e o denomi-
A caracterização usando RMN tem se tornado rotina, e téc- nador corresponde ao material sendo investigado. O índice
nicas especializadas têm expandido rapidamente a sua aplicabi- de refração, através dessa convenção, é maior que 1 para
lidade. Duas aplicações muito interessantes são a determinação substâncias mais densas que o ar. Teoricamente, o valor n =
da estrutura tridimensional de biomoléculas complexas33 (pro- 1 deveria ser usado para a luz passando através do vácuo. O
teínas e ácidos nucléicos) e a geração de imagens de organismos uso do ar como referência, contudo, produz uma diferença
inteiros (tomografia). A espetacular importância desses desen- em n de apenas 0,03% em relação ao vácuo e é mais comu-
volvimentos aplicando o RMN foi reconhecida com o prêmio mente empregado.
Nobel de Química e Medicina em 2002 e 2003. O índice de refração varia com o comprimento de onda
da luz e com a temperatura porque ambos alteram a energia
de interação. Normalmente esses valores são identificados
ao se listar o índice de refração. Por exemplo, nD20 significa
ÍNDICE DE REFRAÇÃO E REFRAÇÃO MOLAR o índice de refração usando a linha de emissão D do sódio,
a 589 nm, a uma temperatura de 20 °C. A pressão também
A luz passa mais lentamente através de uma substância do que deve ser mantida constante ao medir-se o índice de refração
através do vácuo. À medida que a luz entra em uma substância de gases. Como discutido no Capítulo 2, a pressão e a tem-
mais densa, as ondas que avançam interagem com os átomos da peratura estão relacionadas. O índice de refração pode ser
substância na interface e através da substância. Essas interações usado para identificar uma substância, para medir sua pureza
modificam as ondas de luz ao absorver energia, resultando em e para determinar a concentração de uma substância dissol-
ondas mais próximas pela redução da velocidade e encurtamen- vida em outra. Um refratômetro é usado para se determinar
to do comprimento de onda, como mostrado na Figura 4-22. Se o índice de refração. Os refratômetros podem ser ferramen-
a luz entra em uma substância mais densa mediante um ângulo, tas importantes no estudo de compostos farmacêuticos que
como mostrado, uma parte da onda retarda-se mais rapidamente não exibem absorção UV-visível devido à sua estrutura ele-
à medida que ela passa a interface, o que produz um dobramen- trônica.
to da onda em direção à interface. Esse fenômeno é chamado de A refração molar, Rm, está relacionada ao índice de refra-
refração. Se a luz entra em uma substância menos densa, ela é ção e às propriedades moleculares do composto sendo testado.
refratada para longe da interface e não em direção a ela. Con- Sua expressão é:
tudo, em ambos os casos, há uma observação importante: a luz n2 − 1 M
viaja na mesma direção após a interação do que antes da intera- Rm (4-25)
n2 2 ρ
ção. Na reflexão, a luz viaja na direção oposta após incidência
em um meio. O valor relativo do efeito da refração entre duas onde M é a massa molecular e ρ é a densidade do compos-
substâncias é dado pelo índice de refração, n: to. O valor de Rm de um composto pode freqüentemente ser
seni Velocidade da luz da primeira substância c1 predito a partir de características estruturais da molécula e
n deve-se notar a equação análoga àquelas usadas em dielétri-
senr Velocidade da luz da segunda substância c2
cos. Cada átomo ou grupo constituinte contribui com uma
(4-24) porção ao valor final de Rm, como discutido anteriormente no
contexto das propriedades aditivas-constitutivas (ver Tabela
4-1). Por exemplo, a acetona tem um Rm produzido por três
carbonos (Rm = 7,254), seis hidrogênios (6,6), e um oxigênio
i Substância de carbonila (2,21) resultando em um Rm total de 16,1 cm3/
mais
densa
mol. Uma vez que Rm é independente do estado físico da mo-
lécula, seu valor pode ser usado para distinguir compostos
estruturalmente diferentes, como tautômeros nas formas ceto
e enol.
A luz incidente em uma molécula induz dipolos que
vibram devido à absorção de energia na interface, na qual
Interface
quanto maior for o índice de refração a um comprimento de
onda particular, tanto maior será a indução dipolar. Em ter-
mos mais simples, a interação de fótons de luz com elétrons
polarizáveis de uma molécula dielétrica causa uma redução
Substância na velocidade da luz. A constante dielétrica, uma medida da
menos
polarizabilidade, é maior quando as interações dipolares re-
densa
sultantes com a luz são proporcionalmente grandes. O índice
de refração a comprimentos de onda elevados, n∞, está re-
r lacionado à constante dielétrica de uma molécula não-polar,
ε, pela expressão
Figura 4-22 Ondas de luz passando por uma interface entre duas substân-
cias de diferente densidade. ε n 2∞ (4-26)
124 P ATRICK J. S INKO

Figura 4-23 A polarização de um feixe de luz disperso por um prisma polarizante de Nicol.

A polarização molar Pi (equação [4-6]) pode ser consi- tância opticamente ativa. Uma rotação do plano da luz
derada aproximadamente equivalente à refração molar, Rm, e polarizada no sentido dos ponteiros do relógio, como ob-
pode ser escrita como servada olhando no feixe de luz polarizada, define a subs-
n 2∞ − 1 M 4 tância como dextrógira. Quando o plano da luz polarizada
Pi π N αp (4-27) é girado pela amostra de modo oposto ao dos ponteiros do
n∞ 2 ρ
2 3 relógio, a amostra é definida como se substância levógira.
Dessa equação, a polarizabilidade, αp, de uma molécu- Uma substância dextrógira, que pode ser pensada como se
la não-polar pode ser obtida a partir da medida do índice de o feixe rodasse para a direita, produz um ângulo de rota-
refração. Para propósitos práticos, o índice de refração a um ção, α, definido como positivo, enquanto que uma substân-
comprimento de onda finito é usado, o que pode gerar um erro cia levógira, que roda o feixe para a esquerda, possui um α
relativamente pequeno, de aproximadamente 5%, no cálculo. que é definido como negativo. Moléculas que possuem um
centro assimétrico (quirais) e portanto não têm simetria em
relação a algum plano são opticamente ativas, enquanto que
moléculas simétricas (aquirais) são opticamente inativas e,
ROTAÇÃO ÓPTICA como conseqüência, não rodam o plano da luz polarizada. A
atividade óptica pode ser considerada como a interação da
A radiação eletromagnética constitui-se de dois movimentos radiação plano-polarizada com elétrons em uma molécula
ondulatórios separados, senoidais, perpendiculares entre si: para produzir polarização eletrônica. Essa interação faz ro-
uma onda elétrica e uma onda magnética (Figura 4-4a). Am- tar a direção de vibração da radiação ao alterar o campo elé-
bas as ondas possuem igual energia. Uma fonte produz ondas trico. Um polarímetro é usado para medir a atividade óptica.
múltiplas de radiação eletromagnética oscilante a um dado A Figura 4-24 ilustra como um polarímetro pode ser usado
tempo, de modo que múltiplas ondas elétricas e magnéticas para medir tais fenômenos.
são emitidas. Essas ondas de radiação eletromagnética viajam A rotação óptica, α, depende da densidade de uma subs-
em orientações múltiplas que são dispersas de maneira aleato- tância opticamente ativa porque cada molécula fornece uma
ria, resultando em um feixe circular de radiação. As discussões contribuição igual, porém pequena para a rotação. A rotação
a respeito das interações com fontes de luz são focadas predo- específica, {αλt}, a uma temperatura especificada, t, e a um
minantemente no componente elétrico destas ondas, ao qual comprimento de onda λ (usualmente a linha D do sódio), é
nos restringiremos no restante dessa seção e nas próximas, que característico para uma substância pura opticamente ativa. Ela
tratam de dispersão óptica rotatória e dicroísmo circular. é dada pela equação
Ao passar a luz através de um prisma polarizante, como αv
αλt (4-28)
o de Nicol, selecionam-se as vibrações aleatoriamente dis- lg
tribuídas da radiação eletromagnética de modo que apenas
aquelas vibrações que ocorrem em um único plano passam onde l é o comprimento do percurso óptico em decímetros
pelo prisma (Figura 4-23). A velocidade da luz plano-po- (dm)* e g é o número de gramas da substância opticamente ati-
larizada pode tornar-se mais lenta ou mais rápida à medi- va em v mililitros de volume. Se a substância estiver dissolvida
da que passa pela amostra, de modo similar ao discutido na
refração. A mudança de velocidade resulta na refração da * Escolhe-se o decímetro como unidade por causa das longas células de
luz polarizada em uma direção particular para uma subs- amostra normalmente usadas em polarímetros. 1 dm = 10 cm = 0,1 m.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 125

Luz comum

Luz plano-polarizada

Luz rotada

Polarizador

Célula de amostra

Analisador
ou detector
Figura 4-24 Desenho esquemático de um polarímetro.

em solução, tanto o solvente quanto a concentração devem ser de uma reação. As rotações específicas de alguns fármacos são
indicadas na rotação específica. A rotação específica de uma fornecidas na Tabela 4-9. O subscrito D em [α] indica que a
molécula é indicativa de sua estrutura molecular, e como tal medida da rotação específica é realizada a um comprimento de
não se altera quando medida sob mesmas condições em qual- onda, λ, de 589 nm da luz do sódio. Quando a concentração
quer laboratório. Químicos orgânicos costumam usar a rotação não for especificada, como na Tabela 4-9, assume-se que a
específica como método para confirmar a identidade de um concentração seja 1 g por mililitro de solvente. Contudo, nos
composto sintetizado cujas propriedades moleculares já este- valores de [α] devem ser informados as temperaturas e con-
jam definidas. Outras medidas são realizadas, mas esse é um centrações específicas, indicando também o solvente. Dados
teste rápido para se checar a identidade e a pureza do produto que não contenham essas informações devem ser tratados com

TABELA 4-9
ROTAÇÕES ESPECÍFICAS
Fármaco [α]D (graus) Temperatura (°C) Solvente

Ampicilina +283 20 Água


Aureomicina +296 23 Água
Benzilpenicilina +305 25 Água
Cânfora +41 a +43 25 Etanol
Colchicina –121 17 Clorofórmio
Cianocobalamina –60 23 Água
Ergonovina –16 20 Piridina
Nicotina –162 20 Líquido puro
Propoxifeno +67 25 Clorofórmio
Quinidina +230 15 Clorofórmio
Reserpina –120 25 Clorofórmio
Cloridrato de tetraciclina –253 24 Metanol
Cloreto de d-tubocurarina +190 22 Água
Ioimbina +51 a +62 20 Etanol
126 P ATRICK J. S INKO
Ângulo de rotação

a
+
b
0

[ ] × 10 –2
Comprimento de onda
Figura 4-25 O efeito Cotton. Variação do ângulo de rotação (linha cheia)
na vizinhança de uma banda de absorção de luz polarizada (linha tracejada).
(Modificada a partir de W. S. Brey, Physical Chemistry and Its Biological Ap-
plications, Academic Press, New York, 1978, p. 330.)

cautela, porque as condições específicas não são conhecidas. A


rotação específica de esteróides, carboidratos, aminoácidos e
outros compostos de importância biológica são dados no CRC 300 500 700
Handbook.33a (nm)

Figura 4-26 Curvas de dispersão óptica rotatória para a (a) cis–10-metil-2-


decalona e para a (b) trans-10-metil-2-decalona. Note um efeito positivo em
DISPERSÃO ÓPTICA ROTATÓRIA (a) e um efeito negativo em (b). (De C. Djerassi, Optical Rotatory Dispersion,
1960, McGraw-Hill, NewYork. Com permissão.)
A rotação óptica muda em função do comprimento de onda
da luz, e a dispersão óptica rotatória (ORD) é uma medida do
ângulo de rotação em função do comprimento de onda. Lem- mente polarizada tem um vetor elétrico que gira em torno
bre-se que trata-se de luz na faixa UV-visível e que diferentes da direção de propagação. Na luz plano-polarizada, há dois
comprimentos de onda terão diferentes energias, o que pode desses vetores, girando em direções opostas: um componen-
resultar em alterações nos padrões de absorção de moléculas te girando para a direita e outro para a esquerda. A diferença
devido a sua estrutura eletrônica. Variando o comprimento de entre as mãos é usada como convenção para se conceituali-
onda, varia a rotação específica de uma substância opticamen- zar a luz circularmente polarizada. Para visualizar isso, tome
te ativa devido à estrutura eletrônica de suas moléculas. Um ambas as mãos e mantenha os dedos apontados para cima,
gráfico da rotação específica versus o comprimento de onda com cada polegar apontado em direção ao seu nariz. Agora
mostra uma inflexão e passa através de zero em comprimentos curve levemente os dedos, mantendo, porém, a direção dos
de onda de máxima absorção de luz polarizada, como mostra a polegares. O polegar de cada mão indicará a luz viajando em
Figura 4-25. Essa mudança na rotação específica é conhecida direção ao seu nariz, e a curvatura dos dedos mostrará como
como efeito Cotton. Por convenção, compostos cujas rotações os vetores de luz giram em dois vetores separados, para a
específicas mostram um máximo antes de passar pelo zero à esquerda e para a direita. Para uma substância opticamente
medida que o comprimento de onda da luz polarizada dimi- ativa, os valores do índice de refração, n, dos dois vetores
nui exibem um efeito Cotton positivo, enquanto que se {α} não podem ser iguais.
mostrar um máximo após passar pelo zero (novamente sob Devido à quiralidade, um dos dois vetores pode ser absor-
as mesmas condições de aproximação aos comprimentos de vido de modo diferente a determinado comprimento de onda
onda menores), diz-se que o composto exibe um efeito Cotton de luz, enquanto que o oposto pode ser verdadeiro para outro
negativo. Enantiômeros podem ser caracterizados pelo efeito comprimento de onda. Essa diferença muda a velocidade re-
Cotton, como mostra a Figura 4-26. Além disso, a ORD é fre- lativa na qual a luz polarizada gira em torno de sua direção
qüentemente útil para o estudo estrutural de compostos orgâni- de propagação. De modo semelhante, as velocidades dos dois
cos. Discussões detalhadas são dadas por Campbell e Dwek11 componentes da luz polarizada se tornam desiguais à medida
e Crabbe.34 que eles passam através de uma substância opticamente ativa
que é capaz de absorver luz de uma faixa de comprimento de
onda selecionada. Ou seja, os dois componentes da luz po-
larizada têm absortividades diferentes para um comprimento
DICROÍSMO CIRCULAR de onda de luz particular. É importante perceber que na fonte
a luz circularmente polarizada está viajando na mesma velo-
A luz plano-polarizada é descrita como a soma vetorial de cidade do que em um círculo. Quando um dos componentes
dois componentes circularmente polarizados. A luz circular- da luz, digamos aquele que gira para a esquerda, tem energia
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 127

absorvida, ele diminui a sua velocidade em contraste com o


componente que gira em sentido oposto, estirando o círculo
para formar uma elipse. O oposto pode também ser verdade. Benzilpenicilina
(pH 3,0 e 7,0)
Isso pode ser ilustrado usando a convenção das mãos. Quando
a luz circularmente polarizada torna-se elipticamente polari-
zada, isto é chamado de dicroísmo circular (CD).11,35
Efeito Cotton é o nome dado à absorção desigual (efeito

Elipticidade específica × 10–3


elíptico) dos dois componentes da luz circularmente polari-
zada por uma molécula na região de comprimento de onda

(grau ml g–1 dm–1)


próximo a uma banda de absorção. Os espectros de dicroísmo
circular são gráficos da elipticidade molar, [θ], que é propor-
cional à diferença de absortividade entre os dois componen-
tes da luz circularmente polarizada, contra o comprimento de
onda da luz. Por convenção tradicional, a elipticidade molar é
dada por
Benzilpeniciolato (pH 7,0)
[ψ]M −1
[θ] 3300(ε L − ε R dm−1
100 Benzilpeniciolato (pH 3,0)
(4-29)
onde [ψ] é a elipticidade específica, análoga à rotação espe-
cífica, M é a massa molecular e εL e εR são as absortividades
para os componentes esquerdo e direito da luz circularmen-
te polarizada no comprimento de onda selecionado. Perrin Comprimento de onda (nm)
e Hart36 revisaram as aplicações do CD a interações entre
Figura 4-27 Espectro de dicroísmo celular da benzilpenicilina e de seu de-
pequenas moléculas e macromoléculas, e a teoria é descri-
rivado ácido penicilóico. (De C. E. Rassmussen and T. Higuchi, J.Pharm. Sci.
ta por Campbell e Dwek.11 O CD tem sua maior aplicação
60, 1616, 1971. Com permissão.)
na caracterização de macromoléculas quirais, em particu-
lar proteínas, que são utilizadas na terapêutica baseada na
biotecnologia. A estrutura secundária em proteínas pode
facilmente ser definida mediante investigação detalhada ESPALHAMENTO DE ELÉTRONS E NÊUTRONS E
do espectro CD.35,37–39 A magnitude da absorção dos com-
ponentes da luz circularmente polarizada é diferente para ESPECTROSCOPIA DE EMISSÃO
α-hélices, folhas β e voltas β. Ao se medir o espectro de
dicroísmo circular de proteínas cuja estrutura secundária Os elétrons podem fluir através de um meio em resposta a
é conhecida, pode-se compilar uma base de dados e usá-la uma separação de cargas, e podem fazê-lo a certas freqüên-
para se elucidar a composição estrutural secundária de uma cias e comprimentos de onda dependendo da magnitude da
proteína desconhecida. O espectro CD para uma proteína separação de cargas. Nêutrons também podem ser gerados e
também pode servir como padrão e ser usado para deter- fluir de modo similar. A descrição matemática e teórica exata
minar se alguns efeitos durante a produção e a formulação desse fluxo está fora do objetivo deste texto. Contudo, o con-
estão, porventura, alterando os padrões de dobramento, o ceito de que eles podem fluir é importante na discussão dos
que pode diminuir muito a sua atividade. próximos tópicos. Deve ser notado que, mesmo que as ondas
O dicroísmo circular tem sido, também, aplicado para a de elétrons e de nêutrons não sejam tradicionalmente vistas
determinação da atividade da penicilina, como descrito por de modo similar às ondas eletromagnéticas, elas podem ser
Rasmussen e Higuchi.40 A atividade foi medida como uma usadas para se determinar importantes propriedades molecu-
alteração no espectro CD da penicilina após a adição de pe- lares e foram, portanto, incluídas no texto. A principal distin-
nicilinase, que cliva enzimaticamente o anel da β-lactama ção entre elétrons e nêutrons versus radiação eletromagnética
para formar o íon penicilato, como mostrado para a benzil- é que os elétrons e nêutrons têm uma massa de repouso finita,
penicilina na Figura 4-27. O espectro CD típico para a ben- ao passo que a radiação eletromagnética possui uma massa de
zilpenicilina e os seus produtos de hidrólise está mostrado repouso zero.11
na Figura 4-27. A determinação direta das penicilinas por Diversas técnicas relevantes em Fármacia também empre-
CD e a distinção das penicilinas das cefalosporinas por seu gam feixes de elétrons e nêutrons, incluindo o espalhamento
espectro CD é descrita por Purdie e Swallows.41 As penici- de nêutrons de baixo ângulo (SANS) e as microscopias ele-
linas possuem bandas positivas únicas de CD com máximos trônicas de varredura e de transmissão (SEM e TEM, respec-
a 230 nm, ao passo que as cefalosporinas têm duas bandas tivamente). O espalhamento de ondas de energia resulta quan-
CD, uma positiva com um máximo a 260 nm e uma negativa do ocorre uma perda de energia pela interação com um meio,
com um máximo a 230 nm (os comprimentos de onda são como na refração. O espalhamento costuma ser medido em um
indicados com uma incerteza de ±2 nm). Isso permite uma ângulo θ relativo ao feixe de energia incidente, e não mede
diferenciação fácil entre penicilinas e cefalosporinas pela es- a transmissão da onda de energia. Tanto as ondas de elétrons
pectropolarimetria CD. quanto as de nêutrons cumprem um papel importante na iden-
128 P ATRICK J. S INKO

tificação de algumas propriedades moleculares de fármacos e


adjuvantes. Elas serão abordadas brevemente aqui.
Microscopia eletrônica de varredura e microscopia eletrôni-
ca de transmissão são duas técnicas rotineiramente empregadas
em ciências biológicas e farmacêuticas para produzir imagens de
alta resolução de superfícies. Consideremos, primeiro, a micros- Núcleo Núcleo
copia eletrônica de varredura (SEM). Em geral, a imagem gerada
com a SEM é produzida pela emissão de uma onda eletrônica de
um filamento e do bombardeamento da amostra, em que os elé- Revestimento Revestimento
trons sofrem refração após interação com a superfície da amos- Figura 4-28 Um comprimido revestido contendo ferro foi dividido, mostran-
tra. À medida que os elétrons passam através da superfície da do inicialmente uma superfície lisa (esquerda) e então, após exposição à
amostra, sofrem continuamente refração até que são refratados água por 1 hora, erosão e uma superfície mais rugosa (direita). A linha atra-
para fora da superfície da amostra a uma energia mais baixa e vés dos comprimidos mostra como uma hipotética imagem da microscopia
são detectados. No caso da refração, o feixe de elétrons incidente eletrônica de varredura combinada com um perfil linear de análise de raios
interage com os elétrons nas nuvens eletrônicas dos átomos da X de energia dispersiva (EDAX) focado na fluorescência de raios X do ferro
amostra, o que resulta na alteração de seus caminhos após a co- é realizada através do comprimido. No primeiro comprimido, o ferro está
lisão. Para átomos mais pesados, a nuvem eletrônica é densa, e uniformemente contido no centro e a magnitude do desvio da linha implica
os elétrons incidentes do feixe sofrem refração mais acentuada. maior concentração de ferro no núcleo. A imagem mostra uma superfície
Nas técnicas SEM, a amostra é freqüentemente revestida com lisa. Após imersão em água por 1 hora, o ferro e alguns dos adjuvantes
ouro (na forma de spray) para fornecer uma densidade eletrônica migraram do núcleo, deixando um contorno mais rugoso e um menor nível
maior na superfície e evitar que o feixe passe através da amostra. EDAX. O revestimento tem maior nível de ferro nessa análise, o que pode ser
Na microscopia eletrônica de transmissão TEM, os elétrons são devido à dissolução e ao efeito das velocidades de difusão, como discutido
transmitidos através da amostra. Os elétrons refratados geram em capítulos posteriores.
uma figura de alta resolução da superfície da amostra e fornecem
informação a respeito de seu contorno e tamanho. Eles não ofe-
recem, contudo, informação molecular.
A informação molecular ou atômica pode ser obtida mo- está presente também no revestimento, com uma imagem que
nitorando-se a energia que está na forma de raios X emitidos mostra a diferença na estrutura do núcleo do comprimido após
quando os elétrons interagem com as moléculas. Em geral, a exposição à água. Isso pode fornecer informações bastante
quando ocorre uma colisão inelástica o feixe de luz incidente úteis para o formulador, que pode pretender comparar diversos
também pode expulsar alguns elétrons do estado fundamental revestimentos diferentes para controlar a liberação do fármaco
nas moléculas. Isso é conhecido como emissão Auger de elé- baseado em ferro e como diferentes polimorfos do composto
trons. Os elétrons de camada externa em cada átomo relaxam (ver Capítulo 2) podem se comportar na mesma formulação.
então ao estado fundamental, o que resulta na emissão de ener- De fato, esse tipo de análise é realizada rotineiramente para di-
gia sob forma de fluorescência de raios X. Para cada átomo, a versos tipos de formulações, incluindo micro e nanoesferas. A
estrutura atômica é diferente, e as energias de relaxação mu- informação sobre propriedades físicas de estado (Capítulo 2) e
dam. A emissão dos raios X pode ser capturada usando técni- propriedades moleculares é muito importante. Há também mui-
cas como a análise de raios X de energia dispersiva (EDAX) tas outras técnicas empregando métodos similares que estão
e a análise de raios X dispersiva de comprimento de onda sendo amplamente incorporados na caracterização industrial e
(WDX). Tais técnicas fornecem informações sobre a compo- no desenvolvimento de formulações de fármacos.
sição molecular detectando raios X de diferentes freqüências Espalhamento de nêutrons de baixo ângulo é outra técnica
e comprimentos de onda emitidos durante uma análise SEM. que pode ser empregada para ilustrar as propriedades físicas de
A técnica EDAX captura os padrões de freqüência de ondas de uma molécula. Ela é relacionada a técnicas como espalhamen-
raios X emitidas, enquanto que a WDX mede os comprimen- to de raios X de baixo ângulo (SAXS) e espalhamento de luz
tos de onda dos raios X dos átomos presentes. Essas emissões de baixo ângulo (SALS). Em conjunto, essas técnicas podem
podem ser medidas em uma região linear da amostra ou na ser usadas para dar informações a respeito do tamanho (mes-
amostra como um todo. As medidas são, por natureza, quali- mo massas moleculares de grandes polímeros e moléculas de
tativas, mas podem se tornar quantitativas dependendo do tipo proteína), forma e orientação de componentes em uma amos-
de análise realizada. tra.42 O SANS é usado primariamente para a caracterização de
Um bom exemplo da utilidade dessa técnica encontra-se na polímeros, em particular dendrímeros e colóides.
análise de comprimidos revestidos contendo um fármaco à base
de ferro no seu núcleo (Figura 4-28). Se uma análise SEM e
Referências
uma análise linear EDAX forem realizadas na superfície de um
comprimido cindido, a EDAX demonstra que o ferro está pre- 1. Y. Bentor, Chemical Element.com—Carbon. Disponível em http://www.
sente apenas no centro do comprimido, e não na região de re- chemicalelements.com/elements/c.html. Acessado em 9 de junho de
vestimento. A SEM fornece uma imagem da superfície do com- 2004.
primido cindido que pode ser usada para verificar condições 2. C. K. Mathews and K. E. van Holde, Biochemistry, Benjamin Cummings,
de formulação. Se comprimidos similares forem colocados em Redwood City, Calif., 1990, Chapter 5.
água por 1 hora e sujeitos à mesma análise, é possível obser- 3. W. G. Hol, Adv. Biophys. 19, 133, 1985.
var uma menor quantidade de ferro no núcleo, e o ferro agora 3a. J. S. Richardson, Adv. Prof. Chem. 34, 167, 1981.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 129

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2
5 NÃO-ELETRÓLITOS
6 SOLUÇÕES DE ELETRÓLITOS
7 EQUILÍBRIOS IÔNICOS
8 FORÇA ELETROMOTRIZ E OXIDAÇÃO-REDUÇÃO
9 SOLUÇÕES ISOTÔNICAS E TAMPONADAS
10 SOLUBILIDADE E FENÔMENOS DE DISTRIBUIÇÃO
11 COMPLEXAÇÃO E LIGAÇÃO A PROTEÍNAS
2
FENÔMENOS DE EQUILÍBRIO
5
5 NÃO-ELETRÓLITOS

INTRODUÇÃO Aerossóis e lei de Raoult


Tipos de soluções Soluções reais
Lei de Henry
EXPRESSÕES DE CONCENTRAÇÃO
Destilação de misturas binárias
Molaridade e normalidade
Molalidade PROPRIEDADES COLIGATIVAS
Fração molar Abaixamento da pressão de vapor
Expressões percentuais Determinação da pressão de vapor de soluções
Elevação do ponto de ebulição
MASSAS EQUIVALENTES
Abaixamento do ponto de congelamento
SOLUÇÕES IDEAIS E REAIS Pressão osmótica
Tendência de escape
DETERMINAÇÃO DA MASSA MOLAR
Soluções ideais e lei de Raoult
Escolha das propriedades coligativas

Ao concluir este capítulo, o definido no Capítulo 2 como uma parte homogeneamente


OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: distinta do sistema, separada de outras partes do sistema por
fronteiras definidas. Cada fase pode ser consolidada em uma
1 Identificar e descrever as quatro propriedades coligativas região ou massa contígua, tal como um único pedaço de gelo
dos não-eletrólitos em solução. flutuando na água, ou pode estar distribuída como peque-
2 Compreender os diversos tipos de soluções farmacêuticas. nas partículas dentro do sistema, como gotículas de óleo em
3 Calcular molaridade, normalidade, molalidade, fração mo- uma emulsão ou partículas sólidas em uma suspensão far-
lar e expressões de porcentagem. macêutica.
4 Calcular massas equivalentes. Essas duas últimas são exemplos de dispersões grossei-
5 Definir soluções ideais e reais usando as leis de Raoult e ras, sendo que o diâmetro das partículas em emulsões e sus-
Henry. pensões é, na maioria das vezes, maior que 0,1 µm (100 Å
6 Usar a lei de Raoult para calcular a pressão de vapor total ou 10–5 cm). Uma dispersão coloidal representa um sistema
e parcial. com tamanho de partícula intermediário entre o da solução
verdadeira e o da dispersão grosseira, aproximadamente 10
7 Calcular o abaixamento da pressão de vapor, a elevação do a 5.000 Å. Uma dispersão coloidal pode ser considerada um
ponto de ebulição, o abaixamento do ponto de congelamen- sistema de duas fases (heterogêneo) sob certas condições, e
to e a pressão osmótica para soluções de não-eletrólitos. um sistema de uma fase (homogêneo) sob outras. A dispersão
8 Usar propriedades coligativas para determinar a massa coloidal de proteinato de prata em água é heterogênea, pois
molecular. consiste de partículas distintas formado uma fase separada.
Uma dispersão coloidal de acácia ou de carboxi-metilcelu-
lose sódica em água, no entanto, é homogênea. Ela não dife-
re significativamente de uma solução de sacarose e pode ser
INTRODUÇÃO considerada, desse modo, um sistema de uma fase ou uma
solução verdadeira.1
Materiais podem ser misturados para formar uma solução Uma solução composta de apenas duas substâncias é co-
verdadeira, uma solução coloidal ou uma dispersão grosseira. nhecida como solução binária, e os componentes ou cons-
Uma solução verdadeira é definida como a mistura de dois ou tituintes são chamados de solvente e soluto. Nós usamos os
mais componentes que formam uma dispersão molecularmen- termos componente e constituinte de modo intercambiável,
te homogênea – em outras palavras, um sistema de uma fase como outros autores, para representar as substâncias quími-
– cuja composição pode variar em uma ampla faixa. Os termos cas puras que constituem uma solução. O número de com-
dessa definição demandam comentários adicionais e procura- ponentes tem um significado definido na regra das fases. O
remos esclarecê-los nos próximos parágrafos. constituinte presente em maior quantidade em uma solução
Um sistema é uma porção delimitada do espaço ou uma binária é chamado arbitrariamente de solvente e o consti-
quantidade definida de substância que está sob observação e tuinte que está em quantidade menor é denominado soluto.
experimentação. Sob certas circunstâncias, o sistema pode Quando um sólido for dissolvido em um líquido, este costu-
consistir somente de energia radiante ou de um campo elé- ma ser considerado o solvente e aquele o soluto, não impor-
trico não contendo substâncias materiais. O termo fase foi tando as quantidades relativas desses constituintes.
134 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO PROPRIEDADES FÍSICAS DAS SUBSTÂNCIAS


As propriedades físicas das substâncias podem ser classificadas como As propriedades coligativas dependem principalmente do número de
coligativas, aditivas e constitutivas. Algumas das propriedades cons- partículas em uma solução. As propriedades coligativas das soluções são
titutivas e aditivas das moléculas foram consideradas no Capítulo 4. a pressão osmótica, o abaixamento da pressão de vapor, o abaixamento do
No campo da termodinâmica, as propriedades físicas dos sistemas são ponto de congelamento e a elevação do ponto de ebulição. Os valores das
classificadas como propriedades extensivas, que dependem da quan- propriedades coligativas são aproximadamente os mesmos para concentra-
tidade da matéria no sistema (p. ex., massa e volume) e propriedades ções iguais de não-eletrólitos diferentes em solução, não importando o tipo
intensivas, que são independentes da quantidade de substâncias no ou natureza química dos constituintes. Ao se considerar as propriedades coli-
sistema (p. ex., temperatura, pressão, densidade, tensão superficial e gativas de soluções de sólidos em líquidos, assume-se que o soluto é não-vo-
viscosidade de um líquido puro). látil e que a pressão de vapor sobre a solução é devida apenas ao solvente.

Quando a água for um dos componentes de uma mistura trica em uma solução. Exemplos de não-eletrólitos são: sacaro-
líquida, é usualmente considerada o solvente. Ao lidar-se com se, glicerina, naftaleno e uréia. As propriedades coligativas de
misturas de líquidos que são miscíveis em todas as proporções, soluções de não-eletrólitos são bastante regulares. Uma solução
tais como água e álcool, a classificação dos constituintes como 0,1 molar (M) de um não-eletrólito produz aproximadamente
soluto e solvente não tem muito significado. o mesmo efeito coligativo que qualquer outra solução de não-
As propriedades aditivas dependem da contribuição total eletrólito de igual concentração. Os eletrólitos são substâncias
dos átomos em uma molécula ou da soma das propriedades que formam íons em solução, conduzindo a corrente elétrica, e
dos constituintes em uma solução. Um exemplo de proprieda- mostram propriedades coligativas aparentemente anômalas, ou
de aditiva de um composto é a massa molecular que é a soma seja, produzem diminuição do ponto de congelamento conside-
das massas dos átomos constituintes. ravelmente maior do que soluções de não-eletrólitos de mesma
As massas dos componentes de uma solução também são concentração. Exemplos de eletrólitos são o ácido clorídrico, o
aditivas, sendo a massa total a soma das massas dos compo- sulfato de sódio, a efedrina e o fenobarbital.
nentes individuais. Os eletrólitos podem ser subdivididos, ainda, em eletróli-
As propriedades constitutivas dependem do arranjo e, tos fortes e eletrólitos fracos, dependendo de a substância es-
em um menor grau, do número e tipo dos átomos dentro de tar completa ou apenas parcialmente ionizada em água. Ácido
uma molécula. Essas propriedades nos fornecem pistas sobre clorídrico e sulfato de sódio são eletrólitos fortes, enquanto a
a constituição de compostos individuais e grupos de moléculas efedrina e o fenobarbital são eletrólitos fracos. A classificação
em um sistema. Muitas propriedades físicas podem ser parcial- dos eletrólitos de acordo com Arrhenius e a discussão das teo-
mente aditivas e parcialmente constitutivas. A refração da luz, rias modernas dos eletrólitos é dada do Capítulo 6.
as propriedades elétricas, as características de superfície e de
interface e a solubilidade de fármacos são, ao menos em parte,
propriedades constitutivas e, em parte, propriedades aditivas.
Elas serão consideradas em outras seções deste livro. EXPRESSÕES DE CONCENTRAÇÃO
A concentração de uma solução pode ser expressa em termos
Tipos de soluções da quantidade de soluto em um volume definido de solução ou
como quantidade de soluto em uma massa definida de solvente
Uma solução pode ser classificada de acordo com os estados
ou solução. As várias expressões são resumidas na Tabela 5-2.
nos quais o soluto e solvente ocorrem e, uma vez que exis-
tem três estados da matéria (gás, líquido e sólido cristalino),
há nove tipos possíveis de misturas homogêneas de soluto e
TABELA 5-1
solvente. Esses tipos, juntamente com alguns exemplos, estão
relacionados na Tabela 5-1. TIPOS DE SOLUÇÕES
Quando sólidos e líquidos se dissolvem em um gás para
Soluto Solvente Exemplo
formar uma solução gasosa, as moléculas do soluto podem ser
tratadas termodinamicamente como um gás. De modo similar, Gás Gás Ar
quando gases ou sólidos se dissolvem em líquidos, os gases Líquido Gás Água no oxigênio
e sólidos podem ser considerados como existindo no estado Sólido Gás Vapor de iodo no ar
líquido. Na formação de soluções sólidas, os átomos de um Gás Líquido Água gaseificada
gás ou líquido assumem posições em uma rede cristalina e se
Líquido Líquido Álcool em água
comportam como átomos ou moléculas de sólidos.
Os solutos (sejam gases, líquidos ou sólidos) são dividi- Sólido Líquido Solução aquosa de cloreto de sódio
dos em duas classes principais: não-eletrólitos e eletrólitos. Os Gás Sólido Hidrogênio em paládio
não-eletrólitos são substâncias que não formam íons quando Líquido Sólido Óleo mineral em parafina
dissolvidas em água e, portanto, não conduzem a corrente elé- Sólido Sólido Mistura ouro-prata, mistura de alúmens
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 135

TABELA 5-2
EXPRESSÕES DE CONCENTRAÇÃO
Expressão Símbolo Definição

Molaridade M,c Móis de soluto em 1 litro de solução


Normalidade N Equivalentes-grama de soluto em 1 litro de solução
Molalidade m Móis de soluto em 1.000 g de solvente
Fração molar X,N Quociente entre móis de um constituinte (p. ex., o soluto) de uma solução e o
número total de móis de todos os constituintes (soluto e solvente)
Porcentagem molar Móis de um constituinte em 100 móis da solução; a porcentagem molar é
obtida multiplicando-se a fração molar por 100
Porcentagem em massa % m/m Gramas de soluto em 100 g de solução
Porcentagem em volume % v/v Mililitros de soluto em 100 mL de solução
Porcentagem mássico-volumétrica % m/v Gramas de soluto em 100 mL de solução
Miligramas percentuais — Miligramas de soluto em 100 mL de solução

Molaridade e normalidade* nhecido, e varia para diferentes soluções de mesma concentração,


dependendo do soluto e do solvente envolvidos.
Molaridade e normalidade são expressões comumente usadas
em trabalhos analíticos.2 Todas as soluções de mesma mola-
ridade contêm o mesmo número de moléculas de soluto em Molalidade
um volume definido de solução. Quando uma solução contém
mais do que um soluto, ela pode ter diferentes concentrações Uma solução molal é preparada em termos de unidades más-
molares em relação aos vários solutos. Por exemplo, uma so- sicas e não tem as desvantagens há pouco discutidas. As con-
lução pode ser 0,001 M no que tange ao fenobarbital e 0,1 M centrações em termos de molalidade aparecem, portanto, mais
no que se refere ao cloreto de sódio. Um litro dessa solução freqüentemente do que a molaridade e a normalidade em estudos
é preparado adicionando-se 0,001 mol de fenobarbital (0,001 teóricos. É possível converter a molalidade em molaridade ou
mol × 232,32 g/mol = 0,2323 g) e 0,1 mol de cloreto de sódio normalidade se o volume final da solução for observado ou se a
(0,1 mol × 58,45 g/mol = 5,845 g) em água suficiente para densidade for determinada. Em soluções aquosas mais diluídas
fazer 1.000 mL de solução. do que 0,1 M, assume-se, usualmente, para propósitos práticos,
Algumas dificuldades são encontradas, eventualmente, que a molalidade e a molaridade são equivalentes. Por exemplo,
quando se quer expressar a molaridade de um íon ou de um radi- uma solução 1% em massa de cloreto de sódio com densidade
cal em uma solução. Uma solução molar de cloreto de sódio é 1 relativa de 1,0053 é 0,170 M e 0,173 molal (0,173 m). A seguinte
M tanto em relação ao íon sódio como ao íon cloreto, enquanto diferença entre soluções molares e molais deve ser, também, no-
que uma solução molar de Na2CO3 é 1 M tanto para o íon carbo- tada: se outro soluto, que não contém nem íons sódio nem íons
nato e 2 M como para o íon sódio, pois cada mol de sal contém 2 cloreto, for adicionado a um certo volume de uma solução molal
móis de íons sódio. Uma solução de cloreto de sódio é também de cloreto de sódio, a solução permanecerá 1 m em cloreto de
1 normal (1 N) no que se refere a ambos os íons. Uma solução sódio, embora o volume total e a massa da solução aumentem. A
molar de carbonato de sódio, contudo, é 2 N tanto para o íon molaridade, obviamente, diminui quando outro soluto for adicio-
sódio como para o íon carbonato. nado, por causa do aumento de volume da solução.
Soluções molares e normais são populares em Química, Soluções molais são preparadas adicionando-se uma mas-
pois delas se pode extrair facilmente, com o uso de uma bureta sa adequada de solvente a uma quantidade cuidadosamente
ou pipeta, uma alíquota de volume da solução que representa pesada de soluto. O volume de solvente pode ser calculado a
uma quantidade conhecida de soluto. partir da densidade e o solvente pode, então, ser medido com
Tanto a molaridade quanto a normalidade têm a desvantagem uma bureta, em vez de ser pesado.
de mudar seu valor com a temperatura, por causa da expansão ou
contração de líquidos, e não devem ser usadas quando se quer
estudar as propriedades de soluções a várias temperaturas. Outra Fração molar
dificuldade surge ao usar soluções molares e normais para o estu- A fração molar é muito usada em experimentos que envolvem
do de propriedades como a pressão de vapor e pressão osmótica, considerações teóricas, pois ela mede a proporção relativa de
que estão relacionadas à concentração do solvente. O volume do móis de cada constituinte na solução.
solvente em uma solução molar ou normal não costuma ser co- É expressa como
n1
X1
n1 n2 (5-1)
* N. de T.: Os conceitos de equivalente-grama e normalidade não são mais reco- n2
mendados pela IUPAC. O termo “molar” aplicado a uma solução de concen- X2
tração de um mol por litro também não é mais recomendado pela IUPAC. n1 n2 (5-2)
136 P ATRICK J. S INKO

para um sistema de dois constituintes. X1 é a fração molar do Móis de FeSO4 0 2732


Molaridade = = = 0 2732 M
constituinte 1 (o subscrito 1 é ordinariamente usado como Litros de solução 1 litro
a designação para o solvente), X2 é a fração molar do cons-
(b) Molalidade:
tituinte 2 (em geral, o soluto) e n1 e n2 são os números de
Gramas de solução = Volume × Densidade
móis dos respectivos constituintes na solução. A soma das
frações molares do soluto e solvente deve ser igual a 1. A 1000 × 1 0375 = 1037,5 g
fração molar é, também, expressa em termos percentuais Gramas de solvente = Gramas de solução− Gramas
multiplicando-se X1 ou X2 por 100. Em uma solução con- de FeSO4 = 1037 5 − 41 5 = 996 0 g
tendo 0,01 móis de soluto e 0,04 móis de solvente, a fração Móis de FeSO 4 0 2732
molar do soluto é X2 = 0,01/(0,04 + 0,01) = 0,20. Uma vez Molalidade = = = 0 2743 m
kg de solvente 0 996
que a soma das frações molares dos dois constituintes deve
ser igual a 1, a fração molar do solvente é 0,8. O percentual (c) Fração molar e porcentagem em móis:
em móis do soluto é 20%, enquanto que o percentual em 996
Móis de água = = 55 27 móis
móis do solvente é 80%. 18 02
O modo como a fração molar é definida permite expres-
Fração molar de FeSO4:
sar as relações entre o número de moléculas de soluto e o
Móis de FeSO 4 0 2732
número de moléculas de solvente de uma maneira simples e X2 = = = 0 0049
direta. No exemplo acima, é fácil de se ver que 2 de cada 10 Móis Móis 55 27 + 0 2732
+
Água FeSO4
moléculas na solução são moléculas de soluto, e depois será
observado que muitas das propriedades dos solutos e solven- Fração molar de água:
tes estão diretamente relacionadas às suas frações molares em 55 27
solução. Por exemplo, a pressão de vapor parcial sobre uma X1 = = 0 9951
55 27 + 0 2732
solução devida a um soluto volátil é igual à pressão de vapor
do soluto puro multiplicada pela fração molar do soluto na Note que
solução. X1 + X2 = 0 9951 + 0 0049 = 1 0000
Percentual em móis de FeSO4 = 0 0049 × 100 = 0 49%
Percentual em móis de água = 0 9951 × 100 = 99 51%
Expressões percentuais (d) Percentual em massa de FeSO4:
O método de porcentagem para a expressão de concentrações g de FeSO4
= × 100
de soluções farmacêuticas é bastante comum. A porcentagem g de solução
em peso significa o número de gramas de soluto por 100 g de 41 50
= × 100 = 4 00%
solução. Uma solução 10% em massa (% m/m) de glicerina 1037 5
contém 10 g de glicerina em água suficiente (90 g) para com-
pletar 100 g de solução. A porcentagem em volume é expressa
como o volume de soluto em mililitros contido em 100 mL Podemos usar a tabela de equações de conversão (Tabela
de solução. O álcool de uso farmacêutico contém 92,3% em 5-3) para converter uma expressão de concentração, por exem-
massa e 94,9% em volume de C2H5OH a 15,56 °C, ou seja, plo, a molalidade, para o valor de molaridade ou fração molar.
contém 92,3 g de C2H5OH em 100 g de solução ou 94,9 mL de De forma alternativa, quando se conhece a massa, w1, de um
C2H5OH em 100 mL de solução. solvente, a massa, w2, do soluto e a massa molar, M2, do solu-
to, podemos calcular a molaridade, c, ou a molalidade, m, da
Cálculos envolvendo expressões de concentração solução.* Como exercício, o leitor deve derivar uma expressão
relacionando X1 e X2 às massas w1 e w2 e à massa molar do
Os cálculos envolvendo as diversas expressões de concentra- soluto, M2. Os dados do Exemplo 5-1 são úteis para determinar
ção são ilustrados no exemplo seguinte. se a equação está correta.

EXEMPLO 5-1
Soluções de sulfato ferroso MASSAS EQUIVALENTES 2
Uma solução aquosa de sulfato ferroso (sulfato de ferro II) desse-
cado foi preparada adicionando-se 41,50 g de FeSO4 a uma quan- Um átomo-grama de hidrogênio tem massa de 1,008 g e
tidade de água suficiente para preparar 1.000 mL de solução a 18 consiste de 6,02 × 1023 átomos (Número de Avogadro) de
°C. A densidade da solução é 1,0375 e a massa molecular do FeSO4 hidrogênio. A massa de hidrogênio combina-se com 6,02 ×
é 151,9. Calcule (a) a molaridade; (b) a molalidade; (c) a fração 1023 átomos de flúor e com metade de 6,02 × 1023 átomos de
molar de FeSO4, a fração molar de água e a porcentagem em móis oxigênio. Um átomo-grama de flúor pesa 19 g e 1 átomo-
dos dois constituintes; e (d) a porcentagem em massa de FeSO4. grama de oxigênio pesa 16 g. Portanto, 1,008 g de hidrogê-
(a) Molaridade: nio se combina com 19 g de flúor e com metade de 16, ou
g of FeSO4
Móis de FeSO 4 =
Massa molecular
* N. de T.: Foi mantida a simbologia w1 para a massa do solvente e w2 para a
41 50
= = 0 2732 massa do soluto no lugar de m1 e m2 para evitar ambigüidade com o símbo-
151 9 lo de molalidade, m.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 137

atômicas é a seguinte (a equação para moléculas é bastante se-


TABELA 5-3 melhante a esta para átomos; ver no próximo parágrafo):
EQUAÇÕES DE CONVERSÃO PARA TERMOS DE Massa atômica
CONCENTRAÇÃO Massa equivalente
Número de equivalentes (5-3)
A. Molalidade (móis de soluto/kg de solvente, m) e por massa atômica (valência)
fração molar do soluto (X2):
m
O número de equivalentes por massa atômica, a saber, 1
X2 para o flúor e 2 para o oxigênio, é a valência desses elemen-
m tos. (Muitos elementos podem ter mais do que uma valência
M1 e, assim, várias massas equivalentes, dependendo da reação
X2 sob consideração.) O magnésio combina-se com dois átomos
m
M1 (1 − X 2 ) de flúor e cada flúor pode combinar-se com um átomo de hi-
drogênio. Assim, a valência do magnésio é 2, e sua massa
1 − X1) equivalente, de acordo com a equação (5-3), é metade de sua
M1 X 1 massa atômica (24/2 = 12 g/Eq). O alumínio combina-se com
B. Molaridade (móis de soluto/litro de solução, c) e três átomos de flúor; a valência do alumínio é, portanto, 3, e
fração molar do soluto (X2): sua massa equivalente é um terço da sua massa atômica, ou
c 27/3 = 9 g/Eq.
X2 O conceito de massas equivalentes não se aplica somente
ρ − cM2
c a átomos, mas também se estende a moléculas. A massa equi-
M1
valente do cloreto de sódio é idêntica a sua massa molar, 58,5
ρ X2 g/Eq, ou seja, a massa equivalente de cloreto de sódio é a soma
c
M1 (1 − X 2 ) M2 X 2 das massas equivalentes do sódio (23 g) e cloreto (35,5 g), ou
C. Molalidade (m) e molaridade (c): 58,5 g/Eq. A massa equivalente do cloreto de sódio é idêntica a
sua massa molar, 58,5 g, pois a valência do sódio e do cloreto
c
m é 1 no composto. A massa equivalente do Na2CO3 é numeri-
ρ − M2 c camente a metade de sua massa molar. A valência do íon car-
ρ bonato, CO32-, é 2, e sua massa equivalente é 60/2 = 30 g/Eq.
c
Embora a valência do sódio seja 1, dois átomos estão presentes
M2 no Na2CO3, fornecendo uma massa de 2 × 23 g = 46 g. Sua
m
massa equivalente é metade desta, ou 23 g/Eq. A massa equi-
D. Molalidade (m) e molaridade (c) em termos de massa
valente do Na2CO3 é, portanto, 30 + 23 = 53 g, que é metade
de soluto, w2, massa de solvente, w1, e massa molar,
da massa molecular. A relação entre massa equivalente e massa
M2, de soluto.
molecular para moléculas como NaCl e Na2CO3 é [comparar
w 2 M2 w2 com a equação (5-3) para átomos]
m
w1 w 1 M2 Massa equivalente (g Eq)
ρ w2 massa molar (g/mol)
c (5-4)
M2 (w 1 w2)
equivalente/mol
Definição de termos:
ρ = densidade da solução (g/cm3)
M1 = massa molar do solvente EXEMPLO 5-2
M2 = massa molar do soluto
X1 = fração molar do solvente Cálculo da massa equivalente
X2 = fração molar do soluto (a) Qual é o número de equivalentes por mol de K3PO4, e qual é
w1 = massa do solvente (g, mg, kg, etc.) a massa equivalente desse sal? (b) Qual é a massa equivalente do
w2 = massa do soluto (g, mg, kg, etc.)
KNO3? (c) Qual é o número de equivalentes por mol do Ca3(PO4)2,
e qual é a massa equivalente desse sal?
(a) K3PO4 representa 3 Eq/mol, e sua massa equivalente é nu-
seja, 8 g de oxigênio. As quantidades de flúor e oxigênio mericamente igual a um terço da sua massa molar, a saber, 212 g/
combinando-se com 1,008 g de hidrogênio são chamadas mol ÷ 3 Eq/mol = 70,7 g/Eq.
de massas equivalentes dos átomos que se combinam. Um (b) A massa equivalente do KNO3 é igual a sua massa mole-
equivalente (Eq) de flúor (19 g) combina-se com 1,008 g de cular, ou seja, 101 g/Eq.
hidrogênio. Um equivalente de oxigênio (8 g) também se (c) O número de equivalentes por mol de Ca3(PO4)2 é 6 (ou
combina com 1,008 g de hidrogênio. seja, três íons cálcio, cada um com valência de 2, ou dois íons
Observa-se que 1 massa equivalente (19 g) de flúor é idên- fosfato, cada um com valência de 3). A massa equivalente do
tica a sua massa atômica, mas este não é o caso para o oxigê- Ca3(PO4)2 é, portanto, um sexto da sua massa molar, ou 310/6
nio: sua massa equivalente (8 g) é igual à metade de sua massa = 51,7 g/Eq.
atômica. Expresso de outra maneira, a massa atômica do flúor
contém 1 Eq de flúor, enquanto que a massa atômica do oxigê- Para um sal complexo, como o fosfato monobásico de po-
nio contém 2 Eq. A equação que relaciona essas quantidades tássio (fosfato ácido de potássio), KH2PO4 (massa molecular
138 P ATRICK J. S INKO

136 g), a massa equivalente depende de como o composto é mg litro


73 5 mg mEq =
usado. Se ele for usado por seu conteúdo de potássio, sua mas- 5 mEq litro
sa equivalente é idêntica a sua massa molar, ou seja, 136 g. 73 5 mg mEq × 5 mEq litro = 367 5 mg litro
Quando for usado como tampão por causa de seu conteúdo 750 mL
Para 750 cm3 367 5 × = 275 6 mg de CaCl 2 · 2H2 O
de hidrogênio, sua massa equivalente é metade de sua massa mL
molar, 136/2= 68 g, porque dois átomos de hidrogênio estão
presentes. Quando ele for usado por causa de seu conteúdo de
fosfato, sua massa equivalente é um terço de sua massa molar, EXEMPLO 5-4
136/3 = 45,3 g, porque a valência do fosfato é 3. Massa equivalente e massa molar
Conforme definida na Tabela 5-2, a normalidade de Calcular o número de equivalentes por litro de cloreto de potássio,
uma solução é a massa equivalente de soluto em 1 litro massa molar 74,55 g/mol, presente em uma solução 1,15% m/v de
de solução. Para NaF, KNO3 e HCl, o número de massas KCl.
equivalentes é igual ao número de massas molares e a nor- Usando a equação (5-5) e notando-se que a massa equivalente
malidade é idêntica à molaridade. Para o H3PO4, a massa do KCl é idêntica à sua massa molar, obtemos
equivalente é um terço da massa molar, 98 g/3 = 32,67 g/
11 5 g litro
Eq, assumindo-se que a reação é completa. Uma solução 74 55 g Eq =
Eq litro
1 N de H3PO4 é preparada pesando-se 32,67 g de H3PO4
e avolumando-se a 1 litro com água. Para uma solução 1 (11 5 g litro) (74 55 g Eq) = 0 154 Eq litro (ou 154 mEq litro)
N de bissulfato de sódio (sulfato ácido de sódio), NaHSO4
(massa molar 120 g), a massa de sal depende do uso preten-
dido para as espécies de sal. Se usado como uma solução de EXEMPLO 5-5
sódio ou hidrogênio, a massa equivalente será igual à massa Conteúdo de sódio
molar, ou 120 g/Eq. Se a solução for usada por causa do seu Qual é o conteúdo de Na + em mEq/litro de uma solução contendo
conteúdo de sulfato, então 120/2 = 60 g de NaHSO4 deverão 5,00 g de NaCl por litro de solução? A massa molar e portanto a
ser pesados e água suficiente para formar 1 litro de solução massa equivalente de NaCl é 58,5 g/Eq ou 58,5 mg/mEq.
deverá ser adicionada.
mg litro 5000 mg litro
Na terapia de substituição de eletrólitos em hospitais, so- mEq litro = =
mg mEq 58 5 mg mEq
luções contendo vários eletrólitos são injetadas no paciente
para corrigir graves desequilíbrios eletrolíticos. As concentra- = 85 47 mEq de Na+ por litro
ções são usualmente expressas como equivalentes por litro ou
miliequivalentes por litro. Por exemplo, a concentração plas-
mática normal de íons sódio em humanos é cerca de 142 mEq/
litro; e a concentração plasmática de íon bicarbonato, HCO3–, SOLUÇÕES IDEAIS E REAIS
é 27 mEq/litro. A equação (5-4) é útil para se calcular a quan-
tidade de sais necessária para preparar soluções de eletrólitos Conforme mencionado anteriormente, as propriedades coliga-
na prática hospitalar. Os móis no numerador e denominador tivas de não-eletrólitos são, em geral, regulares. No entanto,
da equação (5-4) podem ser substituídos por, digamos, litros, soluções de eletrólitos mostram desvios aparentes. O restante
resultando em: deste capítulo está relacionado a soluções de não-eletrólitos,
Gramas litro exceto quando a comparação com um sistema de eletrólitos é
Massa equivalente (em g Eq) (5-5)
Equivalentes litro desejável por causa da clareza. As soluções de eletrólitos serão
abordadas no Capítulo 6.
ou Um gás ideal foi definido, no Capítulo 2, como aquele no
Massa equivalente (em mg mEq) qual não há atração entre as moléculas, e mostrou-se desejável
Miligramas litro estabelecer a equação de um gás ideal, que determina as pro-
Miliequivalentes litro (5-6) priedades dos gases reais na medida em que a pressão tende
a zero. Conseqüentemente, a lei dos gases ideais é chamada
A massa equivalente (análoga à massa molar) é expres- de lei limite. É conveniente definir uma solução ideal como
sa em g/Eq, ou, o que resulta nas mesmas unidades, em mg/ aquela na qual não há alterações nas propriedades dos com-
mEq. ponentes, exceto a diluição, quando eles são misturados para
formar a solução. Não há calor liberado ou absorvido durante
EXEMPLO 5-3 o processo de mistura, e o volume final da solução representa
uma propriedade aditiva dos constituintes individuais. Expres-
Ca2+ no plasma humano so de outra maneira, não há contração ou expansão quando as
O plasma humano contém cerca de 5 mEq/litro de íons cálcio. substâncias são misturadas. As propriedades constitutivas, por
Quantos miligramas de cloreto de cálcio diidratado, CaCl2•2H2O, exemplo, a pressão de vapor, o índice de refração, a tensão su-
(massa molar 147 g/mol), são necessários para se preparar 750 mL perficial e a viscosidade da solução, são médias ponderadas
de uma solução cujo conteúdo em Ca2+ seja igual ao do plasma das propriedades dos constituintes individuais puros.
humano? A massa equivalente do sal diidratado CaCl2 • 2H2O é Soluções ideais são formadas misturando-se substâncias
metade de sua massa molar, 147/2 = 73,5 g/Eq, ou 73,5 mg/mEq. com propriedades similares. Por exemplo, quando 100 mL de
Usando a equação (5-6), obtemos metanol for misturado com 100 mL de etanol, o volume final
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 139

Soluções ideais e lei de Raoult


CONCEITO IDEALIDADE A pressão de vapor de uma solução é uma propriedade particu-
larmente importante, porque serve como expressão quantitati-
A idealidade em um gás implica que as forças atrativas estejam va de tendência de escape. Em 1887, Raoult reconheceu que,
a completa ausência de forças ausentes. Contudo, se, em uma em uma solução ideal, a pressão parcial de vapor de cada cons-
atrativas, mas a idealidade de mistura de moléculas A e B as tituinte volátil é igual à pressão de vapor do constituinte puro
uma solução implica a com- forças entre A e A, B e B, e A e multiplicada por sua fração molar na solução. Assim, para dois
pleta uniformidade das forças B forem todas de mesma mag- constituintes, A e B,
atrativas. Uma vez que um lí- nitude, a solução é considerada
pA pA◦ X A (5-7)
quido é um estado altamente ideal, de acordo com a defini-
condensado, não se espera ção acima. pB pB ◦ X B (5-8)
onde pA e pB são as pressões parciais de vapor dos constituintes
na solução quando suas frações molares são XA e XB, respec-
tivamente. As pressões de vapor dos componentes puros são,
da solução é 200 mL e não há calor liberado ou absorvido.
respectivamente, pA° e pB°. Por exemplo, se a pressão de vapor
Essa solução é aproximadamente ideal.
do cloreto de etileno em estado puro for 236 mm Hg a 50 °C,
Quando 100 mL de ácido sulfúrico for combinado com
então, em uma solução consistindo de uma fração molar de
100 mL de água, contudo, o volume da solução é cerca de 180
0,4 de cloreto de etileno e 0,6 de benzeno, a pressão parcial de
mL a temperatura ambiente, e a mistura é acompanhada por
vapor do cloreto de etileno será 40% de 236 mm, ou 94,4 mm.
uma liberação considerável de calor. A solução é dita ser não-
Assim, em uma solução ideal, quando o líquido A for mistu-
ideal ou real. Assim como para os gases, algumas soluções são
rado com o líquido B, a pressão de vapor de A será reduzida
bastante ideais em concentrações moderadas, enquanto outras
devido à diluição em B em uma forma que depende das frações
se aproximam da idealidade apenas sob extrema diluição.
molares de A e B presentes na solução final. Isso diminuirá a
tendência de escape de cada constituinte, levando a uma redu-
Tendência de escape3 ção na velocidade de escape das moléculas de A e B a partir da
superfície do líquido.
Dois corpos estão em equilíbrio térmico quando suas tem-
peraturas forem iguais. Se um corpo for aquecido até uma EXEMPLO 5-6
temperatura superior à do outro, o calor fluirá “colina abai-
xo” de corpo mais quente para o corpo mais frio até que Pressão parcial de vapor
ambos estejam novamente em equilíbrio térmico. Podemos Qual será a pressão parcial de vapor de benzeno e de cloreto de
descrever esse processo de outra maneira usando o conceito etileno em uma solução na qual a fração molar do benzeno é 0,6?
de tendência de escape, e dizer que o calor no corpo quen- A pressão de vapor de benzeno puro a 50 °C é 268 mm e a pressão
te possui maior tendência de escape do que no corpo frio. de vapor do cloreto de etileno puro é 236 mm Hg. Nós temos:
A temperatura é uma medida quantitativa da tendência de p B = 268 × 0 6 = 160 8 mm
escape do calor, e no equilíbrio térmico, quando ambos os p A = 236 × 0 4 = 94 4 mm
corpos finalmente encontram-se com a mesma temperatura, a
tendência de escape de cada constituinte é a mesma em todas
Se componentes voláteis adicionais estiverem presentes
as partes do sistema.
na solução, cada um produzirá uma pressão parcial sobre a
Uma medida quantitativa das tendências de escape de
solução, a qual pode ser calculada a partir da Lei de Raoult.
substâncias materiais sofrendo transformações físicas e quí-
A pressão total será a soma das pressões parciais de todos os
micas é a energia livre. Para uma substância pura, a energia
constituintes. No Exemplo 5-6, a pressão de vapor total P é
livre por mol, ou energia livre molar, fornece uma medida
assim calculada:
da tendência de escape. Para o constituinte de uma solução
é a energia livre molar parcial ou o potencial químico que é P p A p B 160 8 94 4 255 2 mm
usado como expressão da tendência de escape. O potencial A curva de pressão de vapor-composição para o sistema bi-
químico foi discutido no Capítulo 3. A energia livre de 1 mol nário benzeno e cloreto de etileno a 50 °C é mostrada na Figura
de gelo é maior do que a de 1 mol de água líquida a 1 atm 5-1. As três linhas representam a pressão parcial do cloreto de
acima de 0 °C e o gelo é, então, espontaneamente convertido etileno, a pressão parcial do benzeno e a pressão total da solu-
em água porque ção como uma função da fração molar dos constituintes.
G G liq − G gelo < 0
A 0 °C, temperatura na qual o sistema está em equilíbrio, Aerossóis e lei de Raoult
as energias livres molares do gelo e da água líquida são idên-
ticas e ΔG = 0. Em termos de tendência de escape, podemos Sistemas de dispensação baseados em aerossóis têm sido
dizer que acima de 0 °C a tendência de escape do gelo é maior usados como meio para alguns fármacos desde o início dos
do que a tendência de escape da água líquida, enquanto que no anos 1950. Um aerossol contém o fármaco concentrado em
equilíbrio as tendências de escape da água em ambas as fases um solvente e uma mistura propelente com características
são idênticas. de vapor adequadas. Triclorometano (designado como pro-
140 P ATRICK J. S INKO

Soluções reais
Pressão de vapor total
A idealidade em soluções pressupõe a completa uniformidade
de forças atrativas. São conhecidos muitos exemplos de pares
que formam soluções, nos quais a atração “coesiva” de A para
A excede a atração “adesiva” entre A e B. De modo similar, às
vezes as forças atrativas entre A e B podem ser maiores que
Pressão de vapor (mm Hg)

aquelas entre A e A e entre B e B. Isso pode ocorrer inclusive


em líquidos que são miscíveis em todas as proporções. Tais
misturas são reais ou não-ideais, ou seja, elas não obedecem
à lei de Raoult em toda a faixa de composições. São conheci-
dos dois tipos de desvios da lei de Raoult: desvios negativos e
desvios positivos.
Quando as atrações de adesão entre moléculas de es-
pécies diferentes excedem as atrações de coesão entre
moléculas iguais, a pressão de vapor da solução é menor
do que o esperado pela lei de Raoult das soluções ideais e
1,0
ocorre um desvio negativo. Se o desvio for suficientemente
Benzeno Cloreto de grande, a curva da pressão de vapor total exibe um mínimo,
Fração molar de como observado na Figura 5-2, onde A é clorofórmio e B
etileno
Cloreto de etileno
é acetona.
Figura 5-1 Curva pressão de vapor-composição para um sistema binário ideal. Espera-se que a diluição do constituinte A por adição de
B reduza a pressão de vapor de A. Esse é o efeito de diluição
implícito na lei de Raoult. No caso de pares de líquidos que
exibem desvio negativo em relação à lei de Raoult, contudo, a
pelente 11) e diclorodifluormetano (designado como prope- adição de B em A tende a reduzir a pressão de vapor de A em
lente 12) são usados em diversas proporções para resultar uma extensão maior do que se esperaria pelo simples efeito de
em pressão de vapor e densidade adequadas a temperatura diluição. Clorofórmio e acetona manifestam uma atração mú-
ambiente. Embora ainda usados com fármacos, esses hidro- tua por meio da formação de uma ligação de hidrogênio, desse
carbonetos halogenados não são mais usados em aerossóis modo reduzindo a tendência ao escape de cada constituinte.
cosméticos e foram substituídos por nitrogênio e por hidro- Esse par forma o composto fraco,
carbonetos não-substituídos. Cl3 C H · · · O C(CH3 )2
o qual pode ser isolado e identificado. Reações entre moléculas
EXEMPLO 5-7 dipolares ou entre uma molécula dipolar e uma molécula não-
Pressão de vapor de um aerossol polar também podem levar a desvios negativos. As interações
A pressão de vapor do propelente puro 11 (massa molar 137,4)
a 21 °C é p11° = 13,4 lb/pol2 (psi) e a pressão do propelente puro
12 (massa molar 120,9) é p12° = 84,9 psi. Uma mistura 50:50
em massa dos dois propelentes consiste de 50 g ÷ 137,4 g/mol
= 0,364 mol de propelente 11 e 50 g ÷ 120,9 g/mol = 0,414 mol
de propelente 12. Qual é a pressão parcial dos propelentes 11 e
12 na mistura e qual é a pressão de vapor total dessa mistura? Pressão de vapor total
Pressão de vapor (mm Hg)

Podemos escrever
n11 0 364
p11 = p11 0 = (13 4) = 6 27 psi
n11 + n12 0 364 + 0 414
n12 0 414
p12 = p12 0 = (84 9) = 45 2 psi
n11 + n12 0 364 + 0 414
A pressão de vapor total da mistura é:
6 27 + 45 2 = 51 5 psi
Para converter para pressão calibrada (psi gauge, psig), sub-
trai-se a pressão atmosférica (14,7 psi):
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
51 5 − 14 7 = 36 8 psig 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0
Fração molar
Os valores anteriores de psi são medidos em relação à pressão
zero e não à atmosférica, e às vezes se escreve psia para significar
Figura 5-2 Pressão de vapor de um sistema exibindo desvio negativo da Lei
pressão absoluta.
de Raoult.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 141

Essas observações tornam-se claras quando se constata,


na Figura 5-2, que a curva da pressão de vapor real do clo-
rofórmio (componente A) se aproxima a curva ideal definida
Pressão de vapor total pela lei de Raoult à medida que a composição da solução
se aproxima à do clorofórmio puro. A lei de Raoult pode
ser usada para descrever o comportamento do clorofórmio
quando ele estiver presente em altas concentrações (ou seja,
quando ele for o solvente). A equação ideal não é aplicável à
Pressão de vapor (mm Hg)

acetona (componente B), contudo, que está presente em bai-


xas concentrações nessa região do diagrama, porque a curva
real para a acetona não coincide com a linha ideal. Quando
se estuda o lado esquerdo da Figura 5-2, observa-se que as
condições agora são reversas: a acetona é considerada o sol-
vente e sua curva de pressão de vapor tende a coincidir com a
curva ideal. O clorofórmio é o soluto nessa faixa e sua curva
não se aproxima da linha ideal. Considerações similares se
aplicam à Figura 5-3.

Lei de Henry
Observamos que as curvas de pressão de vapor para cloro-
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 fórmio e acetona, enquanto solutos, se encontram considera-
1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0 velmente abaixo da pressão de vapor de uma mistura ideal
Fração molar do par. As moléculas de soluto, em quantidade relativamente
Figura 5-3 Pressão de vapor de um sistema exibindo desvio positivo da lei pequena nas duas regiões do diagrama, encontram-se comple-
de Raoult. tamente circundadas de moléculas de solvente e residem em
um ambiente uniforme. Desse modo, a pressão parcial ou a
tendência ao escape do clorofórmio em baixa concentração
é proporcional também a sua fração molar, mas, como se ob-
nesses casos, contudo, costumam ser tão fracas que nenhum serva na Figura 5-2, à constante de proporcionalidade não é
composto definido pode ser isolado. igual à pressão de vapor da substância pura. A relação entre
Quando as interações entre as moléculas A e B forem me- pressão de vapor e composição para um soluto não pode ser
expressa pela Lei de Raoult, mas sim por uma equação conhe-
nores do que aquelas entre as moléculas dos constituintes pu-
cida como lei de Henry:
ros, a presença de moléculas de B reduz a interação das molé-
culas de A entre si e de modo análogo reduz a interação B-B. psoluto ksoluto X soluto (5-10)
Assim, a diferença de polaridades ou “pressões internas” dos onde k, para o clorofórmio, é menor do que p°CHCl3. A lei de
constituintes resulta em maior tendência de escape de ambos Henry se aplica ao soluto e a lei de Raoult se aplica ao sol-
os tipos de moléculas A e B. A pressão parcial de vapor dos vente em soluções de pares líquidos reais. A lei de Raoult
constituintes é maior do que a esperada pela lei de Raoult e também se aplica sobre a faixa inteira de concentrações (tanto
diz-se que o sistema exibe um desvio positivo. A pressão de para o solvente quanto para o soluto) quando os constituintes
vapor total muitas vezes exibe um máximo em uma compo- são suficientemente similares para formar uma solução ideal.
sição particular se o desvio for bastante grande. Um exemplo Sob qualquer circunstância, quando as pressões parciais de
de desvio positivo é mostrado na Figura 5-3. Pares líquidos vapor de ambos os constituintes forem diretamente propor-
que mostram desvio positivo são benzeno e álcool etílico, dis- cionais à fração molar sobre a faixa inteira de concentração,
sulfeto de carbono e acetona e clorofórmio e álcool etílico. a solução é dita ideal. Nessas circunstâncias, a lei de Henry
A lei de Raoult não se aplica sobre toda a faixa de con- se torna idêntica à de Raoult, e k se torna igual a p°. A lei de
centrações em uma solução não-ideal. Ela descreve o compor- Henry é usada para o estudo de solubilidade de gases e é dis-
tamento de cada um dos componentes de um par líquido real cutida no Capítulo 10.
apenas quando a substância em questão estiver presente em
altas concentrações e, portanto, possa se considerada o solven- Destilação de misturas binárias
te. A lei de Raoult pode ser expressa como
psolvente p ◦solvente X solvente (5-9) A relação entre a pressão de vapor (e, portanto, o ponto de
ebulição) e a composição de fases binárias líquidas é o princí-
situação no qual ela é válida apenas para o solvente de uma pio subjacente à destilação. No caso de líquidos miscíveis, em
solução não-ideal que seja suficientemente diluída no que diz vez de representarmos graficamente a pressão de vapor versus
respeito ao soluto. Ela não se aplica àquele componente que composição, é mais útil a representação dos pontos de ebuli-
está em baixas concentrações – no caso, o soluto – em solu- ção das várias misturas, determinadas sob pressão atmosférica,
ções não-ideais diluídas. contra a composição.
142 P ATRICK J. S INKO

os componentes A puro ou B puro sairão no destilado. Se as


curvas de pressão de vapor exibirem um máximo (mostrando,
assim, um desvio positivo da lei de Raoult), o azeótropo terá
o menor de todos os pontos de ebulição e formará o destilado,
enquanto que A puro ou B puro permanecerão no frasco.
Quando uma mistura de HCl e água for destilada a pres-
Vapor são atmosférica, obtém-se um azeótropo que contém 20,22%
Temperatura

em massa de HCl e que entra em ebulição a 108,58 °C. A


composição dessa mistura é exata e suficientemente repro-
dutível a ponto da solução poder ser usada como um padrão
Líquido na química analítica. Misturas de água e ácido acético e de
clorofórmio e acetona resultam em misturas azeotrópicas
com máximos nas curvas de ponto de ebulição e mínimos nas
curvas de pressão de vapor. Misturas de etanol e água e de
metanol e benzeno mostram o comportamento oposto, a sa-
ber, mínimos nas curvas de ponto de ebulição e máximos nas
curvas de pressão de vapor.
Fração molar Quando uma mistura de dois líquidos praticamente imis-
Figura 5-4 Diagrama de ponto de ebulição de uma mistura binária ideal. cíveis for aquecida sob agitação de modo a expor as superfí-
cies de ambos os líquidos à fase vapor, cada constituinte deve
exercer de maneira independente a sua própria pressão de
vapor em uma função da temperatura, como se o outro cons-
Quanto maior for a pressão de vapor de um líquido, ou tituinte não estivesse presente. A ebulição começa e a desti-
seja, quanto mais volátil for o líquido, menor será o seu ponto lação pode ser realizada quando a soma das pressões parciais
de ebulição. Uma vez que o vapor de uma mistura binária é dos dois líquidos imiscíveis excede levemente a pressão at-
sempre mais rico no constituinte mais volátil, o processo de mosférica. Tal princípio é conhecido como destilação por ar-
destilação pode ser usado para separar o constituinte mais vo- raste de vapor, por meio do qual muitos compostos orgânicos
látil do menos volátil. A Figura 5-4 mostra a mistura de um insolúveis em água podem ser purificados a uma temperatura
líquido A, de alto ponto de ebulição, com um líquido B, de muito abaixo do ponto no qual começa a ocorrer a decomposi-
baixo ponto de ebulição. Uma mistura dessas substâncias com ção. Assim, bromobenzeno isolado entra em ebulição a 156,2
a composição a destila no ponto de ebulição b. A composição °C, enquanto a água entra em ebulição a 100 °C sob a pressão
do vapor v1 em equilíbrio com o líquido nessa temperatura é c. de 760 mm Hg. A mistura de ambos, contudo, em qualquer
Esta também é a composição do destilado, quando ele for con- proporção, entra em ebulição a 95 °C. O bromobenzeno pode,
densado. O vapor é, portanto, mais rico em B do que o líquido portanto, ser destilado a uma temperatura 61 °C abaixo de seu
a partir do qual ele foi destilado. Se uma coluna de fraciona- ponto de ebulição normal. A destilação por arraste de vapor
mento for usada, A e B podem ser completamente separados. é particularmente útil para se obter óleos voláteis a partir de
O vapor que sobe na coluna encontra o vapor condensado ou tecidos de plantas, sem decompor esses óleos.
o líquido que flui para baixo. Quando o vapor ascendente for
resfriado pelo contato com o líquido, algo da fração de baixo
ponto de ebulição condensa e o vapor contém mais do com-
ponente volátil do que ele continha quando deixou o balão de PROPRIEDADES COLIGATIVAS
destilação. À medida que o vapor sobe na coluna de fraciona-
mento, ele se torna progressivamente mais rico no componente Quando um soluto não-volátil for combinado com um sol-
mais volátil B e o líquido, retornando ao balão de destilação, vente volátil, o vapor sobre a solução provém apenas do sol-
torna-se cada vez mais rico no componente menos volátil A. vente. O soluto reduz a tendência de escape do solvente e,
A Figura 5-4 mostra a situação de um par de líquidos mis- com base na lei de Raoult, a pressão de vapor da solução
cíveis exibindo comportamento ideal. Uma vez que as curvas contendo o soluto não-volátil é diminuída de modo propor-
de pressão de vapor podem exibir máximos e mínimos (ver as
Figuras 5-2 e 5-3), as curvas de ponto de ebulição também exi-
birão, respectivamente, mínimos e máximos correspondentes.
Com essas misturas, a destilação produz o componente puro
A ou o componente puro B, mais uma mistura de composição CONCEITO PROPRIEDADES COLIGATIVAS
e ponto de ebulição constantes. Esta última é conhecida como
um azeótropo (do grego: “que entra em ebulição inalterado”)
ou mistura azeotrópica. Não é possível separar tal mistura de O ponto de congelamento, o des são chamadas de proprie-
modo completo em seus dois componentes puros mediante ponto de ebulição e a pressão dades coligativas (do grego:
uma simples destilação fracionada. Se as curvas de pressão de osmótica de uma solução tam- “colecionadas juntamente”)
vapor exibirem um mínimo (ou seja, um desvio negativo da lei bém dependem da proporção porque dependem principal-
de Raoult), o azeótropo terá o mais elevado dos pontos de ebu- relativa de moléculas de soluto mente do número e não da na-
lição de todas as misturas possíveis. Ele é, portanto, o menos e de solvente. Essas proprieda- tureza dos constituintes.
volátil e permanecerá no frasco, como resíduo, enquanto que
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 143

cional ao número relativo (e não à concentração em massa) centagem: a pressão de vapor da solução diminuiu 0,89% pela
das moléculas de soluto. adição de 0,5 móis de sacarose.
A fração molar, n2/(n1 + n2), é aproximadamente igual à
razão molar, n2/n1, e, portanto, pode ser substituída por esta em
Abaixamento da pressão de vapor uma solução diluída, como a do exemplo. Assim, o abaixamen-
to relativo da pressão de vapor pode ser expresso em termos da
De acordo com a lei de Raoult, a pressão de vapor, p1, de um concentração molal do soluto, considerando-se uma massa de
solvente sobre uma solução diluída é igual à pressão de vapor solvente, w1, igual a 1.000 g. Para uma solução aquosa,
do solvente puro, p1°, multiplicada pela fração molar do sol-
vente na solução, X1. Uma vez que o soluto sob discussão é p ∼ n2 w 2 M2 m
X2 0 018 m (5-16)
considerado como não-volátil, a pressão de vapor do solvente, p1 ◦ n1 M1 55 5
p1, é idêntica à pressão total da solução, p.
É mais conveniente expressar a pressão de vapor da so-
lução em termos da concentração do soluto e não da fração EXEMPLO 5-9
molar do solvente, e isso pode ser feito da seguinte maneira: a Cálculo da pressão de vapor
soma das frações molares dos constituintes em uma solução é
Calcular a pressão de vapor quando 0,5 mol de sacarose é adicio-
igual a 1:
nado a 1.000 g de água a 20 °C. A pressão de vapor da água a 20
X1 X2 1 (5-11) °C é 17,54 mm Hg. O abaixamento relativo da pressão de vapor
Portanto, na solução é
X1 1 − X2 (5-12) Δp = p1 ◦ X2 ∼
= p1 ◦ × 0 018 × m
onde X1 é a fração molar do solvente e X2 é a fração molar do = 17 54 × 0 018 × 0 5
soluto. A equação de Raoult pode ser modificada substituindo- = 0 158 mm ∼= 0 16 mm
se a equação (5-12) para X1 resultando em: A pressão de vapor final é
p p1 ◦ (1 − X 2 ) 17 54 − 0 16 = 17 38 mm
p1 ◦ − p p1 ◦ X 2
p1 ◦ − p p n2
X2 Determinação da pressão de vapor de soluções
p1 ◦ p1 ◦ n1 n2
Na equação (5-15), Δp = p1° – p é o abaixamento da pres- A pressão de vapor de uma solução pode ser determinada de
são de vapor e Δp/p1° é o abaixamento relativo da pressão de forma direta por meio de um manômetro e o abaixamento da
vapor.* O abaixamento relativo da pressão de vapor depen- pressão de vapor é, então, obtido subtraindo-se a pressão de
de apenas da fração molar do soluto, X2, ou seja, do número vapor da solução da pressão de vapor do solvente puro. Para
de partículas de soluto em um volume definido de solução. O soluções aquosas diluídas, contudo, o abaixamento da pressão
abaixamento relativo da pressão de vapor, portanto, é uma pro- de vapor, como visto no Exemplo 5-9, é muito pequeno, a pon-
priedade coligativa. to de produzir um grande erro de medida. Manômetros dife-
renciais precisos têm sido desenvolvidos e podem ser usados
para medir pequenas diferenças na pressão de vapor.4
EXEMPLO 5-8
O método isopiéstico é usado freqüentemente para deter-
Abaixamento relativo da pressão de vapor de uma solução minar de forma precisa a pressão de vapor. A solução cuja
Calcular o abaixamento relativo da pressão de vapor a 20 °C para pressão de vapor será determinada e uma solução contendo
uma solução contendo 171,2 g de sacarose (w2) em 100 g (w1) de
água. A massa molar da sacarose (M2) é 342,3 e a massa molar da
água é 18,02 g/mol. Temos: Válvula
w2 171 2
Móis de sacarose = n2 = = = 0 500
M2 342 3
w1
Móis de água = n1 = = 18 02 = 55 5
M1
Δp n2
= X2 = Recipiente
p1 ◦ n1 + n2
evacuado
Δp 0 50
= = 0 0089
p1 ◦ 55 5 + 0 50
Copo Bloco
de prata de cobre
Note que, no Exemplo 5-8, o abaixamento relativo da pres-
são de vapor é um número adimensional, como se espera da
sua definição. O resultado pode ser expresso também em por-

* N. de T.: Ou efeito tonoscópico. Figura 5-5 Aparelhagem para o método isopiéstico.


144 P ATRICK J. S INKO

Cobre
CONCEITO OSMOLALIDADE
Manganin Na maioria das soluções, va- de qualquer dessas proprie-
riações na concentração são dades fornece uma indicação
Termojunção
acompanhadas por variações indireta da osmolalidade,
lineares e proporcionais nas mas, dentre essas, apenas
propriedades coligativas do a pressão de vapor pode ser
solvente – pressão de vapor, determinada passivamente
Constantan
ponto de congelamento e sem uma mudança forçada
Figura 5-6 Aparelhagem de Hill-Baldes para a determinação termoelétrica ponto de ebulição. A medida no estado físico da amostra.
da pressão de vapor. (Segundo E. J. Baldes, J. Sci. Instr. 11, 223, 1934.)

um soluto padrão, por exemplo, cloreto de potássio, são colo- tura no ponto de condensação, o potencial determinado será
cadas em pratos separados em um recipiente fechado, como proporcional ao abaixamento de pressão de vapor. Soluções-
mostra a Figura 5-5. O vapor da solução com pressão de va- padrão são usadas para calibrar as leituras do potencial versus
por mais elevada passará para aquela com pressão de vapor pressões de vapor conhecidas a temperatura ambiente. Esse
menor até que as pressões de ambas as soluções sejam iguais, instrumento tem sido aplicado para a quantificação de sódio
ou seja, isopiésticas (do grego: “pressões iguais”). Quando
em soluções isotônicas9 e para o estudo de propriedades coli-
não há mais alteração na massa, as soluções são analisadas
gativas em soluções parenterais.10
para que sejam determinadas suas concentrações. As pressões
Não é apropriado descrever esse instrumento como um
de vapor de soluções de cloreto e potássio foram determinadas
“osmômetro”. Vários instrumentos termoelétricos de me-
de modo preciso e tabelas desses valores encontram-se dispo-
dida de pressão de vapor e ponto de congelamento têm sido
níveis na literatura. A pressão de vapor da solução-teste, que é
denominados de “osmômetros”, mesmo que não haja difu-
isopiéstica, com a solução de cloreto de potássio, é facilmen-
são através de membrana envolvida na operação. Talvez seja
te obtida. Sabendo-se a pressão da água nessa temperatura, é
mais apropriado chamá-los de “diferenciômetros de pressão
fácil calcular o abaixamento da pressão de vapor da solução.
Robinson e Sinclair e Scatchard e colaboradores5 discutem os de vapor”. A UIC (Joliet,Ill.; http://www.uicinc.com/) produz
detalhes do método. osmômetros de pressão de vapor, osmômetros de membrana
Hill e Baldes6 descreveram uma aparelhagem consistin- e osmômetros coloidais/oncóticos para a análise automática
do, essencialmente, na combinação de vários fios de diferentes de sangue e fluidos biológicos. A osmometria de membrana
ligas formando dois laços e conectados a um galvanômetro, funciona da seguinte maneira: uma diferença de potencial quí-
como mostrado na Figura 5-6, para a determinação das pres- mico através da membrana é estabelecida quando um solvente
sões relativas de vapor de pequenas quantidades de líquidos. puro e uma solução com este solvente são separadas por uma
Esse método termoelétrico depende da medida da mudança no membrana permeável ao solvente, mas não ao soluto. A dife-
potencial à medida que uma solução de pressão de vapor co- rença de potencial químico, por sua vez, causará a migração de
nhecida e uma desconhecida evaporam em uma câmara man- moléculas do solvente, através da membrana, do lado no qual
tida com umidade constante. O abaixamento da pressão de va- elas estão presentes em concentração mais elevada (no caso,
por da solução é, então, obtido a partir de uma curva-padrão de o solvente puro) para o lado no qual elas estão presentes em
pressão de vapor versus leituras de potencial no galvanômetro. menor concentração (a solução), até que o sistema retorne ao
O método tem sido usado para estudar as propriedades coliga- equilíbrio. Se for colocada uma restrição adicional no sistema,
tivas de soluções oftálmicas.7 de modo que o solvente puro esteja confinado em uma câmara
Uma variação moderna do método termoelétrico para a ou “célula” de volume fixo, a migração de moléculas de sol-
determinação do abaixamento da pressão de vapor está incor- vente através da membrana resultará em redução da pressão
porado no “osmômetro” de pressão de vapor de Wescor (http:// na célula do solvente até que a diminuição da pressão através
www.wescor.com/). A medida da pressão de vapor é o método da membrana se iguale à pressão osmótica da solução. Nesse
mais rápido e fácil de determinar a osmolalidade, e as limita- ponto, cessa a migração de moléculas de solvente e o sistema
ções termodinâmicas da osmometria de pressão de vapor são está em equilíbrio. Os osmômetros de membrana UIC usam
as menos restritivas. Por essas razões, a osmometria de pressão um padrão de tensão altamente sensível para medir redução na
de vapor é o método de escolha para a maioria dos fluidos, na pressão da célula.
biologia e na medicina, nos quais a água é o solvente.8 Neste A literatura descreve instrumentos termoelétricos de medi-
instrumento, a solução-teste, que é tipicamente da ordem de das de pressão de vapor que usam câmaras separadas para re-
2 a 10 µL, é absorvida em um disco de papel-filtro. O disco ferência e amostra e usam termistores no lugar de termopares
é colocado em uma câmara fechada perto de um termopar, o como detectores.11 Os “osmômetros” com termistor medem as
qual é resfriado abaixo do ponto de condensação da solução. variações na resistência e se relata que sua sensitividade é de
O termopar é, então, equilibrado no ponto de condensação da uma concentração de 1 × 10–4 molal, baseada em uma solução
solução, quando o seu potencial é registrado. Zerando-se ele- padrão de sacarose. São relatados estudos de propriedades co-
tronicamente o instrumento à pressão ambiente, antes da lei- ligativas de nucleosídeos usando esse tipo de instrumento.12
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 145

Além disso, uma vez que p° é uma constante, a elevação


y = 3,17x + 97,9
112 R 2 = 0,9988 do ponto de ebulição pode ser considerada como proporcional
a Δp/p°, o abaixamento relativo da pressão de vapor. Pela lei de
Ponto de ebulição (ºC)

110
108
106
Raoult, contudo, o abaixamento relativo da pressão de vapor é
104 igual à fração molar do soluto e, portanto,
102
100
Tb k X 2 (5-19)
98
0 1 2 3 4 5 6
Uma vez que a elevação do ponto de ebulição depende
Molalidade da sacarose apenas da fração molar do soluto, ela é uma propriedade co-
ligativa.
Figura 5-7 Gráfico teórico do ponto normal de ebulição para a água (solven- Em soluções diluídas, X2 é aproximadamente igual a m/
te) como uma função da molalidade em soluções contendo sacarose (um so- (1.000/M1) [equação (5-16)], e a equação (5-19) pode ser es-
luto não-volátil) em concentrações crescentes. Note que o ponto de ebulição crita como
da água aumenta à medida que a concentração de sacarose aumenta. Isso é k M1
conhecido como a elevação do ponto de ebulição. Tb m (5-20)
1000
ou
Tb K b m (5-21)
Elevação do ponto de ebulição
onde ΔTb é conhecido como elevação do ponto de ebulição
Conforme comentado no Capítulo 2, o ponto normal de ebu- e Kb é chamado de constante de elevação molal ou constan-
lição é a temperatura na qual a pressão de vapor do líquido te ebulioscópica. Kb tem um valor característico para cada
torna-se igual a uma pressão externa de 760 mm Hg. Uma so- solvente, como visto na Tabela 5-4. Ele pode ser considera-
lução entra em ebulição a uma temperatura mais elevada do do como a elevação do ponto de ebulição para uma solução
que o solvente puro. Tal propriedade coligativa é conhecida ideal 1 m. Expresso de outra maneira, Kb é o quociente entre
por elevação do ponto de ebulição.* Como mostrado na Figu- a elevação do ponto de ebulição e a concentração molal em
ra 5-7, quanto maior a quantidade de soluto dissolvida, tanto soluções muito diluídas nas quais o sistema é aproximada-
maior será o efeito. O ponto de ebulição de uma solução de um mente ideal.
soluto não-volátil é maior do que o do solvente puro, devido ao A discussão anterior constitui um argumento de plausi-
fato de o soluto diminuir a pressão de vapor do solvente. Isso bilidade para a equação da elevação do ponto de ebulição.
pode ser visto com auxílio das curvas na Figura 5-8. A curva Uma derivação mais satisfatória da equação (5-21), contu-
da pressão de vapor da solução encontra-se abaixo daquela do do, envolve a aplicação da equação de Clapeyron, que é es-
solvente puro, e a temperatura da solução deve ser elevada até crita como:
um valor acima daquele do solvente para que se atinja o ponto Tb Vv − Vl
normal de ebulição. A elevação do ponto de ebulição é mostra- Tb (5-22)
p Hv
da na figura como T – To = ΔTb. O quociente entre a elevação
do ponto de ebulição, ΔTb, e o abaixamento da pressão de va- onde Vv e Vl são os volumes molares do gás e do líquido, res-
por, Δp = p° – p, a 100 °C é aproximadamente constante, sendo pectivamente, Tb é o ponto de ebulição do solvente e ΔHv é
escrita como:
Tb
k (5-17)
p
ou TABELA 5-4
Tb k p (5-18) CONSTANTES EBULIOSCÓPICAS E CRIOSCÓPICAS PARA
VÁRIOS SOLVENTES
Ponto de Ponto de
ebulição congelamento
Substância (°C) Kb (°C) Kf
Pressão (mm Hg)

Ácido acético 118,0 2,93 16,7 3,9


Solvente
Acetona 56,0 1,71 –94,82* 2,40*
Benzeno 80,1 2,53 5,5 5,12
Solução
Cânfora 208,3 5,95 178,4 37,7
Clorofórmio 61,2 3,54 –63,5 4,96
Temperatura
Álcool etílico 78,4 1,22 –114,49* 3*
Éter etílico 34,6 2,02 –116,3 1,79*
Fenol 181,4 3,56 42,0 7,27
Figura 5-8 Elevação do ponto de ebulição de um solvente devido à adição
Água 100,0 0,51 0,00 1,86
de um soluto (não está em escala).
* De G. Kortum and J. O’M. Bockris, Textbook of Electrochemistry, Vol. II,
* N. de T.: Ou, também, efeito ebulioscópico. Elsevier, New York, 1951, pp. 618, 620.
146 P ATRICK J. S INKO

o calor molar de vaporização. Uma vez que Vl é desprezível 1,00


quando comparado a Vv, a equação torna-se
0,8 0,51
Tb Vv Sacarose
Tb (5-23)
p Hv 0,6
Uréia
e Vv, o volume de 1 mol de gás, é substituído por RTb/p° resul-
0,4
tando em
Tb RTb 2 0,2
(5-24)
p p ◦ Hv
ou 1
Concentração molal
2
RTb p
Tb (5-25) Figura 5-9 Influência da concentração na constante ebulioscópica.
Hv p ◦

A partir da equação (5-16), Δp/p1° = X2, e a equação (5-25)


pode ser escrita como Abaixamento do ponto de congelamento
RTb2
Tb X2 k X2 (5-26) O ponto normal de congelamento ou ponto de fusão de um
Hv composto puro é a temperatura na qual as fases sólida e lí-
a qual fornece uma equação mais exata para se calcular ΔTb. quida estão em equilíbrio sob pressão de 1 atm. Estar em
Substituindo-se a diminuição relativa da pressão de vapor equilíbrio significa que a tendência de o sólido passar para
Δp/p1° por m/(1.000/M1) de acordo com a expressão aproximada a fase líquida é igual à tendência de o líquido passar para a
(5-16), na qual w2/M2 = m e w1 = 1.000, obteremos a fórmula fase sólida, pois ambos, o líquido e o sólido, têm a mesma
RTb 2 M1 tendência de escape. Ao valor T0, mostrado na Figura 5-10,
Tb m kb m (5-27) para a água saturada com ar nessa pressão é assinalada, arbi-
Hv trariamente, à temperatura de 0 °C. O ponto triplo da água,
A equação (5-27) fornece uma expressão menos exata livre de ar, no qual o sólido, o líquido e o vapor estão em
para o cálculo de ΔTb. Para a água a 100 °C, teremos Tb = equilíbrio, situa-se a uma pressão de 4,58 mm Hg e a uma
373,2 K, ΔHv = 9.720 cal/mol, M1 = 18,02 g/mol, e R = 1,987 temperatura de 0,0098 °C. Ele não é igual ao ponto de con-
cal/mol K. gelamento ordinário da água sob pressão atmosférica, como
explicado anteriormente, mas é o ponto de congelamento da
EXEMPLO 5-10 água sob a pressão de seu próprio vapor. Usaremos o ponto
triplo no argumento a seguir porque a depressão ΔTf consi-
Cálculo da constante de elevação derada não difere significativamente da ΔTf sob a pressão de
Uma solução aquosa 0,200 m de um fármaco resulta em eleva- 1 atm. As duas depressões de ponto de congelamento estão
ção de ponto de ebulição de 0,103 °C. Calcular a elevação molal ilustradas na Figura 5-10. O ΔTb da Figura 5-8 também é
aproximada para o solvente, a água. Substituindo-se na equação mostrado no diagrama.
(5-21), teremos: Se um soluto for dissolvido em um líquido no ponto triplo,
ΔTb 0 103 a tendência de escape ou pressão de vapor do solvente líqui-
Kb = = = 0 515 K kg mol
m 0 200 do será diminuída, tornando-se menor do que a do solvente

A constante de proporcionalidade entre ΔT e a molalidade é


exata apenas na diluição infinita, quando as propriedades de so- Equilíbrio Água
gelo-solução pura
luções reais e ideais coincidem. A constante ebulioscópica, Kb,
de um solvente pode ser obtida de forma experimental medindo- Equilíbrio água Solução
pura-gelo
se ΔTb em várias concentrações molales e extrapolando-se para
uma diluição infinita (m = 0), como visto na Figura 5-9.
Pressão (mm Hg)

Líquido

Determinação da elevação do ponto de ebulição


Ponto
A elevação do ponto de ebulição é determinada experimental- Sólido triplo
mente colocando-se uma quantidade pesada do soluto e do sol- 4,58
vente em um recipiente de vidro provido de um termômetro e Vapor
um condensador de refluxo. No aparelho de ponto de ebulição
de Cottrell o vapor e o solvente em ebulição são bombeados 0,0098
pela força da ebulição através de um tubo de vidro e jorram no
Temperatura (oC)
bulbo do termômetro para que se obtenha uma temperatura de
equilíbrio invariante. O ponto de ebulição do solvente puro é Figura 5-10 Abaixamento do ponto de congelamento do solvente, água, por
determinado pela mesma aparelhagem. um soluto (não está em escala).
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 147

sólido puro. A temperatura deve diminuir para restabelecer o o solvente em uma solução de ácido cítrico não se aproxima de
equilíbrio entre o líquido e o sólido. Por causa disso, o ponto 1,86. Esse comportamento anômalo é esperado quando se trata
de congelamento de uma solução é sempre menor do que o de soluções de eletrólitos. A sua aparente irracionalidade será
do solvente puro. Assume-se que o solvente congela no estado explicada no Capítulo 6, e seguiremos os passos necessários
puro e não como uma solução sólida contendo algo do soluto. para corrigir essa dificuldade.
Quando isso ocorre, devem ser usados alguns cálculos espe- Kf pode também ser derivado da lei de Raoult e da equação
ciais, aqui não considerados. de Clapeyron. Para a água em seu ponto de congelamento, Tf =
Quanto mais concentrada a solução, mais estarão distantes 273,2 K, ΔHf é 1.437 cal/mol e
as curvas do solvente e da solução no diagrama (ver a Figura 1 987 × (273 2)2 × 18 02
5-10) e maior será o abaixamento do ponto de congelamento. Kf 1 86 K kg / mol
Assim, a situação é análoga à descrita para a elevação do ponto × 1437
de ebulição e o abaixamento do ponto de congelamento é pro- As constantes crioscópicas e as constantes ebulioscópicas de
porcional à concentração molal do soluto. A equação é alguns solventes em diluição infinita são dadas na Tabela 5-4.
Tf Kf m (5-28)
EXEMPLO 5-11
ou
w2 Cálculo do ponto de congelamento
Tf Kf (5-29) Qual é o ponto de congelamento de uma solução contendo 3,42
w 1 M2
g de sacarose e 500 g de água? A massa molar da sacarose é 342.
ΔTf é o abaixamento do ponto de congelamento,* e Kf é cha- Nessa solução relativamente diluída, Kf é aproximadamente igual
mada de constante de depressão ou constante crioscópica, a a 1,86. Temos:
qual depende das propriedades físicas e químicas do solvente. w2
O abaixamento do ponto de congelamento de um solvente ΔTf = Kf m = Kf
w 1 M2
é uma função apenas do número de partículas na solução e × 3 42
por essa razão é chamado de propriedade coligativa. O abai- ΔTf = 1 86 ×
500 × 342
xamento do ponto de congelamento, assim como a elevação ΔTf = 0 037 ◦ C
do ponto de ebulição, é o resultado direto do abaixamento da
pressão de vapor do solvente. O valor de Kf para a água é 1,86. O ponto de congelamento da solução aquosa é, portanto, – 0,037
Ele pode ser determinado experimentalmente medindo-se ΔTf °C.
/m em diversas concentrações molais e extrapolando para con-
centração zero. Como se pode ver na Figura 5-11, Kf se apro- EXEMPLO 5-12
xima do valor de 1,86 para a água em soluções de sacarose e
glicerina à medida que as concentrações tendem a zero, e a Abaixamento do ponto de congelamento
equação (5-28) é válida apenas para soluções bastante diluí- Qual será o abaixamento do ponto de congelamento de uma solu-
das. A constante crioscópica aparente para concentrações mais ção 1,3 m de sacarose em água?
elevadas pode ser obtida a partir da Figura 5-11. Para aplica- A partir do gráfico na Figura 5-10, pode-se observar que a
ções em farmácia e biologia, o valor de Kf de 1,86 pode ser constante crioscópica nessa concentração é cerca de 2,1, e não
arredondado para 1,9, o que é uma boa aproximação para o uso 1,86. Assim, o cálculo se torna
prático em soluções aquosas nas quais as concentrações são, ΔTf = Kf × m = 2 1 × 1 3 = 2 73 ◦ C
em geral, inferiores a 0,1 M. Observa-se que o valor de Kf para

Determinação do abaixamento do ponto de congelamento


Há vários métodos para a determinação do abaixamento do
2,6 Sacarose ponto de congelamento, como (a) o método de Beckmann e (b)
o método de equilíbrio.
2,4 Ácido cítrico
A aparelhagem para determinar o ponto de congelamento
de uma solução usando o método de Beckmann é mostrada na
2,2 Figura 5-12. Ela consiste de um tubo revestido com uma en-
trada lateral através da qual o material de teste pode ser intro-
2,0 duzido. Um termômetro de Beckmann* é colocado no tubo e
encontra-se em contato com a solução-teste. Um agitador pas-
Glicerina
1,8 sa através de um tubo na rolha e é operado de forma manual ou
Kf = 1,86
por meio de um motor, como mostrado na Figura 5-12. O tubo
1,6
0 1 2 3 4
interno e o externo são colocados em um recipiente contendo
Concentração molal uma mistura congelante de sal e gelo.
Figura 5-11 A influência da concentração na constante crioscópica da
água. * O termômetro de Beckmann é do tipo diferencial e pode ser calibrado para
trabalhar arbitrariamente em uma faixa de 5 °C entre – 10 °C e + 140 °C.
Ele é graduado em divisões de 0,01 °C. A temperatura pode ser estimada
* N. de T.: Também chamado de efeito crioscópico. com uma precisão de até ± 0,005 °C.
148 P ATRICK J. S INKO

Termômetro de Beckmann

Sistema
automático de agitação Célula da amostra

Agitador

Agitador/congelador

Sensor
Tubo contendo ar

Tubo da amostra

Figura 5-13 Unidade sensora de um “osmômetro” de ponto de congelamen-


to. As outras partes do osmômetro, não mostradas, incluem um motor de agi-
tação, uma unidade de refrigeração, diais de calibração, um interruptor e um
Sal e
visor que aponta o valor do ponto de congelamento no equilíbrio. A solução
gelo
na célula de amostra é super-resfriada vários graus abaixo do seu ponto de
Figura 5-12 Aparelhagem de Beckmann para a determinação do ponto de congelamento. A ponta do agitador/congelador vibra para formar cristais de
congelamento. gelo. A temperatura da solução-amostra, então, aumenta até o ponto de con-
gelamento com liberação do calor de fusão. O sensor registra a temperatura
de equilíbrio, que é enviada para o visor. (Advanced Digimatic osmometer,
Quando se faz uma determinação, a temperatura é lida no Model 3DII, Advanced Instruments, Inc., Needham Heights, Mass.)
termômetro diferencial de Beckmann no ponto de congela-
mento do solvente puro, água. Uma massa conhecida de soluto
é introduzida no aparelho, que contém uma massa conhecida e gelo) em um tubo revestido ou frasco de Dewar. Quando se
de solvente. O ponto de congelamento da solução é lido e re- estabelece o equilíbrio, a temperatura da mistura é lida com
gistrado. um termômetro de Beckmann ou com um termopar de junção
múltipla e um potenciômetro.
EXEMPLO 5-13 De acordo com Ballard e Goyan,15 um termistor pode ser
usado no lugar de um termopar. A solução, misturada com gelo
Abaixamento do ponto de congelamento proveniente do solvente puro é, então, colocada no frasco e,
O ponto de congelamento da água na escala de um termômetro de quando se atinge novamente o equilíbrio, a temperatura é re-
Beckmann é 1,112 °C e o valor para uma solução aquosa de um gistrada. Uma amostra da fase líquida é removida e analisada
soluto é de 0,120 °C. Qual será o valor aparente de Kf se a concen- no tempo de medida para se determinar de modo preciso a con-
tração da solução é 0,50 m? centração da solução. A precisão do método pode ser aumenta-
ΔTf 1 112 − 0 120 0 992 da quando se coloca simultaneamente os dois finais do termo-
Kf = = = par em dois frascos revestidos com tubos externos evacuados,
m 0 50 0 50
= 1 98 um contendo o líquido puro em equilíbrio com o solvente sóli-
do e o outro a solução em equilíbrio com o solvente sólido. A
diferença nos pontos de congelamento dos dois sistemas pode
Johlin13 descreve uma aparelhagem semimicro para a de- ser determinada com uma precisão de ±0,00002 °C.
terminação do ponto de congelamento de pequenas quantida- Etilenoglicol é um anticongelante comum usado em siste-
des de soluções fisiológicas. Os resultados podem ser obtidos ma de resfriamento de automóveis, aparelhos de ar-condicio-
com quantidades tão pequenas quanto 10 µL de solução. Exis- nado, aparelhos de liofilização e outros. Ele possui um ponto
tem diversos modelos (Osmette II, Osmette III, Multi-Osmette) de ebulição elevado e pode ser mantido no radiador de um car-
disponíveis em Precision Systems, Natick, Mass. (http://www. ro por um período de 1 ano ou mais. É conhecido, portanto,
nbizz.com/precisionsystemsinc) e Advanced Instruments, Inc., como um anticongelante permanente. A mesma equação para o
Norwood, Mass. ( http://www.aicompanies.com/). O esquema abaixamento do ponto de congelamento, a equação (5-28), que
de um osmômetro de ponto de congelamento é mostrado na foi anteriormente usada – a saber, ΔTf = Kf m –, é utilizada para
Figura 5-13. estimar a efetividade de um anticongelante no abaixamento
O método de equilíbrio14 é o mais preciso para se obter do ponto de congelamento da água no sistema de resfriamen-
dados a respeito do ponto de congelamento. O ponto de conge- to de um carro. Podemos ver na equação que a propriedade
lamento do solvente puro é determinado de modo preciso atra- de redução do ponto de congelamento da água varia apenas
vés de uma mistura íntima do solvente líquido e sólido (água com a molalidade do anticongelante, e não com a característica
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 149

química do agente. Metanol, etanol desnaturado, propilenogli- Usando a equação mais aproximada (5-28), ΔTf = Kfm, com
col, glicerina e mesmo açúcares e mel têm sido usados como Kf = 1,86 K kg/mol e ΔTf = 12,22 K, encontraremos para a mola-
anticongelantes. O alto ponto de ebulição do etilenoglicol, lidade, m,
contudo, o torna particularmente atrativo. Um anticongelante m = ΔTf Kf = 12 22 1 86 = 6 570 kg água
de automóveis é usado o ano todo e também aumenta o ponto
6 570 × 62 07
de ebulição da água, do mesmo modo que diminui o ponto de × 12 kg fluido = 4340 5 mL = 4 34 litro
1 1274
congelamento, prevenindo, assim, a perda de fluido pela eva-
poração durante o verão. Uma comparação razoável – 5,19 versus 4,34 litros – é ob-
Uma expressão mais exata para o abaixamento do ponto tida usando-se a equação mais exata (5-32) e a menos exata
de congelamento é (5-28).
RTf T
Tf ln X 1 (5-30)
Hf
Pressão osmótica
Para uma solução bastante diluída, podemos fazer a se-
guinte aproximação: Se colocarmos cloreto de cobalto em um saco de pergaminho
e o suspendermos dentro de um béquer com água, a água irá se
ln X 1 ln(1 − X 2 ) X 2 (5-31) tornar gradativamente vermelha à medida que o soluto difunde
Portanto, a equação (5-30) torna-se através do recipiente. Nesse processo de difusão, tanto as mo-
RTf T léculas do solvente quanto as do soluto migram livremente. No
Tf X2 (5-32) entanto, se a solução for confinada em uma membrana perme-
Hf ável apenas às moléculas do solvente, ocorre o fenômeno co-
onde Tf é o ponto de congelamento do solvente, T é o ponto nhecido como osmose (do grego: “empurrão ou impulso”)16, e
de congelamento da solução, e ΔHf é o calor de fusão do a barreira que permite a passagem apenas de moléculas de um
solvente. dos componentes (usualmente água) é conhecida como mem-
brana semipermeável. Um tubo, como o da Figura 5-14, no
qual um pedaço esticado de celofane é colocado em sua aber-
EXEMPLO 5-14 tura larga, pode ser usado para demonstrar o princípio. O tubo
Anticongelante é parcialmente enchido com uma solução concentrada de saca-
Quantos litros de etilenoglicol (cuidado, venenoso!) devem ser rose e a aparelhagem é colocada em um béquer com água. A
adicionados ao sistema de refrigeração de um carro, que comporta passagem da água através da membrana semipermeável para a
12 kg de fluido, para proteger o veículo contra o congelamento solução gera pressão suficiente para elevar a solução de açúcar
em uma temperatura de +10 °F? A massa molar do etilenoglicol é no tubo até que a pressão hidrostática da coluna de líquido se
62,07 g/mol e sua densidade é d4° = 1,1274 g/cm3. O calor de fusão iguale à pressão que leva a água a passar através da membrana
da água é 1.436 cal/mol. Usar a equação (5-32) e comparar o resul- e entrar no tubo. Quando isso ocorre, a solução cessa de subir
tado com aquele obtido com a equação (5-28). no tubo. A osmose é, portanto, definida como a passagem de
Podemos converter 10° F para –12,22 °C, sendo que o abaixa- um solvente para uma solução através de uma membrana semi-
mento do ponto de congelamento da água será 0 °C para –12,22 permeável. O processo tende a igualar as tendências de escape
°C, ou ΔTf = +12,22. do solvente em ambos os lados da membrana. A tendência de
Com a equação (5-32), escape pode ser medida em termos da pressão de vapor ou da
ΔTf · ΔHf (12 propriedade coligativa relacionada à pressão osmótica. Deve
X2 − = = 0 1239 ser evidente que a osmose também pode ocorrer quando uma
RTf T (1 9872)(273 2)(260 8)
solução concentrada estiver separada de uma menos concen-
A quantidade X2 = 0,1239 é agora expressa em molalidade, trada por uma membrana semipermeável.
ou seja, em móis/kg de água, e de móis/kg de água para gramas/
kg água, e então para mL/kg água, e finalmente para litros por
12 kg de fluido no sistema de refrigeração do carro. Temos a mo-
lalidade m∗
X2 × 0 1239
m= =
M1 (1 − X2 ) 18 015(1 − 0 1239) Solução
= 7 850 kg água

7 850 móis/kg água × 62 07 = 487 25 g/kg água


487 25 g/kg água ÷ 1 1274 g/mL = 432 19 mL/kg água
Solvente
432 19 mL/kg água× 12 kg fluido = 5186 3 mL = 5 19 litros

* Ver na Tabela 5-3 as equações de conversão usadas para se mudar de uma


unidade de concentração para outra. Note que neste exemplo se retém um
excesso de algarismos significativos até a etapa final quando, então, o nú- Membrana
mero é arredondado. Esse é um procedimento aceitável, particularmente semipermeável
quando se usa uma calculadora portátil ou um computador. Figura 5-14 Aparelho para a demonstração da osmose.
150 P ATRICK J. S INKO

Solução
aquosa

Tubo de enchimento

Tubo de
enchimento

Solução aquosa
Solvente + Soluto
Solvente
(água)

Membrana
semipermeável Figura 5-15 Osmômetro de pressão osmótica.

Acredita-se que a osmose, em alguns casos, envolva a concentração de soluto presente. Uma vez que essa é uma
passagem de solvente através da membrana por um processo função da massa molar do soluto, a pressão osmótica é uma
de destilação ou pela dissolução no material da membrana, no propriedade coligativa e também pode ser usada para deter-
qual o soluto é insolúvel. Em outros casos, a membrana pode minar massas moleculares.
agir como uma peneira, tendo um tamanho de poro bastante Contrastando com o osmômetro de ponto de congelamento
grande para permitir a passagem das moléculas do solvente, (Figura 5-13), um osmômetro de pressão osmótica (Figura
mas não as do soluto. 5-15) baseia-se no mesmo princípio que o do aparelho com
Em qualquer caso, o fenômeno da osmose depende do tubo mostrado na Figura 5-14. Uma vez atingido o equilíbrio,
fato de que o potencial químico (uma expressão termodinâ- a altura da solução no tubo capilar do lado da solução é maior,
mica da tendência de escape) de uma molécula de solven- em uma quantidade h, do que a altura no tubo capilar do lado
te em solução é menor do que no solvente puro. O solvente do solvente (água). A pressão hidrostática devida à coluna de
passa, portanto, de forma espontânea para a solução até que altura h está relacionada à pressão osmótica pela expressão:
os potenciais químicos do solvente e da solução tornem-se pressão osmótica π(atm) = Altura h × Densidade da solução ρ
iguais. O sistema está, então, em equilíbrio. Pode ser van- × Aceleração da gravidade. Os dois tubos de calibre mais largo
tajoso para o estudante considerar a osmose em termos da servem para o enchimento e esvaziamento dos compartimen-
seguinte seqüência de eventos: (a) A adição de um soluto tos do aparelho. A altura de líquido nesses dois tubos largos
não-volátil ao solvente forma uma solução na qual a pressão não entra no cálculo da pressão osmótica. A determinação da
de vapor do solvente é reduzida (ver a lei de Raoult). (b) Se pressão osmótica será abordada com mais detalhes na seção
o solvente puro for agora colocado na adjacência da solu- seguinte.
ção, mas separado dela por uma membrana semipermeável,
as moléculas de solvente irão passar através da membrana Medindo a pressão osmótica
na solução como uma tentativa de diluir o soluto e aumentar
a pressão de vapor de volta ao seu valor original (a saber, o A pressão osmótica da solução de sacarose referida na última
valor do solvente puro). (c) A pressão osmótica, que surge seção não é medida de modo conveniente observando-se a
como um resultado da passagem de moléculas de solvente, altura que a solução atinge no tubo em equilíbrio. A con-
pode ser determinada medindo a pressão hidrostática apare- centração da solução final não é conhecida, pois a passagem
cendo na solução ou aplicando uma pressão conhecida que de água para a solução vai diluí-la e alterar a concentração.
balance, exatamente, a pressão osmótica e previna qualquer Uma medida mais exata da pressão osmótica de uma solução
movimento líquido de moléculas de solvente para a solução. não-diluída é obtida determinando-se a pressão de excesso,
Prefere-se a última técnica. A pressão osmótica assim ob- no lado da solução, que evita a passagem de solvente atra-
tida é proporcional à redução na pressão de vapor devida à vés da membrana. A pressão osmótica é definida como uma
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 151

pressão de excesso, ou uma pressão maior do que a existente A equação (5-33), a equação de van’t Hoff, pode ser ex-
sobre o solvente puro, que deve ser aplicada à solução para pressa como
prevenir a passagem de solvente através de uma membrana n
perfeitamente semipermeável. Nessa definição assume-se π RT cRT (5-34)
V
que o saco semipermeável contendo a solução está imerso
no solvente puro. onde c é a concentração do soluto em móis/L (molaridade).
Em 1877, o botânico Wilhelm Pfeffer mediu a pressão Morse e outros mostraram que, quando a concentração for
osmótica de soluções de açúcar usando um copo poroso expressa em molalidade e não em molaridade, os resultados
impregnado com um depósito de ferrocianeto de cobre II, são mais próximos aos valores experimentais. A equação de
Cu2Fe(CN)6, como membrana semipermeável. O aparato era Morse é
provido de um manômetro para medir à pressão. Embora π RT m (5-35)
muitos aperfeiçoamentos tenham sido realizados ao longo
dos anos, incluindo o uso de transdutores sensíveis a pres- Termodinâmica da pressão osmótica e do abaixamento da
são acoplados à membrana e que podem ser amplificados pressão de vapor
eletronicamente para produzir um sinal,17 a medida direta
da pressão osmótica permanece difícil e inconveniente. A A pressão osmótica e o abaixamento da pressão de vapor, am-
pressão osmótica, contudo, é a propriedade coligativa mais bos propriedades coligativas, estão intrinsecamente ligados e a
adequada para a determinação da massa molar de polímeros relação entre eles pode ser obtida a partir de certas considera-
como proteínas. ções termodinâmicas.
Consideramos a solução de sacarose no lado direito da
Equações de van’t Hoff e Morse para a pressão osmótica aparelhagem mostrada na Figura 5-16 e o solvente puro –
água – no compartimento da esquerda. Os dois comparti-
Em 1886, Jacobus van’t Hoff reconheceu nos dados de Pfeffer mentos estão separados por uma membrana semipermeável
uma proporcionalidade entre a pressão osmótica, a concentra- através da qual podem passar moléculas de água, mas não
ção e a temperatura, e sugeriu uma relação que correspondia moléculas de sacarose. Assume-se que a válvula no espaço
à equação para um gás ideal. Van’t Hoff concluiu que havia contendo ar, conectando as duas soluções, possa ser fechada
uma aparente analogia entre soluções e gases e que a pressão durante a osmose. A pressão externa, digamos 1 atm, acima
osmótica em uma solução diluída era igual à pressão que o so- do solvente puro, é P0, e a pressão na solução, fornecida pelo
luto exerceria se ele fosse um gás ocupando o mesmo volume. pistão na Figura 5-16, necessária para se manter o equilíbrio,
A equação é é P. A diferença entre as duas pressões no equilíbrio, P – Po,
πV n RT (5-33) ou a pressão de excesso na solução necessária para se preve-
nir a passagem da água na solução é a pressão osmótica π.
onde π é a pressão osmótica em atm, V é o volume da solução Consideremos agora o transporte alternativo de água no
em litros, n é o número de móis do soluto, R é a constante espaço aéreo acima dos líquidos. Se a membrana fosse fecha-
universal dos gases, igual a 0,082 atm L/K mol, e T é a tempe- da e a válvula fosse aberta, as moléculas de água passariam
ratura absoluta. do solvente puro para a solução através do estado vapor me-
Recomenda-se cautela ao estudante para não tomar a diante um processo de destilação. O espaço entre os líquidos
analogia de van’t Hoff de modo muito literal, porque ela agiria, de fato, como uma membrana semipermeável, da mes-
pode levar a acreditar que as moléculas de soluto “produ- ma maneira que ocorre com a membrana real na parte inferior
zem” a pressão osmótica ao exercer pressão na membrana, do aparelho. A pressão de vapor, p°, da água no solvente puro
assim como as moléculas de um gás criam a pressão ao co- sob a influência da pressão atmosférica, Po, é maior do que a
lidir com as paredes de um recipiente. É mais correto consi-
derar a pressão osmótica como resultado das tendências de
escape relativas das moléculas de solvente nos dois lados da
membrana. A equação (5-33) é uma lei-limite aplicada a so-
luções diluídas, e ela se simplifica nessa forma a partir de Vapor d´água
uma expressão mais exata (equação [5-39]) apenas após a
introdução de um número de hipóteses que não são válidas
Válvula
para soluções reais.

EXEMPLO 5-15
Cálculo da pressão osmótica de uma solução de sacarose
Um grama de sacarose, massa molar 342, é dissolvido em 100 mL Válvula
de solução a 25 °C. Qual é a pressão osmótica da solução?
Teremos Água Solução
10
Móis de sacarose = = 0 0029
342 Membrana
π × 0 10 = 0 0029 × 0 082 × 298 semipermeável

π = 0 71 atm Figura 5-16 Aparelhagem para demonstração da relação entre a pressão


osmótica e o abaixamento da pressão de vapor.
152 P ATRICK J. S INKO

pressão de vapor p da água na solução por uma quantidade A equação (5-39) pode, então, ser escrita como
p° – p = Δp. Para se atingir o equilíbrio, deve-se exercer uma π V1 RT ln(1 − X 2 ) (5-42)
pressão P no pistão para aumentar a pressão de vapor da solu-
ção até que ela seja igual à do solvente puro, p°. O excesso de e ln(1 – X2) pode ser expandido em séries,
pressão que deve ser aplicado, P – Po, é, novamente, a pres- X 22 X 23 X 2n
são osmótica π. A operação de tal aparelhagem demonstra a ln(1 − X )2 X2 − − ··· − (5-43)
2 3 n
relação entre a pressão osmótica e o abaixamento da pressão
de vapor. Quando X2 for pequeno, ou seja, quando a solução for di-
Seguindo adiante a análise, deve ser possível obter uma luída, todos os termos na expansão além do primeiro podem
equação relacionando a pressão osmótica e a pressão de va- ser negligenciados e
por. Observe-se que ambos, a osmose e o processo de des- ln(1 − X 2 ) ∼ −X 2 (5-44)
tilação, estão baseados no princípio de que a tendência de de modo que
escape da água no solvente puro é maior do que na solução. π V1 RTX2 (5-45)
Pela aplicação de uma pressão de excesso, P – Po = π, no
lado da solução do aparelho, é possível fazer com que as ten- Para uma solução diluída, X2 é aproximadamente igual à
dências de escape da água no solvente e na solução tornem- razão molar n2/n1, e a equação (5-45) torna-se
n2
se idênticas. Um estado de equilíbrio é produzido. Assim, a π∼ RT (5-46)
energia livre do solvente em ambos os lados da membrana n 1 V1
ou em ambos os lados do espaço preenchido com ar deve ser
onde n1V1, o número de móis de solvente multiplicado pelo vo-
igual, e ΔG = 0.
lume de 1 mol, é igual ao volume total de solvente, V, em litros.
Para relacionar o abaixamento da pressão de vapor e a
Para uma solução aquosa diluída, a equação torna-se
pressão osmótica, devemos obter as variações de energia livre n2
envolvidas na (a) transferência de 1 mol do solvente para a π RT RTm (5-47)
solução por um processo de destilação através da fase vapor V
e (b) transferência de 1 mol de solvente do compartimento do que é a expressão de Morse, equação (5-35).
solvente para o da solução por osmose. Teremos
p EXEMPLO 5-16
(a) G RT ln ◦ (5-36)
p
Cálculo de π
como acréscimo na energia livre a temperatura constante na Calcular π para uma solução aquosa 1m de sacarose usando a
passagem de 1 mol de água para a solução através da fase va- equação (5-35) e a equação termodinamicamente mais exata. A
por e pressão de vapor da solução é 31,207 mmHg e a pressão de vapor
(b) G V1 (P − Po ) V1 π (5-37) da água é 31,824 mm Hg a 30,0 °C. O volume molar da água nessa
temperatura é 18,1 cm3/mol, ou 0,0181 litro/mol.
como o acréscimo de energia livre a uma dada temperatura na (a) Pela equação de Morse,
passagem de 1 mol de água para a solução mediante osmose. π = RTm = 0 082 × 303 × 1
Na equação (5-37), V1 é o volume de 1 mol de solvente, ou,
mais corretamente, seu volume molar parcial, ou seja, a varia- π = 24 8 atm
ção no volume da solução pela adição de 1 mol de solvente em (b) Pela equação termodinâmica,
uma quantidade grande de solução. RT p◦
Igualando as equações (5-36) e (5-37), teremos π= ln
V1 p
p
−π V1 RT ln ◦ (5-38) 0 082 × 303 31 824
p π= × 2 303 log
0 0181 31 207
e eliminando-se o sinal negativo ao se inverter o termo logarít- = 27 0 atm
mico, teremos: O valor experimental da pressão osmótica de uma solução 1
RT p◦ m de sacarose a 30,0 °C é 27,2 atm.
π ln (5-39)
V1 p
A equação (5-39) é uma expressão mais exata para a pres-
são osmótica do que as equações (5-34) e (5-35), e pode ser DETERMINAÇÃO DA MASSA MOLAR
aplicada a soluções concentradas e diluídas, desde que o vapor
siga a lei dos gases ideais. As quatro propriedades coligativas que foram discutidas nes-
A equação mais simples (5-35) para a pressão osmótica te capítulo – abaixamento da pressão de vapor, abaixamento
pode ser obtida a partir da equação (5-39), assumindo-se que a do ponto de congelamento, elevação do ponto de ebulição e
solução obedece à lei de Raoult, pressão osmótica – podem ser usadas para calcular as massas
p p◦ X 1 (5-40) molares de não-eletrólitos presentes como solutos. Assim, o
abaixamento da pressão de vapor de uma solução contendo um
p
X1 1 − X2 (5-41) soluto não-volátil depende apenas da fração molar do soluto.
p◦ Isso permite que a massa molar do soluto seja calculada da
maneira a seguir descrita.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 153

Sendo a fração molar de solvente n1 = w1/M1, e a fração onde w2 é o número de gramas de soluto dissolvido em w1 gra-
molar de soluto n2 = w2/M2, onde w1 e w2 são as massas de mas de solvente. É possível, então, calcular a massa molar do
solvente e soluto, que possuem massas molares M1 e M2 res- soluto a partir de dados crioscópicos desse tipo.
pectivamente, a equação (5-15) pode ser expressa como:
p1 ◦ − p1 n2 w 2 M2 EXEMPLO 5-18
(5-48)
p1 ◦ n1 n2 w 1 M1 w 2 M2 Cálculo da massa molar usando o abaixamento do ponto
Em soluções diluídas, onde w2/M2 é desprezível se compa- de congelamento
rado com w1/M1, o termo do soluto pode ser omitido do deno- O abaixamento do ponto de congelamento de uma solução de
minador e a equação simplifica-se para: 2,000 g de 1,3-dinitrobenzeno em 100,0 g de benzeno foi determi-
p w 2 M2 nado pelo método do equilíbrio, e tem o valor de 0,6095 °C. Calcu-

(5-49) lar a massa molar do 1,3-dinitrobenzeno. Podemos escrever
p1 w 1 M1
× 2 000
M2 = 5 12 × = 168 0 g mol
A massa molar do soluto, M2, é obtida rearranjando-se a 0 6095 × 100 0
equação (5-49):
w 2 M 1 p1 ◦
M2 (5-50) As equações de van’t Hoff e Morse podem ser usadas para
w1 p calcular a massa molar de solutos a partir de dados de pressão
Mason e Gardner18 usaram o método isopiéstico, já deli- osmótica, desde que a solução seja suficientemente diluída e
neado, para a determinação de massas moleculares por abaixa- ideal. O modo como a pressão osmótica é usada para calcular a
mento de pressão de vapor. massa molar de materiais coloidais é discutido no Capítulo 15.
A massa molar de um soluto não-volátil pode ser determi-
nada de modo similar a partir da elevação do ponto de ebulição EXEMPLO 5-19
de uma solução. Conhecendo-se Kb, a constante de elevação
Determinação da massa molar por pressão osmótica
molal, para o solvente, e determinando-se Tb, a elevação do
ponto de ebulição, pode-se calcular a massa molar de um não- Quinze gramas de um novo fármaco dissolvidos em água para
eletrólito. Uma vez que 1.000w2/w1 é a massa de soluto por resultar 1.000 mL de uma solução a 25 °C produziram pressão
quilograma de solvente, a molalidade (móis por quilograma de osmótica de 0,6 atm. Qual é a massa molar do soluto? Podemos
solvente) pode ser expressa como: escrever
cg RT
w 2 M2 w2 π = c RT = (5-56)
m × (5-51) M2
w1 w 1 M2
e onde cg está em g/litro de solução. Assim,
Tb K b m (5-52) 15 × 0 0821 × 298
π=
Então M2
w2 ou
Tb K b (5-53) 15 × 24 45
w 1 M2 M2 = = 612 g mol
06
ou
w2
M2 K b (5-54)
w 1 Tb
Escolha das propriedades coligativas
EXEMPLO 5-17 Cada uma das propriedades coligativas parece ter certas
Determinação da massa molar da sacarose pela elevação vantagens e desvantagens para a determinação de massas
do ponto de ebulição molares. O método da elevação do ponto de ebulição pode
ser usado apenas quando o soluto for não-volátil e quando a
Uma solução contendo 10,0 g de sacarose dissolvida em 100 g de substância não se decompõe na temperatura de ebulição. O
água tem um ponto de ebulição de 100,149 °C. Qual é a massa método do ponto de congelamento é satisfatório para solu-
molar da sacarose? Podemos escrever ções contendo solutos voláteis, como álcool, porque o ponto
× 10 0 de congelamento de uma solução depende apenas da pressão
M2 = 0 51 ×
100 × 0 149 de vapor do solvente. O método do ponto de congelamento
= 342 g é facilmente executável e fornece resultados de alta precisão
para soluções de pequenas moléculas. Às vezes é inconve-
niente usar os métodos dos pontos de congelamento ou de
Conforme mostrado na Figura 5-10, o abaixamento da ebulição porque eles devem ser conduzidos a temperaturas
pressão de vapor proveniente da adição de um soluto não-vo- definidas. Os métodos da pressão osmótica não têm esta des-
látil a um solvente resulta na diminuição do ponto de congela- vantagem, contudo as dificuldades inerentes a eles impedem
mento. Rearranjando-se a equação (5-29), obteremos seu amplo uso. Em resumo, pode ser dito que os métodos
w2 crioscópicos e as técnicas recentes de pressão de vapor são os
M2 K f (5-55)
Tf w 1 métodos de escolha, exceto em polímeros de elevada massa
molar, para os quais o método da pressão osmótica é usado.
154 P ATRICK J. S INKO

Uma vez que as propriedades coligativas estão inter-relacio- determinação das massas molares de moléculas pequenas e
nadas, deve ser possível determinar o valor de uma propriedade grandes. Você começa comparando o método do abaixamento
a partir do conhecimento de qualquer outra. A relação entre o do ponto de congelamento e o método da pressão osmótica. Para
abaixamento da pressão de vapor e a pressão osmótica já foi obter os abaixamentos do ponto de congelamento e as pressões
mostrada. O abaixamento do ponto de congelamento e a pres- osmóticas, você decide usar os seguintes dados hipotéticos para
são osmótica também podem ser relacionados, como mostrado moléculas grandes e pequenas de fármacos para então comparar
a seguir. A molalidade da equação m = ΔTf /Kf é substituída na a precisão relativa de ambos os métodos. Seja M2 = 250 g/mol
equação da pressão osmótica, π = RTm, resultando, a 0 °C, (fármaco pequeno) e M2 = 1.000.000 g/mol (macromolécula). A
Tf 22 4 concentração é 1%( m/v) ou 10 g/1.000 cm3 para ambas as so-
π RT Tf (5-57) luções aquosas de moléculas pequenas e de macromoléculas. A
Kf 1 86 densidade de ambas as soluções aquosas é de 1,010 g/cm3 e a
ou temperatura é 298 K.
π ∼ 12 Tf (5-58) Use as equações (5-55) e (5-56) para o abaixamento do ponto
de congelamento e para a pressão osmótica, com Kf = 1,86 e R=
Lewis19 sugeriu a equação
0,0821 litro atm/K mol.
π 12 06 Tf − 0 021 T 2f (5-59) A massa das soluções é
a qual dá resultados precisos. cm3 × g cm3 = g solução

Para a solução do fármaco pequeno, a equação (5-55) dá


EXEMPLO 5-20
w2 × 10
ΔTf = Kf = 1 86 × = 0 0744 K
Pressão osmótica do soro sangüíneo humano w 1 M2 − 10)250
Uma amostra de soro sangüíneo humano tem um ponto de conge-
A pressão osmótica pode ser calculada seja por meio da equa-
lamento de – 0,53 °C. Qual é a pressão osmótica aproximada desta
ção de van’t Hoff [equação (5-33)] ou da equação de Morse [equa-
amostra a 0 °C? Qual será o valor mais preciso dado pela equação
ção (5-35)]. Começando com a equação de van’t Hoff, (5-33), tere-
de Lewis? Podemos escrever:
mos a equação (5-56):
π = 12 × 0 53 = 6 36 atm
π = cg RT M2 = (10 × 0 0821 × 298) 250 = 0 979 atm
π = 12 06 × 0 53 − 0 021(0 53)2 = 6 39 atm
0 979 atm × 760 mm Hg atm = 744 mm Hg

A Tabela 5-5 apresenta as equações e suas constantes de Usando a equação de Morse (5-35) para o fármaco pequeno,
forma resumida. Todas as equações são aproximadas e úteis teremos:
apenas para soluções diluídas nas quais o volume ocupado π = RTm
pelo soluto é desprezível em relação ao do solvente.
onde m = 1.000w2/w1M2 [equação (5-51)].
Portanto,
EXEMPLO 5-21
w2 1
Determinação da massa molar usando propriedades π = (RT)
w1 M2
coligativas × 10 1
= (0 0821 × 298) = 0 979 atm
Em seu laboratório você deseja estudar a aplicabilidade de vá- − 10) 250
rios métodos relacionados às propriedades coligativas para a
Mudando para mm Hg, obteremos 0,979 atm × 760 mm Hg/
atm = 743,8 mm Hg
0 979 atm × 760 mm Hg atm = 743 8 mm Hg
TABELA 5-5
EXPRESSÕES APROXIMADAS PARA AS PROPRIEDADES Em experimentos reais, o tubo capilar do osmômetro con-
COLIGATIVAS tém uma solução aquosa e não mercúrio (ver a Figura 5-14).
Portanto, a altura no capilar, calculada em mm Hg, é convertida
Constante de para milímetros de solução. Isso é feito usando o seguinte fator
Propriedade proporcionalidade em de conversão
coligativa Expressão solução aquosa
mm solução aquosa = mm Hg
Abaixamento da Δp = 0,018p1°m 0,018 p1°= 0,43 a 25 °C 13 534 g cm3 para Hg a 25 ◦ C
×
pressão de vapor = 0,083 a 0 °C Densidade da solução (g cm3 ) a 25 ◦ C
Elevação do ponto ΔTb = Kbm Kb = 0,51
de ebulição As equações de van’t Hoff e Morse fornecem para a pressão
Abaixamento ΔTf = Kfm Kf = 1,86 osmótica o valor de 743,8 mm Hg. Esse valor é, então, convertido
do ponto de para mm de solução aquosa:
congelamento 13 534
743 8 mm Hg × = mm solução
Pressão osmótica π = RTm RT = 24,4 a 25 °C 1 010
= 22,4 a 0 °C para o fármaco de massa molar 250 g/mol.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 155

Para a diminuição do ponto de congelamento da solução ma- para determinações de baixo peso molecular, sendo que uma
cromolecular, solução 1% resulta em ΔTf ∼ 0,07 K, que é facilmente lido
× 10 1 em um termômetro de Beckmann. Para uma grande molécula
ΔTf = (1 86) = 1 860 × 10−5 K
− 10 106 polimérica de um fármaco, o método crioscópico fornece ΔTf
Aplicando a equação de Morse para se obter a pressão osmó-
= 1,8 × 10–5 K, que não pode ser lido de modo preciso por
tica da macromolécula, resulta em qualquer aparelhagem termométrica disponível no laborató-
rio. Os valores obtidos são diferenças e podem ser expressos
× 10 1
π = (0 0821 × 298) = 2 45 × 10−4 atm seja como Kelvin ou como graus Celsius. Comparando com a
− 10) 106
osmometria, a situação torna-se clara para a análise das molé-
Convertendo para mm Hg e então para mm solução aquosa culas de grande massa molar. Embora a osmometria seja mais
2 45 × 10−4 atm × 760 mm Hg atm = 0 186 mm Hg lenta e tediosa do que o trabalho com a diminuição do pon-
13 534
to de congelamento, e ainda que não precise ser usada com
0 186 mm Hg × = 2 492 mm solução moléculas pequenas, que são satisfatoriamente analisadas pela
1 010
crioscopia, ela fornece valores lidos com facilidade na escala
dos milímetros para moléculas poliméricas de massas molares
Essa análise mostra que o método da diminuição do ponto de diversos milhões.
de congelamento (método crioscópico) é bastante adequado Um resumo dos resultados comparativos é dado a seguir.

Crioscopia
Tamanho da molécula Massa molar ΔTf
Molécula pequena, 1% (m/v) 250 g/mol 0,074 K
Molécula grande, 1% (m/v) 106 g/mol 1,860 × 10-5 K
Osmometria
π
Tamanho da molécula Massa molar van’t Hoff Morse
Molécula pequena, 1% (m/v) 250 g/mol 9.967 mm sol. 9.967 mm sol.
6
Molécula grande, 1% (m/v) 10 g/mol 2,492 mm sol. 2,492 mm sol.

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6
6 SOLUÇÕES DE ELETRÓLITOS

PROPRIEDADES DE SOLUÇÕES DE Grau de dissociação


ELETRÓLITOS
TEORIA DE ELETRÓLITOS FORTES
Eletrólise
Atividade e coeficientes de atividade
Números de transporte
Atividade do solvente
Unidades elétricas
Estado de referência
Leis de Faraday
Estado-padrão
Condutância eletrolítica
Força iônica
Medindo a condutância de soluções
Teoria de Debye-Hückel
Condutância equivalente
Extensão da equação de Debye-Hückel a
Condutância equivalente de eletrólitos fortes e
concentrações mais elevadas
fracos
Propriedades coligativas de soluções eletrolíticas e COEFICIENTES USADOS PARA EXPRESSAR AS
soluções concentradas de não-eletrólitos PROPRIEDADES COLIGATIVAS
O valor L
TEORIA DE ARRHENIUS DA DISSOCIAÇÃO
Coeficiente osmótico
ELETROLÍTICA
Osmolalidade
Fármacos e ionização

Ao concluir este capítulo, o Embora a teoria seja bastante útil para a descrição de
OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: eletrólitos fracos, ela se mostrou insatisfatória para eletróli-
tos fortes e moderadamente fortes. Assim sendo, ocorreram
1 Compreender as importantes propriedades das soluções de várias tentativas de modificar ou substituir as idéias de Ar-
eletrólitos. rhenius por outras melhores e, finalmente, em 1923, Debye
2 Compreender e aplicar as leis de Faraday e a condutância e Hückel propuseram uma nova teoria. Ela está baseada nos
eletrolítica. princípios de que os eletrólitos fortes estão completamente
3 Calcular a condutância de soluções, a condutância equiva- dissociados em íons em soluções de concentração modera-
lente e a condutância equivalente de eletrólitos. da e que qualquer desvio da dissociação é devido às atrações
4 Comparar e contrastar as propriedades coligativas de so- interiônicas. Debye e Hückel expressaram os desvios em ter-
luções eletrolíticas e de soluções concentradas de não- mos de atividades, coeficientes de atividade e forças iônicas
eletrólitos. de soluções eletrolíticas. Essas quantidades, que haviam sido
5 Aplicar a teoria de Arrhenius da dissociação eletrolítica. introduzidas anteriormente por Lewis, são discutidas neste
6 Aplicar a teoria dos eletrólitos fortes. Por exemplo, calcu- capítulo, juntamente com a teoria da atração interiônica. Ou-
lar grau de dissociação, coeficientes de atividade, etc. tros aspectos da teoria iônica moderna e as relações entre a
7 Calcular a força iônica. eletricidade e os fenômenos químicos serão considerados em
8 Calcular os coeficientes osmóticos, osmolalidade e osmo- capítulos posteriores.
laridade. Este capítulo começa com a discussão de algumas das pro-
priedades de soluções iônicas que levaram à teoria da dissocia-
9 Compreender as diferenças entre osmolalidade e osmo-
ção eletrolítica de Arrhenius.
laridade.

A primeira teoria satisfatória das soluções iônicas foi


proposta por Arrhenius em 1887. A teoria foi fortemen- PROPRIEDADES DE SOLUÇÕES DE ELETRÓLITOS
te baseada em estudos de condutância elétrica feitos por
Kohl-rausch, propriedades coligativas vistas por van’t Hoff Eletrólise
e propriedades químicas, como os calores de neutralização
analisadas por Thomsen. Arrhenius1 conseguiu juntar os Quando, sob um potencial de alguns volts, uma corrente elé-
resultados dessas diferentes investigações em uma ampla trica direta (dc) flui através de uma célula eletrolítica (Figu-
generalização conhecida como a teoria da dissociação ele- ra 6-1), ocorre uma reação química. Esse processo é conhe-
trolítica. cido como eletrólise. Os elétrons entram na célula a partir
158 P ATRICK J. S INKO

Bateria 1 2 1
Cu e Cu (6-3)
2 2
Elétrons
enquanto que no ânodo, íons cloreto e hidroxila são convertidos
respectivamente, em moléculas gasosas de cloro e oxigênio, que
então escapam. Em cada um dos dois exemplos, o resultado lí-
Ânodo
quido é a transferência de um elétron do cátodo ao ânodo.
Cátodo
(oxidação) (redução)

Números de transporte
Escape de
Devemos notar que o fluxo de elétrons através da solução da
direita para a esquerda na Figura 6-1 é acompanhado de um
Ânions movimento de cátions para a direita e de um movimento de
ânions para a esquerda. A fração total da corrente transportada
Cátions pelos cátions ou pelos ânions é denominada número de trans-
porte t+ ou t–
Sentido da corrente
Corrente conduzida pelos cátions
t (6-4)
Corrente total
Figura 6-1 Eletrólise em uma célula eletrolítica.
Corrente conduzida pelos ânions
t− (6-5)
Corrente total
da bateria ou gerador no cátodo (ver a seta descendente). A soma dos dois números de transporte é igual a 1:
Eles combinam-se com íons positivos ou cátions na solução, t t− 1 (6-6)
e os cátions são reduzidos. Os íons negativos, ou ânions,
carregam elétrons através da solução e descarregam-nos no Os números de transporte estão relacionados às velocidades
ânodo, sendo os ânions, correspondentemente, oxidados. dos íons, sendo que os íons mais rápidos carregam uma maior
Redução é a adição de elétrons a uma espécie química e oxi- fração da corrente. As velocidades dos íons, por sua vez, depen-
dação é a remoção de elétrons de uma espécie. A corrente, dem da sua hidratação, bem como de seu tamanho e carga. As-
em uma solução, consiste em um fluxo de íons positivos e sim, a velocidade e os números de transporte não são, necessaria-
negativos em direção aos eletrodos, enquanto que a corrente mente, os mesmos para íons positivos e negativos. Por exemplo,
em um condutor metálico consiste em um fluxo de elétrons o número de transporte de um íon sódio em uma solução 0,10 M
livres migrando através de uma rede cristalina de íons po- de NaCl é 0,385. Já o íon lítio, sendo bastante hidratado, move-
sitivos fixos. A redução ocorre no cátodo, onde os elétrons se, em uma solução 0,10 M de LiCl, de forma mais lenta do que
entram do circuito externo e são adicionados a uma espécie o íon sódio e possui um número de transporte menor, 0,317.
química em solução. A oxidação ocorre no ânodo, onde os
elétrons são removidos de uma espécie química em solução Unidades elétricas
e vão para o circuito externo.
Na eletrólise de uma solução de sulfato férrico (sulfato De acordo com a lei de Ohm, a intensidade de uma corrente
de ferro III) em uma célula contendo eletrodos de platina, um elétrica I em ampères fluindo através de um condutor metálico
íon férrico migra para o cátodo, onde captura um elétron e é está relacionada à diferença no potencial aplicado ou voltagem
reduzido: E e à resistência R em ohms, da seguinte maneira:
Fe3 e Fe2 (6-1) E
I (6-7)
O íon sulfato carrega a corrente através da solução até o R
ânodo, mas não é facilmente oxidado. Portanto, os íons hidro- A intensidade da corrente I é a taxa de fluxo de corrente ou
xila na água são convertidos em oxigênio molecular, o qual a quantidade de eletricidade Q (carga elétrica) em coulombs
escapa no ânodo, e ácido sulfúrico é encontrado na solução em fluindo por unidade de tempo:
torno do eletrodo. A reação de oxidação no ânodo é: Q
1 1 I (6-8)
OH− O2 H2 O e (6-2) t
4 2 e
Eletrodos de platina são usados porque eles não passam Quantidade de carga elétrica, Q
em nenhum momento para a solução. Quando metais atacá-
Corrente I × Tempo t (6-9)
veis, como cobre ou zinco, são usados como ânodo, seus áto-
mos tendem a perder elétrons e o metal passa para a solução A quantidade de carga elétrica é expressa em coulombs (1
como um íon positivamente carregado. coulomb = 3 × 109 unidades eletrostáticas de carga, ou esu), a
Na eletrólise do cloreto cúprico (cloreto de cobre II) entre corrente em ampères e o potencial elétrico são expressos em
eletrodos de platina, a reação no cátodo é: volts.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 159

onde ρ é a resistência entre as faces opostas de um condutor


CONCEITO LEIS DE FARADAY cúbico de 1 cm de aresta, chamada de resistência específica
(ou resistividade).
A condutância, C, é o recíproco da resistência
Em 1833 e 1834, Michael Fara- uma variação química de um
1
day anunciou suas famosas leis equivalente-grama de qualquer C (6-14)
da eletricidade que podem ser substância. A quantidade 96.500 R
resumidas na afirmação de que é conhecida como o faraday, F. A e, portanto, pode ser considerada uma medida da facilida-
a passagem de 96.500 coulombs melhor estimativa para seu valor, de com a qual a corrente passa através do condutor. Ela é
de eletricidade através de uma hoje em dia, é de 9,648456 × 104 expressa em ohms recíprocos ou mhos. A partir da equação
célula de condutividade produz coulombs/equivalente-grama. (6-13):
1 1A
C (6-15)
R ρ l

A energia elétrica consiste de um fator intensidade, for- A condutância específica ou condutividade, κ, é o recípro-
ça eletromotiva ou voltagem, e um fator quantidade, carga em co da resistência específica, expressa em mhos/cm:
coulombs. 1
κ (6-16)
Energia elétrica E × Q (6-10) ρ
Ela é a condutância de uma solução confinada em um cubo
de 1 cm de aresta como aquele da Figura 6-2. A relação entre
Leis de Faraday a condutância específica e a condutância ou a resistência é ob-
Um íon univalente negativo é um átomo ao qual foi adicionado tida combinando-se as equações (6-15) e (6-16):
um elétron de valência. Um íon univalente positivo é um áto- l 1 l
κ C (6-17)
mo do qual um elétron foi removido. Cada equivalente-grama A RA
de íons de qualquer eletrólito carrega o número de Avogadro
(6,02 × 1023) de cargas positivas ou negativas. Assim, a par-
tir das Leis de Faraday, a passagem de 96.500 coulombs de Medindo a condutância de soluções
eletricidade resulta no transporte de 6,02 × 1023 elétrons na
célula. Um faraday é um número de Avogadro de elétrons, cor- A montagem de uma ponte de Wheatstone para medir a con-
respondendo ao mol, que é o número de Avogadro de molécu- dutância de uma solução é mostrada na Figura 6-3. A solu-
las. A passagem de 1 faraday de eletricidade causa a deposição ção de resistência desconhecida, Rx, é colocada na célula e
eletrolítica do seguinte número de átomos-grama ou móis de conectada ao circuito. O ponto de contato é movido ao longo
vários íons: 1 Ag+, 1 Cu+, 1/2 Cu2+,1/2 Fe2+, 1/3 Fe3+. Dessa do arame deslizante, bc, até que em algum ponto, digamos, d,
forma, o número de cargas positivas carregadas por 1 equiva- não haja corrente fluindo a partir da fonte de corrente alterna-
lente-grama de Fe3+ é 6,02 × 1023, mas o número de cargas po- da (oscilador) até o detector (fone ou osciloscópio). Quando
sitivas carregadas por 1 átomo-grama ou mol de íons férricos a ponte se encontra em eqüilíbrio, o potencial em a é igual
é 3 × 6,02 × 1023. àquele em d, o ruído nos fones ou o padrão oscilante no osci-
As leis de Faraday podem ser usadas para calcular a carga loscópio atinge um mínimo e as resistências Rs, R1, e R2 são
de um elétron da seguinte maneira: uma vez que 6,02 × 1023
elétrons são associados com 96.500 coulombs de eletricidade,
cada elétron tem a carga e de
96 500 coulombs
e Eletrodos
6 02 × 1023
1 6 × 10−19 coulomb (6-11)
e, uma vez que 1 coulomb = 3 × 109 esu,
e 4 8 × 10−10 esu (6-12)

Condutância eletrolítica
A resistência, R, em ohms, de qualquer condutor uniforme me-
tálico ou eletrolítico é diretamente proporcional ao seu com-
Volume contendo
primento, l, em cm, e inversamente proporcional à área de sua
um equivalente
seção transversal, A, em cm2, Condutância específica, k de soluto
l
R ρ (6-13) Figura 6-2 Relação entre a condutância específica e a condutância equi-
A valente.
160 P ATRICK J. S INKO

EXEMPLO 6-1
Mercúrio Calculando K
Condensador variável
Uma solução 0,1–demal de KCl foi colocada em uma célula cuja
Eletrodo constante K se quer determinar. A resistência, R, é igual a 34,69
ohms a 25 °C.
Célula Assim,
Detector K = κR = 0 012856 mho cm × 34 69 ohms
= 0 4460 cm−1

EXEMPLO 6-2
Oscilador
Calculando a condutância específica
Figura 6-3 Ponte de Wheatstone para medida de condutância.
Quando a célula descrita no Exemplo 6-1 foi preenchida com
uma solução 0,01 N de Na2SO4, ela mostrou uma resistência
de 397 ohms. Qual será a condutância específica? Podemos es-
crever:
lidas. No estado de equilíbrio, a resistência da solução, Rx, é
K 0 4460
obtida a partir da equação κ= = = 1 1234 × 10−3 mho cm
R 397
R1
Rx Rs (6-18)
R2
O condensador variável paralelo à resistência Rs é usado Condutância equivalente
para produzir um equilíbrio mais preciso. Algumas pontes
de condutividade são calibradas tanto em valores de con- Para estudar a dissociação de moléculas em íons, independen-
dutância como em resistência. Os eletrodos na célula são te da concentração do eletrólito, é conveniente usar a condu-
platinizados com negro de platina por deposição eletrolítica, tância equivalente no lugar da condutância específica. Todos
de forma que a catálise da reação ocorrerá nas superfícies os solutos de igual normalidade produzem o mesmo número
de platina e não haverá a formação de um filme gasoso não- de íons quando completamente dissociados, e a condutância
condutor nos eletrodos. equivalente mede a capacidade de condução de corrente des-
É usada água cuidadosamente purificada por redestila- se dado número de íons. A condutância específica, por outro
ção na presença de uma pequena quantidade de permanga- lado, mede a capacidade de condução de corrente de todos os
nato para preparar as soluções. A água de condutividade, íons em um volume unitário de solução e, assim, varia com a
como é chamada, possui uma condutância específica de cer- concentração.
ca de 0,05 × 10–6 mho/cm a 18 °C, enquanto que a água A condutância equivalente, Λ, é definida como a condu-
destilada ordinária tem um valor um pouco maior do que 1 tância de uma solução de volume suficiente que contenha 1
× 10–6 mho/cm. Para a maior parte dos estudos de conduti- equivalente-grama de soluto quando medida em uma célu-
vidade, a “água de equilíbrio” contendo CO2 da atmosfera é la na qual os eletrodos estão afastados 1 cm. A condutância
satisfatória. Ela tem uma condutância específica de cerca de equivalente, Λc, a uma concentração de c equivalentes-grama
0,8 × 10–6 mho/cm. por litro é calculada a partir do produto da condutância espe-
A condutância específica, κ, é calculada a partir da resis- cífica, κ, e do volume, V, em cm3, que contém 1 equivalente-
tência, Rx, ou da condutância, C, mediante o uso da equação grama do soluto. A célula pode ser imaginada como tendo
(6-17). A quantidade l/A, o quociente entre a distância entre eletrodos afastados em 1 cm e uma área suficiente que possa
os eletrodos e a área dos eletrodos, tem um valor definido conter a solução. Tal célula está mostrada na Figura 6-2. En-
para cada célula de condutância chamado de constante da tão teremos
célula, K. A equação (6-17) pode, então, ser escrita como: 0 cm3 litro
V cm3 Eq (6-20)
κ KC K R (6-19) c Eq litro c
(O subscrito x não é necessário em R e será, portanto, A condutância equivalente é obtida quanto κ, a condu-
omitido.) Seria difícil medir l e A, mas é fácil determinar tância por cm3 de solução (ou seja, a condutância específi-
a constante da célula de forma experimental. A condutância ca), for multiplicada por V, o volume em cm3 que contém 1
específica de diversas soluções-padrão foi determinada em equivalente-grama do soluto. Assim, a condutância equiva-
células cuidadosamente calibradas. Por exemplo, uma solu- lente, Λc, expressa em unidades de mho cm2/Eq, é dada pela
ção contendo 7,45263 g de cloreto de potássio em 1.000 g de expressão:
água tem uma condutância específica de 0,012856 mho/cm a c κ×V
25 °C. Uma solução com tal concentração contém 0,1 mol de κ
sal por decímetro cúbico (100 cm3) de água, conhecida como mho cm2 Eq (6-21)
solução 0,1 demal. Quando tal solução for colocada em uma c
célula e a resistência for medida, a constante de célula pode Se a solução tiver concentração de 0,1 N, então o volume
ser determinada mediante o uso da equação (6-19). contendo 1 equivalente-grama será 10.000 cm3 e, de acordo
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 161

com a equação (6-21), a condutância equivalente será 10.000 função linear da raiz quadrada da concentração para eletrólitos
vezes maior que a condutância específica. Isso será visto no fortes em soluções diluídas, como ilustrado na Figura 6-4. A
exemplo seguinte. expressão para Λc, a condutância equivalente a uma concentra-
ção c (Eq/L), é

EXEMPLO 6-3 c 0−b c (6-22)
Condutância específica e equivalente onde Λ0 é o intercepto no eixo vertical, conhecido como a con-
A medida da condutância de uma solução 0,1 N de um fármaco dutância equivalente à diluição infinita. A constante b é a in-
é 0,0563 ohm a 25 °C. A constante de célula a 25 °C é 0,520 cm–1. clinação da linha para os eletrólitos fortes, como mostrado na
Qual será a condutância específica e qual será a condutância equi- Figura 6-4.
valente da solução nessa concentração? Podemos escrever Quando a condutância equivalente de um eletrólito fraco
κ = 0 0563 × 0 520 = 0 0293 mho cm for representada graficamente contra a raiz quadrada da con-
centração, como é mostrado para o ácido acético na Figura
Λc = 0 0293 × 01 6-4, a curva não pode ser extrapolada para um valor-limite e
= 293 mho cm2 Eq Λ0 deve ser obtido a partir de um método descrito no próximo
parágrafo. A curva fortemente ascendente para o ácido acético
resulta do fato de que a dissociação de eletrólitos fracos au-
Condutância equivalente de eletrólitos fortes e menta sob a diluição, com um grande aumento no número de
fracos íons capazes de carregar a corrente.
Kohlrausch concluiu que os íons de todos os eletrólitos
Quando uma solução de um eletrólito forte é diluída, a condu- começam a migrar de forma independente quando a solução
tância específica, κ, decresce porque o número de íons por uni- é diluída. Os íons em uma solução diluída encontram-se tão
dade de volume de solução se reduz. Ele, às vezes, passa por distantes que não interagem de modo nenhum. Sob essas cir-
um máximo antes de decrescer. A condutância equivalente, Λ, cunstâncias, Λ0 é a soma das condutâncias equivalentes dos
de uma solução de eletrólitos fortes, contudo, sempre aumenta cátions lco e dos ânions lao a diluição infinita
com a diluição. O aumento em Λ com a diluição é explicado da 0 lc o la o (6-23)
seguinte maneira: a quantidade de eletrólito permanece cons-
tante e igual a 1 equivalente-grama, de acordo com a definição Baseando-se nessa lei, os valores conhecidos de Λ0 para
da condutância equivalente. Os íons, contudo, encontram-se certos eletrólitos podem ser adicionados e subtraídos para re-
menos impedidos pelos seus vizinhos em uma solução diluída sultar Λ0 para o eletrólito fraco desejado. O método é ilustrado
e, portanto, se movem mais rápido. A condutância equivalente no exemplo seguinte.
de um eletrólito fraco também aumenta com a diluição, mas
não muito rapidamente, no início. EXEMPLO 6-4
Kohlrausch foi um dos primeiros cientistas a estudar esse
fenômeno. Ele concluiu que a condutância equivalente é uma Condutância equivalente do fenobarbital
Qual é a condutância equivalente a diluição infinita do ácido fraco
fenobarbital? O valor de Λ0 para os eletrólitos fortes HCl, feno-
barbital sódico (NaP) e NaCl são obtidos a partir dos resultados
experimentais mostrados na Figura 6-4. Os valores são Λ0,HCl =
426,2, Λ0,NaP = 73,5, e Λ0,NaCl = 126,5 mho cm2/Eq.
Agora, pela lei de Kohlrausch da migração independente dos
íons
o o
Λ0 HP = lH+ + lP−
e
Λ0 HCl +Λ0 NaP − Λ0 NaCl = lH+
o o
+lCl− o
+ lNa+ o
+ lP− − lNa+
o
− lCl−
o

a qual, sob simplificação do seu lado direito, torna-se


Λ0 HCl + Λ0 NaP − Λ0 NaCl = lH+
o o
+ lP−
Portanto,
Λ0 HP = Λ0 HCl + Λ0 NaP − Λ0 NaCl
e
Λ0 HP = 426 2 + 73 5 − 126 5
= 373 2 mho cm2 Eq

Propriedades coligativas de soluções eletrolíticas e


, , , soluções concentradas de não-eletrólitos
Como mencionado no capítulo anterior, van’t Hoff observou
Figura 6-4 Condutância equivalente de eletrólitos fortes e fracos. que a pressão osmótica, π, de soluções diluídas de não-ele-
162 P ATRICK J. S INKO

trólitos, como sacarose ou uréia, pode ser expressa satisfato- A equação (6-25) se aplica apenas a soluções aquosas, en-
riamente pela equação π = RTc (equação [5-34]), onde R é a quanto que as equações (6-26) até (6-28) são independentes do
constante universal dos gases, T é a temperatura absoluta e c é solvente usado.
a concentração em móis/litro. Van’t Hoff constatou, contudo,
que soluções de eletrólitos têm pressões osmóticas duas, três EXEMPLO 6-5
ou mais vezes maiores do que o esperado por essa equação, de-
pendendo do eletrólito investigado. Introduzindo um fator de Pressão osmótica do cloreto de sódio
correção i para levar em conta o comportamento das soluções Qual é a pressão osmótica de uma solução 2,0 m de cloreto de
iônicas, ele escreveu: sódio a 20 °C?
O fator i para uma solução 2,0 m de cloreto de sódio, como
π iRTc (6-24)
observado na Figura 6-5, vale cerca de 1,9. Assim,
Usando esta equação, van’t Hoff pôde obter valores π = 1 9 × 0 082 × 293 × 2 0 = 91 3 atm
calculados que puderam ser comparados com os resultados
experimentais da pressão osmótica. Ele reconheceu que i
se aproxima do número de íons nos quais a molécula pode
dissociar-se à proporção que a solução se torna progressiva- TEORIA DE ARRHENIUS DA DISSOCIAÇÃO
mente mais diluída.
O fator i é representado graficamente contra a concentra- ELETROLÍTICA
ção molal de eletrólitos e não-eletrólitos na Figura 6-5. Para
não-eletrólitos, ele se aproxima da unidade e, para eletrólitos Durante o período no qual van’t Hoff desenvolvia suas leis
fortes, ele tende ao valor que corresponde ao número de íons de soluções, o químico sueco Svante Arrhenius preparava sua
formado sob dissociação. Por exemplo, i se aproxima do valor tese de doutoramento sobre as propriedades de eletrólitos na
2 para solutos como NaCl e CaSO4, 3 para K2SO4 e CaCl2, e 4 Universidade de Uppsala, na Suécia. Em 1887, ele publicou
para K3Fe(CN)6 e FeCl3. os resultados de suas investigações e propôs a agora clássica
O fator de van’t Hoff também pode ser expresso como o teoria da dissociação.1 A nova teoria resolveu muitas das ano-
quociente entre qualquer propriedade coligativa de uma solu- malias encontradas nas interpretações anteriores das soluções
ção real e de uma solução ideal de um não-eletrólito, porque i eletrolíticas. Embora a teoria fosse vista de modo desfavorá-
representa o número de vezes que o efeito coligativo é maior vel por alguns cientistas influentes do século XIX, os princí-
na solução real (tanto eletrolítica quanto não-eletrolítica) do pios básicos de Arrhenius da dissociação eletrolítica foram
que na solução ideal não-eletrolítica. gradualmente aceitos e ainda são considerados válidos hoje
As propriedades coligativas em soluções diluídas de ele- em dia. A teoria da existência de íons em soluções de eletró-
trólitos são expressas na escala molal pelas equações: litos, mesmo em temperaturas ordinárias, permanece intacta,
p 0 018i p1 ◦ m (6-25) à parte de certas modificações e elaborações que foram feitas
durante os anos para trazê-la de acordo com certos fatos ex-
π iRT m (6-26) perimentais.
A teoria original de Arrhenius, juntamente com as altera-
Tf iKf m (6-27) ções que vieram como resultado da intensa pesquisa em eletró-
litos, são resumidas como segue. Quando os eletrólitos são dis-
Tb iK b m (6-28) solvidos em água, o soluto existe na forma de íons em solução,
como pode ser visto nas seguintes equações:

H2 O Na Cl → Na Cl− H2 O
[Composto iônico]

[Eletrólito forte] (6-29)



H2 O HCl → H3 O Cl
[Composto
covalente]
[Eletrólito forte] (6-30)

H2 O CH3 COOH H3 O CH3 COO
[Composto
Sacarose covalente]
[Eletrólito fraco] (6-31)
A forma sólida do cloreto de sódio está marcada com si-
Molalidade nais positivos e negativos na reação (6-29) para indicar que o
cloreto de sódio existe como íon mesmo no estado cristalino.
Figura 6-5 Fator i de van’t Hoff para alguns compostos representativos. Se eletrodos forem conectados a uma fonte de corrente e colo-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 163

CONCEITO FATOR i DE VAN’T HOFF


O fator i pode ser considerado como a expressão do desvio, em soluções sociação do soluto seja do solvente. Os desvios, nas soluções eletrolíticas,
concentradas de não-eletrólitos, das leis das soluções ideais. Os desvios em relação aos efeitos coligativos de soluções ideais de não-eletrólitos
de soluções concentradas de não-eletrólitos podem ser explicados do mes- podem ser atribuídos, além de aos fatores já mencionados, à dissociação
mo modo que os desvios das soluções reais em relação à Lei de Raoult, dos eletrólitos fracos e à interação dos íons de eletrólitos fortes. Assim, o
considerados no capítulo anterior. Eles incluem diferenças nas pressões in- fator de van’t Hoff i leva em conta os desvios das soluções reais de não-
ternas do soluto ou solvente, formação de composto ou complexação e as- eletrólitos e eletrólitos, não importando a razão das discrepâncias.

cados em uma massa de cloreto de sódio fundido, a substância como as sulfonamidas, presume-se que exerçam sua ação tan-
conduzirá a corrente elétrica porque a rede cristalina do sal to enquanto íons como enquanto moléculas neutras.3
puro consiste de íons. A adição de água ao sólido dissolve o
cristal e separa os íons em solução.
Os cloreto de hidrogênio existe, essencialmente, como Grau de dissociação
moléculas neutras e não como íons na forma pura, e não con-
duz eletricidade. Quando ele reage com a água, contudo, io- Arrhenius não considerou, de início, que os eletrólitos fortes
niza de acordo com a reação (6-30). H3O+ é a representação fossem completamente ionizados, exceto em soluções extre-
moderna do íon hidrogênio em água sendo conhecido como mamente diluídas. Ele estabeleceu a diferença entre eletrólitos
íon hidrônio ou oxônio. Além de H3O+, há outras espécies fortes e fracos pela fração de moléculas ionizadas: o grau de
hidratadas de próton em solução, mas não será necessário dissociação, α. Um eletrólito forte era aquele que dissociava-
se em íons em um alto grau, enquanto que um eletrólito forte
considerá-las.2
dissociava-se em íons em um grau menor.
Cloreto de sódio e ácido clorídrico são eletrólitos fortes
Arrhenius determinou o grau de dissociação diretamen-
porque eles existem quase completamente na forma iônica em
te a partir de medidas de condutância. Ele reconheceu que a
soluções aquosas moderadamente concentradas. Ácidos inor-
condutância equivalente à diluição infinita, Λ0, era uma me-
gânicos como HCl, HNO3, H2SO4, e HI, bases inorgânicas
dida da dissociação completa do soluto em íons e que Λc re-
como NaOH e KOH da família dos metais alcalinos e Ba(OH)2
presentava o número de partículas de soluto presentes como
e Ca(OH)2 da família dos metais alcalino-terrosos, bem como
íons a uma concentração c. Assim, a fração de moléculas de
a maioria dos sais inorgânicos e orgânicos são muito ionizados
soluto ionizadas, ou grau de dissociação, era expresso pela
e pertencem à classe dos eletrólitos fortes.
equação4
O ácido acético é um eletrólito fraco, e as setas de senti-
dos opostos na equação (6-31) indicam que se estabelece um c
α (6-32)
equilíbrio entre moléculas e íons. A maioria dos ácidos e ba- 0
ses orgânicos e muitos compostos inorgânicos, como H3BO3,
onde Λc/Λ0 é conhecido como o quociente de condutância.
H2CO3 e NH4OH, pertencem à classe dos eletrólitos fracos.
Mesmo alguns sais (acetato de chumbo, HgCl2, HgI, e HgBr)
e os íons complexos Hg(NH3)2+, Cu(NH3)42+ e Fe(CN)63– são EXEMPLO 6-6
eletrólitos fracos. Grau de dissociação do ácido acético
Faraday aplicou o termo íon (do grego; “aquele que ca-
A condutância equivalente do ácido acético a 25 °C e diluição
minha”) para essas espécies de eletrólitos e reconheceu que
infinita é 390,7 ohm cm2/Eq. A condutância equivalente de uma
os cátions (íons carregados positivamente) e os ânions (íons solução 5,9 × 10–3M de ácido acético é 14,4 ohm cm2/ Eq. Qual é
carregados negativamente) eram responsáveis pela condução o grau de dissociação do ácido acético nessa concentração? Pode-
da corrente elétrica. Antes do tempo das publicações de Ar- mos escrever
rhenius, acreditava-se que um soluto não se decompunha de
14 4
forma espontânea em água, mas somente se dissociaria apre- α= = 0 037 ou 3 7%
390 7
ciavelmente em íons quando uma corrente elétrica fosse pas-
sada pela solução.
O fator de van’t Hoff, i, pode ser conectado com o grau de
dissociação, α, da seguinte maneira: o fator i é igual a 1 para
Fármacos e ionização uma solução ideal de um não-eletrólito. Contudo, um termo
deve ser adicionado para levar em conta as partículas produzi-
Alguns fármacos, como agentes antibacterianos e antiproto-
das quando uma molécula de um eletrólito dissocia. Para um
zoários aniônicos e catiônicos, são mais ativos quando no es-
mol de cloreto de cálcio, que produz três íons por molécula, o
tado iônico. Outros compostos, tais como ésteres de hidroxi-
fator de van’t Hoff é dado por
benzoatos (parabenos) e muitos anestésicos gerais, têm efeito
biológico como não-eletrólitos. Outros compostos, ainda, tais i 1 α(3 − 1) (6-33)
164 P ATRICK J. S INKO

ou, de um modo geral para um eletrólito produzindo v íons, A teoria de Arrhenius agora é aceita apenas para a descri-
i 1 α(v − 1) (6-34) ção do comportamento de eletrólitos fracos. O grau de disso-
ciação de um eletrólito fraco pode ser calculado de maneira sa-
a partir da qual podemos obter uma expressão para o grau de tisfatória a partir do quociente de condutância, Λc/Λ0 ou obtido
dissociação, a partir do fator i de van’t Hoff.
i −1 Quando se tenta aplicar essa teoria a eletrólitos fortes,
α (6-35) contudo, surgem muitas inconsistências. Em soluções diluí-
v −1
das ou moderadamente concentradas, os eletrólitos fortes
O método crioscópico é usado para se determinar i a partir se dissociam completamente em íons, e não é satisfatório
da expressão escrever uma expressão de equilíbrio relacionando a con-
Tf iK f m (6-36) centração de íons e a diminuta quantidade de moléculas
não-dissociadas, como é feito para os eletrólitos fracos (Ca-
ou pítulo 7). Além disso, há uma discrepância entre os valores
Tf de α calculados a partir do valor de i e aqueles calculados a
i (6-37)
Kf m partir do quociente de condutividades para eletrólitos fortes
em soluções aquosas com concentrações superiores a cerca
de 0,5 M.
EXEMPLO 6-7 Por essas razões, não se leva em conta o desvio de um
Grau de ionização do ácido acético eletrólito forte em relação ao comportamento ideal não-ele-
O ponto de congelamento de uma solução 0,10 m de ácido acético trolítico pelo cálculo de um grau de ionização. É mais conve-
é –0,188 °C. Calcular o grau de ionização do ácido acético nessa niente considerar o eletrólito forte como completamente io-
concentração. O ácido acético dissocia em dois íons, ou seja, v = 2. nizado e introduzir um fator que expressa o desvio do soluto
Escrevemos da ionização de 100%. A atividade e o coeficiente osmótico,
0 188
discutidos nos parágrafos subseqüentes, são usados para tais
i = = 1 011 propósitos.
1 86 × 0 10
i −1 1 011 − 1
α= = = 0 011
v −1 2−1 Atividade e coeficientes de atividade
Uma abordagem que concorda com os fatos e que surgiu
Em outras palavras, de acordo com o resultado do Exem- de um grande número de estudos de soluções de eletrólitos
plo 6-7, a fração de ácido acético presente como íons livres em fortes atribui seu comportamento a uma atração eletrostática
uma solução 0,10 m é 0,011. Expresso em termos de porcenta- entre os íons.
gem, o ácido acético em uma solução 0,10 m está ionizado em Não apenas os íons interferem uns nos outros em seu mo-
uma extensão de cerca de 1%. vimento, mediante uma “atmosfera” de íons de carga oposta
que os circunda, mas eles também podem se associar a altas
concentrações em pares iônicos (por exemplo, Na+Cl–) e triple-
tos iônicos (Na+Cl–Na+). Podem existir associações de ordens
TEORIA DOS ELETRÓLITOS FORTES mais elevadas em solventes de baixa constante dielétrica, nas
quais a força de atração entre íons de carga oposta é elevada.
Arrhenius usou α para expressar o grau de dissociação de ele- Por causa da atração eletrostática e da associação iônica
trólitos fortes e fracos, e van’t Hoff introduziu o fator i para le- em soluções moderadamente concentradas de eletrólitos for-
var em conta os desvios de eletrólitos fortes e fracos e também tes, os valores de abaixamento do ponto de congelamento e
dos não-eletrólitos em relação às leis ideais das propriedades outras propriedades coligativas são menores que os esperados
coligativas, não importando a natureza dessas discrepâncias. para soluções de íons desimpedidos. Conseqüentemente, um
De acordo com as primeiras teorias iônicas, o grau de dissocia- eletrólito forte pode estar completamente ionizado, porém dis-
ção do cloreto de amônio, um eletrólito forte, era calculado do sociado de modo incompleto em íons livres.
mesmo modo que o de um eletrólito fraco. Podemos pensar como se a solução tivesse uma “con-
centração efetiva” ou, como é chamada, uma atividade. A
EXEMPLO 6-8 atividade, em geral, é menor do que a concentração real ou
estequiométrica do soluto, não porque o eletrólito forte esteja
Grau de dissociação parcialmente ionizado, mas sim porque alguns de seus íons
O abaixamento do ponto de congelamento para uma solução 0,01 são “retirados do jogo” pelas forças eletrostáticas de intera-
m de cloreto de amônio é 0,0367 °C. Calcular o “grau de dissocia- ção. Em diluição infinita, na qual os íons se encontram tão
ção” do eletrólito. Escrevemos amplamente separados que não interagem entre si, a atividade
ΔT f 0 0367 ◦ C a de um íon é igual a sua concentração, expressa como mo-
i = = = 1 97
Kfm 1 86 × 0 010 lalidade ou molaridade. Ela é escrita, em uma base molal, a
diluição infinita, como
1 97 − 1
α= = 0 97
2−1 a m (6-38)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 165

CONCEITO ELETRÓLITOS FORTES E FRACOS


O grande número de íons carregados opostamente em soluções de eletró- fracos, independentemente da concentração, o número de íons é pequeno
litos se influencia de forma mútua por meio de forças interiônicas atrati- e a atração interiônica, portanto, insignificante. Assim, a teoria de Arrhe-
vas. Embora a interferência seja desprezível em soluções diluídas, ela se nius e o conceito de grau de dissociação são válidos para soluções de
torna apreciável em concentrações moderadas. Em soluções de eletrólitos eletrólitos fracos, mas não para eletrólitos fortes.

ou onde os expoentes m e n dão os coeficientes estequiométricos


a dos íons em solução. Assim, uma solução de NaCl tem uma
1 (6-39) atividade iônica média de
m
À medida que a concentração da solução aumenta, o a± (aNa aCl− )1 2

quociente se torna inferior à unidade, porque a concentra- enquanto que uma solução de FeCl3 tem uma atividade iônica
ção efetiva ou atividade dos íons se torna menor do que a média de
concentração estequiométrica ou molal. O quociente é co-
a± (aFe 3 aCl− 3 )1 4
nhecido como coeficiente de atividade prático, γm, na escala
molal, e a fórmula é escrita, para uma espécie iônica espe- As atividades iônicas da equação (6-44) podem ser expres-
cífica como: sas em termos das concentrações usando qualquer uma das
a equações (6-41) a (6-43). Usando a equação (6-42), se obtém,
γm (6-40) a partir da equação (6-44), a expressão
m
ou a± [(γ c )m (γ− c− )n ]1 (m n)
(6-45)
a γm m (6-41) ou
Na escala da molaridade, outro coeficiente de atividade a± (γ m
γ− n )1 (m n)
(c m
c− n )1 (m n)
(6-46)
prático, γc, é definido como O coeficiente médio de atividade iônica para o eletrólito
a γc c (6-42) poder ser definido como
e, na escala da fração molar, um coeficiente de atividade racio- γ± (γ m
γ− n )1 (m n)
(6-47)
nal é definido como e
a γx X (6-43) γ±m n
γ m
γ− n (6-48)
Pode ser visto, nas equações (6-41) até (6-43), que os co- A substituição da equação (6-47) na equação (6-46) re-
eficientes são constantes de proporcionalidade relacionando sulta em
atividade a molalidade, molaridade e fração molar, respecti-
a± γ± (c m
c− n )1 (m n)
(6-49)
vamente, para um íon. Os coeficientes de atividade assumem
o valor unitário e são, portanto, idênticos em soluções infinita- Ao usar a equação (6-49), devemos notar que a concen-
mente diluídas. Os três coeficientes normalmente decrescem e tração do eletrólito c está relacionada à concentração dos seus
assumem diferentes valores quando a concentração aumenta. íons por
As diferenças entre os três coeficientes de atividade, contudo, c mc (6-50)
podem ser negligenciadas em soluções diluídas quando c ∼ m
< 0,01. Os conceitos de atividade e coeficiente de atividade e
foram introduzidos pela primeira vez por Lewis e Randall5 e c− nc (6-51)
podem ser aplicados a soluções de não-eletrólitos e de eletró-
litos fracos, bem como aos íons dos eletrólitos fortes.
Um cátion e um ânion em uma solução aquosa podem, EXEMPLO 6-9
cada um, ter uma atividade iônica diferente. Isso é reconhe- Atividade iônica média do FeCl3
cido ao se usar os símbolos a+ quando se fala da atividade do Qual é a atividade iônica média de uma solução 0,01 M de FeCl3?
cátion e a– quando se fala da atividade do ânion. Um eletró- Podemos escrever
lito em solução contém cada um desses íons, de modo que é
a± = γ± (c+ c− 3 )1 4
= γ± [(0 01)(3 × 0 01)3 ]1 4
conveniente definir uma relação entre a atividade do eletrólito
a± e as atividades dos íons individuais. A atividade de um ele- = 2 3 × 10−2 γ±
trólito é definida por sua atividade iônica média, que é dada
pela relação
m
É possível obter o coeficiente médio de atividade iônica,
a± (a a− n )1 (m n)
(6-44) γ±, de um eletrólito por diversos métodos experimentais, bem
166 P ATRICK J. S INKO

como por uma abordagem teórica. Os métodos experimentais 1,6


incluem estudos de coeficientes de distribuição, medidas de
força eletromotriz, métodos de propriedades coligativas e de- 1,4

Coeficiente de atividade média, γ±


terminações de solubilidade. Os resultados podem ser usados
para se obterem valores aproximados para os coeficientes de 1,2
atividade de íons individuais, quando se desejar.6
Debye e Hückel desenvolveram um método teórico me- 1,0
diante o qual é possível calcular o coeficiente de atividade de
um íon, bem como o coeficiente médio de atividade iônica de 0,8
um soluto, sem recurso a dados experimentais. Embora a equa-
ção teórica concorde com os resultados experimentais apenas 0,6
em soluções diluídas (tão diluídas, de fato, que alguns quími-
cos se referem, de forma jocosa, a tais soluções como “água 0,4
levemente contaminada”), ela tem algum valor prático em
cálculos de soluções. Além disso, a equação de Debye-Hückel 0,2
fornece uma importante confirmação da teoria moderna das
soluções.
Os coeficientes de atividade iônica média para um núme- 0,4 0,8 1,2 1,6 2,0
ro de eletrólitos são fornecidos na Tabela 6-1. Os resultados Molalidade
de diferentes pesquisadores variam na terceira casa decimal. Figura 6-6 Coeficientes de atividade iônica média para eletrólitos represen-
Assim, a maior parte dos dados da tabela está registrada ape- tativos, demonstradas graficamente contra a raiz quadrada da concentração.
nas com duas casas decimais, fornecendo precisão suficiente
para os cálculos neste livro. Embora os valores na tabela sejam
dados em diferentes molalidades, podemos aceitar esses coefi-
cientes de atividade para problemas envolvendo concentrações a atividade seja menor do que a concentração estequiométri-
molares (quando m < 0,1) porque, em soluções diluídas, a di- ca. O aumento do coeficiente de atividade após o mínimo na
ferença entre molalidade e molaridade não é muito grande. curva de um eletrólito, como HCl e CaCl2, pode ser atribuído
Os valores médios da Tabela 6-1 para NaCl, CaCl2, e à atração das moléculas de água pelos íons em soluções aquo-
ZnSO4 estão registrados graficamente na Figura 6-6 contra a sas concentradas. A solvatação reduz as atrações interiônicas e
raiz quadrada da molalidade. A razão para esse gráfico da raiz aumenta o coeficiente de atividade do soluto. É o mesmo efei-
quadrada da concentração se dá em função da forma da equa- to que resulta no “salting-out” de não-eletrólitos de soluções
ção de Debye-Hückel. O coeficiente de atividade se aproxima aquosas às quais se acrescentam eletrólitos.
da unidade com diluição crescente. À medida que as concen-
trações de alguns dos eletrólitos aumentam, suas curvas pas-
sam através de mínimos e aumentam novamente para valores Atividade do solvente
maiores do que a unidade. Embora as curvas para diferentes
eletrólitos da mesma classe iônica coincidam em baixas con- Até agora, a discussão da atividade e dos coeficientes de ati-
centrações, elas diferem muito em valores maiores. A dimi- vidade foi centrada no soluto e, em particular, em eletrólitos.
nuição inicial no coeficiente de atividade com o aumento da Costuma-se definir a atividade do solvente na escala da fração
concentração é devida à atração interiônica, que faz com que molar. Quando uma solução é infinitamente diluída, ela pode

TABELA 6-1
COEFICIENTES DE ATIVIDADE IÔNICA MÉDIA PARA ALGUNS ELETRÓLITOS FORTES A 25 °C NA ESCALA MOLAL

Molalidade (m) HCl NaCl KCl NaOH CaCl2 H2SO4 Na2SO4 CuSO4 ZnSO4
0,000 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00
0,005 0,93 0,93 0,93 – 0,79 0,64 0,78 0,53 0,48
0,01 0,91 0,90 0,90 0,90 0,72 0,55 0,72 0,40 0,39
0,05 0,83 0,82 0,82 0,81 0,58 0,34 0,51 0,21 0,20
0,10 0,80 0,79 0,77 0,76 0,52 0,27 0,44 0,15 0,15
0,50 0,77 0,68 0,65 0,68 0,51 0,16 0,27 0,067 0,063
1,00 0,81 0,66 0,61 0,67 0,73 0,13 0,21 0,042 0,044
2,00 1,01 0,67 0,58 0,69 1,55 0,13 0,15 – 0,035
4,00 1,74 0,79 0,58 0,90 2,93 0,17 0,14 – –
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 167

ser considerada como consistindo essencialmente de solvente derado a solução de diluição infinita na qual a concentração do
puro. Portanto, X1 ∼1, e o solvente se comporta de forma ideal, soluto e a força iônica (ver adiante) da solução são pequenas.
em conformidade com a lei de Raoult. Sob essa condição, a Sob essas condições, a atividade é igual à concentração e o
fração molar pode ser definida como igual à atividade do sol- coeficiente de atividade é unitário.
vente, ou
a X1 1 (6-52)
Estado-padrão
À medida que a solução se torna mais concentrada no
soluto, a atividade do solvente torna-se menor do que a As atividades ordinariamente usadas na química são atividades
concentração em fração molar, e o quociente pode ser defi- relativas. Não é possível conhecer o valor absoluto da ativida-
nido, de modo similar ao soluto, pelo coeficiente de ativi- de de um componente. Um padrão deve ser definido, portanto,
dade racional, como foi feito no Capítulo 1 para as propriedades fundamen-
a tais mensuráveis.
γx (6-53) O estado-padrão de um componente em uma solução
X1
é o estado do componente em atividade unitária. A ativi-
ou dade relativa em qualquer solução é então o quociente en-
a γx X 1 (6-54) tre a atividade nesse estado e a atividade no estado-padrão.
Quando definida nesses termos, a atividade é um número
A atividade de um solvente volátil pode ser determinada adimensional.
de modo bastante simples. O quociente entre a pressão de va- O líquido puro a 1 atm e a uma temperatura definida é es-
por, p1, do solvente em solução e a pressão de vapor do solven- colhido como o estado-padrão de um solvente ou de um soluto
te puro p1°, é aproximadamente igual à atividade do solvente a líquido miscível com o solvente porque, para o líquido puro, a
pressões ordinárias a1 = p1/p°. = 1. Uma vez que a fração molar do solvente puro é também
unitária, a fração molar é igual à atividade, e o estado de refe-
EXEMPLO 6-10 rência é idêntico ao estado-padrão.
O estado-padrão do solvente em uma solução sólida é
Calculando a tendência de escape
o sólido puro a 1 atm e a uma temperatura definida. A atri-
A pressão de vapor da água em uma solução contendo 0,5 móis de buição de a = 1 a líquidos e sólidos puros se mostrará con-
sacarose em 1.000 g de água é 17,38 mm Hg e a pressão de vapor veniente em discussões posteriores sobre equilíbrio e força
da água pura a 20 °C é 17,54 mm Hg. Qual é a atividade (ou ten- eletromotriz.
dência de escape) da água na solução? Podemos escrever: O estado-padrão de um soluto de solubilidade limitada é
17 38 mais difícil de definir. A atividade do soluto em uma solução
a= = 0 991
17 54 infinitamente diluída, embora seja igual à concentração, não
é unitária, e o estado-padrão não é, portanto, igual ao esta-
do de referência. O estado-padrão do soluto é definido como
Estado de referência uma solução hipotética de concentração unitária (fração mo-
lar, molalidade ou molaridade) tendo, ao mesmo tempo, as
A atribuição de atividades aos componentes de soluções características de uma solução ideal ou infinitamente diluída.
fornece uma medida da extensão do desvio em relação ao Para uma compreensão completa, essa definição requer um
comportamento de uma solução ideal. Para tal propósito, desenvolvimento cuidadoso, como o realizado por Klotz e
devemos definir um estado de referência no qual cada com- Rosenberg.7
ponente se comporta de forma ideal. O estado de referência
pode ser definido como a solução na qual a concentração
(fração molar, molalidade ou molaridade) do componente é Força iônica
igual à atividade,
Em soluções diluídas de não-eletrólitos, as atividades e as
Atividade = Concentração
concentrações são consideradas como sendo praticamente
ou, o que tem o mesmo significado, o coeficiente de atividade idênticas porque nelas as forças eletrostáticas não levam a
é igual à unidade, desvios em relação ao comportamento ideal. De modo seme-
Atividade lhante, para eletrólitos fracos que estão presentes sozinhos
γi 1 em solução, as diferenças entre os termos de concentração
Concentração
iônica e as atividades costumam ser negligenciadas porque o
O estado de referência para um solvente na escala da fração número de íons presentes é pequeno e as forças eletrostáticas
molar foi mostrado, na equação (6-52), como sendo o solvente são desprezíveis.
puro. O estado de referência para o soluto pode ser escolhido Contudo, para eletrólitos fortes e para soluções de eletróli-
dentre várias possibilidades: se um soluto líquido é miscível tos fracos juntamente com os seus sais e outros eletrólitos, tais
com o solvente (p. ex., uma solução de álcool em água), a con- como os sistemas tamponantes, é importante usar atividades
centração pode ser expressa em fração molar e o líquido puro no lugar de concentrações. O coeficiente de atividade e, por-
pode ser tomado como o estado de referência, como para com tanto, a atividade, podem ser obtidos usando uma das formas
o solvente. Para um soluto líquido ou sólido com solubilidade da equação de Debye-Hückel (considerada posteriormente) se
limitada no solvente, o estado de referência costuma ser consi- conhecermos a força iônica da solução. Lewis e Randall8 intro-
168 P ATRICK J. S INKO

duziram o conceito de força iônica, μ, para relacionar atrações EXEMPLO 6-12


interiônicas e coeficientes de atividade. A força iônica é defini-
da na escala molar como Força iônica de uma solução
1 Um tampão contém 0,3 móis de K2HPO4 e 0,1 móis de KH2PO4
μ (c1 z 1 2 c2 z 2 2 c3 z 3 2 c j z j 2) (6-55) por litro de solução. Calcule a força iônica da solução.
2
As concentrações dos íons de K2HPO4 são [K+] = 0,3 × 2 e
ou, em notação abreviada, [HPO42–] = 0,3. Os valores para KH2PO4 são [K+] = 0,1 e [H2PO4–]
1
j = 0,1. Quaisquer contribuições a μ devidas à dissociação posterior
μ ci z i 2 (6-56) de [HPO42–] e [H2PO4–] são negligenciadas. Assim,
2 1 1
μ= [(0 3 × 2 × 12 ) + (0 3 × 22 ) + (0 1 × 12 ) + (0 1 × 12 )]
onde o símbolo do somatório indica que o produto dos ter- 2
mos cz2 para todas as espécies iônicas em solução, desde a μ=10
primeira até a j-ésima, são adicionados. O termo ci é a con-
centração em móis/litro de qualquer um dos íons, e zi é a sua
valência. A força iônica representa a contribuição dos íons, Pode-se observar, no Exemplo 6-11 que a força iônica de um
de todos os tipos, às forças eletrostáticas. Elas dependem eletrólito 1:1 como KCl é idêntica à sua concentração molar. μ
do número total de cargas iônicas e não das propriedades para um eletrólito 1:2 como Na2SO4 é três vezes a concentração
específicas dos sais presentes em solução. Observe-se que e μ para um eletrólito 2:2 é igual a quatro vezes a concentração.
íons bivalentes são equivalentes não a dois, mas a quatro Os coeficientes de atividade iônica média de eletrólitos
íons univalentes. Assim, introduzindo o quadrado da valên- devem ser expressos em diversas força iônicas em vez de con-
cia, podemos dar um peso apropriado aos íons de carga ele- centrações. Lewis mostrou a uniformidade nos coeficientes de
vada. A soma é dividida em dois porque os pares de íons atividade quando eles são relacionados à força iônica:
positivos-negativos contribuem para a interação eletrostática (a) O coeficiente de atividade de um eletrólito forte é apro-
total, enquanto nosso interesse é no efeito de cada íon em ximadamente constante em todas as soluções diluídas de
separado. mesma força iônica, não importando o tipo de sais usados
para fornecer a força iônica adicional.
EXEMPLO 6-11 (b) Os coeficientes de atividade de todos os eletrólitos for-
Calculando a força iônica tes de uma classe, por exemplo, todos os eletrólitos uni-
Qual é a força iônica de (a) KCl 0,010 M, (b) BaSO4 0,010 M, e univalentes, são aproximadamente os mesmos a uma dada
(c) Na2SO4 0,010 M, e (d) qual é a força iônica de uma solução força iônica, desde que as soluções sejam diluídas.
contendo todos os três eletrólitos junto com ácido salicílico 0,010 Os resultados na Tabela 6-1 ilustram a similaridade dos
M em solução aquosa? coeficientes de atividade iônica média para os eletrólitos 1:1
(a) KCl: em baixas concentrações (abaixo de 0,1 m) e as diferenças que
1 se tornam marcantes em altas concentrações.
μ= [(0 01 × 12 ) + (0 01 × 12 )] Bull9 salientou a importância do princípio da força iônica
2
na bioquímica. No estudo da influência do pH na ação bioló-
= 0 010
gica, o efeito da concentração variável de sal no tampão pode
(b) BaSO4: obscurecer os resultados, a não ser que o tampão seja ajustado
1 para a força iônica constante em cada experimento. Se a ação
μ= [(0 01 × 22 ) + (0 01 × 22 )] bioquímica for afetada pelos sais específicos usados, contudo,
2
= 0 040 mesmo essa precaução pode não falhar em fornecer resultados
satisfatórios. Nos capítulos sobre equilíbrio iônico, solubilida-
(c) Na2SO4: de e cinética faremos uso do conceito de força iônica.
1
μ= [(0 02 × 12 ) + (0 01 × 22 )]
2
= 0 030 Teoria de Debye-Hückel
(d) A força iônica de uma solução 0,010 M de ácido salicílico é Debye e Hückel derivaram uma equação baseada nos princí-
0,003, calculada a partir do conhecimento da ionização do ácido pios de que os eletrólitos fortes se encontram completamen-

a tal concentração (usando a equação [H3O+] = Ka c). O ácido te ionizados em soluções diluídas e que os desvios das so-
salicílico não-ionizado não contribui para a força iônica. A força luções eletrolíticas em relação ao comportamento ideal são
iônica da mistura de eletrólitos é a soma das forças iônicas dos sais devidos aos efeitos eletrostáticos dos íons de carga oposta.
individuais. Então A equação relaciona o coeficiente de atividade de um íon
μtotal = μKCl + μBaSO4 + μNa2 SO4 + μHSal particular ou o coeficiente médio de atividade iônica de um
= 0 010 + 0 040 + 0 030 + 0 003
eletrólito à valência de seus íons, à força iônica da solução e
às características do solvente. Aqui não faremos a derivação
= 0 083 matemática da equação, a qual pode ser encontrada no livro
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 169

log γ± = −1 00 + 0 839 = −0 161


TABELA 6-2
γ± = 0 690
VALORES DE A PARA SOLVENTES A 25 °C
Com a popularização, hoje em dia, das calculadoras portá-
Constante teis, a etapa intermediária desse cálculo (necessária apenas quan-
Solvente dielétrica, Acalc do tabelas de logaritmos são usadas) pode ser eliminada.

Acetona 20,70 3,76 Podemos observar que o coeficiente de atividade de um ele-


Etanol 24,30 2,96
trólito forte em solução diluída depende da força iônica total da
Água 78,54 0,509 solução, da valência dos íons do fármaco envolvido, da natureza
* Acalc = (1,824 × 106)/( × T )3/2, onde é a constante dielétrica e T é a temperatura do solvente e da temperatura da solução. Note que, embora o
absoluta na escala Kelvin. termo da força iônica dependa da contribuição de todas as es-
pécies iônicas em solução, os termos z1z2 se aplicam apenas ao
fármaco cujo coeficiente de atividade está sendo determinado.
Thermodynamics de Lewis e Randall na versão revisada por
Pitzer e Brewer.10 A equação pode ser usada para se calcu-
larem os coeficientes de atividade de fármacos cujos valores Extensão da equação de Debye-Hückel a
não foram obtidos de forma experimental e não se encon- concentrações mais elevadas
tram disponíveis na literatura.
De acordo com a teoria de Debye e Hückel, o coeficiente de As expressões-limite (6-57) e (6-58) não são satisfatórias aci-
atividade, γi, de um íon de valência zi é dado pela expressão ma de uma força iônica de cerca de 0,02, e (6-58) não é com-
√ pletamente satisfatória para o uso no Exemplo 6-13. A fórmula
log γi Az i 2 μ (6-57) que se aplica a uma força iônica de cerca de 0,1 é

A equação (6-57) fornece um valor satisfatório para o Az z − μ
log γ± √ (6-59)
coeficiente de atividade de uma espécie iônica até uma força 1 ai B μ
iônica, μ, de cerca de 0,02. Para a água a 25 °C, a constante
A, cujo valor depende apenas da temperatura e da constante O termo ai é a distância média de aproximação dos íons,
dielétrica do meio, é aproximadamente igual a 0,51. Os valores chamado de diâmetro efetivo iônico médio ou parâmetro do ta-
de A para vários solventes de importância farmacêutica se en- manho do íon. Seu significado exato não é conhecido. Contudo,
contram na Tabela 6-2. ele é algo análogo ao termo b da equação de um gás de van der
A forma da equação de Debye-Hückel para um eletrólito Waals. O termo B, assim como A, é uma constante influenciada
binário consistindo de íons com valências z+ e z– e presente apenas pela natureza do solvente e pela temperatura. Os valores
numa solução diluída (μ < 0,02) é de ai para diversos eletrólitos a 25 °C são dados na Tabela 6-3 e
√ os valores de B e A para a água a várias temperaturas são mostra-
log γ± Az z − μ (6-58)
dos na Tabela 6-4. Os valores de A para vários solventes, como
Os símbolos z+ e z– representam as valências ou cargas, igno- previamente mencionado, encontram-se listados na Tabela 6-2.
rando-se os sinais, dos íons do eletrólito cujo coeficiente médio Uma vez que ai para a maioria dos eletrólitos é igual a 3
de atividade iônica é procurado. O coeficiente na equação (6-58) até 4 × 10–8, e B para a água a 25 °C é igual a 0,33 × 108, o
deve ser, na verdade, γx, o coeficiente de atividade racional (ou produto entre ai e B é aproximadamente unitário e a equação
seja, γ± na escala da fração molar). Porém, em soluções diluídas, (6-59) então pode ser simplificada para
nas quais a equação de Debye-Hückel é aplicável, γx pode ser
assumido, sem erros sérios, como sendo igual aos coeficientes
práticos, γm e γc, nas escalas molal e molar, respectivamente.
TABELA 6-3
EXEMPLO 6-13
DIÂMETRO EFETIVO IÔNICO MÉDIO PARA ALGUNS
Coeficiente médio de atividade iônica ELETRÓLITOS A 25 °C
Calcular o coeficiente médio de atividade iônica para uma solução
0,005 M de sulfato de atropina (um eletrólito 1:2) em uma solução Eletrólito ai (cm)
aquosa contendo NaCl 0,01 M a 25 °C. Uma vez que o fármaco é
HCl 5,3 × 10–8
um eletrólito biunivalente, z1z2 = 1 × 2 = 2. Para a água a 25 °C, A NaCl 4,4 × 10–8
é 0,51. Teremos:
KCl 4,1 × 10–8
1
μ para o sulfato de = [(0 005 × 2 × 12 ) + (0 005 × 22 )] = 0 015 Metapirileno HCl 3,9 × 10–8
atropina 2
1 MgSO4 3,4 × 10–8
μ para NaCl = [(0 01 × 12 ) + (0 01 × 12 )] = 0 01
2 K2SO4 3,0 × 10–8
Total μ = 0 025 AgNO3 2,3 × 10–8

log γ± = −0 51 × 2 × 0 025 Fenobarbital sódico 2,0 × 10–8
170 P ATRICK J. S INKO

Algumas pesquisas resultaram em equações que chegam a


TABELA 6-4 se estender a concentrações de até 5 móis/litro.12
VALORES DE A E B PARA ÁGUA A VÁRIAS TEMPERATURAS

Temperatura (°C) A B
COEFICIENTES USADOS PARA EXPRESSAR AS
0 0,488 0,325 × 108
15 0,500 0,328 × 108 PROPRIEDADES COLIGATIVAS
25 0,509 0,330 × 108
40 0,524 0,333 × 108 O valor L
70 0,560 0,339 × 108
A expressão de van’t Hoff ΔTf = iKf m provavelmente fornece
100 0,606 0,348 × 108
a melhor equação para se calcular propriedades coligativas de
não-eletrólitos, eletrólitos fracos e eletrólitos fortes. Ela pode
ser modificada levemente para conveniência em soluções diluí-
√ das substituindo-se a concentração molar c e escrevendo-se iKf
Az z − μ como L, de modo que
log γ± √ (6-60)
1 μ Tf Lc (6-62)
Goyan colaboradores calcularam os valores de L a partir
EXEMPLO 6-14 de dados experimentais para vários fármacos. Eles variam com
a concentração da solução. A uma concentração do fármaco
Comparando os coeficientes de atividade que é isotônica com os fluidos corpóreos, L = iKf é denomina-
Calcular o coeficiente de atividade de uma solução aquosa 0,004 do Liso. Ele tem um valor de cerca de 1,9 (de fato, 1,86) para
M de fenobarbital sódico a 25 °C que foi levada a uma força iônica não-eletrólitos, 2,0 para eletrólitos fracos, 3,4 para eletrólitos
de 0,09 pela adição de cloreto de sódio. Usar as equações (6-58) até fortes uni-univalentes e valores maiores para eletrólitos de va-
(6-60) e comparar os resultados. lência mais elevada. Um gráfico de iKf contra a concentração

log γ± = −0 51 0 09; γ± = 0 70 para alguns fármacos é apresentado na Figura 6-7, no qual
log γ± =
cada curva é representada como uma banda para mostrar a va-
√ riabilidade dos valores de L dentro de cada classe iônica. Os
0 51 0 09 valores aproximados de Liso para cada uma das classes iônicas
− √ ; γ± = 0 75
1 + [(2 × 10−8 ) × (0 33 × 103 ) × 0 09] podem ser obtidos pela linha tracejada na figura. A aplicação
√ de Liso no preparo de soluções isotônicas de fármacos é descri-
0 51 0 09 ta no Capítulo 9.
log γ± = − √ ; γ± = 0 76
1 + 0 09

Esses resultados podem ser comparados com os valores


experimentais para alguns eletrólitos uni-univalentes na Tabe-
la 6-1 a uma concentração molal de 0,1.
Para concentrações ainda maiores, ou seja, com forças iô- 4,8
nicas superiores a 0,1, os coeficientes de atividade observados Tipo CaCl2
para alguns eletrólitos passam por mínimos e então aumen-
tam de acordo com a concentração. Em alguns casos, eles se
4,3
tornam maiores do que a unidade, como visto na Figura 6-6. Tipo Na2SO4
Para levar em conta o aumento de γ± a altas concentrações, um 3,4
termo empírico Cμ pode ser adicionado à equação de Debye- Tipo NaCl
Hückel, resultando na expressão

Az z − μ
log γ± √ Cμ (6-61)
1 ai B μ
Tipo ZnSO4
2,0
Essa equação dá resultados satisfatórios para soluções
de concentrações de até 1M. Os coeficientes de atividade
iônica média obtidos pela equação (6-61) são γx. Contudo, Não-eletrólito 1,9
eles não diferem significativamente de γm e γc mesmo a esta
concentração. Zografi e colaboradores11 usou a equação es- 1
0,1 0,2 0,3 0,4
tendida de Debye-Hückel [(equação (6-61)] em um estudo Molalidade
da interação entre o corante orange II e sais de amônio qua-
ternários. Figura 6-7 Valores de Liso para as diversas classes iônicas.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 171

CONCEITO ATIVIDADE
Embora as atividades possam ser usadas para fazer com que os resul- expressões de equilíbrio e com os cálculos eletroquímicos. O uso das ati-
tados das propriedades coligativas de eletrólitos fortes concordem com vidades para o cálculo das propriedades coligativas de eletrólitos fracos
os resultados experimentais, as equações são complicadas e não serão é particularmente inconveniente porque requer o conhecimento do grau
tratadas neste livro. As atividades são mais úteis em conexão com as de dissociação.

Coeficiente osmótico de dissociação. Para eletrólitos fortes, g é igual a um para a


dissociação completa e o desvio de g em relação à unidade, ou
Outros métodos têm sido sugeridos para computar os desvios seja, 1 – g, em soluções moderadamente concentradas é uma
dos eletrólitos em relação ao comportamento coligativo ideal. indicação das atrações interiônicas. Os coeficientes osmóticos
Um deles está baseado no fato de que, à medida que a solução g para eletrólitos e não-eletrólitos são representados grafica-
se torna mais diluída, i se aproxima de ν, o número de íons no mente versus a concentração iônica, νm, na Figura 6-8. Uma
qual um eletrólito dissocia. Na diluição infinita, i = ν, ou i/ν vez que g = i/ν ou i = gν em uma solução diluída, a equação
= 1. Quando a solução se torna mais concentrada, i/ν se torna crioscópica pode ser escrita:
menor (e eventualmente maior) do que a unidade. Tf gν Kf m (6-63)
O quociente i/ν é designado g, sendo chamado de coefi-
ciente osmótico prático quando expresso em base molal. No Os coeficientes osmóticos na escala molal de alguns sais
caso de um eletrólito fraco, ele fornece uma medida do grau encontram-se listados na Tabela 6-5.

1,6

Sacarose

1,4

1,2
Coeficiente osmótico, g

Glicerina

1,0

0,8 Uréia

0,6

0,4

Concentração iônica
Figura 6-8 Coeficiente osmótico, g, para alguns solutos comuns. (De G. Scatchard, W. Hamer, and S. Wood, J.
Am. Chem. Soc. 60, 3061, 1938. Com permissão).
172 P ATRICK J. S INKO

TABELA 6-5
COEFICIENTE OSMÓTICO, g, A 25 °C
m NaCl KCl H2SO4 Sacarose Uréia Glicerina

0,1 0,9342 0,9264 0,6784 1,0073 0,9959 1,0014


0,2 0,9255 0,9131 0,6675 1,0151 0,9918 1,0028
0,4 0,9217 0,9023 0,6723 1,0319 0,9841 1,0055
0,6 0,9242 0,8987 0,6824 1,0497 0,9768 1,0081
0,8 0,9295 0,8980 0,6980 1,0684 0,9698 1,0105
1,0 0,9363 0,8985 0,7176 1,0878 0,9631 1,0128
1,6 0,9589 0,9024 0,7888 1,1484 0,9496 1,0192
2,0 0,9786 0,9081 0,8431 1,1884 0,9346 1,0230
3,0 1,0421 0,9330 0,9922 1,2817 0,9087 1,0316
4,0 1,1168 0,9635 1,1606 1,3691 0,8877 1,0393
5,0 1,2000 0,9900 – 1,4477 0,8700 1,0462
* De G. Scatchard, W. G. Hamer, and S. E. Wood, J. Am. Chem. Soc. 60, 3061, 1938. Com permissão.

EXEMPLO 6-15 a 2,0. Em um caso típico, para um eletrólito 1:1 em solução


diluída, i é cerca de 1,86 e não 2,0, devido às interações entre
Molalidade e molaridade os íons positiva e negativamente carregados.
O coeficiente osmótico do LiBr a uma concentração 0,2 m é 0,944 e
o seu valor Liso é de 3,4. Calcular ΔTf para esse composto usando g EXEMPLO 6-16
e Liso. Desconsiderar as diferenças entre molalidade e molaridade.
Teremos Calculando a miliosmolalidade
ΔTf = gv Kf m = 0 944 × 2 × 1 86 × 0 2 Qual é a miliosmolalidade de uma solução 0,120 m de brometo
=0 de potássio? Qual é a pressão osmótica em atmosferas? Para uma
ΔTf = Liso c = 3 4 × 0 2 = 0 solução 120 milimolal de KBr:
Milliosmolalidade = 1 86 × 120 = 223 mOsm/kg

Uma solução 1-osmolal aumenta o ponto de ebulição em 0,52


Osmolalidade °C, diminui o ponto de congelamento em 1,86 °C, e produz pressão
osmótica de 24,4 atm a 25 °C. Portanto, uma solução 0,223–Osm/kg
Embora a pressão osmótica em geral seja dada em atmosferas,
produz pressão osmótica de 24,4 × 0,223 = 5,44 atm.
na prática clínica ela é expressa em termos de osmóis (Osm)
e miliosmóis (mOsm). Uma solução contendo 1 mol de uma
Streng e colaboradores14 e Murty e colaboradores15 dis-
substância não-ionizável em 1 kg de água (uma solução 1 m)
cutem o uso da osmolalidade e da osmolaridade na farmácia
é referida como uma solução 1-osmolal. Ela contém 1 osmol
clínica. A molaridade (móis de soluto por litro de solução) é
(Osm) ou 1.000 miliosmóis (mOsm) de soluto por quilograma
usada na prática clínica mais freqüentemente do que a molali-
de solvente. A osmolalidade mede o número total de partículas
dade (móis de soluto por quilograma de solvente). Além disso,
dissolvidas em 1 kg de água, ou seja, osmóis por quilograma
a osmolaridade é usada com mais freqüência do que a osmola-
de água, e depende da natureza eletrolítica do soluto. Uma es-
lidade ao rotular soluções parenterais em hospitais. Contudo, a
pécie iônica dissolvida em água irá dissociar-se para formar
osmolaridade não pode ser medida e deve ser calculada a partir
íons ou “partículas”. Esses íons, porém, tendem a se associar
da osmolalidade determinada de uma solução. Como mostra-
em algum grau devido às interações interiônicas. O número
do por Murty e colaboradores15 a conversão é feita usando a
aparente de “partículas” em solução, como medido pela osmo-
relação
metria ou algum dos outros métodos coligativos, dependerá da
extensão dessas interações. Um material não-ionizado (ou seja, Osmolaridade (Osmolalidade medida)
um não-eletrólito) é usado como soluto de referência para as × (Densidade da solução em g/mL
medidas da osmolalidade, sendo que as interações interiônicas − concentração do soluto anidro g/mL) (6-65)
são insignificantes para um não-eletrólito. Para um eletrólito
que dissocia em íons em solução diluída, a osmolalidade ou a De acordo com Streng e colaboradores14 a osmolalidade é
miliosmolalidade pode ser calculada a partir de convertida em osmolaridade usando a equação
Miliosmolalidade (mOsm kg) i · mm (6-64) mOsm/litro solução mOsm/(kg H2 O)
× [d1 ◦ (1 − 0 001 v̄ 2 ◦ )] (6-66)
onde i é o número aproximado de íons formado por molécula
e mm é a concentração milimolal. Se não houvesse interações onde d1o é a densidade do solvente e v̄2o é o volume molar par-
interiônicas em uma solução de cloreto de sódio, i seria igual cial do soluto em diluição infinita.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 173

EXEMPLO 6-17 0,154 m é im = 1,86 × 0,154 = 0,2864. A miliosmolalidade dessa


solução é, portanto, 286,4 mOsm/kg. Usando a equação (6-67),
Convertendo osmolalidade em osmolaridade com Kf também igual a 1,86, obteremos a diminuição do ponto de
Uma solução de 30 g/L de bicarbonato de sódio contém 0,030 g/mL congelamento de uma solução 0,154m – ou seu equivalente, uma
de bicarbonato de sódio anidro. A densidade da solução é 1,0192 solução 0,2864–Osm/kg – de NaCl:
g/mL a 20 °C e sua miliosmolalidade medida é de 614,9 mOsm/kg. ΔTf = (1 86)(1 86)(0 154)
Converter a miliosmolalidade para miliosmolaridade. Teremos
= (1 86)(0 2864) = 0 53 ◦ C
= 614 9 mOsm kg H2 O
× (1 0192 g mL − 0 030 g mL) (b) A glicose é um não-eletrólito, produzindo apenas uma
partícula para cada uma das moléculas em solução, e, para um
= 608 3 mOsm L solução não-eletrólito, i = ν = 1 e g = i/ν = 1. Portanto, a diminuição do
ponto de congelamento de uma solução 0,154 m de glicose é apro-
ximadamente
EXEMPLO 6-18
ΔT f = K f im = (1 86)(1 00)(0 154)
Calculando a miliosmolaridade = 0 286 ◦ C
Uma solução 0,154 m de cloreto de sódio tem uma miliosmolalida-
de de 286,4 mOsm/kg (ver Exemplo 6-19). Calcular a miliosmola- que é cerca de metade da diminuição do ponto de congelamento
ridade, mOsm/L, da solução usando a equação (6-66). A densidade devido ao cloreto de sódio, um eletrólito 1:1 que fornece duas par-
do solvente (água) a 25 °C é d1° = 0,9971 g/cm3 e o volume molar tículas, e não apenas uma partícula em solução.
parcial do soluto (cloreto de sódio) é v̄2° = 16,63 mL/mol. A osmolalidade de um não-eletrólito como a glicose é idêntica
a sua concentração molal porque a osmolalidade = I × molalidade,
= (286 4 mOsm kg H2 O)
e i para um não-eletrólito é igual a 1,00. A miliosmolalidade de
× [0 9971(1 − 0 001(16 63))]
uma solução é 1.000 vezes a sua osmolalidade ou, neste caso, 154
= 280 8 mOsm L solução mOsm/kg.

Como observado, a osmolaridade difere da osmolalidade Ohwaki e colaboradores16 estudaram o efeito da osmola-
por apenas 1 ou 2%. Contudo, em soluções mais concentradas lidade na absorção nasal da secretina, um hormônio usado no
de eletrólitos polivalentes junto com tampões, conservantes tratamento de úlceras duodenais. Eles verificaram que o má-
e outros íons, a diferença pode tornar-se significativa. Para a ximo de absorção através da mucosa nasal ocorreu com uma
precisão no preparo e rotulagem de soluções parenterais, a os- miliosmolaridade de cloreto de sódio de cerca de 860 mOsm/L
molalidade deve ser medida cuidadosamente com osmômetros (0,462 M), possivelmente devido a alterações estruturais nas
de pressão de vapor ou de ponto de congelamento (e, não, cal- células epiteliais da mucosa nasal nesse valor elevado de
culada) e os resultados devem ser convertidos a osmolaridade mOsm/litro.
usando-se as equações (6-65) ou (6-66). A UIC (Joliet, Ill.) Embora a osmolalidade do sangue e de outros fluidos
fabrica um osmômetro crioscópico para determinações auto- corpóreos consista principalmente de seu conteúdo de cloreto
máticas de osmolalidade. de sódio, a osmolalidade e miliosmolalidade dessas soluções
O sangue, o plasma e o soro são líquidos complexos con- complexas, por convenção, são calculadas com base no i para
sistindo de proteínas, glicose, materiais nitrogenados não-pro- não-eletrólitos, ou seja, i é tomado como sendo igual à unida-
téicos e íons sódio, potássio, cálcio, magnésio, cloreto e bicar- de, e a osmolalidade torna-se igual à molalidade. Esse princí-
bonato. Os eletrólitos do soro, constituindo menos do que 1% pio é melhor descrito no próximo exemplo.
da massa do sangue, determinam a osmolalidade do sangue. O
cloreto de sódio contribui com uma miliosmolalidade de 275, EXEMPLO 6-20
ao passo que a glicose e os outros constituintes, juntos, forne- Miliosmolaridade do sangue
cem cerca de 10 mOsm/kg ao sangue.
As propriedades coligativas, tais como a diminuição do As temperaturas de ponto de congelamento do sangue de 20 in-
ponto de congelamento, estão relacionadas à osmolalidade pe- divíduos normais foram medidas e sua média foi – 0,5712 °C. O
valor é, obviamente, equivalente a uma diminuição de ponto de
las equações (6-27) e (6-63):
congelamento de + 0,5712 °C abaixo do ponto de congelamento da
Tf ∼ Kf im (6-67) água porque este último é tomado como sendo 0,000 °C a pressão
onde i = gν e im = gνm é a osmolalidade. atmosférica. Qual é a miliosmolalidade média, x, do sangue dos
indivíduos?
Usando a equação (6-67) com a escolha arbitrária de i = 1
EXEMPLO 6-19 para fluidos corpóreos, obtemos
Cálculo do abaixamento do ponto de congelamento 0 5712 = (1 86)(1 00)x
Calcular o abaixamento do ponto de congelamento de (a) uma so- x = 0 3071 Osm kg
lução 0,154 m de NaCl e (b) uma solução 0,154 m de glicose. Quais = 307 1 mOsm kg
são as miliosmolalidades das duas soluções?
(a) A partir da Tabela 6-5, g para o NaCl a 25 °C é cerca de
0,93, e uma vez que o NaCl ioniza em dois íons, i = νg = 2 × 0,93 = Nota-se no Exemplo 6-20 que, embora a osmolalidade do
1,86. A partir da equação (6-64), a osmolalidade de uma solução sangue e sua diminuição no ponto de congelamento seja devi-
174 P ATRICK J. S INKO

da principalmente ao NaCl, um valor de i de 1 foi usado para o 5. G. N. Lewis and M. Randall, Thermodynamics, McGraw-Hill, New York,
sangue, e não gν = 1,86 para uma solução de NaCl. 1923, p. 255.
A miliosmolalidade para o sangue, obtida por vários pes- 6. S. Glasstone, An Introduction to Electrochemistry, Van Nostrand, New
quisadores usando osmometria, pressão de vapor e aparelhos York, 1942, pp. 137–139.
de diminuição do ponto de congelamento (Capítulo 5) situa-se 7. I. M. Klotz and R. M. Rosenberg, Chemical Thermodynamics, 3rd Ed.,
W. A. Benjamin, Menlo Park, Calif., 1973, Capítulo 19.
entre 250 e 350 mOsm/kg.17 A osmolalidade normal dos fluidos
8. G. N. Lewis and M. Randall, Thermodynamics, McGraw-Hill, New York,
corpóreos é dada em manuais médicos18 como 275 a 295 mOsm/
1923, p. 373.
kg, mas os valores normais provavelmente caem dentro de uma
9. H. B. Bull, Physical Biochemistry, 2nd Ed., Wiley, New York, 1951, p.
faixa mais estreita, de 286 ± 4 mOsm/kg.19 Osmômetros de pon- 79.
to de congelamento de pressão de vapor são atualmente usados 10. G. N. Lewis and M. Randall, Thermodynamics, Rev. K. S. Pitzer e L.
de forma rotineira em hospitais. Uma diferença de 50 mOsm/kg Brewer, 2nd Ed., McGraw-Hill, New York, 1961, Capítulo 23.
ou mais em relação aos valores aceitos para os fluidos corpóreos 11. G. Zografi, P. Patel and N. Weiner, J. Pharm. Sci. 53, 545, 1964.
sugere uma anormalidade como falha no fígado, choque hemor- 12. R. H. Stokes and R. A. Robinson, J. Am. Chem. Soc. 70, 1870, 1948; M.
rágico, uremia ou outras manifestações tóxicas. A água corpórea Eigen and E. Wicke, J. Phys. Chem. 58, 702, 1954.
e o balanço eletrolítico também são monitorados pela medida da 13. F. M. Goyan, J. M. Enright, and J. M. Wells, J. Am. Pharm. Assoc. Sci.
miliosmolalidade. As medidas e os aparelhos das propriedades Ed. 33, 74, 1944.
coligativas encontram-se descritos no Capítulo 5. 14. W. H. Streng, H. E. Huber and J. T. Carstensen, J. Pharm. Sci. 67, 384,
1978; H. E. Huber, W. H. Streng and H. G. H. Tan, J. Pharm. Sci. 68,
1028, 1979.
Referências 15. B. S. R. Murty, J. N. Kapoor and P. O. DeLuca, Am. J. Hosp. Pharm. 33,
546, 1976.
1. S. Arrhenius, Z. Physik. Chem. 1, 631, 1887.
16. T. Ohwaki, H. Ando, F. Kakimoto, K. Uesugi, S.Watanabe, Y. Miyake
2. H. L. Clever, J. Chem. Educ. 40, 637, 1963; P. A. Gigu`ere, J. Chem.
and M. Kayano, J. Pharm. Sci. 76, 695, 1987.
Educ. 56, 571, 1979; R. P. Bell, The Proton in Chemistry, 2nd Ed.,
17. C. Waymouth, In Vitro 6, 109, 1970.
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18. M. A. Kaupp, et al., Eds., Current Medical Diagnosis and Treatment,
3. A. Albert, Selective Toxicity, Chapman and Hall, London, 1979, pp. 344,
Lange, Los Altos, Calif., 1986, pp. 27, 1113.
373–384.
19. L. Glasser, D. D. Sternalanz, J. Combie and A. Robinson, Am. J. Clin.
4. S. Arrhenius, J. Am. Chem. Soc. 34, 361, 1912.
Pathol. 60, 695–699, 1973.
7
7 EQUILÍBRIOS IÔNICOS

INTRODUÇÃO Soluções de ácidos e bases fortes


Teoria de Brönsted-Lowry Pares ácido-base conjugados
Teoria de Lewis Soluções contendo somente um ácido fraco
Soluções contendo somente uma base fraca
EQUILÍBRIOS ÁCIDO-BASE
Soluções contendo somente um par ácido-base
Ionização de ácidos fracos
conjugado
Ionização de bases fracas
Dois pares ácido-base conjugados
A ionização da água
Soluções contendo somente um ácido diprótico
Relação entre Ka e Kb
Soluções contendo somente uma substância
Ionização de eletrólitos polipróticos
anfiprótica
Substâncias anfóteras
Soluções contendo somente uma base diácida
pH Dois pares ácido-base independentes
Conversão da concentração de Íon hidrogênio em pH Soluções contendo dois ácidos fracos
Conversão de pH em concentração de íon hidrogênio Soluções contendo um sal de um ácido fraco e uma
pK e pOH base fraca
Soluções contendo um ácido fraco e uma base fraca
A CONCENTRAÇÃO DAS ESPÉCIES EM
FUNÇÃO DO pH CONSTANTES DE ACIDEZ
Efeito da força iônica nas constantes de acidez
CÁLCULO DO pH Energia livre de ionização e o efeito da temperatura
Equações de equilíbrio de próton nos equilíbrios iônicos

Ao concluir este capítulo, o representação da ionização tanto em sistemas aquosos quan-


OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: to em sistemas não-aquosos.
1 Descrever as teorias de Brönsted-Lowry e Lewis.
2 Identificar e definir as quatro classificações dos solventes. Teoria de Brönsted-Lowry
3 Entender os conceitos de equilíbrios ácido-base e a ioniza-
De acordo com a teoria de Brönsted-Lowry, um ácido é uma
ção de ácidos e bases fracos. substância com ou sem carga que é capaz de doar um pró-
4 Calcular as constantes de dissociação Ka e Kb e entender a ton, e uma base é uma substância com ou sem carga, que é
relação entre Ka e Kb. capaz de aceitar um próton de um ácido. As forças relativas
5 Entender os conceitos de pH, pK e pOH e a relação entre de ácidos e bases são medidas pelas tendências dessas subs-
concentração de íon hidrogênio e pH. tâncias de doar ou aceitar prótons. O ácido clorídrico é um
6 Calcular pH. ácido forte em água porque ele doa facilmente o seu próton,
7 Definir ácido forte e base forte. enquanto o ácido acético é um ácido fraco porque somente
algumas moléculas doam os seus prótons. A força de um áci-
8 Definir e calcular constantes de acidez.
do ou de uma base varia com o solvente. O ácido clorídrico
é um ácido fraco em ácido acético glacial e o ácido acético
é um ácido forte em amônia líquida. Conseqüentemente, a
INTRODUÇÃO força de um ácido depende não somente da sua capacidade
de doar um próton, mas também da capacidade do solvente
de aceitar o próton do ácido. Essa é a chamada força básica
Arrhenius definiu ácido como uma substância que libera do solvente.
íons hidrogênio, e base como uma substância que fornece Na classificação de Brönsted-Lowry, ácidos e bases podem
íons hidroxila em uma dissociação. Por causa da necessida- ser ânions tais como HSO4– e CH3COO–, cátions, tais como
de de um conceito mais amplo, Brönsted, em Copenhague, NH4+ e H3O+, ou moléculas neutras, como HCl e NH3. A água
e Lowry, em Londres, independentemente, propuseram teo- pode comportar-se tanto como ácido quanto como base, sendo,
rias paralelas em 1923.1 A teoria de Brönsted-Lowry, como portanto, anfiprótica. As reações ácido-base ocorrem quando
é conhecida, é mais útil do que a teoria de Arrhenius para a um ácido reage com uma base, formando um novo ácido e uma
176 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO CLASSIFICAÇÃO DOS SOLVENTES


Os solventes podem ser classificados em protofílicos, protogênicos, do. Solventes anfipróticos agem tanto como aceptores quanto como
anfipróticos e apróticos. Um solvente protofílico ou básico é aquele doadores de prótons, e incluem a água e os álcoois. Solventes apróti-
que é capaz de aceitar prótons do soluto. Solventes como acetona, cos, tais como os hidrocarbonetos, não aceitam nem doam prótons e,
éter e amônia líquida são deste grupo. Um solvente protogênico é um sendo neutros nesse sentido, são úteis para o estudo das reações de
composto doador de próton, e é representado por ácidos, tais como ácidos e bases livres dos efeitos de solventes.
ácido fórmico, ácido acético, ácido sulfúrico, HCl líquido e HF líqui-

nova base. Uma vez que as reações envolvem a transferência prótons, são, não obstante, ácidos por essa definição. Muitas
de um próton, elas são conhecidas como reações protolíticas substâncias que não contêm íons hidroxila, incluindo ami-
ou como protólise. nas, éteres e anidridos de ácidos carboxílicos, são classifica-
Na reação entre HCl e a água, HCl é o ácido e a água é a das como bases de acordo com a definição de Lewis. Duas
base: reações ácido-base de Lewis são:
HCl H2 O → H 3 O Cl− (7-1)
Ácido1 Base2 Ácido 2 Base1 (solvatado) (7-2)
Ácido1 e Base1 representam um par ácido-base ou par
conjugado, assim como Ácido2 e Base2. Como o próton isola- Ácido Base
do H+ praticamente não existe em solução aquosa, aquilo que
costuma ser chamado de íon hidrogênio é o próton hidratado,
H3O+, conhecido como íon hidrônio. Formas mais hidratadas
também existem em solução.* Em uma solução etanólica, o
“íon hidrogênio” é o próton ligado a uma molécula de solven-
te, representada por C2H5OH2+. Na equação (7-1), o ácido clo-
rídrico doou um próton para a água, a base, formando o ácido Ácido Base (7-3)
correspondente, H3O+, e a base, Cl–. A definição de Lewis é, talvez, ampla demais para ser
A reação do HCl com a água é uma reação de ionização. aplicada de forma conveniente a reações ácido-base comuns,
As reações de neutralização e de hidrólise são também con- e aqueles processos que são expressos de maneira adequada
sideradas como reações ácido-base ou de protólise, seguin- em termos dessa classificação eletrônica devem ser citados
do as definições ampliadas do conceito de Brönsted-Lowry. como somente uma forma de compartilhamento de elétrons,
Diversos exemplos ilustram tais tipos de reações, como é em vez de reações ácido-base.4 A teoria de Lewis encontra
mostrado na Tabela 7-1. A reação de deslocamento, um grande aplicação na descrição do mecanismo de muitas rea-
tipo especial de neutralização, envolve o deslocamento de ções orgânicas e inorgânicas. Ela será novamente menciona-
um ácido mais fraco, como o ácido acético, do seu sal, será da nos capítulos de solubilidade e complexação. A nomen-
mostrada adiante. clatura de Brönsted-Lowry é bastante útil para a descrição
de equilíbrios iônicos e será usada de forma extensiva neste
Teoria de Lewis capítulo.

Outras teorias foram sugeridas para descrever as reações áci-


do-base, sendo a mais familiar delas a teoria de Lewis.3
De acordo com essa teoria, um ácido é uma molécula ou
íon que aceita um par de elétrons para formar uma ligação TABELA 7-1
covalente. Uma base é uma substância que fornece um par
não-compartilhado de elétrons, por meio do qual ela coorde- EXEMPLOS DE REAÇÕES ÁCIDO-BASE
na-se a um ácido. Certos compostos, tais como o trifluoreto Ácido1 Base2 Ácido2 Base1
de boro e o cloreto de alumínio, embora não contenham hi-

drogênio e, conseqüentemente, não sirvam de doadores de Neutralização NH 4 OH H2 O NH3
Neutralização H3 O OH− H2 O H2 O
Neutralização HCl NH3 NH4 Cl−
* Foram feitos relatos na literatura2 descrevendo a descoberta de um políme- Hidrólise H2 O CH3 COO− CH3 COOH OH−
ro do íon hidrogênio consistindo de 21 moléculas de água rodeadas de um Hidrólise NH 4 H2 O H3 O NH3
íon hidrogênio, a saber
Deslocamento HCl CH3 COO− CH3 COOH Cl−
H · (H2 O)21
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 177

CONCEITO EQUILÍBRIO
O equilíbrio pode ser definido como um equilíbrio entre duas forças ou movidos ao se formarem. Algumas reações, entretanto, avançam quase
ações opostas. Esta afirmação não implica o cessar da reação oposi- completamente e, para fins práticos, podem ser consideradas como
tora, sugerindo, ao contrário, uma igualdade entre as velocidades de irreversíveis. O tópico de equilíbrios químicos aborda sistemas verda-
ambas. O equilíbrio químico mantém as concentrações de reatantes e deiramente reversíveis e inclui reações como a ionização de eletrólitos
produtos constantes. Muitas reações químicas deslocam-se tanto no fracos.
sentido direto quanto no sentido inverso se seus produtos não são re-

EQUILÍBRIOS ÁCIDO-BASE As concentrações de produtos e reatantes não são, neces-


sariamente, iguais no equilíbrio; as velocidades das reações
direta e inversa é que são as mesmas. Como a equação (7-7)
A ionização ou protólise de um eletrólito fraco, ácido acéti-
aplica-se ao equilíbrio, as equações (7-5) e (7-6) podem ser
co, em água pode ser escrita da maneira de Brönsted-Lowry
igualadas:
como
HAc H2 O H3 O Ac− k1 × [HAc] × [H2 O] k2 × [H3 O ] × [Ac− ] (7-8)
Ácido1 Base2 Ácido 2 Base1 e, resolvendo-se para a relação k1/k2, obtém-se
As setas apontando na direção direta e inversa mostram k1 [H3 O ][Ac− ]
k (7-9)
que a reação se dá para a direita e para a esquerda simulta- k2 [HAc][H2 O]
neamente. De acordo com a lei de ação de massas, a veloci-
Em soluções diluídas de ácido acético, a água está em ex-
dade ou taxa da reação direta, Rf, é proporcional à concen-
cesso suficiente para ser vista como tendo concentração cons-
tração dos reatantes:
tante de cerca de 55,3 mol/litro (1 litro de H2O a 25 °C tem
1
Rf k1 × [HAc]1 × [H2 O] (7-5) massa de 997,07 g, e 997,07/18,02 = 55,3). Esse valor pode
ser combinado com k1/k2 resultando em uma nova constante
A rapidez da reação é usualmente expressa em termos da Ka, a constante de ionização ou constante de dissociação do
diminuição da concentração de qualquer um dos reatantes por ácido acético.
unidade de tempo. Os termos taxa, rapidez e velocidade têm
[H3 O ][Ac− ]
aqui o mesmo significado. A reação reversa K a 55 3k (7-10)
1 [HAc]
Rr k2 × [H3 O ]1 × [Ac− ] (7-6)
A equação (7-10) é a expressão do equilíbrio para a
expressa a taxa, Rr, de reformação de ácido acético não-io- dissociação do ácido acético, e a constante de dissociação,
nizado. Como somente 1 mol de cada constituinte aparece Ka, é uma constante de equilíbrio na qual a concentração do
na reação, cada termo é elevado à primeira potência e os solvente, que é essencialmente constante, é incorporada. Na
expoentes não necessitam aparecer nas expressões subse- discussão dos equilíbrios envolvendo ácidos carregados ou
qüentes para a dissociação de ácido acético e ácidos e bases não, de acordo com a nomenclatura de Brönsted-Lowry, o
similares. Os símbolos k1 e k2 são constantes de proporcio- termo constante de ionização, Ka, não é satisfatório, sendo
nalidade comumente conhecidas como taxas específicas de substituído por constante de acidez. De forma similar para
reação para as reações direta e inversa, respectivamente, e bases carregadas ou não, o termo constante de basicidade é
os colchetes indicam concentrações. Uma melhor represen- freqüentemente usado para Kb, como será discutido na pró-
tação dos fatos seria a substituição das concentrações pelas xima seção.
atividades, mas para a presente discussão as equações apro- Em geral, a constante de acidez para um ácido fraco sem
ximadas são adequadas. carga pode ser expressa por
HB H2 O H3 O B− (7-11)
Ionização de ácidos fracos [H3 O ][B− ]
Ka (7-12)
De acordo com o conceito de equilíbrio, a velocidade da reação [HB]
direta diminui com o tempo, conforme o ácido acético é consu-
A equação (7-10) pode ser apresentada de uma forma mais
mido, enquanto que a velocidade da reação reversa começa do
geral usando-se o símbolo c para representar a concentração
zero e aumenta conforme maiores quantidades de íons hidro-
molar inicial de ácido acético e x para representar a concen-
gênio e acetato são formadas. O equilíbrio é atingido quando
tração [H3O+]. Esta última quantidade é também igual a [Ac–],
as duas velocidades são iguais, isto é, quando
porque ambos íons são formados em concentrações equimo-
Rf Rr (7-7) lares. A concentração de ácido acético restante no equilíbrio
178 P ATRICK J. S INKO

[HAc] pode ser expressa como c – x. A reação [equação (7-4)] um ácido catiônico, que pode formar sua base conjugada, NH3,
é pela doação de um próton para a água, como segue:
HAc H2 O H3 O Ac− (7-13) NH4 H2 O H3 O NH3 (7-18)
(c − x) x x
[H3 O ][NH3 ]
e a expressão de equilíbrio (7-10) torna-se Ka
[NH4 ] (7-19)
x2
Ka (7-14) Em geral, para ácidos carregados BH+, a reação é escrita
c−x
BH H2 O H3 O B (7-20)
na qual c é grande em comparação a x. O termo c – x pode ser
substituído por c sem erro apreciável, resultando na equação e a constante de acidez é
x2 [H3 O ][B]
Ka ∼ (7-15) Ka
c [BH ] (7-21)
a qual pode ser rearranjada como segue para o cálculo da con-
centração de íon hidrogênio para ácidos fracos:
Ionização de bases fracas
x2 Ka c
x [H3 O ] Ka c (7-16) Bases fracas não-ionizadas B, exemplificadas por NH3, reagem
com água como segue:
B H2 O OH− BH (7-22)
EXEMPLO 7-1
Em um litro de uma solução 0,1 M, foi verificado, por análise de [OH− ][BH ]
Kb
condutividade, que o ácido acético dissocia-se em 1,32 × 10–3 íons- [B] (7-23)
grama (“mois”) de íons hidrogênio e acetato a 25 °C. Qual é a
constante de acidez ou de dissociação Ka do ácido acético?
o que, por um procedimento similar àquele utilizado para obter
De acordo com a equação (7-4), no equilíbrio, 1 mol de áci- a equação (7-16), leva a
do acético dissocia-se em 1 mol de íons hidrogênio e acetato. A [OH− ] Kb c (7-24)
concentração de íons é expressa em mol/litro e, menos freqüente-
mente, como molalidade. Uma solução contendo 1,0078 g de íons
hidrogênio em 1 litro representa 1 íon-grama ou 1 mol de íons hi- EXEMPLO 7-2
drogênio. A concentração molar de cada um desses íons é expressa
por x. Se a quantidade original de ácido acético era 0,1 mol/litro,
A constante de basicidade ou de ionização Kb para a base
então no equilíbrio o ácido não-dissociado seria igual a 0,1 – x
morfina é 7,4 × 10–7 a 25 °C. Qual é a concentração de íon
porque x é a quantidade de ácido que se dissociou. O cálculo, de hidroxila de uma solução aquosa 0,0005 M de morfina?
acordo com a equação (7-12), é Tem-se
(1 32 × 10−3 )2 [OH− ] = 7 4 × 10−7 × 5 0 × 10−4
Ka =
0 1 − (1 32 × 10−3 ) −
[OH ] = 37 0 × 10−11 = 3 7 × 10−10
Não há sentido em realizar a operação do denominador, e o x = [OH− ] = 1 92 × 10−5 mol litro
cálculo leva a
(1 32 × 10−3 )2 Sais de bases fortes e ácidos fracos, como o acetato de
Ka =
01 sódio, dissociam-se completamente em solução aquosa, dando
1 74 × 10−6 íons:
Ka = = 1 74 × 10−5
1 × 10−1 H2 O
Na CH3 COO− −→ Na CH3 COO− (7-25)
O valor de Ka no Exemplo 7-1 significa que, no equilíbrio, O íon sódio não pode reagir com a água porque forma-
a razão do produto das concentrações iônicas pelo ácido não- ria NaOH, um eletrólito forte que dissociaria completamente
dissociado é 1,74 × 10–5; ou seja, que a dissociação do ácido em seus íons. O ânion acetato é uma base fraca de Brönsted-
acético em seus íons é pequena, e o ácido acético pode ser con- Lowry, e
siderado um eletrólito fraco. CH3 COO− H2 O OH− CH3 COOH
Quando um sal formado a partir de um ácido forte e uma [OH− ][CH3 COOH]
base fraca, como o cloreto de amônio, é dissolvido em água, Kb
[CH3 COO− ] (7-26)
ele dissocia-se completamente como segue:
H2 O Em geral, para uma base aniônica B–,
NH4 Cl− −→ NH4 Cl− (7-17)
B− H2 O OH− HB
O Cl– é a base conjugada de um ácido forte, HCl, o qual
está 100% ionizado em água. Então, o Cl– não pode mais re- [OH− ][HB]
agir. Pelo conceito de Brönsted-Lowry, NH4+ é considerado Kb
[B− ] (7-27)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 179

As constantes de acidez e de basicidade para uma quan- [H3 O ] [OH− ] ∼ 1 × 10−14


tidade apreciável de ácidos e bases importantes em Farmácia ∼ 1 × 10−7
estão listadas nas Tabelas 7-2 e 7-3. A última coluna mostra o (7-32)
expoente da dissociação ou valor de pK, o qual será discutido Quando um ácido é adicionado a água pura, alguns íons
mais adiante. hidroxila, oriundos da ionização da água, devem sempre rema-
necer em solução. O aumento na concentração de íons hidro-
gênio é acompanhado pela diminuição na concentração de íons
A ionização da água hidroxila, de maneira que Kw permanece constante em cerca de
1 × 10–14 a 25 °C.
A concentração de íons hidrogênio ou hidroxila em soluções
de ácidos ou bases pode ser expressa em íons-grama/litro ou
por mol/litro. Uma solução contendo 17,008 g de íons hidroxi- EXEMPLO 7-3
la ou 1,008 g de íons hidrogênio por litro contém 1 íon-grama Calcular [OH–]
ou 1 mol de íons hidroxila ou hidrogênio por litro. Devido à
Uma quantidade de HCl (1,5 × 10–3 M) é adicionada a água a 25
ionização da água, é possível estabelecer uma relação quanti-
°C, aumentando a concentração de íon hidrogênio de 1 × 10–7
tativa entre as concentrações de íons hidrogênio e hidroxila de
para 1,5 × 10–3 mol/litro. Qual é a nova concentração de íons
qualquer solução aquosa.
hidroxila?
A concentração de íons hidrogênio ou hidroxila em solu-
Da equação (7-31),
ções ácidas, neutras ou básicas costuma ser expressa em ter-
mos da concentração de íon hidrogênio ou, mais conveniente- 1 × 10−14
[OH− ] =
mente, em unidades de pH. 1 5 × 10−3
De maneira análoga à dissociação de ácidos e bases fracos, = 6 7 × 10−12 mol litro
a água ioniza levemente, produzindo íons hidrogênio e hidro-
xila. Como já foi dito, um eletrólito fraco requer a presença de
água ou de algum outro solvente polar para a ionização. Assim, Relação entre Ka e Kb
uma molécula de água pode ser pensada como um soluto eletro-
lítico fraco que reage com uma outra molécula de água, que age Existe uma relação simples entre a constante de dissociação
como solvente. Essa reação autoprotolítica é representada por de um ácido fraco HB e a de sua base conjugada B–, ou entre
H2 O H2 O H3 O OH− (7-28) BH+ e B, quando o solvente é anfiprótico. Essa relação pode
ser obtida multiplicando-se a equação (7-12) pela equação
A lei de ação de massas pode, então, ser aplicada, resul- (7-27):
tando na seguinte expressão de equilíbrio
[H3 O ][B− ] [OH− ][HB]
[H3 O ][OH− ] Ka Kb ·
k (7-29) [HB] [B− ]
[H2 O]2
[H3 O ][OH− ] K w (7-33)
O termo relativo à água molecular no denominador é
elevado ao quadrado por que o reatante é elevado a uma po- e
tência igual ao número de moléculas que aparecem na equa- Kw
Kb (7-34)
ção, como requerido pela lei de ação de massas. Uma vez Ka
que a água molecular está em grande excesso relativamente
às concentrações de íons hidrogênio e hidroxila, [H2O]2 é ou
considerada uma constante e é combinada com k, gerando Kw
Ka (7-35)
uma nova constante, Kw, conhecida como constante de dis- Kb
sociação, a constante de autoprotólise, ou o produto iônico
da água:
EXEMPLO 7-4
Kw k × [H2 O]2 (7-30)
Calcular Ka
O valor do produto iônico é aproximadamente 1 × 10–14
a 25 °C e depende muito da temperatura, como mostrado A amônia tem um Kb de 1,74 × 10–5 a 25 °C. Calcular Ka para o
na Tabela 7-4. Em todos os cálculos envolvendo o produto seu ácido conjugado, NH4+. Tem-se
iônico da água, deve-se assegurar de se estar usando o valor Kw 1 00 × 10−14
Ka = =
adequado de Kw para a temperatura na qual os dados foram Kb 1 74 × 10−5
obtidos. = 5 75 × 10−10
Substituindo a equação (7-30) na equação (7-29), encon-
tra-se a expressão usual para a ionização da água:
[H3 O ] × [OH− ] K w ∼ 1 × 10−14 25 ◦ C (7-31)
Em água pura, as concentrações de íons hidrogênio e hi- * Em condições de laboratório, a água destilada em equilíbrio com o ar con-
droxila são iguais, e cada uma tem o valor de aproximadamen- tém cerca de 0,03% em volume de CO2, correspondendo a uma concentra-
te 1 × 10–7 mol/litro a 25 °C. ção de íon hidrogênio de cerca de 2 × 10–6 (pH ∼ 5,7).
180 P ATRICK J. S INKO

TABELA 7-2
CONSTANTES DE IONIZAÇÃO OU DE ACIDEZ PARA ÁCIDOS FRACOS A 25 °C
Ácido fraco Massa molecular Ka pKa
Acético 60,05 1,75 ×10–5 4,76
Acetilsalicílico 180,15 3,27 × 10
–4
3,49
p-Aminobenzóico 137,13 K1 2,24 × 10–5 4,65
K2 1,58 × 10–5 4,80
Amobarbital 226,27 1,15 × 10–8 7,94
Ascórbico 176,12 K1 5,0 × 10–5 4,3
K2 1,6 × 10–12 11,8
Barbital 184,19 1,23 × 10–8 7,91
Barbitúrico 128,09 1,05 × 10–4 3,98
Benzilpenicilina 334,38 1,74 × 10–3 2,76
Benzóico 122,12 6,30 × 10–5 4,20
Bórico 61,84 K1 5,8 × 10–10 9,24
Butilparabeno 194,22 4,0 × 10–9 8,4
Cafeína 194,19 1 × 10–14 14,0
Carbônico 44,01 K1 4,31 × 10–7 6,37
K2 4,7 × 10–11 10,33
Cítrico (1 H2O) 210,14 K1 7,0 × 10–4 3,15
K2 1,66 × 10–5 4,78
K3 4,0 × 10–7 6,40
Dicloroacético 128,95 5 × 10–2 1,3
Fenitoína (Dilantina) 252,26 7,9 × 10–9 8,1
Fenol 95,12 1 × 10–10 10,0
Fórmico 48,02 1,77 × 10–4 3,75
Fosfórico 98,00 K1 7,5 × 10–3 2,12
K2 6,2 × 10–8 7,21
K3 2,1 × 10–13 12,67
Fumárico 116,07 K1 9,3 × 10–4 3,03
K2 4,2 × 10–5 4,38
Gálico 170,1 4 × 10–5 4,4
Glicerofosfórico 172,08 K1 3.4 × 10–2 1,47
K2 6.4 × 10–7 6,19
Glicina (cátion protonado) 75,07 K1 4.5 × 10–3 2,35
K2 1,7 × 10–10 9,78
α-D-Glicose 180,16 8,6 × 10–13 12,1
Hidroquinona 110,11 1,1 × 10–10 (18 °C) 9,96
Láctico 90,08 1,39 × 10–4 3,86
Malêico 116,07 K1 1,0 × 10–2 2,00
K2 5,5 × 10–7 6,26
Málico 134,09 K1 4 × 10–4 3,4
K2 9 × 10–6 5,1
Malônico 104,06 K1 1,40 × 10–3 2,85
K2 2,0 × 10–6 5,70
Mandélico 152,14 4,29 × 10–4 3,37
Metilparabeno 152,14 4,0 × 10–9 8,4
Monocloroacético 94,50 1,40 × 10–3 2,86
Oxálico (2 H2O) 126,07 K1 5,5 × 10–2 1,26
K2 5,3 × 10–5 4,28
Paracetamol 151,16 1,20 × 10–10 9,92
Penicilina V 350,38 1,86 × 10–3 2,73
Penobarbital 232,23 3,9 × 10–8 7,41
Pentobarbital 226,28 1,0 × 10–8 8,0
Pícrico 229,11 4,2 × 10–1 0,38
Propilparabeno 180,20 4,0 × 10–9 8,4
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 181

TABELA 7-2
CONSTANTES DE IONIZAÇÃO OU DE ACIDEZ PARA ÁCIDOS FRACOS A 25 °C
Ácido fraco Massa molecular Ka pKa
Propiônico 74,08 1,34 × 10–5 4,87
Sacarina 183,18 2,1 × 10 –12
11,7
Salicílico 138,12 1,06 × 10–3 2,97
Succínico 118,09 K1 6,4 × 10–5 4,19
K2 2,3 × 10–6 5,63
Sucrose 342,30 2,4 × 10–13 (19 °C) 12,62
Sulfacetamida 214,24 1,35 × 10–6 5,87
Sulfadiazina 250,28 3,3 × 10–7 6,48
Sulfamerazina 264,30 8,7 × 10–8 7,06
Sulfapiridina 249,29 3,6 × 10–9 8,44
Sulfatiazol 255,32 7,6 × 10–8 7,12
Sulfisomidina 278,34 3,4 × 10–8 7,47
Sulfisoxazol 267,30 1,0 × 10 –5
5,0
Tartárico 150,09 K1 9,6 × 10–4 3,02
K2 4,4 × 10–5 4,36
Tetraciclina 444,43 K1 5,01 × 10–4 3,30
K2 2,09 × 10–8 7,68
K3 2,04 × 10–10 9,69
Tricloroacético 163,40 1,3 × 10–1 0,89
Valérico 102,13 1,56 × 10 –5
4,81

Ionização de eletrólitos polipróticos de K3. Então, o ácido fosfórico é fraco na terceira etapa de
ionização, e uma solução desse ácido praticamente não contém
Os ácidos que doam somente um próton e as bases que aceitam íons PO43–.
somente um próton são chamados eletrólitos monopróticos. Cada uma das espécies formada pela ionização de um áci-
Um ácido poliprótico (polibásico) é aquele que é capaz de doar do poliprótico pode, também, agir como base. Então, para o
dois ou mais prótons, e uma base poliprótica é capaz de aceitar sistema do ácido fosfórico,
dois ou mais prótons. Um ácido diprótico (dibásico), como o
ácido carbônico, ioniza em duas etapas, e um ácido triprótico PO4 3− H2 O HPO4 2− OH− (7-40)
(tribásico), como o ácido fosfórico, ioniza em três etapas. Os 2− −
[HPO4 ][OH ]
equilíbrios envolvidos na protólise ou ionização do ácido fos- Kb1 4 8 × 10−2 (7-41)
fórico, junto com as expressões dos equilíbrios, são: [PO4 3− ]
H3 PO4 H2 O H3 O H2 PO4 − (7-36) HPO4 2− H2 O H2 PO4 − OH− (7-42)

[H3 O ][H2 PO4 ] [H2 PO4 − ][OH− ]
K1 7 5 × 10−3 (7-37) Kb2 1 6 × 10−7 (7-43)
[H3 PO4 ] [HPO4 2− ]
H2 PO4 − H2 O H3 O HPO4 2− H2 PO4 − H2 O H3 PO4 OH− (7-44)
2− −
[H3 O ][HPO4 ] [H3 PO4 ][OH ]
K2 6 2 × 10−8 (7-38) Kb3 1 3 × 10−12 (7-45)
[H2 PO4 − ] [H2 PO4 − ]
HPO4 2− H2 O H3 O PO4 3− Em geral, para um sistema no qual o ácido poliprótico de
partida é HnA, há n + 1 espécies possíveis em solução:
[H3 O ][PO4 3− ] Hn− j A− j HA−(n−1) An−
K3 2 1 × 10−13 (7-39) Hn A (7-46)
[HPO4 2− ]
onde j representa o número de prótons dissociados do ácido de
Em qualquer eletrólito poliprótico, a protólise primária é partida e varia de 0 a n. A concentração total de todas as espé-
a mais extensa de todas, e as etapas seguintes são menos com- cies deve ser igual a Ca, ou
pletas para qualquer concentração de ácido.
As cargas negativas no íon HPO42– tornam difícil para a [Hn A] [Hn− j A− j ]
água remover o próton do íon, o que reflete no pequeno valor [HA−(n−1) ] [An− ] Ca (7-47)
182 P ATRICK J. S INKO

TABELA 7-3
CONSTANTES DE IONIZAÇÂO OU DE BASICIDADE PARA BASES FRACAS A 25 °C*
pKa
Base fraca Massa molecular Kb pKb (ácido conjugado)
Acetanilida 135,16 4,1 × 10–14 (40 °C) 13,39 0,61
Amônia 35,05 1,74 × 10–5 4,76 9,24
Apomorfina 267,31 1,0 × 10–7 7,00 7,00
Atropina 289,4 4,5 × 10–5 4,35 9,65
Benzocaína 165,19 6,0 × 10–12 11,22 2,78
Cafeína 194,19 K1 3,98 × 10–11 10,4 3,6
K2 4,07 × 10–14 13,4 0,6
Cocaína 303,35 2,6 × 10–6 5,59 8,41
Codeína 299,36 1,6 × 10–6 5,8 8,2
Efedrina 165,23 2,3 × 10–5 4,64 9,36
Epinefrina 183,20 K1 7,9 × 10–5 4,1 9,9
K2 3,2 × 10–6 5,5 8,5
Eritromicina 733,92 6,3 × 10–6 5,2 8,8
Escopolamina 303,35 1,6 × 10–6 5,8 8,2
Estricnina 334,40 K1 1 × 10–6 6,0 8,0
K2 2 × 10–12 11,7 2,3
Etilenodiamina 60,10 7,1 × 10–8 7,15 6,85
Fisostigmina 275,34 K1 7,6 × 10–7 6,12 7,88
K2 5,7 × 10–13 12,24 1,76
Glicina 75,07 2,3 × 10–12 11,65 2,35
Hidroquinona 110,11 4,7 × 10–6 5,33 8,67
Morfina 285,33 7,4 × 10–7 6,13 7,87
Nalorfina 311,37 6,3 × 10–7 6,2 7,8
Papaverina 339,39 8 × 10–9 8,1 5,9
Pilocarpina 208,25 K1 7 × 10–8 7,2 6,8
K2 2 × 10–13 12,7 1,3
Piridina 79,10 1,4 × 10–9 8,85 5,15
Procaína 236,30 7 × 10–6 5,2 8,8
Quinacrina 472,88 1,0 × 10–6 6,0 8,0
(dicloridrato)
Quinina 324,41 K1 1,0 × 10–6 6,00 8,00
K2 1,3 × 10–10 9,89 4,11
Reserpina 608,00 4 × 10–8 7,4 6,6
Teobromina 180,17 K1 7,76 × 10–7 6,11 7,89
K2 4,8 × 10–14 13,3 0,7
Teofilina 180,17 K1 1,58 × 10–9 8,80 5,20
K2 5,0 × 10–14 13,3 0,7
Tiouréia 76,12 1,25 × 10–12 11,90 2,1
Tolbutamida 270,34 2,0 × 10–9 8,7 5,3
Uréia 60,06 1,5 × 10–14 13,82 0,18
* Valores de pKs adicionais para ácidos e bases de interesse farmacêutico são dados em R. F. Doerge, Ed., Wilson Gisvold’s
Textbook of Organic Medicinal and Pharmaceutical Chemistry, 8th Ed., Lippincott, Philadelphia, 1982, pp. 841–847; D. W.
Newton and R. B. Kluza. Drug Intell. Clin. Pharm. 12, 546, 1978.

Cada um dos pares de espécies cuja diferença entre seus K 1 K b3 K 2 K b2 K 3 K b1 Kw (7-49)


valores de j seja 1 unidade constitui um par ácido-base conju-
gado, e em geral
K j K b(n 1− j) K w (7-48) Substâncias anfóteras
onde Kj representa as várias constantes de acidez para o sis- Na seção precedente, as equações (7-37), (7-38), (7-41) e
tema. Então, para o sistema do ácido fosfórico descrito pelas (7-43) demonstraram que no sistema do ácido fosfórico, as
equações (7-37) a (7-45), espécies H2PO4– e HPO42– podem agir tanto como um ácido
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 183

cerca de 1 × 10–14 em uma solução 1 M de uma forte base, e os


TABELA 7-4 cálculos freqüentemente tornam-se trabalhosos. Para contornar
PRODUTO IÔNICO DA ÁGUA A VÁRIAS TEMPERATURAS* essa dificuldade, Sörensen5 sugeriu um método simplificado de
expressar a concentração de íons hidrogênio. Ele propôs o ter-
Temperatura (°C) Kw × 1014 pKw
mo pH, que foi originalmente escrito como pH+, para represen-
0 0,1139 14,944 tar o potencial do íon hidrogênio, e o definiu como o logaritmo
10 0,2920 14,535 decimal do inverso da concentração de íons hidrogênio:
20 0,6809 14,167 1
pH log (7-53)
24 1,000 14,000 [H3 O ]
25 1,008 13,997
De acordo com as regras dos logaritmos, essa equação
30 1,469 13,833 pode ser escrita como
37 2,57 13,59
pH log 1 − log[H3 O ] (7-54)
40 2,919 13,535
50 5,474 13,262 e como o logaritmo de 1 é zero,
60 9,614 13,017 pH log[H3 O ] (7-55)
70 15,1 12,82 As equações (7-53) e (7-55) são idênticas e aceitáveis para
80 23,4 12,63 quase todos os cálculos envolvendo o pH.
90 35,5 12,45 O pH de uma solução pode ser considerado em termos de
100 51,3 12,29 uma escala numérica, com valores variando de 0 a 14, os quais
300 400 11,40 expressam, de maneira quantitativa, o grau de acidez (7 a 0) e
alcalinidade (7 a 14). O valor 7, no qual as concentrações de
* De Harned and Robinson, Trans. Faraday Soc. 36, 973, 1940, e outras fontes.
íons hidrogênio e hidroxila são iguais à temperatura ambiente,
é chamado de ponto neutro ou neutralidade. O pH neutro a 0
°C é 7,47, e a 100 °C é 6,15 (Tabela 7-4). A escala que relacio-
quanto como uma base. Uma espécie que pode agir tanto como na o pH com as concentrações dos íons hidrogênio e hidroxila
um ácido quanto como uma base é chamada anfiprótica e se de uma solução é dada na Tabela 7-5, e os valores de pH de
diz apresentar um caráter anfótero. Em geral, para um sistema alguns veículos farmacêuticos e de soluções freqüentemente
contendo um ácido poliprótico, todas as espécies, com exceção usadas como veículos são dados na Tabela 7-6.
de HnA e An–, são anfóteras.
Os aminoácidos e as proteínas são substâncias anfóteras de
interesse particular em Farmácia. Se o cloridrato de glicina for Conversão da concentração de íon hidrogênio em pH
dissolvido em água, ele ioniza-se como apresentado abaixo:
O estudante deverá praticar a conversão de concentração de
NH3 CH2 COOH H2 O íon hidrogênio em pH e vice-versa até que seja proficiente
NH3 CH2 COO− H3 O (7-50)

NH3 CH2 COO− H2 O


TABELA 7-5
NH2 CH2 COO− H3 O (7-51)
A ESCALA pH E AS CONCENTRAÇÕES CORRESPONDENTES
A espécie +NH3CH2COO– é anfótera, o que quer dizer que, DE ÍONS HIDROGÊNIO E HIDROXILA
além de reagir como um ácido como mostrado na equação (7-51),
ela pode reagir como uma base, da maneira mostrada abaixo: [H3 O ] [OH−1 ]
NH3 CH2 COO− H2 O pH

NH3 CH2 COOH OH− (7-52) 0 100 1 10−14 ↑


+ –
A espécie anfótera NH3CH2COO é chamada um zwitte- 1 10−1 10−13
rion e difere das espécies anfóteras formadas a partir do ácido 2 10−2 10−12
fosfórico por portar uma carga positiva e uma carga negativa, 3 10−3 10−11 Ácido
sendo a molécula eletricamente neutra. O pH no qual a con- 4 10−4 10−10
centração do zwitterion é máxima é conhecido como o ponto 5 10−5 10−9
isoelétrico. No ponto isoelétrico, o movimento das moléculas 6 10−6 10−8
do soluto em um campo elétrico é desprezível. 7 10−7 10−7 Neutro
8 10−8 10−6
9 10−9 10−5
10 10−10 10−4
pH 11 10−11 10−3 Base
12 10−12 10−2
13 10−13 10−1
A concentração de íons hidrogênio de uma solução varia de
14 10−14 100  1 ↓
aproximadamente 1 em uma solução 1 M de um ácido forte até
184 P ATRICK J. S INKO

TABELA 7-6
pH APROXIMADO DE ALGUMAS ESPÉCIES FARMACÊUTICAS E VEÍCULOS*
Produto** pH Fabricante
Acacia xarope 5,0
Ácido iodídrico xarope 1,0 Lilly
Acromicina-V, xarope 4,0–5,0 Lederle
Actifed, xarope 5,0–7,2 Burroughs Wellcome
Ambenyl 5,5–6,0 Marion
Anspor para suspensão oral 3,5–6,0 SmithKline Beecham
Antepar, xarope 5,7–6,3 Burroughs Wellcome
Artane 2,0–3,0 Lederle
Aventyl, líquido 2,5–4,0 Lilly
Bactrium, suspensão 5,0–6,0 Roche
Benadryl, elixir 7,0 Parke–Davis
Bentyl HCl 5,0–5,5 Merrell–National
Benzaldeído composto, elixir 6,0
Brometos, xarope 4,5
Butisol sódico, elixir 9,7 Wallace Laboratories
Calcidrin xarope 4,0–5,0 Abbott
Catnip e fennel, elixir 8,0
Cereja, xarope 3,5–4,0
Cerose 5,0–5,2 Ives
Cerose-DM 5,0–5,2 Ives
Cetro-Cirose 5,3 Ives
Cheracol 4,0 Upjohn
Chlor-Trimeton maleato xarope 4,4-5,6 Schering
Cibalith-S 4,0–5,0 Ciba
Complexo de Vitamina B elixir 4,0–5,0
Composto cardamomo elixir 7,5
Comtrex Cough Fórmula 4,5–5,5 Bristol–Meyers
Comtrex Multi-Sintomas Líquido 4,3 Bristol–Meyers
Contac Cough and Congestion, Fórmula 4,3 SmithKline Beecham
Contac Cough, Chest Congestion and Sore Throat 4,5 SmithKline Beecham
Fórmula
Contac Jr. Nondrowsy Cold Liquid 4,5 SmithKline Beecham
Contac Nighttime Cold Medicine 5,6 SmithKline Beecham
Cosanyl 3,0 Health Care Industries
Darvon-N, suspensão 4,0–6,0 Lilly
Decadron, elixir 3,0–3,4 Merck Sharp & Dohme
Demazin, xarope 4,5–6,0 Schering
Dimetapp, elixir 2,2–3,2 Robins
Diuril oral, suspensão 3,5–4,0 Merck Sharp & Dohme
Donnagel, suspensão 4,0–5,5 Robins
Donnatal, elixir 4,0–5,5 Robins
Elixir Alurate Verdum 2,5 Hoffmann-La Roche
Elixir Iso-alcoólico 5,0
Eriodictyon Aromático, xarope 7,0–8,0
Excedrin PM, líquido 4,6 Bristol–Myers
Fenobarbital, elixir 6,0
Feosol, elixir 2,0–2,4 SmithKline Beecham
Gantanol, suspensão 4,7–5,0 Roche
Gantrisin, xarope 4,5–5,0 Roche
Glicirriza, xarope 6,0–6,5
Haldol 2,8–3,8 McNeil
Hidrato de terpina e codeína, elixir 8,0
Hidrato de terpina, elixir 6,0
Homicebrin 3,5–4,0 Lilly
Ilosone, suspensão 4,5–6,0 Lilly
Kaopectate 4,2 Upjohn
Lanoxin pediátrico, elixir 6,8–7,2 Burroughs Wellcome
Lipo Gantrisin 4,3–4,8 Roche
Lipomul oral 5,0 Upjohn
Mestinon, xarope 4,2–4,8 Roche
Naldecon adulto, xarope 4,0–5,0 Bristol Laboratories
Naldecon CX, solução 4,5–5,5 Bristol Laboratories
Naldecon DX adulto, líquido 4,5–5,5 Bristol Laboratories
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 185

TABELA 7-6
pH APROXIMADO DE ALGUMAS ESPÉCIES FARMACÊUTICAS E VEÍCULOS*

Produto pH Fabricante
Naldecon DX pediátrico, gotas 3,7–4,7 Bristol Laboratories
Naldecon DX pediátrico, xarope 2,7–3,7 Bristol Laboratories
Naldecon EX pediátrico, gotas 3,5–4,5 Bristol Laboratories
Naldecon EX pediátrico, xarope 3,0–4,0 Bristol Laboratories
Naldecon pediátrico, gotas 4,0–5,0 Bristol Laboratories
Naldecon pediátrico, xarope 4,0–5,0 Bristol Laboratories
Naldecon senior DX, xarope 4,5–5,5 Bristol Laboratories
Naprosyn (naproxin), suspensão 2,2–3,7 Syntex
Nasalide (flunisolidate), solução nasal 4,5–6,0 Syntex
Neldecon senior EX, xarope 4,5–5,5 Bristol Laboratories
Nembutal, elixir 3,2–4,0 Abbott
Noctec 4,8–5,2 Squibb
Novafed, líquido 2,5–4,5 Dow
Novahistine DH 2,5–4,0 Dow
Novahistine, elixir 2,5–4,0 Dow
Novahistine expectorante 2,5–4,0 Dow
Orthoxicol 2,5–3,0 Upjohn
Pepsin, lactado 4,0–5,0
Periactin, xarope 3,5–4,5 Merck Sharp & Dohme
Piribenzamina, elixir 4,5 Ciba
Prolixin, elixir 5,3–5,8 Squibb
Robitussin 2,3–3,0 Robins
Romilar CF 4,9 Block
Roniacol, elixir 4,0–5,0 Roche
Sarsaparilla composto, xarope 5,0
Stelazine, concentrado 2,2–3,2 SmithKline Beecham
Sudafed Plus, xarope 2,5–4,0 Burroughs Wellcome
Sudafed, xarope 2,5–3,5 Burroughs Wellcome
Sumycin, xarope 3,5–6,0 Squibb
Suptra, suspensão 5,0–6,0 Burroughs Wellcome
Surbex 3,7–3,9 Abbott
Synarel (acetato de nafarelina), solução nasal 5,2 ± 0,5 Syntex
Tagamet, líquido 5,0–6,5 SmithKline Beecham
Taka-Diastase 6,0 Parke–Davis
Taractan concentrado 3,5–4,5 Roche
Tegretol, suspensão 3,0–5,0 Geigy
Theragran líquido 4,7–5,2 Squibb
Tiamina HCl elixir 4,0–5,0
Thorazine concentrado, 100 mg 2,4–3,4 SmithKline Beecham
Thorazine concentrado, 30 mg 3,0–4,0 SmithKline Beecham
Thorazine xarope 4,0–5,0 SmithKline Beecham
Toradol IM (trometamina de cetorolaco) injeção 7,4 ± 0,5 Syntex
Tussend expectorante 2,5–4,5 Dow
Tussend, líquido 2,0–4,0 Dow
Tuss-Ornade, líquido 4,0–4,4 SmithKline Beecham
Tylenol com codeína, elixir 4,0–6,1 McNeil
Valadol, líquido 3,8–6,1 Squibb
White Pine, xarope composto 6,5
Wild Cherry, xarope 4,5
Xarope 6,5–7,0
Xarope de framboesa 3,0
Xarope de laranja 2,5–3,0
* Os resultados têm uma precisão de cerca ±0,3 unidades de pH. Alguns dos produtos são suspensões, enquanto outros contêm
veículos não-aquosos. Os valores de pH na tabela então não são, necessariamente, os mesmos daqueles obtidos em sistemas
aquosos e são chamados de número de pH. Essas faixas de pH são usadas pelas indústrias farmacêuticas como especificação de
controle de qualidade e foram gentilmente fornecidas pelas companhias.
** N. de T.: Nomes registrados, não usuais no Brasil, foram mantidos como no original.
186 P ATRICK J. S INKO

nesses tipos de operações logarítmicas. Os exemplos seguin- Conversão de pH em concentração


tes são dados para permitir revisão das operações matemáticas de íon hidrogênio
envolvendo logaritmos. A equação (7-55) é mais conveniente
para os cálculos que a equação (7-53). O exemplo seguinte ilustra o método de converter pH em
[H3O+].
EXEMPLO 7-5
Cálculo do pH EXEMPLO 7-8
A concentração de íon hidrônio de uma solução 0,05 M de HCl é Concentração de íon hidrônio
0,05 M. Qual é o pH dessa solução? Escreve-se Se o pH de uma solução é 4,72, qual é a concentração de íon hi-
pH = − log(5 0 × 10−2 ) = − log 10−2 − log 5 0 drônio? Tem-se
= 2 − 0 70 = 1 30 pH = − log[H3 O+ ] = 4 72
log [H3 O+ ] = −4 72 = −5 + 0 28
Uma calculadora permite que se obtenha o valor do pH com o
simples uso da função log, seguida por uma troca de sinal. [H3 O+ ] = antilog 0 28 × antilog (−5)
[H3 O+ ] = 1 91 × 10−5 mol litro
Uma melhor definição de pH envolve a atividade em vez
da concentração dos íons: O uso de uma calculadora evita esse procedimento em duas
etapas. Simplesmente entra-se com –4,72 na calculadora e aperta-
pH log aH (7-56) se o botão de antilog ou 10x para se obter [H3O+].
e como a atividade de um íon é igual ao coeficiente de ativi-
dade multiplicado pela concentração molal ou molar (equação
(6-42), pK e pOH
Concentração de íon hidrônio × Coeficiente de atividade O uso do pH para designar o logaritmo negativo da concentra-
= Atividade de íon hidrônio ção de íon hidrônio mostrou-se tão conveniente que expressar
números menores do que a unidade em notação “p” tornou-se
o pH pode ser mais corretamente obtido a partir da fórmula
um procedimento-padrão. Um matemático diria que “p” é um
pH log(γ± × c) (7-57) operador matemático que age sobre a quantidade [H+], Ka, Kb,
Kw, etc. para converter esse valor no negativo do seu logaritmo
decimal. Em outras palavras, o termo “p” é usado para expres-
EXEMPLO 7-6 sar o logaritmo negativo do termo seguinte ao “p”. Por exem-
pH de uma solução plo, o pOH expressa –log[OH–], o pKa é usado para –log Ka,
O coeficiente de atividade molar médio de uma solução 0,05 M de e o pKw é –log Kw. Assim, as equações (7-31) e (7-33) podem
HCl é 0,83 a 25 °C. Qual é o pH da solução? Escreve-se ser expressas como
pH = −log(0 83 × 0 05) = 1 38 pH pOH pKw (7-58)

Se NaCl em quantidade suficiente é adicionado à solução de HCl pKa pKb pKw (7-59)
levando a uma força iônica total de 0,5 para esta mistura de ele-
trólitos uni-univalentes, o coeficiente de atividade é 0,77. Qual é o nas quais pK é normalmente chamado de expoente de dis-
pH da solução? Escreve-se sociação.
Os valores de pK de medicamentos levemente ácidos ou
pH = − log(0 77 × 0 05) = 1 41 básicos são em geral determinados por espectrofometria de
ultravioleta e titulação potenciométrica. Eles também podem
Então, a adição de um sal neutro afeta a atividade do íon ser obtidos por análises de solubilidade6-8 e por um método de
hidrogênio de uma solução, e coeficientes de atividade devem coeficiente de partição.8
ser usados para o cálculo preciso do pH.

EXEMPLO 7-7 A CONCENTRAÇÃO DAS ESPÉCIES EM FUNÇÃO DO pH


pH de uma solução
A concentração de íon hidrônio de uma solução 0,1 M de ácido Como foi mostrado nas seções precedentes, ácido polipróti-
barbitúrico foi determinada como sendo 3,24 × 10–3 M. Qual é o cos, HnA, podem ionizar-se em sucessivas etapas resultando
pH da solução? Escreve-se em n + 1 possíveis espécies em solução. Em muitos estudos
pH = − log(3 24 × 10−3 )
de interesse farmacêutico, é importante que se seja capaz de
calcular a concentração de todas as espécies ácidas e básicas
pH = 3 − log 3 24 = 2 49
em solução.
As concentrações de todas as espécies envolvidas em su-
Para fins práticos, atividades e concentrações são iguais cessivos equilíbrios ácido-base mudam com o pH e podem ser
para soluções de eletrólitos fracos nas quais não houver adição representadas somente em termos de constantes de equilíbrio
de sais, porque a força iônica é pequena. e concentração de íon hidrônio. Essas relações podem ser obti-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 187

das definindo-se todas as espécies em solução como frações α Substituindo-se a equação (7-61) na equação (7-66) e a
do ácido total, Ca, adicionado ao sistema [ver equação (7-47) equação resultante na equação (7-72), chega-se a
para Ca]: K 1 [H3 O ]n−1 Ca
α0 [Hn A] Ca (7-60) [Hn−1 A−1 ] (7-74)
D
α1 [Hn−1 A−1 ] Ca (7-61) Em geral,
K1 K j [H3 O ]n− j Ca
e, em geral, [Hn− j A− j ] (7-75)
−j D
αj [Hn− j A ]) Ca (7-62)
e
e K1 K2 K n Ca
αn [A−n ]) Ca (7-63) [A−n ] (7-76)
D
nas quais j representa o número de prótons do ácido de partida Embora essas equações pareçam complicadas, elas são, na
que ionizaram. Assim, dividindo-se a equação (7-47) por Ca e verdade, bastante simples. O termo D nas equações (7-72) a
utilizando-se as equações (7-60) a (7-63), obtém-se (7-76) é a série de potências em [H3O+], cada termo multipli-
α0 αj αn−1 αn 1 (7-64) cado por constantes de equilíbrio. A série começa com [H3O+]
elevado à potência representando n, o número total de hidrogê-
Todos os α-valores podem ser definidos em termos das nios dissociáveis no ácido de partida, HnA. O último termo é o
constantes de equilíbrio, α0 e [H3O+], como segue: produto de todas as constantes de acidez. Os termos interme-
[Hn−1 A− ][H3 O ] α1 Ca [H3 O ] diários podem ser obtidos a partir do último termo por substi-
K1 (7-65) tuição de [H3O+] por Kn obtendo-se o termo vizinho ao último,
[Hn A] α0 C a
depois substituindo [H3O+] por Kn–1 para obter-se o termo an-
Conseqüentemente, terior, e assim por diante, até que o primeiro termo seja obtido.
As equações seguintes mostram os denominadores D a serem
α1 K 1 α0 [H3 O ] (7-66) usados nas equações (7-72) a (7-76) para vários tipos de ácidos
polipróticos:
[Hn−2 A2− ][H3 O ] [Hn−2 A2− ][H3 O ]2 4
K2 H4 A : D [H3 O ] K1 [H3 O ]3 K1 K2 [H3 O ]2
[Hn−1 A− ] K1 [Hn A]
K1 K2 K3 [H3 O ] K1 K2 K3 K4 (7-77)
α2 Ca [H3 O ]2
(7-67) 3 2
α0 Ca K1 H3 A : D [H3 O ] K1 [H3 O ]
K1 K2 [H3 O ] K1 K2 K3 (7-78)
ou
K 1 K 2 α0 H2 A : D [H3 O ]2 K1 [H3 O ] K1 K2 (7-79)
α2 (7-68)
[H3 O ]2
HA : D [H3 O ] Ka (7-80)
e, em geral,
Em todos os casos, para uma espécie na qual j prótons io-
αj (K 1 K 2 K j )α 0 [H3 O ] j (7-69)
nizaram, o numerador nas equações (7-72) a (7-76) é Ca multi-
Inserindo as formas apropriadas da equação (7-69) na plicado pelo termo do denominador D que tem [H3O+] elevado
equação (7-64) obtém-se à potência n – j. Assim, para o ácido de partida H2A, a equação
K 1 α0 K 1 K 2 α0 K1 K2 K n α0 apropriada para D é a equação (7-79). As concentrações mola-
α0 2
1 res das espécies HnA (j = 0), HA– (j = 1), e A2– (j = 2) podem
[H3 O ] [H3 O ] [H3 O ]n
ser dadas por
(7-70)
[H3 O ]2 Ca
Resolvendo em função de α0, [H2 A] 2
(7-81)
[H3 O ] K1 [H3 O ] K1 K2
α0 [H3 O ]n [H3 O ]n K 1 [H3 O]n−1
K1 [H3 O ]Ca
K1 K2 [H3 O ]n−2 K1 K 2 Kn (7-71) HA− (7-82)
[H3 O ]2 K1 [H3 O ] K1 K2
ou
K1 K2 Ca
[H3 O ]n A2− (7-83)
α0 [H3 O ]2 K1 [H3 O ] K1 K2
D (7-72)
Essas equações podem ser usadas diretamente, resultando
onde D representa o denominador da equação (7-71). Assim,
em concentrações molares. É óbvio, entretanto, que cálculos
a concentração de HnA em função de [H3O+] pode ser obtida
trabalhosos são necessários para substâncias como o ácido cí-
pela substituição da equação (7-60) na equação (7-72), resul-
trico ou o ácido etilenodiaminotetraacético, sendo necessário
tando em
o uso de uma boa calculadora para se obterem as soluções do
[H3 O ]n Ca problema em um tempo razoável. Métodos gráficos podem ser
[Hn A] (7-73)
D usados para simplificar o procedimento.9
188 P ATRICK J. S INKO

CÁLCULO DO pH um próton; HPO42–, entretanto, reage com a água e é considerado


uma das espécies de partida.

Equações de equilíbrio de próton A espécie H2PO4– resulta do consumo de um próton.


A espécie H3PO4 pode formar-se pelo consumo de dois prótons.
De acordo com a teoria de Brönsted-Lowry, todo próton doado
por um ácido deve ser aceito por uma base. Assim, uma equa- A espécie PO43– pode se formar com a liberação de um próton.
ção que considere a totalidade das transferências de prótons Tem-se assim
ocorrendo em um sistema é de fundamental importância na [H3 O+ ] + [H2 PO4 − ] + 2[H3 PO4 ] = [OH− ] + [PO4 3− ]
descrição de quaisquer equilíbrios ácido-base naquele sistema.
Isso pode ser acompanhado estabelecendo-se uma equação de
equilíbrio de próton (EEP) para cada sistema. Na EEP, a soma EXEMPLO 7-11
dos termos em concentração para as espécies formadas por
Equações de equilíbrio de próton
perda de próton é igualada à soma dos termos em concentração
para as espécies formadas pela liberação de um próton. Qual é a EEP quando acetato de sódio é adicionado à água?
Por exemplo, quando HCl é adicionado à água, ele disso- O sal dissocia-se em um íon Na+ e um íon CH3COO–. O
cia-se completamente em íons H3O+ e Cl–. O H3O+ é a espécie CH3COO– é considerado a espécie de partida. O CH3COOH pode
formada pelo consumo de um próton (pela água agindo como se formar quando o CH3COO– consumir um próton. Assim,
uma base), e o Cl– é formado pela liberação de um próton do [H3 O+ ] + [CH3 COOH] = [OH− ]
HCl. Em todas as soluções aquosas, H3O+ e OH– resultam da
A EEP permite que se calcule facilmente o pH de qualquer
dissociação de duas moléculas de água de acordo com a equa-
solução, como segue:
ção (7-28). Assim, OH– é a espécie formada pela liberação de
um próton. A EEP para o sistema de HCl em água é (a) Obtenha a EEP para a solução em questão.
[H3 O ] [OH− ] [Cl− ] (b) Expresse a concentração de todas as espécies como uma
Embora H3O+ seja formado a partir de duas reações, ele é função das constantes de equilíbrio e [H3O+] usando as equações
incluído somente uma vez na EEP. O mesmo seria verdadeiro (7-73) a (7-76).
para OH– se ele fosse proveniente de mais de uma fonte. (c) Resolva a expressão resultante para [H3O+] fazendo todas
O método geral de obtenção da EEP é o seguinte: as suposições que parecerem válidas para o sistema.
(a) Sempre comece com as espécies adicionadas à água. (d) Confira a validade de tudo o que foi suposto.
(b) No lado esquerdo da equação, coloque todas as espécies (e) Se tudo o que foi suposto mostrar-se correto, converta
que podem se formar quando prótons são consumidos pe- [H3O+] em pH.
las espécies de partida.
Se a solução contém uma base, algumas vezes é mais convenien-
(c) No lado direito da equação, coloque todas as espécies que te resolver a expressão obtida no item (b) para [OH–], converter o va-
podem se formar quando prótons são liberados pelas espé- lor obtido em pOH e finalmente em pH utilizando a equação (7-58).
cies de partida.
(d) Cada espécie na EEP deve ser multiplicada pelo número
de prótons perdidos ou ganhos quando esta é formada a Soluções de ácidos e bases fortes
partir da espécie de partida.
Ácidos e bases fortes são aqueles que têm constantes de acidez
(e) Adicione [H3O+] ao lado esquerdo da equação e [OH–] ao ou de basicidade maiores que cerca de 10–2. Eles são considera-
lado direito da equação. Isso resulta da interação de duas dos como 100% ionizados quando colocados em água. Quando
moléculas de água, como mostrado previamente. HCl é colocado em água, a EEP para o sistema é dada por
Kw
EXEMPLO 7-9 [H3 O ] [OH− ] [C1− ] Ca (7-84)
[H3 O ]
Equações de equilíbrio de próton que pode ser rearranjada, resultando em
Qual é a EEP quando H3PO4 é adicionado à água?
A espécie H2PO4– forma-se com a liberação de um próton.
[H3 O ]2 − Ca [H3 O ] − K w 0 (7-85)
A espécie HPO4 2– forma-se com a liberação de dois prótons. onde Ca é a concentração total do ácido. Esta é uma equação
A espécie PO4 3– forma-se com a liberação de três prótons. quadrática de forma geral
Tem-se então
a X 2 bX c 0 (7-86)
[H3 O+ ] = [OH− ] + [H2 PO4 − ] + 2[HPO4 2− ] + 3[PO4 3− ]
que tem como solução

−b ± b2 − 4ac
EXEMPLO 7-10 X (7-87)
2a
Equações de equilíbrio de próton
Assim, a equação (7-85) torna-se
Qual é a EEP quando Na2HPO4 é adicionado à água?
O sal dissocia-se em dois Na+ e um HPO4 2–; Na+ é desprezado Ca Ca 2 4K w
[H3 O ] (7-88)
na EEP porque ele não é formado pela liberação ou consumo de 2
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 189

na qual somente a raiz positiva é usada porque [H3O+] nunca que pode ser rearranjada produzindo
pode ser negativa. (Ca − [H3 O ] [OH− ])
Quando a concentração de ácido for 1 × 10–6 M ou maior, [H3 O ] K a
[Cl–] torna-se muito maior que* [OH–] na equação (7-84) e (Cb [H3 O ] − [OH− ]) (7-99)
Ca2 torna-se muito maior que 4Kw na equação (7-88). Assim, Essa equação é exata e foi desenvolvida sem nenhuma su-
ambas as equações podem ser simplificadas para posição.* Ela é, entretanto, relativamente difícil de resolver. Por
[H3 O ] ∼ Ca (7-89) sorte, para sistemas reais, a equação pode ser simplificada.
Um tratamento similar para uma solução de uma base for-
te, tal como NaOH resulta em Soluções contendo somente um ácido fraco
Cb Cb 2 4K w
[OH− ] (7-90) Se a solução contém somente um ácido fraco, Cb é zero, e
2 [H3O+] é geralmente muito maior que [OH–]. Assim, a equa-
e ção (7-99) simplifica-se para
[OH− ] ∼ Cb (7-91) [H3 O ]2 Ka [H3 O ] − K a Ca 0 (7-100)
se a concentração da base for 1 × 10–6 M ou maior. que é uma equação quadrática com a solução
−K a Ka 2 4K a Ca
[H3 O ] (7-101)
Pares ácido-base conjugados 2
Em muitos exemplos, Ca é muito maior que [H3O+], e a
O uso da EEP permite que se desenvolva uma equação-mestre equação (7-100) simplifica-se para
que pode ser usada para calcular o pH de soluções compos-
tas de ácidos fracos, bases fracas, ou uma mistura de um par [H3 O ] K a Ca (7-102)
ácido-base conjugado. Para isso, considere uma solução pre-
parada pela dissolução de um ácido fraco, HB, e um sal de EXEMPLO 7-12
sua base conjugada, B–, em água. Os equilíbrios ácido-base
envolvidos são Calcular o pH
HB H2 O H3 O B− (7-92) Calcular o pH de uma solução 0,01 M de ácido salicílico, que tem
um Ka = 1,06 × 10–3 a 25 °C.
B− H2 O OH− HB (7-93) (a) Usando a equação (7-102), encontramos
[H3 O+ ] = (1 06 × 10−3 ) × (1 0 × 10−2 )
H2 O H2 O H3 O OH− (7-94) = 3 26 × 10−3 M
A EEP para o sistema é
A aproximação Ca H3O+ não é válida.
− −
[H3 O ] [HB] [OH ] [B ] (7-95) (b) Usando a equação (7-101), encontramos
As concentrações do ácido e da base conjugada podem ser (1 06 × 10−3 )
[H3 O+ ] = −
expressas como 2
[H3 O ]Cb (1 06 × 10−3 )2 + 4(1 06 × 10−3 )(1 0 × 10−2 )
[HB] (7-96) +
[H3 O ] K a 2
= 2 77 × 10−3 M
K a Ca pH = − log(2 77 × 10−3 ) = 2 56
[B− ] (7-97)
[H3 O ] Ka
A equação (7-96) contém Cb (concentração de base adi- O exemplo acima ilustra a importância da confirmação da
cionada na forma de sal) em vez de Ca porque, nos termos da validade de todas as suposições feitas na derivação da equa-
EEP, a espécie HB foi gerada da espécie B– adicionada na for- ção utilizada para o cálculo de [H3O+]. A equação simplificada
ma de sal. A equação (7-97) contém Ca (concentração de HB (7-102) fornece uma resposta para [H3O+] com um erro rela-
adicionado) porque a espécie B– na EEP é originada do HB tivo de 18% quando comparada com a resposta correta dada
adicionado. A inserção das equações (7-96) e (7-97) na equa- pela equação (7-101).
ção (7-95) resulta em
[H3 O ]Cb EXEMPLO 7-13
[H3 O ]
[H3 O ] Ka Calcular o pH
Ka Ca
[OH− ] Calcular o pH de uma solução 1 g/100 mL de sulfato de efedri-
[H3 O ] Ka (7-98) na. A massa molecular do sal é 428,5, e Kb para a base efedrina
é 2,3 × 10–5.

* Para se adotar um método definitivo e consistente de fazer aproximações * Exceto que, neste e em todos os desenvolvimentos subseqüentes para equa-
ao longo deste capítulo, a expressão “muito maior que” significa que o ções envolvendo o pH, é assumido que a concentração pode ser utilizada
maior termo é, ao menos, 20 vezes maior que o menor. no lugar da atividade.
190 P ATRICK J. S INKO

(a) O sulfato de efedrina, (BH+)2SO4, dissocia-se completa- [OH− ] = (2 6 × 10−6 ) × (3 3 × 10−3 )


mente em dois cátions BH+ e um ânion SO4 2–. Então, a concen- = 9 26 × 10−5 M
tração do ácido fraco (cátion efedrina) é o dobro da concentração,
Cs, do sal adicionado. Todas as suposições são válidas. Assim,
2 × 10 g litro pOH = − log(9 26 × 10−5 ) = 4 03
Ca = 2Cs = = 4 67 × 10−2 M
428 5 g mol pH = 14 00 − 4 03 = 9 97
(b)
1 00 × 10−14 EXEMPLO 7-15
Ka = = 4 35 × 10−10
2 3 × 10−5
Calcular o pH
(c)
[H3 O+ ] = (4 35 × 10−10 ) × (4 67 × 10−2 )
Calcular o pH de uma solução 0,165 M de sulfatiazol sódico. A
constante de acidez do sulfatiazol é 7,6 × 10–8.
= 4 51 × 10−6 M
(a) O sal Na+B– dissocia-se em um Na+ e em um B– como
Todas as aproximações são válidas. Tem-se descrito pelas equações (7-24) a (7-27). Então, Cb = Cs = 0,165
pH = − log(4 51 × 10−6 ) = 5 35 M. Uma vez que Ka para um ácido fraco tal qual o sulfatiazol é
usualmente tabelado em vez do Kb da sua base conjugada, deve-se
utilizar a equação (7-106) no lugar da equação (7-108):

Soluções contendo somente uma base fraca (7 6 × 10−8 ) × (1 00 × 10−14 )


[H3 O+ ] =
0 165
Se a solução contém somente uma base fraca, Ca é zero, e = 6 79 × 10−11 M
[OH–] é em geral muito maior que [H3O+]. Então, a equação
Todas as suposições são válidas. Assim,
(7-99) simplifica-se para
pH = − log(6 79 × 10−11 ) = 10 17
K a [OH− ] Ka Kw
[H3 O ] (7-103)
Cb − [OH− ] [H3 O ]Cb − K w
Essa equação pode ser resolvida tanto para [H3O+] quanto Soluções contendo somente um par ácido-base
para [OH–]. Resolvendo-a para [H3O+] usando as partes extre- conjugado
mas da equação (7-103), chega-se a
Cb [H3 O ]2 − K w [H3 O ] − Ka Kw 0 (7-104) Em uma solução composta de um ácido fraco e de um sal des-
se ácido (p.ex., ácido acético e acetato de sódio) ou de uma
que tem como solução base fraca e um sal desta base (p.ex., efedrina e cloridrato de
Kw Kw 2 4Cb Ka Kw efedrina), Ca e Cb são geralmente muito maiores, tanto [H3O+]
[H3 O ] (7-105) quanto [OH–]. Então, a equação (7-99) simplifica-se para
2Cb
Ka Ca
Se Ka for muito maior que [H3O+], o que é geralmente [H3 O ] (7-109)
verdadeiro para soluções de bases fracas, a equação (7-100) Cb
resulta em
EXEMPLO 7-16
Ka Kw
[H3 O ] (7-106) Calcular o pH
Cb
Qual é o pH de uma solução contendo ácido acético 0,3 M e aceta-
A equação (7-103) pode ser resolvida para [OH–] utilizan- to de sódio 0,05 M? Escrevemos
do-se as porções esquerda e do meio e convertendo Ka em Kb (1 75 × 10−5 ) × (0 3)
resultando em [H3 O+ ] =
5 0 × 10−2
−K b Kb 2 4Kb Cb = 1 05 × 10−4 M
[OH− ] (7-107)
2 Todas as suposições são válidas. Assim,
e se Cb for muito maior que [OH–], obtém-se, para soluções de pH = − log(1 05 × 10−4 ) = 3 98
bases fracas,
[OH− ] Kb Cb (7-108) EXEMPLO 7-17
Um bom exercício para o estudante é provar que a equa- Calcular o pH
ção (7-106) é igual à equação (7-108). A aplicabilidade de
Qual é o pH de uma solução contendo efedrina 0,1 M e cloridrato
ambas as equações será mostrada nos exemplos seguintes.
de efedrina 0,01 M? A efedrina tem uma constante de basicidade
de 2,3 × 10–5; então a constante de acidez do seu ácido conjugado
EXEMPLO 7-14 é 4,35 × 10–10.
Calcular o pH (4 35 × 10−10 ) × (1 0 × 10−2 )
[H3 O+ ] =
Qual é o pH de uma solução 0,0033 M de base cocaína, que tem 1 0 × 10−1
uma constante de basicidade 2,6 × 10–6? Tem-se = 4 35 × 10−11 M
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 191

Todas as suposições são válidas. Assim, farmacêutico. Então, esses sistemas envolvendo ácidos poli-
pH = − log(4 35 × 10 −11
) = 10 36 próticos podem ser tratados da mesma maneira que os sistemas
envolvendo ácidos dipróticos.

As soluções preparadas por meio da dissolução em água


de um ácido e de sua base conjugada ou de uma base e de Soluções contendo somente um ácido diprótico
seu ácido conjugado são exemplos de soluções-tampão. Es-
sas soluções são de grande importância em Farmácia e serão Se uma solução é preparada pela adição em água de um ácido
abordadas com maior detalhamento nos próximos dois ca- diprótico, H2A, resultando em uma concentração Ca, os ter-
pítulos. mos Cab e Cb na equação (7-112) são zero. Em quase todos os
casos, os termos contendo Kw podem ser desprezados, e após
divisão de todos os termos remanescentes por [H3O+], obtém-
Dois pares ácido-base conjugados se a partir da equação (7-112)
[H3 O ]3 [H3 O ]2 K 1 − [H3 O ] (K 1 Ca − K1 K2 )
A teoria de Brönsted-Lowry e a EEP permitem a dedução de
uma única equação, que é válida para soluções contendo uma − 2K 1 K 2 Ca 0 (7-113)
substância anfiprótica, envolvida em dois equilíbrios ácido-
Se Ca K2, o que é usualmente correto,
base relacionados entre si. Uma espécie anfiprótica pode ser
dissolvida diretamente em água ou ser formada pela reação [H3 O ]3 [H3 O ]2 K 1 − [H3 O ]K 1 Ca
de um ácido fraco diprótico, H2A, ou de uma base fraca di- − 2K 1 K 2 Ca 0 (7-114)
prótica, A2–. Então, é conveniente considerar uma solução
contendo um ácido fraco diprótico, H2A, um sal de sua base Se [H3O+] for muito maior que 2K2, o termo 2K1K2Ca
conjugada, HA–, e um sal da base diprótica, A2–, em con- pode ser desprezado, e dividindo-se tudo por [H3O+] chega-se
centrações Ca,Cab, e Cb, respectivamente. A EEP total para à equação quadrática
o sistema é [H3 O ]2 [H3 O ]K 1 − KCa 0 (7-115)

[H3 O ] [H2 A]ab [HA ]b 2[H2 A]b As suposições de que Ca é muito maior que K2 e que
[OH− ] [HA− ]a 2[A2− ]a [H3O+] é muito maior que 2K2 são válidas sempre que K2
[A2− ]ab (7-110) for muito menor que K1. A equação (7-115) é idêntica à
equação (7-100), que foi obtida para uma solução contendo
na qual os subscritos referem-se às fontes das espécies na EEP, um ácido fraco monoprótico. Então, se Ca for muito maior
ou seja, [H2A]ab refere-se ao H2A gerado a partir da espécie que [H3O+], a equação (7-115) simplifica-se à equação
anfiprótica e [H2A]b refere-se ao H2A gerado da base diprótica. (7-100).
Substituindo-se as concentrações dessas espécies em função
de [H3O+] obtém-se
EXEMPLO 7-18
[H3 O ]2 Cab K 1 [H3 O ]Cb
[H3 O ] Calcular o pH
D D
Calcular o pH de uma solução de ácido succínico 1,0 × 10–3M. K1
2[H3 O ]2 Cb Kw = 6,4 × 10–5 e K2 = 2,3 × 10–6.
D [H3 O ] (a) Usar a equação (7-102) porque K1 é aproximadamente 30
K 1 [H3 O ]Ca 2K 1 K 2 Ca vezes K2:
[H3 O+ ] = (6 4 × 10−5 ) × (1 0 × 10−3 )
D D
= 2 53 × 10−4 M
K 1 K 2 Cab
D (7-111) A suposição de que Ca é muito maior que [H3O+] não é válida.
(b) Usar a equação quadrática (7-115):
Multiplicando-se por [H3O+] e D, que é dado pela equação
(7-79), obtém-se [H3 O+ ] = −(6 4 × 10−5 ) 2

[H3 O ]4 [H3 O ]3 (K 1 2Cb Cab ) (6 4 × 10−5 )2 + 4(6 4 × 10−5 )(1 0 × 10−3 )


+
2
[H3 O ]2 [K 1 (Cb − Ca ) K1 K2 − Kw ] = 2 23 × 10−4 M
− [H3 O ][K 1 K 2 (2Ca Cab ) K1 Kw ] Ca é muito maior que K2, e [H3O+] é muito maior que 2K2.
− K1 K2 Kw 0 (7-112) Então, tem-se

Essa é uma equação geral que foi desenvolvida sem ne- pH = − log(2 23 × 10−4 ) = 3 65
nhuma suposição prévia e pode então ser utilizada para solu-
ções preparadas pela adição de um ácido diprótico em água,
pela adição de uma substância anfiprótica em água, pela adi- Soluções contendo somente uma
ção de uma base diprótica em água e pela adição combinada substância anfiprótica
dessas substâncias em água. Ela também é útil para sistemas
envolvendo ácidos tri- e tetrapróticos, porque K3 e K4 são mui- Se uma substância anfiprótica, HA–, for dissolvida em água
to menores do que K1 e K2 para todos os ácidos de interesse produzindo uma solução com concentração Cab, os termos
192 P ATRICK J. S INKO

Ca e Cb na equação (7-112) são zero. Para a maioria dos Kw 1 00 × 10−14


Kb1 = = = 2 1 × 10−4
sistemas de importância prática, o primeiro, o terceiro e o K2 4 7 × 10−11
quinto termo da equação (7-112) podem ser desprezados Kw 1 00 × 10−14
Kb2 = = = 2 32 × 10−8
quando comparados com o segundo e o quarto termo, e a K1 4 31 × 10−7
equação torna-se
(b) Como Kb1 é muito maior que Kb2, usa-se a equação
K 1 K 2 Cab K 1 K w (7-120):
[H3 O ] (7-116)
K 1 Cab [OH− ] = (2 1 × 10−4 ) × (1 0 × 10−3 )
= 4 6 × 10−4 M
O termo K2Cab em geral muito maior que Kw, e
A suposição de que Cb é muito maior que [OH–] não é váli-
K 1 K 2 Cab da, e a equação (7-119) deve ser usada. (Ver as equações [7-86] e
[H3 O ] (7-117)
K 1 Cab [7-87] para a resolução de uma equação quadrática.) Obtém-se
[OH− ] = −(2 1 × 10−4 ) 2
Se a solução for suficientemente concentrada, Cab é muito
maior que K1, (2 1 × 10−4 )2 + 4(2 1 × 10−4 )(1 0 × 10−3 )
+
2
[H3 O ] K1 K2 (7-118) = 3 7 × 10−4 M
pOH = − log(3 7 × 10−4 ) = 3 4
EXEMPLO 7-19 pH = 14 00 − 3 4 = 10 6

Calcular o pH
Calcular o pH de uma solução de bicarbonato de sódio 5,0 × 10–3 O uso da equação simplificada (7-120) dá uma resposta
M a 25 °C. As constantes de acidez do ácido carbônico são K1 = 4,3 em [OH–] com um erro relativo de 24% quando comparada
× 10–7 e K2 = 4,7 × 10–11. com a resposta correta dada pela equação (7-119). É essencial
Uma vez que K2Cab (23,5 × 10–14) é muito maior que Kw e Cab que todas as suposições feitas no cálculo de [H3O+] ou [OH–]
é muito maior que K1, a equação (7-118) pode ser usada. Tem-se sejam verificadas!
[H3 O+ ] = (4 3 × 10−7 ) × (4 7 × 10−11 )
= 4 5 × 10−9 M Dois pares ácido-base independentes
pH = − log(4 5 × 10−9 ) = 8 35
Considere uma solução contendo dois pares ácido-base inde-
pendentes
Soluções contendo somente uma base diácida HB1 H2 O H3 O B1 −
[H3 O ][B1 − ]
Em geral, os cálculos para soluções contendo bases fracas são K1
mais fáceis de serem realizados resolvendo-se em [OH–] em [HB1 ] (7-121)
vez de em [H3O+]. Qualquer equação em termos de [H3O+] e HB2 H2 O H3 O B2 −
constantes de acidez pode ser convertida em termos de [OH–]
e constantes de basicidade substituindo-se [OH–] por [H3O+], [H3 O ][B2 − ]
K2
Kb1 por K1, Kb2 por K2, e Cb por Ca. Essas substituições são [HB2 ] (7-122)
feitas na equação (7-112). Além disso, para uma solução con-
tendo somente uma base diácida, Ca e Cab são zero; todos os Uma equação geral para o cálculo do pH desse tipo de so-
termos contendo Kw podem ser desprezados; Cb é muito maior lução pode ser deduzida considerando-se uma solução prepa-
que Kb2 e [OH–] é muito maior que 2Kb2. Assim, expressão rada pela adição dos ácidos HB1 e HB2 em concentrações Ca1
seguinte resulta e Ca2 e das bases B1– e B2– em concentrações Cb1 e Cb2 a água.
A EEP para o sistema é
[OH− ]2 [OH− ]K b1 − K b1 Cb 0 (7-119) [H3 O ] [HB1 ] B1 [HB2 ] B2

Se Cb for muito maior que [OH ], a equação simplifica-se [OH− ] [B1 − ] A1 [B2 − ] A2
para (7-123)

[OH− ] K b1 Cb onde os subscritos referem-se às fontes das espécies na EEP.


(7-120) Substituindo as concentrações dessas espécies em função de
[H3O+], obtém-se
EXEMPLO 7-20 [H3 O ]Cb1 [H3 O ]Cb2
[H3 O ]
Calcular o pH [H3 O ] K 1 [H3 O ] K 2
Calcular o pH de uma solução 1,0 × 10–3 M de Na2CO3. As cons- Kw K 1 Ca1
tantes de acidez do ácido carbônico são K1 = 4,31 × 10–7 e K2 = 4,7 [H3 O ] [H3 O ] K 1
× 10–11. K 2 Ca2
(a) Usando-se a equação (7-48), obtém-se
[H3 O ] K 2 (7-124)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 193

que pode ser rearranjada para que é uma equação quadrática a ser resolvida da maneira usual.
[H3 O ]4 [H3 O ]3 (K 1 K 2 Cb1 Cb2 ) [H3 O ] 2 Em muitos casos, entretanto, Cs é muito maior que [H3O+], e a
equação quadrática reduz-se a
×[K 1 (Cb2 − Ca1 ) K 2 (Cb1 − Ca2 ) K1 K2 − Kw ]
[H3 O ] K1 K2 (7-130)
− [H3 O ][K 1 K 2 (Ca1 Ca2 ) K w (K 1 K 2 )]
− K1 K2 Kw 0 As equações (7-121) e (7-122) ilustram o fato de que K1
(7-125) e K2 não são constantes de acidez sucessivas para um sistema
constituído de um único ácido diprótico, e a equação (7-130)
Embora essa equação seja extremamente complexa, ela não é a equação (7-118); nela, K1 é a constante de acidez do
pode ser bastante simplificada quando aplicada a sistemas es- HB1 (Ácido1) e K2 é a constante de acidez do ácido conjugado,
pecíficos. HB2 (Ácido2), da base B2–. A determinação de Ácido1 e Ácido2
pode ser ilustrada utilizando acetato de amônio e consideran-
do o ácido e a base adicionados ao sistema interagindo como
Soluções contendo dois ácidos fracos segue:

Em sistemas contendo dois ácidos fracos, Cb1 e Cb2 são zero, e NH4 HAc NH3
todos os termos em Kw podem ser ignorados na equação (7-125). Ácido 1 Base2 Ácido 2 Base1 (7-131)
Para todos os sistemas de importância prática, Ca1 e Ca2 são mui-
Então, para esse sistema, K1 é a constante de acidez do íon
to maiores que K1 e K2, então a equação simplifica-se para
amônio e K2 é a constante de acidez do ácido acético.
[H3 O ]2 [H3 O ] (K 1 K 2 )
− (K 1 Ca1 K 2 Ca2 ) 0 (7-126) EXEMPLO 7-22
+
Se Ca1 e Ca2 são ambos maiores que [H3O ], a equação Calcular o pH
simplifica-se para Calcular o pH de uma solução 0,01 M de acetato de amônio. A
[H3 O ] K 1 Ca1 K 2 Ca2 (7-127) constante de acidez do ácido acético é K2 = Ka = 1,75 × 10–5, e a
constante de basicidade da amônia é Kb = 1,74 × 10–5.
(a) K1 pode ser encontrado por meio da divisão de Kw por Kb
EXEMPLO 7-21 da amônia:
Calcular o pH 1 00 × 10−14
K1 = = 5 75 × 10−10
Qual é o pH de uma solução contendo ácido acético, 0,01 mol/ 1 74 × 10−5
litro, e ácido fórmico, 0,001 mol/litro? Tem-se [H3 O+ ] = (5 75 × 10−10 ) × (1 75 × 10−5 )
[ 3O
+
] = (1 75 × 10−5 )(1 0 × 10−2 ) + (1 77 × 10−4 )(1 0 × 10−3 ) = 1 00 × 10−7 M
= 5 93 × 10−4 M
pH = − log(5 93 × 10−4 ) = 3 23
Note que todas as suposições são válidas. Tem-se
pH = − log(1 00 × 10−7 ) = 7 00

Soluções contendo um sal de um ácido fraco Quando succinato de amônio é dissolvido em água, ele
e uma base fraca dissocia-se, produzindo dois catíons NH4+ e um ânion succina-
to (S2–). Esses íons podem entrar no seguinte equilíbrio ácido-
O sal de um ácido fraco e uma base fraca, tal como acetato de base:
amônio, dissocia-se quase completamente em solução aquosa NH4 S2− HS− NH3
produzindo NH4+ e Ac–. O NH4+ é um ácido e pode ser desig-
nado como HB1, e a base Ac– pode ser designada como B2– nas
Ácido 1 Base2 Ácido 2 Base1 (7-132)
equações (7-121) e (7-122). Como somente um único ácido, No sistema, Cb2 = Cs e Ca1 = 2Cs, a concentração de sal
HB1, e uma única base, B2–, foram adicionados à água em con- adicionado. Se Cs for muito maior que tanto K1 quanto K2, a
centrações Ca1 e Cb2, respectivamente, todos os outros termos equação (7-125) simplifica-se para
relativos a concentrações na equação (7-115) são zero. Além [H3 O ]2 − [H3 O ]K 1 − 2K 1 K 2 0
disso, todos os termos contendo Kw são negligenciáveis e po- (7-133)
+
dem ser desprezados, simplificando-se a equação para e se 2K2 for muito maior que [H3O ],
[H3 O ]2 (K 1 K 2 Cb2 ) [H3 O ] 2K 1 K 2 (7-134)
[H3 O ][K 1 (Cb2 − Ca1 ) K1 K2] Nesse exemplo a equação (7-132) mostra que K1 é a cons-
− K 1 K 2 Ca1 0 (7-128) tante de acidez do cátion amônio e K2, referente ao Ácido2,
Em soluções contendo um sal como o acetato de amônio, deve ser a constante de acidez da espécie bissuccinato HS– ou
Ca1 = Cb2 = Cs, onde Cs é a concentração do sal adicionado. a segunda constante de acidez do ácido succínico. Em geral,
Em todos os sistemas de importância prática, Cs é muito maior quando o Ácido2 provém de um ácido poliprótico HnA, a equa-
que K1 ou K2, e a equação (7-128) simplifica-se para ção (7-128) simplifica-se a
[H3 O ]2 Cs [H3 O ]K 1 K 2 − K 1 K 2 Cs 0 (7-129) [H3 O ]2 − [H3 O ]K 1 (n − 1) − n K 1 K 2 0 (7-135)
194 P ATRICK J. S INKO

e centração de 0,01 M? A terceira constante de acidez do HC6H5O7


2–
é 4,0 × 10–7, enquanto a primeira constante de acidez do ácido
[H3 O ] n K1 K2 (7-136) fosfórico é 7,5 × 10–3. Tem-se
utilizando-se as mesmas suposições que foram feitas quando [H3 O+ ] = (4 0 × 10−7 ) × (7 5 × 10−3 )
do desenvolvimento das equações (7-132) e (7-133). = 5 48 × 10−5 M
Deve ser lembrado que, quando da dedução das equações
(7-132) a (7-136), a base era assumida como sendo monopró- Todas as suposições são válidas. Encontra-se
tica. Então, poderia parecer que as equações não eram válidas pH = − log(5 48 × 10−5 ) = 4 26
para sais como succinato de amônio ou fosfato de amônio. Para
todos os sistemas de importância prática, entretanto, a solução
dessas equações leva a um valor de pH acima do pKa real para O equilíbrio mostrado na equação (7-137) ilustra o
o sistema. Conseqüentemente, as concentrações de todas as es- fato de que o sistema obtido pela dissolução de NaH2PO4 e
pécies formadas pela adição de mais do que um próton a uma Na2HC6H5O7 em água é idêntico àquele obtido pela dissolução
base poliácida serão muito pequenas e a suposição de adição de H3PO4 e Na3C6H5O7 em água. Neste último caso, H3PO4 é
de somente um próton é válida. HB1 e o tricitrato é B2–, e se as duas substâncias são dissolvi-
das em quantidades equimolares, a equação (7-130) é válida
EXEMPLO 7-23 para o sistema.
Uma situação ligeiramente diferente acontece para com-
Calcular o pH binações equimolares de substâncias como o ácido succínico,
Calcular o pH de uma solução 0,01 M de succinato de amônio. H2C4H4O4, e o fosfato tribásico de sódio, Na3PO4. Nesse caso
Como foi mostrado na equação (7-132), K1 é a constante de acidez é óbvio que o ácido succínico é o ácido que pode protonar a
do cátion amônio, que foi verificada no exemplo anterior como base produzindo as espécies HC4H4O4– e HPO4 2–. O ácido
sendo 5,75 × 10–10, e K2 é referente ao succinato ácido (HS–) ou à succínico (pKa 5,63) é um ácido mais forte que o HPO4 2– (pKa
segunda constante de acidez do ácido succínico. Então, K2 = 2,3 12,0), entretanto, e um equilíbrio não pode ser estabelecido
× 10–6. Tem-se entre estas espécies e as espécies originalmente adicionadas
[H3 O+ ] = 2(5 75 × 10−10 ) × (2 3 × 10−6 ) à água. Ao contrário, o HPO4 2– é protonado pelo ácido succí-
= 5 14 × 10−8
nico, produzindo C4H4O4 2– e H2PO4–. Isso é ilustrado como
segue:
pH = − log(5 14 × 10−8 ) = 7 29
H2 C4 H4 O4 PO4 3− →
HC4 H4 O4 − HPO4 2− (7-138)
Soluções contendo um ácido fraco −
e uma base fraca HC4 H4 O4 HPO4 2− C4 H4 O4 2− H2 PO4 −
Ácido 1 Base2 Base1 Ácido 2 (7-139)
Na seção precedente, o ácido e a base foram adicionados na Então, K1 na equação (7-139) é K2 do ácido succínico, e
forma de um único sal. Entretanto, eles podem ser adicionados K2 na equação (7-130) é, na verdade, K2 do ácido fosfórico.
como dois sais separados ou um ácido e um sal, formando so-
luções-tampão (ver o Capítulo 8) cujo pH é dado pela equação
(7-130). Por exemplo, considere uma solução preparada pela EXEMPLO 7-25
dissolução de quantidades equimolares de fosfato ácido de só- Calcular o pH
dio, NaH2PO4, e citrato de dissódio, Na2HC6H5O7, em água. Calcular o pH de uma solução contendo ácido succínico e fos-
Ambos os sais dissociam-se produzindo as espécies anfóteras fato tribásico de sódio, cada um com a concentração de 0,01 M.
H2PO4– e HC6H5O7 2–, causando um problema na decisão de A segunda constante de acidez do ácido succínico é 2,3 × 10–6.
qual espécie deve ser designada como HB1 e qual deve ser de- A segunda constante de acidez do ácido fosfórico é 6,2 × 10–8.
signada por B2– nas equações (7-121) e (7-122). O problema Escreve-se
pode ser resolvido considerando-se as constantes de acidez das
duas espécies em questão. O valor de pKa do H2PO4– é 7,2 e (a)
o da espécie HC6H5O7 2– é 6,4. A espécie citrato, sendo mais [H3 O+ ] = (2 3 × 10−6 )(6 2 × 10−8 )
ácida, age como o ácido no seguinte equilíbrio: = 3 78 × 10−7 M
HC6 H5 O7 2− H2 PO4 − H3 PO4 C6 H5 O7 3−
Todas as suposições são válidas. Tem-se
Ácido 1 Base2 Ácido 2 Base1 (7-137)
pH = − log(3 78 × 10−7 ) = 6 42
Então, K1 na equação (7-130) é K3 do ácido cítrico, e K2 na
equação (7-130) é K1 do ácido fosfórico. (b) A equação (7-130) também pode ser resolvida tomando-se
os logaritmos de ambos os lados, levando a
EXEMPLO 7-24 1
pH = (pK1 + pK2 )
2
Calcular o pH 1
= (5 63 + 7 21) = 6 42
Qual é o pH de uma solução contendo NaH2PO4 e citrato dissó- 2 (7-140)
dico (citrato monoácido de sódio) Na2HC6H5O7, ambos em con-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 195

As equações (7-138) e (7-139) demontram o fato de que EXEMPLO 7-26


todas as soluções preparadas por dissolução de quantidades
equimolares de H2C4H4O4 e Na3PO4, NaHC4H4O4 e Na2H- Calcular pK2́
PO4, ou Na2C4H4O4 e NaH2PO4 em água atingem o equilíbrio Calcular pK2́ para o ácido cítrico a uma força iônica de 0,01 M.
no mesmo pH e são idênticas. Assumir que pK2 = 4,78. A carga da espécie acídica é –1. Tem-se

0 51(−3) 0 01
pK2 = 4 78 + √
1 + 0 01
= 4 78 − 1 53(0 091) = 4 64
CONSTANTES DE ACIDEZ
Se o ácido ou sua base conjugada for um zwitterion, ele
Uma das mais importantes propriedades da molécula de um terá um grande momento de dipolo, e a expressão para o seu
medicamento é sua constante de acidez, que para muitos coeficiente de atividade deve conter um termo Kr, a constante
medicamentos pode ser relacionada à sua atividade fisioló- salting-in.17 Então, para o zwitterion [+–],
gica e farmacológica,10-12 solubilidade (Capítulo 10), velo- − log γ (K r − K s )μ (7-146)
cidade de dissolução,13 força de ligação14 e velocidade de
absorção.15 A primeira ionização de um aminoácido como o cloridrato
de glicina envolve um ácido com a carga de +1 transformando-
se em um zwitterion, [+–]. Combinando-se as equações (7-146)
Efeito da força iônica nas constantes de acidez e (7-144) com a equação (7-143), obtém-se

0 51 μ
Nas seções precedentes, as soluções foram consideradas su- pK 1 pK 1 √ − Kr μ (7-147)
1 μ
ficientemente diluídas para que o efeito da força iônica nos
equilíbrios ácido-base pudesse ser ignorada. Um tratamento A segunda ionização envolve o zwitterion transformando-
mais exato para a ionização de um ácido fraco, por exemplo, se em uma espécie com uma carga de –1. Então, usando as
seria equações (7-146), (7-144), e (7-143) chega-se a

HB H2 O H3 O B 0 51 μ
aH3 O αB [H3 O ][B] γ H3 O γB pK 2 pK 2 − √ Kr μ (7-148)
K · 1 μ
αHB [HB] γHB (7-141)
A constante salting-in, Kr, é aproximadamente 0,32 para
onde K é a constante de acidez termodinâmica, e as cargas das alfa-aminoácidos em água e cerca de 0,6 para dipeptídeos.17 O
espécies foram omitidas para tornar as equações mais gerais. uso destes valores para Kr permite que as equações (7-147) e
A equação (7-141) ilustra o fato de que, ao resolver equações (7-148) sejam usadas para soluções com forças iônicas de até
envolvendo constantes de acidez, tanto a concentração quanto cerca de 0,3 M.
o coeficiente de atividade de cada espécie deve ser conside- O procedimento a ser utilizado para resolver problemas de
rados. Uma maneira de simplificar o problema seria definir a pH nos quais a força iônica da solução deva ser considerada é
constante de acidez como uma constante aparente em termos o seguinte
de atividade do íon hidrônio, concentrações das espécies e co-
eficientes de atividade, como segue: (a) Converter todos os valores de pK necessários para o pro-
blema em pK´
[B] γB γB
K aH3 O K (b) Resolver a equação apropriada da maneira usual.
[HB] γHB γHB (7-142)
e EXEMPLO 7-27
γB
pK pK log Calcular o pH
γHB (7-143)
Calcular o pH de uma solução 0,01 M de ácido acético na qual
A seguinte forma da equação de Debye-Hückel16 pode ser suficiente KCl foi adicionado para dar uma força iônica de 0,01 M
usada para forças iônicas de até cerca de 0,3 M: a 25 °C. O pKa do ácido acético é 4,76.

0 51Z i 2 μ
− log γi √ − Ks μ (a)

1 αB μ (7-144) 0 51 0 10
pKa = 4 76 − √
onde Zi é a carga da espécie i. O valor da constante aB pode 1 + 0 10
ser tomado como sendo aproximadamente 1 a 25 °C, e Ks é a = 4 76 − 0 12 = 4 64
constante salting-out. Para forças iônicas moderadas, Ks pode
(b) Tomando-se os logaritmos da equação (7-99) tem-se
ser assumida como sendo aproximadamente a mesma tanto
para o ácido quanto para a sua base conjugada.16 Então, para 1
pH = (pKa − log Ca )
um ácido com uma carga Z transformando-se em uma base 2
com carga Z – 1, na qual escreve-se agora pKa como pKa':

0 51(2Z − 1) μ 1
pK pK √ pH = (4 64 + 2 00) = 3 32
1 μ (7-145)
2
196 P ATRICK J. S INKO

EXEMPLO 7-28
TABELA 7-7
Calcular o pH VALORES DE pKa E DE ΔG° PARA ÁCIDOS BARBITÚRICOS
Calcular o pH de uma solução 10–3 M de glicina a uma força iôni- SUBSTITUÍDOS, 25 °C*
ca de 0,10 a 25 °C. Os valores de pKa para a glicina são pK1 = 2,35
and pK2 = 9,78. ΔG°
Composto pka (kcal/mol)
(a)
√ Ácido 5-alil-5-isopropilbarbitúrico 8,02 10,96
0 51 0 10
pK1 = 2 35 + √ − 0 32(0 10) (Aprobarbital)‡
1 + 0 10
Ácido 5-5-dialilbarbitúrico (Dial) 7,81 10,66
= 2 35 + 0 12 − 0 03 = 2 44

Ácido 5,5-dibromobarbitúrico 5,68 7,75
(b)
√ Ácido 5,5-diclorobarbitúrico ‡
5,55 7,57
0 51 0 10
pK2 = 9 78 − √ + 0 32(0 10) Ácido 5,5-dietilbarbitúrico (Barbital)‡ 7,98 10,89
1 + 0 10
= 9 78 − 0 12 + 0 03 = 9 69 Ácido 5,5-dimetilbarbitúrico‡ 8,51 11,61
§
(c) Tomando-se os logaritmos da equação (7-118) tem-se Ácido 5-etil-5-butilbarbitúrico (Butethal) 7,98 10,89
1 Ácido 5-etil-5-isopropilbarbitúrico 8,14 11,11
pH = (pK1 + pK2 )
2 (Probarbital)‡
1 Ácido 5-etil-5-(I-metilbutil)barbitúrico 8,13 11,09
= (2 44 + 9 69) = 6 07
2 (Pentobarbital)§
Ácido 5-etil-5-(3-metilbutil)barbitúrico 7,96 10,86
(Amobarbital)§
Energia livre de ionização e o efeito da temperatura
Ácido 5-etil-5-fenilbarbitúrico 7,48 10,20
em equilíbrios iônicos (Phenobarbital)¶
Recorde do Capítulo 3 que a variação de energia livre-padrão, Ácido 5-metil-5-fenilbarbitúrico (Rutonal)‡ 7,78 10,61
ΔG°, de uma reação está relacionada à constante de equilíbrio. * Esta tabela foi fornecida por R. J. Prankerd, College of Pharmacy, University of
Então, a variação de energia-livre padrão de uma reação de Florida, Gainesville, Fla. De G. G. Manov, K. E. Schuette and F. S. Kirk, J. Res.
ionização pode ser calculada a partir da sua constante de ioni- Nat. Bur. Stand. 48, 84–91, 1952

De R. H. McKeown, J. Chem. Soc. Perk. II, 506–514, 1980.
zação, Ka: §
De A. I. Biggs, J. Chem. Soc. 2485–2488, 1956. De R. J. Prankerd, Tese PhD,
G◦ RT ln Ka (7-149) ¶
University of Otago, Dunedin, New Zealand, 1985.
De D. R. Baird, R. H. McKeown, and R. J. Prankerd, School of Pharmacy,
Utilizando pKa, pode-se escrever a equação (7-149) University of Otago, Dunedin, New Zealand, dados não-publicados
como
G ◦ 2 303 RT pKa (7-150)
O valor de pKa do ácido a 25 °C é 5,0. Assumir que a reação
seja lenta o suficiente para que as concentrações dos produtos
EXEMPLO 7-29 possam ser determinadas a qualquer momento. Desprezar a di-
Calcular ΔG° ferença entre atividades e concentrações. Calcular (a) a variação
de energia livre-padrão, ΔG°, e (b) a variação de energia livre, ΔG,
O valor de pKa para o ácido fraco amobarbital a 25 °C é 7,96 (Ta-
associada à reação quando 0,1 mol/litro do ácido dissociou-se sufi-
bela 7-7). Calcular a variação de energia livre-padrão para a ioni-
cientemente para formar 10–4 mol/litro de íons. (c) Em termos do
zação deste derivado do ácido barbitúrico. Tem-se
sinal de ΔG°, prever se a reação é espontânea.
ΔG ◦ = 2 303 × 1 9872 × 298 × 7 96
= 10 855 9 cal mol (a)
= 10 86 kcal mol ΔG ◦ = 2 303 × 1 987 × 298 × 5 0
= cal mol
Observe que, embora ΔG° seja positivo, não é ΔG°, mas (b) O quociente de reação, Q, expresso em concentrações, é
sim ΔG que determina se um processo é espontâneo, de acordo [H3 O+ ][A] 10−4 × 10−4 ∼ −7
com o Capítulo 3, equação (3-130): Q= = −1 = 10
[HA] 10 − 10−4
G G ◦ RT ln Q (7-151)
A concentração da água, sendo grande, não é alterada de for-
ma significativa pela reação e por isso não aparece no quociente.
EXEMPLO 7-30 Alternativamente, pode-se dizer que o termo [H2O] não aparece
porque a água está presente essencialmente com atividade unitá-
Calcular ΔG°, Q ria, sendo água pura a 1 atm e 25 °C considerada como o estado
Um ácido orgânico dissocia-se de acordo com a reação padrão da H2O. Q não deve ser confundido com a constante de
equilíbrio K, esta última sendo a razão entre as concentrações dos
HA + H2 O = H3 O+ + A−
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 197

CONCEITO CALCULANDO O pH A PARTIR DAS CONSTANTES DE ACIDEZ


O valor do pH calculado usando as constantes aparentes de aci- do íon hidrônio, e não sua concentração. Se a concentração do íon
dez, designadas K’, em vez das constantes termodinâmicas de aci- hidrônio é desejada, ela pode ser obtida dividindo-se a atividade
dez, K, é definido como o logaritmo negativo da atividade do íon do íon hidrônio pelo coeficiente de atividade iônica médio para o
hidrônio. Fazendo-se os antilogaritmos, então, tem-se a atividade eletrólito.

reatantes e produtos quando as reações direta e inversa estão em VALORES TERMODINÂMICOS-PADRÃO PARA A IONIZAÇÃO
condições de equilíbrio dinâmico. Tem-se DO ÁCIDO ACÉTICO*
aprod
ΔG = ΔG ◦ + 2 303 RT log CH3 COOH −→ CH3 COO− −→ H+
a ◦
ΔH f (kcal/mol) −116,10 −116,16 0
= 2 303 RTpK + 2 303 RT log Q ΔG f ◦ (kcal/mol) − 94,8 −88,29 0
ΔG = + (2 303 × 1 987 × 298 × log 10−7 ) S◦ (cal/K mol) 42,7 20,7 0
= − =− cal * Os valores termodinâmicos-padrão podem variar um pouco de uma fonte
bibliográfica para outra.
(c) A conversão de 0,1 mol/litro do ácido em 10–4 mol/litro
dos seus íons é uma reação espontânea porque ΔG é negativo, a
pressão e temperatura constantes. EXEMPLO 7-31

Escrevendo-se a equação (7-151) como No caso da ionização de ácido acético em solução aquosa a 25 °C
(298,15 K), podem-se usar as propriedades termodinâmicas para
Q calcular a constante de dissociação (ionização), Ka, e o expoente
G RT ln
K de dissociação, pKa.
pode-se ver que o sinal e, portanto, a espontaneidade da rea- No seu estado-padrão, 1 M em solução aquosa, o valor dessas
ção dependem dos valores relativos das grandezas Q e K. Se propriedades termodinâmicas para o íon hidrogênio é zero, como
Q é menor que K, significando que as concentrações (ativi- visto na tabela.
dades) dos produtos são menores do que os valores de equi- As variações de entalpia e de entropia-padrão, ΔH° e ΔS°,
líbrio, ΔG terá um sinal negativo, e o processo ocorrerá es- para a reação de ionização são os valores do produto, CH3COO–,
pontaneamente a um estado de equilíbrio. Se Q é maior que menos os valores dos reatantes a 25 °C:
K, as concentrações dos produtos são maiores que os valores ΔH ◦ = (−116 16) − (−116 10) = −0 060 kcal mol
de equilíbrio, ΔG terá um sinal positivo, e o processo será = −60 0 cal mol
não-espontâneo. Se K = Q, então ΔG = 0, e o sistema está em ΔS◦ = 20 7 − 42 7 = −22 0 cal K mol
equilíbrio.
O valor positivo de ΔG, significa que o eletrólito em seu Agora, a partir da equação (7-150),
estado-padrão de atividade unitária não pode dissociar-se es- pKa = +ΔG ◦ (2 303 RT) (7-152)
pontaneamente nos seus íons de atividade unitária. Não obs-
Uma vez que
tante, a ionização ocorre, esta possibilidade sendo mostrada
pelo sinal de ΔG e não pelo sinal de ΔG°. Esse fato foi mostra- ΔG ◦ = ΔH ◦ − TΔS◦ (7-153)
do no Exemplo 7-30, no qual nem o reatante nem os produtos Tem-se também que
estavam nos seus estados-padrão. ΔS◦ ΔH ◦
O livro CRC Handbook of Physics and Chemistry18 forne- 2 303 log Ka = −
R RT (7-154)
ce os seguintes valores termodinâmicos-padrão, onde f repre-
senta a energia livre ou entalpia de formação (ver p. 79 para Conseqüentemente, conhecendo-se ΔH°f e S° ou simplesmen-
uma explicação sobre entalpia [calor] padrão de formação; a te tendo-se ΔG°f para os reatantes e produtos, pode-se obter Ka e
energia livre-padrão de formação é definida de uma maneira pKa para a ionização de ácidos e bases fracos. Esse procedimen-
análoga). S° é uma propriedade termodinâmica-padrão, con- to também pode ser usado para calcular constantes de equilíbrio
forme denota o sobrescrito “°”. Ele não é uma variação de en- para reações químicas não-iônicas.
tropia, ΔS, como no caso da entalpia e energia livre, mas é a Continuando com o caso do ácido acético e usando a equação
entropia absoluta de uma substância baseada no valor da sua (7-154), obtém-se
entropia acima de zero kelvin. −22 0 −60 0
2 303 log Ka = − = −10 96958
As variações de entalpia, de entropia e de energia livre em 1 9872 (1 9872)(298 15)
uma reação podem ser caracterizados pelas variações de en-
talpia, de entropia e de energia livre-padrão, ΔH°, ΔS° e ΔG°, log Ka = 4 763; Ka = 1 73 × 10−5
respectivamente. Estes são obtidos tomando-se as diferenças pKa = 4 76
entre os ΔH°f, ΔS° e ΔG°f dos produtos e reatantes.
198 P ATRICK J. S INKO

EXEMPLO 7-32 (O valor na Tabela 7-1 é 6,37.)


Pode-se também obter a constante de dissociação utilizan-
Calcular Ka e pKa do ΔG12°, onde o subscrito refere-se aos valores para as espécies
Calcular o Ka e o pKa para a primeira e a segunda etapa de io- H2CO3 e HCO3–, respectivamente. A partir da tabela obtém-se
nização do H2CO3 a 25 °C em solução aquosa. Os dados são os ΔG12° = 8,68 kcal/mol ou 8.680 cal/mol. Então,
seguintes (ΔH°f em kcal/mol, ΔS° em cal/K mol, ΔG°f em kcal/mol;
a fonte dos dados é o CRC Handbook19): ln K1 = − = −14 650; log K1 = ln K1 2 303
(1 9872)(298 15)
ΔH f ◦ S◦ ΔGf ◦ pK1 = − log K1 = 6 36
H2 CO3 aq −167,22 44,8 −148,94
HCO3 − aq −165,39 21,8 −140,26
CO3 2− aq −161,84 −13,6 −126,17
Como exercício, o estudante deve calcular K2 e pK2, os
valores para a segunda etapa da ionização do H2CO3. Compare
Aqui, ΔH°f e ΔG°f são o calor e a energia livre de formação seus resultados com aqueles encontrados na Tabela 7-1. Os
a 25 °C (298,15 K), respectivamente, e S° é a entropia absoluta a valores de pKa e ΔG° para alguns ácidos barbitúricos substitu-
25 °C. O “°” indica que esses dados termodinâmicos servem para ídos a 25 °C são dados na Tabela 7-7.
cada espécie em seu estado-padrão de solução aquosa 1 m a pres- Harned e Owen18 sugeriram a seguinte equação empírica
são de 1 atm e temperatura ambiente. que relaciona as constantes de ionização com a temperatura:
A reação para a primeira etapa é A
log K − CT D (7-155)
H2 CO3 → HCO3 − + H+ T
e as variações de entalpia, entropia e energia livre padrão são, res- onde A, C, e D são constantes obtidas experimentalmente. As
pectivamente, constantes de ionização de muitos eletrólitos fracos passam
ΔH ◦ = ΔH ◦f (HCO− ◦
3 aq) − ΔH f (H2 CO3 )
por um valor máximo entre 0 e 60 °C, e a temperatura na qual
− (165 39) − (−167 22) = 1 830 kcal mol ocorre a ionização máxima é dada pela expressão
= 1 830 cal mol A
Tmáx (7-156)
ΔS◦ = S◦ (HCO3 − aq) − S◦ (H2 CO3 )
C
(21 8) − (44 8) = −23 0 cal K mol O expoente de dissociação nessa temperatura é

ΔG = ◦
ΔG ◦f (HCO−
3 aq) − ΔG ◦f (H2 CO3 ) pK T máx 2 AC − D (7-157)
(−140 26) − (−148 94) = 8 680 kcal mol Os dados termodinâmicos para a ionização são também
= 8 680 cal mol obtidos pelo uso das constantes A, C, e D:
G◦ 2 3026R(A − DT C T 2) (7-158)
A constante de ionização para a primeira etapa de ionização
do H2CO3 é obtida a partir da equação ΔG° = ΔH° – TΔS° = –RT
H◦ 2 3026R(A − C T 2 ) (7-159)
ln K1, ou
◦ ◦
ΔS12 ΔH12 ΔG ◦12 S◦ 2 3026R(D − 2C T ) (7-160)
ln K1 = − =−
R RT RT
Os resultados de Harned e Owen20 para alguns eletrólitos
Substituindo-se os valores constantes na tabela relativamente fracos representativos estão listados na Tabela 7-8.
à primeira etapa, H2CO3 → HCO3– + H+, obtém-se No Capítulo 6, foi descrita uma célula eletrolítica na qual
−23 0 reações químicas ocorriam pela passagem de uma corrente elé-
ln K1 = −
1 9872 (1 9872)(298 15) trica através de uma solução de eletrólitos. Neste capítulo, con-
= −14 663; log K1 = ln K1 2 303 siderou-se o processo reverso, no qual uma corrente elétrica é
− log K1 = pK1 = 6 37 produzida quando uma reação química ocorre. Tal reação ele-

TABELA 7-8
CONSTANTES TERMODINÂMICAS DE IONIZAÇÃO*
G ◦25 ◦ C H ◦ 25 ◦ C S ◦ 25 ◦ C
Electrólitos A C D Tmáx (K) pK Tmáx (cal/mol) (cal/mol) (cal/Kmol)
Ácido fórmico 1342,85 0,015168 5,2743 297,5 3,7519 5117 −23 −17,6
Ácido acético 1170,48 0,013399 3,1649 295,6 4,7555 6486 −92 −22,1
Ácido propiônico 1213,26 0,014055 3,3860 293,8 4,8729 6647 −163 −22,8
Ácido bórico 2193,55 0,016499 3,0395 364,6 8,9923 12596 3328 −31,1
Barbital 2324,47 0,011856 3,3491
Ácido láctico 1304,72 0,014926 4,9639
* De H. S. Harned and B. B. Owen, Physical Chemistry of Electrolytic Solutions, Reinhold, New York, 1958.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 199

troquímica depende das habilidades relativas das espécies em 8. J. Blanchard, J. O. Boyle and S. Van Wagenen, J. Pharm. Sci. 77, 548,
solução de serem oxidadas ou reduzidas, sendo estas, por sua 1988.
vez, relacionadas com os processos que ocorrem nos eletrodos 9. T. S. Lee and L. Gunnar Sillen, Chemical Equilibrium in Analytical
que conectam as espécies em solução ao circuito externo. As Chemistry, Interscience, New York, 1959; J. N. Butler, Solubility and
reações eletroquímicas podem ser utilizadas para determinar o pH Calculations, Addison–Wesley, Reading, Mass., 1964; A. J. Bard,
Chemical Equilibrium, Harper & Row, New York, 1966.
pH, os coeficientes de atividade ou a quantidade de um íon es-
10. P. B. Marshall, Br. J. Pharmacol. 10, 270, 1955.
pecífico em solução. Essas determinações envolvem potencio-
11. P. Bell and R. O. Roblin, J. Am. Chem. Soc. 64, 2905, 1942.
metria, na qual não há nenhum fluxo significativo de corrente
12. I. M. Klotz, J. Am. Chem. Soc. 66, 459, 1944.
através do sistema. 13. W. E. Hamlin and W. I. Higuchi, J. Pharm. Sci. 55, 205, 1966.
14. M. C. Meyer and D. E. Guttman, J. Pharm. Sci. 57, 245, 1968.
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7. P. A. Schwartz, C. T. Rhodes and J. W. Cooper, Jr., J. Pharm. Sci. 66, 994,
1977.
8
8 FORÇA ELETROMOTRIZ E
OXIDAÇÃO-REDUÇÃO

CÉLULAS ELETROQUÍMICAS Um resumo das definições de pH


Força eletromotriz de uma célula Eletrodos seletivos a íons
Tipos de eletrodos Titulação potenciométrica
Medindo a força eletromotriz de células Determinação potenciométrica de constantes de
Termodinâmica de células eletroquímicas dissociação
A equação de Nernst Concentração do íon hidrogênio em reações de
Força eletromotriz-padrão de células oxidação-redução
Potenciais de redução-padrão e formal Curvas de titulação de sistemas oxidação-redução
Células de concentração Reações de oxidação-redução em estágios e o uso
de mediadores de potencial
DETERMINAÇÃO ELETROMÉTRICA DE pH,
Reações de oxidação-redução nas ciências
ÍONS ESPECÍFICOS E POTENCIAIS REDOX
farmacêuticas
O eletrodo de hidrogênio
O eletrodo de vidro

Ao concluir este capítulo, o íons cobre da solução capturam os elétrons e depositam átomos
OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: de cobre na superfície do eletrodo. O cátodo, desse modo, perde
elétrons para a solução, de forma que é considerado positiva-
1 Definir uma célula eletroquímica e uma célula de Daniell. mente carregado. Essa reação espontânea corresponde à oxida-
2 Descrever os tipos de eletrodos e seus usos potenciais. ção do zinco metálico no eletrodo de zinco, enquanto que íons
3 Discutir sobre os eletrodos que são mais úteis nas ciências cobre são reduzidos no eletrodo de cobre, o que pode ser ex-
farmacêuticas. presso nas seguintes meias-reações ou semi-reações:
4 Compreender os princípios termodinâmicos subjacentes Reação do ânodo (oxidação):
às células eletroquímicas. Zn Zn2 2e− E esquerda (8-1)
5 Calcular potenciais-padrão (E°).
6 Descrever o uso e a importância de um eletrodo de referência. Reação do cátodo (redução):
7 Comparar células químicas e de concentração. Cu2 2e− Cu E direita (8-2)
8 Determinar pH, íons específicos e potencial redox.* Cada uma das semi-reações representa a transformação
9 Calcular pKa e constantes de dissociação. ocorrendo em um único eletrodo, e as duas semi-reações podem
10 Compreender o conceito de curvas de titulação e seu uso. ser adicionadas para se expressar a reação global da célula:
11 Descrever a importância e a utilidade da oxidação-redução Zn Cu2 Zn2 Cu
nas ciências farmacêuticas.
E célula E esquerda E direita (8-3)
Os potenciais individuais de eletrodo (Eesquerda e Edireita)
CÉLULAS ELETROQUÍMICAS ocorrem na junção entre cada eletrodo e suas vizinhanças na
solução. A soma dos dois potenciais de eletrodo corresponde a
Ecélula, a qual é a força eletromotriz (fem) ou voltagem da célu-
Força eletromotriz de uma célula la. Note que o termo fem refere-se à voltagem da célula comple-
ta, enquanto que potencial refere-se à voltagem de um eletrodo.
O zinco possui uma tendência a ionizar-se, ou seja, a perder De acordo com uma convenção, os eletrodos da célula sempre
elétrons, maior do que a do cobre. Assim, uma reação espon- são escritos de modo que os elétrons são fornecidos ao circuito
tânea pode ocorrer quando as duas meias-células encontram-se externo no eletrodo da esquerda (ânodo) e chegam do circuito
conectadas por um fio externo. Átomos do eletrodo de zinco vão externo ao eletrodo da direita (cátodo). Um desenho esquemá-
para a solução na forma de íons Zn2+ e deixam elétrons no ele- tico de uma célula de Daniell é, portanto, escrito como
trodo. Os elétrons passam do eletrodo carregado negativamente
ou ânodo pelo fio externo até o eletrodo de cobre. No cátodo, Zn Zn2 (cZn2 ) Cu2 (cCu2 ) Cu
onde linha vertical única representa junção entre duas fases di-
*
N. de T.: Redox ou oxidação-redução. ferentes e linha vertical dupla indica junção líquida, ou seja,
202 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO UMA CÉLULA ELETROQUÍMICA


Galvanômetro
Uma célula eletroquímica normalmente consiste de dois eletrodos
imersos em uma solução ou soluções eletrolítica(s) que estão em con-
tato entre si. A célula de Daniell, mostrada na figura, é uma célula ele-
troquímica típica. Ela consiste de um eletrodo de zinco em uma solução
de sulfato de zinco em um compartimento e de um eletrodo de cobre em
uma solução de sulfato de cobre no outro compartimento. Os comparti-
Ânodo Cátodo
mentos são conhecidos como meias-células de uma célula eletroquímica
(oxidação) (redução) e encontram-se separados por uma parede porosa que permite contato
elétrico entre as soluções, mas não permite a sua mistura excessiva.

Parede porosa

Célula de Daniell mostrando a oxidação no ânodo, a redução no cátodo


e o fluxo de elétrons (e–) no circuito externo. Os íons Zn2+ e SO42– difun-
dem através da parede porosa em direções opostas para manter a ele-
troneutralidade em cada meia-célula à medida que a reação prossegue.

um contato elétrico entre duas soluções eletrolíticas. As con- ção contendo íons do mesmo metal. Por exemplo, um eletrodo
centrações dos diferentes íons nas meias-células (cion) também de níquel pode ser representado por
são indicadas no diagrama. Ni Ni2 (c litro)
A célula de Daniell é reversível, ou seja, aplicando-se uma
corrente externa oposta, porém infinitesimalmente maior do que
a da célula, o zinco será depositado no eletrodo de zinco e o cobre Eletrodos de amálgama
irá para a solução no eletrodo de cobre. Uma célula irreversível, Uma variação do eletrodo metal-íon metálico substitui a tira de
como aquelas nas quais há liberação de hidrogênio durante a rea- metal por um amálgama do metal imerso em uma solução con-
ção, não pode ser revertida de forma completa por um potencial tendo o íon metálico. Uma vantagem desse tipo de eletrodo é
aplicado infinitesimalmente superior ao da célula. Células irrever- que metais ativos, como sódio ou potássio, que de outro modo
síveis não são usadas ordinariamente em estudos eletroquímicos reagiriam com soluções aquosas podem ser usados como ele-
porque sua operação não é suscetível a tratamento termodinâmi- trodos. Um eletrodo de amálgama de sódio é representado por
co. Uma célula eletroquímica, como a célula de Daniell, na qual
Na (em Hg a c 1 litro) Na (c2 litro)
uma reação espontânea ocorre nas superfícies dos eletrodos e que
pode ser usada para extrair energia elétrica de uma reação quími-
ca que nela ocorre é conhecida como uma célula galvânica. Eletrodos metal-sal insolúvel
O eletrodo de calomelano (cloreto mercuroso) e o eletrodo de
prata-cloreto de prata são os eletrodos de referência mais comu-
Tipos de eletrodos mente encontrados. Os eletrodos de referência produzem um
Diversos tipos de eletrodos podem ser construídos e, combi- potencial invariante que não é afetado por mudanças na concen-
nando quaisquer dois tipos de eletrodos, pode-se obter uma tração da solução. Eles são usados com um outro eletrodo, que
variedade de células. Apenas alguns dos possíveis tipos de ele- costuma ser chamado de eletrodo indicador, sob uma quantida-
trodos serão descritos aqui. de infinitesimalmente pequena de corrente, como descrito para
as células reversíveis. A medida do potencial de célula com um
Eletrodos metal-íon metálico eletrodo de referência será discutida na seção subseqüente.
O eletrodo de calomelano (Figura 8-1) consiste de mer-
A célula de Daniell consiste de eletrodos desse tipo. Cada ele- cúrio, uma pasta de cloreto mercuroso (Hg2Cl2) e uma solu-
trodo é feito mergulhando-se uma tira de metal em uma solu-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 203

de uma célula. A direção tomada pela reação do eletrodo de-


pende do potencial do outro eletrodo na célula.
Platina é o metal mais freqüentemente usado para eletrodos
inertes. Ouro e prata têm uso limitado como eletrodos inertes,
pois ambos são macios e porque a prata, além disso, está sujeita
à oxidação. Um fio de platina imerso em uma solução contendo
íons ferrosos e férricos (ferro II e ferro III) representa um ele-
trodo típico desta categoria. Ele pode ser abreviado como:
Pt|Fe2+ (c1, mol/litro), Fe3+ (c2, mol/litro)
onde a vírgula denota que ambas as espécies químicas
se encontram na mesma solução. A reação do eletrodo dessa
meia-célula é
Fe2+ = Fe3+ + e– (8-6)

Eletrodo de platina Eletrodos de oxidação-redução também podem ser feitos


usando-se substâncias orgânicas que existem em dois diferen-
tes estados de oxidação. Quinidrona é uma mistura equimolar
de benzoquinona, Q, e hidroquinona, H2Q, que é apenas leve-
mente solúvel em água e envolve-se na reação de oxidação-
redução reversível:
pasta

solução (8-7)

Capilar com junção de fibra Hidroquinona Benzoquinona


Figura 8-1 Seção transversal de um eletrodo de referência de calomelano.
Mediante a introdução de um fio inerte de platina produz-
se um eletrodo de oxidação-redução. O eletrodo pode ser es-
crito como:
ção de KCl, que fornece íons cloreto. O eletrodo é represen- Pt H2 Q Q H3 O (c litro)
tado por:
O potencial do eletrodo de quinidrona varia com a con-
Hg Hg2 Cl2 Cl− (c litro)
centração de H3O+ de acordo com a equação acima. Portanto,
A reação do eletrodo é: a atividade do íon hidrogênio (ou seja, o pH) pode ser monito-
Hg Hg e− rada por esse eletrodo.
Hg Cl− 1
Hg2 Cl2 (8-4)
2 Eletrodos de gás
− 1 −
(Reação global) Hg Cl 2
Hg2 Cl2 e Quando se borbulha um gás sobre um fio de metal inerte imer-
so em uma solução contendo íons que podem ser derivados do
Um eletrodo de prata consiste de uma camada de cloreto gás, produzimos um eletrodo de gás. Um eletrodo de platina,
de prata em um fio de prata que é imerso em uma solução con- em geral revestido com negro de platina coloidal para aumen-
tendo íons cloreto. Esse eletrodo é representado por tar a área superficial eletricamente efetiva, e portanto, facilitar
Ag AgCl Cl− (c litro) a reação do eletrodo, pode ser utilizado. Por exemplo, o eletro-
E o processo no eletrodo é do de hidrogênio,
Ag Ag e− Pt H2 (pressão conhecida) H (c litro)
Ag Cl− AgCl (8-5) pode ter a reação do eletrodo representada por:
Pt H2 Pt · H2
(Reação global) Ag Cl− AgCl e−
Pt · H2 Pt 1
2
H e− (8-8)
1 −
Eletrodos de oxidação-redução (Reação global) H2 2
H e

Embora cada meia-célula eletroquímica envolva, fundamen-


Eletrodos de membrana
talmente, uma reação de oxidação-redução, apenas as meias-
células contendo um eletrodo inerte imerso em uma solução O uso de uma membrana de vidro fina, sensível a íons, conten-
consistindo em ambas as formas, oxidada e reduzida, de uma do uma solução eletrolítica produz eletrodos que podem detec-
substância são chamadas de eletrodos de oxidação-redução ou tar potenciais na interface entre o vidro e a solução. Com um
eletrodos de oxirredução. Uma vantagem desse tipo de eletro- controle cuidadoso da composição do vidro ou da membrana
do é que ele pode funcionar como o cátodo ou como o ânodo cristalina, o eletrodo pode tornar-se particularmente sensível a
204 P ATRICK J. S INKO

Na prática, o eletrodo de vidro para pH deve ser aco-


plado a um eletrodo externo de referência para completar a
célula. Se dois eletrodos de vidro forem imersos na mesma
solução e conectados a um pH-metro, uma pequena diferen-
ça de potencial pode ser notada entre eles. Ela é devida a pe-
quenas diferenças nas propriedades das membranas de vidro
individuais e, para a medida do pH, as variações individuais
de um eletrodo necessitam de uma padronização de cada cé-
lula contendo um eletrodo de vidro frente a um tampão de
pH conhecido.
Eletrodos de membrana também podem ser feitos de celu-
lose, polietileno, colódio ou resinas líquidas trocadoras de íons
que sejam insolúveis na água. Cristais de sais também podem
ser usados no lugar de vidro como membrana de eletrodos se-
Conexão isolada de fio letivos a íons.

Vidro de alta resistência Microeletrodos


Desenvolvimentos tecnológicos recentes permitem a produção
Fio de platina de eletrodos que são pequenos o suficiente para amostrar uma
única célula ou unidade neuronal em um animal intacto. Esses
microeletrodos têm pontas de metal ou vidro no formato de
agulhas afiladas com diâmetros de eletrodo de ordem de 1 μm
Eletrodo interno ou menos. Os eletrodos são compostos das mesmas soluções
de referência eletrolíticas e materiais descritos anteriormente nesta seção.
Contudo, o eletrodo inteiro costuma ser do tamanho de uma
pequena agulha hipodérmica ou micropipeta, e normalmente
pode ser esterilizado e implantado em um animal para estudos
Membrana sensível ao pH
farmacológicos. O uso e as propriedades dos microeletrodos
Solução de HCl são descritos por Ferris.1
Figura 8-2 Representação esquemática de um típico eletrodo de vidro para
medidas de pH.
Medindo a força eletromotriz de células
Um voltímetro retira uma quantidade mensurável de corren-
certos íons em solução. Esses eletrodos seletivos a íons serão te de um circuito. Portanto, a voltagem determinada torna-se
discutidos com mais detalhes em uma seção posterior deste dependente da resistência da célula ao fluxo de corrente, de
capítulo. O eletrodo de vidro para medidas de pH é o eletrodo acordo com a lei de Ohm, que diz que E = IR. Um potenci-
de membrana mais comum. Ele consiste em um fio de platina ômetro mede a voltagem opondo a fem de uma célula com
mergulhado em uma solução de ácido clorídrico. O fio está em um potencial aplicado enquanto nenhuma corrente flui para
contato com um eletrodo interno de referência, usualmente um o circuito externo. A ausência de fluxo de corrente através
da célula da amostra torna a potenciometria um método útil
eletrodo de prata-cloreto de prata ou de calomelano, que está
para a determinação da fem de uma célula eletroquímica
selado dentro do mesmo invólucro de alta resistência, como reversível. Ela simplesmente balança um fluxo de corrente
mostrado na Figura 8-2. A membrana de vidro desse eletro- contra outro sem produzir alterações no potencial por cau-
do responde a prótons e a outros íons monovalentes, mas não sa da resistência da célula. Um circuito potenciométrico
é sensível a cátions divalentes. Mediante um ajuste tridimen- encontra-se representado de forma esquemática na Figura
sional adequado de cátions (incluindo Na+, Ca2+, Li+ e Ba2+) 8-3. Quando o interruptor é acionado, uma corrente aplicada
localizados na estrutura do silicato da membrana de vidro, flui da bateria B através de uma resistência variável, R, a um
pode-se controlar a resposta do eletrodo a cátions monovalen- galvanômetro, G. A resistência variável, R, que também é
tes diferentes do hidrogênio. Por exemplo, o eletrodo de vidro chamada de divisor de voltagem, pode ser ajustada de modo
de medição de pH usual produz um “erro de sódio” devido à que o galvanômetro, G, não demonstre deflexão de corren-
resposta da maioria das membranas de vidro a íons sódio em te. Quando isso ocorre, a voltagem lida no voltímetro, V, do
altos valores de pH. Tal erro pode ser reduzido empregando-se potencial aplicado deve ser igual e exatamente oposta ao po-
uma membrana de vidro com alta concentração de íons lítio tencial da célula cuja fem está sendo determinada. Assim, as
incorporados na matriz de silicato. O eletrodo de membrana de diferenças de potencial entre os pontos o-x na resistência,
vidro para pH é representado por R, devem ser iguais mas de sinais opostos ao potencial da
célula, Ex, quando o galvanômetro não exibir deflexão. Se o
Eletrodo galvanômetro for balanceado rapidamente mexendo o inter-
Membrana Solução
interno de Pt HCl (c litro) ruptor K, a corrente não flui em extensão apreciável enquan-
de vidro externa
referência to há a deflexão de G, e a fem medida pode ser considerada
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 205

Constantes de equilíbrio, K, podem ser obtidas a partir do


potencial-padrão usando a equação (8-10) juntamente com a
equação (3-115) do Capítulo 3:
RT ln K nFE◦
ou
nFE◦
log K
2 303RT (8-11)

EXEMPLO 8-2
Cálculo de K
A célula de Daniell tem um potencial-padrão E° de 1,100 volts.
Qual é o valor de K a 25 °C para a reação Zn + Cu2+ = Zn2+ + Cu,
na qual as atividades das fases sólidas Zn e Cu são tomadas como
sendo unitárias? Teremos
2× coulombs Eq × 1 100 volts
log K =
2 303 × 8 314 J K−1 mol −1 × 298 K
log K = 37 2
aZn2+
K = = 1 6 × 1037
aCu2+
O valor elevado para a constante de equilíbrio significa que
Figura 8-3 Diagrama esquemático de um potenciômetro. (De R. N. Adams, a reação química na célula de Daniell prossegue até ficar virtual-
J. Pharm. Sci. 58(10), 1172, 1969. Com permissão.) mente completa.

como o valor verdadeiro de equilíbrio. Esse método é, às A equação de Nernst


vezes, chamado de potenciometria de ponto zero. Por convenção, qualquer meia-reação (reação de meia-célula)
é escrita como redução, ou seja, como a aceitação de elétrons
Termodinâmica de células eletroquímicas por parte de reatantes para formar produtos:
α(Ox) ne− β(Rd)
O trabalho realizado por uma célula eletroquímica operando (8-12)
(Reatantes) (Produtos)
reversivelmente, –ΔG, é igual à força eletromotriz, E, multi-
plicada pelo número de faradays, nF coulombs, de eletricidade onde α móis de uma espécie oxidada (Ox) na meia-célula é
que passa através da célula: reduzida por uma reação envolvendo n elétrons para β móis da
espécie reduzida (Rd) na meia-célula. A variação de energia
− G nFE (8-9) livre para essa redução de meia-célula pode ser expressa, de
Quando a força eletromotriz for positiva, o processo é es- acordo com a equação (3-126), como
pontâneo, como se pode ver pelo sinal negativo. Para reatantes (Rd)β
e produtos sob condições-padrão, escrevemos G G ◦ RT ln (8-13)
(Ox)α
G◦ nFE◦ (8-10) onde α(Rd) significa alguma atividade arbitrária dos produtos
O F é aproximadamente igual a 96.500 coulombs/Eq de e α(Ox) é alguma atividade arbitrária dos reatantes. Seguindo
íons e n é o número de equivalentes de íons reagindo ou o nú- a lei da ação de massas, elevamos cada termo a uma potência
mero de móis de elétrons transferidos. E° é a fem da célula igual ao número de móis β de produtos ou α de reatantes. Ago-
determinada por potenciometria sob condições eletroquimica- ra, –nFE e –nFE° podem ser substituídos na equação (8-13)
mente reversíveis, a uma temperatura e pressão fixas. para ΔG e ΔG°, resultando em
(Rd)β
EXEMPLO 8-1 −nFE nFE◦ RT ln
(Ox)α
Variação de energia livre RT (Rd)β
Qual é a variação de energia livre para a reação da célula E E◦ − ln (8-14)
nF (Ox)α
Cd + Cu2+ = Cd2+ + Cu
A equação (8-14) é conhecida como equação de Nernst. E° é
onde Ecélula =+ 0,750 volt? Teremos o potencial-padrão, ou seja, a fem quando as atividades de todos
ΔG = −nFE = −2 Eq mol × 96 500 coulombs Eq os reatantes e produtos são unitárias, e é normalmente expresso
× 0 750 volt para reduções como na Tabela 8-1. A equação de Nernst é usada
ΔG = − joules mol para calcular tanto o potencial de um eletrodo individual, quanto
a fem de uma célula a partir de um E° conhecido, a uma tempe-
206 P ATRICK J. S INKO

0 0592 a 2+
TABELA 8-1 Eeletrodo = E ◦ Fe3+ →Fe2+ − log Fe
1 aFe3+
POTENCIAIS-PADRÃO DE REDUÇÃO DE MEIAS-CÉLULAS A
25 °C Eeletrodo = 0 771 − 0 0592 log
0 218
0 0975
Reação de Eletrodo na forma E° = 0 771 − 0 021
redução de redução (volts) Eeletrodo = 0 750 volt
1
2
Cl2 e − Cl− Cl− Cl2 Pt 1,360
1
O
4 2
H e− 1
HO
2 2
H O2 Pt 1,229 No exemplo acima, o eletrodo está atuando como um cá-
2 − 1 2
Hg e 2
Hg Hg2 Hg2 2 Pt 0,907 todo, e se observa uma redução. Se a reação for expressa como
Ag e − Ag Ag Ag 0,799 uma oxidação e não como uma redução, isto é, se o eletrodo
1
2
Hg 2
e − Hg Hg2 2 Hg 0,854 está agindo como um ânodo, então o sinal de E°. de acordo
3 −
Fe e Fe 2 Fe3 Fe 2 Pt 0,771 com a Tabela 8-1, deve ser trocado por causa da convenção e a
− −
1
I
2 2
e I I− I2 0,536 equação (8-15) torna-se
Fe(CN)6 3− e − Fe(CN)6 3− 0,356
0 0592 aprodutos
Fe(CN)6 4− Fe(CN)6 4− Pt E E◦ − log (8-16)
1
Cu2 e− 1
Cu Cu2 Cu 0,337 n areatantes
2 2

1
2
Hg2 Cl2 e Hg Cl− Cl− Hg2 Cl2 Hg 0,268 A reação do Exemplo 8-3 expressa como uma oxidação
AgCl e − Ag Cl− Cl− AgCl Ag 0,223 será:
AgBr e − Ag Br− Br− AgBr Ag 0,071
H e− 1
H H H2 Pt 0,000 Fe2 Fe3 e−
2 2

1
2
Pb 2
e 1
2
Pb Pb2 Pb −0,126 e o potencial de oxidação do ânodo será
Agl e − Ag I− I− Agl Ag −0,156 0 0592 a 3
1
2
Ni2 e− 1
2
Ni Ni2 Ni −0,250 E eletrodo E Fe3 →Fe2 − log Fe
1
Cd 2
e − 1
Cd Cd2 Cd −0,403 1 aFe2
2 2
1
Fe2 e− 1
Fe Fe2 Fe −0,440 0 0975
2
1
Zn2 e−
2
1
Zn Zn2 Zn −0,763
E eletrodo 0 771 − 0 0592 log
2 2 0 218

Na e Na Na Na −2,714 E eletrodo 0 771 0 021 0 750 volt
K e− K K K −2,925
Li e − Li Li Li −3,045
* Uma linha vertical representa a fronteira entre um eletrodo e sua solução. Uma Força eletromotriz-padrão de células
vírgula é usada para separar duas espécies que estão presentes na mesma fase.
O termo E° na equação de Nernst (8-14) é definido como a fem
medida de uma célula, E, quando todos os reatantes e produ-
ratura especificada, T, para uma reação envolvendo n elétrons, tos têm atividade unitária. No exemplo seguinte, é descrito um
em condições especificadas de atividades de reatantes e produ- método experimental para a medida de E°. Esse método usa
tos. A 25 °C, a equação (8-14) torna-se a lei-limite de Debye-Hückel (Capítulo 6) para descrever os
0 0592 aprodutos reatantes e produtos com atividade unitária.
E E◦ − log (8-15) Considere uma célula consistindo de um eletrodo de gás de
n areatantes hidrogênio como ânodo e um eletrodo de prata-cloreto de prata
Os potenciais de eletrodo individuais são calculados a par- como cátodo, imerso em uma solução de ácido clorídrico:
tir da equação de Nernst como mostra o próximo exemplo. A Pt H2 (Patm ) HCl (c litro) AgCl Ag
fem da célula inteira, calculada usando a equação de Nernst,
será discutida na próxima seção. A reação global da célula é determinada pela soma das
semi-reações de cada eletrodo:
EXEMPLO 8-3
1
H
2 2
H e−
Potencial de redução AgCl e− Ag Cl−
(8-17)
Qual é o potencial de redução a 25 °C para eletrodos de platina AgCl 1
H
2 2
H Ag Cl−
imersos em uma solução ácida de íons ferrosos (ferro II) a uma
concentração 0,50 molal (m) e íons férricos (ferro III) a uma con- A 25 °C, a fem dessa célula é dada pela equação (8-15):
centração de 0,25 m? O coeficiente de atividade, γ, para o íon fer- 0 0592 aH aAg aCl−
roso é 0,435 e para o íon férrico é 0,390 em condições experimen- E E◦ − log (8-18)
1 aAgCl aH2 1 2
tais. E°Fe3+ → Fe2+ = 0,771 volts a partir da Tabela 8-1. A reação
no eletrodo inerte de platina é Uma vez que se atribui atividade de 1 para as fases sóli-
Fe 3+
+e −
Fe2+ das, como mencionado anteriormente, a pressão do hidrogênio
gasoso pode ser ajustada a 1 atm,* condição na qual ele se
A atividade da cada íon na reação do eletrodo é dada por a
= γ(m), de forma que a = 0,435 × 0,50 = 0,218 para o íon ferroso e

a = 0,390 × 0,25 = 0,0975 para o íon férrico. A partir da equação N. de T.: De acordo com a IUPAC, recomenda-se a pressão padrão de 1 bar,
(8-15), com n = 1, e não 1 atm.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 207

comporta de maneira ideal e tem uma atividade igual a 1, e a +0,222


equação (8-18) pode ser simplificada para:
E = E° – 0,0592 log aH+ aCI– (8-19)
As atividades iônicas individuais podem ser expressas em +0,226
termos das atividades iônicas médias, como foi descrito no Ca-
pítulo 6. Essa substituição leva a:
+0,230
E E ◦ − 0 0592 log γ±2 cH cCl− (8-20)
onde γ± é o coeficiente de atividade iônica médio para uma
solução de ácido clorídrico cujas concentrações iônicas (em +0,234
molalidade, ou seja, móis por quilograma de solvente) são,
respectivamente, cH+ e cCl-. De acordo com a reação global da
célula, as concentrações de H+ e Cl– devem ser iguais, de modo 0,1 0,2 0,3 0,4
que a equação (8-20) pode ser expressa como:
E E ◦ − 0 0592 log γ±2 c2 (8-21)
Figura 8-4 Determinação de E° para a célula Pt|H2|HCl (c)|AgCl|Ag. Note
onde c é a concentração molar do HCl na solução. que os valores no eixo vertical decrescem na direção ascendente, de modo
A equação (8-21) pode ser rearranjada, resultando em: que a inclinação negativa da linha corresponde a um valor positivo, +0,0603,
E 0 0592 log c2 E ◦ − 0 0592 log γ±2 na equação (8-24).

ou
E 0 1184 log c E ◦ − 0 1184 log γ± (8-22) A reação global da célula é
Usando a lei-limite de Debye-Hückel podemos substituir AgBr + 12 H2 = H+ + Ag + Br−

o termo log γ± na equação (8-22) por −Az 2 μ, onde A é uma
constante para um meio em particular (0,509 para a água a 25 As equações usadas para a célula de AgCl no exemplo ante-
°C), z é a valência dos íons (1, no exemplo) e μ é a força iônica rior também valem para esta célula, de modo que a equação (8-24)
da solução. Isso resulta na equação: pode ser aplicada:
√ √
E 0 1184 log c E ◦ 0 1184(0 509) μ E + 0 1184 log c = E ◦ + 0 0603 c

ou Portanto,

√ E ◦ = E + 0 1184 log c − 0 0603 c
E 0 1184 log c E◦ 0 0603 μ (8-23)
E ◦ = 0 4745 − 0 4023 − 0 0012 = 0 071 volt
Uma vez que μ = 1/2∑ci zi2 para as i espécies iônicas em
solução, de acordo com a equação (6-56), para a célula conten-
do apenas HCl em solução, De acordo com a convenção Gibbs-Estocolmo,∗ a fem
√ medida deve ser designada como um potencial de redução. Ou
E 0 1184 log c E ◦ 0 0603 c (8-24) seja, o eletrodo desconhecido é o cátodo na célula e a tendência
A lei-limite de Debye-Hückel é satisfatória somente para relativa do eletrodo em aceitar elétrons é medida frente a um
soluções diluídas. Portanto, quando aplicamos a equação eletrodo de referência. A célula pode, então, ser escrita como
(8-24) para a determinação da fem-padrão da célula, verifica- E E referência E eletrodo desconhecido (8-25)
mos que uma relação linear entre o membro do lado esquerdo
da equação e a raiz quadrada da concentração de HCl, ou seja, onde o eletrodo desconhecido é o eletrodo à direita na célula
c1/2, é obtida somente para valores pequenos de c. Isso é mos- esquemática (ou seja, o cátodo). Se os potenciais forem deter-
trado na Figura 8-4. Extrapolando a linha de modo que ela minados em condições-padrão, ou seja, 25 °C, 1 atm de pres-
intersecte o eixo vertical obteremos o valor de E°, que corres- são e atividades unitárias para todas as espécies, então, para o
ponde à fem da célula a diluição infinita. Essa é a fem desejada potencial-padrão de redução,
para a célula; no exemplo, +0,222 volt. E◦ E ◦referência E ◦eletrodo desconhecido (8-26)
Se os eletrodos forem trocados, de modo que o eletrodo
EXEMPLO 8-4 de referência se torne o cátodo e o eletrodo desconhecido o
Calculando o potencial padrão ânodo, será determinado um potencial de oxidação para o ele-
trodo desconhecido. Potenciais de oxidação são normalmente
Qual é o potencial padrão, E°, para uma célula consistindo de usados para comparar potenciais de célula, de acordo com a
um eletrodo gasoso de hidrogênio (P = 1 atm) como ânodo e um convenção. É importante notar que os potenciais de oxidação
eletrodo prata-brometo de prata como cátodo imerso em uma
diferem dos potenciais de redução apenas por possuir um sinal
solução 0,0004 m de ácido bromídrico? A fem da célula, E, de-
contrário, como demonstrado no Exemplo 8-3. Assim, se o po-
terminada por potenciometria, é 0,4745 volts. A célula pode ser
representada por
Pt H2 (1 atm) HBr (0 0004 M) AgBr Ag ∗
Esta convenção foi adotada em 1953 na 17ª conferência da IUPAC em Es-
tocolmo.
208 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO ELETRODOS DE REFERÊNCIA E POTENCIAIS-PADRÃO


O potencial absoluto de um eletrodo isolado não pode ser medido, é conhecido, de modo que o potencial do eletrodo desconhecido
mas podemos determinar o seu potencial relativo combinando-o pode ser obtido por diferença. Para comparar uma série de fem de-
com um eletrodo de referência para formar uma célula e medindo terminadas desse modo para diversos eletrodos, é necessário es-
a fem da célula formada. O potencial do eletrodo de referência pecificar se ocorre oxidação ou redução no eletrodo em questão.

tencial-padrão de redução do eletrodo de prata-cloreto de prata Potenciais de redução-padrão e formal


é +0,223 volt, seu potencial de oxidação deve ser –0,223 volt.
Considere uma célula consistindo de um eletrodo de re- Os íons cobre aceitam elétrons e são reduzidos mais facilmen-
ferência de hidrogênio e um segundo eletrodo cujo potencial te ao metal correspondente do que os íons chumbo. Estes úl-
está sendo determinado. A célula, de acordo com a convenção, timos, por sua vez, são reduzidos com mais facilidade do que
é representada como íons zinco. Portanto, os elementos e seus respectivos íons po-
E ◦célula E ◦H2 (ânodo) E ◦ eletrodo desconhecido (cátodo) (8-27) dem ser arranjados numa série eletromotriz com aqueles íons
que aceitam elétrons mais prontamente, ou seja, aqueles que
Sob atividade unitária do íon hidrogênio e condições-pa- são reduzidos mais facilmente sob condições-padrão no topo
drão, atribui-se ao eletrodo de referência do hidrogênio, que é da lista na Tabela 8-1. Os potenciais-padrão de redução, E°,
um eletrodo de referência primária, o potencial de 0,000 volt, são os potenciais da reação de redução, ocorrendo no cátodo,
E ◦H2 0 (8-28) em condições de atividades unitárias de reatantes e produtos.
Por seu turno, o potencial formal de um eletrodo é obti-
Assim, de acordo com essa definição, a fem-padrão me- do usando concentrações especificadas de todas as espécies,
dida na célula corresponde a um potencial-padrão de redução com concentrações iguais das espécies oxidada e reduzida na
de eletrodo: reação da meia-célula. O potencial formal é um valor experi-
E ◦célula E ◦ eletrodo desconhecido (cátodo) (8-29) mentalmente observável que leva em conta os potenciais de
Além do eletrodo de hidrogênio, os eletrodos de referência junção líquida, força iônica, complexação e outras variações
secundária, com os quais outros podem ser combinados, incluem que afetam a fem da célula. Por exemplo, o potencial-padrão
o eletrodo de calomelano 0,1 N, o de calomelano 1 N, o saturado de redução, E°, do eletrodo de calomelano, a atividade unitária
de calomelano (no qual os termos de concentração se referem à de todas as espécies, é +0,268 volt, enquanto o potencial for-
concentração do íon cloreto) e o prata-cloreto de prata. Esses ele-
trodos podem ser padronizados pela combinação com o eletrodo
de hidrogênio, como mostrado na Figura 8-5. Os eletrodos de Célula de operação
referência secundária são mais freqüentemente usados em me-
didas de laboratório porque são robustos e quase não necessitam
Resistência variável
de ajuste antes do uso. Em contraste, o eletrodo de hidrogênio,
no qual a pressão do hidrogênio gasoso deve ser controlada com
cuidado, requer manuseio cuidadoso e ajustes freqüentes.
Uma solução de KCl age como solução eletrolítica em to-
dos os eletrodos de referência secundários mencionados. Ela
também age como ponte salina para fazer contato elétrico en-
tre o eletrodo e o resto da célula. A ponte salina (representada
Voltímetro
por linhas duplas, ||, no diagrama esquemático da célula) mini- Interruptor Galvanômetro
miza a diferença de potencial que ocorre na fronteira entre as
Ponte salina
duas soluções. A mistura excessiva da solução de KCl na ponte
salina com a solução externa é evitada mediante a introdução
de uma tampa de cerâmica porosa ou de uma membrana per- Eletrodo de
meável na fronteira entre as soluções. O potencial na fronteira Eletrodo de hidrogênio
é conhecido como o potencial de junção líquida. Em células calomelano
com tal potencial de junção líquida, que surge devido à difusão
desigual dos íons através da barreira entre as soluções, é corre-
to escrever para a fem da célula global:
E célula E ânodo E junção E cátodo (8-30) Solução de íons H+
É possível fazer eletrodos com junções líquidas que Figura 8-5 Eletrodo de hidrogênio em combinação com um eletrodo de ca-
possuam um potencial de junção mínimo, como descrito por lomelano. (De acordo com F. Daniels and R. A. Alberty, Physical Chemistry,
Durst2 e Connors.2 Wiley, New York, 1955, p. 418.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 209

mal de redução de um eletrodo 0,1 N de calomelano é +0,334 As duas reações de redução e seus potenciais-padrão corres-
volt, o de um eletrodo 1 N pondentes da Tabela 8-1 são
de calomelano é +0,280 volt e o do eletrodo saturado de AG+ + e− = Ag E ◦ = +0 799
calomelano, +0,242 volt a 25 °C. Em alguns casos, o potencial- 1
+ e− = 12 Pb
Pb2+ E ◦ = −0 126
2
padrão de redução, E°, de um eletrodo não pode ser medido
por causa da solubilidade limitada de uma espécie envolvida O potencial da prata é mais positivo do que o do chumbo.
na reação de meia-célula, o que impede a obtenção de uma so- Portanto, a prata é reduzida mais facilmente do que o chumbo.
lução com atividade unitária. Nesses casos, apenas potenciais Um eletrodo de prata não pode reduzir um eletrodo de chumbo
formais podem ser obtidos. e se a célula fosse escrita com o pressuposto equivocado de que a
Na Tabela 8-1, os potenciais são potenciais-padrão de re- prata é o eletrodo de oxidação e o chumbo é o eletrodo de redução,
dução, usando o eletrodo-padrão de hidrogênio, com um va- a fem da célula, quando calculada, teria valor negativo. A fem
lor atribuído de E° de 0,000 volt como referência. Para uma de qualquer célula deve ser positiva para propiciar o fluxo de elé-
reação de oxidação, inverte-se o sinal do potencial na Tabela trons no circuito externo do ânodo ao cátodo, e isso pode ser usado
8-1. Em oxidações, o eletrodo com maior potencial positivo como guia para indicar se a célula foi escrita adequadamente. É
será oxidado com mais facilidade do que aquele com o menor útil lembrar que a fem da célula deve sempre ser positiva, enquanto
potencial. Por exemplo, o eletrodo Li|Li+ será oxidado mais que os potenciais dos eletrodos individuais podem ser positivos ou
facilmente do que o eletrodo Zn|Zn2+. negativos.
Suponha que a célula seja escrita como:
EXEMPLO 8-5 Ag Ag+ (a = 1) Pb2+ (a = 1) Pb

Cálculo da FEM de uma célula e a reação global seja escrita como:


Calcule o E°célula para uma célula eletroquímica consistindo de Ag + 12 Pb2+ = Ag+ + 12 Pb
um eletrodo de zinco e um eletrodo de cobre, cada um imerso em E◦ = E ◦Ag→Ag + + E ◦Pb2+ →Pb = −0 799 + (−0 126)
uma solução de seus íons, com atividade de 1,00. = −0 925 volt
A célula é escrita como
O resultado está errado porque E°célula é negativo. O erro pode
Zn Zn2+ (a = 1) Cu2+ (a = 1) Cu
ser corrigido revertendo-se os eletrodos:
onde a oxidação ocorre no eletrodo da esquerda e a redução no Pb Pb2+ (a = 1) Ag+ (a = 1) Ag
eletrodo da direita, e os elétrons fluem através do circuito externo
da esquerda para a direita. Como sabemos que a oxidação ocorre- Ag + 12 Pb = Ag + 12 Pb2+
+

rá no eletrodo de zinco e não no eletrodo de cobre? E ◦célula = E ◦Pb→Pb2+ + E ◦Ag+ →Ag = +0 126 + (+0 799)
Os potenciais-padrão de redução para os eletrodos de zinco e = +0 925 volt
cobre são –0,763 e +0,337 volt, respectivamente, a partir da Tabela
8-1.
Os valores de E° indicam que o cobre é reduzido mais facilmente EXEMPLO 8-7
do que o zinco por causa do maior valor positivo do E° do eletrodo de
Configuração de uma célula
cobre. Segue-se, do que foi dito anteriormente a respeito de potenciais
de oxidação, que o zinco deve ser oxidado mais facilmente, ou seja, Qual será a configuração correta para uma célula composta de
ele terá um maior potencial de oxidação. Portanto, nessa célula em um eletrodo ferrocianeto-ferricianeto e um eletrodo mercuroso-
particular, a oxidação deve ocorrer no eletrodo de zinco e a redução mercúrico, quando ambas as meias-células têm atividade unitá-
no eletrodo de cobre. A reação global da célula será: ria, a 25 °C? Esse tipo de célula é conhecida como um sistema
oxidação-redução.
Zn + Cu2+ = Zn2+ + Cu As duas reações de eletrodo, quando escritas como redução,
A fem da célula é a soma do potencial de oxidação do eletrodo em conjunto com os valores de E° encontram-se na Tabela 8-1 e
da esquerda e do potencial de redução do eletrodo da direita. O são:
potencial-padrão de oxidação da meia-célula de zinco é +0,763, ou Fe(CN)6 3− + e− = Fe(CN)6 4− E ◦ = +0 356
seja, o valor de E° listado na Tabela 8-1, mas com o sinal oposto. A Hg 2+
+e −
= 1
Hg2 2+ E ◦ = +0 907
2
equação (8-3) sob condições-padrão é escrita como:
E ◦célula = E ◦esquerda + E ◦direita O eletrodo mercuroso-mercúrico possui um potencial de re-
(oxidação) (redução) dução mais elevado e portanto irá oxidar o ferrocianeto a ferricia-
= E ◦Zn→Zn2+ + E ◦Cu2+ →Cu neto. A célula é escrita corretamente como
(oxidação) (redução)
Pt Fe(CN)6 3− Fe(CN)6 4− a = 1 Hg2+ Hg2+
2 (a = 1) Pt
= −E ◦ 2+ + E ◦Cu2+ →Cu
Zn →Zn
(oxidação) (redução)
e a reação global é
E ◦célula = +0 763 + (+0 337) = 1 100 volts
Fe(CN)6 4− + Hg2+ = Fe(CN)6 3− + 12 Hg2 2+

EXEMPLO 8-6 A E°célula calculada é


E ◦célula = E ◦Fe(CN)6 4− →Fe(CN)6 3− + E ◦Hg2+ → 1 Hg2+ =
Aplicando a FEM 2 2

Um eletrodo de prata reduzirá um eletrodo de chumbo a 25 °C, quan- −0 356 + (+0 907) = +0 551 volt
do ambas as meias-células encontram-se com atividades unitárias?
210 P ATRICK J. S INKO

EXEMPLO 8-8 Uma vez que E° Cu → Cu2+ = –0,337 e E°Cu2+→Cu = +0,337,


E°célula = 0, e a equação geral para a célula de concentração a
Cálculo da FEM 25° C é
Calcule a fem da seguinte célula a 25 °C: 0 0592 a1
Ag AgI I− (a = 0 4) Cl− (a = 0 8) AgCl Ag E célula log
n a2 (8-31)
A reação da célula é O eletrólito com a maior atividade, a2, tende a difundir
I− + AgCl = AgI + Cl− de forma espontânea na solução de atividade inferior, a1, e
a fem da célula surge dessa diferença entre as concentrações
Aplicando a equação (8-15), onde n = 1, obtemos
efetivas.
0 0592 aAgI aCl−
E célula = E ◦célula− log
1 aI − aAgCl
EXEMPLO 8-9
As atividades dos dois sólidos, AgI e AgCl, são 1 e podem ser
eliminadas do último termo da equação. O potencial-padrão da Cálculo da fem
célula é a soma dos dois potenciais-padrão das meias-células: Calcule a fem da célula de concentração recém-discutida. Teremos
E ◦célula = E ◦I→AgI + E ◦AgCl→Cl− 0 0592 0 01
E célula = − log = 0 021 volt
= +0 156 + (+0 223) = +0 379 volt 2 0 05

e a fem da célula é
08 EXEMPLO 8-10
E célula = 0 379 − 0 0592 log
04
E célula = 0 379 − 0 018 = +0 361 volt Cálculo da FEM
Calcule a fem a 25 °C da célula
Ag; AgCl Cl− (a2 = 0 10) Cl− (a1 = 0 01) Hg2 Cl2 Hg
Células de concentração
Nesse caso, teremos dois eletrodos diferentes, mas um íon co-
Até agora, discutimos neste capítulo as células químicas, nas mum nas soluções eletrolíticas, de modo que a célula age como
quais a fem é produzida por uma reação de oxidação-redução uma célula química com algo da fem proveniente da diferença nas
ocorrendo em dois eletrodos diferentes. Em uma célula de con- atividades do eletrólito. A reação global é:
centração, a fem resulta de diferenças de atividades de solu-
ções de mesmo material constituindo as duas meias-células. Ag + Cl− (a2 = 0 10)+ 12 Hg2 Cl2 = AgCl + Hg + Cl− (a1 = 0 01)
Suponha que uma célula consista de dois eletrodos de cobre As equações de Nernst correspondentes para os eletrodos in-
imersos em soluções de sulfato de cobre a 25 °C tendo atividades dividuais são:
de 0,01 e 0,05, respectivamente. A célula é representada por: aAgCl
0 0592
Cu Cu2 (a1 0 01) Cu2 (a2 0 05) Cu E esquerda = E ◦Cl− →AgCl − log
(Oxidação )
1 aAg aCl− (a 2 )
As reações no ânodo e no cátodo são 0 0592 aHg aCl−(a1 )
E direita = E ◦1 2Hg2 Cl2 →Cl− − log
(Ânodo) Cu Cu2 (a1 0 01) 2e− (Redução)
1 aHg2 Cl2

(Cátodo) Cu 2 (a2 0 05) 2e− Cu A equação da fem da célula é


e a reação global é E célula = E esquerda + E direita
2 2
Cu (a2 0 05) Cu (a1 0 01) e, uma vez que as atividades de todos os sólidos na reação global
são unitárias, a fem da célula se torna:
As equações de Nernst correspondentes para os eletrodos
individuais são 1
E célula = E ◦Cl− →AgCl − 0 0592 log + E ◦1 2Hg2 Cl2 →Cl−
− 0 0592 log a1
0 0592 a2
E esquerda E ◦Cu→Cu2 − log a1
(Oxidação)
2 Com os valores da Tabela 8-1, resulta
0 0592 1 1
E direita E ◦Cu2 →Cu − log E célula = −0 223 − 0 0592 log + + 0 268 − 0 0592 log 0 01
2 a2 0 10
(Redução)
= −0 282 + 0 386 = +0 104 volt
A equação da fem da célula é
E célula E esquerda E direita
0 0592 É interessante notar que essa célula seria representada in-
E ◦Cu→Cu2 − log a1 corretamente se as concentrações de cloreto nas meias-células
2 fossem invertidas, ou seja, se a2 = 0,01 e a1 = 0,10. Nesse caso,
0 0592 1 um valor negativo de Ecélula de –0,014 volt seria calculado, e
E ◦Cu2 →Cu − log seria necessário representar o eletrodo de calomelano como o
2 a2
eletrodo de oxidação na esquerda e o eletrodo de prata-cloreto
0 0592 a1
E ◦Cu→Cu2 E ◦Cu2 →Cu − log de prata como o eletrodo de redução na direita, para se ter um
2 a2 valor positivo para Ecélula.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 211

Direita (redução):
CONCEITO DETERMINAÇÃO DE pH Hg2 Cl2 2e− 2Cl− 2Hg (8-32)
Reação global:
A determinação de pH pode ser de hidrogênio podem ser com-
H2 Hg2 Cl2 2H2 O 2H3 O 2Hg 2Cl−
feita por meio de qualquer ele- binados para medir o pH, um
trodo cujo potencial dependa servindo como eletrodo indica- A célula é representada como:
da atividade do íon hidrogênio.3 dor e o outro como eletrodo de
Pt H2 (1 atm) H3 O (aH ?) KCl(sat) Hg2 Cl2 Hg
Os eletrodos de hidrogênio e referência, embora tal arranjo
de vidro, de pH típicos, são não seja geralmente usado na +
onde (a H =?) é a atividade do íon hidrogênio na solução-teste,
aqui discutidos. Dois eletrodos prática. cujo pH está sendo determinado.
A fem da célula é
E célula E H2 →2H3 O E Hg2 Cl2 →2Hg (8-33)

DETERMINAÇÃO ELETROMÉTRICA DE pH, ÍONS O potencial do eletrodo de hidrogênio a 25 °C e a uma


pressão parcial de hidrogênio gasoso de 1 atm é escrito como:
ESPECÍFICOS E POTENCIAIS REDOX aH O
E H2 E ◦H2 →H3 O − 0 0592 log 3
1 atm
Os eletrodos de calomelano e cloreto de prata são mais conve-
nientes como eletrodos de referência e são tipicamente usados Sob essas condições, E° = 0, da Tabela 8-1, e a equação
em pH-metros comerciais. O Instituto Nacional de Padrões se torna
(National Bureau de Standards – NBS)* determina o pH de E H2 0 0592 log aH3 O
seus tampões-padrão em uma célula composta por um eletrodo
e, uma vez que pH = –log aH3O+,
indicador de hidrogênio e um eletrodo de prata-cloreto de prata
como eletrodo de referência. Alguns dos tampões do NBS dis- E H2 0 0592 pH
poníveis para laboratórios para a padronização de pH-metros O potencial do eletrodo saturado de KCl e calomelano na
encontram-se listados na Tabela 8-2. reação de redução da equação (8-32) é +0,242 volt a 25 °C.
Portanto, da equação (8-33),
O eletrodo de hidrogênio célula
e
A célula química com um eletrodo de hidrogênio e um eletro- E célula− 0 242
do saturado de calomelano é mostrada na Figura 8-5. As suas pH
0 0592 (8-34)
meias-reações e a reação global da célula são as seguintes:
Esquerda (oxidação):
EXEMPLO 8-11
H2 2H2 O 2H3 O (aH ?) 2e−
Cálculo de pH de uma solução
∗ N. de T.: Atualmente, National Institute of Standards and Technology – Uma solução é colocada entre um eletrodo de hidrogênio e um
NIST, dos Estados Unidos. eletrodo de calomelano na Figura 8-5. A fem da célula é +0,963
volt a 25 °C. Qual é o pH da solução? Teremos
0 963 − 0 242
TABELA 8-2 pH = = 12 2
0 0592
PADRÕES DE REFERÊNCIA NBS DE SOLUÇÕES-TAMPÃO A
25 °C
O eletrodo de vidro
Valor de Capacidade
Composição pH diluição† tamponante, β Um eletrodo de membrana de vidro é um exemplo típico dos ele-
Tetraoxalato de potássio 1,68 +0,19 0,070 trodos de tipo membrana, descritos anteriormente. Ele é o eletro-
0,05 M do indicador de pH mais usado. O eletrodo convencional inclui
Hidrogenoftalato de 4,01 +0,05 0,016 uma solução ácida eletrolítica de HCl 0,1 N e um eletrodo de
potássio, 0,05 M referência interno de prata-cloreto de prata, como mostrado na
Figura 8-2. A célula completa, usando um eletrodo saturado de
Diidrogenofostato de 6,86 +0,08 0,029
calomelano (ESC) como referência, pode ser representada por
potássio e
hidrogenofosfato Ag AgCl 0 1N HCl
dissódico, anidro, Solução conhecida KCl (sat) Hg2 Cl2 Hg
cada 0,025 M (aH3 O ?)
Borax (tetraborato de 9,18 +0,01 0,020 O pH da solução desconhecida é obtido a partir da fem
sódio, decaidratado), da célula se o pH da solução interna, HCl 0,1 N, se mantiver
0,01 M constante. A fem da célula a 25 °C resulta da soma de quatro
† Variação no pH sob diluição com um volume igual de água. potenciais referentes a interfaces separadas:
212 P ATRICK J. S INKO

E célula E ESC E ASSIM − E AgCl Ag


0 059 (pHdesconhecido − pHHCl solução ) (8-35)
onde EESC provém da fronteira Hg2Cl2|Hg; EASSIM, conheci-
do como potencial de assimetria, vem das duas interfaces da
membrana de vidro e é equivalente à diferença em resistência
devido a variações no fabrico e EAgCl,Ag provém da fronteira
Ag|AgCl. O termo do pHHCl,solução vem da solução de HCl
0,1 N HCl, enquanto que pHdesconhecido é o pH da solução sen-
do determinada. O potencial de assimetria pode ser associado
às propriedades mecânicas da membrana de vidro, que po-
dem levar a mobilidades ou absorções de íons desiguais nos Figura 8-6 Diagrama esquemático de um pH-metro. A, interruptor; B,
dois lados da membrana. Embora o potencial EASSIM varie de compensador de temperatura; C, chave pH-milivolt; D, dial de padroni-
uma membrana de vidro para outra, ele pode ser considerado zação; E, dial de assimetria ou de inclinação percentual; F, eletrodo de
constante para um arranjo particular de células usando um combinação.
eletrodo de vidro, e a equação (8-35) pode ser simplificada a
25 °C para
E célula E constante 0 0592 pHdesconhecido (8-36) uma solução. A altos valores de pH, um desvio negativo do
ou potencial teórico é freqüentemente encontrado com mem-
E célula − E constante branas de vidro contendo uma alta proporção de íons sódio,
pH (8-37) como mostrado na Figura 8-7. Esse “erro de sódio” é devi-
0 0592 do ao fato de que, em pH elevado, o potencial de eletrodo
Econstante é a soma de todos os potenciais de interface da pode ser parcialmente determinado pelos íons sódio na solu-
célula mais o potencial constante da solução de HCl 0,1 N. ção. Em soluções muito ácidas, um desvio positivo em rela-
O valor de Econstante não pode ser determinado com pre- ção à fem teórica pode também ser encontrado. Acredita-se
cisão por causa da variação em EASSIM de um eletrodo de vi- que esse erro seja devido à diminuição da atividade da água,
dro para outro. Isso, contudo, não é necessário, na medida em que pode estar associada a uma diminuição na capacidade
que o pH-metro pode ser padronizado frente a um tampão de da solução em hidratar a superfície da membrana e os íons
referência, como listado na Tabela 8-2. O pH do tampão de em solução.
referência, medido com o eletrodo de vidro e a célula recém- Alguns eletrodos disponíveis atualmente reduzem o
discutida, é “erro de sódio” ao incorporar uma alta proporção de íons
E s − E constante lítio no retículo do vidro. O eletrodo de vidro tem a vanta-
pHs (8-38) gem sobre outros eletrodos de não ser afetado por sistemas
0 0592 oxidação-redução, uma vez que não há troca de elétrons
onde pHs é o pH e E°s é a fem da solução-tampão de referência através da membrana, embora esta seja afetada pela troca de
NBS. Subtraindo-se a equação (8-38) da (8-37) para eliminar o cátions entre o vidro e a solução. Os íons lítio incorporados
valor indeterminado Econstante, resulta na expressão no vidro não trocam com outros cátions no vidro, ao con-
E célula − E s trário do íon sódio. A diminuição na propriedade de troca
pH − pHs
0 0592
ou
E célula − E s
pH pHs (8-39)
0 0592 Teórico
A equação (8-39) é a definição operacional ou prática do Experimental
“Erro de
pH, aceita pelo NBS e pelo Instituto Britânico de Padrões. sódio”
Na medição real de pH, um dial de padronização no pH-
Fem

metro é ajustado manualmente até que a agulha na escala tenha


como leitura o pH da solução-tampão de referência. Para deter-
minações acuradas, é melhor usar dois tampões de referência,
um com um pH abaixo e outro com um pH acima daquele da
solução desconhecida. O pH-metro opera de modo similar ao
potenciômetro discutido previamente, exceto que ele funciona
com uma alta resistência de entrada, associada com o eletrodo
pH
de vidro. Uma representação esquemática desse instrumento é
mostrada na Figura 8-6. Figura 8-7 A relação entre a fem da célula e o pH para um eletrodo de vidro.
A composição química da membrana do eletrodo de vi- (De W. C. Purdy. Electroanalytical Methods in Biochemistry, McGraw-Hill,
dro é crítica para uma correta resposta de potencial ao pH de New York, 1965, p. 44. Com permissão.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 213

acidez e alcalinidade medida em uma célula apropriada que é


calibrada pelo uso de um tampão-padrão de referência.
Finalmente, deve ser observado que os valores de pH ob-
tidos medindo soluções contendo colóides e solventes não-
aquosos têm pouca correspondência com o pH na escala das
atividades e devem ser especificados como números arbitrá-
rios de pH. Esses valores arbitrários podem ser úteis para pro-
pósitos de controle a fim de assegurar a uniformidade da aci-
dez ou alcalinidade de produtos comercializados, contanto que
as condições sejam especificadas e que se reconheça que os
valores de pH não correspondem à definição operacional.
Figura 8-8 A estrutura do vidro usado em eletrodos de vidro. (Segundo G. E.
Perley, Anal. Chem. 21, 392, 1949).
Eletrodos seletivos a íons2
Os eletrodos que exibem uma resposta seletiva e sensível a cer-
de íons produz uma rede mais estável com a diminuição da tos íons em solução são conhecidos como eletrodos seletivos
troca de sódio a altos valores de pH e, portanto, uma redução a íons. Nesse sentido, o eletrodo de vidro recém-discutido é
do erro alcalino. Uma estrutura típica de eletrodos de vidro, um eletrodo seletivo a íon porque é particularmente sensível
como visualizado por Perley,4 está esboçada na Figura 8-8. aos íons H3O+. Mediante um controle cuidadoso da composi-
A composição de membranas de vidro para a potenciometria ção do vidro, descobriu-se que é possível construir eletrodos
é discutida por Purdy.5 que apresentam sensitividade aumentada para certos cátions
Uma inovação moderna em eletrodos de pH é o eletro- monovalentes, por exemplo, K+ ou Na+, comparados com íons
do de combinação. Ele incorpora uma junção de eletrodo de hidrogênio. A superfície do vidro pode atuar como um troca-
referência próxima à membrana de vidro, de modo que am- dor de íons, e alguns íons podem ser mantidos firmemente em
bos os eletrodos estão dentro de um único corpo. Isso fornece sítios de ligação da superfície, dependendo da composição do
um sistema eletroquímico compacto que pode ser usado com vidro. Além disso, a mobilidade dos íons através do vidro pode
amostras pequenas ou pouco acessíveis. Outro desenvolvimen- ser controlada mediante modificações na estrutura da rede do
to envolve o uso de sensores de fibra ótica que permitem as vidro. Por meio de composição e estrutura do vidro, a mem-
medidas de pH dentro de uma célula viva.5a brana pode se tornar seletiva para determindos íons. Com es-
Instruções para a determinação de pH usando eletrodo de ses eletrodos de membrana, porém, não é possível atingir uma
vidro são dadas em algum detalhe por Bates.6 Informações seletividade completa porque a resposta do vidro não pode ser
úteis na determinação de pH e no uso de soluções-tampão para tornada totalmente independente dos íons hidrogênio ou de
a padronização de pH-metros são dadas na Farmacopéia Ame- outros íons em solução. A seletividade, contudo, costuma ser
ricana, U.S. Pharmacopeia.6a adequada para muitas aplicações.
A barreira sensível do eletrodo seletivo a íons opera por
meio de uma troca seletiva de íons entre duas soluções, cada
Um resumo das definições de pH uma em um lado da barreira. A diferença de potencial surge
O pH foi definido de três modos distintos neste livro. devido às diferenças de concentração entre as soluções, bem
como à resistência da barreira. Cristais de sal, líquidos, enzi-
1. Ele foi introduzido de acordo com a definição de Sören- mas e membranas de vidro são usados diretamente ou incor-
sen: pH = – log[H3O+]. porados em alguma matriz estrutural, como um plástico, para
2. Mostrou-se adiante que a atividade, e não a concentração formar uma barreira sensível.
dos íons hidrogênio, deve ser usada e a definição tornou- Um exemplo de barreira do tipo salino é o eletrodo sen-
se pH= –log aH3O+. sível a fluoreto, que usa o fluoreto de um lantanídeo (ver ta-
bela periódica) como membrana insolúvel. Por exemplo, um
3. Infelizmente, contudo, não é possível, de forma expe- cristal contendo LaF3, fluoreto de praseodímio ou európio
rimental, medir a atividade de um íon isolado. Por essa (PrF3 ou EuF3), pode ser selado na extremidade de um ele-
razão, a escala de pH usada nos Estados Unidos e na trodo. Uma solução interna de atividade conhecida, a, de NaF
Grã-Bretanha é agora definida em termos de um padrão é usada com um eletrodo de referência interno, tal como um
de tampão de referência ao qual foi atribuído um valor ar- eletrodo de prata-cloreto de prata. O eletrodo inteiro pode ser
bitrário de pH de modo a concordar, o mais próximo pos- representado por
sível, com a definição termodinâmica pH= –log aH3O+. Eletrodo de
LaF3 Solução teste externa
Esta última definição, conhecida como pH operacional ou referência NaF(a)
cristal (F− , concentração desconhecida)
experimental, não corresponde exatamente ao pH na escala de interna
atividades porque os potenciais de junção das células usadas A Figura 8-9 mostra a construção de um eletrodo de flu-
não podem ser eliminados. Conseqüentemente, o pH não é oreto típico. A diferença de potencial através do cristal de
uma constante física verdadeira, mas sim uma escala prática de LaF3 é devida exclusivamente à condutância dos íons F–, a
214 P ATRICK J. S INKO

os íons potássio. O mecanismo do eletrodo envolve troca de


cátion através da membrana de antibiótico para produzir um
potencial entre as soluções em cada lado. O eletrodo de valino-
micina exibe seletividade de 4.000:1 para íons K+ frente a íons
Na+ e seletividade de 20.000:1 para íons K+ frente a íons H+.
Ele possui uma resposta de potencial linear em uma região de
cerca de 10–5 a 10–1 M para íons potássio. O eletrodo pode ser
representado como:
Eletrodo de KCl Membrana de Solução teste externa
referência (concentração valinomicina (K concentração desconhecida)
interno conhecida)
Eletrodo de referência interno
Trocadores de íons carregados, como diésteres de fosfa-
to, podem ser usados como sensores. Nesse caso, o composto
pode ser dissolvido em uma solução apropriada que, em conta-
to com uma membrana porosa, age como uma barreira e uma
junção com a solução-teste.
Uma enzima pode ser incorporada em um filme plástico
de poliacrilonitrila para agir como parte de uma barreira sen-
Solução de fluoreto de sódio sora. Por exemplo, a urease, que converte uréia a íons amônio
pela reação
Vidro de alta resistência Urease
Uréia H2 O −→ HCO3 − NH4 (8-40)
pode ser usada. A enzima, imobilizada na matriz plástica, é
Cristal de fluoreto de lantânio
fixada em um eletrodo de membrana de vidro. A membrana
de vidro, nesse caso, é sensível aos íons amônio. Os íons amô-
Figura 8-9 Representação esquemática de um eletrodo seletivo a fluoreto. nio formados a partir da reação da enzima migram através da
membrana de plástico até a superfície do vidro, onde eles são
detectados pela uma alteração no potencial. O eletrodo pode
menos que haja a presença de íons lantânio em concentra- detectar uréia em solução com uma faixa de resposta linear de
ção apreciável na solução-teste. O eletrodo é praticamente aproximadamente 10–4 a 10–2 M.
livre de interferências e pode ser considerado seletivo ao íon Íons típicos detectáveis com eletrodos sensíveis a íons en-
fluoreto. Em amostras biológicas, concentrações de fluoreto contram-se listados na Tabela 8-3. Interferências potenciais de
de até 10–6M podem ser determinadas rapidamente, em geral outros íons em solução, bem como as concentrações mínimas
apenas com uma etapa de diluição ou solubilização, após a detectáveis, também estão listadas.
calibração. A precisão do método é de cerca de ±10% para Todos os eletrodos seletivos a íons produzem uma resposta
valores de pH de solução entre 4 e 8. As interferências se que é diretamente proporcional ao logaritmo da atividade do
limitam à presença de íons hidróxido em altos valores de pH, íon. Ou seja, a partir da equação (8-36) a 25 °C,
complexos de fluoreto e formação de ácido fluorídrico a bai- 0 0592
E célula E constante log(a)
xos valores de pH. n (8-41)
Barreiras de membrana também podem ser construídas
com sensores eletricamente neutros, insolúveis em água. O onde a é a atividade do íon a ser monitorado. Na prática,
composto é incorporado em uma matriz plástica como uma a concentração do íon é determinada a partir da curva de
membrana de policloreto de vinila (PVC). Isso é obtido sim- calibração, que relaciona Ecélula no eixo y a concentrações
plesmente misturando-se o sensor com um solvente adequado, iônicas padronizadas no eixo x. Uma típica curva de cali-
adicionando PVC, misturando e removendo depois o solven- bração para íons fluoreto é mostrada na Figura 8-10. Nesse
te. A membrana produzida pode ser incorporada diretamente caso, a força iônica dos padrões foi ajustada à das soluções-
como uma barreira. Um dos sensores mais seletivos em uso é o teste tratando cada uma com um tampão apropriado de alta
antibiótico valinomicina: molaridade. Isso elimina erros que podem ocorrer quando
se analisam soluções com forças iônicas muito díspares. A
fem de uma célula incorporando o eletrodo seletivo a íons é
usualmente determinada com um pH-metro de escala expan-
dida. Tal pH-metro pode ser usado com uma entrada de alta
resistência e permite que qualquer porção de 100 milivolt da
escala do voltímetro seja expandida em uma escala comple-
Valinomicina
ta, aumentando, assim, a precisão da leitura da fem. É claro
que, como um pH-metro comum, o voltímetro retira em uma
Esse antibiótico apresenta estrutura de um anel de 36 corrente infinitesimalmente pequena da célula eletroquími-
membros e age como um agente complexante seletivo para ca. A corrente é tão pequena que não produz distorções na
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 215

TABELA 8-3
ALGUNS ÍONS DETECTÁVEIS COM ELETRODOS SELETIVOS A ÍONS, COMERCIALMENTE DISPONÍVEIS*
Concentração mínima
detectável M Íons com interferência possível

Cátions
Cádmio 10–7 Prata, mercúrico ou cúprico
Cálcio 10–5 Zinco, ferroso
Cobre 10–7 Prata, mercúrico, cádmio, férrico, altos níveis de cloreto ou brometo
Chumbo 10–7 Prata, mercúrico, cúprico, altos níveis de cádmio ou férrico
Potássio 10–5 Césio, amônio, hidrogênio, prata
Prata 10–7 Mercúrico
Sódio 10–6 Césio, lítio, hidrogênio, prata, rubídio, tálio
Ânions
Brometo 5 × 10–6 Sulfeto, iodeto
Cloreto 5 × 10–5 Perclorato, sulfeto, brometo, iodeto, cianeto
Cianeto 10–6 Sulfeto, cloreto, iodeto
Fluoreto 10–6 hidróxido
Fluorborato 10–5 —
Iodeto 2 × 10–7 Sulfeto
Nitrato 10–5 Brometo, iodeto, nitrito
Perclorato 10–5 —
Sulfeto 10–7 —
Tiocianato 10–6 Hidróxido, iodeto, sulfeto
* Adaptada de Guide to Electrodes and Instrumentation, Orion Research, Cambridge, Mass.

fem da célula, e a leitura pode ser considerada essencial- Titulação potenciométrica10


mente a determinação potenciométrica.
Eletrodos seletivos a íons têm sido usados para determinar Um eletrodo de vidro e um eletrodo de referência adequado,
a velocidade de dissolução de comprimidos contendo íons de como o eletrodo de calomelano, podem ser usados com um
metais alcalinos7, e a liberação de sódio fenobarbital através de pH-metro ou milivoltímetro para medir a fem de uma célula
uma membrana de diálise tem sido estudada monitorando-se a para titulações potenciométricas ácido-base. A variação no
solução dialisada com um eletrodo seletivo a sódio.8 Tais apli- potencial do eletrodo de vidro é medida conforme o volume
de titulante de concentração conhecida é adicionado. As cur-
cações podem permitir uma determinação rápida e contínua da
vas de titulação obtidas plotando Ecélula, usualmente em mi-
velocidade de liberação de um fármaco a partir da formulação
livolts, contra o volume de titulante adicionado são similares
e podem ser particularmente úteis para monitorar preparações
àquelas mostradas na Figura 8-1. Quando o ponto final não
de liberação lenta.9 é marcado por uma inflexão abrupta na curva, é mais adequa-
do plotar a inclinação da fem versus o volume de ácido ou
base adicionado, ou seja, ΔE/ΔV contra o volume V. Pode-se
obter ΔE diretamente do pH-metro para uma alteração fixa
de volume, ΔV. Uma curva diferencial de titulação é obtida
(Figura 8-11), cujo ponto máximo representa o ponto final
da titulação.
Um eletrodo seletivo a íons também pode ser usado com
E célula um eletrodo de referência adequado para titulações poten-
(mV) Água da torneira
de Providence (1,05 ppm) ciométricas. Por exemplo, o ácido etilenodiaminotetracético
(EDTA) pode ser determinado em solução titulando-o com
Água da torneira de uma solução-padrão de íons cálcio:
Foxboro (0,18ppm)

0,2 0,3 0,5 0,7 1,0 1,5 2,0 3,0 4,0


Fluoreto (ppm)

Figura 8-10 Determinação de fluoreto em amostras de fornecimento de


água em dois municípios usando tampão de força iônica elevada (Adaptada O complexo cálcio-EDTA é formado durante a titulação
de T. S. Light, in R. A. Durst, [Ed.], Ion-Selective Electrodes [N.B.S. Special até que o ponto final seja atingido, quando, então, os íons cál-
Publication 314], U.S.Government Printing Office,Washington D.C., 1969.) cio livres em solução podem ser detectados com um eletrodo
216 P ATRICK J. S INKO

7,425

7,4

7,3

Ponto final 7,2

Volume
Figura 8-11 Resultados de uma titulação potenciométrica plotada como
uma curva diferencial de ΔE/ΔV contra o volume de titulante adicionado. 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0

Figura 8-12 Determinação aproximada da constante termodinâmica de dis-


indicador seletivo a cálcio. O ponto final é observado por um sociação do fenobarbital.
súbito aumento no sinal do eletrodo, análogo à inflexão obser-
vada na titulação ácido-base anteriormente discutida.
pH de cada solução é determinado, e os resultados são plotados
Determinação potenciométrica de contra μ resultando em uma curva, como na Figura 8-12. Na
figura, o fenobarbital é o ácido fraco e o fenobarbital sódico é o
constantes de dissociação10 sal. Extrapolando-se a linha até o intercepto com o eixo vertical,
A curva de titulação pode ser usada para se fazer uma estimati- onde μ = 0, tem-se uma aproximação fiel da constante termodi-
va aproximada da constante de dissociação de um ácido fraco, nâmica de dissociação do fármaco, pKa. Uma equação similar
com a equação de Henderson-Hasselbalch: a (8-45) pode ser escrita para bases fracas e seus valores de pKb
podem ser determinados por um procedimento análogo.
[Sal]
pH pK a log (8-42) Para determinações precisas de pKa ou pKb de um par áci-
[Ácido] do-base de força desigual deve-se fazer uma correção para o
Essa equação é útil em uma faixa limitada para tampões ácido fraco ou base fraca não-dissociados, como descrito por
relativamente diluídos. Na prática, no ponto de equivalência da Benet e Goyan.11
titulação, onde [Sal] = [Ácido], o segundo termo do lado direi-
to da equação se torna zero e pH=pKa. Para uma determinação EXEMPLO 8-12
mais exata de pKa, a equação do tampão deve ser usada na sua
Cálculo da constante de dissociação
forma mais geral:
Calcular a constante de dissociação e o pKa do ácido valpróico
[Sal]
pH pK a log log γ A − (8-43)
[Ácido]
onde γA– é o coeficiente de atividade do ânion. Introduzindo a
expressão de Debye-Hückel, obteremos a fórmula Ácido valpróico

[Sal] Az 2 μ para uma célula,
pH pK a log − √ (8-44)
[Ácido] 1 ai B μ Pt H2 (P = 1 atm) Ácido valpróico (10 −6 m)
Valproato de Sódio (10 −8 m) H+ (?m) H+ (a = 1) H2 (P = 1 atm) Pt
onde A, ai, e B são constantes, e μ é a força iônica. Um pro-
cedimento experimental envolve uma “meia-neutralização” a qual exibe uma fem de +0,175 volt.
do fármaco ácido titulando-o com hidróxido de sódio até que Como mostrado, a célula tem um eletrodo-padrão de hidro-
[Sal] = [Ácido] e o quociente [Sal]/[Ácido] se torna unitário, gênio como cátodo e, portanto, Ecátodo = 0,000 volt. A reação ocor-
de onde o segundo termo do lado direito da equação (8-44) se rendo no ânodo de hidrogênio depende da atividade do íon hidro-
torna zero e gênio de acordo como a oxidação

Az 2 μ H2 = 2H+ + 2e−
pH pK a − √ (8-45)
1 ai B μ portanto,
A seguir, é adicionado cloreto de sódio em quantidades va- 0 0592 aH2 + a2 +
Eânodo = E ◦ − log = 0 000 − 0 0296 log H
riáveis para produzir soluções de diferentes forças iônicas. O 2 P = 1 atm 1
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 217

Agora, H2 Q 2H2 O Q 2H3 O 2e−


Ecélula = Eânodo + Ecátodo Hidro- Quinona
Ecélula = 0 175 = 0 000 − 0 0296 log aH+
2
− 0 000 quinona (oxidante)
(redutor) (8-48)
Portanto, após rearranjo,
0 175 O potencial para a oxidação é, portanto,
log aH2 + = −
0 0296 RT a Q a 2 H3 O
aH2 + = 1 22 × 10−6
ED E◦ − ln (8-49)
2F aH2 Q
e, se o coeficiente de atividade for considerado como sendo aproxi- ou, em geral,
madamente unitário sob condições relativamente diluídas, então
RT aOx RT
[H+] = 1,11 × 10–3 m. Uma vez que o ácido valpróico encontra-se ED E◦ − ln − ln aH3 O (8-50)
em sua maioria não-dissociado sob condições ácidas, 2F aRed F
[H+ ][Valproato− ] (1 11 × 10−3 )(10−8 ) de onde podemos ver que quando se aumenta a atividade do
Ka = =
[Ácido valpróico] (10−6 ) íon hidrogênio, ou diminui-se o pH, se reduz o valor de ED.
= 1 11 × 10−5 aproximadamente Se o pH do sistema for mantido constante, o último termo
da equação (8-50) pode ser combinado com E°, resultando
e, portanto, o pKa é cerca de 4,96. em um potencial padrão E°´, característico do sistema a uma
atividade fixa do íon hidrogênio (pH fixo), o que, para uma
Usando um método similar ao método da força iônica, oxidação, leva a
já descrito nesta seção, Krahl12 determinou as constantes
RT Ox
de dissociação de diversos ácidos barbitúricos substituídos. ED E − ln (8-51)
Determinações aperfeiçoadas têm sido introduzidas desde 2F Red
1940; uma lista mais recente dos valores de pKa para bar- Os potenciais-padrão E°´ para alguns sistemas orgânicos
bituratos é fornecida na Tabela 7-7. Métodos espectrofo- redox de importância nas ciências farmacêuticas e biológicas
tométricos também são usados para se determinar valores encontram-se listados na Tabela 8-4, juntamente com os valo-
de pKa, como descrito anteriormente. Os valores de pKa de res de pH nos quais eles foram determinados.
estrogênios têm sido determinados usando-se um pH-metro Os processos de decomposição de muitos fármacos em
e um procedimento de ensaio espectrofotométrico desen- formulações podem ser descritos como reações de oxidação-
volvido por Hurwitz e Liu.13 Uma descrição pormenorizada redução. Por exemplo, a decomposição da apomorfina em
dos métodos potenciométricos usados para medidas de pKa comprimidos pode ocorrer segundo a reação (8-52).
encontra-se em Albert e Serjeant,14 e a determinação de pKa Por causa de participação de íons hidrogênio nessa rea-
por diversos métodos foi revisada por Cookson.15 ção, a decomposição depende do pH. Constatou-se que a apo-
A determinação exata da constante de dissociação ter- morfina é mais estável em formulações ácidas e decompõe-
modinâmica de um eletrólito fraco envolve o uso de células se rapidamente em soluções básicas ou neutras. Em geral, a
sem junção líquida. Tais células são descritas por Buck,16 e
os métodos usando tais células são discutidos por Harned e
Owen.17
TABELA 8-4
Concentração do íon hidrogênio em POTENCIAIS-PADRÃO DE REDUÇÃO EM VALORES
ESPECIFICADOS DE pH PARA ALGUNS SISTEMAS REDOX*
reações de oxidação-redução
Temperatura
As concentrações do íon hidrogênio devem ser consideradas Sistema redox E°´ (volt) pH (°C)
em certas reações de oxidação-redução (redox), tais como a
oxidação Ácido +0,570 1,98 25
Mn2 6H2 O MnO2 4H3 O 2e− (8-46) homogentísico
Epinefrina +0,380 7,0 30
O potencial de oxidação-redução recebe o símbolo ED. +0,791 0,29 30
Para a oxidação de Mn2+ a 25 °C, o potencial de oxidação- Vitamina K1 +0,363 0,2 N HCl 20
redução é +95% álcool
0 0592 a 4 H3 O
ED E◦ − log (8-47) Citocromo C +0,256 6,77 30
2 aMn2 Ácido ascórbico +0,115 5,2 30
o que mostra a influência da atividade do íon hidrogênio no +0,136 4,58 30
valor de ED. Azul de metileno +0,011 7,0 30
Diversas reações reversíveis orgânicas de oxidação-redu- Riboflavina –0,208 7,0 30
ção do tipo quinona envolvem equilíbrios ácido-base e são, –0,117 5,0 30
portanto, influenciadas pelos íons hidrogênio. A reação hidro-
* O sinal algébrico dos valores de E°´ nesta tabela e no decorrer do capítulo
quinona-quinona é escrita como
correspondem a potenciais de redução, como definido no texto.
218 P ATRICK J. S INKO

–1,8

–1,6

–1,4 0,1

Potencial de oxidação-redução, ED
–1,2

(8-52) –1,0
Apomorfina
–0,8

–0,6

–0,4

–0,2

+0,2
estabilidade de muitos fármacos em solução aquosa depende 0,2 25 50 75 100
do pH da solução. Usualmente, o pH deve ser controlado em % de redução
formulações líquidas para inibir reações redox, e para a maio-
Figura 8-13 Curvas de titulação oxidação-redução.
ria dos fármacos isso requer um baixo pH. A estabilidade e
a oxidação serão discutidas em mais detalhes posteriormente
neste capítulo. O Capítulo 12 trata da cinética da estabilidade
de fármacos. tensão máxima na meia-redução, assim como sistemas ácido-
McCreery18 mostrou que os potenciais de oxidação do
base mostram o máximo de capacidade tamponante no ponto
metabólitos de cloropromazina em valores selecionados de
pH podem ser associados a suas propriedades farmacológicas. da meia-neutralização. Um sistema que resiste à variação de
Além disso, Marzullo e Hine19 associaram mecanismos redox ED sob adição de agentes oxidantes ou redutores possui boa
com a função de receptor de opiato. Tais conclusões, que as- ação de “amortecimento”.
sociam potenciais redox com ações de fármacos em valores Se uma substância orgânica tiver duas formas de dife-
específicos de pH, são importantes para fármacos agindo como rentes cores correspondendo a um par redox reversível, ela
neurotransmissores e ajudam a explicar mecanismos de intera- pode ser útil como indicador do ponto final de uma titulação
ção fármaco-receptor. redox. Tais indicadores devem mostrar uma mudança de cor
que corresponda a uma alteração no potencial do sistema e
não à alteração na concentração de um dos reatantes. A maio-
Curvas de titulação de sistemas
ria desses indicadores redox depende da concentração do íon
oxidação-redução hidrogênio. Por exemplo, o indicador redox azul de metileno
Um sistema redox inorgânico ou orgânico pode ser titulado sofre a seguinte reação sob condições neutras (pH = 7) com
colocando-se a solução em uma célula contendo um eletrodo E°´= +0,011:
de platina e um eletrodo de referência adequado, tal como
o eletrodo de calomelano. A titulação potenciométrica pode
ser realizada adicionando-se quantidades determinadas de
um agente redutor poderoso, como o cloreto titanoso, a uma
solução tamponada da forma oxidada de um composto, ou
então um agente oxidante, como o dicromato de potássio, à (Azul)
forma reduzida. Se um eletrodo 1 N de calomelano for usa- (8-53)
do, o valor de 0,280 volt a 25 °C é subtraído de Ecélula para
se obter ED em qualquer estágio da titulação. Curvas típicas
resultantes da representação gráfica do potencial ED do ele-
trodo inerte contra o volume de agente redutor, ou a redução
percentual, são mostrados na Figura 8-13. Quando o sistema
encontrar-se 50% reduzido, Ox/Red = 1 e ED = E°´ a uma ati- (Incolor)
vidade definida do íon hidrogênio. As inclinações das curvas
dependem de n, o número de elétrons transferidos, e a posi- Para variações na atividade do íon hidrogênio, a faixa de
ção vertical de cada curva no gráfico depende do valor de E°´. ED na qual a cor muda de azul (forma oxidada) para incolor
Sistemas de oxidação-redução são ditos equilibrados em ex- (forma reduzida) para esse indicador a 25 °C é dada por
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 219

0 0592 ascórbico, riboflavina, vitamina K, epinefrina, vitamina E,


ED E◦ ± 0 0592 log aH (8-54)
n morfina e clorpromazina. Além disso, gorduras e óleos são
suscetíveis a mecanismos redox. Um número limitado de
Essa equação é derivada da equação (8-50), onde a altera- exemplos é fornecido aqui para mostrar o tipo de reações de
ção da cor é definida como ocorrendo para o quociente entre as oxirredução que podem ocorrer com fármacos.
atividades na faixa: O ácido ascórbico em solução aquosa oxida lentamente
1 aOx
≤ ≤ 10 (8-55) em contato com o ar, de acordo com a seguinte reação re-
10 aRed versível:
o que é equivalente a uma faixa de ±0,0592/n a 25 °C para o segun-
do termo na direita da equação (8-50). A partir da equação (8-54),
a faixa de ED para o azul de metileno em pH 7 é calculada como
aproximadamente +0,040 a –0,019 volt. Um indicador redox é útil
na faixa estreita de E°´ ± 0,059 quando n é unitário. Alguns indica-
dores comumente usados estão listados na Tabela 8-5. Ácido ascórbico
(8-56)
Essa reação é um pouco mais rápida sob condições ácidas
TABELA 8-5 devido à catálise de íons hidrogênio. O produto de desidrata-
POTENCIAIS DE REDUÇÃO DE ALGUNS INDICADORES ção pode proceder a uma hidrólise irreversível posterior em
REDOX solução alcalina para formar ácido dicetogulônico e, even-
tualmente, ácido oxálico (COOH)2, dentre outros produtos. À
Substância E°´ (volt) pH medida que a decomposição segue, a solução de ácido ascór-
bico altera sua cor de levemente amarelado para um vermelho
p-Nitrodifenilamina +1,06 0 profundo.
o-Toluidina +0,87 0
Difenilamina-4-sulfonato (sal sódico) +0,85 0
2,6-Dicloroindofenol (sal sódico) +0,217 7
Azul de metileno +0,011 7
Indigo trissulfonato (sal sódico) –0,081 7
Ácido dicetogulônico
Violeta de cresila –0,173 7
Ball21 constatou que, adicionando uma pequena quanti-
dade de um mediador de potencial, como azul de metileno,
Reações de oxidação-redução em estágios e o uso o qual possui um valor de E°´ similar ao do sistema do ácido
ascórbico, cria-se um sistema termodinamicamente reversível.
de mediadores de potencial
Usando um agente oxidante adequado, um mediador e tam-
Algumas reações oxidação-redução ocorrem etapas, parti- ponando bem o sistema na faixa ácida, obtém-se E°´ a partir
cularmente quando n, o número de elétrons entre os estados do valor de ED no ponto onde 50% do composto encontra-se
oxidado e reduzido, é grande. As reações de oxirredução de oxidado, de acordo com a equação (8-51). Em um pH de 4,58
muitos compostos orgânicos envolvem a transferência de dois e a uma temperatura de 30 °C, o valor de E°´ para o sistema de
elétrons, que podem ser transportados em conjunto ou em eta- ácido ascórbico é +0,1362 volt.
pas consecutivas. Se dois estágios estão envolvidos, a curva de A riboflavina, vitamina B2, também está sujeita a um me-
titulação da oxidação mostra dois pontos de equivalência, e a canismo redox de acordo com a reação reversível (8-57).
curva é similar à de um ácido dibásico, como H2CO3, titulado A atividade dessa vitamina depende da quantidade rela-
com uma base forte como o NaOH. tiva do produto diidratado em uma formulação. Preparações
Quando n for grande, a reação de oxirredução pode ser secas de riboflavina são bastante estáveis. Contudo, a reação
lenta e a fem medida é questionável, porque um sistema verda- redox se torna significativa quando a vitamina for dissolvida
deiramente reversível não é atingido. Sob tais circunstâncias, em solução aquosa, especialmente em soluções alcalinas que
uma substância facilmente oxidada ou reduzida pode ser adi- são expostas à luz do sol. Tanto a riboflavina quanto o ácido
cionada para agir como um mediador de potencial. Íons Ti3+ e ascórbico têm a maior estabilidade, ou seja, a menor velocida-
I3– reagem de forma lenta entre si, exceto na presença de certos de de oxidação-redução, quando tamponados no lado ácido em
indicadores, atuando como mediadores que aceitam elétrons pH 5 e 6, respectivamente.
um a um do Ti3+ e os doam em pares ao íon triiodeto.20 Além do controle do pH, a oxidação ou redução pode
ser controlada pela adição de compostos que são oxidados
ou reduzidos com mais facilidade, respectivamente, do que o
Reações de oxidação-redução nas ciências fármaco em particular. Muitas vezes, antioxidantes são adi-
farmacêuticas cionados às formulações para evitar a oxidação de um fár-
maco específico. Os antioxidantes devem ser oxidados mais
Alguns compostos farmacêuticos são afetados de forma facilmente do que a substância que eles devem proteger. Em
significativa por oxidação e redução. Estes incluem ácido um sistema fechado, os agentes antioxidantes atuam como
220 P ATRICK J. S INKO

[SO4 2− ]
K(pH–7) =
[SO3 2− ][H3 O+ ]2
Se assumirmos que as diferenças entre as atividades e con-
centrações das diversas espécies são pequenas, o potencial de
oxidação do sulfito e a concentração podem ser substituídos em
uma versão levemente modificada da equação (8-50) resultando,
a 25 °C,
0 0592 [SO4 2− ]
E D = −E ◦ − log + 0 0592 log [H3 O+ ]
2 [SO3 2− ]
(8-57)
Riboflavina Em pH 7, [H3O+] = 10–7M, e se assumirmos que o termo
[SO42–] não deve exceder 10–7M, ou seja, que o nível de sulfato
está governado apenas pela disponibilidade dos íons hidróxido em
promover a reação (8-58), então
0 0592 10−7
E D = −E ◦ − log −2 + 0 0592 log(10−7 )
2 10
ou
E D = 0 93 + 0 15 − 0 41 = +0 67 volt
É interessante notar que se o termo [SO42–] se tornar maior, o
que ocorrerá à medida que a oxidação prosseguir, o segundo termo
do lado direito da equação se tornará menor, o que é consistente
com a diminuição no potencial de oxidação.
Para o ácido ascórbico, que é um ácido dibásico, o potencial
agentes redutores para eventualmente consumirem o oxigê- de redução, E°, a 25 °C é aproximadamente –0,383 volt. Uma vez
nio presente. Algumas vezes, é possível usar combinações que a oxidação do ácido ascórbico é similar à reação redox da hi-
de antioxidantes para aumentar sua eficácia. Antioxidantes droquinona, a equação (8-50) torna-se
típicos solúveis em água (hidrossolúveis) incluem bissulfito 0 0592 [Ox]
E D = −E ◦ − log − 0 0592 log[H3 O+ ]
de sódio, ácido ascórbico (usado aqui por causa de sua faci- 2 [Ácido ascórbico]
lidade em oxidar), sulfito de sódio, metabissulfito de sódio,
cloridrato de cisteína, ácido tioglicólico e dióxido de enxofre. Para [Ox], se obtém
Antioxidantes solúveis em óleo (lipossolúveis) incluem o pal- [Ox] = Ka [Red] [H3 O+ ]
mitato de ascorbila, o butil-hidroxianisol (BHA), o butil-hi-
Portanto
droxitolueno (BHT), lecitina, galato de propila, e α-tocoferol.
Os íons sulfito em solução aquosa sofrem oxidação de acordo [Ox] = 8 5 × 10−5 [10−3 ] 10−7 = 0 85
com a reação no equilíbrio e
SO3 2− 2OH− SO4 2− 2e− H2 O (8-58) 0 0592 (0 85)
E D = −E ◦ − log − 0 0592 log(10−7 )
Essa reação tem um potencial de redução, E°, de –0,93 2 10−3
= 0 383 − 0 087 + 0 414 = +0 710 volt
volt, o que é equivalente a um potencial-padrão de oxidação,
de acordo com o modo como a reação é escrita, de +0,93 volt. No início da oxidação, [Ox] deve ser pequeno quando com-
Os sulfito é um antioxidante útil para fármacos que sofrem rea- parado com [Red]. Se assumirmos que [Ox] é 10–7M, comparável
ções de oxidação-redução com potenciais de oxidação menos a [H3O+], então, antes que tenha ocorrido alguma oxidação signi-
positivos, ou seja, fármacos que são oxidados com menos fa- ficativa,
cilidade. 0 0592 10−7
E D = −E ◦ − log −3 − 0 0592 log(10−7 )
2 10
EXEMPLO 8-13 E D = 0 383 + 0 118 + 0 414 = +0 915 volt

O sulfito é um antioxidante efetivo? Tanto o valor de ED no início da oxidação quanto o valor no


–2 equilíbrio para o ácido ascórbico são maiores do que o ED para o
Uma solução contendo íons sulfito em uma concentração 10 M é
sulfito. Portanto, o sulfito não será efetivo como antioxidante sob
útil para prevenir a oxidação de ácido ascórbico 10–3M em solução
as condições dadas. Isso implica que, nas condições especificadas a
aquosa de pH 7 a 25 °C? A constante de acidez K1 para o ácido
25 °C, o ácido ascórbico é um agente redutor mais efetivo do que o
ascórbico a 25 °C é de 8,5 × 10–5. A constante K2 é insignificante e
sulfito e a oxidação do ácido ascórbico ocorrerá antes da do sulfito,
pode ser negligenciada.
Para a reação do sulfito, nas condições dadas. Para evitar a oxidação do ácido ascórbico, de-
vemos escolher algum outro componente e ajustar o pH a um valor
[SO4 2− ] mais ácido. Por exemplo, sabe-se que o dimercaptopropanol e vários
K=
[SO3 2− ][OH− ]2 agentes quelantes de metal reduzem a velocidade de oxidação do
Em condições de pH 7, as concentrações de OH– e H3O+ de- ácido ascórbico sob condições ácidas.22 Tais compostos são úteis em
vem ser iguais, de modo que aplicações farmacêuticas, desde que não sejam tóxicos.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 221

TABELA 8-6
POTENCIAIS-PADRÃO DE ALGUNS COMPOSTOS QUE SOFREM FACILMENTE REAÇÕES
REDOX *
E° (volt)
Potencial de redução Potencial de oxidação Estrutura

Epinefrina +0,808 −0,808

Adrenalona +0,909 −0,909

Pirogalol +0,713 −0,713

Catecol +0,792 −0,792

* De E.G. Ball and T.T. Chen, J. Biol. Chem. 102, 691, 1933.

Potenciais de oxidação-redução estão relacionados à estru- macêutica. Para uma discussão desses métodos que avançam ra-
tura química, como mostrado na Tabela 8-6 para alguns com- pidamente, referimos à literatura 28,29 e às referências fornecidas
postos hidroxiaromáticos. Quanto mais facilmente a forma re- a respeito da instrumentação eletroanalítica moderna.
duzida perder elétrons para gerar a forma oxidada, melhor será
a substância enquanto agente redutor. Assim, o pirogalol, com
seu potencial de oxidação de –0,713 volt, é mais facilmente Referências
oxidado, ou seja, é um melhor agente redutor do que o catecol, 1. C. D. Ferris, Introduction to Bioelectrodes, Plenum Press, New York,
com potencial de oxidação de –0,792 volt. A maior facilidade 1974, Capítulo 4.
de oxidação está relacionada ao grupo hidroxila adicional na 2. R. A. Durst, in Ion-Selective Electrodes in Analytical Chemistry, H.
molécula de pirogalol. Freiser, Ed., Plenum Press, New York, 1978, Capítulo 5; K. A. Connors,
Moore23 descreveu um sistema de fotooxidação que pode de- A Textbook of Pharmaceutical Analysis, 3rd Ed.,Wiley, NewYork, 1982,
terminar a eficiência relativa de um antioxidante. O sistema mede pp. 134–139.
a velocidade de uma reação-modelo de oxidação fotoquimica- 3. R. G. Bates, Determination of pH: Theory and Practice, Wiley, New
mente induzida, a oxidação do benzaldeído, após a adição de uma York, 1973; C. C. Westcott, pH Measurements, Academic Press, New
quantidade conhecida de um antioxidante. Esse método tem sido York, 1978; K. A. Connors, A Textbook of Pharmaceutical Analysis, 3rd
usado para determinar as eficiências de diversos compostos fenó- Ed., Wiley, New York, 1982, p. 123.
licos, com resultados que diferem um pouco daqueles da Tabela 4. G. A. Perley, Anal. Chem. 21, 394, 1949.
8-6. Por exemplo, registra-se que o catecol é um agente antioxi- 5. W. C. Purdy, Electroanalytical Methods in Biochemistry, McGraw-Hill,
dante mais eficiente que o pirogalol. Isso implica que a eficiência New York, 1965, Chapter 3.
5a. Chem. Eng. News, November 2, 1992.
relativa de um antioxidante depende do mecanismo específico de
6. R. G. Bates, Electrometric pH Determinations, Wiley, New York, 1964,
oxidação. Pesquisas adicionais com outros sistemas modelo po-
Capítulo 9.
dem ajudar a estabelecer as dependências relativas da eficiência
6a. U.S. Pharmacopeia, 22nd Ed., U.S. Pharmacopeial Convention,
como antioxidante em relação às condições de oxidação.
Rockville, Md., 1990, pp. 1598, 1599.
Diversos novos métodos e aparelhagens eletroquímicos têm 7. W. H. Thomas, J. Pharm. Pharmacol. 25, 27, 1973.
sido introduzidos na análise farmacêutica e alguns deles são 8. W. H. Thomas and R. McCormack, J. Pharm. Pharmacol. 23, 490, 1971.
úteis no estudo de sistemas redox. A transferência de elétrons 9. G. J. Moody and J. D. R. Thomas, in Ion-Selective Electrodes in
em reações redox pode, agora, ser medida pela voltametria (cor- Analytical Chemistry, H. Freiser, Ed., Plenum Press, New York, 1978,
rente plotada contra a voltagem), cronoamperometria (corrente Capítulo 12, p. 409.
plotada contra o tempo), técnicas de eletrodo rotatório e outras. 10. A. Albert and E. P. Serjeant, The Determination of Ionization Constants,
Estudos24–27 de atividade antitumoral, carcinogênese e ativida- 3rd Ed., Chapman and Hall, New York, 1984, Capítulo 2 e 3; K. A.
des antiviral e herbicida fornecem exemplos de aplicações de Connors, A Textbook of Pharmaceutical Analysis, 3rd Ed., Wiley, New
análises de oxirredução e voltametria na química analítica far- York, 1982, p. 139.
222 P ATRICK J. S INKO

11. L. Z. Benet and J. E. Goyan, J. Pharm. Sci. 56, 665, 1967. 22. K. A. Connors, G. L. Amidon and V. J. Stella, Chemical Stability of
12. M. E. Krahl, J. Phys. Chem. 44, 449, 1940. Pharmaceuticals, Wiley, New York, 1986, p. 217.
13. A. R. Hurwitz and S. T. Liu, J. Pharm. Sci. 66, 624, 1977. 23. D. E. Moore, J. Pharm. Sci. 65, 1447, 1976.
14. A. Albert and E. P. Serjeant, The Determination of Ionization Constants, 24. M. D. Ryan, R. G. Scamehorn, and P. Kovacic, J. Pharm. Sci. 74, 492, 1985.
3rd Ed., Chapman and Hall, London, 1984. 25. R. Kenley, S. E. Jackson, J. C. Martin, and G. C. Visor, J. Pharm. Sci. 74,
15. R. F. Cookson, Chem. Rev. 74, 5, 1974. 1082, 1985.
16. R. P. Buck, in Ion-Selective Electrodes in Analytical Chemistry, H. 26. M. M. Mossoba, M. Alizadeh, and P. L. Gutierrez, J. Pharm. Sci. 74,
Freiser, Ed., Plenum Press, New York, 1978, Capítulo 1, p. 83. 1249, 1985.
17. H. S. Harned and B. B. Owen, Chem. Rev. 25, 31, 1939. 27. P.W. Crawford,W. O. Foye, M. D. Ryan, and P. Kovacic, J. Pharm. Sci.
18. R. L. McCreery, J. Pharm. Sci. 66, 357, 1977. 76, 481, 1987.
19. G. Marzullo and B. Hine, Science 208, 1171, 1980. 28. R. N. Adams, J. Pharm. Sci. 58, 1171, 1969.
20. P. A. Schaffer, J. Phys. Chem. 40, 1021, 1936. 29. R. V. Smith and J. T. Stewart, Textbook of Biopharmaceutic Analysis, Lea
21. E. G. Ball, J. Biol. Chem. 118, 219, 757, 1937. & Febiger, Philadelphia, 1981, Capítulo 8.
9
9 SOLUÇÕES ISOTÔNICAS E
TAMPONADAS
EQUAÇÃO DO TAMPÃO* TAMPÕES EM SISTEMAS FARMACÊUTICOS E
Efeito do íon comum e equação do tampão para BIOLÓGICOS
ácidos fracos e seus sais Sistemas tamponantes biológicos in vivo
Equação do tampão para bases fracas e seus sais Urina
Coeficientes de atividade e equação do tampão Tampões de uso farmacêutico
Alguns fatores que afetam o pH de soluções Preparação de soluções tamponantes de uso
tamponantes farmacêutico
Fármacos como tampões Influência da capacidade tamponante e do pH na
Indicadores de pH irritação tissular
Estabilidade versus resposta terapêutica ótima
CAPACIDADE TAMPONANTE
pH e solubilidade
Cálculo aproximado da capacidade tamponante
Uma equação mais exata para a capacidade SOLUÇÕES ISOTÔNICAS TAMPONADAS
tamponante Medição da tonicidade
Influência da concentração sobre a capacidade Cálculo da tonicidade mediante uso de valores Liso
tamponante
MÉTODOS DE AJUSTE DA TONICIDADE E DO
Capacidade tamponante máxima
pH
Curvas de neutralização e capacidade tamponante
Métodos da Classe I
Métodos da Classe II

Ao concluir este capítulo, o de ácido ou de base. A resistência à alteração do pH é denomi-


OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: nada ação tamponante. Segundo Roos e Borm1, Koppel e Spiro
publicaram o primeiro documento sobre a ação tamponante em
1 Compreender o efeito do íon comum. 1914, ao mesmo tempo em que sugeriram uma série de aplica-
2 Compreender a relação entre pH, pKa e ionização de áci- ções, as quais, mais tarde, foram elaboradas por Van Slyke.2
dos fracos e de bases fracas. Quando uma pequena quantidade de ácido forte ou de base
3 Aplicar a equação do tampão, também denominada equa- forte é adicionada à água ou a uma solução de cloreto de sódio,
ção de Henderson-Hasselbalch, para ácidos e bases fracas o pH é alterado consideravelmente. Tais sistemas não possuem
e seus sais. qualquer ação tamponante.
4 Compreender a relação entre coeficientes de atividade e a
equação do tampão.
5 Discutir os fatores que influenciam no pH de soluções
tamponadas. EQUAÇÃO DO TAMPÃO
6 Compreender o conceito e ser capaz de calcular a capaci-
dade tamponante. Efeito do íon comum e equação do tampão para
7 Descrever a influência da concentração sobre a capacidade ácidos fracos e seus sais
tamponante.
8 Discutir a relação entre capacidade tamponante, pH e irri- O pH de uma solução tamponada e a variação de pH decorren-
tação tissular. te da adição de ácidos ou bases podem ser calculados mediante
9 Descrever a relação entre pH e solubilidade. a equação do tampão. Essa expressão considera o efeito de
10 Descrever o conceito de tonicidade e a sua importância em um sal sobre a ionização de um ácido fraco, quando ambos
sistemas farmacêuticos. possuem um íon em comum.
Por exemplo, quando acetato de sódio é adicionado ao áci-
11 Calcular a tonicidade de soluções e os ajustes de tonicidade.
do acético, a constante de dissociação para o ácido fraco,
Substâncias tamponantes são substâncias ou misturas de [H3 O ][Ac− ]
substâncias que, quando presentes em uma solução, opõem resis- Ka 1 75 × 10−5
[HAc] (9-3)
tência à alteração do pH após a adição de pequenas quantidades
sofre uma perturbação momentânea, uma vez que o íon acetato
* N. de T.: Foi mantido o termo Equação do tampão visando maior fide- fornecido aumenta o termo [Ac–] no numerador da equação.
dignidade ao texto original, embora a expressão equação de Henderson- Para restabelecer a constante Ka para 1,75 × 10–5, o termo re-
Hasselbach seja mais familiar em nosso meio. ferente ao íon hidrogênio no numerador [H3O+] diminuirá ins-
224 P ATRICK J. S INKO

EXEMPLO 9-1
CONCEITO O QUE É UM TAMPÃO? Cálculo de pH
Qual o pH de uma solução 0,1 M de ácido acético, pKa = 4,76? Qual
A combinação de um ácido fra- pH, porque a base Ac– segura os o pH resultante após a adição de acetato de sódio em quantidade
co e de sua base conjugada (ou íons hidrogênio de acordo com a suficiente para conseguir uma solução 0,1 M em relação a esse sal?
seja, seu sal) ou de uma base equação: O pH da solução de ácido acético é calculado mediante a for-
fraca e de seu ácido conjugado Ac− H3 O HAc H2 O
ma logarítmica da equação (7-102):
age como um tampão. Se 1 mL (9-1)
de uma solução 0,1N de HCl é Se uma base forte, como hidróxi- 1 1
pH = pKa − log c
adicionado à água pura, o pH do de sódio, é adicionada à mis- 2 2
é reduzido de 7 para 3. Se um tura tamponante, o ácido acético pH = 2 38 + 0 50 = 2 88
ácido forte é adicionado a uma neutraliza os íons hidroxila da
O pH da solução-tampão contendo ácido acético e acetato de
solução 0,01 M contendo quan- seguinte forma:
HAc OH− H2 O Ac− sódio é determinado utilizando-se a equação (9-8):
tidades iguais de ácido acético e
acetato de sódio, a variação do (9-2) 01
pH = 4 76 + log = 4 76
pH é de apenas 0,09 unidades de 01

Como se depreende do Exemplo 9-1, o pH da solução de ácido


acético aumentou em quase duas unidades de pH, ou seja, a acidez
foi reduzida para aproximadamente um centésimo do seu valor
tantaneamente, acompanhado de um aumento correspondente original pela adição de uma concentração igual de um sal conten-
em [HAc]. Assim, a constante Ka permanece inalterada e o do um íon comum. Esse exemplo reforça a afirmação relativa à
equilíbrio é deslocado no sentido dos reagentes. Conseqüente- supressão da ionização pela adição de um íon comum.
mente, a ionização do ácido acético, Algumas vezes se deseja conhecer a razão Sal/Ácido com a
HAc H2 O H3 O Ac− (9-4) finalidade de preparar um tampão com pH definido. O exemplo a
seguir demonstra o cálculo requerido nesse tipo de problema.
é reprimida sob adição do íon comum, Ac–. Esse é um exemplo
do efeito do íon comum. O pH da solução final é obtido median-
EXEMPLO 9-2
te rearranjo da expressão de equilíbrio para o ácido acético:
[HAc] pH e razão [sal] / [ácido]
[H3 O ] Ka (9-5)
[Ac− ] Qual é a razão molar, [Sal] / [Ácido], necessária para preparar um
tampão de acetato com pH 5,0? Expresse também o resultado em
Se o ácido é fraco e ioniza apenas ligeiramente, a expres- mol por cento.
são [HAc] pode ser considerada como sendo a concentração [Sal]
total do ácido, passando a ser escrita apenas como [Ácido]. 5 0 = 4 76 + log
[Ácido]
Na solução ácida levemente ionizada, pode-se considerar que a
[Sal]
concentração de acetato [Ac–] procede integralmente do sal, o log = 5 0 − 4 76 = 0 24
[Ácido]
acetato de sódio. Uma vez que 1 mol de acetato de sódio gera
1 mol de íon acetato, [Ac–] é igual à concentração total do sal e [Sal]
= antilog 0 24 = 1 74
pode ser substituída pelo termo [Sal]. Dessa forma, a equação [Ácido]
(9-5) passa a ser escrita como:
Assim, a razão molar Sal/Ácido é 1,74/1. Mol por cento é igual
[Ácido] á fração molar multiplicada por 100. A fração molar do sal con-
[H3 O ] Ka (9-6)
[Sal] tida na mistura sal e ácido é igual a 1,74/ (1+1,74) = 0,635, que,
expressa em mol por cento, resulta em 63,5%.
A equação (9-6) pode ser expressa na forma logarítmica,
com o sinal invertido, como:
− log [H3 O ] log Ka − log [Ácido] log [Sal] (9-7) Equação do tampão para bases fracas e seus sais
a partir da qual se deriva a expressão denominada equação do Normalmente, as soluções tamponantes não são preparadas a
tampão ou equação de Henderson-Hasselbalch para um ácido partir de bases fracas e seus sais por causa da volatilidade e insta-
fraco e seu sal: bilidade desse tipo de base, assim como pela dependência do pH
[Sal] em relação ao pKw, que freqüentemente é afetado pela variação
pH pKa log (9-8)
[Ácido] da temperatura. Contudo, soluções farmacêuticas – por exemplo,
A razão [Ácido]/[Sal] na equação (9-6) foi invertida me- uma solução de efedrina base e de cloridrato de efedrina – con-
diante aplicação de logaritmos em (9-7), fato pelo qual aparece têm com freqüência combinações de bases fracas e seus sais.
na equação (9-8) como [Sal]/[Ácido]. O termo pKa, o logaritmo A equação do tampão para soluções de bases fracas e seus
negativo de Ka, é denominado expoente de dissociação (p. 186). sais correspondentes pode ser derivada de forma análoga à
A equação-tampão é importante na preparação de solu- equação para tampões de ácidos fracos. Logo,
[Base]
ções tamponadas de uso farmacêutico, sendo adequada para [OH− ] K b (9-9)
cálculos na faixa de pH de 4 a 10. [Sal]
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 225

e, utilizando a relação [OH–] = Kw / [H3O+], se obtém a equa- (a) √


ção do tampão: 0 10 0 5 0 10
pH = 3 75 + log − √
[Base] 0 05 1 + 0 10
pH pK w − pK b log (9-10)
[Sal] = 3 93
(b)
0 10
EXEMPLO 9-3 pH = 3 75 + log = 4 05
0 05
Aplicação da equação do tampão
Qual o pH de uma solução que contém 0,10 móis de efedrina e
0,01 móis de cloridrato de efedrina por litro de solução? O pKb da Alguns fatores que afetam o pH de soluções
efedrina é 4,64. Teremos, então: tamponantes
0 10
pH = 14 00 − 4 64 + log A adição de sais neutros a tampões modifica o pH ao alterar
0 01
também a força iônica, conforme mostra a equação (9-13). Al-
pH = 9 36 + log 10 = 10 36
terações na força iônica, e conseqüentemente no pH de uma
solução-tampão, também podem ser causadas pela diluição. A
adição de água em quantidades moderadas, ainda que não con-
Coeficientes de atividade e equação do tampão siga modificar o pH, pode gerar pequenos desvios, negativos ou
positivos, ao alterar os coeficientes de atividade ou pelo fato dela
Uma abordagem mais exata dos tampões começa pela substi- própria poder atuar como ácido fraco ou como base fraca. Bates3
tuição das concentrações pelas atividades de um ácido fraco expressou esse conceito quantitativamente em termos de índi-
no equilíbrio: ce de diluição, que corresponde à variação do pH decorrente da
aH3 O aAc− (γH3 O cH3 O ) × (γAc− cAc− ) diluição da solução-tampão até a metade da sua força original.
Ka (9-11)
aHAc γHAc cHAc Alguns índices de diluição para tampões do National Bureau of
Standards são dados na Tabela 9-1. Um índice de diluição po-
A atividade de cada uma das espécies está escrita como o sitivo significa que o pH aumenta com a diluição e um índice
coeficiente de atividade multiplicado pela concentração molar. negativo significa que o pH diminui com a diluição do tampão.
O coeficiente de atividade do ácido na forma não-dissociada, A temperatura também afeta os tampões. Kolthoff e
γHAc é, essencialmente, igual a 1 e pode ser omitido da equa- Tekelenburg4 determinaram o coeficiente de temperatura do
ção. Resolvendo a equação para a atividade do íon hidrogênio pH, ou seja, a variação do pH com a temperatura, para um
e tendo definido pH como –log aH3O+, obtém-se a equação: número considerável de tampões. Foi observado que o pH dos
cHAc tampões de acetato aumenta com a temperatura, enquanto que
a H3 O γH3 O × cH3 O Ka (9-12) o pH dos tampões ácido bórico-borato de sódio diminui com
γAc− cAc−
a mesma. Embora o coeficiente de temperatura observado
[Sal] para tampões ácidos tenha sido relativamente pequeno, o pH
pH pKa log log γAc− (9-13)
[Ácido] da maioria dos tampões alcalinos mostrou alterar-se de forma
mais acentuada com a temperatura; isso é devido ao Kw, que
A partir da expressão de Debye-Hückel [equação (6-59)] aparece na equação para tampões alcalinos e varia de modo
para a solução aquosa de um íon univalente a 25 °C e cuja for- significativo com a temperatura. Bates3 faz referência a diver-
ça iônica não seja maior do que 0,1 ou 0,2, aproximadamente, sos tampões alcalinos que apresentam apenas uma pequena
pode-se escrever: √ alteração de pH com a temperatura e que, por isso, podem ser
−0 5 μ utilizados na faixa de pH de 7 a 9. Os coeficientes de tempe-
log γAc− √
1 μ ratura para o eletrodo de calomelano podem ser encontrados
em Bates3 e na Tabela 10-10.
Assim, a equação (9-13) se transforma em:

[Sal] 05 μ
pH pKa log − √ (9-14)
[Ácido] 1 μ
TABELA 9-1
A equação geral para tampões de ácidos polipróticos será: CAPACIDADE TAMPONANTE DE SOLUÇÕES CONTENDO

[Sal] A(2n − 1) μ QUANTIDADES EQUIMOLARES (0,1 M) DE ÁCIDO ACÉTICO E
pH pK n log − √ (9-15)
[Ácido] 1 μ ACETATO DE SÓDIO
onde n é a etapa de ionização. Móis de NaOH pH da Capacidade
adicionados solução tamponante, β
EXEMPLO 9-4 0 4,76
0,01 4,85 0,11
Coeficientes de atividade e tampões 0,02 4,94 0,11
Um tampão contém 0,05 mol/litro de ácido fórmico e 0,10 mol/ 0,03 5,03 0,11
litro de formiato de sódio. O pKa do ácido fórmico é 3,75. A força 0,04 5,13 0,10
0,05 5,24 0,09
iônica da solução é 0,10. Calcular o pH (a) com e (b) sem conside-
0,06 5,36 0,08
rar a correção usando os coeficientes de atividade.
226 P ATRICK J. S INKO

Fármacos como tampões De forma simplificada, a dissociação de um indicador áci-


do é representada como:
É importante reconhecer que as soluções de fármacos que são
eletrólitos fracos também manifestam ação tamponante. A so- HIn H2 O H3 O In−
lução de ácido salicílico contida em um frasco de vidro de so- Ácido1 Base2 Ácido 2 Base1 (9-16)
(Cor ácido ) (Cor alcalino)
da-lima é influenciada pela alcalinidade desse vidro. É possível
pensar, em um primeiro momento, que a reação viria a resultar A expressão do estado de equilíbrio é:
em um aumento apreciável do pH. Contudo, os íons sódio pro-
cedentes do vidro se combinam com íons salicilato formando [H3 O ][In− ]
K In (9-17)
salicilato de sódio. Disso surge uma solução de ácido salicílico e [HIn]
salicilato de sódio, uma solução-tampão que resiste às variações
de pH. De forma análoga, a solução de efedrina-base manifesta Onde HIn representa a forma não-ionizada do indicador,
uma proteção tamponante natural frente a diminuições do pH. Se que é responsável pela cor em meio ácido; In– é a forma ioni-
for adicionado ácido clorídrico à solução de efedrina-base, have- zada, que produz a coloração em meio alcalino. KIn é denomi-
rá a formação de cloridrato de efedrina e, como resultado disso, nada constante do indicador. Quando um ácido é adicionado
também a formação de um sistema tamponante de efedrina e à solução do indicador, a concentração de íon hidrogênio do
cloridrato de efedrina. Esse sistema será capaz de resistir a gran- lado direito da equação (9-16) é aumentada e a ionização passa
des variações de pH, até que a efedrina-base seja esgotada pela a ser reprimida pelo efeito do íon comum. O indicador está,
reação com o ácido. Conseqüentemente, um fármaco em solução então, predominantemente, como HIn, com a cor própria do
pode, muitas vezes, atuar como o seu próprio tampão sobre uma meio ácido. Quando uma base é adicionada, o termo [H3O+]
determinada faixa de pH. Uma ação tamponante dessa natureza é diminuído pela reação do ácido com a base. Assim, a reação
é, de modo geral, fraca demais para se sobrepor às variações de (9-16) tende para o lado direito, fornecendo mais indicador na
pH ocasionadas pelo dióxido de carbono do ar e pela alcalinida- forma ionizada In–, fazendo com que predomine a cor própria
de do vidro. Em função disso, tampões adicionais são freqüente- do meio alcalino. Logo, a cor de um indicador ocorre em fun-
mente adicionados a soluções de fármacos para manter o sistema ção do pH da solução. Diversos indicadores e suas úteis faixas
dentro de determinados valores de pH. A medida quantitativa da
de pH estão listados na Tabela 9-2.
eficiência ou capacidade de um tampão em resistir a variações de
pH será discutida em uma seção posterior. A expressão do estado de equilíbrio (9-16) pode ser tra-
tada de modo similar a um tampão constituído por um ácido
fraco e seu sal, ou sua base conjugada. Portanto,
Indicadores de pH [HIn]
[H3 O ] K In − (9-18)
Indicadores podem ser considerados como ácidos fracos ou ba- [In ]
ses fracas que atuam de maneira semelhante a tampões e tam- e, uma vez que [HIn] representa a coloração do indicador em
bém apresentam variações de cor, na medida em que seu grau meio ácido e [In–] a da sua base conjugada, ambos os termos
de dissociação varia com o pH. Por exemplo, o vermelho de podem ser substituídos pelas expressões de concentração [Áci-
metila mostra plena coloração amarela em meio alcalino, em do] e [Base]. A expressão para o pH, como se deriva da equa-
pH próximo a 6, e plena coloração vermelha em meio ácido, ção (9-18), passa a ser:
em pH próximo a 4. Em função disso, os indicadores oferecem
um método alternativo bastante conveniente às técnicas eletro- [Base]
pH pK In log (9-19)
métricas de determinação do pH de soluções (Capítulo 8). [Ácido]

TABELA 9-2
COR, pH E CONSTANTE DE INDICADOR, PKIn, DE ALGUNS DOS INDICADORES MAIS COMUNS

Cor
Indicador Ácido Base Faixa de pH pKIn
Azul de timol (meio ácido) vermelho amarelo 1,2-2,8 1,5
Violeta de metila azul violeta 1,5-3,2 —
Alaranjado de metila vermelho amarelo 3,1-4,4 3,7
Verde de bromocresol amarelo azul 3,8-5,4 4,7
Vermelho de metila vermelho amarelo 4,2-6,2 5,1
Bromocresol púrpura amarelo púrpura 5,2-6,8 6,3
Azul de bromotimol amarelo azul 6,0-7,6 7,0
Vermelho de fenila amarelo vermelho 6,8-8,4 7,9
Cresol vermelho amarelo vermelho 7,2-8,8 8,3
Azul de timol (meio alcalino) amarelo azul 8,0-9,6 8,9
Fenolftaleína incolor vermelho 8,3-10,0 9,4
Amarelo de alizarina amarelo lilás 10,0-12,0 —
Índigo carmim azul amarelo 11,6-14 —
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 227

EXEMPLO 9-5 ser utilizadas tiras indicadoras de papel, previamente em-


bebidas em uma solução indicadora universal.
Calcular o pH
Um indicador, vermelho de metila, está presente na forma iônica (b) Escolher uma série de soluções tamponantes de Clark-
In– na concentração de 3,20 × 10–3M, e na sua forma molecular, Lubs, como as modificadas por Bower e Bates7, que di-
HIn, na concentração de 6,78 × 10–3M, em meio aquoso a 25 °C. firam em 0,2 unidades de pH e incluam o valor de pH
Conforme consta na Tabela 9-2, o seu valor de pKIn é 5,1. Qual é o da solução desconhecida. Adicionar a cada amostra de
pH da solução? Fazendo o cálculo, temos que: tampão e à solução desconhecida, colocadas em tubos de
ensaios separados, algumas gotas de indicador com pKIn
3 20 × 10−3 aproximadamente igual ao pH da solução desconhecida,
pH = 5 1 + log = 4 77
6 78 × 10−3 de modo que as amostras venham a ter alteração de cor
dentro da faixa de pH em questão.
Enquanto um tampão apresenta sua eficiência máxima (c) Comparar as cores das soluções tamponantes com pH co-
quando pH = pKa, um indicador exibe sua tonalidade intermédia nhecido com a cor da solução desconhecida, o que, con-
quando a razão [Base]/[Ácido] = 1 e o pH = pKIn. A faixa mais seqüentemente, permitirá determinar o pH com uma mar-
eficiente do indicador corresponde ao intervalo de tamponamen- gem de variação de 0,1 unidades.
to efetivo e está em torno de duas unidades de pH, ou seja, pKIn
± 1. O motivo dessa amplitude na sua faixa de coloração pode Também podem ser utilizados papeis indicadores para fai-
ser explicado da seguinte maneira. A experiência mostra que é xas estreitas de pH, de forma similar à descrita para a solução
impossível discernir uma variação da cor da forma ácida para a de indicador, comparando-se a cor obtida quando uma gota da
cor da forma de sal, ou da base conjugada, até que a proporção solução tamponante e da solução desconhecida são adiciona-
entre [Base] e [Ácido] seja próxima de 1 para 10. Isso significa das a tiras de papel colocadas uma ao lado da outra.
que deverá haver, pelo menos, uma parte da forma básica para Goyan e Coutsouris8 concluíram que é possível contem-
cada dez partes da forma ácida para que o olho passe a discernir plar uma faixa de pH de 4 a 8 fazendo uso de apenas três indi-
essa diferença da cor ácida para a alcalina. O valor de pH no qual cadores: verde de bromocresol, azul de bromotimol e azul de
essa variação se torna perceptível é dado pela equação: timol. Maiores detalhes sobre esse método podem ser encon-
1 trados no artigo original.
pH pK In log pK In − 1 (9-20) Em relação ao método colorimétrico, cabe uma nota de ad-
10
vertência. Uma vez que os indicadores por si próprios são de
Pelo contrário, o olho não pode diferenciar uma variação de natureza ácida (ou alcalina), a sua adição a soluções não-tam-
cor da forma alcalina para a forma ácida até que a razão [Base]/ ponadas, cujo pH se quer determinar, pode causar a variação do
[Ácido] seja próxima de 10 para 1, ou: pH das mesmas. Por causa disso, o método colorimétrico não é
10 aplicável à determinação de pH de uma solução de cloreto de
pH pK In log pK In 1 (9-21) sódio ou de qualquer outra preparação farmacêutica igualmente
1
não-tamponada, a menos que sejam tomadas precauções espe-
Por essa razão, quando uma base é adicionada a uma solução ciais no momento da determinação. Porém, algumas soluções
de um tampão na sua forma ácida, o olho visualiza, primeira- medicamentosas e veículos de uso farmacêutico, aos quais não
mente, uma alteração de cor no ponto pKIn – 1; essa variação tenha sido adicionado um tampão, apresentam ação tamponante
de cor passa despercebida para qualquer ponto além de pKIn pela própria presença do fármaco e podem resistir à adição do in-
+ 1. A faixa efetiva de um indicador entre as cores plenas nos dicador sem que haja variação de pH. A presença de sais e de pro-
meios ácido e alcalino pode ser expressa como: teína também pode causar erros na determinação, os quais devem
pH pK In ± 1 (9-22) ser identificados para cada indicador, na faixa de pH em questão.
Da mesma forma que tampões podem ser misturados para
abranger uma ampla faixa de pH, alguns indicadores também
podem ser combinados para obter os denominados indicado- CAPACIDADE TAMPONANTE
res universais. O Merck Index sugere um desses indicadores
universais, que é constituído por uma mistura de amarelo de
metila, vermelho de metila, azul de bromotimol, azul de timol Até aqui, foi estabelecido que um tampão resiste à variação
e fenolftaleína, que cobre uma faixa de pH de 1 a 11. de pH de uma solução ocasionada pela adição de um ácido
O método colorimétrico para a determinação de pH é, pro- forte, uma base forte ou outras substâncias que possam alte-
vavelmente, menos preciso e conveniente, contudo, é mais barato rar a concentração de íon hidrogênio. Além disso, foi visto, de
do que o eletrométrico. Pode ser utilizado na determinação do pH uma maneira sobretudo qualitativa, como a ação tamponante
de soluções aquosas incolores ou que não são turvas e é particu- se manifesta em combinações de ácidos fracos e bases fracas,
larmente útil no estudo das reações ácido-base em soluções não- juntamente com seus respectivos sais. Resta, agora, abordar a
aquosas. Os detalhes desse método são descritos por Kolthoff e resistência à variação de pH de uma forma mais quantitativa.
Rosenblum.5 Wyss6 discutiu a determinação do pH de soluções A magnitude da resistência de um tampão à variação de
de uso preconizado no laboratório. De forma geral, a determina- pH é referida como capacidade tamponante, β. Também re-
ção colorimétrica do pH compreende as seguintes etapas: cebe os nomes de eficiência tamponante e valor ou índice de
tamponamento. Koppel e Spiro1, assim como van Slyke2, in-
(a) Determinar o pH aproximado de uma solução adicionando troduziram o conceito de capacidade tamponante, definindo-o
algumas gotas de um indicador universal. Também podem como a razão entre o incremento de uma base forte (ou de um
228 P ATRICK J. S INKO

ácido forte) e a pequena variação de pH ocasionada pelo mes- nam reservas alcalinas e ácidas também maiores. O efeito da
mo. Para a presente discussão, pode ser utilizada a seguinte concentração na capacidade tamponante é tratado após a dis-
equação de cálculo aproximado: cussão da equação de van Slyke.
B
β (9-23)
pH Uma equação mais exata para a capacidade
onde Δ tem o significado usual, ou seja, uma variação finita, e tamponante
ΔB é o menor incremento, em equivalente-grama/litro, de base
forte adicionada à solução tampão que é capaz de provocar uma A capacidade tamponante calculada a partir da equação (9-23)
variação de pH igual a ΔpH. Segundo a equação (9-23), a capaci- é apenas aproximada. Esta fornece uma capacidade tamponan-
dade tamponante de uma solução assume o valor 1 quando a adi- te média perante um incremento de base adicionada. Koppel e
ção de 1 Eq-grama de base forte (ou de ácido forte) a um litro de Spiro,1 assim como van Slyke,2 desenvolveram a equação mais
solução tamponante resulta na variação de uma unidade de pH. exata,
O significado deste índice pode ser melhor apreciado quando Ka [H3 O ]
aplicado ao cálculo da capacidade de uma solução tamponante. β 2 3C (9-27)
(Ka [H3 O ])2
onde C representa a concentração total de tamponante, ou seja,
Cálculo aproximado da capacidade tamponante a soma das concentrações molares do ácido e do sal. A equa-
ção (9-27) nos permite calcular a capacidade tamponante para
Considere um tampão de acetato contendo 0,1 móis de ácido
acético e 0,1 móis de acetato de sódio em um litro de solução. qualquer concentração de íon hidrogênio – por exemplo, no
A essa solução são adicionadas porções de 0,01 móis de hidró- ponto no qual nenhum ácido ou base tenham sido adicionados
xido de sódio. Quando a primeira porção de hidróxido de sódio ainda ao tampão.
é adicionada, a concentração de acetato de sódio (correspon-
dente ao termo [Sal] da equação do tampão) aumenta em 0,01 EXEMPLO 9-6
móis/litro e a concentração de ácido acético [Ácido] diminui
na mesma proporção. Isso ocorre porque cada incremento de Calcular a capacidade tamponante
base converte 0,01 móis de ácido acético em 0,01 móis de ace- Para uma concentração de íon hidrogênio de 1,75 × 10–5 (pH =
tato de sódio, segundo a equação: 4,76), qual é a capacidade tamponante de um tampão que contém
HAc NaOH NaAc H2 O 0,10 móis de ácido acético e de acetato de sódio por litro de solu-
(0,1 − 0,01) (0,01) (0,1 0,01)
(9-24) ção? A concentração total, C = [Ácido] + [Sal] é igual a 0,20 mol/
litro; a constante de dissociação é 1,75 × 10–5. Logo, temos que:
As variações nas concentrações do sal e do ácido devido
à adição de base estão implícitas na equação do tampão (9-8) 2 3 × 0 20 × (1 75 × 10−5 ) × (1 75 × 10−5 )
β=
utilizada na forma modificada: [(1 75 × 10−5 ) + (1 75 × 10−5 )]2
[Sal] [Base] = 0 115
pH pKa log (9-25)
[Ácido]−[Base]
Antes da adição da primeira porção de hidróxido de sódio, EXEMPLO 9-7
o pH da solução tampão é: Capacidade tamponante e pH
01 0
pH 4 76 log 4 76 (9-26) Preparar uma solução tamponante com pH 5,00, com uma ca-
01−0 pacidade de 0,02. As etapas para a solução do problema são as
Os resultados da adição continuada de hidróxido de só- seguintes:
dio são mostrados na Tabela 9-1. O estudante poderá verificar (a) Escolher um ácido fraco que possua um valor de pKa próxi-
os valores de pH e das capacidades tamponantes aplicando as mo ao pH requerido. Nesse caso, o ácido acético, com um pKa
equações (9-25) e (9-23), respectivamente. = 4,76, é apropriado.
Como se pode ver na Tabela 9-1, a capacidade tampo- (b) A razão Sal/Ácido para produzir um pH de 5,00 foi calculada
nante não é um valor fixo para um dado sistema tamponante no Exemplo 9-2 como sendo [Sal]/[Ácido] = 1,74/1.
mas, ao contrário, depende da quantidade de base adicionada. (c) Utilizar a equação da capacidade tamponante (9-27) para ob-
A capacidade tamponante muda na proporção em que a ra- ter a concentração total de tampão, C = [Sal]+[Ácido]:
zão log ([Sal]/[Ácido]) aumenta pela adição de base. Com a
adição de mais hidróxido de sódio, a capacidade tamponante (1 75 × 10−5 ) × (1 × 10−5 )
0 02 = 2 3C
diminui rapidamente e, quando uma quantidade suficiente de [(1 75 × 10−5 ) + (1 × 10−5 )]2
base adicionada converte completamente o ácido acético em C = 3 75 × 10−2 mol litro
íon sódio e acetato, a solução passa a não ter mais a sua reser-
va de ácido. O tampão possui sua capacidade máxima antes (d) Finalmente, de (b) obtemos [Sal] = 1,74 × [Ácido], e de (c),
da adição de qualquer base quando a razão [Sal]/[Ácido] = C = (1 74 × [Ácido]) + [Ácido]
1 e, portanto, de acordo com a equação (9-8), pH = pKa. A
= 3 75 × 10−2 mol litro
capacidade tamponante também é afetada pelo aumento da
concentração total dos componentes do tampão, obviamente Logo,
porque concentrações maiores de sal e de ácido proporcio- [Ácido] = 1 37 × 10−2 mol litro
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 229

e βmax = 0 576 × 0 020


[Sal] = 1 74 × [Ácido] = 0 01152 ou 0 012
= 2 38 × 10−2 mol litro

Curvas de neutralização e capacidade tamponante


Influência da concentração sobre a capacidade
A análise das curvas de titulação de ácidos fortes e fracos, quando
tamponante misturados com quantidades crescentes de álcalis, permite uma
A capacidade tamponante é afetada não somente pela razão melhor compreensão da capacidade tamponante. A reação entre
[Sal]/[Ácido] mas também pelas concentrações totais de ácido um equivalente de um ácido e um equivalente de uma base é o
e de base. Conforme é mostrado na Tabela 9-1, quando 0,01 que denominamos neutralização, a qual pode ser expressa fazen-
mol de base é adicionado a um tampão de acetato 0,1 M, o pH do uso do método de Brönsted e Lowry. A neutralização de um
aumenta de 4,76 para 4,85, com um ΔpH de 0,09. ácido forte por uma base forte e de um ácido fraco por uma base
Quando as concentrações de ácido acético e de acetato de forte, conforme foi explicado no Capítulo 7, é expressa como:
sódio são aumentadas para 1 M, o pH da solução tampão origi- Ácido1 Base2 Ácido 2 Base1
nal permanece em 4,76, aproximadamente. Contudo, a adição H3 O (Cl− ) (Na )OH− H2 O H2 O Na Cl−
de 0,01 mol de base aumenta-o para 4,77, com um ΔpH de
apenas 0,01. O cálculo correspondente, sem considerar o coe- HAc (Na )OH− H2 O (Na )Ac−
ficiente de atividade, será:
onde H3O+(Cl–) é a forma hidratada do HCl em água.
1 0 0 01 A neutralização de um ácido forte por uma base forte envolve
pH 4 76 log 4 77 (9-28)
1 0 − 0 01 simplesmente a reação entre os íons hidrônio e hidroxila, sen-
Assim, o aumento da concentração dos componentes do do escrita usualmente como:
tampão resulta no fortalecimento da capacidade ou eficiência H3 O OH− 2H2 O (9-30)
tamponante. Essa conclusão é também evidente na equação
(9-27), onde um incremento na concentração total do tampão, Uma vez que (Cl–) e (Na+) aparecem em ambos os lados
C = [Sal] + [Ácido] resulta, necessariamente, em um valor de da reação, estes podem ser desconsiderados sem afetar o re-
β maior. sultado. A reação entre um ácido forte e uma base forte ocorre
quase que de forma completa; porém, ácidos fracos e bases
fortes reagem de forma incompleta, dado que o Ac– reage em
Capacidade tamponante máxima parte com a água, que, em outras palavras, sofre hidrólise rege-
nerando o ácido livre.
A partir da equação (9-27) de Koppel e Spiro1 e de van Slyke2, A neutralização de 10 mL de HCl 0,1 N (curva I) e de 10
é possível derivar uma equação que expresse a capacidade mL de ácido acético 0,1 N (curva II) pelo NaOH 0,1 N está
tamponante máxima. A capacidade tamponante máxima ocorre representada na Figura 9-1. O gráfico pH versus mililitros de
quando pH = pKa ou, em termos equivalentes, quando [H3O+] NaOH adicionado gera a curva de titulação.
= Ka. Substituindo [H3O+] por Ka, tanto no numerador quanto
no denominador da equação (9-27), obtemos:
[H3 O ]2 2 303
βmax 2 303C 2
C 14
(2[H3 O ]) 4
βmax 0 576C (9-29)
12
onde C refere-se à concentração de tampão total.
Excesso de base
EXEMPLO 9-8 10

Capacidade tamponante máxima Sal


8
Qual é a capacidade tamponante máxima de um tampão de acetato
pH

que possui concentração total de 0,020 mol/litro? Temos que:


6 Curva II
HAc
4 Região
Tamponante
CONCEITO CAPACIDADE TAMPONANTE Curva I
2
HCl
A capacidade a tamponante de- das concentrações individuais
pende de: (a) o valor da razão dos componentes do tampão, 0
[Sal]/[Ácido], que aumenta à me- tornando-se mais eficiente quan- 0 5 10 15 20
dida que esta razão se aproxima do as concentrações de sal e de Mililitros de NaOH 0,1 N
da unidade, e (b) a magnitude ácido são aumentadas. Figura 9-1 Neutralização de um ácido forte e um ácido fraco por uma base
forte.
230 P ATRICK J. S INKO

Para HCl, esse gráfico é explicado da seguinte forma. Antes pH 1


2 pKa − 12 log c
da primeira adição de NaOH, a concentração de íon hidrogênio
2 38 − 12 log 10−1 2 88
da solução de HCl 0,1 N corresponde a 10–1 mol/litro, e o pH
vale 1, sem levar em conta as atividades iônicas e assumindo
que o HCl está completamente ionizado. A adição de 5 mL de (b) No ponto de equivalência, quando o ácido já tenha sido
NaOH 0,1 N neutraliza 5 mL de HCl 0,1 N, o que deixa 5 mL convertido completamente em íons sódio e acetato, o pH é
calculado a partir da equação para o sal de um ácido fraco
da solução original de HCl em (10 + 5) = 15 mL de solução,
e uma base forte, isto é, a equação (7-106), na sua forma
ou [H3O+] = 5/15 × 0,1 = 3,3 × 10–2 mol/litro, e o pH em 1,48.
logarítmica:
Quando 10 mL de base são adicionados, todo o HCl terá sido
convertido a NaCl e o pH, indistintamente das diferenças de ati- pH 12 pK w 12 pKa 12 log c
vidade e de concentração resultantes da força iônica da solução 7 00 2 38 1
log (5 × 10−2 )
2
de NaCl, será 7. Isso é conhecido como ponto de equivalência
da titulação. A curva I da Figura 9-1 é o resultado da plotagem 8 73
desses dados. Como se pode observar, o pH não se altera subs-
tancialmente até que quase todo o HCl seja neutralizado. Por- A concentração do ácido dada no último termo da equação
tanto, a solução de um ácido forte apresenta elevada capacidade é igual a 0,05, pois a solução foi reduzida à metade do va-
tamponante abaixo de pH 2. Da mesma forma, uma base forte lor original pela mistura da mesma com um volume igual
possui maior capacidade tamponante acima de pH 12. de base, no ponto de equivalência.
As equações de capacidade tamponante consideradas até (c) Entre esses pontos sobre a curva de neutralização, os au-
este momento dizem respeito exclusivamente a misturas de ele- mentos de NaOH convertem parte do ácido em sua base
trólitos fracos e seus sais. Conforme mostrado por van Slyke, conjugada, Ac–, para formar uma mistura tamponante. As-
a capacidade tamponante de uma solução de um ácido forte é sim, o pH do sistema pode ser calculado a partir da equa-
diretamente proporcional à concentração de íon hidrogênio, ou ção do tampão. Quando 5 mL de base são adicionados, o
β 2 303[H3 O ] (9-31) equivalente de 5 ml de HAc 0,1 N permanecem e outros 5
mL de acetato 0,1 N são formados. Utilizando a equação
De forma análoga, a capacidade tamponante de uma solu- de Henderson-Hasselbalch obteremos:
ção de uma base forte é diretamente proporcional à concentra-
ção de íons hidroxila, [Sal]
pH pKa log
β 2 303[OH− ] (9-32) [Acido]
5
A capacidade tamponante total da solução aquosa de um ácido 4 76 log 4 76
forte ou de uma base forte, a qualquer valor de pH, correspon- 5
de à soma das capacidades individuais dadas pelas equações
(9-31) e (9-32), ou: A inclinação da curva atinge um mínimo e a capacidade
tamponante é a mais elevada nesse ponto, onde a solução
β 2 303([H3 O ] [OH− ]) (9-33) apresenta a menor variação de pH por equivalente-grama
de base adicionada. A capacidade tamponante de uma so-
EXEMPLO 9-9 lução é o valor recíproco da inclinação da curva em um
dado ponto, em relação a uma determinada composição
Calcular a capacidade tamponante da solução tamponante. Como se observa na Figura 9-1, a
Qual é a capacidade tamponante de uma solução de ácido clorí- inclinação da linha apresenta seu valor mínimo e a capaci-
drico que contém uma concentração 10–2 mol/litro de íons hidro- dade tamponante apresenta seu maior valor na metade da
gênio? neutralização, quando pH = pKa.
A concentração de íons hidroxila dessa solução é de 10–12 A curva de titulação de um ácido tribásico, como o H3PO4,
mol/litro e a capacidade tamponante total, β é: consiste de três etapas, como mostra a Figura 9-2. Pode-se
considerar que essas são produzidas por três ácidos diferentes
β = 2 303(10−2 + 10−12 )
(H3PO4, pK1 = 2,21; H2PO4–, pK2 = 7,21; e HPO42–, pK3 =
β = 0 023 12,67), cujas forças são suficientemente distintas, o que im-
Claramente, a concentração de OH– é tão pequena neste caso pede que as curvas se sobreponham. As curvas podem ser tra-
que pode ser omitida no cálculo. çadas utilizando a equação do tampão e suas partes terminais
unidas mediante linhas atenuadas, de modo a obter a curva
Três equações são normalmente utilizadas para obter os contínua da Figura 9-2.
dados necessários para a uma curva de titulação de um ácido Uma mistura de ácidos fracos, cujos valores de pKa sejam
fraco (curva II da Figura 9-1), embora se possa utilizar uma suficientemente próximos (diferença de não mais do que duas
única equação, um pouco mais complicada. Suponha-se que unidades de pH, aproximadamente) para que suas regiões tam-
pequenas quantidades de uma solução de NaOH 0,1 N sejam ponantes se sobreponham, pode ser utilizada como um tampão
adicionadas a 10 mL de uma solução de HAc 0,1 N. Logo, universal sobre uma ampla faixa de valores de pH. Um tampão
dessa natureza foi introduzido por Britton e Robinson.9 Os três
(a) Para ácidos fracos, o pH da solução, antes de se ter adicio- estágios do ácido cítrico, pK1 = 3,15, pK2 = 4,78 e pK3 = 6,40,
nado qualquer quantidade de NaOH, é obtido a partir da são suficientemente próximos para gerar curvas de neutraliza-
equação (7-102), ção sobrepostas e o tamponamento efetivo dentro dessa faixa.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 231

0,12 HCI
0,2 M HAc NaOH
0,10

0,08 0,12 M HAc


HPO42–


0,06
0,52 M KH2PO4
0,04 0,05 M H3BO3
0,02
pH

pK2
0
1 3 5 7 9 11 13
pH

H2PO4– Figura 9-4 Capacidade tamponante de vários sistemas tamponantes em


função do pH. (Modificada de R. G. Bates, Electrometric pH Determinations,
Wiley, New York, 1954.)
pK1

Mililitros de base
Figura 9-2 Neutralização de um ácido tribásico. é aproximadamente maior do que 0,01 ou 0,02, como se observa
na Figura 9-4. Por conseguinte, o tampão de acetato seria efi-
ciente dentro de uma faixa de pH próxima de 3,8 a 5,8. Da mes-
ma forma, o tampão borato mais eficiente estará dentro de uma
Uma mistura constituída por Na2HPO4 (cujo ácido con- faixa de pH 8,2 a 10,2. Em cada caso, a capacidade tamponante
jugado, H2PO4–, tem pK2 7,2), ácido dietilbarbitúrico, (pK1 = maior ocorre quando [Sal]/[Ácido] = 1 e pH = pKa. Por causa
7,91) e ácido bórico (pK1 = 9,24) forma um tampão universal dos efeitos entre íons, as capacidades tamponantes não excedem,
que abrange uma faixa de pH de aproximadamente 2,4 a 12. A de modo geral, o valor de 0,2. A capacidade tamponante do áci-
curva de neutralização de um tampão universal é linear entre do forte HCl torna-se acentuada abaixo de pH 2, e a capacidade
pH 4 e 8, como mostra a Figura 9-3, porque as sucessivas cons- da base forte NaOH torna-se significante acima de pH 12.
tantes de dissociação diferem apenas em pequenos valores. A capacidade tamponante de uma combinação de tampões
A curva de titulação depende da proporção entre as suces- cujos valores de pKa se sobrepõem para produzir um tampão
sivas constantes de dissociação. Teoricamente, quando o valor universal é mostrada na Figura 9-5. Observa-se que a capa-
de um K é igual ou 16 vezes menor do que o K anterior, ou cidade tamponante total corresponde à soma dos valores
seja, quando sucessivos valores de pK não diferem em mais do de β de cada tampão. Nessa figura, pressupõe-se que o valor
que 1,2 unidades, a segunda ionização começa bem antes que a máximo de β de todos os tampões na série é idêntico.
primeira tenha se completado. Nesse caso, a curva de titulação
aparece como uma linha reta, sem pontos de inflexão. Na rea-
lidade, a inflexão não é percebida até que o valor de um K seja
em torno de 50 a 100 vezes o valor do K precedente. TAMPÕES EM SISTEMAS FARMACÊUTICOS E
As capacidades tamponantes de várias misturas ácido-sal BIOLÓGICOS
em função do pH estão representadas na Figura 9-4. Uma so-
lução tamponante é útil dentro da faixa de ± 1 unidade de pH
do valor do pKa do seu ácido, quando a capacidade tamponante Sistemas tamponantes biológicos in vivo
O sangue é mantido em um pH aproximado de 7,4 pelos de-
nominados tampões primários do plasma e pelos tampões se-
cundários dos eritrócitos. O plasma contém os sistemas tam-
12 HPO42–
HBO2

10 Barbital pK7 0,08


⌺␤
H2PO4– pK6 0,06
8
2–
pH

H Cítrico pK3 0,04


6 H2 Cítrico– pK4
H3 Cítrico pK2 0,02
4 pK3
pK1 0
3 4 5 6 7 8 9 10 11
2 pH
0 20 40 60 80 100
Mililitros de NaOH 0,2 N Figura 9-5 Capacidade tamponante total de um tampão universal, em fun-
Figura 9-3 Curva de neutralização para um tampão universal. (Segundo H. T. ção do pH. (Retirada de I. M. Kolthoff and C. Rosenblum, Acid-Base Indica-
Britton, Hydrogen Ions, Vol. I, Van Nostrand, New York, 1956, p. 368.) tors, Macmillan, New York, 1937, p. 29.)
232 P ATRICK J. S INKO

ponantes ácido carbônico/bicarbonato e as formas ácido/sais medições de pH. Isso ocorre porque há um rápido aumento de
básicos de sódio do ácido fosfórico. As proteínas plasmáticas pH quando a amostra lacrimal é retirada para análise em fun-
− as quais se comportam como ácidos no sangue − podem ção da perda de CO2.
combinar-se com bases e dessa maneira agir como tampões.
Nos eritrócitos, os sistemas tamponantes são formados pela
hemoglobina/oxihemoglobina e pelas formas ácido/sais bási- Urina
cos de potássio do ácido fosfórico.
A coleta da urina de 24 horas de um adulto normal apresenta
O expoente de dissociação pK1 para a primeira etapa da
um valor médio de pH de 6,0. Este valor pode ser tão baixo
ionização do ácido carbônico no plasma, em temperatura cor-
quanto 4,5 ou tão alto quanto 7,8. Quanto o pH da urina está
poral e com uma força iônica de 0,16, é próximo de 6,1. A
abaixo do normal, deve-se à excreção de íons hidrogênio pelos
equação do tampão para o sistema ácido carbônico/bicarbona-
to do sangue é: rins. De modo inverso, quando a urina apresenta pH acima de
7,4, há retenção renal de íons hidrogênio, com o propósito de
[HCO3− ] retornar o pH ao nível normal.
pH 6 1 log (9-34)
[H2 CO3 ]
onde [H2CO3] representa a concentração de CO2 presente na Tampões de uso farmacêutico
forma de H2CO3 dissolvido no sangue. No plasma sangüíneo
normal, em pH 7,4, a razão bicarbonato/ácido carbônico é: Na prática farmacêutica, as soluções tamponantes são utiliza-
[HCO3− ] das de forma freqüente, principalmente na formulação de solu-
log 74−61 13 ções oftálmicas. Também encontram aplicação na determina-
[H2 CO3 ]
ção colorimétrica do pH e em estudos de pesquisa nos quais o
ou pH deve ser mantido constante.
[HCO3 − ] [H2 CO3 ] 20 1 (9-35)
Gifford15 sugeriu duas soluções-estoque, uma contendo
Esse resultado coincide com achados experimentais, uma ácido bórico e outra contendo carbonato de sódio monoidrata-
vez que as concentrações reais de bicarbonato e de ácido car- do, as quais, quando misturadas em diversas proporções, produ-
bônico no plasma ficam em torno de 0,025 M e 0,00125 M, zem soluções tamponantes dentro de uma faixa de pH de 5 a 9.
respectivamente. Sörensen16 propôs uma mistura de sais de fosfato sódico
A capacidade tamponante do sangue na faixa fisiológica para preparar soluções tamponantes com pH de 6 a 8. A cada
de pH 7,0 a 7,8 é calculada da seguinte forma. Segundo Peters uma dessas soluções tamponantes é adicionado cloreto de só-
e van Slyke10, a capacidade tamponante do sangue devido à dio, de modo a torná-las isotônicas em relação aos fluidos cor-
hemoglobina e outros componentes, exceto bicarbonato, é de porais.
aproximadamente 0,025 equivalente-gramas por litro, por uni- Um sistema tamponante sugerido por Palitzsch17 e poste-
dade de pH. O pH do tampão bicarbonato no sangue (ou seja, riormente modificado por Hind e Goyan18 é composto de ácido
pH 7,4) está um pouco mais distante do pH no qual ele apre-
bórico, borato de sódio e quantidade suficiente de cloreto de
senta sua capacidade tamponante máxima (pH 6,1). Portanto,
a ação tamponante do bicarbonato é relativamente fraca em sódio para tornar a mistura isotônica. É utilizado em soluções
relação à de outros componentes do sangue. De acordo com o oftálmicas com faixa de pH de 7 a 9.
cálculo apresentado recentemente acima, a razão [NaHCO3]/ Os tampões de Clark e Lubs,19 baseados na escala de pH
[H2CO3] é de 20:1, em pH 7,4. Por meio da equação (9-27), original de Sörensen, têm sido recalculados para 25 °C por Bo-
verificamos que a capacidade tamponante do sistema bicar- wer e Bates7 para estarem em conformidade com a atual defi-
bonato (K1 = 4 × 10–7) em pH 7,4 ([H3O+] = 4 × 10–8) é de nição de pH (p. 212). Entre pH 3 e 11, os antigos valores eram
0,003, aproximadamente. Assim sendo, a capacidade tampo- cerca de 0,04 unidades menores do que os valores atualmente
nante total do sangue em uma faixa fisiológica, ou seja, a soma estabelecidos, sendo essa diferença ainda maior nos extremos
das capacidades de seus vários constituintes, é igual a 0,025 + da escala. Os valores originais foram determinados a 20 °C,
0,003 = 0,028. Salenius11 relatou um valor de 0,0318 ± 0,0035 enquanto que, na atualidade, a maioria dos experimentos é rea-
para o sangue total, enquanto que Ellison e colaboradores12 lizada a 25 °C.
obtiveram uma capacidade tamponante próxima de 0,039 equi- As misturas de Clark-Lubs e suas respectivas faixas de pH
valentes-gramas por litro por unidade de pH, para o sangue são as seguintes:
total, dos quais 0,031 resultam da contribuição das células e
0,008 do plasma. (a) HCl e KCl, pH 1,2 a 2,2
Normalmente, há uma ameaça à vida quando o pH sangüí- (b) HCl e monoftalato de potássio, pH 2,2 a 4,0
neo cai para abaixo de 6,9 ou aumenta para acima de 7,8. O pH (c) NaOH e monoftalato de potássio, pH 4,2 a 5,8
do sangue no coma diabético é tão baixo quanto 6,8. (d) NaOH e KH2PO4, pH 5,8 a 8,0
O fluido lacrimal, ou lágrimas, tem demonstrado possuir (e) H3BO3, NaOH e KCl, pH 8,0 a 10,0
elevado grau de capacidade tamponante, permitindo uma dilui-
ção 1:15 com água destilada neutra antes que qualquer variação Em relação à mistura (a), que consiste em HCl e KCl e é
de pH seja observada.13 Segundo a terminologia de Bates,14 utilizada para uma faixa de pH de 1,0 a 2,2, pode-se recordar
isso é designado atualmente como índice de diluição, em vez da discussão da curva de neutralização I) da Figura 9-1 que o
de capacidade tamponante (p. 225). O pH das lágrimas é cerca HCl possui, por si só, uma considerável eficiência tamponante
de 7,4, com uma margem de variação de 7 a 8 ou um pou- abaixo de pH 2. O KCl é um sal neutro e é adicionado com a
co acima disso. O fluido conjuntival isolado é provavelmente, finalidade de ajustar a força iônica das soluções tamponantes
mais ácido do que o fluido lacrimal, normalmente utilizado nas para um valor constante de 0,10. O pH calculado a partir da
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 233

equação –log aH+ = –log (y ± c) corresponde a um valor muito de Sörensen provocou irritação ocular em vários indivíduos,
próximo daquele determinado experimentalmente. A função quando utilizado fora da estreita faixa de pH de 6,5 a 8, en-
do KCl nos tampões de Clark-Lubs é, às vezes, erroneamente quanto a solução de ácido bórico com pH 5 não produziu des-
interpretada como sendo a de um sal do tampão ácido HCl, conforto nos olhos dos mesmos indivíduos. Martin e Mims
similar ao papel desempenhado pelo acetato de sódio como concluíram que a faixa de pH de não-irritação não pode ser es-
sal do ácido fraco HAc. O cloreto de potássio é adicionado ao tabelecida de forma absoluta, mas que, em vez disso, depende
tampão de borato (e) para produzir uma força iônica compa- do tampão aplicado. À luz da discussão anterior, essa aparente
rável àquela produzida pelo tampão de fosfato (d), no ponto anormalidade pode ser explicada em termos da baixa capaci-
onde o pH de ambos os tampões se sobrepõe. dade tamponante do ácido bórico, quando comparada com a
Soluções tamponantes são discutidas na Farmacopéia/For- do tampão de fosfatos e, em parte, da diferença da resposta
fisiológica a diferentes espécies iônicas.
mulário Nacional dos Estados Unidos. Um tampão comumen-
Riegelman e Vaughn22 assumiram que a força ácido-neu-
te utilizado na pesquisa biológica (pH 7 a 9) e referenciado no tralizante das lágrimas decorrente da instilação ocular de 0,1
Merck Index é o TRIS, ou amino-hidroxietilpropanodiol. mL de uma solução de fármaco a 1% é grosseiramente equiva-
lente a 10 µL de uma solução de base forte a 0,01 N. Eles in-
dicaram que, embora em poucos casos a irritação ocular possa
Preparação de soluções tamponantes de uso resultar da presença do fármaco na forma de base livre no pH
farmacêutico fisiológico, é mais freqüente que esta ocorra devido à acidez
da solução do olho. Por exemplo, uma vez que apenas um gru-
Às vezes, o farmacêutico pode ser requisitado para preparar po carboxila do ácido tartárico é neutralizado pela epinefrina-
um sistema tamponante para o qual não há fórmulas relatadas base, no bitartarato de epinefrina, uma solução 0,06 M do fár-
na literatura. Os seguintes passos podem auxiliar no desenvol- maco tem um pH próximo de 3,5. A dor prolongada resultante
vimento de um novo tampão: da instilação de duas gotas dessa solução no olho é devida, pre-
(a) Selecionar um ácido fraco que possua pKa aproximada- sumivelmente, ao ácido não-neutralizado do bitartrato, o qual
mente igual ao pH no qual o tampão será usado. Isso asse- requer 10 vezes a quantidade de lágrimas para restabelecer o
pH normal do olho, se comparado com o resultado observado
gurará capacidade tamponante máxima.
a partir da instilação de duas gotas de cloridrato de epinefrina.
(b) A partir da equação do tampão, calcular a razão de sal e
As soluções de sais de pilocarpina têm uma capacidade tam-
de ácido fraco necessária para obter o pH requerido. A
ponante capaz de causar dor ou irritação devido à reação ácida
equação do tampão rende resultados aproximados, porém
que movem quando instiladas no olho.
suficientes para uma faixa de pH de 4 a 10.
Soluções parenterais para injeção na corrente sangüínea
(c) Considerar a concentração individual de sal e ácido tam-
normalmente não são tamponadas e, se o são, a sua capacidade
ponantes necessária para obter uma capacidade tampo-
tamponante é fraca o suficiente para que os tampões do sangue
nante satisfatória. Uma concentração de 0,05 a 0,5 M é
restabeleçam rapidamente o pH dentro dos valores fisiológicos.
normalmente suficiente e uma capacidade tamponante de
Quando os fármacos devem ser injetados apenas em pequenas
0,01 a 0,1 resulta ser geralmente apropriada.
quantidades e a uma velocidade baixa, suas soluções podem
(d) Outros fatores de certa importância na escolha de um tam-
ser tamponadas moderadamente, de modo a manter uma neu-
pão farmacêutico incluem: disponibilidades das substân-
tralidade aproximada.
cias químicas, esterilidade da solução final, estabilidade
do fármaco e do tampão com o tempo, custo dos materiais
e ausência de toxicidade. Por exemplo: o tampão de bora-
to, devido aos seus efeitos tóxicos, não pode, definitiva-
mente, ser utilizado na estabilização de soluções a serem
administradas por via oral ou parenteral. CONCEITO SOLUÇÕES PARENTERAIS
(e) Finalmente, determinar o pH e a capacidade tamponante
da solução tamponante final utilizando um potenciômetro Soluções destinadas à aplicação o qual solução tamponante irá
confiável. Em alguns casos, uma precisão satisfatória é nos tecidos ou administradas entrar em contato. A capacidade
obtida mediante o uso de papel indicador de pH. Particu- parenteralmente são propensas tamponante de um fluido corpo-
larmente quando a concentração de eletrólitos é elevada, a causar irritação, se seu pH é ral também deverá ser conside-
pode acontecer de o pH calculado pela equação do tampão sensivelmente maior do que o rada. A irritação tissular ocasio-
ser um pouco diferente do valor experimental. Isso é de pH normal do fluido corporal em nada por grandes diferenças de
se esperar quando os coeficientes de atividade não são le- questão. Portanto, o farmacêuti- pH entre a solução administrada
vados em conta, o que enfatiza a necessidade de realizar co deve considerar este aspecto e o meio fisiológico no qual essa
uma determinação na prática. na hora de formular soluções of- é aplicada será mínima à medida
tálmicas, produtos parenterais e que (a) menor for a capacidade
líquidos a serem aplicados sobre tamponante da solução; (b) me-
Influência da capacidade tamponante e do pH na superfícies lesadas. Mais impor- nor for o volume utilizado para
irritação tissular tante do que considerar o pH ver- uma dada concentração, e (c)
dadeiro da solução é considerar maiores forem o volume e a ca-
Friedenwald e colaboradores20 alegaram que o pH de soluções
sua capacidade tamponante e o pacidade tamponante do fluido
destinadas a uso oftálmico poderia variar de 4,5 a 11,5, sem
dor ou dano notável. Essa afirmação, evidentemente, seria ver- volume a ser aplicado em relação fisiológico.
dadeira somente se a capacidade tamponante fosse mantida ao volume de fluido corporal com
baixa. Martin e Mims21 verificaram que o tampão de fosfatos
234 P ATRICK J. S INKO

Segundo Mason,23 após administração oral, a aspirina é Hind e Goyan27 indicaram que o pH de estabilidade má-
absorvida muito mais rapidamente a partir de sistemas tampo- xima de um fármaco de uso oftálmico pode estar bem abaixo
nados com baixa capacidade tamponante do que de sistemas do pH de efeito fisiológico ótimo. Em tais circunstâncias, a
não-tamponados ou de preparação fortemente tamponada. As- solução do fármaco pode estar tamponada com uma baixa ca-
sim, a capacidade do tampão deve ser otimizada para produzir pacidade tamponante e um valor de pH que permita conciliar
uma absorção rápida e um mínimo de irritação gástrica da as- estabilidade ótima e atividade terapêutica máxima. O tampão
pirina administrada oralmente. Exigências similares devem ser é adequado para prevenir variações no pH ocasionadas pela
preenchidas na liberação de fármacos por via nasal, além do alcalinidade do vidro ou pela acidez advinda do CO2 do ar
ajuste da tonicidade e do pH, no caso das soluções oftálmicas. dissolvido. Além disso, quando a solução é instilada no olho,
Isso tem se transformado em um dos aspectos mais importantes as lágrimas participam na neutralização gradual da solução; a
nos últimos anos, visto que a via nasal passou, agora, a ser utili-
conversão do fármaco para a base não-dissociada se processa
zada na administração de fármacos de ação sistêmica. Insulina,
por exemplo, é mais efetiva quando administrada por via nasal a partir da forma fisiologicamente inativa e, assim, a base pode
do que por outras vias não-parenterais.24 penetrar facilmente na membrana lipóide. À medida que a base
é absorvida no pH do fluido lacrimal, mais sal é transformado
em base livre, de modo a manter a constância do pKb, o que
Estabilidade versus resposta terapêutica ótima faz com que o fármaco alcaloídico seja absorvido de forma
gradual.
Com o intuito de integralizar o tema, algumas menções devem
ser feitas no aspecto dos efeitos da capacidade tamponante e
do pH sobre a estabilidade e a resposta terapêutica de fármacos pH e solubilidade
veiculados na forma de solução.
Como será discutido mais adiante (Capítulo 10), a forma A relação entre pH e solubilidade de eletrólitos fracos é tratada
não-dissociada de um fármaco ácido fraco ou base fraca tem em detalhes no Capítulo 10. Neste ponto, é necessário apenas
atividade terapêutica freqüentemente superior à da forma de salientar, de modo amplo, a influência que o tamponamento
sal dissociada. Por ser solúvel nos lipídeos, a forma não-disso- exerce sobre a solubilidade de bases alcaloídicas. Em pH bai-
ciada pode penetrar facilmente nas membranas do organismo, xo, a base está predominantemente na forma iônica, que é, em
enquanto a forma iônica, por não ser lipossolúvel, apenas o faz geral, muito solúvel em meios aquosos. Conforme o pH é au-
com grandes dificuldades. mentado, mais forma não-dissociada vai sendo formada, como
Desse modo, Swan e White,25 assim como Cogan e Kin- foi calculado pelo método ilustrado no Exemplo 9-10. Quando
sey,26 observaram um aumento na resposta terapêutica dos a quantidade da forma não-dissociada ultrapassa o limite da
alcalóides fracamente alcalinos (utilizados como fármacos solubilidade em água, ocorre precipitação da forma base livre
oftálmicos) à medida que o pH da solução foi aumentado e, a partir da solução. Por isso, a solução deve ser tamponada a
conseqüentemente, a concentração da forma não-dissociada um pH suficientemente baixo para que a concentração calcula-
também o foi. Em pH próximo a 4, esses fármacos ocorrem
da de base alcaloídica em equilíbrio com seu sal seja inferior à
predominantemente na forma iônica e a sua penetração é es-
cassa ou insignificante. Quando as lágrimas geram um valor solubilidade da base livre na temperatura de armazenamento.
de pH em torno de 7,4, os fármacos podem estar em uma pro- Desse modo, é possível manter a estabilização frente à preci-
porção significativa na forma de base livre, dependendo da sua pitação do fármaco.
constante de dissociação.

EXEMPLO 9-10 SOLUÇÕES ISOTÔNICAS TAMPONADAS


Percentual molar de base livre
O pKb da pilocarpina é 7,15, a 25 °C. Calcular a concentração mo- Anteriormente foi feita uma referência aos sistemas tamponan-
lar percentual de base livre a 25 °C e a um valor de pH de 7,4. tes in vivo, como sangue e fluido lacrimal, e à conveniência de
Temos que: tamponar soluções farmacêuticas sob certas condições. Além
de efetuar o ajuste de pH, as soluções farmacêuticas destinadas
C11 H16 N2 O2 + H2 O C11 H16 N2 O2 H+ + OH−
à aplicação em membranas delicadas do organismo devem ter,
Pilocarpina Pilocarpine também, sua pressão osmótica ajustada para um valor próximo
base íon daquele encontrado nos fluidos corporais. Soluções isotônicas
[Base] não causam intumescimento ou contração dos tecidos com os
pH = pKw − pKb + log
[Sal] quais entram em contato, nem provocam desconforto quando
[Base] instiladas no olho, mucosa nasal, sangue ou outros tecidos cor-
7 4 = 14 00 − 7 15 + log
[Sal] porais. Em farmácia, a solução isotônica de cloreto de sódio é
[Base] um exemplo familiar desse tipo de preparação.
log = 7 40 − 14 00 + 7 15 = 0 55
[Sal] A necessidade de obter condições isotônicas para solu-
[Base] 3 56 ções destinadas a serem aplicadas em membranas delicadas
= é ilustrada, dramaticamente, pela mistura de uma pequena
[Sal] 1
[Base] quantidade de sangue com soluções de cloreto de sódio de vá-
percentual molar de base = × 100 rias tonicidades. Por exemplo, se uma pequena quantidade de
[Sal] + [Base]
= [3 56 (1 + 3 56)] × 100 = 78%
sangue, previamente desfibrinada para evitar sua coagulação,
é misturada com uma solução de NaCl a 0,9 g por cento, as
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 235

células conservam seu tamanho normal. A solução tem, essen- O restante do capítulo trata da discussão das soluções
cialmente, a mesma composição de sais e, por conseguinte, a isotônicas e os meios mediante os quais essas podem ser
mesma pressão osmótica que os eritrócitos possuem, sendo tamponadas.
considerada isotônica em relação ao sangue. Se os eritrócitos
são suspensos em uma solução de NaCl 2,0%, a água contida
no interior das células passa através da membrana, no esforço Medição da tonicidade
de diluir a solução salina circundante, até que as concentra-
A tonicidade das soluções pode ser determinada por um dos
ções do sal sejam iguais em ambos os lados da membrana do
dois métodos seguintes. No primeiro deles, o método hemolíti-
eritrócito. Essa passagem de água para o exterior celular causa
co, observa-se o efeito causado por várias soluções de fármaco
o encolhimento das células, as quais se tornam enrugadas ou
sobre a aparência das hemácias suspensas na solução. Os di-
crenadas. A solução salina, nesse caso, é dita hipertônica em
versos efeitos provocados já foram descritos na seção anterior.
relação às células sangüíneas. Finalmente, quando o sangue
Husa e colaboradores29 usaram este método. Em um trabalho
é misturado a uma solução de NaCl 0,2% ou água destilada,
posterior, Hunter31 desenvolveu um método quantitativo ba-
ocorre entrada de água para o interior das células sangüíneas,
seado no fato de que uma solução hipotônica causa liberação
causando então intumescimento e ruptura brusca dessas, com
de oxihemoglobina em proporção direta ao número de células
liberação de hemoglobina. Esse fenômeno é conhecido como
hemolisadas. Por esse meio, pode-se determinar o fator i de
hemólise; solução salina diluída e água são ditas hipotônicas
van’t Hoff (p. 162), comparando-o com os valores obtidos de
em relação ao sangue.
dados de abaixamento crioscópico, coeficiente osmótico e co-
O estudante deverá notar que a membrana das células ver-
eficientes de atividade.32
melhas não é impermeável a todos os fármacos, ou seja, não é
Husa verificou que fármacos que apresentam um valor de
uma membrana semipermeável perfeita. Portanto, ela permite
i apropriado, obtido por meio de medições por abaixamento
a passagem não apenas de moléculas de água, mas também de
crioscópico ou calculado a partir de equações teóricas, podem,
solutos como uréia, cloreto de amônia, álcool e ácido bórico.28
não obstante, hemolisar hemácias humanas. Foi com bases
Uma solução de ácido bórico a 2,0% tem a mesma pressão os-
nessas observações que ele sugeriu restringir o uso do termo
mótica do que o conteúdo das células do sangue, quando deter-
isotônico para soluções que tivessem igual pressão osmótica
minada pelo método do abaixamento crioscópico, e por causa
em relação a uma membrana específica.
disso é dita isosmótica em relação ao sangue. As moléculas de
A segunda abordagem utilizada para determinar a toni-
ácido bórico passam livremente através da membrana dos eri-
cidade tem por fundamento os vários métodos preconizados
trócitos; contudo, o fazem independentemente da concentra-
para determinar propriedades coligativas, como os discutidos
ção. Em função disso, essa solução age essencialmente como
no Capítulo 5. Goyan e Reck30 estudaram várias modificações
se fosse água quando em contato com as células sangüíneas.
à técnica de Hill-Baldes33 (p. 144) para medir a tonicidade.
Uma vez que a solução de ácido bórico é muito hipotônica
Esse método está baseado nas pequenas diferenças de tempe-
em relação ao sangue, provoca uma hemólise rápida. Logo,
ratura decorrentes das diferenças de pressão de vapor de amos-
uma solução contendo uma quantidade de fármaco calculada
tras termicamente isoladas e mantidas em câmaras de umidade
para ser isosmótica com o sangue será isotônica somente se as
constante.
células sangüíneas forem impermeáveis às moléculas de solu-
Uma das primeiras referências para a determinação da
to e permeáveis ao solvente – nesse caso, água. É interessan-
temperatura de congelamento do sangue e das lágrimas (do
te destacar que a mucosa que recobre o olho age como uma
mesmo modo que era necessário fazer soluções isotônicas com
verdadeira membrana semipermeável para o ácido bórico em
estes fluidos) é a de Lumiere e Chevrotier,34 na qual foram ob-
solução. Portanto, uma solução de ácido bórico a 2,0% serve
tidos os valores de -0,56 °C e -0,80 °C para os dois fluidos,
como solução oftálmica isotônica.
respectivamente. Após o trabalho de Pedersen-Bjergaard e
Para contornar essa dificuldade, Husa29 sugeriu que o
colaboradores,35,36 porém, ficou bem-estabelecido o valor de
termo isotônico ficasse restrito a soluções com igual pressão
-0,52 °C como sendo a temperatura de congelamento do san-
osmótica em relação a uma membrana específica. Goyan e
gue e fluido lacrimal dos seres humanos. Essa temperatura cor-
Reck30 são da opinião que, mais do que restringir dessa forma
responde à temperatura de congelamento de uma solução de
o uso do termo, um novo termo deve ser introduzido, tendo
cloreto de sódio a 0,90%, que, por conseguinte, é considerada
por base a concentração de cloreto de sódio. Esses autores de-
isotônica em relação a ambos fluidos.
finiram o termo índice de isotonicidade como a concentração
de uma solução aquosa de NaCl que possui as mesmas pro-
priedades coligativas que a solução em questão. Em relação Cálculo da tonicidade mediante uso de valores Liso
às membranas vivas de interesse, nem todas aquelas soluções
com igual índice de isotonicidade que a solução de cloreto de Os valores de abaixamento crioscópico de soluções de eletró-
sódio 0,9% são necessariamente isotônicas; contudo, muitas litos, tanto fracos quanto fortes, são sempre maiores do que os
delas são aproximadamente isotônicas nesse sentido e todas calculados pela equação ΔTf = Kf c. Assim, foi introduzido um
elas podem ser consideradas isotônicas em termos de passa- novo fator, L = i Kf, para contornar essa dificuldade.37
gem através de uma membrana ideal. Em conseqüência disso, A equação, já antes discutida, é expressa como:
o termo isotônico é empregado com esse significado ao longo Tf Lc (9-36)
do presente capítulo. Somente poucas substâncias, que pene-
tram as membranas animais a uma velocidade suficiente, po- O valor de L pode ser deduzido do abaixamento crioscópi-
derão ser exceções dessa classificação. co de soluções de substâncias representativas de um determi-
236 P ATRICK J. S INKO

TABELA 9-3
VALORES MÉDIOS DE Liso PARA DIVERSOS TIPOS IÔNICOS

Tipo Liso Exemplos


Não-eletrólitos 1,9 Sacarose, glicerina, uréia, cânfora
Eletrólitos fracos 2,0 Ácido bórico, cocaína, fenobarbital
Eletrólitos di-divalentes 2,0 Sulfato de magnésio, sulfato de zinco
Eletrólitos uni-univalentes 3,4 Cloreto de sódio, cloridrato de cocaína,
fenobarbital sódico
Eletrólitos uni-divalentes 4,3 Sulfato de sódio, sulfato de atropina
Eletrólitos di-univalentes 4,8 Cloreto de zinco, brometo de cálcio
Eletrólitos uni-trivalentes 5,2 Citrato de sódio, fosfato de sódio
Eletrólitos tri-univalentes 6,0 Cloreto de alumínio, iodeto férrico
Eletrólitos tipo tetraborato 7,6 Borato de sódio, borato de potássio
* Retirada de: J. M. Wells, J. Am. Pharm. Assoc., Pract. Ed. 5, 99, 1944..

nado tipo iônico, em uma concentração c que é isotônica em Embora 1 g de propionato de sódio em 100 mL de solu-
relação aos fluidos corporais. ção não constitua uma concentração isotônica, ainda assim é
Esse valor específico de L é escrito como Liso (p. 170). apropriado usar Liso como uma média simples que corresponde
O valor de Liso para uma solução de cloreto de sódio a 0,90% à faixa de concentração esperada para a solução pronta. A es-
(0,154 M), que apresenta um abaixamento crioscópico de 0,52 colha de valores de L nesta zona de concentrações não é sen-
°C e é, por conseguinte, isotônica com os fluidos corporais, é sível a pequenas alterações na concentração. Nestes cálculos
3,4. A partir de: não está implícita e nem é necessária uma precisão maior do
Tf que 10%.
L iso (9-37)
c O cálculo do Exemplo 9-11 pode ser simplificado expres-
obtém-se que sando a molaridade c como gramas de fármaco contidos em
0 52 ◦ C um determinado volume de solução. Assim,
L iso 34
0 154
Molaridade
A interação entre íons em soluções não muito concentra- Litro
das é aproximadamente a mesma para todos os eletrólitos uni- Peso em gramas Volume em mL
univalentes, independentemente da natureza química das dife- ÷ (9-39)
Massa molecular L litro
rentes substâncias desse tipo, e por isso todos elas possuem, de
em g mol
forma aproximada, o mesmo valor de Liso, isto é, 3,4. Como
resultado dessa similaridade entre substâncias de um tipo iôni- ou
w
co específico, a tabela pode ser modificada de modo a listar os c ×
valores de L para cada classe de eletrólitos na concentração de MW v (9-40)
isotonia com os fluidos corporais. Os valores de Liso calculados onde w representa gramas de soluto, M a massa molecular do
dessa forma são na Tabela 9-3. soluto e v o volume da solução em mililitros.
Pode-se observar que para soluções diluídas de não-ele- Substituindo na equação (9-36) obtemos:
trólitos, Liso é aproximadamente igual ao valor de Kf. A Tabela

9-3 é utilizada para obter valores aproximados de ΔTf de solu- Tf L iso ×
ções de um fármaco, desde que o tipo iônico seja corretamente MW × v (9-41)
estabelecido. O gráfico de iKf em função da concentração mo- O problema do Exemplo 9-11 pode ser resolvido com uma
lar de vários tipos de eletrólitos, cujos valores de Liso podem única operação mediante o uso da equação (9-41), sem o cálculo
ser lidos, é mostrado na Figura 6-7. adicional que seria necessário para obter a concentração molar:

EXEMPLO 9-11 Tf 34× 3 4 × 0 104
96 × 100

Abaixamento crioscópico 0 35 C
Qual é o abaixamento crioscópico de uma solução de propionato Os estudantes são incentivados a derivar expressões dessa
de sódio a 1% (massa molecular 96)? Uma vez que o propionato de natureza. Certamente, as equações (9-40) e (9-41) não deve-
sódio é um eletrólito uni-univalente, seu valor de Liso é 3,4. A con- rão ser memorizadas, uma vez que as mesmas não irão ficar na
centração molar da solução de propionato de sódio a 1% é 0,104. memória por muito tempo. Os valores de Liso também podem
Logo, temos que: ser utilizados para o cálculo dos equivalentes de cloreto de só-
ΔT f = 3 4 × 0 104 = 0 35 ◦ C (9-38) dio e dos valores V de Sprowls, como será discutido nas seções
subseqüentes deste capítulo.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 237

MÉTODOS DE AJUSTE DA TONICIDADE E DO pH valente de cloreto de sódio, ou como referido pelos autores, o
“equivalente de tonicidade” de um fármaco é a quantidade de
cloreto de sódio que é equivalente (ou seja, que tem um mesmo
Vários são os métodos que podem ser empregados para cal-
efeito osmótico) a 1 g ou outra unidade de peso do fármaco.
cular a quantidade de cloreto de sódio, dextrose e de outras
Os valores de equivalentes de cloreto de sódio, E, de vários
substâncias adicionadas a soluções de fármacos visando obter
a isotonia das mesmas. fármacos são listados na Tabela 9-4.
Para fins de discussão, os métodos são divididos em duas Quando se deseja incluir o valor de E de um novo fármaco
classes. Nos da classe I, cloreto de sódio ou algumas outras na Tabela 9-4, esse pode ser calculado a partir dos valores de
substâncias são adicionados à solução contendo o fármaco para Liso ou de abaixamento crioscópico do fármaco, segundo as
abaixar a temperatura de congelamento da solução para -0,52 equações derivadas por Goyan e colaboradores.39 Para a solu-
°C e assim torná-la isotônica com os fluidos orgânicos. Nes- ção contendo 1 g de fármaco em 1.000 mL de solução, a con-
sa classe estão incluídos o método crioscópico e o método do centração c expressa em mol/litro pode ser escrita da seguinte
equivalente de cloreto de sódio. Nos métodos da classe II, uma forma:
1g
quantidade suficiente de água é adicionada ao fármaco para c (9-42)
formar uma solução isotônica. O volume final da preparação Massa molecular
é, a seguir, ajustado com uma solução isotônica ou com uma e pela equação (9-36),
1g
solução de diluição isotônica tamponada. Estão incluídos nessa Tf L iso
classe o método de White-Vincent e o método de Sprowls. MW
Logo, E representa o peso de NaCl com o mesmo abaixa-
mento crioscópico que 1 g de fármaco e, para uma solução de
Métodos da Classe I NaCl contendo E gramas de fármaco em 1.000 mL,
Método crioscópico E
Tf 34 (9-43)
Os abaixamentos crioscópicos de várias soluções contendo 58 45
fármacos, determinados experimental ou teoricamente, estão onde 3,4 é o valor de Liso do cloreto de sódio e 58,45 é a massa
contidos na Tabela 9-4. Conforme visto na seção anterior, os molecular do mesmo. Equacionando os dois valores de ΔTf, se
valores de abaixamento crioscópico de soluções de fármacos obtém:
que não tenham sido determinados experimentalmente podem
L iso E
ser estimados a partir de considerações teóricas, conhecendo- 34 (9-44)
se apenas a massa molecular do fármaco e o valor de Liso do MW 58 45
tipo iônico. Os cálculos implícitos no método crioscópico são
L iso
melhor explicados pelo exemplo abaixo. E ∼ 17 (9-45)
MW
EXEMPLO 9-12
Isotonicidade EXEMPLO 9-13
Quanto de cloreto de sódio é necessário para obter 100 mL de uma Equivalente de cloreto de sódio
solução de cloridrato de apomorfina a 1%, que seja isotônica em Calcular o valor aproximado de E para um novo derivado do clo-
relação ao soro sangüíneo? ridrato de anfetamina (massa molecular 187).
Na Tabela 9-4 verifica-se que uma solução a 1% desse fárma- Sendo esse fármaco um sal univalente, o valor de Liso é 3,4. O
co apresenta um abaixamento crioscópico de 0,08 °C. Para tornar
seu valor de E é calculado utilizando a equação (9-45):
essa solução isotônica com o sangue, deverá ser adicionada uma
quantidade de cloreto de sódio suficiente para reduzir a tempera- 34
E = 17 = 0 31
tura de congelamento em mais 0,44 °C (ou 0,52 °C – 0,08 °C). Pela 187
mesma tabela contendo os pontos de congelamento observa-se,
também, que uma solução de cloreto de sódio a 1% gera um abai-
Os cálculos para determinar a quantidade de cloreto de só-
xamento crioscópico de 0,58 °C. Por regra de três temos que:
dio ou de outra substância inerte necessária para obter uma so-
1% 0 58 ◦ C lução isotônica (para uma membrana ideal) envolvem simples-
= ; X = 0 76%
X 0 44 ◦ C mente a multiplicação da quantidade de cada fármaco prescrito
Logo, uma solução de cloreto de sódio a 0,76% deverá dimi- pelo equivalente de cloreto de sódio, subtraindo o valor calcu-
nuir o ponto de congelamento para o valor requerido de 0,44 °C lado da quantidade de cloreto de sódio que é isotônica com os
e assim produzir uma solução isotônica. A solução é preparada fluidos do organismo, especificamente, 0,9 g/100 mL.
mediante a dissolução de 1,0 g de cloridrato de apomorfina e 0,76
g de cloreto de sódio em uma quantidade de água suficiente para EXEMPLO 9-14
completar 100 mL de solução.
Ajuste da tonicidade
Método do equivalente de cloreto de sódio Uma solução contém 1,0 g de sulfato de epinefrina em um volume
de 100 mL. Que quantidade de cloreto de sódio deve ser adiciona-
Um segundo método para ajustar a tonicidade de soluções far- da para torná-la isotônica? Quanto de dextrose seria necessário
macêuticas foi desenvolvido por Mellen e Seltzer.38 O equi- para esta finalidade?
238 P ATRICK J. S INKO

TABELA 9-4
VALORES DE ISOTONIA*

Substância M E V ΔT f1% Liso


Ácido ascórbico 176,12 0,18 6,0 0,11 1,9
Ácido bórico 61,84 0,50 16,7 0,29 1,8
Ácido tânico — 0,03 1,0 0,02 —
Álcool desidratado 46,07 0,70 23,3 0,41 1,9
Aminofilina 456,46 0,17 5,7 0,10 4,6
Barbital sódico 206,18 0,29 10,0 0,29 3,5
Benzoato de sódio 144,11 0,40 13,3 0,24 3,4
Bicarbonato de sódio 84,00 0,65 21,7 0,38 3,2
Bissulfito de sódio 104,07 0,61 20,3 0,36 3,7
Bitartrato de epinefrina 333,29 0,18 6,0 0,11 3,5
Borato de sódio ⋅ 10H2O 381,43 0,42 14,0 0,25 9,4
Brometo de neostigmina 303,20 0,22 6,0 0,11 3,2
(brometo de prostigmina)
Bromidrato de escopolamina 438,32 0,12 4,0 0,07 3,1
Bromidrato de homatropina 356,26 0,17 5,7 0,10 3,6
Cafeína e benzoato de sódio — 0,25 8,7 0,28 —
Cafeína 194,19 0,08 2,7 0,05 0,9
Cânfora 152,23 0,20 6,7 0,12 1,8
Cianeto mercúrico 252,65 0,15 5,0 0,09 2,2
Cloranfenicol 323,14 0,10 3,3 0,06 1,9
Cloreto de amônio 53,50 1,08 36 0,64 3,4
Cloreto de cálcio ⋅ 2H2O 147,03 0,51 17,0 0,30 4,4
Cloreto de metacolina 195,69 0,32 10,7 0,19 3,7
(cloreto de mecolila)
Cloreto de potássio 74,55 0,76 25,3 0,45 3,3
Cloreto de sódio 58,45 1,00 33,3 0,58 3,4
Cloreto de zinco 139,29 0,62 20,3 0,37 5,1
Cloreto mercúrico 271,52 0,13 4,3 0,08 2,1
(bicloreto de mercúrio)
Cloridrato de antistina 301,81 0,18 6,0 0,11 3,2
(cloridrato de antazolina)
Cloridrato de apomorfina 312,79 0,14 4,7 0,08 2,6
Cloridrato de aureomicina 544 0,11 3,7 0,06 3,5
Cloridrato de cocaína 339,81 0,16 5,3 0,09 3,2
Cloridrato de dibucaína 379,92 0,13 4,3 0,08 2,9
(cloridrato de nupercaína)
Cloridrato de difenidramina 291,81 0,20 6,6 0,34 3,4
(cloridrato de benadril)
Cloridrato de efedrina 201,69 0,30 10,0 0,18 3,6
Cloridrato de emetina 553,56 0,10 3,3 0,06 3,3
Cloridrato de epinefrina 219,66 0,29 9,7 0,17 3,7
Cloridrato de etilidrocupreína 376,92 0,17 5,7 0,10 3,8
(optoína)
Cloridrato de etilmorfina (dionina) 385,88 0,16 5,3 0,09 3,6
Cloridrato de eucatropina 327,84 0,18 6,0 0,11 3,5
(cloridrato de euftalmina)
Cloridrato de fenacaína 352,85 0,20 5,3 0,11 3,3
(cloridrato de holocaína)
Cloridrato de fenilefrina 203,67 0,32 9,7 0,18 3,5
(cloridrato de neosinefrina)
Cloridrato de meperidina 283,79 0,22 7,3 0,12 3,7
(cloridrato de demerol)
Cloridrato de metanfetamina 185,69 0,37 12,3 0,22 4,0
(cloridrato de desoxiefedrina)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 239

TABELA 9-4
VALORES DE ISOTONIA

Substância M E V ΔT f1% Liso


Cloridrato de meticaína 292,82 0,20 6,7 0,12 3,4
Cloridrato de morfina 375,84 0,15 5,0 0,09 3,3
Cloridrato de nafazolina 246,73 0,27 7,7 0,16 3,3
(cloridrato de privina)
Cloridrato de procaína 272,77 0,21 7,0 0,12 3,4
Cloridrato de quinina e uréia 547,48 0,23 7,7 0,14 7,4
Cloridrato de quinina 396,91 0,14 4,7 0,08 3,3
Cloridrato de tetracaína 300,82 0,18 6,0 0,11 3,2
Cloridrato de tetraciclina 480,92 0,14 4,7 0,08 4,0
Cloridrato de tripelenamida 291,83 0,30 7,3 0,17 3,8
(cloridrato de piribenzamina)
Clorobutanol 177,47 0,24 8,0 0,14 2,5
Dextrose ⋅ H2O 198,17 0,16 5,3 0,09 1,9
Fenazona 188,22 0,17 5,7 0,10 1,9
Fenobarbital sódico 254,22 0,24 8,0 0,14 3,6
Fenol 94,11 0,35 11,7 0,20 1,9
Fenolsulfonato de zinco 555,84 0,18 6,0 0,11 5,9
Fluoresceína sódica 376 0,31 10,3 0,18 6,9
Fosfato ácido de potássio 136,13 0,43 14,2 0,25 3,4
(KH2PO4)
Fosfato ácido de sódio hidratado 138,00 0,40 13,3 0,24 3,2
(NaH2PO4 ⋅ H2O)
Fosfato de sódio ⋅ 12H2O 358,21 0,22 7,3 0,13 4,6
Fosfato de sódio anidro 141,98 0,53 17,7 0,31 4,4
Fosfato de sódio ⋅ 2H2O 178,05 0,42 14,0 0,25 4,4
Fosfato de sódio ⋅ 7H2O 268,08 0,29 9,7 0,17 4,6
Glicerina 92,09 0,34 11,3 0,20 1,8
Gluconato de cálcio 448,39 0,16 5,3 0,09 4,2
Iodeto de potássio 166,02 0,34 11,3 0,20 3,3
Iodeto de sódio 149,92 0,39 13,0 0,23 3,4
Lactato de cálcio 308,30 0,23 7,7 0,14 4,2
Lactose 360,31 0,07 2,3 0,04 1,7
Mentol 156,26 0,20 6,7 0,12 1,8
Nicotinamida 122,13 0,26 8,7 0,15 1,9
Nitrato de pilocarpina 271,27 0,23 7,7 0,14 3,7
Nitrato de prata 169,89 0,33 11,0 0,19 3,3
Nitrato de sódio 85,01 0,68 22,7 0,39 3,4
Penicilina G potássica 372,47 0,18 6,0 0,11 3,9
Penicilina G procaína 588,71 0,10 3,3 0,06 3,5
Penicilina G sódica 356,38 0,18 6,0 0,11 3,8
Propionato de sódio 96,07 0,61 20,3 0,36 3,4
Sacarose 342,30 0,08 2,7 0,05 1,6
Salicilato de fisostigmina 413,46 0,16 5,3 0,09 3,9
Succimida mercúrica 396,77 0,14 4,8 0,08 3,3
Sulfacetamida sódica 254,25 0,23 7,7 0,14 3,4
Sulfadiazina sódica 272,27 0,24 8,0 0,14 3,8
Sulfamerazina sódica 286,29 0,23 7,7 0,14 3,9
Sulfanilamida 172,21 0,22 7,3 0,13 2,2
Sulfatiazol sódico 304,33 0,22 7,3 0,13 3,9
Sulfato cúprico ⋅ 5H2O 249,69 0,18 6,0 0,11 2,6
Sulfato de anfetamina 368,49 0,22 7,3 0,13 4,8
(sulfato de benzedrina)
Sulfato de atropina 694,82 0,13 4,3 0,07 5,3
(continua)
240 P ATRICK J. S INKO

TABELA 9-4
VALORES DE ISOTONIA (CONTINUAÇÃO)

Substância M E V ΔT f1% Liso


Sulfato de butacaína 710,95 0,20 6,7 0,12 8,4
(sulfato de butina)
Sulfato de efedrina 428,54 0,23 7,7 0,14 5,8
Sulfato de estreptomicina 1457,44 0,07 2,3 0,04 6,0
Sulfato de fisostigmina 648,45 0,13 4,3 0,08 5,0
Sulfato de magnésio ⋅ 7H2O 246,50 0,17 5,7 0,10 2,5
Sulfato de morfina 758,82 0,14 4,8 0,08 6,2
Sulfato de neomicina — 0,11 3,7 0,06 —
Sulfato de zinco ⋅ 7H2O 287,56 0,15 5,0 0,09 2,5
Sulfito de sódio dessecado 126,06 0,65 21,7 0,38 4,8
Uréia 60,06 0,59 19,7 0,35 2,1
Vitelinato de prata (forma branda) — 0,18 6,0 0,11 —
Vitelinato de prata (forma não-branda) — 0,08 2,7 0,05 —
* Os valores foram obtidos dos dados de E. R. Hammarlund and K. Pedersen-Bjergaard, J. Am. Pharm. Assoc. Pract. Ed. 19, 39, 1958; J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 47, 107, 1958;
e de outras fontes. Os valores variam um pouco com a concentração e aqueles que estão na listados na tabela referem-se a soluções contendo 1 a 3% de fármaco, na maioria das
vezes. A tabela completa com valores de E e ΔTf pode ser encontrada no Merck Index, 11th Ed., Merck, Rahway, N. J., 1989, pp. MISC-79 to MISC-103. Para os mais recentes
resultados relatados por Hammarlund, consulte J. Pharm. Sci. 70, 1161, 1981; 78, 519, 1989.
Símbolos: M é a massa molecular do fármaco; E o equivalente de cloreto e sódio do fármaco; V é o volume em mL de solução isotônica que pode ser preparada adicionando água a
0,3 g de fármaco (que equivale ao peso de fármaco em um volume de uma onça-fluida* de solução a 1%); ΔT1% é o abaixamento crioscópico da solução a 1% do fármaco; Liso é o
f
abaixamento crioscópico molar do fármaco em uma concentração aproximadamente isotônica em relação ao sangue e fluido lacrimal.

A quantidade de fármaco é multiplicada pelo seu valor de onde X corresponde à massa em gramas de agente isotoni-
equivalente de sódio, E, fornecendo o peso de cloreto de sódio ao zante necessários para ajustar a tonicidade, Y é a quantidade
qual o fármaco é equivalente em pressão osmótica: adicional de NaCl necessária para atingir a isotonia abaixo e
Sulfato de efedrina: 1 0 g × 0 23 = 0 23 g acima do equivalente osmótico de NaCl referente ao fármaco
em solução, e E é o equivalente de cloreto de sódio do agente
O sulfato de efedrina contribui com um peso osmoticamente isotonizante.
equivalente a 0,23 g de cloreto de sódio. Uma vez que é necessária
uma quantidade total de 0,9 g de cloreto de sódio para se atingir
a isotonicidade, a quantidade de cloreto de sódio a ser adicionada EXEMPLO 9-15
será igual a 0,67 g (0,90 – 0,23 g). Soluções isotônicas
No caso de decidir pela dextrose para ajustar a tonicidade,
Preparar 200 mL de uma solução aquosa isotônica de timerosal,
em vez de cloreto de sódio, a quantidade necessária pode ser esti-
cuja massa molecular é 404,84 g/mol. A concentração dessa subs-
mada aplicando a seguinte proporção. Se 0,16 é o equivalente de
tância anti-séptica é 1:5000, ou 0,2 g/1.000 mL. O valor de Liso des-
cloreto de sódio da dextrose, logo,
se anti-séptico, um sal de ácido fraco e de uma base forte (eletróli-
1 g dextrose X to univalente), é 3,4 e seu equivalente de cloreto de sódio, E, é:
=
0 16 g NaCl 0 67 g NaCl
Liso 34
X = 4 2 g dextrose E = 17 = 17 = 0 143
MW 404 84
A quantidade de timerosal, 0,04 g para 200 mL de solução,
Além da dextrose, outras substâncias certamente podem multiplicada pelo seu valor de E fornece a massa de NaCl com a
ser utilizadas para substituir o NaCl. Sabe-se que o timerosal qual o fármaco é osmoticamente equivalente. Logo,
fica menos estável nos colírios quando é utilizado um sal de
halogênio como “agente isotonizante” (ou seja, um agente si- 0 04 g × 0 143 = 0 0057 g de NaCl
milar ao NaCl normalmente utilizado para ajustar a tonicidade Uma vez que a quantidade necessária de NaCl para se atingir
de uma solução de um fármaco). Reader40 observou que mani- a isotonia é 0,9 g/100 mL, ou 1,8 g para 200 mL de solução, e já
tol, propilenoglicol e glicerina (agentes isotonizantes que não que o timerosal gera um equivalente de 0,0057 g de NaCl, a quan-
têm efeito prejudicial sobre a estabilidade do timerosal) podem tidade adicional de NaCl necessária para atingir a isotonia, Y, é:
ser uma alternativa ao cloreto de sódio. A concentração para
isotonicidade desses agentes é facilmente calculada mediante Y = 1 80 g NaCl necessários− 0 0057 g NaCl provenientes do
= 1 794 g fármaco
uso da equação (ver Exemplo 9-14):
Y(Quantidade adicional de NaCl necessária para a isotonia) Essa é a quantidade adicional de NaCl necessária para obter
X isotonicidade. O resultado, ∼1,8 g de NaCl, mostra que a concen-
E(Gramas de NaCl equivalentes a 1 g de agente isotonizante) (9-46)
tração de timerosal é tão pequena que sua contribuição para a iso-
tonia é praticamente nula. Por conseguinte, se necessita, basica-
* N. de T.: Uma onça-fluida equivale a 29,57 mL, ou seja, praticamente 30 mL. mente uma concentração de 0,9% de NaCl, ou 1,8 g/200 mL.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 241

Contudo, a partir do trabalho de Reader40 sabemos que - +


COO Na
cloreto de sódio interage com derivados de mercúrio, como o ti-
merosal, reduzindo a estabilidade e a eficácia desta preparação. SHgCH2CH3
Assim, podemos substituir o NaCl por propilenoglicol, como um
agente isotonizante.
Partindo da equação (9-45), podemos calcular o valor de E Timerosal (Mertiolato sódico)
para o propilenoglicol, um não-eletrólito com um valor de Liso de
1,9 e uma massa molecular de 76,09 g/mol:
19
E = 17 = 0 42 Métodos da Classe II
76 09

Utilizando a equação (9-46), X = Y/E, obtemos: Método de White-Vincent


X = 1 794 0 42 = 4 3 g Os métodos de cálculo de tonicidade da Classe II envolvem
a adição de água ao fármaco visando obter uma solução iso-
onde X = 4,3 g indica a quantidade de propilenoglicol necessária
tônica, seguido da adição de um veículo diluente isotônico
para tornar isotônicos os 200 mL de solução de timerosal. ou isotônico e tamponado até completar o volume requerido

TABELA 9-5
SOLUÇÕES DILUENTES ISOTÔNICAS E ISOTÔNICAS TAMPONADAS†
Soluções isotônicas para diluição
Solução isotônica de cloreto de sódio .................................................................................................................. USP
Solução de dextrose .............................................................................................................................................. 5,6%
Solução de nitrato de sódio .................................................................................................................................. 1,3%
Solução de Ringer ................................................................................................................................................ USP
Soluções isotônicas tamponadas para diluição
Solução diluente 1, pH 4,7
Utilizada com sais tais como epinefrina, cocaína, dionina, meticaína, nupercaína, optocina, fenacaína, pontocaína, procaína, fisostigmina,
sintropan e zinco. Para formular sais de fisostigmina e epinefrina, podem ser adicionados 2 g de bissulfito de sódio para minimizar
coloração.*
Ácido bórico p.a. (H3BO3) ................................................................................................................................... 20,0 g
Conservante apropriado, q.s.
Água destilada estéril, q.s.p.................................................................................................................................. 1.000 mL
Solução diluente II, pH 6,8
Utilizada fundamentalmente para sais de pilocarpina, que são estáveis por aproximadamente um mês com esse tampão.
Fosfato monobásico de sódio monoidratado (NaH2PO4H2O) .............................................................................. 4,60 g
Fosfato dibásico de sódio anidro (Na2HPO4) ....................................................................................................... 4,73 g
Cloreto de sódio p.a.............................................................................................................................................. 4,80 g
Conservante apropriado, q.s. ................................................................................................................................
Água destilada estéril, q.s.p.................................................................................................................................. 1.000 mL
Solução diluente III, pH 7,4
Pode ser utilizada como um colírio neutro ou como solvente para fármacos estáveis em soluções de pH neutro.
Fosfato monobásico de potássio anidro (KH2PO4) .............................................................................................. 1,90 g
Fosfato dibásico de sódio anidro (Na2HPO4) ....................................................................................................... 8.10 g
Cloreto de sódio e p.a. .......................................................................................................................................... 4,11 g
Conservante apropriado, q.s. ................................................................................................................................
Água destilada estéril, q.s.p.................................................................................................................................. 1.000 mL
Solução diluente IV, pH 9
Utilizada quando é necessário o uso de um tamponante alcalino para fármacos de uso oftálmico.
Ácido bórico ......................................................................................................................................................... 0,43 g
Borato de sódio .................................................................................................................................................... 4,20 g
Conservante apropriado, q.s.
Água destilada estéril, q.s.p.................................................................................................................................. 1.000 mL
† Retirada de H. W. Hind and F. M. Goyan, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 36, 33, 413, 1947; H. W. Hind and I. J. Szekely, J. Am. Pharm. Assoc. Pract. Ed. 14, 644, 1953; H. B.
Kostenbauder, F. B. Gable, and A. Martin, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 42, 210, 1953.
Abreviaturas: q.s.p. quantidade suficiente para completar; q.s. = quantidade suficiente; USP = United States Pharmacopeia; p.a. = padrão analítico.

* N. de T.: Fazendo referência à fácil oxidação de ambos os sais.


242 P ATRICK J. S INKO

para a solução. Estimulados pela necessidade de ajustar o pH, EXEMPLO 9-16


além da tonicidade, de soluções oftálmicas, White e Vincent41
desenvolveram um método simplificado para tais tipos de cál- Soluções isotônicas
culo. A derivação da equação de cálculo fica melhor demons- Torne as seguintes soluções isotônicas em relação a uma membra-
trada da seguinte forma: na ideal:
Supondo que alguém deseja tornar uma solução de 30 mL Cloridrato de fenacaína 0,06 g
contendo cloridrato de procaína a 1% isotônica aos fluidos cor- Ácido bórico 0,30 g
porais. Primeiro, o peso do fármaco, w, é multiplicado pelo seu Água destilada estéril, q.s.p. 100,0 mL
equivalente de cloreto de sódio, E, obtendo-se: V = [(0 06 × 0 20) + (0 3 × 0 50)] × 111 1
0 3 g × 0 21 0 063 g (9-47) V = 18 mL

Essa é a quantidade de cloreto de sódio osmoticamente As substâncias são dissolvidas em água de modo a obter 18
equivalente a 0,3 g de cloridrato de procaína. mL de solução isotônica e, a seguir, o volume dessa preparação é
Segundo, sabe-se que 0,9 g de cloreto de sódio dissolvidos ajustado a 100 mL mediante adição de solução isotônica diluente.
em uma quantidade de água necessária para preparar 100 mL
de solução geram uma solução isotônica. O volume, V, de so- Método de Sprowls
lução isotônica que se pode preparar com 0,063 g de cloreto de Uma simplificação adicional do método de White e Vincent
sódio (que equivalem a 0,3 g cloridrato de procaína) é calcula- foi introduzida por Sprowls.42 Ele reconheceu a possibilidade
do resolvendo a seguinte proporção: da equação (9-51) vir a ser utilizada para construir uma tabela
0 9g 0 063 g de valores de V, quando o peso do fármaco, w, é estabelecido
(9-48)
100 mL V arbitrariamente. Sprowls selecionou como peso de fármaco 0,3
g, que é a quantidade de fármaco referente a uma onça-fluida
100 (N. de T.: aprox. 30 mL), necessária para obter uma solução a
V 0 063 × (9-49)
09 1%. O volume, V, de solução isotônica que pode ser preparado
dissolvendo 0,3 g de fármaco em uma quantidade suficiente
V 7 0 mL (9-50) de água é passível de ser calculado para fármacos usualmen-
te utilizados em soluções oftálmicas e parenterais. O método
Na equação (9-49), a quantidade 0,063 corresponde ao peso de descrito por Sprowls42 está mais discutido em diversos relatos
fármaco, w, multiplicado pelo equivalente de cloreto de sódio, de Martin e Sprowls.43 A tabela pode ser encontrada na Farma-
E, como se pode apreciar na equação (9-47). O valor da razão copéia Norte-americana (USP). Hammarlund e Pedersen-Bjer-
100/0,9 é 111,1. Logo, de acordo com a equação (9-49) pode- gaard44 realizaram posteriormente uma modificação da tabela
mos escrever: original, cujos valores de V são apresentados na quarta coluna
V w × E × 111 1 (9-51) da Tabela 9-4, onde são listados os volumes, em mililitros, da
solução isotônica contendo 0,3 g de fármaco, que é a quantida-
onde V é o volume em mililitros da solução isotônica que pode de requerida para uma onça-fluida. (O volume, em mililitros,
ser preparada dissolvendo o fármaco com água; w é o peso, de solução isotônica para 1 g de fármaco também pode ser lis-
em gramas, do fármaco dado no problema e E é o equivalente tado em forma de tabela, se assim desejado, multiplicando-se
de cloreto de sódio retirado da Tabela 9-4. A constante 111,1 os valores da quarta coluna por 3,3). A quantidade inicial de
representa o volume em mililitros de solução isotônica obtida solução isotônica tem, finalmente, seu volume ajustado para o
ao dissolver 1g de cloreto de sódio em água. valor requerido mediante diluição com a solução isotônica ou
O problema pode ser resolvido em uma única etapa fazen- com a solução isotônica e tamponante escolhida.
do uso da equação (9-51):
V 0 3 × 0 21 × 111 1
Referências
V 7 0 mL
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Para completar o volume final da solução, adiciona-se
Spiro, Biochem. Z. 65, 409, 1914.
uma quantidade suficiente de solução isotônica de cloreto de 2. D. D. Van Slyke, J. Biol. Chem. 52, 525, 1922.
sódio, ou outra solução isotônica, ou ainda de uma solução 3. R. G. Bates, Electrometric pH Determinations, Wiley, New York, 1954,
diluente isotônica e tamponada até perfazer os 30 mL re- pp. 97–104, 116, 338.
queridos. Algumas soluções para diluição, isotônicas e iso- 4. I. M. Kolthoff and F. Tekelenburg, Rec. Trav. Chim. 46, 33, 1925.
tônicas tamponadas, podem ser encontradas na Tabela 9-5. 5. I. M. Kolthoff and C. Rosenblum, Acid Base Indicators, Macmillan, New
Todas essas soluções possuem valores de isotonia iguais à York, 1937.
solução de NaCl a 0,9%. 6. A. P. Wyss, J. Am. Pharm. Assoc. Pract. Ed. 6, 6, 1945.
Quando mais de um componente está contido em uma 7. V. E. Bower and R. G. Bates, J. Res. NBS 55, 197, 1955.
preparação isotônica, os volumes de solução isotônica, obtidos 8. F. M. Goyan and H. C. Coutsouris, J. Am. Pharm. Assoc. Pract. Ed. 10,
mediante a mistura de cada um dos componentes com a água, 146, 1949.
são somados. 9. H. T. S. Britton and R. A. Robinson, J. Chem. Soc. 1931, 458.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 243

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10
10 SOLUBILIDADE E FENÔMENOS
DE DISTRIBUIÇÃO

PRINCÍPIOS BÁSICOS Aproximação da solubilidade de Hildebrand


Regra de fases estendida
Expressões de solubilidade Solvatação e associação em soluções de
substâncias polares
INTERAÇÕES SOLUTO-SOLVENTE
Solubilidade e calor de dissolução
Solventes polares
Solubilidade de eletrólitos fortes
Solventes apolares
Solubilidade de eletrólitos escassamente solúveis
Solventes de polaridade média
Solubilidade de eletrólitos fracos
SOLUBILIDADE DE GASES EM LÍQUIDOS Cálculo da solubilidade de eletrólitos fracos em
Efeito da pressão função do pH
Efeito da temperatura Influência de solventes na solubilidade de fármacos
Salting-out Efeito combinado do pH e dos solventes
Efeito de reações químicas Influência de tensoativos
Cálculos de solubilidade Influência da complexação em sistemas
multicomponentes
SOLUBILIDADE DE LÍQUIDOS EM LÍQUIDOS Influência de outros fatores na solubilidade de
Soluções ideais e reais sólidos
Miscibilidade total
Miscibilidade parcial DISTRIBUIÇÃO DE SOLUTOS ENTRE
Influência de substâncias estranhas SOLVENTES IMISCÍVEIS
Sistemas ternários Efeito da dissociação iônica e da associação
Constante dielétrica e solubilidade molecular sobre a partição
Conectividade molecular Extração
Área de superfície molecular e solubilidade Solubilidade e coeficientes de partição
Ação conservante de ácidos fracos em sistemas
SOLUBILIDADE DE SÓLIDOS EM LÍQUIDOS óleo-água
Diagrama de fases e a equação da solubilidade ideal Atividade de fármacos e coeficientes de partição
Soluções não-ideais

Ao concluir este capítulo, o O tópico Soluções foi introduzido no Capítulo 5. Neste


OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: momento, deveremos apreciar o tema "soluções" de uma for-
ma mais quantitativa, de modo a entender a teoria e as aplica-
1 Definir solução saturada, solubilidade e solução insatu- ções do fenômeno da solubilidade. O conhecimento desse fe-
rada. nômeno é importante porque permite ao farmacêutico escolher
2 Descrever e dar exemplos de solventes polares, apolares e o melhor meio solvente ou a combinação de solventes para um
de polaridade média. fármaco, assim como contornar certas dificuldades que surgem
3 Discutir os efeitos da pressão, temperatura, salting-out e na preparação de soluções farmacêuticas e, além disso, a solu-
bilidade serve como um padrão de referência ou teste de pu-
de reações químicas na solubilidade de gases em líquidos.
reza. Um estudo detalhado da solubilidade e das propriedades
4 Calcular os coeficientes de Bunsen e a solubilidade de ga- relacionadas também fornece informação sobre a estrutura e as
ses em líquidos. forças intermoleculares dos fármacos.
5 Definir miscibilidade completa e miscibilidade parcial. A solubilidade de uma substância depende das propriedades
6 Compreender os fatores que controlam a solubilidade ele- físicas e químicas do soluto e do solvente, assim como de outros
trólitos fortes e fracos. fatores, como temperatura, pressão, pH do meio de dissolução e,
em menor grau, estado de subdivisão do soluto. Dos nove pos-
7 Descrever a influência de solventes e de tensoativos sobre síveis tipos de misturas derivados dos três estados da matéria (p.
a solubilidade. 40), apenas gases em líquidos, líquidos em líquidos e sólidos em
8 Descrever o significado do coeficiente de partição e a sua líquidos possuem especial importância do ponto de vista farma-
importância em sistemas farmacêuticos. cêutico e, por isso, serão considerados no presente capítulo.
246 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO SOLUÇÕES E SOLUBILIDADE


Uma solução saturada é aquela na qual o soluto está em equilíbrio com a molecular homogênea. Uma solução insaturada é a que contém soluto
fase sólida (soluto). Solubilidade é definida em termos quantitativos como dissolvido em concentração inferior à concentração de saturação, a uma
a concentração de soluto em uma solução saturada, a uma determinada determinada temperatura. Uma solução supersaturada é a solução que
temperatura e, em termos qualitativos, como uma interação espontâ- contém mais soluto dissolvido do que conteria normalmente, a uma dada
nea entre duas ou mais substâncias, com a formação de uma dispersão temperatura, com a presença de soluto não-dissolvido.

PRINCÍPIOS BÁSICOS é remetido a consultar obras de referências específicas.1 Técni-


cas apropriadas para determinar com exatidão solubilidades de
substâncias sólidas em líquidos, assim como solubilidades recí-
Alguns sais, como tiossulfato de sódio e acetato de sódio, po- procas de dois líquidos, foram descritas por Mader e Grady.2
dem ser dissolvidos em grandes quantidades a temperaturas
elevadas e, quando resfriados, precipitam da solução na forma
de cristais. Uma solução saturada desse tipo pode ser trans-
formada em solução saturada estável, mediante semeadura de INTERAÇÕES SOLUTO-SOLVENTE
cristais do soluto, por agitação vigorosa ou raspando as pa-
redes do recipiente. A supersaturação ocorre supostamente Antes de prosseguir com esta seção, o leitor deverá rever o tema
quando os pequenos núcleos de soluto, necessários para ini- “forças intermoleculares”, nas páginas 36-40 do Capítulo 2. O
ciar a formação de cristais, são mais solúveis do que os cristais farmacêutico sabe que a água é um bom solvente para sais, açú-
maiores, o que dificulta a formação e crescimento de núcleos cares e substâncias similares, enquanto o óleo mineral e o ben-
e, consequentemente, impede a cristalização. zeno servem, com freqüência, como solventes para substâncias
que normalmente são pouco solúveis em água. Essas conclusões
de caráter empírico são resumidas pelo ditado “igual dissolve
Regra de fases igual”. Tal máxima é satisfatória para a maioria dos casos, con-
tudo, o estudante que passa a inquirir de que maneira soluto e
De modo conciso, a solubilidade pode ser descrita fazendo uso solvente são semelhantes descobrirá uma área fascinante da pes-
da regra de fases de Gibbs, a qual é descrita como: quisa científica, ainda não plenamente consolidada. O estudante
F C P 2 (10-1) avançado que está interessado nesse assunto pode consultar os
trabalhos de Hildebrand e Scott,3 Leussing4 e Dack.5
onde F é o número de graus de liberdade, ou seja, o número
de variáveis independentes (geralmente temperatura, pressão e
concentração) que devem ser fixas para definir completamente Solventes polares
o sistema; C é menor número de componentes que é suficiente
para descrever a composição química de cada fase e P é o nú- A solubilidade de um fármaco é devida, em grande parte, à po-
mero de fases. A aplicação da regra de fases à miscibilidade de laridade do solvente, ou seja, ao momento dipolar desse. Sol-
líquidos é descrita na página 64; a sua aplicação à dissolução ventes polares dissolvem solutos iônicos e outras substâncias
polares. Como conseqüência, a água se mistura com álcool em
de sólidos em líquidos é dada na página 65.
todas as proporções e dissolve açúcares e outras substâncias
poliidroxiladas.
Expressões de solubilidade
A solubilidade de um fármaco pode ser expressa de diferen-
tes maneiras. A Farmacopéia e Formulário Norte-americanos TABELA 10-1
(USP-NF) expressa a solubilidade de fármacos como o núme- TERMOS SOLUBILIDADE APROXIMADA
ro de mililitros de solvente necessário para dissolver 1 g de
Partes de solvente necessárias
soluto. Por exemplo, a solubilidade do ácido bórico é dada na
para dissolver uma parte de
Farmacopéia Norte-americana da seguinte forma: 1 g de áci-
Termo soluto
do bórico dissolve em 18 mL de água, 18 de álcool e 4 mL
Muito solúvel Menos que 1 parte
de glicerina. A solubilidade também é expressa em termos de
molalidade, molaridade e em percentual (p. 135). Facilmente solúvel 1 a 10 partes
Para substâncias cujas solubilidades não são conhecidas a Solúvel 10 a 30 partes
rigor, os valores de solubilidade são descritos pelos compêndios Moderadamente solúvel 30 a 100 partes
Escassamente solúvel 100 a 1.000 partes
farmacêuticos mediante o uso de certos termos gerais, os quais
Muito escassamente solúvel 1.000 to 10.000 partes
são apresentados na Tabela 10-1. As solubilidades de fármacos
encontram-se expressas de várias formas no Merck Index. Para Praticamente insolúvel ou Mais que 10.000 partes
acessar as solubilidades exatas de diversas substâncias, o leitor insolúvel
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 247

Hildebrand demonstrou, contudo, que o momento dipolar, conduz a um aumento na solubilidade em água. O álcool ter-
por si só, não basta para explicar a solubilidade de substâncias butílico é miscível em água em todas as proporções, enquanto
polares em água. A capacidade do soluto de formar ligações o álcool n-butílico dissolve numa proporção aproximada de 8
de hidrogênio é, de longe, um fator mais significativo do que g/100 mL de água, a 20 °C.
a polaridade derivada de um momento dipolar elevado. Embo- Em resumo, solventes polares, como a água, atuam como
ra o nitrobenzeno possua um momento dipolar de 4,2 × 10−18 solventes pelos seguintes mecanismos:6
esu cm e o fenol um momento dipolar de apenas 1,7 × 10−18
esu cm, a solubilidade do nitrobenzeno tem uma magnitude de (a) Devido à sua constante dielétrica que, no caso específico da
apenas 0,0155 mol/kg em água, enquanto que a do fenol é de água, é de 80. Os solventes polares reduzem as forças de atra-
0,95 mol/kg, a 20 °C. ção entre íons de carga oposta em cristais como o cloreto de só-
A água dissolve fenóis, álcoois, aldeídos, cetonas, aminas dio (p. 48). O clorofórmio tem uma constante dielétrica de 5 e
e outras substâncias que contêm oxigênio e nitrogênio, capazes o benzeno de 2, aproximadamente, e é por essa razão que subs-
de estabelecer com ela ligações de hidrogênio. tâncias iônicas são praticamente insolúveis nesses solventes.

(b) Solventes polares quebram as ligações covalentes de eletró-


litos potencialmente fortes mediante reações ácido-base, uma
vez que esses solventes são anfipróticos (p. 176). Por exemplo,
Álcool a água causa a ionização do HCl segundo mostrado abaixo:
HCl H2 O H3 O Cl
Ácidos orgânicos fracos não são ionizados significativa-
mente pela água; em vez disso, a sua solubilidade parcial é
Aldeído atribuída à formação de pontes de hidrogênio com a água. Fe-
nóis e ácidos carboxílicos, pelo contrário, são facilmente dis-
solvidos em soluções contendo bases fortes.

Insignificante
Cetona

(c) Finalmente, os solventes polares são capazes de solvatar


Amina moléculas e íons mediante forças de interação dipolar, espe-
cialmente por formação de ligações de hidrogênio, as quais
A diferença no caráter ácido ou alcalino dos constituintes, conduzem à dissolução da substância. O soluto deve ser de na-
na acepção de doador-aceptor de elétrons de Lewis, também tureza polar, uma vez que é freqüente que este tenha que com-
favorece as interações específicas nas soluções. petir pelas ligações de hidrogênio entre moléculas de solvente
No gelo, as moléculas de água estão unidas por ligações de já formadas, para assim conseguir um lugar na estrutura de
hidrogênio, proporcionando uma estrutura tetraédrica. Embora associação. A interação íon-dipolo entre o sal sódico do ácido
algumas das ligações de hidrogênio se desfaçam no momento oléico e a água pode ser representada da seguinte forma:
que o gelo funde, a água conserva boa parte de uma estrutura
similar à do gelo a temperaturas normais. Essa estrutura quase-
cristalina é quebrada quando a água é misturada com outras
substâncias capazes de formar ligações de hidrogênio. Quando
etanol e água são misturados, as ligações de hidrogênio entre
as moléculas de água são, em parte, substituídas por ligações
de hidrogênio entre moléculas de água e etanol.
Além dos fatores anteriormente enumerados, a solubili-
dade de uma substância depende, também, de características
estruturais, tais como proporção entre grupos polares e grupos
apolares da molécula de soluto. À medida que o comprimento Solventes apolares
da cadeia apolar de um álcool alifático aumenta, diminui sua
solubilidade em água. Álcoois, aldeídos, cetonas e ácidos de A ação solvente de líquidos apolares, como hidrocarbonetos, é
cadeia linear com mais de quatro ou cinco átomos de carbono diferente daquela vista para solventes polares. Solventes apo-
não cabem dentro da estrutura delimitada pelas pontes de hi- lares não conseguem reduzir a atração entre íons de eletróli-
drogênio da água e, devido a isso, resultam ser escassamente tos fortes e fracos devido à sua baixa constante dielétrica. Tais
solúveis nessa. Quando, além disso, a molécula contém mais solventes também não podem romper ligações covalentes nem
grupos polares, como ocorre no propilenoglicol, glicerina e ionizar eletrólitos fracos, dado que eles pertencem ao grupo
ácido tartárico, a solubilidade em água aumenta sensivelmente. dos denominados solventes apróticos (p. 176), e também não
A ramificação da cadeia de carbonos reduz o caráter apolar e formam pontes de hidrogênio com não-eletrólitos. Assim, so-
248 P ATRICK J. S INKO

TABELA 10-2
POLARIDADE DE ALGUNS SOLVENTES E OS SOLUTOS QUE DISSOLVEM FACILMENTE EM
CADA CLASSE DE SOLVENTE
Constante
dielétrica do
solvente,
(aprox.) Solvente Soluto

←Solubilidade em água decrescente


80 Água Sais inorgânicos, sais orgânicos
50 Glicóis Açúcares, taninos
30 Álcoois metílico e etílico Óleo de rícino, ceras
←− Polaridade decrescente

Resinas, óleos voláteis, eletrólitos


Aldeídos, cetonas e álcoois
20 fracos, incluindo barbituratos,
superiores, éteres, ésteres e óxidos
alcalóides e fenóis
Hexano, benzeno, tetracloreto de
Óleos fixos, gorduras, vaselina,
5 carbono, éter etílico, éter de
parafina e outros hidrocarbonetos
petróleo
0 Óleo mineral, óleos vegetais fixos -

lutos polares e iônicos não são solúveis ou são escassamente de carbono, que é mantido em solução sob pressão positiva.
solúveis em solventes apolares. Também podem ser considerados como pertencentes a esta
Porém, solventes apolares podem dissolver solutos apola- classificação os aerossóis, produtos para os quais o gás pro-
res com valores de pressão interna similares (p. 258), mediante pelente é dióxido de carbono ou nitrogênio e, em alguns, há
interações do tipo dipolo induzido. As moléculas de soluto são dissolução sob pressão.
mantidas em solução por forças fracas do tipo van der Waals- A solubilidade de um gás em um líquido é a concentração
London (p.37). Dessa forma, óleos e gorduras dissolvem em de gás dissolvido, estando esse em equilíbrio com parte do gás
tetracloreto de carbono, benzeno e óleo mineral. Alcalóides na puro sobre a solução. A solubilidade depende, essencialmente,
forma de base livre, assim como ácidos graxos, também dissol- de pressão, temperatura, presença de sais e reações químicas
vem em solventes apolares. que às vezes ocorrem entre o gás e o solvente.

Solventes de polaridade média Efeito da pressão


Os solventes de polaridade média, como cetonas e álcoois, po- A pressão de um gás sobre a solução é um aspecto importante
dem induzir certo grau de polaridade nas moléculas de solventes no caso de soluções de gases, uma vez que a mesma altera a
apolares. Dessa forma, o benzeno, que é facilmente polarizável, solubilidade do gás dissolvido em equilíbrio com o gás puro.
se torna solúvel em etanol, por exemplo. De fato, solventes de
O efeito da pressão sobre a solubilidade de um gás é expressa
polaridade média podem agir como solventes intermédios favo-
pela Lei de Henry, a qual estabelece que, em uma solução muito
recendo a miscibilidade entre solventes polares e apolares. As-
diluída, em temperatura constante, a concentração de gás dis-
sim, a acetona aumenta a solubilidade do éter em água. Loran
e Guth7 estudaram a ação de solvente intermediário do etanol solvido é proporcional à pressão parcial do gás em equilíbrio
sobre misturas de água e óleo de rícino. O propilenoglicol mos- sobre a solução. A pressão parcial do gás é calculada subtraindo
trou ser capaz de aumentar as solubilidades mútuas entre água e a pressão de vapor do solvente da pressão total sobre a solução.
essência de menta e entre água e benzoato de benzila.8 Se C2 representa a concentração de gás dissolvido em gramas
Vários dos tipos de solventes mais comuns estão listados por litro de solvente, e p é a pressão parcial em milímetros de
em ordem de “polaridade” decrescente na Tabela 10-2, junto mercúrio do gás não dissolvido que se encontra sobre a solução,
às respectivas classes de solutos. O termo polaridade é utiliza- a relação de Henry pode ser escrita da seguinte forma:
do aqui de forma flexível, visando representar não apenas as C2 σp (10-2)
constantes dielétricas dos solventes, mas também outros fato-
res já enumerados. onde σ é o valor inverso da constante da lei de Henry, k (p.
141), a qual é chamada, às vezes, de coeficiente de solubilida-
de. O uso de fração molar é mais adequado; contudo, a molari-
dade pode ser utilizada em soluções diluídas.
SOLUBILIDADE DE GASES EM LÍQUIDOS O significado da lei de Henry para o farmacêutico reside
no fato da solubilidade de um gás aumentar diretamente com a
As soluções farmacêuticas de gases incluem ácido clorídrico, pressão e vice-versa, de modo que, às vezes, o gás escapa com
água amoniacal e preparações efervescentes contendo dióxido violência quando é retirada a pressão sobre a solução. Esse fe-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 249

CONCEITO SOLUBILIDADE
A máxima simples, segundo a qual igual dissolve igual, deve ser reformu- pressão interna, reações ácido-base e outros fatores. Em resumo, a solu-
lada considerando que, em muitos casos, a solubilidade de uma substân- bilidade depende de efeitos químicos, elétricos e estruturais que condu-
cia poderá ser descrita de forma apenas qualitativa e somente após ter-se zem a interações mútuas entre soluto e solvente.
levado em conta polaridade, constante dielétrica, associação, solvatação,

nômeno é comumente reconhecido nas soluções efervescentes, padrão de 0 °C e 760 mm Hg de pressão) que se dissolve em 1
quando a tampa do recipiente é retirada. litro de solvente, sob uma pressão parcial de 1 atm de gás e a
uma determinada temperatura:
V ás TPN
Efeito da temperatura αp (10-3)
Vsoln
A temperatura também tem uma acentuada influência sobre a
onde Vgás representa o volume de gás dissolvido, a pressão e
solubilidade de um gás em um líquido. Conforme a temperatu-
temperatura normais (TPN), em um volume Vsoln de solução,
ra aumenta, a solubilidade da maioria dos gases diminui, devi-
a uma pressão parcial de gás p. O coeficiente de Bunsen, α, de
do à forte tendência que o gás tem de se expandir. Nos países
alguns gases em água a 0 °C e 25 °C é dado na Tabela 10-3. A
de clima quente, em condições de temperatura elevada, a ex-
aplicação da lei de Henry e os cálculos de σ e de α são ilustra-
pansão dos gases, associada ao fenômeno da pressão, exige es-
dos no exemplo seguinte.
pecial atenção por parte do farmacêutico ao abrir um recipiente
que contenha gases em solução. O recipiente contendo uma
solução de gases ou um líquido de elevada pressão de vapor, EXEMPLO 10-1
como o nitrito de etila, deverá ser primeiro imerso em gelo ou Calcular σ e α
água fria, antes de se proceder à abertura do mesmo.
Se 0,0160 g de oxigênio dissolvem em 1 litro de água, a uma tem-
peratura de 25 °C e a uma pressão de oxigênio de 300 mm Hg,
Salting-out calcular (a) σ e (b) o coeficiente de Bunsen α.
(a)
Freqüentemente, os gases são liberados das soluções que os C2 (g litro)
σ=
contêm mediante adição de um eletrólito, como cloreto de só- p(mm Hg)
dio, e, às vezes, de um não-eletrólito, como sacarose. Esse fe- 0 0160
= = 5 33 × 10−5
nômeno é denominado salting-out. Ele pode ser demonstrado 300
adicionando-se pequenas quantidades de sal a uma bebida ga- (b) Para calcular o coeficiente de Bunsen, primeiro é neces-
seificada. O escape de gás resultante é devido à atração que os sário calcular o volume de gás em condições de TPN. Segundo a
íons do sal e os não-eletrólitos altamente polares têm pelas das equação dos gases ideais, V = nRT/p, logo:
moléculas de água, o que reduz a densidade do meio aquoso
0 0160
adjacente às moléculas de gás. Salting-out também ocorre em × 0 08205 × 273 15
soluções de líquidos em líquidos e de sólidos em líquidos. Vgás TPN = 32
1 atm
= 0 0112 L a TPN
Efeito de reações químicas Aplicando a equação (10-3), obtemos:
A lei de Henry se aplica estritamente a gases que sejam ape- Vgás 0 0112
α= = = 0 0284
nas escassamente solúveis e que não reajam de forma alguma Vsoln p 300

com o solvente. Diversos gases, como cloreto de hidrogênio, 760
amônio e dióxido de carbono, mostram um desvio dessa lei
em decorrência de reações químicas entre o gás e o solvente,
normalmente acompanhadas de um aumento de solubilidade.
Por causa disso, o cloreto de hidrogênio é aproximadamente TABELA 10-3
10.000 vezes mais solúvel em água do que o oxigênio. COEFICIENTE DE BUNSEN, α, PARA GASES EM ÁGUA A 0 °C
E A 25 °C
Cálculos de solubilidade α
A solubilidade de um gás em um líquido pode ser expressa Gás 0 °C 25 °C
pelo inverso da constante da lei de Henry, σ, ou pelo coefi- H2 0,0215 0,0175
ciente de absorção de Bunsen, α. O coeficiente de Bunsen é N2 0,0235 0,0143
O2 0,0478 0,0284
definido como o volume de gás em litros (referido a condições- CO2 1,713 0,759
250 P ATRICK J. S INKO

(c) Quantas gramas de oxigênio podem ser dissolvidas em 250 0 075 cm3 O2 cm3 COE
= 26 3
mL de água, se a pressão total sobre da mistura é de 760 mm Hg? 0 00285 cm3 O2 cm3
A pressão parcial de oxigênio na solução é de 0,263 atm e a tempe-
ratura é de 25 °C. Logo,
As Tabelas 10-4 e 10-5 proporcionam os valores de k de
C2 (g litro)
σ = 5 33 × 10−5 = vários gases nos solventes água e benzeno. Vários exemplos
(0 263 × 760) mm Hg
mostrados ilustram o cálculo da constante da lei de Henry, k e as
C2 = 0 0107 g litro ou 0 0027 g 250 mL solubilidades de gases expressas como fração molar, molalida-
O oxigênio é transportado no corpo humano (a) como gás de, molaridade e gramas de soluto por litro de solução. As solu-
dissolvido no conteúdo dos eritrócitos e (b) como moléculas de O2 ções de gases que obedecem à lei de Henry são muito diluídas,
ligadas a átomos de ferro da porção heme da hemoglobina. Aqui de modo que não há diferença entre molaridade e molalidade.
é representada parte da molécula heme da hemoglobina, demons- A constante da lei de Henry, k, da forma como dada na
trando a ligação de dois átomos de oxigênio a um átomo de ferro9: terceira e quarta coluna da Tabela 10-4, pode ser representada
como:
p2
k
X2
(10-4) Pressão do gás (soluto) em torr ou atmosferas
A hemoglobina é constituída por quatro moléculas heme, de ção molar do gás na solução (10-5)
modo que possui quatro átomos para se ligarem a quatro molécu-
las de oxigênio. A concentração de O2 dissolvido no sangue regula e a constante k na quinta e sexta coluna como:
a captação e liberação de oxigênio mediante os átomos de ferro p2
k
presentes na hemoglobina. c ou m
Pressão do gás (soluto) em torr
EXEMPLO 10-2 Molaridade, molalidade ou g/litro de gás na solução
(10-6)
Concentração de oxigênio nos eritrócitos (COE)
A pressão de vapor parcial,10 p, do oxigênio no sangue é de 75 Embora os valores de k para CO2 tenham sido apresenta-
mm Hg e o percentual de saturação de O2 nos eritrócitos tem sido dos na Tabela 10-4, esse gás é demasiado solúvel como para
estimado em 92,8%. Qual é a concentração de O2 dissolvido nos se ajustar bem à lei de Henry.
eritrócitos, excluindo o O2 ligado ao ferro da hemoglobina? O inverso da constante da lei de Henry, σ, não foi lista-
O coeficiente de solubilidade, σ (inverso da constante da lei de do para os gases da Tabela 10-4, mas pode ser calculado para
Henry), pode ser expresso em volume (cm3), a uma temperatura e cada um dos casos retomando o valor recíproco dos valores de
pressão definidas, em vez de ser expresso em massa (grama ou mol) k definidos. Os valores de k para gases dissolvidos em outros
de gás dissolvido em um solvente. O valor de σ para O2 a 37 °C é solventes distintos da água podem ser encontrados na literatu-
4,1 × 10–5 cm3 de O2/cm3 de COE/mm Hg. Neste caso, o coeficiente
ra. Os valores de k para vários gases dissolvidos em benzeno a
de solubilidade está, na realidade, mais proximamente relacionado
25 °C são relacionados na Tabela 10-5.
como o coeficiente de Bunsen, α, do que com o inverso da constan-
te da lei de Henry, σ. A partir da equação (10-2), obtemos:
EXEMPLO 10-3
Concentração de C2 =(4 1×10−5 cm3 soluto cm3 COE mmHg)
oxigênio Solubilidade do oxigênio
× (75 mm Hg O2 pressão no sangue)
(a) Qual é a solubilidade do oxigênio em água, a 1 atm de pressão
C2 3 075 10−3 cm3 O2 cm3 conteú
e a uma temperatura de 25 °C? Expressar os resultados tanto em
Contudo, aprendemos que o O2 nos eritrócitos apresenta ape- molalidade quanto em molaridade.
nas 92,8% de saturação. Conseqüentemente, C2 = 0,928 × (3,075 × Duas equações se mostram úteis na conversão de fração molar, X2,
10–3) = 2,85 × 10–3 cm3 O2/cm3 COE, a uma pressão de 75 mm Hg em molalidade, m e em molaridade, c, quais sejam:
no sangue.
X2 ρX2
Consideremos, agora, a segunda e mais importante avenida m= c=
M1 (1 − X2 ) M1 (1 − X2 ) M2 X2
para o transporte do O2 no sangue. A capacidade de ligação foi
determinada em 0,40 cm3 de O2 por cm3 de eritrócitos. A uma onde M1 é a massa molecular do solvente, M2 a massa molecular
pressão parcial de oxigênio de 75 mm Hg, a saturação de O2 nos do soluto e ρ é a densidade da solução. Para poder aplicar a lei de
sítios de ferro da heme não é 100%, mas 18,7%. Por conseguinte, Henry a uma solução suficientemente diluída, ρ deve ser basica-
(0 40 cm3 O2 cm3 )(0 187) = 0 075 cm3 mente igual a 1,0 e o termo M2X2 pode ser ignorado na equação da
molaridade. Dessa forma, para uma solução diluída, molalidade e
Apesar de esse valor parecer pequeno e da aparente ineficiên- molaridade são aproximadamente iguais.
cia da ligação de O2 à hemoglobina, quando comparada ao trans-
Utilizando os valores de k da Tabela 10-4, pode-se obter a so-
porte de O2 dissolvido no conteúdo total dos eritrócitos, a ligação
lubilidade do O2 em água, a 1 atm e 25 °C, mediante a proporção:
à hemoglobina resulta ser, como sistema transportador de O2, 26
vezes mais eficiente em levar O2 aos diferentes tecidos do organis- 1 atm
4 34 × 104 atm fração molar = ; X2 = 2 30 × 10−5
mo. Vejamos: X2
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 251

TABELA 10-4
CONSTANTES DA LEI DE HENRY PARA GASES EM ÁGUA, A 25 °C*
mm Hg (torr) por mm Hg (torr) por grama de
Massa mm Hg (torr) por atm de pressão por molalidade ou mo- gás por quilograma de H2O
Gás molecular fração molar de gás fração molar de gás laridade de gás ou por litro de solução
H2 2,02 5,34 × 107 7,03 × 104 9,62 × 105 4,76 × 105
He 4,00 1,10 × 108 1,45 × 105 1,99 × 106 4,98 × 105
N2 28,01 6,51 × 107 8,57 × 104 1,17 × 106 4,18 × 104
O2 32,00 3,30 × 107 4,34 × 104 5,94 × 105 1,86 × 104
CO 28,01 4,34 × 107 5,71 × 104 7,82 × 105 2,79 × 104
CO2 44,01 1,25 × 106 1,64 × 103 2,24 × 104 5,09 × 102
CH4 16,04 31,4 × 106 4,13 × 104 5,65 × 105 3,52 × 104
C2H6 30,07 23,0 × 106 3,03 × 104 4,15 × 105 1,38 × 104
* Retirada de: F. Daniels and R. A. Alberty, Physical Chemistry, Wiley, New York, 1955, p. 200.

(2 30 × 10−5 ) Assim, obtemos:


Molalidade m =
18 015(1 − (2 30 × 10−5 )) 760 torr
k(H2 ) = = 5 34 × 107 torr (fração )
= 0 00128 mol kg H2 O X2 (fração
X2 = 760 torr [5 34 × 107 torr (fração
Logo, molalidade ≅ molaridade, ou seja, C ≅ 0,00128 mol/litro
de solução. = 1 42 × 10−5 (fração molar)
(b) Calcular a constante da lei de Henry, k, para o metano, a 87 × 10−8 )
1 atm e 25 °C, expressando-a em torr/(mol/kg H2O). A partir da m= = 7 88 × 10−4 mol kg H2 O
18 015(1 − (1 87 × 10−8 ))
Tabela 10-4, teremos: ∼
= 7 88 10−4 mol litro
1 atm
k(CH4 ) = 4 13 × 10 atm (fração
4
=
X2 Para converter mol para grama, utilizamos a equação g = mol
× massa molecular:
X2 = 1 atm (4 13 × 10 atm (fração
4
))
2 42 10−5 (fração molar) 7 88 × 10−4 mol litro × 2 02 g mol = 1 59 × 10 −3 g litro
760 torr
Transformando a fração molar de CH4 para molalidade, k= = 4 77 × 105 torr (g litro)
1 59 × 10−3 g L
42 × 10−5 )
m= = 1 344 × 10−3 mol kg H2 O (d) Utilizando o valor de k obtido no item (c), calcular o nú-
18 015(1 (2 42 10−5 )) mero de gramas de gás hidrogênio dissolvidos em um litro de so-
Por conseguinte, k em torr/(mol/kg H2O) corresponde a: lução aquosa, a uma pressão externa do gás de 1 atm (760 torr),
a 25 °C.
1 atm × 760 torr atm 760 760 torr
k= = k = 4 77 × 105 torr (g litro) =
1 344 × 10−3 mole kg H2 O 1 344 × 10−3 c (g litro)
= 5 65 × 105 torr (mol kg H2 O) c = 760 torr (4 77 × 105 torr (g litro))

(c) Calcular a constante da lei de Henry para o hidrogênio c = 0 00160 g litro


(massa molecular 2,02 g/mol), expressando a pressão em torr, a (e) Para obter a constante da lei de Henry, k, de um gás a uma
25 °C. Expressar k em torr/(g/litro), considerando g/litro como ba- temperatura diferente de 25 °C, se procede da seguinte forma. A
sicamente igual a g/kg de água, em uma solução suficientemente solubilidade do O2 em água, a 1 atm de pressão e a 0 °C é 0,070 g/
diluída para tornar a lei de Henry aplicável. litro. Para expressar k em torr/(g/litro), simplesmente escrevemos:
k 760 torr (0 070 g litro) 1 09 104 torr (g litro)

TABELA 10-5 Nesses exemplos sobre as constantes da lei de Henry, o termo


fração molar é colocado depois dos valores de X2 com o objetivo de
CONSTANTES DA LEI DE HENRY PARA GASES EM
indicar que os números estão sendo expressos como frações mola-
BENZENO, A 25 °C*
res, ou seja, como razões molares e, conseqüentemente, se trata de
mm Hg (torr) por números puros, sem qualquer unidade física associada aos mesmos.
Gás fração molar de gás
H2 2,75 × 106
N2 1,79 × 106
CO 1,22 × 106 SOLUBILIDADE DE LÍQUIDOS EM LÍQUIDOS
CO2 8,57 × 104
CH4 4,27 × 105
* Retirada de: F. Daniels and R. A. Alberty, Physical Chemistry, Wiley, New
Na preparação de soluções farmacêuticas é freqüente que dois
York, 1955, p. 200. ou mais líquidos sejam misturados entre si. Por exemplo, ál-
252 P ATRICK J. S INKO

cool é misturado com água para obter soluções hidroalcoólicas Quando a pressão interna ou as forças coesivas dos com-
de diferentes graduações, óleos voláteis são mistos com água ponentes de uma mistura do tipo hexano e água são bastante
para obter soluções diluídas conhecidas como águas aromá- diferentes, as moléculas de um dos componentes não podem
ticas, assim como óleos voláteis (essências) se dissolvem em se intrincar com as do outro componente, do que resulta uma
álcool na preparação de espíritos* e elixires; éter e álcool são solubilidade parcial. Líquidos polares possuem forças de co-
misturados em colódios, e vários óleos vegetais são misturados esão elevadas, ou seja, pressão interna elevada, e agem como
na obtenção de loções, sprays e óleos medicamentosos. solventes de substâncias de natureza similar. Substâncias apo-
lares de baixa pressão interna são “desalojadas” pelas potentes
forças de coesão existentes entre as moléculas de um líquido
Soluções ideais e reais polar. Isso resulta em um desvio positivo da lei de Raoult,
como mostra a Figura 5-3, na página 141. Deve ser salientado
Segundo a lei de Raoult, pi = pio.Xi, ou seja, a pressão parcial pi
que a solubilidade limitada dos solutos apolares em solventes
de um componente de uma mistura líquida, a uma temperatura
determinada, é igual à pressão de vapor do mesmo no estado altamente polares e, sobretudo, naqueles solventes que se as-
puro multiplicada pela fração molar desse componente na so- sociam por ligações de hidrogênio, não pode ser atribuída uni-
lução. Uma solução é dita ideal quando ambos os componentes camente à diferença de pressão interna. Outros fatores serão
de uma mistura binária obedecem à lei de Raoult ao longo de considerados com mais detalhes a partir da página 263.
toda a faixa de composições possíveis. Quando um dos com- Sistemas líquido-líquido podem ser divididos em duas ca-
ponentes apresenta desvio negativo, é passível de comprova- tegorias, de acordo com a solubilidade de uma substância em
ção termodinâmica que o outro componente também deverá outra:
apresentar desvio negativo (Figura 5-2, p. 140). A afirmativa (a) Miscibilidade Total e (b) miscibilidade parcial. O termo
correspondente também pode ser feita em relação aos desvios miscibilidade refere-se à solubilidade mútua dos componentes
positivos da lei de Raoult. de um sistema líquido-líquido.
Os desvios negativos levam ao aumento da solubilidade e
estão associados, freqüentemente, com a formação de ligações
de hidrogênio entre substâncias polares. A interação do solven-
Miscibilidade total
te com o soluto é denominada solvatação. Os desvios positivos Solventes polares e semipolares, como água e álcool, glicerina
diminuem a solubilidade e são interpretados como o resultado e álcool, e álcool e acetona, são ditos completamente miscíveis
da associação das moléculas de um dos componentes, forman- porque se misturam em todas as proporções. Solventes apola-
do moléculas duplas (dímeros) ou polímeros de ordem elevada. res, como benzeno e tetracloreto de carbono, também são total-
Hildebrand, contudo, sugeriu que na maioria dos casos o des- mente miscíveis entre si. De modo geral, as misturas de líqui-
vio positivo é melhor explicado pela diferença entre as forças dos totalmente miscíveis não representam qualquer problema,
de coesão das moléculas de cada um dos componentes. Essas sendo desnecessárias considerações adicionais a esse respeito.
forças de atração, as quais podem ocorrer em gases, líquidos
ou sólidos, recebem o nome de pressão interna..
Quando se assume que o vapor apresenta um comporta- Miscibilidade parcial
mento praticamente ideal, a pressão interna (em cal/cm3) é cal-
culada mediante a equação: Quando quantidades de água e éter ou de água e fenol são mis-
Hv − RT turadas, se formam duas camadas de líquido, cada uma delas
Pi (10-7) contendo uma parte dissolvida do outro líquido. O sistema
V fenol-água foi discutido em detalhes no Capítulo 2 e, nesse sen-
onde ΔHv é o calor de vaporização e V o volume molar do lí- tido, o estudante deve revisar a seção que trata da regra das fa-
quido, a uma temperatura T. ses. Basta, aqui, reiterar os seguintes pontos: (a) Solubilidades
mútuas de líquidos parcialmente miscíveis são influenciadas
EXEMPLO 10-4 pela temperatura. Em um sistema do tipo fenol e água, as solu-
bilidades mútuas das duas fases conjugadas aumentam até uma
Calcular a pressão interna determinada temperatura de dissolução crítica (ou temperatura
O calor de vaporização molar da água a 25 °C é 10.500 cal e seu consoluta superior), quando as composições passam a ser idên-
volume molar, V, é 18,01 cm3. A constante dos gases R vale 1,987 ticas. Nessa temperatura forma-se um sistema homogêneo ou
cal/mol K. Calcular a pressão interna da água nessas condições. monofásico. (b) A partir do conhecimento sobre o diagrama de
Temos que: fases, mais especificamente das denominadas linhas de “amar-
10 500 − (1 987 × 298 2) ração” que cortam a curva binodal, é possível calcular tanto
Pi =
18 01 a composição de cada componente em duas fases conjugadas,
= 550 cm3 ou 22 como a quantidade de cada fase em relação à outra. O Exemplo
10-5 nos proporciona uma demonstração desse tipo de cálculo.
A familiaridade com os cálculos, similares aos encontrados
na p. 20, permitirá que o estudante faça a conversão de cal/cm3
EXEMPLO 10-5
para atmosferas.
Composição ponderal da mistura
* N. de T.: O termo spirit não encontra similar no português e refere-se a Uma mistura de fenol e água tem uma composição total de 50%
soluções alcoólicas contendo, geralmente, óleos essencias. de fenol a 20 °C. A essa temperatura, a linha de amarração corta
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 253

a linha binodal nos pontos correspondentes a 8,4 e 72,2% m/m de 0


fenol (conforme se observa na Figura 2-23, p. 64). Quanto pesam 100
a camada aquosa e a camada de fenol, considerando uma mistura
de 500 g? Quantas gramas de fenol estão presentes em cada uma
das duas fases?
Seja Z o peso em gramas da camada aquosa. Logo, o peso em

ol
lic
gramas da camada de fenol será igual a 500–Z e a soma dos percen-

ág
nog

ua
tuais de fenol nas duas camadas deverá ser igual à composição total 50
50

ile
desse, que é de 50%, ou seja, 500 × 0,50 = 250 g. Conseqüentemente,

iet
pol
Z(8 4 100) + (500 − Z)(72 2 100) = 250
Z = 174 g
500 − Z = 326 g

174 × 0 084 = 15 g 100


ólica, 0
326 0 722 = 235 g 100 50 0
essência de menta
No caso de alguns pares de líquidos, a solubilidade pode Figura 10-1 Diagrama triangular mostrando a solubilidade da essência de
aumentar à medida que a temperatura é diminuída e o sistema menta em proporções diferentes de água e polietilenoglicol.
irá apresentar uma temperatura consoluta inferior. Abaixo des-
sa temperatura ambos os componentes são miscíveis em todas
as proporções e acima dessa há formação de duas camadas se-
paradas. (Figura 2-24, p. 66). Outro tipo de mistura, represen- ding. Quando a solubilidade de um líquido apolar em água é
tado apenas por uns poucos casos, como nicotina e água (ver aumentada mediante a formação de micelas por um tensoativo,
Figura 2-25, p. 66), mostra tanto temperatura consoluta supe- o fenômeno recebe o nome de solubilização micelar (p. 270).
rior quanto inferior, com uma região de temperatura interme-
diária na qual os líquidos são apenas parcialmente miscíveis.
Um tipo final de mistura não mostra qualquer temperatura de
Sistemas ternários
dissolução crítica. O par éter etílico e água, por exemplo, não Os princípios que fundamentam os sistemas que contêm um,
apresenta temperaturas consolutas superior nem inferior e a dois ou três componentes parcialmente miscíveis são discuti-
miscibilidade parcial acontece em toda a faixa de temperatura dos em detalhes no Capítulo 2. Exemplos adicionais de siste-
na qual a mistura pode existir. mas ternários contendo um par de líquidos parcialmente solú-
veis são representados pela água, CCl4 e ácido acético, e água,
Influência de substâncias estranhas11 fenol e acetona. Loran e Guth7 estudaram o sistema ternário
constituído por água, óleo de rícino e álcool e determinaram
A adição de uma substância a um sistema líquido binário leva as proporções apropriadas para o seu uso em certas loções e
à obtenção de um sistema ternário, isto é, de três componen- preparações capilares. Nesse trabalho é mostrado um diagra-
tes. Quando o material adicionado é solúvel em apenas um dos ma triangular. Similarmente, a adição paulatina de água a uma
componentes ou a solubilidade em um deles é acentuadamen- mistura contendo essência de menta e polietilenoglicol é mos-
te diferente em relação ao outro componente, a solubilidade trada na Figura 10-1.8 Diagramas triangulares também encon-
mútua entre o par de líquidos diminui. Se a mistura binária tram aplicação nas formulações cosméticas que envolvam três
original apresenta uma temperatura consoluta superior, essa fases líquidas.12 Gorman e Hall13 determinaram o diagrama
aumenta. Se, ao contrário, esse sistema apresenta uma tempe- triangular para o sistema salicilato de metila, isopropanol e
ratura consoluta inferior, esta é diminuída pela adição do ter- água (Figura 10-2).
ceiro componente. Por exemplo, quando 0,1 M de naftaleno é
adicionado a uma mistura de fenol e água, o naftaleno se dis-
solve apenas no fenol, e a temperatura consoluta aumenta em Constante dielétrica e solubilidade
cerca de 20 °C. Se 0,1 M de cloreto de potássio é adicionado a
essa mesma mistura de fenol e água, esse sal dissolve apenas Paruta e colaboradores14 estudaram a solubilidade de barbitu-
na água e a temperatura consoluta aumenta aproximadamente ratos, parabenos, xantinas e de outras classes de fármacos para
em 8 °C. Esse último caso ilustra o efeito de salting-out, visto um grupo de solventes de constante dielétrica variada. As so-
previamente para as soluções de gases. lubilidades da cafeína em misturas de dioxano e água, segundo
Quando a terceira substância adicionada é solúvel em am- determinações efetuadas em dois laboratórios diferentes, são
bos os líquidos em magnitude similar, a solubilidade mútua mostradas na Figura 10-3. O procedimento gráfico de plotar
entre o par de líquidos sofre aumento, a temperatura consoluta solubilidade contra constante dielétrica e, novamente, contra o
superior sobre abaixamento e a consoluta inferior é aumentada. parâmetro de solubilidade do solvente, δ, será discutido mais
A adição de ácido succínico ou de oleato de sódio ao sistema adiante. Gorman e Hall13 obtiveram uma relação linear ao plo-
fenol-água provoca um resultado dessa natureza. O aumento tar o logaritmo da fração molar do soluto salicilato de metila
na solubilidade mútua entre dois solventes parcialmente mis- versus a constante dielétrica de misturas de isopropanol-água,
cíveis por um terceiro agente é comumente denominado blen- da forma como é mostrado na Figura 10-4.
254 P ATRICK J. S INKO

Log da fração molar de salicilato de metila


– 0,5

)
eso
rp

Ág
po

ua
– 1,0
l (%

(%
no

po
Miscível
pa

rp
– 1,5
pro

eso
Iso

)
– 2,0
Imiscível

0 10 20 30 40 50 60 70
Constante dielétrica da blenda de solventes
Salicilato de metila (% por peso) Figura 10-4 Solubilidade de salicilato de metila em blendas de isopropanol-
água com constantes dielétricas diferentes. (Retirada, com autorização, de
Figura 10-2 Diagrama triangular de fases para o sistema ternário salicilato
W. G. Gorman and G. D. Hall, J. Pharm. Sci. 53, 1017, 1964.)
de metila-isopropanol-água. (Retirada, com autorização, de W. G. Gorman
and G. D. Hall, J. Pharm. Sci. 53, 1017, 1964).

termo 1χ é obtido da soma das ligações ponderadas pelo valor


Conectividade molecular inverso da raiz quadrada de cada ligação. Desconsiderando os
hidrogênios ligados, no caso do propano,
Kier e Hall15 investigaram a solubilidade de hidrocarbonetos
líquidos, álcoois, éteres e ésteres em água. Eles aplicaram o
índice topológico (estrutural), χ (chi), que adquire valores que
dependem das características estruturais e dos grupos funcio- vemos que o carbono 1 está unido por uma ligação ao carbono
nais de uma molécula específica. A técnica utilizada por Kier e central e que este, por sua vez, está unido aos carbonos adja-
Hall é denominada conectividade molecular. Para descrever a centes por meio de duas ligações. Portanto, para a ligação da
molécula utilizam-se termos de chi de ordem zero, 0χ, de pri- esquerda, o recíproco da raiz quadrada da “valência” é (1·2)–1/2
meira ordem, 1χ, e outros termos de chi de ordem superior. O = 0,707. A ligação do lado direito da molécula tem o mesmo
valor do recíproco da raiz quadrada da valência, 0,707. Ambos
os valores são somados, resultando:
1
χ 0 707 0 707 1 414
Constante dielétrica, 
0 20 40 60 80 Para o n-butano, considerando apenas os átomos de carbo-
no e suas ligações o valor é:

90
Solubilidade (mg/mL)

75
1
χ (1 2)−1)2 (2 2)−1)2 (1 2)−1)2 1 914
B
O isobutano, em função da ramificação da molécula,
60 A

45

30
possui um valor de 1χ diferente do n-butano:

15 χ
1
(1 · 3)−1 2
(1 · 3)−1 2
(1 · 3)−1 2

9.5 13.0 16.5 20.0 23.5 1 732


Parâmetro de solubilidade, δ1
O cálculo de índices χ de segunda ordem ou de outra or-
Figura 10-3 Misturas de cafeína em dioxano, a 25 °C. Os perfis de solubili- dem superior e as aplicações da conectividade molecular em
dades foram obtidos de dois estudos, estudo A13 e estudo B 34 A solubilidade Farmácia podem ser vistos no trabalho de Kier e Hall.15
em mg/mL está plotada contra a constante dielétrica (escala superior) e pa- Pode-se utilizar 1χ para correlacionar solubilidades mo-
râmetro de solubilidade do solvente (escala inferior). (Retirada, com autoriza- lais de hidrocarbonetos alifáticos, álcoois e ésteres em água,
ção, de A. Martin, A. N. Paruta and A. Adjei, J. Pharm. Sci. 70, 1115, 1981). utilizando análise de regressão (ver Capítulo 1, análise de re-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 255

gressão). Para ajustar os dados referentes a alcanos, a 25 °C, a


equação correspondente é:15 TABELA 10-6
ÁREAS DE SUPERFÍCIE MOLECULAR DE ÁLCOOIS E
ln S 1 505 2 533 1χ (10-8) HIDROCARBONETOS
Como visto anteriormente, para o isobutano χ é igual a
1
Solubilidade
1,732. Inserindo esse valor na equação (10-8), teremos que: HYSA FGSA observada
ln S 5 8922; S 2 76 10−3 m (Å2) (Å2) (m)
n-butanol 212,9 59,2 1,006
O valor experimental da solubilidade do isobutano em Cicloexanol 240,9 49,6 3,8 × 10–1
água, a 25 °C, é 2,83 × 10–3 m. Cicloexano 279,1 – 6,61 × 10–4
n-octano 383 – 5,80 × 10–6
* Abreviaturas: HYSA = área de superfície do hidrocarboneto; FGSA = área de
Área de superfície molecular e solubilidade superfície do grupo funcional (grupo OH, no caso de um álcool).

Amidon e colaboradores16 publicaram uma série de trabalhos em


relação à solubilidade de líquidos não-eletrólitos em solventes = 5 1 × 10−4 (Diferença = 22 8%
polares. Esses autores investigaram a solubilidade de hidrocar- 61 × 10−4 ).
bonetos, álcoois, ésteres, cetonas, éteres e ácidos carboxílicos. O
O método de Amidon e colaboradores pode ter certa aplicabili-
método consiste em uma análise de regressão, na qual o logarit-
dade na previsão de solubilidades de fármacos com moléculas orgâ-
mo da solubilidade do soluto é correlacionado com a área da su-
nicas complexas que apresentem solubilidade limitada em água.
perfície total (TSA) do soluto. Excetuando as olefinas, a equação
que mostrou a melhor correlação com 158 substâncias foi:
log(Solubilidade) 0 0168(TSA) 4 44 (10-9)
SOLUBILIDADE DE SÓLIDOS EM LÍQUIDOS
O TSA das substâncias foi calculado utilizando um progra-
ma de computador elaborado anteriormente por Hermann.17,18
Sistemas de sólidos em líquidos incluem as soluções farma-
O aperfeiçoamento na abordagem de Hermann inclui a divisão
cêuticas mais frequentemente encontradas e, provavelmente, as
do valor de TSA do soluto entre as contribuições das áreas de
mais importantes. A solubilidade de um sólido em um líquido
superfície do hidrocarboneto e do grupo funcional (HYSA e
ainda não pode ser predita de forma inteiramente satisfatória,
FGSA, respectivamente).
com a possível exceção das soluções ideais, devido ao número
A seguinte equação foi desenvolvida por Amidon e cola-
de fatores de variação a serem levados em consideração.
boradores16 para calcular a solubilidade molal de hidrocarbo-
As soluções farmacêuticas consistem de uma ampla varie-
netos e álcoois em água, a 25 °C:
dade de solutos e de solventes, alguns dos quais estão relacio-
ln(Solubilidade) 0,0430(HYSA) nados na Tabela 10-2. Daremos início pelas soluções ideais,
0 0586(FGSA) 8 003I 4 420 (10-10) passando para as soluções regulares de caráter apolar ou mode-
radamente polar e, finalmente, abordaremos as soluções de ele-
onde FGSA é a área de superfície do grupo hidroxila. Para es- vada polaridade, quando a solvatação e a associação resultam
tender a aplicação da equação (10-10) para álcoois, foi neces- em desvios acentuados do comportamento ideal.
sário introduzir uma variável indicadora, I. Quando a substân- Nesta abordagem limitada, apenas serão esboçados os as-
cia é um álcool, I recebe o valor de 1; quando se trata de um pectos mais destacados sobre os desvios. As equações resul-
hidrocarboneto (sem grupos OH presentes), o valor é zero. tantes são apresentadas sem o desenvolvimento detalhado de
cada etapa implícita na formulação das mesmas. Esperamos,
EXEMPLO 10-6 contudo, que os exemplos trabalhados mostrem a utilidade das
diferentes equações e que as referências selecionadas possam
Solubilidade molar em água conduzir o leitor interessado até as fontes originais da literatu-
Calcular as solubilidades molais do n-butanol e do cicloexano em ra, nas quais um detalhamento maior poderá ser encontrado.
água, a 25 °C, utilizando a equação (10-10). Determinar a diferen- A equação que descreve uma solução ideal de um sólido
ça percentual em relação aos valores observados. As solubilidades em um líquido, que deriva de várias considerações termodinâ-
observadas e as áreas de superfície calculadas com o programa de micas, é:
computador de Hermann modificado são dadas na Tabela 10-6. Hf T0 − T
Para n-butanol,
− log X 2 i (10-11)
2 303R T T0
ln(Solubilidade) = −0 0430 (212 9)
onde X2i é a solubilidade ideal do soluto, expressa como fra-
−0 0586 (59 2) + (8 003)(I) + 4 420
ção molar, T0 é o ponto de fusão do soluto sólido em Kelvin,
ln(Solubilidade) = −0 20082
e T a temperatura absoluta da solução.* O i sobrescrito no
= 0 818 (Diferença = 18 7%
símbolo X2i indica tratar-se de uma solução ideal; o 2 subs-
1 006).
Para cicloexano,
* Hildebrand e Scott demonstraram que a inserção de termos que incluam ΔCp
ln(Solubilidade) = − 0 0430 (279 1) − 0 586 (0)+ (8 003)(0) + 4 420 (a diferença entre capacidades caloríficas do sólido e do líquido) na equação
7 5813 permite obter valores calculados mais próximos dos experimentais.
256 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO
A solubilidade de um sólido em uma solução ideal depende de tempe- e independente da temperatura. A solubilidade ideal não é afetada pela
ratura, ponto de fusão do sólido e calor de fusão molar, ΔHf, ou seja, o natureza do solvente.
calor absorvido durante a fusão do sólido. Em uma solução ideal, o calor * N. de T.: Refere-se à entalpia da solução, uma vez que essa não possui
da solução* é igual ao calor de fusão, o qual se pressupõe seja constante calor, que, senso estrito, é uma função de trajetória.

crito indica que é a fração molar do soluto. Em temperatu- Diagrama de fases e a equação da solubilidade
ras acima do ponto de fusão, o soluto se encontra no estado ideal20
líquido e, em uma solução ideal, o soluto líquido é solúvel
em todas as proporções com o solvente. Por causa disso, a O diagrama de fases do sistema timol-salol, representado na Fi-
equação (10-11) deixa de ter aplicação quando T > T0. Da gura 2-26 (p. 67), pode ser construído com auxílio da equação
mesma forma, a equação perde validade em temperaturas da solubilidade ideal (equação [10-11] ou [10-12]). De modo
bem abaixo do ponto de fusão, quando ΔHf não pode mais inverso, se os pontos ao longo das duas linhas da Figura 2-26
ser utilizado. são obtidos de forma experimental, esses podem ser utilizados,
junto com a equação da solubilidade ideal (equação [10-11] ou
EXEMPLO 10-7 [10-12]), para calcular os calores de fusão ΔHf de substâncias
como salol e timol, que são completamente solúveis no estado
Solubilidade do naftaleno líquido, imiscíveis no estado sólido e que formam misturas eu-
Qual a solubilidade do naftaleno em uma solução ideal, a 20 °C? téticas. Diagramas de fases, como o mostrado na Figura 2-26,
O ponto de fusão do naftaleno é 80 °C e o calor de fusão molar é têm encontrado aplicação no estudo de formas farmacêuticas
4.500 cal/mol. Logo, temos que: do tipo matricial, das variações na solubilidade de misturas de
353 − 293 fármacos em função da temperatura e da composição, e tam-
log X2 i = −
2 303 × 1 987 293 × 353 bém na localização do ponto eutético em misturas de vários
X2 i = 0 27 adjuvantes farmacêuticos. 21-24

EXEMPLO 10-8
A solubilidade expressa em fração molar pode ser conver-
tida para molalidade (desde que a massa molecular, M1, do sol- A equação da solubilidade ideal 25,26
vente seja conhecida) mediante a relação: Para demonstrar o uso da equação da solubilidade ideal (equação
X2 [10-11]), começamos com o cálculo de vários pontos sobre o dia-
m grama de fases da Figura 2-26, considerando, primeiramente, o
M1 (1 X 2 )
timol como soluto e o salol como solvente. Isso nos coloca no lado
O valor de X2 no Exemplo 10-7 pode ser comparado com os direito do gráfico. O calor de fusão, ΔHf, do timol é 4.126 cal/mol,
resultados obtidos por Scatchard19, que calculou o valor da solu- seu ponto de fusão é 51,5 °C (324,7 K), e sua massa molecular é
bilidade, em fração molar, como sendo igual a 0,24 em benzeno, 150,2 g/mol. O ponto de fusão do salol é 42,0 °C (315,2 K) e sua
0,23 em tolueno e 0,21 em tetracloreto de carbono, a 20 °C. massa molecular é 214,2 g/mol.
A equação (10-11) também pode ser escrita como: (a) Calculamos primeiro as solubilidades ideais do timol a 20
°C, 30 °C e 40 °C, expressando-as como fração molar, utilizando
Hf 1
log X 2 i constante (10-12) a equação da solubilidade ideal – ver equação (10-11). Depois que
2 303R T as solubilidades em fração molar são calculadas, estas podem ser
Portanto, o gráfico do logaritmo da solubilidade, expresso transformadas para molalidade, m = 1.000X2/M1(1–X2), e de mo-
em fração molar versus o recíproco da temperatura absoluta lalidade para composição ponderal percentual [% (m/m)]. Os três
pontos podem ser plotados na parte direita do gráfico representado
resulta, para uma solução ideal, em uma linha reta, com in-
na Figura 2-17, traçando uma linha reta através desses pontos.
clinação igual a –ΔHf /2,303 R. Dessa forma, a partir da sua
O procedimento que considera o timol como soluto e salol
solubilidade em soluções ideais, pode-se calcular os valores da
como solvente a 40 °C (313,2 K) tem a seguinte solução:
entalpia de fusão de diversos fármacos.
− 324 7 − 313 2
O calor de fusão molar é determinado de modo mais con- ln X2 = = −0 235
1 9872 324 7 313 2
veniente por calorimetria diferencial de varredura (ver p.57).
O Standards Laboratory da Comissão da Farmacopéia dos O anti-ln (i.e., o exponencial ex), de lnX2, –0,235, a 40 °C é:

Estados Unidos (United States Pharmacopeial Convention), X2 40 C
= 0 791 ou 72 63% ( )
com sede em Washington D.C., tem determinado os valores
de ΔHf de um grande número de fármacos. Alguns desses va- A 30 °C e 20 °C, os valores de X2 são, na ordem correspondente,

lores e outros, obtidos de fontes diversas, estão listados na X2 30 C = 0 635

Tabela 10-7. X2 20 C = 0 503
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 257

91% (m/m) de salol. Para transformar esse valor em fração molar,


TABELA 10-7 aplicamos a equação:
CALORES DE FUSÃO DE FÁRMACOS E OUTRAS n2
X2 =
MOLÉCULAS* n2 + n1
O número de móis n2 de salol a 35 °C é 91 g/ (214,2 g/mol) =
ΔHf 0,4248 mol, e para o timol, n1, é igual a 9 g/ (150,2 g/mol) = 0,0599
(cal/mol) mol. Logo, a fração molar é dada por:
Antraceno 6.897 0 4248
Ácido benzóico 4.302 X2 = = 0 8764
Ácido esteárico 13.524 0 4248 + 0 0599
Ácido mirístico 10.846 e
Ácido p-aminobenzóico 5.000 ΔH f 315 2 − 308,2
ln X2 = −0 1319 =
Ácido p-hidroxibenzóico 7.510 1 9872 315 2 · 308 2
Álcool cetílico 8.194 ΔH f (salol) = 3639 cal mol
Cafeína 5.044
Canabidiol 4.660 A 35 °C, tendo a solução o salol na concentração de 91%
Cipionato de estradiol 7.030 (m/m), essa deverá se comportar praticamente de forma ideal,
Cloridrato de clorpromazina 6.730 pelo que o valor de ΔHf calculado representa uma estimativa
Cloridrato de fenilefrina 6.800
aceitável do calor de fusão real do salol.
Cloridrato de metoxifenamina 6.960
Cloridrato de protriptilina 6.140
Enantato de testosterona 5.260
Enxofre 4.020 Soluções não-ideais
Fenantreno 4.456
Fenitoína 11.300 A atividade de um soluto em solução é expressa pelo produto da
Iodo 3.740 concentração vezes o coeficiente de atividade. Quando a con-
Maleato de bronfeniramina 11.200 centração é dada em fração molar, a atividade é expressa como:
Meprobamato 9.340 a2 X 2 γ2 (10-13)
Metiltestosterona 6.140
Naftaleno 4.440 onde, em termos de fração molar, γ2 é denominado coeficiente
p-aminobenzoato de metila 5.850 de atividade racional (p. 165). Transformando a expressão aci-
p-hidroxibenzoato de butila 6.410 ma em logaritmo, teremos:
p-hidroxibenzoato de metila 5.400
Propionato de testosterona 5.290 log a2 log X 2 log γ2 (10-14)
Sulfadiazina 9.740
Sulfametoxazol 7.396 Quando a soluções é ideal, a2 = X2 , uma vez que γ2 = 1,
i

Sulfapiridina 8.930 e, por conseguinte, a solubilidade ideal, equação (10-14), pode


Testosterona 6.190 ser expressa em termos de atividade como:
Propionato de testosterona 5.290
Hf T0 − T
Teobromina 9.818 −log a2 log X 2 i (10-15)
Teofilina 7.097 2 303RT T0
Tiopental 7.010
Tolbutamida 6.122 Combinando as equações (10-14) e (10-15), vamos veri-
* Dados do Drug Standards Laboratory of the U.S. Pharmacopeial Convention (cortesia ficar que a solubilidade, expressa como fração molar, de um
de U.S. Pharmacopeial Drug Research and Testing Laboratories); R. C. Weast (Ed.), soluto em uma solução não-ideal corresponde a:
Handbook of Chemistry and Physics, CRC, Cleveland, Ohio, 1975, pp. 717–719; S.
Hf T0 − T
H. Yalkowsky, G. L. Flynn, and T. G. Slunick, J. Pharm. Sci. 61, 852, 1972; K. C.
James and M. Roberts, J. Pharm. Pharmacol. 20, 1045, 1968; S. S. Yang and J. K.
−log X 2 log γ2 (10-16)
2 303R T0 T
Guillory, J. Pharm. Sci. 61, 26, 1972. (Ver: S. S. Yang and J. K. Guillory, J. Pharm.
Sci. 61, 26, 1972; H. O. Lin and J. K. Guillory, J. Pharm. Sci. 59, 973, 1970, para o Conseqüentemente, a fração molar dissolvida em vários
efeito do polimorfismo na ΔHf de sulfonamidas.)
solventes pode ser expressa como a soma de dois termos: a so-
lubilidade em uma solução ideal e o logaritmo do coeficiente
de atividade do soluto. À medida que uma solução real se apro-
Vamos assumir, agora, o salicilato de metila (ou salol) como
sendo o soluto, cuja massa molecular é 214,2 g/mol, e o timol xima da condição de ideal, γ2 se torna próximo da unidade, e a
como solvente. O calor de fusão do salol, ΔHf, é difícil de ser equação (10-16) se reduz à forma da equação (10-15). Contudo,
encontrado na literatura. Por isso, retrocedemos para fins de em raras vezes apenas, a solubilidade em soluções reais deter-
cálculo do mesmo. Sabemos que o ponto de fusão do salol é 42 minada experimentalmente é comparável de modo favorável
°C. Calculando sua fração molar a uma temperatura de fusão com o valor calculado mediante o uso da equação da solubili-
(ponto de fusão) próxima do líquido puro a 35 °C, por exemplo, dade ideal. O coeficiente de atividade, γ2, depende da natureza
é possível obter uma boa estimativa do valor do calor de fusão tanto do soluto quanto do solvente, assim como da temperatura
do salol com auxílio da equação (10-11). Um valor mais exato da solução, que deverá ser levada em conta para que a solubili-
de ΔHf pode ser obtido para o soluto, salol, quando este está dade calculada possa corresponder aos valores experimentais.
em concentração elevada, ou seja, próximo ao lado esquerdo da
Figura 2-17. (a) O termo log γ2 da equação (10-16) é calculado levando em
(b) Com salol como soluto (lado esquerdo do diagrama de fa- consideração as forças de atração intermoleculares que
ses), a 35 °C (308,2 K), a solução contém 9% (m/m) de timol e deverão ser superadas, ou seja, o trabalho que deverá ser
258 P ATRICK J. S INKO

realizado para remover uma molécula da fase do soluto e logaritmo do coeficiente de atividade é dado, de forma mais
levá-la até o solvente. Esse processo pode ser visto como elaborada, pela expressão:
um evento de três etapas. 27 V2 1 2
A primeira etapa envolve a remoção da molécula da fase ln γ2 (w 22 w 11 2w 12 )
do soluto, a uma determinada temperatura. O trabalho reali- RT (10-17)
zado na remoção dessa molécula da fase de soluto, que implica onde V2 é o volume molar ou volume por mol de soluto (como
na passagem pelo estado de vapor, precisa da ruptura das liga- líquido superresfriado) e ⌽1 a fração de volume de solvente,
ções entre moléculas de soluto adjacentes. O trabalho implícito que é igual a X1V1/ (X1V1 + X2V2). R é a constante dos gases,
nessa ruptura de ligações entre moléculas adjacentes corres- 1,987 cal/mol K, e T a temperatura absoluta da solução.
ponde a 2w22, onde os números subscritos fazem referência à Os termos w da equação (10-17) representam energias po-
interação entre moléculas de soluto. Quando a molécula esca- tenciais ou energias de atração. Uma vez que a força de van
pa da fase do soluto, porém, o vazio criado por ela irá fechar der Waals entre as moléculas obedece ao conceito da media
e a metade da energia gasta será recuperada. Assim, o ganho geométrica, o termo w12 pode ser visto como sendo aproxima-
em energia potencial ou de trabalho líquido durante o processo damente igual à média geométrica dos termos referentes ao
será igual a w22, o que, esquematicamente, pode ser represen- solvente e soluto. Ou seja, a interação entre moléculas diferen-
tado como: tes é igual à raiz quadrada do produto das energias de atração
entre moléculas similares, ou:
w 12 w 11 w 22 (10-18)
Quando essa substituição é feita na equação (10-17), ob-
temos:
Soluto Liberação de uma molécula V2 1 2
de soluto ln γ2 [w 11 − 2(w 11 w 22 )1 2 w 22 ] (10-19)
RT
Os termos dentro dos colchetes formam um polinômio de
(b) A segunda etapa envolve a criação de uma cavidade no
segundo grau perfeito e, conseqüentemente, a equação (10-19)
solvente, com tamanho suficiente para receber a molécula
se transforma em:
de soluto. O trabalho necessário para esta etapa será w11,
onde os números subscritos se referem à energia de intera- V2 1 2
ção entre moléculas de solvente. Esquematicamente, ln γ2 − [(w 11 )1 2 − (w 22 )1 2 ]2 (10-20)
RT
A equação (10-20) pode ser modificada da seguinte ma-
neira. Os termos w dessa equação (10-20) são aproximada-
mente iguais ao termo a/V2 da equação de van der Waals para
gases não-ideais e líquidos (p. 44) e constituem uma medida
das pressões internas do solvente e do soluto em soluções
Solvente Criação de uma cavidade
dentro do solvente
apolares ou moderadamente polares. Os termos (w)1 2 são de-
nominados parâmetros de solubilidade e são indicados pelos
símbolos δ1 e δ2, para o solvente e o soluto, respectivamente.
(c) Finalmente, a molécula de soluto encontra lugar na cavi-
Assim, a equação (10-20) pode ser expressa em logaritmos
dade criada dentro do solvente e o ganho em trabalho ou
decimais como:
diminuição de energia potencial nesta etapa será –w12. O
V2 1 2
número subscrito indica a energia de interação entre o so- log γ2 (δ1 − δ2 )2 (10-21)
luto e o solvente. 2 303RT
Em soluções diluídas, a fração volumétrica é aproxima-
damente igual à unidade, e ⌽12, em um primeiro cálculo de
aproximação, pode ser desconsiderada. Contudo, se no primei-
ro cálculo aproximado o valor dessa fração mostra ser signi-
Solvente Molécula Solução ficativamente menor do que a unidade, o verdadeiro valor de
de soluto ⌽1 deverá ser levado em conta no momento de recalcular. Essa
correção no cálculo é descrita no próximo exemplo.
A cavidade criada ou espaço aberto dentro do solvente na Quando o termo log γ2 é substituído na equação (10-16),
etapa (b) é agora fechado e uma diminuição adicional de a solubilidade de um soluto apolar ou moderadamente polar,
energia acontece, –w12, a qual envolve um trabalho líqui- expressa em fração molar, é determinada da seguinte forma:
do final igual a –2w12.
Hf T0 − T
O trabalho total, de forma extremamente simplificada − log X 2
como foi dado, resulta em w22 + w11 – 2w12. Conforme de- 2 303RT T0
monstrado por Scatchard e por Hildebrand e Wood,19 o ter- V2 1 2
mo do coeficiente de atividade da equação da solubilidade é, (δ1 − δ2 )2 (10-22)
2 303RT
contudo, proporcional também ao volume do soluto (conside-
rando esse como equivalente ao volume de um líquido super- Se R é substituído por 1,987 cal/mol K e T por 298 K, 25 °C,
resfriado) e à fração do volume total ocupada pelo solvente. O que é a temperatura mais freqüentemente empregada, obtemos:
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 259

Hf T0 − 298 Após seis replicações (repetições de cálculo) utilizando uma


− log X 2 calculadora de bolso, chegamos ao valor de X2 = 0,0845. Esse pro-
1364 T0
cesso de repetição de cálculo é denominado iteração.31 O valor ex-
V2 1 2 perimental para a solubilidade do iodo em bissulfeto de carbono
(δ1 − δ2 )2 (10-23)
1364 foi relatado por Hildebrand e Scott32 como sendo igual a 0,0546, a
25 °C. A solubilidade ideal do iodo, expressa em fração molar, X2i,
Os parâmetros de solubilidade, que expressam a coesão entre
é igual a 0,250, a 25 °C.
moléculas semelhantes, podem ser calculados a partir do calor
A solubilidade recalculada em fração molar do iodo em bis-
de vaporização, pressão interna, tensão superficial e de outras sulfeto de carbono pode ser convertida em concentração molal
propriedades, da forma descrita por Hildebrand e Scott.28 O mediante a equação
calor de vaporização em conjunto com o volume molar das
substâncias, quando disponíveis para a temperatura em ques- X2 × 0 085
m= = = 1 22 mol kg
tão, oferecem, provavelmente, o melhor meio para calcular o (1 X2 )M1 (1 0 085)(76 13)
valor do parâmetro de solubilidade. De forma bastante aproxi- (c) Mediante a comparação das equações (10-13) e (10-15), tor-
mada, esse é igual à raiz quadrada da pressão interna, ou: na-se evidente que a solubilidade ideal está relacionada com a solubi-
Hv − RT 1 2 lidade real, a uma temperatura definida, através da expressão:
δ (10-24)
Vl a2 = X2 i = X2 γ2

onde ΔHv é o calor de vaporização, Vl o volume molar da subs- Conseqüentemente, o coeficiente de atividade do soluto será:
tância líquida, a uma determinada temperatura, R a constante γ2 = X2 i X2 = 0 25 0 055 = 4 55
dos gases e T a temperatura absoluta. Se a essa temperatura o
soluto é sólido, o seu volume molar deverá ser determinado
para uma temperatura mais elevada, na qual esse ocorra como Hildebrand e Scott32 incluíram no seu livro valores de pa-
líquido (ou seja, a uma temperatura acima do seu ponto de fu- râmetros de solubilidade de diversas substâncias. Uma tabela
são), e extrapolar esse valor para a temperatura em questão. contendo parâmetros de solubilidade também foi compila-
Outros métodos têm sido desenvolvidos para aqueles casos da por Hansen e Beerbower.33 Os valores aproximados para
quando esse método não resulte satisfatório para sólidos. 29,30 várias substâncias representativas de interesse farmacêutico
constam nas Tabelas 10-8 e 10-9. O δ(total) é basicamente o
valor de δ para o solvente e o fármaco, tratado nesta seção.
EXEMPLO 10-9 Os parâmetros δD, δP e δH são os parâmetros de solubilidade
Parâmetro de solubilidade do iodo parciais introduzidos por Hansen e utilizados dentro de uma
(a) Calcular o parâmetro de solubilidade do iodo e, na seqüência, teoria mais ampla da solubilidade, a qual não é abordada aqui.
(b) determinar a fração molar dissolvida e a solubilidade molal O parâmetro δD refere-se a efeitos apolares, δP a efeitos polares
do iodo em bissulfeto de carbono, a 25 °C.31 (c) Qual é o coeficien- e δH a efeitos decorrentes das ligações de hidrogênio do soluto
te de atividade do soluto nessa solução? O calor de vaporização ou do solvente. A soma dos quadrados dos parâmetros parciais
do iodo líquido, extrapolado para 25 °C, é 11.493 cal/mol; o calor indica a energia de coesão total δ2(total)
de fusão médio ΔHf é de aproximadamente 3.600 cal, a 25 °C; a δ(total) 2 δD 2 δP 2 δH 2 (10-25)
temperatura de fusão do iodo é 113 °C e o seu volume molar, V2, é 34
igual a 59 cm3, a 25 °C. O parâmetro de solubilidade do bissulfeto Kesselring e colaboradores determinaram os parâmetros
de carbono é 10. de solubilidade parcial e total fazendo uso da cromatografia
(a) gás-líquido. Quanto mais próximos são os valores de δ de duas
11 493 − 1 987 × 298 2 1 2 substâncias, maior é a solubilidade mútua entre esse par de
δ=
59
= 13 6 substâncias. Por exemplo, o valor de δ para o fenantreno é 9,8;
para o solvente bissulfeto de carbono vale 10 e para o n-hexano
[Observe que o valor de δ, do iodo, obtido a partir de dados de 7,3. Logo, é de se esperar que o fenantreno seja mais solúvel
solubilidade, isto é, 14, é algo diferente do valor acima calculado em CS2 do que em n-C6H14. Quando o parâmetro de solubili-
1
δ = 13,6 (cal/cm3) 2]. dade do soluto é idêntico ao do solvente, as forças de coesão
(b) X2 é primeiramente calculado assumindo que ⌽12 vale 1. de ambos são iguais, desde que ligações de hidrogênio e outras
− log X2 =
3 600 386 − 298
+
59
(10 0 − 13 6)2
interações interferentes não estejam envolvidas. Assim, se δ1 –
1364 386 1364 δ2 = 0, o último termo da equação (10-23) resulta em zero. A
X2 = 0 0689 solubilidade do soluto irá depender apenas do termo de solu-
bilidade ideal da equação, envolvendo calor de fusão, ponto de
Agora, a fração volumétrica ⌽1 é igual a V1(1–X2)/ [V1 – fusão e do soluto e a temperatura da solução.
X2)+V2X2] ou, no caso do iodo, (V2 = 59 cm3) em bissulfeto de car- James e colaboradores30 pesquisaram a solubilidade de
bono (V1 = 60 cm3), logo, ésteres de testosterona em vários alcanos de cadeia linear e ra-
Φ1 = 0 9322 mificada, alcanos cíclicos, hidrocarbonetos aromáticos e deri-
vados halogenados. Eles determinaram o valor de δ para o pro-
Recalculando X2 em (b), utilizando ⌽12 como sendo igual a pionato de testosterona e de outros ésteres, chegando a valores
(0,9322)2 no segundo termo da direita da equação da solubilidade, 1
entre 9,5 e 10,0 (cal/cm3) 2 para o propionato de testosterona.
teremos: A teoria da solubilidade de Hildebrand foi aplicada com certo
X2 = 0 0815 sucesso pelos autores para predizer as solubilidades de ésteres
de esteróides em solventes hidrocarbonados.
260 P ATRICK J. S INKO

TABELA 10-8
VOLUMES MOLARES E PARÂMETROS DE SOLUBILIDADE DE SUBSTÂNCIAS CRISTALINAS (VALORES PROPOSTOS)* †

Parâmetro de solubilidade (cal/cm3)1/2


Líquido 3
V (cm /mol) δD δP δH δ (total)
n-Butano 101,4 6,9 0 0 6,9
n-Hexano 131,6 7,3 0 0 7,3
n-Octano 163,5 7,6 0 0 7,6
Éter dietílico 104,8 7,1 1,4 2,5 7,7
Cicloexano 108,7 8,2 0 0,1 8,2
Acetato de n-butila 132,5 7,7 1,8 3,1 8,5
Tetracloreto de carbono 97,1 8,7 0 0,3 8,7
Tolueno 106,8 8,8 0,7 1,0 8,9
Acetato de etila 98,5 7,7 2,6 3,5 8,9
Benzeno 89,4 9,0 0 1,0 9,1
Clorofórmio 80,7 8,7 1,5 2,8 9,3
Acetona 74,0 7,6 5,1 3,4 9,8
Acetaldeído 57,1 7,2 3,9 5,5 9,9
Bissulfeto de carbono 60,0 10,0 0 0,3 10,0
Dioxano 85,7 9,3 0,9 3,6 10,0
1-Octanol 157,7 8,3 1,6 5,8 10,3
Nitrobenzeno 102,7 9,8 4,2 2,0 10,9
1-Butanol 91,5 7,8 2,8 7,7 11,3
1-Propanol 75,2 7,8 3,3 8,5 12,0
Dimetilformamida 77,0 8,5 6,7 5,5 12,1
Etanol 58,5 7,7 4,3 9,5 13,0
Dimetilsulfóxido 71,3 9,0 8,0 5,0 13,0
Metanol 40,7 7,4 6,0 10,9 14,5
Propilenoglicol 73,6 8,2 4,6 11,4 14,8
Etilenoglicol 55,8 8,3 5,4 12,7 16,1
Glicerina 73,3 8,5 5,9 14,3 17,7
Formamida 39,8 8,4 12,8 9,3 17,9
Água 18,0 7,6 7,8 20,7 23,4
* Retirada de: Hansen and A. Beerbower, in A. Standen (Ed.), Encyclopedia of Chemical Technology, Suppl. Vol., 2th. Ed., Wiley, New York, 1971, pp. 889–910.
δD, δP, e δH são os parâmetros de solubilidades definidos sucintamente no texto, e δ(total) representa, fundamentalmente, o parâmetro de solubilidade do solvente, δ1, definido por
Hildebrand e utilizado ao longo desta seção.

É necessário advertir que vários dos solventes listados na tabela e ao longo de todo o livro não são apropriados como solventes de produtos medicamentosos ou nutricionais.
Dioxano, por exemplo, é também tóxico e irritante da pele.

TABELA 10-9
VOLUMES MOLARES E PARÂMETROS DE SOLUBILIDADE DE SUBSTÂNCIAS CRISTALINAS (VALORES PROPOSTOS)*

Parâmetro de solubilidade (cal/cm3)1/2


Substância sólida V (cm3/mol) δD δP δH δ (total)
Ácido benzóico 104 8,9 3,4 4,8 10,7
Cafeína 144 10,1 3,5 9,1 14,1
Metilparabeno 145 9,3 4,4 6,0 11,8
Naftaleno 123 9,4 1,0 1,9 9,6
Fenobarbital 137 10,3 4,8 5,3 12,6
Sulfadiazina 182 9,5 4,8 6,6 12,5
Propionato de testosterona 294 9,2 2,9 2,8 10,0
Tolbutamida 229 9,7 2,9 4,1 10,9
* Faça-se referência à nota de rodapé da Tabela 10-8 para a definição de δD, δP e δH. δ(total) é basicamente o valor de δ2 do soluto, mencionado nesta seção.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 261

No emprego do parâmetro de solubilidade deve ser feita a ou, de outra forma,


distinção entre as substâncias que formam ligações de hidrogê-
T S2 G2 H2 (10-34)
nio e aquelas que não o fazem. Os valores de δ podem ser uti-
lizados para predizer a miscibilidade de solventes formadores obtém-se a expressão
de ligações de hidrogênio ou de solventes que não formam esse Hf (T0 − T )
tipo de ligação; porém, os mesmos nem sempre são aplicáveis −RT ln X 2 V2 1
2
(δ1 − δ2 )2
quando membros das duas classes estão presentes na mistura. T0 (10-35)
As soluções não-ideais às quais se aplica a equação de aplicando as equações (10-29), (10-30), (10-32) e (10-34).
Scatchard-Hildebrand são denominadas soluções regulares. Logo, a equação (10-35) pode ser escrita da seguinte forma:
Soluções regulares podem ser melhor entendidas tomando
por referência algumas das propriedades das soluções ideais. Hf T0 − T V2 1 2
− log X 2 (δ1 − δ2 )2
Primeiro, as moléculas de uma solução ideal exibem liberda- 2 303RT T0 2 303RT
de absoluta de movimento e distribuição aleatória na solução.
Segundo, uma solução ideal se forma sem variação de ental- que é idêntica à equação (10-22).
pia, ou seja, durante o processo de mistura não é liberado nem
absorvido calor. Além disso, quando os componentes de uma Aproximação da solubilidade de Hildebrand
solução ideal são misturados não há variação de volume. Para
uma solução ideal, a variação de energia livre parcial, envolvi- estendida
da na transferência de um mol de soluto da fase do soluto para
Uma modificação da equação de Scatchard-Hildebrand foi
a fase do solvente, pode ser expressa como:
desenvolvida,35 sendo conhecida como aproximação da solu-
G 2 RT ln X 2 (10-26) bilidade de Hildebrand estendida (EHS). O método estendido
Dado que a variação de entalpia ΔH é zero, teremos: nos permite calcular as solubilidades de solutos polares e não-
polares em solventes que vão desde hidrocarbonetos até aqueles
G2 H2 T S2 T S2 (10-27) de elevada polaridade, como álcoois, glicóis e água. Embora
e a variação de entropia para o soluto em uma solução ideal é esse método tenha sido formulado especificamente para sólidos
dada como: cristalinos em solução líquida, a aproximação de EHS também
S2 G2 T R ln X 2 (1028) pode ser aplicada a sistemas líquido-líquido e gás-líquido.
Atualmente é reconhecido que a teoria estabelecida das so-
As moléculas das soluções regulares, da mesma forma que
luções regulares, representada pela equação (10-22), leva em
as moléculas de uma solução ideal, possuem energia cinética
geral a previsões limitadas das solubilidades de fármacos e de
suficiente para evitar o ordenamento molecular e perda de en-
outras substâncias cristalinas em solventes polares. Os sistemas
tropia. Da mesma forma que na solução ideal, as soluções re-
polares são bastante irregulares, envolvem auto-associação do
gulares apresentam aleatorização total. A variação de entropia
soluto ou do solvente, solvatação do soluto pelas moléculas do
na formação de soluções regulares é dada pela mesma equação
usada para soluções ideais: solvente ou complexação de duas ou mais espécies de soluto em
solução. Os acoplamentos intermoleculares incluem ligações de
S2 R ln X 2 (10-29) hidrogênio, complexos de transferência de carga (Capítulo 11)
De modo contrário, devido à coesão entre moléculas de so- e outros tipos de interações do tipo ácido-base de Lewis.
luto e entre moléculas de solvente, as soluções regulares apresen- A equação da solubilidade utilizada na aproximação de
tam um desvio positivo da lei de Raoult. Diferentemente das so- EHS é:
luções ideais, essas absorvem calor quando os componentes são log X 2 log X 2 i A(w 11 w 22 2W ) (10-36)
misturados. Por meio de considerações termodinâmicas, pode-se
provar que a variação de calor, derivada da adição de um mol de onde o último termo corresponde à expressão log γ2 da equa-
soluto a uma grande quantidade de solução regular, é igual a RT ção de Hildebrand e Scatchard (10-17). Na equação (10-36),
ln γ2, o qual pode ser igualado ao termo de parâmetro de solubi- A substitui V2⌽12/ (2,303RT) e W o termo w12 da equação
lidade na equação da solubilidade (cf. equação [10-21]): (10-17). O logaritmo negativo da solubilidade ideal, –logX2i,
H2 RT ln γ2 V2 1 2 (δ1 δ2 )2 (10-30) pode ser calculado a partir do conhecimento prévio dos va-
lores de ΔHf, T0 e T, como se mostra na equação (10-15).
Essas relações podem ser utilizadas para derivar a expressão De forma alternativa, esse também pode ser calculado a
de solubilidade, equação (10-22), como é demonstrado no pará- partir da ΔSf,
grafo seguinte. Para uma solução não-ideal, o termo X2 na equa- Sf To
ção (10-26) deve ser substituído pela atividade, α2, ou seja: log X 2 i log (10-37)
R T
G2 RT ln a2 (10-31) como sugerido por Hildebrand e colaboradores.36 A entropia
A partir das equações (10-15) e (10-31), de fusão no ponto de fusão, ΔSf, é determinada mediante a
expressão:
Hf (T0 − T )
− G2 (10-32) Hf To S f (10-38)
T0
Utilizando a equação conhecida da energia livre, Segundo a aproximação de EHS, o termo implícito no
logaritmo do coeficiente de atividade, γ2, é dividido em dois
G2 H2 T S2 (10-33) termos; um, que representa principalmente forças físicas ou de
262 P ATRICK J. S INKO

van der Waals, γv, e o outro, adicional, γR, que representa pre-
sumíveis forças fortes residuais: Linha da
0,070
solubilidade ideal
log γ2 log γv log γ R

Solubilidade em fração molar, X2


(10-39)
onde 0,060 Linha da
log γv A(δ1 δ2 )2 A(δ 1 2 δ 2 2 2δ1 δ2 ) (10-40) solução regular
0,050
e
log γ R A(2δ1 δ2 2W ) (10-41) 0,040
A equação (10-39) pode ser escrita nos termos das equa- Linha da
ções (10-40) e (10-41) como: 0,030 solubilidade
calculada,
X 2i
log log γ2 A(δ1 − δ2 )2 2A(δ1 δ2 − W ) 0,020 Eq. (10-45)
X2
ou 0,010
log X 2 log X 2 i A(δ 1 2 δ 2 2 2W ) (10-42)
Vários pesquisadores35 têm aplicado a aproximação de
EHS a solutos polares e apolares em solventes específicos, as- Parâmetro de solubilidade δ1
sim como a sistemas de misturas de solventes.
A equação (10-42) difere da equação (10-22) na medida Figura 10-5 Solubilidade em fração molar da cafeína, a 25 °C, em misturas de
em que a média geométrica é substituída pelo termo W. A equa- dioxano e água. A e B são pontos nos quais a solubilidade real se iguala à solubi-
ção (10-42) normalmente proporciona uma previsão precisa da lidade em uma solução regular, e W = δ1δ2. Os círculos cheios indicam pontos de
solubilidade, em fração molar, de fármacos polares em siste- solubilidade obtida experimentalmente. (Retirada, com permissão, de: A. Adjei,
mas binários de solventes (e.i., dois solventes misturados em J. Newburger, and A. Martin, J. Am. Pharm. Assoc Sci. Ed. 69, 659, 1980.).
várias proporções), como demonstraado nos exemplos 10-10 e
10-11. Para um soluto em um determinado sistema solvente, W
é calculado mediante rearranjo da equação (10-42): As solubilidades em fração molar da cafeína nos três solven-
log(X 2 i ) X 2 ) log γ2 tes foram determinadas experimentalmente, a 25 °C, como sendo
δ 1 2 δ 2 2 − 2W
A A 0,008491 em dioxano, 0,002285 em água e 0,021372 na mistura
1 log γ2 50:50 de dioxano e água.
W δ12 δ22 − (10-43) Utilizando a equação (10-43), obtemos (log γ2)/A para os três
2 A solventes da seguinte forma:
Os parâmetros de solubilidade, δ1 e δ2, possuem valores co- log(0 068454 0 008491)
nhecidos. Para um determinado sistema solvente, log γ2 é obtido 0 102570
= 8 83728 em dioxano
a partir do conhecimento da solubilidade ideal do fármaco, X2i, log(0 068454 0 002285)
e da sua solubilidade, em termos de fração molar, X2. As solubi- = 14 50505 em água
0 101793
lidades observadas para cafeína em misturas de dioxano e água
são mostradas na Figura 10-5, junto com curva de solubilidade e
log(0 068454 0 021372)
obtida por cálculo inverso a partir da aproximação de Hildebrand = 5 39580 : 50
0 093694
estendida. Os cálculos são ilustrados no próximo exemplo; parte
dos dados necessários consta das Tabelas 10-9 e 10-10. Os valores de W são calculados de novo utilizando a equação
(10-43). Em dioxano,
EXEMPLO 10-10 8 83728 = (10 01)2 + (13 8)2 − 2W
Solução de cafeína W = 140 90141
Calcular o valor de W para uma solução de cafeína, tendo como sol- Em água,
vente dioxano puro (δ = 10,01), água pura (δ = 23,45) e uma mistura 14 50425 = (23 45)2 + (13 8)2 − 2W
50:50 (v/v) de dioxano e água (δ = 16,73) a 25 °C. O valor de ΔHf
W = 362 91913
é 5044 cal/mol; T0 = 512 K. Segundo a equação (10-38), ΔSf = 9,85
cal/mol K. Por meio da equação (10-37) podemos verificar que o lo- Na mistura 50:50,
garitmo da solubilidade ideal, em fração molar, –logX2i vale 1,16460,
5 39574 = (16 73)2 + (13 8)2 − 2W
logo, X2i = 0,068376. O volume molar, V2, da cafeína é 144 cm3/mol a
25 °C. As frações volumétricas, ⌽1, para o dioxano, água e a mistura W = 232 46858
50:50 de dioxano e água são 0,985809, 0,982066 e 0,942190, respec-
tivamente. Utilizando a definição de A segundo a equação (10-36),
A conveniência da aproximação teórica reside na pos-
podemos verificar que o valor de A para cafeína é 0,102570 em dio-
sibilidade de calcular as solubilidades e fármacos em sol-
xano; 0,101793 em água e 0,093694 na mistura 50:50.*
ventes puros e em mistura utilizando apenas propriedades
físico-químicas fundamentais do soluto e do solvente. Infe-
* A é calculado a partir de X2(obs), e ambos os valores são utilizados por con- lizmente, W não pode ser obtido a partir de considerações
veniência nesse exemplo. Quando a solubilidade é desconhecida, é neces-
sário calcular A fazendo uso de um procedimento de iteração (replicação), derivadas das características moleculares das espécies em
como o descrito na p. 259. solução. Tem-se demonstrado, contudo, que quando valores
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 263

TABELA 10-10
ALGUNS VALORES DE SOLUBILIDADE OBSERVADOS E CALCULADOS PARA A CAFEÍNA EM SISTEMAS DIOXANO-ÁGUA, A 25 °C*
Volume
% de água δ1 log X2 A W W(calc) X2(obs) X2(calc)
0 10,01 0,90646 0,10257 140,901 141,120 0,0085 0,0094
20 12,70 0,40443 0,09467 173,729 173,729 0,0270 0,0270
40 15,39 0,41584 0,09269 211,403 211,380 0,0263 0,0261
50 16,73 0,50555 0,09369 232,469 233,465 0,0214 0,0214
60 18,07 0,62665 0,09520 255,191 255,220 0,0162 0,0164
80 20,76 0,94347 0,09837 305,913 305,951 0,0078 0,0080
100 23,45 1,47643 0,10179 362,919 362,343 0,0023 0,0022
* δ2 = 13,8; – log X2i = 1,1646.
W é calculado a partir da equação (10-43). Suas unidades são cal/cm3.
W(calc) é calculado utilizando a expressão quártica (10-45).
X2(calc) é calculado utilizando a equação (10-42), substituindo W por W(calc).

experimentais de W (como os calculados no Exemplo 10-10) δ1 = 0 40(10 01) + 0 60(23 45) = 18 07


são analisados por regressão contra uma série de potências Assim, W(calc) é determinado pelo cálculo inverso:
de δ1, para vários solventes de uma mistura, é possível che-
gar a uma equação polinomial, que pode ser aplicada para W(calc) = 79 41140 + 1 86857(18 07) + 0 43565(18 07)2
retrocálculos mais exatos das solubilidades. Para essa finali- W(calc) = 255 427; W(exp) = 255 191
dade, pode ser utilizada uma série de potências de segundo
grau (quadrática). Por meio de um conjunto completo de 30 Esse valor de W(calc) é substituído na equação (10-42), onde:
valores de solubilidade (ver Tabela 10-10 para alguns de- − log X2 i para cafeína vale 1,1646 e A 0,09520
les), se obtém a seguinte equação quadrática:
− log X2 = 1 1646 + 0 09520[(18 07)2 + (13 8)2 − 2(255 427)]
2
W(calc) 79 411400 1 868572δ1 0 435648δ1 − log X2 = 1 74635
(10-44) X2(calc) = 0 0179; X2(exp) = 0 0162
A equação quártica é:
W(calc) 15 075279 17 627903δ1 Alguns valores calculados da forma mostrada nos Exem-
0 966827δ1 2
0 053912δ1 3
0 000758δ1 4 plos 10-10 e 10-11 são mostrados na Tabela 10-10. Os va-
lores de X2(calc) da Tabela 10-10 foram obtidos pelo cálculo
(10-45)
inverso, utilizando a expressão quártica da equação (10-45),
Utilizando a equação (10-44) ou a (10-45) e uma calcula- em vez da equação quadrática aplicada no Exemplo 10-11, o
dora de bolso, podemos calcular facilmente a solubilidade da que explica a pequena diferença nos resultados.
cafeína para qualquer combinação de dioxano e água, a 25 °C.

EXEMPLO 10-11* Solvatação e associação em soluções de


substâncias polares
Solubilidade da cafeína
Calcular a solubilidade da cafeína (δ2 = 13,8), a 25 °C, em uma Da equação (10-30) depreende-se que, para formar uma solu-
mistura percentual de 40:60 de dioxano e água. Utilizar a expres- ção regular, deve haver absorção de calor quando um soluto
são quadrática (10-44) para obter W(calc). é misturado com o solvente. Isso acontece porque o termo
Obtemos primeiramente o valor de δ1 para a mistura de dio- quadrático (δ1 – δ2)2 leva apenas a valores positivos (ou a
xano e água 40:60 mediante a equação: zero). Contudo, podemos nos remitir à equação (10-17), onde
δ 1 = Φ d δd + Φ w δw
se encontra o termo w12, que expressa a interação entre as
moléculas de soluto e de solvente. Se removermos a restrição,
onde ⌽d e ⌽w são as frações volumétricas dos solventes dioxano no sentido de que esse termo deve obedecer à regra da média
e água, que valem 0,40 e 0,60, respectivamente, e δd e δw são os geométrica dada na equação (10-18), estaremos permitindo
respectivos parâmetros de solubilidade. que 2w12 seja maior do que w11 + w22, e, por conseguinte,
ΔH pode se tornar negativa. Isso leva a um desvio negativo
da lei de Raoult, e se aplica quando interações específicas,
* Como mencionado na nota de rodapé da Tabela 10-8, o dioxano é irritan-
te usado externamente e tóxico, internamente, e não pode ser empregado como ligações de hidrogênio (p. 140), ocorrem entre soluto e
em medicamentos ou produtos alimentícios. Sua escolha como solvente solvente. Essas interações específicas entre solvente e soluto
no Exemplo 10-11 decorreu simplesmente do fato de ser miscível em água são denominadas de solvatação.
e porque tem um parâmetro de solubilidade adequado. Substâncias dessa
natureza devem ser cuidadosamente testadas para efeitos adversos antes de Quando a interação acontece entre moléculas iguais de um
seu uso em humanos ou animais. mesmo componente em solução, o fenômeno recebe o nome de
264 P ATRICK J. S INKO

associação. Esse tipo de interação é exemplificado pela dimeri-


zação do ácido benzóico em alguns solventes apolares ou pela
interconexão das moléculas de água por ligações de hidrogênio.

Solubilidade (g / 100g H2O)


Isso resulta em calores de dissolução positivos e em desvios
positivos da lei de Raoult. A associação entre moléculas de
água se reflete em um elevado valor de w11 na equação (10-17).
Quando água é misturada com solventes apolares, w11 é muito
maior que w22, e w12 passa a ter um valor pequeno. Tais intera-
ções levam, obviamente, a uma solubilidade baixa. Os efeitos
de interações específicas, denominados solvatação e associa-
ção, não são contemplados de forma satisfatória pela equação
de Scatchard-Hildebrand (10-22), e requerem um tratamento
mais aprofundado, que está fora do objetivo deste livro.

Temperatura (˚C)
Solubilidade e calor de dissolução Figura 10-6 Influência da temperatura na solubilidade de alguns sais.
Em soluções com forte caráter não-ideal, a solubilidade pode
ser calculada como uma função da temperatura para não-
eletrólitos, eletrólitos fracos e eletrólitos fortes, utilizando o
calor de dissolução, ΔHsoln, em vez do calor de fusão. Para Solubilidade de eletrólitos fortes
isso se aplicaria uma expressão análoga à da solubilidade ideal
(10-11). Para não-eletrólitos e eletrólitos fracos, é utilizada a O efeito da temperatura na solubilidade de alguns sais em água
seguinte equação: 37,38 é mostrado na Figura 10-6. Para sólidos que absorvem calor
(processo endotérmico), o aumento da temperatura produz
c Hsoln (T − T )
ln um aumento da solubilidade. Esse fato está em conformidade
c R (T T ) (10-46) com o princípio de Le Chatelier, que estabelece que um siste-
Para eletrólitos fortes, R é substituída por vR, onde v re- ma tende a ajustar-se por si próprio, de modo a contrabalançar
presenta o número de íons produzidos pela dissociação do ele- uma tensão, por exemplo, o aumento da temperatura. De forma
trólito. Os termos c' e c" são as concentrações expressas em oposta, se o processo de dissolução é exotérmico, ou seja, que
termos de molaridade, molalidade, fração molar, gramas/litro gera calor, a temperatura da solução aumenta e as paredes do
ou em concentração percentual. Esses termos de concentração recipiente ficam quentes ao tato. Nesse caso, a solubilidade di-
aparecem na equação (10-46) como razões, c"/c', de modo a minui com o aumento da temperatura, de acordo, novamente,
cancelar as unidades de concentração, enquanto sejam utiliza- com o princípio de Le Chatelier. A maioria dos solutos sólidos
das as mesmas unidades de c" e de c'. Para o termo de concen- pertence a essa classe de substâncias que absorvem calor quan-
tração c' corresponde uma temperatura em Kelvin T', e para o do dissolvidos.
termo c" a T". No presente caso, ΔHsoln é o calor de dissolu- O sulfato de sódio existe na forma hidratada Na2SO4
ção em cal/mol e R é a constante universal dos gases, expressa 10H2O até uma temperatura de aproximadamente 32 °C, quan-
como 1,9872 cal/mol K. do o processo de dissolução é endotérmico e a solubilidade
Utilizando a equação (10-46) podemos determinar a so- aumenta com a temperatura. Acima dessa temperatura, a subs-
lubilidade de um soluto em um solvente em particular, a uma tância passa a existir na forma do sal anidro Na2SO4, a disso-
temperatura definida, desde que o calor de dissolução ΔHsoln e lução passa a ser exotérmica e a solubilidade diminui com o
a solubilidade a outra temperatura sejam conhecidos. aumento da temperatura (Figura 10-6). O cloreto de sódio não
absorve nem libera calor de forma apreciável quando dissol-
vido em água. Portanto, sua solubilidade quase não é afetada
EXEMPLO 10-12
pela variação de temperatura e o calor de dissolução é próximo
Solubilidade molal da uréia de zero, como se pode apreciar na Figura 10-6.
A solubilidade da uréia (massa molecular 60,06 g/mol) em água, a Esses fenômenos podem ser explicados em termos de ca-
298 K, é 1,20 g/g H2O. O valor de ΔHsoln da uréia em água é 2.820 lor de dissolução, ΔH. A quantidade de ΔH é mais apropriada-
cal/mol, a 25 °C. Qual a solubilidade molal da uréia a 5 °C? mente denominada calor de dissolução diferencial ou parcial.
Teremos que: Equivale ao calor absorvido por mol, quando uma pequena
2820 298 − 278 quantidade de soluto é adicionada a uma grande quantidade de
ln(1 20) − ln c = solução. Também pode ser entendida como sendo a velocidade
1 9872 298 · 278
ln c = −0 16 e c = 0 85 g g H2 O o g kg H2 O
de variação do calor de dissolução, por mol de soluto em solu-
ção, a uma temperatura específica. O calor integral ou total é o
850 g kg H2 O ÷ 60 06 g mol = 14 2 mol kg H2 O
calor absorvido quando um mol de soluto é dissolvido em uma
O valor experimental para a solubilidade da uréia na escala quantidade de solvente suficiente para produzir uma solução
molal é 14,2 mol/kg H2O. de concentração definida.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 265

TABELA 10-11
CALORES DE DISOLUÇÃO E SOLUBILIDADE DE ALGUNS CLORETOS
ΔHsoln * Solubilidade
Energia de cristalização Calor de hidratação (kcal/mol) (g/100 g H2O)
Substância (kcal/mol) (kcal/mol) (25 °C) (20 °C)
AgCl 207 −192 +15,0 1,5 × 10–4
LiCl 199 −209 −10,0 78,5
NaCl 184 −183 +1,0 36,0
CsCl 152 −147 +5,0 186,5
KCl 167 −164 +3,0 23,8
KBr 161 −156 +5,0 65,0
* Um valor negativo de ΔH indica que houve liberação de calor (processo exotérmico); um valor positivo indica absorção de calor (processo endotérmico).

O calor de dissolução de uma substância cristalina é a soma F C P 1


do calor de sublimação de um sólido, como sendo a energia de Uma solução de cloreto de sódio em água que esteja
retículo cristalino, e do calor de hidratação (solvatação) dos abaixo do ponto de saturação, por exemplo, é composta de
íons em solução (Tabela 10-11): duas fases homogêneas individuais e de dois componentes,
H (dissolução) H subl Hhidrat (10-47) sal e água. Como conseqüência, o número de graus de liber-
dade é F = 2 – 1 + 1 = 2. Isso significa que duas variáveis, a
A energia de retículo cristalino é a energia necessária para temperatura e a composição, devem se definidas para poder
separar um mol de cristal em seus íons no estado gasoso ou descrever completamente o sistema. Quando a solução é sa-
para vaporizar o sólido: turada com cloreto de sódio e há excesso de soluto, passam
NaCl Na gás Cl− gás a existir duas fases e o número de graus de liberdade resulta
ser F = 2 – 2 + 1 = 1. Portanto, a conclusão chega pela apli-
O calor de hidratação é o calor liberado quando íons no cação da regra de fases é que a solubilidade do cloreto de
estado gasoso são hidratados. É afetado pelo raio do íon, uma sódio em água tem um valor fixo a uma temperatura defini-
vez que, para íons de igual valência, quanto menor é o raio da. Claramente, esta afirmação não é verdadeira apenas para
iônico, maior o campo eletrostático ao redor do íon e maior o esse sistema específico, mas para a solubilidade em geral.
calor de hidratação. O processo de hidratação pode ser repre-
sentado como:
H2 O Solubilidade de eletrólitos escassamente solúveis
Na gás Cl− gás Na aq Cl− aq
Quando eletrólitos escassamente solúveis são dissolvidos de
Um sal será solúvel quando o calor de hidratação (calor
modo a formar soluções saturadas, a solubilidade é descrita
liberado quando os íons são hidratados) é suficiente para su-
por uma constante específica, denominada produto de solu-
prir a energia necessária para vencer as forças do retículo e bilidade, Ksp, da substância. Os produtos de solubilidade de
"puxar", dessa forma, os íons para fora do cristal. Em uma diversas substâncias utilizadas em Farmácia são listados na
solução ideal, não há hidratação (solvatação) e o calor absor- Tabela 10-12.
vido será apenas aquele necessário para levar o cristal para O cloreto de prata é um exemplo deste tipo de sais escas-
o estado líquido. Por esse motivo, apenas o calor de fusão, samente solúveis. O excesso de sólido em equilíbrio com os
ΔHf, é incluído na equação da solubilidade ideal (10-11), na íons em uma solução saturada, a temperatura definida, é ex-
página 255. presso pela equação:
Os calores de dissolução e as solubilidades de vários sais
são mostrados na Tabela 10-11. Um valor positivo de ΔH in- AgCl Ag Cl− (10-48)
dica uma absorção de calor; um valor negativo significa libe- e, uma vez que esse sal dissolve apenas com dificuldade e que
ração de calor. O calor de hidratação e a energia de retículo a força iônica é baixa, a expressão de equilíbrio pode ser escri-
cristalino do cloreto de sódio são tão próximos que o processo ta em termos de concentração, em vez de atividade:
de dissolução é apenas levemente endotérmico e a temperatura [Ag ][Cl− ]
tem pouco efeito sobre a solubilidade. O maior calor de disso- K (10-49)
lução do cloreto de prata (com elevado valor endotérmico) é [AgCl ]
responsável pela insolubilidade desse sal em água. Isso se deve Além disso, considerando que a concentração da fase sóli-
à elevada energia de retículo causada pela alta polarizabilidade da permanece praticamente constante, pode-se dizer que:
do íon prata (p. 103).
[Ag ][Cl− ] Ksp (10-50)
A regra das fases de Gibbs (p. 61) é aplicada à solubili-
dade de um sólido em um líquido da seguinte forma. Consi- Essa equação serve apenas como uma aproximação no
derando que a pressão é normalmente fixada em 1 atm e, por caso de sais moderadamente solúveis ou quando outros sais
conseguinte, não necessita ser especificada, a regra pode ser estão presentes na solução e, por isso, em lugar de concen-
expressa como: trações se aconselha utilizar atividades. Porém, nunca se
266 P ATRICK J. S INKO

escassamente solúvel, a menos que, evidentemente, o íon co-


TABELA 10-12 mum forme um complexo com o sal, fazendo com que a solu-
PRODUTOS DE SOLUBILIDADE DE ALGUNS ELETRÓLITOS bilidade total aumente.
ESCASSAMENTE SOLÚVEIS EM ÁGUA
Produto de Temperatura EXEMPLO 10-14
Substância Solubilidade, Ksp (°C) Solubilidade do cromato de prata
Brometo de prata 7,7 × 10–13 25 Qual é a solubilidade do cromato de prata, em mol/litro, em uma
Carbonato de bário 8,1 × 10–9 25
solução aquosa contendo 0,04 M de nitrato de prata? A solubili-
Carbonato de cálcio 9 × 10–9 25
Carbonato de chumbo 3,3 × 10–14 18 dade do cromato de prata em água é 8 × 10–5 e seu produto de
Carbonato de magnésio 2,6 × 10–5 12 solubilidade 2,0 × 10–12. A dissociação do cromato de prata pode
Cloreto de prata 1,25 × 10–10 25 ser representada como:
Cloreto mercuroso 2 × 10–18 25 Ag2 CrO4 2Ag+ + CrO4 2−
Hidróxido de alumínio 7,7 × 10–13 25
Hidróxido de magnésio 1,4 × 10–11 18 Ksp = 2 0 10−12 (2x + 0 04)2 x 4x 3 0 16x 2 0 0016x
Hidróxido de zinco 1,8 × 10–14 18
Hidróxido férrico 1 × 10–36 18 Sendo os termos x3 e x2 pequenos demais, podem ser despre-
Hidróxido ferroso 1,6 × 10–14 18 zados, e o resultado será
Iodeto de prata 1,5 × 10–16 25 2 0 × 10−12
Iodeto mercuroso 1,2 × 10–28 25 x = [Ag2 CrO4 ] = = 1 25 × 10−9 mol litro
Sulfato de bário 1 × 10–10 25 1 6 10−3
Sulfato de cálcio 6,1 × 10–5 20
Sulfato de chumbo 1,1 × 10–8 18
Os sais que não apresentam íon comum com eletrólitos
Sulfeto de zinco 1,2 × 10–23 18
Tartarato ácido de potássio 3,8 × 10–4 18 escassamente solúveis causam um efeito oposto ao visto para o
íon comum. Em concentração moderada, esses íons aumentam
a solubilidade em vez de diminuí-la, em função dos seus bai-
xos coeficientes de atividade. Como mencionado anteriormen-
aplica no caso de sais livremente solúveis em água, como te, uma expressão exata do equilíbrio envolve as atividades.
cloreto de sódio. Para cloreto de prata,
Ksp aAg aCl− (10-52)
Da mesma forma que outras expressões de equilíbrio, a
concentração de cada íon é elevada a uma potência igual ao Uma vez que as atividades podem ser substituídas pelas con-
número de íons que aparecem, na equação. Assim, para o hi- centrações e pelos coeficientes de atividade, temos então
dróxido de alumínio, que:
Al(OH)3 Al3 3OH− Ksp [Ag ][Cl− ]γAg γCl− [Ag ][Cl− ]γ±2
[Al3 ][OH− ]3 Ksp (10-51)
Ksp
[Ag ][Cl− ]
γ2
EXEMPLO 10-13 e
Ksp
Solubilidade do cloreto de prata Solubilidade [Ag ] [Cl− ]
γ (10-53)
A solubilidade experimental do cloreto de prata em água é 1,12 ×
10–5 mol/litro, a 20 °C. Esse valor é o mesmo para as concentra-
ções de íons prata e cloreto, uma vez que, como eletrólito forte, a EXEMPLO 10-15
dissociação é quase completa. Calcular o produto de solubilidade
Solubilidade do cloreto de prata
desse sal.
Temos que Calcular a solubilidade do cloreto de prata em uma solução
Ksp = (1 12 × 10−5 ) × (1 12 × 10−5 ) 0,1 M de sulfato de amônio. A força iônica da solução 0,1 M de
(NH4)2SO4 é 0,3. Para essa força iônica, o coeficiente de atividade
1 25 10−10 de um eletrólito uni-univalente, como o cloreto de prata, é 0,70.
Temos assim que:
Se um íon comum com AgCl, ou seja Ag+ ou Cl−, é adi- 1 2 × 10−10
cionado a uma solução de cloreto de prata, o equilíbrio sofre Solubilidade =
0 70
alteração. A adição de cloreto de sódio, por exemplo, aumenta
=16 10−5 mol litro
a concentração de íons cloreto, de forma que, momentanea-
mente, teremos, Conseqüentemente, a adição de um eletrólito que não possua
− um íon comum com o AgCl gera um aumento na solubilidade des-
[Ag ][Cl ] > Ksp
te último.
e parte do AgCl dissolvido precipita, até que o equilíbrio [Ag+]
[Cl−] = Ksp seja restabelecido. Logo, o resultado da adição de Mediante o princípio do produto de solubilidade é possível
um íon comum é a redução da solubilidade de um eletrólito chegar a outras conclusões úteis. Um farmacêutico, no intuito
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 267

de prevenir a precipitação de um sal pouco solúvel em água, la. Nestas se incluem alcalóides, aminas simpaticomiméticas,
pode adicionar certa quantidade de substância que se acople anti-histamínicos, anestésicos locais, entre outras. Muitos des-
e reduza a concentração de um dos íons. Assim, uma quan- ses eletrólitos fracos não são muito solúveis em água, mas sim
tidade maior de sal passará do estado não-dissolvido para o em soluções diluídas de ácidos. Substâncias como o sulfato
dissolvido, até que o produto de solubilidade seja constante e de atropina e cloridrato de tetracaína são formados a partir da
o equilíbrio seja restabelecido. Por exemplo, quando os íons reação da forma básica com ácidos. A adição de um álcali à
Fe3+ de uma solução de Fe(OH)3, uma base pouco solúvel, são solução do sal dessas substâncias leva à precipitação da base
misturados com citrato de sódio para formar um complexo, livre da solução, caso a solubilidade desta base livre em água
mais íons Fe3+ passarão para a solução, de modo a manter Ksp seja baixa.
constante. Dessa forma, citratos e substâncias afins aumentam O nitrogênio alifático presente nas sulfonamidas é sufi-
a solubilidade de compostos férricos em água. cientemente negativo para que esses fármacos ajam como áci-
dos fracos escassamente solúveis, e não como bases. Em meio
alcalino, elas formam sais solúveis em água pelo seguinte me-
Solubilidade de eletrólitos fracos canismo. O oxigênio do grupo sulfonila (—SO2—), ao retirar
Muitos dos fármacos mais importantes pertencem ao grupo dos elétrons, faz com que o átomo de enxofre seja deficitário em
ácidos e bases fracos. Esses reagem com bases e ácidos fortes elétrons, mantendo os elétrons da ligação N:H mais próximos
e, dentro de uma determinada faixa de pH, formarão íons que do átomo de nitrogênio. Como conseqüência, o hidrogênio está
normalmente são solúveis em água. ligado de uma forma mais fraca e, em solução alcalina, ocorre
Embora os ácidos carboxílicos com mais de cinco átomos a formação fácil do ânion de sulfonamida, que é solúvel.
de carbono sejam relativamente pouco solúveis em água, eles
têm a capacidade de reagir com o hidróxido de sódio diluído,
carbonatos e bicarbonatos para formar sais solúveis. Ácidos
graxos com mais do que 10 átomos de carbono formam sabões
solúveis com metais alcalinos e sabões insolúveis com outros
íons metálicos. São solúveis em solventes com baixa constante
dielétrica. Por exemplo, o ácido oléico (C17H33COOH) é inso-
lúvel em água, mas é solúvel em álcool e éter. Ânion de sulfadiazina em uma
Hidroxiácidos, como o ácido tartárico e o ácido cítrico, solução de hidróxido
são bastante solúveis em água porque sofrem solvatação dos de sódio
seus grupos hidroxila. Os bitartratos de potássio e de amônio Os sais de sódio de sulfonamidas são precipitados da so-
não são muito solúveis em água, apesar de muitos sais de me- lução pela adição de ácidos fortes ou pela adição de um sal de
tais alcalinos e ácido tartárico serem solúveis. O citrato sódico ácido forte ou de um sal de uma base fraca, como o cloridrato
é, às vezes, utilizado para dissolver o ácido acetilsalicílico, que de efedrina.
é insolúvel em água, porque na reação há formação de íons sa-
licilato, solúveis em água. O ácido cítrico produzido na reação
também é solúvel em água. Contudo, a dissolução de aspiri-
na dessa forma é questionável face à rápida hidrólise do ácido
acetilsalicílico.
Os ácidos aromáticos reagem com álcalis diluídos forman-
do sais solúveis em água; porém, podem ser precipitados como
ácidos livres quando uma substância de caráter ácido mais
forte é adicionada à solução. Também podem ser precipita- Reação de um derivado do ácido
dos como sais de metais pesados, caso íons de metais pesados barbitúrico com hidróxido de
sejam adicionados à solução. O ácido benzóico é solúvel em sódio formando o ânion do
soluções de hidróxido de sódio, álcool e em óleos vegetais. O ácido fraco
ácido salicílico é também solúvel em álcalis e etanol. O grupo
Os barbituratos, do mesmo modo que as sulfonamidas, são
OH do ácido salicílico em nada contribui para a solubilidade
deste, uma vez que o mesmo participa de uma ligação de hi- ácidos fracos por causa da eletronegatividade do oxigênio de
drogênio intramolecular (p. 39). cada grupo ácido carboxílico, que tende a retirar elétrons do
O fenol é fracamente ácido e escassamente solúvel em átomo de carbono, conferindo-lhe caráter positivo. O carbono
água, mas é bastante solúvel em soluções diluídas de hidróxi- atrai, por sua vez, elétrons do grupo nitrogênio, o que faz com
do de sódio, que o hidrogênio esteja mais fracamente ligado ao nitrogênio.
Portanto, em uma solução de hidróxido de sódio, o hidrogê-
C6 H5 OH + NaOH → C6 H5 O− + Na+ + H2 O nio é facilmente retirado e a molécula passa a existir como um
O fenol é um ácido mais fraco que o H2CO3 e por isso é ânion solúvel de um ácido fraco. Butler e colaboradores 39 de-
deslocado e precipitado pelo CO2 a partir de uma solução al- monstraram que, em soluções fortemente alcalinas, o segundo
calina diluída. Isso explica por que carbonatos e bicarbonatos hidrogênio também é retirado. O pK1 do fenobarbital é 7,41 e
não aumentam a solubilidade do fenol em água. o pK2 11,77. Embora os barbituratos sejam solúveis em álcalis,
Muitas substâncias orgânicas de importância em Farmá- eles precipitam na forma de ácido livre quando um ácido forte
cia contêm um átomo de nitrogênio básico em sua molécu- é adicionado à solução, abaixando o pH da mesma.
268 P ATRICK J. S INKO

Cálculo da solubilidade de eletrólitos fracos em ácidas é dada por So = [HP], que, no caso do fenobarbital, é
função do pH igual a a 0,005 mol/litro, o que equivale a 0,12%, aproxima-
damente.
Com base no anteriormente dito em relação aos efeitos que A equação da solubilidade pode ser expressa na forma lo-
ácidos e bases exercem sobre eletrólitos fracos em solução, garítmica. Iniciando pela equação (10-60), seguindo de rear-
fica evidente que a solubilidade de eletrólitos fracos é forte- ranjo chega-se à expressão:
mente influenciada pelo pH da solução. A solução de fenobar- So
bital sódico a 1%, por exemplo, se mantém estável na região de (S − So ) Ka
[H3 O ]
valores de pH de elevada alcalinidade. A forma iônica solúvel
é convertida em fenobarbital molecular quando o pH é dimi- log (S So ) log Ka log So log[H3 O ]
nuído e, em pH abaixo de 8,3, o fármaco começa a precipitar e, finalmente:
da solução a temperatura ambiente. De modo oposto, sais de S − So
alcalóides, como o sulfato de atropina, por exemplo, começam pHp pKa log (10-62)
So
a precipitar à medida que o pH é aumentado.
Para poder assegurar que a solução seja clara, homogênea onde pHp corresponde ao pH abaixo do qual o fármaco preci-
e com um máximo de eficácia terapêutica, elas devem ser ajus- pita da solução como ácido não-dissociado.
tadas para um valor de pH ótimo. O pH abaixo do qual o sal Na prática farmacêutica, um fármaco como o fenobarbi-
de um ácido fraco, fenobarbital sódico, por exemplo, começa tal normalmente é utilizado na forma de sal na preparação de
a precipitar de uma solução aquosa, é facilmente calculado da uma solução. Considerando uma solução a um pH específi-
seguinte forma. co, da quantidade inicial do sal fenobarbital sódico que pode
Representando o ácido livre como HP e a forma ionizada ser adicionado à solução, uma parte dessa é transformada em
solúvel como P−, o estado de equilíbrio de uma solução sa- ácido livre, HP, e a outra permanece na forma ionizada, P−
turada de um eletrólito fraco, escassamente solúvel, pode ser (equação [10-59]). A quantidade de sal que pode ser adicio-
escrito como: nada no início, antes de exceder o valor da solubilidade (HP),
HP HPsol (10-54) é, por conseguinte, igual a S. Como se depreende da equação
(10-62), pHp depende da concentração molar inicial, S, de sal
HPsol H2 O H3 O P− (10-55) adicionado e da solubilidade molar do ácido não-dissociado,
Sendo a concentração da forma não-ionizada em solução, So, assim como do pKa. A equação (10-62) tem sido utilizada
HPsol, praticamente constante, a constante de equilíbrio para a para determinar o pKa de sulfonamidas e de outros fárma-
solução em equilíbrio, equação (10-54), será: cos.44–47 Dados de solubilidade e de pH também podem ser
utilizados para obter os valores de pK1 e de pK2 de ácidos
So [HP]sol (10-56) dipróticos, como sugerido por Zimmerman48 e Blanchard e
e a constante para o equilíbrio ácido-base, (10-55), correspon- colaboradores.49
derá a:
[H3 O ][P− ] EXEMPLO 10-16
Ka (10-57)
[HP] Fenobarbital
ou
[HP] Considerando uma solução com uma concentração inicial de 1 g
[P− ] Ka (10-58) de fenobarbital sódico em 100 mL de água, a 25 °C, abaixo de qual
[H3 O ] valor de pH começa a precipitar fenobarbital na forma livre? A
Para que não ocorra confusão decorrente da omissão do solubilidade molar, So, do fenobarbital é 0,0050 e seu pKa é 7,41, a
subscrito “sol”, observe-se que esse foi eliminado do termo 25 °C. A segunda dissociação do fenobarbital, referida anterior-
[HP]sol. mente, é normalmente desconsiderada. A massa molecular do fe-
A solubilidade total, S, do fenobarbital compreende a con- nobarbital sódico é 254.
centração do ácido não-dissociado, [HP], e a concentração da Assim, a concentração molar do sal adicionado no início será:
sua base conjugada ou forma iônica, [P−]: g litro 10
= = 0 039 mol litro
− 254
S [HP] [P ] (10-59)
(0 039 − 0 005)
pH p = 7 41 + log = 8 24
Substituindo So por [HP] da equação (10-56) e a expressão 0 005
da equação (10-58) por [P−], obtemos,
So Uma derivação análoga pode ser realizada para obter a
S So Ka (10-60)
[H3 O ] equação para a solubilidade de bases fracas em função do pH
Ka da solução. A expressão correspondente é:
S So 1 (10-61)
[H3 O ] So
pH p pK w − pK b log (10-63)
S So
A equação (10-61) tem sido expressa de várias maneiras
por Krebs e Speakman,40 Albert,41 Higuchi,42 Kostenbauder e onde S é a concentração de fármaco inicialmente adicionado
colaboradores,43 entre outros. na forma de sal, e So a solubilidade molar da base livre em
Quando um eletrólito é fraco e não apresenta dissociação água. Neste caso, pHp é o pH acima do qual o fármaco começa
apreciável, a solubilidade do ácido em água ou em soluções a precipitar na forma de base livre a partir da solução.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 269

Influência dos solventes na solubilidade de 9,0


fármacos
Eletrólitos fracos podem comporta-se como eletrólitos fortes
ou como não-eletrólitos em solução. Quando a solução está
a um pH no qual o fármaco existe completamente na forma 8,0
iônica, esse fármaco se comporta como um eletrólito forte e,
portanto, a solubilidade deixa de constituir um problema sério.
Contudo, quando o pH está ajustado a um valor no qual são
produzidas moléculas não-ionizadas, em uma concentração
suficiente que exceda a solubilidade dessa forma, haverá pre- 7,0
cipitação do fármaco. No momento, o foco de interesse será
Álcool no solvente (volume%)
apenas a solubilidade dos não-eletrólitos e das moléculas não-
dissociadas de eletrólitos fracos. A solubilidade do fenobarbi- Figura 10-8 Influência da concentração de álcool sobre a constante de dis-
tal não-dissociado em vários solventes foi escolhida em função sociação do fenobarbital. (Segundo T. D. Edmonson and J. E. Goyan, J. Am.
no número de estudos realizados no âmbito farmacêutico. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 47, 810, 1958. Com autorização.)
Freqüentemente, um soluto é mais solúvel em uma mistu-
ra de solventes do que em um único solvente. Esse fenômeno
é conhecido como co-solvência. O solvente que participa da
mistura e aumenta a solubilidade do soluto é denominado co-
mostrado seguindo as linhas vertical e horizontal traçadas na
solvente. Cerca de 1 g de fenobarbital dissolve em 1.000 mL de
Figura 10-7.
água, 10mL de álcool, 40 mL de clorofórmio e 15 mL de éter,
a 25 °C. A solubilidade do fenobarbital em misturas de água-
álcool-glicerina está inserida em uma grade semilogarítmica Efeito combinado do pH e dos solventes
na Figura 10-7, de acordo com os dados de Krause e Cross.50
Mediante o traçado de linhas paralelas ao eixo das abscis- Stockton e Johnson,51 assim como Higuchi e colaboradores,52
sas da Figura 10-7, a uma altura equivalente à concentração estudaram o efeito do aumento da concentração de álcool so-
requerida de fenobarbital, é fácil acessar as quantidades relati- bre a constante de dissociação do sulfatiazol, enquanto que
vas das várias combinações de álcool, glicerina e água neces- Edmonson e Goyan53 pesquisaram o efeito do álcool sobre a
sárias para obter uma solução. Por exemplo, para a mistura de solubilidade do fenobarbital.
22% de álcool, 40% de glicerina e o restante de água (38%),
Agarwal e Blake44 e Schwartz e colaboradores45 deter-
são dissolvidos 1,5% m/v de fenobarbital, da forma como é
minaram as solubilidades da fenitoína em função do pH e da
concentração de álcool em vários sistemas tamponados, calcu-
lando a constante de dissociação aparente. Kramer e Flynn46
examinaram as solubilidades de diversos cloridratos de bases
30 orgânicas em função do pH, temperatura e composição do meio
20 solvente. Os autores descreveram a determinação do pKa de um
40 30 20 10 sal a partir do perfil de solubilidade a várias temperaturas e em
50 0%
10 60 Glicerina
vários sistemas solventes. Chowhan47 determinou e calculou a
7 70 solubilidade do naproxeno, um ácido orgânico carboxilado, e
5 dos seus sais de sódio, potássio, cálcio e magnésio. As solubi-
Fenobarbital (% = m/v)

80
4 lidades observadas mostraram concordância excelente com os
3 perfis de pH-solubilidade obtidos a partir da equação (10-62).
90
2 Os resultados de Edmonson e Goyan53 são apresentados
na Figura 10-8, na qual se pode observar que o pKa do fe-
1 nobarbital, 7,41, se eleva para 7,92 em uma solução hidro-
0,7 alcoólica contendo etanol na concentração de 30% por vo-
0,5 lume. Além disso, pode-se constatar na Figura 10-7 que a
0,4 solubilidade, S0, do fenobarbital não-ionizado é aumentada
0,3
de 0,12 g/100 mL, ou 0,005 M em água, 0,64% ou 0,0276 M
0,2 Solubilidade do
em uma solução alcoólica a 30%. O cálculo da solubilidade
fenobarbital em água
em função do pH, implícito nesses resultados, é ilustrado no
0,1 exemplo a seguir.
0 20 40 60 80 100
Álcool no solvente (volume %)
EXEMPLO 10-17
Figura 10-7 Solubilidade do fenobarbital em uma mistura de água, álcool e
glicerina, a 25 °C. O eixo vertical está em escala logarítmica e representa a pH mínimo para obter solubilidade total
solubilidade do fenobarbital em g/100 mL. (Segundo G. M. Krause and J. M. Qual é o pH mínimo necessário para alcançar a dissolução total de
Cross, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 40, 137, 1951. Com autorização.) um fármaco em uma solução-estoque, a qual contém 6 g de feno-
270 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO SOLVENTES E ELETRÓLITOS FRACOS


A solubilidade de eletrólitos fracos em uma solução tamponada é afetada favorável. (b) Sendo menos polar do que a água, o álcool diminui a dis-
pelo solvente de duas formas: (a) A adição de álcool a uma solução aquo- sociação de eletrólitos fracos e a solubilidade do fármaco é reduzida à
sa tamponada de um eletrólito fraco aumenta a solubilidade da forma medida que a constante de dissociação é diminuída (pKa é aumentado).
não-ionizada, pelo ajuste da polaridade do solvente para um valor mais

barbital sódico em 100 mL de solução hidroalcoólica a 30% (v/v)? aquosa e as micelas de tensoativo, segundo a expressão:
Segundo a equação (10-62), [D]o
0 236 − 0 028 K (10-65)
pH p = 7 92 + log (D)o
0 028
pH p = 7 92 + 0 87 = 8 79 para o ácido não-ionizado, e
[D − ]o
Para fins de comparação, o pH mínimo para obter a disso- K (10-66)
lução completa do fenobarbital em uma solução aquosa, que não (D − )o
contenha álcool, é calculado mediante a equação (10-62): para o ácido ionizado.
0 236 − 0 005 O zero subscrito representa concentrações expressas em
pH p = 7 41 + log = 9 07 relação aos volumes das fases individuas, e não em relação ao
0 005
volume total do sistema. Em termos de volume total, as equa-
ções (10-65) e (10-66) se transformam em:
A partir dos cálculos do Exemplo 10-17, pode-se observar
[D][1 − (M)]
que, apesar da adição do álcool aumentar o pKa, aumenta tam- K (10-67)
bém a solubilidade da forma não-ionizada do fármaco acima (D)(M)
do valor calculado para uma solução aquosa, o suficiente para e
que o pH possa ser reduzido um pouco mais, antes que ocorra [D − ][1 − (M)]
precipitação. As equações (10-62) e (10-63) podem se tornar K (10-68)
(D − )(M)
mais exatas se, em vez de concentrações, utilizarmos ativida-
des, de modo a levar em consideração os efeitos de atração O termo de concentração, (M), representa a fração de vo-
entre íons. Esse refinamento, contudo, é raramente necessário lume do tensoativo que está como micelas em solução. A quan-
no trabalho prático, no qual os valores calculados a partir de tidade de tensoativo em solução verdadeira é comparativamen-
equações aproximadas servem plenamente como estimativas te muito pequena e pode ser desprezada. Assim, 1 – (M) pode
satisfatórias. ser tido como sendo igual a 1 nas equações (10-67) e (10-68),
o que proporciona as expressões,
Influência de tensoativos [D] K (D)(M) (10-69)
e
Fármacos fracamente ácidos ou alcalinos podem ser postos em
solução mediante a ação solubilizante de agentes tensoativos. D− K (D − )(M) (10-70)
Ainda que a solubilização de fármacos em micelas seja discu- A solubilidade total do fármaco, DT*, em uma solução em
tida como um fenômeno coloidal, é apropriado descrever neste
pH definido e na ausência de tensoativo [DT* ≡ S na equação
momento a influência dos agentes tensoativos sobre a solubili-
(10-59)] é definida como
dade em termos quantitativos, juntamente com os efeitos solu-
bilizantes de alguns solventes, como a glicerina e o etanol. DT ∗ (D) (D − ) (10-71)
Rippie e colaboradores54 pesquisaram a solubilização
A fração, (D) / DT*), de um fármaco não-ionizado presente
micelar de fármacos com características de eletrólitos fracos,
na fase aquosa, será:
mediante o uso de soluções aquosas do tensoativo não-iônico
polissorbato 80. A terminologia de Rippie e colaboradores é (D) (H )
(10-72)
utilizada, na seqüência, na descrição da teoria. DT ∗ Ka (H )
A solubilidade total, DT, de um fármaco ácido é expressa ou
pela soma das concentrações das espécies em solução: Ka (H )
DT ∗ (D) (10-73)
DT (D) (D − ) [D] [D − ] (10-64) (H )
onde (D) e (D−) representam o ácido não-ionizado e o ácido Utilizando a relação dada anteriormente, Rippie e colabo-
ionizado, respectivamente, que não estão contidos dentro das radores54 obtiveram a expressão
micelas. [D] e [D−] representam o ácido não-ionizado e o ácido
DT (H )K Ka K
ionizado, respectivamente, que estão contidos dentro das mice- 1 (M) (10-74)
las. Considera-se que o fármaco sofre partição entre a solução DT ∗ Ka (H )
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 271

onde DT é a solubilidade total do fármaco na presença de ten- O equilíbrio de dissociação para essa reação é expresso
soativo, segundo a equação (10-64). Com a equação (10-74), como:
podemos calcular a solubilidade total de fármaco em uma so-
[R3 NH ][OH− ]
lução com pH determinado e com uma fração de volume (M) Kb (10-77)
de tensoativo presente na forma de micelas. [R3 N]
A dissociação também pode ser escrita em termos do cá-
EXEMPLO 10-18 tion de procaína, para obter a constante de dissociação do áci-
Solubilidade do sulfisoxazol do, Ka,
R3 NH H2 O R3 N H3 O (10-78)
Calcular a solubilidade do sulfisoxazol a 25 °C em (a) um tampão
a pH 6,0 e em (b) um tampão a pH 6,0 contendo 4% por volume [R3 N][H3 O ]
Ka (10-79)
(isto é, 0,04 por fração de volume) de polissorbato 80 (Tween 80). [R3 NH ]
A solubilidade em meio aquoso do sulfisoxazol não-ionizado a 25
°C é 0,15 g/litro, seu Ka é 7,60 × 10–6. Seu coeficiente de partição Como mencionado antes, a seguinte expressão relaciona
aparente do fármaco na forma molecular, K’, e sua forma iônica, a base molecular e a forma catiônica ácida (de modo análogo
K’’, entre as micelas de polissorbato e a água, têm os valores de 79 para o ácido na forma molecular e sua base aniônica):
e 15, respectivamente (as constantes K’ e K’’ não têm unidades). (10-80)
Ka Kb Kw
(a) A partir da equação (10-73), a solubilidade total de fár-
maco calculada em pH 6, na ausência de tensoativo, é: e
−6
(7 6 × 10 ) mol litro pKa pKb pKw (10-81)
+ (1 0 × 10−6 ) mol litro
DT = (0 15 g litro)
(1 0 × 10−6 ) mol litro Para a forma molecular de uma base tipo procaína, teremos:
= 1 29 g litro Ka
(D) DT ∗ (10-82)
(b) Aplicando a equação (10-74), a solubilidade total de sulfi- Ka (H )
soxazol calculada para o tampão em pH 6, contendo 4% de Tween
80, é: H
(D ) DT ∗ (10-83)
−6 −6 Ka (H )
(1 × 10 )(79) + (7 6 × 10 )(15)
DT = (1 29) 1 + (0 04) ×
(7 6 × 10−6 ) + (1 × 10−6 )
e
DT = 2 45 g litro DT Ka K (H )K
1 (M) (10-84)
A presença de tensoativo praticamente duplicou a concentra- DT Ka (H )
ção do fármaco em solução.
onde (D) representa o ácido livre fora da micela e (D+) a forma
catiônica ácida, conjugada da base na forma molecular, fora
Na presença de um tensoativo na forma de micelas, a solu-
bilidade total de um fármaco alcalino correspondente à de um da micela. Os outros termos têm o mesmo significado antes
fármaco ácido, equação (10-64), pode ser expressa como: definido. A expressão permite calcular a solubilização de um
fármaco do tipo base fraca, como a procaína, em uma solução
DT (D ) (D) [D ] [D] (10-75) aquosa contendo um agente de solubilização micelar, como o
onde (D+) é a espécie catiônica ácida e (D) a base na forma polissorbato 80.
não-ionizada. A ionização da procaína-base, na forma molecu-
lar (não-ionizada), pode ser representada como: EXEMPLO 10-19
Solubilidade da procaína
A solubilidade da procaína-base em água a 25 °C é 5 g/litro e seu
Ka vale 1,4 × 10–9; o coeficiente de partição aparente para a forma
de base molecular é K’ = 30 e para a forma catiônica ácida é K’’ =
(R3 N) 7,0. Calcular a solubilidade da procaína em um tampão pH 7,40
Procaína contendo 3% (m/v) de polissorbato 80.
(Base não-iônica) (a)
Ka + (H+ ) (1 4 × 10−9 ) + (3 98 × 10−8 )
DT = (D) = (5 0)
Ka (1 40 × 10−9 )
= 147 2 g litro

(b)
(R3 NH + )
Procaína cátion (1 4 × 10−9 )(30) + (3 98 × 10−8 )(7)
DT = 147 2 1 + (0 03) ×
(Forma iônica ácida conjugada (1 40 × 10−9 ) + (3 98 × 10−8 )
da procaína base ) (10-76) = 181 6 g litro
272 P ATRICK J. S INKO

Qual a fração de fármaco na fase aquosa e qual a fração den- Os efeitos do tamanho de partícula na solubilidade de um
tro das micelas? Temos que: sólido foram revistos com maior detalhe por May e Kolthoff,57
Total de fármaco DT ∗ 147 2 g litro devendo o leitor interessado consultar essa referência.
= A configuração da molécula e o tipo de arranjo cristalino
Total de fármaco na fase aquosa e nas micelas, D T 181 6 g litro
= 0 81
também exercem certa influência sobre a solubilidade. Partí-
culas simétricas podem ser menos solúveis do que as assimé-
tricas. Isso se deve ao fato da solubilidade depender, em parte,
Logo, uma fração igual a 0,81 de procaína está presente na do trabalho necessário para separar as partículas de um solu-
fase aquosa e o restante, 0,19, permanece dentro das micelas. to cristalino. As moléculas do aminoácido α-alanina formam
Devido às micelas de tensoativo, a solubilidade da procaína é um cristal compacto de elevada energia de retículo e, conse-
aumentada em uma quarta parte em relação à sua solubilidade qüentemente, a solubilidade é baixa. As moléculas do ácido
na solução aquosa tamponada. α-amino-n-butírico se organizam de forma menos eficiente no
cristal, em parte devido à projeção das cadeias laterais, o que
reduz a energia de retículo. Em decorrência disso, o α-amino-
Influência da complexação em sistemas n-butírico tem uma solubilidade de 1,80 mol/litro, enquanto
multicomponentes que a da α-alanina é de apenas 1,66 mol/litro, em água, a 25
°C, apesar das cadeias hidrocarbonadas do α-amino-n-butírico
Em Farmácia, muitas das preparações líquidas consistem em serem maiores do que as do outro aminoácido.
mais de um único fármaco em solução. Fritz e colaboradores55
mostraram que, quando vários fármacos interagem formando
complexos insolúveis com adjuvantes farmacêuticos na solu-
ção, os perfis de solubilidade individuais não podem mais ser DISTRIBUIÇÃO DE SOLUTOS ENTRE SOLVENTES
aplicados para prever as solubilidades dos componentes em IMISCÍVEIS
solução. Em vez disso, o sistema multicomponente deve ser
estudado, de forma específica, para poder estimar os complica-
dos efeitos originados das espécies em interação. Quando um excesso de sólido ou líquido é adicionado a uma
mistura de dois líquidos imiscíveis, esses irão se distribuir por si
próprios entre as duas fases, de modo a saturar ambas. Se a subs-
Influência de outros fatores na solubilidade de sólidos tância adicionada aos solventes imiscíveis está em quantidade in-
suficiente para saturar ambas as fases, essa irá se distribuir entre
O tamanho e a forma das partículas (no âmbito de microme- as duas segundo uma razão de concentrações bem-definida.
tros) também afetam a solubilidade. A solubilidade aumenta Se C1 e C2 são as concentrações de equilíbrio de uma subs-
com a diminuição do tamanho de partícula, aproximadamente tância nos solventes 1 e 2, obteremos a seguinte expressão de
de acordo com a seguinte equação: equilíbrio:
s 2γ V C1
log (10-85) K (10-86)
so 2 303RT r C2
onde s representa a solubilidade das partículas finas; so a solubi- A constante de equilíbro, K, é denominada razão de distri-
lidade do sólido formado por partículas relativamente maiores; γ buição, coeficiente de distribuição ou coeficiente de partição.
a tensão superficial das partículas, que, no caso de sólidos, infe- A equação (10-86), denominada lei da distribuição, se aplica
lizmente é muito difícil de ser determinada; V é o volume molar estritamente a soluções diluídas, nas quais os coeficientes de
(volume em cm3 por mol de partículas); r o raio das partículas, atividade podem ser desconsiderados.
em cm; R é a constante dos gases (8,314 × 107 erg/ mol K)* e T a
temperatura absoluta. A equação pode ser utilizada para partícu- EXEMPLO 10-21
las sólidas ou líquidas, como nos casos de suspensões e emulsões.
O exemplo seguinte foi retirado do livro de Hildebrand e Scott.56 Coeficiente de distribuição
Quando ácido bórico se distribui entre água e álcool amílico, a
25 °C, sua concentração na fase aquosa é 0,0510 mol/litro e na
EXEMPLO 10-20
fase alcoólica 0,0155 mol/litro. Qual é o coeficiente de partição?
Tamanho de partícula e solubilidade Teremos que:
CH2 O 0 0510
Um sólido deverá ser moído de modo a aumentar a solubilidade K= = = 3 29
Calc 0 0155
em 10%, ou seja, fazer com que s/so seja 1,10. Qual deve ser o ta-
manho de partícula final, assumindo uma tensão superficial do Nenhuma convenção tem sido estabelecida em relação a co-
sólido de 100 dina/cm (N. de T.: 1 103 dina = 1 N) e um volume locar a concentração na fase aquosa ou a concentração na fase
molar de 50 cm3? Considerar uma temperatura de 27 °C. orgânica no numerador e, por isso, o resultado também pode ser
2 × 100 × 50 expresso como:
r =
2 303 × 8 314 × 107 × 300 × 0 0414 Calc 0 0155
K= = = 0 304
−6 CH2 O 0 0510
42 10 cm 0 042 μm
Devido a isso, sempre é necessário especificar por qual dos
* N. de T: 107 érgios = 1 joule. dois meios a constante de partição está sendo expressa.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 273

CONCEITO PARÂMETROS HIDROFÓBICOS


Meyer, em 198958, e Overton, em 190159, demonstraram que o efeito far- Contudo, no início da década de 1950, Collander demonstrou que a velo-
macológico de substâncias orgânicas simples pode ser relacionado ao seu cidade de penetração das substâncias orgânicas através da membrana
coeficiente de partição óleo/água, P. Mais tarde tornou-se claro que o de células vegetais estava relacionada ao valor de P. O coeficiente de
coeficiente de partição é de pouco valor na explicação da atividade es- partição, P, é uma forma comum de definir a hidrofobia relativa (também
pecífica de fármacos (ou seja, da ligação a um receptor), uma vez que a chamada de lipofilia) de uma substância. Para maiores detalhes sobre co-
especificidade também é determinada por efeitos estéricos e eletrônicos. eficientes de partição, ver o texto de Hansch e Leo.60

O conhecimento da partição é importante para o farma- Na seqüência os dois casos serão tratados. No primeiro
cêutico porque este princípio está presente em várias áreas caso, segundo Garrett e Woods,61 considera-se que o ácido
farmacêuticas de interesse atual, por exemplo, conservação benzóico se distribui entre duas fases, óleo de amendoim
de sistemas óleo-água, atividade de fármacos em sítios não- e água. Embora o ácido benzóico sofra dimerização (asso-
específicos, absorção e distribuição de fármacos no organismo, ciação de duas moléculas) em muitos solventes apolares,
entre outras. Certos aspectos relativos a esses tópicos são dis- isso não acontece no óleo de amendoim. Esse ácido dis-
cutidos nas seções seguintes. socia em água, não obstante, em um grau que depende do
pH da solução. Portanto, para o caso em consideração na
Figura 10-9, Co, a concentração total de ácido benzóico na
Efeito da dissociação iônica e da associação fase oleosa é igual a [HA]o, a concentração de monômero
molecular sobre a partição na fase oleosa, uma vez que o ácido não sofre associação no
óleo de amendoim.
O soluto pode existir, parcial ou totalmente, como moléculas As espécies em comum nas fases oleosa e aquosa são as
associadas em uma das fases ou pode dissociar em íons em moléculas não-associadas e não-ionizadas de ácido benzóico.
qualquer uma das fases líquidas. A lei da distribuição se aplica Logo, a distribuição é expressa como:
somente à concentração de espécies comuns nas duas fases, [HA]o Co
mais especificamente, ao monômero ou às moléculas indivi- K (10-87)
duais de soluto. [HA]w [HA]w
Considere a distribuição de ácido benzóico entre uma fase onde K é o coeficiente de distribuição verdadeiro; [HA]o = Co é
oleosa e outra aquosa. Quando o ácido não está associado na a concentração molar das moléculas individuais de ácido ben-
fase oleosa e nem dissociado na fase aquosa, a equação (10-86) zóico na fase oleosa e [HA]w a concentração molar do ácido
pode ser aplicada para calcular a constante de distribuição. não-dissociado na fase aquosa.
Contudo, quando ocorre associação e dissociação, a situação A concentração total de ácido obtida pela análise da fase
torna-se mais complicada. O caso geral segundo o qual o ácido aquosa corresponde a:
benzóico se associa na fase oleosa e dissocia na fase aquosa é
mostrado esquematicamente na Figura 10-9. Cw [HA]w [A− ]w (10-88)
e a concentração observada de forma experimental ou coefi-
ciente de distribuição aparente corresponde a:
[HA]o Co
K −
(10-89)
[HA]w [A ]w Cw
Como se pode constatar na Figura 10-9, o coeficiente de
distribuição observado depende de dois equilíbrios: o da distri-
buição do ácido não-dissociado entre as fases imiscíveis, como
consta na equação (10-87), e o da distribuição das espécies do
ácido na fase aquosa, que depende da concentração em íon
hidrogênio [H3O+] e da constante de dissociação Ka do ácido
benzóico, onde
[H3 O ][A− ]w
Ka (10-90)
[HA]w
Fase oleosa Fase aquosa
A associação do ácido benzóico no óleo de amendoim
não acontece; conseqüentemente, neste caso, Kd (constante de
Figura 10-9 Distribuição esquemática de ácido benzóico entre uma fase equilíbrio para a dissociação em monômeros das moléculas
aquosa e outra oleosa. A fase oleosa é representada como uma gotícula de de ácido benzóico associadas no óleo de amendoim) pode ser
óleo de uma emulsão óleo-em-água. desprezada.
274 P ATRICK J. S INKO

Considerando as equações acima e o fato de concentração, a fase oleosa não ter de ser analisada; apenas a concentração de
C, do ácido na fase aquosa antes da distribuição e pressupondo íon hidrogênio e Cw, a concentração total de ácido remanescente
volumes iguais de ambas as fases, ser igual a:* na fase aquosa, necessitam ser calculadas.
C Co Cw (10-91)
EXEMPLO 10-22
pode-se chegar ao resultado geral,†
Segundo Garrett e Woods,61 para o ácido benzóico distribuído em
Ka [H3 O ] Ka K 1 (10-92) volumes iguais de óleo de amendoim e de uma solução aquosa
[H3 O ]
Cw C C tamponada, o gráfico de (Ka + [H3O+])/Cw versus [H3O+] propor-
ciona uma inclinação b = 4,16 e um intercepto a = 4,22 × 10–5. O
A expressão (10-92) é uma equação linear da forma y = a + bx
valor de Ka do ácido benzóico é 6,4 × 10–5. Calcular o coeficiente
e, por conseguinte, o gráfico de (Ka + [H3O+]) /Cw versus [H3O+]
de partição verdadeiro, K, e comparar esse valor com o valor de K
rende uma linha reta com inclinação b = (K + 1) /C e intercepto
= 5,33, obtido pelos autores.
em a = Ka/C. Assim, o coeficiente de distribuição verdadeiro, K,
Inicialmente, temos que:
pode ser obtido para uma determinada faixa de concentração de
íon hidrogênio. De modo alternativo, a constante de distribuição b = (K + 1) C
verdadeira pode ser obtida mediante a equação (10-87), analisan- ou
do a fase oleosa e a fase aquosa a um pH suficientemente baixo K = bC 1
(2,0), no qual o ácido possa estar somente na forma não-ionizada. Sendo
Contudo, uma das vantagens da equação (10-92) reside no fato de Ka
a = Ka C ou C =
a
essa expressão fica como:
(*) O significado de C na equação (10-91) é facilmente entendido mediante um
bKa bKa − a
exemplo simples. Suponha-se que no início temos 1 litro de óleo e 1 litro de K= −1=
água e que, após o ácido benzóico ter-se distribuído entre as duas fases, a con- a a
centração Co do ácido benzóico no óleo é 0,01 mol/litro e a concentração Cw e
do ácido benzóico na fase aquosa é 0,01 mol/litro. Portanto, após ter sido al- (4 16 × 6 4 × 10−5 ) − 4 22 × 10−5
K= = 5 31
cançado o equilíbrio na distribuição, há 0,02 móis em dois litros ou 0,01 móis 4 22 10−5
de ácido benzóico por litro de mistura total. A equação (10-91) mostra que

C Co Cw 0,01 mol litro 0,01 mol litro No segundo caso, vamos considerar uma situação na
0,02 mol litro qual o soluto está associado na fase orgânica e que esse exis-
A concentração, C, não corresponde, obviamente, à concentração total de te como moléculas individuais na fase aquosa. Se o ácido
ácido na mistura em equilíbrio, mas a duas vezes esse valor. Conseqüen- benzóico é distribuído entre benzeno e água acidificada, esse
temente, C deve ser vista como a concentração de ácido benzóico na fase ácido vai ocorrer principalmente na forma de moléculas asso-
aquosa (ou na fase oleosa) antes da distribuição ter se processado. ciadas na fase benzênica e como moléculas não-dissociadas
(†) A equação (10-92) é derivada da seguinte forma. Substituindo o termo [A–] na fase aquosa.
w da equação (10-90) na equação (10-89), teremos que O equilíbrio entre moléculas individuais HA e moléculas
[HA]o [HA]o [H3 O ]
(a)
associadas (HA)n na fase de benzeno é dada pela expressão:
K
K a [HA]w [HA]w (K a [H3 O ])
[HA]w (HA)n n(HA)
[H3 O ]
Moléculas associadas Moléculas individuais
A seguir, [HA]w da equação (10-87) é substituído em (a), eliminando [HA]
da equação:
e a constante de equilíbrio, que expressa a dissociação das mo-
o
[HA]o [H3 O ] K [H3 O ] léculas associadas em moléculas simples nesse solvente, será:
K (b)
[HA]o ) K (Ka [H3 O ]) Ka [H3 O ] [HA]on
Kd (10-93)
A constante de distribuição aparente é eliminada substituindo a equação [(HA)n ]
(b) na equação (10-89), de modo a obter: ou
K [H3 O ] Co [HA]o n K n [(HA) ] (10-94)
(c) d n
Ka [H3 O ] Cw
ou Uma vez que o ácido benzóico ocorre predominantemente
Co
K [H3 O ]Cw
(d) na forma de moléculas duplas no benzeno, Co pode substituir
K a [H3 O ] [(HA)2], onde Co representa a concentração molar total de so-
Co é eliminada substituindo a equação (c) na equação (10-91), o que resulta luto na camada orgânica. Logo, a equação (10-94) pode ser
em: reescrita, de forma aproximada, como:
K [H3 O ]Cw
C
K a [H3 O ]
Cw [HA]o ∼ constante Co (10-95)
K [H3 O ]Cw (K a [H3 O ])Cw De acordo com a lei da distribuição dada na equação
Ka [H3 O ] (10-87), o coeficiente de distribuição verdadeiro é expresso
Mediante rearranjo da equação (d) obtemos, finalmente: sempre em termos de espécies individuais comuns em ambas
as fases, ou seja, em termos de [HA]w e [HA]o. No sistema
Ka [H3 O ] [H3 O ](K 1) Ka benzeno-água, [HA]o é dado pela equação (10-95) e a constan-
Cw C te de distribuição modificada é expressa como:
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 275

Utilizando essa equação é possível demonstrar que, quanto


TABELA 10-13 maior o número n de extrações e menor o volume V2, em outras
DISTRIBUICÃO DE ÁCIDO BENZÓICO ENTRE BENZENO E palavras, quando é realizado um grande número de extrações
ÁGUA ACIDIFICADA, A 6 °C*,† com pequenas porções do líquido extrator, maior é a eficiência
√ do processo de extração. O desenvolvimento acima descrito
[HA]W Co K" − Co /[HA]W
assume a existência de imiscibilidade completa entre os dois
0,00329 0,0156 38,0 líquidos. Quando utilizamos éter para extrair substâncias or-
0,00579 0,0495 38,2 gânicas da água, isso não é totalmente verdadeiro; contudo,
0,00749 0,0835 38,6
0,0114 0,195 38,8 as equações nos proporcionam valores aproximados que, para
*As concentrações estão expressas em mol/litro.
fins práticos, são satisfatórios. A presença de outros solutos,
† Retirada de: S. Glasstone, Textbook of Physical Chemistry, Van Nostrand, New como sais, também pode afetar os resultados seja por formação
York, 1946, p. 738. de complexos com o soluto ou por um efeito de salting-out em
uma das fases.

[HA]o Co EXEMPLO 10-23
K (10-96)
[HA]w [HA]w Coeficiente de distribuição
Os resultados para a distribuição de ácido benzóico O coeficiente de distribuição do iodo entre água e tetracloreto de
entre benzeno e água, conforme Glasslone,62 são dados na carbono a 25 °C é K = CH2O/CCCl4 = 0,012. Quantas gramas de
Tabela 10-13. iodo são extraídas de uma solução aquosa contendo 0,1 g em 50
Um terceiro caso, que envolve tanto a associação na fase mL, após uma extração com 10 mL de CCl4? Quantas gramas são
orgânica como a dissociação na fase aquosa, poderia ser trata- extraídas por duas porções de 5 mL de CCl4?
do neste momento; contudo, será postergado para uma seção Temos que:
mais adiante. Esse caso segue a mesma abordagem vista para 0 012 × 50
w 1 = 0 10 ×
os dois anteriormente apresentados, como será ilustrado no (0 012 × 50) + 10
Exemplo 10-25 em relação à ação conservante. Outros casos = 0 0057 g 0943 g são extraídas
de distribuição são tratados por Davies e Hallam.63 2
0 012 × 50
w 2 = 0 10 ×
(0 012 × 50) + 5
Extração = 0 0011 g

A determinação da eficiência com a qual um solvente pode ex- Logo, 0,0011 g de iodo permanecem na fase aquosa e as duas
trair substâncias de um segundo solvente – uma operação co- porções de CCl4 terão extraído 0,0989 g.
mumente utilizada na química analítica e na química orgânica
– será vista conforme preconizado por Glasstone.60 Suponha- Solubilidade e coeficientes de partição
se que w gramas de um soluto são extraídas repetidas vezes,
de V1 mililitros de um solvente, com porções sucessivas de V2 Hansch e colaboradores65 relataram a relação entre as solubi-
mililitros de um segundo solvente, o qual é imiscível com o lidades em água de não-eletrólitos e os coeficientes de parti-
primeiro. Seja w1 a massa de soluto que permanece no solvente ção. Yalkowsky e Valvani66 derivaram a seguinte equação para
original depois da extração com a primeira porção do solvente determinar a solubilidade em água de substâncias orgânicas
extrator. Logo, a concentração de soluto remanescente no pri- líquidas e cristalinas:
meiro solvente será (w1/V1) g/mL e a concentração de soluto log S log K
no solvente extrator será (w – w1)/V2 g/mL. O coeficiente de S f (pf − 25)
distribuição respectivo será igual a: − 1 11 0 54
1364 (10-100)
Concentração de soluto
onde S é a solubilidade em água, em mol/litro; K o coeficiente
K de partição octanol-água; ΔSf a entropia de fusão molar; e pf
Concentração de soluto a temperatura de fusão da substância sólida, em graus centí-
grados. Para uma substância líquida, ao pf é atribuído o valor
de 25, de forma que o segundo termo da direita da equação
w 1 V1 (10-97) (10-100) se torna zero.
K
(w w 1 )V2 A entropia de fusão e o coeficiente de partição podem ser
ou estimados a partir da estrutura química da substância. Para mo-
K V1
(10-98) léculas rígidas, ΔSf = 13,5 unidades de entropia (e.u.).* Para
w1 w
K V1 V2
O processo pode ser repetido de modo que, após n extra-
ções,64 teremos:
n * N. de T.: No original, as expressões eu ou e.u (entropy units) são utiliza-
K V1
wn w das várias vezes. Aqui, pelo contexto, se pressupõe que e.u. corresponda
K V1 V2 (10-99) a cal/(mol K).
276 P ATRICK J. S INKO

moléculas com um valor de n maior que cinco átomos, exceto do, mais especificamente, quando se atinge uma concentração
de hidrogênio, em uma cadeia flexível, de ácido de 25 mg/100 mL. A ação conservante do ácido ben-
Sf 13 5 2(5(n 5) e.u. zóico não-dissociado, quando comparada à ineficácia do íon
(10-101)
benzoato, foi presumivelmente atribuída à facilidade com que
Leo e colaboradores65 relatam valores de coeficiente de a molécula não-ionizada penetra nas membranas vivas e, de
partição para um grande número de substâncias. Quando valo- modo contrário, à dificuldade com que o íon o faz. A molécu-
res experimentais não são encontrados, os mesmos podem ser la não-dissociada, constituída por uma grande porção apolar,
estimados por diferentes grupos de métodos.65,67 é solúvel na membrana lipóide dos microrganismos e penetra
rapidamente para o interior dos mesmos.
EXEMPLO 10-24 As bactérias presentes em sistemas óleo-água geralmente se
Solubilidade molar em água localizam na fase aquosa e na interface óleo-água. Conseqüen-
temente, a eficácia de um ácido fraco como conservante para es-
Estimar a solubilidade molar em água do p-aminobenzoato de
ses sistemas, como o ácido benzóico, é devida, em grande parte,
heptila, cujo ponto de fusão é 75 °C, a 25 °C:
à concentração do ácido não-dissociado na fase aquosa.
Para calcular a concentração total de ácido benzóico que
deve ser adicionado para conservar uma mistura óleo-água, se
procede da seguinte forma. Partimos, primeiramente, de uma
Primeiramente, é necessário calcular ΔSf e o log K. mistura óleo de amendoim-água, como a considerada por Gar-
Há nove átomos diferentes do hidrogênio na cadeia flexível rett e Woods61 e escrevemos a expressão,
(C, O e os sete carbonos até CH3). Utilizando a equação (10-101,
vamos obter: C qCo Cw q[HA]o [HA]w [A− ]w (10-102)
ΔSf = 13,5+2,5(9–5) = 23,5 e.u. onde q = Vo/Vw, a razão volumétrica entre as duas fases, é ne-
Para o coeficiente de partição, Leo e colaboradores65 assinalam cessária quando os volumes não são iguais; C é a concentração
um valor de 1,87 para o log K do ácido benzóico. A contribuição original de ácido na fase aquosa, antes da mesma entrar em
do grupo NH2 é de –1,16, a do CH2 é de 0,50 e a dos sete átomos de equilíbrio com o óleo de amendoim; Co é a concentração molar
carbono da cadeia hidrocarbonada é de 7 × 0,50 = 3,50. Logo, das moléculas individuais, não-associadas, na fase oleosa, e
log K(p-aminobenzoato de heptila) = 1,87 – 1,16 + 3,50 = 4,21 Cw a concentração molar do ácido benzóico na água, solvente
Substituindo esses valores na equação (10-100), obteremos: onde ocorre ionização, e que é igual à soma dos termos [HA]

w e [A ]w. Além disso, assumimos que as concentrações são
23 5 (75 − 25)
log S = −4 21 − 1 11 + 0 54 aproximadamente iguais às atividades.
1364
log S = −4 63
Nesse sistema, a distribuição do ácido benzóico total en-
tre as várias fases depende do coeficiente de distribuição, K,
S (calc) = 2 36 × 10−5 M
da constante de dissociação, Ka, do ácido na fase aquosa, da
S (obs) = 2 51 × 10−5 M
proporção entre os volumes de cada fase e da concentração do
íon hidrogênio na fase aquosa. Para estimar o primeiro efeito,
introduzimos o termo K = [HA]o/[HA]w ou [HA]o = K[HA]w na
Ação conservante de ácidos fracos em sistemas equação (10-102). Para incluir as influências de Ka e de [H3O+]
óleo-água escrevemos para a constante Ka = [H3O+] [A−]w/ [HA]w, e para
a espécie iônica [A−]w = Ka [HA]w/ [H3O+], e substituímos essa
Alimentos, fármacos e cosméticos em solução estão sujeitos à expressão na equação (10-102). Logo, a expressão fica sendo:
degradação por enzimas de microrganismos que atuam como
catalisadores em reações de decomposição. Essas enzimas são C Kq[HA]w [HA]w Ka [HA]w )[H3 O ] (10-103)
produzidas por leveduras, fungos e bactérias, motivo pelo qual Por eliminação do termo [HA]w, obteremos,
tais microrganismos devem ser destruídos ou inibidos, a fim de
C (Kq 1 Ka [H3 O ])[HA]w (10-104)
evitar a deterioração dos produtos. A esterilização e a adição
de conservantes químicos são métodos comumente utilizados ou
em Farmácia para conservar soluções de fármacos contra o C
[HA]w (10-105)
ataque de diversos microrganismos. Ácido benzóico na forma Kq 1 Ka [H3 O ]
do seu sal solúvel, benzoato de sódio, é usado com freqüência As equações (10-104) e (10-105) podem ser utilizadas
com essa finalidade, porque não exerce nenhuma ação nociva para calcular a concentração de ácido benzóico total, C, que
em humanos quando ingerido em pequenas quantidades. deve ser adicionada ao volume total composto pelas duas fa-
Rahn e Conn68 mostraram que a ação conservante ou bac- ses para assim conseguir a concentração especificada [HA]w
teriostática do ácido benzóico e de outros ácidos similares é de ácido não-dissociado na fase aquosa tamponada, a um valor
devida quase que inteiramente à forma não-dissociada e não definido de pH ou de concentração de íon hidrogênio.69
à forma iônica. Os pesquisadores verificaram que a levedura Kazmi e Mitchell70 e Bean e colaboradores71 propuseram
Saccharomyces ellipsoideus, que normalmente cresce em pH cálculos para conservar sistemas solubilizados e emulsiona-
2,5 a 7,0 na presença de ácidos inorgânicos fortes ou seus sais, dos que são ligeiramente diferentes daqueles considerados por
cessa de crescer na presença de ácido benzóico não-dissocia- Garrett e Woods.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 277

EXEMPLO 10-25 igual, desde que a sua concentração nas substâncias lipofílicas
da célula seja igual. Como será visto logo a seguir, essa é, na
Distribuição verdade, uma repetição da teoria primeiramente proposta por
Se o ácido benzóico está distribuído entre volumes iguais de óleo Ferguson e que é, em geral, aceita na atualidade, isto é, que
de amendoim e água, qual deve ser a sua concentração original graus iguais de ação narcótica ocorrem para atividades termo-
na fase aquosa, de modo que 0,25 mg/mL de ácido não-dissociado dinâmicas iguais de fármacos em solução.
permaneçam na fase aquosa, tamponada a pH 4,0? O coeficiente A atividade de um vapor é calculada pela a equação.
de partição, K = [HA]o/[HA]w, é igual a 5,33 e a constante de dis-
nar
sociação do ácido em água é 6,4 × 10–5. Uma vez que as duas fases anar (10-108)
estão presentes em volumes iguais, q = Vo/Vw = 1. Utilizando a p◦
equação (10-104) obtemos: Quando Pnar é a pressão parcial de um narcótico em solu-
6 4 × 10−5 ção, justo o suficiente para causar narcoses, e p° a pressão de
C = 5 33 + 1 + 0 25
10−4 vapor do líquido puro, a narcose vai ocorrer a uma atividade
= 1 74 mg mL termodinâmica anar.

Quando o ácido benzóico existe como dímero na fase EXEMPLO 10-27


oleosa, expressamos o coeficiente de distribuição modificado Atividade termodinâmica
como K" = (1 / [HA]w) e, por conseguinte, a equação (10-102) A pressão de vapor pressão, p°, do propano puro é 13 atm e a do
se transforma em: butano é 3 atm, a 37 °C. A pressão de vapor parcial do propano
C K 2 q[HA]w 2 [HA]w para causar narcose em camundongos é 0,9 e a do butano 0,2.72
Para estas duas substâncias, calcular as atividades termodinâmi-
Ka [HA]w [H3 O ] (10-106) cas necessárias para uma ação equinarcótica.
e, finalmente, em (a) Para propano
pnar 09
C K 2 q[HA]w 1 (Ka [H3 O ])[HA]w (10-107) anar = = = 0 069
p◦ 13
(b) Para butano
pnar 02
EXEMPLO 10-26 anar = = = 0 067
p◦ 3
Distribuição do ácido benzóico
Quanto de ácido benzóico não-dissociado (massa molecular 122 g/
mol) permanece na fase aquosa de uma emulsão constituída por Uma confirmação mais contundente da regra segundo a
100 mL de benzeno e 200 mL de água tamponada a pH 4,2? É essa qual graus iguais de narcose correspondem a iguais atividades
quantidade suficiente para conservar essa emulsão? A quantidade termodinâmicas (em vez de coeficientes iguais, como propos-
de ácido benzóico inicialmente adicionada a 200 mL da fase aquo- to originalmente por Meyer e Overton) é mostrada na Tabela
sa foi 0,50 g. A constante de dissociação do ácido é 6,4 × 10–5 (pKa 10-14. Nessa tabela pode-se observar que etanol, n-propanol e
= 4,2); a concentração de íon hidrogênio na solução também é 6,4 n-butanol possuem coeficientes de distribuição de magnitude
× 10–5√, e q vale Vo/Vw = 100/200 = 0,5. O coeficiente de distribuição similar e, em face disso, pode-se esperar uma ação narcóti-
K" = Co /[HA]w ≅ 38,5, conforme mostrado na Tabela 10-13. ca similar para os mesmos. Por outro lado, o timol tem um
Teremos assim que: coeficiente de partição aproximadamente 10.000 vezes maior
do que os álcoois de cadeia linear, mas a sua ação narcótica é
6 4 × 10−5 igual à dos álcoois normais.
C = [(38 5)2× 0 5 × [HA] w ] + 1 + [HA]w
6 4 × 10−5 Pode-se demonstrar que, embora os coeficientes e distri-
0 50 mol litro buição sejam diferentes, as atividades termodinâmicas dessas
= (741[HA]w + 2)[HA]w
(122)(0 200) substâncias são quase iguais para uma ação narcótica também
igual. Logo, o coeficiente de partição pode ser expresso como:
741[HA]w 2 + 2[HA]w − 0 0205 = 0
√ Concentração na fase orgânica ao )γ o
−2 + 4 + 60 75 K (10-109)
[HA]w =
1482 Concentração na fase aquosa aw )γ w
= 4 079 × 10−3 mol litro ou 0 0996 g 200 mL O estudante notará que os coeficientes de partição podem
ser escritos em termos de concentração, em vez de atividades.
Sendo as atividades, ao e aw, iguais no equilíbrio, K será sem-
pre igual a 1,0. Estas são as diferenças de concentração pelas
quais estamos interessados e, portanto, K pode ser definido
Atividade de fármacos e coeficientes de partição conforme a equação (10-109).
Há mais de cem anos, Meyer58 e Overton59 propuseram a hi- Quando um sistema está em equilíbrio em relação a uma
pótese segundo a qual a ação narcótica de fármacos inespecífi- substância distribuída entre duas fases, as atividades do soluto
cos depende do coeficiente de distribuição da substância entre em ambas podem ser tidas como idênticas, ou seja, ao = aw.
o meio lipofílico e a água. Posteriormente, concluiu-se que a Portanto, da equação (10-109) depreende-se que:
narcose era uma função apenas da concentração desses fár- a)γ o γw
macos nos lipídeos da célula. Assim, uma ampla variedade de K (10-110)
fármacos de classes diferentes pode causar uma ação narcótica a)γ w γo
278 P ATRICK J. S INKO

TABELA 10-14
AÇÃO NARCÓTICA DE VÁRIAS SUBSTÂNCIAS
Atividade aproximada da
Coeficiente de partição da
Concentração da substância em água, em substância narcótica na fase
substância narcótica
mol/litro, necessária para obter ação C aquosa ou na fase lipofílica,
K
Substância narcótica em girinos C água aw ≅ a o

Etanol 0,33 0,10 0,033


n-Propanol 0,11 0,35 0,039
n-Butanol 0,03 0,65 0,020
Timol 0,000047 950 0,045

Pode-se assumir que a solução orgânica apresenta com- Referências


portamento ideal, de modo que γo tem valor unitário. Assim, a
equação (10-110) fica reduzida a: 1. Seidell; Landolt-Bornstein; International Critical Tables; Lange,
Handbook of Chemistry; CRC Handbook of Chemistry and Physics.
K ∼ γw (10-111) 2. W. J. Mader and L. T. Grady, in A. Weissberger e B. W. Rossiter (Eds.),
Techniques of Chemistry, Physical Methods in Chemistry, Vol. I, Part
ou seja, o coeficiente de partição é igual ao coeficiente de ativi- V, Wiley, New York, 1971, Capítulo 5; J. A. Reddick e W. B. Bunger
dade da substância na fase aquosa. Finalmente, quando a con- (Eds.), Techniques of Chemistry, Vol. II, Organic Solvents, 3rd Ed. Wiley-
centração narcótica em água é multiplicada pelo coeficiente Interscience, New York, 1970.
de atividade obtido, em termos de coeficiente de partição, da 3. J. H. Hildebrand and R. L. Scott, Solubility of Nonelectrolytes, Dover,
equação (10-111), a atividade termodinâmica para obter narco- New York, 1964.
se é calculada da expressão: 4. D. L. Leussing, in I. M. Kolthoff and P. J. Elving (Eds.), Treatise on
Analytical Chemistry, Vol. I, Parte I, Interscience Encyclopedia, New
Concentração narcótica York, 1959, Capítulo 17.
(10-112) 5. M. R. J. Dack, in A. Weissberger (Ed.), Techniques of Chemistry, Vol.
ção) a nar VIII, Partes I e II, Wiley, New York 1975, 1976.
6. S. M. McElvain, Characterization of Organic Compounds, Macmillan,
Este valor para a substância narcótica na fase externa tam- New York, 1953, p. 49.
bém proporciona a atividade termodinâmica na fase lipofílica 7. M. R. Loran and E. P. Guth, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 40, 465, 1951.
ou na biofase, porque, como destacado antes, as atividades nas 8. W. J. O’Malley, L. Pennati and A. Martin, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed.
duas fases devem ser as mesmas no equilíbrio. As concentra- 47, 334, 1958.
ções molares das substâncias narcóticas na fase externa estão 9. D.W. Martin, Jr., et al. (Eds.), Harper’s Review of Biochemistry, Lange
listadas na Tabela 10-14, junto com os coeficientes de parti- Medical, Los Altos, Calif., 1985, pp. 46, 47.
ção óleo-água. A atividade termodinâmica calculada segundo 10. M. H. Jacobs, Diffusion Processes, Springer-Verlag, New York, 1967, pp.
a equação (10-112) é mostrada na quarta coluna da Tabela 51, 52.
10-14. Uma vez que os coeficientes de atividade dos fárma- 11. A. Findlay, The Phase Rule, 4th Ed., Dover, New York, 1951, p. 101.
12. R. J. James and R. L. Goldemberg, J. Soc. Cosm. Chem. 11, 461, 1960.
cos na fase lipofílica são tidos como muito próximos ao valor
13. W. G. Gorman and G. D. Hall, J. Pharm. Sci. 53, 1017, 1964.
unitário, as concentrações na biofase também seriam aproxi-
14. A. N. Paruta, B. J. Sciarrone and N. G. Lordi, J. Pharm. Sci. 54, 838
madamente iguais às atividades calculadas. Portanto, a regra (1965); A. N. Paruta, J. Pharm. Sci. 58, 294, 1969; B. Laprade, J. W.
modificada de Meyer, segundo a qual a ação equinarcótica Mauger, H. Peterson, Jr., et al., J. Pharm. Sci. 65, 277, 1976; T. L. Breon,
ocorre em iguais concentrações dos fármacos na fase lipofíli- J. W. Mauger, G. E. Osborne, et al., Drug Dev. Commun. 2, 521, 1976;
ca, é compreensível. K. S. Alexander, J. W. Mauger, H. Peterson, Jr. and A. N. Paruta J. Pharm.
O coeficiente de partição óleo-água é um indício do caráter Sci. 66, 42, 1977.
lipofílico ou hidrofílico da molécula de um fármaco. A passagem 15. L. B. Kier and L. H. Hall, Molecular Connectivity in Chemistry and Drug
de fármacos através das membranas lipídicas e a interação com Research, Academic Press, New York, 1976; Molecular Connectivity in
macromoléculas nos sítios receptores se correlacionam bem, às Structure–Activity Analysis, Wiley, New York, 1986.
vezes, com o coeficiente de partição octanol-água de um fárma- 16. G. L. Amidon, S. H. Yalkowsky and S. Leung, J. Pharm. Sci. 63, 1858,
1974; G. L. Amidon, S. H. Yalkowsky, S. T. Anik and S. C. Valvani, J.
co. Nas últimas seções, o estudante foi apresentado à distribui-
Phys. Chem. 79, 2239, 1975; S. C. Valvani, S. H. Yalkowsky and G. L.
ção das moléculas de fármacos entre solventes imiscíveis, jun- Amidon, J. Phys. Chem. 80, 829, 1976.
tamente com algumas aplicações importantes do coeficiente de 17. R. B. Hermann, J. Phys. Chem. 76, 2754, 1972. [Programa de computador
partição. Existem diversas referências que são úteis e estão dis- disponível pela Quantum Chemical Program Exchange, Ind University,
poníveis para o estudo complementar destes assuntos.73-76 Para o Bloomington, Ind. Ver também ref. 17.]
estudante dedicado ao assunto, recomendamos três livros exce- 18. R. S. Pearlman, SAREA: Calculating Van der Waals Surface Areas,
lentes sobre a solubilidade nas Ciências Farmacêuticas 77-79. QCPE Bull. 1, 15, 1981.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 279

19. G. Scatchard, Chem. Rev. 8, 321, 1931; J. H. Hildebrand and S. E.Wood, 50. G. M. Krause and J. M. Cross, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 40, 137,
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1988. York, 1992.
11
11 COMPLEXAÇÃO E LIGAÇÃO A PROTEÍNAS

COMPLEXOS METÁLICOS Método por titulação do pH


Complexos inorgânicos Método da distribuição
Quelatos Método da solubilidade
Espectroscopia e complexação por transferência de
COMPLEXOS MOLECULARES ORGÂNICOS
carga
Complexos de quinidrona
Outros métodos
Complexos de ácido pícrico
Complexos de fármacos LIGAÇÃO A PROTEÍNAS
Complexos de polímeros Equilíbrios de ligação
Diálise de equilíbrio e ultrafiltração
COMPOSTOS DE INCLUSÃO
Diálise dinâmica
Tipo reticular tubular
Interação hidrofóbica
Tipo estratificado
Auto-associação
Clatratos
Fatores que afetam a complexação e a ligação a
Compostos de inclusão monomolecular:
proteínas
ciclodextrinas
Tamises moleculares TRATAMENTO TERMODINÂMICO DAS
39 CONSTANTES DE ESTABILIDADE
MÉTODOS DE ANÁLISE
Método da variação contínua

Ao concluir este capítulo, o De acordo com a definição clássica, complexos ou com-


OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: postos de coordenação resultam de um mecanismo doador-
aceptor ou de uma reação ácido-base de Lewis (p. 176) entre
1 Definir as três classes de complexos (compostos de co- dois ou mais compostos químicos diferentes. Qualquer átomo
ordenação) e identificar exemplos relevantes do ponto de ou íon não-metálico, livre ou contido em uma molécula neutra
vista farmacêutico. ou em um composto iônico, que possa doar um par de elétrons,
2 Descrever quelatos, suas propriedades físicas e o que os pode agir como doador. O aceptor ou substância que aceita um
diferencia dos complexos moleculares orgânicos. par de elétrons durante a partilha é, geralmente, um íon metá-
3 Descrever os tipos de força que mantêm unidos os comple- lico, embora possa ser, também, um átomo neutro. De forma
ampla, os complexos podem ser divididos em duas classes. De-
xos moleculares orgânicos e dar exemplos.
pendendo se o componente aceptor é um metal iônico ou uma
4 Descrever as forças envolvidas nos complexos entre polí- molécula orgânica, pode ser classificado de acordo com um
meros e fármacos utilizados na liberação de fármacos e as dos possíveis arranjos da Tabela 11-1. Uma terceira categoria,
situações nas quais complexos reversíveis ou irreversíveis a dos compostos de inclusão/oclusão, que envolve a captura de
podem ser vantajosos. um dos compostos dentro da estrutura do outro, também foi
5 Discutir os usos de ciclodextrinas e dar exemplos em apli- incluída nessa tabela.
cações farmacêuticas. As forças intermoleculares envolvidas na formação de
complexos são as forças de van der Waals de dispersão, dipo-
6 Determinar a razão estequiométrica e a constante de esta-
lares e tipo dipolo induzido. As ligações de hidrogênio con-
bilidade na formação de complexos. tribuem de forma significativa em alguns complexos molecu-
7 Descrever os métodos de análise de complexos, assim lares, enquanto que as ligações coordenadas covalentes são
como seus pontos fortes e fracos. importantes nos complexos metálicos. A transferência de car-
8 Discutir os meios pelos quais a ligação a proteínas pode ga e as interações hidrofóbicas serão tratadas posteriormente
influir na atividade de fármacos. neste capítulo.
9 Descrever os métodos de determinação da ligação a pro-
teínas por diálise de equilíbrio e ultrafiltração.
10 Compreender os fatores que afetam a complexação e a li- COMPLEXOS METÁLICOS
gação a proteínas.
11 Compreender os fundamentos termodinâmicos da estabili- Para a compreensão satisfatória da complexação por íons me-
dade de complexos. tálicos é necessário estar familiarizado com a estrutura do áto-
282 P ATRICK J. S INKO

Essa, contudo, não é a configuração de ligação do carbo-


TABELA 11-1
no, uma vez que este possui, normalmente, quatro elétrons
CLASSIFICAÇÃO DOS COMPLEXOS† de valência, em vez de dois. Para poder explicar a valên-
I. Complexos com íons metálicos cia quádrupla do carbono, Pauling1 sugeriu a possibilidade
A. Tipo inorgânico de hibridização. De acordo com esse processo de miscige-
B. Quelatos nação, um dos elétrons 2s é deslocado para um orbital 2p
C. Tipo olefina disponível, de modo a apresentar quatro orbitais de ligação
D. Tipo aromático equivalentes:
1. Complexos Pi (π)
2. Complexos Sigma (σ)
3. Compostos “Sanduíche”
II. Complexos moleculares orgânicos
A. Tipo quinidrona Estes estão direcionados para os cantos do tetraedro e,
B. Tipo ácido pícrico uma vez que um orbital s e três orbitais p participam do pro-
C. Complexos de cafeína e outros fármacos
D. Tipo polimérico
cesso, a estrutura recebe o nome de híbrido sp3. Em uma liga-
III. Compostos de inclusão/oclusão ção dupla, o átomo de carbono é considerado um híbrido sp2
A. Tipo reticular tubular* e, nesse caso, as ligações ficam dirigidas para os cantos de um
B. Tipo estratificado** triângulo.
C. Clatratos Outros orbitais, além dos orbitais 2s e 2p, podem vir, tam-
D. Tipo monomolecular bém, a participar da hibridização. Os elementos de transição,
E. Tipo macromolecular como ferro, cobre, níquel, cobalto e zinco, parecem fazer uso

Esta classificação não pretende descrever os mecanismos ou o tipo de ligação dos seus orbitais 3d, 4s e 4p para formar híbridos. Estes hí-
química envolvida na complexação, e sim, simplesmente separar os vários tipos de
complexos discutidos na literatura. Uma classificação bem mais sistematizada das bridos explicariam as diferentes geometrias freqüentemente
interações elétron doador-aceptor pode ser encontrada em R. S. Mulliken, J. Phys. encontradas em complexos com íons de metais de transição.
Chem. 56, 801, 1952. A Tabela 11-2 mostra alguns compostos nos quais o átomo
central ou o íon metálico central é hibridizado de diferentes
formas e as respectivas geometrias resultantes.
mo e com as forças moleculares. Por isso, antes de continuar, Ligantes como H2O:, H3N:, NC:– ou Cl: – doam um par
é recomendável a consulta de textos sobre química inorgânica de elétrons, no momento de formar um complexo com um íon
e química orgânica e o estudo daquelas seções que tratam da metálico, que passa para um dos orbitais incompletos do íon
estrutura eletrônica e da hibridização. metálico. Uma regra geral, porém não isenta de exceções, que
ajuda a estimar o tipo de hibridização de um complexo com
íon metálico, consiste em selecionar aquele complexo con-
Complexos inorgânicos tendo um íon metálico que tenha seus níveis 3d preenchidos
ou que pode utilizar os seus orbitais de baixa energia 3d e 4s
Este grupo é constituído por complexos inorgânicos simples,
principalmente na hibridização. Por exemplo, a configuração
descritos pela primeira vez por Werner, em 1891. As moléculas
eletrônica do Ni2+ no seu estado fundamental pode ser repre-
de amônio do cloreto de hexamina-cobalto III, como é conheci-
sentada como:
da a substância [Co(NH3)6]3+Cl3–, são denominadas ligantes e
são ditas coordenadas em relação ao íon cobalto. O número de
coordenação do íon cobalto, ou número de grupos amônio coor-
denados com os íons metálicos, é seis. Outros complexos de íons
deste grupo incluem [Ag(NH3)2]+, [Fe(CN)6]4– e [Cr(H2O)6]3+. Ao se combinar com os ligantes 4CN:– para formar
Cada ligante doa um par de elétrons para formar uma li- [Ni(CN)4]2–, a configuração eletrônica do íon níquel adquire
gação coordenada covalente entre ele mesmo e um íon central uma estrutura tetraédrica sp3,
que possui um orbital eletrônico incompleto. Por exemplo,
Co3 6:NH3 [Co(NH3 )6 ]3
A hibridização desempenha um papel importante nos
compostos de coordenação, nos quais normalmente não há su- Estrutura tetraédrica sp3
ficientes orbitais de ligação disponíveis no íon metálico. O lei- ou uma estrutura planar
tor deverá atualizar seus conceitos mediante uma revisão geral
dos argumentos referentes à valência quádrupla do carbono.
Deve ser relembrado que a configuração do carbono no seu
estado fundamental é:
Estrutura plana dsp2
onde os elétrons cedidos pelo ligante são representados na for-
ma de pontos. Pode-se prever que a estrutura dsp2 ou plana
quadrada é a que deve ocorrer no complexo formado, porque
* N. de T.: Também denominado de “reticular acanalado”. envolve o orbital 3d, que é de baixa energia. Mediante a pre-
** N. de T.: Também denominado “em camada”. paração e estudo de numerosos complexos, Werner conseguiu
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 283

TABELA 11-2
TIPOS DE LIGAÇÃO E SUBSTÂNCIAS REPRESENTATIVAS
Exemplo
Número de Configuração do Tipo de
coordenação orbital ligação Fórmula Estrutura
2 sp linear O2

3 sp2 triangular BCl3

4 sp3 tetraédrica CH4

4 dsp2 plana quadrada Cu(NH3)42+

5 dsp3 bipiramidal PF5

6 d2sp3 octaédrica Co(NH3)63+

deduzir, muitos anos atrás, que essa era, de fato, a estrutura do


complexo.
De modo similar, o íon cobalto trivalente, Co(III), tem a
configuração eletrônica fundamental, a formação do complexo [Cu(NH3)4]2+ exige a promoção de
um elétron d do Cu2+ para o nível 4p, o que produz no íon me-
tálico complexado uma configuração 3d cheia. Dessa forma,
obtém-se uma estrutura dsp2 plana:
que nos leva a indagar sobre a possível configuração do com-
plexo [Co(NH3)6]3+. A configuração eletrônica do íon metálico
que leva ao preenchimento dos níveis 3d é
Embora a energia necessária para promover um elétron d
para um nível 4p seja considerável, a formação de um com-
plexo plano com os níveis 3d preenchidos completamente
resulta muito mais vantajosa do ponto de vista de custo ener-
Octaédrico d2sp3
gético.
pelo que é possível prever uma estrutura d2sp3 octaédrica O íon metálico Fe(III) apresenta a configuração eletrônica
para esse complexo. Os quelatos (ver seção seguinte) de es- fundamental,
trutura octaédrica podem ser resolvidos nos seus isômeros
ópticos. Utilizando essa técnica, Werner comprovou que es-
ses complexos de cobalto são octaédricos.
No caso do cobre divalente, Cu(II), que possui a configu- de modo que, na formação do complexo [Fe(CN)6]3–, não
ração eletrônica ocorre promoção de elétrons,
284 P ATRICK J. S INKO

porque não há ganho de estabilidade em relação à estabilida-


de que a configuração d2sp3 já possui. Compostos deste tipo,
nos quais os ligantes ficam “acima” de um orbital parcial-
mente cheio, são denominados complexos de esfera externa.
Quando os ligantes ficam “abaixo” de um orbital parcial-
mente cheio, como no exemplo anterior, o composto é deno-
minado complexo de esfera interna. A presença de elétrons
não-pareados em um complexo de um íon metálico pode ser
detectada mediante espectroscopia de ressonância de spin
eletrônico (p. 118 e 119).

Quelatos
A quelação apresenta requisitos rigorosos, tanto para o me- Figura 11-1 Seqüestro dos íons cálcio pelo ácido etilenodiaminotetraacético.
tal quanto para os ligantes. Íons como Cu(II) e Ni(II), que
formam complexos quadrados planos, assim como Fe(III) e
Co(III), que formam complexos octaédricos, podem existir
em uma ou outra forma geométrica. Como conseqüência des-
sa isomeria, apenas ligantes cis-coordenados – ligantes adja-
COMPLEXOS MOLECULARES ORGÂNICOS
centes à molécula – serão prontamente substituídos mediante
reação com o agente quelante. A vitamina B12 e as hemopro- Um composto de coordenação orgânico, ou complexo molecu-
teínas são incapazes de reagir com agentes quelantes, porque lar, consiste de vários componentes mantidos juntos por forças
seu metal já está em um estado de coordenação definido, que fracas do tipo doador-aceptor ou por ligações de hidrogênio.
disponibiliza apenas as posições de trans-coordenação do A diferença entre complexação e formação de compostos
metal para a formação de complexos. De modo contrário, o orgânicos foi abordada por Clapp.6 As substâncias dimetilani-
íon metálico de certas enzimas, como a álcool-desidrogenase, lina e 2,4,6-trinitroanisol reagem a frio para produzir o com-
que contém zinco, pode sofrer quelação. Isso sugere que o plexo molecular (equação [11-1])
metal está ligado de tal forma que deixa duas posições cis
disponíveis para quelação.
A clorofila e a hemoglobina, duas substâncias de extrema
importância, são quelatos que ocorrem naturalmente e que es-
tão envolvidos nos processos da vida de plantas e animais. A
albumina é o principal carreador de vários íons metálicos e de
pequenas moléculas no soro sangüíneo. As porções terminais (11-1)
aminadas da albumina sérica de humanos ligam Cu(II) e Ni(II)
com uma afinidade maior do que o faz a albumina sérica de
cachorros. Esse fato explica, em parte, por que os humanos
são menos suscetíveis ao envenenamento por cobre do que os
eles. A ligação do cobre à albumina sérica é importante, uma
vez que esse metal está, possivelmente, implicado em diversos
estados patológicos.3 O agente quelante sintético EDTA (Fi-
gura 11-1) tem sido utilizado para remover ou seqüestrar íons De modo contrário, estas duas substâncias reagem em
de ferro e de cobre, evitando que estes catalisem a degradação altas temperaturas e formam um sal cujas moléculas consti-
por oxidação do ácido ascórbico em sucos de frutas e na pre- tuintes são mantidas juntas por ligações de valência primária
paração de medicamentos. No processo de seqüestro, o agente (equação [11-2]).
quelante e o íon metálico formam um composto solúvel em A linha pontilhada na equação (11-1) do complexo indica
água. O EDTA é amplamente utilizado para quelar e remover que as duas moléculas são mantidas juntas mediante forças de
íons cálcio de águas duras. valência secundária fracas. Isso não deve ser visto como uma
A quelação pode, também, ser aplicada no doseamento de ligação claramente definida, mas sim como o resultado da atra-
fármacos. Um método colorimétrico de determinação de pro- ção global entre as duas moléculas aromáticas.
cainamida em soluções injetáveis baseia-se na formação de um O tipo de ligação que existe em complexos moleculares, nos
complexo 1:1 de procainamida com íon cúprico, em pH 4 a quais as ligações de hidrogênio têm um papel preponderante,
4,5. O complexo absorve a radiação visível em um compri- ainda não está totalmente elucidado. Porém, pode ser conside-
mento de onda de 380 nm.4 A multiplicidade de usos que exis- rado, neste momento, como um tipo de ligação que envolve um
te para complexos metálicos e agentes quelantes é abordada mecanismo doador-aceptor de elétrons, semelhante ao visto para
por Martell e Calvin.5 os complexos metálicos, mas normalmente muito mais fraco.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 285

CONCEITO QUELATOS
Uma substância contendo dois ou mais grupos doadores pode combinar- átomo doador do ligante é, nesse caso, o nitrogênio piridínico do anel de
se com um metal para formar um tipo especial de complexo denominado imidazol da pilocarpina. (A Figura 3-4 mostra o nitrogênio piridínico da pi-
quelato (do grego “kelos”, que significa garra). Algumas das ligações em locarpina). Moléculas com dois e três grupos doadores são denominadas
um quelato podem ser iônicas ou do tipo covalente primário, enquanto que bidentadas e tridentadas, respectivamente.2 O ácido etilenodiaminotetra-
outras são ligações covalentes coordenadas. Quando um ligante fornece acético (EDTA) possui seis pontos de acoplamento com o íon metálico e,
um grupo para ser ligar ao íon central, o quelato é denominado monoden- portanto, é hexadentado, embora em alguns complexos apenas quatro ou
tado. A pilocarpina se comporta como um ligante monodentado frente a cinco desses grupos apresentam ligação coordenada.
Co(II), Ni(II) e Zn(II), formando quelatos de geometria pseudotetraédrica. O

damente 3,3 Å. Esse resultado sugere fortemente que a intera-


ção envolve ligações π entre os elétrons π do anel de benzeno
e o grupo nitro, aceptor de elétrons.
Um fator de relativa importância na formação de com-
plexos são os requisitos estéricos. Quando a aproximação e
a associação estreita entre as moléculas doadoras e aceptoras
(11-2)
são impedidas por fatores estéricos, é muito provável que não
se forme o complexo. Ligações de hidrogênio e outros efeitos
também devem ser levados em conta, o que é discutido conjun-
tamente com os complexos específicos a serem abordados nas
próximas páginas.
A diferença entre complexos do tipo doador-aceptor e por
transferência de carga reside no fato de a ressonância ser o
principal fator de complexação nesse último tipo, enquanto
Muitos complexos orgânicos são tão fracos que não po- que, no primeiro deles, são as forças de dispersão de London
dem ser separados de suas soluções como compostos indi- e as interações dipolo-dipolo as que mais contribuem para a
viduais e, com freqüência, são difíceis de serem detectados estabilidade do complexo. A interação por ressonância é mos-
por meios químicos e físicos. A energia de atração entre os trada na Figura 11-2, da forma como descrito por Bullock.7 O
constituintes é, provavelmente, inferior a 5 kcal/mol para a trinitrobenzeno atua como molécula aceptora, A, e o hexame-
maioria dos complexos orgânicos. Uma vez que a distância tilbenzeno como molécula doadora, D. No lado esquerdo da
da ligação entre os constituintes é geralmente maior que 3 Å, figura, as forças de dispersão fracas e as forças dipolares con-
não há envolvimento de ligação covalente no complexo. Em tribuem para a interação entre A e D. No lado direito da figura,
vez disso, há, sim, a polarização de uma molécula por outra, o a interação entre A e D resulta da transferência significativa
que resulta em um tipo de interação iônica ou de transferência de carga, fazendo com que o trinitrobenzeno, que é o acep-
de carga. Esse tipo de complexo molecular é freqüentemen- tor de elétrons, seja carregado negativamente (A−), deixando o
te denominado de complexo de transferência de carga. Por hexametilbenzeno, que atua como doador, com carga positiva
exemplo, os grupos polares nitro do trinitrobenzeno induzem (D+). O complexo doador-aceptor é mostrado, como um todo,
um dipolo na molécula do facilmente polarizável benzeno e, pela seta de duplo sentido, como uma estrutura de ressonância
nesse caso, a interação eletrostática resultante leva à forma- envolvendo os núcleos não-carregados D· · ·A e os carregados
ção do complexo: D+ · · ·A−.

(Doador) (Aceptor)
Deslocamento eletrônico ou transferência
parcial de elétron por polarização (ligação π)
⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯→

Estudos por difração de raios X de complexos formados


entre trinitrobenzeno e derivados da anilina têm demonstrado Figura 11-2 Ressonância em um complexo doador-aceptor de trinitroben-
que um dos grupos nitro do trinitrobenzeno encontra-se sobre zeno e hexametilbenzeno. (Retirada de: F. Y. Bullock, in M. Florkin and E.
o anel de benzeno da molécula da anilina, determinando uma H. Stotz (Eds.), Comprehensive Biochemistry, Elsevier, New York, 1967, pp.
distância intermolecular entre as duas moléculas de aproxima- 82-85. Com permissão.)
286 P ATRICK J. S INKO

Quando, como no caso do hexametilbenzeno-trinitroben- rer quando os anéis aromáticos paralelos são reorientados de
zeno, a ressonância é relativamente fraca, com uma energia de modo a ter seus centros posicionados diretamente um sobre o
ligação intermolecular ΔH próxima de –4700 calorias, o com- outro. A ligação de hidrogênio pode contribuir na estabilização
plexo é dito complexo doador-aceptor. Quando, ao contrário, destes complexos, mas não é o único meio de associação, uma
a ressonância entre estrutura de transferência de carga (D+ · · vez que o éter dimetílico da hidroquinona também pode formar
·A−) e as espécies não-carregadas (D· · ·A) contribui predomi- um aduto colorido com a quinona.
nantemente para a ligação entre as moléculas doadora e acep- Uma quinona interessante é obtida a partir do ácido sa-
tora, o complexo é denominado de complexo por transferência licílico. Essa substância é facilmente oxidada, formando um
de carga. Finalmente, os complexos interligados por forças de derivado de quinidrona de cor azul-preta do tipo:
van der Waals, interações dipolo-dipolo e ligações de hidrogê-
nio, nos quais não se verifica, contudo, transferência de carga,
são chamados simplesmente de complexos moleculares. Tanto
nos complexos por transferência de carga quanto nos comple-
xos doador-aceptor surgem novas bandas nos espectros de ab-
sorção, como se mostra mais adiante na Figura 11-13. Neste
livro as duas classes de complexos não são tratadas separada- Quinidrona do ácido salicílico
mente; em vez disso, todas as interações que produzem bandas
de absorção são referidas como complexos do tipo doador-
aceptor ou do tipo por transferência de carga, sem distinção. Complexos de ácido pícrico
Os complexos que não apresentam novas bandas de absorção
são tratados como complexos moleculares. O ácido pícrico, 2,4,6-trinitrofenol, pKa = 0,38, reage com ba-
Os complexos por transferência de carga são importantes ses fortes, formando sais, e com bases fracas, formando com-
em Farmácia. O iodo forma complexos por transferência de plexos moleculares. O picrato de butesina (Abbott Laborato-
carga 1:1 com os fármacos dissulfiram, clometiazol e tolnaf- ries) é provavelmente um complexo 2:1, como o representado
tato. Estes fármacos possuem, por si próprios, atividades far- pela estrutura:
macológicas definidas: dissulfiram é utilizado contra a adição
ao álcool, clometiazol é um sedativo-hipnótico e anticonvul-
sivante, e tolnaftato é um agente antifúngico. Cada um desses
fármacos possui um grupo nitrogênio-carbono-enxofre (ver a
estrutura anexa do tolnaftato), razão pela qual se podem for-
mar complexos pela transferência de cargas, a partir do par de
elétrons livres dos átomos de nitrogênio e/ou do enxofre desses
fármacos, para o orbital antiligante do átomo de iodo. Desse
modo, diversas moléculas que contêm um grupamento N–C=S
inibem a função da tireóide mediante a captura de iodo.8 Picrato de butesina

É um pó amarelo, insolúvel em água, porém solúvel em


solventes orgânicos. O picrato de butesina é utilizado no tra-
tamento de queimaduras e de escoriações doloridas da pele na
forma de ungüento a 1%. Este produto combina a propriedade
anti-séptica do ácido pícrico com a propriedade anestésica da
butesina.
Tolnaftato (Tinactin) Foi sugerido que a estabilidade dos complexos formados
entre agentes carcinogênicos e o ácido pícrico esteja relaciona-
da com a sua atividade carcinogênica. Assim, qualquer subs-
tituição na molécula carcinogênica que seja um obstáculo à
Complexos de quinidrona complexação do picrato também reduz essa atividade. O simé-
trico trinitrobenzeno forma um maior número de complexos do
O complexo molecular a que se fez referência no Capítulo 9 que ácido pícrico e, em função disso, talvez possa ser encon-
como complexo de quinidrona, é formado pela mistura de so- trada aplicação para ele em testes de atividade carcinogênica.
luções alcoólicas contendo quantidades equimolares de ben-
zoquinona e hidroquinona e precipita na forma de cristais ver-
des. Quando uma solução aquosa é saturada com quinidrona, o Complexos de fármacos
complexo se dissocia em quantidades equivalentes de quinona
e hidroquinona, que é utilizada em eletrodos destinados à de- Higuchi e colaboradores9 investigaram a complexação da ca-
terminação de pH. feína por uma série de fármacos ácidos. Eles atribuíram a in-
O complexo 1:1 formado entre benzoquinona e hidroqui- teração entre cafeína e alguns fármacos, como sulfonamidas e
nona pode-se dizer que resulta da sobreposição da estrutura pi barbituratos, a forças dipolo-dipolo ou a ligações de hidrogê-
da molécula de quinona, deficitária em elétrons, à estrutura pi nio entre os grupos carbonila polarizáveis da cafeína e um áto-
da molécula de hidroquinona, rica em elétrons. A sobreposi- mo de hidrogênio do ácido. Uma interação secundária ocorre,
ção máxima entre as estruturas pi se espera que venha a ocor- provavelmente, entre as regiões apolares das moléculas, e o
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 287

complexo resultante é desalojado da fase aquosa em função da isoladamente. Contudo, os complexos formados com ácidos
elevada pressão interna da água. Esses dois efeitos levam a um orgânicos, como ácido gentísico, são menos solúveis do que a
forte nível de interação. cafeína isolada. Estes complexos de cafeína insolúveis permi-
A complexação de ésteres é de especial interesse para o tem mascarar o sabor normalmente amargo da cafeína, ofere-
farmacêutico, uma vez que muitos fármacos importantes per- cendo uma forma apropriada para a preparação de comprimi-
tencem a essa classe de substâncias. Os complexos formados dos mastigáveis. Higuchi e Pitman11 sintetizaram complexos
entre ésteres e aminas, fenóis, éteres e cetonas têm sido atri- 1:1 e 1:2 de cafeína-ácido gentísico e mediram a solubilidade
buídos a ligações de hidrogênio entre o oxigênio da carbonila no equilíbrio e as velocidades de dissolução dos mesmos. Am-
nucleofílica e um hidrogênio ativo. Isso, contudo, não explica a bos os complexos 1:1 e 1:2 foram menos solúveis em água e
complexação de ésteres, como benzocaína, procaína e tetraca- tiveram velocidades de dissolução menores do que a cafeína.
ína, com cafeína, tal e como relatado por Higuchi e colabordo- Comprimidos mastigáveis formulados a partir dos complexos
res.10 Observa-se que não há hidrogênios ativados na cafeína. de cafeína poderiam proporcionar uma forma de liberação pro-
O hidrogênio na posição 8 (fórmula I) é fraco demais (Ka = 1 longada desse fármaco com correção do seu sabor.
× 10–14) e não é provável que participe em uma complexação. York e Saleh12 estudaram o efeito do salicilato de sódio
Pode-se sugerir que na molécula de cafeína haja um centro re- sobre a liberação de benzocaína a partir de veículos de uso
lativamente positivo, o qual serve como um provável sítio de tópico, tendo reconhecido que salicilatos formam complexos
complexação. A molécula de cafeína está numerada na fórmula moleculares com a benzocaína. A complexação entre fárma-
I para fins de discussão. Como se pode observar na fórmula II, cos e agentes complexantes podem determinar ou melhorar
é presumível que o nitrogênio na posição 2 se torne fortemente a absorção e a biodisponibilidade dos fármacos. Os autores
eletrofílico ou ácido, como se fosse uma imida, devido à capa- verificaram que a presença de salicilato de sódio influenciou
cidade dos oxigênios nas posições 1 e 3 de retirar elétrons. Um significativamente na liberação da benzocaína, dependendo
éster como a benzocaína também é polarizado (fórmula III), do tipo de veículo testado. O maior aumento na absorção
de modo que o oxigênio da carboxila se torna nucleofílico ou foi observado com a base de polietilenoglicol, miscível com
básico. A complexação pode, então, ocorrer em conseqüência água.
de uma interação dipolo-dipolo entre o oxigênio nucleofílico da
carboxila da benzocaína e o nitrogênio eletrofílico da cafeína.
Complexos de polímeros
Polietilenoglicóis, poliestireno, carboximetilcelulose e outros
polímeros similares que contêm oxigênios nucleofílicos po-
dem formar complexos com diversos fármacos. A incompa-
tibilidade de certos poliéteres, como poligóis, poloxâmeros e
polissorbatos com ácido tânico, ácido salicílico e fenol, pode
ser atribuída a esse tipo de interação. Marcus13 fez uma re-
I
visão de algumas dessas interações, que podem ocorrer em
suspensões, emulsões, ungüentos e supositórios. A incompa-
tibilidade pode se manifestar por meio de precipitado, flocu-
lado, retardamento da absorção biológica, perda de atividade
conservante ou por outros efeitos físicos, químicos e farma-
cológicos indesejáveis.
Plaizier-Vercammen e De Nève estudaram a interação da
povidona (PVP) com substâncias aromáticas iônicas e neu-
tras.14 Vários são os fatores que afetam a ligação da PVP ao
ácido benzóico substituído e a derivados da nicotina. Embora a
II força iônica não tenha mostrado qualquer influência, a tendên-
cia à ligação aumenta em solução-tampão de fosfato e decresce
com o aumento na temperatura.
A cross-povidona, um derivado reticulado e insolúvel da
PVP, é capaz de ligar-se a fármacos devido ao seu caráter di-
polar e à sua estrutura porosa. Frömming e colaboradores15
estudaram a interação da cross-povidona com paracetamol,
benzocaína, ácido benzóico, cafeína, ácido tânico e clori-
drato de papaverina, entre outros fármacos. A interação foi
atribuída, principalmente, aos grupamentos fenólicos das
moléculas desses fármacos. Assim, o hexilresorcinol mostra
uma ligação excepcionalmente forte, mas, para a maioria dos
fármacos estudados (32), essa interação foi inferior a 5%.
Apesar da cross-povidona ser empregada como desintegrante
III
de grânulos e comprimidos de uso farmacêutico, isso não in-
A cafeína forma complexos com ânions de ácidos orgâ- terfere na absorção gastrintestinal, uma vez que a ligação com
nicos que são mais solúveis do que esta xantina considerada fármacos é reversível.
288 P ATRICK J. S INKO

TABELA 11-3
COEFICIENTES DE DIFUSÃO DE ALGUMAS SUBSTÂNCIAS EM DIFERENTES MEIOS*

Agente Substâncias que formam complexos com os agentes listados na primeira coluna
Polietilenoglicóis Ácido m-hidroxibenzóico, ácido p-hidroxibenzóico, ácido salicílico, ácido o-ftálico, ácido
acetilsalicílico, resorcinol, catequina, fenol, fenobarbital, iodo (em soluções I2 · Kl), bromo
(na presença de HBr)
Povidona (polivinilpirrolidona, PVP) Ácido benzóico, ácido m-hidroxibenzóico, ácido p-hidroxibenzóico, ácido salicílico, salicilato
de sódio, ácido p-aminobenzóico, ácido mandélico, sulfatiazol, cloranfenicol, fenobarbital
Carboximetilcelulose sódica Quinina, Benadryl, procaína, piribenzamina
Oxitetraciclina e tetraciclina N-metilpirrolidona, N,N-dimetilacetamida, γ-valerolactona, γ-butirolactona, p-aminobenzoato
sódico, salicilato de sódio, p-hidroxibenzoato sódico, sacarina sódica, cafeína.
* Compilada dos resultados de T. Higuchi et al., J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 43, 393, 398, 456, 1954; 44, 668, 1955; 45, 157, 1956; 46, 458, 587, 1957; e J. L. Lach et al.,
Drug Standards 24, 11, 1956. Uma tabela extensa contendo moléculas aceptoras e doadoras que formam complexos moleculares aromáticos foi compilada por L. J. Andrews,
Chem. Rev. 54, 713, 1954. Ver também T. Higuchi and K. A. Connors. Phase solubility techniques. Advances in Analytical Chemistry and Instrumentation, C. N. Reilley, Ed.,
New York, Wiley, 1965, pp. 117–212.

Os solutos contidos em formulações parenterais podem a resolução de isômeros ópticos. De fato, isômeros da cânfora
migrar da solução e interagir com a parede polimérica do reci- têm sido parcialmente separados fazendo uso da complexação
piente. Hayward e colaboradores16 mostraram que a capacida- com ácido desoxicólico. Por sua vez, o dl-terpineol tem sido
de de interação entre um recipiente de poliolefina e fármacos resolvido nos seus isômeros fazendo uso de digitonina, que
depende linearmente do coeficiente de partição octanol-água complexa certas moléculas de uma forma similar à constatada
do fármaco. No caso de parabenos e fármacos que apresentam para o ácido desoxicólico:
propriedades doadoras bem-definidas em ligações de hidro-
gênio, é preciso introduzir um termo de correção relaciona-
do com a formação da ligação de hidrogênio. As interações
fármaco-polímero do recipiente podem resultar na perda de
componentes ativos em formas farmacêuticas líquidas.
Os complexos polímero-fármacos são também utilizados
para modificar os parâmetros biofarmacêuticos dos fármacos.
A velocidade de dissolução da ajmalina é aumentada quando
complexada com PVP. A interação envolve o anel aromático
da ajmalina e os grupos amida da PVP, que formam um com-
plexo dipolo-dipolo induzido.17 Ácido desoxicólico
Alguns complexos moleculares orgânicos de interesse far-
macêutico são apresentados na Tabela 11-3. (Complexos que Uréia e tiouréia também cristalizam na forma de uma es-
envolvem a cafeína são listados na Tabela 11-6.) trutura cristalina tubular que possibilita a inclusão de parafi-
nas, álcoois, cetonas, ácidos orgânicos não-ramificados, assim
como de substâncias similares, como demonstrado na Figu-
ra 11-3a e b. A bem-conhecida solução de amido-iodo é um
COMPOSTOS DE INCLUSÃO exemplo de complexo do tipo tubular, que consiste de molé-
culas de iodo retidas dentro das espirais formadas por resíduos
A classe de compostos de adição, denominados de compostos de glicose.
de inclusão ou de oclusão, tem mais relação com a arquitetura Forman e Grady18 determinaram que a monoestearina,*
das moléculas do que com afinidade química. Um dos consti- uma substância interferente no ensaio do dienestrol, pode ser
tuintes do complexo é preso no retículo aberto ou dentro da es- extraída facilmente a partir de cremes dermatológicos median-
trutura cristalina do tipo gaiola do outro constituinte, formando te a inclusão em uma estrutura tubular de uréia. Eles acreditam
um arranjo estável. que a inclusão em uréia pode vir a ser um método geral de se-
paração de compostos de cadeia longa em métodos analíticos
de determinação. Os autores fazem também uma revisão da
Tipo reticular tubular (channel lattice) literatura precedente sobre inclusão de hidrocarbonetos e de
ácidos orgânicos de cadeia linear em uréia.
Os ácidos cólicos (ácidos biliares) podem formar grupos de
complexos que envolvem, principalmente, a participação do
ácido desoxicólico em combinação com parafinas, ácidos Tipo estratificado
orgânicos, ésteres, cetonas e substâncias aromáticas, assim
como com solventes como éter, álcool e dioxano. Os cristais Algumas substâncias, como a argila montmorilonita, o prin-
de ácido desoxicólico estão organizados de modo a formar um cipal constituinte da bentonita, poder reter hidrocarbonetos,
canal cujo interior é capaz de comportar a molécula comple-
xada (Figura 11-3). Essa estereoespecificidade pode permitir * N. de T.: Triglicerídeo do ácido esteárico.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 289

Figura 11-3 (a) Um complexo tubular formado por moléculas de uréia, como estrutura hospedeira. (b) Essas
moléculas estão empacotadas de forma organizada e mantidas juntas pelas ligações de hidrogênio entre átomos
de nitrogênio e oxigênio. Os túbulos hexagonais com diâmetro aproximado de 5 Å proporcionam um espaço
vazio para moléculas-hóspedes, como hidrocarbonetos de cadeia longa, como é mostrado aqui. (Retirada de: J.
F. Brown, Jr., Sci. Am. 207, 82, 1962. Copyright ©1962 by Scientific American, Inc. Todos os direitos reservados.)
(c) Uma estrutura tubular hexagonal (aduto) de metil-α-lipoato e 15 g de uréia em metanol é preparada por
aquecimento brando. Após repouso durante uma noite, em temperatura ambiente, formam-se cristais aciculares
do aduto. Este composto de inclusão ou aduto se decompõe a partir de 63 °C e funde a 163 °C. Tiouréia também
pode ser utilizada para obter complexos tubulares. (Retirada, com permissão, de: H. Mina and M. Nishikawa, J.
Pharm. Sci. 53, 931, 1964.) (d) Ciclodextrina (cicloamilose, dextrina de Schardinger). (Ver Merck Index, 11th Ed.,
Merck, Rahway, N.J., 1989, p. 425.)

álcoois e glicóis entre as lamelas dos seus retículos.19 O grafite para decompor o complexo, do mesmo modo que um prisionei-
também pode intercalar algumas sustâncias dentro da sua es- ro é confinado pelas barras de ferro para prevenir sua fuga.
trutura lamelar. Powell e Palin22 fizeram um estudo minucioso de clatratos
e mostraram que a hidroquinona, substância altamente tóxi-
ca, precipita na forma de uma estrutura tipo gaiola; definida
Clatratos20 por ligações de hidrogênios, como a que é mostrada na Figura
11-4. A cavidade possui um diâmetro de 4,2 Å, que possibilita
Os clatratos cristalizam como um retículo com forma de gaiola, a entrada de uma molécula pequena para cada duas moléculas
dentro do qual o composto de coordenação fica confinado. Nes- de hidroquinona. Moléculas pequenas, como metanol, CO2 e
tes complexos não há participação de ligações químicas, sendo HCl podem ficar confinadas dentro dessa gaiola; contudo, mo-
apenas importante o tamanho da substância incluída. Ketelaar21 léculas ainda menores, como H2, e outras maiores, como as de
fez a analogia entre a estabilidade de um clatrato e o confina- etanol, não podem ser acomodadas. É possível que clatratos
mento de um prisioneiro. A estabilidade de um clatrato se deve sejam utilizados na resolução de isômeros ópticos, conduzindo
à força da estrutura, ou seja, à elevada energia que é necessária a outros processos de separação molecular.
290 P ATRICK J. S INKO

Molécula de
hidroquinona
formando a gaiola

Molécula-hóspede
ou molécula-confinada
Figura 11-4 Estrutura tipo gaiola formada por ligações de hidrogênio entre
moléculas de hidroquinona. Pequenas moléculas, como metanol, podem ficar
confinadas dentro da estrutura para dar origem a clatratos. (Modificada de:
J. F. Brown, Sci. Am. 207, 82, 1962. Copyright ©1962 by Scientific American,
Inc. Todos os direitos reservados.) Figura 11-5 (a) Representação da ciclodextrina como um cone truncado. (b)
Mitomicina-C parcialmente incorporada dentro de uma ciclodextrina na for-
ma de um complexo de inclusão. (Retirada, com permissão, de: O. Beckers,
Int. J. Pharm. 52, 240, 247, 1989.)
Um fármaco oficial, a varfarina sódica USP, é um clatrato
de água, isopropanol e varfarina sódica, em forma de pó bran-
co cristalino.
à presença de hidroxilas primárias e secundárias.24,25 A α-CD
possui a menor cavidade interna (diâmetro interno de quase 5
Compostos de inclusão monomolecular: Å). A β-CD e a γ-CD são as duas ciclodextrinas mais empre-
ciclodextrinas gadas na tecnologia farmacêutica em função das suas dimen-
sões internas maiores (diâmetros internos próximos de 6 Å e 8
Os compostos de inclusão foram revisados por Frank.23 Além Å, respectivamente). A água tende a ser expulsa do interior da
dos compostos dos tipos reticular tubular e de gaiola (clatrato), cavidade e substituída por espécies mais hidrofóbicas. Assim,
o autor adiciona as classes de compostos de inclusão mono e moléculas de tamanho e estereoquímica apropriados podem
macromolecular. Os compostos de inclusão monomolecular alojar-se na cavidade da ciclodextrina mediante interações hi-
envolvem o confinamento de uma única molécula-hóspede. As drofóbicas (ver p. 304-305). A complexação normalmente não
estruturas de inclusão monomolecular são representadas pelas envolve a formação de ligações covalentes.
ciclodextrinas. Estes compostos são oligossacarídeos cíclicos, Algumas moléculas de fármacos são grandes demais e não
que contêm um mínimo de seis unidades de D-(+)-glicopira- cabem dentro da cavidade. Como ilustrado na Figura 11-5b, a
nose unidas por ligações α-1,4, produzidos pela ação sobre o mitomicina-C interage com a γ-CD apenas com um dos lados
amido das amilases do Bacillus macerans. As ciclodextrinas do cilindro. Assim, o anel de aziridina
naturais α-, β- e γ-ciclodextrinas (α-CD, β-CD e γ-CD,) con-
sistem de seis, sete e oito unidades de glicose respectivamen-
te. Sua capacidade de formar compostos de inclusão em meio
aquoso é devida ao arranjo típico entre as unidades de glicose
(ver Figura 11-3d). Como se pode observar na representação
transversal dessa figura, a estrutura da ciclodextrina forma um da mitomicina-C fica protegido da degradação em meio ácido.26
anel cilíndrico ou toro. A molécula ocorre efetivamente como Bakensfield e colaboradores27 estudaram a inclusão da indo-
um cone truncado, como o mostrado na Figura 11-5a. Esta metacina em β-CD mediante a técnica de 1H-NMR. O grupo
estrutura pode acomodar moléculas, como a mitomicina-C, p-clorobenzoíla da indometacina (região em cinza da Figura
formando compostos de inclusão (Figura 11-5b). O interior 11-6) entra no anel da β-CD, enquanto o núcleo indólico substi-
da cavidade é relativamente hidrofóbico por causa dos grupos tuído (restante da molécula) é grande demais para ser incluído e
CH2, enquanto as entradas da cavidade são hidrofílicas, devido permanece em posição oposta à entrada da cavidade da CD.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 291

CONCEITO CICLODEXTRINAS
Segundo Davis e Brewster,23ª “Ciclodextrinas são oligômeros cíclicos da bilidade de fármacos. O uso de polímeros contidos em ciclodextrinas é de
glicose, capazes de formar complexos de inclusão hidrossolúveis com mo- especial interesse na obtenção de características únicas de liberação de
léculas pequenas e partes de moléculas maiores. Estes oligossacarídeos ácidos nucléicos”. Davis e Brewster discutiram os aspectos terapêuticos
cíclicos, biocompatíveis, não provocam resposta imunológica e são pouco baseados no uso de ciclodextrinas, junto com possíveis aplicações no fu-
tóxicos para animais e humanos. Ciclodextrinas são utilizadas com diver- turo, assim como abordaram o uso de polímeros que contêm ciclodextri-
sos propósitos para fins farmacêuticos, incluindo aumento da biodisponi- nas na liberação de fármacos.23a

Ciclodextrinas são estudadas como agentes solubilizantes tando, desta forma, sua solubilidade em água.33 De acordo com
e de estabilização utilizados em formas farmacêuticas. Lach e Müller e Brauns,34 é preferível que o grau de alquilação seja bai-
colaboradores28 utilizaram ciclodextrinas para complexar, es- xo. Os derivados de CD com um elevado grau de substituição
tabilizar e solubilizar sulfonamidas, tetraciclinas, morfina, as- diminuem a tensão superficial da água, o que tem sido cor-
pirina, benzocaína, efedrina, reserpina e testosterona. A solu- relacionado com a atividade hemolítica observada em alguns
bilidade em água do ácido retinóico (0,5 mg/litro), um fármaco desses derivados. Os derivados amorfos da β-CD e da γ-CD
utilizado topicamente no tratamento da acne,29 é aumentada mostraram maior eficácia como agentes solubilizantes de hor-
para 160 mg/litro, mediante complexação com β-CD. A velo- mônios sexuais do que as respectivas CD naturais. Complexos
cidade de dissolução desempenha um papel importante na bio- de testosterona com hidroxipropil-β-CD promoveram eficien-
disponibilidade de fármacos. Uma dissolução rápida favorece temente o transporte desse hormônio para a circulação após
geralmente a absorção. Portanto, a velocidade de dissolução da administração sublingual.35 Esta rota de administração evita o
famotidina,30 um potente fármaco utilizado no tratamento de metabolismo do fármaco no intestino e a decomposição rápida
úlceras gástricas e do duodeno, assim como a da tolbutamida, pelo efeito da primeira passagem (first-pass) hepática (ver Ca-
um fármaco antidiabético de uso oral, foram aumentadas me- pítulo 14), aumentando, assim, a sua biodisponibilidade.
diante complexação com β-ciclodextrina.31 Além dos derivados hidrofílicos, formas hidrofóbicas da
As ciclodextrinas podem aumentar ou diminuir a reativi- β-CD têm se mostrado úteis como carreadores na liberação sus-
dade da molécula-hóspede, dependendo da natureza da reação tentada de fármacos. Nesse sentido, a velocidade de liberação do
e da orientação da molécula dentro da cavidade da CD. Assim, diltiazem, um antagonista do cálcio hidrossolúvel, foi significa-
a α-CD tende a favorecer a hidrólise pH-dependente da indo- tivamente reduzida mediante complexação com β-CD etilada. A
metacina em solução aquosa, enquanto que a β-ciclodextrina velocidade de liberação foi controlada misturando em diferentes
inibe essa hidrólise.27 Infelizmente, a solubilidade em água da proporções derivados hidrofílicos com derivados hidrofóbicos de
β-CD (1,8 g/100 mL, a 25 °C) é, com freqüência, insuficiente ciclodextrinas.36 A β-CD etilada também tem sido utilizada para
para estabilizar diversos fármacos em doses terapêuticas; além retardar a liberação de dinitrato de isossorbida, um vasodilator.37
do que, foi associada à nefrotoxicidade quando administrada As ciclodextrinas podem melhorar as características orga-
pela via parenteral.32 A solubilidade em água relativamente nolépticas em formulações líquidas de uso oral. O sabor amar-
baixa das ciclodextrinas pode estar relacionada com a forma- go da suspensão de famoxetina, um fármaco antidepressivo,
ção de ligações intramoleculares de hidrogênio entre os grupos é suprimido fortemente mediante complexação desse fármaco
hidroxila (ver Figura 11-3d), impedindo, assim, a interação da com β-ciclodextrina.38
CD com as moléculas de água.33
Mais recentemente foram desenvolvidos derivados a partir
de ciclodextrinas cristalinas naturais, com o objetivo de melho- Tamises moleculares
rar a solubilidade em água e evitar efeitos tóxicos. A metilação
parcial (alquilação) de algumas das hidroxilas da CD reduz a Os compostos de inclusão macromoleculares ou tamises mole-
formação de ligações intramoleculares de hidrogênio, o que dei- culares, como são comumente denominados, incluem as zeo-
xa alguns grupos OH livres para interagir com a água, aumen- litas, dextrinas, sílica, géis e outras substâncias relacionadas.
Os átomos se encontram dispostos em uma estrutura tridimen-
sional, originando tubos e gaiolas. As zeolitas sintéticas po-
dem ser obtidas com um tamanho de poro definido, de modo a
poder separar moléculas de diferentes dimensões, sendo, além
disso, capazes de permutar íons. Para uma discussão mais de-
talhada sobre os compostos de inclusão, ver artigo de Frank23.

MÉTODOS DE ANÁLISE 39
A determinação da razão estequiométrica entre ligante e metal
Figura 11-6 Indometacina (Indocid). ou entre doador e aceptor, assim como a expressão quantitativa
292 P ATRICK J. S INKO

Indício de formação

Diferença de absorbância, D
de um complexo 1:1
Constante dielétrica

Curva sem complexo

Fração molar = 0,667,


indicando um complexo 2:1

0 0,25 0,5 0,75 1,0 0 0,25 0,5 0,75 1,0


Fração molar Fração molar
Figura 11-7 Gráfico de uma propriedade aditiva versus a fração molar Figura 11-8 Gráfico da absorbância versus fração molar, mostrando o resul-
de uma das espécies participantes da complexação. A linha tracejada tado da complexação.
corresponde à situação de não-formação de complexo. (Para figuras se-
melhantes, ver C. H. Giles et al., J. Chem. Soc., 1952, 3799.)

Esta diferença, D, é então plotada contra a fração molar, como


se mostra na Figura 11-8. A razão molar do complexo é facil-
mente calculada a partir da curva assim obtida.
da constante de estabilidade na formação de complexos, são A constante de estabilidade da formação do complexo pode
importantes no estudo e utilização dos compostos de coordena- ser assim determinada, seguindo o método descrito por Martell
ção. Nas seções seguintes é apresentado um número restrito dos e Calvin,41 no qual o cálculo envolve a concentração e a proprie-
mais importantes métodos de obtenção dessas quantidades. dade a ser medida. Outro método, sugerido por Bent e French,42
é dado na seqüência.
Quando a magnitude da propriedade mensurada, como a
Método da variação contínua absorvância, é proporcional apenas à concentração do comple-
xo formado MAn, a razão molar entre o ligante A e o metal M,
Job40 sugeriu o uso de uma propriedade aditiva, como o coefi- assim como a constante de estabilidade, são facilmente deter-
ciente de absorção espectrofotométrica (a constante dielétrica mináveis. Uma equação para representar a complexação pode
e o quadrado do índice de refração também podem ser utiliza- ser a seguinte:
dos) para medir o grau de complexação. Quando uma proprie- M n A MAn (11-3)
dade é suficientemente diferente para duas substâncias e não
ocorre interação ao serem misturados os componentes, o valor e a constante de estabilidade ser expressa como:
da propriedade corresponderá à média ponderada dos valores [MAn ]
das substâncias separadas que fazem parte da mistura. Isto sig- K (11-4)
[M][A]n
nifica que quando a constante dielétrica de um dos componen-
tes, por exemplo, é plotada contra a fração molar, de zero a ou na sua forma logarítmica,
um, deverá ser observada uma relação linear, desde que nenhu- log [MAn ] log K log [M] n log [A] (11-5)
ma interação ocorra, como mostra a linha tracejada da Figura
11-7. Quando soluções equimolares de duas substâncias A e B onde [MAn] é a concentração de complexo, [M] a concentra-
(e, portanto, uma concentração total fixa das substâncias) são ção de metal não-complexado, [A] a concentração de ligante
misturadas e há formação de complexo, o valor da propriedade não-complexado, n o número de móis de ligante que se com-
aditiva apresentará um máximo (ou um mínimo), como mostra binam com 1 mol de íon metálico e K a constante de equi-
a curva superior da Figura 11-7. Para uma concentração total líbrio ou de estabilidade do complexo. A concentração do
constante de A e B, o complexo terá seu máximo de concen- íon metálico é mantida constante, enquanto a concentração
tração no ponto em que as substâncias A e B estão combina- de ligante vai sendo variada. A correspondente concentração
das, dependendo da razão segundo a qual elas acontecem no de complexo formado, [MAn], é calculada mediante análise
complexo. Por conseguinte, a linha do gráfico mostrará uma espectrofotométrica.40 Logo, segundo a equação (11-5), se
quebra, uma alteração de inclinação, no ponto em que a fração log[MAn] é plotado contra log [A], a inclinação da reta obtida
molar da mistura corresponde à do complexo. Na Figura 11-7 nos fornece a razão esteoquimétrica ou o número de coorde-
essa alteração da inclinação ocorre na fração molar 0,5, indi- nação entre as moléculas de ligante, n, e o íon metálico. O
cando que se trata de um complexo do tipo 1:1. intercepto sobre o eixo vertical corresponde ao valor da cons-
Quando a absorvância espectrofotométrica é utilizada como tante de estabilidade, K, uma vez que [M] é uma quantidade
propriedade física e quando há complexação, os valores obser- conhecida.
vados para várias frações molares são normalmente subtraídos Job restringe o método à formação de um composto
dos valores esperados pressupondo-se não haver complexação. único. Contudo, Vosburgh e colaboradores43 modificaram o
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 293

método de modo a poder tratar a formação de complexos de [MA]


M A MA; K1 (11-7)
ordem superior em solução. Osman e Abu-Eittah44 utilizaram [M][A]
técnicas espectrofotométricas para estudar complexos entre
cobre e barbituratos do tipo metal-ligante 1:2. Nesse caso, [MA2 ]
quando são misturadas uma solução azul de cobre (II) e ou- MA A MA2 ; K 2 (11-8)
[M A][A]
tra (incolor) de tiobarbiturato, há formação de um complexo
amarelo-esverdeado. A constante de estabilidade aparente e a e a reação geral para (11-7) e (11-8) será:
composição do complexo 1:2 foram determinadas pelo méto- [MA2 ]
do de Job. M 2A MA2 ; β K1 K2 (11-9)
[M][A]2
Bjerrum45 denominou K1 e K2 as constantes de formação
Método por titulação do pH e a constante de equilíbrio, β, como constante de estabilidade,
para a reação global. A quantidade n pode agora ser definida
Este é um dos métodos mais confiáveis e pode ser utilizado como o número de moléculas de ligante unidas ao íon metáli-
sempre que a complexação seja acompanhada por uma varia- co. O número médio de grupos ligantes por íon metálico pre-
ção de pH. A formação de quelatos entre cobre e glicina, por sente é indicado por n̄ (n barra) e pode ser expresso como:
exemplo, pode ser representada como:
Concentração total de ligacões do ligante
Cu2 2NH3 CH2 COO− n̄
Concentração total de íon metálico (11-10)
Cu(NH2 CH2 COO)2 2H (11-6) ou
Uma vez que dois prótons se formam durante a reação da [MA] 2[MA2 ]
n̄ (11-11)
equação (11-6), a adição de glicina à solução contendo íons [M] [MA] [MA2 ]
cúpricos resultará em diminuição do pH. Embora n possua um valor definido para cada uma das
As curvas de titulação podem ser obtidas adicionando espécies que formam o complexo (1 ou 2, no presente caso),
uma base forte a uma solução contendo glicina e a outra pode ter valores entre 0 e o número máximo de moléculas de
solução contendo glicina e sal de cobre, registrando o pH ligante unidas ao íon, 2, neste caso. O numerador da equação
em função dos equivalentes de base adicionados. Os resulta- (11-11) proporciona a concentração total de ligações do li-
dos desta titulação potenciométrica são mostrados na Figu- gante. O segundo termo é multiplicado por dois, uma vez que
ra 11-9. A curva para a mistura metal-glicina aparece bem duas moléculas de ligante estão presentes para cada molécula
abaixo da curva da glicina pura. A diminuição do pH indi- da espécie MA2. O denominador proporciona a concentração
ca que a complexação acontece ao longo de todo o âmbito total de metal presente em todas as formas, tanto livre quanto
da neutralização. Resultados similares foram obtidos com ligada. Para o caso especial quando n̄ = 1, a equação (11-11) se
outros zwitterions e ácidos fracos (ou bases fracas), como transforma em:
o ácido N,N’-diacetiletilenodiamina-diacético, o qual tem
sido estudado pela sua capacidade de complexar íons cálcio [MA] 2[MA2 ] [M] [MA] [MA2 ]
e cobre.
[MA2 ] [M] (11-12)
Para obter as constantes de estabilidade do complexo, os
resultados podem ser tratados quantitativamente da seguinte Utilizando os resultados das equações (11-9) e (11-12),
forma. Os dois equilíbrios sucessivos (ou escalonados) para a podemos obter a seguinte relação:
mistura de íon cúprico ou metal, M, e glicina, ou ligante A, 1
podem ser escritos de modo geral como: β K1 K2 ou log β 2 log [A]
[A]2
e finalmente
p[ A ] 12 log β n̄ 1 (11-13)
onde p[A] substitui –log[A]. Bjerrum demonstrou também que,
Glicina, I para uma primeira aproximação,
1
p[A] log K 1 n̄ 2
(11-14)

3
p[A] log K 2 n̄ 2
(11-15)
Torna-se agora possível derivar as constantes de formação
individuais para o complexo, K1 e K2, e a constante de estabi-
Glicina e cobre, II
lidade, β, desde que dois valores de n̄ e o valor de p[A] sejam
conhecidos.
A equação (11-10) mostra que a concentração de ligações
do ligante precisa ser determinada antes de se avaliar n̄. As dis-
tâncias horizontais representadas pelas linhas entre as curvas
Figura 11-9 Titulação da glicina e da glicina na presença de íons cúpricos. de titulação da glicina pura (curva I) e da glicina na presença
A diferença em pH para uma dada quantidade de base adicionada indica a de Cu2+ (curva II) da Figura 11-9 fornecem a quantidade de
ocorrência de complexo. base consumida nas seguintes reações:
294 P ATRICK J. S INKO

(11-16)

(11-17)

Essa quantidade de base é exatamente igual à concentra- Da equação (11-21), obtemos:


ção de ligações do ligante a um dado pH e, segundo a equação p[A] = 9,69 − 3,50 − log[(3,34 × 10 −2 )
(11-10), quando dividida pela concentração total de íon metá- (5,54 × 10−3 )] = 7,75
lico, resulta no valor de n̄.
A concentração de glicina livre [A] na forma de “base” (b) Em pH 8,00, a distância horizontal entre as duas curvas I e
NH2CH2COO– é obtida a partir da expressão da dissociação da II da Figura 11-9 é equivalente a 5,50 mL de NaOH conside-
forma ácida da glicina, para um dado valor de pH: rando amostras de 75 mL, ou a 2,59 × 10–4 × 5,50 × 1000/75 =
19,0 × 10–3 mol/litro. Da mesma forma, teremos que:
NH3 CH2 COO− H2 O H3 O NH2 CH2 COO−
−3
[H3 O ][NH2 CH2 COO− ] n̄ = 19,0 × 10−3 = 2,01
Ka (11-18) 9,45 10
[NH3 CH2 COO− ] e
ou p[A] = 9,69 − 8,00 − log [(3,34 × 10 −2 )
K a [HA] (1,90 10−2 )] = 3,53
[NH2 CH2 COO− ], [A] (11-19)
[H3 O ]
A concentração [NH3+CH2COO−], ou [HA], da espécie Os valores de n̄ e de p[A] para diferentes valores de pH são plo-
ácida, a um dado pH, corresponde à diferença entre a con- tados como se mostra na Figura 11-10. A curva assim obtida é
centração inicial, [HA]inicial, de glicerina e a concentração, denominada curva de formação. Como se pode verificar, essa
[NaOH], da base adicionada. Logo, curva atinge o seu limite máximo quando n̄ = 2, o que indica
[HA]incial − [NaOH] que o número máximo de moléculas de glicina que se pode
[A] K a (11-20) combinar com um átomo de cobre é dois. A partir dessa curva,
[H3 O ] é possível calcular para n̄ = 0,5, n̄ = 3/2, e n̄ = 1,0 os valores
ou aproximados de log K1, log K2, e log β, respectivamente. Um
log [A] p[A] pK a pH log ([HA]inicial [NaOH])
(11-21)
onde [A] é a concentração do ligante; neste caso, a glicina.

EXEMPLO 11-1
Calcular o número médio de ligantes
Quando amostras de 75 mL contendo 3,34 × 10–2 mol/litro de clo-
ridrato de glicina pura e em combinação com 9,45 × 10–3 mol/litro
de íon cúprico são tituladas com NaOH 0,259 N, se obtêm, res-
pectivamente, as duas curvas I e II da Figura 11-9. Calcular os
valores de n̄ e de p[A] em pH 3,50 e pH 8,00. O pKa da glicina é
9,69, a 30 °C.
(a) Na Figura 11-9, a distância horizontal para o pH 3,50 e
amostras de 75 mL equivale a 1,60 mL de NaOH, ou 2,59 ×
10–4 mol/mL × 1,60 = 4,15 × 10–4 mol. Para um litro de amos-
tra, esse valor será igual a 5,54 × 10–3 mol. A concentração
total de íon cobre por litro será 9,45 × 10–3 mol, e na equação
(11-10) n̄ é dado por:
5,54 × 10−3
n̄ = = 0,59 Figura 11-10 Curva de formação do complexo cobre-glicina.
9,45 10−3
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 295

descrito. Sandmann e Luk47 mediram as constantes de esta-


TABELA 11-4 bilidade para complexos de lítio e catecolamina por titulação
TITULAÇÃO POTENCIOMÉTRICA DO CLORIDRATO DE potenciométrica dos íons lítio livres. Os resultados demons-
GLICINA (3,34 × 10–2 MOL/LITRO, pKa 9,69) E CLORETO traram que o lítio forma complexos com espécies zwitteri-
CÚPRICO (9,45 × 10–3 MOL/LITRO) UTILIZANDO AMOSTRAS ônicas de catecolaminas em pH de 9 a 10, e com as formas
DE 75 mL e NaOH 0,259 N, A 30 °C* desprotonadas dessas em pH acima de 10. A interação com
Δ(mL de
o lítio depende da dissociação do oxigênio fenólico das ca-
NaOH Móis de OH–,
tecolaminas. Em pH fisiológico, as espécies protonadas não
por 75 mL MA complexado
apresentam complexação significativa. Alguns sais de lítio,
pH de amostra) (mol/litro) n̄ p[A]
como carbonato de lítio, cloreto de lítio e citrato de lítio, são
usados na psiquiatria.
3,50 1,60 5,54 × 10 –3
0,59 7,66 Agrawal e colaboradores48 aplicaram o método de titula-
4,00 2,90 10,1 × 10–3 1,07 7,32 ção do pH para estimar o número médio de grupos ligantes
4,50 3,80 13,1 × 10–3 1,39 6,85 por íon metálico, n̄, para alguns quelatos de metal-sulfonamida
5,00 4,50 15,5 × 10–3 1,64 6,44 em dioxano-água. Os valores máximos de n̄ calculados apon-
5,50 5,00 17,3 × 10–3 1,83 5,98 taram para complexos 1:1 e 1:2. A relação linear entre pKa
6,00 5,20 18,0 × 10–3 1,91 5,50 do fármaco e o logaritmo das constantes de estabilidade dos
6,50 5,35 18,5 × 10–3 1,96 5,02 correspondentes complexos com íon metálico mostraram que,
7,00 5,45 18,8 × 10–3 1,99 4,53 quanto mais alcalino é o ligante (fármaco), mais estável são os
7,50 5,50 19,0 × 10–3 2,03 4,03
quelatos com cério IV, paládio II e cobre II. Connors e colabo-
8,00 5,50 19,0 × 10–3 2,01 3,15
radores49 descrevem um método potenciométrico para os com-
* A partir dos dados das últimas duas colunas é possível construir o gráfico da curva
de formação, Figura 11-10 e, desse modo, calcular os valores de log K1, = 7,9, log
plexos de inclusão formados entre α-ciclodextrina e derivados
K2 = 6,9 e log β = 14,8 (na literatura, o valor médio de log β, a 25 °C, é 15,3). do ácido benzóico.

conjunto de dados típico para a complexação da glicina pelo Método da distribuição


cobre consta da Tabela 11-4. Os valores de log K1, log K2 e O método baseado na distribuição de soluto entre dois líquidos
log β de alguns complexos metálicos de interesse farmacêutico imiscíveis (p. 272) pode ser utilizado para determinar a cons-
são dados na Tabela 11-5. tante de estabilidade para certos complexos. A complexação
Pecar e colaboradores46 descreveram a tendência do áci- do iodo pelo iodeto de potássio pode servir como exemplo para
do pirrolidona-5-hidroxâmico de complexar o íon férrico, ilustrar este método. A reação de equilíbrio na sua forma mais
formando mono, bi e triquelatos. Os autores estudaram, pos- simples corresponde a:
teriormente, as propriedades termodinâmicas desses quela- I2 I− I3 (11-22)
tos, mediante um método potenciométrico, para estabelecer
as constantes de estabilidade. O método empregado por Pecar Em concentrações elevadas podem ocorrer etapas de adi-
e colaboradores é conhecido como método de Schwarzen- ção, que levam à formação de compostos poliodados, p. ex.,
bach e, quando se trata de complexos anomalamente estáveis, 2I– + 2I2 = I62–. Contudo, não é necessário considerá-las neste
pode ser utilizado no lugar do método potenciométrico antes momento.

TABELA 11-5
CONSTANTES SELECIONADAS DE COMPLEXOS ENTRE ÍONS METÁLICOS E LIGANTES
ORGÂNICOS*

Ligante orgânico Íon metálico log K1 log K2 log β = log K1K2


Ácido ascórbico Ca2+ 0,19 — —
Nicotinamida Ag+ — — 3,2
Glicina (ácido aminoacético) Cu2+ 8,3 7,0 15,3
Aldeído salicílico Fe2+ 4,2 3,4 7,6
Ácido salicílico Cu2+ 10,6 6,3 16,9
Ácido p-hidroxibenzóico Fe3+ 15,2 — —
Salicilato de metila Fe3+ 9,7 — —
Ácido dietilbarbitúrico (barbital) Ca2+ 0,66 — —
8-hidroxiquinolina Cu2+ 15 14 29
Ácido pteroglutâmico (ácido fólico) Cu2+ — — 7,8
Oxitetraciclina Ni2+ 5,8 4,8 10,6
Clortetraciclina Fe3+ 8,8 7,2 16,0
* Retirada de: G. Schwarzenback and L. G. Sillen, Stability Constants, Part I, Organic Ligands, The Chemical Society,
London, 1957.
296 P ATRICK J. S INKO

Higuchi e colaboradores estudaram a ação complexante


da cafeína, polivinilpirrolidona e de polietilenoglicóis sobre
vários fármacos de caráter ácido, utilizando o método da dis-
tribuição ou da partição. Segundo Higuchi e Zuck,50 a reação
Camada de H2O entre cafeína e ácido benzóico que forma o complexo ácido
benzóico-cafeína é a seguinte:
Ácido benzóico + Cafeína = (Ácido benzóico – Cafeína)
(11-23)
Camada de CS2 e a constante de estabilidade para a reação a 0 °C será:
[Ácido benzóico −
K 37,5 (11-24)
Figura 11-11 Distribuição de iodo entre água e bissulfeto de carbono. [Ácido benzóico][Cafeína]
Os resultados variam um pouco, sendo 37,5 um valor médio
da constante de estabilidade. Guttman e Higuchi51 posteriormen-
te mostraram que a cafeína em solução aquosa ocorre, principal-
EXEMPLO 11-2
mente, como monômeros, dímeros e trímeros, o que pode expli-
Iodo livre e iodo total car em parte a variação de K observada por Higuchi e Zuck.
Quando o iodo se distribui entre água (w) e bissulfeto de carbono,
como fase orgânica (o), a 25 °C, como ilustrado na Figura 11-11,
a constante de distribuição K(o/w) = Co/Cw corresponde a 625. Já Método da solubilidade
para o iodo distribuído entre uma solução aquosa de iodeto de po-
De acordo com o método da solubilidade, quantidades em ex-
tássio a 0,1250 M e bissulfeto de carbono, a concentração de iodo
cesso do fármaco são colocadas em recipientes bem fechados,
na fase orgânica é 0,1896 mol/litro. Quando a solução aquosa de
junto com a solução contendo o agente complexante em vá-
KI é analisada, a concentração de iodo encontrada foi de 0,02832
rias concentrações. Os recipientes são agitados em um banho
mol/litro. Em resumo, os resultados foram os seguintes:
a temperatura constante até atingir o equilíbrio, prosseguindo
Concentração total de I2 na camada aquosa (iodo livre + iodo
com a retirada e análise de alíquotas do líquido sobrenadante.
complexado) = 0,02832 mol/litro.
Higuchi e Lach52 utilizaram o método da solubilidade para
Concentração total de KI na camada aquosa (KI livre + KI
estudar a complexação do ácido p-aminobenzóico (PABA)
complexado) = 0,1250 mol/litro.
pela cafeína. Os resultados desses estudos estão representados
Concentração de I2 na camada de CS2 (iodo livre) = 0,1896 na Figura 11-12. O ponto A, onde a linha intercepta o eixo
mol/litro. vertical, corresponde à solubilidade do fármaco em água. Com
Coeficiente de distribuição, K(o/w) = [I2]o/[I2]w = 625. a adição de cafeína, a solubilidade do ácido p-aminobenzóico
As espécies comuns a ambas as fases são o iodo livre e o iodo aumenta linearmente devido à complexação. No ponto B, a
não-complexado. A lei da distribuição expressa apenas a concen- solução está saturada em relação ao complexo e ao fármaco
tração de iodo livre, enquanto que a análise química nos propor- propriamente dito. O complexo continua a se formar e preci-
ciona a concentração total de iodo na fase aquosa. A concentração pita a partir do sistema saturado à medida que mais cafeína vai
de iodo livre na fase aquosa se calcula da seguinte forma: sendo adicionada. No ponto C, todo excesso sólido de PABA
[I2 ]o 0,1896
[I2 ]w = = = 3,034 × 10−4 mol/litro passou para a solução e foi transformado em complexo. Embo-
K(o/w) 625 ra o fármaco no estado sólido tenha sido esgotado e a solução
Para obter a concentração de iodo no complexo e, por conse- não esteja mais saturada, uma parte desse permanece na forma
guinte, a concentração do complexo, [I3–], subtraímos o iodo livre não-complexada, combinando-se, depois, com a cafeína para
do iodo total presente na fase aquosa:
[I2 ]complexado= [I2 ]w, total − [I2 ]w, livre
= 0,02832 − 0,000303
Concentração molar de PABA × 10 2

= 0,02802 mol/litro
Ponto de saturação (B)
Segundo a equação (11-22), I2 e KI se combinam em concen-
trações equimolares para formar o complexo. Conseqüentemente, Todo o excesso de ácido
sólido passa a complexo (C)
[KI]complexado = [I2 ]complexado = 0,02802
Complexos de
O KI é insolúvel no bissulfeto de carbono e permanece por intei- ordem superior
Solubilidade
ro na fase aquosa. A concentração de KI livre é, portanto, igual a: do PABA (A)
[KI]livre = [KI]total − [KI]complexado
= 0,1250 − 0,02802
= 0,09698 mol/litro
e, finalmente,
[ ] Concentração molar de cafeína × 10 2
K =
[I2 ]livre [KI]livre
0,02802 Figura 11-12 Solubilidade do ácido p-aminobenzóico (PABA) na presença
= = 954 de cafeína. (Segundo T. Higuchi and J. L. Lack, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed.
0,000303 0,09698
43, 525, 1954.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 297

gerar complexos de ordem superior, do tipo PABA-2 cafeína,


como mostra a curva na porção direita do diagrama. TABELA 11-6
CONSTANTES DE ESTABILIDADE APROXIMADAS DE
EXEMPLO 11-3 ALGUNS COMPLEXOS DE CAFEÍNA EM ÁGUA, A 30 °C*
Substância complexada Constante de estabilidade
Razão estequiométrica do complexo
com cafeína aproximada
O seguinte cálculo é feito para obter a razão esteoquimétrica de
Ácido subérico 3
um complexo. A concentração de cafeína, correspondente ao pla-
Sulfadiazina 7
tô BC, se equivale à concentração de cafeína que passa a formar Ácido pícrico 8
o complexo nessa faixa do diagrama. A quantidade de ácido p- Sulfatiazol 11
aminobenzóico que entra para o complexo é calculada a partir do Ácido o-ftálico 14
sólido não-dissolvido, remanescente no ponto B. Este é calculado Ácido acetilsalicílico 15
subtraindo a quantidade de ácido em solução, no ponto de satu- Ácido benzóico (monômero) 18
ração B, da quantidade total de ácido inicialmente adicionado à Ácido salicílico 40
mistura, uma vez que essa é a quantidade de ácido ainda não dis- Ácido p-aminobenzóico 48
solvido que pode formar complexo. Butilparabeno 50
Segundo a Figura 11-12, a concentração de cafeína na região Benzocaína 59
do platô é igual a 1,8 × 10−2 mol/litro. O PABA livre, no estado não- Ácido p-hidroxibenzóico >100
dissolvido, corresponde à quantidade total de ácido menos a quanti- * Compilada de T. Higuchi et al., J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed., 42, 138, 1953;
dade de ácido em solução no ponto B, ou seja, 7,3 × 10–2 –5,5 × 10–2, 43, 349, 524, 527, 1954; 45, 290, 1956; 46, 32, 1957. Mais de 500 exemplos de
complexos com outros fármacos foram registrados por Higuchi e Connors. Phase
ou 1,8 × 10–2 mol/litro. A razão esteoquimétrica do complexo será: solubility techniques, in Advances in Analytical Chemistry and Instrumentation,
Cafeína no complexo 1,8 × 10−2 C. N. Reilley, Ed., Wiley, Vol. 4, 1965, pp. 117–212.
= =1
PABA no complexo 1,8 10−2
A equação correspondente à formação do complexo pode ser
escrita como:
ção do tipo doador-aceptor de elétrons ou por transferência de
carga complexação.55,56 Quando iodo é analisado em um sol-
PABA Cafeína PABA Cafeína (11-25)
vente não-complexante, como CCl4, se obtém um espectro com
e a constante de estabilidade para o complexo 1:1 será: um único pico em 520 nm. A solução apresenta, nesse caso, cor
[PABA − Cafeína ] violeta. A solução de iodo em benzeno apresenta um desloca-
K= (11-26)
[PABA][Cafeína ] mento máximo para 475 nm, com surgimento de um novo pico
K pode ser calculada da seguinte forma. A concentração do com intensidade de absorção consideravelmente maior, como
complexo [PABA-Cafeína] é igual à concentração total de ácido uma banda de deslocamento em 300 nm. A solução de iodo em
no ponto de saturação menos a solubilidade do [PABA], isto é, do éter dietílico mostra um deslocamento ainda maior para compri-
ácido em água. A concentração de [Cafeína] no ponto de equilí- mentos de onda menores, com surgimento de um novo máximo
brio é igual à cafeína adicionada ao sistema menos a concentração de absorção. As duas soluções têm, agora, cor vermelha para
que foi transformada em complexo. A concentração total de ácido marrom. As respectivas curvas de absorção são mostradas na Fi-
no ponto de saturação é 4,58 × 10–2 mol/litro, quando nada de ca- gura 11-13. Em benzeno e éter dietílico, o iodo está como acep-
feína foi adicionado ( = solubilidade do PABA), mas passa a ser tor de elétrons e o solvente orgânico como doador. No CCl4, não
igual a 5,312 × 10–2 mol/litro após a adição de 1,00 × 10–2 mol/litro há formação de complexo. O deslocamento em direção à região
de cafeína. Logo, do ultravioleta resulta maior à medida que o solvente doador
[PABA − Cafeína] = (5,31 × 10−2 ) − (4,58 × 10−2 ) = 0,73 × 10−2 de elétrons é um agente facilitador de elétrons mais forte. Es-
[PABA] = 4 58 × 10−2
ses espectros surgem da transferência de um elétron do doador
para o aceptor, quando em contato próximo, resultando em um
[Cafeína] (1,00 10−2 ) (0,73 10−2 ) 0,27 10−2
complexo no estado excitado eletronicamente. Quanto mais fa-
Conseqüentemente, cilmente um doador, como o benzeno ou o éter dietílico, cede
[PABA − Cafeína ] 0,73 × 10−2 elétrons, o que pode ser medido pelo seu potencial de ionização,
K= = = 59
[PABA][Cafeína ] (4,58 10−2 )(0,27 10 2) mais forte será a sua característica de doador. Para soluções de
iodo em solventes doadores, os potenciais de ionização de uma
série de doadores aparecem como uma linha reta, quando plota-
Na Tabela 11-6 são dadas as constantes de estabilidade dos contra o comprimento de onda dos máximos de absorção ou
de vários complexos da cafeína, obtidas, principalmente, pe- contra as respectivas energias de transferência de carga (1 nm =
los métodos da distribuição e da solubilidade. As constantes de 18,63 cal/mol).55,56
estabilidade para diversos complexos de fármacos foram com-
A constante de complexação, K, pode ser calculada me-
piladas por Higuchi e Connors.53 Kenley e colaboradores54 es-
diante espectroscopia no visível ou no ultravioleta. A associa-
tudaram complexos de diferentes ligantes insolúveis em água
com antiviral aciclovir utilizando o método da solubilidade. ção entre o doador, D, e o aceptor, A, é representada como:
k1
D A DA (11-27)
Espectroscopia e complexação por transferência k 1
de carga
onde K = k1/k–1 é a constante de equilíbrio para o complexo
A espectroscopia de absorção nas regiões do espectro do visível (ou constante de estabilidade), k1 e k–1 são as constantes de ve-
e ultravioleta é comumente utilizada para estudar a complexa- locidade de interação. Quando duas moléculas se associam de
298 P ATRICK J. S INKO

Ao /A, Concentração de fármaco/Absorvância (M×104)


40 °C
Coeficiente de absorção

30 °C
20 °C

Comprimento de onda (nm)


1/Do, Inverso da concentração do doador (M−1)
Figura 11-13 Espectros de absorção do iodo em um solvente não-complexan-
Figura 11-14. Obtenção da constante de estabilidade, K, mediante o gráfi-
te (1) CCl4 e em solventes complexantes (2) benzeno e (3) éter dietílico. (Retira-
co de Benesi-Hildebrand e utilizando a equação (11-28) para complexos por
da de: H. A. Benesi and J. A. Hildebrand, J. Am. Chem. Soc. 70, 2832, 1948.)
transferência de carga. (Retirada de: M. A. Slifkin, Biochim. Biophys. Acta
109, 617, 1965.)

acordo com esse esquema e a absorvância A da banda referente


à transferência de carga é medida a um determinado compri- de HCI 0.1 N a 6, 18, 25 e 37 °C, observa-se que as quatro linhas
mento de onda, o valor de K é facilmente calculado a partir da interceptam o eixo vertical em 0,01041. A concentração total de
equação de Benesi-Hildebrand: 57 uracila, A0, foi de 2 × 10–2 M, enquanto que a do catecol, D0, ficou
A0 1 1 1 entre 0,3 e 0,8 M. As inclinações das linhas, determinadas pelo
(11-28) método dos quadrados mínimos, foram as seguintes:
A K D0
A0 e D0 representam as concentrações iniciais das espécies 6 °C 18 °C 25 °C 37 °C
aceptora e doadora, respectivamente, em mol/litro, ⑀ é a absor- 0,02125 0,02738 0,03252 0,04002
tividade molar do complexo por transferência de carga, para um Calcular a absortividade molar e a constante de estabilidade,
comprimento de onda determinado, e K é a constante de estabi- K. Conhecendo o valor de K para essas quatro temperaturas, como
lidade, dada em litro/mol ou M–1. O gráfico de A0/A versus 1/D0 podemos proceder para calcular os valores de ΔH°, ΔG° e ΔS°?
resulta em uma linha reta, com inclinação igual a 1/(K ⑀ ) e um
intercepto igual a 1/ ⑀, como é mostrado na Figura 11-14.
Borazan e colaboradores58 estudaram a interação de bases
de ácidos nucléicos (aceptoras de elétrons) com catecol, epi-
nefrina e isoproterenol (doadores de elétrons). Os catecóis têm
baixos potenciais de ionização e, portanto, a tendência de doar
elétrons. Nesse trabalho, a complexação por transferência de 0,22
carga foi evidente, como demonstrado mediante medições de
absorção em ultravioleta. A partir do pressuposto da formação
de complexos 1:1, foi calculada a constante de equilíbrio, K, a 0,20
partir dos gráficos de Benesi-Hildebrand para complexos por
transferência de carga (Figura 11-14), aplicando três ou quatro 0,18
temperaturas diferentes. O valor de ΔH° foi calculado para es-
sas temperaturas a partir da inclinação da curva, como mostra
a Figura 11-15. Os valores de K e os parâmetros termodinâmi- 0,16
cos ΔH°, ΔG° e ΔS° calculados estão contidos na Tabela 11-7.
Os valores dos parâmetros termodinâmicos foram calculados
de acordo com os métodos descritos nas páginas 306-309. 0,14
3,2 3,3 3,4 3,5

EXEMPLO 11-4
Figura 11-15 Constante de estabilidade para o complexo por transferên-
Calcular a absortividade molar cia de carga de adenina-catecol, calculada em temperaturas diferentes, a
Quando A0/A é plotada contra 1/D0, no caso de soluções de cate- um comprimento de onda de 340 nm. (Retirada com autorização de: F. A. Al-
col (eletro-doador) contendo uracila (eletro-aceptor) em solução Obeidi and H. N. Borazan, J. Pharm. Sci. 65, 892, 1976.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 299

Os círculos cheios representam átomos de nitrogênio e os


TABELA 11-7 círculos em branco átomos de oxigênio. O doador fica em cima
CONSTANTES DE ESTABILIDADE, K, E PARÂMETROS da molécula aceptora, a uma distância intermolecular de 3,35
TERMODINÂMCIOS PARA A INTERAÇÃO POR Å, fixado por uma energia de ligação de –5,7 kcal/mol. O sinal
TRANSFERÊNCIA DE CARGA ENTRE BASES DE ÁCIDOS negativo significa uma força de ligação positiva.
NUCLÉICOS E CATECOL EM SOLUÇÃO AQUOSA*

Temperatura K ΔG° ΔH° ΔS° Outros métodos


(°C) (M–1) (cal/mol) (cal/mol) (cal/mol K)
Existem outros métodos disponíveis para estudar a complexa-
Adenina-catecol ção de metais e complexos moleculares orgânicos, como RMN,
9 1,69 −294 − − espectroscopia no infravermelho, polarografia, dicroísmo cir-
18 1,59 −264 −1015 −2,6 cular, cinética, difração por raios X e difração de elétrons. Al-
37 1,44 −226 − − guns desses métodos serão discutidos brevemente nesta seção.
Uracila-catecol A complexação de cafeína com L-triptofano em solução
6 0,49 396 − − aquosa foi pesquisada por Nishijo e colaboradores60 mediante
18 0,38 560 −3564 −14 espectroscopia de 1H-RMN. A cafeína interage com o triptofa-
25 0,32 675 − − no segundo uma razão molar de 1:1, mediante empilhamento
37 0,26 830 − − paralelo das moléculas. A complexação é o resultado da po-
* Retirada com autorização de: F. A. Al-Obeidi and H. N. Borazan, J. Pharm. Sci.
larização e de interações π-π entre os anéis aromáticos. Uma
65, 892, 1976.
possível disposição em paralelo das moléculas está mostrada
na Figura 11-16. Esse estudo demonstrou que o triptofano, o
qual é tido como o sítio de ligação para certos fármacos na al-
A partir da equação de Benesi-Hildebrand, o intercepto é o recí- bumina sérica, pode interagir com a cafeína ainda na forma de
proco da absortividade molar, ou seja, 1 / 0,01041 = 96,1. A absortivi- aminoácido livre. Contudo, a cafeína não interage com outros
dade molar, ⑀, é uma constante para uma substância ou um comple- aminoácidos aromáticos, como a L-valina ou a L-leucina.
xo, que é independente da temperatura ou da concentração. O valor Borazan e Koumriqian61 estudaram a transição de héli-
de K é calculado a partir das inclinações das quatro curvas, a saber: ce para espiral do ácido poliadenílico, induzida pela ligação
(1) 0,02125 = 1 (K × 96,1); K = 0,49 M −1 das catecolaminas norepinefrina e isoproterenol, utilizando
(2) 0,02738 = 1 (K × 96,1); K = 0,38 M −1 dicroísmo circular (ver p. 126). A maioria das moléculas de
(3) 0,03252 = 1 (K × 96,1); K = 0,32 M −1 mRNA contém regiões de ácido poliadenílico, as quais, se
(4) 0,04002 = 1 (K × 96,1); K = 0,26 M −1 acredita, aumentam a estabilidade da cadeia de mRNA e fa-
Esses valores de K são agora plotados na sua forma logarít- vorecem a transmissão do código genético. A alteração no es-
mica, no eixo vertical, contra o valor recíproco das quatro tem- pectro de dicroísmo circular (ver Capítulo 4, p. 126) do ácido
peraturas, em Kelvin. Disso resulta o gráfico referente à equação poliadenílico foi interpretada como sendo resultado da ligação
(11-49), o qual permite calcular ΔH° a partir da inclinação da intercalada das catecolaminas entre as bases de adenina empi-
reta obtida. O valor de ΔG° é calculado a partir do log K, para
cada uma das quatro temperaturas, utilizando a equação (11-50),
na qual a temperatura, T, é dada em Kelvin. Finalmente, ΔS° é
obtida aplicando a equação (11-53) ΔG° = ΔH° – TΔS°. As res-
postas para este problema são dadas na Tabela 11-7. Os detalhes
sobre os cálculos efetuados são explicados no Exemplo 11-8.

Webb e Thompson59 estudaram o possível papel dos com-


plexos do tipo doador-aceptor de elétrons na ligação em re-
ceptores de fármacos. Para isso, utilizaram derivados da qui-
nolina e do antraceno como modelos de doadores de elétrons
e derivados do trinitrofluoreno como aceptores de elétrons. O
arranjo mais favorável para o doador 8-aminoquinolina (linhas
grossas) e o aceptor 9-dicianometil-trinitrofluoreno (linhas fi-
nas), conforme calculado por um método de química quântica,
corresponde ao arranjo apresentado abaixo:

Figura 11-16 Empilhamento do L-triptofano (linha grossa) sobre a cafeína


(linha tracejada). O anel de benzeno do triptofano se localiza acima do anel
de pirimidina da cafeína e o anel de pirrol do L-triptofano fica acima do anel
imidazólico da cafeína. (Retirada, com permissão, de: J. Nishijo, I. Yonetami,
E. Iwamoto, et al., J. Pharm. Sci. 79, 18, 1990.)
300 P ATRICK J. S INKO

lhadas uma sobre as outras. Os autores sugeriram que as cate- onde K é a constante de associação, [P] a concentração da pro-
colaminas exercem um mecanismo de controle via indução da teína em termos de sítios livres de ligação, [Df] é a concen-
transição espiral-hélice do ácido poliadenílico, a qual influi na tração (normalmente, concentração molar) de fármaco livre,
transmissão do código genético. algumas vezes denominado ligante, e [PD] é a concentração
De Taeye e Zeegers-Huyskens62 utilizaram espectroscopia do complexo proteína-fármaco. K varia com a temperatura e
no infravermelho para estudar os complexos por ligações de seria mais correto indicá-la como K(T). Já o termo [PD], sím-
hidrogênio envolvendo bases polifuncionais como doadoras de bolo para o fármaco ligado, é às vezes também escrito como
prótons. Trata-se de uma técnica muito precisa para determi- [Db], enquanto que [D], o símbolo de fármaco livre, também é
nar os parâmetros termodinâmicos referentes à formação de representado por [Df].
ligações de hidrogênio e, também, para caracterizar sítios de Quando a concentração total de proteína é indicada como
interação quando a molécula possui vários grupos capazes de [Pt], podemos dizer que:
formar este tipo de ligação. A cafeína forma complexos por
ligações de hidrogênio com vários doadores de prótons, entre [Pt ] [P] [PD]
os quais, fenol, derivados fenólicos, álcoois alifáticos e água. ou
De acordo com esta técnica no infravermelho, o sítio preferen- [P] [Pt ] [PD] (11-32)
cial para a formação destas ligações é o grupo carbonila da ca- Substituindo a expressão [P] da equação (11-32) na equa-
feína. Setenta por cento dos complexos formaram-se no grupo ção (11-31), obteremos:
C=O(6) e 30% deles o fizeram com o grupo C=O(2) da cafeína
(para a sistemática de numeração dos átomos da cafeína, ver [PD] K [Df ]([Pt ] [PD]) (11-33)
estrutura I, p. 287). El Said e colaboradores63 utilizaram mé- [PD] K [Df ][PD] K [Df ][Pt ] (11-34)
todos condutivimétricos e por infravermelho com o intuito de
caracterizar complexos do tipo 1:1 entre acetato de uranila e [PD] K [Df ]
(11-35)
tetraciclina. A estrutura sugerida pelos autores para o comple- [Pt ] 1 K [Df ]
xo uranila-tetraciclina é a seguinte:
Seja r o número de móis de fármaco ligado, [PD], por mol
de proteína total, [Pt], logo, r = [PD]/[Pt] ou,
K [Df ]
r (11-36)
1 K [Df ]
A razão r também pode ser expressa em outras unidades,
como miligramas de fármaco ligado, x, por grama de proteína,
m. A equação (11-36) corresponde a uma das isotermas de ad-
sorção de Langmuir, apresentada no Capítulo 16. Não obstante
essa equação seja bastante útil para expressar dados de ligação
a proteínas, não se deve concluir que o ajuste dos dados a essa
equação queira dizer que a ligação a proteínas seja um fenôme-
no de adsorção. A equação (11-36) pode ser transformada em
LIGAÇÃO A PROTEÍNAS uma equação linear, graficamente mais conveniente, mediante
inversão, ou seja:
1 1
Uma análise completa da ligação a proteínas, incluindo os 1 (11-37)
equilíbrios múltiplos envolvidos, iria além das nossas neces- r K [Df ]
sidades imediatas. Por conseguinte, o tema é aqui tratado de Se ν é o número de sítios de ligação independentes dispo-
forma abreviada. níveis, a expressão total em termos de r será igual ao produto
da equação (11-36), relativa a um único sítio, vezes o valor de
ν, ou seja,
Equilíbrios de ligação K [Df ]
r ν (11-38)
Podemos representar a interação entre um grupo ou receptor 1 K [Df ]
livre P de uma proteína e a molécula do fármaco D da seguinte
e a equação (11-37) se transforma em:
forma:
P D PD (11-29) 1 1 1 1
(11-39)
Desconsiderando a diferença existente entre atividade e r ν K [Df ] ν
concentração, a constante de equilíbrio é igual a: A equação (11-39) produz o que se costuma denominar
[PD] gráfico recíproco de Klotz. 66
K (11-30) Um meio alternativo de escrever a equação (11-38) consis-
[P][D f ]
te no rearranjo dessa equação primeiramente para:
ou
K [P][D f ] [PD] (11-31) r r K [D f ] ν K [Df ] (11-40)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 301

CONCEITO LIGAÇÃO DE FÁRMACOS A PROTEÍNAS


A ligação de fármacos a proteínas contidas no organismo pode influenciar um complexo fármaco-proteína biologicamente ativo por si próprio. Es-
sua ação de várias formas. As proteínas podem (a) favorecer a distribuição ses aspectos são discutidos em vários trabalhos de revisão.64,65 Entre
de fármacos dentro do organismo, (b) inativar o fármaco, ao impedir que a as proteínas plasmáticas, a albumina é a mais importante, pelo fato de
forma livre deste atinja o sítio receptor em concentração suficiente ou (c) apresentar uma concentração comparativamente maior do que as demais
retardar a excreção do fármaco. A interação de um fármaco com proteínas proteínas plasmáticas e pela sua capacidade de se ligar tanto a fármacos
pode causar (a) o deslocamento de hormônios ou de uma substância admi- ácidos quanto alcalinos. Outra proteína plasmática, a α1-glicoproteína
nistrada simultaneamente no organismo, (b) alterações configuracionais ácida, também tem demonstrado afinidade com diversos fármacos, sendo
na proteína, sendo a forma alterada estruturalmente capaz de se ligar a capacidade de complexar moléculas de fármacos básicos maior do que
a uma substância administrada simultaneamente, ou (c) a formação de a de fármacos ácidos.

e depois para: escolha no tratamento gráfico desse tipo de dados. A curva-


r tura nestes gráficos indica que há mais de um tipo de sítio
νK − r K (11-41)
[D f ] de ligação.
As equações (11-39) e (11-41) não podem ser aplicadas à
A representação dos dados segundo a equação (11-41) análise de dados quando a natureza e a quantidade de proteína
gera os gráficos de Scatchard.66,67 A ligação da bis-hidroxi- presente na matriz experimental são desconhecidas. Para es-
cumarina à albumina sérica de humanos é mostrada na Figura ses casos, Sandberg e colaboradores68 recomendaram o uso de
11-17, fazendo-se uso de um gráfico de Scatchard. uma expressão modificada da equação (11-41):
O tratamento gráfico de dados utilizando a equação
[Db ]
(11-39) provoca supervalorização dos pontos experimen- K [Db ] ν K [Pt ] (11-42)
tais obtidos em baixas concentrações para o fármaco livre, [Df ]
D, e, por isso, leva à interpretação errônea em relação ao
onde [Db] é a concentração de fármaco ligado. Quando a equa-
comportamento ligante das proteínas quando o fármaco li-
ção (11-42) é plotada como a razão [Db]/[Df] versus [Db], é
vre está em concentrações elevadas. A equação (11-41) não
possível determinar os valores de K, a partir da inclinação, e de
apresenta essa desvantagem, sendo, portanto, o método de
νK[Pt], a partir do intercepto da reta.
O gráfico de Scatchard gera uma reta quando apenas um
tipo de sítio de ligação está presente. Em estudos de liga-
10,5 litro/mol ção de fármacos, com freqüência, existem n tipos de sítios
de ligação, tendo cada tipo, i, diferentes νi sítios com uma
única constante de associação Ki. Nesses casos, o gráfico de
r/[Df] versus r não forma uma reta, e sim uma curva, a qual
Isoterma de sugerirá a existência de mais de um tipo de sítio de ligação.
Langmuir Os dados da Figura 11-17 foram analisados considerando
uma única classe de sítio para fins de simplificação. Os grá-
(mol/ litro × 10 6) ficos a 20 °C e 40 °C mostram claramente que há vários
5,1 litros/mol sítios envolvidos. Blanchard e colaboradores69 revisaram o
caso de sítios múltiplos, o que permitiu a seguinte forma de
expressão para a equação (11-38):
ν1 K 1 [Df ] ν2 K 2 [Df ] νn K n [Df ]
r (11-43)
1 K 1 [Df ] 1 K 2 [Df ] 1 K n [Df ]
ou
Fármaco ligado n
νi K i [Df ]
Proteína total r (11-44)
i 1
1 K i [Df ]
Figura 11-17 Gráfico de Scatchard mostrando a ligação da bis-hidroxicuma-
rina à albumina sérica humana, a 20 e 40 °C, segundo a equação (11–41). A Como mencionado anteriormente, quando os sítios de liga-
extrapolação das duas linhas até o eixo horizontal, pressupondo apenas um ção são todos de um mesmo tipo, basta avaliar ν e K. Quando,
único tipo de sítio receptor e nenhuma interação eletrostática, proporciona pelo contrário, existem n tipos de sítios, as equações (11-43) e
um valor aproximado de 3 para ν. (Retirada, com permissão, de: M. J. Cho, A. (11-44) podem ser escritas da seguinte forma:
G. Mitchell, and M. Pernarowski, J. Pharm. Sci. 60, 196, 1971; 60, 720, 1971.) n−1
νi K i [Df ]
O encarte representa a isoterma de adsorção de Langmuir para os dados de r νn K n [Df ] (11-45)
ligação, obtidos mediante a equação (11–36). i 1
1 K i [Df ]
302 P ATRICK J. S INKO

A constante de ligação, Kn, tem um valor pequeno no A concentração de fármaco no estado livre, não-ligado, Df,
membro direito da equação, o que significa que a afinidade é calculada mediante equação da lei de Beer [equação 4-9 e do
do fármaco pelos sítios de ligação é extremamente fraca. Exemplo 4-4]:
Contudo, isso pode referir-se a um grande número de sítios A bc (11-46)
que, nessa situação, devem ser considerados como sendo onde A é a absorvância espectrofotométrica (sem unidades), ⑀
insaturáveis. é a absortividade molar, determinada de forma independente
para cada fármaco (ver Tabela 4-4, p. 106), c (Df nos estudos
de complexação) é a concentração de fármaco livre presente
Diálise de equilíbrio e ultrafiltração no ultrafiltrado, expressa em mol/litro, e b é o percurso óptico
da célula do espectrofotômetro, normalmente 1 cm. O seguinte
Vários métodos têm sido utilizados para determinar a quan-
exemplo resume as etapas implícitas no cálculo do valor r de
tidade de fármaco ligado a uma proteína. A diálise de equi- Scatchard e o percentual de fármaco ligado.
líbrio, a ultrafiltração e eletroforese constituem as técnicas
clássicas mais utilizadas. Outros métodos, como a filtração
em gel e a ressonância magnética nuclear, têm sido utiliza- EXEMPLO 11-5
dos com sucesso mais recentemente. Neste capítulo, iremos Ligação à albumina sérica humana
discutir a diálise de equilíbrio, a ultrafiltração e os métodos A ligação da sulfametoxipiridazina à albumina sérica de humanos
cinéticos. foi estudada a 25 °C, em pH 7,4, mediante uma técnica de ultrafil-
O procedimento da diálise de equilíbrio foi aperfeiçoado tração. A concentração de fármaco sob estudo, [Dt], foi 3,24 × 10–5
por Klotz e colaboradores,70 de modo a possibilitar o estudo mol/litro e a concentração de albumina sérica humana, [Pt], 1,0 ×
da complexação entre íons metálicos ou pequenas moléculas 10–4 mol/litro. Depois de estabelecido o equilíbrio, a absorvância
e macromoléculas que não podem atravessar membranas se- do ultrafiltrado em 540 nm, A, foi 0,559, utilizando uma célula
mipermeáveis. com 1 cm de percurso óptico, b. A absortividade molar, ⑀, do fár-
Pelo método da diálise de equilíbrio, a albumina sérica maco é 5,6 × 104 litro/mol cm.
(ou outra proteína sob estudo) é colocada em tubos de celulose Calcular o valor do r de Scatchard e o percentual de fármaco
Visking (Visking Corporation, Chicago) ou em uma membrana ligado.
similar de diálise. Os tubos são fixados de modo seguro e sus- A concentração de fármaco livre (não-ligado), [Df], será igual a:
pensos dentro de recipientes contendo o fármaco em diferentes A 0,559
[D f ] = = = 0,99 × 10−5 mol/litro
concentrações. A força iônica e, às vezes, a concentração de íons b (5,6 104 )1
hidrogênio, é ajustada para valores predefinidos, ao mesmo tem-
A concentração de fármaco ligado, [Db], é dada pela
po em que controles e brancos são corridos de modo a registrar a
equação:
adsorção de fármaco e de proteína sobre a membrana. [Db ] = [Dt ] − [Df ] = (3,24 × 10−5 )
Quando há ligação, a concentração de fármaco na bolsa
(0,99 10−5 ) 2,25 10−5 mol/litro
que contém proteína será maior no equilíbrio se comparada
com a concentração de fármaco no recipiente, do lado de fora O valor de r será:
da bolsa. Amostras são retiradas e analisadas de modo a obter [Db ] 2,25 × 10−5
r= = = 0,225
as concentrações de fármaco livre e complexado. [Pt ] 1,0 10−4
A diálise de equilíbrio é a técnica clássica para estudos de O percentual de fármaco ligado será igual a [Db]/[Dt] × 100
ligação a proteínas e continua sendo o método mais difundi- = 69%.
do de todos. Contudo, entre os erros potenciais associados a
esta técnica estão: possível ligação do fármaco à membrana, Um erro potencial vinculado às técnicas por ultrafiltração é
transferência de quantidades substanciais de fármaco do plas- a ligação do fármaco à membrana utilizada. A escolha entre os
ma para o lado tamponado da membrana e deslocamento de métodos por ultrafiltração e por diálise de equilíbrio depende
volumes de líquido para o lado do plasma por efeito osmótico. das características do fármaco. Ambas as técnicas foram com-
Tozer e colaboradores71 desenvolveram várias equações mate- paradas mediante diversos estudos de ligação a proteínas.73-75
máticas para calcular e corrigir a magnitude do deslocamento
de líquido. Briggs e colaboradores72 propuseram uma técnica
modificada de diálise de equilíbrio, visando a minimizar o erro Diálise dinâmica
experimental em determinações com baixos níveis de ligantes
ou de moléculas pequenas. Meyer e Guttman76 desenvolveram um método cinético para
determinar as concentrações de fármaco ligado em uma
Os métodos por ultrafiltração são, talvez, mais apropria-
solução de proteína. Nos últimos anos, o método tem sido
dos para a determinação de rotina, dado que requerem tempo bem-recebido pelo fato de ser relativamente rápido, eco-
de ensaio mais curto. O método de ultrafiltração é semelhante nômico em termos de quantidade necessária de proteína e
ao método da diálise de equilíbrio, uma vez que as macromo- facilmente aplicável em estudos de inibição competitiva na
léculas, como a albumina sérica, é separada das moléculas de ligação com proteínas. Este método é discutido na seqüência
fármaco menores. A pressão hidráulica ou a centrifugação é com maior detalhe. O método denominado diálise dinâmica
utilizada na ultrafiltração para forçar o solvente e as molécu- está baseado na velocidade com que o fármaco desaparece
las pequenas de fármaco não-ligado através da membrana, en- da célula de diálise, a qual é proporcional à concentração de
quanto previne a passagem de retorno do fármaco ligado para a fármaco não-ligado. O aparelho consiste de um béquer de
proteína. O ultrafiltrado assim obtido é analisado por técnicas 400 mL com revestimento térmico (temperatura controlada),
espectrofotométricas ou por outra técnica apropriada. contendo 200 mL de solução tamponada. Uma bolsa de diá-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 303

CONCEITO LIGAÇÃO A PROTEÍNAS


“Ligação a proteínas (LP) desempenha uma função importante na far- ção da PB é a técnica de DE, tida como menos suscetível à ocorrência
macocinética e na farmacodinâmica de fármacos. A magnitude da LP no de artefatos experimentais. Contudo, essa técnica é demorada e não
plasma ou nos tecidos controla o volume de distribuição e afeta tanto a é apropriada para substâncias instáveis, uma vez que exige tempos de
depuração hepática quanto a renal. Em muitos casos, a concentração equilíbrio substanciais (3 a 24 h), dependendo do fármaco, do material
de fármaco livre, mais do que a sua concentração total no plasma, está da membrana e dos dispositivos. Muitos pesquisadores têm utilizado
correlacionada ao efeito (farmacológico). O deslocamento do fármaco do dispositivos de centrifugação próprios da UF em determinações da PB.
complexo fármaco-proteína pode acontecer por concorrência direta de A UF é um método simples e rápido, no qual a centrifugação força o
dois fármacos pelo mesmo sítio de ligação. Isto é da maior relevância tampão contendo o fármaco livre através de uma membrana de exclusão
no caso de fármacos com elevada taxa de ligação (>95%), para os quais por tamanho, atingindo uma separação rápida do fármaco livre daquele
um pequeno deslocamento do sítio de ligação implicaria um aumento ligado à proteína. Contudo, a maior desvantagem deste método é a li-
da concentração de fármaco livre no plasma. Para determinar a fração gação não-específica (LNE) de fármacos às membranas filtrantes e aos
livre (PB) de fármaco, têm sido utilizadas as técnicas de ultrafiltração dispositivos de plástico. Quando o fármaco se liga excessivamente à
(UF), ultracentrifugação, diálise de equilíbrio (DE), cromatografia, espec- membrana de filtração, a concentração no ultrafiltrado poderá se desviar
trofotometria, eletroforese, entre outras. Os aspectos metodológicos da concentração verdadeira”. (Retirado, com permissão, de: K.-J. Lee,
essenciais do estudo da PB incluem a seleção do procedimento do en- R.Mower, T. Hollenbeck, J. Castelo, N. Johnson, P. Gordon, P. J.Sinko, K.
saio, dispositivos e materiais. O método mais comum para a determina- Holme, e Y.-H. Lee, Pharm. Res. 20, 1015, 2003.)

lise de celofane contendo 7 mL de fármaco ou uma solução se uma equação empírica apropriada, que permita o ajuste
de complexo fármaco-proteína é suspensa na solução tam- via computador dos dados em função do tempo, como, por
ponada. Ambas as soluções são agitadas permanentemente. exemplo, a seguinte:
As amostras da solução externa à bolsa de diálise são re-
tiradas continuamente e analisadas por espectrofotometria, [Dt ] C1 e−C2 t C3 e−C4 t C5 e−C6 t (11-48)
repondo-se uma quantidade equivalente de solução tampo- O ajuste dos pontos por computador proporcionará valores
nante na solução externa. O processo de diálise obedece à lei estimados de C1, até C6. Os valores de d[Dt]/dt podem ser as-
da velocidade de difusão:
−d[Dt ]
k[Df ] (11-47)
dt
onde [Dt] é a concentração total de fármaco, [Df], a concen- 1,0
tração de fármaco livre ou não-ligado presente na bolsa de
Concentração de fármaco total, Dt, na bolsa (mol/litro × 103)

diálise, –d[Dt]/dt é a velocidade com que o fármaco sai da 0,7


bolsa de diálise, e k é a constante de velocidade de primeira 0,5
ordem (ver Capítulo 12), representativa de um processo di- II (com proteína)
fusional. O fator k é denominado, às vezes, como constante 0,3
de permeabilidade aparente, em referência à saída de fár-
maco através da membrana da bolsa de diálise. A concentra- 0,2
ção de fármaco não-ligado, [Df], presente na bolsa de diálise
contendo a proteína, considerando uma concentração total
de fármaco [Dt], pode ser calculada aplicando a equação 0,1
(11-45), desde que os valores de k e da velocidade –d[Dt]/
dt sejam conhecidos para uma concentração de fármaco es- 0,07 I (sem proteína)
pecífica, [Dt]. A constante de velocidade, k, pode ser obtida
0,05
da inclinação reta da representação semilogarítmica de [Dt]
versus tempo, conduzindo o mesmo experimento, na ausên-
0,03
cia de proteína.
A Figura 11-18 ilustra o tipo de gráfico de cinética que 0,02
pode ser obtido para esse sistema. Observe que na presença
de proteína, curva II, a velocidade de perda de fármaco a
partir da bolsa de diálise está diminuída em comparação com
0,01
a velocidade de perda na ausência de proteína, curva I. Para
resolver a equação (11-47) em termos de concentração de Tempo (h)
fármaco livre, [Df], é necessário determinar a inclinação da
curva II em vários pontos de tempo. Isso não é feito grafica- Figura 11-18 Gráfico de Meyer e Guttman76 da diálise dinâmica para a de-
mente, mas pode ser realizado de modo preciso utilizando- terminação da concentração de fármaco ligado em uma solução de proteína.
304 P ATRICK J. S INKO

Moléculas
de água

Figura 11-19 Perspectiva em esquema da in-


teração hidrofóbica. (a) Duas moléculas hidro-
fóbicas se encontram em gaiolas separadas,
rodeadas, de modo organizado, por moléculas
de água unidas por ligações de hidrogênio (cír-
culos abertos). O estágio (b) é de alguma forma
favorecido pela quebra das gaiolas de água
Estrutura organizada Interação hidrofóbica mencionadas para (a), originando um arranjo
da água circundando entre as moléculas apolares menos organizado, com aumento da entropia
duas moléculas grandes com deslocamento de do sistema como um todo. A atração de van
e apolares. moléculas de água,
der Waals entre duas espécies hidrofóbicas
dando origem a uma
estrutura mais aleatória. também contribui na interação hidrofóbica.

sim facilmente calculados a partir da equação (11-49), a qual − d[D t] −4


dt = k[d f ] = (5 × 10 )(0 6)e
−0,6(2)

representa a primeira derivada da equação (11-48): + (3 10−4 )(0 4)e−0 4(2) (2 10−4 )(0 2)e−0 2(2)
d[Dt ] onde o (2) no expoente indica tratar-se de 2 h. Logo,
− C1 C2 e−C2 t C3 C4 e−C4 t C5 C6 e−C6 t (11-49)
dt 1 7 × 10−4 mol/litro hr −1
[Df ]2 hr = = 1 7 × 10−4 mol/litro
Finalmente, tendo calculado pelas equações (11-49) e 1 0 hr−1
(11-47) uma série de valores de [Df] correspondentes aos va- e, para 2 h, se conclui que:
lores experimentais de [Dt] para cada tempo t, podemos pro- [Db ] = [Dt ] − [D f ] = 4,2 × 10−4 mol/litro
ceder ao cálculo dos vários termos referentes ao gráfico de
− 1,7 × 10−4 mol/litro = 2,5 × 10−4 mol/litro
Scatchard.
r = [Db ] [Pt ] = (2,5 × 10−4 ) (1 × 10−3 ) = 0 25
Judis77 estudou a ligação do fenol e de alguns dos seus de-
rivados com o soro humano total utilizando a técnica de diálise (r ) [D f ] (0,25) (1,7 10−4 ) 1,47 103 litro/mol
dinâmica, apresentando seus resultados através de gráficos de De modo similar, outros pontos adicionais podem ser calcula-
Scatchard. dos para gráfico de Scatchard, fazendo uso dos dados obtidos para
diferentes pontos ao longo de todo o processo de diálise. Assim,
EXEMPLO 11-6* essa série de cálculos nos possibilita montar um gráfico de Sca-
tchard (ver Figura 11-17).
Calcular os valores de Scatchard
Assumindo-se que os dados cinéticos ilustrados na Figura 11-18
tenham sido obtidos nas seguintes condições: uma concentração Interação hidrofóbica
inicial de fármaco, [Dt0], de 1 × 10–3 mol/litro e uma concentra-
ção de proteína de 1 × 10–3 mol/litro. Assumindo-se, também, que A “ligação” hidrofóbica, primeiramente proposta por Kauz-
o valor da constante de velocidade de primeira ordem, k, para a mann,78 não é realmente uma ligação, mas sim uma tendência
curva-controle (curva I) tenha sido 1,0 h–1 e que os parâmetros da por parte de moléculas hidrofóbicas ou de regiões hidrofóbicas
equação empírica, resultante do ajuste da curva II pela equação de repelir a água, uma vez que não conseguem se acomodar de
(11-48), tenham sido: C1 = 5 × 10–4 mol/litro, C2 = 0,6 h–1, C3 = 3 × forma fácil na estrutura de ligações de hidrogênio. Moléculas
10–4 mol/litro, C4 = 0,4 h–1, C5 = 2 × 10–4 mol/litro e C6 = 0,2 h–1. hidrofóbicas grandes, como proteínas, evitam a todo custo as
Calcular os valores de Scatchard (o gráfico Scatchard foi dis- moléculas de água quando estão em solução aquosa. Isso leva
cutido na seção anterior) para r e r [Df], considerando que durante à formação de estruturas semelhantes a micelas (Capítulo 14),
a diálise em presença de proteína o valor experimentalmente de- orientando as suas partes apolares para as regiões internas de
terminado para [Dt] foi 4,2 × 10–4 mol/litro, após 2 horas. Consi- “micela”, enquanto as partes polares permanecem em contato
dere que r = [Db]/Pt, onde [Db] é a concentração de fármaco ligado com a água. Essa atração das espécies hidrofóbicas, que resulta
e Pt a concentração total de proteína. Assim, aplicando a equação
de uma recepção indesejada dentro da água, é denominada liga-
(11-49) teremos que:
ção hidrofóbica, ou, o que seria melhor, interação hidrofóbica.
* O Exemplo 11-6 foi preparado pelo Prof. M. Meyer, da Universidade de Esta envolve forças de van der Waals, ligações de hidrogênio
Tennessee. entre moléculas de água na forma de uma estrutura tridimensio-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 305

nal e outros tipos de interação. A interação hidrofóbica é favo- tes na água líquida e passa a associar-se com a água mediante
recida do ponto de vista termodinâmico, devido ao aumento da ligações de hidrogênio, tendo, assim, participação ativa na cons-
desordem ou da entropia das moléculas de água, que é acompa- tituição de estruturas reticulares mais abertas.84
nhado pela associação das moléculas apolares e que resulta na O salicilato de sódio aumenta a absorção de uma série de
expulsão das moléculas de água. Acredita-se que as proteínas fármacos que apresentam auto-associação. Touitou e Fisher85
globulares mantenham sua forma esférica em água devido ao escolheram o azul de metileno como substância-modelo para
efeito hidrofóbico. Uma representação esquemática da intera- estudar o efeito do salicilato de sódio sobre moléculas que se
ção hidrofóbica é dada na Figura 11-19. auto-associam mediante um processo de empilhamento mole-
Nagwekar e Kostenbauder79 estudaram efeitos hidrofó- cular. O azul de metileno é um corante aromático de estrutura
bicos em ligações de fármacos utilizando como modelo de plana, que forma dímeros, trímeros e agregados ainda maiores
proteína um copolímero de vinilpiridina e vinilpirrolidona. em meio aquoso. Os autores verificaram que o salicilato de
Por sua vez, Kristiansen e colaboradores80 estudaram os efei- sódio é capaz de prevenir auto-associação do azul de metileno.
tos de solventes orgânicos sobre a diminuição na formação de A inibição da agregação na insulina porcina pelo salicilato de
complexos entre moléculas pequenas e em meio aquoso. Os metila resulta em aumento da sua solubilidade em 7875 ve-
autores assinalaram uma contribuição importante à interação zes.86 Amostras de heparina comercial tendem a sofrer agrega-
por ligação hidrofóbica entre as espécies orgânicas e a diversos ção durante a sua armazenagem, dependendo de fatores como
efeitos inerentes à estrutura da água. Também sugeriram que temperatura e tempo de armazenagem.87
algum mecanismo “doador-aceptor”, diferente dos mecanis-
mos clássicos, poderia estar operando no sentido de favorecer
a estabilidade dos complexos formados. Fatores que afetam a complexação e a ligação a
Feldman e Gibaldi81, ao estudar os efeitos da uréia, metilu- proteínas
réia e 1,3-dimetiluréia sobre a solubilidade dos ácidos benzóico
e salicílico em solução aquosa, concluíram que o aumento da so- Kenley e colaboradores54 estudaram a hidrofobia na formação
lubilidade pela uréia e seus derivados foi produto da ligação hi- de complexos hidrossolúveis. O logaritmo do coeficiente de
drofóbica, mas não da complexação. A uréia seria capaz de rom- partição do ligante entre octanol e água foi escolhido como uma
per as ligações de hidrogênio do cluster de moléculas de água ao medida da hidrofobia do ligante. Os autores encontraram uma
redor das moléculas de soluto apolar, aumentando a entropia do correlação significativa entre a constante de estabilidade dos
sistema e criando a força motriz necessária para dissolver os áci- complexos e a hidrofobia dos ligantes. Uma vez que todas as
dos benzóico e salicílico. É provável que as moléculas da uréia substâncias estudadas não apresentam carga nas condições ex-
e seus derivados formem complexos tubulares com esses ácidos perimentais estudadas, o efeito das forças eletrostáticas não foi
orgânicos, como mostrado na Figura 11-3a, b, e c. tido como importante. As propriedades doador-aceptor, expres-
No organismo, a interação entre fármacos e proteínas pode sas em termos de energias de orbital (a partir de cálculos de quí-
envolver ligações hidrofóbicas, ao menos em parte, e essa for- mica quântica), e as forças relativas doador-aceptor mostraram
ça, por sua vez, pode afetar o metabolismo, excreção e a ativi- uma correlação apenas escassa com as constantes de formação
dade biológica de um determinado fármaco. dos complexos. Foi sugerido que a hidrofobia do ligante contri-
bui com a maior parcela na formação de complexos hidrosso-
lúveis. Coulson e Smith88 determinaram que um análogo mais
Auto-associação hidrofóbico que a clorobiocina foi o que apresentou o maior
percentual de fármaco ligado à albumina sérica humana. Os au-
Algumas moléculas de fármacos podem se auto-associar para tores sugeriram que análogos da clorobiocina se ligam à albu-
formar dímeros, trímeros ou agregados de dimensões maiores. mina humana no mesmo sítio que a varfarina. Este sítio é cons-
Um elevado grau de associação pode, inclusive, levar à forma- tituído por duas regiões hidrofóbicas não-coplanares e por um
ção de micelas, dependendo da natureza da molécula (Capítu- grupo catiônico. A varfarina, um fármaco anticoagulante, serve
lo 16). A doxorrubicina forma dímeros mediante um processo como fármaco-modelo em estudos de ligação a proteínas, uma
influenciado pela composição e pela força iônica do tampão.
A formação de tetrâmeros é favorecida por uma agregação do
tipo empilhamento (stacking) hidrofóbico.82 A auto-associação
pode afetar a solubilidade, a difusão e o transporte através de
TABELA 11-8
membranas, assim como a ação terapêutica do fármaco. A insu-
lina sofre uma auto-associação dependente da concentração que PARÂMETROS DE LIGAÇÃO (± DESVIO-PADRÃO)
conduz a complicações no tratamento do diabete. A agregação é PARA VARFARINA NA PRESENÇA DE FÁRMACOS
de particular importância nos dispositivos de insulina de longa COMPETIDORES*
duração, tendo sido observada a formação de cristais de insuli-
na. A etapa inicial da auto-associação da insulina envolve inte- Varfarina racêmica
rações hidrofóbicas entre os monômeros que levam à formação Fármaco que compete n K × 10–5M–1
de dímeros, os quais se associam posteriormente em agregados Nenhum 1,1 ± 0,0 6,1 ± 0,2
maiores. O processo é favorecido por altas concentrações de in- Azapropazona 1,4 ± 0,1 0,19 ± 0,02
sulina.83 A adição de uréia em concentrações não-tóxicas (1,0 a Fenilbutazona 1,3 ± 0,2 0,33 ± 0,06
3,0 mg/mL) tem mostrado ser capaz de inibir a auto-associação Naproxeno 0,7 ± 0,0 2,4 ± 0,2
da insulina. A uréia rompe a estrutura dos “icebergs”* presen- Ibuprofeno 1,2 ± 0,2 3,1 ± 0,4
Ácido mefenâmico 0,9 ± 0,0 3,4 ± 0,2
Tolmetina 0,8 ± 0,0 12,6 ± 0,6
* Retirada com autorização de: F. J. Diana, K. Veronich and A. L. Kapoor, J.
* N. de T.: O termo iceberg se refere à estrutura organizada da água, também
Pharm. Sci. 78, 195, 1989.
denominada de cluster cristalino.
306 P ATRICK J. S INKO

vez que, embora se ligue de forma extensiva, o faz fracamente. Se os valores de K para duas temperaturas são conhecidos,
Assim, muitos fármacos são capazes de competir com a varfari- se pode utilizar a equação:
na, deslocando-a dos sítios de ligação. Esse deslocamento pode K2 H◦ T2 − T1
resultar em aumento súbito da fração de varfarina livre (não- log (11-52)
ligada) no plasma, provocando quadros de intoxicação pelo fato K1 2 303R T1 T2
de apenas a fração livre ser a fração farmacologicamente ativa. A variação da entropia-padrão, ΔS°, é obtida a partir da
Diana e colaboradores89 estudaram o deslocamento da varfarina equação:
por fármacos antiinflamatórios não-esteróides. A Tabela 11-8 G◦ H ◦ T S◦ (11-53)
mostra a variação da constante de estabilidade, K, e o número
de sítios de ligação, n, para complexos de albumina e varfarina Andrews e Keefer demonstraram que ΔH° e ΔS° geral-
92

após adição do fármaco competidor. A azapropazona diminui mente se tornam mais negativas à medida que aumenta a cons-
acentuadamente o valor de K, sugerindo que ambos os fárma- tante de estabilidade da complexação molecular. Na medida em
cos, varfarina e azapropazona, competem pelo mesmo sítio de que a ligação entre doador e aceptor é mais forte, seria de se
esperar que ΔH° passasse a ter valores negativos maiores. Apa-
ligação na albumina. A fenilbutazona também compete forte- rentemente, a especificidade dos sítios de interação ou o impe-
mente por esse sítio de ligação. De modo contrário, a tolmetina dimento estrutural, ao ficaram mais evidentes, levam a valores
pode aumentar o valor de K, o que, segundo os autores, se deve negativos de ΔS° também maiores. Embora um valor negativo
a uma alteração conformacional da molécula de albumina que de ΔS° seja desfavorável para a complexação, o caráter negativo
favorece a ligação da varfarina. Outros fármacos diminuem o de ΔH° resulta ser elevado o suficiente para se contrapor ao efei-
valor de K da varfarina em uma magnitude menor (ver Tabela to negativo da entropia, o que determina um valor negativo para
11-8), indicando que não compartilham de modo exclusivo o ΔG°. Ver Tabela 11-11, quarta coluna. Os resultados de Borazan
mesmo sítio de ligação com a varfarina. e colaboradores58 referentes à complexação por transferência de
Plaizier-Vercammen,90 ao estudar o efeito de solventes or- carga de ácidos nucléicos pelo catecol são mostrados na Tabela
gânicos polares sobre a ligação do ácido salicílico à povidona, 11-7. Esses resultados são opostos à generalização acima des-
demonstrou que, em misturas de água-etanol e água-propileno- crita. Pode-se observar que o complexo uracila-catecol apresen-
glicol, a constante de estabilidade do complexo diminuía à me- ta valores negativos de ΔH° e ΔS° mais acentuados do que os
dida que a constante dielétrica do meio também era diminuída. vistos para a interação adenina-catecol; porém, a constante de
Esta dependência foi atribuída à interação hidrofóbica e pode complexação do complexo uracila-catecol é muito menor quan-
ser explicada da seguinte maneira. O abaixamento da cons- do comparada com a da interação adenina-catecol.
tante dielétrica é acompanhado da diminuição da polaridade
do meio aquoso. Considerando que a maioria dos fármacos é
menos polar do que a água, a sua afinidade pelo meio aumenta
quando a constante dielétrica diminui. Como resultado disso, a TABELA 11-9
ligação a macromoléculas sofre redução. CONSTANTE DE LIGAÇÃO E FUNÇÕES TERMODINÂMICAS
A ligação a proteínas tem sido relacionada com o parâme- PARA A INTERAÇÃO ENTRE PTSAS E COPOLÍMEROS DE
tro de solubilidade δ de fármacos (ver parâmetro de solubilidade, ALQUÍLICOS NA FAIXA DE TEMPERATURA DE 15 °C a 37 °C *†
p. 259). Ao estudarem uma série de sulfonamidas, Bustamante e
Selles91 determinaram que a porcentagem de fármaco ligado à Temperatura K ΔG° ΔH° ΔS°
albumina apresentou o seu valor máximo quando δ = 12,33 cal1/2 (°C) (litros/mol) (cal/mol) (cal/mol) (cal/mol K)
cm–3/2. Este valor é bastante próximo do valor de δ do sítio de Etil-copolímero-PTSAS
ligação proposto para sulfonamidas, sugerindo que, quanto maior 15 46,00 −2193
é a proximidade entre o parâmetro de solubilidade do fármaco e o 30 46,66 −2316 458 9,21
δ do seu sítio de ligação, maior será a capacidade de ligação. 37 50,00 −2414
Propil-copolímero-PTSAS
15 61,00 −2354
30 85,70 −2683 4068 22,32
TRATAMENTO TERMODINÂMICO DAS CONSTANTES DE 37 102,14 −2853
Butil-copolímero-PTSAS
ESTABILIDADE 15 52,84 −2272
30 55,00 −2430 1373 12,64
A variação da energia livre-padrão de complexação está re- 37 63,28 −2558
lacionada, geralmente, com constante de estabilidade, K, (ou Pentil-copolímero-PTSAS
com qualquer uma das constantes de formação do complexo) 15 62,80 −2372
mediante a equação (p. 92) 30 111,00 −2837 5611 27,77
◦ 37 127,20 −2987
G 2 303RT log K (11-50)
Hexil-copolímero-PTSAS
A variação da entalpia-padrão, ΔH°, pode ser calculada a 15 63,36 −2377
partir da inclinação da reta de um gráfico de log K versus 1/T, 30 94,80 −2743 4728 24,41
segundo a seguinte equação: 37 108,08 −2888
* Abreviatura: PTSAS = p-toluenossulfonato de sódio.
H◦ 1 †
Retirada com atualização de: J. B. Nagwekar and H. B. Kostenbauder, J.
log K constante (11-51) Pharm. Sci. 59, 751, 1970.
2 303R T
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 307

Moléculas de água menos


organizadas do que em (a) resultando
em aumento da entropia

Figura 11-20 Interação do ânion do ácido p-toluenossulfônico com uma unidade vinilpiridina carregada posi-
tivamente, com deslocamento de água. As gaiolas em forma de iceberg ao redor das duas espécies iônicas (a)
são desestruturadas na complexação do ânion e do cátion e, em (b), a entropia do sistema é aumentada, favore-
cendo o processo. Os círculos representam moléculas de água parcialmente unidas por ligações de hidrogênio
(Ver também Figura 11-19).

Nagwekar e Kostenbauder79 utilizaram copolímeros alquíli- 25 °C. Calcular ΔG °, ΔH° e ΔS° a 25 °C.
cos de vinilpiridina-vinilpirrolidona para testar a força de ligação Teremos que:
do fármaco-modelo p-toluenossulfonato de sódio (PTSAS) e cal- ΔG ◦ = −2 303RT log K = −2 303 × 1 987 × 298 × 20 1
cular os respectivos parâmetros termodinâmicos. A constante de
ΔH ◦ 298 − 273
ligação, K (litro/mol), e os valores termodinâmicos da interação = −27 4 kcal mol log K2 − log K1 =
do PTSAS com os diferentes alquil-copolímeros, de 15 °C a 37 2 303 R 298 × 273
°C, estão contidos na Tabela 11-9. Conforme a série de homólo- (20 1 − 21 3)2 303 × 1 987 × 298 × 273
ΔH ◦ =
gos dos copolímeros alquilados ascende, os valores das constan- 25
tes de ligação aumentam seguindo um padrão em meandro ou em = −17 9 kcal mol
ziguezague. Assim, o valor de K de um polímero com número
◦ ◦
ímpar de carbonos na cadeia alquilada aparece sendo maior que ΔH − ΔG −17 9 + 27 4
ΔS◦ = = = +32 cal (k mol)
o K do próximo membro da série com número par de carbonos. T 298
Os valores de K e as funções termodinâmicas (ΔG° negativo, ΔH°
e ΔS° positivos) aumentam, contudo, à medida que aumenta o A variação positiva de entropia do Exemplo 11-7 é carac-
tamanho da cadeia alquílica para uma série de alquil-polímeros terística de uma quelação. Isso acontece porque as moléculas
pares ou ímpares. Ainda que o processo de ligação seja endotér-
de água, que normalmente estão arranjadas de forma ordenada
mico (ΔH° positivo), o efeito do maior aumento na entropia na
ao redor do ligante* e do íon metálico, passam a adquirir uma
complexação determinou uma energia livre negativa.
A ligação nesses complexos moleculares pode ser conside- configuração mais aleatória como resultado da quelação, de
rada um tipo de interação hidrofóbica, onde o ânion do ácido p- modo semelhante ao visto para a ligação hidrofóbica. Isso é
toluenossulfônico interagiria com unidades de vinilpiridina car- citado como sendo um ganho da entropia configuracional. Este
regadas positivamente, produzindo a expulsão de moléculas de efeito foi demonstrado claramente por Calvin e Melchior,94
água que originalmente circundavam, na forma de uma estrutura que complexaram o íon de aldeído salicílico-5-sulfonato (A)
ordenada similar a um iceberg, tanto o copolímero quanto o PT- com o íon cúprico. Em solução aquosa, os íons normalmente
SAS (Figura 11-20). Quando a ligação ocorre entre moléculas se encontram hidratados com certo número de moléculas de
de copolímero e PTSAS, a estrutura de iceberg da água é par- água, as quais são deslocadas dos seus sítios quando o com-
cialmente destruída e se torna menos organizada. Aparentemente, plexo é formado. Assim, o arranjo organizado do solvente ao
esse é o motivo do aumento da entropia de complexação (ΔS° redor dos íons desaparece e a entropia do sistema aumenta.
positiva), como mostrado na Tabela 11-9. Uma representação do processo seria:

EXEMPLO 11-7 * O termo ligante deriva de “ligate” – unir – e é um termo geral com o sig-
Calcular a entropia de complexação nificado de agente que une. O ligante aqui referido se trata de uma grande
molécula ligada ao metal central. De modo oposto, nos complexos mole-
Basolo93 obteve os seguintes resultados para a complexação entre culares o ligante é um fármaco (a molécula menor) e a proteína, o polipep-
etilenodiamina e o íon cúprico: log K = 21,3 a 0 °C e log K = 20,1 a tídio e outros constituem a molécula maior.
308 P ATRICK J. S INKO

Antralina Dantrona

Figura 11-21 Decomposição da antralina produzindo dantrona.

Cu2 · (H2 O)x 2A · (H2 O) y CuA2 z(H2 O); entalpia atua como a força impulsora e determina uma varia-
S 100 cal K ção de energia livre negativa (ver Tabela 11-11, coluna 4).
Plaizier-Vercammen e De Nève96 estudaram as forças de in-
onde x e y representam as moléculas de água ligadas e z o nú- teração entre alguns ligantes e a povidona, chegando a interpretar
mero de moléculas livres na solução. a termodinâmica da ligação. A influência da dissociação do li-
A diminuição da carga iônica, que normalmente acompa- gante sobre ΔG°, ΔH°, ΔS° e sobre a constante de equilíbrio, K, é
nha a complexação de ligantes polidentados (quelação), tam- mostrada na Tabela 11-10. À medida que o grau de dissociação
bém diminui a possibilidade de hidratação e leva a um aumento aumenta, ΔH° se torna mais negativa e ΔS° diminui. Observa-se
adicional da entropia. A variação de entropia implícita na com- que quando a ligação é exclusivamente devida a ligações de hi-
plexação de ligantes monodentados e em interações eletrônicas drogênio, tanto ΔH° quanto ΔS° seriam, em princípio, negativas
do tipo doador-aceptor (complexação molecular), ao contrário, (ver Tabela 11-11). Contudo, ΔS° é positiva, o que seria atribuído
é acompanhada normalmente por uma ΔS° negativa. Este efeito a interações eletrostáticas ou a interações hidrofóbicas (ver Ta-
é devido a um aumento no ordenamento das espécies mediado bela 11-11). O fato de a constante dielétrica do meio ter uma
pela complexação. Geralmente, esses complexos não são tão es- influência positiva sobre a ligação e o de a povidona não apre-
táveis quanto os quelatos, sendo que a sua formação não é acom- sentar grupos ionizáveis sugerem a influência sobre a ligação das
panhada pela mesma magnitude de deslocamento do solvente interações hidrofóbicas, mas não das de natureza eletrostática. O
disposto ao redor dos íons. A antralina, um fármaco antipsori- valor positivo de ΔS° é causado pela desorganização da estrutura
ásico, se decompõe rapidamente em soluções aquosas, em pH de iceberg da água que rodeia tanto o polímero quanto o fármaco.
próximo da neutralidade, produzindo principalmente dantrona Os valores negativos de ΔH° podem ser atribuídos a interações de
(Figura 11-21). Os parâmetros termodinâmicos de ligação da van der Waals ou a ligações de hidrogênio, as quais, junto com a
dantrona à albumina sérica bovina, a 25 °C, são: ΔG° =−8,03 interação hidrofóbica, determinariam a formação do complexo.
kcal/mol, ΔH° = –11,8 kcal/mol e ΔS° = –12,6 kcal/mol K.*95 O valor de ΔH° pode ser calculado a partir da equação
O valor negativo da ΔS° indica que o efeito das forças eletrostá- (11-51), mediante um gráfico de log K versus 1/T. A inclinação
ticas não é importante. (Forças eletrostáticas causam variações da reta corresponde a –ΔH°/(2,303R) e, do modo mais básico,
de entropia positivas, que favorecem o processo de ligação.) O pode ser calculada pela interpolação geométrica da equação
valor elevado de ΔH°, da mesma forma que o valor negativo de de dois pontos: Inclinação = (Y2 – Y1)/(X2 – X1). Porém, o mé-
ΔS°, sugerem ligações de hidrogênio entre a dantrona e o sítio todo da regressão linear de log K versus 1/T é, sem dúvida, o
de ligação na albumina. O grupo carbonila localizado na posi-
ção 10 da dantrona (ver Figura 11-21) é capaz de formar pontes
de hidrogênio com o triptofano da albumina sérica bovina, o
qual atua como doador de prótons:
TABELA 11-10
CONSTANTES DE LIGAÇÃO, K E FUNÇÕES
TERMODINÂMICAS PARA A INTERAÇÃO DA SALICILAMIDA
(pKa = 8,2) COM A POVIDONA A 25 °C*

Triptofano Grau de ΔG° ΔH° ΔS°


pH dissociação K(M–1) (kcal/mol) (kcal/mol) (kcal/mol)
A entropia negativa não favorece a complexação, porém, 5,0 0,00063 9,3 −5,4 −0,5 16,5
por causa da ligação de hidrogênio, o maior valor negativo da 7,2 0,091 8,6 −5,4 −2,1 10,9
9,2 0,909 2,1 −4,5 −3,2 4.6
* N. de T.: No original desta obra, a expressão e.u. (entropy units) aparece * Retirada de: J. A. Plaizier-Vercammen and R. E. De Nève, J. Pharm. Sci. 71,
várias vezes. No presente contexto, e.u. foi substituída por kcal/mol K. 552, 1982. O grau de dissociação foi calculado utilizando a equação (13-77).
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 309

na realidade pode ser escrita como ΔS°/2,303R. Em outras


TABELA 11-11 palavras,
FUNÇÕES TERMODINÂMICAS POSITIVAS E NEGATIVAS
H◦ 1 S◦
QUE RESULTAM DE ALGUNS TIPOS DE INTERAÇÃO log K (11-54)
2 303R T 2 303R
Sinal
Comparando essa equação com as equações (11-50) e
−ΔG° é (11-53), podemos verificar que a constante da equação (11-51)
Tipo de interação ΔH° ΔS° favorecida por vale, de fato, ΔS°/2,303 R. Portanto, ΔS° permanece basica-
Eletrostática ~0 + +ΔS mente constante em aproximadamente –14 cal/mol K, ao lon-
Hidrofóbica + + + ΔS° elevada go dessa faixa de temperatura. Também seria possível calcular
Quelação (ligante − + +ΔS° e/ou –ΔH° o valor de ΔS° na equação (11-54) a partir do intercepto sobre
polidentado) o eixo vertical do gráfico log K versus 1/T. Da temperatura am-
Doador-aceptor − − −ΔH° biente até o ponto de interseção, onde 1/T = 0 ou T = ∞, a ex-
(ligação de hidrogênio e trapolação perde a validade, mas o cálculo pode ser realizado
quelação [ligante pelo método dos mínimos quadrados com auxílio do compu-
monodentado]) tador ou de uma calculadora de bolso apropriada. A projeção
Desenrolamento de + + +ΔS visual da linha através dos pontos e com ajuda de uma regra
proteína pode conduzir a um erro considerável na estimativa do ponto
de interseção. O valor obtido pelo método dos mínimos qua-
drados e da equação (11-54) fornece um valor de ΔS° = –14,4
cal/mol K, que coincide com o valor médio de –14 cal/mol K
mais correto. Várias calculadoras de bolso permitem o cálculo obtido no Exemplo 11-8.
automático da regressão linear pelo método dos mínimos qua- A Tabela 11-11 resume, de modo qualitativo, os valores de
drados, fornecendo os valores da inclinação e do intercepto da ΔH° e ΔS° que seriam esperados, dependendo do tipo de inte-
reta, assim como alguns parâmetros estatísticos como o coefi- ração verificada na formação do complexo. A coluna 4 mostra
ciente de correlação, r. a principal contribuição, quer seja de ΔH° ou de ΔS°, neces-
sária para atingir um valor de ΔG° negativo, isto é, favorável.
Por exemplo, para as interações dos tipos doador-aceptor e por
EXEMPLO 11-8
ligação de hidrogênio, um valor negativo ΔH° muito grande so-
Calcular ΔG° e ΔS° brepuja o efeito desfavorável (negativo) da variação da entro-
Na Tabela 11-7 estão contidas as constantes de associação, K, para pia e conduz a um valor negativo, favorável, de ΔG°. De modo
a interação entre uracila e catecol, nas temperaturas de 6 °C, 18 °C, oposto, a variação positiva da entropia aparece como o principal
25 e 37 °C. Calcular ΔH°, ΔG° e ΔS° para essa reação de comple- fator no desenrolamento de proteínas e faz com que ΔG° seja
xação, considerando a faixa de temperatura de 6 a 37 °C. negativa, apesar do valor positivo (desfavorável) de ΔH°.
Quando os quatro valores de log K e dos respectivos valores
de 1/T (T em kelvin) são processados em uma calculadora de bol- Referências
so, com um programa de regressão linear utilizando a equação
(11–51), a inclinação obtida é –776,65. Logo, o valor de ΔH° = 1. L. Pauling, The Nature of the Chemical Bond, Cornell University Press,
–776,65 × 1,987 × 2,303 = –3554 cal/mol. Ithaca, N.Y., 1940, p. 81.
Para essa reação de complexação, ΔH° é constante para a 2. G. Canti, A. Scozzafava, G. Ciciani and G. Renzi, J. Pharm. Sci. 69,
faixa de temperatura que vai de 6 a 37 °C. ΔG°, pelo contrá- 1220, 1980.
rio, terá valores diferentes para cada temperatura (onde ΔG° 3. P. Mohanakrishnan, C. F. Chignell and R. H. Cox, J. Pharm. Sci. 74, 61,
= –2,303RT log K). Agora, como ΔS° = – (ΔG° – ΔH°)/T, é 1985.
de se esperar, conseqüentemente, que ΔS° venha também a ter 4. J. E. Whitaker and A. M. Hoyt, Jr., J. Pharm. Sci. 73, 1184, 1984. 5. A.
valores diferentes para cada uma dessas temperaturas. Median- E. Martell and M. Calvin, Chemistry of the Metal Chelate Compounds,
te essas equações podemos calcular ΔG° e ΔS°, obtendo os se- Prentice Hall, New York, 1952.
guintes resultados: 6. L. B. Clapp, in J. R. Bailar, Jr. (Ed.), The Chemistry of the Coordination
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ΔG°cal/mol 396 560 675 830
ΔS°cal/mol K −14 −14 −14 −14 9. T. Higuchi e J. L. Lach, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 43, 349, 525, 527,
1954; T. Higuchi and D. A. Zuck, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 42, 132,
1953.
10. T. Higuchi and L. Lachman, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 44, 521, 1955;
A partir desses valores podemos aprender que, embora
L. Lachman, L. J. Ravin and T. Higuchi, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed.
ΔG° varie consideravelmente para as quatro temperaturas con-
45, 290, 1956; L. Lachman and T. Higuchi, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed.
sideradas, ΔS°, da mesma forma que ΔH°, permanece pratica-
46, 32, 1957.
mente constante. De fato, a constante na equação (11-51), 11. T. Higuchi and I. H. Pitman, J. Pharm. Sci. 62, 55, 1973.
H◦ 1 12. P. York and A. Saleh, J. Pharm. Sci. 65, 493, 1976.
log K constante 13. A. Marcus, Drug Cosmet. Ind. 79, 456, 1956.
2 303R T
310 P ATRICK J. S INKO

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12 DIFUSÃO
3
13 LIBERAÇÃO E DISSOLUÇÃO DE FÁRMACOS
14 BIOFARMÁCIA
15 CINÉTICA QUÍMICA E ESTABILIDADE
3
FENÔMENOS CINÉTICOS
12
12 DIFUSÃO

INTRODUÇÃO EQUIPAMENTOS E PROCEDIMENTOS PARA


Absorção e eliminação de fármacos AVALIAR A DIFUSÃO DE FÁRMACOS
Liberação de fármacos
DIFUSÃO BIOLÓGICA
Osmose
Absorção gastrintestinal de fármacos
Ultrafiltração e diálise
Hipótese de pH-partição
DIFUSÃO NO ESTADO ESTACIONÁRIO Modificação do princípio de pH-partição
Embasamento termodinâmico
PRINCÍPIOS BÁSICOS DA LIBERAÇÃO DE
Leis de difusão de Fick
FÁRMACOS
Segunda lei de Fick
Liberação de fármacos de ordem zero
Estado estacionário
Lag time
Forças motoras da difusão
Fármacos em matrizes poliméricas
DIFUSÃO ATRAVÉS DE MEMBRANAS Liberação a partir de matrizes granulares:
Difusão constante através de um filme fino e porosidade e tortuosidade
resistência difusional Fármacos solúveis em matrizes e veículos tópicos
Permeabilidade
SEGUNDA LEI DE FICK COMO PONTO DE
Exemplos de difusão e coeficiente de permeabilidade
PARTIDA
Difusão em multicamadas
Difusão em sistemas fechados
Controle por membrana e controle por camada de
Difusão em sistemas com uma fronteira aberta
difusão
Lag time no caso de controle por camada de difusão

OBJETIVOS DO CAPÍTULO
Ao concluir este capítulo, o INTRODUÇÃO
estudante deverá estar apto a:

1 Definir difusão e descrever exemplos relevantes às Ciên- Os Capítulos 12 a 15 compreendem os fenômenos cinéticos
cias Farmacêuticas e à prática de Farmácia. encontrados nas Ciências Farmacêuticas. Os fundamentos da
2 Entender os processos de diálise, osmose e ultrafiltração e difusão são discutidos neste capítulo; nos capítulos subseqüen-
como eles se aplicam às Ciências Farmacêuticas e à práti- tes, consideram-se a dissolução e liberação de fármacos (Ca-
ca de Farmácia. pítulo 13), biofarmácia (Capítulo 14) e estabilidade e cinética
3 Descrever os mecanismos de transporte de sistemas far- química (Capítulo 15).
macêuticos e identificar aqueles baseados na difusão. A livre difusão de substâncias através de líquidos, sólidos
4 Definir e entender as leis de difusão de Fick e suas aplica- e membranas é um processo de considerável importância para
ções. as Ciências Farmacêuticas. Os tópicos de fenômeno de trans-
porte de massa aplicados às Ciências Farmacêuticas incluem
5 Calcular o coeficiente de difusão, de permeabilidade e o
lag time. dissolução e liberação de fármacos a partir de comprimidos,
pós e grânulos; a liofilização; a ultrafiltração e outros proces-
6 Relacionar permeabilidade à constante de velocidade e à
sos mecânicos; a liberação a partir de ungüentos e bases de
resistência.
supositórios; a passagem do vapor de água, gases, fármacos e
7 Entender os conceitos de estado de equilíbrio e condições adjuvantes de formas farmacêuticas através de revestimentos,
sink, membrana e controle de difusão. embalagens, filmes, paredes de recipientes plásticos, lacres e
8 Descrever as várias forças de difusão, absorção e elimina- cápsulas; e a permeação e distribuição de moléculas de fárma-
ção de fármacos. cos em tecidos vivos. Este capítulo trata das bases fundamen-
9 Descrever a difusão em multicamadas e calcular a perme- tais da difusão em sistemas farmacêuticos.
abilidade dos componentes. Existem várias maneiras de um soluto ou solvente atraves-
10 Calcular a liberação de fármaco a partir de um sólido ho- sar uma membrana física ou biológica. O primeiro exemplo (Fi-
mogêneo. gura 12-1) representa o fluxo de moléculas através de uma bar-
316 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO DIFUSÃO
A difusão é definida como o processo de transferência de massa de mo- ação em uma determinada célula. Por outro lado, o tempo de vida de um
léculas individuais de uma substância, trazidas por meio de movimentos medicamento pode ser significativamente reduzido se sua embalagem e
moleculares aleatórios, e está associada a forças como o gradiente de sistema de fechamento não prevenirem perdas do fármaco ou do solvente
concentração. A transferência de massa de um solvente (p. ex., água) ou ou, ainda, se não impedirem a absorção de vapor de água. Estes e muitos
um soluto (p. ex., um fármaco) constitui a base de muitos fenômenos im- outros fenômenos importantes têm como base a difusão. A liberação de
portantes da área farmacêutica. Por exemplo, é necessário ocorrer a di- fármaco a partir de vários sistemas de liberação, a absorção e eliminação
fusão através das membranas biológicas para que um fármaco possa ser de fármacos, a diálise, a osmose e a ultrafiltração são exemplos aborda-
absorvido e eliminado do corpo e também para que este alcance o alvo de dos neste e em outros capítulos.

reira física, tal com uma membrana polimérica. A passagem da transpiração da epiderme (ver Figura12-19). Possivelmente, a
matéria através de uma barreira sólida pode ocorrer por simples melhor representação de uma membrana em escala molecular
permeação molecular ou por movimentos da matéria através seja um emaranhado de fibras poliméricas com canais ramifi-
de poros ou canais. A difusão molecular ou permeação através cados e cruzados, como mostra a Figura12-1c. Dependendo
de meios não-porosos depende da solubilidade das moléculas do tamanho e da forma das moléculas difusoras, elas podem
permeantes na membrana (Figura 12-1a), enquanto que um passar através de poros tortuosos formados pela sobreposição
segundo processo envolve a passagem da substância através das fibras do polímero. Se esta tortuosidade for muito grande
de poros da membrana preenchidos por solvente (Figura no transporte por canais, as moléculas difusoras podem se dis-
12-1b) e é influenciado pelo tamanho relativo das moléculas solver na matriz polimérica e passar através do filme por difu-
permeantes e pelo diâmetro e forma dos poros. O transporte de são simples. A difusão também tem um papel importante no
fármaco através de uma membrana polimérica envolve a sua transporte de fármacos e nutrientes nas membranas do cérebro,
dissolução na matriz da membrana e é um exemplo de difusão do intestino, dos rins e do fígado. Além da difusão através de
molecular simples. O segundo exemplo diz respeito ao trans- membranas lipídicas, vários outros mecanismos de transporte
porte de fármaco e de solvente através da pele. A passagem de têm sido caracterizados em membranas biológicas, incluindo
moléculas de esteróides com substituintes hidrofílicos através o transporte mediado por carreador, energia-dependente ou
da pele humana pode envolver, predominantemente, o trans- energia-independente, assim como a difusão através de espa-
porte através de folículos pilosos, ductos sebáceos e poros de ços paracelulares entre as células. Os diversos mecanismos de

Difusão
através de
um filme Difusão através
homogêneo de poros
contendo solvente
(geralmente água)

Difusão através
e/ou entre as
fibras de uma
membrana fibrosa

Figura 12-1 (a) Membrana homogênea, sem poros. (b) Membrana de material denso com poros através de sua
superfície, como em certas barreiras de enchimento, como o Nucleopore. (c) Membrana de celulose usada em
processos de filtração, que mostra a natureza entrelaçada das fibras e a tortuosidade dos canais.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 317

transporte através das membranas serão abordados mais adian- com ou sem um agente osmótico) revestido por uma membra-
te, neste capítulo. na semipermeável. Na membrana semipermeável há um orifí-
Vários processos baseados na difusão, com importância cio para que o fármaco seja liberado da bomba. A forma far-
na área farmacêutica, serão abordados neste e nos capítulos macêutica, após o contato com fluidos aquosos, absorve água
subseqüentes. em uma razão determinada pela permeabilidade ao fluido da
membrana e pela pressão osmótica do núcleo da formulação. A
entrada por osmose da água resulta em elevada pressão hidros-
Absorção e eliminação de fármacos tática dentro da bomba, a qual faz com que o fluxo da solução
de fármaco saia pelo orifício.
A difusão através de membranas biológicas é um passo essen-
cial para a entrada (absorção) ou saída (eliminação) de fárma-
cos do organismo. Ela também é importante para que ocorra a Ultrafiltração e diálise
distribuição eficiente do fármaco no organismo, nos tecidos e
nos órgãos. A difusão pode ocorrer através da bicamada lipí- A ultrafiltração é usada para separar partículas coloidais e
dica das células, o que é chamado de difusão transcelular. No macromoléculas mediante o uso de membranas. A pressão
entanto, a difusão paracelular ocorre entre os espaços de células hidráulica é usada para forçar a passagem do solvente através
adjacentes. A difusão de fármacos e nutrientes através de mem- da membrana, enquanto que os microporos da membrana pre-
branas biológicas também envolve o uso de transportadores de vinem a passagem de grandes moléculas de soluto. A ultrafil-
membrana e, menos freqüentemente, receptores de superfície tração é similar ao processo de osmose reversa, embora a os-
celular. Os transportadores de membrana são proteínas espe- mose reversa desenvolva pressões muito maiores e seja usada
cializadas que facilitam o transporte de fármacos através das na dessalinificação de água salobra. A ultrafiltração é usada na
membranas biológicas. As interações entre os fármacos e os indústria de papel e polpas de fruta e em pesquisas de purifi-
transportadores podem ser classificadas como energia-depen- cação de albumina e enzimas. A microfiltração, um processo
dente (ou transporte ativo) e energia-independente (ou difusão que usa membranas com poros um pouco maiores, desde 100
facilitada). Os transportadores de membrana estão localizados nm a alguns micrômetros, remove bactérias de injeções intrave-
em todos os órgãos responsáveis pela absorção, distribuição, nosas, alimentos e bebidas aquosas.1 Hwang e Kammermeyer2
metabolização e excreção (ADME) de fármacos. Mecanismos definem diálise como um processo de separação baseado na
de transporte especializado de membrana são abordados mais passagem de iguais quantidades de soluto e solvente através de
detalhadamente no Capítulo 14. microporos de membrana, conduzido de modo contínuo ou fra-
cionado. A hemodiálise é usada para tratar a disfunção renal e
retirar do sangue produtos residuais desnecessários (pequenas
Liberação de fármacos moléculas) enquanto preserva moléculas de alta massa molecu-
A liberação elementar de fármacos é um processo importante lar componentes do sangue. Na osmose comum, assim como na
que literalmente afeta todas as pessoas, todos os dias. A libe- diálise, a separação é espontânea e não envolve a aplicação das
ração de fármacos é um processo de várias etapas que inclui a elevadas pressões da ultrafiltração e da osmose reversa.
desagregação, a desintegração, a difusão e a dissolução. Tais A difusão é causada pelo movimento aleatório das mo-
processos são descritos neste e em outros capítulos. A libera- léculas, e, em termos relativos, é um processo lento. Em um
ção de esteróides, como a hidrocortisona, a partir de cremes texto clássico sobre difusão, E. L. Cussler declarou que “em
e ungüentos tópicos de venda livre, usados no tratamento de gases, a difusão progride em uma razão de cerca de 10 cm por
rash cutâneo, e a liberação de paracetamol a partir de um com- minuto; em líquidos, esta razão é cerca de 0,05 cm/min; em
primido de uso oral são exemplos comuns deste processo. A sólidos, pode ser somente cerca de 0,0001 cm/min.”3 Uma
liberação do fármaco deverá ocorrer antes que este seja far- questão relevante a ser feita neste momento é se pode um pro-
macologicamente ativo. Neste caso, incluem-se medicamentos cesso tão lento ser significativo à área farmacêutica. A resposta
tais como cápsulas, cremes, suspensões líquidas, ungüentos, é “sim”. Embora a razão de difusão aparente ser relativamente
comprimidos e adesivos transdérmicos. baixa, outros fatores, como a distância que a molécula difusora
precisa atravessar, são bastante importantes. Por exemplo, se
um fármaco irá difundir através da célula a uma velocidade de
Osmose 0,0005 cm/min, por uma típica membrana celular com apro-
ximadamente 5 nm de espessura, levará somente uma fração
A osmose foi originalmente definida como sendo a passagem de segundos para que o fármaco entre na célula. Entretanto,
tanto de soluto como de solvente através de uma membrana analisemos a membrana da pele, com uma espessura de apro-
mas, agora, ela refere-se à ação na qual somente o solvente é ximadamente 3 μm (ver Figura 12-19). Para uma mesma ra-
transferido. O solvente passa através de uma membrana semi- zão de difusão, seriam necessários 600 segundos a mais para
permeável para diluir uma solução contendo soluto e solvente. que a mesma molécula de fármaco difundisse através da pele.
A passagem do soluto junto com o solvente é, atualmente, de- A diferença de tempo para que o fármaco apareça do outro
finida com difusão ou diálise. Os sistemas osmóticos de libe- lado da membrana é conhecida como lag time. Um exemplo
ração de fármaco usam a pressão osmótica como força motriz ainda mais extremo é o implante de levonorgestrel.4 Este con-
para a liberação controlada de fármacos. Uma bomba osmótica traceptivo de ação prolongada é aprovado para uso contínuo
simples consiste de um núcleo osmótico (contendo fármaco por cinco anos em humanos. Para alcançar baixas taxas de di-
318 P ATRICK J. S INKO

fusão constante, são inseridas na porção superior da braço do radial (p. ex., movimento em direção à membrana mucosa) e
paciente seis cápsulas fechadas, flexíveis, em forma de bastão, convecção axial (p. ex., fluxo intestinal descendente).
feitas de um tubo de silicone. As taxas anuais de gravidez em
usuárias de Norplant são menores que 1 para cada 100, com
sete anos de uso contínuo. Os implantes de levonorgestrel for-
necem baixas doses de progestágenos: 40 a 50 μg/dia no pri- DIFUSÃO NO ESTADO ESTACIONÁRIO
meiro ano de uso, diminuindo para 25 a 30 μg/dia no quinto
ano. Os níveis de levonorgestrel medidos no quinto ano são 60 Embasamento termodinâmico
a 65% daqueles medidos após um mês de tratamento.4 Embora
a difusão tenha um papel importante para o sucesso da libera- A transferência de massa é o movimento das moléculas em
ção de levonorgestrel a partir do sistema Norplant, a liberação resposta a uma força aplicada. A transferência de massa por
de fármaco a partir de sistemas de ação prolongada envolve convecção e difusão tem importante aplicação na área farma-
vários outros fatores. Mesmo que a liberação de fármacos seja cêutica. O objetivo deste capítulo é a transferência de massa
abordada neste capítulo, o estudante deve conferir os Capítulos por difusão; a transferência de massa por convecção não será
13 e 22 para uma discussão mais criteriosa sobre a liberação abordada com detalhes aqui, devendo o estudante recorrer a
e dissolução de fármacos e para os sistemas de liberação de outros textos na procura de mais informações sobre o tema.7-9
fármacos, respectivamente. A transferência de massa é um processo cinético que ocor-
Outro exemplo relevante da difusão relacionada à área far- re em sistemas que não estão em equilíbrio.7 Para entender
macêutica é a mistura de um fármaco em solução com o con- melhor as bases termodinâmicas da transferência de massa,
teúdo intestinal imediatamente antes da absorção desse fárma- considere um sistema isolado, com duas partes separadas por
co pela mucosa intestinal. À primeira vista, a mistura parece uma membrana imaginária (Figura 12-2).7 No equilíbrio, as
ser um processo simples; contudo, vários processos molecula- temperaturas, T, pressões, P, e potenciais químicos, μ, a cada
res – e macroscópicos – ocorrem em paralelo para que ocorra lado das espécies A e B são iguais. Se este sistema isolado
uma mistura eficiente. É importante lembrar que a difusão de- não for perturbado, ele permanecerá em equilíbrio termodi-
pende do movimento aleatório das moléculas, que ocorre entre nâmico indefinidamente. Suponha que o potencial químico
as pequenas fendas moleculares. Entretanto, para que ocorra de uma das espécies, A, seja agora aumentado na parte I, ou
a mistura, são necessários outros processos responsáveis pe- seja, μA,I > μA,II. Uma vez que o potencial químico de A está
los movimentos das moléculas entre distâncias muito maiores. relacionado à sua concentração, ao caráter ideal da solução e
Estes processos são chamados de processos macroscópicos e à temperatura, esta perturbação do sistema pode ser alcançada
incluem convecção, dispersão e agitação. Após ocorrer o mo- aumentando-se a concentração de A na parte I. O sistema irá
vimento macroscópico das moléculas, a difusão mistura nova- responder a esta perturbação estabelecendo um novo equilí-
mente as porções adjacentes do fluido intestinal. A difusão e os brio termodinâmico. Embora o equilíbrio possa ser restabele-
processos macroscópicos contribuem para a mistura e, qualita- cido alterando-se qualquer uma das variáveis do sistema (T, P
tivamente, os efeitos são similares. Em 1860, Maxwell foi um ou μ), assume-se que o sistema reequilibre o potencial quími-
dos primeiros a reconhecer isso quando declarou que “a trans- co, sem afetar T e P. Se a membrana que separa as duas partes
ferência de massa ocorre parcialmente devido à movimentação permitir a passagem de espécies A de I para II, então os po-
translacional e parcialmente devido à agitação”.5 Diferente- tenciais químicos de ambas as partes serão novamente iguais.
mente de muitos outros fenômenos, a difusão em uma solução O movimento de massa em resposta ao gradiente espacial de
sempre ocorre em paralelo com a convecção. A convecção é
o movimento total do fluido acompanhado pela transferência
de calor (energia), na presença de agitação. Um exemplo de
convecção relevante para a absorção intestinal de fármacos é o
Parte I Parte II
fluxo de fluido descendente no intestino. A dispersão também
é relevante para o fluxo intestinal e está relacionada à difusão. TI T II
“A relação existe em dois níveis diferentes. Primeiro, a disper-
são é uma forma de mistura que envolve, em nível microscópi-
PI P II
co, a difusão das moléculas. Segundo, a dispersão e a difusão
são descritas com equações matemáticas muito similares.”3
µI µ II
Embora seja bastante difícil estimar os perfis de dispersão no
intestino humano, estes podem ser caracterizados como “tur-
bulentos”. Em certos modelos experimentais, como no proce-
dimento de perfusão intestinal de passagem única,6 usado para
estimar a permeabilidade intestinal de fármacos em ratos, as
Parede Membrana
condições de fluxo são otimizadas para obter-se um fluxo hi- impermeável imaginária
drodinâmico laminar. As condições de fluxo laminar são um
exemplo especial de ligação entre fluxo e difusão. Ao contrário Figura 12-2 Sistema isolado que consiste de duas partes separadas por
do fluxo turbulento, pode-se prever com exatidão o coeficiente uma membrana permeável imaginária. No equilíbrio, as temperaturas (T),
de dispersão quando se trabalha em condições de fluxo lami- pressões (P) e potenciais químicos (μ) a cada lado das espécies do sistema
nar. Neste sistema, o transporte de massa ocorre por difusão são iguais em ambas as partes.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 319

potencial químico, como resultado do movimento molecular Membrana


aleatório (como o movimento Browniano), é chamado de difu-
são. Embora a base termodinâmica para a difusão seja melhor
descrita por meio de potenciais químicos, é fácil descrevê-la
matematicamente em termos de concentração, uma variável
experimental mais prática. Compartimento
Fluxo de Fluxo de receptor
entrada saída
Leis de difusão de Fick Compartimento
doador
Em 1855, Fick verificou que a equação matemática da condu-
ção do calor, desenvolvida por Fourier em 1822, poderia ser
aplicada à transferência de massa. Essas relações fundamentais
Fluxo do solvente
governam o processo de difusão em sistemas farmacêuticos. A para manter
quantidade de matéria, M, fluindo através de uma superfície condições sink
transversal unitária, S, em unidade de tempo, t, é conhecida Figura 12-3 Célula de difusão. O compartimento doador contém o difusante
como fluxo, J: na concentração C.
dM
J (12-1)
S • dt Esta equação da difusão é deduzida da seguinte maneira:
Logo, o fluxo é proporcional ao gradiente de concentração, a concentração, C, em um determinado volume (Figuras 12-3
e 12-4), muda somente como resultado do fluxo das moléculas
dC
J D (12-2) do difusante para dentro ou para fora da região. A diferença de
dx concentração resulta da diferença de entrada e saída das molé-
onde D é o coeficiente de difusão do penetrante (também co- culas. A concentração de difusante em um determinado volume
nhecido como difusante) em cm2/s, C é sua concentração em muda em função do tempo, ou seja, ΔC/Δt, assim como o fluxo
g/cm3 e x é a distância, em cm, perpendicular à superfície da ou as alterações das quantidades difundidas muda em função da
barreira. Na equação (12-1), a massa, M, é geralmente expres- distância ΔJ/Δx, na direção do x, ou*
sa em grama ou mol, a área da superfície da barreira, S, em ∂C ∂J
(12-3)
cm2, e o tempo, t, em segundos. As unidades de J são g/cm2 ∂t ∂x
s. Às vezes utilizam-se quilograma e metro, unidades do SI,
e o tempo pode ser expresso em minutos, horas ou dias. O si- Diferenciando a expressão da primeira lei, a equação
nal negativo da equação (12-2) significa que a difusão ocorre (12-2), em relação a x, obtém-se
em uma direção (direção de x positiva) oposta ao aumento da ∂J ∂ 2c
− D (12-4)
concentração. Ou seja, a difusão ocorre na direção da diminui- ∂x ∂x2
ção da concentração do difusante; logo, o fluxo é sempre uma
Substituindo ∂C/∂t da equação (12-3) na equação (12-4),
quantidade positiva. A difusão cessará quando o gradiente de
obtém-se a segunda lei de Fick, isto é
concentração não existir mais (ou seja, quando dC/dx = 0).
Embora o coeficiente de difusão, D, ou difusibilidade, ∂C ∂ 2c
D (12-5)
como também pode ser chamado, pareça ser uma constante de ∂t ∂x2
proporcionalidade, ele usualmente não se mantém constante. A equação (12-5) representa a difusão somente na direção
O D é afetado por concentração, temperatura, pressão, proprie- de x. Se deseja-se expressar as alterações do difusante em três
dades do solvente e natureza química do difusante. Portanto, dimensões, a segunda lei de Fick é escrita na forma geral
é mais correto referir-se ao D como o coeficiente de difusão
do que como a uma constante. A equação (12-2) é conhecida ∂C ∂ 2C ∂ 2C ∂ 2C
D (12-6)
como a primeira lei de Fick. ∂t ∂x2 ∂ y2 ∂z 2
Normalmente, não é necessário usar esta equação para re-
Segunda lei de Fick solver problemas de difusão que tangem à área farmacêutica,
porque o movimento unidirecional é suficiente para descrever
A segunda lei de Fick da difusão é a base para a maioria dos a maioria dos casos. A segunda lei de Fick determina que a
modelos matemáticos dos processos de difusão. Esta visa a concentração em função do tempo em uma determinada região
determinar a taxa de variação da concentração do difusante é proporcional à alteração no gradiente de concentração na-
em um ponto do sistema. A segunda lei de Fick é a equação quela região do sistema.
de transporte de massa que enfatiza a variação de concentra-
ção em função do tempo em um determinado local e não a * Concentração e fluxo são geralmente escritos como C(x, t) e J (x, t), res-
difusão de massa através de uma unidade de área por unidade pectivamente, para enfatizar que estes parâmetros são funções tanto da dis-
de tempo. tância, x, quanto do tempo, t.
320 P ATRICK J. S INKO

C é a concentração de permeante na barreira, expressa em mas-


Compartimento Compartimento
sa/cm3. A equação (12-7) demonstra que, uma vez que D não é
doador receptor igual a zero, d2C/dx2 = 0. Quando uma segunda derivada como
(sink) esta iguala-se a zero, conclui-se que não há alteração em dC/
dx. Em outras palavras, o gradiente de concentração através da
membrana, dC/dx, é constante, o que significa que há uma re-
lação linear entre a concentração, C, e a distância, x. Isso pode
ser visto na Figura 12-4 (na qual a distância x é igual a h) para
Elevada concentração fármacos difundindo do lado esquerdo para o direito da célula
de moleculas da Figura 12-3. A concentração não será rigidamente constante,
penetrantes (soluto)
mas irá variar levemente ao longo do tempo; logo, dC/dt não é
exatamente zero. Essas condições referem-se a um estado “qua-
se-estacionário”; conseqüentemente, introduz-se um pequeno
erro ao assumir um estado estacionário nestas condições.

Espessura Forças motoras da difusão


da barreira
Existem inúmeras forças motoras da difusão em sistemas far-
Figura 12-4 Gradiente de concentração do difusante através do diafragma macêuticos. Até o momento, a discussão havia sido focada na
da célula de difusão. É normal que a curva de concentração aumente ou di- “difusão normal”, a qual é regida por um gradiente de concen-
minua nitidamente nos limites da barreira porque, em geral, C1 é diferente de
tração.8 Contudo, há outras forças, como pressão, temperatura
Cd, e C2 é diferente de Cr. A concentração C1 poderia ser igual a Cd somente
e potencial elétrico. A Tabela 12-1 mostra alguns exemplos de
se, por exemplo, K – C1/Cd tivesse um valor igual a 1.
forças em sistemas farmacêuticos.

Estado estacionário
DIFUSÃO ATRAVÉS DE MEMBRANAS
O estado estacionário é uma condição importante na difusão.
A primeira lei de Fick, equação (12-2), descreve o fluxo (ou Difusão constante através de um filme fino e
taxa de difusão por unidade de área) no estado estacionário. resistência difusional
A segunda lei de Fick refere-se, em geral, a mudança de con-
centração do difusante ao longo do tempo a uma distância Resumidamente, Yu e Amidon11 desenvolveram uma análi-
qualquer, x (ou seja, fluxo em estado não-estacionário). Con- se para a difusão estacionária através de um filme fino, uma
tudo, o estado estacionário pode ser descrito de acordo com a vez que esta está relacionada com a resistência difusional. A
segunda lei, equação (12-5). Considere o difusante original- Figura 12-4 representa a difusão estacionária através de um
mente dissolvido em um solvente no compartimento do lado filme fino de espessura h. Neste caso, o coeficiente de difusão
esquerdo da câmara mostrada na Figura 12-3. No lado direi- é considerado constante porque as soluções em ambos os lados
to da barreira há somente solvente, e o soluto ou penetrante do filme são diluídas. As concentrações em ambos os lados
difunde através da barreira central, do lado da solução para o do filme, Cd e Cr, são mantidas constantes e ambos os lados
lado do solvente (do compartimento doador para o receptor). são misturados constantemente. A difusão ocorre da direção de
maior concentração (Cd) para a de menor concentração (Cr).
Em experimentos de difusão, a solução do compartimento re-
Após certo tempo, atinge-se o estado estacionário e as concen-
ceptor é constantemente removida e substituída por mais sol-
trações passam a ser constantes em todos os pontos do filme,
vente para manter a concentração baixa. Isso é denominado
como mostra a Figura 12-5.
condição sink, o compartimento da esquerda sendo o doador
e o da direita o receptor.
Originalmente, a concentração de difusante diminui no
compartimento da esquerda e aumenta no compartimento da
direita até que o sistema atinja um equilíbrio, dependendo da
taxa de remoção do difusante do compartimento receptor e da CONCEITO MEMBRANAS E BARREIRAS
natureza da barreira. Quando o sistema permanece assim por
tempo suficiente, a concentração do difusante nas soluções dos Flynn e colaboradores 10 dife- cilitado. O termo barreira aplica-
lados direito e esquerdo da barreira torna-se constante ao longo renciaram as membranas das se de forma mais generalizada a
do tempo, mas obviamente não é igual em ambos os comparti- barreiras. Uma membrana é um regiões que oferecem resistên-
mentos. Então, dentro de cada porção difusional perpendicular “filme” biológico ou físico sepa- cia à passagem de material difu-
à direção do fluxo, a taxa de mudança de concentração, dC/dt, rando duas fases, e o material sante; a barreira total é a soma
será zero e, de acordo com a segunda lei de Fick, passa através deste filme por da resistência das membranas
dC d 2C transporte ativo, passivo ou fa- individuais.
D 2 0 (12-7)
dt dx
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 321

TABELA 12-1
FORÇAS EM SISTEMAS FARMACÊUTICOS

Forças Exemplos Descrição Ref.


Concentração Difusão passiva A difusão passiva é um processo de transferência de massa de moléculas individuais de um 3
substrato, trazidas por movimentação molecular aleatória, e associada ao gradiente de
concentração.
Dissolução de A “dissolução” de fármacos ocorre quando um comprimido é introduzido em uma solução. 71
fármacos É geralmente acompanhada de desintegração e desagregação da matriz sólida, seguida da
difusão do fármaco remanescente nas pequenas partículas.
Pressão Liberação Os sistemas de liberação osmótica de fármacos utilizam a pressão osmótica como força 69
osmótica de controladora da liberação dos fármacos. Uma bomba osmótica simples consiste de um
fármacos núcleo osmótico (contendo fármaco com ou sem agente osmótico) coberto com uma
membrana semipermeável. Esta membrana tem um orifício para a liberação do fármaco
a partir da bomba. A forma farmacêutica, após contato com fluidos aquosos, embebe
água em uma velocidade determinada pela permeabilidade da membrana ao fluido e pela
pressão osmótica do núcleo da formulação. Ao embeber água, ocorre aumento da pressão
hidrostática dentro da bomba, causando, assim, o fluxo da solução contendo o fármaco
através do orifício de liberação.
Jatos Os jatos pressurizados são usados para liberação de fármacos. Um injetor a jato produz 72
pressurizados um jato de alta velocidade (>100 m/s) que penetra na pele liberando o fármaco de forma
para liberação subcutânea, intradermal ou intramuscular, sem o uso de agulha. O mecanismo de geração
de fármacos dos jatos de alta velocidade inclui tanto molas de compressão como ar comprimido.
Temperatura Liofilização A liofilização (freeze-drying) de uma solução aquosa congelada contendo fármaco e um 61
agente estruturante envolve a mudança simultânea das ligações que se formam com o
passar do tempo. Também envolve a mudança da fase na interface gelo-vapor, controlada
pela relação pressão-temperatura de Clausius-Clapeyron, e a difusão do vapor de água
através dos poros da matriz seca sob baixa temperatura e condições de vácuo.
Extração por A extração por microondas (MAE) é um processo que usa a energia das microondas para 73
microondas aquecer solventes em contato com uma amostra, visando à partição de analitos entre
a amostra e o solvente. As MAE têm a capacidade inerente de aquecer rapidamente a
mistura de solvente e amostra, sendo esta a principal vantagem da técnica. Utilizando-se
recipientes fechados, pode-se fazer a extração em elevadas temperaturas, o que acelera a
transferência das substâncias de interesse presentes na amostra para o solvente
Potencial Liberação A iontoforese é usada para aumentar a liberação transdermal de fármacos mediante 74, 75
elétrico dérmica de aplicação de uma corrente fraca através de um reservatório contendo fármacos ionizados.
fármacos por Um eletrodo (positivo para liberar íons carregados positivamente e negativo para liberar
iontoforese íons carregados negativamente) é posto entre o reservatório de fármaco e a pele. Outro
eletrodo com carga oposta é colocado a uma distância pequena para completar o circuito.
Os eletrodos são conectados a uma fonte de energia. Quando a corrente flui, os íons
carregados são transportados através da pele pelos poros.
Eletroforese A eletroforese envolve o movimento de partículas carregadas através de um líquido, sob 76
influência da aplicação de uma diferença de potencial. Uma célula de eletroforese é
suprida de dois eletrodos e contém uma dispersão, de maneira que quando se aplica um
potencial através dos eletrodos, as partículas migram para o eletrodo de carga oposta. A
eletroforese capilar é amplamente usada como ferramenta analítica na área farmacêutica.

No estado de equilíbrio (dC/dt = 0), a segunda lei de Fick D


J (C1 − C2 ) (12-9)
torna-se h
∂ 2e O termo h/D é geralmente chamado de resistência difusional,
D 0 (12-8)
∂z 2 designado por R. A equação de fluxo pode ser escrita como
Integrando duas vezes a equação (12-8) em condições onde C1 − C2
J (12-10)
z = 0, C = Cd e z = h, C = Cr, chega-se à seguinte equação: R
322 P ATRICK J. S INKO

Filme ser substituídas pelo coeficiente de partição multiplicado pela


CI concentração Cd no lado doador ou pelo coeficiente de parti-
ção, K, dado por:
C1 C2
K (12-12)
Cd Cr
logo,
dM DSK(Cd − Cr )
(12-13)
dt h
C2
E, se as condições sink forem mantidas no compartimento re-
h ceptor, Cr ≅ 0,
dM DSKCd (12-14)
PSCd
Z =0 Z= h dt h
Figura 12-5 Difusão através de um filme fino. As moléculas de soluto difun-
onde
dem da zona de maior concentração, C1, para a de menor concentração, C2. DK
As concentrações em ambos os lados do filme são mantidas constantes. No P (cm s) (12-15)
h
estado de equilíbrio, as concentrações permanecem constantes em todos os
pontos do filme. O perfil de concentração dentro do filme é linear e o fluxo é Note-se que o coeficiente de permeabilidade, também cha-
constante. mado de permeabilidade, P, tem unidades de velocidade linear.*
Em alguns casos, não é possível determinar D, K, ou h inde-
pendentemente para, então, calcular P. Contudo, é relativamente
simples medir a taxa de permeação da barreira e obter a área de
Embora a resistência à difusão seja um princípio científico superfície, S, e a concentração, Cd, na fase receptora e a quanti-
fundamental, o termo permeabilidade é usado mais freqüen- dade de permeante, M, no receptor sink. Pode-se obter P a partir
temente na área farmacêutica. Resistência e permeabilidade da inclinação de um gráfico linear de M em função de t:
estão inversamente relacionadas. Em outras palavras, quanto
maior for a resistência à difusão, menor será a permeabilidade M PSCd t (12-16)
da substância difusante. Nas próximas seções serão introduzi- certificando-se de que Cd permaneça relativamente constante
dos os conceitos de permeabilidade e de resistência em série. ao longo do tempo. Se Cd muda consideravelmente ao longo
do tempo, verifica-se que Cd = Md/Vd, a quantidade de fár-
maco na fase doadora dividida pelo volume da fase doadora
Permeabilidade e, então, obtém-se P a partir da inclinação do log de Cd em
Fick adaptou duas equações de difusão, (12-2) e (12-5), ao função de t:
transporte da matéria a partir das leis de condução de calor. PSt
log Cd log Cd (0) − (12-17)
As equações da condução de calor são encontradas no livro 2 303Vd
de Carslaw.13 Em geral, as soluções para estas equações dife-
renciais ainda permanecem complexas. Desta forma, aqui se
utilizarão, na maioria das vezes, equações simples e exemplos EXEMPLO 12-1
práticos que não tragam dificuldade ao leitor para entender a Difusão simples através de uma membrana
discussão sobre dissolução e difusão.
Um novo esteróide sintético é posto em uma célula de difusão
Se uma membrana separa dois compartimentos de uma
para difundir através de uma membrana de siloxano com área,
célula de difusão com uma área transversal S e espessura h, e S, de 10,36 cm2 e espessura, h, de 0,085 cm, a 25 °C. A partir do
se as concentrações do lado esquerdo (doador) e direito (recep- intercepto horizontal de um gráfico de Q = M/S em função de t,
tor) da membrana são C1 e C2, respectivamente (Figura 12-4), obtém-se um lag time, tL, de 47,5 minutos. A concentração original
a primeira lei de Fick pode ser escrita como: C0 é 0,003 mmol/cm3. A quantidade de esteróide que passa pela
dM C1 − C2 membrana em 4,0 h é de 3,65 × 10–3 mmol.
J D (12-11)
S dt h (a) Calcular o parâmetro DK e a permeabilidade, P. Tem-se
onde (C1 – C2)/h aproxima-se de dC/dx. Pode-se assumir que o que:
gradiente (C1 – C2)/h dentro da membrana seja constante para 3 65 × 10−3 mmol
Q = = 0 35 × 10 −3 mmol cm 2
que exista um estado quase-estacionário. A equação (12-11) 10 36 cm2
presume que as camadas aquosas limitantes (também chama- 0 003 mmol cm 3 47 5
das de camadas aquosas em repouso, ou estacionárias) dos = DK 40 −
0 085 cm 60
dois lados da membrana não afetam significativamente o pro-
cesso total de transporte. A influência potencial das múltiplas
resistências à difusão, tal como aquela gerada pelas camadas * Gera-se confusão quando o coeficiente de permeabilidade é definido por
aquosas-limite (p. ex., difusão multicamada) será abordada P = DK(cm2/s), usado quando D e K não são independentemente conheci-
mais adiante, neste capítulo. As concentrações C1 e C2 den- dos. A equação (12-11), incluindo h no denominador, é a definição conven-
tro da membrana geralmente não são conhecidas, mas podem cional de permeabilidade.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 323

DK = 0,0031 cm 2 = 8,6 × 10 −7 cm2 Tabela 12-2. Na Tabela 12-3 estão relacionados os coeficien-
P = DK h = (8 6 × 10 −7
cm2
0,085 cm
tes de difusão aproximados e as permeabilidades de fármacos
−5
através de um solvente no qual eles são solúveis (água, a me-
= 1,01 × 10 cm nos que outro solvente seja especificado) e de membranas na-
turais e sintéticas. No capítulo de colóides, veremos que a mas-
(b) Usando o lag time, tL = h2/6D, calcular o coeficiente de
sa molecular e o raio de proteínas esféricas podem ser obtidos
difusão. Tem-se que:
a partir do conhecimento da sua difusibilidade.
h2 (0,085) 2 cm2
D= =
6tL 6 × 47,5 min
= 25,4 × 10 −6 cm2 min Difusão em multicamadas
ou Existem muitos exemplos de difusão em multicamadas na área
= 4,23 × 10 −7 cm2 min farmacêutica. A difusão através de membranas biológicas pode
envolver várias camadas que consistem de membranas separa-
(c) Combinando a permeabilidade, equação (12-15), com o das, conteúdos celulares e fluidos de distribuição. A passagem
valor de D a partir de (b), calcular o coeficiente de partição, K. de solutos gasosos ou líquidos através das paredes de recipien-
Tem-se tes ou embalagens plásticas também pode ser considerada uma
Ph (1,01 × 10 −5 cm ) (0,085 cm) difusão multicamadas. Finalmente, os estudos de penetração
K= = = 2,03
D 4,23 × 10 −7 cm2 que usam células Caco-2 ou monocamadas de células MDCK
Os coeficientes de partição serão bastante discutidos no capí- em suportes permeáveis, como filtros de policarbonato, são ou-
tulo de solubilidade. tro exemplo comum de difusão em multicamadas.
Higuchi14 considerou a passagem de um fármaco, aplicado
topicamente, a partir de seu veículo através das camadas lipídi-
Exemplos de difusão e coeficiente de cas e aquosas da pele. A Figura 12-6 mostra duas barreiras em
permeabilidade série, a lipídica e a aquosa, com espessura de h1 e h2, respec-
tivamente. A resistência, R, à difusão em cada barreira é igual
A difusibilidade é uma propriedade fundamental dos sistemas ao inverso do coeficiente de permeabilidade, Pi, de cada barreira
que é dependente do soluto, da temperatura e do meio no qual em particular. A permeabilidade, P, foi definida anteriormente na
ocorre.13 As moléculas de gás difundem rapidamente através equação (12-15) como sendo o coeficiente de difusão, D, multi-
do ar e de outros gases. As difusões são menores em líquidos plicado pelo coeficiente de partição, K, e dividido pela espessura
e muito mais baixas em sólidos. As moléculas de gases pas- da membrana, h. Para uma determinada camada i,
sam lentamente e com grande dificuldade através de lâminas
metálicas e barreiras cristalinas. A difusão é uma função da Pi Di K i h i (12-18)
estrutura molecular do difusante e do material da barreira. Os
coeficientes de difusão de gases e líquidos que passam através e
da água, clorofórmio e materiais poliméricos encontram-se na Ri 1 Pi h i Di K i (12-19)

TABELA 12-2
COEFICIENTES DE DIFUSÃO DE ALGUMAS SUBSTÂNCIAS EM DIFERENTES MEIOS*
Volume molar parcial D × 106 Barreira ou meio
Difusante (cm3/mol) (cm2/s) (temperatura, °C)

Etanol 40,9 12,4 Água (25)


n-Pentanol 89,5 8,8 Água (25)
Formamida 26 17,2 Água (25)
Glicina 42,9 10,6 Água (25)
Laurilsulfato de sódio 235 6,2 Água (25)
Glicose 116 6,8 Água (25)
Hexano 103 15,0 Clorofórmio (25)
Hexadecano 265 7,8 Clorofórmio (25)
Metanol 25 26,1 Clorofórmio (25)
Dímero de ácido acético 64 14,2 Clorofórmio (25)
Metano 22,4 1,45 Borracha natural (40)
n-Pentano — 6,9 Goma de silicone (50)
Neopentano — 0,002 Etilcelulose (50)
* Retirada, com permissão, de G. L. Flynn, S. H. Yalkowsky, and T. J. Roseman, J. Pharm. Sci. 63, 507, 1974.
324 P ATRICK J. S INKO

TABELA 12-3
DIFUSÃO DE FÁRMACOS E COEFICIENTES DE PERMEABILIADE*

Coeficiente Coeficiente de permeabilidade


Fármaco de difusão da membrana (cm2/s) Via da membrana Ref.
Ácido benzóico — 36,6 × 10–4
Absorção no jejuno de rato 36
Ácido glicurônico 9,0 × 10–6 — Difusão através de membrana de celulose 80
Ácido salicílico — 10,4 × 10–4 Absorção no jejuno de rato 36
Água 2,8 × 10–10 2,78 × 10–7 Difusão em camadas da pele humana 23
Amilorida — 1,63 × 10–4 Absorção no jejuno humano 77
Antipirina — 4,5 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Atenolol — 0,2 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Carbamazepina — 4,3 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Cetoprofeno — 8,4 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Cetoprofeno 2,1 × 10–3 — Difusão através de pele abdominal de rato macho 82
sem pêlos
Ciclosporina A 4,3 × 10–4 — Difusão através de membrana de celulose 80
Cloranfenicol — 1,87 × 10–6 Através da mucosa de camundongo 79
Desipramina.HCl — 4,4 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Enalapril — 0,2 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Estrona — 20,7 × 10–4 Absorção no jejuno de rato 36
Furosemida — 0,05 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Glucosamina 9,0 × 10–6 — Difusão através de membrana de celulose 80
Hidroclorotiazida — 0,04 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Hidrocortisona — 0,56 × 10–4 Absorção no jejuno de rato 36
— 5,8 × 10–5 Absorção em trato vaginal de coelha 81
Manitol — 0,9 × 10–4 Difusão através de mucosa nasal retirada 83
Manitol 8,8 × 10–6 — Difusão através de membrana de celulose 80
Metoprolol·1/2 tartarato — 1,3 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Naproxeno — 8,3 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Octanol — 12 × 10–4 Absorção no jejuno de rato 36
PEG 400 — 0,58 × 10–4 Absorção no jejuno humano 84
Piroxicam — 7,8 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Progesterona — 7 × 10–4 Absorção no jejuno de rato 36
Propranolol — 3,8 × 10–4 Absorção no jejuno humano 84
Salicilatos 1,69 × 10–6 — Absorção no trato vaginal de coelhas 85
Terbutalina·1/2 sulfato — 0,3 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
Testosterona — 20 × 10–4 Absorção no jejuno de rato 36
Testosterona 7,6 × 10–6 — Difusão através de membrana de celulose 80
Verapamil.HCl — 6,7 × 10–4 Absorção no jejuno humano 78
*Todos a 37 °C.

onde Ri é a resistência à difusão. A resistência total, R, é o in- D1 K 1 D2 K 2


P (12-21)
verso da permeabilidade total, P, sendo aditiva para uma série h 1 D2 K 2 h 2 D1 K 1
de camadas. De modo geral, isto pode ser expresso por
O lag time para o estado estacionário em um sistema de
R R1 R2 Rn (12-20a)
bicamada é
1 P 1 Pi 1 P2 1 Pn (12-20b) h12 h1 h2
R 1 P h 1 D1 K 1 D1 6D1 K 1 2D2 K 2
h 2 D2 K 2 h n Dn K n (12-20c)
h22 h1 h2
onde Ki é o coeficiente de distribuição para a camada i relativa D2 2 D1 K 1 6 D2 K 2
tL (12-22)
à próxima camada correspondente, i + 1, do sistema.15 A per- (h 1 ) D1 K 1 h 2 ) D2 K 2 )
meabilidade total para um modelo de pele como dupla camada
pode ser obtida pela inversão da equação (12-20c), expressa Quando os coeficientes de partição, Ki, de ambas as cama-
em termos de duas camadas, para obter-se das são essencialmente os mesmos e um dos termos h/D igual
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 325

Camada Camada ABL M ABL


lipídica aquosa
h1 h2
Concentração

Cd
Fármaco no Camadas
veículo na profundas KC s 1
superfície da pele da derme
C s1

Distância, x
Figura 12-6 Passagem de um fármaco pela superfície da pele através da cama-
da lipídica, h1, e da camada aquosa, h2, para as camadas profundas da derme. A
curva de concentração em função da distância muda acentuada nas duas extre-
midades porque os coeficientes de partição têm valores diferentes de 1. KC s 2

C s2 Cr
a 1, por exemplo, é muito maior que o outro, a equação de lag
time para o sistema bicamada da pele se reduz à expressão sim-
plificada de lag time
h1 hm h2
t L h 1 2 6D1 (12-23)
Figura 12-7 Difusão de fármaco através da camada aquosa limitante (ABL)
EXEMPLO 12-2 e da monocamada celular (M) em um sistema de cultura de células.

Resistências em série em estudos de cultura de células


Os modelos de cultura de célula têm sido amplamente usados para
A permeabilidade através do filtro, Pf, pode ser obtida de for-
estudar o transporte de fármacos. Contudo, em muitos casos, somen-
ma experimental mediante a medida de Peff em filtros sem nada
te a permeabilidade efetiva, Peff, é calculada. Para vários fármacos
(filtro-branco):
hidrofóbicos, as interações com o substrato do filtro ou com a cama-
1 1 1 (12-26)
da aquosa limitante (ABL) pode causar mais resistência ao transpor- = +
P eff Paq Pf
te do fármaco do que uma monocamada celular em si. Uma vez que
o objetivo do estudo é verificar as propriedades de transporte dos Uma vez que Paq é dependente da taxa de fluxo,
fármacos, Peff pode ser inerentemente duvidoso devido às interações Paq = KVn (12-27)
do fármaco com o substrato ou a ABL. A informação derivada de
Peff tem valor somente se a monocamada for a barreira limitante do (onde K é uma constante híbrida que considera a difusibilidade
transporte. Logo, antes de informar o Peff de uma substância, deve-se da substânica, a viscosidade cinemática e fatores geométricos da
avaliar o efeito de cada uma destas barreiras para garantir que a per- câmara; V é a taxa de agitação em mL/min; e n é o expoente que
meabilidade esteja relacionada somente com sua passagem através varia entre 0 e 1, dependendo das condições hidrodinâmicas da
da monocamada celular e não de outros interferentes. Em sistemas câmara de difusão). O Pf pode ser calculado por regressão não-
de cultura de células, a resistência ao transporte, Reff, é composta por linear, utilizando-se o valor de Peff obtido de filtros-brancos com
uma série de resistências, incluindo aquelas da ABL (Raq), a mono- diferentes taxas de fluxo.
camada celular (Rmono) e a resistência do filtro (Rf) (Figura 12-7). A Também é possível determinar 1/Pf +1/Pmono por regressão
resistência total é adicionada pelas várias camadas: não-linear, pela medida de Peff para uma monocamada celular, a
diferentes taxas de fluxo, e pela equação
Reff = Raq + Rmono + Rf (12-24)
1
Peff = (12-28)
Esta equação pode ser descrita em termos do valor recíproco 1 + 1 + 1
da permeabilidade total: Pf Pmono K Vn
1 1 1 1 Este modelo supõe, implicitamente, que cada resistência da sé-
= + +
Peff Paq Pmono Pf rie é independente uma da outra. Conseqüentemente, Pmono é calcu-
1 (12-25) lado por diferença, usando Pf de maneira independente. Sendo Paq
Peff =
1 + 1 + 1 independente da presença da monocamada, Pmono pode ser calcula-
Paq Pmono Pf do como:
1 1 1
onde Peff é a medida de permeabilidade efetiva, Paq é a permeabi- = − (12-29)
Pmono Peff P eff
lidade total da ABL (adjacente a ambas as superfícies apicais da
monocamada celular e à superfície livre do filtro) e Pf é a permea- Uma vez que as contribuições de Rf e Raq variam, dependendo
bilidade do filtro microporoso usado como suporte. da natureza do fármaco, é importante corrigir essa possível fonte
326 P ATRICK J. S INKO

de erro informando o valor de Pmono. A variação entre Pmono e Peff da membrana e ha é a espessura da camada aquosa de difusão,
passa a ser mais significativa se a taxa de fluxo é baixa (p. ex., Raq como é mostrado na Figura 12-8. M é a quantidade de perme-
é elevado) ou se o filtro tem uma porosidade efetiva baixa (p. ex., ante que atingiu o receptor e S é a área da barreira. É importante
Rf é elevado). Além disso, a permeabilidade do fármaco também lembrar que ha é fisicamente influenciado pelo perfil hidrodinâ-
tem um papel importante, tanto que a diferença entre Pmono e Peff mico das fases aquosas. Quanto maior for o grau de agitação,
torna-se mais significativa em substâncias mais permeáveis.16 mais fina será a camada aquosa de difusão estacionária.
A equação (12-31) é o ponto de partida em se tratando
de dois importantes casos de difusão multicamadas, a saber: a
Controle por membrana e controle por difusão sujeita ao controle por membrana e a difusão sujeita ao
camada de difusão controle por camada aquosa de difusão.
Um exemplo de multicamada bastante importante é a membra- Controle por membrana
na entre duas fases aquosas com camadas de solvente estacio-
nário ou estático, em contato com os lados doador e receptor Quando a resistência da membrana à difusão é muito maior do
da membrana (Figura 12-8). que a resistência das camadas aquosas de difusão, ou seja, Rm
A permeabilidade total da barreira, que consiste da mem- é maior que Ra em pelo menos 10 vezes, ou, correspondente-
brana e das duas camadas de difusão aquosas estacionárias, é mente, Pm é muito menor que Pa, o passo determinante (mais
1 Dm KDa lento) é a difusão através da membrana. Isso pode ser observa-
P do na equação (12-31) quando hmDa é muito maior que 2haDm.
R h m Da 2h a Dm K Logo, a equação (12-31) se reduz a
1 KDm
(12-30) J C1 (12-32)
h m Dm K 2h a Da hm
Esta expressão é análoga à equação (12-21). Contudo, A equação (12-32) representa o caso mais simples de con-
na equação (12-30) aparece somente um coeficiente de parti- trole de fluxo por membrana.
ção, K, que resulta na razão das concentrações do fármaco na
membrana e no solvente aquoso, K = C3/C4 = C3/C2. O fluxo Controle por camada aquosa de difusão
J através desta barreira tripla camada é absolutamente igual à
permeabilidade, P, multiplicada pelo gradiente de concentra- Quando 2haKDm é muito maior que hmDa, a equação (12-31)
ção, (C1 – C5), ou seja, J = P(C1 – C5). O receptor serve como torna-se
coletor (a saber, C5 = 0), e assume-se que a concentração C1 do Da
J C1 (12-33)
doador seja constante, o que gera um fluxo em estado estacio- 2h a
nário.17 Assim, tem-se que
e assim, pode-se dizer que as barreiras determinantes para o
1 dM Dm KDa C1 transporte difusional são as camadas aquosas de difusão esta-
J (12-31)
S dt h m Da 2h a Dm K cionárias. Isso significa que o gradiente de concentração que
Nas equações (12-30) e (12-31), Dm e Da são as difusibi- controla o fluxo agora reside mais nas camadas aquosas de
lidades da membrana e do solvente aquoso, hm é a espessura difusão do que na membrana. A partir da relação 2haKDm
hmDa, observa-se que, quando o coeficiente de partição K torna-
se muito grande, o controle deixa de ser de membrana e passa a
ser de camada de difusão.
Camada de Camada de Receptor
Camada difusão difusão aquoso
aquosa estática Membrana estática (sink) EXEMPLO 12-3
Mudança do controle por membrana para controle por
camada de difusão
Flynn e Yalkowsky17 demonstraram a mudança do controle por
membrana para o controle por camada de difusão em uma sé-
rie homóloga de p-aminobenzoatos n-alquila (ésteres de PABA).
O gradiente de concentração é quase que totalmente interno à
membrana de silicone para ésteres de PABA de cadeia curta.
Na medida em que a cadeia alquila do éster é aumentada de
butil para pentil e para hexil, a concentração não decai muito
ao longo da membrana. Ao contrário, o gradiente encontra-se,
agora, nas camadas aquosas de difusão e o controle da camada
de difusão passa a ser o fator dominante no processo de perme-
ação. Para o p-aminobenzoato de hexila, o fluxo no estado esta-
cionário, J, foi de 1,60 × 10–7 mmol/cm2s. Da é 6,0 × 10–6 cm2/s
Figura 12-8 Esquema de uma barreira multicamada (tripla camada). A mem- e a concentração do éster de PABA, C, é de 1,0 mmol/litro. O
brana encontra-se entre duas camadas de difusão aquosas estacionárias (Re- sistema é controlado pela camada de difusão, logo, se aplica
tirada, com permissão, de G. L. Flynn, O. S. Carpenter, and S. H. Yalkowsky, J. a equação (12-33). Calcular a espessura da camada de difusão
Pharm. Sci. 61, 313, 1972.) estacionária, ha. Tem-se que:
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 327

Da Da zando-se uma membrana de siloxano, com espessura determinada


J= C ou ha = C
2ha 2J e uma série homóloga de ésteres de PABA, Flynn e Yalkowsky17
foram capazes de estudar vários fatores: solubilidade, coeficiente
6 0 × 10 −6 cm2 de partição, difusibilidade, lag time de difusão e o os efeitos do con-
ha =
2(1 60 × 10 −7 mmol cm 2 ) trole por membrana e por camada de difusão. A partir de estudos
bem-delineados e conduzidos, é possível predizer o papel de vários
× (1 0 × 10−3 mmol cm3 ) = 0 019 cm
fatores físico-químicos, uma vez que estes estão relacionados com
De acordo com as equações (12-32) e (12-33), observa-se que, a difusão de fármacos através de recipientes plásticos, com a in-
em condições sink, o fluxo no estado estacionário na fase doadora fluência da razão de liberação de fármacos a partir de formas de
é proporcional à concentração, C, seja que o mecanismo determi- liberação sustentada e com a influência dos processos de absorção
nante do controle de fluxo se de por membrana ou por camada e excreção de fármacos distribuídos no organismo.
de difusão. A equação (12-33) mostra que o fluxo é independen-
te da espessura da membrana, hm, e de outras propriedades da
membrana quando está sob determinado pela camada de difusão Lag time no caso de controle por
estacionária. O fluxo máximo obtido em uma membrana depende camada de difusão
da solubilidade do homólogo de PABA em uma membrana (con-
centração limitante). Contudo, pode-se calcular o fluxo máximo Flynn e colaboradores15 mostraram que o lag time para membra-
utilizando-se a equação (12-31), na qual C é substituído por Cs, a nas ultrafinas, sob condições de controle por camada de difusão,
solubilidade da substância permeante: pode ser representado por
Dm KDa ( ha )2
Jmax = Cs (12-34) tL = (12-35)
hm Da + 2ha KDm 6Da

Na Figura 12-9, plotou-se o fluxo máximo no estado estacio- onde Σha é a soma das espessuras das camadas aquosas de difusão
nário versus o comprimento da cadeia, para soluções saturadas de nos lados doador e receptor da membrana. É evidente a correspon-
ésteres de PABA.17 O gráfico apresenta um pico de fluxo entre n = dência entre o tL na equação (12-35) com seu análogo em sistemas
3 e n = 4 carbonos, ou seja, entre p-aminobenzoatos de propila e de sob controle por membrana (12-32). O lag time para membranas
finas operando sob controle por camada de difusão é
butila. O pico da Figura 12-9 sugere, parcialmente, as característi-
cas de solubilidade dos ésteres de PABA, mas reflete, inicialmente, hm ha1 ha2 K
tL = (12-36)
a mudança do controle de fluxo por membrana para o controle por (ha1 + ha2 )Da
camada aquosa de difusão estacionária. Para os ésteres metílico, Quando as camadas de difusão, ha1 e ha2, são de mesma es-
etílico e propílico, o gradiente de concentração na membrana di- pessura, o lag time se reduz a
minui de forma gradual e muda, no caso de ésteres de cadeia mais hm ha K
tL = (12-37)
longa, para um gradiente de difusão nas camadas de difusão. Utili- 2Da
O coeficiente de partição, o qual mostrou anteriormente ser
um fator de mudança do controle de fluxo por membrana para
Fluxo no estado estacionário em solução saturada (ⴛ10–3 mmol/h)

controle por camada de difusão, aparece, agora, no numerador da


equação de lag time. Um valor elevado de K denota a lipofilia dos
fármacos que penetram a membrana. Por exemplo, na medida em
que se ascende na série de homólogos de ésteres de PABA, o au-
mento da lipofilia aumenta o tempo de início para o estado esta-
cionário, ou seja, o prolongamento da molécula do éster aumenta
o lag time, uma vez que o sistema está sob controle por camada
de difusão. A Figura 12-1017 mostra o aumento acentuado no lag
time para ésteres de PABA com cadeias alquila superiores a C4.

EQUIPAMENTOS E PROCEDIMENTOS PARA AVALIAR A


Medida por cromatografia gasosa DIFUSÃO DE FÁRMACOS
Espectrofotometria.
Existe uma série de métodos experimentais e câmaras de difu-
são relatados na literatura. Aqui serão abordados alguns exem-
plos de métodos usados principalmente em estudos farmacêu-
Número de carbonos da cadeia de alquila, n ticos e biológicos.
As câmaras de difusão de construção simples, como as re-
Figura 12-9 Fluxo no estado estacionário de uma série de ésteres do ácido portadas por Karth e colaboradores18 (Figura 12-11), são, prova-
p-aminobenzóico. O fluxo máximo ocorre entre ésteres contendo três e quatro velmente, as melhores em se tratando de estudos de difusão. Elas
carbonos devido à alteração do controle por membrana para o controle por são feitas de vidro, plástico transparente ou materiais poliméri-
camada de difusão, conforme explicado no texto. (Retirada, com permissão, cos, são fáceis de montar e limpar e permitem visualizar os líqui-
de G. L. Flynn and S. H. Yalkowsky, J. Pharm. Sci. 61, 838, 1972.) dos e incluir agitadores magnéticos. Podem ser termostatizadas e
328 P ATRICK J. S INKO

da diretamente.22 A velocidade de acesso à sorção de equilíbrio


permite calcular facilmente os coeficientes de difusão para gases
e vapores.
Em um estudo de absorção percutânea utilizando pele ani-
mal ou humana obtida por autópsia, Scheuplein23 descreveu
uma célula para experimentos de permeação feita de Pyrex.
Esta célula consistia de duas metades, uma câmara doadora
Lag time (min)

e outra receptora, separadas por uma amostra de pele segura-


da firmemente por uma placa perfurada. O líquido do receptor
foi agitado com uma barra magnética recoberta por Teflon. O
equipamento foi submerso em um banho a temperatura cons-
tante; as amostras foram coletadas periodicamente e analisadas
de modo adequado. Para substâncias como esteróides, a pene-
tração foi lenta, sendo necessário o uso de métodos radioativos
para a detecção de baixas concentrações.
Wurster e colaboradores24 desenvolveram uma célula de
permeabilidade para estudos de difusão de vários permeantes,
incluído gases, líquidos e géis, através de estrato córneo (retirado
de antebraço humano). A célula de permeabilidade é mostrada na
Figura 12-12. Durante os experimentos de difusão, foi mantida
temperatura constante e agitação moderada em direção ao plano
Número de carbonos na cadeia alquila, n da membrana. As amostras foram removidas da câmara recepto-
Figura 12-10 Alteração no lag time de acordo com o comprimento da cadeia
ra em períodos de tempos definidos e a seguir analisadas.
alquila dos ésteres do ácido p-aminobenzóico. (Retirada, com permissão, de
A cinética e o equilíbrio de absorção do líquido e do soluto
G. L. Flynn and S. H. Yalkowsky, J. Pharm. Sci. 61, 838, 1972.)
em plásticos, pele e outros materiais químicos e biológicos po-
dem ser determinados colocando-se pedaços do filme em um
banho contendo um líquido puro ou uma solução, a temperatura
constante. Os pedaços são removidos em diferentes tempos; o
permitem a automação da coleta e da análise. Tipicamente, a câ- excesso de líquido é removido com tecido absorvente e as amos-
mara doadora é cheia com uma solução contendo o fármaco. As tras de filme são pesadas de forma exata em recipientes previa-
amostras são coletadas do compartimento receptor e subseqüen- mente pesados. Neste método também se pode usar uma técnica
temente analisadas mediante uma série de métodos analíticos, tais radioativa de contagem para analisar o fármaco que permanece
como contadores de cintilografia líquida ou cromatografia líquida em solução e, por diferença, a quantidade sorvida no filme.
de alta eficiência com diversos detectores (p. ex., ultravioleta, flu- Os coeficientes de partição são determinados durante o
orescência ou espectrometria de massa). Os experimentos podem equilíbrio do fármaco entre dois solventes imiscíveis, em um
ser executados durante horas, sob condições controladas. recipiente apropriado e a temperatura constante, por meio da re-
Biber e Rhodes19 construíram uma célula de difusão Plexi- tirada e análise de amostras de ambas as fases.25 Em estudos de
glas com três compartimentos para uso tanto em membranas sin- difusão são necessárias as solubilidades de equilíbrio dos fár-
téticas quanto em biológicas. Nesta, o fármaco difunde dos dois macos, obtidas conforme descrito anteriormente (Capítulo 7).
compartimentos doadores externos para a câmara receptora cen-
tral. Os resultados foram reprodutíveis e favoravelmente compa-
ráveis com aqueles encontrados por outros autores. O desenho
da célula com três compartimentos aumentou a superfície de ex- Agitador
posição da membrana, melhorando a sensibilidade analítica.
A permeação de vapor de água e substâncias orgânicos aro- Abertura de
máticos para soluções aquosas através de um filme plástico pode amostrgem
ser investigada utilizando-se células de vidro com duas câmaras,
similares àquelas usadas para o estudo de soluções de fármacos
em geral. Nasim e colaboradores20 reportaram a permeação de
19 substâncias aromáticas a partir soluções aquosas através de
filmes de polietileno. Higuchi e Aguiar21 estudaram a permeabi- Compartimento
lidade do vapor de água através de materiais de revestimento en- receptor
térico usando uma célula de difusão de vidro e a escala McLeod
para medir as mudanças de pressão através do filme.
A sorção de gases e vapores pode ser determinada usando-
se uma microbalança fechada em um recipiente com temperatu-
ra controlada, e sob vácuo, com sensibilidade de ± 2 × 10–6 g. O
Compartimento Membrana fixada entre os
vapor de gás é introduzido a pressões controladas na câmara de
doador suportes de Teflon
vidro contendo o filme polimérico ou biológico, de dimensões
conhecidas, suspenso em um dos braços da balança. A massa Figura 12-11 Célula de difusão simples. (Retirada, com permissão, de M. G.
de difusante sorvida pelo filme a diferentes pressões é registra- Karth, W. I. Higuchi, and J. L. Fox, J. Pharm. Sci. 74, 612, 1985.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 329

Entrada de
O2/CO2

C Pinos-suporte
para o tecido
Figura 12-12 Célula de difusão para permeação através de camadas de pele
excisada. O permeante pode estar na forma de gás, líquido ou gel. Legenda: (a)
A, tampa de vidro; B, câmara de vidro; C, anel de alumínio; D, membrana e re-
tentor de amostra. (Retirada, com permissão, de D. E. Wurster, J. A. Ostrenga
and L. E. Matheson, Jr., J. Pharm. Sci. 68, 1406, 1410, 1979.)

Addicks e colaboradores26 descreveram uma célula de


fluxo contínuo e Addicks e colaboradores27 desenharam uma
célula com resultados mais comparáveis com a difusão de fár-
macos em condições clínicas. Grass e Sweetana28 propuseram
uma célula de difusão de acrílico para estudos de permeação
em tecidos. Em um artigo posterior, Hidalgo e colaboradores29
desenvolveram e validaram uma câmara de difusão semelhan-
te para o estudo de permeação através de culturas de mono-
camadas celulares. Estas câmaras (Figura 12-13a e 12-13b),
derivadas da câmara Ussing, têm a vantagem de utilizar condi-
ções de fluxo laminar através da superfície da célula ou tecido,
permitindo o acesso à camada limite aquosa e aos cálculos da
permeabilidade intrínseca do fármaco à membrana.

DIFUSÃO BIOLÓGICA
EXEMPLO 12-4
Absorção intestinal de fármacos e secreção
A permeabilidade aparente, Papp, do taxol através de monocama-
das de células Caco-2 é 4,4 × 10–6 cm/s, da direção apical para a
basolateral (ou seja, na direção de absorção) e de 31,8 × 10–6 cm/s
da direção basolateral para a apical (ou seja, na direção da secre-
ção). Assumindo-se que tanto o transporte de absorção quanto de
secreção de fármacos ocorre em condições sink (Cr << Cd), qual é
a quantidade de taxol absorvida pela parede intestinal duas horas
depois da administração da dose? Assume-se que a concentração
de taxol no fluido intestinal seja de 0,1 mg/mL, e que após admi- (b)
nistração intravenosa, a concentração inicial de taxol no plasma
Figura 12-13 (a) Célula de difusão de Sweetana/Grass. O tecido está dis-
seja de 10 μg/mL. Qual a quantidade de taxol que será secretada
posto entre duas hemicélulas de acrílico. O tampão é circulado pela ascen-
nas fezes duas horas após a administração da dose? Assume-se que
são de gás (O2/CO2) na entrada do sistema e flui na direção das flechas,
a área intestinal efetiva para absorção e secreção seja de 1m.2,30,31
Temos que paralelo à superfície do tecido. A temperatura é controlada por um bloco de
dJ dM aquecimento.
= = Papp Cd
dt dt A
330 P ATRICK J. S INKO

Para a absorção intestinal,


TABELA 12-4
Ma = Papp Cd At = (4 4 × 10−6 cm s) (0 1 mg mL) (1 m2 ) (2 h)
PORCENTAGEM DE SULFISOXAZOL (pKa ⬵ 5,0) DISSOCIADO
= 3 17 μg E NÃO-DISSOCIADO EM DIFERENTES VALORES DE pH
Para a secreção intestinal, Porcentagem Porcentagem
Me = Papp Cd At = (31 8 × 10−6 cm s) (10 μg mL) (1 m2 ) (2 h) pH dissociada não-dissociada
= 2 29 μg 2,0 0,100 99,900
4,0 9,091 90,909
5,0 50,000 50,000
Absorção gastrintestinal de fármacos 6,0 90,909 9,091
8,0 99,900 0,100
Os fármacos passam através das membranas biológicas de
acordo com dois principais tipos de transporte: passivo e me- 10,0 99,999 0,001
diado por carreador. A transferência de fármacos por trans-
porte passivo envolve forças de difusão simples, por meio da
diferença de concentração de fármaco dos dois lados da mem- Logo, a equação de Henderson-Hasselbalch para ácidos
brana. Na absorção intestinal, por exemplo, a transferência do fracos pode ser escrita da seguinte forma:
fármaco de uma região de alta concentração no trato gastrin- U
testinal para outra de baixa concentração (circulação sistêmi- 10(pKa − pH) antilog(pK a − pH) (12-39)
ca) ocorre, na maioria das vezes, por transporte passivo. Uma I
vez que o fármaco é diluido instantaneamente no momento em ou
U I antilog(pKa − pH) (12-40)
que atinge a circulação sangüínea, a condição sink é essencial-
mente mantida durante todo o tempo. Substituindo U pela equação para porcentagem ionizada,
O transporte mediado por carreadores pode ser classi- tem-se
ficado por transporte ativo (no qual é necessária energia) 100
% Ionizada (12-41)
ou difusão facilitada (não depende de fonte energética, tal 1 antilog(pK a − pH)
como a adenosina trifosfato [ATP]). No transporte ativo, o
fármaco pode migrar de uma região de baixa concentração Similarmente, para uma molécula de base fraca, tem-se
para outra de alta concentração, por meio da “ação bombe- 100
% Ionizada (12-42)
ante” destes sistemas de transporte biológico. As proteínas 1 antilog(pH − pK a )
carreadoras da difusão facilitada não podem transportar fár-
macos ou nutrientes contra um gradiente de concentração. Na equação (12-41), o pKa refere-se ao ácido fraco, en-
Neste capítulo faremos uso limitado de sistemas carreadores quanto que, em (12-42), o pKa indica o ácido que está conju-
especializados e iremos concentrar nossa atenção principal- gado à base fraca.
mente na difusão passiva. A porcentagem de ionização a diferentes valores de pH
Sendo muitos fármacos ácidos ou bases fracas, as carac- do ácido fraco sulfisoxazol, pKa ≅ 5,0, encontra-se na Tabela
terísticas iônicas do fármaco nos compartimentos biológicos 12-4. No ponto em que o pH é igual ao pKa do fármaco, as for-
e membranas têm importante influência no processo de trans- mas iônica e molecular coexistem em igual quantidade. A difu-
ferência. A partir de relação de Henderson-Hasselbalch para são molecular de fármacos através da mucosa intestinal é lon-
ácidos fracos, tem-se que: ga o suficiente para ser considerada o maior trajeto de absorção
[A− ] destes no organismo. A absorção de fármacos por difusão atra-
pH pK a log vés das células intestinais (p. ex., os enterócitos) ou entre essas
[HA] células (ou seja, difusão paracelular) é orientada pelo estado de
onde [HA] é a concentração do ácido fraco não-ionizado e ionização do fármaco, pela sua solubilidade e concentração no
[A–] é a concentração da sua base conjugada. Para uma base intestino e pela permeabilidade da membrana.
fraca, a equação é
[B] Hipótese de pH-partição
pH pK a log
[BH ]
As membranas biológicas são predominantemente lipofílicas e
onde [B] é a concentração de base e [BH+], a concentração do os fármacos penetram nestas barreiras principalmente na for-
seu ácido conjugado. Neste caso, pKa é o expoente de dissocia- ma molecular, não-dissociada. Brodie e colaboradores32 foram
ção para o ácido fraco. Para a equação de uma base fraca, pKa os primeiros a aplicar o princípio conhecido como hipótese de
= pKw – pKb. pH-partição, em que os fármacos são absorvidos através do
A porcentagem de ionização do ácido fraco é a razão da trato gastrintestinal por difusão passiva, dependendo da fração
concentração do fármaco na forma iônica, I, sobre a concentra- de fármaco não-dissociado no pH do intestino. Esta é a razão
ção total de fármaco na forma iônica, I, somada à forma não- pela qual o coeficiente de partição entre as membranas e os
dissociada, U, multiplicada por 100: fluidos gastrintestinais é tão grande para as espécies não-disso-
I ciadas e favorece o transporte das formas moleculares do intes-
% Ionizada × 100 (12-38)
I U tino, através da parede mucosa, para a circulação sistêmica.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 331

O princípio de pH-partição tem sido testado em um grande mago para o plasma do que do plasma para o estômago. Isso
número de estudos in vitro e in vivo e tem-se verificado que é par- sugere que a penetração de íons está associada o fluxo do íon
cialmente aplicável em sistemas biológicos reais.32,33 Em muitos sódio. Aparentemente sua passagem, Pg, ocorre devido a um
caso, a formas ionizada e não-ionizada particionam-se nas mem- acoplamento dos íons ao transporte de sódio, e este mecanismo
branas lipofílicas, sendo, também, significativamente transpor- transporta os íons de fármaco através da membrana, em desa-
tadas através destas. Sabe-se que para certos fármacos, como o cordo com a simples hipótese do pH-partição.
sulfatiazol, o coeficiente de permeabilidade in vitro da forma io- Colaizzi e Klink34 investigaram o comportamento de pH-
nizada realmente excede aquele da forma molecular do fármaco. partição das tetraciclinas, uma classe de fármacos com três va-
O transporte do fármaco por difusão através de uma membrana, lores de pKa, adicionando, assim, um fator complicador aos
como a mucosa intestinal, é governado pela lei de Fick: princípios da teoria de pH-partição. A solubilidade lipídica e
dM D as quantidades relativas de formas iônicas das tetraciclinas no
− (Cg − Cp ) (12-43) pH fisiológico têm um papel na atividade biológica dos vários
dt h análogos de tetraciclinas usados na prática clínica.
onde M é a quantidade de fármaco no compartimento do estô-
mago no tempo t, Dm é a difusividade na membrana intestinal,
S é a área da membrana, K é o coeficiente de partição entre a Modificação do princípio de pH-partição
membrana e o meio aquoso no intestino, h é a espessura da
membrana, Cg é a concentração do fármaco no compartimento Ho, Higuchi e colaboradores35 também mostram que o prin-
intestinal, e Cp é a concentração de fármaco no compartimento cípio de pH-partição é somente aproximado, uma vez que,
plasmático no tempo t. O compartimento estomacal é manti- segundo tal princípio, os fármacos são absorvidos na muco-
do com elevada concentração e, em relação ao compartimento sa intestinal somente na forma não-dissociada. A absorção de
plasmático, tem volume grande o suficiente para manter o Cg espécies iônicas e não-iônicas relativamente pequenas através
constante. Uma vez que Cp é relativamente pequeno, pode ser de poros aquosos e de camadas de difusão aquosas na frente
omitido da equação (12-43), tornando-a das membranas deve ser considerada.36 Outros fatores compli-
cadores, tais como o metabolismo de fármacos na membrana
dM Dm SKCg gastrintestinal, a absorção e a secreção mediada por carreado-
− (12-44)
dt h res, a absorção de formas micelares e os efeitos da circulação
O lado esquerdo de (12-44) é convertido em unidades de con- êntero-hepática também precisam ser considerados em quais-
centração, C (massa/unidade de volume) × V (volume). Do quer modelos propostos para simular processos in vivo.
lado direito de (12-44), a constante de difusão, a área da mem- Ho, Higuchi e colaboradores36 investigaram a absorção
brana, o coeficiente de partição e a espessura da membrana são gastrintestinal de fármacos usando os princípios da difusão e o
combinados para ceder lugar ao coeficiente de permeabilidade. conhecimento dos fatores fisiológicos envolvidos. Eles usaram
Estas alterações geram o par de equações uma preparação in situ, conforme mostrado na Figura 12-14,
conhecida como método modificado de Doluisio para absorção
dC g
−V Pg Cg (12-45) in situ em intestino de rato. (A preparação original de intesti-
dt no de rato37 usava duas seringas sem modificação do bombea-
dC p mento mecânico.)
−V Pp Cg (12-46)
dt
onde Cg e Pg da equação (12-45) são a concentração e o coe-
ficiente de permeabilidade, respectivamente, para a passagem Bomba bidirecional
de fármaco do intestino para o plasma. Na equação (12-46), Cp
e Pp são termos referentes à passagem reversa do fármaco do Rolha de borracha
plasma para o intestino. Uma vez que o volume do estômago,
V, e a concentração no estômago, Cg, são constantes, dividin-
do-se (12-45) por (12-46) tem-se que: Seringa plástica de 5 mL

dCg dt Pg
(12-47)
dC p dt Pp
A equação (12-47) demonstra que a razão de absorção nas di-
reções do intestino para o plasma e do plasma para o intestino
igualam-se à razão dos coeficientes de permeabilidade.
O estudo de Turner e colaboradores33 mostrou que os fár-
macos não-dissociados atravessam livremente a membrana Jejuno conectado
intestinal em ambas as direções, por difusão, o que vem ao en- a cânulas
de vidro
contro do princípio de pH-partição. Os fármacos parcialmente
ionizados mostram um aumento na razão de permeabilidade, Figura 12-14 Técnica modificada de Doluisio para absorção in situ em in-
indicando uma penetração favorável do intestino para o plas- testino de rato (Retirada, com permissão, de N. F. H. Ho, J. Y. Park, G. E.
ma. Fármacos completamente ionizados, com carga positiva Amidon, et al., in A. J. Aguiar [Ed.], Gastrointestinal Absorption of Drugs,
ou negativa, mostram razões de permeabilidade Pg/Pp de apro- American Pharmaceutical Association, Academy of Pharmaceutic Sciences,
ximadamente 1,3, ou seja, há uma passagem maior do estô- Washington, D.C., 1981.)
332 P ATRICK J. S INKO

A Figura 12-15 mostra o modelo usado para a absorção Substituindo a equação (12-52) em (12-51) tem-se
de fármacos através da mucosa do intestino. A camada aquo- V
sa limitante está em série com a biomembrana, a qual é com- J · K u Cb (12-53)
S
posta por regiões lipídicas e por poros aquosos dispostos em
paralelo. O reservatório final é o sangue, em condição sink. e, a partir das equações (12-49) e (12-50), juntamente com
O fluxo do fármaco permeando a membrana é (12-53), encontramos:
J Papp (Cb − Csangue) (12-48) 1 V (12-54)
Papp Ku
1 1 S
ou, uma vez que o reservatório sangüíneo está em condição Paq Pm
sink, Csangue ≅ 0, e
J Papp Cb (12-49) ou
S Paq
onde Papp é o coeficiente de permeabilidade aparente (cm/s) e Ku · (12-55)
Cb é a concentração total de fármaco em solução no lúmem do V 1 Paq
intestino. Pm
A permeabilidade aparente é dada por
Considerando-se os dois casos, (a) controle por camada
1 aquosa limitante e (b) controle por membrana, resulta na equa-
Papp (12-50)
1 1 ção simplificada (12-55).
Paq Pm
(a) Quando o coeficiente de permeabilidade da membrana
onde Paq é o coeficiente de permeabilidade do fármaco na ca- intestinal (ou seja, a velocidade de passagem do fárma-
mada aquosa limitante (cm/s) e Pm é o coeficiente de perme- co através da membrana em cm/s) é muito maior do que
abilidade efetivo do fármaco nas regiões lipídicas e polar da aquele da camada aquosa, esta irá causar uma passagem
membrana (cm/s). lenta do fármaco e será, então, a barreira limitante da ve-
O fluxo pode ser escrito em termos de concentração de locidade. Por esta razão, Paq/Pm será bem menor que 1 e a
fármaco, Cb, no lúmen intestinal combinando-se este com um equação (12-55) se reduz a
termo para o volume, ou Ku máx (S V )Paq (12-56a)
V dC b (12-51)
J · Ku é agora escrito como Ku,max porque o valor máximo da
S dt
constante de velocidade difusional é determinado pela
onde S é a área de superfície e V é o volume do segmento intes- passagem através da camada aquosa limite.
tinal. A velocidade de primeira ordem de desaparecimento do
fármaco, Ku(s–1), no intestino aparece na expressão: (b) Se, por outro lado, a permeabilidade da camada aquosa
limitante é muito maior que a da membrana, Paq/Pm será
dC b
Ku Cb (12-52) muito maior do que 1 e a equação (12-55) se reduz a
dt (12-56b)
Ku (S V )Pm
O passo determinante da velocidade para o transporte de
Aquoso
Membrana lipídica/ fármacos através da membrana é, agora, controlado pela
aquosa estomacal membrana. Quando Paq não é muito maior que Pm, e vice-
versa, o processo é controlado pela velocidade da passagem
Lúmen DL I
do fármaco tanto através da camada estacionária aquosa
intestinal quanto da membrana. As figuras 12-16 e 12-17 mostram
a estudos da absorção de homólogos do n-alcanol e do ácido
I n-alcanóico, respectivamente, a qual ilustra a interação do
a pH, pKa, lipofilia do soluto em função do comprimento da
cadeia carbonada, permeabilidade de membrana dos poros
I lipídicos e aquosos e permeabilidade da camada de difu-
a são aquosa, influenciados pela agitação hidrodinâmica da
solução.
I Sink

L1 0 –L2 EXEMPLO 12-5


Figura 12-15 Modelo de absorção de fármacos através da mucosa de intes- Transporte de pequenas moléculas no intestino delgado
tino delgado. O lúmen intestinal consiste de poros aquosos (a) e de regiões
Calcular a constante da velocidade de primeira ordem, Ku, para o
lipídicas (l). A distância da parede da membrana à circulação sistêmica (sink)
transporte de um álcool alifático através da membrana de intesti-
é marcada de 0 a L2; a distância através da camada de difusão é de 0 a L1.
no delgado de rato se S/V = 11,2 cm–1, Paq = 1,5 × 10–4 cm/s, e Pm
(Retirada, com permissão, de N. F. H. Ho, W. I. Higuchi, and J. Turi, J. Pharm.
=1,1 × 10–4 cm/s. Temos que:
Sci. 61, 193, 1972.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 333

CONCEITO VIAS DE TRANSPORTE


I II As vias de transporte paralelas são, todas, vias potenciais durante uma
determinada etapa de absorção. Embora muitas delas estejam poten-
cialmente disponíveis para o transporte de fármaco através das mem-
A branas biológicas, os fármacos irão atravessar a via que oferecer menor
resistência.
Para as etapas de transporte em série (p. ex., é necessário trans-
por uma etapa de absorção para, então, atingir-se a próxima), a etapa
mais lenta da absorção será sempre a etapa limitante da velocidade do
B processo.

1 5 × 10−4 cm s 1 5 × 10−4 S Paq


Ku = (11 2) −4
= 11 2 Ku · (12-57)
1 5 × 10 cm s 2 3636 V 1 Paq
1+
1 1 × 10−4 cm s P0 X s Pp
Ku = 7 1 × 10−4 s −1 onde Pm da membrana é, agora, separado no termo P0, o coe-
ficiente de permeabilidade da via lipídica para o fármaco não-
Para um fármaco eletrólito fraco, a razão da constante de dissociado, e o termo Pp, o coeficiente de permeabilidade da
absorção, é36 via polar ou aquosa para espécies iônicas e não-iônicas:
Constante da velocidade de absorção

Ácidos n-alcanóicos
Constante da velocidade de absorção

30
C4 C8
26 Oscilação C6 C10
0,0075 mL/s 3,0
22 Hidrodinâmica
(ⴛ104 s–1)

(Kuⴛ103 s–1)

Estático estática, 150 s


18 Estático 2,0 Oscilação
150 s 0,075 mL/s
14 Água
1,0
10 300 s

6 0
0 2 4 6 8 10 12 3 5 7 9 11
Número de carbono nos n-alcanóis pH
Figura 12-16 Constante da velocidade de absorção de primeira ordem para Figura 12-17 Constantes da velocidade de absorção de primeira ordem de
uma série de n-alcanóis sob diferentes condições hidrodinâmicas (estática ácidos alcanóicos em função do pH de soluções tamponadas no lúmen do
ou baixa velocidade de agitação e oscilante ou agitação forte a 0,075 mL/s) estômago de ratos, usando a técnica modificada de Doluisio. A figura mostra
em jejum, usando a técnica modificada de Doluisio. (Retirada, com permis- as condições hidrodinâmicas. (Retirada, com permissão, de N. F. H. Ho, J. Y.
são, de N. F. H. Ho, J. Y. Park, W. Morozowich, and W. I. Higuchi, in E. B. Park, W. Morozowich, and W. I. Higuchi, in E. B. Roche, [Ed.], Design of Bio-
Roche [Ed.], Design of Biopharmaceutical Properties Through Prodrugs and pharmaceutical Properties Through Prodrugs and Analogs, American Phar-
Analogs, American Pharmaceutical Association, Academy of Pharmaceutical maceutical Association, Academy of Pharmaceutical Sciences, Washington,
Sciences,Washington, D.C., 1977, p. 148.) D.C., 1977, p. 150.)
334 P ATRICK J. S INKO

Pm P0 X s Pp (12-58)
TABELA 12-5
A fração de espécies de fármaco não-dissociadas, Xs, no COEFICIENTES DE PERMEABILIDADE A DIFERENTES
pH da superfície da membrana no limite aquoso é VALORES DE pH
[H ]s 1
Xs (12-59) pH, solução 4,67 5,67 6,24 6,40 6,67 6,91 7,04 7,40
[H ]s Ka 1 antilog(pHs − pKa ) doadora
para ácidos fracos e, P × 106 cm/s 4,72 5,44 6,11 6,81 7,06 7,66 6,79 8,85
Ka 1
Xs (12-60)
[H ]s Ka 1 antilog(pKa − pHs )
permeabilidade (coeficiente de permeabilidade) P, determinada
para bases fracas. Note a relação entre as equações (12-59) e experimentalmente, a diferentes valores de pH.
(12-41) e entre (12-60) e (12-42). Ka é a constante de disso- (a) Calcule a fração não-ionizada, fB, de pilocarpina nos va-
ciação do ácido fraco ou do ácido conjugado à base; [H+]s é a lores de pH dados na tabela, usando a equação (12-60). O pKa da
concentração de íons hidrogênio na superfície da membrana pilocarpina (o pKa do ácido conjugado da base fraca, pilocarpina,
e s indica superfície. O pHs da superfície não é, necessaria- é o íon pilocarpínio) é 6,67, a 34 °C.
mente, igual ao pH da solução tamponada de fármaco,36 pois (b) A relação entre a permeabilidade P e a fração não-ioniza-
a membrana do intestino delgado secreta ativamente espécies da fB da pilocarpina base nesta faixa de valores de pH é dada pela
tamponantes (principalmente CO2–2 e HCO3–). É somente em equação
valores de pH de aproximadamente 6,5 a 7,0 que o pH da P = PB fB + PBH + fBH + (12-61)
superfície é igual ao pH da solução tamponada. Reconhece-se
facilmente que, para não-eletrólitos, Xs torna-se igual a um e onde B representa a base e BH+, para sua forma ácida conjugada
ou ionizada. Observe que se fBH+ = 1– fB, pode-se escrever a equa-
também que, para grandes moléculas como os esteróides, Pp
ção (12-61) como
é insignificante.
P = PBH + + (PB − PBH + ) f B (12-62)

Obtém-se a permeabilidade para as espécies protonadas,


EXEMPLO 12-6 PBH+, e para a base sem carga, PB, usando a regressão linear dos
Constante de velocidade de absorção duodenal mínimos quadrados na equação (12-62), onde P, a permeabilidade
total, é a variável dependente e fB é a variável independente.
Um fármaco ácido fraco, com um valor de Ka igual a 1,48 × 10–5,
(c) Obter a razão dos dois coeficientes de permeabilidade,
é colocado no duodeno, em uma solução tamponada de pH 5,0.
PBH+/PB.
Assume-se que [H+]s = 1 × 10–5 no duodeno Paq = 5,0 × 10–4 cm/s,
Respostas:
P0 = 1,14 × 10–3 cm/s, Pp = 2,4 × 10–5 cm/s, e S/V = 11,20 cm–1.
(a) Os valores calculados de fB em diferentes valores de pH
Calcular a constante de velocidade de absorção, Ku, usando a
estão na tabela seguinte:
equação (12-57).
Primeiro, da equação (12-58), tem-se que: pH, solução 4,67 5,67 6,24 6,40 6,67 6,91 7,04 7,40
−5 doadora
1 × 10
Xs = = 0 403
1 × 10−5 + 1 48 × 10−5 fB 0,01 0,09 0,27 0,35 0,50 0,64 0,70 0,84
Logo (b) Pela regressão linear, a equação (12-62) dá
5 0 × 10−4
Ku = (11 2) P = 4 836 × 10−6 + 4 897 × 10−6 f B
5 0 × 10−4
1+
(1 14 × 10−3 )0 403 + 2 4 × 10−5 Intercepto = 4 836 × 10−6 = PBH +

Ku = 2,75 × 10 −3 s −1 = 4 897 × 10−6 = (PB − 4 836 × 10−6 )


PB = 9 733 × 10−6 cm s
EXEMPLO 12-7 (c) A razão PB/PBH+ ⬵ 2. A permeabilidade da forma não-
ionizada é cerca de duas vezes a da forma ionizada.
Penetração transcorneal de pilocarpina
O leitor tem, agora, condições de explicar o resultado (c) sob
Na absorção gastrintestinal (Exemplo 12-5), o coeficiente de per- a hipótese de pH-partição.
meabilidade é dividido em P0 para a via lipídica dos fármacos não-
dissociados e Pp para a via polar, tanto de espécies iônicas quanto
de não-iônicas. De modo análogo, para a penetração corneal de
Absorção percutânea
bases fracas, o valor de P pode ser dividido em dois coeficientes de A penetração percutânea, ou seja, a passagem através da pele,
permeação: PB para espécies não-ionizadas e PBH+ para seu ácido envolve (a) a dissolução do fármaco no veículo, (b) a difusão
conjugado ionizado. O exemplo a seguir demonstra o uso destes do fármaco solubilizado (soluto) do veículo para a superfície
dois coeficientes de permeabilidade. da pele e (c) a penetração do fármaco nas camadas da pele,
Mitra e Mikkelson38 estudaram a penetração transcorneal de principalmente o estrato córneo. A Figura 12-18 mostra as vá-
pilocarpina usando uma preparação in vitro de córnea de coelho rias estruturas da pele envolvidas na absorção percutânea. A
presa a uma célula de difusão especial. A Tabela 12-5 mostra a etapa mais lenta do processo geralmente envolve a passagem
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 335

através do estrato córneo, conseqüentemente, esta é o fator li- entre células ou poros sebáceos ou dutos sudoríparos (Figura
mitante ou que controla a velocidade de permeação.* 12-18, o mecanismo A é preferível ao B, C ou E).
Scheuplein39 verificou que a constante de permeabilidade O estrato córneo, normal e bem-hidratado, é a membrana
média, Ps, para a água na pele é 1,0 × 10-3 cm/h e a constante biológica mais impermeável; esta é uma das suas importantes
de difusão média, Ds, é 2,8 × 10–10 cm2/s (o s subescrito no D características em sistemas vivos.
indica pele). A penetração de água no estrato córneo parece Seria simplificado demais assumir que uma rota seja pre-
alterar fracamente a barreira, principalmente devido ao seu dominante em todas as situações.39 Mesmo após as condições
efeito sobre os poros da pele. O estrato córneo é considera- do estado estacionário terem sido alcançadas, muito provavel-
do um filme homogêneo e denso. Pequenos eletrólitos pola- mente a difusão transdermal através do estrato córneo é predo-
res penetram no estrato córneo e ligam-se fortemente a seus minante. Nos estágios iniciais da penetração, a difusão através
componentes; a difusão da maioria das substâncias através dos apêndices (folículos pilosos, dutos sebáceos e sudoríparos)
desta barreira é bastante lenta.Na maioria das vezes, a difusão pode ser significativa. No caso de grandes moléculas polares,
transcelular ocorre muito mais que a difusão através de canais estas vias de desvio são igualmente importantes na difusão em
estado estacionário, conforme o exemplo a seguir.
Scheuplein e colaboradores40 investigaram a absorção per-
* Quantidades apreciáveis de vários fármacos, como esteróides, também po- cutânea de vários esteróides. Eles encontraram que a principal
dem penetrar na pele através de dutos sebáceos ordinariamente associados barreira de penetração da pele, para moléculas esteroidais, é o
a pêlos na superfície da pele (absorção transfolicular). estrato córneo. O coeficiente de difusão, Ds, para estas subs-

Estrato córneo

Epiderme

Glândula
sebácea

Derme

Glândula
sudorípara

Tecido
Vasos e capilares
subcutâneo
sangüíneos
e gorduroso

Nervo

Figura 12-8 Estruturas da pele envolvidas na absorção percutânea. A espessura das camadas não está em escala. Tipos de
transporte para a penetração percutânea: A, transcelular; B, difusão por canais entre células; C, através de ductos sebáceos; D,
transfolicular; E, pelos dutos sudoríparos.
336 P ATRICK J. S INKO

tâncias é de aproximadamente 10-11 cm2/s, várias vezes menor Em um procedimento percutâneo experimental, Turi e co-
do que aquele observado para a maioria dos não-eletrólitos. laboradores43 analisaram a concentração de fármaco no com-
Este pequeno valor de Ds resulta na baixa permeabilidade dos partimento receptor de um equipamento de difusão in vitro,
esteróides. A adição de grupos polares às moléculas de esterói- usando pele nua de camundongo como barreira, em vez de
des reduz mais ainda a constante de difusão. Para esteróides fazê-lo no compartimento doador. Na penetração em estado
polares, os dutos sebáceos e as glândulas sudoríparas parecem estacionário,
ter um papel mais importante na absorção percutânea do que a
dCv dCR
difusão propriamente dita através do estrato córneo. −V VR · (12-66)
Os estudos de Higuchi e colaboradores41 mostraram mé- dt dt
todos usados para caracterizar a permeabilidade de diferentes A velocidade de saída do fármaco do veículo no compar-
secções da pele. Os diferentes domínios de proteínas e lipí- timento doador é igual à velocidade de entrada de fármaco no
deos parecem exercer um papel na penetração dos fármacos compartimento receptor. Com esta alteração, a integração da
no estrato córneo. A captação de um soluto pode depender equação (12-65) gera
das características da região da proteína, da via lipídica ou da
combinação destes dois domínios no estrato córneo e depende SKvs Cv
MR t (12-67)
da lipofilia do soluto. O conteúdo lipídico do estrato córneo Rs
é importante na captação de solutos lipofílicos, mas não está
envolvido na atração de fármacos hidrofílicos.42 onde MR é a quantidade de diacetato de diflorasona na solução
A escolha correta do veículo é importante para garantir receptora no tempo t. O fluxo, J, é
a biodisponibilidade de fármacos de uso tópico. Turi e cola- MR K vs Cv
boradores43 estudaram o efeito de solventes – propilenoglicol J (12-68)
em água e éter 15-estearil-polioxipropilênico em óleo mineral St Rs
– na penetração de diacetato de diflorasona na pele (um éster
Na Figura 12-19, observa-se o fluxo no estado estacio-
esteroidal). O fluxo percutâneo do fármaco foi diminuído pela
nário de uma formulação de diacetato de diflorasona conten-
presença excessiva de solvente na base. As concentrações óti-
do diferentes porções (frações ponderais) de éter 15-estearil-
mas de solvente foram determinadas para produtos contendo
polioxipropilênico em óleo mineral. O coeficiente de partição
0,05 e 0,1% de diacetato de diflorasona.
pele-veículo foi medido para cada veículo usado na formula-
Alguns fatores importantes que influenciam a penetração
ção. Os pontos representam os valores experimentais obtidos
deste fármaco na pele são: (a) concentração do fármaco dis-
com o equipamento de difusão e a linha foi calculada usando a
solvido, Cs, uma vez que a velocidade de penetração é propor-
equação (12-68). O ponto referente a uma fração ponderal zero
cional à concentração; (b) o coeficiente de partição, K, entre a
de co-solvente éter está associado à baixa solubilidade e lenta
pele e o veículo, o qual é uma medida da afinidade relativa do
velocidade de dissolução do fármaco em óleo mineral e pode
fármaco pela pele e pelo veículo e (c) os coeficientes de difu-
ser desconsiderado. A velocidade de penetração diminui após
são, os quais representam a resistência ao movimento da molé-
a concentração crítica, que corresponde à fração ponderal de
cula do fármaco através do veículo, Dv, e as barreiras da pele,
Ds. A magnitude relativa dos dois coeficientes de difusão, Dv e
Ds, determina quando a etapa limitante é a liberação a partir do
veículo ou a passagem através da pele.43,44
0,2
Para o diacetato de diflorasona em água e propilenoglicol
Fluxo do diacetato de diflorasona (μg/cm2/h)

(a base mais polar) ou em éter 15-estearil-polioxipropilênico


em óleo mineral (a base não-polar), verificou-se que a etapa
limitante do processo foi a própria pele. A equação de difusão
para este sistema é 0,1
dC v SKvs Ds Cv
− (12-63)
dt Vh
onde Cv é a concentração de fármaco dissolvido no veículo (g/ 0,05
cm3), S é a área de superfície da aplicação (cm2), Ksv é o co-
eficiente de partição pele-veículo do diacetato de diflorasona,
Ds é o coeficiente de difusão do fármaco na pele (cm2/s), V é o
volume de medicamento aplicado (cm3), e h é a espessura da
barreira da pele (cm).
O coeficiente de difusão e a espessura da barreira da pele 0,02
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6
podem ser substituídos pela resistência, Rs, à difusão na pele:
Frações ponderais das frações do éter
Rs h Ds (12-64) 15-estearil-polioxipropilênico em óleo mineral.

e a equação (12-63) torna-se Figura 12-19 Fluxo de diacetato de diflorasona no estado estacionário em
uma mistura de éter 15-estearil-polioxipropilênico e óleo mineral (Retirada,
dC v SKvs Cv com permissão, de J. S. Turi, D. Danielson, and W. Wolterson, J. Pharm. Sci.
− (12-65)
dt VR s 68, 275, 1979.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 337

éter 15-estearil-polioxipropilênico de aproximadamente 0,2. Na Figura 12-20 compara-se a penetração de acetonido


Os resultados54 mostraram que foi suficiente aplicar a prepa- de fluocinolona incorporado em géis de propilenoglicol in vi-
ração tópica do esteróide uma vez ao dia e que a preparação tro, usando pele de cadáver humano, e in vivo, usando pele
contendo 0,05% de fármaco foi tão efetiva quanto aquela con- “viva”. Pode-se observar que as formas e os picos das duas
tendo 0,1%. curvas são um tanto similares. Logo, os estudos in vitro usando
secções de pele humana podem servir de guias aproximados
EXEMPLO 12-8 para a formulação de bases adequadas para estas substâncias
esteroidais.
Penetração de diacetato de diflorasona em pele de Ostrenga e colaboradores45 conseguiram demonstrar a re-
camundogo nu lação entre a liberação do esteróide a partir do seu veículo, a
Fez-se um estudo da penetração de uma solução de 5,0 × 10–3 g/ penetração in vitro através de pele humana obtida por necropsia
cm3 de diacetato de diflorasona, a 27 °C, em uma célula de difusão e a atividade vasoconstritora do fármaco em função da compo-
de Turi e colaboradores,43 usando como solvente éter 15-estearil- sição do veículo. As correlações obtidas sugerem que as infor-
polioxipropilênico em óleo mineral, em uma fração ponderal de mações geradas a partir dos estudos de difusão podem auxi-
solvente de 0,4. O coeficiente de partição, Kvs, do fármaco distri- liar no delineamento de formas farmacêuticas tópicas efetivas.
buído entre a pele nua de camundongo e o veículo foi de 0,625. A Algumas diretrizes bastante úteis são (a) todo o fármaco deve
resistência do fármaco, Rs, na pele de camundongo foi de 6666 h/
estar em solução no veículo; (b) as misturas de solvente devem
cm. O diâmetro da secção circular de pele, usado como barreira
manter um coeficiente de partição favorável para que o fármaco
na célula de difusão, foi de 1,35 cm.* Calcular (a) o fluxo, J = MR/
esteja solúvel no veículo e ainda possa ter boa afinidade pela
St, em g/cm, e (b) a quantidade, MR em μg, de diacetato de diflo-
rasona que difundiu através da pele nua de camundongo em 8 h.
pele a ser penetrada e (c) os componentes do veículo devem in-
Usando a equação (12-68) obtemos: fluenciar favoravelmente a permeabilidade do estrato córneo.
Sloan e colaboradores,46 considerando uma série de parâ-
(a) metros de solubilidade, d, estudaram o efeito dos veículos na
Kvs Cv (0 625)(5 0 × 10−3 g cm3 ) difusão do ácido salicílico e da teofilina através da pele nua de
J = =
Rs 6666 h cm camundongo. Calculando os parâmetros de solubilidade e coe-
J = 4,69 × 10 −7 g cm2 h ficiente de permeabilidade, P, obtidos experimentalmente dos
dados de difusão, os autores conseguiram relacionar o coefi-
(b) ciente de partição, K, para os fármacos entre o veículo e a pele.
MR = J × S × t
π Os resultados obtidos para o ácido salicílico, uma molécula
MR = (4 69 × 10−7 g cm2 h) × (1 35 cm)2 (8 h) solúvel, e para a teofilina, uma molécula fracamente solúvel
4
MR = 5 37 × 10−6 g = 5 37 μg
8 80
Ostrenga e colaboradores45 estudaram a natureza e a com-
Quantidade acumulada média de penetrante (mg/h 1x103)

Respostas locais após 24 h de exposição (blanching test)


posição de veículos tópicos e sua relação com o transporte de
7 70
fármacos através da pele. Eles variaram Ds, Kvs e Cv para me-
lhorar a penetração cutânea de dois esteróides tópicos, fluocino-
nida e acetonido de fluocinolona, incorporados a diferentes géis 6 60
aquosos de propilenoglicóis. Também estudaram a penetração in
vivo e a difusão in vitro usando pele abdominal removida por au-
5 50
tópsia. Os autores concluíram que a eficácia clínica dos esterói-
des tópicos pode ser satisfatoriamente estimada a partir de dados
de liberação in vitro, difusão e propriedades físico-químicas do 4 40
fármaco e do veículo. A difusão do fármaco, Ds, na pele pode ser
influenciada pelos componentes do veículo (principalmente sol-
3 30
ventes e tensoativos) e é possível obter o coeficiente de partição
ótimo alterando-se a afinidade do veículo pelo fármaco.
A velocidade de penetração in vitro do fármaco na pele, 2 20
dQ/dt, a 25 °C é obtida de maneira experimental, em tempos
definidos, mediante a quantidade acumulada do fármaco que
penetrou a pele (medida em desintegrações radioativas por mi- 1 10
nuto) em função do tempo, medido em minutos ou horas. Após
atingir-se o estado estacionário, a inclinação da reta fornece a 0 0
velocidade, dM/dt. O lag time é obtido extrapolando-se a linha 0 20 40 60 80 100
do estado estacionário até o eixo do tempo. Propilenoglicol, %
Figura 12-20 Comparação da penetração de esteróides in vitro, através de
uma secção de pele, e in vivo, através do blanching test. Legenda: •, méto-
* Área, S, do círculo, expressa em termos do seu diâmetro, d é S = ¼ πd .
2
do in vitro; 䊊, método in vivo. (Retirada, com permissão, de J. Ostrenga, C.
(Ver na contracapa).
Steinmetz, and B. Poulsen, J. Pharm. Sci. 60, 1177, 1971.)
338 P ATRICK J. S INKO

e com propriedades físico-químicas diferentes, foram pratica- que a solução tamponada de fármaco. Assume-se que a absor-
mente os mesmos. ção bucal seja um processo de primeira ordem, uma vez que
Nos estudos de permeação da pele antes descritos, foram não há acúmulo do fármaco no compartimento sangüíneo:
feitos esforços para aumentar o processo de absorção percu- C
tânea. Contudo, é importante salientar que alguns substâncias ln Ku t (12-69)
C0
não são absorvidas. Adjuvantes farmacêuticos, como conser-
vantes, antioxidantes, corantes e agentes solubilizantes podem onde C é a concentração aquosa do ácido n-alcanóico no com-
penetrar no estrato córneo, apesar de permanecerem no veícu- partimento doador, a mucosa. A constante da velocidade de
lo, sobre a superfície da pele. absorção, Ku, é
Os parabenos, agentes conservantes típicos usados em S Paq
Ku · (12-70)
cosméticos e formas tópicas, podem causar reações alérgicas V 1 Paq
se absorvidos pela derme. Komatsu e Suzuki47 estudaram a ab- P X 0 s
sorção percutânea in vitro do butilparabeno (p-hidroxibenzoa- os termos são os mesmos definidos previamente. Lembre-se
to de butila) através de pele de cobaias. Para tanto, colocou-se que Xs = 1/(1 + 10pHs–pKa), ou, pela equação (12-59), Xs = 1/[1
discos da parte dorsal da pele entre o compartimento doador e +antilog(pHs–pKa)] e é a fração de ácido fraco não-ionizado nos
o receptor da célula de difusão. A penetração do 14C-butilpara- valores de pHs.
beno foi determinada por meio da coleta de frações da amostra Com S = 100 cm2, V = 25 cm3, Paq = 1,73 × 10–3 cm/s, P0 =
do compartimento receptor, e sua radioatividade medida em 2,27 × 10–3 cm/s, pKa = 4,84, e pHs = 4,0, as equações (12-59)
um contador de cintilação líquida. e (12-70) geram para o ácido capróico uma constante de velo-
Quando o butilparabeno foi incorporado em diferentes ve- cidade de absorção de
ículos contendo polissorbato 80, propilenoglicol e polietileno-
glicol 400, a constante de difusibilidade obtida foi, em média, 100 1 73 × 10−3
3,63 (± 0,47 DP) × 10–4 cm2/h. Ku
O coeficiente de partição, Kvs, do parabeno entre o veículo 25 1 1 73 × 10−3
e a pele mudou acentuadamente dependendo do veículo. Para 2 27 × 10−3 × 0 874
uma solução aquosa de butilparabeno a 0,015% (m/v), o Kvs 3 7 × 10−3 s−1
foi de 2,77. Para uma solução contendo 0,1% (m/v) do con-
servante, 2% (m/v) de polissorbato 80 e 10% (m/v) de propile- As constantes de velocidade de absorção bucal encontra-
noglicol em água, o coeficiente de partição caiu para 0,18. De das conforme o modelo de Ho e Higuchi correspondem aos
acordo com os autores, não houve complexação aparente entre valores experimentais. O estudo mostra uma excelente corre-
o butilparabeno e os agentes solubilizantes. lação entre a teoria difusional e a absorção in vivo e sugere
A adição tanto de propilenoglicol como de polietilenogli- boa aproximação entre os estudos de estrutura-atividade, não
col 400 à água aumentou a solubilidade do parabeno no veícu- só para penetração na membrana bucal, mas também para a
lo e reduziu seu coeficiente de partição entre o veículo e a pele. bioabsorção em geral.
Dessa forma, a penetração cutânea do butilparabeno pode ser
retardada mantendo-se o conservante no veículo tópico, onde Difusão uterina
ele é realmente desejado. Fármacos como a progesterona e outros contraceptivos e subs-
No caso do polissorbato 80, Komatsu e Suzuki47 verifi- tâncias terapêuticos podem ser liberados no útero, na ordem de
caram que o tensoativo diminuiu a absorção do conservante microgramas, por meio de formas farmacêuticas controladas
mantendo a ação antibacteriana do parabeno no veículo. Estes por difusão (dispositivo intra-uterino, DIU). Dessa forma, a
autores concluíram que a ação do polissorbato 80 resultou da paciente está automática e continuamente recebendo medica-
combinação de fatores que, para o formulador, são de difícil ção e protegida da gravidez por dias, semanas ou meses. 52
previsão e gerenciamento. Yotsuyanagi e colaboradores53 fizeram estudos de absorção
vaginal in situ, usando coelhas como animal-modelo, para de-
Absorção bucal senvolver sistemas de liberação de fármacos mais efetivos. Eles
Beckett e Moffat48 estudaram a penetração de fármacos na perfundiram uma solução de fármaco-modelo através de uma
membrana lipídica da boca de humanos usando vários ácidos célula especial implantada na vagina da fêmea (Figura 12-21)
e bases orgânicas como fármacos-modelo. Em concordância e monitoraram o desaparecimento do fármaco. A liberação do
com a hipótese de pH – partição, a absorção esteve relacionada fármaco seguiu uma cinética de primeira ordem e os resultados
ao pKa da substância e seu coeficiente de partição óleo-água. permitiram calcular o coeficiente de permeabilidade aparente e
Ho e Higuchi49 aplicaram um dos modelos de transporte de a espessura da camada de difusão. O fármaco pode também ser
massa50 à análise da absorção bucal de ácidos n-alcanóicos.51 implementado na vagina em uma matriz de silicone (Figura
Eles utilizaram o modelo de fase aquosa-lipídica, no qual os 12-22), e a sua liberação a partir desta matriz pode ser calculada
ácidos fracos são transportados através da membrana de di- a qualquer hora, pela expressão quadrática abaixo 53
fusão e, subseqüentemente, apenas as espécies não-ionizadas 1 De K s 1 1
M2 M (12-71)
passam através da membrana lipídica. Ao contrário da mem- 2π ha0 2 A a0 Paq Pm
brana intestinal, a bucal não possui quantidade significativa de
poros aquosos e o pH da superfície é essencialmente o mesmo − (2π h De Cs t) 0
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 339

Pele Fenestra rotunda


abdominal

Perna

Bexiga

Útero Vulva

Colo do útero
Reto
Célula no
trato vaginal Cauda
Oviduto

Figura 12-21 Implantação de uma célula de depósito de fármaco no trato vaginal de uma coelha. (Retirada, com permissão, de T.
Yotsuyanagi, A. Molakhia, et al., J. Pharm. Sci. 64, 71, 1975.)

O método de cálculo utilizando os dados de Hwang e colabo- A equação (12-71) é a forma quadrática de aM2 + bM + c
radores54 pode ser visto na Tabela 12-6. Quando a camada de = 0, onde, para a progesterona,
difusão aquosa, haq, é 100 μm, o coeficiente de permeabilidade 1
aquoso, Paq, é 7 × 10–4 cm/s; este valor foi usado no exemplo a
2π ha0 2 A
a seguir. O comprimento, h, do cilindro de silicone (Figura
12-21) é 6 cm, seu raio, a0, é 1,1 cm, e a quantidade inicial de 1
fármaco por unidade de volume do cilindro plástico, ou con- (2)(3 1416)(6 cm)(1 1 cm)2 (50 mg cm3 )
centração de fármaco, A, é 50 mg/cm3.
0 000438 mg−1
De K s 1 1 (4 5 × 10−7 cm2 s)(50 2)
b
a0 Paq Pm 1 1 cm

Fármaco disperso em
uma matriz de Silastic TABELA 12-6
Membrana
vaginal PARÂMETROS FÍSICOS PARA A LIBERAÇÃO DE
PROGESTERONA E HIDROCORTISONA PARA ABSORÇÃO
Camada de Lipídeo VAGINAL EM COELHA, A PARTIR DE UMA MATRIZ
água SILASTIC* 54
estática
Poros aquosos Progesterona Hidrocortisona

Solubilidade na matriz, Cs(mg/ 0,572 0,014


cm3)
Lado sangüíneo
Coeficiente de difusão na 4,5 × 10–7 4,5 × 10–7
matriz, De(cm2/s)

Concentração
Coeficiente de partição 50,2 0,05
no tecido silicone-água, Ks
Coeficiente de permeabilidade 7 × 10–4 5,8 × 10–5
Limite de cadência da membrana vaginal de
do fármaco coelha, Pm(cm/s)
Figura 12-22 Fármaco contraceptivo em uma matriz de Silastic, insolúvel Paq(quando haq = 100 μm) 7 × 10–4 7 × 10–4
em água. As dimensões e secções da matriz são mostradas conjuntamente Paq(quando haq = 1000 μm) 0,7 × 10–4 0,7 × 10–4
com os gradientes de concentração ao longo do percurso de liberação do
fármaco (Retirada, com permissão, de S. Hwang, E. Owada, T. Yotsuyanagi, * N. de T.: Refere-se ao nome comercial de um produto à base de silicone de elevada
et al., J. Pharm. Sci. 65, 1578, 1976.) resistência.
340 P ATRICK J. S INKO

1 1 pode variar amplamente, dependendo do solvente utilizado.


· A atividade termodinâmica do fármaco pode ser mantida
7× 10−4 cm s 7× 10−4 cm s
constante (a = 1) em uma forma farmacêutica mediante o uso
0 de uma solução saturada na presença de excesso de fárma-
c 2π h De Cs t 2(3 1416)(6 cm) co. Uma atividade igual a 1 assegura a liberação constante
× (4 5 × 10−7 cm2 572 mg cm 3) de fármaco, em velocidade que depende da permeabilidade
da membrana e da geometria da forma farmacêutica. A Fi-
86 400 s gura 12-23 mostra a velocidade de liberação de dois este-
× (t dias) 0 8384 × t (dias)
dia róides a partir de um dispositivo que proporciona atividade
constante de fármaco e que é conhecida como “liberação de
Quanto de progesterona é liberado em cinco dias e em 20 ordem zero.” Para maiores informações sobre os processos
dias? A fórmula quadrática a ser utilizada neste caso é de ordem zero, consultar o capítulo sobre Cinética (Capítulo
√ 15). Se não há fármaco em excesso na forma farmacêutica,
−b b2 − 4ac
M a atividade diminui à medida que o fármaco é liberado pelo
2a dispositivo, a velocidade de liberação cai exponencialmente
Após cinco dias, e o processo passa a chamar-se liberação de primeira ordem,
semelhante à bem-conhecida reação da cinética química. A
c 0 8384 mg dia × 5 dias 4 1920 mg e liberação de primeira ordem a partir de formas farmacêuticas
é discutida por Baker e Lonsdale.57

−0 0587 (0 0587)2 − (4)(0 000438)(−4 1920)


M
2(0 000438)
Lag time
51 6 mg Formas farmacêuticas de ação constante podem não exibir
o processo de estado estacionário durante o tempo inicial
Após 20 dias, c = –0,8384 mg/dia × 20 dias = -16,77 mg, e da liberação. A Figura 12-24 mostra um gráfico da quanti-
dade de butilparabeno que penetrou a pele de uma cobaia a
−0 0587 (0 0587)2 − (4)(0 000438)(−16 77)
M partir de uma solução aquosa diluída. Observa-se na Figura
2(0 000438) 12-23 que a curva é convexa em relação ao eixo do tem-
139 8 mg po no estágio inicial, mas torna-se linear à medida que o
tempo passa. No estágio inicial há uma condição de estado
Okada e colaboradores55 fizeram estudos detalhados sobre não-estacionário. No estágio final, a velocidade de difusão
a absorção vaginal de hormônios. é constante, a curva é essencialmente linear e o sistema está
em estado estacionário. Quando a porção da linha em estado
de equilíbrio é extrapolada até o eixo do tempo, conforme
pode ser visto na Figura 12-24, o ponto de intersecção é
PRINCÍPIOS BÁSICOS DA LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS conhecido como lag time, tL. Este é o tempo necessário para
que o difusante estabeleça um gradiente de concentração
A liberação de fármacos a partir de formas farmacêuticas e uniforme dentro da membrana que separa o compartimento
sua subseqüente absorção em meios biológicos é controlada doador do receptor.
pelas propriedades físico-químicas do fármaco e da forma far-
macêutica, assim como pela fisiologia do sistema biológico.
A concentração de fármaco, a solubilidade aquosa, o tamanho
molecular, a forma cristalina, a ligação a proteínas e o pKa são 2,0
alguns dos fatores físico-químicos que devem ser conhecidos
Liberação do fármaco (mg)

para que se possa delinear um sistema de liberação de fárma- 1,5 Esteróide A


cos que apresente características de liberação controlada ou
sustentada. 56
A liberação do fármaco a partir de um sistema de liberação 1,0
envolve aspectos tanto da dissolução quanto da difusão. Como o Esteróide B
leitor pôde observar neste capítulo, os fundamentos da difusão e 0,5
as teorias da dissolução têm muitas semelhanças. A velocidade
de dissolução é abordada em detalhes no próximo capítulo.
0
0 10 20 30 40 50 60 70
Liberação de fármacos de ordem zero Tempo (h)

O fluxo, J, da equação (12-11) é, na verdade, proporcional ao Figura 12-23 Liberação de fármaco para dois esteróides a partir de uma ma-
gradiente da atividade termodinâmica e não à concentração. triz ou dispositivo que forneça liberação de ordem zero. (Retirada de R. W.
A atividade irá mudar em diferentes solventes e a velocida- Baker, and H. K. Lonsdale, in, A. C. Tanquary and R. E. Lacey [Eds.], Controlled
de de difusão do solvente em uma determinada concentração Release of Biologically Active Agents, Plenum Press, New York, 1974, p. 30.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 341

Quantidade permeada (mg)

(a)

Estado Fármaco eluído de uma


estacionário matriz polimérica homogênea

Matriz
Estado
polimérica
não-estacionário
Trajeto tortuoso
percorrido pelo
Lag time
fármaco abandonando
a matriz
(b)
Tempo (h)
Figura 12-24 Difusão do butilparabeno a partir de uma solução aquosa, em O líquido penetra
de pele de cobaia. Observam-se regiões de estado não-estacionário e esta- os poros e lixivia
o fármaco
do estacionário (Retirada, com permissão, de H. Komatsu and M. Suzuki, J.
Pharm. Sci. 68, 596, 1979.) Limite
de cedência
Zona de depleção

No caso do lag time, a linha reta da Figura 12-24 pode ser


representada pela modificação da equação (12-13): Camada de difusão
estática
SDKCd
M (t − t L ) (12-72) Matriz
h Camada aquosa
circundante
O lag time, tL, é determinado por
h2
tL (12-73) Condição sink perfeita
6D
(c)
e sua determinação fornece meios para calcular a difusibilida-
de, D, presumindo que se conheça a espessura da membrana, Figura 12-25 Fármaco eluído a partir de uma forma farmacêutica matricial.
h. Ainda, sabendo-se o valor de P, é possível calcular a espes- (a) Fármaco liberado de uma matriz polimérica homogênea. (b) Fármaco lixi-
sura, h, a partir da equação viado da matriz granular ou heterogênea. (c) Esquema de uma matriz sólida
h e suas camadas-limite de cedência, formadas na medida em que o fármaco
tL (12-74)
6P difunde da forma farmacêutica (Retirada, com permissão, de T. Higuchi, J.
Pharm. Sci. 50, 874, 1961.)

Fármacos em matrizes poliméricas


A primeira lei de Fick,
Considere um fármaco pulvéreo disperso de forma homogênea
na matriz de um comprimido erodível. Assumindo que o fárma- dM dQ DCs
(12-75)
co dissolverá na matriz polimérica, este difundirá para o meio S dt dt h
externo a partir da superfície do comprimido. À medida que ele pode ser aplicada quando o fármaco está incorporado a uma
é liberado ocorre o aumento crescente da distância de difusão e matriz polimérica, onde dQ/dt* é a velocidade de liberação do
ocorre a diminuição da camada-limite entre a matriz vazia e o fármaco por unidade de área de superfície da matriz exposta.
fármaco. A Figura 12-25a mostra uma ilustração esquemática A espessura da matriz vazia, dh, na qual o fármaco difunde,
deste tipo de comprimido. A Figura 12-25b mostra uma matriz aumenta com o passar do tempo porque a camada-limite entre
granular com poros ou capilares interconectados. O fármaco é a matriz contendo o fármaco e a matriz depletada de fármaco
lixiviado da matriz devido à entrada do meio circundante. A Fi- vai retrocedendo com o tempo.
gura 12-25c descreve o perfil de concentração e mostra uma Enquanto Cs é a solubilidade ou a concentração de satura-
zona de depleção restituível que se move58 em direção ao centro ção do fármaco na matriz, A é a concentração total (quantidade
do comprimido, conforme o fármaco é liberado. por unidade de volume) de fármaco, dissolvido e não-dissolvi-
Higuchi14 desenvolveu uma equação para a liberação de do, na matriz.
fármacos a partir de uma base e, mais tarde58, aplicou-a para a
difusão de fármacos sólidos dispersos em sistemas matriciais * dM é a quantidade de fármaco difundido , dQ é introduzido para represen-
homogêneos e granulares (Figure 12-25). tar dM/S, onde S é a área de superfície da camada-limite.
342 P ATRICK J. S INKO

À medida que o fármaco sai da matriz homogênea (Figura D, à solubilidade do fármaco na matriz polimérica, Cs, e ao
12-25a), a camada-limite de fármaco (representada pela linha tempo t.
pontilhada vertical, na Figura 12-25c) move-se para a esquer- A velocidade de liberação, dQ/dt, pode ser alterada pelo
da em uma distância infinitesimal, dh. A quantidade infinitesi- aumento ou diminuição da solubilidade do fármaco, Cs, no po-
mal de fármaco liberado, dQ, devido a esta mudança, é calcu- límero, devido à complexação. A quantidade total de fármaco,
lada pela seguinte expressão linear A, que os médicos prescrevem também pode afetar a velocida-
de de liberação do fármaco.
dQ A dh − 12 Cs dh (12-76)
Agora o termo dQ da equação (12-76) é substituído pela EXEMPLO 12-9
equação (12-75), se faz a integração e resolve-se a equação
para o valor de h. Os passos da derivação, de acordo com Liberação clássica de fármacos: equação de Higuchi
Higuchi,14 são (a) Qual é a quantidade de fármaco liberada por unidade de área,
Q, a partir de um comprimido matricial no tempo t = 120 min? A
DCs
(A − 12 Cs ) dh dt (12-77) concentração total de fármaco na matriz homogênea, A, é de 0,02
h g/cm3. A solubilidade do fármaco no polímero, Cs; é de 1,0 × 10–3 /
2A − Cs cm3. O coeficiente de difusão do fármaco, D, na matriz polimérica
h dh dt (12-78) a 25 °C é 6,0 × 10–6 cm2/s, ou 360 × 10–6 cm2/ min. Para resolver
2DCs utilizamos a equação (12-86):
(2A − Cs ) 2 Q = [2(0,02 g cm 3)(360 × 10 −6 cm2 min)
t h C (12-79)
4DCs × (1 0 × 10−3 g cm3 )(120 min)]1 2

−3
A constante de integração, C, pode ser avaliada no tempo t = 1 3 × 10 2
g cm
= 0, onde h = 0, gerando-se (b) Qual é a velocidade instantânea de liberação do fármaco a
(2A − Cs )h 2 120 min? Tem-se que
t (12-80) 1 2
4DCs (0 02)(360 × 10−6 )(1 0 × 10−3 )
dQ dt =
1 2 2 × 120
4DCs t
h (12-81) = 5 5 × 10−6 g cm2 min
2A − Cs
A quantidade de fármaco liberada por unidade de área de
matriz, Q, no tempo t é obtida integrando-se a equação (12-76) Liberação a partir de matrizes granulares:
para obter-se porosidade e tortuosidade
Q h A − 1 2 hCs (12-82)
A liberação de um fármaco sólido a partir de uma matriz gra-
Substituindo-se a equação (12-81) na (12-82) tem-se que nular (Figura 12-25b) envolve, simultaneamente, a penetração
1 2 de líquido circundante, a dissolução do fármaco e a lixiviação
DCs t
Q (2A − Cs ) (12-83) do fármaco pelos canais ou poros intersticiais. Uma matriz gra-
2A − Cs
nular é definida, de fato, como uma matriz mais porosa do que
a qual é conhecida como equação de Higuchi: homogênea. O volume e a extensão das aberturas da matriz
Q [D(2A − Cs )Cs t]1 2
(12-84) devem ser considerados na equação de difusão, conduzindo à
segunda forma da equação de Higuchi,
A velocidade de liberação instantânea do fármaco no tem- D 1 2
po t é obtida pela diferenciação da equação (12-84), ou seja, Q (2A − Cs )Cs t (12-88)
1 2
τ
dQ 1 D(2A − Cs )Cs
dt 2 t
(12-85) onde  é a porosidade da matriz e τ é a tortuosidade do sis-
tema capilar, ambos parâmetros em quantidades adimensionais.
Normalmente, A é muito maior que Cs, logo, a equação A porosidade, , corresponde à fração da matriz onde há
(12-84) pode ser reduzida a: poros ou canais nos quais o líquido circundante pode penetrar.
O termo porosidade, , na equação (12-88) refere-se à porosi-
Q (2ADCs t)1 2
(12-86)
dade total da matriz após o fármaco haver sido extraído. Este
e a equação (12-85) torna-se é igual à porosidade inicial, 0, devido aos poros e canais exis-
1 2 tentes na matriz antes do início do processo de lixiviação e à
dQ ADCs
(12-87) porosidade criada pela extração do fármaco. Se A g/cm3 do
dt 2t fármaco é extraído da matriz e o volume específico ou o inver-
permitindo descrever a liberação do fármaco a partir de so da densidade correspondente é igual a 1/ρ cm3/g, então a
sistemas matriciais poliméricos. A equação (12-86) indica concentração de fármaco, A, uma vez extraído, será convertida
que a quantidade de fármaco liberada é proporcional à raiz no volume da fração de fármaco que irá criar um espaço vazio
ou porosidade. A porosidade total da matriz, , torna-se
quadrada de A, o total de fármaco por unidade de volume
de matriz, ao coeficiente de difusão do fármaco na matriz; 0 A(1 ) (12-89)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 343

A porosidade inicial, 0, do comprimido pode ser consi- Q é a quantidade de fármaco liberado por unidade de área
derada pequena (baixa porcentagem) em relação à porosidade da forma farmacêutica, D é difusibilidade efetiva do fármaco
A/ρ gerada pela dissolução e remoção do fármaco da forma no veículo, A é a concentração total de fármaco, Cs é a solubi-
farmacêutica. Logo, em geral não se considera 0 para fins de lidade do fármaco no veículo, Cv é a concentração do fármaco
cálculo, ou seja na interface barreira-veículo e R é a resistência difusional ge-
∼A (12-90)
rada pela barreira entre o veículo doador e a fase receptora. A*
é a concentração efetiva definida na equação (12-92), usada
A equação (12-88) difere da equação (12-84) somente pela quando A é cerca de 3 a 4 vezes maior do que Cs.
adição de  e τ. A equação (12-84) aplica-se à liberação de fár- Quando
macos a partir de comprimidos homogêneos, que sofrem ero-
Q2 2DRA∗ Q (12-93)
são em contato com o meio de dissolução. A equação (12-88)
aplica-se quando o mecanismo de liberação de fármaco baseia- a equação (12-91) se reduz a uma forma da equação de
se na entrada de meio circundante na matriz polimérica e con- Higuchi [equação (12-86)]:
seqüente dissolução e lixiviação do fármaco solúvel, restando
Q (2A∗ DCs t)1 2
(12-94)
somente o resíduo polimérico com poros vazios. Na equação
(12-88), a difusibilidade é multiplicada pelo pequeno valor de Sob estas condições, a resistência à difusão, R, não é tão
porosidade, para calcular a diminuição de D, causada pela pre- significante na interface entre o veículo e a fase receptora.
sença de poros vazios na matriz. A solubilidade aparente do Quando Cs não é negligenciável em relação a A, o modelo veí-
fármaco, Cs, também é reduzida pelo termo da fração de volu- culo-controlado de Higuchi torna-se
me, o qual representa a porosidade. Q [D(2A − Cs )Cs t]1 2
(12-95)
A tortuosidade, τ, é introduzida na equação (12-88) para
calcular o aumento do percurso difusional causado pela ra- A expressão quadrática de Bottari, equação (12-91), deve
mificação e ligação entre os poros. A tortuosidade tende a permitir determinar a difusão de fármacos em veículos como
reduzir a quantidade de fármaco liberado em um dado inter- ungüentos ou matrizes poliméricas homogêneas quando o va-
valo de tempo; por isso, esta aparece no denominador, con- lor de Cs torna-se significativo em relação a A. A proposta de
tida na raiz quadrada. Um canal reto tem tortuosidade igual Bottari e colaboradores62 continua da seguinte maneira:
a 1 e um canal através de péletes esféricos de tamanho uni- Uma vez que Q está elevado à segunda potência, a equa-
forme tem uma tortuosidade de 2 a 3. Segundo Desai e co- ção (12-91) pode ser resolvida usando-se a bem-conhecida ex-
laboradores59, às vezes é possível obter um valor exagerado pressão quadrática:
de τ de, por exemplo, 1000. Quando isso ocorre, o caminho aQ2 bQ c 0 (12-96)
difusional não é, evidentemente, descrito pelo conceito de
onde, no que se refere a equação (12-91), a = 1, b = 2DRA*,
tortuosidade e o sistema deve ser estudado com mais deta-
e c = –2DA* Cs t. A equação (12-96) apresenta a já conhecida
lhes para que seja possível determinar os fatores controlado-
solução
res da permeabilidade da matriz. Os métodos de obtenção √
dos dados de difusibilidade, porosidade, tortuosidade entre −b ± b2 − 4ac
Q (12-97)
outros necessários para a análise da difusão do fármaco são 2a
descritos por Desai e colaboradores.60 ou
A equação (12-88) tem sido utilizada para descrever a ci- −2DRA∗ (2DRA∗ )2 (2DA∗ Cs t)
nética de liofilização,61 ou freeze-drying, de uma solução aquo- Q (12-98)
2
sa congelada contendo fármaco e substâncias inertes formado-
ras da matriz (p. ex., manitol ou lactose). O processo envolve na qual se utiliza a raiz positiva porque é a única que apresenta
as mudanças simultâneas na retração dos limites entre as fases, significado físico. Se houver lag time, o t da equação (12-98) é
a transição de fase na interface gelo-vapor, governada pela re- substituído por (t – tL ) para o período de estado estacionário.
lação pressão-temperatura de Clausius-Clapeyron e a difusão Bottari e colaboradores62 obtiveram um valor satisfatório para
do vapor de água através da matriz, em baixa temperatura e b e c, em um experimento envolvendo a liberação de benzo-
condições de vácuo. caína em suspensão em um gel aquoso, ajustando a equação
(12-91) pelo método dos mínimos quadrados. A resistência
difusional, R, é determinada a partir da permeação em estado
Fármacos solúveis em matrizes e veículos tópicos estacionário e Cv é obtido pela expressão
O modelo original de Higuchi14,58 não fornece um ajuste aos Cv R(dQ dt) (12-99)
dados experimentais quando o fármaco é significativamente O exemplo abaixo demonstra a aplicação da equação (12-91).
solúvel no comprimido ou ungüento. O modelo pode ser ex-
pandido à liberação de fármacos a partir de veículos sólidos ou
EXEMPLO 12-10
semi-sólidos homogêneos, contudo, deve-se utilizar a expres-
são quadrática introduzida por Bottari e colaboradores,62 Liberação de benzocaína de um gel aquoso
∗ ∗
Q 2
2DRA Q − 2DA Cs t 0 (12-91) (a) Calcular Q, a quantidade em miligramas de benzocaína micro-
nizada liberada por cm2 de área de superfície, a partir de um gel
onde aquoso, após 9000 s (2,5 h), em uma célula de difusão. Assuma que
A∗ A − 12 (Cs Cv ) (12-92) a concentração total, A, é 10,9 mg/mL, a solubilidade, Cs, é 1,31
344 P ATRICK J. S INKO

mg/mL, Cv = 1,05 mg/mL, a resistência difusional, R, da barreira


de silicone que separa o gel do compartimento doador é de 8,10 ×
103 s/cm, e a difusibilidade, D, do fármaco no gel é de 9,14 × 10–6
cm2/ s. A partir da equação (12-92) tem-se Moléculas
de fármaco
1 Barreira
A∗ = 10 9 mg mL − (1 31 + 1 05) mg mL = 9 72 mg mL
2 polimérica de uma
cápsula de Silastic
Então,
Camada de
DRA∗ = (9 14 × 10−6 cm2 × (8 10 × 103 cm) Camada de
cristais de difusão estacionária
× (9 72 mg mL) fármaco
= 0 7196 mg cm−2
DA∗ Cs t = (9 14 × 10−6 )(9 72)(1 31)(9000) = 1 047 mg2 cm4 Sink

Q = −0 7196 + [(0 7196) + 2(1 047)]


2 1 2
mg cm 2

= −0 7196 + [1 616] = 0 90 mg cm2

O Q(calc) de 0,90 mg/cm2 é bem comparável ao Q(obs) =


0,88mg/cm2. É possível obter-se um pequeno aumento na exati- Figura 12-26 Difusão de fármaco a partir de uma cápsula de Silastic. (a)
dão substituindo-se t = 9000 s por t = (9000 – 405) s, onde o lag Cápsula contendo o fármaco rodeado por uma barreira de polímero; (b) difu-
time t = 405 s é obtido graficamente, a partir dos valores experi- são do fármaco através da parede polimérica, da camada aquosa de difusão
estacionária para o compartimento receptor sob condições sink. (Retirada de
mentais de Q em função de t1/2. Esta correlação fornece um Q(calc)
Y. W. Chien, in: J. R. Robinson [Ed.], Sustained and Controlled Release Drug
= 0,87 mg/cm2.
Delivery Systems, Marcel Dekker, New York, 1978, p. 229; e Y. W. Chien,
(b) Calcular Q usando equação (12-95) e comparando o resul-
Chem. Pharm. Bull. 24, 147, 1976.)
tado com aquele obtido através da equação (12-94). Tem-se que:
Q = (9 14 × 10−6 )[(2 × 10 9) − 1 31](1 31)(9000) 1 2

= 1 49 mg cm2
locidade de liberação do fármaco em condições sink, Chien64
63
Paul e colaboradores estudaram casos onde A, a quanti- usou a seguinte expressão:
dade de fármaco por unidade de volume em uma forma farma- K r Da Dm
Q C pt (12-100)
cêutica polimérica, pode ser maior, igual ou menor que a solubi- K r Da h m D m h a
lidade de equilíbrio do fármaco, Cs, na matriz. O modelo é um
aperfeiçoamento da proposta original de Higuchi14,58 e fornece a qual é uma forma integrada de uma equação análoga à equa-
um ajuste exato das equações que descrevem as velocidades de
ção (12-31). Na equação (12-100), Q é a quantidade de fárma-
co liberado por unidade de superfície de área da cápsula e Kr é
liberação de fármacos, fertilizantes, pesticidas, antioxidantes e
o coeficiente de partição, definido como*
conservantes de aplicação comercial e industrial sobre toda a fai-
xa de razões de A a Cs. K r Cs C p (12-101)
Quando a difusão através da membrana ou do filme da
A cápsula de Silastic, mostrada na Figura 12-26a, tem cápsula é o fator limitante para a liberação de fármaco, ou seja,
sido usada para obter liberação sustentada e controlada de fár- quando Kr Dahm é muito maior que Dmha, a equação (12-100)
macos.64–66 A Figura 12-26b mostra, de forma esquemática, se reduz a
a liberação de fármaco a partir de uma cápsula de Silastic. As Dm
moléculas de fármaco cristalino retidas contra a parede inter- Q C pt (12-102)
na da cápsula passam pelo polímero mediante um processo de hm
dissolução, difundem pela parede e passam para a camada de e quando o fator limitante é a passagem através da camada de
difusão líquida atingindo o meio em que a cápsula se encon- difusão (Dmha >> Kr Dahm),
tra. As diferenças de concentração entre a espessura da parede Da K r Da
polimérica hm e a espessura da camada de difusão estacionária Q Cs t C pt (12-103)
ha ha
ha são representadas por Cp-Cm e Cs-Cb, respectivamente. Cp
é a solubilidade do fármaco no polímero e Cm é a concentra-
ção na interface polímero-solução, ou seja, é a concentração
de fármaco no polímero em contato com a solução. Por outro * Ao contrário do convencionado, o coeficiente de partição, Kr, na equação
lado, Cs é a concentração de fármaco na solução, na interface (12-101) é definido como o coeficiente de distribuição água/óleo. Logo,
polímero-solução; observa-se, na Figura 12-25b, que esta con- aqui, Kr diminui na medida em que a substância torna-se mais hidrofóbica.
centração é um pouco menor que a solubilidade do fármaco na O K usado anteriormente, por exemplo, nas equações (12-19), (12-30) e
(12-36), é o coeficiente de distribuição óleo/água, neste caso, seu valor
região da interface no polímero. Há uma diferença real entre a aumenta com o aumento da hidrofobia da substância. Cm varia de acordo
solubilidade do fármaco no polímero e na solução, embora am- com o tempo e eventualmente é igual a Cp. Por esta razão, o coeficiente de
bas ocorram na interface. Finalmente, Cb é a concentração de partição no equilíbrio não envolve Cm, mas, preferivelmente, os valores de
fármaco na solução que rodeia a cápsula. Para expressar a ve- equilíbrio de Cp e Cs.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 345

Pode-se escrever o lado direito da expressão porque Cs = EXEMPLO 12-12


KrCp, conforme definido anteriormente na equação (12-101).
A velocidade de liberação de fármaco, Q/t, para um pro- Liberação de contraceptivo a partir de cápsulas
cesso de liberação controlado pelo polímero pode ser calcula- poliméricas
da a partir do ângulo de inclinação da reta de um gráfico de Q Dois novos ésteres de esteróides contraceptivos, A e B, foram sin-
em função de t e, como visto para a equação (12-102), é igual tetizados e os parâmetros determinados para sua liberação a par-
a CpDm/hm. tir de cápsulas poliméricas encontram-se abaixo:64
Q t(obs)
Do mesmo modo, para o processo de controle por cama-
da de difusão, o Q/t, resultante do gráfico de Q em função de Da Dm Cp (μg/cm2
t, é igual a CsDa/ha. Além disso, em um gráfico de velocidade Kr (cm2 /dia) (cm2 /dia) (μg/cm3 ) ha (cm) por dia)
de liberação, Q/t, em função de Cs, a solubilidade do fármaco A 0,15 25 × 10−2 2 6 × 10−2 100 0,008 24,50
no meio circundante pode ser linear, com uma inclinação de B 0,04 4 0 × 10 −2
3 0 × 10 −2
85 0,008 10,32
Da/ha.
Usando a equação (12-100) e as quantidades fornecidas na
EXEMPLO 12-11 tabela acima, calcular os valores de hm, em cm, para estas mem-
branas de cápsula. Inicialmente, tem-se que
Difusão de progesterona a partir de uma cápsula de Q C p Kr Da Dm
silastic =
t Kr Da hm + Dm ha
O coeficiente de partição, Kr = Cs/Cp, da progesterona é de Q
0,022; a difusibilidade da solução, Da, é de 4,994 × 10–2 cm2/dia; (Kr Da hm + Dm ha ) = C p Kr Da Dm
t
a difusibilidade da membrana de silastic, Dm, é 14,26 × 10–2 cm2/
Q
dia; a solubilidade da progesterona na membrana de silastic, Cp, (Kr Da hm ) = C p Kr Da Dm − Dm ha (Q t)
é de 513 μg/cm3; a espessura da membrana da cápsula, hm, é t
de 0,080 cm, e a espessura da camada de difusão, ha, estimada C p Kr Da Dm − Dm ha (Q t)
hm =
por Chien, é de 0,008 cm. Calcular a velocidade de liberação da (Q t)Kr Da
progesterona a partir da cápsula e expresse o resultado em μg/ para a cápsula A,
cm2 por dia. Comparar o resultado calculado com o valor obser- (100)(0 15)(25 × 10−2 )(2 6 × 10−2 )
vado, Q/t = 64,50 μg/cm2 por dia. Usando a equação (12-100), −(2 6 × 10−2 )(0 008)(24 50)
obtemos hm =
(24 50)(0 15)(25 × 10−2 )
Q C p Kr Da Dm
= 0 0924
t Kr Da hm + Dm ha hm = cm = 0 101 cm
0 9188
(513 μg cm3 )(0,022)(4,994 × 10 −2 cm2 dia)
Q × (14 26 × 10−2 cm2 dia) Note que todas as unidades se cancelam, exceto o cm na equa-
= ção para o hm. O leitor pode fazer os cálculos para a substância B.
t (0 022)(4 994 × 10−2 cm2 dia)(0 080 cm)
(Resposta: 0,097 cm.)
+ (14 26 × 10−2 cm2 dia)(0,0 08 cm)
Q 0 08037
= = 65 34 μg cm2 por dia
t 0 00123
SEGUNDA LEI DE FICK COMO PONTO DE PARTIDA
Neste exemplo, (a) Kr Dahm é muito maior que Dmha ou (b)
Dmha é muito maior que KDahm? (c). Que conclusão pode ser ob-
tida, considerando a matriz ou o controle da camada de difusão?
A primeira lei de Fick, na equação (12-2), tem sido usada durante
Primeiro, temos que:
este capítulo como um ponto de partida para o desenvolvimen-
to de equações que descrevem a difusão de fármacos através de
Kr Da hm = 8 79 × 10−5 ; Dm ha = 1 14 × 10−3 membranas naturais e poliméricas. Contudo, existem vários pro-
Dm ha (Kr Da hm + Dm ha ) blemas de difusão para os quais a primeira lei de Fick não se apli-
= (1 14 × 10−3 ) [(8 79 × 10−5 ) ca e para os quais a segunda lei, equação (12-6) pode ser usada,
+(1 14 × 10−3 )] = 0 93 ∂C ∂ 2c
D 2 (12-104)
∂t ∂x
Logo, Dmha é muito maior que Kr Dahm e 93% do sistema está
sob controle da camada de difusão aquosa. É possível usar a equa- Aqui, utiliza-se u no lugar de C para expressar concentra-
ção simplificada (12-103): ção. O símbolo ∂ indica que as derivadas parciais são usadas
Q Kr Da C p
−2
(0 022)(4 994 × 10 )(513)
porque u é uma função de t e x. A segunda lei é usada para
= = expressar a difusão em esferas e cilindros, assim como através
t ha 0 008
de superfícies planas. A forma mais simplificada da segunda
= 70 45 μg cm2 por dia lei de difusão é a equação
Mesmo que Dmha seja cerca de uma vez maior que Kr Dahm ∂u ∂ 2u 1 ∂u
D (12-105)
(p.ex., Dmha/KDahm = 13), é evidente que se pode obter um resulta- ∂t ∂r 2 r ∂r
do consideravelmente melhor usando-se a expressão completa, ou
seja, a equação (12-100). para a difusão simétrica para fora do eixo de um cilindro
de raio r.
346 P ATRICK J. S INKO

Para a difusão proceder simetricamente em torno do cen- igual a H/2, ou seja, tanto solução quanto o solvente têm volu-
tro de uma esfera de raio r, a diferencial parcial representada me igual, a equação usada para u é 68
de forma simplificada na equação da segunda lei de Fick é u0 2u 0 π x −π 2 Dt H 2
u cos e
∂u ∂ 2u ∂u 2 π H
r D r 2 2 (12-106)
∂t ∂r ∂r 1 3π x
e−9π Dt H
2 2
− cos (12-107)
As equações de difusão em cilindros e esferas são discuti- 3 H
das por Crank67 e Jacobs.68 Embora a derivação das equações A equação (12-107) é simplificada fazendo com que x, a
baseadas na segunda lei de Fick esteja, na maioria dos casos, posição da amostra na célula, seja igual a H/6. O segundo co-
além do objetivo matemático deste livro, é importante mostrar seno nos parênteses na equação (12-107) torna-se cos(π/2) =
ao menos algumas delas e obter suas soluções. Tais exercícios cos 90° = 0. Como resultado, resta somente o primeiro co-se-
proporcionam ao estudante a prática para executar cálculos re- no, cos(π/6) = cos 30° = 0,866. Logo, se x = H/6, temos que:
lacionados a problemas de difusão que são mais complicados
u0 2u 0
0 866e−π Dt H
2 2
do que aqueles derivados da primeira lei de Fick. u (12-108)
2 π
Lembre-se que funções trigonométricas como o cos(π/6),
Difusão em sistemas fechados π é dado em graus, ou seja, π = 180° e π/6 = 30°, e que para
2 2
termos como 2u0/π e e–π Dt/H , o valor de π é 3,14159....
Determinação de D
Graham (1861), um dos pioneiros no estudo da difusão, uti- EXEMPLO 12-13
lizou um equipamento simples (Figura 12-27) para obter o
coeficiente de difusão, D, de vários solutos em diferentes sol- Determinação do coeficiente de difusão aquoso
ventes. Na Tabela 12-2 estão listados os coeficientes de al- Um novo fármaco hidrossolúvel, o corazol, é posto em uma célula
guns solutos difundidos através de diferentes meios. No equi- de difusão de Graham (ver Figura 12-27) em concentração inicial
pamento mostrado na Figura 12-27, h é a altura da solução, de u0 = 0,030 mmol/cm3, para determinar seu coeficiente de difu-
H é a combinação das alturas da solução e do solvente e x é a são em água a 25 °C. A altura da solução, h, na célula é de 2,82 cm
distância transversal ao soluto. A concentração do soluto na e a altura total da solução aquosa e da água em excesso, H, é de
solução, na posição x e no tempo t, é u e a sua concentração 5,64 cm. Retirou-se uma amostra a uma profundidade de x = H/6
inicial é u0. A partir de valores experimentais de u, x, e, é pos- cm, no tempo, t, igual a 4,3 h (15,480 s). Determinou-se por análise
sível determinar o coeficiente de difusão, D, para o soluto no espectrofotométrica que a concentração, u, foi de 0,0225 mmol/
solvente. cm3. Obteve-se D pelo rearranjo da equação (12-108):
No início, ou seja, no tempo t = 0 s, a concentração u é u − u0 2 H2
D = − ln ·
igual a u0 (mol ou grama por cm3) na célula, da posição x = 0 0 866(2 u0 ) π2 t
a x = h (cm), e u = 0, de x = h a x = H. Estes pressupostos são (−31 8096)
conhecidos como condições iniciais. Quando h é considerado = (−0 79113)
(9 8696)(15480)

= 16 47 × 10−5 cm2 s

Difusão em sistemas com uma fronteira aberta


A célula de Graham usada para a determinação de coeficientes
de difusão é um exemplo de sistema fechado. Na área farma-
cêutica, na fisiologia e na bioquímica, os sistemas com uma
ou duas fronteiras abertas são de maior interesse do que os
Solvente fechados. Em 1850, Graham introduziu um sistema com uma
fronteira aberta e outra fechada, conforme mostra a Figura
12-28. Neste sistema, a mistura entre a solução e a água ocorre
de modo praticamente insignificante, devido a diferenças de
densidade. A condição na interface entre a solução e a camada
Solução aquosa, conhecida como condição limite, é expressa por “u = 0
quando x = h.” Em uma segunda condição limite, tem-se que a
mudança na concentração, u, em função da mudança, x, é zero
ou, matematicamente, ∂u/∂x = 0. Isso ocorre na superfície in-
ferior da célula, onde o soluto não pode passar. Além das duas
Figura 12-27 Equipamento simples usado por Graham para estudos iniciais condições-limite, é importante especificar a condição inicial,
sobre difusão. (Retirada, com permissão, de M. H. Jacobs, Diffusion Proces- conforme foi abordado anteriormente para células fechadas.
ses, Springer-Verlag, New York, 1976, p. 24.) Freqüentemente, verifica-se a condição inicial quando há uni-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 347

Logo, chegamos à conclusão de que a célula contém um total


de 0,0437 g/cm3 ou 0,9577 g de fármaco. Ao mesmo tempo, 0,5153
g difundem em 2,7 h. A difusão de macromoléculas, como proteí-
nas, é discutida no capítulo de colóides.

Liberação osmótica de fármaco69


Os sistemas de liberação osmótica de fármacos usam a pres-
são osmótica como força propulsora para controlar a libe-
ração do fármaco. Uma bomba osmótica simples consiste
de um núcleo osmótico contendo o fármaco com ou sem o
agente osmótico, revestido por uma membrana semiperme-
ável. A membrana semipermeável contém um orifício pelo
qual o fármaco é liberado. Após entrar em contato com um
fluido aquoso, a forma farmacêutica absorve água em uma
velocidade determinada pela permeabilidade do fluido na
membrana e pela pressão osmótica do núcleo da formula-
Figura 12-28 Aparelho de difusão com uma fronteira aberta e outra fecha-
ção. A absorção de água resulta na elevação da pressão os-
da. (Retirada, com permissão, de M.H. Jacobs, Diffusion Processes, Springer-
mótica dentro da bomba, gerando o fluxo e a liberação da
Verlag, New York, 1976, p. 47.)
solução de fármaco para fora do orifício. Na maioria dos
casos, observa-se um lag time de 30 a 60 minutos, até que o
sistema se hidrate. Aproximadamente 60 a 80% do fármaco
formidade de concentração na solução no núcleo da célula, ou é liberado da bomba à velocidade constate (ordem zero). A
seja, u = u0 quando t = 0. velocidade de liberação do fármaco a partir de uma bomba
Em sistemas com uma fronteira aberta e outra fechada, a osmótica simples pode ser descrita pela seguinte equação
quantidade de soluto, M0,t, que é liberado entre o tempo 0 e o matemática:
tempo t é expressa pela equação.*68 dM dt AK h( − p)C (12-110)
8 1 −9π 2 Dt onde dM/dt é a velocidade de liberação do fármaco, A é a área
e−π
2
Dt 4h 2 4h 2
M0 t u 0 Ah 1 − e
π2 9 da membrana, K é a permeabilidade da membrana, h é a espes-
sura da membrana, Δπ e Δp são as diferenças de pressão osmó-
(12-109) tica e hidrostática entre os lados interno e externo do sistema,
onde A é a área de secção transversal do núcleo da célula de al- respectivamente, e C é a concentração de fármaco dentro da
tura h (ver Figura 12-28). Os outros termos já foram definidos bomba (ou seja, do fluido liberado). Se o tamanho do orifício
nas equações (12-107) e (12-108). do dispositivo é suficientemente grande, a pressão hidrostática
dentro do sistema é minimizada e Δπ é muito maior do que
Δp. Quando a pressão osmótica no meio é negligenciável em
EXEMPLO 12-14
relação ao núcleo, por exemplo, os fluidos gastrintestinais, π
Difusão de fármaco a partir de fronteiras abertas pode ser substituído por Δπ de modo seguro. Logo, a equação
Calcular a quantidade total, M0,t, de um novo fármaco, o corazol, (12-110) pode ser simplificada por
que é liberado a partir da célula com uma fronteira aberta (Figura dM dt AK h πC (12-111)
12-28) entre os tempos t = 0 e t = 2,70 h (9720 s). A área, A, da
célula é de 8,27 cm2 e sua altura, h, é de 2,65 cm. A concentração Quando todos os parâmetros do lado direito da equação
original, u0, de fármaco na célula é de 0,0437 g/cm3. A quantidade (12-111) permaneceram constante, a velocidade de liberação
total de fármaco, M, na célula é igual à concentração, em g/cm3, do fármaco pelo dispositivo osmótico será constante. É possí-
multiplicada por A × h. O volume da célula é igual 0,0437 g/cm3 × vel obter este efeito por meio do delineamento cuidadoso da
8,27 cm2 × 2,65 cm= 0,9577 g. O coeficiente de difusão, D, do cora- formulação e da seleção de uma membrana semipermeável
zol em água a 25 °C é 16,5 × 10-5 cm2/s, conforme mostra o Exem- que permita obter uma solução saturada de fármaco dentro
plo 12-13. Colocando este valor na equação (12-109) tem-se que da bomba, de tal modo que π e C permaneçam constantes. A
liberação de fármaco do sistema osmótico é governada por
M0 t = (0 0437 g cm3 × 827 cm2 × 2 65 cm)
vários fatores de formulação, tais como a solubilidade e a
2 (16 5×10−5 cm2 s)(9720 s)
8 −π pressão osmótica dos componentes do núcleo, o tamanho do
× 1− e 4×7,0225 cm 2
π2 orifício de abertura e a natureza da membrana controladora
1 − 9π2 (16 5×10−5 cm2 s)(9720 s) da velocidade.
+ e 4×7 0225 cm2 + ···
9
Solubilidade
M0 t = 0 9577 × 0 53805 = 0 51529 g
A cinética da liberação osmótica de fármaco está diretamente
relacionada à solubilidade do fármaco no núcleo. Assumindo-
* Usamos o símbolo M para substituir o termo Q de Jacobs. se que o núcleo de um comprimido contenha apenas fármaco,
348 P ATRICK J. S INKO

pode-se encontrar a fração do núcleo que é liberada com ciné- Membrana semipermeável
tica de ordem zero a partir da equação abaixo
A escolha de uma membrana controladora da velocidade de
F(z) 1 − S (12-112) liberação é um aspecto importante no desenvolvimento de for-
onde F(z) é a fração liberada por cinética de ordem zero, S é a mulações de sistemas osmóticos. Uma membrana semipermeá-
solubilidade do fármaco (g/mL), e ρ é a densidade (g/mL) do vel deve ser biocompatível com o trato gastrintestinal. Ela deve
núcleo do comprimido. Fármacos com baixa solubilidade (≤ ser permeável à água e prover um isolamento efetivo ao pro-
0,05 g/mL) podem, facilmente, atingir a saturação e ser libera- cesso de dissolução no meio estomacal. Conseqüentemente, a
liberação de fármacos de um sistema osmótico é independente
dos do núcleo seguindo uma cinética de ordem zero. Contudo,
do pH e da intensidade de movimentação do trato gastrintesti-
de acordo com a equação (12-112), a velocidade de liberação
nal. Para garantir que o revestimento consiga resistir à pressão
em uma cinética de ordem zero pode ser lenta devido ao bai-
do próprio sistema, a espessura da membrana geralmente deve
xo gradiente de pressão osmótica e à baixa concentração de
manter-se entre 200 e 300 μm. A seleção de membranas com
fármaco. Ao contrário, fármacos muito solúveis podem apre-
alta permeabilidade à água pode garantir uma pressão hidros-
sentar alta velocidade de liberação seguindo uma cinética de
tática dentro do dispositivo osmótico e permitir, assim, um flu-
ordem zero, para uma pequena porcentagem da fração inicial
xo rápido de liberação do fármaco pelo orifício.
de fármaco. Assim, a hidrossolubilidade intrínseca de muitos
Resumindo, a seleção de um fármaco com solubilidade
fármacos pode impedir sua incorporação em sistemas de bom-
adequada, uma membrana semipermeável com permeabilida-
ba osmótica. Contudo, é possível modular a solubilidade dos
de favorável à água e tamanho de orifício são os pontos-chave
fármacos dentro do núcleo e ampliar esta tecnologia para a
para garantir e manter uma velocidade constante de liberação a
liberação dos fármacos que possam ser inadequados para sis-
partir de um sistema osmótico de liberação de fármaco.
temas osmóticos.

Pressão osmótica EXEMPLO 12-15

A pressão osmótica, como a pressão de vapor e o ponto de Liberação osmótica de cloreto de potássio
ebulição, é uma propriedade coligativa das soluções conten- Comprimiram-se 500 mg de cloreto de potássio junto com 0,25
do solutos não-voláteis dissolvidos em um solvente volátil. A ml de água. A espessura da membrana semipermeável é igual a
pressão osmótica de uma solução depende do número de en- 0,025 cm e sua área é igual a 2,2 cm2. A solubilidade do fármaco
tidades discretas de soluto presente na solução. Pela equação é de 330 mg/mL. A densidade da solução é de 2 g/mL. Aqui, K π
(12-111), fica evidente que a velocidade de liberação do fárma- = 0,686 × 10–3 cm2/h, e o coeficiente de difusão, D, é 0.122 × 10–3
co a partir de sistemas osmóticos é diretamente proporcional cm2/h. Qual é a velocidade de liberação do cloreto de potássio no
à pressão osmótica do núcleo da formulação. Para controlar sistema osmótico?70
a liberação de fármaco destes sistemas é importante otimizar Assumindo-se que a pressão osmótica é a principal força mo-
o gradiente de pressão osmótica entre o compartimento inter- triz do sistema e usando a equação (12-111), temos que
no e o meio externo. É possível atingir e manter uma pressão dM dt = A hKπC = (2 2 cm2 0 025 cm)(0 686 × 10−3 cm2 h)
osmótica constante mantendo-se o agente osmótico saturado (330 mg mL) = 19 92 mg h
na solução no compartimento. Se o fármaco não tiver pressão
osmótica suficiente, pode-se adicionar um agente osmótico à Considerando-se a contribuição da difusão, temos que
formulação. dM dt = A hC(Kπ + D) = (2 2 cm2 0 025 cm)
(330 mg mL)(0 686 × 10−3 cm2 h + 0 122
Orifício de liberação
× 10−3 cm2 h) = 23 5 mg h
Os sistemas de liberação osmótica contêm pelo menos um ori-
fício na membrana para a saída do fármaco. O tamanho do ori-
fício pode ser otimizado para controlar a liberação do fármaco Referências
dos sistemas osmóticos. Se o tamanho for muito pequeno, a li-
beração de ordem zero será afetada devido ao desenvolvimento 1. V. T. Stannett, et al., in Advances in Polymer Science, Vol. 32, Springer-
de uma pressão hidrostática dentro do núcleo. A pressão hi- Verlag, Berlin, 1979, pp. 71–122; D. R. Paul and G. Morel, in R. E.
drostática pode não diminuir em função do pequeno tamanho Kirkand D. F. Othmer Encyclopedia of Chemical Technology, 3rd Ed.,
do orifício e levar à deformação do sistema, resultando, assim, Vol.15, Wiley, New York, 1981, pp. 92–131.
em uma liberação imprevisível do fármaco. Entretanto, o ta- 2. S. T. Hwang and K. Kammermeyer, Membranes in Separations, Wiley-
Interscience, New York, 1975, pp. 23–28.
manho do orifício não precisa ser muito grande e deverá evitar
3. E. L. Cussler, Diffusion: Mass Transfer in Fluid Systems, 2nd Ed.,
a difusão do soluto pelo mesmo. Para otimizar o tamanho do Cambridge University Press, New York, 1997.
orifício, pode-se utilizar a equação 4. I. Sivin, Drug Safety 26, 303, 2003.
As 8π(L V t)( P)1 2 (12-113) 5. J. C. Maxwell, Phil. Mag. 19, 20, 1860.
6. D. A. Johnson and G. L. Amidon, J. Theor. Biol. 131, 93, 1988.
onde As é área de secção transversal, π = 3,14..., L é o diâmetro 7. Topp, in G. L. Amidon, P. I. Lee, and E. M. Topp (Eds.), Transport
do orifício, V/t é o volume liberado por unidade de tempo, η Processes in Pharmaceutical Systems, Marcel Dekker, New York, 2000.
é a viscosidade da solução de fármaco e ΔP é a diferença de 8. R. B. Bird, W. E. Stewart, and E. N. Lightfoot, Transport Phenomena,
pressão hidrostática. Wiley, New York, 1960.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 349

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13
13 LIBERAÇÃO E DISSOLUÇÃO DE
FÁRMACOS
INTRODUÇÃO MÉTODOS E EQUIPAMENTOS
Métodos de dissolução I e II da USP
TERMINOLOGIA
Considerações especiais para formas farmacêuticas
CONCEITOS BÁSICOS de liberação modificada: métodos 3 e 4 da USP
Dissolução
Liberação de fármacos
DISSOLUÇÃO E LIBERAÇÃO A PARTIR DE
MEDICAMENTOS ORAIS
Meios biologicamente compatíveis

Ao concluir este capítulo, o com sistema de agitação e de cestos (equipamento 1 USP) para
OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: determinar a dissolução das formas farmacêuticas sólidas.1
Com a introdução da USP XIX/NF XIV em 1975, de-
1 Definir dissolução e descrever exemplos relevantes de dis- monstrou-se que o compêndio-padrão para biodisponibili-
solução na prática farmacêutica. dade in vivo não era necessário, desde que se estabelecesse
2 Compreender as diferenças entre sistemas de liberação uma correlação in vitro-in vivo satisfatória. Em 1978, o equi-
imediata, modificada, retardada, prolongada e controlada. pamento farmacopéico de pás da USP foi oficialmente ado-
3 Diferenciar cinéticas de liberação de ordem zero e de pri- tado, demonstrando ser vantajoso na desintegração de formas
meira ordem. farmacêuticas. Atualmente, o controle de qualidade (QC) de
4 Definir e compreender a velocidade de dissolução intrínse- muitos produtos é baseado na cinética de liberação in vitro do
ca e definir as forças motrizes da dissolução. fármaco.2-5 O teste de liberação de fármacos é também rotinei-
ramente usado para predizer a eficiência das formulações ou
5 Compreender o efeito da área de superfície sobre a veloci- dos medicamentos nos pacientes. Essas duas áreas distintas da
dade de dissolução. dissolução e da liberação de fármacos têm se desenvolvido nas
6 Diferenciar os modelos de liberação e dissolução de Hix- últimas décadas e serão descritas neste capítulo.
son-Crowell, Noyes-Whitney e Higuchi.
7 Compreender o conceito de condição sink.
8 Definir o Sistema de Classificação Biofarmacêutico e dis-
cutir o papel da permeabilidade e da solubilidade. CONCEITO LIBERAÇÃO DE FÁRMACO
9 Compreender o quanto as propriedades do meio, por
exemplo, viscosidade, pH, lipídeos e tensoativos, podem A liberação de fármacos é o pro- quanto aquelas de liberação pro-
afetar a dissolução. cesso pelo qual o fármaco deixa longada. A liberação retardada
10 Descrever e compreender o funcionamento dos equipa- a forma farmacêutica e passa a é definida como a liberação do fár-
mentos de dissolução mais comuns. estar sujeito a absorção, distri- maco em um tempo diferente da-
buição, metabolização e excreção quele imediatamente após a sua
(ADME), tornando-se, conseqüen- administração. Os medicamentos
temente, disponível para a ação de liberação prolongada são de-
INTRODUÇÃO* farmacológica. A liberação de senvolvidos para fazer com que o
fármaco é descrita de vários mo- fármaco esteja disponível durante
Os testes de desintegração, oficiais na United States Pharmaco- dos. A liberação imediata refere- um período prolongado de tempo
peia (USP) desde 1950, estão apenas relacionados indiretamente se à disponibilização instantânea após sua administração. Finalmen-
com a biodisponibilidade do fármaco e com a eficiência da forma do fármaco para absorção e ação te, a liberação controlada inclui
farmacêutica.1 Em 1962, a dissolução dos fármacos foi reconhe- farmacológica. Medicamentos de os medicamentos de liberação
cida como necessária para sua ação fisiológica, reconhecendo-se, liberação imediata permitem prolongada e os medicamentos
assim, a necessidade de incluir a dissolução nas monografias de que o fármaco se dissolva sem o de liberação pulsátil. A liberação
cápsulas e comprimidos contendo substância com solubilidade propósito de retardar ou prolongar pulsátil envolve a liberação de
inferior a 1% em meio aquoso. Em 1968, o USP/National For- sua dissolução ou absorção. As quantidades finitas (ou pulsos) de
mulary (NF) recomendou a adoção de um equipamento de teste
formas farmacêuticas de libera- fármaco em intervalos distintos de
ção modificada incluem tanto tempo que são programados na
aquelas de liberação retardada própria forma farmacêutica.
* Muitas das informações contidas nesta introdução geral foram retiradas de
Cohen e colaboradores.1
352 P ATRICK J. S INKO

de liberação e dissolução de fármacos, o teste de liberação de


CONCEITO DISSOLUÇÃO fármacos, o BCS e as condições biologicamente relevantes da
dissolução, os métodos e equipamentos de dissolução, além
de dar vários exemplos que podem ajudar o estudante a com-
A dissolução refere-se ao pro- permanecem na fase sólida mes- preender a liberação e dissolução de fármacos.
cesso pelo qual uma fase sólida mo quando introduzidas em uma
(p. ex. comprimido ou pó) passa solução, temos uma suspensão
à fase de solução, geralmente farmacêutica. Suspensões são
em água. Na essência, é quando vistas nos Capítulos 17 e 18. Na TERMINOLOGIA*
o fármaco “dissolve” em par- maioria das circunstâncias, so-
tículas sólidas individuais e se mente os fármacos em solução Medicamento: Um medicamento ou produto farmacêuti-
mistura molécula por molécula podem ser absorvidos, distribu- co é uma forma farmacêutica acabada (p. ex. comprimido ou
com o líquido e parece ser parte ídos, metabolizados, excretados cápsula) que contém um fármaco, em geral, mas não necessa-
do líquido. Logo, a dissolução é e, conseqüentemente, exercer riamente, em associação com outros produtos (21 Code of Fe-
um processo no qual as molécu- sua ação farmacológica. Logo, deral Regulations 314.3(b)). As formas farmacêuticas sólidas
las de fármacos são liberadas da a dissolução é um processo bas- incluem (mas não se limitam a) comprimidos, comprimidos
fase sólida e entram na fase de tante importante na área farma- mastigáveis, comprimidos com revestimento entérico, caplets,
solução. Quando as partículas cêutica. pellets encapsulados e cápsulas de gelatina mole.
Fármaco: Substância ativa responsável por gerar a ati-
vidade farmacológica ou outro efeito direto de diagnóstico,
cura, alívio, tratamento ou prevenção de doença, ou que afete
Os cinco tipos de formas farmacêuticas que podem ser ca- a estrutura de qualquer parte do corpo humano. Não inclui in-
racterizados pela liberação in vitro são (a) formas farmacêu- termediários usados na síntese destas substâncias (21 Code of
ticas sólidas orais; (b) formas farmacêuticas retais, como os Federal Regulations 314.3(b)).
supositórios, (c) formas farmacêuticas pulmonares (liberação Revestimento entérico: Visa a retardar a liberação do fár-
de fármacos no pulmão), (d) formas farmacêuticas de libera- maco (ou fármacos) até que a forma farmacêutica tenha passa-
ção modificada, e (e) medicamentos semi-sólidos, como os do pelo estômago. Os medicamentos com revestimento entéri-
ungüentos, cremes e medicamentos transdérmicos. Durante co são formas farmacêuticas de liberação retardada.
os últimos anos, a indústria farmacêutica, os pesquisadores e Liberação prolongada: Os medicamentos de liberação
a Food and Drug Administration (FDA) têm trabalhado con- prolongada são formulados visando à liberação do fármaco
juntamente para melhorar as diretrizes disponíveis para clas- durante um período de tempo após a ingestão. Isso permite
redução na freqüência de dose, se comparada com formas far-
sificação, estudo e documentação de alterações pós-registro de
macêuticas de liberação convencional (p. ex., uma solução ou
processos de produção.5 Os primeiros resultados deste esforço
forma farmacêutica de liberação imediata).
resultaram na publicação de várias diretrizes da SUPAC (Scale
Formas farmacêuticas de liberação modificada: Formas
Up Post Approval Change), incluindo o guia inicial, SUPAC-
farmacêuticas cujas características de tempo ou local de libera-
IR,3 para medicamentos de liberação imediata, seguido pelo
ção do fármaco são usadas para atingir objetivos terapêuticos
SUPAC-MR,5 para medicamentos de liberação modificada,
ou proporcionar vantagens não oferecidas por formas conven-
SUPAC-SS,4 para semi-sólidos e PACATLS, para mudan-
cionais, tais como uma solução ou uma forma farmacêutica de
ças em laboratórios analíticos. Muitos documentos SUPAC liberação imediata. As formas farmacêuticas orais de liberação
encontram-se em vários estágios de desenvolvimento. Parale- modificada incluem tanto os medicamentos de liberação retar-
lo a estes esforços, a explícita ligação entre as propriedades dada quanto aqueles de liberação controlada.
físico-químicas, como a dissolução e a biodisponibilidade dos Liberação imediata: Permitem que o fármaco se dissolva
fármacos, está sendo formalmente reconhecida, como se pode no conteúdo do trato gastrintestinal, sem que haja intenção de
observar no próprio Sistema de Classificação Biofarmacêutico retardar ou prolongar sua dissolução ou absorção.
(BCS), introduzido em 1995.6 O BCS propôs uma classifica- Correlação in vitro-in vivo: Modelo matemático predi-
ção direta dos produtos contendo fármacos, de acordo com as tivo que descreve a relação entre as propriedades in vitro de
características de solubilidade e a permeabilidade dos fárma- uma forma farmacêutica oral (geralmente a velocidade ou a
cos. No início de 1998, o interesse em estudar a ligação en- extensão da dissolução ou liberação do fármaco) e a resposta
tre o teste de dissolução e a biodisponibilidade foi avivado e relevante in vivo (p. ex., concentração plasmática de fármaco
permanece até hoje.7-11 As monografias farmacopéicas padrão ou quantidade de fármaco absorvida).
para a dissolução são tipicamente designadas como sendo pro-
cedimentos de controle de qualidade, que visam a garantir que
a variabilidade de cada lote esteja mantida dentro de padrões
científicos e reguladores aceitáveis. Contudo, com a difusão e CONCEITOS BÁSICOS
adoção da BCS, a possibilidade de substituir os testes de dis-
solução por estudos clínicos tem gerado condições para ques- A Biofarmácia (Capítulo 14) e o delineamento de sistemas de
tionar os testes de dissolução dos compêndios porque existe, liberação de fármacos (Capítulo 22), conforme tratado mais
agora, a necessidade de melhor predizer o desempenho in vivo
dos medicamentos. Neste capítulo, abordaremos a teoria bási-
ca e os fundamentos analíticos para compreender os cálculos * Esta seção foi obtida da referência 12, com algumas modificações.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 353

adiante, são baseados, em parte, nos princípios da difusão e da Dissolução


teoria da dissolução.
Este capítulo fornece o fundamento para o estudo de tais Quando um comprimido ou outra forma farmacêutica sólida é
tópicos, através da apresentação de conceitos, ilustrações e colocado em um béquer com água ou dentro do trato gastrin-
exemplos trabalhados. A liberação de fármacos é abordada an- testinal, o fármaco começa a passar da forma sólida intacta
tes porque é amplamente baseada na difusão, a qual foi discu- para a solução. A menos que o comprimido seja um dispositi-
tida no Capítulo 12. A dissolução de fármacos será abordada vo polimérico contínuo, uma matriz polimérica sólida também
mediante exemplos da literatura e com aplicações práticas de pode desintegrar-se em grânulos e estes podem desagregar-se
ambos os temas aos problemas farmacêuticos. em finas partículas. A desintegração, a desagregação e a dis-
Os perfis de dissolução e liberação de fármaco geral- solução podem ocorrer simultaneamente com a liberação do
mente pertencem a dois grupos: liberação de ordem zero fármaco da forma farmacêutica. Os passos são separados para
e liberação de primeira ordem. Tipicamente, nas Ciências fins didáticos, como pode ser visto na Figura 13-1.
A eficácia de um comprimido em liberar seu fármaco
Farmacêuticas, a liberação de ordem zero é vista em formas
para o sistema depende, de certo modo, da velocidade de
farmacêuticas não-desintegráveis, como sistemas de libera-
desintegração da forma farmacêutica e da desagregação dos
ção tópica ou transdermal, implantes constituindo sistemas
grânulos. Contudo, normalmente, a velocidade de dissolu-
de depósito ou sistemas de liberação oral controlada de fár- ção do fármaco sólido é mais importante. Freqüentemente, a
macos. Como muitos desses sistemas são abordados no Ca- dissolução é o passo limitante da absorção de fármacos com
pítulo 22, em sistemas de liberação, e no Capítulo 21, em baixa solubilidade porque ele é, em geral, o mais lento dos
biomateriais, optou-se por introduzir as bases matemáticas vários estágios envolvidos na liberação do fármaco a partir da
neste capítulo. Nestes casos, a “dissolução” refere-se geral- forma farmacêutica e da sua passagem para a circulação sis-
mente à “liberação” de fármacos porque é dependente da têmica. A dissolução clássica tem sido revisada por Wurster
difusão (Capítulo 12). Os estudantes mais avançados podem e Taylor,14 Wagner,15 e Leeson e Carstensen.16 Os processos
encontrar um tratamento mais aprofundado dos modelos ma- de velocidade de liberação são discutidos, em geral, por Hi-
temáticos de dissolução na revisão de Costa e Sousa Lobo.13 guchi.17 Esta área tem sido bastante explorada pela ciência
As seções seguintes revisam os modelos básicos, com ênfa- ao longo dos anos e, recentemente, têm sido publicadas revi-
se na dissolução e liberação de fármacos. O estudante pode sões sobre uma série de aspectos da dissolução de fármacos,
examinar cada equação como um modo rápido de descrever incluindo a influência das propriedades físico-químicas dos
as relações entre os parâmetros e fatores que afetam o pro- fármacos na dissolução18 e na modelagem e comparação de
cesso, que será descrito a seguir. perfis de dissolução.13 Artigos como estes darão ao estudante
uma visão geral a respeito da situação atual nesta área.

Comprimido
Tablet
or
oucapsules
cápsula
Dis
so
luç
ão
Desintegração

Drug inem
Fármaco Drug in
Fármaco
Granules
Grânulosor Dissolução solution
solução Absorção blood, other
no sangue,
ouaggregates
agregados (in vitro
(in vitro ou
or (in vivo) fluidsfluidos
outros and
in vivo)
in vivo) etissues
tecidos

Desagregação
ão
oluç
Diss

Partículas finas
Fine particles

Figura 13-1 Estágios de desintegração, desagregação e dissolução, quando o fármaco é liberado do comprimido
ou matriz granular (Retirada, com permissão, de J. G. Wagner, Biopharmaceutics and Relevant Pharmacokinetics,
Drug Intelligence, Hamilton, Ill., 1971, p. 99.)
354 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO CINÉTICA DE LIBERAÇÃO DE ORDEM ZERO


A cinética de liberação de ordem zero refere-se ao processo de liberação Q Q K t (13-1)
constante de um fármaco a partir de um dispositivo de liberação, tal como
onde Q é a quantidade de fármaco liberado ou dissolvido (assumindo-se
comprimidos osmóticos, sistemas transdérmicos, comprimidos matriciais
que a liberação ocorra rapidamente e após a dissolução do fármaco), Q 0 é
contendo baixa concentração de fármaco, entre outros. Neste contexto, a
a quantidade inicial de fármaco em solução (geralmente igual a zero), e K0
liberação “constante” pode ser definida como a mesma quantidade de fár-
é a constante de liberação de ordem zero.
maco liberada por unidade de tempo. De forma simplificada, a liberação
de fármacos de ordem zero pode ser representada por

Muitas teorias têm sido usadas para construir modelos difusão estática, a x maior que h, ocorre a mistura da solução.
matemáticos que descrevem a dissolução de fármacos a partir Neste momento, a concentração do fármaco, C, é uniforme em
de formas farmacêuticas de liberação imediata e modificada. toda a solução.
Neste capítulo, iremos focar a dissolução de formas farma- Na interface da superfície sólida-camada de difusão, x =
cêuticas sólidas. Uma vez que a dissolução é um processo 0, o fármaco no sólido está em equilíbrio com o fármaco na
cinético, a velocidade de dissolução reflete a quantidade de camada de difusão. O gradiente, ou a mudança de concen-
fármaco dissolvida durante certo período de tempo. Em cer- tração em função da distância através da camada de difusão,
tos casos, pode-se obter uma equação que descreva a depen- é constante, como pode ser visto na linha reta descendente.
dência da dissolução com o tempo. A isso se chama solução Este é o gradiente representado nas equações (13-2) e (13-3)
matemática analítica. Contudo, em muitos casos em que não pelo termo (Cs – C)/h. A semelhança entre a equação de
se pode obter uma solução analítica, usa-se uma relação em- Noyes-Whitney e a primeira lei de Fick é evidente na equação
pírica. Muitos modelos matemáticos comuns serão descritos (13-2).
nas seções seguintes. O estudante de Farmácia deve ter em Por esta razão, quando C é consideravelmente menor que
mente que a lição mais importante para o aprendizado, neste a solubilidade do fármaco, Cs, o sistema representa condições
momento, não é saber como derivar estas equações. O impor- sink, e a concentração C pode ser eliminada das equações
tante é saber fazer uso delas, como fórmulas simplificadas (13-2) e (13-3). A equação (13-2) torna-se
que ajudem a entender os diferentes fatores que afetam a ve- dM dt DSCs h (13-7)
locidade de dissolução e como os perfis de dissolução podem
variar e, enfim, influenciar a eficiência ou o regime terapêuti- Na derivação das equações (13-2) e (13-3), assume-se que
co dos pacientes. h e S sejam constantes, mas este não é o caso. A espessura da
A velocidade na qual um sólido dissolve-se em um solven- camada de difusão estática é alterada pela força de agitação na
te foi proposta, em termos quantitativos, por Noyes e Whitney, superfície do comprimido em dissolução e será mencionada
em 1897, e elaborada, subseqüentemente, por outros autores. mais tarde. A área de superfície, S, obviamente não permane-
A equação pode ser escrita da seguinte forma ce constante à medida que o pó, granulado ou comprimido se
dM DS dissolve. Deste modo, será difícil obter uma medida precisa de
(Cs − C) (13-2) S conforme o processo avança. Em estudos experimentais de
dt h dissolução, a superfície pode ser controlada colocando-se um
ou pellet compactado dentro de um dispositivo que exponha uma
dC DS
(Cs − C) (13-3) superfície de área constante.
dt Vh
onde M é a massa de soluto dissolvido no tempo t, dM/dt é a
velocidade de massa dissolvida (massa/tempo), D é o coefi-
ciente de difusão do soluto na solução, S é a área de superfície
exposta do sólido, h é a espessura da camada de difusão, Cs
é a solubilidade do sólido (p. ex., a concentração da solução
saturada do composto na superfície do sólido, à temperatura
CONCEITO CINÉTICAS DE PRIMEIRA
do experimento), e C é a concentração de soluto na solução no ORDEM
tempo t. A quantidade dC/dt é a velocidade de dissolução, e V
é o volume de solução. A equação de Noyes-Whitney é A equação de Hixson e Crowell
Na dissolução ou na teoria de transporte de massa, assu- ainda considera área de superfí-
dC dt K(Cs C)
me-se que existia uma camada de difusão aquosa ou um filme cie do sólido em dissolução:
líquido estático ou estacionário de espessura h na superfície (13-4)
dM dt KS (Cs C)
do sólido que está se dissolvendo, conforme se pode observar onde K é a constante de propor-
na Figura 13-2. Esta espessura, h, corresponde a uma camada (13-5)
cionalidade de “primeira ordem”.
estacionária do solvente na qual as moléculas de soluto existem onde K Dh
em uma concentração que vai de Cs a C. Além da camada de
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 355

CONCEITO FORÇAS PROPULSÓRIAS DA DISSOLUÇÃO E CONDIÇÕES SINK


A solubilidade de saturação do fármaco é o fator-chave na equação dissolução é maior quando o sistema está sob condições sink. Sob
de Noyes-Whitney. A força propulsora da dissolução é o gradiente de condições sink, a equação (13-5) pode ser simplificada da seguinte
concentração através da camada-limite. Logo, a força propulsora de- forma:
pende da espessura da camada-limite e da concentração de fármaco
Qt Q 0 e−Kt ou ln(Q t Q 0 ) Kt (13-6)
realmente dissolvida. Quando a concentração de fármaco dissolvida,
C, é menos que 20% da concentração de saturação, Cs, diz-se que o * N. de T.: Códigos oficiais e outros autores estabelecem 10%. O valor de
sistema está operando sob “condições sink” A força propulsora da 20% não é usual nem consensual.

Embora isso se adeqüe melhor às exigências das equações No Exemplo 13-1, 0,760 g dissolveram em 500 mL após 1
(13-2) a (13-7) e gere informações valiosas sobre o fármaco, min, ou 760 mg/500 mL = 1,5 mg/cm3. Este valor é um déci-
não simula a dissolução real do material na prática. mo da solubilidade do fármaco e pode ser omitido da equação
O cálculo do coeficiente de difusão e da constante de ve- (13-2) sem que seja introduzido erro significativo, como pode
locidade de difusão mediante as equações (13-2) a (13-7) pode ser visto usando-se a equação completa (13-2):
ser demonstrado pelos dois exemplos seguintes.
12 67 mg s
k
EXEMPLO 13-1 (0 28 × 104 cm2 )(15mg cm3 − 1 5 mg cm3 )

Calcular a constante de velocidade de dissolução k 3 35 10−4 cm s


Uma preparação de grânulos de fármaco pesando 0,55 g, e com Quando este resultado é comparado com 3,02 × 10–4 cm/s,
uma área de superfície total de 0,28 m2 (0,28 × 104 cm2) é sub- obtido usando-se a expressão menos exata, observa-se que as
metida a dissolução em 500 mL de água a 25 °C. Após o pri- “condições sink” prevalecem e que o termo da concentração,
meiro minuto, 0,76 g passaram para a solução. A quantidade C, pode ser omitido da equação.
D/h pode ser considerada como a constante de velocidade de
dissolução, k.
Se a solubilidade, Cs, do fármaco é 15 mg/mL a 25 °C, qual EXEMPLO 13-2
é o valor de k? Da equação (13-7), M muda linearmente com o t Lei da raiz cúbica de Hixson-Crowell
inicial, e A espessura da camada de difusão no Exemplo 13-1 é estimada
dM 760 mg
= = 12 67 mg s em 5 × 10−3 cm. Calcular D, o coeficiente de difusão, usando a
dt 60 s
relação k ⴝ D/h.
12 67 mg s = k × 0 28 × 104 cm2 × 15 mg cm3 Tem-se que:
k 3 02 10−4 cm s D = (3 35 × 10−4 cm s) × (5 × 10−3 cm)
1 68 10−6 cm2 s

Forma
Camada aquosa Se as dimensões de uma forma farmacêutica diminuem
de difusão proporcionalmente, de maneira que a forma geométrica desta
farmacêutica Solução
(filme líquido permaneça constante durante a dissolução, então a dissolução
sólida
estático) ocorre em planos paralelos à superfície da forma farmacêutica.
Cs Neste caso, podemos usar o modelo da raiz cúbica de Hixson-
Crowell para compreender este comportamento, o que dá a idéia
Concentração

de que a dissolução do comprimido ocorre desta forma. Para um


fármaco em pó constituído de partículas de tamanho uniforme,
Matriz é possível derivar uma equação que expresse a velocidade de
dissolução baseada na raiz cúbica do peso das partículas.
O raio da partícula não pode ser considerado constante.
A partícula (esfera) mostrada na Figura 13-3 tem um raio r e
C uma área de superfície de 4πr2.
Durante a dissolução, o raio é reduzido em dr e o volume
infinitesimal da seção perdida é de:
x=0 x=h
dV 4πr 2 dr (13-8)
Figura 13-2 Dissolução de um fármaco a partir de uma matriz sólida, mos-
trando a camada de difusão estática entre a superfície da forma farmacêu- Para N partículas quaisquer, o volume perdido é
tica e a solução. dV 4Nπr 2 dr (13-9)
356 P ATRICK J. S INKO

Dividindo a equação (13-13) por 4Nπr2, temos


ρ dr kCs dt (13-14)
e, integrando r = r0, a t = 0, obtém-se a equação
kCs t
r r0 −
ρ (13-15)
d = 2r
O raio das partículas esféricas pode ser substituído pela
massa de N partículas usando a relação (veja o volume da es-
fera na contracapa)
M Nρ( 6)d 3 (13-16)
dr
onde d = 2r é o diâmetro da partícula. Aplicando a raiz cúbica
à equação (13-16) temos
Figura 13-3 Esquema de uma partícula mostrando a variação na área de
superfície e no volume à medida que ela se dissolve. O volume, dV, dissolvido
M1 3
[Nρ( 6)]1 3 d (13-17)
em dt segundos é dado pela espessura × área de superfície = dr × 4πr2. O diâmetro da equação (13-17) é substituído por 2r na
(Retirada, com permissão, de J. T. Carstensen, Pharmaceutics of Solids and equação (13-15), gerando
Solid Dosage Forms, Wiley, New York, 1977, p. 75.)
M0 1 3
M1 3
κt (13-18)
onde
3 2kCs M0 1 3 2kCs
A área de superfície de N partículas é κ [Nρ( 6)]1
ρ d ρ (13-19)
2
S 4Nπr (13-10) M0 é a massa original das partículas de fármaco. A equação
Agora, a variação infinitesimal da massa, conforme re- (13-18) é conhecida como lei da raiz cúbica de Hixson-Cro-
presentada pela lei de Noyes-Whitney, equação (13-2), re- well19 e κ é a constante da raiz cúbica da velocidade de dis-
sulta em: solução.
dM k SCs dt (13-11)
EXEMPLO 13-3
onde k é usado para D/h como no Exemplo 13-1. A densidade
do fármaco multiplicada pela variação infinitesimal de volu- Calcular a constante de velocidade de dissolução
me, ρ dV, pode ser igualada a dM, ou Considere um pó de tolbutamida, especialmente preparado com
ρ d V k SCs dt (13-12) partículas de tamanho razoavelmente uniforme, com diâmetro de
150 μm e pesando 75 mg. A dissolução do fármaco foi determi-
As equações (13-9) e (13-10) são substituídas na equação nada em 1.000 mL de água a 25 °C, em função do tempo. Deter-
(13-12) para obter minar o valor de κ, a constante da raiz cúbica da velocidade de
4ρ Nπr 2 dr 4Nπr 2 kCs dt (13-13) dissolução, a cada intervalo de tempo e calcular o valor médio de
κ. Os dados e resultados estão na tabela seguinte.

DISSOLUÇÃO DO PÓ DE TOLBUTAMIDA*
Concentração Peso
Tempo dissolvida não-dissolvido,
(min) (mg/mL) M(g) M01/3 – M1/3 κ (g1/3/min)
0 0 0,0750(M0) 0 —
10 0,01970 0,0553 0,0406 0,0041
20 0,0374 0,0376 0,0866 0,0043
30 0,0510 0,0240 0,1332 0,0044
40 0,0595 0,0155 0,1724 0,0043
50 0,0650 0,0100 0,2063 0,0041
κ 0 0212
κav 5 5
= 0 00424 g1 3
min
*Baseado em M. J. Miralles, M. S. Thesis, University of Texas, 1980.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 357

Na situação em que a espessura da camada de difusão para um comprimido de superfície circular com raio r. Nestas
aquosa em torno da partícula esférica é comparável com ou equações, D é a difusibilidade ou coeficiente de difusão, Cs é a so-
maior do que o tamanho da esfera (p. ex., partículas microni- lubilidade, e α é a velocidade de cisalhamento com que o solvente
zadas menores que 50 μm de diâmetro), a variação no raio da é bombeado sobre a superfície em dissolução. A velocidade de ci-
partícula, em função do tempo, corresponde a salhamento é calculada de α = 6Q/H2W, onde Q é a velocidade de
fluxo e H e W são, respectivamente, a altura e largura do canal na
2DCs t
r 2 r0 2 célula de difusão que viabilizam o fluxo do solvente (água) sobre o
ρ (13-20) comprimido em dissolução.
Experimentos de velocidade de dissolução, R, foram feitos a 37
e o tempo estimado para a completa dissolução, τ , (quando
°C com um comprimido de superfícies retangulares contendo o etil
r2 = 0), é
p-aminobenzoato de etila como fármaco-modelo. O eixo mais longo
ρr0 2
τ da superfície retangular tinha 25,4 mm e o menor, 3,175 mm.
2DCs (13-21) (a, b) Calcular a velocidade de dissolução, R, para o eixo mais
longo, L, colocado perpendicularmente à direção do fluxo e, após,
EXEMPLO 13-4 com o eixo mais longo colocado paralelamente à direção do fluxo.
A velocidade de fluxo, Q, é 14,9 mL/min; a difusibilidade e a solu-
Tempo de dissolução bilidade do fármaco são D = 9,86 × 10–6 cm2/s e Cs = 7,27 × 10–6
Na prática clínica, a injeção de diazepam (uma solução estéril de mol/cm3, respectivamente; e H2W = 0,3506 cm3.
diazepam em um sistema de co-solventes constituídos por propi- (c) O experimento é repetido, porém usando-se um disco cir-
lenoglicol, etanol e água) é geralmente diluída muitas vezes com cular com uma área de superfície igual à área do retângulo descri-
solução salina para injeção. Inicialmente ocorre uma precipitação to em (a). Calcule R, expressando os resultados em mol/min.
do diazepam sob adição da solução salina, seguida por uma com- (d) Quais diferenças você encontra entre este modelo e o mo-
pleta dissolução após 1 minuto de agitação. Com uma Cs em água delo clássico de camada de difusão estática ou estacionária? Você
igual 3 mg/mL, ρ de aproximadamente 1,0 g/mL, e D igual a 5 × pode verificar Nelson e Shah21 para encontrar as respostas.
10–6 cm2/s, calcular o tempo para a completa dissolução do fárma- (a) A velocidade de cisalhamento é
co quando r0 = 10 μm (10 × 10–4 cm). α = 6Q H 2 W = 6 14 9 cm3 min−1 0 3506 cm3 = 255 0 min−1
Temos que
(1 g mL)(10 × 10−4 cm)2 Para o eixo longo perpendicular ao fluxo, b = 2,54 cm e L =
τ = 0,3175 cm. Logo,
2(5 × 10−6 cm2 s)(3 × 10−3 g mL)
= 33 s R = 0 808(9 86 × 10−6 cm2 s× 60 s min)2 3

−6 3 −1 1 3
× (7 27 × 10 mol cm ) × (255 0 min )
r0 = 25 μm = 208 s
× (2 54 cm) × (0 3175 cm)2 3

Modelos mais complexos de dissolução: difusão convectiva 3 10 10−7 mol min


A convecção, a transferência de calor (energia) e a presença de (b) Para o eixo longo paralelo ao fluxo, b = 0,3175 cm e L =
agitação acompanhando o movimento do fluido podem ser com- 2,54 cm. Logo,
binadas com a difusão para gerar um modelo de difusão convecti- R = 0 808(9 86 × 10−6 cm2 s × 60 s min)2 3

va para o estudo da dissolução.20 O modelo de difusão convectiva,


ao contrário da abordagem simples de Noyes-Whitney e Nernst- × (7 27 × 10−6 mol cm ) × (255 0 min−1 )1
3 3

Brünner, leva em conta fatores como velocidade de fluxo, mistura × (0 3175 cm) × (2 54 cm)2 3

(agitação) e dimensões da forma farmacêutica. Nelson e Shah21 −7


1 55 10 mol min
investigaram o modelo de difusão convectiva para a dissolução
de alquil-p-aminobenzoatos, como substâncias-teste. De Smidt e Para o eixo longo perpendicular ao fluxo, R é o dobro do valor
colaboradores22 também usaram o modelo de difusão convectiva observado no eixo longo paralelo ao fluxo, como observado em (a)
no estudo da cinética de dissolução da griseofulvina em soluções e (b):
com o agente solubilizante dodecilsulfato de sódio. R 3 10 10−7 (1 55 10−7 ) 20
(c) A área de superfície do comprimido retangular é de 2,54
EXEMPLO 13-5 cm × 0,3175 cm=0,806cm2, a qual é também a área de superfície
de um comprimido circular ou disco. Desta forma, o raio, r, da
Dissolução de fármacos superfície circular é πr2 = 0,806, ou r = 0,507 cm, e a velocidade,
De Smidt e colaboradores21 introduziram a abordagem de veloci- R, de difusão ou permeação para um comprimido com superfície
dade de dissolução de fármacos para modelar as velocidades de circular [equação (13-23)] é
dissolução dos alquil-p-aminobenzoatos em uma célula de difusão R = 2 157(9 86 × 10−6 × 60 cm2 min)2 3
desenvolvida especialmente para este fim. Para o modelo baseado
na difusão convectiva, as equações que podem ser usadas para cal- × (7 27 × 10−6 mol cm3 ) × (255 min−1 )1 3

cular R, a velocidade de difusão ou velocidade de permeação são:


× (0 507 cm)5 3
2 3 1 3 2 3
R = 0 808D Csα bL (13-22) 2 26 10−7 mol min
para um comprimido retangular com uma superfície de largura b
(d) O modelo de difusão convectiva (DC), o qual leva em con-
e comprimento L na direção do fluxo, e:
sideração o fluxo do fluido e a difusão, tem muitos parâmetros em
R = 2 157D2 3 Cs α1 3 r 5 3
(13-23) comum com os modelos clássicos de difusão. Estes incluem a solubi-
358 P ATRICK J. S INKO

lidade, Cs, o coeficiente de difusão ou difusibilidade, D, e as dimen-


sões de superfícies retangulares ou esféricas, b, L, e r. No modelo
clássico, R é proporcional a D; já no modelo DC, R é proporcional a
D2/3. No modelo clássico, R é proporcional à superfície da área, S, do
retângulo ou disco; no modelo DC, R é proporcional à função da re-
dução da superfície da área, ou seja, bL2/3 ou r5/3. O parâmetro novo,
α, à velocidade de cisalhamento sobre a superfície em dissolução, é
introduzido no modelo DC; este parâmetro é calculado a partir da Fármaco eluído de uma matriz
velocidade de fluxo e das dimensões da célula de difusão. polimérica homogênea

Matriz
Liberação de fármacos polimérica

A liberação a partir de formas farmacêuticas e a subseqüente ab- Trajeto tortuoso


sorção são controladas pelas propriedades físico-químicas dos percorrido pelo
fármacos e sistemas de liberação e pelas propriedades físico-quí- fármaco abandonando
a matriz
micas do sistema biológico. A concentração de fármaco, a solu-
bilidade aquosa, o tamanho molecular, a forma cristalina, a liga-
ção a proteínas e o pKa estão entre os fatores físico-químicos que O líquido penetra
devem ser conhecidos para se delinear sistemas de liberação que nos poros para lixiviar
exibam características de liberação controlada ou sustentada.23 o fármaco
Limite de
O modelo (equação) de Higuchi24,25 cedência
Zona de depleção
Higuchi desenvolveu um modelo teórico para estudar a libera-
ção de fármacos solúveis e pouco solúveis em água a partir de
uma variedade de matrizes, incluindo as sólidas e semi-sólidas.
Camada de difusão
Mais adiante, neste mesmo capítulo, abordaremos os fatores
estática
que controlam a liberação de fármacos a partir de formas far- Matriz
macêuticas sólidas. Um fármaco em pó é homogeneamente Camada aquosa
dispersado na matriz de um comprimido erodível. Assume-se circundante
que o fármaco se dissolva nesta matriz polimérica e difunda
através da superfície do comprimido. Na medida em que o fár- Condição sink perfeita
maco é liberado, a distância para a difusão torna-se gradativa-
mente maior. Por esta razão, o limite que se forma entre o fár-
maco e a matriz vazia retrocede para o comprimido, conforme
o fármaco é eluído. Pode-se ver uma ilustração esquemática de Figura 13-4 Liberação de fármaco a partir de formas farmacêuticas matri-
um dispositivo como este na Figura 13-4a. A Figura 13-4b ciais homogêneas ou granulares. (a) Fármaco eluído a partir de uma matriz
mostra uma matriz granular com poros ou capilares interco- polimérica homogênea. (b) Fármaco lixiviado a partir de uma matriz polimé-
nectados. O fármaco é lixiviado da matriz pela entrada do meio rica heterogênea ou granular. (c) Esquema de uma matriz sólida e o limite de
circulante. A Figura 13-4c representa o perfil de concentração recuo, que forma-se conforme o fármaco difunde a partir da forma farmacêu-
e mostra a zona de recuo que se move em direção ao centro do tica. (Retirada, com permissão, de T. Higuchi, J. Pharm. Sci. 50, 874, 1961.)
comprimido, na proporção em que o fármaco é liberado.
Higuchi24 desenvolveu uma equação para a liberação de
fármaco a partir de um ungüento e posteriormente25 aplicou-a À medida que o fármaco deixa a matriz homogênea (Figu-
para a difusão de fármacos sólidos dispersos em sistemas ma- ra 13-4a), a linha de recuo do fármaco (representada pela linha
triciais homogêneos e granulares (Figura 13-4). vertical tracejada, na Figura 13-4c) move-se para a esquerda,
Relembrando que a primeira lei de Fick, em uma distância infinitesimal, dh. A quantidade infinitesimal
dM dQ DCs de fármaco, dQ, liberado em função da alteração dessa linha, é
(13-24)
S dt dt h dada pela equação linear a seguir
pode ser aplicada nos casos em que o fármaco está incorporado 1
dQ A dh Cs dh (13-25)
em uma matriz polimérica, onde dQ/dt é a velocidade de libe- 2
ração do fármaco por unidade de área exposta da superfície da
Agora, o dQ da equação (13-35) é substituído na equação
matriz. Uma vez que o limite entre a matriz contendo fármaco
(13-34) e, após feita a integração, a equação resultante é resol-
e a matriz depletada de fármaco recua em função do tempo, a
espessura da matriz vazia, dh, através da qual o fármaco difun- vida para h. Os passos da derivação, conforme Higuchi24 são
de, aumenta com o tempo. 1 DCs
(A Cs ) dh dt (13-26)
Enquanto Cs é a solubilidade ou a concentração de satura- 2 h
ção do fármaco na matriz, A é a concentração total (quantidade
por unidade de área) de fármaco, dissolvido ou não-dissolvido, 2A − Cs
h dh dt (13-27)
na matriz. 2DCs
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 359

(2A − Cs ) 2 Usando-se a equação (13-35):


t h C
4DCs (13-28) Q = [2(0 02 g cm3 )(360 × 10−6 cm2 min)
A constante de integração, C, pode ser calculada para t = × (1 0 × 10−3 g cm3 )(120 min)]1 2

0, onde h = 0, gerando:
(2A − Cs )h 2 =13 10−3 g cm2
t
4DCs (13-29) (b) Qual é a velocidade de liberação instantânea do fármaco após
120 min?
1 2
4DCs t Temos que
h
2A Cs (13-30) (0 02)(360 × 10−6 )(1 0 × 10−3 )
1 2
dQ dt =
A quantidade de fármaco depletada por unidade de área de 2 × 120
matriz, Q, no tempo t, pode ser obtida mediante a integração 55 10−6 g cm−2 min−1
da equação (13-25)
1
Q hA − hCs Liberação a partir de matrizes granulares: porosidade e
2 (13-31)
tortuosidade
Substituindo a equação (13-30) na equação (13-31), temos
o seguinte resultado A liberação de um fármaco sólido a partir de uma matriz
DCs t 1 2 granular (Figura 13-4b) envolve, simultaneamente, a pe-
Q (2A Cs ) netração de líquido circulante, a dissolução do fármaco e
2A Cs (13-32) a lixiviação do fármaco pelos canais ou poros intersticiais.
o qual é conhecido como equação de Higuchi: Uma matriz granular é, de fato, definida como uma matriz
mais porosa do que homogênea. O volume e o comprimento
Q [D(2A Cs )Cs t]1 2
(13-33) das aberturas na matriz devem ser considerados na equação
A velocidade instantânea de liberação de fármaco no de difusão, o que leva a uma segunda forma da equação de
tempo t é dada pela diferenciação da equação (13-33), ge- Higuchi:
rando Dε 1 2
1 2 Q (2A − εCs )Cs t (13-37)
dQ 1 D(2A − Cs )Cs τ
dt 2 t (13-34) onde ε é a porosidade da matriz e τ é a tortuosidade do sistema
Geralmente, como A é muito maior do que Cs, a equação capilar, sendo ambos os parâmetros quantidades sem unidades.
(13-33) se reduz a A porosidade, ε, é a fração da matriz formada por poros
Q (2ADCs t)1 2 (13-35) ou canais dentro dos quais o líquido circulante pode pene-
trar. O termo porosidade, ε, na equação (13-37) é a poro-
e a equação (13-34) torna-se sidade total da matriz após a extração do fármaco. Este é
dQ ADCs 1 2
igual à porosidade inicial, ε0, devido aos poros e canais da
dt 2t matriz existirem antes do início do processo de lixiviação
(13-36)
e à porosidade originada pela extração do fármaco. Se A g/
que descreve a liberação de fármaco a partir de um sistema de cm3 do fármaco é extraído da matriz e o volume específico
liberação polimérico matricial homogêneo. A equação (13-35) do fármaco ou o inverso da densidade é 1/ρ cm3/g, a con-
indica que a quantidade de fármaco liberada é proporcional à centração de fármaco, A, é, então, convertida no volume da
raiz quadrada de A, à quantidade total de fármaco por unidade fração de fármaco que irá criar um espaço vazio adicional,
de volume de matriz, D, ao coeficiente de difusão do fármaco ou uma porosidade, na matriz. A porosidade total da matriz,
na matriz, Cs, à solubilidade do fármaco na matriz polimérica ε, torna-se
e ao tempo, t. ε ε0 A(1 ) (13-38)
A velocidade de liberação, dQ/dt, pode ser alterada au-
mentando-se ou diminuindo-se a solubilidade do fármaco, Cs, A porosidade inicial, ε0, de um comprimido pode ser con-
na matriz, por complexação. A concentração total de fármaco, siderada bem menor (um pequeno percentual) em relação à po-
A, que os médicos prescrevem também pode afetar a velocida- rosidade, A/ρ, originada pela dissolução e remoção do fármaco
de de liberação do fármaco. do sistema matricial. Logo, em geral, calcula-se a porosidade
negligenciando-se ε0, ou seja,
EXEMPLO 13-6 ε A (13-39)
Liberação de fármaco A porosidade de comprimidos, sua medida e aplicação na
(a) Qual é a quantidade de fármaco liberada por unidade de área, área farmacêutica são discutidas mais detalhadamente nas pá-
Q, de um comprimido matricial após o tempo t = 120 min? A con- ginas 342 a 343.
centração total de fármaco na matriz homogênea, A, é 0,02 g/cm3. A equação (13-37) difere da equação (13-33) somente
A solubilidade do fármaco no polímero, Cs, é 1,0 × 10–3 g/cm3. O pela inclusão de ε e τ. A equação (13-33) aplica-se à li-
coeficiente de difusão do fármaco, D, na matriz polimérica a 25 °C beração a partir de comprimidos homogêneos que sofrem
é 6,0 × 10–6 cm2/s ou 360 × 10–6 cm2/min. erosão gradual e liberam o fármaco no meio circulante. Ao
360 P ATRICK J. S INKO

contrário, a equação (13-37) aplica-se ao mecanismo de li-


beração de fármaco baseado na entrada do meio circulante é o A efetivo, definido na equação (13-41) e é usado quando A
na matriz polimérica e subseqüente lixiviação do fármaco é cerca de 3 a 4 vezes maior do que Cs.
solúvel, restando somente a estrutura polimérica e os poros Quando
Q2 2DRA∗Q (13-42)
vazios. Na equação (13-37), a difusibilidade é multiplicada
pela porosidade, expressa em quantidade fracionária, para a equação (13-40) se reduz a uma forma da equação de Higu-
considerar a diminuição em D causada pelos poros da ma- chi [equação (13-35)]:
triz. A solubilidade aparente do fármaco, Cs, também é di-
Q (2A∗ DCs t)1 2
(13-42a)
minuída pelo termo da fração de volume, o qual representa
a porosidade. Nestas condições, a resistência à difusão, R, não é mui-
A tortuosidade, τ, é introduzida na equação (13-37) para to significativa na interface entre o veículo e a fase recepto-
considerar o aumento do percurso difusional devido à rami- ra. Quando Cs não é negligenciável em relação a A, o modelo
ficação dos poros e ter, assim, um parâmetro de comparação veículo-controlado de Higuchi torna-se
como aquele observado em sistemas com poros mais curtos e Q [D(2A Cs )Cs t]1 2
(13-42b)
“em linha reta”. A tortuosidade tende a diminuir a quantidade
de fármaco liberado em um determinado intervalo de tempo; A expressão quadrática de Bottari, a equação (13-40), per-
mite determinar a difusão de fármacos em ungüentos ou ma-
além disso, aparece no denominador como raiz quadrada. Um
trizes poliméricas homogêneas quando Cs torna-se significante
canal reto tem tortuosidade igual a um, um canal através de
em relação a A. A seguir, é descrita a abordagem de Bottari e
pellets esféricos de tamanho uniforme tem tortuosidade igual colaboradores.28
a 2 ou 3. Segundo Desai e colaboradores,26a às vezes pode- Sendo uma exponencial de segunda ordem, a equação
se obter valores irracionais de τ, como por exemplo, 1000. (13-40) pode ser resolvida utilizando-se o conhecido método
Quando isto ocorre, o caminho difusional não é adequada- quadrático. Assim, tem-se
mente descrito pelo conceito de tortuosidade e o sistema deve
ser estudado em mais detalhes para determinar os fatores que aQ2 bQ c 0 (13-43)
governam a permeabilidade. Desai e colaboradores26b des- onde, referindo-se à equação (13-40), a é igual a 1, b = 2DRA,
crevem métodos de obtenção da difusibilidade, porosidade, e c = −2DACs t. A bem-conhecida resolução da equação
tortuosidade e outras quantidades necessárias para a análise (13-43) é √
da difusão de fármacos. −b ± b2 − 4ac
Q (13-44)
A equação (13-37) tem sido adaptada para descrever a 2a
cinética de liofilização,27 também conhecida como freeze- ou
drying, de soluções aquosas congeladas contendo fármacos e
−2DRA∗ (2DRA∗ )2 (2DA∗ Cs t)
substâncias inertes para estruturação da matriz (como manitol Q (13-45)
ou lactose). O processo envolve, simultaneamente, mudanças 2
no limite de recuo, em função do tempo; transição de fase na onde apenas a raiz positiva tem significado físico. Se houver
interface gelo-vapor, governada pela relação pressão-tempera- tempo de latência, o t da equação (13-45) é substituído por
tura de Clausius-Clapeyron e difusão do vapor de água através (t − tL), para o período de estado estacionário. Bottari e cola-
do percurso poroso da matriz, sob condições de baixa tempe- boradores28 obtiveram valores satisfatórios de b e c, em um
ratura e vácuo. estudo de liberação de benzocaína a partir de uma suspensão
em gel aquoso, usando a equação ajustada pelo método dos
Fármacos solúveis em veículos e matrizes tópicas mínimos quadrados (13-40). R, a resistência difusional, é de-
terminada pela permeação no período de estado estacionário
O modelo original de Higuchi24,25 não se adapta muito bem a e Cv pode ser obtido da expressão
dados experimentais quando o fármaco tem solubilidade signi-
Cv R(dQ dt) (13-46)
ficativa no comprimido ou ungüento. Contudo, o modelo pode
ser aplicado à liberação de fármacos de veículos sólidos ou O exemplo abaixo demonstra a aplicação da equação
semi-sólidos homogêneos, usando-se uma expressão quadráti- (13-40).
ca, introduzida por Bottari e colaboradores:28
Q2 2DRA∗ Q 2DA∗ Cs t 0 (13-40) EXEMPLO 13-7
Aqui, Calcular Q
1
A∗ A (Cs Cv ) Calcular Q, a quantidade em miligramas de benzocaína micro-
2 (13-41)
nizada liberada por cm2 de área de superfície a partir de um gel
Q é a quantidade de fármaco liberada por unidade de área da aquoso, após 9000 s (2,5 h) em uma célula de difusão. Assume-se
forma farmacêutica, D é a difusibilidade efetiva do fármaco no que a concentração total, A, é de 10,9 mg/mL, a solubilidade, Cs,
veículo, A é a concentração total do fármaco, Cs é a solubili- é de 1,31 mg/mL, Cv = 1,05 mg/mL, a resistência difusional, R,
dade do fármaco no veículo, Cv é a solubilidade do fármaco na da barreira de silicone que separa o gel do compartimento doador
interface veículo-barreira e R é a resistência difusional produ- é de 8,10 × 103 s/cm e a difusibilidade, D, do fármaco no gel é de
zida pela barreira entre o veículo doador e a fase receptora. A* 9,14 × 10−6 cm2/s. Da equação (13-41),
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 361

1 (a)
A∗ = 10 9 mg mL − (1 31 + 1 05) mg mL = 9 72 mg mL
2
Logo,
DRA∗ = (9 14 × 10−6 cm2 s ) × (8 10 × 103 s cm) Moléculas
de fármaco
×(9 72 mg mL) = 0 7196 mg cm2 Barreira polimérica
∗ −6 4 da cápsula de Silastic®
DA Cs t = (9 14 × 10 2
)(9 72)(1 31)(9000) = 1 047 mg cm
Camada de Camada de
Q = −0 7196 + [(0 7196)2 + 2(1 047)]1 2
mg cm2 difusão estacionária
cristais de
= 0 7196 + [1 616] = 0 90 mg cm2 fármaco
Cp
O Q(calc) de 0,90 mg/cm2 é comparável com o Q(obs) = 0,88 mg/
cm2. Sink
Cm Cb
É possível obter-se um pequeno aumento na precisão alteran- Cs
do-se t = 9000 s por t = (9000 – 405) s. O tempo de latência t =
405 é obtido plotando-se os valores experimentais de Q por t1/2.
(b)
Esta correlação nos leva a Q(calc) = 0,87 mg/cm2.
(b) Calcular Q usando a equação (13-42b) e comparar o resul- Figura 13-5 Difusão do fármaco a partir de uma cápsula de Silastic®. (a)
tado como aquele obtido em (a). Fármaco na cápsula, envolto pela barreira polimérica; (b) difusão do fármaco
Temos que: através da parede polimérica, camada de difusão estacionária para o com-
Q = (9 14 × 10−6 )[(2 × 10 9) − 1 31](1 31)(9000) 1 2 partimento receptor, em condições sink. (Y.W. Chien, in J. R. Robinson [Ed.],
Sustained and Controlled Release Drug Delivery Systems, Marcel Dekker,
= 1 49 mg cm2 New York, 1978, p. 229; Chem. Pharm. Bull. 24, 147, 1976.)

Paul e colaboradores29 estudaram casos onde A, a quan-


tidade de fármaco na matriz por unidade de volume da forma ambas existam na interface. Finalmente, Cb é a concentração
farmacêutica pode ser maior, igual ou menor que a solubilida- de fármaco na solução que circunda a cápsula.
de de equilíbrio, Cs, do fármaco na matriz. O modelo é uma Para expressar a velocidade de liberação do fármaco sob
abordagem refinada do modelo original de Higuchi,24,25 e per- condições sink, Chien30 usou a seguinte expressão:
mite obter mais precisão no ajuste da equação que descreve
K r Da D m
as velocidades de liberação dos fármacos, fertilizantes, pesti- Q Cp t (13-47)
cidas, antioxidantes e conservantes de aplicação comercial e K r Da h m Dm h a
industrial, com uma ampla gama de proporções de A a Cs. Na equação (13-47), Q é a quantidade de fármaco liberada
por unidade de área de superfície da cápsula e Kr é o coeficien-
Dispositivos do tipo cápsula te de partição, definido como
Cápsulas de Silastic,* como mostra a Figura 13-5a, vêm se Kr Cs Cp (13-48)
tornando populares enquanto formas farmacêuticas de libe-
ração sustentada e controlada.30−32 Na Figura 13-5b há um Quando a difusão através da membrana da cápsula ou filme
desenho esquemático da liberação de fármacos a partir desse é o fator limitante da liberação do fármaco, ou seja, quando Kr
tipo de cápsula. As moléculas de fármaco cristalino localizadas Dahm é muito maior que Dmha, a equação (13-47) é reduzida a
contra a parede interna da cápsula deixam o retículo cristali- Dm
no e passam para a parede do polímero, em um processo de Q Cp t
hm (13-49)
dissolução. Posteriormente, estas difundem através da pare-
de, passam pela camada de difusão líquida e atingem o meio e quando o fator limitante é a passagem através da camada de
circulante. As diferenças de concentração ao longo da parede difusão (Dmha>> Kr Dahm),
polimérica de espessura hm e a espessura da camada de difusão Da K r Da
estática ha estão representadas pelas linhas Cp − Cm e Cs − Cb, Q Cs t Cp t (13-50)
ha ha
respectivamente. O termo Cp é a solubilidade do fármaco polí-
mero e Cm é a concentração na interface polímero-solução, ou O lado direito da expressão pode ser escrito porque Cs =
seja, a concentração de fármaco no polímero em contato com KrCp, conforme foi definido anteriormente na equação (13-48).
a solução. Por outro lado, Cs é a concentração de fármaco na A velocidade de liberação do fármaco, Q/t, para um pro-
solução na interface polímero-solução e, pela Figura 13-5b, cesso controlado pelo polímero pode ser calculada a partir
pode-se ver que esta é um pouco abaixo da solubilidade do da inclinação da reta de um gráfico de Q por t e a partir da
fármaco no polímero, na interface. Há uma diferença real entre equação (13-49) verifica-se que é igual à CpDm/hm. Do mesmo
a solubilidade do fármaco no polímero e na solução, embora modo, em um processo controlado pela camada de difusão, o
Q/t resultante do gráfico de Q em função de t, é tido como sen-
do CsDa/ha. Ainda, em um gráfico de velocidade de liberação,
* N. de T.: Refere-se ao nome comercial de um produto à base de silicone de Q/t, em função de Cs, a solubilidade do fármaco no meio deve
elevada resistência. ser linear em relação à inclinação de Da/ha.
362 P ATRICK J. S INKO

EXEMPLO 13-8 Usando a equação (13-47) e as quantidades da tabela, calcu-


lar os valores de hm, em cm, para as membranas das cápsulas.
Velocidade de liberação de progesterona Tem-se que
O coeficiente de partição da progesterona, Kr = Cs/Cp, é igual a C p Kr Da Dm
Q t=
0,022, a difusibilidade da solução, Da, é de 4,994 × 10−2 cm2/dia, Kr Da hm + Dm ha
a difusibilidade da membrana de Silastic, Dm, é de 14,26 × 10−2 (Q t)(Kr Da hm + Dm ha ) = C p Kr Da Dm
cm2/dia, a solubilidade da progesterona na membrana de Silastic,
(Q t)(Kr Da hm ) = C p Kr Da Dm − Dm ha (Q t)
Cp, é de 513 μg/cm3, a espessura da membrana da cápsula, hm, é
de 0,080 cm, e a da camada de difusão, ha, é 0,008 cm, conforme C p Kr Da Dm − Dm ha (Q t)
hm =
estimado por Chien. (Q t)K D
Calcular a velocidade de liberação da progesterona a partir da
cápsula, expressando-a em μg/cm2 por dia. Comparar o resultado Para a cápsula A,
calculado com o valor observado, Q/t = 64,50 μg/cm2 por dia. (100)(0 15)(25 × 10−2 )(2 6 × 10−2 )
Usando a equação (13-47), temos que −(2 6 × 10−2 )(0 008)(24 50)
hm =
C p Kr Da Dm (24 50)(0 15)(25 × 10−2 )
Q t=
Kr Da hm + Dm ha 0 0924
hm = cm = 0 101 cm
(513 μg cm3 )(0 022)(4 994 × 10−2 cm2 dia ) 0 9188
× (14 26 × 10−2 cm2 dia )
Q t= Note que todas as unidades se cancelam, exceto o cm na equa-
(0 022)(4 994 × 10−2 cm2 dia )(0 080 cm) ção para o hm. O leitor pode fazer os cálculos para a substância B.
+ (14 26 × 10−2 cm2 dia )(0 008 cm) (Resposta: 0,097 cm.)
0 08037
Q t= = 65 34 μg cm2 por dia
0 00123
DISSOLUÇÃO E LIBERAÇÃO A PARTIR DE
No exemplo dado pergunta-se, (a) KrDahm Dmha ou (b) MEDICAMENTOS ORAIS
Dmha KDahm? (c). Que conclusão se pode tirar considerando
o controle por camada de difusão ou por matriz?
Após a administração oral de uma forma farmacêutica sóli-
Temos
da (como um comprimido) ao paciente, esta deve, primeira-
K r Da h m 8 79 × 10−5 ; Dm h a 1 14 × 10−3 mente, se desintegrar em grandes aglomerados de partículas
Dm h a (K r Da h m Dm h a ) conhecidos como agregados. Após, ocorre a desagregação,
onde as partículas individuais são liberadas. Finalmente, estas
(1 14 × 10−3 ) [(8 79 × 10−5 ) partículas dissolvem-se, liberando o fármaco para a solução.
A dissolução é um processo dependente de tempo (ou ciné-
(1 14 10−3 )] 0 93
tico) que representa o passo final para a liberação do fárma-
Logo, Dmha KrDahm, e 93% do sistema está sob controle co e que deve ocorrer antes que o fármaco seja absorvido e
da camada de difusão aquosa. Logo, é possível usar a equação exerça o efeito farmacológico. Para as formas farmacêuticas
simplificada (13-50): de liberação imediata, a velocidade de liberação do fármaco
Kr Da Cp (0 022)(4 994 × 10−2 )(513) e a dissolução, relativa à velocidade do trânsito intestinal e ao
Q t perfil de permeabilidade do intestino delgado ao fármaco, de-
ha 0 008 termina a velocidade e a extensão de absorção do fármaco (Fi-
70 45 μg cm2 por dia gura 13-6). Se a dissolução do fármaco for mais lenta que sua
absorção, menos fármaco será absorvido, principalmente se
Embora Dmha seja quase o dobro de Kr Dahm (ou seja, o fármaco for preferencialmente absorvido em determinados
Dmha/KDahm = 13), é evidente que se obtém um resultado con- locais do trato gastrintestinal (“janelas de absorção”). A absor-
sideravelmente melhor utilizando-se a expressão completa, ou ção lenta devido a uma dissolução lenta também pode resultar
seja, a equação (13-47). em picos plasmáticos baixos de fármaco. Por outro lado, for-
mas farmacêuticas semi-sólidas, como alguns medicamentos
EXEMPLO 13-9 tópicos, são aplicadas sobre a pele e permanecem na área de
aplicação. Conforme descrito na Diretriz da SUPAC-SS,4b as
Calcular a espessura da membrana formas farmacêuticas semi-sólidas são formulações complexas
Dois novos ésteres de contraceptivos esteroidais, A e B, foram que contêm elementos estruturais. Geralmente, são compostas
sintetizados. Os parâmetros de liberação foram determinados a por duas fases (óleo e água), uma contínua (fase externa) e
partir de cápsulas poliméricas, conforme segue:30 outra dispersa (fase interna). O fármaco costuma ser dissolvido
Da Q/t(obs) em uma das fases, ainda que ocasionalmente não seja comple-
(cm2/ Dm Cp ha (μg/cm2 tamente solúvel no sistema, e dispersado em uma ou ambas as
Kr dia) (cm2/dia) (μg/cm3) (cm) por dia) fases, criando um sistema de três fases. As propriedades físicas
da forma farmacêutica dependem de vários fatores: o tamanho
A 0,15 25 × 10–2 2,6 × 10–2 100 0,008 24,50 das partículas dispersas, a tensão interfacial entre as fases, o
B 0,04 4,0 × 10–2 3,0 × 10–2 85 0,008 10,32
coeficiente de partição do fármaco entre as fases e a reologia
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 363

Fármaco
Drug innasystemic
circulação sistêmica
circulation

Metabolismo gastro/hepático
Gut/liver metabolism
Biliary excretion
Excreção biliar Figura 13-6 Representação esquemática dos fatores
Drug inem
Fármaco solution
solução que determinam a fração de fármaco que será absorvida
Decomposição
Decomposition nos locais
at uptake sites
de captação a partir de um produto, na mucosa intestinal. A decom-
Adsorção
Adsorption posição, a adsorção aos componentes intestinais ou a
Complexation
Complexação complexação podem reduzir a quantidade de fármaco
Liberação
Release
Trânsito
Transit disponível para absorção. A captação de fármaco é
controlada por sua permeabilidade através da mucosa
Decomposição
Decomposition intestinal e pela quantidade de tempo que permanece
Adsorption Fármaco
Adsorção Drug inem solução
solution no sítio de absorção (ou tempo de residência). Quanto
Complexation
Complexação at uptake sites
nos locais de captação mais ele permanece na “janela de absorção” e quanto
maior for sua permeabilidade, maior será a quantidade
Gut/liver metabolism
Metabolismo gastro/hepático
Biliary excretion de fármaco absorvido através da mucosa intestinal. (Re-
Excreção biliar
tirada de J. B. Dressman, G. L. Amidon, C. Reppas, and
Drug in
Fármaco nasystemic circulation
circulação sistêmica V. P. Shah, Pharm. Res. 15, 11, 1998. Com permissão.)

do produto. Tais fatores, combinados, determinam as caracte- plexação ou ligação) no intestino que acabam inativando-os.
rísticas de liberação do fármaco, assim como outras caracterís- A biodisponibilidade também pode ser baixa se os fármacos
ticas, como a viscosidade. forem metabolizados no intestino ou no fígado ou forem objeto
O Sistema de Classificação Biofarmacêutico6 (BCS) clas- de processos secretores, como ciclo intestinal ou êntero-hepá-
sifica os fármacos em quatro tipos (Tabela 13-1), dependendo tico. Os fármacos da classe II são aqueles cujas solubilidades
das suas características de solubilidade e permeabilidade. A são muito baixas para ter uma absorção completa, mesmo que
solubilidade é abordada no Capítulo 10 e a permeabilidade, sejam altamente permeáveis às membranas. Os fármacos da
no Capítulo 14. Para a abordagem dada neste capítulo, é im- classe III têm boa solubilidade, mas baixa permeabilidade. Em
portante que se tenha algum conhecimento a respeito do papel outras palavras, não são capazes de penetrar a parede do estô-
da solubilidade, permeabilidade e liberação de fármacos na mago rápido o suficiente para promover a absorção completa.
biodisponibilidade do fármaco no corpo humano, após a ad- Os da classe IV não têm nem solubilidade nem permeabilidade
ministração oral. Na maioria das situações, somente o fármaco suficiente para serem completamente absorvidos. Os fármacos
dissolvido e liberado da forma farmacêutica estará disponível da classe IV tendem a ser mais problemáticos, embora existam
para ser absorvido pelos tecidos intestinais e pela corrente san- numerosos exemplos desta classe que são usados com sucesso
güínea dos pacientes. Logo, a velocidade na qual o fármaco se na prática clínica. O estudante deve ter em mente que mesmo
dissolve (em outras palavras, a velocidade de dissolução) e sua que os fármacos da classe IV não tenham ótimas propriedades,
solubilidade tornam-se fatores importantes e, por isso, serão alguns ainda podem ser absorvidos bem o suficiente para via-
discutidos com mais detalhes. A permeabilidade é a medida de bilizar sua administração por via oral.
quão rápido um fármaco pode penetrar em um tecido biológico, Tipicamente, a BCS é usada para construir correlações in
como a mucosa intestinal, e aparecer do outro lado, ou seja, no vitro-in vivo (IVIVC). De acordo com as Diretrizes da FDA,
lado da corrente sangüínea. Desta forma, um fármaco deve ser a IVIVC é “um modelo matemático preditivo que descreve
solúvel e permeável para que ocorra absorção. Para classificar a relação entre as propriedades in vitro de uma forma farma-
os fármacos de acordo com estes dois importantes fatores, foi cêutica (geralmente a velocidade ou extensão de dissolução
proposta a BCS. De acordo com a BCS, os fármacos da classe ou liberação) e a correta resposta in vivo (p. ex., concentração
I são bem-absorvidos (mais de 90% de absorção) porque têm plasmática de fármaco ou quantidade de fármaco absorvido).”5
elevada permeabilidade e passam rapidamente para a solução. Uma vez que o foco deste capítulo é a liberação e dissolução
Somente presume-se absorção pobre em fármacos da classe de fármacos, iremos abordar somente os aspectos da IVIVC
I quando estes são instáveis ou sofrem reações (como com- relacionados com estes fenômenos. A correlação dos resulta-

TABELA 13-1
O SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO BIOFARMACÊUTICO (BCS)*,†

Classe I Classe II Classe III Classe IV


Elevada solubilidade, Baixa solubilidade, Elevada solubilidade, Baixa solubilidade,
elevada permeabilidade elevada permeabilidade baixa permeabilidade baixa permeabilidade
* De G. L. Amidon, H. Lennernas, V. P. Shah, and J. R. Crison, Pharm. Res. 12, 413, 1995.
† O objetivo do sistema é fornecer um guia para situações nas quais os estudos in vitro são usados no lugar dos estudos
clínicos, visando a estabelecer a bioequivalência dos produtos.
364 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO O PAPEL DOS TESTES DE DISSOLUÇÃO


Em um artigo de revisão de 1998, Dressman e colaboradores7 resumiram desempenho in vivo dos produtos. Isso poderia ser feito se pudéssemos
bem a situação: reconstruir as condições do trato gastrintestinal in vivo.
Os testes de dissolução são usados para diversas finalidades na in- Há vários fatores a ponderar em se tratando de considerar a rele-
dústria farmacêutica, como no desenvolvimento de novos produtos, para vância biológica dos testes de dissolução. Entre eles, citam-se a com-
o controle de qualidade e para auxiliar nos testes de determinação de posição, as características hidrodinâmicas (perfis de fluxo dos fluidos)
bioequivalência. Regulamentos desenvolvidos recentemente, como o Sis- e o volume do conteúdo do gastrintestinal. Os meios biologicamente
tema de Classificação Biofarmacêutica, têm aumentado a importância da relevantes são abordados nesta seção e os equipamentos usados para
dissolução no processo de regulamentação de alterações pós-registro e medir a dissolução são abordados na seção seguinte. Outros aspectos
introduzido a possibilidade de substituição dos testes de dissolução por também são abordados no decorrer deste livro. O estudante que quiser
estudos clínicos, em alguns casos. Assim, há uma necessidade de desen- estudar o tema com maiores detalhes deve procurar os artigos de revi-
volver testes de dissolução que tenham melhor capacidade preditiva do são originais.

dos in vivo com os testes de dissolução parece ser melhor para mente está em solução e V é o volume do meio de dissolução.
os fármacos da classe II, porque a velocidade de dissolução é a Para obter a superfície da área do fármaco efetiva, o formula-
principal característica limitante da absorção. dor pode tentar reduzir o tamanho de partícula para aumentar
Outro exemplo no qual se obtém uma boa correção IVI- a molhabilidade. Contudo, no intestino, existem agentes redu-
VC é em formulações de liberação prolongada contendo um tores da tensão superficial que promovem a dissolução do fár-
fármaco da classe I. Isso ocorre porque o perfil de liberação maco. Muitos destes tensoativos naturais são encontrados nas
controla a velocidade e o perfil de absorção. No primeiro caso, secreções provenientes do estômago e da bile. Ao se delinear
a dissolução do fármaco (e sua solubilidade) é o passo limitan- um teste de dissolução relevante do ponto de vista biológico,
te da velocidade de absorção. No segundo caso, o fármaco tem para fármacos com características de dissolução desfavoráveis,
adequada solubilidade e permeabilidade, logo, sua capacida- é importante considerar os tensoativos naturais localizados no
estômago e no intestino. A solubilidade máxima de um fármaco
de em ser absorvido é controlada pela sua disponibilidade de
no intestino é influenciada por muitos fatores (a solubilidade
fármacos no lúmen do trato gastrintestinal. Assim, a liberação é abordada no Capítulo 10) como a capacidade tamponante,
a partir da forma farmacêutica é a chave do processo. Estes o pH, a presença de alimentos e tensoativos naturais, como a
exemplos ilustram as diferenças práticas entre os processos de bile, os sais e a lecitina. Dressman e colaboradores35 mostra-
dissolução e liberação de fármacos. Os medicamentos de libe- ram que a presença de alimentos diminui, imediatamente, o pH
ração controlada agem usando uma combinação de mecanis- do estômago de humanos do seu estado ácido normal (pH 1,5
mos e são abordados no Capítulo 22. – 3,0) para um pH de 5,5 a 7,0. Isso pode afetar de maneira
Há vários fatores físico-químicos e fisiológicos que con- considerável a solubilidade dos fármacos, o que, por sua vez,
trolam a dissolução de fármacos em humanos e que precisam afeta a biodisponibilidade oral. A difusibilidade do fármaco, ou
ser considerados quando se está delineando testes de dissolu- sua capacidade natural de difundir através dos conteúdos in-
ção. São eles: composição, sistema de mistura (hidrodinâmica) testinais, estará em função da viscosidade do conteúdo intesti-
e volume dos conteúdos do trato gastrintestinal, os quais são nal. A viscosidade irá depender do nível das secreções naturais,
revisados em detalhe por Dressman e colaboradores.7 O estu- as quais podem variar nos estados de jejum e alimentado, e da
dante deve ter em mente que o trato gastrintestinal é um órgão presença de alimentos. A espessura da camada limitante que
com um grande número de funções e que medicamentos, ali- envolve as partículas em dissolução irá depender do quão vi-
mentos e nutrientes que não forem completamente absorvidos gorosa for a movimentação no local. Em outras palavras, se a
podem permanecer no trato gastrintestinal por mais de 24 a 30 motilidade ou agitação for grande, a camada estacionária que
horas. As condições do trato gastrintestinal variam de acordo circunda a particular será pequena. Se a agitação for reduzida, a
com segmento de interesse. Para conectar os três fatores-chave camada estacionária torna-se maior, podendo alterar a dissolu-
ção. Para que a dissolução possa prosseguir, deverá haver uma
que controlam a dissolução dos fármacos no trato gastrintes-
força propulsora. Como pode ser visto na equação (13-51), a
tinal com a abordagem matemática descrita anteriormente “força propulsora” é representada pelo termo Cs − Xd/V. Se a
neste Capítulo, iremos reexaminar a equação de Noyes-Whi- diferença entre Cs e Xd/V for grande, a velocidade de dissolução
tney3 com algumas modificações,7 introduzidas por Levich20 e do fármaco, dXd/dt, será maior. À medida que a concentração
Nernst-Brunner34: do fármaco dissolvido (Xd/V) torna-se maior, a força propulsora
d Xd AD Xd é diminuída. Então, a pergunta relevante é: “Como a dissolução
Cs − (13-51) do fármaco no trato gastrintestinal pode ser completada?” Para
dt δ V
maximizar a dissolução do fármaco, a concentração do fármaco
onde A é a superfície de área efetiva do fármaco, D é o coe- já dissolvido deve ser minimizada. Isso, obviamente, acontece
ficiente de difusão do fármaco, δ é a espessura da camada de quando o fármaco é absorvido através da parede intestinal, pas-
difusão limitante, adjacente à superfície do fármaco que está se sando para o sangue. A velocidade de absorção está relacionada
dissolvendo, Cs é a solubilidade de saturação do fármaco nas com a permeabilidade do fármaco (Capítulo 14) e sua concen-
condições intestinais, Xd é a quantidade de fármaco que real- tração no intestino, Xd/V. Para fármacos com absorção passiva,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 365

quanto maior for a concentração intestinal do fármaco, maior teases, enzimas que degradam proteínas, e enzimas que que-
será a velocidade de absorção. Logo, as concentrações de fár- bram carboidratos, tais como a amilase.
maco dissolvidas no intestino podem ser mantidas baixas, com Se o SIF não contém pancreatina, aconselha-se utilizar a
melhoria da dissolução. Quando Xd/V não é maior que 20% de notação FISsp, onde “sp” significa “sans pancreatina” ou “sem
Cs, esta condição se mantém e tem-se a já conhecida “condi- pancreatina.” Tem-se discutido a respeito de alguns dos parâme-
ção sink”. A manutenção das condições sink durante o teste de tros que podem influenciar profundamente a velocidade de dis-
dissolução é um assunto completamente diferente; contudo, de solução dos medicamentos, tais como a capacidade tamponante,
extrema importância. o pH, as concentrações de tensoativos e como estes podem ser
introduzidos em um teste de dissolução relevante do ponto de
Meios biologicamente compatíveis vista biológico. Outros pontos a serem considerados são: o volu-
me do conteúdo estomacal, a porção do segmento intestinal e a
Com base em todas as considerações anteriores, meios biolo- duração do teste de dissolução, que está relacionada com o tem-
gicamente compatíveis têm sido propostos. A razão para tal po de residência do medicamento no estômago ou no intestino.
proposição foi comentada previamente. Em geral, utilizam-se
meios que simulem o meio estomacal e intestinal, devido à di-
ferença significativa entre o estômago e o intestino. As maio-
res diferenças entre o meio gástrico e intestinal são o pH e a MÉTODOS E EQUIPAMENTOS
presença de bile. Outro ponto importante a ser considerado é
a presença ou ausência de alimento no estômago. Na ausência O objetivo da maioria das monografias farmacopéicas sobre
de alimento, as condições entre os pacientes não variam muito. dissolução é estabelecer os procedimentos para avaliar a con-
Como o estômago é ácido (<pH 3) na maioria dos pacientes sistência de cada lote do teste de dissolução de medicamentos.
em jejum, as principais variáveis são o tipo e o volume de lí- Características similares de dissolução para diferentes lotes
quido administrado com a forma farmacêutica. Ao se adminis- de um mesmo medicamento implicam um desempenho seme-
trar água, a capacidade tamponante será baixa e não constituirá lhante ao esperado em humanos. Embora sejam relatados na
um fator para o teste de dissolução. Apesar de se saber que a literatura vários aparelhos para testes de dissolução, originais e
tensão superficial do conteúdo gástrico é diminuída, ainda não adaptados, o objetivo desta seção é introduzir os equipamentos
se conhecem os agentes fisiológicos responsáveis por essa di- básicos usados nos testes oficiais para dissolução de formas
minuição. Por isso, o laurilsulfato de sódio é comumente usa- farmacêuticas de liberação imediata e modificada.
do para diminuir a tensão superficial. A composição do fluido
gástrico que simula o estado de jejum (pH 1,2) é um tanto sim-
ples e está listada na Tabela 13-2. No estado alimentado, as Métodos de dissolução I e II da USP36-38
condições do estômago são altamente dependentes do tipo e da
quantidade de alimento ingerido. O conteúdo do fluido intes- Os métodos mais usados para avaliar a dissolução apareceram
tinal simulado (FIS) está descrito na 26ª edição da U.S. Phar- na 13° edição da U.S. Pharmacopeia, no início de 1970. São
conhecidos como os métodos de cestos (método I) e de pás
macopeia como sendo uma solução-tampão 0,05 M contendo
(método II) da USP e são referidos como métodos de “sistema
fosfato dibásico de potássio (Tabela 13-2). O pH deste tampão fechado” porque usam um volume fixo de meio de dissolução.
é de 6,8, ou seja, dentro da faixa normal do pH intestinal. A Na prática, um cesto ou pá rotatória gera movimentação cons-
pancreatina também pode ser adicionada quando se necessita tante em um grande recipiente com 500 a 1.000 mL de fluido,
de um meio mais parecido com o biológico. A pancreatina é que é imerso em um banho de água com temperatura controlada
uma mistura de lipases, enzimas que dissolvem gorduras, pro- (Figura 13-7a).36,39 Têm sido reportadas variações destes dois
aparelhos-padrão, conforme pode ser visto na Figura 13-7b
(ver a discussão completa em Shiu)36. Os métodos são bastante
simples, robustos e facilmente padronizados. As descrições das
TABELA 13-2 especificações dos equipamentos estão detalhadas na versão
COMPOSIÇÃO DO MEIO DE DISSOLUÇÃO PARA TESTES DE atual da USP. Os métodos de cestos e pás da USP são métodos
DISSOLUÇÃO IN VITRO de escolha para testar a dissolução de formas farmacêuticas só-
lidas orais de liberação imediata. O uso de métodos alternativos
Meio Composição Quantidade somente deve ser considerado após serem considerados insa-
Simulando o fluido gástrico NaCl 2,0 g tisfatórios os métodos I e II da USP. Os meios biologicamen-
te compatíveis já foram discutidos na seção anterior. Outros
pH 1,2 (FISsp), USP 26 HCl concentrado 7,0 mL meios geralmente usados incluem (a) água, (b) HCl 0,1 N, (c)
Água deionizada 1,0 L* soluções-tampão, (d) água ou soluções-tampão com tensoati-
para vos, e (e) soluções aquosas com baixa concentração alcoólica.
A temperatura do meio de dissolução é geralmente mantida à
Simulando o fluido intestinal KH2PO4 68,05 g
temperatura corporal (37 °C). Embora a água seja um dos meios
pH 6,8 (FISsp), USP 26 NaOH 8,96 g de dissolução mais usualmente encontrado nas monografias da
Água deionizada 10,0 L† USP, este pode não ser fisiologicamente relevante devido à fal-
para
ta de capacidade tamponante. Nos exemplos seguintes, serão
aplicadas várias situações que resultarão em diferentes perfis
*Adicionar 3,2 g de pepsina para SGF. de dissolução, sugerindo a necessidade de se fazer uma seleção
† Adicionar X g de pancreatina para SIF.
apropriada das condições do teste de dissolução.
366 P ATRICK J. S INKO

Equipamento
Basket de cestos
apparatus Equipamento
Paddle de pás
apparatus
Semstirring
No agitação Sem agitação
No stirring

Figura 13-7 (Acima) Fotografias dos equipamentos com cestos e pás, da


USP. Observe a nuança de cor vinda do comprimido do cesto, na foto esquer-
da. Tipos de equipamentos de dissolução incluem: (a) cesto estacionário com
pá rotatória, para formas farmacêuticas sólidas orais de liberação imediata,
(b) sistema modificado de cesto estacionário com pá rotatória, para suposi-
tórios, (c) célula rotatória para diálise e, d) cesto rotatório com pá rotatória.
(Retirada, com permissão, de G. K. Shiu, Drug Inf. J. 30, 1045, 1996.)

EXEMPLO 13-10 de sódio 0,02%. (Exemplo retirado de Shiu;36 dados originais em


Nguyen e colaboradores40).
Perfis de dissolução do acetato de noretindrona
Antes de 1990, a água era usada como meio de dissolução para EXEMPLO 13-11
testar medicamentos com combinação de contraceptivos orais. A
água era usada para comprimidos de noretindrona (NE): etiles- Perfis de dissolução da teofilina em cápsulas moles de
tradiol (EE) e o isopropanol 3% era usado para comprimidos de gelatina36
NE:mestranol (ME). Os dados de dissolução para a noretindrona Este exemplo mostra o papel dos meios de dissolução biologica-
estão mostrados na Figura 13-8a. Observa-se um exemplo de per- mente compatíveis. A inclusão de enzimas apropriadas no meio
fil de dissolução satisfatório utilizando-se o método de cestos USP, de dissolução tem sido considerada adequada porque ocorrem
a 100 rpm, como meio de dissolução HCl 0,1 N com laurilsulfato naturalmente no trato gastrintestinal. Freqüentemente assumi-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 367

120
(b)

100

120
(a)
80
100

Água

Dissolvido
HCl 0,1 N/ Pás a 75 rpm
80 LSS 0,02%/ Pás a 75 rpm 60
LSS 0,02%/ Cestos a 100 rpm
Dissolvido

60
40

40
20
20

0
0
0 10 20 30 40 50 60 70 0 20 40 60 80 100 120
Tempo (min) Tempo (min)

Figura 13-8 (a) Perfis de dissolução do acetato de noretindrona em comprimidos de acetato de


noretindrona:etinilestradiol em diferentes métodos e meios de dissolução. (b) Perfis de dissolução da teofilina a par-
tir de cápsulas moles de gelatina contendo teofilina, em diferentes meios de dissolução, usando o método de cestos
USP a 100 rpm. E1, E2, E3 e E4 são atividades enzimáticas aumentadas da pepsina. E5 é a pancreatina, uma enzima
intestinal disponível comercialmente. (Retirada, com permissão, de G. K. Shiu, Drug Inf. J. 30, 1045, 1996.)

mos que uma forma farmacêutica tem por função melhorar a bio- Os mecanismos de liberação de fármacos vêm-se tornando
disponibilidade. Neste exemplo, vê-se que isto nem sempre acon- muito sofisticados, e deve ser dada atenção especial na maneira
tece. O exemplo está de acordo com o relatório de um seminário como a liberação destes fármacos é avaliada. Documentos re-
publicado em 1996,41 onde foi reconhecido que as discrepâncias guladores recomendam quatro métodos de dissolução para for-
entre dissolução e biodisponibilidade ocorrem devido à formação mas farmacêuticas de liberação modificada. Embora os méto-
de ligações cruzadas no gel que constitui as cápsulas de gelatina dos existentes sejam adequados para o propósito pretendido, os
moles e duras. Neste exemplo, estudou-se a dissolução da teofilina equipamentos podem necessitar tanto de modificações quanto
a partir das cápsulas de gelatina mole em diferentes meios: água, de alterações completas para contemplar estes novos mecanis-
quantidades crescentes de pepsina no SGF (E1 a E4), SIF e SIF mos de liberação. Por exemplo, as formas não-desintegráveis
com pancreatina (Figura 13-8b). As maiores velocidades de disso- (como o Procardia XL), que precisam de um orifício para li-
lução foram observadas nos meios com enzimas. Para a pepsina, berar o fármaco, podem requerer um desenho especial ou uma
observou-se um aumento na dissolução de acordo com o aumento modificação no equipamento de dissolução para que o orifício
da sua atividade, mostrando o papel da cápsula mole de gelatina não seja bloqueado. Ao contrário, sistemas erodíveis ou desinte-
no retardo da liberação da teofilina. gráveis apresentam como desafio a sua transferência para dife-
rentes meios sem perder nenhuma de suas partes. Em geral, os
métodos de agitação, mudança de meio e manutenção da forma
Considerações especiais para formas farmacêutica em um meio sem que haja obstrução do meca-
farmacêuticas de liberação modificada: métodos 3 nismo de liberação do fármaco são relevantes para o teste. Um
e 4 da USP* componente desafiador para o teste de dissolução de sistemas de
liberação modificada é a mudança de meio visando à obtenção
Os sistemas de liberação modificada são similares em tamanho de um gradiente de pH ou simular condições de jejum ou ali-
e forma aos sistemas convencionais de liberação imediata. Por mentado. A capacidade de mudar facilmente o meio é foco dos
exemplo, na Figura 13-9 são mostrados os “comprimidos” de equipamentos de dissolução disponíveis comercialmente para
Procardia XL os quais são, na realidade, bombas osmóticas testar sistemas de liberação modificada. Há muitos desenhos
não-desintegráveis (Capítulo 22). de equipamentos disponíveis. No método 3 USP, um cilindro
oscilante e transparente contendo a forma farmacêutica é mer-
gulhado a uma velocidade determinada pelo operador.43,44 Na
* Modificado de Crison.42 base dos tubos há uma malha que permite que o meio drene o
368 P ATRICK J. S INKO

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Embora pareçam comprimidos convencionais, seu comportamento é diferen- 23. J. R. Robinson, Sustained and Controlled Release Drug Delivery
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reservatório da amostra à medida que o tubo move-se para cima
28. F. Bottari, G. DiColo, E. Nannipieri, M. F. Sactonne, and M. F. Serafini,
e para baixo, criando forças convectivas para a dissolução. J. Pharm. Sci. 63, 1779, 1974; ibid. 66, 927, 1977.
Os cilindros também podem ser transferidos automatica- 29. D. R. Paul and S. K. McSpadden, J. Membrane Sci. 1, 33, 1976; S. K.
mente para diferentes meios de dissolução, em tempos especi- Chandrasekaran e D. R. Paul, J. Pharm. Sci. 71, 1399, 1982.
ficados. Um segundo desenho é o equipamento de recipientes 30. Y. W. Chien, in Sustained and Controlled Release Drug Delivery Systems,
rotatórios, que também permite mudar o meio para simular o J. R. Robinson (Ed.), Marcel Dekker, New York, 1978, Capítulo 4; Y. W.
gradiente de pH ou as condições de jejum ou alimentado. O mé- Chien, Chem. Pharm. Bull. 24, 147, 1976.
todo 4 da USP é uma célula de fluxo que contém a forma farma- 31. C. K. Erickson, K. I. Koch, C. S. Metha, and J. W. McGinity, Science
cêutica, a qual é provida do meio de dissolução contido em um 199, 1457, 1978; J.W. McGinity, L. A. Hunke, and A. Combs, J. Pharm.
reservatório. Conduzindo o fluido através de uma placa de vi- Sci. 68, 662, 1979.
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meio. Pode-se ter um fluxo turbulento ou laminar, alterando-se a 33. A. S. Noyes and W. R. Whitney, J. Am. Chem. Soc. 19, 930, 1897.
barreira do fundo. Como no método 3, o meio pode ser alterado 34. W. Nernst and E. Brunner, Z. Physik. Chem. 47, 52, 1904.
para se ter gradiente de pH, tensoativos ou outros componentes. 35. J. B. Dressman, R. B. Berardi, L. C. Dermentzoglou, T. L. Russell, S. P.
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14
14 BIOFARMÁCIA

FUNDAMENTOS Trato gastrintestinal


Absorção, distribuição, metabolização e excreção Rins
Terminologia Fígado
BIOFARMÁCIA EM NÍVEL CELULAR E INTRODUÇÃO À FARMACOCINÉTICA
MOLECULAR Introdução
Introdução Modelos compartimentais e Ka /Kel
Vias de transporte, células e transportadores de
BIODISPONIBILIDADE
fármacos
Introdução
Metabolismo de fármacos
Causas da baixa biodisponibilidade
BIOFARMÁCIA EM NÍVEL DE
FUNCIONAMENTO ORGÂNICO
Sistemas da barreira encefálica

Ao final deste capítulo, o estudante para a prática farmacêutica, uma vez que o farmacêutico está em
OBJETIVOS DO CAPÍTULO deverá estar apto a: uma posição única de integrar e interpretar a vasta quantidade
de informações biológicas, químicas e físicas que dizem res-
1 Definir ADME, disposição, eliminação e biodisponibilidade. peito aos fármacos e medicamentos. Com isso, pode-se dar aos
2 Compreender o papel dos transportadores de membra- pacientes recomendações práticas sobre interações medicamen-
na na ADME e nomear duas principais superfamílias de tosas e uso/administração de tratamentos complexos com po-
transportadores, bem como exemplificar seus membros. lifármacos. Aos pesquisadores da área farmacêutica que traba-
3 Compreender a regra de Overton. lham com pesquisa básica, aplicada ou com órgãos regulatórios
4 Descrever o transporte coordenado de fármacos. também é importante ter a compreensão deste assunto, dada a
5 Definir as Fases 1, 2 e 3 do metabolismo de fármacos e dar importância do descobrimento e desenvolvimento de fármacos.
exemplos. As Ciências Farmacêuticas têm passado por uma revolu-
6 Compreender os conceitos de inibição e indução relacio- ção nas últimas duas décadas. A transição tem sido observada
nados a enzimas metabolizadoras, transportadores de fár- no sentido de focar não somente os aspectos físicos, como
maco, ADME e farmacocinética. dissolução e solubilidade, mas sim integrar estes aos aspectos
7 Descrever exemplos clinicamente significativos de inibi- biofarmacêuticos. Inicialmente, nas décadas de 1970 e 1980,
ção e indução. houve uma explosão de descobrimento e caracterização dos
citocromos P-450 (CYP450s), um importante grupo de en-
8 Descrever os sistemas da barreira encefálica.
zimas responsáveis pela metabolização de várias substâncias
9 Descrever as velocidades de absorção, disposição, meta- endógenas e exógenas,1 incluindo 40 a 50% de todos os me-
bolismo e eliminação para os pontos da curva de concen- dicamentos.2 Os CYP450 transformam fármacos e outros xe-
tração plasmática em função do tempo. nobióticos em substâncias mais hidrofílicas, visando facilitar
10 Compreender a importância do estômago e do intestino na sua eliminação do organismo. Mais recentemente, tem-se re-
absorção e eliminação de fármacos; o esvaziamento gástri- conhecido cada vez mais que os transportadores de membrana
co; o trânsito intestinal e as diferenças regionais de capaci- têm um papel importante na absorção e eliminação de fárma-
dade absortiva; os transportadores e as enzimas. cos. Os transportadores de fármaco são proteínas transmem-
11 Discutir os papéis do fígado e rins na ADME e depuração brana que facilitam o movimento de moléculas endógenas e
de fármacos. exógenas através das membranas biológicas. Incluídas nesta
12 Definir volume aparente e distribuição e/ou depuração. ampla categoria estão as proteínas envolvidas no transporte
13 Descrever Ka e Kel para os parâmetros de ADME (perme- ativo (energia ou adenosina trifosfato [ATP]-dependentes),
abilidade, velocidades de extração, clearence). transporte facilitado ou transporte do tipo canal iônico. Os
14 Descrever as causas da baixa biodisponibilidade. transportadores de membrana e as enzimas metabolizadoras
são encontrados por todo o corpo humano e em todos os ór-
gãos envolvidos na absorção e disponibilização dos fármacos.
O objetivo deste capítulo é proporcionar ao estudante o Enquanto os transportadores de membrana facilitam a entra-
contato com os fundamentos biofarmacêuticos para o estudo da e a saída dos fármacos e de seus metabólicos em órgãos
contemporâneo das Ciências Farmacêuticas. O público-alvo são específicos, certos grupos de órgãos compõem subsistemas
estudantes de graduação e pós-graduação em Ciências Farma- do corpo humano com funções distintas. Por exemplo, no
cêuticas (PharmD e PhD). As informações serão de grande valia “ciclo êntero-hepático” o fármaco movimenta-se do intestino
370 P ATRICK J. S INKO

para o fígado, é retomado na bile e volta, novamente, para cessos relacionam-se à entrada (ou absorção) e à saída (ou
o intestino. Apesar da complexa interação entre os sistemas remoção) do fármaco do organismo.
envolvidos com diferentes finalidades fisiológicas, o impacto A absorção está relacionada aos mecanismos de entrada
da concentração plasmática do fármaco e do resultado tera- do fármaco no organismo e nos tecidos ou órgãos do corpo. A
pêutico pode ser bastante significativo. Neste capítulo, vamos remoção pode ser dividida em distribuição e eliminação. Após
explorar os fundamentos biofarmacêuticos desses sistemas a entrada do fármaco na circulação sistêmica, este é distribuído
complexos e apresentar suas implicações práticas para a far- para os tecidos do corpo. A distribuição depende de muitos
macoterapia. fatores, incluindo a perfusão sangüínea, a permeabilidade da
Em um editorial na Molecular Pharmaceutics,3 G. L. membrana celular e a ligação aos tecidos. A penetração do fár-
Amidon ponderou de modo conciso o sentimento que cons- maco em um tecido depende da velocidade do fluxo sangüíneo
tituiu a base para a preparação deste capítulo: “O empenho no tecido, das características de partição entre o sangue e o
científico tradicional em desenvolver fármacos e medica- tecido e da massa do tecido. Quando as velocidades de entrada
mentos tem sido mais propriamente fenomenológico, mais e saída são iguais, atinge-se o equilíbrio de distribuição entre o
descritivo e relativamente baseado na tentativa e erro. Isto tecido e o sangue. O equilíbrio é alcançado mais rapidamente
é devido principalmente à falta de ferramentas e a nossa li- em áreas mais vascularizadas do que em áreas pouco perfun-
mitada compreensão dos mecanismos envolvidos em nível didas, a menos que a difusão através das membranas seja o
celular e molecular. Os rápidos avanços no campo das ciên- passo limitante do processo. Uma vez atingido o equilíbrio, as
concentrações plasmáticas refletem a concentração de fárma-
cias biológicas, em particular da biologia celular, molecular,
co ligado e não-ligado nos tecidos e fluidos extracelulares. A
genômica e proteonômica, têm sido mais profundos do que
eliminação é a transformação química e/ou a remoção física
aqueles observados nas fases do descobrimento de fárma-
do fármaco do organismo. Conseqüentemente, a eliminação é
cos. Esses avanços estão, agora, mudando rapidamente os a soma dos processos de perda do fármaco do organismo, ou
pontos de vista e as estratégias implementadas nas Ciências seja, metabolização e excreção. A metabolização e a excreção
Farmacêuticas e Biofarmacêuticas. Paralelamente ao im- ocorrem simultaneamente à distribuição, o que torna o proces-
pacto evidente em termos de transportadores de membrana so dinâmico e complexo. A excreção é o processo pelo qual
e metabolismo, os avanços nas áreas da Física e Ciências o fármaco ou seu metabólito é removido do organismo sem
de Materiais têm propiciado alterar de forma inovadora as modificação química adicional. As três principais rotas de ex-
propriedades farmacêuticas de fármacos-candidatos e de creção ocorrem por meio da bile (excreção biliar), do intestino
sistemas de liberação de fármaco. Ferramentas computacio- e dos rins (excreção renal).
nais de bioinformática, que permitem avaliar propriedades
moleculares e biofarmacêuticas e estimar o metabolismo,
têm tido um grande avanço na última década e estão ten- Terminologia
do impacto significativo na descoberta e desenvolvimen-
to de fármacos. A farmacocinética tradicional não dispõe As definições a seguir, que estão indicadas imediatamente após
das ferramentas moleculares para compreender o efeito do o termo a ser definido, foram retiradas de várias fontes. Em
transporte de membrana, do metabolismo e do polimorfis- alguns casos, a fonte original é mais discutida durante o tópi-
mo genético. O delineamento de pró-fármacos e a síntese co, para incentivar o estudante a utilizar essas fontes como um
realmente não podem considerar onde e qual enzima fará a critério adicional.
conversão do pró-fármaco em fármaco ativo. Os receptores
eram inicialmente investigados para delinear novas molé- Biodisponibilidade4
culas químicas até que os cientistas reconheceram que as De acordo com a U.S. Food and Drug Administration, a bio-
interações entre ligante-receptor poderiam ser usadas para disponibilidade descreve a velocidade e a extensão com as
conduzir os fármacos até as células que expressam os re- quais o fármaco é absorvido a partir da forma farmacêutica e
ceptores. Além disso, as formas farmacêuticas tradicionais disponibilizado no seu sítio de ação. Uma vez que a resposta
não tiveram que empregar “substâncias biotecnológicas” de farmacológica geralmente está relacionada com a concentra-
elevada massa molecular, que geralmente têm propriedades
farmacêuticas mais complexas e sítios de ação ocultos no
interior das células”. Neste capítulo, o estudante encontra-
rá uma introdução às considerações biofarmacêuticas das
Ciências Farmacêuticas. CONCEITO PROCESSO BIOFARMACÊUTICO:
ADME
FUNDAMENTOS ■ Absorção
■ Remoção
■ Distribuição
Absorção, distribuição, metabolização e excreção ■ Eliminação
Os processos moleculares, os tecidos e os órgãos que con- ■ Metabolismo
trolam a absorção e a distribuição dos fármacos formam a ■ Excreção
base para o estudo da biofarmácia. Os dois principais pro-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 371

ção do fármaco no sítio de ação, a disponibilidade do fármaco de fármaco em função do tempo (AUC), pode-se determinar
a partir da forma farmacêutica é um elemento crítico para a o valor de F através da comparação das respectivas AUCs do
eficácia clínica do medicamento. Contudo, a concentração de medicamento-teste e do medicamento administrado pela via
fármaco normalmente não pode ser medida diretamente no intravenosa.
sítio de ação. Logo, a maioria dos estudos de biodisponibili- A bioequivalência5 refere-se a equivalentes farmacêuticos
dade envolve a determinação da concentração do fármaco no (medicamentos que contenham o mesmo fármaco, na mesma
sangue ou na urina, baseando-se na premissa de que a quan- dose e que cumpram os padrões oficiais atuais) que, quando
tidade de fármaco no sítio de ação está em equilíbrio com administrados na mesma pessoa, no mesmo regime de dose,
a quantidade de fármaco no sangue. Isso não significa que resultam em concentrações equivalentes de fármaco no san-
as concentrações de fármaco no sangue e nos tecidos sejam gue e nos tecidos. A equivalência terapêutica refere-se aos
iguais. Ao contrário, assume-se que o equilíbrio seja manti- medicamentos que, quando administrados na mesma pessoa,
do e que as concentrações sangüíneas sejam proporcionais às no mesmo regime de dose, geram, essencialmente, o mesmo
concentrações no tecido e no sítio de ação. Por essa razão, é efeito terapêutico ou tóxico. Considera-se que medicamentos
possível obter uma medida indireta da resposta do fármaco bioequivalentes sejam terapeuticamente equivalentes.
monitorando-se os níveis de fármaco no sangue ou na urina.
Assim, a biodisponibilidade está focada em quanto e quão Genótipo6
rápido o fármaco aparece no sangue após a administração
de uma determinada dose. A biodisponibilidade de um me- O genótipo é o “código interno, a informação herdada” levada
dicamento normalmente determina sua eficácia terapêutica por todos os organismos vivos. Essa informação armazenada
porque afeta o início, a intensidade e a duração da resposta é usada para “copiar o projeto” ou determinar as instruções
terapêutica do fármaco. para a construção e manutenção de uma criatura viva. Tais ins-
Em muitos casos, ela está focada na extensão de absorção truções são encontradas dentro de todas as células (por isso a
do fármaco (ou seja, na fração da dose que realmente atinge palavra “interno” é usada na definição), são escritas em uma
a circulação sistêmica) porque representa a “dose efetiva” de linguagem codificada (o código genético), são copiadas no
fármaco. Esta dose é geralmente menor do que a quantidade momento da divisão celular ou reprodução e são passadas de
de fármaco administrada na forma farmacêutica. Em algumas uma geração para a outra (“herdadas”). Essas instruções estão
situações, principalmente ao iniciar o tratamento em casos intimamente envolvidas com todos os aspectos da vida de uma
agudos, onde se deseja uma ação rápida, a biodisponibilidade célula ou de um organismo. Elas controlam tudo, desde a for-
também é relacionada com a velocidade de absorção do fár- mação de macromoléculas protéicas até a regulação da síntese
maco. Os alimentos podem diminuir a absorção e resultar em e do metabolismo.
diminuição dos níveis sangüíneos. Este fato torna-se particu-
larmente relevante quando é necessário manter os níveis do Permeabilidade de membrana
fármaco para se atingir uma máxima efetividade. Bons exem-
A permeabilidade de membrana está relacionada à velocida-
plos disso são os antibióticos, que precisam atingir uma con-
centração inibitória mínima (MIC) para serem efetivos. Entre- de com a qual uma molécula de fármaco move-se através de
tanto, em certos casos, é desejável uma velocidade de absorção uma membrana. A unidade de medida da permeabilidade é
lenta, seja para evitar efeitos adversos, seja para prolongar o distância em função do tempo (cm/s). A permeabilidade está
tempo de ação. inversamente relacionada à resistência do transporte de fárma-
co através das membranas ou tecidos. Ou seja, quanto maior
a permeabilidade, menor a resistência ao movimento através
Biodisponibilidade absoluta4
da membrana. Os fármacos podem permear as membranas por
A biodisponibilidade “absoluta”, F, é a fração da dose admi- difusão passiva através da membrana celular, entre as células e
nistrada que realmente atinge a circulação sistêmica e varia de usando transportadores que os carreiam através da membrana.
F = 0 (ou seja, não há absorção do fármaco) a F = 1 (ou seja, A permeabilidade passiva através das membranas é determi-
completa absorção do fármaco). Uma vez que a quantidade to- nada pela solubilidade da molécula penetrante na membrana,
tal de fármaco que atinge a circulação sistêmica é diretamente pela difusão através da membrana até a célula e pela espessura
proporcional à área sobre a curva da concentração plasmática da membrana. Esse tema é discutido mais detalhadamente no

CONCEITO VARIABILIDADE DA BIODISPONIBILIDADE E ÍNDICE TERAPÊUTICO


Os problemas terapêuticos (p. ex., toxicidade, falta de eficácia) são mais e a dose mínima efetiva) da amoxicilina é tão amplo que diferenças mo-
freqüentemente observados em tratamentos prolongados nos quais os pa- deradas de concentrações sangüíneas, devido a diferenças de biodispo-
cientes, estando acostumados a usar determinada formulação, passam a nibilidade entre os medicamentos contendo este fármaco, não chegam a
receber outra, não-equivalente. Este fato é bem-conhecido em se tratando afetar sua eficácia ou segurança terapêutica. Ao contrário, diferenças de
de fármacos como a digoxina ou a fenitoína. Às vezes, pode-se atingir biodisponibilidade são importantes para fármacos com índice terapêutico
a equivalência terapêutica apesar das diferenças de biodisponibilidade. relativamente estreito (p. ex., digoxina).
Por exemplo, o índice terapêutico (razão entre a dose máxima tolerada
372 P ATRICK J. S INKO

Capítulo 12. A permeabilidade relacionada aos transportadores Relação entre genótipo e fenótipo
de fármacos é abordada posteriormente, neste capítulo.
O “código interno, informação herdada” ou genótipo transpor-
tado por todos os organismos vivos retém todas as informações
Fenótipo6 essenciais usadas e interpretadas pelas células para produzir a
O fenótipo é a “manifestação física exterior” do organismo. “manifestação física ou externa” ou o fenótipo do organismo.6
É a parte física, a soma dos átomos, moléculas, macromolé-
culas, células, estruturas, metabolismo, utilização de energia, Biodisponibilide relativa4
tecidos, órgãos, reflexos e comportamentos: tudo que faça
parte da estrutura visível ou observável, função ou comporta- A biodisponibilidade “relativa” refere-se à disponibilidade de um
mento dos organismos vivos. Rogers e colaboradores7 defini- medicamento em comparação com outra forma farmacêutica ou
ram o fenótipo em relação ao metabolismo de fármacos: “O medicamento contendo o mesmo fármaco, na mesma dose. Sua
fenótipo são as características observáveis (como as influen- medida determina os efeito das diferenças de formulação sobre a
ciadas pela ingestão de alimentos ou exposição ambiental) da absorção dos fármacos. A biodisponibilidade relativa de um me-
atividade enzimática do paciente e compreendem designações dicamento comparado a outro, ambos contendo o mesmo fárma-
tais como ‘metabolizadores lentos’, ‘metabolizadores inter- co e dose, é obtida pela comparação de suas respectivas AUCs.
mediários’, ‘metabolizadores extensivos e ‘metabolizadores
extensivos ultra-rápidos’”. Pacientes que expressam enzimas Farmacocinética4
não-funcionais ou inativas são considerados metabolizadores A farmacocinética é o estudo matemático do tempo transcorrido
lentos.8 Pró-fármacos, que necessitam ser biotransformados a para a absorção, distribuição, metabolismo e excreção (ADME)
um metabólico ativo que exerça a ação terapêutica, geralmente dos fármacos no organismo. Os fatores biológicos, fisiológicos
não são efetivos nestes pacientes. e físico-químicos que influenciam os processos de transferência
dos fármacos no organismo também influenciam a velocidade
EXEMPLO 14-1 e extensão da ADME destes fármacos no organismo. Em mui-
Codeína e analgesia tos casos, as ações farmacológicas e toxicológicas estão rela-
cionadas às concentrações plasmáticas dos fármacos. Por meio
A toxicidade dos fármacos pode ser observada em pacientes me- do estudo e da aplicação das ferramentas farmacocinéticas, o
tabolizadores lentos devido ao clearance prejudicado dos medica- farmacêutico pode individualizar a terapia para o paciente.
mentos que requerem biotransformação para serem eliminados
e excretados. Os metabolizadores intermediários são pacientes
Farmacodinâmica
que demonstram uma diminuição da atividade enzimática e têm
o metabolismo de fármacos diminuído.2 Os metabolizadores ex- A farmacodinâmica é o estudo dos efeitos bioquímicos e fisio-
tensivos são pacientes que expressam enzimas com atividade nor- lógicos dos fármacos e seus mecanismos de ação.
mal,9 e que podem apresentar uma resposta rápida ao fármaco,
mesmo após administração de doses-padrão. Os metabolizadores Farmacogenética
extensivos ultra-rápidos são pacientes que têm elevadas quanti-
dades de enzimas expressas devido à duplicação de genes.8 Nes- A farmacogenética estuda o quanto as variações genéticas afe-
tes pacientes, doses normais de fármacos podem resultar em falta tam a resposta aos fármacos.
de eficácia (ou toxicidade, em pró-fármacos) devido ao rápido
metabolismo.8 Neste exemplo, será avaliado um analgésico muito Ômicas10 A crescente área das ciências genômicas e proteonô-
usado para dor pós-operatória. Sabe-se que o manejo da dor varia micas estão gerando múltiplas subdisciplinas “ômicas” e áreas
entre os pacientes. A codeína é um analgésico efetivo porque é afins. O sufixo geralmente refere-se ao estudo de um sistema
metabolizada à morfina pelo Citocromo P-450 2D6 (CYP2D6). ou grupamento completo de biomoléculas, tais como o geno-
A morfina, por sua vez, é glicuronizada à morfina-3-glicuronida ma, contendo todos os genes do organismo, ou seus proteômas,
(M3G) e morfina-6-glicuronida (M6G), analgésicos ativos. Con- contendo todas as proteínas. Por exemplo, a ciência genômica
tudo, tem-se observado que a CYP2D6 apresenta polimorfismo estuda o genoma e o papel que os genes têm, sozinhos ou em
em diferentes alelos, podendo levar a um fenótipo de metabolis- conjunto, na condução do crescimento e desenvolvimento e no
mo lento e podendo, também, ser super-expressada (gerando um controle e determinação da estrutura e função biológica. Em
fenótipo de metabolismo ultra-rápido) em determinadas pessoas. função do seu crescimento, a ciência genômica tem sido di-
Este polimorfismo resulta em pacientes com diferentes habilida- vidida em duas principais ramificações. A ciência genômica
des em usar as vias para gerar um efeito analgésico efetivo. O estrutural foca-se nos aspectos físicos do genoma, mediante
quão comuns são estas variações no metabolismo do fármaco? A a construção e comparação de mapas e seqüências genéticas,
freqüência de metabolizadores lentos representa 6% da popula- assim como na descoberta, localização e caracterização de ge-
ção norte-americana, enquanto somente 1% da população asiáti- nes. Ao mesmo tempo, a ciência genômica funcional procu-
ca é considerado metabolizador lento. O fenótipo de metabolismo ra captar os dados da ciência genômica estrutural e aplicá-los
ultra-rápido também pode ser igualmente encontrado em todo o às funções biológicas, compreendendo o que os genes fazem,
mundo, mas a maior porcentagem está na Etiópia (29%). No caso como são regulados e como agem. A área farmacogenômica
da codeína, um metabolizador lento que receba uma dose usual visa identificar a conexão entre a composição ou variação ge-
não terá o mesmo manejo da dor que um paciente normal; já um nética e a resposta farmacológica. As variações dos sítios-alvo
paciente metabolizador ultra-rápido poderá ter uma overdose dos fármacos, geralmente proteínas, e suas vias de ação são
com uma dose similar. estudadas para que se possa compreender o quanto estas va-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 373

Porção hidrofílica

Proteínas

5 nm

Porção hidrofóbica

Figura 14-1 Estrutura típica de uma membrana celular. É composta por uma bicamada lipídica com 5 nm de espes-
sura. Muitos tipos de proteínas são partes integrantes da bicamada e desempenham várias funções fisiológicas.

riações são manifestadas e quanto influenciam a resposta far- funções das proteínas integrais incluem a identificação da cé-
macológica. Às vezes, utiliza-se o termo farmacogenética, mas lula e seu reconhecimento por outras células, a possibilidade de
este se refere especificamente aos perfis genéticos e aos testes apoio de uma célula em outra ou no próprio meio, o início das
que predizem a resposta aos fármacos. respostas intracelulares às moléculas externas e o transporte de
moléculas através da membrana. Em 1899, Overton12,13 con-
cluiu que a entrada de qualquer molécula na célula é resultado
da sua “solubilidade seletiva” na camada externa ou limite da
BIOFARMÁCIA EM NÍVEL CELULAR E MOLECULAR célula e que, quanto maior for a solubilidade da molécula em
lipídeos, maior será sua permeabilidade. Esta descoberta é cha-
Introdução* mada de regra de Overton11. Os estudos de Overton levaram
à hipótese de que as membranas celulares são compostas por
Uma membrana biológica é uma bicamada lipídica contendo domínios lipídicos, que medeiam o transporte de moléculas
proteínas que agem como uma barreira dentro ou fora dos com- lipofílicas, e por poros protéicos, que transportam moléculas
ponentes da célula. A membrana que separa a célula do meio hidrofílicas. Por fim, estes dados foram unificados, resultando
externo é chamada membrana plasmática. Estas membranas na hipótese de que as membranas celulares são mosaicos com-
também limitam a maioria das organelas (estruturas com função postos por domínios lipídicos, através dos quais as moléculas
especializada suspensas no citoplasma) dentro das células. A es- lipofílicas passam, e por regiões porosas (contendo água) que,
trutura típica de uma membrana celular é mostrada na Figura presumivelmente, são proteínas que viabilizam o transporte de
14-1. A membrana é caracterizada pela presença de uma bica- moléculas hidrofílicas.14-16
mada lipídica, geralmente com cerca de 5 nm de espessura. Esta Overton também sugeriu que os íons poderiam usar di-
bicamada é composta de duas camadas de moléculas lipídicas ferentes rotas de passagem através da membrana porque o
opostas, arranjadas de tal forma que suas caudas hidrocarbona- baixo valor da constante dielétrica dos lipídeos preveniria a
das ficam voltadas umas para as outras para formar um núcleo solvatação das partículas carregadas. Por outro lado, os íons
oleoso. As porções eletricamente carregadas ou polares destas grandes têm elevada solubilidade lipídica porque sua carga é
moléculas direcionam-se para a solução “aquosa”, de ambos os espalhada por uma área muito maior, o que explica a rápida
lados na membrana. A maioria das proteínas encontradas nas permeabilidade das grandes partículas carregadas, incluindo
membranas biológicas são proteínas de membrana integrais (ou muitos fármacos. Uma vez que muitos fármacos são ácidos ou
seja, estão ancoradas no citoesqueleto). Alguns exemplos de bases orgânicas, o papel da ionização na sua absorção tem sido
objeto de muitos estudos. Historicamente, nas Ciências Farma-
* A maior parte desta seção foi retirada do artigo de Al-Awqati,11 o qual os cêuticas, o papel da ionização na permeação a membranas tem
estudantes são incentivados a ler para complementar seu conhecimento. sido descrito pela hipótese de pH-partição.17,18 Como regra
374 P ATRICK J. S INKO

geral, a hipótese de pH-partição preconiza que fármacos não- vo secundário envolve o co-transporte de outras substâncias,
ionizados (lipossolúveis) atravessam rapidamente as membra- tais como íons (p. ex., H+ ou Na+), junto com o substrato. Se
nas, enquanto que as espécies ionizadas são muito polares para a substância co-transportada é transportada na mesma direção
passar tão facilmente. Logo, espera-se que a velocidade de per- do substrato, o processo é chamado de simporte. Se a subs-
meação de muitos fármacos, ácidos ou bases orgânicas, seja tância co-transportada é movida na direção oposta, o processo
determinada pelo gradiente da forma não-ionizada. A hipótese chama-se antiporte. Um exemplo de simporte é o oligopeptí-
do pH-partição é abordada com mais detalhes no Capítulo 12. deo transportador PepT1. O PepT1 transporta H+ e pequenos
Durante muitos anos, os mecanismos de transporte de fár- peptídeos, tipicamente di ou tripeptídeos, para as células. Vá-
macos e outros xenobióticos através das membranas biológicas rios fármacos também são substratos para o PepT1, entre eles
têm sido reavaliados sob a luz uma série de novas descobertas, o valaciclovir,19 os inibidores da ECA20 e as cefalosporinas.21
ocorridas durante o mapeamento do genoma humano e em fun- O transporte de glicose e Na+ por meio de transportadores de
ção da identificação de inúmeras proteínas que podem estar en- glicose é outro exemplo clássico de simporte. Um exemplo de
volvidas com o movimento das moléculas através das membra- antiporte é a bomba Na+/K+-ATPase, a qual transporta Na+ e
nas. A visão a respeito do transporte de membrana tem passado K+ em direções opostas. O transporte facilitado (também co-
por rápidas mudanças em função da identificação das aquapo- nhecido como difusão facilitada) é um mecanismo mediado
rinas (canais protéicos condutores de água), dos transportado- por um sistema de transporte energia-independente. Uma vez
res lipídicos, capazes de transportar lipídeos tais como ácidos que este mecanismo de transporte não depende de energia, não
graxos não-ionizados de cadeia curta, e dos transportadores que pode mover substratos contra um gradiente de concentração.
podem transportar água e lipídeos hidrossolúveis. Ao avaliar o Em outras palavras, os substratos podem mover-se apenas de
trabalho de Overton, considerado uma referência, Al-Awqati regiões de elevada concentração para outras de baixa concen-
disse: “Não é preciso dizer, a [análise atual]... nem reduz a im- tração. Um exemplo de transporte facilitado envolve os trans-
portância dos conhecimentos trazidos por Overton a respeito da portadores equilibrativos de nucleotídeos es e ei.
estrutura lipídica das células nem invalida a probabilidade de Neste capítulo será feita uma introdução a respeito das duas
que poucas moléculas possam realmente percorrer a bicamada grandes superfamílias de transportadores: proteínas transporta-
lipídica. Contudo, o que é certo, atualmente, é que a maioria das doras do tipo ABC (ATP-binding cassete) e a família de carrea-
moléculas com significância fisiológica ou farmacológica são dores de soluto (SLC). A superfamília de transportadores ABC
mais transportadas para dentro ou fora das células por proteínas é a maior família de genes de transportadores. Os transportado-
do que por solubilidade “passiva” ou difusão através da camada res ABC usam a hidrólise do ATP como força propulsora para
lipídica.”11 Isto resume bem as mudanças de pensamento sobre retirar os substratos de dentro das células ou para prevenir sua
o transporte de fármacos através das membranas. A próxima se- entrada nas células. Os genes codificadores dos transportado-
ção tratará das proteínas transportadoras de fármacos. res ABC estão amplamente dispersos no genoma e apresentam
alta incidência de seqüências de aminoácidos idênticas entre
os eucariotos.24,25 Utilizando análise filogenética, podemos di-
Vias de transporte, células e transportadores de vidir a superfamília humana ABC em sete sub famílias, com
fármacos mais de 40 membros. Alguns membros dos transportadores de
fármacos que já foram bem-caracterizados estão listados na Ta-
Os transportadores são proteínas de membrana cuja função é bela 14-1.26 A descrição da topografia dos transportadores é
facilitar o movimento das moléculas através das membranas ce- bastante importante na compreensão das suas funções fisiológi-
lulares. Embora sua função primária seja transportar nutrientes cas e especificidade aos substratos. Conhecendo-se a estrutura
ou outras substâncias endógenas, muitos transportadores tam- dos transportadores, pode-se delinear moléculas que viabili-
bém podem deslocar os fármacos. Por exemplo, o PepT1 é um zem a manipulação da atividade do seu transporte e otimizar
transportador localizado na borda em escova da membrana do o comportamento farmacocinético, por meio da melhoria da
intestino humano, responsável pela captação de di e tripeptíde- sua absorção e liberação nos sítios-alvo. Os transportadores de
os. Porém, é capaz de transportar vários fármacos diferentes, membrana podem apresentar várias configurações através das
tais como valaciclovir, um pró-fármaco éster L-valina do nu- membranas. Estas configurações são mostradas na Figura 14-4
cleosídeo acíclico aciclovir,19 os inibidores da enzima conver- e são chamadas de topologias. A topologia de um transporta-
sora de angiotensina (ECA),20 e os antibióticos da classe das dor de membrana está relacionada com sua função fisiológica.
cefalosporinas.21 A seqüência do genoma humano sugere que Devido à dificuldade em cristalizar proteínas de membrana, a
há mais de 700 genes conhecidos de transportadores/carreado- topologia dos transportadores ABC tem sido proposta com base
res,22 e estima-se que pelo menos 4 a 5% do proteoma humano em simulações computacionais e mediante confirmação com
possa ser de transportadores23 (Figura 14-2). Os mecanismos dados experimentais. Em geral, os transportadores ABC con-
de transporte de fármacos são classificados em três categorias, têm dois domínios de ligação a ATP, também conhecidos como
de acordo com o gasto energético e o sistema de co-transporte domínios de ligação a nucleotídeos (NBDs), localizados intra-
de outras substâncias. São elas: o transporte ativo primário, o celularmente e a cada doze intervalos de a-hélices associadas à
transporte ativo secundário e o transporte facilitado. Estes me- membrana, os quais estão associados entre si para compor os
canismos são representados na Figura 14-3. O transporte ati- domínios específicos de membrana (MSDs). Alguns transporta-
vo envolve o uso de energia, geralmente ATP, para transportar dores da superfamília ABC, como a proteína de resistência em
substratos através de membranas biológicas. Usando o ATP, câncer de mama (BCRP, ABCG2), contêm somente um MSD
os transportadores ativos podem mover os substratos a áreas e NBD e, ao que parece, estão associados a outras proteínas
de maior ou menor concentração. A glicoproteína P (P-gp) é para tornarem-se funcionais. Como resultado disso, o BCRP é
um exemplo de transportador ativo primário. O transporte ati- também conhecido como hemitransportador.
Figura 14-2 Funções do transporte de membrana identificadas pela análise de regiões codificadas em cinco genomas completos. As representações circulares, do centro para fora dos anéis, são: Mycoplas-
ma genitalium, Methanococcus jannaschii, Synechocystis PCC6803, Haemophilus influenzae, Saccharomyces cerevisiae. Permeases íon-ligantes são indicadas pelas linhas ovais. Os transportadores ABC
estão indicados pelos círculos, losangos e pelas formas ovais. Todos os outros transportadores estão representados por retângulos. As setas que apontam para fora indicam efluxo da célula; as que apontam
para dentro indicam a captação de soluto a partir do meio circulante (Retirada, com permissão, de R. A. Clayton, O. White, K. A. Ketchum, J. C. Venter. “The first genome from the third domain of life” Nature.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS

1997 May 29;387(6632):459–462.)


375
376 P ATRICK J. S INKO

(a) Transporte ativo primário (b) Transporte ativo secundário


S S S1 S2

S1 S2
ATP ADP + Pi ATP ADP + Pi
S S

(c) Transporte facilitado

S
Elevada concentração

Baixa concentração
S
Figura 14-3 Os mecanismos de transporte de fármacos através das membranas celulares classificam-se em três
categorias gerais. No quadro (A) observa-se o transporte ativo primário. Neste, um fármaco ou nutriente (S) é
translocado através da membrana por meio de uma proteína transportadora que se estende pela membrana. A
energia na forma de ATP é necessária para impulsionar o processo. No quadro (B) observa-se o transporte ativo
secundário. Neste caso, o fármaco ou nutriente (S) atravessa a membrana da mesma forma que em (A). Contudo,
um segundo substrato (S1 ou S2) também é movido para dentro ou fora da célula. No quadro (C) observa-se o trans-
porte facilitado. Embora o transporte seja facilitado por proteínas, o processo não é energia-dependente.

A Figura 14-5 mostra as topologias normalmente aceitas matórios não-esteróides, antitumorais e fármacos anti-HIV.
dos três bem-estudados transportadores ABC: P-gp, BCRP e Neste capítulo, serão descritos somente os membros da família
proteína-1 de multirresistência a fármacos (MRP1). É impor- SLC que já estão bem-caracterizados e que sejam relevantes
tante observar que estas estruturas são proposições didáticas, para o transporte de fármacos. Sua distribuição nos tecidos,
as quais permanecerão controversas até que seja determinada a localização subcelular, funções e substratos estão listados na
sua estrutura cristalina exata. Tabela 14-2. A modelagem computacional com base em análi-
Os transportadores ABC interagem com vários substratos, ses hidropáticas tem permitido predizer as estruturas secundá-
incluindo açúcares, aminoácidos, íons metálicos, peptídeos, rias lineares dos transportadores orgânicos aniônicos (OATs),
proteínas e um grande número de metabólitos e compostos hi- dos transportadores orgânicos catiônicos (OCTs) e dos trans-
drofóbicos. Os transportadores ABC desempenham um papel portadores orgânicos aniônicos de peptídeos (OATPs) (Figura
importante em muitos processos celulares e em várias desor- 14-6). Ao contrário dos transportadores ABC, estes transpor-
dens humanas. Por exemplo, fibrose cística, doenças neurológi- tadores integrados à membrana não têm sítios de ligação ao
cas, degeneração da retina, defeitos no transporte do colesterol ATP ou domínios ATPase que possam hidrolisar o ATP. Muitos
e bile e anemia resultam de disfunções de transportadores. Os membros da família SLC transportam substratos com outro
transportadores ABC estão associados a fatores-chave da mul- íon na mesma direção ou em direção oposta ao substrato. Por
tirresistência a fármacos, um fenômeno freqüentemente ob- exemplo, tem-se observado que o transporte de oligopeptídeos
servado no tratamento do câncer, e também têm influência no e peptideomiméticos na superfície apical da célula epitelial e
comportamento farmacocinético de muitos fármacos. Em fun- por meio de um PepT1, um pequeno peptídeo transportador
ção disto, os transportadores de fármaco têm sido cada vez mais (simporte), é próton e potencial de membrana-dependente
relacionados com a determinação das respostas terapêuticas. (Figura 14-7). Resumidamente, o trocador antiporte Na+/H+
Outra família de transportadores que está envolvida com a localizado na superfície apical da célula gera valores de pH
absorção e disponibilização de fármacos é conhecida como fa- mais baixos no microambiente das vilosidades intestinais. Os
mília de carreadores de soluto (SLC). Mais de 20 subfamílias substratos são, então, captados para dentro das células epite-
SLC têm sido identificadas. Elas são responsáveis por trans- liais pelo PepT1, associado ao influxo de prótons. O influxo de
portar várias substâncias endógenas e exógenas, tais como prótons age como força motriz para a captação mediada pelo
aminoácidos, glicose, oligopeptídeos, antibióticos, antiinfla- PepT1 sendo, por isso, dito próton-dependente.27 Demonstrou-
TABELA 14-1
FAMÍLIA DE TRANSPORTADORES COM LIGAÇÃO A ATP

Homólogos Localização
Símbolo Codinome em roedores Distribuição no tecido subcelular Funções
Subfamília A ABCA1 ABC-1 Abca1 Muitos tecidos — É o maior regulador da homeostase celular de colesterol e
fosfolipídeos. Efluxa fosfolipídeos (PS) e colesterol dos macrófagos
para a apoA-I, revertendo a formação de células de espuma.
Provavelmente não está envolvida na secreção de colesterol hepático
e transporte apical intestinal de colesterol.
Subfamília B ABCB1 P-gp, MDR1 Abcb1b Muitos tecidos Apical Bomba de efluxo de substâncias xenobióticas com ampla
(especialmente aqueles especificidade de substrato. É responsável pela diminuição do
com funções de barreira, acúmulo de fármacos em células multirresistência a fármacos e
tais como L, BBB, P, freqüentemente funciona como mediador no desenvolvimento de
K, I) resistência a fármacos anticâncer.
ABCB4 MDR3 Abcb1a L Apical Geralmente envolvida com a secreção biliar de fosfatidilcolina dos
hepatócitos, em um processo dependente dos sais biliares.
Subfamília C ABCC1 MRP1 Abcc1a Lu, T, I Lateral O MRP1 transporta glicuronídeos e hormônios esteroidais sulfato-
conjugados e sais biliares. Também transporta fármacos e outras
substâncias hidrofóbicas na presença de glutationa.
ABCC2 MRP2, Abcc2 L, I, K Apical O MRP2 excreta glicuronídeos, hormônios esteroidais sulfato-
CMOAT conjugados e sais biliares na bile. Outros substratos incluem
fármacos anticâncer, como a vimblastina, e anti-HIV, como o
saquinavir. Contribui para a resistência a fármacos.
ABCC3 MRP3 Abcc3 I, K Lateral O MRP3 é um transportador induzido pela excreção biliar e intestinal
de íons.
ABCC4 MRP4 Muitos tecidos Basolateral O MRP4 transporta prostaglandinas para fora dos hepatócitos, em
(especialmente L) direção à circulação sangüínea. Também transporta nucleotídeos
cíclicos e alguns análogos nucleotídicos monofosfatados, incluindo
fármacos nucleotídicos antiretrovirais.
ABCC5 L Apresenta especificidade a substratos similar ao MRP4.
ABCC6 KeL O MRP6 transporta conjugados da glutationa.
Subfamília G ABCG2 BCRP, Abcg2 P, B, L, I Apical O BCRP funciona como um transportador xenobiótico que contribui
MXR, para a multirresistência a fármacos. Serve como mecanismo
ABCP de defesa celular em resposta à exposição à mitoxantrona e
antraciclina. Também transporta íons orgânicos, esteróides
(colesterol, progesterona, estradiol, testosterona) e certos
metabólicos da clorofila.
Abreviaturas: L = fígado; Lu = pulmão; T = testículo; I = intestino; P = placenta; B = cérebro; K = rim; BBB = barreira hematoencefálica
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS
377
378 P ATRICK J. S INKO

COOH
Extracelular Intracelular

NH3 COOH NH 3
Intracelular Intracelular

NH 3

Extracelular

Intracelular
COOH
Figura 14-4 Topologias de proteínas integrantes de membrana. (Retirada de G. You. Com permissão.)

se que o baixo pH do lúmem (pH 5 – 6,5) e o potencial de mem- nas extremidades dessas barreiras estão geralmente polarizadas.
brana negativo estabelecido pela bomba Na+/K+-ATPase foram Ou seja, a membrana plasmática dessas células está organizada
fatores críticos para a captação unidirecional de substratos pelo em, pelo menos, duas regiões distintas com composição e fun-
PepT1 para o interior das células. Contudo, o PepT1 funciona ções diferentes. A Figura 14-11 mostra um exemplo de célula
mais como um transportador absortivo de influxo do que um polarizada e as vias de transporte através delas ou entre elas. Os
transportador secretor, no intestino. Os efeitos dos prótons na enterócitos (células de absorção intestinal), na borda em escova
orientação do PepT1 e nos eventos de simporte são mostrados da membrana do intestino, e as células epiteliais, no túbulo pro-
na Figura 14-8. De forma similar, o co-transporte de Na+ e gli- ximal renal, têm um domínio apical (AP) revestindo o lúmem
cose afetam a orientação e função do transportador de glicose e um domínio basolateral (BL) revestindo a circulação sangüí-
(SLC2A1). Tais eventos podem ser vistos Figura 14-9. nea. Os hepatócitos estão polarizados na membrana canalicu-
A eliminação de ânions orgânicos na urina pela OAT tam- lar (AP), que reveste o ducto biliar, e na membrana sinusoidal
bém envolve a translocação de múltiplos íons através da mem- (BL), que reveste os vasos sangüíneos. Os sincitiotrofoblastos
brana basolateral do epitélio do túbulo proximal do rim. Como localizados na interface materno-fetal da placenta apresentam
podemos ver na Figura 14-10, a Na+/K+-ATPase estabelece um o domínio apical revestindo a circulação materna, e o domínio
gradiente de Na+ para dentro da célula. Assim, esse gradiente basolateral revestindo o feto. As células endoteliais dos capila-
de Na+ move os dicarboxilatos para dentro das células por in- res cerebrais, que funcionam como barreira hematoencefálica
termédio de um co-transportador Na-dicarboxilato (SDCT2), o (BBB), também estão polarizadas nas membranas luminal e an-
qual gera um gradiente de dicarboxilatos na direção externa. tiluminal. Na maioria dos casos, a expressão de transportadores
Finalmente, o OAT transfere ânions orgânicos, como o para- de fármacos é geralmente restrita a um dos lados das células
amino-hipurato (PAH), para dentro das células usando, como polarizadas, o domínio apical ou basolateral (p. ex., o PepT1
força propulsora, o duplo efluxo do dicarboxilato. está localizado somente na membrana apical).
Além de transportar uma grande variedade de substâncias Os transportadores de fármacos podem ser categorizados em
endógenas, tais como PAH, uratos, AMPc, GMPc, tetraetilamô- transportadores de efluxo ou de influxo, de acordo com a orienta-
nio (TEA), substâncias alifáticas de amônio quaternário e ácidos ção do transporte dos substratos através das membranas celulares.
biliares, os transportadores SLC também transportam muitos fár- Em relação a essa definição, os transportadores que bombeiam os
macos usados na prática clínica, como antibióticos, antialérgicos, substratos para fora das células são chamados de transportadores
anti-HIV e antitumorais. Uma grande quantidade de dados tem de efluxo. Já aqueles que transportam os substratos para dentro
mostrado que os transportadores SLC desempenham um impor- das células são chamados transportadores de influxo. Tal defini-
tante papel na absorção e distribuição dos fármacos e podem ser ção é amplamente usada quando os estudos sobre transportadores
o centro de muitas interações fármaco-fármaco significativas. de fármaco são feitos em nível celular. Por exemplo, as proteínas
A maioria dos transportadores de fármacos está localizada P-gp e de multirresistência a fármacos (MRPs) pertencem ao gru-
nos tecidos com função de barreira, tais como o intestino, o po de transportadores de efluxo porque bombeiam os substratos
fígado, os rins e as barreiras encefálicas. As células localizadas para fora do citosol, dentro do ambiente extracelular.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 379

quando administrada por via oral, é inicialmente transportada


(a) N para as células intestinais pelo OATP-A para, então, atingir a
corrente sangüínea. Por esta razão, o OATP-A é considerado um
transportador absortivo de influxo.28 Um transportador de influ-
xo também pode agir como uma bomba secretora. Por exemplo,
ATP ATP estudos em nível celular têm demonstrado que o transportador-1
de ânions (OAT1) é um transportador de influxo para substratos
C como PAH, prostaglandina E2 (PGE2), descarboxilatos e vários
fármacos aniônicos. Nos rins, o OAT1 está localizado na mem-
brana basolateral das células tubulares epiteliais, responsáveis
pela eliminação de algumas substâncias endógenas e exógenas e
(b) seus metabólicos do sangue para a urina. Logo, pode-se pensar
que o OAT1 dos rins é um transportador secretor de influxo. Em
outras palavras, o OAT1 transporta os substratos para dentro dos
rins, mas o processo é orientado em direção à movimentação
ATP ATP
destes substratos para fora do corpo.29
N C
EXEMPLO 14-2
Transporte coordenado através das células12
(c) O transporte coordenado de fármacos e xenobióticos ocorre quando
o transporte de uma substância através de ambos domínios de mem-
brana de uma célula polarizada é facilitado por transportadores de
membrana. O transporte coordenado sugere que os transportadores
C de ambos os domínios movem os fármacos na mesma direção (Fi-
ATP gura 14-12). Neste exemplo, células Madin-Darby de rins caninos
(MDCK) foram cultivadas em um dispositivo especial chamado
N Transwell. O Transwell é um suporte poroso feito de um polímero e é
usado para promover o crescimento celular de uma monocamada de
Figura 14-5 Suposta estrutura (a) da proteína-1 de multirresistência a fár- células de membrana polarizadas (apical e basolateral) com junções
macos, (b) P-glicoproteína, e (c) proteína de resistência em câncer de mama. célula-célula firmes e funcionais. Neste exemplo, os genes huma-
Pode-se observar uma estrutura secundária linear com hélices transmem- nos MRP2 ou OATP8 foram heterologamente expressos nas células
brana putativas e dois domínios de ligação ao ATP. Os sítios potenciais de MDCK; sua expressão foi restrita às membranas apical e basolateral
glicosilação são indicados pela letra C. (Retirada de T. Litman, T. E. Druley, W. das células, respectivamente (Figura 14-13). Quando foi medido o
D. Stein, and S. E. Bates, From MDR to MXR: new understanding of multidrug transporte no sentido basolteral-para-apical (B → A) do estradiol-
resistance systems, their properties and clinical significance. Cell Mol Life 17-β-glicuronídeo, um metabólito do hormônio sexual, observou-se
Sci. 58(7), 931–959, 2001.)
que a ordem da permeabilidade do estradiol-17-β-glicuronídeo, na
direção B → A foi: MDCK–MRP2/OATP8 (MDCK expressando
tanto MRP2 quanto OATP8) >> MDCK–MRP2 (MDCK expressan-
Entretanto, os transportadores PepT1, OCTs, OATs, e OA- do MRP2) > MDCK (Figura 14-14). Esta observação indica que o
TPs são categorizados como transportadores de influxo devido estradiol-17-β-glicuronídeo foi captado pelo OATP8 na membrana
a sua capacidade em trazer substratos para dentro das células. basolateral e expelido pelo MRP2 na membrana apical de forma co-
Também é possível classificar os transportadores de fármaco sob ordenada. Em outras palavras, o OATP8 e o MRP2 transportam seus
o ponto de vista farmacocinético. De acordo com esta termino- substratos comuns na mesma direção para gerar uma movimenta-
logia, os transportadores que transferem seu substrato do corpo ção mais eficiente do substrato através da monocamada celular. Na
para a circulação sistêmica ou para órgãos como o cérebro ou ausência de MRP2, a translocação (ou seja, transporte em rede) foi
fígado são chamados transportadores absortivos. Por outro lado, reduzida, sugerindo que sem o transportador MRP2 o estradiol-17-
os transportadores secretores conduzem os fármacos para fora β-glicuronídeo poderia ser acumulado dentro das células. Uma vez
dos órgãos ou da circulação sangüínea para a bile, urina e lúmem que vários fármacos são substratos para mais de um transportador,
do intestino. Por exemplo, o MRP1 (ABCC1) é um transporta- é muito provável que haja várias vias de transporte coordenado de
dor de efluxo que pode bombear fármacos como o saquinavir, fármaco através de cada domínio de membrana.
um anti-HIV inibidor da protease, para fora das células. Porém,
considerando que a expressão de MRP1 nos enterócitos intes-
tinais é restrita à membrana basolateral, o efluxo do saquinavir Metabolismo de fármacos
no intestino, feito pelo MRP1, leva à movimentação do fármaco
em direção à circulação sangüínea. Ou seja, o MRP1 é conside- Introdução5
rado um transportador absortivo de efluxo. De modo similar, os
transportadores de influxo podem funcionar tanto como trans- O primeiro estudo sobre o metabolismo humano foi realizado
portadores absortivos quanto secretores, dependendo do tecido em 1841, por Alexander Ure, que observou a conversão do ácido
e do domínio de membrana onde estão expressos. Por exemplo, benzóico em ácido hipúrico e propôs o uso do ácido benzóico
o transportador intestinal de ânions orgânicos polipeptídeo A para o tratamento da gota.31 Tem-se aprendido muito a respeito
(OATP-A) está localizado no domínio apical dos enterócitos. de metabolismo desde aquela época, de forma que o propósito
A fexofenadina, um antagonista de receptor histamínico H1, desta seção é proporcionar ao estudante o conhecimento biofar-
380 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO TRANSPORTE COORDENADO 12,30


Dada a presença de vários transportadores nos dois domínios das células os fármacos são captados pelos hepatócitos, no fígado, por difusão pas-
polarizadas e as possíveis diferenças na direção do transporte (influxo versus siva ou por meio de transportadores de influxo, na membrana sinusoidal
efluxo), é natural considerar como estes transportadores podem trabalhar uns (BL). Após, são intracelularmente convertidos pelo citocromo P450 (CYPs)
com os outros (ou seja, “coordenados”) ou um contra ou outro. Recentemente, a metabólitos farmacologicamente inativos, ativos ou, as vezes, tóxicos.
tem-se estudado o fenômeno de “transporte coordenado”, observado quando Os metabólitos são, por sua vez, conjugados com muitas substâncias
os transportadores de membrana nos domínios AP e BL da célula transportam endógenas (como glicuronídeo e sulfato) e, conseqüentemente, são ex-
o fármaco (substrato) na mesma direção (direção de absorção ou secreção). cretados na bile, por difusão passiva, ou na membrana canalicular (AP),
O fígado é um órgão importante que está envolvido com o metabolismo e através de transportadores como os da família MRP. Tem-se verificado que
clearance de endo e xenobióticos. Como pode-se observar na figura abaixo, os transportadores de influxo localizados na membrana sinusoidal (p. ex.,
OATP-C e OATP8) e os transportadores de efluxo, na membrana canalicular
(p. ex., MRP2 e P-gp) trabalham coordenadamente para transportar fárma-
Captação
cos e outras substâncias para a bile. Logo, a aliança entre transportadores
Substância de influxo na membrana basolateral/sinusoidal e transportadores e efluxo
CYPs nas membranas apical/canalicular dos hepatócitos podem, eficientemen-
O2 te, eliminar na bile os resíduos endógenos ou xenobióticos tóxicos.
Oxidação

Substância oxidada
GSH
Conjugação Transferases UDPGIcUA
PAPS
Conjugado
ATP
MRPs
Eliminação

Captação, biotransformação e multirresistência a fármacos mediada por proteína


(MRP) eliminam as substâncias endógenas, fármacos e carcinógenos. Chave: CYPs,
citocromo P-450s; GSH =…; UDPGlc UA = …; PAPS= …; ATP = adenosina trifosfa-
to. (De Konig, et al., Biochim. Biophys. Acta 1461, 377, 1999. Com permissão.)

macêutico necessário para melhor compreensão do metabolis- metabolismo ocorre em duas fases. As reações da fase I são
mo. Os fármacos lipofílicos têm um clearance bastante lento, reações não-sintéticas e envolvem a formação de um grupo
uma vez que são ativamente depositados nos tecidos e células, funcional novo/modificado ou a clivagem (oxidação, redução,
prontamente reabsorvidos através das células tubulares renais e hidrólise). As reações da fase II envolvem a conjugação com
tendem a estar altamente ligados às proteínas plasmáticas, como substâncias endógenas (como ácido glicurônico, sulfato, glici-
a albumina. Este fato pode ser parcialmente explicado uma vez na) e, portanto, são reações sintéticas. Os metabólitos forma-
que os fármacos lipofílicos difundem rapidamente para os hepa- dos em reações sintéticas são mais polares e mais facilmente
tócitos e outras células contendo muitas enzimas metabólicas e excretados pelos rins (na urina) e pelo fígado (na bile) do que
têm acesso fácil ao citocromo P-450, preso ao retículo endoplas- aqueles formados por reações não-sintéticas. Alguns fármacos
mático (Figura 14-15). Para facilitar a eliminação do fármaco e passam por reações de fase I ou de fase II, logo, os números da
manter a homeostase após a exposição a xenobióticos, incluindo fase refletem uma classificação mais funcional do que seqüen-
fármacos e toxinas ambientais, acontecem várias transforma- cial. Os fármacos são metabolizados em diferentes proporções
ções bioquímicas. Estas transformações são facilitadas por dois no organismo, por reações de oxidação, redução, hidrólise e
grandes grupos de enzimas em um processo conhecido como conjugação. Alguns fármacos são eliminados sem que ocorra
“metabolização de fármacos”. As reações metabólicas geral- qualquer tipo de alteração estrutural. O processo de elimina-
mente têm como finalidade converter fármacos em metabólitos ção de uma substância do organismo sem modificação química
mais polares do que o fármaco original. A conversão a formas adicional é conhecido como excreção. Williams32 classificou
mais polares tem conseqüências biológicas importantes porque todas as reações metabólicas conhecidas como pertencentes à
melhora a capacidade do corpo de eliminar os fármacos. fase I ou à fase II. Nos últimos anos, o metabolismo de fár-
O metabolismo de fármacos envolve uma ampla gama de macos passou a ser classificado em uma terceira fase, normal-
reações químicas, incluindo oxidação, redução, hidrólise, hi- mente chamada de fase III do metabolismo. As três “fases” do
dratação, conjugação, condensação e isomerização. As enzimas metabolismo de fármacos podem ser observadas na Figura
envolvidas estão presentes em muitos tecidos, mas geralmente 14-16. As reações da fase I incluem a oxidação, redução ou
estão mais concentradas no fígado. Para muitos fármacos, o hidrólise dos fármacos.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 381

TABELA 14-2
FAMÍLIA DE TRANSPORTADORES CARREADORES DE SOLUTO
Homólogos Distribuição Localização
Símbolo Codinome em roedores nos tecidos subcelular Funções
SLC15 SLC15A1 hPepT1 Slc15a1 I, K — Captação acoplada a prótons de
oligonucleotídeos de 2-4 aminoácidos,
antibióticos beta-lactâmicos.
SLC21 SLC21A3 OATP, Slc21a7 Muitos Lateral Medeia a captação celular de íons orgânicos
OATP-A tecidos (B, no fígado. Seus substratos incluem ácidos
I, L, P, K) biliares, bromossulfoftaleína, algumas
substâncias esteroidais e fexofenadina.
SLC21A6 OATP2, L Basolateral Medeia o transporte de ânions orgânicos
OATP-C, independente de Na+, tal como pravastatina,
LST-1 taurocolato, metotrexato, sulfato de
desidroepiandrosterona, 17-beta-glicuronosil
estradiol, sulfato de estrona, prostaglandina
e2, tromboxano b2, leucotrieno c3,
leucotrieno e4, tiroxina e triiodotironina. Tem
um papel importante no clearance hepático
de ácidos biliares e ânions orgânicos.
SLC22 SLC22A1 OCT1 Slc22a1 L, K, I Basolateral Exerce uma função crítica na eliminação de
pequenos cátions orgânicos endógenos,
assim como de uma ampla gama de fármacos
e toxinas ambientais.
SLC22A6 OAT1, Slc22a6 K, B, P Basolateral Envolvida no transporte sódio-dependente e
PAHT na excreção de ânions orgânicos endógenos
como p-amino-hipurato, nucleotídeos
cíclicos, dicarboxilatos e metabólitos de
neurotransmissores, e de xenobióticos como
antibióticos β-lactâmicos, antiinflamatórios
não-esteróides, fármacos anti-HIV e
antitumorais.
Legenda: L-fígado; Lu-pulmão; T-testículo; I-intestino; P-placenta; B-cérebro; K-rins.

Nas reações de fase II, o fármaco ou seu metabólito polar é feitos por Garfinkel36 e Klingenberg37. Estes autores obser-
associado a um substrato endógeno, como difosfato de uridina varam que, nos microssomos do fígado, havia um pigmento
(UDP), ácido glicurônico, sulfato, acetato ou aminoácidos. A incomum ligado ao monóxido de carbono com absorvância
terceira fase do metabolismo de fármacos envolve o transpor- máxima em 450 nm. Omura e Sato38 finalmente caracteriza-
te do fármaco, metabólito ou metabólito conjugado através da ram este pigmento como um citocromo. A função deste cito-
membrana biológica, para fora do organismo. Por exemplo, cromo singular, chamado de P-450 (CYP450), foi primeira-
um mecanismo originalmente conhecido como destoxificação mente revelada em 1963 em um estudo feito por Estabrook e
de fase III33 utiliza a bomba GS-X para transportar metabólitos colaboradores,39 usando microssomas do córtex adrenal para
xenobióticos para fora do organismo. Uma vez que as reações catálise da hidroxilação de 17-hidroxiprogesterona à deoxi-
de fase III (ou seja, os transportadores de membrana) foram corticosterona.
abordadas na seção anterior, aqui iremos discutir somente as A reação de metabolização de fármacos mais amplamente
reações da fase I e fase II. estudada é a reação mediada pelo CYP450, porque a família
CYP450 representa as enzimas-chave das reações da fase I,
Reações da fase I que têm propriedades únicas. No ser humano, esta ampla famí-
lia é composta por mais de 57 isoformas (Tabela 14-3), medeia
A maior classe de transformações oxidativas foi inicialmente múltiplas reações oxidativas e apresenta uma ampla gama de
caracterizada por O. Hayaishi, no Japão34 e H. S. Mason, nos especificidade a substratos (Tabela 14-4). As reações da fase I
Estados Unidos.35 Esta classe de oxigenases necessita tanto introduzem um grupo funcional (-OH, -NH2, -SH ou -COOH)
de um oxidante (molécula de oxigênio) quanto de um redutor aos fármacos resultando, geralmente, em um pequeno aumento
(nicotinamina adenina dinucleotídeo fosfato [NADP] reduzi- da sua hidrofilia. Sabe-se que muitas moléculas com estruturas
da) e, conseqüentemente, elas são chamadas de “oxidases de químicas e massa molecular diferentes, variando do etileno (28
função mista”. O entendimento da natureza bioquímica destas g/mol) à ciclosporina (1201 g/mol), podem ser substratos e/ou
reações surgiu de estudos prévios com pigmentos hepáticos, inibidores da CYP450.
382 P ATRICK J. S INKO

A catálise mediada pela CYP450 é muito mais lenta se


comparada às enzimas catalase, superóxido desmutase e pe-
Extracelular roxidase.
De fato, a CYP450 consiste de duas enzimas que catalisam
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 rOATP1 duas reações separadas, que ocorrem conjuntamente:
Parte redutora: O2 + NADPH + H+ → [O] + H2O + NADP+
Parte oxidativa: RH + [O] → ROH
Intracelular
Acoplada: RH + O2 + NADPH + H+ → ROH + H2O + NADP+
Extracelular
Existem mais de 60 reações catalisadas pela CYP450 (Ta-
bela 14-15). Mesmo uma única isoforma da CYP450 pode
rOCT1 gerar muitos metabólitos a partir de um único substrato. A fun-
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
ção da CYP depende amplamente da presença de moléculas
de oxigênio e/ou de fármacos, como substratos. Por exemplo,
Intracelular a CYP450 pode agir tanto como enzima oxidativa quanto re-
dutora (Figura 14-17). Estes complexos sistemas enzimáticos
ou oxidases de função mista requerem NADPH, oxigênio na
forma molecular, CYP450, NADPH–CYP450 redutase e fos-
Extracelular folipídios. A Figura 14-18 mostra um esquema geral do ciclo
catalítico da CYP450.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 rOAT1
Reações da fase II
Intracelular
A primeira referência da fase II do metabolismo de fármacos
foi feita há 150 anos, quando Staedeler40 mencionou a presen-
Figura 14-6 Topologia proposta para o transportador aniônico orgânico pep- ça de fenol conjugado na urina que, mais tarde, foi isolado e
tídeo-1 (rOATP1), transportador-1 de cátions orgânicos (rOCT1) e transporta- caracterizado por Baumann como sulfato de fenila. Jeffe41 des-
dor-1 de íons orgânicos (rOAT1), todos de rato. Todos os transportadores têm cobriu o primeiro glicuronídeo conjugado. Este autor verificou
12 hélices transmembrana. O rOATP1 tem uma grande alça extracelular entre que o o-nitrotolueno originou o álcool o-nitrobenzílico, excre-
as hélices 9 e 10, enquanto que o rOCT1 e o rOAT1 apresentam esta alça tado na forma conjugada em urina de cachorro. Alguns outros
entre as hélices 1 e 2. açúcares conjugados também foram reportados pelos grupos
de von Mering e Schmiedeberg, na década de 1870.43 Embo-

Na +
Trocador Na + ATPase
H+
K+

Peptídeos Peptídeos
H+

PepT-1 H+
Di/tripeptídeos
Peptídeos Aminoácidos Aminoácidos

Borda em escova Basolateral


Figura 14-7 Modelo proposto para o transporte mediado pelo PepT1. Di ou tripeptídeos entram na célula junto
com prótons, através do PepT1 na borda em escova da membrana. Os gradientes de próton e Na+ são mantidos
pelos trocadores H+–Na+ e Na+/K+-ATPase, respectivamente.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 383

Membrana apical
Lado Lado
externo 1 interno

H+
Lado apical Lado basolateral

ATP

3 Na+ Na+ Na+ Na+


H+ K+ K+
Substrato H+
ADP + Pi
H+

H+
Substrato PepT Substrato PepT Substrato PepT
4
PepT 1 Desconhecido
H+ Substrato

5
Substrato + H+

Figura 14-8 Mecanismo proposto para o transporte de substrato pelo PepT1, um transportador peptídico intestinal. (Retirada de G. Knipp. Com permissão.)

ra os ácidos mercaptúricos tenham sido encontrados em 1879, um grupo hidroxila adicionado durante uma reação da fase I
por Baumann e Preusse,44 o mecanismo completo da conjuga- é um bom alvo para a conjugação do glicuronídeo ou sulfa-
ção à glutationa permaneceu desconhecido até que Barnes e to. As reações de conjugação aumentam muito a hidrofilia e
colaboradores45 caracterizaram a relação entre a glutationa e o promovem a excreção dos fármacos. Os conjugados hidrofí-
ácido mercaptúrico, em 1959. licos dos fármacos são tipicamente menos potentes que seus
As enzimas responsáveis pelas reações da fase II são as análogos de origem, mas há exceções, por exemplo: morfina-
UDP-glicuronosiltransferases (UGTs), para a glicuronidação, 6-glicuronídeo, N-(4-hidroxilfenil)-retinamida-glicuronídeo
as sulfotransferases (SULTs), para a sulfonação, e as glutatio- e sulfato de minoxidil são metabólitos mais potentes do que
na S-transferases (GSTs), para a conjugação à glutationa. A seus respectivos análogos de origem. Os glicuronídeos são se-
glicuronidação, reação mais comum da fase II, é a única rea- cretados na bile e eliminados na urina. Cloranfenicol, mepro-
ção que ocorre somente no sistema enzimático microssomal bamato e morfina são metabolizados desta forma. A conjuga-
do fígado.5 ção de aminoácidos à glutamina ou à glicina gera conjugados
Em humanos e espécies animais, são encontradas inúme- (como o ácido salicilúrico formado a partir de ácido salicílico
ras famílias de enzimas, uma grande variedade de isoformas e glicina) facilmente excretados na urina, mas não tão bem
dentro de cada família e diferentes tipos de isozimas. A Ta- excretados na bile. A acetilação é a primeira via metabólica
bela 14-6 mostra três importantes famílias de enzimas da fase para as sulfonamidas. Hidralazina, isoniazida e procainami-
II bem conhecidas. As reações da fase II envolvem a conjuga- da também são acetiladas. A sulfoconjugação é uma reação
ção de determinados grupos funcionais usando co-fatores de entre grupos fenólicos ou alcoólicos e sulfatos inorgânicos,
conjugação, como mostra a Tabela 14-7. Os grupos polares parcialmente derivados de aminoácidos contendo enxofre
introduzidos nas reações da fase I são usados como sítios de (como cisteína). Os ésteres de sulfato formados são polares e
fixação para as reações de conjugação (fase II). Por exemplo, facilmente excretados na urina.
384 P ATRICK J. S INKO

Fora da
membrana
C C C


− −

1 2 3

C C C


6 − 5 − 4

Dentro da
membrana
Figura 14-9 Mecanismo de transporte da glicose através da membrana por um transportador de glicose.

Os fármacos que formam conjugados de sulfato incluem Indução e inibição enzimática


paracetamol, estradiol, metildopa, minoxidil e tiroxina. A me- A maioria dos fármacos são metabolizados por mais de uma
tilação é a maior via metabólica para a inativação de algumas isoforma da CYP450, indicando que há uma grande probabili-
catecolaminas. Niacina e tiouracil, por exemplo, também são dade de ocorrer interações fármaco-fármaco.
metilados.5

Transportadores Superfície da mucosa


de efluxo apical Transportadores
de influxo

Epitélio do tubo proximal


Tight
Sangue Urina junction
(basolateral) (apical)

K+ K+
Na +, K + ATPase
?
OA -
Na + Na +

SDCT2
OA -
a-KG 2- a-KG 2- ? Transportadores Transporte Transporte
de efluxo paracelular transcelular
OAT basolateral
OA - OA -
OA - Superfície da serosa
Figura 14-11 Vias de passagem através de uma monocamada celular. Os
Figura 14-10 Modelo de transporte de íon orgânico mediado por um trans- fármacos podem passar entre as células (ou paracelularmente) ou através
portador de íon orgânico (OAT). Legenda: SDCT2 = co-transportador de Na+ das células (ou transcelularmente). O transporte de fármacos para fora das
dicarboxilato; OA– = ânion orgânico. células é conhecido como efluxo e, para dentro das células, como influxo.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 385

MRP2
480 C
MDCK-MRP2/
OATP8

(pmol • min-1 • mg proteína-1)


Transporte [ H]E217␤G
320

3
OATP8

Figura 14-12 Transporte vetorial feito pelo transportador humano de cap-


tação SLC21A8 (OATP8) e uma bomba apical de eliminação ABCC2 (MRP2). 160
Legenda: MDCK = célula de rim canino Madin-Darby, MRP2 = proteína-2
de multirresistência a fármacos; OATP8, transportador de ânions orgânicos
peptídeo-8. (Retirada, com permissão, de Cui, Y. Konig, J. Keppler, D. Vecto-
rial transport by doubletransfected cells expressing the human uptake trans-
porter SLC21A8 and the apical export pump ABCC2. Mol Pharmacol. 60(5),
934–943, 2001.)
0
MDCK MDCK- MDCK-MRP2/
OATP-8 OATP-8
Figura 14-14 Transporte transcelular (do sentido basolateral para apical)
MRP2
do estradiol 17-β-glicuronídeo (E217βG). (Retirada, com permissão, de Cui,
Y. Konig, J. Keppler, D. Vectorial transport by double-transfected cells ex-
pressing the humanuptake transporter SLC21A8 and the apical exportpump
MDCK-MRP2 ABCC2. Mol Pharmacol. 60(5), 934–943, 2001.)

As interações farmacocinéticas associadas ao metabolis-


mo de fármacos podem ser categorizadas em interações por
indução ou inibição enzimática.
(A)
Indução. A maioria das enzimas metabolizadoras de fármacos
são constitutivamente expressadas, ou seja, são sintetizadas
na ausência de qualquer estímulo externo perceptível. Sabe-se
que pode ocorrer um aumento na atividade das enzimas mi-
MRP2 crossomais hepáticas, tal como o CYP450, após a exposição a
xenobióticos e fármacos de estrutura diversa. A indução enzi-
mática refere-se à estimulação da atividade enzimática em res-
MDCK-MRP2/ posta a um sinal externo. A indução enzimática envolve múlti-
OATP8 plos mecanismos e, geralmente, ocorre em nível de transcrição
genética. Os agentes indutores podem aumentar a velocidade
do seu próprio metabolismo, e do metabolismo de outros fár-
macos que não estejam relacionados a eles, por intermédio da
OATP8 indução de várias enzimas da fase I e II (Tabela 14-8).
(B)
EXEMPLO 14-3
Figura 14-13 Transporte vetorial por (A) transportador humano de capta- Indução enzimática clinicamente significativa46
ção SLC21A8 (OATP8) ou (B) bomba apical de eliminação ABCC2 (MRP2). A administração conjunta de dois ou mais fármacos pode levar a
Legenda: MDCK = célula de rim canino Madin-Darby, MRP2 = proteína-2 sérias interações medicamentosas, em função da indução enzimá-
de multirresistência a fármacos; OATP8, transportador de ânions orgânicos tica. O triazolam é um hipnótico da curta ação, amplamente me-
peptídeo-8. (Retirada, com permissão, de Cui, Y. Konig, J. Keppler, D. Vecto- tabolizado pela CYP3A4. A rifampicina é usada com outros medi-
rial transport by doubletransfected cells expressing the human uptake trans- camentos para tratar tuberculose e é conhecida como um potente
porter SLC21A8 and the apical export pump ABCC2. Mol Pharmacol. 60(5), indutor da CYP3A4. A co-administração de rifampicina reduz de
934–943, 2001.) forma significativa as concentrações plasmáticas e os efeitos far-
386 P ATRICK J. S INKO

Co-fatores Xenobiótico

b5

P450

Figura 14-15 Enzimas da fase I ou da fase II, integradas ou


dispostas através da bicamada lipídica do retículo endoplas-
mático liso (SER). Complexo de enzimas do citocromo P-450,
GT incluindo o citocromo b5, e o fosfato de nicotinamina-adenina-
GT dinucleotídeo reduzida (NADPH) como um co-fator presente
no SER. Também observam-se as enzimas glicuroniltransfe-
rases (GT). (Retirada de A. S. Kane, University of Maryland,
College Park, Md., http://aquaticpath.umd.edu/appliedtox/
metabolism.pdf, 2003.)

macológicos de muitos fármacos, incluindo o triazolam. Para fazer prolongada dos mesmos e a possíveis efeitos adversos graves.
uma indução potente nas enzimas da CYP3A4, administrou-se 600 A inibição de enzimas por fármacos e xenobióticos pode ocor-
mg por dia de rifampicina ou de placebo a 10 voluntários sadios, rer de várias formas, incluindo a inibição competitiva, a des-
por cinco dias. No sexto dia, administrou-se 0,5 mg de triazolam, truição de enzimas preexistentes, a interferência com a síntese
por via oral, e monitorou-se o perfil de concentração plasmática enzimática e a inativação de enzimas metabolizadoras de fár-
do triazolam durante 10 horas (Figura 14-19). Conforme espera- macos por complexação.
do, observou-se uma interação fármaco-fármaco significativa en- Os fármacos contendo grupos imidazol, piridina ou quino-
tre rifampicina e triazolam. A curva da área sob a concentração lina (tais como cetoconazol, metirapona e quinidina) são ini-
plasmática de triazolam na presença de rifampicina, em função do bidores reversíveis bem-conhecidos. A inativação de enzimas
tempo representou somente 5% daquela observada para o placebo e metabolizadoras por complexação é chamada de inibição quase-
a concentração plasmática máxima de triazolam foi 12,4% do valor irreversível e ocorre quando se forma uma ligação não-covalente
controle. Neste estudo, concluiu-se que o triazolam foi farmacolo- forte entre o metabólito e a CYP450. Os antibióticos macrolíde-
gicamente ineficaz após o tratamento prolongado com rifampicina, os, como troleandomicina e eritromicina, as hidrazinas, como
isso porque a indução das enzimas microssomais pela rifampicina isoniazida, e os metilenodioxibenzenos, como isosafrol são
causou um aumento no metabolismo e a redução pronunciada da inibidores quase-irrevesíveis. Por último, xenobióticos conten-
concentração plasmática e da eficácia do triazolam. do grupos funcionais específicos podem ser metabolizados pela
CYP450 a intermediários reativos que se ligam covalentemen-
Inibição. A inibição enzimática normalmente ocorre de forma te a enzimas. Por exemplo, substâncias que contêm oleofinas e
rápida e resulta na perda imediata da atividade de uma ou mais acetilenos podem alquilar o grupo heme. Também se sabe que
enzimas. Muitos fármacos e xenobióticos são capazes de inibir algumas substâncias contendo S- ou N-, como ácido tienílico ou
o metabolismo dos fármacos. Com a diminuição do metabolis- ciclopropilamina, ligam-se de forma covalente à apoproteína.
mo, geralmente ocorre o acúmulo do fármaco, levando à ação
EXEMPLO 14-4
Ingestão de xenobiótico Inibição enzimática clinicamente significativa: suco de
pomelo47
Sabe-se que muitos alimentos, bebidas, produtos naturais e suple-
mentos dietéticos consumidos no dia-a-dia podem alterar a dis-
Oxidação (fase I)
tribuição dos fármacos. Um caso particularmente bem-estudado
é o do suco de pomelo, o qual será tema deste exemplo. O suco
de pomelo é conhecido por causar um aumento considerável na
biodisponibilidade oral de muitos fármacos. Isso ocorre porque o
Conjugação (fase II) suco de pomelo é um inibidor da CYP3A, a grande responsável
pelo metabolismo hepático e intestinal dos fármacos. Quando o
suco é co-administrado com substratos da CYP3A, ele causa au-
mento significativo nos níveis plasmáticos dos fármacos. O prin-
cipal mecanismo desta interação fármaco-fármaco é atribuído a
Excreção na bile (fase III)
uma diminuição de aproximadamente 45 a 65% da CYP3A (p.
Figura 14-16 Reações de eliminação da fase III na bile, iniciando com a ex., CYP3A4) intestinal, em humanos. Ao contrário, uma única
oxidação no fígado (fase I) seguida pela conjugação (fase II). (Retirada, com “dose” de suco de pomelo não afeta a CYP3A4 hepática. Adminis-
permissão, de M. Vore, Environ. Health Perspect. 102, 5, 1994.) trações múltiplas de suco de pomelo por um longo período inibem
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 387

TABELA 14-3
ISOFORMAS DA ENZIMA CITOCROMO P-450 EM ANIMAIS E HUMANOS
Isoformas Camundongo Rato Coelho Cachorro Homem
CYP1A 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2 1, 2
CYP2A 4, 5, 12 1–3 10, 11 ? 6, 7, 14
CYP2B 9, 10, 14, 19, 20 1–3, 8, 12, 15, 22–24 4, 5 11 6, 7
CYP2C 9, 10, 29, 37–40 6, 7, 11–14, 23, 24 1–5, 14–16, 30 21, 41, 42 8, 9, 18, 19
CYP2D 9–12 1–5, 18 23, 24 15 6
CYP2E 1 1 1,2 1 1
CYP3A 11, 14, 16, 25 1, 2, 9, 18, 23 6 12, 26 3, 4, 5, 7, 43

a CYP3A4 não só no intestino, mas também no fígado. O verapa- pode ser classificada em termos de cinética enzimática, expressa
mil é um bloqueador de canal de cálcio extensa e principalmente pela mudança do Km (constante de Michaelis-Menten) e/ou Vm
metabolizado pela CYP3A4, em humanos. O verapamil (substrato (velocidade máxima). Na inibição competitiva, o inibidor liga-se
para a CYP3A4) foi administrado juntamente com suco de pome- a sítios de ligação da enzima que estão livres. Um aumento na
lo, a 24 voluntários, durante sete dias. O suco causou o aumento concentração do inibidor resulta em menor chance de ligação
de cerca de 50% nas concentrações plasmáticas de verapamil no entre o substrato e a enzima; logo, o valor de Km aumenta sem
estado estacionário, mostrando uma interação significativa entre que haja mudança correspondente no valor de Vm,
alimento-fármaco (Figura 14-20). S · Vm
V (14-1)
S K m (1 I Ki )
Cinética de inibição enzimática
Onde I é a concentração do inibidor e Ki é a constante de ini-
Embora o estudante possa encontrar uma ampla discussão a res- bição. No caso de inibição não-competitiva, o inibidor liga-se no
peito de cinéticas enzimáticas no Capítulo 15, salientaremos, seu próprio sítio de ligação, independentemente de o sítio de liga-
aqui, alguns pontos importantes. Se for necessário relembrar al- ção do substrato estar ocupado. Uma vez que o grau de inibição
guns pontos, o estudante pode procurar livros de bioquímica para enzimática é dependente da concentração do inibidor e indepen-
obter mais informações. A inibição enzimática (Figura 14-21) dente da ligação ao substrato, os valores de Vm diminuem com o

TABELA 14-4
SUBSTRATOS MARCADORES, REAÇÕES E INIBIDORES TÍPICOS PARA AS ISOZIMAS DO CITOCROMO P-450

CYP Substrato (reação) Inibidor (mecanismo)


1A2 7-metoxiresorufina (O-desmetilação) Furafilina (mecanismo de base)
Cafeína (N3- desmetilação) 7,8-benzoflavona (competitivo)
Fenacetina (O-desetilação) Fluvoxamina (competitivo)
2A6 Cumarina (7-hidroxilação) Metoxaleno (mecanismo de base)
Triptamina (competitivo)
Trancilcipromina (competitivo)
2B6 7-benzoxiresorufina (O-desbenzilação) Orfenadrina (competitivo)
(S)-mefenitoína (N-desmetilação)
2C8 Paclitaxel (6α-hidroxilação) Quercetina
2C9 Tolbutamida (metil hidroxilação) Sulfafenazol (competitivo)
Fenitoína (4α-hidroxilação) Ácido tienílico (mecanismo de base)
Diclofenaco (4α-hidroxilação)
(S)-varfarina (7-hidroxilação)
2C19 (S)-mefenitoina (4α-hidroxilação) Ticlopidina (competitivo)
Omeprazol (oxidation) Omeprazol
2D6 Debrisoquina (4-hidroxilação) Quinidina (competitivo)
Bufuralol (1-hidroxilação) Fluoxetina (competitivo)
Dextrometorfano (O-desmetilação) Paroxetina (competitivo)
2E1 Clorzoxazona (6-hidroxilação) Dietilditiocarbamato (mecanismo de base)
4-nitrofenol (3-hidroxilação) 4-Metilpirazol (competitivo)
N-nitrosodimetilamina (N-desmetilação) Disulfiram (mecanismo de base)
Anilina (4-hidroxilação) Piridina
3A4 Nifedipina (oxidation) Troleandomicina (complexo metabólico intermediário)
Eritromicina (N-desmetilação) Eritromicina (complexo metabólico intermediário)
Testosterona (6α-hidroxilação) Cetoconazol, itraconazol (competitivo)
Midazolam (1-hidroxilação) Gestodeno (mecanismo de base)
388 P ATRICK J. S INKO

TABELA 14-5
REAÇÕES DE METABOLIZAÇÃO DA FASE I
Oxidação Redução Hidrólise
Hidroxilação aromática Nitrorredução Hidrólise de
amidina
Hidroxilação alifática Azorredução Hidrólise de éster
N-oxidação Redução de cetona Hidrólise de amida
(formação de N-óxido e N-OH)
S-oxidação (sulfoxidação) Redução de cetonas
α,β-insaturadas
N-, O-, S-desalquilação
Oxidação de aminas cíclicas a lactamas Redução de aldeídos
Desaminação oxidativa Redução de N-, S-óxido
Oxidação de grupo metileno a grupo
carboxílico
Epoxidação
Oxidação alcoólica
(conversão de aldeído a ácido carboxílico)
Desidrogenação, β-oxidação

aumento da concentração do inibidor, sem alterar o valor de Km, ao processo como “metabolismo de primeira passagem”, a me-
S · Vm (1 I Ki ) nos que haja alguma informação específica que defina o papel
V (14-2) do intestino e/ou fígado no processo.
S Km
O grau de metabolismo pode variar amplamente de acordo
A inibição não-competitiva pode ser observada quando o com o fármaco e resultar em biodisponibilidade bastante baixa.
inibidor liga-se somente ao complexo enzima-substrato. Isso re- Se o fármaco é completamente absorvido e não é secretado, a
sulta tanto em alteração Km quanto de Vm. A inibição enzimática fração oral da dose absorvida, ou biodisponibilidade, F, indica a
mista também pode levar a alterações em ambos os parâmetros, quantidade de fármaco absorvida de forma intacta:
o que pode causar confusão na interpretação dos resultados. AUCoral
F (14-3)
AUCIV
Metabolismo e disponibilização de fármacos
Para se obter o valor preciso do metabolismo de primeira
As moléculas de fármacos administradas oralmente são ab- passagem a partir do valor de F, deve-se cumprir todas as su-
sorvidas do trato gastrintestinal, através das paredes gastrin- posições precedentes. A fração perdida durante o metabolismo
testinais, e passam pelo fígado antes de atingir a circulação poderia ser igual a 1 - F. Obviamente, se a absorção é incompleta,
sistêmica. Durante o processo de absorção, as moléculas são 1 - F representaria a fração de fármaco não-absorvida, devido à
expostas a vários processos, tais como metabolismo e secreção absorção incompleta e/ou perdas em função do metabolismo. A
intestinal, metabolismo hepático e secreção biliar. Entre estes absorção baixa pode estar relacionada a muitos fatores, incluindo
processos, os metabolismos hepático e intestinal são conjunta- baixa permeabilidade intestinal, ligação ao tecido, muco ou frag-
mente considerados e chamados de “metabolismo de primeira mentos intestinais ou instabilidade no trato gastrintestinal. A ra-
passagem”. No passado, o metabolismo de primeira passagem zão de extração (ER) geralmente é usada para medir diretamente
e o metabolismo hepático de primeira passagem eram consi- a quantidade de fármaco removida do intestino ou do fígado:
derados sinônimos devido ao papel dominante do fígado na Ca − Cv
metabolização de fármacos. Contudo, estudos recentes têm de- ER (14-4)
monstrado que o metabolismo intestinal pode ser significativo, Ca
especialmente se considerarmos a função e o impacto potencial onde Ca é a concentração de fármaco no sangue entrando no
da secreção intestinal de fármacos. Assim, é melhor referir-se órgão e Cv é a concentração de fármaco saindo dele. A relação

Metabolismo
O2
oxidativo de fármacos

Aeróbico
NADPH-CYP450
NADPH P450
redutor Figura 14-17 Função dupla do citocromo P-450. Legenda:
Anaeróbico
NADP= fosfato de nicotinamida-adenina-dinucleotídeo redu-
Metabolismo zida. (Retirada de A. Y. H. Lu, Rutgers University, New Bruns-
Substrato redutor de fármacos wick, N. J., Lecture Note, 2003.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 389

NADP + Flavoproteína reduzida


CYP450 (Fe 3+ )
Complexo de Fármaco (R)
CYP450 redutase
fármaco (RH)
NADPH Flavoproteína oxidada 0
CYP450 (Fe 3+ )

RH Fármaco
CO oxidado
CYP450 CYP450 (Fe 2+ )
ηυ
CYP450 (Fe 3+ )
CO RH
ROH
O2
RH

CYP450 (Fe 2+ ) e- H2 O

O2 2H +

Figura 14-18 Ciclo catalítico do citocromo P-450. Legenda: NADP = fosfato de nicotinamida-adenina-dinucleoti-
deo. ην representa energia. RH representa o fármaco (substrato). (Retirada, com permissão, de A. P. Alvares, and
W. B. Pratt, in W. B. Pratt and P. Taylor (Eds.), Principles of Drug Action, 3rd Ed., Churchill Livingstone, New York,
1990, p. 469.)

entre biodisponibilidade e as razões de extração intestinal e he- CL int


CL H Q
pática pode ser expressa pela seguinte equação: Q CL int (14-8)
F FABS (1 − ERGI )(1 − ERH ) (14-5) onde o clearance intrínseco é a capacidade do fígado de remo-
onde FABS é a fração da dose absorvida através da membra- ver o fármaco sem limitações de fluxo. A equação de Michae-
na intestinal para a veia porta e ERGI e ERH são as razões de lis-Menten pode ser rearranjada, gerando:
extração intestinal e hepática, respectivamente. Quando a ab- V Vm
sorção é completa (p. ex., FABS = 1) e a extração intestinal é CL int
S Km S (14-9)
negligenciável (ERGI ≅ 0), a equação pode ser simplificada a:
F 1 − ERH (14-6) onde o valor da velocidade de reação, V, dividido pela concen-
tração de fármaco, S, é consensualmente o mesmo que o clea-
Substituindo a equação (14-6) na equação (14-3), o resul- rance intrínseco, CLint. Uma vez que, em situações clínicas, as
tado pode ser rearranjado em: enzimas metabolizadoras hepáticas raramente apresentam-se
AUCoral saturadas, pode-se assumir que o valor de Km é muito maior
ERH 1 −
AUCIV (14-7) que o valor de S, logo, a equação (14-9) reduz-se a:
que é usada para estimar a razão de extração hepática. V Vm
CL int
S Km (14-10)
Metabolismo e ligação à proteína Em outras palavras, o clearance intrínseco é constante
O clearance hepático, CLH, pode ser relacionado ao fluxo san- quando se assume que as enzimas metabolizadoras não estão
güíneo hepático, Q, e ao clearance intrínseco, CLint, do fígado, saturadas e a ligação do fármaco às proteínas é constante. A
de acordo com a seguinte equação: ligação a proteínas afeta o clearance intrínseco dos fármacos

TABELA 14-6
ISOFORMAS DAS ENZIMAS DA FASE II EM ANIMAIS E HUMANOS
Enzimas Camundongo Rato Coelho Cachorro Homem
UGT1A 1, 5, 6, 9 1–3, 4P, 5–8, 9P, 10 ? 6 1, 2P, 3–10, 11P, 12P
UGT2A 1 1 2 ? 1
UGT2B 5 1–3, 6, 8, 12 13, 14, 16 ? 4, 7, 10, 11, 15, 17
SULT1 A, B, C, E A, B, C, E ? A A, B, C, E
SULT2 A A ? ? A, B
GST A, P A, M, S ? ? A, M, P, T, Z
390 P ATRICK J. S INKO

3
TABELA 14-7
REAÇÕES E CO-FATORES DA METABOLIZAÇÃO DE
FÁRMACOS DA FASE II

Reações Co-fatores

Triazolam (ng/mL)
Glicuronidação UDP-ácido glicurônico 2
N-, O-, S-, C- glicuronidação (UDPGA)
Ácido carbâmico glicuronídeo
Conjugação à sulfato 3-fosfoadenosina
5’-fosfosulfato (PAPS)
Conjugação à glicina Glicina
Acetilação Acetil CoA 1
Metilação S-adenosil-L-metionina
N-, O-, S-Metilação (SAM)
Conjugação à glutationa Glutationa

0
porque o clearance intrínseco contempla a fração livre de fár- 0 1 2 3 4 5 6 8 10
maco, fu, e o clearance intrínseco do fármaco livre, CLint:
Tempo (h)
CL int f u · CL int (14-11) Figura 14-19 Concentração plasmática de triazolam em 10 indivíduos, após
A equação (14-8) pode ser reescrita como: a administração oral de 0,5 mg de triazonam e pré-tratamento com 600 mg de
f u · CL int rifampicina uma vez ao dia (•) ou placebo (◦) por cinco dias.
CL H Q
Q f u · CL int (14-12)
Quando o clearance intrínseco é muito maior do que o traram a relação entre ligação proteínas e clearance hepático
fluxo sangüíneo hepático, o clearance hepático torna-se de- (Figura 14-22). O clearance hepático de fármacos com baixa
pendente somente do fluxo sangüíneo. Entretanto, se o cle- extração ou baixa a média ligação (menos de 75 a 80%) não é
arance intrínseco é muito menor do que o fluxo sangüíneo muito afetado pelas mudanças de ligação às proteínas. Estes
hepático, o clearance hepático torna-se dependente somente fármacos são classificados em capacidade-limitados e liga-
do clearance intrínseco. Estes dois extremos são chamados ção-insensíveis. Os fármacos com elevada ligação a proteí-
de extração fluxo-limitante e extração metabolismo-limitante,
nas e baixa extração são considerados capacidade-limitados
respectivamente. A ligação do fármaco a proteínas não afe-
e ligação-sensíveis porque pequenas alterações na fração de
ta o clearance hepático de fármacos que apresentam elevado
fármaco ligado irão causar grandes mudanças na fração de
clearance intrínseco. Contudo, fármacos com baixa extração
podem ser afetados pela ligação a proteínas, dependendo da fármaco livre.
fração livre de fármaco. Os estudos de Blaschke48 demons-
Metabolismo de fármacos em nível subcelular
O retículo endoplasmático (ER) é uma das mais importantes
organelas celulares no metabolismo de fármacos. Outras, como
TABELA 14-8 a mitocôndria ou a fração citosólica, desempenham um papel
FÁRMACOS QUE INDUZEM CLINICAMENTE O importante em certos casos (Tabela 14-9). Outras frações sub-
METABOLISMO* celulares, incluindo a fração S9, os microssomas e a fração
citosólica são bastante usadas para estudar o metabolismo de
Agente indutor Enzima induzida fármaco em sistemas in vitro. Estas frações podem ser isola-
Tabaco CYP1A2 das por técnicas diferenciadas de centrifugação, as quais têm
Fenobarbital, rifampicina CYP2B6 viabilizado importantes avanços nos estudos do metabolismo
Rifampicina, secobarbital CYP2C9 de fármacos. A incubação de fármacos com microssomas he-
Etanol, isoniazida CYP2E1 páticos é uma técnica in vitro amplamente usada, uma vez que
Carbamazepina, troglitazona, CYP3A4,5,7
as enzimas microssomais podem oxidar muitos xenobióticos.
fenobarbital, fenitoína,
rifabutina, rifampicina, erva-de-são-
As preparações enzimáticas têm outras vantagens: são fáceis
joão (hiperforina) de preparar e podem ser obtidas de pequenas quantidades de
tecidos. Além disso, também é fácil determinar a quantidade
Fenobarbital Glicuronídeo transferase
Uva vermelha (ácido elárgico), óleo Glutationa-S-transferase de enzimas metabolizadoras de fármacos. Os parâmetros ciné-
de cebola, alecrim, soja, couve, e glicuronídeo ticos enzimáticos obtidos de microssomas hepáticos podem ser
cove-de bruxelas† transferase usados para predizer o clearance in vivo. Para tanto, calcula-se
* Modificada do Department of Medicine, Indiana University, Bloomington, Ind.,
o clearance intrínseco, CLint, a partir de Km e Vm, usando-se
http://medicine.iupui.edu/flockhart/clinlist.htm, 2003. a equação (14-8). Este valor de clearance intrínseco é, então,
† Dados in vitro ou de animais. usado para calcular o CLH in vivo, por meio da equação (14-6)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 391

40

Suco de pomelo
Água
Concentrações plasmáticas do (S)-verapamil (ng/ml)

30

20

10

0
-48 -24 0 2 4 6 8 10 12
Tempo após a dose matutina do 7º dia (h)
Figura 14-20 Perfil de concentração média de (S)-verapamil em função do tempo dentro de um intervalo de dose
seguido da administração oral de 120 mg de verapamil, duas vezes por dia, durante sete dias, durante a co-
administração de água ou suco de pomelo, iniciada 48 horas antes do intervalo de dose.

ou (14-10), quando o metabolismo hepático for a maior rota de hepática” (como intestino, fígado e vesícula biliar). Este capí-
eliminação do fármaco. As frações celulares, como todos os tulo não pretende abordar em detalhes as diferenças na relação
sistemas experimentais, têm algumas limitações. biofarmacêutico-órgão entre as espécies. Contudo, as Tabelas
14-10 até 14-12 mostram as diferenças entre o peso dos ór-
gãos, o volume e o fluxo sangüíneo em camundongos, ratos,
coelhos, macacos Rhesus, cachorros e humanos. Estes valores
BIOFARMÁCIA EM NÍVEL DE FUNCIONAMENTO são usados em estudos de correlação, com auxílio de modelos
ORGÂNICO farmacocinéticos fisiologicamente relacionados (PBPK) (ver
próxima seção) e visam prever diferenças entre espécies e a
dose humana, baseado em resultados pré-clínicos em animais.
A biofarmácia, considerada em nível de órgãos, é um ponto
importante na farmacocinética, uma vez que os aspectos re-
lacionados ao transporte e metabolismo atuam conjuntamente Sistemas da barreira encefálica
em um ambiente dinâmico. Em suma, ela funciona como um
elo de ligação entre os níveis molecular/celular e o sistema “in- Em 1885, Paul Ehrlich49, um cientista alemão, observou que
tacto”, estudado na farmacocinética. Nesta seção, serão descri- muitos corantes eram amplamente distribuídos nos tecidos
tos de forma detalhada vários sistemas de órgãos e grupos de corporais, mas não coravam o parênquima cerebral. Este fato
órgãos que constituem a chave dos processos biofarmacêuticos foi atribuído ao sistema da barreira encefálica. Geralmente, a
e farmacocinéticos. Os órgãos-chave que serão discutidos são: permeabilidade é o fator determinante da velocidade de distri-
o cérebro, o plexo coróide, o intestino, os rins e o fígado. Os buição de fármacos no cérebro, uma vez que o sistema nervo-
rins e o fígado são os principais órgãos de excreção (Figura so central (SNC) é bem-perfundido. Os fármacos alcançam o
14-23). O pulmão e a pele não serão abordados em detalhe SNC por meio de capilares cerebrais e pelo líquido cerebros-
nesta seção porque são órgãos minoritários em termos de ex- pinal (LCS). Embora o cérebro receba cerca de um sexto do
creção de fármacos. Alguns exemplos de grupos de órgãos débito cardíaco, a distribuição de fármacos nos tecidos cere-
incluem o sistema de órgãos de “primeira passagem”, como brais é bastante restrita. A exposição restrita do cérebro aos
intestino, fígado, pulmões e os órgãos de recirculação “êntero- fármacos e outros xenobióticos é resultados dos dois sistemas
392 P ATRICK J. S INKO

(a) ção de muitas substâncias, é de se esperar que eles também


[I] desempenhem uma importante função na barreira hematoen-
1/ V (min/ M)

cefálica e nas barreiras hematológicas do SNC. Por exemplo,


-1/ K m a captação de fármaco para as células endoteliais cerebrais
ocorre via transportadores de membrana, conforme descrito
1/ V máx
anteriormente neste capítulo. Contudo, os transportadores se-
0 cretores de efluxo, como o P-gp, podem, de fato, ter um papel
0
(b) fundamental na restrição de entrada de fármacos no parênqui-
[I] ma cerebral. Como se vê na Figura 14-25, um fármaco pode
1/ V (min/ M)

permear a membrana apical e ser captado para dentro da cé-


-1/ K m lula endotelial. Contudo, os transportadores de efluxo (como
o P-gp) são capazes de mover os fármacos para fora da mem-
brana apical, em direção ao sangue, protegendo o cérebro de
1/ V máx
0 substâncias tóxicas ou prevenindo a absorção de fármacos nos
0 tecidos cerebrais. Dessa forma, além de se ter um endotélio
(c)
fisicamente bem conectado, tem-se transportadores de mem-
[I]
brana que desempenham um papel importante para as proprie-
1/ V (min/ M)

dades da barreira encefálica. O seguinte exemplo, envolvendo


o amprenavir, um inibidor da HIV protease, demonstra bem o
Inclinação = K m /V máx papel dos transportadores de membrana na função da BHE.
1/ V máx
0
0 EXEMPLO 14-5
-1/ K m 1/[S] ( M -1)
Figura 14-21 O gráfico do tipo lineweaver-Burk é usado para distinguir os Penetração do amprenavir no cérebro
tipos de inibição enzimática. Legenda: [I] = concentração do inibidor, [S] = Para examinar a função do P-gp na efetividade da barreira he-
concentração do substrato. (a) Inibição competitiva, (b) Inibição não-compe- matoencefálica, Polli e colaboradores50 examinaram a captação
titiva, (c) inibição sem competição. (Retirada de D. P. Goldenberg, University cerebral de um inibidor da HIV protease, o amprenavir, em ca-
of Utah, Salt Lake City, Utah. Lecture Slides inhibitors II. pdf, http://courses. mundongos. Eles observaram o efeito da co-administração de
biology.utah.edu/goldenberg/biol. 3515/index. html, 2003.) ritonavir, outro inibidor da HIV protease, do (GF120918), um
inibidor específico do P-gp, ou o uso de camundongos knockout
para os genes do P-gp (knockout duplo mdr1a/1b) na captação
cerebral de amprenavir. Através da radiografia de todo o corpo,
de barreira do cérebro: (a) a barreira hematoencefálica (BHE), eles puderam visualizar a captação cerebral de amprenavir sob
formada por capilares cerebrais compostos por células endote- estas três condições. Nos camundongos tratados com GF120918 e
liais e (b) a barreira SNC-sangue ou plexo coróide. nos camundongos knockout, os autores observaram um aumento
Os sistemas da barreira encefálica são mostrados na Figu- na concentração cerebral de amprenavir na ordem de 14 e 27 ve-
ra 14-24. A Figura 14-24a representa os capilares cerebrais, zes, respectivamente, devido à deficiência de P-gp. Este resultado
que são compostos por quarto tipos de células: células endo- pode ser visto na Figura 14-26. Na Figura 14-26a, o cérebro e o
teliais, pericitos, astrócitos e neurônios. As células endoteliais FCE estão sombreados de cinza, indicando que o amprenavir pôde
dos capilares cerebrais são mais fortemente unidas umas às ou- penetrar no cérebro quando o P-gp foi inibido pelo GF120918. O
tras do que aquelas dos outros capilares. Outra barreira à entra- animal controle, na Figura 14-26b, mostra que não há amprenavir
da de fármacos hidrossolúveis são as células do tecido conec- no cérebro quando o P-gp está ativo e funcional, sugerindo que
tivo da glia (astrócitos), que formam uma barreira astrocítica transportadores de membrana como o P-gp são parte efetiva da
muito próxima à membrana basal do endotélio dos capilares. barreira hematoencefálica. O ritonavir não teve efeito sobre as
O endotélio capilar e a barreira de astrócitos formam a barreira concentrações cerebrais de amprenavir.
hematoencefálica. As características de permeabilidade do cé-
rebro diferem de outros tecidos porque a barreira é formada por
uma parede capilar, ou seja, muito mais do que célula paren- Trato gastrintestinal51
quimal. Os fármacos podem penetrar diretamente no ventrícu-
lo do SNC através do plexo coróide. A Figura 14-24b mostra O trato gastrintestinal (GI) pode ser visto na Figura 14-27. O
o plexo coróide, que age como a barreira hematoencefálica no papel do trato GI na absorção de fármacos é evidente. Contu-
parênquima cerebral, porque seus capilares estão firmemente do, mais recentemente tem-se compreendido que o trato GI e,
conectados. Há dois tipos de barreiras hematológicas no SNC. mais especificamente, o intestino, tem um importante papel no
Uma delas é a membrana aracnóide e a outra é formada pelas metabolismo e excreção de fármacos. O estômago tem muitas
células epiteliais do plexo coróide. Como os capilares são per- funções que afetam a biodisponibilidade dos fármacos admi-
meáveis, somente a membrana aracnóide e as células epiteliais nistrados por via oral. Este órgão processa alimentos em qui-
do plexo coróide funcionam como barreira encefálica. mo através de vigorosas contrações, que misturam o conteúdo
As substâncias polares não conseguem atingir o cérebro ingerido com as secreções gástricas e preparando-o para a ab-
por difusão passiva, mas podem fazê-lo penetrando nos fluidos sorção intestinal. Ele também regula a entrada de nutrientes
intersticiais de muitos outros tecidos. Uma vez que os trans- liquefeitos no intestino delgado. O estômago é o maior sítio de
portadores de membrana têm um importante papel na capta- degradação química e enzimática. Ele tem impacto considerá-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 393

Fluxo-limitado

0,8

0,6

Razão de extração
0,4

0,2

Capacidade-limitado Capacidade-limitado
ligação-insensível ligação-sensível
0 20 50 80 100
Ligação do fármaco a proteínas plasmáticas (porcentagem)
Figura 14-22 O efeito da razão de extração hepática e da porcentagem de ligação a proteínas plasmáticas na classifica-
ção do clearance hepático (fluxo-limitado, capacidade-limitado, ligação-sensível e ligação-insensível). Qualquer fármaco
metabolizado majoritariamente pelo fígado pode ser graficamente representado no gráfico triangular. Quanto mais o fár-
maco aproxima-se do canto do triângulo, maior é a probabilidade de apresentar alterações características de disposição a
doenças hepáticas. (Retirada, com permissão, de T. F. Blaschke, Clin. Pharmacokinet. 2, 40, 1977.)

CONCEITO NÍVEIS SANGÜÍNEOS E RAZÃO DE ABSORÇÃO/ELIMINAÇÃO


A razão de absorção e eliminação dos fármacos determina os níveis san- dades de absorção e eliminação são iguais, a inclinação é zero e o ponto
güíneos de fármaco alcançados na circulação sangüínea, órgãos, tecidos de tempo correspondente (x, y) é conhecido como (Tmáx, Cmáx). Conforme
e células. Cada ponto de uma curva de concentração sangüínea/plasmá- mostra a Figura 14-28a, quando a velocidade líquida de entrada no corpo
tica/sorológica de fármaco em função do tempo reflete as velocidades de diminui, o ângulo de inclinação da fase absortiva também diminui, haven-
absorção e eliminação a cada ponto de tempo (Figura 14-28). A partir de do uma mudança no valor de Tmáx (para um valor maior) e de Cmax (para um
agora, estas curvas serão chamadas de curvas de nível plasmático em valor menor). Uma redução na velocidade de entrada pode ser resultado
função do tempo (PLTCs). Se a velocidade de absorção for maior que a ve- de uma diminuição da permeabilidade, da solubilidade ou da velocida-
locidade de eliminação em certo ponto de tempo, o ângulo de inclinação de de esvaziamento gástrico. Quando a velocidade de entrada é mantida
de PLTC será positivo e as concentrações plasmáticas serão crescentes. constante, mas a velocidade de eliminação é variada, ocorre uma situação
Se a velocidade de absorção for mais lenta do que a velocidade de eli- semelhante (Figura 14-28b). À medida que a constante de eliminação
minação em certo ponto de tempo, o ângulo de inclinação de PLTC será aumenta, há uma mudança no valor de Tmáx para o lado esquerdo (menor)
negativo e as concentrações plasmáticas irão diminuir. Quando as veloci- e um aumento no valor de Cmáx.
394 P ATRICK J. S INKO

TABELA 14-9
REAÇÕES METABÓLICAS E FRAÇÕES SUBCELULARES
Fração Centrifugação Reação metabólica
Núcleo e fragmentos celulares 500 × g Pequena atividade metabólica
Mitocôndria 8000 × g Conjugação à glicina, β-oxidação
de ácido graxo, monoamino
oxidase
Lisossomas 15.000 × g Hidrólise de éster, não muito
presente no metabolismo de
fármacos
Microssomas 100.000 × g A maior parte da reação de fase I,
glicuronidação, N-, O-metilação
Citosol 100.000 × g sobrenadante Hidrólise, álcool e aldeído
desidrogenase, conjugação à
sulfato e glutationa, acetilação

vel sobre a farmacocinética, uma vez que controla a velocidade sua concentração plasmática em função do tempo. Se o esva-
de entrada de substâncias no intestino e a concentração de fár- ziamento gástrico for lento, a velocidade de absorção, de forma
macos no seu mais importante sítio de absorção do trato GI – o geral, será lenta, o pico plasmático da concentração sangüínea,
intestino delgado. Logo, se a permeabilidade ou a solubilidade Cmax, será menor e o tempo necessário para se tingir o pico
do fármaco não for muito baixa e não limitar sua absorção, a máximo, Tmax, será maior.
velocidade de esvaziamento gástrico irá controlar o perfil de
EXEMPLO 14-6
Esvaziamento gástrico
d A velocidade de esvaziamento gástrico afeta significativamente a
absorção de fármacos e seu surgimento no sangue. O paracetamol
Pulmão é um fármaco com elevada permeabilidade52 e elevada solubilida-
de. Logo, o surgimento de paracetamol no sangue está estritamen-
Coração te relacionado ao esvaziamento gástrico e à sua presença no sítio
de absorção, o intestino delgado. Neste estudo, o paracetamol foi
c administrado a cinco indivíduos sadios do sexo masculino. Para
a b estimular o esvaziamento gástrico, lhes foi administrada metoclo-
Outros
pramida. Para reduzir a velocidade de esvaziamento gástrico, os
Sangue arterial

tecidos
mesmos tomaram propantelina. Como pode ser visto na Figura
Sangue venoso

14-29, a alteração da velocidade de esvaziamento gástrico modifi-


Rim ca significativamente a velocidade de absorção do paracetamol. A
Figura 14-29 é muito parecida com a expectativa teórica, como se
pode ver na simulação apresentada na Figura 14-28a. Embora este
Excreção renal exemplo demonstre a função do esvaziamento gástrico, é importan-
F te ter-se em mente que permeabilidade e solubilidade reduzidas ou
Parede
í até mesmo a liberação lenta do fármaco a partir da forma farma-
intestinal g
e a cêutica podem resultar em um comportamento qualitativamente
Lúmen d
intestinal o
semelhante ao mencionado. A análise das curvas de nível plasmáti-
co em função do tempo é limitada porque, embora se possa concluir
a partir Figura 14-29 que a velocidade de absorção foi diminuída,
Excreção fecal Metabolismo não se pode compreender a causa desta redução e tampouco obter
e decomposição outras informações sobre o fármaco ou seu perfil biofarmacêutico.
Figura 14-23 Uma vez absorvido por qualquer outro sítio de administração,
o fármaco é transportado pelo sangue para todos os sítios do organismo, O estômago pode ser dividido em duas partes: superior,
incluindo os órgãos de eliminação. Os sítios de administração incluem: a, que consiste em fundo gástrico e corpo superior, e inferior,
artéria; b, veia periférica; c, músculo ou tecido subcutâneo; d, pulmão; e, tra- que consiste em antro e corpo inferior. Estas duas partes são
to gastrintestinal. As linhas pretas e destacadas com as flechas mostram bem diferentes e afetam a motilidade gástrica. A parte supe-
o movimento da massa de fármaco no sangue e na bile, respectivamente. rior age como um reservatório, que se expande para acomodar
O movimento de praticamente qualquer fármaco pode ser acompanhado do as substâncias ingeridas. Essa expansão não causa aumento
sítio de administração para o sítio de eliminação. (Retirada de M. Rowland significativo na pressão interna e ajuda a gerar um gradiente
and T. N. Tozer, Clinical Pharmacokinetics: Concepts and Application, 3rd Ed., de pressão entre o estômago e o intestino delgado. O esvazia-
Lippincott Williams & Wilkins, 1995, p. 12.) mento gástrico é controlado por um marcapasso gástrico, um
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 395

TABELA 14-10
PESO DE VÁRIOS ÓRGÃOS EM CAMUNDONGO, RATO, COELHO, MACACO, CACHORRO E HOMEM*

Camundongo Macaco Rhesus


Órgão (0,02 kg) Rato (0,25 kg) Coelho (2,5 kg) (5 kg) Cachorro (10 kg) Homem (70 kg)
Cérebro 0,36 1,8 14 90 80 1.400
Fígado 1,75 10,0 77 150 320 1.800
Rins 0,32 2,0 14 25 50 310
Coração 0,08 1,0 5 18,5 80 330
Baço 0,1 0,75 1 8 25 180
Adrenais 0,004 0,05 0,5 1,2 1 14
Pulmão 0,12 1,5 18 33 100 1.000
* O peso dos órgãos é dado em gramas.
Retirada de B. Davies and T. Morris. Physiological parameters in laboratory animals and humans. Pharm. Res. 10, 1093–1095, 1993.

grupo de células musculares lisas localizadas no corpo central, que separa o estômago do duodeno é aberta e o conteúdo do
na grande curvatura do estômago. O controle neurológico do estômago é eliminado na forma de jatos de quimo.
esvaziamento gástrico ocorre através das inervações intrínse- A motilidade gástrica é controlada por um complexo con-
cas e extrínsecas. As contrações ocorrem em uma velocidade junto de sinais neuronais e hormonais. Por exemplo, o sistema
basal de 3 a 4 ciclos por minuto ou como ondas peristálticas tem alças de retroalimentação acionadas no caso de o quimo es-
iniciadas pela entrada de sólidos dentro do estômago.53 tar muito ácido. Enquanto a gastrina é o hormônio que estimula
O esvaziamento ocorre em uma velocidade constante por- a secreção de ácidos gástricos, a motilina está associada a on-
que o átrio mantém um volume relativamente constante.54 O das de limpeza, que ocorrem em situações de jejum. Os ciclos
estômago proximal controla o esvaziamento de líquidos, que de motilidade gástrica de jejum têm duas funções e ocorrem
está diretamente relacionado ao gradiente de pressão gastro- em quatro “fases”. Este ciclo se repete a cada duas horas, apro-
duodenal.55 Líquidos não-calóricos, como cloreto de sódio, ximadamente, durante o estado de jejum. A fase I geralmente
são esvaziados do estômago de forma monoexponencial, ou dura de 40 a 60 min e consiste de períodos de mistura suave
seja, diminuindo a velocidade à medida que o volume intra- (devido à quiescência da musculatura lisa) nos quais raramente
gástrico e a pressão diminuem. Se o fluido intragástrico é ca- há contrações. A fase II continua com contrações peristálticas
lórico, ácido ou não-isotônico, o esvaziamento inicial é retar- que ocorrem com mais freqüência, por aproximadamente 25 a
dado, passando, em seguida, a adquirir um perfil mais linear.56 40 min. Estas ondas de atividade se originam no estômago e se
A parte inferior do estômago age como um triturador potente, propagam até o intestino delgado. A fase III é, às vezes, chama-
desenvolvendo contrações peristálticas bastante fortes. Estas da de onda de “limpeza” porque o piloro permanece aberto para
ondas de contração têm sua força aumentada à medida que se permitir que partículas indigeríveis com tamanho menor que 12
aproximam do piloro. Quando chegam ao piloro, a membrana mm passem para o intestino delgado. As partículas maiores que

TABELA 14-11
VOLUME DE VÁRIOS FLUIDOS CORPORAIS E ÓRGÃOS EM CAMUNDONGO, RATO, COELHO, MACACO, CACHORRO E HOMEM*

Camundongo Macaco Rhesus Homem


(0,02 kg) Rato (0,25 kg) Coelho (2,5 kg) (5 kg) Cachorro (10 kg) (70 kg)
Cérebro — 1,2 — — 72 1.450
Fígado 1,3 19,6 100 145 480 1.690
Rins 0,34 3,7 15 30 60 280
Coração 0,095 1,2 6 17 120 310
Baço 0,1 1,3 1 — 36 192
Pulmões 0,1 2,1 17 — 120 1.170
Intestino 1,5 11,3 120 230 480 1.650
Músculo 10,0 245 1.450 2.500 5.530 35.000
Gordura — 10,0 120 — — 10.000
Pele 2,9 40,0 110 500 — 7.800
Sangue 1,7 14,5 165 367 900 5.200
Água corporal total 14,5 167 1.790 3.465 6.036 42.000
Fluido intracelular — 92,8 1.165 2.425 3.276 23.800
Fluido extracelular — 74,2 625 1.040 2.760 18.200
Volume de plasma 1,0 7,8 110 224 515 3.000
* Órgãos e outros volumes são dados em mililitros.
Retirada de B. Davies and T. Morris. Physiological parameters in laboratory animals and humans. Pharm. Res. 10, 1093–1095, 1993.
396 P ATRICK J. S INKO

TABELA 14-12
FLUXO SANGÜÍNEO E DE OUTROS FLUIDOS ATRAVÉS DOS PRINCIPAIS ÓRGÃOS EM CAMUNDONGO, RATO, COELHO,
MACACO, CACHORRO E HOMEM*

Camundongo Rato Coelho Macaco Rhesus Cachorro Homem


(0,02 kg) (0,25 kg) (2,5 kg) (5 kg) (10 kg) (70 kg)
Cérebro — 1,3 — 72 45 700
Fígado 1,8 14,8 177 218 309 1.450
Rins 1,3 9,2 80 148 216 1.240
Coração 0,28 3,9 16 60 54 240
Baço 0,09 0,63 9 21 25 77
Intestino 1,5 7,5 111 125 216 1.100
Músculo 0,91 7,5 155 90 250 750
Gordura — 0,4 2 20 35 260
Pele 0,41 5,8 — 54 100 300
Artéria hepática 0,35 2,0 37 51 79 300
Veia porta 1,45 9,8 140 167 230 1.150
Débito cardíaco 8,0 74,0 530 1.086 1.200 5.600
Fluxo de urina 1,0 50,0 150 375 300 1.400
Fluxo biliar 2,0 22,5 300 125 120 350
GFR 0,28 1,31 7,8 10,4 61,3 125
* Todos os fluxos sangüíneos são dados em mL/min; os fluxos na urina e na bile e a velocidade de filtração glomerular (GFR) estão em mL/dia.

12 mm são repelidas pelo piloro e permanecem no estômago IV dura um pouco mais de 7 minutos e é a transição entre as
até que se tornem pequenas o suficiente para passarem. A fase contrações fortes da fase III e os movimentos suaves da fase I.
III, que dura de 15 a 25 min, é caracterizada por contrações pe- O pH do estômago de um adulto saudável em jejum varia entre
ristálticas bastante potentes, que ocorrem três vezes por minuto 2 e 3, enquanto o pH em estado alimentado é consideravelmen-
e esvaziam o conteúdo estomacal no intestino delgado. A fase te maior, na faixa de 5 a 6.

Epitélio Capilares
coróide coroidais
Neurônio

Aracnóide
Pia
Astrócitos mater

Epêndima Ventrículo
Endotélio
Capilares
Tight intracerebrais
junction
Cérebro
Tight junction
na barreira
Espaço subaracnóide aracnóide
Pericito Capilares
extracerebrais

(a) (b)
Figura 14-24 (a) Desenho esquemático do sistema de capilares cerebrais. Os capilares são compostos por quatro
tipos de células: células endoteliais, pericitos, astrócitos e neurônios. Devido à proximidade anatômica das células,
há um estímulo à proliferação e diferenciação das células endoteliais. (b) Desenho esquemático do sistema de
barreira encefálica. Os capilares estão firmemente unidos (tight junction). Logo, agem como a barreira hematoence-
fálica no parênquima cerebral. Há dois tipos de barreira hematologica no FCE. Uma delas é a membrana aracnóide
e a outra são as células epiteliais do plexo coróide. Estes capilares são permeáveis. Logo, nestas áreas, somente a
membrana aracnóide e as células do plexo coróide podem funcionar como uma barreira. (Retirada, com permissão,
de B. Schlosshauer. The blood brain barrier: morphology, molecules, meurothelin. BioEssays 15(5), 341–346, 1993.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 397

Barreira hematoencefálica Lado basolateral do cérebro ziamento, de modo que a velocidade de passagem das calorias
para o duodeno é relativamente constante.59
Pgp Pgp Pgp Pgp Estima-se que aproximadamente 50% do conteúdo sólido
Lado apical permaneça no estômago 2 horas após sua ingestão. A tempe-
Fluxo sangüíneo ratura do alimento ingerido não é importante em se tratando de
líquidos, os quais conduzem o calor rapidamente. Contudo, ela
Pgp Pgp Pgp Pgp
pode retardar o esvaziamento de alimentos semi-sólidos quentes
ou frios, que têm uma inércia térmica maior. O esvaziamento
ocorre mais rapidamente de manhã do que à noite,60 e é um pou-
Lado basolateral do cérebro co mais lento em indivíduos sadios com mais de 70 anos, inde-
pendente do sexo,61 ainda que a absorção de fármacos adminis-
Pgp na membrana apical pode Tight junctions restringindo trados por via oral pareça não variar em função da idade. 61,62
limitar a entrada no cérebro o transporte paracelular Os resultados dos estudos sobre o efeito do peso corporal no
Figura 14-25 A glicoproteína-P, um transportador secretor de efluxo, é co- esvaziamento gástrico de sólidos e líquidos são inconsistentes,
nhecida por limitar a entrada de fármacos no cérebro, testículos, intestinos e já tendo sido relatados esvaziamentos acelerados,63 retardados64
outros órgãos e tecidos. Os fármacos entram nas células, mas são efluxados e inalterados.65 As diferenças nas velocidades de esvaziamento
destas pela P-gp antes que entrem no cérebro. Este mecanismo é responsá- gástrico são difíceis de explicar mas, ao que parece, a obesidade
vel por minimizar a exposição cerebral a substâncias tóxicas. moderada não é o maior fator modificante, embora o esvazia-
mento de sólidos possa ser retardado em indivíduos obesos que
estejam com, pelo menos, 63% de excesso do seu peso ideal.66
A influencia do sexo no esvaziamento gástrico é controversa.
O volume e a composição dos alimentos ingeridos deter- Enquanto alguns autores encontraram velocidades de esvazia-
minam a velocidade de esvaziamento gástrico.57 O esvazia- mento similares para homens e mulheres,61,66 outros encontra-
mento gástrico de líquidos é bem rápido (o tempo de meia-vida ram um esvaziamento um pouco mais lento nas mulheres do que
é cerca de 12 min, logo, 95% é esvaziado dentro de 1 hora).58 nos homens.67,68 No estudo, as diferenças podem ser atribuídas
O aumento no conteúdo calórico geralmente diminui o esva- à fase do ciclo menstrual porque, nesta fase, a velocidade de es-

(a)

Cérebro CSF
(b)

Figura 14-26 Distribuição do [14C]-amprenavir em camundongos machos CD-1 pré-tratados com o inibidor de
Pgp, GF120918. Animais tratados com GF120918 (a) têm um aumento de concentração de amprenavir de 13 vezes
no cérebro, e 3,3 vezes no LCS, em relação ao camundongo tratado com veículo (b).
398 P ATRICK J. S INKO

Aorta torácica
Esôfago
descendente

Fígado (lobo direito)

Fígado (lobo esquerdo)

Estômago

Vesícula biliar Tronco


celíaco
Veia
porta

Dobras
Duodeno
Pâncreas Veia mesentérica inferior

Artéria e veia
mesentérica superior
Colo descendente

Colo
Colo transverso
Haustra ascendente
(dobras saculi-
formes do intestino)

Jejuno
Feixe de musculatura
longitudinal (taenia coli)

Válvula ileocecal
Ceco

Apêndice
Colo sigmóide
Íleo

Reto

Músculos do
esfincter anal
Ânus
externos

Figura 14-27 Sistema gastrintestinal.


M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 399

7,5 3
k a = 0,5/hr
k el = 0,2/hr
k a = 0,3/hr
Concentração (␮g/mL)

Concentração (␮g/mL)
k a = 0,2/hr 2 k el = 0,3/hr
5,0

k el = 0,5/hr
2,5 1

0.0 0
0 5 10 15 20 0 5 10 15 20
Tempo (h) Tempo (h)`
(a) (b)
Figura 14-28 Efeito da constante de velocidade de absorção e eliminação no perfil de concentração plasmática
em função do tempo. (a) Velocidade de absorção (entrada) é aumentada de 0,2/h para 0,5/h, ao passo que o ângulo
de inclinação da fase absortiva aumenta ao manter-se fixa a constante de velocidade de eliminação. (b) A velocida-
de de entrada é mantida constante enquanto a constante de velocidade de eliminação é alterada. Note que a fase
absortiva é inalterada (ou seja, as inclinações são iguais).

vaziamento gástrico de sólidos diminui linearmente em compa- segundo trimestre de gestação, em caso de cesariana eletiva,70 e
ração com a fase lútea (dias 19-28). O esvaziamento de líquidos no primeiro e no terceiro dia do pós-parto.71
não diferem entre ambas as fases do ciclo.66,69 Acredita-se que Pode haver absorção no estômago, embora esta seja, geral-
a gravidez retarde o esvaziamento gástrico. Contudo, a maioria mente, mínima. Contudo, moléculas lipofílicas não-ionizadas
dos estudos não demonstram haver diminuição no esvaziamento com tamanho moderado podem ser absorvidas e, ainda que o
gástrico de líquidos em mulheres que estejam no primeiro ou tempo de exposição ao epitélio seja pequeno, ocorre pouca ab-

15

Somente paracetamol
Paracetamol com
propantelina
Concentração plasmática de

10 Paracetamol com
paracetamol (␮g/mL)

metoclopramida

0
0 1 2 3 4 5 6
Tempo após a administração (h)
Figura 14-29 Efeito da propantelina e da metoclopramida na absorção do paracetamol, que é muito rápida e
limitada somente por sua passagem do estômago para o intestino. A propantelina aumenta o esvaziamento gás-
trico resultando em velocidade de absorção mais rápida, maior Cmax e menor tmax. A metoclopramida tem o efeito
oposto, diminui a velocidade de esvaziamento gástrico e retarda absorção. (Retirada, com permissão, de J. Nimmo,
R. C. Heading, P. Tothill, and L. F. Prescott, Br. Med. J. 1, 587, 1973.)
400 P ATRICK J. S INKO

sorção devido à pequena área superficial do epitélio e à cama- dor de nucleosídeo85 OATP386 e o transportador de peptídeo
da mucosa viscosa e densa. PEPT1.87 Também sabe-se que a variabilidade segmentária
A absorção de fármacos, fluidos e do nutrientes pode ocor- ocorre para enzimas metabólicas e transportadores de efluxo/
rer em cada porção do intestino delgado e do colo. secretores. O citocromo P-450 3A,88-94 as sulfotransferases,
A absorção de fluidos, nutrientes, eletrólitos e xenobióticos as glutationa S-transferases e as UDP-glicuronosiltransfera-
ocorre na medida em que o quimo move-se ao longo do trato ses95-99 estão mais localizadas nas porções proximais do que
GI. O intestino delgado é dividido em três partes, com tamanho nas porções distais do intestino. A secreção intestinal MRP2
e funções diferentes: o duodeno, o jejuno e o íleo. A água é segue a distribuição do citocromo P-450s e das enzimas de
capaz de fluir para dentro ou para fora do lúmem para manter a conjugação,100,101 enquanto que a glicoproteína P102-106 está
isotonicidade entre o conteúdo luminal e o plasma. Aproxima- mais localizada no jejuno e íleo do que em outras partes do
damente 8 a 9 litros de fluido entram no trato GI superior todos intestino. O MRP3 basolateral, ao contrário do MRP2, é mais
os dias – aproximadamente 7 litros de sucos secretados e 1,5 prevalente no íleo e colo.107
litros de fluido ingerido. Cerca de 1 litro de fluido entra no colo É difícil de prever o impacto da variada distribuição re-
e somente 100 mL de água são expelidos do organismo, pelas gional dos transportadores de fármacos e enzimas metabo-
fezes. Para a maioria dos fármacos, o duodeno e o jejuno proxi- lizadoras porque os fármacos podem ser substratos para um
mal são os melhores sítios de absorção porque têm a maior área grande número de enzimas. Por exemplo, sabe-se que o sa-
de superfície absortiva. Em geral, a área de superfície absortiva quinavir, um inibidor da protease do HIV, é um substrato dos
diminui à proporção que se dirige às porções terminais do in- transportadores P-gp, MRP1, MRP2, OATP-A, OATP-C e da
testino.72 A razão entre a área de superfície absortiva absoluta enzima metabolizadora CYP3A.107-111 Além da distribuição
do estômago humano e o intestino delgado é de 1 para 3.800. regional intestinal, a afinidade por substrato, a capacidade da
Isso demonstra por que a absorção de substâncias no estômago enzima/transportador e a velocidade de reposição, entre ou-
normalmente é negligenciável. De modo semelhante, a diferen- tros fatores, determinam o comportamento de absorção seg-
ça de 570 vezes73 entre o intestino delgado e o colo sugere que mentalizado e a farmacocinética dos fármacos. As mudanças
a maioria do processo de absorção ocorre no intestino delgado. também ocorrem nos aspectos característicos dos espaços
Contudo, mesmo que se considere a área de superfície, o tempo paracelulares ao longo do intestino. O pH intestinal é rela-
de trânsito do colo é 4 a 24 vezes maior do que o do intestino tivamente constante, com faixas de cerca de pH 5, na região
delgado (de 12-72 h, se comparado com 3-4 h). Por esta razão, duodenal do intestino delgado superior, a pH 6,6 a 7,2 nas
o maior tempo de residência pode compensar a área de super- outras áreas do intestino e colo.
fície absortiva menor, fazendo do colo um sítio de absorção de
fármacos tão bom quanto o intestino delgado.
A absorção no intestino delgado também é dramaticamen-
Rins
te afetada pelas diferenças entre a distribuição dos transpor- A excreção é o processo pelo qual o fármaco ou seus metabóli-
tadores, enzimas metabolizadoras, entre outros. A implicação tos são eliminados do organismo sem alterações químicas adi-
prática disto é que, mesmo que a área de superfície absortiva cionais. Os rins, que transportam substâncias hidrossolúveis
do duodeno seja maior do que a do íleo, a absorção no íleo para fora do organismo, são o maior órgão de excreção. Eles
de fármacos e nutrientes não é, necessariamente, menor. Por desenvolvem duas funções críticas na distribuição e excreção
exemplo, a reabsorção intestinal de sais biliares tem um papel de moléculas de fármacos. Excretam os metabólitos formados
essencial na saúde e na doença humana. O intestino delgado pelo fígado ou outros órgãos/tecidos e controlam as concen-
absorve entre 90 a 95% dos sais biliares. O restante dos sais trações de muitas moléculas presentes na circulação sistêmi-
biliares é convertido no colo em sais de ácido deoxicólico e ca, por meio da filtração do sangue. A Figura 14-30 mostra
ácido litocólico. Somente 1% do ácido litocólico é absorvido; uma representação dos rins. O sangue entra nos glomérulos
o restante é excretado pelo colo. Os sais biliares perdidos na pela arteríola aferente e sai através da arteríola eferente. Cerca
excreção são repostos através da síntese de novos sais. Esta de um quinto do plasma que chega aos glomérulos é filtrado
síntese ocorre no fígado, a uma velocidade de 0,2 a 0,4 g/dia, por poros, no epitélio glomerular, e o restante passa pelas ar-
e resulta em um total de 3,5 g de sal, o qual é constantemente teríolas eferentes que circundam os túbulos renais. Fármacos
reciclado pela circulação êntero-hepática. A circulação êntero- ligados a proteínas plasmáticas não são filtrados; somente os
hepática é abordada mais tarde, neste capítulo. A reabsorção de fármacos não-ligados ficam contidos no filtrado.5 Após a fil-
ácidos biliares é basicamente localizada na porção terminal do tração glomerular, o sangue e o filtrado contendo os resíduos
íleo e é mediada por um co-transportador de 48-kd dependente continuam a ser processados pelo néfron, a unidade individual
de sódio, cuja designação é conhecida como SLC10A2.74 de trabalho dos rins. Há aproximadamente 1 milhão de né-
A absorção sítio-específica tem sido reportada em ani- frons em cada rim. O filtrado glomerular tem, essencialmente,
mais e humanos para uma série de fármacos, incluindo: a mesma composição do que o plasma que entrou no gloméru-
alopurinol,75 amoxicilina,76 benzoato,77 lefradafiban,78 oxi- lo, sem uma quantidade significativa de proteína e sem cé-
prenolol,79, talinolol80 e análogos da timidina.81 A variação lulas vermelhas. A filtração glomerular ocorre por exclusão
na distribuição regional dos transportadores de fármacos de tamanho e carga. Contudo, a secreção e reabsorção tubular
também leva a variabilidades na absorção. Tem-se mencio- ocorre devido à permeabilidade das moléculas que estão sendo
nado a distribuição regional de transportadores absortivos transportadas. O tamanho dos poros dos glomérulos é grande
apicais, incluindo o transportador apical de ácido biliar,82,83 o suficiente para permitir a passagem de moléculas maiores de
o transportador-1 de ácido monocarboxílico,84 o transporta- 8 mm de diâmetro.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 401

Secção transversal

Glândula supra-adrenal
Veia frênica inferior esquerda Medula

Artéria gástrica esquerda Córtex


Artéria supra-renal esquerda média
Cápsula fibrosa
Artéria esplênica

Cálice menor
Cálice maior
Córtex
Seio renal

Papila da pirâmide

Pelve renal Medula (pirâmide)

Base da pirâmide

Veia e artéria gonadal esquerda

Infundíbulo

Coluna renal (de Bertin)

Uretra

Figura 14-30 Rim esquerdo e glândula supra-renal.


402 P ATRICK J. S INKO

TABELA 14-13 TABELA 14-15


PERMEABILIDADE E TAMANHO MOLECULAR TRANSPORTE TUBULAR MÁXIMO DE SUBSTÂNCIAS
SECRETADAS NOS TÚBULOS RENAIS
Permeabilidade
Massa comparada Exemplo de Creatinina 16 mg/min
molecular com a água substância p-Amino-hipurato 80 mg/min
5.200 1,00 Inulina Filtrado glomerular 125 mL/min
Que fluem nas alças de Henle 45 mL/min
30.000 0,5 Proteínas muito pequenas
69.000 0,005 Albumina Que fluem nos túbulos distais 25 mL/min
Que fluem nos túbulos coletores 12 mL/min
Que fluem na urina 1 mL/min
Como pode ser visto na Tabela 14-13, a permeabilidade
nos rins é muito dependente da massa molecular. A permea-
bilidade do soluto é afetada pelo seu tamanho e carga sempre sorvido. As Tabelas 14-14 e 14-15 mostram a velocidade
que for transportado por difusão passiva. Contudo, nos rins os máxima de reabsorção de muitas substâncias. Estes valores
solutos são transportados para fora dos túbulos por transporte indicam a velocidade máxima de reabsorção destas substân-
ativo. cias. A velocidade de transporte, contudo, pode não ser linear
A principal razão pela qual isto ocorre é que a difusão à concentração. Isso ocorre quando há saturação cinética do
passiva ocorre de regiões com alta concentração de soluto sistema. Embora a arteríola eferente faça parte do processo
para regiões pouco concentradas. Uma vez que as concentra- de reabsorção de água e outros íons e solutos vitais dos túbu-
ções de soluto no sangue serão mais diluídas do que aquelas los, ela também secreta moléculas para dentro dos túbulos.
coletadas nos dutos e na urina, a difusão não será favorecida. As substâncias que continuam nos túbulos entram no duto
Outro fator importante é que os poros são conectados com coletor, sendo eliminadas na urina. A capacidade dos rins em
proteoglicanos com cargas bastante negativas. É esta repulsão limpar o plasma de várias substâncias é definida como clea-
eletrostática que impede que a albumina, com somente 6 nm rance plasmático:
de diâmetro, e muitas outras proteínas com massa molecular
maior que 69.000 sejam filtradas nos glomérulos. Os rins têm L min)
um fluxo sangüíneo de 1.200 mL/min, que gera um fluxo de Fluxo de urina (mL min)×
125 mL/min dos glomérulos para o túbulo. Grande parte des- (14-13)
te fluido é água. Se não houver uma reabsorção ativa de água,
180 litros de água por dia podem ser perdidos. Felizmente, Há varias substâncias que podem ser rotineiramente mo-
mais de 99% da água e uma imensa quantidade dos seus so- nitoradas para verificar a função renal, a citar: creatinina, inu-
lutos são normalmente reabsorvidos pelo corpo através dos lina e amino-hipurato de sódio (PAH). Isto permite medir a
túbulos proximais. Isso aumenta bastante a concentração do velocidade de filtração glomerular e o fluxo plasmático atra-
filtrado. O filtrado que vem dos glomérulos passa através dos vés dos rins. A inulina não é reabsorvida e nem ativamente
túbulos proximais, onde ocorre a conservação de íons, glico- secretada nos túbulos, logo, qualquer quantidade de inulina
se e aminoácidos por transporte ativo e passivo. Nos túbu- encontrada na urina vem da filtração glomerular. Como pode
los proximais, estas moléculas são reabsorvidas do filtrado ser visto na Tabela 14-16, a inulina é filtrada nos glomérulos
glomerular para o sangue, nas arteríolas eferentes. Cerca de tanto quanto a água. Por esta razão, o clearance plasmático de
69% do filtrado glomerular é reabsorvido antes de atingir a inulina é igual à velocidade de filtração glomerular. Em ter-
alça de Henle. O filtrado continua movendo-se ao longo da mos de ADME e farmacocinética, o rim é o principal órgão de
alça e Henle e túbulo distal, enquanto é continuamente reab- excreção de fármacos. Os fármacos podem ser filtrados pelos
glomérulos, reabsorvidos pela corrente sangüínea nos túbulos
proximais ou secretados da corrente sangüínea para os túbulos
distais. Em se tratando de proteínas, seguem-se regras gerais
TABELA 14-14 de filtração glomerular: (a) proteínas maiores do que a imuno-
globulina G (150 kd, 55 Å de raio) são raramente excretadas;
TRANSPORTE TUBULAR MÁXIMO DE SUBSTÂNCIAS
(b) proteínas menores que 40 kd e com raio menor que 30 Å
IMPORTANTES, REABSORVIDAS DOS TÚBULOS RENAIS
são quase que completamente excretadas; (c) moléculas car-
Substância Valor Unidades regadas negativamente são retidas, mesmo sendo pequenas,
devido à carga de repulsão com o espaço de Bowman e; (d)
Glicose 320 mg/min
moléculas alongadas têm um clearance maior do que molé-
Fosfato 0,1 mm/min
culas esféricas.
Sulfato 0,06 mm/min
A limitada capacidade dos rins em remover do organismo
Aminoácidos 1,5 mm/min
substâncias grandes tem sido usada para aumentar o tempo de
Urato 15 mg/min
circulação e diminuir o clearance dos fármacos. Vários estudos
Proteínas plasmáticas 30 mg/min
têm demonstrado que polímeros com tamanho semelhante a
Hemoglobina 1 mg/min
proteínas são removidos de forma similar. Por exemplo, a mas-
Lactato 75 mg/min
sa molecular limite para a filtração glomerular de co-polímeros
Acetoacetato Variável, ~ 30 mg/min
de HPMA, em ratos, foi cerca de 45 kd.112 Em camundongos,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 403

TABELA 14-16
CONCENTRAÇÕES RELATIVAS DAS SUBSTÂNCIAS NO FILTRADO GLOMERULAR E NA URINA
Concentração na
Filtrado glomerular (125 mL/min) Urina (1 mL/min) urina/concentração
no plasma (clearance
Quantidade/min Concentração Quantidade/min Concentração plasmático
Substância* (mEq) (mEq/litro) (mEq) (mEq/litro) por minuto)
Na+ 17,7 142 0,128 128 0,9
K+ 0,63 5 0,06 60 12
Ca2+ 0,5 4 0,0048 4,8 1,2
Mg2+ 0,38 3 0,015 15 5,0
Cl– 12,9 103 0,144 144 1,3
HCO–3 3,5 28 0,014 14 0,5
H2PO–4 0,25 2 0,05 50 25
HPO42– 0,25 2 0,05 50 25
SO42– 0,09 0,7 0,033 33 47
Glicose 125† 100† 0† 0† 0
Uréia 33 26 18,2 1820 70
Ácido úrico 3,8 3 0,42 42 14
Creatinina 1,4 1,1 1,96 196 140
Inulina — — — — 125
PAH — — — — 585
* PAH = p-Amino-hipurato.

A unidade para quantidade de glicose é mg e, para concentração, é mg/dL.
Retirada de Textbook of Medical Physiology, 8th Ed., W. B. Saunders, 1991, p. 304.

verificou-se que a massa molecular limite do polietilenoglicol por ciclo da quimioterapia, para o tratamento da neutrope-
(PEG ou Macrogol) foi cerca de 30 kd.113 nia induzida por quimioterapia. A peguilação aumenta o ta-
Esta limitação de tamanho tem sido explorada visando à manho da filgrastima, tornando-a muito grande para sofrer
liberação de fármacos, em que o PEG tem sido o polímero mais clearance renal. Conseqüentemente, o clearance mediado por
freqüentemente usado. O PEG é um agente modificador de pro- neutrófilos predomina na eliminação do fármaco. O tempo de
teínas bastante vantajoso porque é inerte, hidrossolúvel, atóxico meia-vida médio da pegfilgrastima no soro é cerca de 42 horas
e com tamanho em módulo. A peguilação (adição química de maior do que o observado para a filgrastima, que é de 3,5 a 3,8
PEG a um agente terapêutico) é, atualmente, um conhecido mé- horas. Na realidade, o tempo de meia-vida varia bastante em
todo de modificação das propriedades farmacológicas de uma função da quantidade de neutrófilos, fato que acaba refletin-
proteína através de, por exemplo, retardamento do clearance e do na própria ação da pegfilgrastima em manter a produção
destas células. O clearance da molécula é dominado por um
redução da imunogenicidade da proteína.114-116 Entre as várias
mecanismo de auto-regulação. A pegfilgrastima tem a mesma
doenças que têm sido alvo de estudos para utilização da tecno-
atividade biológica da filgrastima e liga-se ao mesmo receptor
logia de peguilação, o tratamento da hepatite C crônica com G-CSF, estimulando a proliferação, diferenciação e ativação
substâncias do tipo interferons tem tido impacto clínico signifi- dos neutrófilos. Uma única administração de pegfilgrastima
cativo. Duas substâncias, o peguinterferon alfa-2a (PEGASYS) por ciclo de quimioterapia reduz a duração da neutropenia
e o peguinterferon alfa-2b (PEG-Intron) são aprovados para grave de forma tão efetiva quanto a administração diária de
uso, sozinhos ou em combinação com ribavirina, no tratamento filgrastima. Em estudos clínicos, pacientes recebendo pegfil-
da hepatite C crônica. Contudo, os diferentes grupamentos de grastima tiveram maior redução da incidência de febre neu-
PEG ligados à proteína nativa, o sítio de ligação e o tipo de liga- tropênica do que pacientes recebendo filgrastima.
ção envolvida geram grandes diferenças em termos de farmaco-
cinética e farmacodinâmica dessas duas substâncias.
Fígado
EXEMPLO 14-7
O fígado é um órgão extremamente importante nos processos
Delineamento e desenvolvimento de pegfilgrastima (PEG- biofarmacêuticos e farmacocinéticos. Uma vez absorvido no in-
rmetHuG-CSF, Neulasta) testino, o fármaco é metabolizado no fígado, secretado do fígado
O texto a seguir é o resumo do artigo de Molineux:117 para a bile ou atinge a circulação sistêmica intacto. Obviamente,
após o processo de metabolização, os metabólitos também po-
A adição de grupamentos de polietilenoglicol (PEG) à filgras- dem ser secretados na bile ou na circulação sistêmica. O fígado
tima (rmetHu-G-CSF, Neupogen) resultou no desenvolvimen- é singular em termos de abastecimento sangüíneo porque recebe
to da pegfilgrastima. A pegfilgrastima é uma forma de ação sangue oxigenado na artéria hepática e sangue rico em nutrien-
prolongada da filgrastima que requer somente uma aplicação tes, mas desoxigenado, vindo do estômago, intestino e baço. A
404 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO IMPORTÂNCIA DO EQUILÍBRIO NA ADME


É muito importante entender que o processo de ADME é composto de : bile, sangue : urina e fármaco ligado : não-ligado. Estes são apenas
uma série de equilíbrios dinâmicos que ocorrem em vários órgãos e teci- alguns dos equilíbrios que ocorrem e que têm um importante papel nos
dos. O resultado final de todo o processo são os perfis de concentração níveis de concentração sangüínea ou plasmática em estudos farmacoci-
plasmática em função do tempo. A partir do momento em que o fármaco néticos. As velocidades de absorção, distribuição e eliminação controlam
entra no organismo, a molécula de fármaco tende a estar em equilíbrio as concentrações de fármaco no sangue e serão discutidas, novamente,
com os tecidos e o sangue. Outros equilíbrios que ocorrem são sangue : na próxima seção.
concentração no local de ação, molécula original : metabólito, sangue

proporção entre ambos é de aproximadamente um quinto de veia porta, que passam pelos sinusóides e dirigem-se até a veia
sangue oxigenado e o restante de sangue rico em nutrientes. O hepática terminal (Figura 14-31). Os sinusóides estão alinha-
fígado é dividido em dois lobos, cada qual mantido/drenado por dos às células epiteliais especializadas chamadas hepatócitos.
uma veia central. Contudo, pode ser funcionalmente organizado Os hepatócitos têm polaridade diferente. Seu lado basolateral é
em ácinos, com dois fluxos de entrada, a artéria hepática e a alinhado às microvilosidades para captar nutrientes, proteínas e

Secção transversal do lobo hepático

Células de Kupffer

Duto biliar
Artéria hepática

Veia porta

Célula hepática
Duto biliar
Ramo da
veia porta
Ramo da artéria
hepática

Canalículos

Sinusóide

Veia central

Célula hepática

Diagrama esquemático da uma secção do lobo hepático

Para as veias hepáticas


Figura 14-31 Secção de um lobo do fígado mostrando a localização das veias hepáticas, células hepáticas, sinu-
sóides e ramos da veia porta e artéria hepática. (Retirada de S. C. Smeltzer and B. G Bare, Textbook of Medical-
Surgical Nursing, 9th Ed., Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia 2000.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 405

xenobióticos. O lado apical forma as membranas canaliculares portadores de membrana para fazer o transporte secretório
através das quais os componentes da bile são secretados. ativo. O transporte secretor pode atingir o limite máximo a
Os hepatócitos efetuam funções essenciais à vida, tais elevadas concentrações plasmáticas de fármaco, assim como
como a produção de bile e seus carreadores (ácidos biliares, substâncias com propriedades físico-químicas semelhantes po-
colesterol, lecitina e fosfolipídeos), a síntese de proteínas es- dem competir pelo mesmo mecanismo da via de excreção. Os
senciais do soro (albumina, proteínas carreadoras, fatores de transportadores de fármaco responsáveis por esse comporta-
coagulação, muitos hormônios e fatores do crescimento), a mento são encontrados no fígado e não foram abordados neste
regulação do metabolismo e nutrientes e a conjugação de subs- texto. Fatores que afetam a excreção biliar incluem as carac-
tâncias lipofílicas (bilirrubina, cátions, fármacos) para a excre- terísticas do fármaco (estrutura química, polaridade e tama-
ção na bile ou urina.118 nho molecular), o transporte através da membrana plasmática
Anteriormente, neste capítulo, discutimos sobre as enzi- sinusoidal, a biotransformação e a possível reabsorção a par-
mas metabolizadoras e os transportadores, os quais são encon- tir ductos biliares intraepáticos. A reabsorção intestinal para
trados em abundância no fígado e têm papel fundamental na completar o ciclo êntero-hepático pode depender da hidrólise
distribuição e eliminação de fármacos. O fígado é o maior sítio do fármaco conjugado, feita por bactérias do intestino. Fárma-
de metabolização do organismo e trabalha, juntamente com os cos maiores (com massa molecular maior que 300-500 g/mol)
rins, na remoção dos resíduos da corrente sangüínea. Confor- com grupamentos polares e lipofílicos são mais facilmente ex-
me mencionado, o metabolismo de fármacos tem três fases. cretados na bile. As moléculas pequenas geralmente são ex-
As fases I e II estão relacionadas com a biotransformação dos cretadas em quantidades negligenciáveis. As vias de excreção
fármacos e, portanto, estão estritamente relacionadas com o renal e hepática complementam-se. Em outras palavras, uma
processo ADME. O fígado também tem um papel importante substância com elevada excreção renal, o que é típico de uma
na excreção dos fármacos e seus metabólitos. Esse processo é substância com baixa massa molecular, terá baixa excreção
conhecido como fase III do metabolismo e envolve o transpor- biliar e vice-versa.190,120 Estes valores podem ser substância-
te dos fármacos e seus metabólitos para fora das células, por dependentes. Por exemplo, em humanos, a excreção de ânions
meio de transportadores de membrana. No fígado, tal processo orgânicos maiores que 500 g/mol ocorre na bile. Já em ratos,
é conhecido como ciclo êntero-hepático e ocorre por meio da cobaias e coelhos, este valor é um pouco menor, variando de
excreção de bile da vesicular biliar e da reabsorção intestinal 325 a 475 g/mol.121
de soluto (fármaco ou metabólito), algumas vezes com conju- Além disso, as substâncias normalmente excretadas na
gação hepática (ver discussão anterior sobre a fase II) e des- bile são mais lipofílicas, contêm grupamentos carregados tais
conjugação intestinal. Logo, o papel do fígado na distribuição como ácido carboxílico, ácido sulfônico ou grupamentos de
ou excreção de fármacos está associado ao intestino e à vesícu- amônio quaternário e são ânions com alta ligação a proteína,
la biliar. O fármaco é absorvido no intestino e chega ao fígado, ligados à albumina. Já os cátions são ligados principalmente à
onde pode, juntamente com seus metabólitos, ser secretado a1-glicoproteína ácida ou orosomucóide e têm elevada massa
na bile, na vesícula biliar. A vesícula biliar secreta bile, geral- molecular. O oposto é verdadeiro para substratos de excreção
mente associada a alimentos, fármacos e metabólitos reabsor- renal. Esta classificação geral serve somente como um guia.
vidos no trato gastrintestinal. Conseqüentemente, o “sistema” Levofloxacina, floxacina e ciprofloxacina são antibióticos
biliar contribui para a excreção à medida que o fármaco não de amplo espectro para administração oral e fazem parte da
é reabsorvido do trato GI. Em outras palavras, o fármaco (ou classe das carboxiquinolonas fluoradas. Estes fármacos são
seus metabólitos) é considerado eliminado do organismo na excretados principalmente na urina, embora sejam ácidos car-
proporção que não é reabsorvido no intestino. Entretanto, o boxílicos. Por exemplo, somente 4 a 8% da floxacina (massa
sistema biliar também contribui para a distribuição do fármaco molecular de 361,4) é excretada nas fezes,122 o que poderia
conforme o fármaco secretado intacto é reabsorvido no intesti- contrariar a regra de que os ácidos carboxílicos são sempre
no. Em circunstâncias bastante particulares, fármacos já meta- excretados nas fezes.
bolizados durante o ciclo êntero-hepático podem, geralmente Finalmente, as relações de dose-dependência são esperadas
na última etapa do processo, ser revertidos e adicionados à fase em se tratando de circulação êntero-hepática porque os trans-
de distribuição. Por exemplo, tem-se visto que a fase II do me- portadores de membrana têm um papel muito importante e por-
tabolismo (conjugação), especialmente com o ácido glicurôni- que pode ocorrer saturação, a doses elevadas, ou inibição por
co, normalmente leva à excreção biliar. Fármacos conjugados substâncias competidoras. Isto pode levar à excreção por vias
secretados no intestino também passam pelo ciclo êntero-he- alternativas ou à redução da excreção do fármaco, com aumento
pático quando hidrolisados, tornando-se disponíveis para reab- significativo dos níveis sangüíneos e, possivelmente, toxicidade.
sorção. O metabolismo é considerado parte do processo de eli- O ciclo êntero-hepático pode prolongar o efeito farmacológico
minação (remoção permanente do corpo). Contudo, o processo de certos fármacos e metabólitos. A farmacocinética (volume
de recirculação êntero-hepática também pode ser considerado de distribuição aparente e clearance) de um fármaco que passa
um processo de distribuição porque, sendo o metabolismo uma pelo ciclo êntero-hepático pode ser substancialmente alterada.
etapa reversível, o fármaco pode ser novamente absorvido pelo O ciclo êntero-hepático também está associado com a ocorrên-
organismo. Mais uma vez, os conjugados secretados que não cia de múltiplos picos plasmáticos do fármaco e uma meia-vida
são convertidos novamente a fármaco original e que são excre- aparente mais longa no perfil de concentração plasmática em
tados nas fezes podem ser considerados como “eliminados”. função do tempo. Um ponto de particular importância é a po-
Os fármacos e seus metabólitos, que são amplamente ex- tencialidade de amplificação da variabilidade êntero-hepática
cretados na bile, são transportados através do epitélio biliar em definir diferenças na biodisponibilidade. A biodisponibi-
contra um gradiente de concentração, necessitando de trans- lidade também é afetada pela extensão de absorção intestinal,
406 P ATRICK J. S INKO

pelo efluxo de glicoproteina-P na parede intestinal e pelo me- entre os dados in vitro e in vivo usando modelos compartimen-
tabolismo na parede intestinal. Recentemente, tem havido um tais, permeabilidade e clearance intrínseco. A farmacocinética
considerável aumento na compreensão a respeito do papel dos é o estudo da cinética de absorção, distribuição, metabolismo
transportadores, expressão genética de enzimas intestinais e he- e excreção de fármacos no corpo. Um modelo compartimental
páticas e zoneamento hepático. Os fármacos, as doenças e a ge- assume que o corpo é um sistema simplificado de compartilha-
nética podem resultar em indução ou inibição da atividade dos mentos e que as velocidades de transferência e eliminação e o
transportadores e enzimas metabolizadoras. A redução da ex- fármaco de um compartimento para outro ou entre os comparti-
pressão de um transportador, por exemplo, a proteína-2 hepática mentos ocorre por um processo de primeira ordem. Outras fun-
canalicular associada à multirresistência a fármacos (MRP2), ções de eliminação e transferência (por exemplo, funções não-
é freqüentemente associada a uma melhor expressão de outros lineares) têm sido usadas em modelos compartimentais, mas não
transportadores, por exemplo, o transportador basolateral quies- serão o foco deste capítulo. O modelo de um compartimento é o
cente de efluxo MRP, para limitar a toxicidade hepática. modelo mais simples e bem-estudado, embora poucos fármacos
realmente apresentem este tipo de cinética. Muitos modelos in
EXEMPLO 14-8 vitro e in situ têm sido propostos para predizer a absorção in
vivo de fármacos, incluindo o ensaio de permeação paralela em
Excreção biliar membrana artificial (PAMPA), as células de carcinoma humano
À primeira vista, se pensa que a excreção biliar tem um impor- (Caco-2), as células Madin-Darby de rim canino (MDCK), a câ-
tante papel em se tratando de medicamentos absorvidos por via mara de Ussing, que usa tecido intestinal de animal, e a perfusão
oral. Contudo, este exemplo mostra que fármacos administrados intestinal. Os dados de permeabilidade obtidos destes modelos,
por outras vias (como intravenosa) também podem ser excreta- tais como a permeabilidade aparente, Pa, e o coeficiente de per-
dos pela bile. Estes fármacos podem ter uma absorção oral pobre; meabilidade, Peff, podem ser usados para calcular a constante de
logo, provavelmente seu ciclo êntero-hepático será bastante redu- velocidade, Ka, em um modelo monocompartimental. Pa e Peff
zido. Tanto a glicoproteína-P quanto o MRP2, transportadores de são termos tipicamente sinônimos e considerados coeficientes
membrana dependentes de ATP, existem em uma série de tecidos de permeabilidade “englobados” porque representam a medida
normais e têm um papel importante na disponibilização de vários de todos os processos de transporte e de metabolismo que ocor-
fármacos. Sugie e colaboradores123 estudaram a contribuição da rem em um determinado tempo. Em outras palavras, permeabi-
glicoproteína-P e/ou do MRP2 para a disponibilização da azitro- lidade aparente ou efetiva é a permeabilidade total, que ocorre
micina em ratos. Após administração intravenosa de azitromicina, em função da permeabilidade de todas as vias em uma deter-
observou-se que este fármaco apresentou eliminação plasmática minada direção, mas que também considera a perda devido a
significativamente mais lenta nos ratos tratados com injeção in- degradação, metabolismo ou transporte na direção oposta. Nesta
travenosa de ciclosporina, um inibidor da glicoproteína-P, mas que seção, também iremos relacionar os processos biofarmacêuti-
esta eliminação foi normal em ratos pré-tratados com uma injeção cos básicos à constante de velocidade de eliminação, Kel, que
intraperitoneal de eritromicina, um inibidor da CYP3A4. Quando pode ser calculada usando o clearance intrínseco, CLint, a partir
os ratos receberam uma infusão de azitromicina com ciclosporina de experimentos de metabolismo in vitro. A hipótese básica de
e com probenecida, um inibidor da MRP2, observou-se diminuição cada tipo de correlação será listada e explicada nesta seção, com
significativa no clearance biliar no estado estacionário, de 5 e 40%, uma breve introdução ao modelo monocompartimental.
respectivamente, em comparação com os valores controle. Con-
tudo, nenhum inibidor alterou o clearance renal da azitromicina,
sugerindo a falta de secreção tubular renal deste fármaco. Os ex- Modelos compartimentais e Ka/Kel
perimentos de distribuição tecidual mostraram que a azitromicina
é amplamente distribuída no fígado, rins e pulmões, mas nenhum No primeiro modelo, não iremos considerar a absorção, mas
inibidor alterou a razão de concentração tecido-plasma da azitro- sim a eliminação do fármaco. No modelo de um compartimen-
micina. A redução significativa de excreção biliar da azitromicina to observado, por exemplo, após uma rápida injeção intrave-
foi observada em ratos Eisai hiperbilirrubinêmicos, os quais têm nosa, o fármaco distribui-se por todo o corpo de acordo com o
uma deficiência hereditária de MRP2. Estes resultados sugerem “comportamento” do modelo de um compartimento. Ou seja,
que a azitromicina é substrato tanto da glicoproteína-P quanto do a distribuição do fármaco no modelo monocompartimental é
MRP2 e que a excreção biliar e intestinal da azitromicina é media- completa e instantânea. O fármaco é eliminado por um proces-
da por estes dois transportadores de fármacos. so de primeira ordem,
dX
kel X (14-14)
dt

INTRODUÇÃO À FARMACOCINÉTICA onde X representa a quantidade de fármaco no corpo no tempo t


após a administração e kel é a constante de velocidade de elimina-
ção. A integração da equação (14-14) gera a seguinte expressão:
Introdução kel t
X X 0 e−kel t ou log X log X 0 − (14-15)
2 303
Esta seção não visa substituir conceitos de livros de farmacoci-
nética, mas sim conectar os conceitos biofarmacêuticos básicos onde X0 é a dose inicial de fármaco. A constante de velocidade
introduzidos no capítulo anterior com os mais simples modelos de eliminação, kel, pode ser calculada a partir de dois parâ-
farmacocinéticos, parâmetros e comportamentos relacionados à metros farmacocinéticos fundamentais, o clearance corporal
entrada e saída de fármacos no corpo. Será abordada a correlação total, CLt e o volume de distribuição aparente, Vd:
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 407

CONCEITO VOLUME APARENTE DE DISTRIBUIÇÃO 5


O volume de fluido no qual o fármaco parece estar distribuído ou diluído é nas gorduras, outros permanecem no fluido extracelular e outros estão
chamado de volume aparente de distribuição (ou seja, o volume de fluido avidamente ligados a determinados tecidos, geralmente fígado e rim.
requerido para conter o fármaco no organismo na mesma concentração Muitos fármacos ácidos (como a varfarina e ácido salicílico) são altamen-
do plasma). Este parâmetro fornece uma referência para a concentração te ligados a proteínas e, logo, têm um pequeno volume de distribuição
plasmática esperada para uma determinada dose e para a dose necessá- aparente. Muitos fármacos básicos (como anfetamina e meperidina) são
ria para produzir uma determinada concentração. Contudo, fornece pouca avidamente captados pelos tecidos, apresentando um volume de distribui-
informação sobre o perfil específico de distribuição. Cada fármaco é sin- ção aparente maior do que o volume total do corpo.
gular em termos de distribuição corporal. Alguns fármacos depositam-se

CLt pela ação da excreção. Se, durante a eliminação, o metabolis-


kel (14-16)
Vd mo for dominante à excreção, a constante de eliminação pode
ser substituída por km. Se (a) o fígado é o maior órgão do me-
CLt é definido como o volume de plasma ou sangue completa-
mente isento de fármaco, por unidade de tempo: tabolismo, (b) o metabolismo hepático do fármaco não apre-
senta saturação enzimática e; (c) o clearance intrínseco, CLint,
− ddtX é muito menor que o fluxo de sangue no fígado, Q, os valores
CLt (14-17) de clearance corporal total, CLt, calculados a partir do modelo
C
monocompartimental intravenoso, apresentam boa correlação
Vd é um fator de volume teórico relacionado à quantidade de com o clearance intrínseco, CLint. No modelo monocomparti-
fármaco no corpo e à concentração de fármaco no plasma ou
mental que envolve uma etapa de absorção do fármaco, como
sangue:
após administração oral, o fármaco entra no organismo me-
X
Vd (14-18) diante um processo de primeira ordem. Neste caso, a absorção
C é mais lenta do que aquela observada após a administração in-
onde C é a concentração de fármaco no plasma ou sangue. A travenosa. A distribuição das moléculas de fármaco absorvido
constante de velocidade de eliminação representa a soma dos é instantânea e a eliminação ocorre de acordo com o compor-
dois processos: tamento de um modelo monocompartimental, descrito previa-
kel km ke (14-19) mente:
onde km é a constante de velocidade de eliminação pela ação dXa
ka X a (14-20)
do metabolismo e ke é a constante de velocidade de eliminação dt

CONCEITO CLEARANCE DE FÁRMACO E FLUXO SANGÜÍNEO NOS ÓRGÃOS


Duas situações mostram a relação entre o clearance de fármaco e o flu- crossomal (7,88 × 104 mg/ pessoa).125 O fluxo sangüíneo hepático em
xo de sangue no fígado. O clearance do órgão, CL, é dado por CL = QCLint) humanos é de 1450 mL/min/pessoa de 70 kg.126 O clearance sistêmico in
(Q + CLint). No primeiro caso, quando Q é muito maior que CLint, o CL do vivo da dipirona é reportado como sendo 13,5 (9,3–22,8) mL/min/pessoa
órgão = CLint. Isto ocorre para fármacos tais como dipirona, barbitúri- em pacientes com cirrose hepática e 49,3 (31,1–103) mL/min/pessoa
cos, antiepiléticos e derivados da cumarina. No segundo caso, quando em indivíduos sadios. O clearance intrínseco in vitro calculado para a
Q é muito menor que CLint, o CL do órgão= Q. Isso ocorre para vários dipirona foi muito próximo aos valores encontrados em pacientes com
analgésicos, antidepresivos tricíclicos e betabloqueadores. A ligação a cirrose hepática, provavelmente porque os experimentos in vitro foram
proteínas também pode ter efeito; logo, nesta situação, deve-se consi- realizados em amostras de fígado obtidas de pacientes que sofreram
derar a fração de fármaco livre, fB, e usar fB·. Clint em vez de CLint. O fluxo hepatectomia parcial.
de sangue no fígado em humanos é de 20,7 mL/min/ kg ou 1450 mL/min Exemplo 2: O CLint é muito maior do que Q. O clearance sistêmico in vivo
para uma pessoa de 70 kg. do propranolol é 1,21 ± 0,15 L/min para o (+)-propranolol e 1,03 ± 0,12
Exemplo 1: Q é muito maior do que CLint. A dipirona apresenta ligação L/min para o (–)-propranolol.127 O clearance intrínseco do propranolol
negligenciável a proteínas plasmáticas, é eliminada exaustivamente por racêmico foi de 4180 mL/min/pessoa, o qual foi calculado a partir do cle-
metabolismo hepático e mais de 99% da dose administrada é excretada arance intrínseco in vitro, 0,053 mL/min/mg de proteína,128 e a proteína
na urina como metabólitos.124 O clearance intrínseco da dipirona é 12,8 microssomal total foi de, 7,88 × 104 mg/pessoa.125 O fluxo de sangue
mL/min/pessoa, o qual foi calculado a partir do clearance intrínseco in no fígado humano é 1450 mL/min/pessoa de 70 kg, conforme mostrado
vitro (1,62 × 10-4 mL/min/mg proteína119) e da proteína hepática total mi- no Exemplo 1.
408 P ATRICK J. S INKO

dX da à concentração de fármaco no receptor, sua disponibilidade


ka X a − kel X (14-21)
dt a partir da forma farmacêutica é um elemento crítico para a
eficácia clínica do medicamento. Contudo, as concentrações
onde Xa é a quantidade de fármaco no local de absorção no de fármaco geralmente não podem ser diretamente mensuradas
tempo t após a administração e ka é a constante de velocidade no sítio de ação. Assim, a maioria dos estudos de biodispo-
de absorção. A integração das equações (14-20) e (14-21) for- nibilidade envolve a determinação das concentrações de fár-
nece a seguinte expressão: maco no sangue ou urina. Desta forma, parte-se da premissa
ka F X 0 de que o fármaco no sítio de ação esteja em equilíbrio com
X (e−kel t − e−kel t ) (14-22)
Vd (ka − k) o fármaco presente no sangue. Logo, é possível obter-se uma
medida indireta da resposta farmacológica mediante monitora-
onde F é a fração da dose, X0, absorvida após a administração mento dos níveis de fármaco no sangue ou urina. Deste modo,
oral. a biodisponibilidade está relacionada a aspectos como o quão
A constante de velocidade de absorção e a constante de
rápido e o quanto de fármaco está presente no sangue depois
velocidade de eliminação podem ser calculadas a partir de da-
da administração de uma determinada dose. A biodisponibili-
dos in vitro ou in situ no modelo de absorção oral. A constante
dade de um medicamento freqüentemente determina a eficácia
de velocidade de absorção, ka, pode ser relacionada à permea-
terapêutica do produto porque afeta o início, a intensidade e a
bilidade efetiva, Peff:
duração da resposta terapêutica do fármaco. Em muitos casos,
SA · Peff 2Peff a biodisponibilidade é relacionada com a extensão de absorção
ka (14-23)
V r do fármaco (ou seja, a fração da dose que realmente atinge a
onde SA é a área da superfície, V é o volume do segmento in- corrente sangüínea) porque esta representa a “dose efetiva” do
testinal e r é o raio intestinal. Se assumirmos que um cilindro fármaco. A dose efetiva é geralmente menor do que a quantida-
pode ser usado para estimar a forma intestinal, a razão SA/V é de de fármaco realmente administrada na forma farmacêutica.
simplificada a 2/r. Também tem-se examinado o efeito de ou- Em alguns casos, principalmente no tratamento de condições
tras formas de geometria intestinal mais realística.129 Contudo, agudas, a biodisponibilidade também é relacionada com a ve-
para o propósito deste exemplo, assumir a geometria cilíndrica locidade de absorção do fármaco, em função da necessidade de
é matematicamente viável. uma rápida ação farmacológica. Mas estas são as instâncias nas
Pode-se “construir” um modelo de absorção e disponibi- quais, ao contrário, deseja-se uma absorção lenta para evitar
lização de fármacos do corpo humano utilizando-se modelos efeitos adversos e gerar um tempo de ação mais prolongado.
compartimentais. Cada compartimento pode representar um
órgão, tecido ou parte de órgãos ou tecidos (Figura 14-23). Por
exemplo, às vezes torna-se mais apropriado o uso de um mode-
Causas da baixa biodisponibilidade5
lo de dois compartimentos. Neste caso, tecidos com perfusão Quando um fármaco é rapidamente dissolvido e atravessa
rápida e com perfusão lenta são agrupados em compartimentos facilmente as membranas, a absorção tende a ser completa,
separados. Tipicamente, quando órgãos ou tecidos são man- mas a absorção de fármacos administrados por via oral nem
tidos juntos, torna-se difícil examinar o comportamento dos sempre é completa. Antes de atingir a veia cava, o fármaco
sistemas específicos individuais dos órgãos. Quando o objeti- deve mover-se pelo trato gastrintestinal e passar através do
vo é examinar sistemas específicos de órgãos, são elaborados intestino e fígado, conhecidos locais de metabolização de fár-
modelos farmacocinéticos fisiologicamente fundamentados macos. Logo, o fármaco pode ser metabolizado (metabolismo
(Figura 14-23). Usando-se velocidades de fluxo (como fluxo de primeira passagem) antes de ser quantificado na circulação
sangüíneo, trânsito intestinal, etc.), volumes e constantes de sistêmica. Muitos fármacos têm baixa biodisponibilidade oral
entrada e saída, pode-se construir o modelo PK de um sistema porque sofrem um extenso metabolismo de primeira passa-
de órgãos. Os modelos PBPK são bem-conhecidos e aborda- gem. Para tais fármacos (por exemplo, isoproterenol, norepi-
dos mais detalhadamente na área de farmacocinética. Por isso, nefrina e testosterona), a extração nestes tecidos é tão grande
deixaremos os detalhes, para essa área. que a biodisponibilidade é virtualmente igual a zero. Para fár-
macos com metabolismo rápido, a conseqüência terapêutica
do metabolismo de primeira passagem depende das contribui-
BIODISPONIBILIDADE 4 ções do fármaco e do metabólito, tanto para os efeitos deseja-
dos quanto indesejados. A secreção intestinal de fármacos por
transportadores, tais como MRP2 e P-gp, e a recirculação ên-
Introdução tero-hepática também podem levar à baixa biodisponibilidade
oral. Há mais fatores que podem afetar a biodisponibilidade
As palavras absorção e biodisponibilidade são usadas em mui- quando a absorção é lenta ou incompleta do que quando esta
tas situações. O propósito desta seção é introduzir aspectos bá- é rápida e completa; logo, a absorção incompleta geralmente
sicos de biodisponibilidade e significados práticos da palavra leva a respostas terapêuticas variáveis. Uma causa comum de
biodisponibilidade. “Biodisponibilidade”, conforme definido baixa biodisponibilidade é o baixo tempo no trato GI. O fár-
pelo U. S. Food and Drug Administration, no Code of Federal maco ingerido é exposto à totalidade do trato GI por não mais
Regulations (21 CFR 320.1[a]), significa a velocidade e exten- que 1 ou 2 dias e ao intestino delgado por somente 2 a 4 horas.
são na qual o fármaco ou molécula ativa é absorvido a partir Se o fármaco não dissolve facilmente ou não consegue pene-
do medicamento e torna-se disponível no sítio de ação. Uma trar na membrana epitelial (por exemplo, se ele está altamente
vez que a resposta farmacológica está normalmente relaciona- ionizado e polar), o tempo no local de absorção pode ser insu-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 409

ficiente. Nestes casos, a biodisponibilidade tende a ser baixa genome sequence of the hyperthermophillic, sulphatereducing archaeon
e mais variável. Idade, sexo, atividade, fenótipo genético, es- Archaeoglobus fulgidus. Nature 390, 364–370.
tresse, doenças (como acloridria, síndrome de mal-absorção) 24. M. Dean, Y. Hamon, and G. Chimini, J. Lipid Res. 42, 1007, 2001.
ou cirurgias gastrintestinais prévias podem afetar a biodispo- 25. P. M. Jones and A. M. George, Eur. J. Biochem. 267, 5298, 2000.
nibilidade do fármaco. Reações que competem com a absor- 26. M. Muller and P. L. M. Jansen, Am. J. Physiol. Gastrointest. Liver
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ção podem reduzir a biodisponibilidade. Por exemplo: forma-
27. S. A. Adibi, Gastroenterology 114, 332, 1997.
ção de complexo (p. ex., entre tetraciclinas e íons metálicos
28. G. K. Dresser, D. G. Bailey, B. F. Leake, U. I. Schwarz, P. A. Dawson, D.
polivalentes), hidrólise pelo suco gástrico ou enzimas digesti- J. Freeman, and R. B. Kim, Clin. Pharmacol. Ther. 71, 11, 2002.
vas (p. ex. hidrólise de penicilina e cloranfenicol), conjugação 29. G. You, Med. Res. Rev. 22, 602, 2002.
na parede intestinal (p. ex., sulfoconjugção do isoproterenol), 30. M. Sasaki, H. Suzuki, K. Ito, T. Abe, Y. Sugiyama, Transcellular
adsorção a outros fármacos (p. ex., digoxina e colestiramina) transport of organic anions across a double-transfected Madin-Darby
e metabolismo pela microflora luminal. canine kidney II cell monolayer expressing both human organic anion-
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15
15 CINÉTICA QUÍMICA E
ESTABILIDADE

FUNDAMENTOS E EFEITOS DA Efeitos de meio: solvente, força iônica, constante


CONCENTRAÇÃO dielétrica
Velocidade, ordem e molecularidade das reações Catálise: catálise ácido-base específica e geral e os
Constantes de velocidade, meia-vida, prazo de efeitos do pH
validade, pseudo-ordem ou ordem aparente
ESTABILIDADE DE MEDICAMENTOS
EFEITOS DA TEMPERATURA Degradação e estabilização de fármacos
Teoria da colisão Fotodegradação
Teoria clássica da colisão nas velocidades de reação Estabilidade acelerada e testes de estresse
Cálculo de Q10 Recipientes e material de fechamento
Cálculo de prazo de validade Produtos biotecnológicos
Estabilidade do estado sólido
OUTROS FATORES – PONTO DE VISTA
MOLECULAR
Teoria do estado de transição

Ao final deste capítulo, o estudante reteste de um fármaco ou o prazo de validade de um medica-


OBJETIVOS DO CAPÍTULO deverá estar apto a: mento e recomendar as condições de armazenagem. Embora
o pesquisador farmacêutico desempenhe um papel importante
1 Definir velocidade de reação, ordem de reação e molecula- na determinação da estabilidade do medicamento, o farmacêu-
ridade da reação. tico deve estar apto a interpretar essa informação para os seus
2 Compreender e aplicar cinéticas de ordem zero à prática pacientes. Este capítulo aborda as velocidades e mecanismos
em Farmácia. de reação, com especial ênfase na degradação e estabilização
3 Calcular o tempo de meia-vida e prazo de validade de me- de medicamentos. Para o farmacêutico e para o pesquisador
dicamentos e fármacos. farmacêutico é essencial estudar, compreender e interpretar as
4 Compreender o comportamento da cinética (não-linear) de condições que levam à instabilidade do medicamento, assim
Michaelis-Menten e as técnicas de linearização. como oferecer soluções para estabilizar os produtos. Os fabri-
5 Interpretar perfis de velocidade em função do pH e dados cantes de medicamentos utilizam os princípios incluídos neste
cinéticos. capítulo de forma rotineira. Contudo, com o ressurgimento das
6 Compreender os fundamentos da teoria do estado de tran- farmácias de manipulação, torna-se essencial, também, que o
sição e suas aplicações na cinética química. profissional que atua na manipulação compreenda os princí-
7 Descrever a influência da temperatura, da força iônica, do pios da estabilidade de medicamentos. Quando o farmacêutico
solvente, do pH e da constante dielétrica sobre a velocida- de uma farmácia comunitária é chamado a preparar um produ-
de de reação. to prescrito, há uma série de fatores que deverão ser levados
em conta. O profissional deverá reconhecer que alterações na
8 Calcular o aumento na constante da velocidade em função
estabilidade podem acontecer quando fármacos são mistura-
da temperatura (Q10).
dos com outros adjuvantes. Por exemplo, quando cloridrato
9 Descrever os fatores que influenciam a cinética química de tiamina, que é mais estável em pH 2 a 3, porém instável
no estado sólido. em pH acima de 6, é misturado com um veículo tamponado a,
10 Identificar e descrever os métodos de estabilização de digamos, pH 8 ou 9, esta vitamina é rapidamente inativada.1
substâncias farmacêuticas. O conhecimento da velocidade com a qual o fármaco degrada
11 Compreender os protocolos dos testes de estabilidade e as em concentrações diferentes de íon hidrogênio permite sele-
exigências de órgãos regulatórios. cionar o veículo que irá retardar ou evitar o processo de de-
gradação. Os pacientes esperam que um medicamento possua
O objetivo dos testes de estabilidade é gerar evidências prazo de validade razoavelmente longo. Ainda que o fabricante
sobre como varia a qualidade de um fármaco ou de um me- de medicamento rotule o produto prescrito e coloque prazos de
dicamento em função do tempo sob influência de uma série validade menores do que os calculados, de modo a orientar o
de fatores ambientais, como temperatura, umidade e luz. Além paciente ou o consumidor sobre o assunto, os pacientes podem
disso, estes testes visam estabelecer o prazo necessário para o guardar esses produtos em um armário localizado no banheiro,
412 P ATRICK J. S INKO

onde a umidade e a temperatura são usualmente maiores do Suponha-se que nesta reação tanto o hidróxido de sódio
que em um lugar típico de armazenagem. É possível afetar o como a água estejam em quantidades excessivas e que o aceta-
prazo de validade de um produto desta forma? Um farmacêu- to de etila esteja em concentrações relativamente baixas. Con-
tico de uma farmácia comunitária deve ser capaz de entender forme a reação se processa, a concentração de acetato de etila
isso e de orientar o paciente nesta questão. irá se alterar de modo apreciável em relação à concentração
A pesquisa experimental sobre a possível degradação de original, enquanto as concentrações de NaOH e água perma-
novos fármacos não é um assunto fácil. A aplicação da cinética necerão praticamente constantes, uma vez que estão presentes
química em Farmácia resulta na produção de medicamentos em excesso. Nesse caso, a contribuição do hidróxido de sódio
mais estáveis, com posologia e fundamentação de uso basea- na equação da velocidade de reação é tida como constante e a
dos em sólidos princípios científicos. A pesquisa atual sobre a velocidade pode ser expressa da seguinte forma:
cinética de sistemas medicamentosos tem por resultado confe-
d[CH3 COOC2 H5 ]
rir ao farmacêutico a capacidade de orientar médicos e pacien- − k [CH3 COOC2 H5 ] (15-4)
tes em relação à armazenagem adequada e ao uso de fármacos dt
e medicamentos. Este capítulo destaca os diversos fatores que onde k’ = k[NaOH]. A reação é, então, tida como sendo de
dão suporte a formulação, estabilização e a administração de pseudoprimeira ordem, dado que depende apenas da primeira
fármacos. Em relação à velocidade e ao mecanismo das rea- potência (a = 1) referente à concentração de acetato de etila. De
ções, concentração, temperatura, luz, pH e catálise são fatores modo geral, quando um dos reagentes está em quantidade tão
importantes, que passaremos a discutir separadamente.
elevada que a sua concentração durante a reação pode ser con-
siderada constante, a ordem de reação é dita pseudo-ordem.

FUNDAMENTOS E EFEITOS DA CONCENTRAÇÃO EXEMPLO 15-1


Ordem de reação
Velocidade, ordem e molecularidade das reações Na reação do anidrido acético com álcool etílico e água,
(CH3 CO)2 O + 2C2 H5 OH = 2CH3 CO2 C2 H5 + H2 O
A velocidade ou taxa de reação é dada pela expressão dc/dt,
onde dc é o aumento ou decréscimo da concentração durante a velocidade de reação corresponde a
um intervalo de tempo infinitesimal, dt. Segundo a lei da ação d[(CH3 CO)2 O]
das massas, a velocidade de uma reação química é proporcio- Velocidade = −
dt
nal ao produto da concentração molar dos reagentes, cada um = k[(CH3 CO)2 O] [C2 H5 OH]2 (15-5)
deles elevado a uma potência geralmente igual ao seu número
de moléculas, a e b, das substâncias A e B, respectivamente, Qual é a ordem de reação em relação ao anidrido acético e ao
que participam da reação. Na reação, álcool etílico? Qual é a ordem de reação geral?
Se o álcool, que neste caso atua como solvente para o anidri-
aA bB Produtos (15-1)
do acético, se encontra em excesso, de modo que apenas uma pe-
a velocidade de reação corresponde a quena parte da sua concentração total seja consumida durante a
1 d[A] reação, podemos escrever a equação da velocidade de reação para
Velocidade esse processo e estabelecer a ordem de reação.
a dt
Resposta: A reação aparenta ser de primeira ordem em rela-
1 d[B] ção ao anidrido acético, de segunda ordem em relação ao álcool
k[A]a [B]b (15-2)
b dt etílico e, de terceira ordem para a reação em geral. Porém, consi-
onde k é a constante da velocidade. derando que o etanol é o solvente, a sua concentração permanece
A ordem de reação, em geral, é dada pela soma dos ex- praticamente constante e, em conseqüência, a equação da veloci-
poentes [a + b, p. ex., na equação (15-2)] referentes aos ter- dade de reação pode ser escrita da seguinte forma:
mos de concentração, A e B. Para cada um dos reagentes, A ou d[(CH3 CO)2 O]
− = k [(CH3 CO)2 O] (15-6)
B, a ordem corresponde ao expoente a ou b de cada termo de dt
concentração em particular. Na reação do acetato de etila com Do ponto de vista cinético, a reação é, por causa disso, de
hidróxido de sódio em solução aquosa, por exemplo,
pseudoprimeira ordem, como relatado por Glasstone.1a
CH3 COOC2 H5 NaOH → CH3 COONa C2 H5 OH
a equação da velocidade de reação é, Molecularidade
d[CH3 COOC2 H5 ] Uma reação cuja ordem geral esteja sendo calculada pode ser
Velocidade vista como o conjunto de uma série de etapas ou de reações
dt
d[NaOH] elementares. Cada uma destas reações elementares possui a
k[CH3 COOC2 H5 ]1 [NaOH]1 sua própria estequiometria, segundo o número de moléculas
dt que participam da etapa. Uma vez que a ordem de uma rea-
(15-3) ção elementar proporciona o número de moléculas que vêm
A reação é de primeira ordem (a = 1) em relação ao ace- a reagir nessa etapa, é usual expressar esta ordem como a mo-
tato de etila e de primeira ordem (b = 1) em relação à solução lecularidade da reação elementar. Se, pelo contrário, a reação
de hidróxido de sódio. A reação como um todo é de segunda se processa em vários estágios, o termo molecularidade não é
ordem (a + b = 2). utilizado em relação à lei da velocidade de reação observada
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 413

porque uma etapa pode envolver duas moléculas; uma segunda cífica venha a afetar também outra constante. Em conseqüência
etapa, apenas uma molécula, e a etapa seguinte, uma ou duas disso, é muito difícil distinguir o real significado dessas varia-
moléculas. Logo, ordem e molecularidade são normalmente ções sobre a constante da velocidade geral desse tipo de reação.
equivalentes apenas em reações elementares. As reações bimo-
leculares podem ou não ser de segunda ordem. Unidades das constantes de velocidade básicas
Em termos simples, molecularidade é o número de mo-
Para chegar às unidades das constantes de velocidade referen-
léculas, átomos ou íons que reagem em um processo (reação)
tes às cinéticas de ordem zero e de primeira e de segunda or-
elementar. Na reação,
dem, se procede ao rearranjo da equação que expressa essa lei,
Br2 → 2Br
de modo a colocar a constante como a variável da equação.
o processo é unimolecular porque uma única molécula de Br2 Assim, para a reação de ordem zero teremos:
se decompõe para formar dois átomos de bromo. Na reação de dA mol litro
uma única etapa, k
dt segundo
H2 I2 → 2HI
mol
o processo é bimolecular porque duas moléculas, uma de H2 mol litro−1 segundo−1
litro segundo
e a outra de I2, precisam participar para formar o produto HI.
São raras as reações termoleculares, ou seja, aquelas que en- para a reação de primeira ordem,
volvem a participação de três moléculas. dA 1 mol litro
k
As reações químicas que se processam com mais de uma eta- dt A litro
pa são denominadas reações complexas. A ordem de reação geral 1
determinada cineticamente pode não ser idêntica à moleculari- segundo−1
dade, dado o fato de a reação ocorrer em várias etapas, cada uma segundo
delas com a sua própria molecularidade. Para a reação geral: e, para a reação de segunda ordem,
2NO O2 → 2NO2 dA 1 mol litro
k 2
experimentalmente foi determinada uma segunda ordem. A dt A segundo (mol litro) 2
litro
reação não é termolecular, em que duas moléculas de NO po- litro segundo−1 mol −1
deriam reagir simultaneamente com uma molécula de O2. Em
vez disso, o mecanismo proposto consiste de duas etapas ele-
onde A é a concentração molar do reagente. Caso as quantida-
mentares, sendo cada uma delas bimolecular:
des mensuradas não sejam expressas em concentração, é pos-
2NO → N2 O2 sível alterar as unidades móis/litro por qualquer outra unidade
N2 O2 O2 → 2NO2 (por exemplo, pressão em atmosferas) visando obter as unida-
des apropriadas para as constantes de velocidade.

Constantes de velocidade, meia-vida, prazo de Reações de ordem zero


validade, pseudo-ordem ou ordem aparente Garrett e Carper2 verificaram que a descoloração em produtos
contendo várias sulfas (medida em espectrofotômetro a 500
Constante da velocidade específica nm) obedecia a uma velocidade de ordem zero. A expressão
A constante k, que aparece na lei da velocidade de reação asso- de velocidade para a alteração na absorbância, A, em função
ciada a uma reação elementar, de uma única etapa, é denominada do tempo é dada por:
constante da velocidade específica dessa reação. Qualquer altera- dA
− k0 (15-7)
ção nas condições de reação, por exemplo, na temperatura ou no dt
solvente, ou uma alteração sutil em uma das espécies reagentes,
provoca alterações na equação da lei da velocidade de reação. onde o sinal negativo significa que a absorbância decresce com
Experimentalmente, uma alteração da constante da velocidade o tempo (ou seja, a cor desvanece). A velocidade de descolora-
específica corresponde simplesmente a uma alteração na incli-
nação da reta derivada da equação da velocidade de reação. As
variações na constante da velocidade específica têm grande sig-
nificado físico, uma vez que estas implicam alterações em nível
molecular que resultam da variação nas condições reacionais. CONCEITO MEIA-VIDA E PRAZO DE
As constantes de velocidades derivadas de reações com VALIDADE
várias etapas de diferentes molecularidades são funções das
constantes de velocidade específica de cada uma das diferentes O termo meia-vida define o tem- tempo necessário para que 10%
etapas. Qualquer alteração na natureza de uma etapa, produto
po necessário para que a metade da quantidade inicial de substân-
de modificação das condições da reação ou das propriedades
da substância original desapare- cia se degrade, ou seja, o tempo
dos participantes desta etapa da reação poderá levar a uma alte-
ração do valor da constante da velocidade geral. Algumas vezes, ça. É o tempo transcorrido para necessário para que A diminua
alterações na constante da velocidade geral podem ser utilizadas que A diminua em 12 A. O prazo até 90% de sua quantidade ori-
para obter informações sobre a reação. Porém, é mais comum de validade, ou de prateleira, é o ginal (ou seja, 0,9A).
que qualquer fator que afete uma constante da velocidade espe-
414 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO PSEUDO-ORDEM OU ORDEM APARENTE


Os termos “pseudo-ordem” ou “ordem aparente” se referem à situação sária para que a reação se processe. Em outras palavras, a concentração
em que um dos reagentes está presente em uma quantidade excessiva, de água permanece basicamente constante ao longo de toda a reação.
não afetando a reação como um todo e, por isso, pode ser considerado Neste caso, a reação de segunda ordem se comporta como se fosse de
constante. Por exemplo, muitas degradações de fármacos ocorrem por primeira ordem e passa a ser denominada reação de pseudoprimeira or-
hidrólise segundo uma cinética de segunda ordem. Normalmente, a quan- dem ou de primeira ordem aparente.
tidade de água presente está em excesso em relação à quantidade neces-

ção aparenta ser constante e independente da concentração do onde [A] é a concentração de fármaco que permanece intacto
corante utilizado. A equação da velocidade pode ser integrada no tempo t, e k é denominada constante da velocidade de pri-
para a absorbância inicial, A0, que corresponde à cor original meira ordem. Quando a concentração [A] permanece constan-
do produto no tempo zero, e At, que é a absorbância determina- te, como no caso de uma suspensão, podemos afirmar que:
da após um tempo de t horas. Assim,
At t
k[A] k0 (15-9)
dA k0 dt de modo que a expressão da lei da velocidade de primeira or-
A0 0
dem, equação (15-11), se transforma em
At − A0 k0 t d[A]
− k0 (15-10)
ou dt
Obviamente, a equação (15-10) é uma equação de ordem
At A0 − k0 t (15-8) zero. Esta apresenta-se como uma equação de ordem zero apa-
A concentração inicial que corresponde a A0 normalmente rente, em que o caráter de ordem zero é determinado somen-
é escrita como a; e a concentração remanescente no tempo t, te em função do reservatório de fármaco em suspensão, que
como c. assegura a manutenção de uma concentração deste fármaco.
Quando o gráfico da equação linear é plotado, tendo c no Depois que todo o fármaco em suspensão passa para a solução,
eixo das abscissas e t no eixo das ordenadas, o valor de -k0 é o sistema apresenta uma reação de primeira ordem.
dado pela inclinação da linha reta. Garrett e Carper obtiveram
um valor de k correspondente a uma diminuição de 0,00082
EXEMPLO 15-2
unidades de absorbância por hora, a 60 °C. Este resultado in-
dica que a cor do produto vai desaparecendo a essa velocidade Prazo de validade de uma suspensão de aspirina
constante, independente da concentração. Considere a prescrição de uma preparação líquida contendo 325
Uma vez que a meia-vida é o tempo necessário para que mg/5 mL, ou seja, 6,5 g/100 mL de aspirina. A solubilidade da as-
a metade da substância sofra decomposição, no presente caso pirina a 25 °C é 0,33 g/100 mL; conseqüentemente, a preparação
A0 0 470 e 1 2 A0 0 235: deverá ser uma suspensão. Os outros adjuvantes da preparação
1
A
2 0 0 235 fazem com que esta apresente um pH de 6,0. A constante da velo-
t1 2 2 9 × 102 cidade da reação de degradação da aspirina em solução é de pri-
k0 8 2 × 10−4
meira ordem e foi calculada em 4,5 × 10–6 s–1.
Calcular a constante da velocidade de ordem zero. Determi-
Suspensões. Cinéticas de ordem zero aparentes3 nar o prazo de validade, t90, para essa prescrição líquida, assumin-
Suspensões constituem outro caso de cinéticas de ordem zero, do que, mantendo uma concentração inicial de 90% (ou seja, um
em que a concentração em solução depende da solubilidade do percentual de degradação de 10%), o produto ainda permanece
fármaco. À medida que o fármaco em solução se degrada, mais com características satisfatórias a 25 °C.
fármaco é liberado das partículas em suspensão, de modo que Resposta: pela equação (15-9), k0 = k × [aspirina em solução].
a concentração de fármaco em dissolução permanece pratica- Logo,
mente constante. Esta concentração é, obviamente, a própria k0 = (4 5 × 10−6 s −1 ) × (0 33 g 100 mL)
solubilidade do fármaco em equilíbrio com um solvente em
particular e a uma temperatura específica. O ponto importante k0 = 1 5 × 10−6 g 100 mL s −1
reside no fato de a quantidade de fármaco em solução perma- 0 10[A]0 (0 10)(6 5 g 100 mL)
necer constante, independente da sua decomposição em função t90 = =
k0 (1 5 × 10−6 g 100 mL s −1 )
do tempo. O reservatório constituído pelo fármaco sólido em
suspensão é responsável por essa situação de constância. = 4 3 × 105 s = 5 0
A equação para uma solução normal, na ausência de um
reservatório capaz de restituir o fármaco degradado, segue a
reação de primeira ordem representada na equação (15-11): Reações de primeira ordem
−d[A] Em 1918, Harned relatou que a velocidade de degradação
k[A]
dt do peróxido de hidrogênio, catalisada por uma solução 0,02
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 415

CONCEITO PRAZO DE VALIDADE E DATA DE VALIDADE


Prazo de validade (também considerado como o período para a data de Data de validade é a data constante no rótulo do recipiente de um me-
vencimento do produto) é o período de tempo durante o qual se espera dicamento que determina o tempo até o qual se espera que o lote desse
que o medicamento se conserve dentro das especificações de aprovação produto mantenha as especificações aprovadas para o prazo de validade,
para seu uso, sempre e quando permaneça armazenado nas condições quando armazenado em condições específicas, e, após o qual, o produto
especificadas no rótulo do recipiente. deverá ser descartado.

M de KI, foi proporcional à concentração de peróxido de hi- e, finalmente, a equação (15-13) se torna
drogênio remanescente na mistura reacional. Os dados para c c0 10−kt 2 303
(15-16)
a reação,
2H2 O2 2H2 O O2 As equações (15-15) e (15-16) nos indicam que em uma
reação de primeira ordem, a concentração diminui exponen-
são apresentados na Tabela 15-1. Embora haja duas moléculas de cialmente com o tempo. Como mostra a Figura 15-16, a
peróxido de hidrogênio na equação estequiométrica escrita acima, concentração começa em c0 e vai diminuindo à medida que a
esta reação foi determinada como sendo uma reação de primeira reação avança cada vez mais lentamente. A concentração atin-
ordem, com velocidade de reação correspondente a: ge de modo assintótico o valor final de c∞ conforme o tempo
dc tende a infinito. Freqüentemente, a equação (15-14) é expressa
− kc (15-11) da seguinte forma:
dt
2 303 a
onde c é a concentração de peróxido de hidrogênio que per- k log
manece intacto no tempo t e k é a constante da velocidade de t a−x (15-17)
primeira ordem. Mediante integração da equação (15-11) de onde o símbolo a é costumeiramente utilizado para substituir
c0, no tempo t = 0, para a concentração c, a um determinado c0; x é o decréscimo de concentração no tempo t, e a – x = c.
tempo depois, obtemos, As velocidades de reação específicas listadas na Tabela
c
dc t 15-1 foram calculadas utilizando a equação (15-17). Prova-
k dt velmente, o melhor meio de obter um valor de k médio para
c0 c 0
uma reação é mediante o gráfico do logaritmo da concen-
ln c − ln c0 k(t − 0) tração em função do tempo, como mostra a Figura 15-2. A
expressão linear na equação (15-13) indica que a inclinação
ln c ln c0 − kt (15-12) da reta é -k/2,303 e que é possível calcular a constante da
Transformando essa expressão para logaritmos comuns, se velocidade a partir desta inclinação. Ao obter-se uma linha
obtém, reta, tem-se o indicativo de que se trata de uma reação de
log c log c0 − kt 2 303 (15-13) primeira ordem. Uma vez que a constante da velocidade é
ou conhecida, pode-se calcular a concentração de reagente re-
2 303 c0 manescente em um tempo específico, como é mostrado nos
k log (15-14) seguintes exemplos.
t c
Na forma exponencial, a equação (15-12) se converte em
c c0 e−kt (15-15)

C0 Concentração inicial

TABELA 15-1
Concentração

DEGRADAÇÃO DO PERÓXIDO DE HIDROGÊNIO A 25 °C EM


1_
UMA SOLUÇÃO AQUOSA CONTENDO KI 0,02 M * 2 C0
dc
t(min) a–x k(min-1) dt Concentração
C1 em t⬁
0 57,90 —
5 50,40 0,0278
C⬁
10 43,90 0,0277
25 29,10 0,0275 t 1/2 Tempo
45 16,70 0,0276 Figura 15-1 Decréscimo da concentração de um fármaco que se degrada
65 9,60 0,0276
em função do tempo. Além de C0, e C∞, 12 C0 e o respectivo tempo t1/ 2 são
∞ 0 —
mostrados. Também foi inserida a velocidade de diminuição da concentração
* Retirada de: H. S. Harned, J. Am. Chem. Soc. 40, 1462, 1918.
com o tempo, –dC/dt, para uma concentração arbitrária, C1.
416 P ATRICK J. S INKO

po infinito para que o processo de diminuição fosse completo,


como é ilustrado graficamente na Figura 15-1. Logo, o estabe-
k
lecimento do tempo necessário para a degradação completa de
Inclinação = uma substância carece de real significado. Na realidade, a ve-
Log da concentração

2,303
locidade de degradação decai normalmente durante um deter-
minado período de tempo, até um ponto no qual julgamos que
a reação se processou integralmente. Contudo, esse tempo não
pode ser determinado de forma precisa e, por isso, a meia-vida
ou algum outro parâmetro relacionado com fração de vida útil
é mais apropriada para expressar as velocidades de reação.
Um mesmo fármaco pode apresentar diferentes ordens de
degradação, sob condições diferentes. Apesar da degradação
do peróxido de hidrogênio catalisada por íons iodo seja de
Tempo primeira ordem, se tem demonstrado que a degradação de so-
Figura 15-2 Gráfico linear de log C em função do tempo, para uma reação luções concentradas, estabilizadas com diferentes adjuvantes,
de primeira ordem. pode ser de ordem zero. Nesse caso, no qual a reação é inde-
pendente da concentração de fármaco, a degradação provavel-
mente é causada pelo contato com as paredes do recipiente ou
por algum outro fator ambiental.
EXEMPLO 15-3
Degradação de peróxido de hidrogênio EXEMPLO 15-4
A degradação catalítica do peróxido de hidrogênio pode ser acom-
panhada mediante a medição do volume de oxigênio liberado dentro
Meia-vida de primeira ordem
de uma bureta para gases. A partir de um experimento deste tipo, a Uma solução continha 500 unidades de fármaco/mL no momen-
concentração de peróxido de hidrogênio, que fica remanescente após to da sua preparação. Após 40 dias, a análise demonstrou conter
65 min, foi determinada em 9,60, expressa como volume em milili- apenas 300 unidades de fármaco/mL. Assumindo que a degrada-
tros de gás liberado, tendo sido 57,90 mL a concentração inicial. ção se processa por uma reação de primeira ordem, quanto tempo
irá demorar para esse fármaco ter uma decomposição equivalente
(a) Calcular o valor de k mediante a equação (15-14). à metade da sua concentração original?
(b) Quanto de peróxido de hidrogênio permanece intacto após Temos que
25 min? 2 303 500
k= log = 0 0128 dias−1
2 303 57 90 40 300
(a) k= log = 0 0277 min−1
65 9 60
2 303 500
t= log = 54 3 dias
2 303 57 90 0 0128 250
(b) 0 0277 = log ; c = 29 01
25 c
Reações de segunda ordem
Meia-vida
As velocidades das reações bimoleculares, as quais ocorrem
O período de tempo necessário para que um fármaco degra- quando duas moléculas reagem mutuamente, isto é,
de até a metade da sua concentração original, da forma como
calculado no Exemplo 15-3, corresponde à denominada meia- A B → Produto
vida, t1/2, considerando uma reação de primeira ordem: são freqüentemente descritas por uma equação de segunda or-
2 303 500 2 303 dem. Quando a velocidade da reação depende apenas das con-
t1 2 log log 2 centrações de A e B, estando cada termo elevado à primeira
k 250 k
potência, a velocidade de degradação de A é igual à velocidade
0 693 de degradação de B, e ambas são proporcionais ao produto das
t1 2 (15-18)
k concentrações dos reagentes:
d[A] d[B]
No Exemplo 15-4, o fármaco sofreu uma degradação de − k[A][B] (15-19)
250 unidades/mL nos primeiros 54,3 dias. Uma vez que a dt dt
meia-vida é uma constante independente da concentração, esse Quando a e b são as concentrações iniciais de A e de B,
período continua sendo de 54,3 dias, independente da quanti- respectivamente, e x é a concentração de cada uma das espé-
dade de fármaco prestes a se degradar. Já no segundo período cies reagentes no tempo t, a lei da velocidade de reação pode
de uma meia-vida igual a 54,3 dias, a metade da quantidade de ser escrita da seguinte forma:
fármaco remanescente de 250 unidades/mL, isto é, 125 unida- dx
des/mL, será perdida. No terceiro período de meia-vida, essa k(a − x)(b − x) (15-20)
quantidade será 62,5 unidades/mL e assim por diante. dt
O estudante pode agora perceber o motivo pelo qual é pre- onde dx/dt é a velocidade de reação e a – x e b – x são as con-
ferível estabelecer a meia-vida de um fármaco e não o tempo centrações remanescentes de A e B no tempo t, respectivamen-
necessário para que este degrade completamente. Exceto nas te. Quando, no caso mais simples, tanto A quanto B estão pre-
reações de ordem zero, seria preciso, teoricamente, um tem- sentes na mesma concentração, de modo que a = b, teremos:
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 417

dx 1
k(a − x)2 (15-21) t1 2 =
0 01 × 6 52
= 15 3 min
dt
Mediante a integração da equação (15-21) de x = 0 (no tempo t
= 0) para x = x (no tempo t = t) obtemos Determinação da ordem
x t
dx A ordem de uma reação pode ser determinada por diferentes
k dt
0 (a − x)
2
0
métodos.
Método da substituição. Os dados acumulados em um estu-
1 1 do de cinética podem ser substituídos pelas formas integradas das
− kt
a−x a−0 equações que descrevem as diferentes ordens de reação. Quan-
x do o valor de k, calculado para uma dessas equações, permanece
kt (15-22) constante dentro dos limites da variação experimental, passa-se a
a(a − x) considerar que a ordem de reação seja descrita por essa equação.
ou Método gráfico. O gráfico resultante de um conjunto de
1 x dados, conforme mostra a Figura 15-2, também pode ser uti-
k (15-23)
at a−x lizado para estabelecer a ordem de reação. Quando o gráfico
de concentração em função de t resulta em uma linha reta, a
No caso geral, quando A e B não ocorrem em iguais con- reação é de ordem zero. A reação é de primeira ordem quan-
centrações, a integração da equação (15-20) resulta em do o gráfico de log (a – x) em função de t gera uma linha
2 303 b(a − x) reta e é de segunda ordem quando a reta resulta de 1/ (a – x)
log kt (15-24) em função de t (quando as concentrações iniciais são iguais).
a−b a(b − x) Quando o gráfico de 1/ (a – x)2 em função de t produz uma
ou linha reta, estando todos os reagentes na mesma concentração
2 303 b(a − x) inicial, a reação é de terceira ordem.
k log (15-25)
t(a − b) a(b − x) Método da meia-vida. Em uma reação de ordem zero,
a meia-vida é proporcional à concentração inicial, a, como
Em relação à equação (15-22), pode-se verificar que quando se pode observar na Tabela 15-2. A meia-vida, t1/2, de uma
x/a (a – x) é plotado contra t, se obtém uma linha reta quando a reação de primeira ordem é independente de a; o valor de t1/2
reação é de segunda ordem. A inclinação da reta corresponde a para uma reação de segunda ordem, onde a = b, é proporcio-
k. Quando as concentrações iniciais de a e b são desiguais, o grá- nal a 1/a; e, em uma reação de terceira ordem, quando a = b
fico de log [b(a – x) / a(b – x)] em função de t deverá gerar uma = c, esse é proporcional a 1/a2. A relação entre estes resulta-
linha reta com inclinação igual a (a – b)k/2,303 e, dessa forma, dos mostra que, de modo geral, a meia-vida em uma reação
podemos calcular o valor de k. A partir das equações (15-23) e onde as concentrações de todos os reagentes são idênticas é
(15-25), é fácil de perceber que quando k resulta de uma reação igual a
de segunda ordem, as unidades são 1/(mol/litro) × 1/s, desde que 1
t1 2 ∝ n−1 (15-27)
as concentrações sejam dadas em mol/litro e o tempo em segun- a
dos. Por conseguinte, a constante da velocidade, k, de segunda onde n é a ordem de reação. Assim, se duas reações se pro-
ordem tem as dimensões litro/(mol s) ou litro mol–1 s–1. cessam com concentrações iniciais diferentes, a1 e a2, as res-
pectivas meias-vidas t1/2(1) e t1/2(2) podem estar relacionadas da
EXEMPLO 15-5 seguinte forma:
t1 2(1) (a2 )n−1 a2 n−1
Saponificação do acetato de etila (15-28)
t1 2(2) (a1 )n−1 a1
Walker4 estudou a reação de saponificação do acetato de etila a
25 °C:
CH3 COOC2 H5 + NaOH → CH3 COONa + C2 H5 OH
As concentrações iniciais de acetato de etila e de hidróxido de TABELA 15-2
sódio na mistura reacional foram 0,01000 M. A variação na con- EQUAÇÕES DAS VELOCIDADES DE REAÇÃO E TEMPOS DE
centração, x, do álcali foi de 0,000566 mol/litro nos primeiros 20 MEIA-VIDA
min. Conseqüentemente, (a – x) = 0,01000 – 0,00566 = 0,00434.
Calcular (a) a constante da velocidade e (b) a meia-vida para Equação da velocidade após Equação da
essa reação. Ordem integração meia-vida
(a) Utilizando a equação (15-23), obtemos a
1 0 00566 x kt t1 2
k= = 6 52 litro mol −1 min−1 0 2k
0 01 × 20 0 00434 a k 0 693
log t t1 2
(b) A meia-vida da reação de segunda ordem será 1 a−x 2 303 k
1 x 1
t1 2 = (15-26) kt t1 2
ak 2 a(a − x) ak
Este tipo de cálculo só pode ser aplicado quando as concen- 2ax − x 2 3 1
2kt t1 2
trações iniciais dos reagentes são iguais. No presente exemplo, 3 a 2 (a − x)2 2 a2k
teremos
418 P ATRICK J. S INKO

ou, na forma logarítmica correspondente, equilíbrio. Em outras palavras, a situação representada implica
t1 2(1) a2 a diminuição de A no sentido de formar B e, no sentido inverso,
log (n − 1) log (15-29)
t1 2(2) a1 a conversão de parte de B para reconstituir A. De acordo com
essa descrição, a velocidade líquida com que A diminui será
e, finalmente,
dada pela velocidade na qual A diminui na direção da etapa
(t1 2(1) ) t1 2(2) ) de formação de B menos a velocidade na qual A aumenta na
n log 1 (15-30)
log(a2 a1 ) direção inversa, ou seja,
Os valores de meia-vida são determinados graficamente dA
− k f A − kr B (15-31)
plotando-se a em função de t, para duas concentrações iniciais dt
diferentes, e lendo o valor de tempo correspondente a 1/2a1 e
Esta equação da velocidade pode ser integrada consi-
1/2a2. Na seqüência, os valores de meia-vida e das concentra-
derando que
ções iniciais são substituídos na equação (15-30), a partir da
A0 − A B (15-32)
qual é possível obter diretamente a ordem de reação n. Em vez
de utilizar concentrações iniciais diferentes, se podem tomar Mediante substituição da equação (15-32) dentro da equa-
duas concentrações durante uma única reação, considerando- ção (15-31), obtém-se, após integração,
as como a1 e a2, e determinar os valores de meia-vida t1/2(1) e k f A0
t1/2(2) em termos desta mesma reação. Se a reação é de primeira ln (k f kr )t (15-33)
ordem, t1/2(1) = t1/2(2), porque em uma reação de primeira ordem (k f kr )A − kr A0
o valor de meia-vida é independente da concentração. Conse- A equação (15-33) pode ser simplificada mediante intro-
qüentemente, log(t1/2(1) / t1/2(2)) = log 1 = 0, e, como se pode dução de uma condição de equilíbrio, ou seja,
verificar na equação (15-30),
k f Aeq kr Beq (15-34)
n 0 1 1
onde
A0 − Aeq Beq (15-35)
Reações complexas
As equações (15-34) e (15-35) podem ser aplicadas para
Muitas reações não podem ser expressas simplesmente me- resolver a condição de equilíbrio em termos de concentração
diante equações de ordem zero ou de primeira, segunda ou de início:
terceira ordem. Pelo fato de envolverem mais de uma reação kr
elementar ou mais de uma única etapa, recebem o nome de Aeq A0 (15-36)
k f kr
reações complexas. Este tipo de reação inclui reações reversí-
veis, paralelas e consecutivas. Considerando a equação (15-36) no contexto da equação
(15-33), podemos expressar a velocidade da equação de forma
(a) Reação reversível:
mais simples:
k1 A0 − Aeq
A B C D ln (k f kr )t (15-37)
A − Aeq
k−1
ou
A0 − Aeq k f kr
(b) Reações paralelas ou colaterais: log t (15-38)
A − Aeq 2 303
K1
B
A equação (15-38) apresenta como vantagem o fato de que
A
a aproximação de A ao equilíbrio poder ocorrer dentro de uma
C faixa de concentração bem mais ampla do que a tentativa de
K2
obter a constante de velocidade de primeira ordem durante os
(c) Reações consecutivas ou em série: estágios iniciais, quando B ≈ 0. A equação corresponde a uma
k k
k1 k2 linha reta com intercepto em zero cuja inclinação é 2f 303r . Uma
A −→ B −→ C vez que a constante de equilíbrio é dada por
Reações reversíveis. A reação reversível mais simples é aque- kf Beq
la na qual as etapas de ida e de retorno são processos de pri- K − (15-39)
kr Aeq
meira ordem:
kf após a determinação da inclinação da reta e da constante de
A B equilíbrio, é possível calcular tanto a constante de velocida-
kr de de formação quanto a constante de velocidade no sentido
Embora à primeira vista este tipo de equação aparente ser reverso.
uma expressão de equilíbrio entre A e B, é necessário salientar As tetraciclinas e alguns dos seus derivados sofrem isome-
que uma situação de equilíbrio exige que as concentrações de rização reversível na faixa de pH de 2 a 6. Esta isomerização
A e B sejam invariáveis em função do tempo. Uma vez que essa pode ser vista como uma epimerização e leva à formação de
expressão é proposta para explicar a cinética de um processo, epitetraciclinas, as quais possuem atividade terapêutica bem
a mesma deve ser entendida como a descrição da tendência ao menor do que as formas naturais. Considerando apenas a par-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 419

te da molécula de tetraciclina que é alterada, a transformação 1,0


pode ser representada esquematicamente como
0,8

0,6

0,4

0,2

A configuração natural da tetraciclina apresenta um grupo


N(CH3)2 acima do plano e um H abaixo do plano, tendo como 0
referência a página do livro. Sob condições ácidas, a substân- Tempo (min)
cia natural A é convertida para o isômero epi de B. Figura 15-4 Epimerização reversível da iso-7-clortetraciclina em dimetilfor-
McCormick e colaboradores5 estudaram a epimerização mamida contendo NaH2PO4 1M a 25 °C.
da iso-7-clortetraciclina e do seu isômero epi e notaram que
cada isômero leva a uma mesma distribuição de equilíbrio dos
isômeros (Figura 15-3). Em um solvente constituído por di-
metilformamida e solução aquosa de NaH2PO4 1 M, a 25 °C, a A eliminação de kf destas equações fornece o valor de kr.
distribuição de equilíbrio consistia de 32% de iso-7-clortetra- Assim, se pode verificar que
ciclina e 68% de iso-7-cloro-4-epi-tetraciclina, resultando em 2 1kr kr
0 010 min−1
uma constante de equilíbrio, 2 30
Beq 68 ou
K 21
Aeq 32 (0 010)(2 30)
kr 0 007 min−1
Os dados utilizados para chegar à Figura 15-3, quando 21 1
plotados de acordo com a equação (15-38), produzem uma re- A partir desse valor,o kf pode ser calculado como sendo
lação linear, como o mostra a Figura 15-4. A inclinação da
kf 2 30S − kr (2 30)(0 010) − 0 007
reta é 0,010 min–1. Da equação (15-38) se depreende que a
inclinação S é igual a: 0 016 min−1
k f kr
S 0 010 min−1
2 30 Reações paralelas ou colaterais. As reações paralelas são
e, da equação (15-39) obtemos, comuns em sistemas contendo fármacos, sobretudo quando
estão envolvidas substâncias orgânicas. A catálise ácido-
Beq kf
K 21 base geral, a ser vista mais adiante, pertence a esta classe
Aeq kr de reações.
A degradação da prednisolona catalisada por álcalis será
utilizada para ilustrar a velocidade de processos do tipo para-
lelo. Guttman e Meister6 investigaram a degradação do este-
róide prednisolona em soluções aquosas contendo hidróxido
de sódio como agente catalítico. Os experimentos foram rea-
lizados a 35 °C, sendo a velocidade de desaparição da cadeia
iso-7-clortetraciclina (%)

Iso-7-clortetraciclina lateral de diidroxiacetona acompanhada mediante técnicas


analíticas apropriadas. Foi constatado que a degradação da
prednisolona envolve reações de pseudoprimeira ordem para-
lelas, junto com o surgimento de produtos esteróides ácidos
e neutros.

Iso-7-cloro-4-epi-tetraciclina

Tempo (min)
Figura 15-3 Tendência de aproximação ao equilíbrio na epimerização re-
versível da iso-7-cloro-epi-tetraciclina (◦−◦−◦) e a iso-7-clortetraciclina
( ). (Segundo J. D. McCormick, S. M. Fox, L. L. Smith, et al., J. Am.
Chem. Soc. 79, 2849, 1957.) Prednisolona
420 P ATRICK J. S INKO

O mecanismo de reação pode ser representado da seguinte


forma: TABELA 15-3
CONSTANTE DE VELOCIDADE DE REAÇÃO PARA A
(15-40) DEGRADAÇÃO DA PREDNISOLONA CATALISADA POR
BASES, A 35 °C, NA PRESENÇA DE AR
(15-41)
NaOH k k1 k2
(normalidade) (h–1) (h–1) (h–1)
onde P, A, e N são as concentrações de prednisolona, do este- 0,01 0,108 0,090 0,018
0,02 0,171 0,137 0,034
róide ácido e do esteróide neutro, respectivamente.
0,03 0,233 0,181 0,052
A equação da velocidade correspondente é, 0,04 0,258 0,200 0,058
dP 0,05 0,293 0,230 0,063
− k1 P k2 P kP (15-42)
dt
onde k = k1 + k2. Esta equação de primeira ordem é integrada
para gerar e o valor de k2, a constante da velocidade de formação do pro-
ln(P0 P) kt (15-43) duto neutro, foi calculado subtraindo k1 de k. Os dados, da
forma como foram tabelados por Guttman e Meister,6 estão
ou
contidos na Tabela 15-3.
P P0 e−kt (15-44) A estabilidade de hidrocortisona,
A velocidade de formação do produto ácido pode ser ex-
pressa como:
dA
k1 P k1 P0 e−kt (15-45)
dt
A integração da equação (15-45) resulta em
k1
A A0 P0 (1 − e−kt ) (15-46)
k
onde A é a concentração do esteróide ácido no tempo t; A0 e P0
representam as concentrações iniciais do esteróide ácido e da Hidrocortisona
prednisolona, respectivamente. Na realidade, A0 é igual a zero foi investigada por Allen e Gupta7 em veículos aquosos e li-
porque nada de produto terá se formado antes do começo da pofílicos, bases de ungüentos removíveis com água e veículos
degradação da prednisolona. Por isso, emulsionados, na presença de outros adjuvantes, a temperatu-
k1 ras elevadas e em diferentes níveis de acidez e de alcalinidade.
A P0 (1 − e−kt ) (15-47) A hidrocortisona mostrou ser instável à temperatura ambiente
k
quando contida em veículos aquosos e em condições alcalinas.
De modo análogo, para o produto neutro, teremos que Aparentemente, etanol e glicerina favorecem a estabilidade. A
k2 decomposição em água e propilenoglicol foi uma reação de
N P0 (1 − e−kt ) (15-48) pseudoprimeira ordem. Em temperaturas elevadas e em meios
k
fortemente ácidos e alcalinos, a degradação mostrou ser de na-
Para a degradação da prednisolona catalisada por bases, as tureza complexa, seguindo um esquema de reação paralela.
equações (15-47) e (15-48) indicam que a representação grá-
fica da concentração A ou N em função de (1 – e–kt) resulta em Reações consecutivas ou em série. As reações consecutivas são
uma reta. A reta passa pela origem no tempo t = 0 e a função comuns em séries radiativas, onde um isótopo progenitor decai
terá um valor unitário no tempo t = ∞. O valor de k, a constante segundo um processo de primeira ordem formando outro isótopo
geral da velocidade de reação de primeira ordem, foi estimado filho e assim por diante, segundo uma desintegração em cadeia.
pelo gráfico de log [prednisolona] em função das diferentes Vamos tomar como exemplo de reações consecutivas o esquema
concentrações de hidróxido de sódio. Foi possível compro- da degradação esquemática da glicose. A depleção da glicose em
var a validade da expressão (15-47) utilizando os valores de solução ácida pode ser representada pelo seguinte esquema,8 no
k calculados para concentrações diferentes de íon hidroxila. O qual o 5-HMF representa o 5-hidroximetilfurfural:
gráfico da quantidade de produto ácido formado em função de Polissacarídeos
(1 – e–kt) resultou em uma reta que passa pela origem, tal como
é predito pela equação (15-47). O valor de k1, a constante da Glicose
Produtos corados
velocidade de formação do produto ácido, foi calculado a par-
tir da inclinação da reta, Ácidos fórmico
k1 Inclinacão × k P0 (15-49) e levulínico
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 421

outros produtos parenterais poderão ser estocados prevendo


momentos de emergência.
Mauger e colaboradores9 estudaram a degradação do he-
misuccinato de hidrocortisona a 70 °C, dentro de uma faixa
estreita de pH, e verificaram que este é outro exemplo de rea-
5-hidroximetilfurfural ção consecutiva de primeira ordem. Em pH 6,9, a constante da
velocidade k1 foi 0,023 h–1 e k2 foi 0,50 h–1.
Como se pode observar, o esquema envolve todo um con-
Aproximação do estado estacionário
junto de reações complexas, reversíveis, paralelas e consecuti-
vas. Em concentrações baixas de glicose e de catalítico ácido, Equação de Michaelis-Menten As equações de velocidade de
a formação de polissacarídeos pode ser desconsiderada. Mais vários processos cinéticos não podem ser integradas de forma
ainda, dada a natureza indefinida dos produtos de degradação exata. Nestes casos, é vantajoso pressupor uma seqüência de
da 5-HMF, estes podem ser considerados em conjunto e deno- reações que permita derivar uma equação de velocidade pos-
minados simplesmente como constituinte C. O mecanismo sim- sível de ser aplicada à seqüência de etapas propostas. Quando
plificado pode ser assim descrito como uma série de reações, a seqüência proposta é suficientemente apropriada e consegue
k1 k2 de fato representar as verdadeiras etapas implícitas na reação,
A −→ B −→ C a cinética de reação observada será coincidente com a equa-
onde A é glicose, B é o 5-HMF e C representa os produtos ção de velocidade derivada desses pressupostos.
de degradação final. A velocidade de degradação da glicose é A aproximação ao estado estacionário (steady-state) é
dada pela equação utilizada com freqüência para facilitar o trabalho de deduzir
− dA dt k1 A (15-50) a forma da equação de velocidade. Vamos exemplificar esta
aproximação derivando a equação de Michaelis-Menten.
A velocidade de variação na concentração de 5-HMF cor- Michaelis e Menten10 partiram do pressuposto que a in-
responde a teração de um substrato, S, com uma enzima, E, gerando um
dB dt k1 A − k2 B (15-51) produto, P, obedecia à seguinte seqüência de reações:
e a velocidade para os produtos de degradação corresponde a k1
k2
E S (E · S) −→ P
dC dt k2 B (15-52) k2
Mediante integração destas equações e substituição apro- De acordo com esse esquema, a velocidade de formação
priada das mesmas, obtemos do produto será igual a
A A0 e−k1 t (15-53) dP
k3 (E · S) (15-56)
A0 k1 −k1 t dt
B (e − e−k2 t ) (15-54)
k2 − k1 Não há um modo fácil de se obter a concentração do com-
e plexo enzima-substrato, de modo que é necessário que esta
1 concentração seja expressa em termos de quantidades facil-
C A0 1 k2 e−k1 t − k1 e−k2 t (15-55)
k1 − k2 mente mensuráveis. Em estudos com enzimas, costumamos
medir S, P e E0, a concentração total de enzima.
Aplicando as equações (15-53), (15-54) e (15-55), é possí- A velocidade de formação de (E · S) corresponde a
vel determinar as constantes de velocidade k1 e k2 e a concen-
d(E · S)
tração dos produtos de degradação C. Foi assim determinado k1 (E)(S) − k2 (E · S) − k3 (E · S) (15-57)
que a glicose degrada seguindo uma reação de primeira ordem. dt
À medida que a glicose sofre depleção do meio, a concen- ou
d(E · S)
tração de 5-HMF aumenta rapidamente no início da reação, k1 (E)(S) − (k2 k3 )(E · S) (15-58)
mas as velocidades de reação diminuem conforme o tempo dt
transcorre. Os produtos de degradação do 5-HMF aumentam Quando a concentração de (E · S) é constante ao longo da
lentamente no início, indicando um período de indução ou de maior parte da reação e sempre é bem menor que as concentra-
latência, mas depois o fazem a uma velocidade maior. Estes ções de S e de P, pode-se dizer que
últimos produtos são responsáveis pela coloração das soluções d(E · S)
de glicose, observada quando as soluções são esterilizadas em 0 (15-59)
temperaturas elevadas. dt
Estudos cinéticos como os abordados anteriormente Das equações (15-58) e (15-59) depreende-se que
possuem uma considerável aplicação prática em Farmácia. k1 (E)(S)
Quando os mecanismos de degradação das soluções paren- (E · S)ss (15-60)
k2 k3
terais são melhor compreendidos, o farmacêutico industrial
é capaz de preparar produtos com prazos de validade mais onde o subscrito ss indica a concentração referente ao valor no
longos. Assim, estoques maiores de glicose injetável e de estado estacionário.
422 P ATRICK J. S INKO

A concentração total de enzima, E0, corresponde à soma


das concentrações de enzima livre, E, e ligada, E · S,
E 0 E (E · S)ss (15-61)
Eliminando E das equações (15-60) e (15-61), obtemos
k1 SE 0 Intercepto
(E · S)ss (15-62) Inclinação
(k2 k3 ) k1 S
ou
SE 0
(E · S)ss (15-63)
Km S
onde
k2 k3
Km (15-64)
k1 Figura 15-5 Gráfico de Lineweaver-Burk para a cinética de Michaelis-Men-
Assim, a velocidade de formação do produto será dada, ten mostrando duas formas de cálculo de Km.
em condições de estado estacionário, pela equação
dP k3 SE 0
(15-65)
dt Km S (a) Baseando-se na expressão de Lineweaver-Burk da equação
de Michaelis-Menten, construa um gráfico de 1/V em função de 1/
que recebe o nome de equação de Michaelis-Menten. [S] e calcule Vm e Km mediante análise de regressão linear, usando
A constante de Michaelis-Menten, Km, indica a tendência os dados a seguir. Os dados para o gráfico de Lineweaver-Burk e a
do complexo enzima-substrato a se decompor ao substrato ini- correspondente análise de regressão linear são os seguintes:
cial ou prosseguir em direção ao produto, relacionado à ten-
dência de formação do complexo. 1/V [min /(µg/litro)] 28,57 24,10 22,22 20,41 19,80
No caso do modelo de Michaelis-Menten, é conveniente 1/[S] (litros/mol) 400 200 100 59,88 30,0
introduzir o conceito de velocidade máxima, especificamente, (b) Extrapolar a linha reta até o eixo horizontal (eixo de x), onde
(dP/dt)máxima, a qual geralmente é escrita como Vm. Quando S é o intercepto vale -1/Km. Determinar o valor de -1/Km da forma mais
muito grande, toda enzima E0 está presente na forma do com- precisa possível e calcular Km a partir do seu valor recíproco. Com-
plexo E · S, ou seja, toda enzima está ligada ao substrato e a parar esse valor com aquele obtido por regressão linear em (a).
reação acontece com velocidade máxima. A partir da equação Resposta: (a) A análise por regressão linear resulta na
(15-56), dP/dt passa a ser Vm, e Vm = k3E0, uma vez que E · S equação:
é equivalente a E0. Como conseqüência, a partir da equação 1 V = 19 316 + 0 0234(1 [S]); r 2 = 0 990
(15-65), teremos que,
Intercepto, 1 Vm = 19 316; Vm = 0 0518 μg
S
V Vm (15-66) Inclinação = Km Vm = 0 0234 g M
km S
Km = 0 0234 g M × 0 0518μg
A equação (15-66) pode ser invertida para obter a relação
linear denominada equação de Lineweaver-Burk: = 0 0012 M
1 Km S (b) Por extrapolação,
(15-67)
V Vm · S −1 Km = −823 M −1
1 1 Km 1 Km = 0 0012 M
(15-68)
V Vm Vm S
A partir da equação (15-68), pode-se verificar que o gráfi- A cinética de Michaelis-Menten não é aplicada apenas a
co de 1/V em função de 1/S gera uma linha reta que intercep- reações enzimáticas, mas também a processos bioquímicos do
organismo que envolvem carreadores que transportam substân-
ta o eixo vertical em 1/Vm e cuja inclinação é Km/Vm (Figura
cias através de membranas, tais como aquelas dos capilares e
15-5). Se a partir do valor do intercepto calculamos Vm e a par-
túbulos renais. Acredita-se, por exemplo, que a absorção da
tir da inclinação calculamos Km/Vm, podemos, então, calcular a
L-tirosina das cavidades nasais para a corrente sangüínea seja
constante de Michaelis, Km. um processo facilitado por carreadores, o qual é descrito pela
cinética de Michaelis-Menten. Este tema é abordado com mais
EXEMPLO 15-6 detalhe no Capítulo 15.
Transformações lineares da equação de Michaelis-Menten
Etapa determinante da velocidade
A velocidade, V, de uma reação enzimática com concentração
crescente de substrato [S] foi calculada experimentalmente, ob- Na seqüência de uma reação na qual uma das etapas é muito mais
tendo-se a seguinte série de resultados: lenta do que as subseqüentes que levam à formação do produto,
a velocidade na qual o produto é formado pode depender das ve-
V [μg/(Lmin)] 0,0350 0,0415 0,0450 0,0490 0,0505
locidades de todas as etapas que precedem a mais lenta, mas não
[S] (molaridade, M) 0,0025 0,0050 0,0100 0,0167 0,0333
depende de qualquer uma das etapas posteriores a esta. A etapa
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 423

mais lenta da seqüência de uma reação é denominada, de modo


equivocado, de etapa determinante da velocidade de uma reação. 4,0
Considere a seguinte rota mecanicista,
k1
A B (etapa 1 e etapa 2) 3,0
k2

log k + 2 (h–1)
k3
B C −→ D (etapa 3)
k4 2,0
D −→ P (etapa 4)
a qual pode ser proposta para a reação geral observada
A C→P 1,0
Quando as concentrações dos produtos intermediários B e
D são pequenas, podemos aplicar a aproximação do estado es-
tacionário para avaliar as concentrações destes nesta situação,
0
o que podemos expressar como: 2,4 2,5 2,6 2,7
k1 A
Bss
k2 k3 C Figura 15-6 Gráfico do log k em função de 1/T para a degradação térmica
e da glicose.
k1 k3 AC
Dss
k4 (k2 k3 C)
A velocidade de formação do produto pode ser descrita o número de colisões aumenta com a temperatura, espera-se que
como a velocidade da reação também o faça quando a temperatura é
dP aumentada. De fato, a velocidade de muitas reações aumenta
k4 Dss
dt duas ou três vezes para cada 10 graus de aumento na temperatu-
ou ra. Conforme a reação ocorre dos reagentes para os produtos, o
dP k1 k3 AC sistema deve passar por um estado cuja energia é maior do que
(15-69)
dt k2 k3 C aquela encontrada nos reagentes iniciais. Esta “barreira” evita
que os reagentes se transformem imediatamente em produtos.
Quando, na seqüência mecanicista, a etapa 3 é a etapa mais A energia de ativação, Ea, é a medida dessa barreira. O efeito da
lenta (a etapa determinante da velocidade), podemos afirmar temperatura sobre a velocidade de reação é dado por uma equa-
que k2 >> k3C, e a equação (15-69) fica simplificada como ção que foi primeiramente sugerida por Arrhenius,
uma expressão de segunda ordem,
dP k1 k3 AC k Ae−Ea RT
(15-72)
k0 AC (15-70) ou
dt k2 Ea 1
log k log A − (15-73)
Por outro lado, se a etapa 2, a reação reversa, é a etapa 2 303 RT
mais lenta, então k3C >> k2, e a equação (15-69) fica reduzida
a uma expressão de primeira ordem, onde k é a velocidade de reação específica, A é uma constante
denominada fator de Arrhenius ou fator de freqüência, Ea é a
dP k1 k3 AC
k1 A (15-71) energia de ativação, R é a constante dos gases, 1,987 calorias/
dt k3 C mol K, e T é a temperatura absoluta. As constantes A e Ea serão
Desse modo, vemos que as reações podem apresentar um abordadas em uma seção posterior deste mesmo capítulo. Am-
comportamento de primeira ou de segunda ordem, ainda quan- bas podem ser calculadas a partir da determinação de k a várias
do o mecanismo em detalhe para estas reações possa ser bas- temperaturas e construindo um gráfico de 1/T em função de log
tante complexo. k. Como se observa na equação (15-73), a inclinação da reta
assim obtida corresponde a – Ea/ 2,303R e o intercepto no eixo
vertical corresponde a log A, permitindo o cálculo de Ea e A.
A Figura 15-6* mostra a representação gráfica dos dados
EFEITOS DA TEMPERATURA obtidos a partir da degradação da glicose em solução, a tem-
peraturas entre 100 e 140 °C, na presença de ácido clorídrico
Vários outros fatores, além da concentração, podem afetar a 0,35 N. Pode-se observar que, devido ao fato do valor recípro-
velocidade de reação, entre eles, temperatura, solventes, subs- co da temperatura estar plotado no eixo horizontal, a tempera-
tâncias catalíticas e a luz. Nesta seção será discutido o efeito
da temperatura.
* Observe que log k + 2 está colocado no eixo vertical da Figura 15-6. Este
é um modo conveniente de eliminar valores negativos ao longo desse eixo.
Teoria da colisão Por exemplo, se k = 1,0 × 10–2, 2,0 × 10–2, etc., as respectivas expressões
logarítmicas são log 1,0 + log 10–2, log 2,0 + log 10–2, etc., ou 0,0 – 2 =
É de se esperar que as velocidades de reação sejam proporcio- –2; 0,3 – 2 = –1.7, etc. Os sinais negativos podem ser eliminados do eixo
nais ao número de colisões por unidade de tempo. Uma vez que vertical adicionando 2 a cada valor, o que explica a notação log k + 2.
424 P ATRICK J. S INKO

tura, na realidade, diminui da esquerda para a direita ao longo EXEMPLO 15-7


deste gráfico. Por essa razão, às vezes é vantajoso plotar o log
t1/2 no eixo das abscissas em vez do log k. O valor de meia-vida Degradação do 5-HMF
para uma reação de primeira ordem pode ser relacionado com A constante da velocidade k1 para a degradação do 5-hidroxime-
k mediante a equação (15-18), t1/2 = 0,693/k, e, na sua forma tilfurfural a 120 °C (393 K) é 1,173 h–1 ou 3,258 × 10–4 s–1 e a
logarítmica, como constante k2 a 140 °C (413 K) é 4,860 h-1. Calcular a energia de
log k log 0 693 − log t1 2 (15-74) ativação, Ea, em kcal/mol e o fator de freqüência, A, em s–1, para a
degradação do 5-HMF dentro dessa faixa de temperatura.
Substituindo a equação (15-74) dentro da equação (15-73), Temos que
se obtém 4 860 Ea 413 − 393
log =
Ea 1 1 173 2 303 × 1 987 413 × 393
log t1 2 log 0 693 − log A
2 303R T Ea = 23 kcal mol
ou Para 120 °C, obtemos, mediante a equação (15–73),
Ea 1
log t1 2 constante 23 000 cal 1
2 303R T log(3 258 × 10−4 s −1 ) = log A −
2 303 × 1 987 393
O valor de Ea/2,303R pode ser obtido da inclinação da reta A = 2 × 109 s −1
resultante do gráfico de log t1/2 em função de 1/T. Higuchi e
colaboradores11 plotaram os resultados da hidrólise alcalina
da procaína seguindo este procedimento, como mostrado na
Figura 15-7. Teoria clássica da colisão nas velocidades de
Ea também pode ser calculado escrevendo a equação reação
(15-73) para uma temperatura T2 da seguinte forma:
A equação de Arrhenius é, em grande parte, uma relação empí-
Ea 1
log k2 log A − rica que expressa o efeito da temperatura sobre a constante da
2 303R T2 velocidade observada. Relações deste tipo são observadas em
e, para a outra equação referente à temperaturaT1, como: reações unimoleculares e bimoleculares e, com freqüência, em
Ea 1 reações de formação de complexos que envolvem várias etapas
log k1 log A − uni e bimoleculares. Embora na maioria dos casos seja bastan-
2 303R T1 te difícil vincular o significado da dependência das reações de
A subtração das duas equações conduz a complexação à temperatura, a dependência das reações uni e
bimoleculares com a temperatura parece explicar bem os re-
k2 Ea T2 − T1
log quisitos físicos fundamentais que devem ser preenchidos para
k1 2 303R T2 T1 que uma reação ocorra.
A forma mediante a qual a temperatura afeta o movimen-
to molecular pode ser compreendida ao se considerar uma si-
tuação hipotética segundo a qual todas as moléculas de uma
substância estão se movimentando em uma mesma direção e a
uma mesma velocidade. Quando as moléculas se desviam do
2,6 seu curso, estas irão colidir com outras moléculas fazendo com
que ambas as moléculas se afastem em direções diferentes e
a velocidades diferentes. Uma cadeia de colisões entre molé-
2,4 culas poderá, assim, acontecer, resultando em um movimento
aleatório de todas as moléculas. Nesse caso, apenas uma de-
terminada fração de moléculas terá a velocidade equivalente
2,2
à velocidade inicial vista no sistema organizado. O resultado
líquido será uma distribuição das velocidades moleculares
2,0 variando de zero para cima, para um número finito de molé-
culas, a uma temperatura determinada e, conseqüentemente,
para uma energia total definida. Uma vez que a energia ciné-
1,8 tica é proporcional ao quadrado da velocidade, a distribuição
das velocidades das moléculas corresponde à distribuição das
1,6 energias das moléculas. A Lei da distribuição de Boltzmann
expressa a fração de moléculas que possuem uma determinada
energia cinética,
1,4 Ni
320 330 340 350 360 fi e−Ei RT (15-75)
NT
Figura 15-7 Gráfico de log t1/2 em função de 1/T para a hidrólise alcalina A partir da lei da distribuição de Boltzmann podemos ob-
da procaína. (Segundo T. Higuchi, A. Havinga and L. W. Busse, J. Am. Pharm. servar que, do número total de móis do reagente, NT, uma fra-
Assoc. Sci. Ed. 39, 405, 1950). ção de Ni móis terá a energia cinética expressa por Ei. A teoria
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 425

da colisão das velocidades de reação propõe que deve ocorrer Quando a energia de ativação é conhecida, o valor cor-
colisão entre as moléculas para que a reação aconteça e, além respondente de Q10 pode ser extraído da equação (15-83). O
disso, que as moléculas devem possuir certa energia para que a método de aproximação de Q10 é útil para efetuar cálculos
reação entre elas ocorra. Segundo esse postulado, a velocidade aproximados rápidos. Como já destacado por Connors e co-
de uma reação pode ser considerada proporcional ao número laboradores,1 as energias de ativação para a degradação de
de móis do reagente que possui energia suficiente para reagir, fármacos normalmente têm um valor na faixa de 12 a 24 kcal/
ou seja, mol, com valores representativos localizados entre 19 e 20
Velocidade PZNi (15-76) kcal/mol. Quando se deseja fazer uma estimativa e Ea é des-
conhecido, é factível utilizar esses valores representativos
A constante de proporcionalidade nessa relação está divi- para calcular valores de Q10. Por exemplo, para um aumento
dida em dois termos: o número de colisões, Z, que, para uma da temperatura de 20 °C para 30 °C, utilizando a equação
reação entre duas moléculas é o número de colisões por segun- (15-83), teremos valores de Q10 = 2, 3 e 4 quando Ea = 12,2,
do por centímetro cúbico, e o fator de probabilidade ou fator 19,4 e 24,5, respectivamente. Este cálculo simples demonstra
estérico, P, que é incluído para poder levar em conta o fato de que a velocidade de degradação para a maioria dos medica-
que nem toda colisão entre moléculas acaba em reação. Ou mentos aumenta de 2 a 4 vezes, com uma média de três ve-
seja, P expressa a probabilidade que uma colisão entre molé- zes, quando a temperatura aumenta em 10 °C, dentro de uma
culas leve à formação do produto da reação. determinada faixa (no caso, de 20 °C a 30 °C), o que pode
Substituindo Ni na equação (15-76), obtemos a expressão acontecer com usuários normais. O estudante mais avançado
Velocidade (PZe−Ei RT )N T (15-77) pode estar interessado em generalizar a aproximação de Q10
para estimar o efeito do aumento ou diminuição da tempera-
que, quando comparada com a lei geral da velocidade de reação, tura em níveis diferentes. Para realizar isso, é possível utilizar
Velocidade k × Concentração de reagentes (15-78) a seguinte equação:
nos leva a concluir que k(T T ) ( T 10)
Q T Q 10 (15-84)
k (PZ)e−Ei RT
(15-79) kT
Logo, a teoria do estado de colisão interpreta o fator de
Arrhenius, A, em termos de freqüência de colisão entre molé- EXEMPLO 15-8
culas, ou seja,
Efeito do aumento/diminuição da temperatura sobre as
A PZ (15-80)
constantes de velocidade
e a energia de ativação de Arrhenius, Ea, como o mínimo de
Calcular o fator de variação para as constantes de velocidade de:
energia cinética que uma molécula deve ter para que ocorra
(a) para uma variação de temperatura de 25 °C para 50 °C e (b)
reação. Logo, de 25 °C para 0 °C.
Ea Ei (15-81) Resposta:
Yang12 mostrou a possibilidade de erro ao determinar a (a) Utilizando a equação (15-84), com ΔT =+25, teremos que,
energia de ativação, Ea, e o prazo de validade previsto quan- 25 10
Q +25 = Q 10
do a ordem da cinética de reação é calculada incorretamente a
= 5 7 15 6 32 para Q 10 = 2 3 4 respectivamente
partir de testes de estabilidade acelerada, por exemplo, quando
uma reação de ordem zero verdadeira passa a ser igualmente Logo, a velocidade de reação aumenta entre 6 e 32 vezes com
bem descrita por uma degradação de primeira ordem. um provável aumento médio de cerca de 16 vezes.
(b) Quando ΔT = –25, teremos,
Q −25 = Q 10
Cálculo de Q10
1 1 1
= para
Connors e colaboradores1, em um excelente texto de referência 5 7 15 6 32
para farmacêuticos, descreve um cálculo simples e direto que Q 10 = 2 3 4 respectivamente
facilita o entendimento prático dos efeitos da temperatura. Me-
diante este método, se pode estimar o efeito de um incremento Assim, a velocidade de reação diminui entre 1/6 e 1/32 do seu
de 10 °C da temperatura sobre a estabilidade dos medicamen- valor inicial.
tos. Da mesma forma como foi feito no Exemplo15-7, este mé-
todo, que é denominado método Q10, baseia-se na razão das
constantes de velocidade de duas reações a duas temperaturas Cálculo do prazo de validade
diferentes. O valor de Q10 foi originalmente definido por Simo-
Os exemplos a seguir ilustram situações com as quais o far-
nelli e Dresback13 como sendo
macêutico que pesquisa ou que formula podem se defrontar
k(T 10) na prática.
Q 10 (15-82)
kT
Q10 é o fator de incremento da constante da velocidade EXEMPLO 15-9
para cada 10 °C de aumento na temperatura. O fator Q10 pode Aumento do prazo de validade da aspirina (Connors e
ser calculado a partir da seguinte equação: colaboradores,1 p. 12-18)
Ea 1 1
Q 10 exp − − (15-83) A aspirina é mais estável em pH 2,5. Neste pH, a constante e velo-
R T 10 T cidade de primeira ordem aparente é 5 × 10–7 s–1, a 25 °C. O prazo
426 P ATRICK J. S INKO

de validade da aspirina em solução, nestas circunstâncias, pode A B [A · · · B]‡ → P


ser calculado da seguinte forma: Moléculas de Moléculas de reagentes Moléculas de
reagentes normais ativadas no estado de produto
0 105
t90 = = 2 1 × 105 s = 2 dias transição
5 × 10−7 (complexo ativado) (15-86)
Como se pode observar, a aspirina é bastante instável em so- A cruz dupla é aqui utilizada para indicar o estado ativado,
lução aquosa. Poderia uma suspensão aumentar o prazo de vali- especificamente, [A · · · B]‡.
dade da aspirina?
A velocidade de formação do produto nesta teoria é dada
A solubilidade da aspirina é 0,33 g/100 mL. A um valor de
pela expressão
pH de 2,5, a constante da velocidade de ordem zero aparente para
Velocidade v[A · · · B]‡ (15-87)
a suspensão de aspirina é
k0 = 5 × 10−7 s −1 × 0 33 g 100 mL onde v representa a freqüência com que o complexo ativado
passa para produto. Uma vez que existe um estado de equilí-
= 1 65 × 10−7 g mL · s
brio entre os reagentes e o complexo ativado,
Quando uma dose de aspirina de 650 mg por colher de chá [A · · · B]‡
(N. de T.: 5 mL) é administrada, vamos ter 650 mg/5 mL = 13 K‡ (15-88)
[A][B]
g/100 mL.
Para essa suspensão de aspirina, o tempo de validade será essa expressão pode ser reordenada de modo a se obter
t90 =
(0 1) (13)
= 7 9 × 106 s = 91 dias [A · · · B]‡ K ‡ [A][B] (15-89)
1 65 × 10−7
Logo,
O aumento do prazo de validade da suspensão de aspirina, Velocidade v K ‡ [A][B] (15-90)
em comparação com aquele observado para a solução, é o resul- A equação geral para a velocidade de uma reação bimo-
tado da interação entre solubilidade e estabilidade do fármaco. lecular será
Neste caso, a forma sólida do fármaco é estável, enquanto que a Velocidade k[A][B] (15-91)
aspirina em solução é instável. À medida que a aspirina se decom-
põe, a concentração na solução é mantida, uma vez que quantida- do que se depreende que
des adicionais de aspirina vão se dissolvendo até alcançar o limite k vK‡ (15-92)
da sua solubilidade em água. Relembrando considerações termodinâmicas, segundo as
quais,
EXEMPLO 15-10 G◦ RT ln K (15-93)
Quanto tempo se pode deixar um produto à temperatura ou

ambiente? K e− G RT (15-94)
e
A suspensão de ampicilina reconstituída é estável por 14 dias
quando mantida na geladeira (5 °C). Se o produto é deixado por G◦ H ◦ − T S◦ (15-95)
12 horas à temperatura ambiente, qual será a redução na sua data Substituindo o K normal por K‡, de acordo com os objeti-
de vencimento? vos do momento e efetuando substituições similares nas equa-
Para resolver este problema devemos fazer uso da seguinte ções termodinâmicas, obteremos
equação: − G ‡ RT
t90 (T1 ) k (15-96)
t90 (T2 ) = (ΔT 10)
(15-85) e
Q 10 S‡ R H ‡ RT
k (ve )e− (15-97)
A estimativa de t90 (T2) é independente da ordem de reação.
Em outras palavras, não se necessita conhecer a equação para se onde ΔG , ΔS e ΔH são as respectivas diferenças entre a ener-
‡ ‡ ‡

fazer esta estimativa. gia livre-padrão, entropia, e entalpia do estado de transição e


do estado normal dos reagentes.
Nesta teoria, o fator A de Arrhenius se relaciona com a
entropia do estado de transição:
OUTROS FATORES – PONTO DE VISTA MOLECULAR A S‡ R
(15-98)
e a energia de ativação de Arrhenius, Ea, relaciona-se com a
Teoria do estado de transição entropia de ativação do estado de transição, ou seja,
Ea H‡ E‡ P V ‡ (15-99)
Uma alternativa para a teoria da colisão é a teoria do estado de
transição ou teoria da velocidade de reação absoluta, segundo Para fins mais práticos, quando ΔV‡ = 0, se terá:
a qual se considera a existência de um equilíbrio entre as mo-
Ea E‡ (15-100)
léculas de reagentes normais e um complexo ativado dessas
mesmas moléculas. A decomposição do estado ativado leva à Em princípio, a teoria do estado de transição expressa a
obtenção do produto. Para um processo bimolecular básico, a influência da temperatura sobre as velocidades de reação me-
reação pode ser escrita como diante a equação geral,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 427

S‡ R E ‡ RT
k ( )e− (15-101) Logo, a partir da (15-97), temos que:
ΔH ‡ ∼
= Ea
onde a freqüência de decomposição do complexo no estado −6 ‡

de transição, v, pode variar dependendo da natureza dos rea- 38 5 × 10 = 7 74 × 1012 eΔS 1 987
× e−16 800 (1 987×371)

gentes. Eyring14 demonstrou que, para se aproximar aos dados ΔS‡ = −24 73 cal mol
reais, a magnitude de v pode ser considerada como um fator e, da equação (15-98) obtemos,
universal para reações, restando apenas a influência da tempe-
A = 7 74 × 1012 e−33 9 1 987
= 3 05 × 107 s −1
ratura, e que esta pode ser descrita como
RT Finalmente, considerando a discussão referente à equação
v (15-102) (15-104), teremos que:
Nh
P = e−33 9 1 987
= 3 9 × 10−6
onde R é a constante universal dos gases, T é a temperatura
absoluta, N é o número de Avogadro e h é a constante de Plan-
ck. O termo RT/Nh tem um valor próximo de 1012 a 1013 s–1 a Marcus e Baron15 compararam as cinéticas de reação da
temperaturas normais (∼ 2 × 1010 T). Em muitas reações de ga- hidrólise catalisada por ácidos da procainamida, procaína e
ses unimoleculares, quando ΔS‡ vale zero, de modo que eΔS‡/R benzocaína. Esses autores verificaram que os fatores de fre-
= 1, a constante da velocidade normalmente tem um valor de qüência para procainamida e procaína foram consideravelmen-
1013e–Ea/RT, ou seja, te mais baixos quando comparados com os valores esperados
para este tipo de substância. Procainamida e procaína ocorrem
RT − H ‡ RT ∼ 13 −Ea RT
k∼ e 10 e como espécies diprotonadas em solução ácida, ou seja, elas
Nh (15-103) incorporaram dois prótons; por isso a hidrólise na presença de
Quando a velocidade de reação se afasta desse valor, po- ácidos envolve interações com íons carregados positivamente,
de-se considerar que seja devido ao termo eΔS‡/R Quando o a saber, a molécula de procaína diprotonada e o íon hidrônio:
complexo ativado apresenta um arranjo molecular mais orga-
nizado do que aquele encontrado para os reagentes normais,
ΔS‡ terá um valor positivo e a velocidade de reação será maior
do que o normal. Pelo contrário, quando o complexo ativado
ocorre somente após uma reorganização considerável das es- Procaína diprotonada sob ataque do íon
truturas moleculares dos reagentes, tornando o complexo uma hidrônio durante uma hidrólise ácida
estrutura pouco provável, ΔS‡ é negativa e a reação será mais
lenta do que a prevista pela equação (15-103). A relação entre Segundo os autores, os dois centros protonados positiva-
a teoria da colisão e a teoria do estado de transição pode ser mente da molécula de procaína exercem consideráveis efeitos
de repulsão ao ataque de íons hidrônio. Esta repulsão resulta
vista ao se comparar as equações (15-80), (15-98) e (15-102).
em um fator de freqüência baixo. A ΔS‡ é inesperadamente ne-
Pode-se concluir que gativa (Exemplo 15-8), considerando os motivos descritos a
RT S ‡ R seguir. Quando o terceiro próton finalmente se liga à molécula,
PZ e
Nh (15-104) o complexo ativado resultante é um íon altamente carregado.
O número de colisões, Z, é dado pelo termo RT/Nh e o Esta molécula ativada é fortemente solvatada, o que reduz a
liberdade de movimento do solvente e, conseqüentemente, ha-
fator de probabilidade, P, pelo termo entrópico ΔS‡/R.
verá diminuição da entropia de ativação. Esse efeito também
tende a diminuir o fator de freqüência.
EXEMPLO 15-11
Hidrólise da procaína catalisada por ácidos
Efeitos do meio: solvente, força iônica, constante
Em um estudo da hidrólise da procaína catalisada em meio ácido,
Marcus e Baron15 obtiveram o valor da velocidade de reação de
dielétrica
primeira ordem, k, a partir do gráfico de log c em função de t e o
valor da energia de ativação, Ea, mediante o gráfico de Arrhenius Efeito do solvente
log k em função de 1/T. Os valores obtidos foram: para k, 38,5 × O efeito do solvente sobre a velocidade de degradação de fár-
10–6 s–1 a 97,30 °C, e para Ea 16,8 kcal/mol. macos é um tópico de extrema importância na área da Farmá-
Calcular ΔS‡, o fator de freqüência, A, utilizando as equa- cia. Embora estes efeitos sejam complexos e normalmente não
ções (15-97) e (15-98) e o fator de probabilidade P. Primeiramente se possam fazer generalizações, parece que a reação de não-
é necessário calcular RT/Nh a 97,30 °C, ou seja, a aproximada- eletrólitos está relacionada com as pressões internas ou parâ-
mente 371 K: metros de solubilidade relativos ao soluto e ao solvente. Os
RT 8 31 × 107 erg mol × 371 efeitos devidos à força iônica e à constante dielétrica do meio
v = = sobre a velocidade de reações iônicas também são significan-
Nh 6 62 × 10−27 erg s molécula
tes e serão discutidos nas seções seguintes.
× 6 02 × 1023 moléculas mol Geralmente, as soluções apresentam comportamento não-
= 7 74 × 1012 s −1 ideal, de modo que a equação (15-88) deve ser corrigida me-
428 P ATRICK J. S INKO

diante a inclusão dos coeficientes de atividade. Para uma rea- Desta forma, pode-se ver que a constante da velocidade
ção bimolecular do tipo depende dos volumes molares dos parâmetros de solubilida-
A B [A · · · B]‡ → Produtos de. Uma vez que estes três termos elevados ao quadrado, (δ1
– δA)2, (δ1 – δB)2 e (δ1 – δ‡)2, representam as diferenças entre
a constante de equilíbrio termodinâmico deve ser escrita em os parâmetros de solubilidade, ou pressões internas, do solven-
termos de atividade como: te e dos reagentes e do solvente e complexo ativado, os mes-
a‡ C‡ γ‡ mos podem ser simbolizados respectivamente como ΔδA, ΔδB
K‡ (15-105) e Δδ‡. Os volumes molares não se alteram significativamente
aAaB C AC B γ AγB e, por isso, a constante da velocidade depende, sobretudo, das
onde a‡ é a atividade das espécies no estado de transição; aA e diferenças entre (ΔδA + ΔδB) e Δδ‡.
aB são as atividades dos reagentes no seu estado normal. Dessa Isso pode ser facilmente observado ao reescrevermos a
forma, podem ser obtidas as seguintes expressões, que são aná- equação (15-110) da seguinte forma:
logas às equações (15-87) e (15-90): V ‡
log k log k0 ( A B − )
RT ‡ RT ‡ γ AγB 2 303RT
Velocidade C K CA CB ‡ (15-106)
Nh Nh γ Assume-se que as propriedades do complexo ativado se-
e jam muito similares àquelas presentes nos produtos, de modo
Velocidade RT ‡ γ A γ B que Δδ‡ pode ser elevado ao quadrado para expressar a dife-
k K
C AC B Nh γ‡ rença entre valores de pressão interna do solvente e dos pro-
ou dutos. Essa equação indica que quando a pressão interna ou
γ AγB “polaridade” dos produtos é semelhante àquela do solvente,
k k0 ‡ (15-107)
γ de forma que Δδ‡ ≅ 0, e as pressões internas dos reagentes
são diferentes em relação à do solvente, ou seja, ΔδA e ΔδB >
onde k0 = RTK‡/Nh é a constante da velocidade da reação 0, a velocidade de reação será maior neste solvente quando
em uma solução infinitamente diluída, ou seja, uma solução comparada com a de uma solução ideal. Se, ao contrário, os
que se comporta de modo ideal. É necessário recordar dos reagentes têm “polaridade” semelhante ao solvente, de modo
capítulos anteriores que os coeficientes de atividade podem que ΔδA e ΔδB ≅ 0, enquanto que os produtos não são seme-
associar o comportamento do soluto na solução em estudo lhantes ao solvente, ou seja, Δδ‡ > 0, então (ΔδA + ΔδB) -Δδ‡
com aqueles observados para o soluto em uma solução infi- terá um nítido valor negativo e a velocidade será pequena
nitamente diluída. Quando a solução é ideal, os coeficientes neste solvente.
de atividade passam a ter um valor unitário e k0 = k na equa- Como resultado desta análise, pode-se afirmar que solven-
ção (15-107). Esta condição foi implicitamente assumida na tes polares com elevados valores de pressão interna tendem a
equação (15-90). acelerar as reações no sentido da formação de produtos com
Agora, o coeficiente de atividade γ2 de um soluto não- pressões internas maiores que as dos reagentes. Quando, en-
eletrólito não muito polar, contido em uma solução diluída, é tretanto, os produtos são menos polares do que os reagentes,
dado pela expressão: sua formação será acelerada por solventes de baixa polarida-
V2 de ou baixa pressão interna e, pelo contrário, será retardada
log γ2 (δ1 − δ2 )2 (15-108) por solventes com pressão interna elevada. Para ilustrar este
2 303RT
princípio, podemos tomar como exemplo a reação entre álcool
onde V2 é o volume molar do soluto e δ1e δ2 são os parâmetros etílico e anidrido acético:
de solubilidade do solvente e do soluto, respectivamente. Aqui,
C2 H5 OH (CH3 CO)2 O CH3 COOC2 H5 CH3 COOH
assumimos que o termo da fração de volume, F2, tem valor
unitário. O complexo ativado que se assemelha ao acetato de etila
Escrevendo a equação (15-107) na forma logarítmica, é menos polar do que os reagentes e, conforme visto anterior-
log k log k0 log γ A log γ B − log γ ‡ (15-109) mente, a reação deverá ser favorecida por um solvente com
valor de parâmetro de solubilidade pequeno. As constantes de
e substituindo os coeficientes de atividade da equação (15-108),
se obtém que
VA
log k log k0 (δ1 − δ A )2 TABELA 15-4
2 303RT
INFLUÊNCIA DOS SOLVENTES SOBRE AS CONSTANTES DE
VB
(δ1 − δ B )2 VELOCIDADE DE REAÇÃO
2 303RT
V‡ Parâmetro de
− (δ1 − δ ‡ )2 Solvente solubilidade, δ k a 50 °C
2 303RT (15-110)
Hexano 7,3 0,0119
onde VA, VB, V‡ e os correspondentes δA, δB e δ‡ são os volu- Tetracloreto de carbono 8,6 0,0113
mes molares e os parâmetros de solubilidade dos reagentes Clorobenzeno 9,5 0,0053
A e B e do complexo ativado (A · · · B)‡, respectivamente. Benzeno 9,2 0,0046
O termo δ1 corresponde ao parâmetro de solubilidade do Clorofórmio 9,3 0,0040
Nitrobenzeno 10,0 0,0024
solvente.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 429

velocidade para esta reação em vários solventes, assim como onde k =∞ é a constante da velocidade de reação em um meio
os parâmetros de solubilidade dos solventes, são mostradas na com constante dielétrica infinita, N é número de Avogadro, zA
Tabela 15-4.16 A reação diminui nos solventes mais polares, e zB são as cargas dos dois íons, e é carga elétrica unitária, r‡
da forma como foi predito. é a distância entre os íons no complexo ativado e  é a cons-
tante dielétrica da solução, que é aproximadamente a mesma
Influência da força iônica constante dielétrica do solvente em soluções diluídas. O termo
ln k =∞ é obtido plotando-se ln k em função de 1/ e, depois,
Em uma reação entre íons, os reagentes A e B têm cargas zA e extrapolando-se 1/=0 até zero, ou seja, considerando =∞.
zB, respectivamente, e o complexo ativado (A · · · B)‡ tem uma Um gráfico desta natureza, segundo a equação (15-115), irá
carga zA + zB. A reação da qual participam íons pode ser repre- gerar uma linha reta com inclinação positiva para íons de car-
sentada da seguinte forma: ga oposta e uma inclinação negativa para íons com carga do
Az A BzB [A · · · B]‡(z A zB)
→ Produtos mesmo sinal. Para uma reação entre íons de carga oposta, um
incremento na constante dielétrica do solvente irá diminuir
O coeficiente de atividade, γi, de um íon em uma solu- a constante da velocidade de reação. Para íons com carga do
ção aquosa diluída (< 0,01M) a 25 °C é dado pela equação de mesmo sinal, pelo contrário, o aumento da constante dielétrica
Debye-Hückel, resulta em um aumento da velocidade dessa reação.

log γi 0 51z i 2 μ (15-111) Quando a reação ocorre entre moléculas dipolares e um
íon A, a equação será:
onde µ representa a força iônica. Portanto, podemos dizer que
N z A 2 e2 1 1 1
log γ A log γ B − log γ ‡ ln k ln k − ‡ (15-116)
2RT rA r
√ √ √
0 51z A 2 μ − 0(51z B 2 μ 0 51(z A z B )2 μ onde zA é a carga do íon A, rA é o raio do íon e r‡ é o raio do
√ complexo ativado. A equação (15-116) indica que deve se ob-
0 51 μ [z A 2 z B 2 − (z A 2 2z A z B z B 2 )]
√ √ ter uma linha reta quando ln k é plotado contra 1/, o recíproco
0 51 × 2z A z B μ 1 02z A z B μ da constante dielétrica. Uma vez que r‡, o raio da associação
(15-112) do íon com a molécula no estado de transição, será maior que
rA, o raio do íon, o segundo termo do lado direito do termo à
Substituindo essa expressão dentro da equação (15-109), direita da equação será sempre positivo. Conseqüentemente, a
obtemos a equação (para 25 °C), inclinação da reta será também positiva e, por conseguinte, ln

log k log k0 1 02z A z B μ (15-113) k irá aumentar com o aumento dos valores de 1/. Ou seja, a
velocidade da reação entre um íon e uma molécula neutra será
onde k0 é a constante da velocidade de reação em uma solução maior se a constante dielétrica do meio for diminuída. Essa
infinitamente diluída, para a qual µ = 0. Da equação
√ (15-113) relação, contudo, não se sustenta quando se utilizam solventes
deduz-se que o gráfico de log k em função de μ deverá resul- diferentes ou quando não se trata de soluções diluídas, em cujo
tar em uma linha reta com inclinação igual a 1,02 zAzB. Se um caso os efeitos provocados pela força iônica se tornam signi-
dos reagentes é uma molécula neutra, zAzB = 0, a velocidade ficativos.
constante, conforme visto na equação (15-113), deve ser inde- A orientação das moléculas do solvente ao redor das mo-
pendente da força iônica no caso de soluções diluídas. Tem-se léculas do soluto em solução resultará em um efeito que não
obtido uma boa concordância entre os dados experimentais e a tem sido levado em conta pelas equações antes mencionadas.
teoria, conforme expresso pela equação (15-113). Quando a mistura de solventes é constituída por água e um
Quando as moléculas reagentes são desprovidas de carga líquido da baixa constante dielétrica, as moléculas de água se
em uma solução que possui uma força iônica razoável, a ex- orientarão ao redor dos íons em solução e a constante dielétri-
pressão da velocidade de reação será: ca próxima ao íon será consideravelmente maior se comparada
log k log k0 bμ (15-114) com a encontrada no meio da solução. Logo, quando ln k é
plotado contra o recíproco da constante dielétrica da mistura
onde b é uma constante obtida a partir de dados experimen- de solventes, haverá um desvio da linearidade previsto pelas
tais. equações (15-115) e (15-116).
Carstensen17 abordou os diferentes efeitos causados pela Diversos estudos têm sido feitos para relacionar a constan-
força iônica em medicamentos em solução. te dielétrica do meio solvente com a velocidade das reações.
Algumas pesquisas referentes a substâncias de interesse far-
Influência da constante dielétrica macêutico são analisadas brevemente nesta seção.
O efeito da constante dielétrica sobre a constante da velocida- Amis e Holmes18 estudaram o efeito da constante dielétri-
de de uma reação iônica, extrapolado até uma diluição infinita ca na inversão ácida da sacarose. Quando a constante dielétrica
(quando o efeito de força iônica é zero), proporciona um ele- foi reduzida mediante adição de dioxano ao solvente aquoso,
mento de informação necessária no desenvolvimento de novas a velocidade da reação mostrou aumento de acordo com a teo-
formulações medicamentosas. Uma das equações pelas quais ria das reações íon-molécula dipolar, como foi expresso pela
esse efeito pode ser determinado é: equação (15-116).
Para determinar o efeito da constante dielétrica sobre a ve-
N z A z B e2 1 locidade de degradação da glicose em solução ácida, Heimlich
ln k ln k − (15-115)
RT r ‡ e Martin8 realizaram diversos testes com misturas de dioxano e
430 P ATRICK J. S INKO

negativos podem ser alterados de forma irreversível durante a


TABELA 15-5 reação e, por isso, devem ser denominados inibidores de rea-
DEGRADAÇÃO DE UMA SOLUÇÃO 0,278 M DE GLICOSE A pH ção, em vez de catalisadores.
1,27, A 100 °C, EM MISTURAS DE DIOXANO-ÁGUA* Uma vez que um catalisador permanece inalterado ao tér-
mino da reação, não há alteração do valor da ΔG° da reação
Constante da como um todo. Conseqüentemente, de acordo com a equação,
Dioxano Constante Dielétrica do Velocidade
(% por peso) Solvente a 100 °C k( × 105 h-1) G◦ RT ln K
0 55 4,58 não há alteração na posição do equilíbrio de uma reação re-
9,98 48 4,95 versível. O catalisador aumenta a velocidade da reação reversa
29,74 35 6,34 na mesma magnitude com que o faz com a reação oposta, de
49,32 22 10,30 modo que, ainda que o equilíbrio seja atingido de forma mais
* Dioxano é tóxico e não deve ser utilizado em preparações farmacêuticas. rápida na presença deste, a constante de equilíbrio,
K k k
permanece a mesma e o rendimento dos produtos também não
água. Os resultados mostrados na Tabela 15-5 são aqueles espe-
é afetado.
rados para uma reação entre um íon positivo e uma molécula di- Acredita-se que a catálise atue da seguinte forma. O ca-
polar. Como se pode observar nessa tabela, a constante dielétrica talisador se combina com o reagente, denominado substrato,
do meio deve ter uma importância considerável na estabilização formando um produto intermediário ou complexo, o qual se
de soluções de glicose, uma vez que a substituição da água por decompõe regenerando o catalisador e dando origem aos pro-
um solvente com constante dielétrica menor irá aumentar de for- dutos. Dessa maneira, o catalisador baixa a energia de ativação
ma acentuada a velocidade de degradação da glicose. Marcus alterando o mecanismo do processo, ocasionando o aumento
e Taraszka19 estudaram a cinética da degradação do antibiótico na velocidade de reação. Outra possibilidade é quando o cata-
cloranfenicol, catalisada em meio ácido, em misturas de água- lisador age mediante produção de radicais livres, como CH3•,
propilenoglicol. A diminuição na constante dielétrica resultou que causam rápidas reações em cadeia. As reações em cadeia
em um aumento da velocidade de reação, mostrando concordân- consistem de uma série de etapas com a participação de áto-
cia com as características de uma reação íon-dipolo. mos ou radicais livres, os quais agem como produtos inter-
Esta constatação tem um valor considerável do ponto de mediários. Uma reação em cadeia começa por uma etapa de
vista farmacêutico. A substituição da água por outros solventes iniciação e é detida por uma etapa final ou de interrupção do
é uma prática comum em Farmácia como um meio de estabili- processo. Muitas vezes os catalisadores negativos ou inibidores
zar fármacos perante uma possível hidrólise. Os resultados das de reação atuam como interruptores de reação. As substâncias
pesquisas aqui tratadas sugerem, contudo, que o uso de uma antidetonantes atuam como inibidores nas reações explosivas
mistura de solventes com constante dielétrica menor pode, na que acompanham a combustão em motores a gasolina.
realidade, aumentar a velocidade de degradação em vez de A atividade catalítica pode ser homogênea ou heterogênea
diminuí-la. Como foi assinalado por Marcus e Taraszka, um e ocorre tanto no estado gasoso como no estado líquido. A ca-
pequeno aumento na velocidade de degradação devido ao uso tálise homogênea ocorre quando o catalisador e os reagentes
de solventes não-aquosos pode, pelo contrário, ser sobrepujada estão na mesma fase. A catálise ácido-base, o tipo mais im-
pelo aumento da solubilidade do fármaco em um solvente de portante de catálise homogênea em fase líquida, será discutida
menor constante dielétrica. Dessa forma, o estabelecimento de com mais detalhe na próxima seção.
condições otimizadas de estabilidade para medicamentos pas- A catálise heterogênea ocorre quando o catalisador e os
sa, necessariamente, por estudos cinéticos meticulosos aliados reagentes constituem fases separadas de uma mistura. O cata-
a uma interpretação cautelosa dos resultados. lisador pode ser finamente dividido, como a platina, ou pode
ser as próprias paredes do recipiente. A catálise se verifica na
superfície da fase sólida e, por esse motivo, é às vezes denomi-
Catálise: catálise ácido-base específica e geral e nada catálise de contato. Nesta, as moléculas do reagente são
os efeitos do pH adsorvidos em diferentes pontos, os chamados centros ativos,
localizados sobre a superfície áspera do catalisador. Supõe-se
Como salientado anteriormente, a velocidade de uma reação é que a adsorção enfraqueça as ligações entre as moléculas do
muitas vezes influenciada pela presença de um agente catali- reagente e abaixe a energia de ativação. Assim, as moléculas
sador. Embora a hidrólise da sacarose em água, à temperatura ativadas podem reagir, enquanto as moléculas do produto da
ambiente, ocorra com diminuição da energia livre, a reação é reação difundem se afastando da superfície.
tão lenta que pode ser negligenciada. Contudo, quando a con- Os catalisadores podem ser apassivados por substâncias
centração de íon hidrogênio é aumentada mediante a adição estranhas que se adsorvem fortemente aos centros ativos loca-
de uma pequena quantidade de ácido, a inversão da sacarose lizados na superfície do catalisador, em que os reagentes nor-
ocorre a velocidades mensuráveis. malmente se fixam durante a reação. O monóxido de carbono
Assim, um catalisador pode ser definido como uma subs- é um conhecido apassivador que interfere na hidrogenação do
tância capaz de afetar a velocidade de reação sem que ele mes- etileno catalisada por cobre. Outras substâncias, conhecidas
mo sofra qualquer alteração química. Quando um catalisador como promotores, aumentam a atividade do catalisador. Por
diminui a velocidade de uma reação, este é chamado de catali- exemplo, na degradação do peróxido de hidrogênio, a presen-
sador negativo. Na realidade, freqüentemente os catalisadores ça de íons cúpricos potencializa a atividade catalítica dos íons
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 431

férricos. O mecanismo exato dessa potencialização ainda não ou seja, hidrolisando o éster em soluções tamponadas com di-
está elucidado, embora se acredite que o promotor de catálise ferentes valores de pH. Para um dado valor de pH, a reação de
seja capaz de alterar as propriedades de superfície de modo a primeira ordem aparente segue a expressão
favorecer a adsorção dos reagentes e, desse modo, aumentar a dP
atividade catalítica. kobs [S] (15-123)
dt
Catálise ácido-base específica onde
kobs k1 [H ] (15-124)
Vários fármacos em solução sofrem degradação acelerada com
a adição de ácidos ou de bases. Quando a solução contendo o Aplicando logaritmos à equação (15-124) teremos que
fármaco é tamponada, a degradação pode não ser acompanha- log kobs log [H ] log k1 (15-125)
da de uma variação apreciável na concentração do ácido ou da
base, de modo que esse tipo de reação pode ser considerado ou, de modo equivalente,
como sendo catalisado por íons hidrogênio ou hidroxila. Quan- log kobs (− log [H ]) log k1 (15-126)
do a equação velocidade de reação para uma degradação desse
tipo envolve termos relativos à concentração do íon hidrogênio Assim, chegamos finalmente à expressão
ou hidroxila, dizemos que a reação está sujeita a uma catálise log kobs pH log k1 (15-127)
ácido-base específica.
A dependência entre hidrólise de ésteres e o pH pode ser Por conseguinte, o gráfico do log kobs em função do pH
considerada um exemplo de catálise ácido-base específica. da solução na qual a reação ocorreu gera uma linha reta com
Em solução ácida, podemos considerar a hidrólise como uma inclinação igual a –1.
reação que envolve um equilíbrio inicial entre o éster e o íon Consideremos agora a degradação específica de um éster,
hidrogênio, o qual é seguido de uma reação com água, R, que é S, catalisada por íons hidróxido. Podemos expressar a reação
determinante da velocidade da reação, ou seja: geral da seguinte forma:
S H SH S OH− →P
SH R→P e a velocidade de formação do produto, P, será, por conseguin-
te, dada pela expressão:
Neste esquema geral de reação, assume-se que os produ- dP
tos, P, da reação de hidrólise não se recombinam para formar k2 [S][OH− ] (15-128)
o éster novamente. dt
Nesta reação geral, a velocidade de formação do produto é Em condição de tamponamento, novamente se observa
dada pela expressão: uma reação de primeira ordem aparente,
dP dP
k[SH ][R] (15-117) kobs [S] (15-129)
dt dt
A concentração do ácido conjugado, SH+, pode ser ex- onde, agora,
pressa em termos de uma quantidade mensurável, uma vez que kobs k2 [OH− ] (15-130)
a condição de pré-equilíbrio exige que Sendo
K w [H ][OH− ] (15-131)
[SH ]
K (15-118) temos que
[S][H ] k2 K w
Logo, kobs (15-132)
[H ]
[SH ] K [S][H ] (15-119)
Aplicando logaritmos à (15-132), fica
o que leva a
dP log kobs log [H ] log k2 K w (15-133)
kK [S][H ][R] (15-120)
dt e, finalmente, verificamos que
Uma vez que a água, R, está presente em excesso absoluto, log kobs pH log k2 K w (15-134)
a equação (15-120) fica reduzida a uma equação de velocidade
de ordem, aparente Neste caso, o gráfico de log kobs em função do pH resulta
dP em uma linha reta com inclinação igual a +1.
k1 [S][H ] (15-121) A Figura 15-8 mostra o perfil de velocidade-pH da hidró-
dt
lise catalítica ácido-base específica para o acetato de metil-dl-
onde
o-fenil-2-piperidila.20 Observe-se que o aumento de pH de 1
k1 kK [R] (15-122)
para 3 resulta em um decréscimo linear da velocidade de rea-
O termo da concentração de íon hidrogênio da equação ção, como era de se esperar de acordo com a equação (15-127)
(15-121) indica que o processo é uma reação catalítica ácido- para uma catálise específica por íon hidrogênio, ao passo que
base específica. um aumento adicional no pH de 3 para 7, aproximadamen-
O perfil de velocidade-pH da reação de hidrólise ácido- te, resulta em um incremento linear da velocidade de reação,
base catalisada de um éster pode ser determinado mediante como é de se esperar, segundo a equação (15-134), para uma
análise desta em diferentes concentrações de íon hidrogênio, catálise específica mediada por íons hidróxido.
432 P ATRICK J. S INKO

para a qual
kobs k0 k1 [H ] k2 [OH− ] (15-140)
Em pH baixo, o termo k1[H ] é maior que k0 ou k2[OH–],
+

em função da maior concentração de íons hidrogênios, obser-


vando-se uma catálise específica mediada por íon hidrogênio.
De forma análoga, em pH elevado, quando a concentração de
[OH–] é maior, o termo k2[OH–] sobrepuja os termos referentes
a k0 e k1[H+], observando-se uma catálise específica mediada
por íons hidroxila. Quando as concentrações de H+ e OH– são
baixas, ou quando o valor dos produtos da multiplicação k1[H+]
e k2[OH–] são pequenos, apenas k0 é importante. Neste caso, se
diz que a reação é catalisada pelo solvente. Quando o pH do
meio reacional é levemente ácido, de modo que k0 e k1[H+]
são importantes e k2[OH–] pode ser omitido, as catálises espe-
Figura 15-8 Perfil de velocidade-pH da hidrólise catalítica ácido-base especí- cíficas mediadas pelo solvente e pelo íon hidrogênio ocorrem
fica para o acetato de metil-dl-o-fenil-2-piperidila. (Retirada, com permissão, de forma simultânea. Um resultado semelhante é obtido quan-
de: S. Siegel, L. Lachmann and L. Malspeis, J. Pharm. Sci. 48, 431, 1959.) do o pH do meio é levemente alcalino, o que pode permitir a
ocorrência concomitante de catálises específicas mediadas por
solvente e por íon hidróxido.

Próximo ao pH 3 observa-se um mínimo na velocidade de Catálise ácido-base geral


reação que não pode ser atribuído a uma participação dos íons Na maioria dos sistemas farmacêuticos de interesse, os tampões
hidrogênio, nem ao íon hidróxido. Esse mínimo é um indicati- são utilizados para manter a solução em um pH definido. Com
vo do efeito catalítico do solvente, ou seja, nesse caso, a água freqüência, além do efeito do pH sobre a velocidade de reação,
não-ionizada pode ser considerada uma espécie reativa. Dado pode existir a catálise promovida por um ou mais componentes
o caráter pH independente desta reação, a equação da veloci- do tampão. A reação é dita estar sujeita a uma catálise ácida ge-
dade corresponderá: ral ou a uma catálise alcalina geral, dependendo de os compo-
dP nentes catalíticos serem ácidos ou alcalinos, respectivamente.
k0 [S] (15-135)
dt O perfil de velocidade-pH de uma reação que é suscetível
a uma catálise ácido-base geral mostra desvios em relação ao
de modo que
comportamento descrito pelas equações (15-127) e (15-134). Por
kobs k0 (15-136) exemplo, na hidrólise do antibiótico estreptozotocina, as veloci-
Às vezes, o platô em um mínimo se estende sobre uma dades de reação em tampão de fosfatos superam a velocidade de
região delimitada de pH, indicando que a catálise por sol- reação esperada para uma catálise alcalina geral. Isso acontece
vente constitui o principal tipo de reação que ocorre nessa devido ao efeito catalítico geral causado pelos ânions fosfato. As-
sim, a região alcalina do perfil de velocidade-pH para essa reação
região.
aparece como uma linha reta com inclinação diferente de 1 (Fi-
A catálise por solvente pode acontecer ao mesmo tem-
gura 15-9).21
po em que as outras catálises específicas mediadas por íon
hidrogênio ou íon hidróxido, sobretudo em valores de pH
localizados entre aquelas faixas de pH dentro das quais se
verificam os distintos efeitos catalíticos de caráter iônico ou – 3,0
por solvente. Uma vez que cada rota catalítica leva a um au-
mento do mesmo produto, é possível escrever a equação da
velocidade de reação para essa região de pH intermediário
como: – 4,0
dP
(k0 k1 [H ])[S] (15-137)
dt
ou Inclinação = +1
dP
(k0 k2 [OH− ])[S] (15-138) – 5,0
dt
dependendo de quando o pH é ligeiramente inferior ou ligei-
ramente superior, respectivamente, em relação ao pH do caso
catalisado pelo solvente.
Podemos resumir a dependência das reações catalisadas – 6,0
3 4 5 6 7 8 9
em meio ácido-base com o pH em termos de uma equação de
velocidade de reação geral: Figura 15-9 Perfil da velocidade de reação em função do pH de uma reação
dP suscetível à catálise alcalina geral (Retirada, com permissão, de: E. R. Gar-
(k0 k1 [H ] k2 [OH− ])[S] (15-139)
dt rett, J. Pharm. Sci. 49, 767, 1960.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 433

Outros fatores, como a força iônica ou as alterações de pKa kA aK a α (15-145)


do substrato, também podem levar a um aparente desvio do perfil
de velocidade-pH. Por esse motivo, para verificar a catálise geral, e a equação que corresponde à catálise mediada por uma base
ácida ou alcalina, se pode determinar as velocidades de degrada- fraca é:
ção do fármaco em uma série de soluções-tampão que estejam no k B bK a −β (15-146)
mesmo pH (ou seja, a razão sal/ácido é constante), mas que sejam Aqui, Ka é a constante de dissociação do ácido fraco e a, b,
preparadas seguindo uma concentração crescente das substâncias α e β são constantes para uma reação, em um solvente e a uma
tamponantes. Windheuser e Higuchi22 verificaram que a degra- temperatura determinados. A partir desta reação, se pode predi-
dação da tiamina não é afetada em tampão de acetato a pH 3,90, zer o efeito catalítico de uma base ou de um ácido de Brönsted-
onde o tampão é constituído principalmente por ácido acético. Lowry sobre a velocidade de reação específica, desde que a
Contudo, em valores maiores de pH a velocidade de reação au- constante de dissociação do eletrólito fraco seja conhecida. As
menta em proporção direta com a concentração de acetato. Neste
relações nas equações (15-145) e (15-146) se sustentam, uma
caso, o íon acetato atua como o catalisador alcalino.
vez que tanto o poder catalítico quanto a constante de dissocia-
Webb e colaboradores23 demonstraram a ação catalítica ge-
ção de um eletrólito fraco dependem da capacidade do ácido
ral exercida pelo ácido acético, acetato de sódio, ácido fórmico e
fraco ou da base em doar ou receber prótons, respectivamente.
formato de sódio na degradação da glicose. A equação para a ve-
Os sais não-catalíticos podem afetar a constante da veloci-
locidade de degradação geral da glicose em água, na presença de
dade primeiramente pela influência que estes têm sobre a for-
ácido acético, HAc, e da sua base conjugada, Ac–, é a seguinte:
ça iônica, como o expressa a equação (15-113). Em segundo
dG
− k0 [G] kH [H ][G] k A [HAc][G] lugar, sais podem afetar a ação catalítica de alguns eletrólitos
dt fracos, uma vez que, por efeito da sua força iônica, podem al-
kOH [OH− ][G] k B [Ac− ][G] (15-141) terar a constante de dissociação normal, Ka, vista nas equações
onde [G] representa a concentração de glicose, k0 é a velocidade (15-145) e (15-146). Em estudos de cinética química, as duas
específica da reação em água pura e os outros valores de k, co- influências, denominadas efeito primário e efeito secundário
nhecidos como coeficientes catalíticos, representam as velocida- do sal, respectivamente, são estudadas realizando a reação sob
des de reação específicas referentes às várias espécies catalíticas. condições de força iônica constante ou mediante a obtenção de
A constante geral da velocidade de reação de primeira ordem, a uma série de valores de k para forças iônicas em diminuição e
qual compreende todos os efeitos, pode ser expressa como: posterior extrapolação dos resultados para μ = 0.
dG)dt Um interessante perfil de velocidade-pH é obtido a partir
k k0 kH [H ] k A [HAc] da hidrólise do ácido acetilsalicílico (Figura 15-10). Na região
[G]
kOH [OH− ] kB [Ac− ] (15-142)
ou, de modo geral,
k k0 ki ci (15-143)
onde, ci é a concentração das espécies catalíticas i e ki é o res-
Velocidade de hidrólise da ácido acetilsalicílico a 17 °C (dias–1)

pectivo coeficiente catalítico. Em reações nas quais ocorrem


apenas os efeitos catalíticos mediados por um ácido ou uma
base, ou seja, naquelas em que apenas [H+] e [OH–] atuam 100
como catalisadores, a equação será a seguinte:
k k0 kH [H ] kOH [OH− ] (15-144)

EXEMPLO 15-12
10
Coeficiente catalítico da degradação da glicose
Uma amostra de glicose foi degradada a 140 °C, em uma solução
contendo HCl 0,030 M. A constante de velocidade de reação, k,
foi determinada em 0,0080 h–1. Sendo a constante de velocidade
espontânea, k0, igual a 0,0010 h–1, calcular o coeficiente catalítico, 1
kH. A catálise devido aos íons hidroxila nesta solução ácida pode
ser considerada irrelevante.
Mediante tratamento dos dados utilizando a equação
(15–144), teremos
−1 −1 0,1
0 0080 = 0 0010 + kH M−1 −1
(0 030) M
−1 −1
0 0080 − 0 0010 −1
kH = = 0 233 M −1
0 030 M

0,01
Em 1928, Brönsted24 mostrou a existência de uma relação en-
tre o poder catalítico, expressa pelo coeficiente catalítico, e a força
dos ácidos e das bases em geral, expressa por suas constantes de
dissociação. O coeficiente catalítico para um ácido fraco está rela- Figura 15-10 Perfil de velocidade-pH para a hidrólise do ácido acetilsalicíli-
cionado à constante de dissociação por meio da expressão: co a 17 °C. (Retirada de: I. J. Edwards Trans. Faraday Soc. 46, 723, 1950).
434 P ATRICK J. S INKO

fotólise, os quais podem afetar a estabilidade dos fármacos


em produtos líquidos, sólidos e semi-sólidos. Mollica e co-
laboradores28 avaliaram os diferentes efeitos que os adjuvan-
0,10
tes das formas farmacêuticas e os diferentes fatores do meio
0,05 ambiente podem ter sobre a estabilidade química e física de
preparações farmacêuticas.
Hou e Poole29 pesquisaram a cinética e os mecanismos
k = h–1

da degradação hidrolítica da ampicilina em solução, a 35 °C


0,01
e com uma força iônica de 0,5. Para uma faixa de pH de 0,8
a 10,0, a degradação observada mostrou obedecer a uma ci-
0,005 nética de primeira ordem, tendo sido influenciada tanto pela
catálise ácido-base específica como pela catálise ácido-base
geral. O perfil da velocidade de reação em função do pH
mostrou um máximo de estabilidade em soluções tampona-
das a pH 4,85 e em soluções não-tamponadas a pH 5,85.
0,001
A velocidade de degradação foi aumentada pela adição de
vários carboidratos, como sacarose, à solução aquosa de am-
Figura 15-11 Perfil de velocidade-pH para a hidrólise da hidroclorotiazida. picilina.30 Para a hidrólise da ampicilina, o gráfico de Arrhe-
(Retirada, com permissão, de: J. A. Mollica, C. R. Rohn and J. B. Smith, J. nius mostrou uma energia de ativação, Ea, na ordem de 18
Pharm. Sci. 58, 636, 1969.) kcal/mol, a pH 5.
A presença de etanol reduz a hidrólise porque diminui a
constante dielétrica do solvente. O tempo de meia-vida para a
degradação da ampicilina em solução aquosa acidificada foi de
de pH de 0 até 4, aproximadamente, observa-se de forma clara 8 horas, a 35 °C; em uma solução etanólica a 50%, esse tempo
uma catálise ácido-base específica e uma solvólise pH-inde- de meia-vida aumentou para 13 horas.
pendente, tal como relatado pela primeira vez por Edwards.25
Higuchi e colaboradores31 relataram a decomposição do
Acima do pH 4, observa-se uma segunda região pH-indepen-
cloranfenicol mediante cisão hidrolítica da ligação amídica,
dente, cujo platô se estende por pelo menos três unidades de
segundo a reação
pH. Fersht e Kirby,26 entre outros, têm proposto hipóteses para
a presença desse platô.
A hidrólise da hidroclorotiazida

Cloranfenicol

A velocidade de degradação foi lenta e independente do


foi estudada por Mollica e colaboradores27 em uma faixa de pH, na faixa de 2 a 7, mas catalisada por ácidos e álcalis em
pH de 1 a 13. geral, incluindo íons HPO42–, ácido acético não-dissociado e
Foi determinado que a reação é reversível, sendo a fração tampão de citrato. Verificou-se que sua estabilidade máxima
que reagiu no equilíbrio, Xe, próxima a 0,4. O perfil de pH sur- ocorre em pH 6, à temperatura ambiente, e que seu tempo de
ge como uma curva complexa (Figura 15-11), indicando uma meia-vida, nessas condições, foi de aproximadamente três
reação com múltiplas etapas e com participação de um produto anos. Acima de pH 2, a hidrólise do cloranfenicol é catalisa-
de reação intermediário. da por íons hidrogênio. Em solução alcalina, a cisão é afetada
tanto pela catálise ácido-base específica quanto pela catálise
ácido-base geral.32
ESTABILIDADE DE MEDICAMENTOS A energia de ativação para a hidrólise em pH 6 é de 24
kcal/mol e o tempo de meia-vida do fármaco é de 2,9 anos, em
pH 6 e a 25 °C.
Degradação e estabilização de fármacos Beijnen e colaboradores33 estudaram a estabilidade da
doxorrubicina em solução aquosa utilizando um método
A degradação de medicamentos pode ser classificada em pro- por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) para
cessos de hidrólise, oxidação, isomerização, epimerização e monitorá-la.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 435

Vinckier e colaboradores35 estudaram a cinética da degra-


dação da eritromicina em função do tipo e concentração do tam-
pão, da força iônica, do pH e da temperatura. A eritromicina foi
mais estável em um tampão de fosfatos e menos estável em um
tampão de acetato de sódio. A variação da força iônica mostrou
efeitos apenas mensuráveis na cinética de degradação da eritro-
micina. Perfis de log k–pH obtidos para uma faixa de pH de 2
a 5, a 22 °C mostraram ser lineares, com uma inclinação pró-
xima de 1, indicando que a degradação deste antibiótico ocorre
por catálise ácido-específica. A catálise específica mediada por
bases ocorre em valores superiores de pH. A eritromicina, na
forma de base, foi mais estável em pH entre 7 e 7,5.36
Atkins e colaboradores37 também estudaram a cinética de
degradação da eritromicina em meios aquosos tamponados
ácidos e neutros. Os autores concluíram que o pH é o fator
Doxorrubicina
mais importante no controle da estabilidade da eritromicina A
Nos últimos 20 anos, a doxorrubicina tem sido utilizada em soluções aquosas ácidas.
com sucesso em humanos para o tratamento de várias neopla- A degradação da mitomicina C em solução ácida foi estu-
sias. A degradação deste fármaco não tem sido profundamente dada por Beijnen e Underberg.38
estudada devido às dificuldades analíticas que apresenta. Esta
molécula forma quelatos com íons metálicos, se auto-associa
em soluções concentradas, adsorve sobre superfícies como o
vidro e sofre degradação oxidativa e fotolítica.
Beijnen e colaboradores estudaram a cinética de degrada-
ção da doxorrubicina em função do pH, efeitos tamponantes,
força iônica, temperatura e concentração de fármaco. Esses
autores demonstraram que a degradação segue uma cinética de
pseudoprimeira ordem, a temperatura e força iônica constantes,
em diferentes níveis de pH. O perfil de pH-velocidade de rea-
ção mostrou uma estabilidade máxima em pH próximo de 4,5.
Alguns estudos têm sido realizados com a degradação em meio Mitomicina C
alcalino, enquanto outros trabalhos sistemáticos têm abordado a
degradação da doxorrubicina apenas em solução ácida, em pH A mitomicina C apresenta forte atividade antibacteriana e
acima de 3,5. Alguns trabalhos também relatam a estabilidade antitumoral. A degradação em solução alcalina envolve a remo-
de infusões de doxorrubicina utilizadas na prática clínica. ção de um grupo amina e a sua substituição por um grupo hidro-
Steffansen e Bundgaard34 estudaram a hidrólise de ésteres xila, mas a degradação deste fármaco em solução ácida é bem
da eritromicina em solução aquosa: mais complicada e envolve abertura de anel, com formação de
dois isômeros, especificamente do trans- e do cis-mitoseno:

Eritromicina A

A eritromicina é um antibiótico que atua contra bactérias


gram-positivas e algumas gram-negativas. Possui a desvan-
tagem de se degradar em meio ácido, como o encontrado no
estômago, sendo que vários métodos têm sido propostos para
proteger este fármaco durante a passagem pelo trato gastrintes-
tinal. Entre as medidas de proteção mais recentes, está a con-
versão da eritromicina nos seus ésteres na posição 2’. Estes
são conhecidos como pró-fármacos pelo fato de serem inativos
até que a eritromicina seja liberada no organismo da forma de
éster por hidrólise enzimática.
436 P ATRICK J. S INKO

–1,0 A procaína sofre degradação principalmente por hidró-


lise, sendo esta decorrente, sobretudo, da decomposição das
formas não-carregadas e monocarregadas.39 A reação da pro-
caína é catalisada por íons hidrogênio e hidroxila. Tanto a
–2,0 base livre quanto a forma protonada estão sujeitas à catálise
alcalina específica. Marcus e Baron40 calcularam uma energia
de ativação, Ea, de 16,8 kcal/mol para a procaína a 97,30 °C.
–3,0 Garrett41 fez uma revisão sobre a degradação e a estabilidade
log kobs (s–1)

da procaína.

–4,0

–5,0

–6,0
–2 –1 0 1 2 3 4 5 6
pH
Acetonido de triancinolona
Figura 15-12 Perfil da constante de velocidade de reação em função do pH
para a degradação da mitomicina C, a 20 °C. (Retirada, com permissão, de: J. O acetonido de triancinolona, um hormônio glicocorticói-
H. Beijnen and W. J. M. Underberg, Int. J. Pharm. 24, 219, 1985.) de (córtex supra-renal), é um potente fármaco antiinflamató-
rio de uso tópico, aplicado na forma de creme ou suspensão.
Gupta42 estudou sua estabilidade em soluções de água e etanol,
em diferentes valores de pH, concentrações de tampão e forças
Para estudar o mecanismo de degradação, os autores desen- iônicas. A degradação do acetonido de triancinolona se dá por
volveram um método por CLAE que permite separar quantitati- uma cinética de primeira ordem, com variação da constante da
vamente o fármaco original dos seus produtos de degradação. velocidade de reação, kobs, de acordo com o pH de soluções
A cinética de degradação da mitomicina C em solução áci- tamponadas contendo fosfato, hidróxido de sódio e ácido clo-
da foi estudada a 20 °C. rídrico. O pH de estabilidade ótima, estabelecido em torno de
Para obter valores de pH inferiores a 3, as soluções foram 3,4 a partir do perfil de pH–velocidade de reação, mostrou es-
acidificadas com solução aquosa de ácido perclórico e, para tar relacionado com a concentração do tampão de fosfatos. Na
obter valores de pH na faixa de 3 a 6, utilizaram-se soluções solução tamponada de ácido clorídrico, o acetonido de trian-
tamponadas com ácido acético-acetato. A degradação da mi- cinolona sofre hidrólise formando triancinolona e acetona. O
tomicina C segue uma cinética de primeira ordem durante um estudo da reação em solventes com diferentes forças iônicas
período superior a três meias-vidas. mostrou que√o log kobs diminui linearmente com o aumento
A influência do pH e dos componentes do tampão sobre a do valor de μ , sugerindo que a reação ocorre entre a forma
degradação da mitomicina C é expressa pela equação: protonada, [H+], do fármaco e as espécies do tampão de fosfato
k k0 kH [H ] k A [HAc] k B [Ac− ] (15-147) H2PO4–/HPO42–.
Vincristina e vimblastina são alcalóides naturais utilizados
onde k0 é a constante de degradação de primeira ordem em água como agentes citotóxicos na quimioterapia anticâncer. (Figura
pura e kH é a constante de velocidade de reação (coeficiente cata- 15-13). Vendrig e colaboradores43 estudaram a cinética de de-
lítico) de segunda ordem, que está associada à catalise promovi- gradação do sulfato de vincristina em solução aquosa em uma
da pelo [H+]. As constantes de velocidade de reação de segunda faixa de pH de -2,0 a 11, a 80 °C. Nessas condições, o fárma-
ordem kA e kB são coeficientes catalíticos para a catálise devidos co apresenta uma cinética de degradação de primeira ordem. A
aos componentes do tampão, [HAc] e [Ac–], respectivamente constante da velocidade de reação, kobs, foi calculada utilizando
(equação [15-142]). O termo kOH[OH–] não é considerado, uma uma equação de primeira ordem (equação [15-14]), a diferentes
vez que esse estudo foi realizado apenas na região de pH ácido. valores de pH, de modo a obter o perfil de pH mostrado na Fi-
O perfil de log (constante da velocidade) em função do gura 15-14. As velocidades de degradação encontradas foram
pH para a degradação da mitomicina C a 20 °C é mostrado na independentes da concentração do tampão e da força iônica para
Figura 15-12. Em um outro trabalho, Beijnen e colaboradores a faixa de pH de interesse. A vincristina parece ser mais estável
mostraram que o ponto de inflexão na curva está associado ao em solução aquosa com pH entre 3,5 e 5,5, a 80 °C.
pKa = 2,6 da mitomicina C. A porção linear do perfil, ou seja, a O efeito da temperatura sobre a degradação da vincris-
acima de pH = 0 e abaixo de pH = 3, apresenta uma inclinação tina, para uma faixa de pH de 1,2 e 8,2 e uma faixa de tem-
próxima a –1. Inclinações próximas a –1 nesta região da curva peratura de 60 a 80 °C, foi avaliado mediante a equação de
indicam tratar-se de uma catálise específica, mediada por áci- Arrhenius (equação [15-72] ou [15-73]). A energia de ativa-
dos, da forma neutra (MMC) e da forma protonada (MMCH+) ção, Ea, e o fator de Arrhenius, A, calculados estão contidos
da mitomicina C. na Tabela 15-6.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 437

VIMBLASTINA
Figura 15-13 Estruturas químicas dos agentes antineo-
plásicos vimblastina e vincristina, isolados de Vinca rosea
VINCRISTINA e da vindesina, um derivado sintético da vimblastina. (Re-
tirada, com permissão, de: D. Vendrig, J. H. Beijnen, O. van
VINDESINA der Houwen and J. Holthuis, Int. J. Pharm, 50, 190, 1989.)

EXEMPLO 15-13
Vincristina
Vendrig e colaboradores43 determinaram as energias de ativação,
em kJ/mol, para a vincristina, na faixa de pH de 1,2 a 8,2. Con-
verter os seguintes valores de Ea para quantidades expressas em
–2,0 cal/mol, como se observa na Tabela 15-6:

pH 1,2 3,5 5,2 7,0 8,2


Ea(kJ/mol) 62 84 73 106 116
–4,0

TABELA 15-6
–6,0 ENERGIAS DE ATIVAÇÃO E FATORES DE ARRHENIUS PARA
A VINCRISTINA EM DIFERENTES VALORES DE pH, A 80 °C*

Ea A
pH (cal/mol × 10–4) (s–1)
–8,0 1,2 1,482 1 × 106
–2,0
3,5 2,008 9 × 106
5,2 1,745 4 × 105
Figura 15-14 Perfil do log k em função do pH para a degradação da vincristi- 7,0 2,534 9 × 1010
na. (Retirada de D.Vendrig, J. H. Beijnen, O.van der Houwen and J. Holthuis, 8,2 2,773 9 × 1012
Int. J. Pharm. 50, 194, 1989. Reproduzida com autorização do detentor dos * Baseada em: D. E. M. M. Vendrig, J. H. Beijnen, O. A. G. J. van der Houwen
direitos.) and J. J. M. Holthuis, Int. J. Pharm. 50, 189, 1989.
438 P ATRICK J. S INKO

A conversão de unidades é feita escrevendo-se a seqüência de d[H2 A] [Cu2 ][H2 A]


razões visando alterar as unidades SI para unidades cgs. Para o − k (15-148)
dt [H ]2
primeiro valor, aquele da Ea em pH 1,2, teremos:
kJ J 107 erg 1 cal e, após integração,
62 × × ×
mol kJ J 4 184 × 107 erg 2 303[H ]2 [H2 A]0
k log (15-149)
ou [Cu2 ]t [H2 A]
62 mol −1 × × 107 × (1 cal 4 184 × 107 ) = cal mol onde [H2A]0 é a concentração inicial e [H2A] é a concentração
ou de ácido ascórbico no tempo t. Os resultados experimentais
foram favoravelmente comparáveis com os obtidos mediante
Ea = 1 4818 × 104 cal mol = 15 kcal mol
a aplicação da equação (15-149), o que levou os pesquisado-
No CRC Handbook of Chemistry and Physics se tem acesso ao res a admitir o envolvimento de uma lenta reação inicial de
fator de conversão 1 joule = 0,239045 cal, de modo que podemos oxidação do íon ascorbato pelo íon cúprico, o qual foi imedia-
fazer a conversão diretamente: tamente oxidado pelo oxigênio formando ácido desidroascór-
joules mol × 0 239045 cal joule = cal mol
bico. Contudo, à medida que a reação avançou, a velocidade de
reação específica, k, aumentou gradativamente.
ou Dekker e Dickinson assinalaram que a reação foi retarda-
Ea = 1 4821 × 104 cal mol da pelo aumento na concentração inicial de ácido ascórbico,
o que, presumivelmente, se deve ao fato do ácido ascórbico
esgotar o oxigênio do meio. Quando o oxigênio é borbulha-
O estudo da cinética da auto-oxidação do ácido ascórbico
do no meio da mistura, a velocidade de degradação específica
é uma história interessante que começou há aproximadamen- não mais diminui perante o aumento na concentração inicial de
te 50 anos. Alguns dos trabalhos publicados são revistos aqui ácido ascórbico.
como uma ilustração das dificuldades encontradas no estudo Weissberger e colaboradores46 mostraram que a auto-oxi-
das reações que envolvem radicais livres. Embora a cinética dação do ácido ascórbico envolve ânions de ácido L-ascórbico
de degradação do ácido ascórbico tenha sido estudada prova- com carga simples e dupla. A pressão atmosférica e temperatu-
velmente de modo mais completo do que a de qualquer outro ras normais, o oxigênio reagiu com o íon divalente aproxima-
fármaco, apenas recentemente começamos a entender o meca- damente 105 vezes mais rápido do que o íon monovalente do
nismo da auto-oxidação. A reação geral pode ser representada ácido, uma vez que a catálise pelo metal foi suprimida nessas
como: condições. Entretanto, quando íons cobre foram adicionados à
mistura reacional, percebeu-se que apenas a reação com íons
monovalentes foi catalisada. Foi observado que o cobre age
como um catalisador extremamente efetivo, sendo que uma
concentração de 2 × 10-4 mol/litro é capaz de aumentar a velo-
cidade de reação com o íon monovalente em um fator 10.000.
Ácido ascórbico Nord47 mostrou que a velocidade da auto-oxidação do áci-
do ascórbico catalisada por cobre depende das concentrações
do ânion ascorbato monovalente e dos íons cuproso, cúprico
e de hidrogênio presentes na solução. O modelo cinético pro-
posto por Nord permite uma boa comparação com os achados
experimentais.
Ácido desidroascórbico Blaug e Hajratwala48 assinalaram que o ácido ascórbico
degrada por oxidação aeróbica, segundo o perfil de log (cons-
Um dos primeiros estudos sobre a cinética da auto-oxi- tante de velocidade) em função do pH mostrado na Figura
dação do ácido ascórbico para ácido desidroascórbico foi 15-15. Os efeitos das espécies tamponantes foram eliminados,
realizado em 1936 por Barron e colaboradores.44 Eles medi- de modo que apenas a catálise devida aos íons hidrogênio e
ram o oxigênio consumido na reação utilizando um frasco de hidroxila foram considerados. Foi estabelecido que o ácido de-
Warburg e um manômetro para determinar a velocidade de sidroascórbico, um conhecido produto de degradação do ácido
degradação do ácido ascórbico. Concluíram que, quando a so- ascórbico, sofre uma decomposição adicional para ácido ceto-
lução fica livre de traços de cobre, após a remoção meticulosa gulônico que, por sua vez, forma os ácidos treônico e oxálico.
desses, o ácido ascórbico não é oxidado pelo oxigênio da at- De acordo com o trabalho de Rogers e Yacomeni,49 o áci-
mosfera em velocidades mensuráveis, exceto se a solução é do ascórbico apresenta degradação máxima em pH 4 e degra-
alcalina. Foi observado que o íon cúprico oxida rapidamente o dação mínima em pH 5,6, em tampões de ácido cítrico-fosfato
ácido ascórbico para ácido desidroascórbico e que KCN e CO e na presença de um excesso de oxigênio, a 25 °C. O perfil de
são capazes de deter a reação em cadeia mediante formação de pH-velocidade de reação pode ser ajustado de forma bastante
complexos de cobre estáveis. próxima aos dados experimentais aplicando as constantes de
Dekker e Dickinson45 sugeriram um esquema para a oxi- velocidade de primeira e de segunda ordem k1 = 5,7 × 10–6 M–1
dação do ácido ascórbico pelo íon cúprico, obtendo as seguin- s–1, k2 = 1,7 s–1 e k3 = 7,4 × 10–5 M–1 s–1 na seguinte equação de
tes equações para a degradação do mesmo: velocidade de reação:
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 439

Produto oxidado
do HPAMB

Percentual remanescente
–1,4 HPAMB e ácido
ascórbico
–1,6

HPAMB sozinho
–1,8

–2,0 Tempo (min)


Figura 15-16 Degradação do HPAMB sozinho e na presença de ácido ascór-
bico, mostrando também a curva do produto oxidado que resulta da degrada-
ção do HPAMB. (Retirada, com permissão, de: A. B. C. Yu and G. A. Portman,
J. Pharm. Sci. 79, 915, 1990.)
Figura 15-15 Perfil de pH para a degradação oxidativa do ácido ascórbico:
Símbolos: • = constante da velocidade de reação calculada; ° =constante da
velocidade extrapolada a uma concentração zero de tampão, quando apenas Thoma e Struve54 realizaram o estudo da proteção contra
os efeitos dos íons hidrogênio e/ou hidroxila são considerados. (Retirada, a degradação oxidativa da epinefrina em solução mediante a
com permissão, de: S. M. Blaug and B. Hajratwala, J. Pharm. Sci. 61, 556, adição de estabilizantes por redox (antioxidantes), como áci-
1972; 63, 1240, 1974.) do ascórbico. O metabissulfito de sódio, Na2S2O5, é capaz de
prevenir a coloração das soluções de epinefrina, mas melhora
a estabilidade apenas ligeiramente. A melhor estabilização da
k k1 [H ] k2 k3 [OH− ] (15-150) epinefrina em solução foi obtida mediante o uso de nitrogênio.
A degradação de um novo agente antiasmático (aqui abrevia-
onde k2 é o termo correspondente à catálise de primeira ordem do como HPAMB), o qual age terapeuticamente mediante contra-
mediada pelo solvente, normalmente escrita como k0, e k1 e k3 ção da musculatura lisa vascular e dos pulmões, foi estudada na
são os coeficientes catalíticos. presença e na ausência do ácido ascórbico como antioxidante, em
Takamura e Ito50 estudaram o efeito de íons metálicos e solução-tampão de fosfatos (pH 7,9) e em solução aquosa (pH
dos flavonóides sobre a oxidação do ácido ascórbico, utilizan- 7,1).55 Como se observa na Figura 15-16, o fármaco degrada
do polarografia, em pH 5,4. Os autores observaram que íons de rapidamente em água, a 25 °C e na ausência de ácido ascórbi-
metais de transição aumentam a velocidade de oxidação de pri- co, enquanto que na presença de ácido ascórbico a 0,1% não há
meira ordem. A velocidade de oxidação foi aumentada em 50% perda na concentração do fármaco. A velocidade da degradação
na presença de Cu2+. Flavonóides são pigmentos amarelos en-
oxidativa do HPAMB foi muito mais lenta em dois solventes não-
contrados nas plantas superiores. Os compostos flavonoídicos
rutina e hesperidina foram utilizados no passado para reduzir aquosos, etanol e dimetilsulfóxido, do que em solução aquosa.
a fragilidade e o sangramento dos capilares.51 Takamura e Ito
concluíram que os flavonóides inibem a oxidação catalisada
por Cu2+ na seguinte ordem de eficácia: 3-hidroxiflavona <ru-
Fotodegradação
tina <quercetina. Esta ordem de inibição corresponde à ordem A energia da luz, da mesma forma que o calor, pode promover
de complexação do Cu2+ pelos flavonóides, o que sugere que a ativação necessária para que uma reação ocorra. Para que as
os flavonóides inibem a oxidação catalisada por Cu2+ quelando moléculas sejam ativadas, é necessária radiação de freqüência
os íons de cobre em solução.
apropriada e uma quantidade de luz suficiente. A unidade de
As velocidades de oxidação em condições similares àque-
las encontradas para produtos farmacêuticos foram pesquisa- energia de radiação é conhecida como fóton, que é equivalente
das por Fyhr e Brodin.52 Estes autores estudaram a oxidação do a um quantum de energia. As reações fotoquímicas não depen-
ácido ascórbico catalisada por ferro, a 35 °C, em valores de pH dem da temperatura para a ativação das moléculas e, por conse-
entre 4 e 6, uma pressão parcial de oxigênio de 21 kilopascal guinte, a velocidade de ativação nestas reações é também inde-
(21 kPa) e concentrações de ferro entre 0,16 e 1,25 ppm. Eles pendente da temperatura. Contudo, após a molécula absorver
concluíram que a oxidação do ácido ascórbico obedece a uma um quantum de energia radiante, esta pode colidir com outras
cinética de primeira ordem em relação à concentração total de moléculas, elevando sua energia cinética, o que causará um au-
ácido ascórbico. A análise elementar de resíduos foi utilizada mento de temperatura do sistema. A reação fotoquímica inicial
para acompanhar a variação na concentração de ferro. pode ser freqüentemente acompanhada por reações térmicas.
Akers53 estudou os potenciais de oxidação-padrão de di- O estudo das reações fotoquímicas exige um controle
versos antioxidantes em relação à estabilização da epinefrina estrito do comprimento de onda, da intensidade da luz e do
em solução aquosa. Eles verificaram que o ácido ascórbico ou número de fótons efetivamente absorvidos pelo material. Nor-
uma combinação de tiouréia a 0,5% e acetilcisteína a 0,5% foi malmente, as reações que ocorrem por ativação fotoquímica
o meio mais efetivo na estabilização de soluções parenterais são complexas e seguem uma série de etapas. As velocidades
de epinefrina. e os mecanismos dos estágios de reação podem ser elucidados
440 P ATRICK J. S INKO

mediante um estudo detalhado de todos os fatores envolvidos, O segundo tipo de reação de fotoxidação é iniciado por um
porém, para esta discussão básica do efeito da luz sobre os me- corante, como o azul de metileno.
dicamentos, não aprofundaremos esse tipo de consideração. Normalmente é utilizado um manômetro para medir a ve-
A irradiação do ergosterol e o processo de fotossíntese são locidade de absorção do oxigênio de uma mistura gasosa por
alguns dos exemplos de reações fotoquímicas de interesse em uma solução sob agitação contendo o agente oxidante. Em al-
Farmácia e Biologia. Quando o ergosterol é irradiado com luz guns casos, como é o exemplo do ácido ascórbico, pode ser
ultravioleta, é produzida vitamina D. Na fotossíntese, o dióxi- utilizado um método espectrofotométrico, desde que os espec-
do de carbono se combina com água presença de um fotoati- tros de absorção dos reagentes e do produto sejam claramente
vador, a clorofila. A clorofila absorve luz visível que provoca a diferentes. Também tem sido utilizado o eletrodo de oxigênio
reação fotoquímica mediante a qual são formados carboidratos ou uma célula galvânica de oxigênio como analisador para me-
e oxigênio. dir o consumo de oxigênio.
Alguns estudos que envolvem a influência da luz sobre Estudos anteriores da fotoxidação do benzaldeído dissolvi-
fármacos são revistos a seguir. do em n-decano mostraram que a reação envolve um mecanis-
Moore56 descreveu a cinética da fotoxidação do benzalde- mo via radical livre. Moore propôs, alternativamente, que um
ído medindo o consumo de oxigênio utilizando um eletrodo de processo por radical livre também ocorria em solução aquosa
oxigênio por polarografia. A fotoxidação de fármacos é inicia- diluída, ao estudar a eficácia antioxidante de alguns polifenóis
da pela radiação ultravioleta de acordo com dois possíveis ti- poliidroxilados. A fotoxidação do benzaldeído mostrou seguir
pos de reação. O primeiro é um processo em cadeia via radical um mecanismo via radical livre, permitindo classificar a eficá-
livre, no qual um ativador, por exemplo, benzofenona, retira cia dos fenóis poliidroxilados na ordem: catequina > pirogalol
um átomo de hidrogênio do fármaco. O fármaco na forma de > hidroquinona > resorcinol > n-propilgalato. Estes antio-
radical livre se liga a uma molécula de oxigênio, propagando xidantes podem ser classificados como retardadores, em vez
uma reação em cadeia pela retirada de um átomo de hidrogênio de inibidores, já que diminuem a velocidade de oxidação sem
de outra molécula do oxidante, um hidroperóxido, o que, por chegar a inibir totalmente a reação.
sua vez, poderá reagir mais adiante mediante um mecanismo Asker e colaboradores57 estudaram o efeito fotoestabili-
não-radicalar. O esquema para as etapas de iniciação, propaga- zante da DL-metionina sobre o ácido ascórbico em solução.
ção e término de uma reação em cadeia deste tipo é mostrado Foi estabelecido que uma concentração de 10 mg% de DL-
na Figura 15-17. metionina aumentava a estabilidade de uma solução contendo
40 mg% de ácido ascórbico tamponado com fosfatos, mas não
da mesma solução tamponada com citrato, a pH 4,5.
O ácido úrico58 demonstrou possuir efeito fotoprotetor
sobre soluções de sulfatiazol sódico, tamponadas ou não. A
adição de 0,1% de sulfito de sódio auxiliou na prevenção da
descoloração da solução de sulfatiazol, preparada em tampão
de boratos ou de fosfatos.
A furosemida (Lasix) é um potente diurético disponível
Iniciação na forma de comprimidos e de solução injetável estéril. Este
fármaco é de fato estável em solução alcalina, porém degrada
rapidamente em meio ácido.

Propagação

Furosemida

Propagação Em solução alcalina e em metanol, a irradiação da furose-


mida com luz ultravioleta longa (365 nm) resulta, respectiva-
mente, em fotoxidação e redução, gerando vários produtos de
Produtos inertes degradação. O fármaco é relativamente estável quando exposto
à luz visível normal ou à luz de fluorescentes, mas apresenta
um tempo de meia-vida de apenas 4 horas quando exposto à
luz solar direta. Bundgaard e colaboradores59 descobriram que
Término a furosemida é mais sensível à fotodegradação quando está na
forma de ácido não-dissociado. Além de estudar a fotossensi-
Figura 15-17 Etapas na fotoxidação do benzaldeído (Retirada, com permis- bilidade da furosemida, esses autores observaram a degradação
são, de D. E. Moore, J. Pharm. Sci. 65, 1449, 1976.) dos ésteres da etildimetilglicolamida e etildietilglicolamida da
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 441

furosemida, concluindo que estes ésteres eram muito instáveis A nifedipina é um antagonista do cálcio utilizado em pa-
em soluções com pH 2 a 9,5, tanto na luz do dia quanto na luz tologias associadas às artérias coronárias e hipertensão. Infe-
ambiente artificial. Os tempos de meia-vida para a fotodegra- lizmente, este fármaco é sensível à luz, tanto em solução como
dação desses ésteres foram de 0,5 a 1,5 h. no estado sólido. Matsuda e colaboradores62 estudaram a fo-
Segundo Andersin e Tammilehto,60 uma fotocinética de todegradação da nifedipina no estado sólido após exposição
primeira ordem aparente já tinha sido relatada por outros au- à radiação emitida por lâmpadas fluorescentes e de vapor de
tores para adriamicina, furosemida, menadiona, nifedipina, mercúrio. O fármaco sofreu degradação em quatro compostos,
sulfacetamida e teofilina. A fotodegradação em etanol do sal sendo a nitrosopiridina o principal produto da fotodegradação.
cetorolaco de trometamina (tampão TRIS, amino-hidroxime- A nifedipina se decompõe facilmente sob luz ultravioleta e luz
tilpropenodiol), um agente analgésico e antiinflamatório, apa- visível, sendo o máximo de degradação observado no compri-
mento de onda de 380 nm (3,80 × 10–7 m). A velocidade de
renta ser uma exceção.60 Este fármaco apresentou cinética de
degradação da nifedipina foi muito maior quando exposta à ra-
primeira ordem aparente em baixas concentrações, 2,0 µg/mL diação da lâmpada de vapor de mercúrio do que quando expos-
ou menos (Figura 15-18a). Contudo, em concentrações de 10 ta à radiação da lâmpada fluorescente. Porém, a degradação em
µg/mL ou mais, a degradação do cetorolaco de trometamina se- ambos os casos obedece a uma cinética de reação de primeira
gue uma cinética diferente daquela de primeira ordem. Ou seja, ordem. O fármaco mostrou ser mais sensível à luz quando em
os gráficos da concentração do fármaco em função de tempo de solução. A fotodegradação da nifedipina no estado sólido cris-
irradiação deixam de ter uma relação linear apresentando, pelo talino mostrou estar diretamente relacionada com a intensida-
contrário, uma relação curvilínea nas concentrações maiores de da irradiação total. A intensidade total foi utilizada por ser
(Figura 15-18b).61 um parâmetro apropriado para medir a fotodegradação acele-
rada da nifedipina no estado sólido e, assim, poder estimar a
fotoestabilidade sob condições normais de irradiação de luz.
(a) 2
A fotossensibilidade do corante FD&C Blue N° 2 faz com
que a cor das soluções deste desvaneça e elas se tornem gra-
dualmente incolores Asker e Collier63 estudaram a influência
1
do ácido úrico, uma substância que absorve luz ultravioleta,
0,8
na fotoestabilidade do corante FD&C Blue N° 2 em glicerina e
em trietanolamina. Esses autores observaram que quanto maior
0,6
era a concentração de ácido úrico em trietanolamina, maior era
Concentração

0,4
o efeito de fotoproteção conferido ao corante. A glicerina mos-
trou não ser um bom solvente para o fotoprotetor, uma vez que
acelera a velocidade de descoloração, possivelmente devido ao
seu efeito sobre a constante dielétrica.
0,2
Como seria de se esperar para uma reação que ocorre em
função da radiação luminosa e da alteração na cor, mais do que
em função da concentração, essas reações seguem uma cinéti-
0,1 ca de ordem zero. As reações de fotodegradação da clorproma-
0 1 2 3 4 5
Tempo de irradiação (min)
zina, menadiona, reserpina e colchicina também obedecem a
(b) uma cinética de ordem zero.
100 Asker e Colbert64 avaliaram a influência de vários adjuvan-
80 tes sobre o efeito fotoestabilizante que o ácido úrico exerce so-
bre soluções de FD&C Blue N° 2. As substâncias testadas em
60
função dos seus efeitos sinérgicos pertencem às seguintes clas-
ses de adjuvantes: antioxidantes, agentes quelantes, tensoativos,
40
açúcares e conservantes. Foi observado que os antioxidantes
DL-metionina e DL-leucina aceleraram o processo de fotode-
gradação do FD&C Blue N° 2 em solução. A adição do tenso-
Concentração

20 ativo Tween 80 (polissorbato 80) aumentou a fotodegradação


desse corante, tal como relatado anteriormente por Kowarski65
e outros pesquisadores. Ficou demonstrado, por esses e outros
10 autores, que a lactose acelera a descoloração do FD&C Blue N°
8 2 em solução e que a adição de ácido úrico retarda a fotodegra-
dação causada por esse açúcar. De modo semelhante, o metil-
6 parabeno acelerou a perda da cor azul, processo que é revertido
0 4 6 12 16 20 quando se adiciona ácido úrico à solução desse corante. Agentes
Tempo de irradiação (min) quelantes, como edetato dissódico (EDTA dissódico), aumen-
taram de forma significativa a velocidade de descoloração do
Figura 15-18 Representação semilogarítmica da fotólise do cetorolaco de corante em solução. O EDTA dissódico também aumenta a
trometamina em álcool etílico. Símbolos: em atmosferas de argônio; velocidade de degradação da epinefrina, fisostigmina e do iso-
ar; oxigênio. (a) Em baixas concentrações de fármaco; (b) em altas proterenol, e acelera a fotodegradação do azul de metileno e da
concentrações de fármaco. (Retirada, com permissão, de L. Gu, H. Chiang and riboflavina. Alguns ácidos, como o cítrico e o tartárico, tendem
D. Johnson, Int. J. Pharm. 41, 109, 1988.) a aumentar a descoloração de corantes em solução.
442 P ATRICK J. S INKO

Asker e Jackson66 relataram o efeito fotoprotetor do dime-


tilsulfóxido sobre soluções contendo FD&C Red N° 3 expostas
à luz ultravioleta longa e curta. A luz fluorescente mostrou ser
mais danosa para a fotoestabilidade deste corante em solução
do que as fontes de luz ultravioleta.

Concentração
Estabilidade acelerada e testes de estresse 40 °C

A FDA (Federal Food, Drug, and Cosmetic Act) exige que os fa-
bricantes estabeleçam controles para a produção, processamento, 50 °C
acondicionamento e armazenagem de medicamentos, de modo a
assegurar a segurança, identidade, potência, qualidade e pureza
dos mesmos [§501(a)(2)(B)]. As exigências vigentes para estes
controles, também conhecidas como Boas Práticas de Fabrica- 60 °C
ção (BPF), são estabelecidas e monitoradas pela FDA. Os estu- 70 °C
dos de estabilidade devem incluir ensaios daquelas propriedades
do fármaco ou do medicamento que são suscetíveis à variação Tempo em (h)
durante o período de armazenamento e que provavelmente in- Figura 15-19 Degradação acelerada de um fármaco em solução aquosa e
fluenciam na qualidade, segurança e/ou eficácia dos mesmos. em temperatura elevada.
Os testes devem abranger, de forma apropriada, as propriedades
físicas, químicas, biológicas e microbiológicas, o conteúdo de
antioxidantes e de conservantes, assim como os testes de fun-
cionalidade (para o sistema de dosador, por exemplo). A FDA demonstrado por Garrett e Carper.2 Segundo este método, os
exige, como parte das diretrizes das BPF, que os medicamentos valores de k para a degradação do fármaco em solução a di-
tenham um prazo de validade determinado por meio de testes ferentes temperaturas elevadas são obtidos plotando-se em um
de estabilidade apropriados (21 Code of Federal Regulations gráfico da concentração em função do tempo, como mostra a
211.137 e 211.166). A estabilidade de medicamentos em função Figura 15-19, conforme já foi discutido nas seções anteriores
do tempo precisa ser avaliada considerando o mesmo sistema deste capítulo. Os logaritmos das velocidades de degradação
recipiente-tipo de fechamento encontrado no medicamento co- específicas são plotados contra os valores recíprocos das tem-
mercializado. Em alguns casos, quando o estudo da estabilidade peraturas absolutas, conforme visto na Figura 15-20, extrapo-
de prateleira não é viável, estudos de estabilidade em condições lando depois a linha reta resultante até a temperatura ambiente.
aceleradas podem ser utilizados para fundamentar as datas de O valor de k25 °C é utilizado para medir o grau de estabilidade do
validade estabelecidas. Quando um fabricante altera a apresenta- fármaco em condições de armazenagem normais.
ção de um medicamento (por exemplo, de um frasco multidose
para outro de dose unitária), deverá ser feito o teste de estabi- EXEMPLO 15-14
lidade do produto no seu novo sistema de acondicionamento e
o novo prazo de validade deverá refletir os resultados de novos Prazo de validade
testes de estabilidade. Os estudos de estabilidade acelerada são A concentração inicial de um fármaco que sofre decomposição se-
delineados para aumentar a velocidade da degradação química gundo uma cinética de primeira ordem é de 94 unidades/mL. A ve-
ou de alteração física de um fármaco ou de um medicamento locidade de degradação específica, k, obtida a partir de um gráfico
mediante a aplicação de condições de armazenagem exagera- de Arrhenius é igual a 2,09 × 10–5 h–1, à temperatura ambiente de
das, constituindo parte de estudos de estabilidade formais. Os 25 °C. Experimentos realizados previamente mostraram que se a
dados desses estudos, junto com aqueles procedentes de estudos concentração do fármaco diminui abaixo de 45 unidades/mL, a po-
de estabilidade em condições de prateleira, podem ser utiliza-
dos para avaliar os efeitos químicos esperados a longo prazo, em
condições não-aceleradas, assim como para avaliar o efeito do 70 °C
descumprimento, por períodos curtos, das condições de arma-
60 °C
zenagem estabelecida no rótulo, como pode acontecer durante o
transporte do produto. Os resultados dos estudos mediante tes- 50 °C
tes acelerados de estabilidade nem sempre conseguem predizer 40 °C
Log k

eventuais alterações físicas. O teste de estresse do fármaco ou do


30 °C
medicamento pode auxiliar na identificação dos possíveis produ- 25 °C
tos de degradação, o que, por sua vez, pode ajudar na elucidação 20 °C
das rotas de degradação, na definição da estabilidade intrínseca
da molécula e, também, estimar em termos de estabilidade a for-
ça de previsão do procedimento analítico utilizado. A natureza
do teste de estresse a ser aplicado dependerá do fármaco e do 2900 3100 3300 3500
I / T × 106
tipo de medicamento em questão.
O método do teste de estabilidade acelerada de produtos Figura 15-20 Gráfico de Arrhenius na previsão da estabilidade de um fárma-
farmacêuticos baseado nos princípios da cinética química foi co em ambientes a diferentes temperaturas.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 443

CONCEITO TESTE DE ESTRESSE


O teste de estresse destinado a elucidar a estabilidade intrínseca de um quando apropriado, da oxidação e da fotólise. O teste de estresse de um
fármaco faz parte da estratégia de desenvolvimento de medicamentos medicamento é realizado para avaliar o efeito de condições severas so-
e, normalmente, é realizado sob condições mais severas do que as uti- bre o mesmo. Esses estudos incluem testes de fotoestabilidade e outros
lizadas em testes de estabilidade acelerada. De modo característico, o específicos para certos produtos (p. ex.: inaladores com sistema dosador,
teste inclui os efeitos sobre o fármaco da temperatura [em incrementos cremes, emulsões, produtos aquosos líquidos que precisam refrigeração,
de 10 °C (p. ex.: de 50 °C para 60 °C) acima daquela aplicada em tes- entre outros).
tes acelerados], da umidade (p. ex., 75% ou mais de umidade relativa)

tência deste não será suficiente e o produto deverá ser retirado do a potência do fármaco diminua até 90% do seu valor original
mercado. Qual prazo de validade deve ser dado a esse produto? (ou seja, t90) é lido no gráfico. Na Figura 15-22, os logaritmos
Teremos que: dos tempos necessários para uma degradação de 90% são plo-
2 303 c0 tados contra 1/T, sendo o prazo de validade do produto, em
t= log
k c dias, obtido por extrapolação para a temperatura de 25 °C. Os
dados de degradação apresentados na Figura 15-21 resultam
2 303 94 ∼ em um valor de t90 de 199 dias. O prazo de prateleira e o prazo
t= log = 3 5 × 104 = 4 anos
2 09 × 10−5 45 de validade podem ser estimados dessa forma. Baker e Niazi68
assinalaram as limitações do método.
Por qualquer um desses dois métodos é possível calcular,
Free e Blythe e, mais recentemente, Amirjahed67 e cola- facilmente, a quantidade de fármaco em excesso que deve ser
boradores, sugeriram um método similar no qual o período de adicionada ao produto no momento da preparação, para que
validade fracionado (Exemplo 15-2) é plotado contra valores seja mantido um mínimo de 100% da sua quantidade rotulada
recíprocos de várias temperaturas, calculando-se a seguir o durante o período de prateleira do produto.
tempo necessário, em dias, para que o fármaco degrade à tem- Uma abordagem mais apurada para a avaliação da esta-
peratura ambiente até uma determinada fração da sua potência bilidade envolve a cinética não-isotérmica, introduzida por
original. Esta abordagem está ilustrada nas Figuras 15-21 e Rogers69 em 1963. A energia de ativação, as velocidades de
15-22. Como se pode observar na Figura 15-21, o percentual reação e a previsão da estabilidade são obtidas mediante um
do logaritmo da quantidade de fármaco remanescente é plo- único experimento programando a variação de temperatura a
tado contra o tempo, em dias. O tempo necessário para que uma velocidade predeterminada. Temperatura e tempo são re-
lacionados mediante uma função apropriada, por exemplo,
1 T 1 T0 at (15-151)
% de fármaco restante (escala log)

199 dias
Dias para obter 90% (escala log)

preditos para 25 °C

2,7 2,8 2,9 3,0 3,1 3,2 3,3

Temperatura (°C)
Tempo em dias
Figura 15-22 Gráfico logarítmico dos valores de t90 (ou seja, tempo para
Figura 15-21 Tempo em dias necessário para que a potência de um fármaco diminuir a 90% da potência), no eixo vertical, em função do recíproco da tem-
diminua até 90% do seu valor original. Esses tempos, indicados como t90, são peratura (são mostradas ambas as escalas, em Kelvin e graus centígrados),
depois plotados em escala logarítmica na Figura 15-22. no eixo horizontal.
444 P ATRICK J. S INKO

onde T0 é a temperatura inicial e a é o recíproco da constante emulsões e suspensões e os efeitos do acondicionamento sobre a
de velocidade de aquecimento. A qualquer tempo durante o ex- estabilidade dessas formas farmacêuticas.
perimento, a equação de Arrhenius para o tempo zero e tempo Métodos estatísticos devem ser utilizados para estimar o
t pode ser expressa como: erro no cálculo das constantes de estabilidade, principalmente
quando o ensaio é baseado em um método biológico. Isso se
Ea 1 1
ln kt ln k0 − − (15-152) consegue mediante o método dos mínimos quadrados, confor-
R Tt T0 me foi abordado por Garrett74 e Westlake.76
O pesquisador deve estar ciente que a ordem de uma rea-
Substituindo a equação (15-151) na equação (15-152), ob-
ção pode mudar durante o tempo do estudo. Assim, a degra-
temos dação por uma cinética de ordem zero pode se transformar,
Ea
ln kt ln k0 − at (15-153) na seqüência, em outra de primeira ou segunda ordem ou de
R ordem fracionada, e a energia de ativação também pode mu-
Uma vez que a temperatura está em função do tempo, t, a dar quando o processo de degradação ocorre por vários meca-
determinação da estabilidade, kt, é feita diretamente sobre a faixa nismos. Em determinadas temperaturas, a autocatálise (i. e.,
de temperaturas do experimento. Atualmente existe uma série aceleração da degradação pelos produtos formados na reação)
de variações desse método,70-73 de modo que agora é possível pode ocorrer, tornando inviáveis as previsões de estabilidade
alterar a velocidade de aquecimento durante o experimento ou para a temperatura ambiente inviáveis.
combinar velocidades de aquecimento programadas com estu- Em resumo, na pesquisa laboratorial do desenvolvimento
dos isotérmicos e obter protocolos impressos contendo energia de produtos se devem reconhecer as limitações dos estudos ace-
de ativação, ordem de reação e estimativas de estabilidade para lerados de estabilidade, tanto os clássicos quanto os mais recen-
tempos projetados no futuro, com diferentes temperaturas. tes, de natureza cinética, assim como é obrigatório distingüir os
Ainda que os métodos cinéticos não requeiram estudos casos nos quais uma previsão fidedigna pode ser feita daqueles
detalhados do mecanismo de degradação para prever a estabi- em que, na melhor das hipóteses, apenas é possível obter uma
lidade, eles exigem a aplicação de princípios científicos con- estimativa grosseira da estabilidade do produto. Quando os tes-
sistentes quando o objetivo é melhorar estudos prolongados tes acelerados de estabilidade não são viáveis, é necessário rea-
da estabilidade à temperatura ambiente. Além disso, antes de lizar longos testes de envelhecimento, sob condições diferentes,
descartar um método mais antigo, ainda que esse seja algo me- para obter as informações de estabilidade requeridas.
nos do que completamente satisfatório, é necessário submeter
a nova técnica a um período de testes preliminares e analisá-la
criteriosamente. Nesse sentido, recomenda-se a adoção de al- Recipientes e material de fechamento
gumas precauções gerais em relação ao uso de métodos desti- A informação contida nesta seção foi retirada majoritariamen-
nados a testes acelerados. te das diretrizes da FDA (FDA Guidances for Containers and
Em primeiro lugar, deve ser enfatizado que os resultados Closures). O estudante interessado em obter informação adicio-
obtidos de um estudo de degradação de uma substância em nal deverá consultar as diretrizes específicas. O fechamento de
particular contida em um veículo não podem ser aplicados ar- um recipiente ou o sistema de acondicionamento se refere ao
bitrariamente para outras preparações líquidas. Contudo, como conjunto de componentes de acondicionamento que contêm e
assinalado por Garrett,74 uma vez que a energia de ativação protegem dentro de si a forma farmacêutica. Isto inclui os com-
de determinada substância é conhecida, provavelmente é váli- ponentes da embalagem primária e da secundária, quando essa
do continuar utilizando este valor quando são feitas pequenas última é destinada a fornecer proteção adicional ao medicamen-
variações de concentração (p. ex., a quantidade em excesso to. Materiais de acondicionamento são feitos normalmente de
adicionada para manter em 100% a potência) ou pequenas vidro, polietileno de alta densidade, metal e outros materiais.
alterações na formulação. Nesse caso, a energia de ativação Os componentes usuais são recipientes (p. ex., ampolas, frascos
conhecida e um único estudo de velocidade de degradação a e garrafas), recipientes tubulares (p. ex., bisnagas), material de
uma temperatura elevada podem ser utilizados para estimar a fechamento (p. ex., tampas com rosca, tampões), fitas de fe-
estabilidade dessa substância em temperaturas normais. chamento, sobretampas, selos de vedação internos, dispositivos
Os métodos para teste de estabilidade baseados na equação para administração (p. ex., parenterais de grande volume), ma-
de Arrhenius são validos unicamente quando a degradação é um terial de envoltório, acessórios para administração e rótulos do
fenômeno térmico, com uma energia de ativação de 10 a 30 kcal/ recipiente. A embalagem ou embalagem comercial refere-se ao
mol. Se a velocidade de reação é determinada por difusão ou rea- recipiente, sistema de fechamento, material de rotulagem, com-
ções fotoquímicas ou se a degradação é devida a congelamento, ponentes acessórios (p. ex., copos, colheres e conta-gotas dosa-
contaminação por microrganismos, agitação excessiva durante o dores) e material de embalagem externa (p. ex., cartão e papel
transporte, e assim por diante, é evidente que um estudo mediante corrugado). Uma embalagem comercial é o artigo fornecido ao
temperaturas elevadas tem pouco significado na previsão da vida farmacêutico ou ao distribuidor mediante compra e não inclui
útil de um produto. Também não é possível utilizar temperaturas o material de embalagem utilizado apenas com a finalidade de
elevadas em produtos contendo agentes suspensionantes, como transportar esses artigos. Há vários aspectos que se relacionam
a metilcelulose, que coagula quando aquecida, ou proteínas, que com os sistemas de fechamento, incluindo proteção, compatibi-
podem sofrer desnaturação, nem em ungüentos e supositórios, lidade, segurança e desempenho dos componentes ou sistemas
que fundem em condições de temperatura elevada. A quebra de de embalagem. O propósito desta seção é estimular a atenção
emulsões envolve a agregação e coalescência das gotículas e al- do estudante em torno de aspectos de estabilidade relacionados
gumas emulsões são, na verdade, mais estáveis em temperaturas com sistemas de fechamento.
elevadas, quando o movimento browniano é aumentado. Lach- A Comissão da Farmacopéia Norte-americana (United
man e colaboradores75 avaliaram os testes de estabilidade de States Pharmacopeial Convention) estabeleceu requisitos para
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 445

os recipientes, os quais estão descritos em diversas monografias suscetíveis a ambos os tipos de penetração. Embora os recipien-
de medicamentos na Farmacopéia Norte-americana/Formu- tes de vidro aparentem dar uma proteção melhor porque esse
lário Nacional (USP/NF). Para cápsulas e comprimidos, estes material é relativamente impermeável a gases, são mais eficazes
requisitos geralmente estão relacionados com as características unicamente quando existe um bom sistema de vedação entre o
de desenho do recipiente (p. ex., de fechamento, fechamento recipiente e o material de fechamento.
hermético, resistente à luz). No caso de produtos injetáveis,
também é arrolado o material de fabricação (p. ex., “Mantenha
em recipiente de dose unitária ou em recipiente multidose, pre- Produtos biotecnológicos
ferentemente em vidro Tipo I, protegido da luz”). Estes requisi- Produtos biológicos e biotecnológicos possuem características
tos estão definidos na seção General Notices and Requirements próprias que devem ser consideradas em qualquer programa
(Preservation, Packaging, Storage, and Labeling) da Farmaco- bem-definido de testes destinados a confirmar sua estabilidade
péia Norte-Americana (USP). Os requisitos para os materiais durante o tempo de armazenagem proposto. Para tais produtos,
de fabricação estão definidos em General Chapters da USP. nos quais as substâncias ativas são normalmente proteínas ou
O tipo e quantidade de informação sobre estabilidade ne- polipeptídeos, a preservação da conformação molecular e, con-
cessária para um medicamento em particular depende da forma
seqüentemente, da atividade biológica depende tanto de forças
farmacêutica e da via de administração. Por exemplo, o tipo de
informação que deve ser proporcionado sobre um sistema de não-covalentes quanto das covalentes. Alguns exemplos destes
acondicionamento para uma forma farmacêutica injetável ou produtos são as citocinas (interferon, interleucinas, fatores esti-
para um medicamento para inalação é freqüentemente muito mulantes de colônias, fatores de necrose tumoral), eritropoieti-
mais detalhada do que o necessário para um sistema de acon- nas, ativadores plasminogênicos, fatores sangüíneos, hormônio
dicionamento de uma forma farmacêutica sólida oral. Normal- do crescimento, fatores de crescimento, insulinas, anticorpos
mente, as informações a serem exigidas para uma forma far- monoclonais e vacinas, que são proteínas e polipeptídeos bem
macêutica líquida são bem mais detalhadas do que para uma caracterizados. Estes produtos são particularmente sensíveis a
sólida ou em pó, uma vez que a interação com os materiais de fatores ambientais, como variações de temperatura, oxidação,
acondicionamento é bem mais provável na líquida. A adequabi- luz, teor iônico e agitação. Para assegurar a conservação da
lidade do sistema de fechamento de um recipiente para um pro- atividade biológica e para evitar a degradação do produto, nor-
duto farmacêutico em particular é provada, em última instância, malmente são adotadas condições rigorosas de armazenagem.
mediante estudos completos de estabilidade em condições de A avaliação da estabilidade poderá requerer uma metodologia
armazenagem. O sistema de fechamento de um recipiente deve analítica complexa. Os ensaios de atividade biológica, quando
proporcionar à forma farmacêutica a proteção apropriada con- cabíveis, devem formar parte fundamental dos estudos de esta-
tra vários fatores (p. ex., temperatura, luz) que podem reduzir a bilidade. Também devem fazer parte de um programa de estu-
qualidade da forma farmacêutica durante o seu prazo de valida- do da estabilidade os métodos físico-químicos, bioquímicos e
de. Tal como foi discutido anteriormente neste capítulo, existem imunoquímicos para a análise de identificação molecular e para
várias fontes de degradação, como a exposição à luz, perda de a detecção quantitativa de produtos de degradação, sempre que
solvente, exposição a gases reativos, (p. ex., oxigênio), absorção a pureza e as características moleculares do produto permitam
de vapor de água e contaminação microbiana. Um medicamento sua aplicação. O prazo de validade de produtos biológicos e
também pode sofrer uma perda inaceitável de qualidade quando
biotecnológicos pode variar de dias a anos. Com apenas al-
é contaminado por sujeira. Nem todo medicamento está sujeito
à degradação por todos esses fatores. Nem todos os medicamen- gumas exceções, o prazo de validade dos produtos existentes
tos são sensíveis à luz. Nem todos os comprimidos são susce- e de outros de uso potencial no futuro varia de 0,5 até 5 anos.
tíveis à perda de qualidade por absorção de umidade. A sensi- Neste caso, é levado em conta que a degradação dos produtos
bilidade ao oxigênio é mais comum em formas farmacêuticas biológicos e biotecnológicos nem sempre é regida pelos mes-
líquidas. A proteção contra a luz geralmente é obtida utilizando mos fatores durante os diferentes períodos de um longo tempo
recipientes opacos, de cor âmbar, ou mediante uma embalagem de armazenamento. Por essa razão, quando o prazo de validade
secundária opaca (p. ex., uma caixa ou envoltório). O teste da esperado fica compreendido nessa faixa, o FDA faz algumas
USP para a transmissão da luz é um padrão aceito para avaliar recomendações nas diretrizes para a indústria (FDA-Guidance
as propriedades de transmissão da luz para recipientes. Há si- to Industry). Quando são propostos prazo de validade de um
tuações nas quais medicamentos sólidos e líquidos de uso oral ano ou inferiores, devem ser realizados estudos mensais sobre
ficam expostos durante o tempo de armazenagem porque houve o tempo real de estabilidade, durante os primeiros três meses
remoção de uma embalagem secundária opaca, contradizendo o e, posteriormente, em intervalos de três meses. Para os pro-
estabelecido no rótulo aprovado na monografia da Farmacopéia. dutos com um prazo de validade proposto superior a um ano,
Perdas de solvente podem ocorrer através de barreiras permeá- os estudos deverão ser realizados a cada três meses durante o
veis (p. ex., parede de um recipiente de polietileno), através de primeiro ano de armazenamento, a cada seis meses no segundo
um selo impróprio ou por escape. O escape de líquidos pode ano e, posteriormente, a cada ano.
acontecer pelo manuseio grosseiro ou pelo contato inadequa-
do entre o recipiente e o material de fechamento (p. ex., devi-
do à geração de pressão durante o armazenamento). Perdas de Estabilidade do estado sólido
material também podem ocorrer em bisnagas devido à falha na
reborda de fechamento. Vapor de água ou gases reativos (como A degradação de fármacos no estado sólido é um tópico
o oxigênio) podem atravessar o sistema de fechamento do reci- importante que, contudo, não tem sido estudado de modo
piente passando através de uma superfície permeável (p. ex., a intensivo em Farmácia. O assunto foi revisado por Gar-
parede de um frasco de polietileno de baixa densidade) ou me- rett,77 Lachman78 e Carstensen,79 sendo aqui discutido ape-
diante difusão através do selo. Os recipientes de plástico são nas brevemente.
446 P ATRICK J. S INKO

delgada. O método é qualitativo, porém, como técnica explo-


ratória na pré-formulação industrial, proporciona informação
1,0
valiosa para se desvendar possíveis incompatibilidades entre
fármacos e adjuvantes farmacêuticos, antes de se decidir pela
forma farmacêutica mais adequada.
Fração molar degradada, X

Lach e colaboradores83 utilizaram a técnica de espectros-


copia por refletância difusa para quantificar interações entre
Cinética de adjuvantes e fármacos em formas farmacêuticas sólidas. Blaug
dissolução de e Huang84 utilizaram essa mesma técnica para estudar a inte-
primeira ordem ração entre lactose seca por aspersão (spray-dried) e sulfato de
Inicia sistema dextroanfetamina.
0,5 monofásico (líquido) Goodhart e colaboradores85 estudaram o desaparecimento
gradual da cor em comprimidos por efeito da luz (reação de fotó-
Sistema bifásico lise) e plotaram os resultados em termos de diferença de cor em
valores de energia luminosa, expressos em pés-candela-hora.*
Lachman, Cooper e colaboradores86 conduziram uma sé-
rie de estudos sobre a degradação de corantes FD&C em com-
Tempo primidos, chegando a estabelecer um modelo de degradação
Figura 15-23 Degradação de um sólido cristalino puro, como permanganato constituído por três etapas separadas. Foi demonstrado que a
de potássio, envolvendo produtos de reação gasosas (Retirada, com permis- fotólise é um fenômeno de superfície responsável pela desco-
são, de: J. T. Carstensen, J. Pharm. Sci. 63, 4, 1974.) loração de comprimidos em uma profundidade de até 0,03 cm.
De modo interessante, a descoloração não avançou mais dentro
do revestimento após exposição continuada à luz; o conteúdo
dentro de comprimidos revestidos e coloridos não foi afetado
Sólidos puros de modo adverso pela exposição à luz.
A degradação de sólidos puros, em contraste com as misturas Como assinalado por Monkhouse e Van Campen,87 as rea-
mais complexas de adjuvantes encontradas em uma forma farma- ções no estado sólido mostram características bem diferentes
cêutica, tem sido objeto de estudo que levou à proposta de várias daquelas observadas nos estados líquido e gasoso, uma vez que
as moléculas do sólido se encontram em uma forma cristalina.
teorias para explicar a forma das curvas obtidas quando a degra-
As abordagens quantitativas e teóricas sobre estudos de cinética
dação da substância é plotada em função do tempo. Carstensen e no estado sólido se encontram em um ponto de fronteira que,
Musa80 descreveram a degradação dos derivados sólidos do ácido quando ultrapassado, irá provavelmente revelar uma nova e fru-
benzóico, como ácido aminobenzóico, o qual se decompõe em tífera área no conhecimento da química e dos fármacos. Esses
um líquido, anilina, e um gás, dióxido de carbono. O gráfico da autores88 classificaram as reações em estado sólido como rea-
concentração de fármaco degradado em função do tempo resulta ções de adição, quando dois sólidos A e B interagem formando
em uma curva sigmóide (Figura 15-23). Depois que o líquido um novo sólido, AB. Por exemplo, ácido pícrico reage com naf-
começa a se formar, a degradação na solução se torna uma rea- tóis para formar o que é denominado picratos. Um segundo tipo
ção de primeira ordem. Esse tipo de sistema farmacêutico mono- de reação no estado sólido refere-se ao processo de permuta, no
componente pode se degradar, quer por uma reação de primeira qual um sólido A reage com um sólido BC para formar um novo
ordem, quer por uma de ordem zero, como se observa na Figura sólido AB, liberando um outro sólido, C. Reações entre sólido e
15-23. Com freqüência, é difícil determinar qual dos modelos gás constituem outro tipo, do qual as oxidações do ácido ascór-
acontece, quando a reação não pode ser realizada abrangendo um bico e da fumagilina sólida são exemplos a serem destacados.
número suficiente de tempos de meia-vida que permita diferen- Outros tipos de processos no estado sólido incluem transições
ciar uma reação de ordem zero e outra de primeira ordem. polimórficas, sublimação, desidratação e degradação térmica.
Monkhouse e Van Campen87 revisaram os métodos experi-
Formas farmacêuticas sólidas mentais utilizados na cinética do estado sólido, incluindo a es-
pectroscopia de refletância, difração de raios X, análise térmica,
A degradação de fármacos em formas farmacêuticas sólidas é microscopia, dilatometria e análises de pressão-volume de ga-
mais complexa do que a diminuição observada em substâncias ses. Sua revisão encerra com uma seção sobre tratamento de da-
individuais no estado puro. As reações podem ser de ordem zero dos, efeitos da temperatura, aplicação do gráfico de Arrhenius,
ou de primeira ordem. Contudo, em alguns casos é difícil dis- expressões de equilíbrio envolvendo a degradação no estado só-
tinguir umas das outras, do mesmo modo que em substâncias lido e o uso da equação de van’t Hoff para, especificamente, um
puras. Tardif81 observou que o ácido ascórbico em comprimidos fármaco sólido hidratado em equilíbrio com sua forma anidra.
se decompõe mediante uma reação de pseudoprimeira ordem.
Em comprimidos e outras formas farmacêuticas, existe
a possibilidade de interações sólido-sólido. Carstensen e co- Referências
laboradores82 idealizaram um programa para testar possíveis
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estado sólido. O fármaco é misturado com vários adjuvantes na
1a. S. Glasstone, Textbook of Physical Chemistry, Van Nostrand, New York,
presença e na ausência de uma umidade de 5%, em recipientes
1946, p. 1051–1052.
fechados e armazenados durante duas semanas a 55 °C. Nesse
período, são realizadas inspeções visuais e as amostras testa-
das para interação química mediante cromatografia em camada * N. de T.: Unidades de distância, intensidade luminosa, tempo.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 447

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4
16 FENÔMENOS DE INTERFACE
17 COLÓIDES
18 DISPERSÕES GROSSEIRAS
SISTEMAS DISPERSOS

4
16
16 FENÔMENOS DE
INTERFACE

INTERFACES LÍQUIDAS ADSORÇÃO EM INTERFACES SÓLIDAS


Tensão superficial e tensão interfacial A interface sólido-gás
Energia livre de superfície A interface sólido-líquido
Diferenças de pressão através de Carvão ativado
interfaces curvas Molhabilidade
Medida de superfície e tensões interfaciais
Coeficiente de espalhabilidade APLICAÇÕES DOS AGENTES COM AÇÃO DE
SUPERFÍCIE
ADSORÇÃO EM INTERFACES LÍQUIDAS Espumas e agentes antiespumantes
Agentes com atividade de superfície Tensoativo pulmonar
Classificação dos sistemas hidrófilo-lipófilo
Tipos de monocamadas em superfícies líquidas PROPRIEDADES ELÉTRICAS DAS INTERFACES
Monocamadas solúveis e a equação de adsorção A dupla camada elétrica
de Gibbs Potenciais Zeta e de Nernst
Monocamadas insolúveis e balança de Langmuir Efeito de eletrólitos

Ao final deste capítulo, o estudante líquida. A seção de interfaces sólidas tratará de sistemas conten-
OBJETIVOS DO CAPÍTULO deverá estar apto a: do interfaces sólido-gás e sólido-líquido. Embora as interfaces
sólido-sólido tenham significância prática na área farmacêutica
1 Diferenciar os vários tipos de interface e definir exemplos
(p. ex., adesão entre grânulos, preparação de comprimidos mul-
relevantes aplicados à área farmacêutica.
ticamadas e fluxo de partículas), há pouca informação disponível
2 Compreender os termos tensão superficial e tensão interfa- para que se possa quantificar esses tipos de interações. Isso ocor-
cial e suas aplicações à área farmacêutica. re, em parte, em função de a região da superfície dos materiais
3 Avaliar os diferentes métodos de medida de tensão super- em estado sólido ser imóvel, ao contrário da turbulência obser-
ficial e interfacial. vada nas superfícies entre líquidos e gases. Portanto, os sistemas
4 Calcular as tensões superficial e interfacial, a energia livre sólido-sólido não serão aqui abordados. Ao final da seção, serão
de superfície, suas variações, o trabalho de coesão e ade- resumidas as propriedades elétricas das interfaces.
são e o coeficiente de espalhabilidade para diferentes tipos O termo superfície é normalmente usado para referir-se à
de interfaces. interface gás-sólido ou gás-líquido. Embora venhamos a discu-
5 Compreender os mecanismos de adsorção de líquidos e tir essa terminologia no decorrer deste capítulo, o leitor pode
interfaces sólidas. perceber que toda superfície é uma interface. Logo, o tampo
6 Classificar os agentes com atividade de superfície e avaliar de uma mesa forma uma interface gás-sólido com a atmosfera
suas aplicações na área farmacêutica. na sua parte superior, assim como uma gota de chuva constitui
7 Diferenciar os vários tipos de monocamadas e reconhecer uma interface gás-líquido. Os símbolos usados para designar
os métodos básicos para sua caracterização. as várias tensões interfaciais são mostrados na segunda coluna
8 Reconhecer as propriedades elétricas das interfaces e os da Tabela 16-1; o símbolo subscrito L é usado para líquido, o
efeitos dos eletrólitos. V, para vapor ou gás, e o S, para sólido. As tensões superficial
e interfacial serão definidas mais adiante.
Embora não seja exatamente a mais correta em termos de re- A importância do presente tópico torna-se evidente uma vez
gra de fases, esta terminologia é bastante conveniente. Por exem- que toda entidade física, seja ela uma célula, uma bactéria, um
plo, as moléculas na interface líquido-gás podem ocorrer em um colóide, um grânulo ou o próprio homem, possui uma interface
estado bidimensional gasoso, líquido ou sólido, dependendo das no limite do meio que a rodeia. Os fenômenos de interface nas
condições prevalentes de temperatura e pressão da interface. Seu áreas da Farmácia e da Medicina são fatores significativos que
comportamento de fase é, em conseqüência, aparente. afetam a adsorção de fármacos em adjuvantes sólidos nas formas
Pode haver muitos tipos de interface, dependendo de quan- farmacêuticas, a penetração de moléculas através das membranas
do as duas fases adjacentes estejam em estado sólido, líquido biológicas, a estabilidade e a formação de emulsões e a disper-
ou gasoso (Tabela 16-1). Por conveniência, dividiremos essas são de partículas insolúveis em um meio líquido durante a for-
várias possibilidades em dois grupos chamados interfaces líqui- mação de suspensões. As propriedades interfaciais dos agentes
das e interfaces sólidas. No primeiro grupo, será discutida a as- com atividade de superfície que revestem os alvéolos pulmonares
sociação de uma fase líquida com uma fase gasosa ou outra fase são responsáveis pela eficiência do funcionamento desse órgão.1-3
452 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO INTERFACES
Quando mais de uma fase existe concomitantemente, o limite entre duas qual, como qualquer outro gás, tem a tendência de distribuir-se por todo
dessas fases é chamado interface. As propriedades das moléculas que o espaço disponível. As moléculas no líquido e no gás estão em cons-
formam as interfaces são, geralmente, bastante diferentes daquelas ob- tante movimento e podem mover-se do líquido para o vapor e vice-versa.
servadas no interior de cada uma das fases nas quais essas se encontram Contudo, o nítido limite entre o vapor e o líquido pode ser preservado
para formar a fase de interface. Se um líquido e seus vapores estão juntos mantendo a temperatura constante. A troca entre as moléculas não des-
em um mesmo recipiente, o líquido encontra-se na parte inferior do re- trói o equilíbrio entre as duas fases devido ao caráter lábil (ou dinâmico)
cipiente. O restante do recipiente é preenchido pelo vapor do líquido, o desse limite.

Muitos autores4-6 têm avaliado a relação entre as propriedades de o interior. Essa força, a tensão superficial, tem como unidades
superfície dos fármacos e sua atividade biológica. o dina/cm no sistema cgs e o N/m no sistema SI. Tal situação é
semelhante àquela observada quando um objeto pendurado por
uma corda na extremidade de um despenhadeiro é puxado para
cima por um homem que está segurando a corda e caminhando
INTERFACES LÍQUIDAS na direção oposta à extremidade do despenhadeiro. Essa analo-
gia à tensão superficial está esboçada na Figura 16-2.
Tensão superficial e tensão interfacial Tensão interfacial é a força por unidade de comprimento
existente na interface entre duas fases de líquidos imiscíveis
No estado líquido, as forças de coesão entre as moléculas ad- e, assim como a tensão superficial, tem como unidades dina/
jacentes são bem-desenvolvidas. As moléculas situadas no in- cm. Embora, em geral, seja possível referir-se a todas as ten-
terior de um líquido são cercadas por todos os lados por outras sões como tensões interfaciais, o termo é mais freqüentemente
moléculas pelas quais elas têm igual atração, conforme mostra usado para as forças de atração entre líquidos imiscíveis. Mais
a Figura 16-1. Entretanto, as moléculas situadas na superfície tarde será usado o termo tensão interfacial para a força entre
(ou seja, na interface líquido-ar) somente podem apresentar for- dois líquidos, γLL, entre dois sólidos, γSS, e na interface líquido-
ças atrativas de coesão com aquelas moléculas no líquido que sólido, γLS. O termo tensão superficial é reservado para as ten-
estão situadas abaixo delas ou adjacentes a elas. Essas molécu- sões líquido-vapor, γLV, e sólido-vapor, γSV. Estes últimos são,
las podem desenvolver, também, forças adesivas de atração com geralmente, escritos de forma simplificada como γL e γS, res-
as moléculas que constituem a outra fase da interface, embora, pectivamente. É usual que as tensões interfaciais sejam menores
no caso da interface líquido-gás, a força adesiva de atração seja do que as tensões superficiais porque as forças de adesão entre
pequena. O efeito total é que as moléculas na superfície do lí- duas fases líquidas formadas na interface são maiores do que
quido sofrem uma força interna, em direção ao seio da solução, aquelas observadas quando uma fase líquida e uma gasosa coe-
conforme mostra a Figura 16-1. Tal força mantém as moléculas xistem. Portanto, se dois líquidos são completamente miscíveis,
da interface juntas e, assim, contrai a superfície, resultando na
tensão superficial. Essa “tensão” na superfície é a força por uni-
dade de comprimento que deve ser aplicada paralelamente à su-
Fase de vapor
perfície de forma a contrabalançar a força líquida dirigida para

TABELA 16-1
CLASSIFICAÇÃO DAS INTERFACES
Tensão Tipos e exemplos
Fases interfacial de interfaces

Gás-gás — Não há interface


Gás-líquido γLV Superfície líquida, parte da
água exposta à atmosfera
Gás-sólido γSV Superfície sólida, tampo de
uma mesa
Líquido-líquido γLL Interface líquido-líquido,
Fase líquida
emulsão
Líquido-sólido γLS Interface líquido-sólido,
suspensão
Figura 16-1 Representação de forças atrativas desiguais agindo sobre as
Sólido-sólido γSS Interface sólido-sólido, moléculas na superfície de um líquido em comparação com as forças agindo
partículas de pó em contato no seio do líquido.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 453

B C

A D

} ds

Figura 16-2 Visualização da tensão superficial, semelhante à força uma


pessoa levantando um peso em direção oposta a um despenhadeiro por uma
corda puxada na direção horizontal.
f

não há tensão interfacial entre eles. Alguns valores de tensão Figura 16-3 Estrutura metálica usada para demonstrar o princípio da tensão
superficial e tensão interfacial estão listados na Tabela 16-2. superficial.
A tensão superficial como força por unidade de comprimento
também pode ser ilustrada por uma estrutura metálica tridimen-
sional através da qual é colocada uma barra móvel (Figura 16-3). da força que deve ser aplicada para frear o filme sobre o compri-
Um filme de sabão é formado sobre a área ABCD. Esse filme mento da barra móvel em contato com este filme. Uma vez que o
pode ser expandido aplicando-se uma força f (como uma massa filme de sabão apresenta duas interfaces líquido-gás (uma acima
suspensa) à barra móvel, de comprimento L, a qual age contra a e uma abaixo do plano do papel), o comprimento total de contato
tensão superficial do filme de sabão. Quando a massa é removi- corresponde, de fato, a duas vezes o comprimento da barra.
da, o filme contrai-se devido a sua tensão superficial. A tensão Logo,
superficial, γ, da solução que forma o filme é, então, uma função γ f b 2L (16-1)

TABELA 16-2
TENSÃO SUPERFICIAL E TENSÃO INTERFACIAL (ANTE A ÁGUA) A 20 °C*

Tensão Interfacial
Tensão superficial frente à água
Substância (dina/cm) Substância (dina/cm)

Água 72,8 Mercúrio 375


Glicerina 63,4 n-hexano 51,1
Ácido oléico 32,5 Benzeno 35,0
Benzeno 28,9 Clorofórmio 32,8
Clorofórmio 27,1 Ácido oléico 15,6
Tetracloreto de carbono 26,7 Álcool n-octílico 8,52
Óleo de rícino 39,0 Ácido cáprico 8,22
Óleo de oliva 35,8 Óleo de oliva 22,9
Óleo de semente de algodão 35,4 Éter etílico 10,7
Vaselina líquida 33,1
* Retirada de P. Becher, Emulsions: Theory and Practice, 2nd Ed., Reinhold, New York, 1962, e outras fontes.
454 P ATRICK J. S INKO

onde fb é a força necessária para frear o filme e L é o compri- Para uma alteração finita,
mento da barra móvel. W A (16-2)

EXEMPLO 16-1 onde W é o trabalho feito, ou o aumento da energia livre de su-


perfície, expresso em ergs, γ é a tensão superficial em dina/cm
Cálculo da tensão superficial da água e ΔA é o aumento da área em cm2. Qualquer forma de energia
Se o comprimento de uma barra, L, é 5 cm e a massa necessária pode ser expressa em termos de um fator de intensidade e fator
para frear o filme de sabão é 0,50 g, qual é a tensão superficial da de capacidade (p. 20). A tensão superficial é o outro de inten-
solução de sabão? sidade e a alteração da área é o fator de capacidade da energia
Lembre-se que a força descendente é igual à massa multipli- livre de superfície. A tensão superficial pode ser definida como
cada pela aceleração da gravidade. Logo a mudança da energia livre de superfície pelo aumento de uni-
0 50 g × 981 cm s 2 dade de área, conforme a equação (16-2).
γ= = 49 dina cm
10 cm
EXEMPLO 16-2
Cálculo do trabalho contra a tensão superficial
Energia livre de superfície Qual é o trabalho necessário no Exemplo 16-1 para puxar 1 cm de
Para mover uma molécula das camadas internas para a su- corda, como mostra a Figura 16-3?
perfície, é necessário que haja um trabalho contra a força da Uma vez que a área é aumentada em 10 cm2, o trabalho feito
tensão superficial. Em outras palavras, cada molécula próxi- é dado pela equação
ma à superfície do líquido possui certo excesso de energia W = 49 dinas cm × 10 cm2 = 490
potencial se comparada com as moléculas localizadas no seio Repetindo os cálculos usando as unidades do SI, temos
do líquido. Quanto maior for a superfície do líquido, mais as 1 dina = 10–5 N, ou 49 dinas = 49 × 10–5 N
moléculas têm esse excesso de energia potencial. Conseqüen-
49 dinas cm = 49 × 10−3 N m = 49 × 10−3 Nm m2
temente, se a superfície do líquido aumenta (p. ex., quando se = 49 × 10−3 joule m2
nebuliza água em pequenas gotículas de spray), a energia do
líquido também aumenta. Uma vez que essa energia é propor- Também, 1 joule = 107 erg (Tabela 1-3, p. 9). Logo, W = 49 ×
cional ao tamanho da superfície livre, é chamada de energia 10 N m/m2 × 10–3 m2 = 490 × 10–7 joule = 490 erg
–3

livre de superfície. Cada molécula de líquido tem tendência a


mover-se da superfície para dentro do líquido; logo, o líquido A equação 16-2 define tensão superficial como o trabalho
toma forma com o mínimo de superfície livre e o mínimo de por unidade de área necessário para produzir uma nova superfí-
energia de superfície. Por exemplo, as gotas de líquido ten- cie. Da termodinâmica, a T e P constantes, a tensão superficial
dem a assumir um formato esférico porque a esfera apresenta também pode ser vista como o incremento na energia livre de
menor área de superfície por unidade de volume. Gibbs por unidade de área (ver Hiemenz,7 p. 293-296). Logo,
Para aumentar a superfície de um líquido sem causar al- a equação (16-2) pode ser escrita como
terações adicionais no estado líquido, em especial sem altera- dG
ções na temperatura do líquido, deve-se fazer um trabalho con- γ (16-3)
tra a tensão superfície. Para avaliar a quantidade de trabalho dA T P
no aumento da área de superfície, podemos escrever a equação Essa definição apresenta como vantagem o fato de que a va-
(16-1) como γ × 2L = f. Quando a barra está na posição AD, riável percurso-dependente W é substituída pela função termo-
na Figura 16-3, e adiciona-se uma massa para prolongar a su- dinâmica G, a qual é independente do percurso. Muitas correla-
perfície na distância ds, o trabalho dW (força multiplicada pela ções gerais aplicáveis a G também podem ser aplicadas a γ. Por
distância) é isso, é possível calcular a entalpia e a entropia de superfície:
dW f × ds γ × 2L × ds GS γ H S − TS S (16-4)
e, uma vez que 2L × ds é igual ao aumento da área de superfí- e
cie, dA, produzida pelo prolongamento do filme de sabão, ∂G S ∂γ
SS (16-5)
d W γ dA ∂T P ∂T P

CONCEITO ENERGIA LIVRE DE SUPERFÍCIE E TENSÃO SUPERFICIAL


A camada da superfície de um líquido possui uma energia adicional, se com- perfície de líquido é definida como tensão superficial e é freqüentemente
parada com o seio desse mesmo líquido. Esta energia aumenta quando a representada por γ. Isso significa que, para um aumento de S unidades na
superfície da mesma massa de líquido aumenta e é, portanto, chamada de superfície de líquido sem nenhuma outra alteração no estado líquido e sem
energia livre de superfície. A energia livre de superfície por unidade de su- alterações de temperatura, será necessário realizar um trabalho igual a γS.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 455

Combinando as equações (16-4) e (16-5), obtemos


∂γ
γ HS T (16-6)
∂T P dr
Logo, plotando-se a tensão superficial contra a temperatu-
ra absoluta, podemos obter a inclinação da linha ∂γ/∂T, e assim
achar –S s a partir da equação (16-5). Se Hs não mudar signifi-
cativamente dentro da faixa de temperatura considerada, o in-
tercepto fornece o valor de Hs. Deve-se notar que as unidades r
de Ss e Hs são dadas em duas dimensões, erg/cm2 K para Ss, e
erg/cm2 para Hs, no sistema cgs. No sistema SI, a unidade de Ss
é dada em joule/m2 K, e Hs, em joule/m2.

EXEMPLO 16-3
Cálculo de Ss e Hs
A tensão superficial do metanol em água (10% por volume) a 20,
30 e 50 °C (293,15, 303,15 e 323,15 K, respectivamente) é de 59,04,
57,27 e 55,01 dina/cm (ou erg/cm2), respectivamente.7a Calcule Ss
e Hs dentro desta faixa de temperatura.
Usando a regressão linear de γ em função de T, de acordo com Figura 16-4 Representação esquemática da diferença de pressão através
a equação (16-6), encontramos o valor da inclinação como sendo da superfície curva de uma bolha de sabão.
–0,131 erg/cm2 K = (∂γ/∂T)p = –Ss. Logo, Ss = 0,131 e o intercepto é
97,34 erg/cm2 = Hs. Logo, a equação é
G S = γ = 97 34 + 0 131T
A mudança na energia livre de superfície é, portanto, de
Se nós calcularmos Hs a cada temperatura usando a equação –8πγr dr; com sinal negativo porque a área de superfície de-
(16-6) e se Ss permanecer constante a –0,131, teremos que cresceu. O contrário dessa mudança é o termo de energia igual
A 20 ◦C : H S = 59 04 + (0 131 × 293 15) = 97 44 erg cm2 e oposto, que depende da diferença de pressão ΔP através da
A 30 ◦C : H S = 57 27 + (0 131 × 303 15) = 96 98 erg cm2 parede da bolha. Uma vez que a pressão é a força por unidade
A 50 ◦C : H S = 55 01 + (0 131 × 323 15) = 97 34 erg cm2 de área, ou força = pressão × área, a mudança de trabalho pro-
duzida pela diminuição do raio dr é
Hs parece ser praticamente constante, muito similar ao valor
do intercepto obtido a partir da equação de regressão, Hs = 97,34
W P × 4πr 2 × −dr (16-9)
erg/cm2 = 97,34 mJ/m2. Note que o valor numérico da tensão su- No equilíbrio, deve ser igual à mudança na energia livre de
perficial no sistema cgs, assim como para Hs no sistema cgs, é o superfície e, portanto,
mesmo do sistema SI quando as unidades mJ são usadas. Logo, −8πγ r dr 4 Pr 2 dr (16-10)
podemos converter facilmente a tensão superficial de cgs para
unidades do sistema SI.7 Por exemplo, se a tensão superficial do ou
metanol em água (10% por volume) a 20 °C é 59,04 erg/cm2 no 2γ
sistema cgs, podemos escrever sem nenhum cálculo de conversão P (16-11)
r
que γ para a mistura metanol-água a 20 °C é 59,04 mJ/m2 nas
unidades do sistema SI. Logo, à medida que o raio da bolha diminui, a pressão in-
terna do ar aumenta em relação à pressão externa. A equação
(16-11) é uma simplificação da equação de Young-Laplace e
Diferenças de pressão através de interfaces curvas pode ser usada para explicar a ascensão da capilaridade, como
pode ser visto na seção seguinte.
Outra forma de expressar a tensão superficial é em termos da
diferença de pressão que existe através de uma interface cur-
va. Considere uma bolha de sabão (Figura 16-4) com um raio Medida de superfície e tensões interfaciais
r. A energia livre de superfície total, W, é igual a 4πr2γ, onde
4πr2 é a área da bolha esférica. (veja as fórmulas nas guardas Dentre os vários métodos existentes para obter as tensões su-
deste livro) Suponha que a bolha sofra uma retração da sua perficial e interfacial, somente os métodos da ascensão ca-
forma e que seu raio decresça dr. A energia livre de superfície pilar e do anel de DuNoüy serão aqui descritos. Para obter
final é, agora, detalhes sobre outros métodos, como peso da gota, pressão
de bolha, gota pendente, gota séssil, do prato de Wilhelmy e
W 4πγ (r − dr)2 (16-7)
gota oscilante, consulte os estudos de Adamson,8 Harkins e
Alexander,9 Drost-Hansen,10 Hiemenz,7 e Matsumoto e co-
W 4πγ r 2 − 8πγ dr 4πγ (dr )2 (16-8)
laboradores.11 Deve-se considerar, contudo, que a escolha de
Uma vez que dr é menor se comparado com r, o termo um método em particular normalmente depende de se estar
contendo (dr)2 na equação (16-8) pode ser desconsiderado. determinando a tensão superficial ou a tensão interfacial, as-
456 P ATRICK J. S INKO

sim como depende da precisão e da conveniência de uso do


método, do tamanho da amostra disponível e de se desejar
estudar o efeito do tempo sobre a tensão superficial. Não há
um método único para todos os sistemas.
As tensões superficiais da maioria dos líquidos dimi-
nuem praticamente de forma linear com o aumento da tem-
peratura, ou seja, com o aumento da energia cinética das
moléculas. Na região de temperatura crítica, a tensão super-
2r
ficial de um líquido torna-se zero. A tensão superficial da h
água a 0 °C é de 75,6; a 20 °C este valor é de 72,8 e, a 75 °C,
é de 63,5 dina/cm. Logo, é necessário controlar a tempera-
tura do sistema quando se estão fazendo determinações da
tensão interfacial.

Método da ascensão capilar


Quando um tubo capilar é colocado em um líquido dentro de um
béquer, o líquido geralmente penetra certa distância para dentro
do tubo. Uma vez que a força de adesão entre as moléculas do
líquido e a parede do capilar é maior que a coesão entre as molé-
culas do líquido, diz-se que o líquido molha a parede do capilar, Líquido
espalhando-se sobre esta e subindo para dentro do tubo (a espa-
lhabilidade é discutida com mais detalhes adiante). Medindo-se (a)
o quanto o líquido penetra no capilar é possível determinar a ten-
são superficial do líquido. Contudo, não é possível determinar as
tensões interfaciais usando o método da ascensão capilar.
Considere um tubo capilar com um raio interno r, imer-
so em um líquido que molha sua superfície, como pode ser
visto na Figura 16-5a. Devido à tensão superficial, o líquido
continua subindo para dentro do tubo, mas, devido ao peso do
líquido, o movimento de subida é contrabalançado em direção
oposta pela força da gravidade. γ α
O componente de ascensão vertical da força resultante da
tensão superficial do líquido a qualquer ponto da circunferên-
cia é dado por
a y cos(θ)
como pode ser visto na parte ampliada (Figura 16-5b). A
força total de ascensão em torno da circunferência interna θ
do tubo é
2πr γ cos(θ) para a maioria dos líquidos
onde θ é o ângulo de contato entre a superfície do líquido e θ=0
a parede capilar, e 2πr é a circunferência interna do capilar.
Para a água e outros líquidos comumente usados, o ângulo θ
é insignificante, ou seja, o líquido molha a parede capilar. As-
sim, para fins práticos, o cosθ é considerado 1 (um) (ver lado
esquerdo da Figura 16-5b). (b)
A força contrária da gravidade (massa × aceleração) é dada
pelo produto da área transversal, πr2, pela altura da coluna de Figura 16-5 (a) Medida da tensão superficial mediante o princípio da as-
censão capilar. (b) Visão ampliada dos componentes de força e do ângulo de
líquido no ponto mais inferior do menisco, h, pela diferença
contato no menisco do líquido. Para muitos líquidos, o ângulo de contato θ
de densidade do líquido, ρ, e seu vapor, ρ0, e pela aceleração
(exagerado na figura) é próximo a zero, conforme mostra o lado esquerdo do
da gravidade: πr 2h (ρ – ρ0)g + w. O último termo, w, é usa-
diagrama.
do para considerar o peso do líquido acima de h no menisco.
Quando o líquido alcança sua altura máxima, que pode ser
lida em um tubo capilar calibrado, as forças opostas estão em
equilíbrio e, portanto, a tensão superficial pode ser calculada.
A densidade do vapor, o ângulo de contato e o w podem ser
desconsiderados; assim,
2πrγ πr 2 hρg
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 457

e, por fim, Força


1
γ r hρg (16-12)
2 Anel

EXEMPLO 16-4
Cálculo da tensão superficial do clorofórmio pelo método
da ascensão capilar
Uma amostra de clorofórmio atinge uma altura de 3,67 cm, a 20
°C, em um tubo capilar contendo um raio interno de 0,01 cm.
Qual é a tensão superficial do clorofórmio nessa temperatura? A
densidade do clorofórmio é de 1,476 g/cm3. Temos que
1
γ = × 0 01 cm × 3 67 cm × 1 476 g cm3 × 981 cm s 2
2
γ = 26 6 g s 2 = 26 6 dina cm

A ascensão capilar pode ser explicada em função da dife-


rença de pressão através da curvatura do menisco do líquido no
capilar. A partir da equação (16-11), vimos que a pressão no lado
côncavo da superfície curva é maior do que aquela observada no
lado convexo. Isso significa que a pressão no líquido imediata- Figura 16-6 Desenho esquemático de um tensiômetro de anel puxando uma
mente abaixo do menisco será menor do que aquela observada coluna de água acima da superfície, antes de se desprender.
no lado externo do tubo na mesma altura. Em função disso, o
líquido irá mover-se para cima do capilar até que a carga hidros-
tática produzida se iguale à pressão transversal da curvatura do ção tem sido descrito por alguns autores12,13 e, com cuidado, é
menisco. Usando os mesmos símbolos utilizados anteriormente possível atingir-se uma precisão de cerca de 0,25%.
e negligenciando os ângulos de contato, temos que
P 2 r ρgh (16-13) EXEMPLO 16-5
Onde ρgh é a carga hidrostática. Reorganizando a equação Método do anel de DuNoüy
(16-13), obtém-se a seguinte equação A tensão superficial da água a 18 °C é de 73,05 dina/cm e sua
γ rρgh 2 densidade, ρ1, a essa mesma temperatura, é de 0,99860 g/cm3. A
que é idêntica à equação (16-12) derivada com base nas forças densidade, ρ2, do ar úmido – ou seja, o ar saturado pelo vapor do
adesivas em função das forças coesivas. líquido, água, a 18 °C – é de 0,0012130. Logo, ρ1 – ρ2, a densidade
da água envolta pelo ar, é de 0,99739 g/cm3. A leitura do monitor,
em dinas ou newtons, no tensiômetro, é igual à massa do líquido,
O método do anel de DuNoüy
M, deslocada pelo anel, multiplicada pela constante gravitacional,
O tensiômetro de DuNoüy é amplamente utilizado para medir 980,665 cm/s2; ou seja:
as tensões de superfície e interfacial. O princípio do instru- Leitura do monitor = M(g) × 980 665 cm s 2
mento se baseia na força necessária para desprender um anel
de platina-irídio imerso em uma superfície ou interface, que é Logo, é possível obter-se a massa M de líquido deslocado com
proporcional à tensão superficial ou interfacial. Dessa maneira, o anel (M = 0,7866 g) antes deste se desprender da superfície da
a força necessária para desprender o anel é gerada por um cabo água. Para se obter precisão de medida, o anel deve ser mantido
de torção e é registrada em dinas em um monitor de leitura absolutamente na horizontal. O volume, V, de água deslocado aci-
calibrado. A tensão superficial é dada pela fórmula [compare ma da superfície livre de água é calculado a partir da massa de
com a equação (16-1)] água deslocada e da densidade, a 18 °C, ou
Leitura do monitor em dina M 0 7866
γ × Fator de correção V= = = 0 78866 cm3
2 × Circunferência do anel ρ1 − ρ2 0 99739
(16-14) O anel do tensiômetro tem um raio, R, de 0,8078 cm, e R3 =
Como conseqüência, o instrumento mede o peso do líquido 0,527122 cm3. O raio, r, do cabo que forma o anel é de 0,01877 cm.
que é deslocado para fora do plano da interface imediatamente Dois valores, R3/V e R/r, são necessários para consultar as tabelas
antes de o anel começar a ser desprendido (Figura 16-6). O fa- de Harkins e Jordan12 a fim de se obter o fator de correção, β, por
tor de correção faz-se necessário na equação (16-15), uma vez interpolação.
que a teoria, por si só, não leva em consideração certas variáveis A Tabela 16-3 é uma tabela abreviada que contém valores de
tais como o raio do anel, o raio do cabo usado para formar o anel R3/V e R/r necessários para se obter β. Neste exemplo, R3/V =
e o volume de líquido deslocado para fora da superfície. Pode 0,52712 / 0,78866 = 0,66838 e R/r = 0,8078 / 0,01877 = 43,0368.
haver erros superiores a 25% caso não se calcule e não se apli- Introduzindo-se e interpolando-se tais valores na Tabela VIII-C
que o fator de correção. O método de cálculo do fator de corre- de Harkins e Jordan12 obtém-se que β = 0,9471 (18 °C).
458 P ATRICK J. S INKO

+ 0 0176713 = 0 0370790
TABELA 16-3 √
β − 0 7250 = 0 0370790
ALGUNS VALORES DE β CONFORME HARKINS E JORDAN*
β = 0 7250 + 0 192559 = 0 918 (adimensional ) a 20◦ C
β
O valor de γ reportado na literatura para a água a 20 °C é de
R 3V R/r = 30 R/r = 40 R/r = 50 R/r = 60 72,8 dina/cm (ou erg/cm2) nas unidades cgs. Usando-se a equação
não corrigida γ = Mg(4πR) e as unidades do SI, verificamos que,
0,50 0,9402 0,9687 0,9876 0,9984
para a água a 20 °C
1,00 0,8734 0,9047 0,9290 0,9438
2,00 0,8098 0,8539 0,8798 0,9016 γ = (0 0012196 kg × 9 80665 m s 2 )
3,00 0,7716 0,8200 0,8520 0,8770 (4π × 0 012185 m) = 0 078109 kg s 2
3,50 0,7542 0,8057 0,8404 0,8668 Multiplicando-se o numerador e o denominador por m2, chega-
* Retirada de W. D. Harkins and H. F. Jordan, J. Am. Chem. Soc. 52, 1751, 1930; se ao resultado de 0,07811 joule/m2 e, expressando-se o valor em
H. L.Cupples, J. Phys. Chem. 51, 1341, 1947. mJ/m2, chega-se ao valor de 78,11 mJ/m2. Essa é uma maneira fácil
de expressar a tensão superficial em unidades do SI porque o valor
78,11 é numericamente o mesmo do sistema cgs, ou seja, 78,11 erg/
Finalmente, usando a equação (16-15), podemos calcular a cm2 (ver Exemplo 16-3). Para corrigir o valor γ = Mg(4πR) expresso
tensão superficial da água a 18 °C: nas unidades do sistema SI e cgs, multiplica-se β pelo valor de Ha-
rkins e Jordan ou de Zuidema e Waters, a uma determinada tempe-
M×g (0 7866 g)(980 665 cm s 2 )
γ= ×β = × 0 9471 = ratura e densidade do líquido, valor de M e dimensões do anel.
4π R 4π(0 8078 cm)
Para o caso particular deste exemplo:
= 71 97 dina cm ou 71 97 cm2 Mg
γ= × β = 78 11 cm2 (ou mJ m2 ) × 0 918
Sem o fator de correção, β, o valor de γ aqui calculado é de 4π R
75,99 dina/cm. O valor de γ para a água a 18 °C, registrado em = 71 7 cm2
livros, é de aproximadamente 73,05 dina/cm. O erro relativo do O erro de 71,7mJ/m2 no valor de Zuidema e Waters relativo
valor publicado a 18 °C é (73,05 – 71,97 / 73,05) × 100 = 1,48%. ao valor de literatura, 72,8 mJ/m2, a 20 °C, é de (72,8 – 71,7) / 72,8
× 100 = 1,51%.
O fator de correção β pode ser calculado de forma mais O novo modelo do tensiômetro de anel, o Sigma 70 Surface Ten-
apropriada a partir da equação do que diretamente por meio de siometer, da KSV Instruments (Monroe, Conn.) oferece como van-
de valores tabelados de R/r e R3/V, conforme feito no Exemplo tagem um sistema de medidas por um microprocessador que usa o
16-4. Zuidema e Waters14 sugeriram uma equação para calcu- método do prato de Wilhelmy ou o método do anel de DuNoüy. O
lar β, a qual foi discutida por Shaw:15 método do prato de Wilhelmy é baseado na medida da força necessá-
4b 1 M×g ria para desprender o prato a partir de uma superfície líquida.
(β − α)2 · · c
π 2 R 2 4π R(ρ1 − ρ2 ) (16-15)
Coeficiente de espalhabilidade
EXEMPLO 16-6
Cálculo do fator de correção da tensão superficial Quando uma substância tal como o ácido oléico é adicionada à
superfície da água, esta se espalhará como um filme se a força
Use a equação (16-15) para calcular β, o fator de correção da ten-
de adesão entre as moléculas do ácido oléico e as moléculas
são superficial, a 20 °C, para a = 0,7250, b = 0,09075m–1s2 para
da água for maior do que as forças de coesão entre as próprias
todos tensiômetros de anéis e c = 0,04534 – 1,6790 r/R, sendo o
moléculas do ácido oléico. O termo filme usado aqui aplica-se
raio, R, do anel em metros, o raio, r, do cabo com o qual o anel é
construído em metros, a massa, M, do líquido deslocado acima da
a um filme duplo, ao contrário de uma camada de filme mo-
superfície líquida quando o anel é deslocado para fora da super- nomolecular. Os filmes duplos são suficientemente espessos
fície M em kg, a aceleração da gravidade, g, em m/s2, a densidade (100 Å ou mais) de forma que a superfície (limite entre o ácido
do líquido ρ1 em kg/m–3 e a densidade do ar saturado com o líqui- oléico e o ar) e a interface (limite entre a água e o ácido oléico)
do, ρ2, a fase superior do sistema interfacial, em kg/m3. Com os resultam independentes uma da outra.
seguintes dados, que devem ser expressos nas unidades do SI para O trabalho de adesão, o qual pode ser definido como a
que se possa usar a equação (16-15), β é calculado e usado na energia necessária para quebrar a atração entre moléculas di-
equação (16-15) para se obter a tensão superficial corrigida. Os ferentes, é obtido conforme mencionado na Figura 16-7. A
termos da equação (16-15) nas unidades SI são: R= 0,012185 m, Figura 16-7a mostra um cilindro hipotético (área transversal
r = 0,0002008 m, M = 0,0012196 kg, g = 9,80665 m/s, ρ1 = 998,207 de 1 cm2) de uma subcamada líquida, S, sobreposto por um
kg/m3 e ρ2 = 1,2047 kg/m3. Finalmente, c = 0,04534 – 1,6790r/R = cilindro similar de um líquido, L, espalhado.
0,017671. Substituindo na equação (16-15), temos que Pela equação (16-2), o trabalho de superfície ou interfacial é
4(0 09075 m−1 s 2 ) 1 igual à tensão superficial multiplicada pelo incremento de área. O
(β − α)2 = · trabalho necessário para separar essas duas partes de líquido, na
9 869604 0 00014847 m2
(0 0012196 kg)(9 80665 m s 2 )
Figura 16-7, cada qual com uma área transversal de 1 cm2, está,
· portanto, numericamente relacionado à tensão superficial ou in-
4(3 14159)(0 012185 m)(998 207 − 1 2047 kg m3 ) terfacial envolvida, sendo o incremento de área igual à unidade:
(1 6790)(0 0002008 m)
+ 0 04534 − = 0 0194077 Trabalho = tensão superficial × variação de área unitária
0 012185 m
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 459

1cm 2 1 cm 2

L L

γL γS L γL γL

γ SL S

S L

(a) (b) (a) (b)


Figura 16-7 Representação do trabalho de adesão envolvido na separação Figura 16-8 Representação do trabalho de coesão envolvido na separação
de um substrato e de um revestimento de água. de moléculas iguais em um líquido.

Portanto, vê-se na Figura 16-7b que o trabalho feito é A Figura 16-9 mostra uma lente de um material posta em
igual às tensões superficiais novamente criadas, γL e γS, menos uma superfície líquida (p. ex., ácido oléico sobre água). A par-
a tensão interfacial, γLS, a qual está sendo destruída durante o tir da equação (16-20), pode-se observar que o espalhamento
processo. O trabalho de adesão é, portanto: ocorre (S é positivo) quando a tensão superficial da subcama-
Wa γ L γ S − γ L S (16-16) da de líquido é maior do que a soma da tensão superficial do
líquido espalhado e da tensão interfacial entre a subcamada e
O trabalho de coesão necessário para separar as moléculas
do líquido espalhado que pode se mover sobre a subcamada é
obtido conforme mostrado na Figura 16-8. Obviamente não
existe tensão interfacial entre as próprias moléculas do líqui-
do e, quando um cilindro hipotético de 1 cm2, como mostra a
Figura 16-8a, é dividido, duas novas superfícies são criadas
na Figura 16-8b, cada qual com uma tensão superficial de γL. Ar
Logo, o trabalho de coesão é:
Wc 2γ L (16-17)
γL
Em relação à espalhabilidade do óleo na superfície aquo-
sa, ela ocorre se o trabalho de adesão (a medida da força de
atração entre o óleo e a água) é maior do que o trabalho de γS
coesão. O termo (Wa – Wc) é conhecido como coeficiente de Lente
espalhabilidade, S. Se este é positivo, o óleo irá se espalhar so-
bre a superfície aquosa. As equações (16-16) e (16-17) podem
ser escritas como γ LS
S Wa − Wc (γ L γ S − γ L S ) − 2γ L (16-18)
onde γS é a tensão superficial da subcamada de líquido, γL é a
tensão superficial do líquido espalhado e γLS é a tensão interfacial Substrato líquido
entre os dois líquidos. Rearranjando a equação (16-18) temos
S γS − γL − γL S (16-19)
ou Figura 16-9 Forças existentes na superfície de uma lente flutuante em um
S γ S − (γ S γL S ) (16-20) substrato líquido.
460 P ATRICK J. S INKO

o líquido. Se (γL + γLS) é maior do que γS, a substância forma


TABELA 16-4
glóbulos ou a lente passa a flutuar, espalhando-se sobre a su-
perfície. Um exemplo disso é o óleo mineral em água. COEFICIENTES DE ESPALHABILIDADE INICIAL, S, A 20 °C*
A espalhabilidade também pode ser estudada em termos Substância S (dina/cm)
de energia livre de superfície. Desse modo, a substância adi-
cionada irá se espalhar e, portanto, reduzir a energia livre Álcool etílico 50,4
de superfície do sistema. Ou, de outra forma, se a energia Ácido propiônico 45,8
livre de superfície da nova superfície e da nova interface for Éter etílico 45,5
menor do que a energia livre da superfície antiga, haverá es- Ácido acético 45,2
palhabilidade. Acetona 42,4
Até este ponto, a discussão tem se restringido à espalhabi-
Ácido undecilênico 32 (25 °C)
lidade inicial. Contudo, antes de atingir o equilíbrio, a superfí-
cie da água torna-se saturada com o material espalhado, o qual Ácido oléico 24,6
começa a ficar saturado com a água. Se usarmos um apóstro- Clorofórmio 13
fo (′) para indicar os valores seguintes ao equilíbrio (ou seja, Benzeno 8,9
aqueles mais finais do que iniciais), as novas tensões super- Hexano 3,4
ficiais serão γS′ e γL′. Quando se atingir a saturação mútua, o Octano 0,22
coeficiente de espalhabilidade pode ser reduzido ou até mesmo Edibromidrato de etilino –3,19
tornar-se negativo. Isso significa que, mesmo ocorrendo espa-
lhamento inicial do material no substrato líquido, ele pode ser Vaselina líquida –13,4
seguido pela coalescência do excesso do material sobre a lente * Retirada de W. D. Harkins, The Physical Chemistry of Surface Films, Reinhold,
se S′ adquirir um valor negativo. O inverso do espalhamento New York, 1952, p. 44, 45.

ocorre quando γS′ se torna menor do que (γLS + γL′).


Note que o valor de γLS não muda porque a tensão interfa-
cial é determinada sob condições da saturação mútua.
não porque é polar, mas porque as forças de coesão entre suas
moléculas são muito mais fracas do que as forças de adesão
EXEMPLO 16-7 com a água.
Espalhabilidade do benzeno sobre a água As aplicações dos coeficientes de espalhabilidade na
Se a tensão superficial da água, γS é de 72,8 dina/cm a 20 °C, a área da Farmácia são evidentes. A superfície da pele é reves-
tensão superficial do benzeno, γL, é de 28,9 dina/cm e a tensão tida por uma camada água-óleo com características polar-
interfacial entre benzeno e água, γLS, é de 35,0 dina/cm, qual é apolar similares a uma mistura de ácidos graxos. Para uma
o coeficiente de espalhabilidade inicial? Após o equilíbrio, γS′ é loção à base de óleo mineral se espalhar livre e completa-
igual a 62,2 dina/cm e γL′ é de 28,8 dina/cm. Qual é o coeficiente mente sobre a pele, sua polaridade e, conseqüentemente, seu
de espalhabilidade final? Temos que coeficiente de espalhabilidade devem ser aumentados pela
adição de um tensoativo. A relação entre espalhabilidade,
S = 72 8 − (28 9 + 35 0) = 8 9 dina cm (ou 8 9 cm2 )
S = 62 2 − (28 8 + 35 0) = −1 6 dina cm EHL (equilíbrio hidrófilo-lipófilo), e estabilidade da emul-
são tem sido estudada.16 Misturas de tensoativos com dife-
Logo, embora o benzeno espalhe-se sobre a água no início, rentes valores de EHL são adicionados ao óleo e uma gota
no equilíbrio há a formação de uma monocamada saturada com dessa mistura é, então, adicionada à água. O EHL da mistura
excesso de benzeno (saturado com água), formando uma lente. de tensoativos que promove o espalhamento da gota está re-
lacionado ao EHL requerido para o óleo quando usado na
Em se tratando da espalhabilidade de líquidos orgânicos so- emulsificação. Ver páginas 461-464 para maiores informa-
bre a água, sabe-se que, embora o coeficiente de espalhabilidade ções sobre EHL.
inicial possa ser positivo ou negativo, o coeficiente de espalha-
bilidade final terá sempre um valor negativo. Filmes duplos des-
se tipo são instáveis e formam monocamadas com excesso de
material que permanecem como lentes sobre a superfície. Os ADSORÇÃO EM INTERFACES LÍQUIDAS
coeficientes de espalhabilidade inicial de alguns líquidos orgâ-
nicos sobre a água a 20 °C estão listados na Tabela 16-4.
É importante considerar os tipos de estruturas molecu- A energia livre de superfície foi definida anteriormente como o
lares que geram elevados coeficientes de espalhabilidade. O trabalho que deve ser feito para aumentar a superfície em uma
óleo se espalha sobre a água porque contém grupos polares unidade de área. Como resultado dessa expansão, mais molé-
como COOH ou OH. Logo, o ácido propiônico e o álcool culas devem ser trazidas do seio da solução para a interface.
etílico podem ter elevados valores de S, como se vê na Ta- Quanto maior for o trabalho necessário para realizar essa ação,
bela 16-4. À medida que a cadeia carbonada de um ácido, maior será a energia livre de superfície.
como o ácido oléico, por exemplo, aumenta, a razão entre a Certas moléculas e íons, quando dispersos em um líquido,
característica polar/não-polar diminui e o coeficiente de es- movem-se, por si só, em direção à interface. Sua concentração
palhabilidade sobre a água também diminui. Muitas substân- na interface, então, excede sua concentração no seio do líqui-
cias apolares, tal como a vaselina líquida (S = –13,4), não se do. Obviamente, a energia livre de superfície e a tensão superfi-
espalham sobre a água. O benzeno espalha-se sobre a água cial do sistema são automaticamente reduzidas. Tal fenômeno,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 461

no qual moléculas são particionadas em favor da superfície, é


chamado de adsorção, ou, mais corretamente, de adsorção po-
sitiva. Outros materiais (como eletrólitos inorgânicos) são par- Ar
ticionados em favor do seio da solução, levando a uma adsor-
ção negativa e a um correspondente aumento da energia livre
de superfície e tensão superficial. A adsorção, como será visto
posteriormente, também pode ocorrer em interfaces sólidas e
não pode ser confundida com absorção. A primeira é somente
um efeito de superfície. Já na absorção, o líquido ou gás que é
absorvido penetra nos espaços capilares do meio absorvente.
A captura de água por uma esponja é um fenômeno de absor-
ção; a concentração de moléculas de alcalóides na superfície
de uma argila é uma adsorção. Água

Agentes com atividade de superfície


É a natureza anfifílica dos agentes com atividade de superfí-
cie que promove sua absorção nas interfaces, quer sejam estas
interfaces líquido-gás ou líquido-líquido. Assim, em uma dis- Óleo
persão aquosa de álcool amílico, o grupamento polar alcoólico
está apto a associar-se com as moléculas de água. Contudo, a
porção apolar é rejeitada porque as forças de adesão que po-
dem ser formadas com a água são pequenas em comparação às
forças de coesão entre as moléculas de água adjacentes. Como
resultado, as moléculas anfifílicas são adsorvidas na interface.
A Figura 16-10 representa tal situação para um ácido graxo
na interface ar-água e óleo-água. Na interface ar-água, as ca-
deias lipofílicas estão voltadas em direção ao ar; na interface
Água
óleo-água, elas estão associadas com a fase oleosa. Para um
composto anfifílico estar concentrado na interface, deve apre-
sentar um balanço apropriado em relação à quantidade de gru-
pamentos solúveis oleosos e aquosos. Se a molécula for muito
hidrofílica, sua cadeia principal permanecerá na fase aquosa e Figura 16-10 Adsorção de moléculas de ácido graxo na interface água-ar
não exercerá efeito na interface. Do mesmo modo, se for muito (figura superior) e água-óleo (figura inferior).
lipofílica, irá se dissolver completamente na fase oleosa e apa-
recerá em pequena quantidade na interface.
ótima eficácia para cada classe de tensoativo, como mostra a
Classificação dos sistemas hidrófilo-lipófilo Figura 16-11. Quanto maior o EHL do agente, mais hidro-
fílico ele será. Os Spans, ésteres de sorbitano produzidos
Griffin17 desenvolveu uma escala arbitrária de valores que pela ICI Americas Inc., são lipofílicos e têm baixos valores
serve como medida para o equilíbrio hidrófilo-lipófilo de de EHL (1,8 – 8,6); os Tweens, derivados de polioxietilenos
agentes com atividade de superfície. De acordo com esse sis- dos Spans, são hidrofílicos e têm elevados valores de EHL
tema numérico, é possível estabelecer uma escala de EHL de (9,6 – 16,7).

CONCEITO TENSOATIVOS
Moléculas e íons adsorvidos nas interfaces são chamados de agentes com entre esses dois extremos. Por exemplo, álcoois de cadeia longa, aminas e
atividade de superfície ou tensoativos. Um termo alternativo é compos- ácidos são compostos anfifílicos que variam de predominantemente hidro-
to anfifílico, o qual sugere que as moléculas ou íons têm certa afinidade fílicos para predominantemente lipofílicos à medida que o número de áto-
tanto por solventes polares quanto apolares. Dependendo do número e da mos de carbonos na cadeia alquila é aumentado. Assim, o álcool etílico é
natureza dos grupamentos polares ou apolares presentes, os compostos miscível com água em qualquer proporção, mas em comparação à solubili-
anfifílicos podem ser predominantemente hidrofílicos (com afinidade pela dade do álcool amílico, C5H11OH, é muito mais reduzida. Já o álcool cetílico,
água), lipofílicos (com afinidade por óleos) ou moderadamente balanceados C16H33OH, pode ser considerado altamente lipofílico e insolúvel em água.
462 P ATRICK J. S INKO

18 Agentes TABELA 16-5


solubilizantes VALORES DE EQUILÍBRIO HIDRÓFILO-LIPÓFILO (EHL) PARA
ALGUNS GENTES ANFIFÍLICOS
Hidrofílico

15
Detergentes Substâncias EHL

Ácido oléico 1
12 Polioxietileno sorbitol derivado de cera de abelha (G–1706) 2,0
Agentes Triestearato de sorbitano 2,1
emulsificantes O/A
Monoestearato de glicerila 3,8
9 Monooleato de sorbitano (Span 80) 4,3
Agentes molhantes Monoesterato de dietilenoglicol 4,7
e de espalhabilidade Monoestearato de glicerila auto-emulsionável (Tegin) 5,5
Monolaureato de dietilenoglicol 6,1
Lipofílico

6
Agentes
emulsificantes A/O Monolaureato de sorbitano (Span 20) 8,6
Lauriléter de Polietileno (Brij 30) 9,5
3 Gelatina (Pharmagel B) 9,8
Maioria dos agentes Metilcelulose (Methocel 15 cps) 10,5
antiespumantes
Lauriléter de polioxietileno (G–3705) 10,8
0 Monoestearato de polioxietileno (Myrj 45) 11,1
Oleato de trietanolamina 12,0
Escala de EHL
Polioxietileno de alquilfenol (Igepal Ca–630) 12,8
Figura 16-11 Escala mostrando a função dos tensoativos com base nos Monolaureato de polietilenoglicol 400 13,1
valores do equilíbrio hidrófilo-lipófico (EHL). Legenda: O/A = óleo em água; Monooleato de polioxietileno sorbitano (Tween 80) 15,0
A/O = água em óleo. Monolaurato de polioxietileno sorbitano (Tween 20) 16,7
Lauriléter de polioxietileno (Brij 35) 16,9
Oleato de sódio 18,0
Oleato de potássio 20
O EHL de um tensoativo não-iônico no qual somente a
Laurilsulfato de sódio 40
porção hidrofílica é polioxietileno é calculado usando-se a
fórmula
EHL E 5 (16-21) TABELA 16-6
EQUILÍBRIO HIDRÓFILO-LIPÓFILO REQUERIDO (EHLR) PARA
onde E é a porcentagem em peso de óxido de etileno. O núme-
ALGUNS COMPONENTES DA FASE OLEOSA EM EMULSÕES
ro de ésteres de ácido graxo de álcoois poliídricos, tais como
ÓLEO EM ÁGUA (O/A) E ÁGUA EM ÓLEO (A/O)*
monoestarato de glicerila, pode ser estimado usando-se a se-
guinte fórmula O/A A/O
S Óleo de semente de algodão 6–7 —
EHL 20 1 − (16-22)
A Vaselina 8 —
Cera de abelha 9–11 5
onde S é o índice de saponificação do éster e A é o índice
Parafina 10 4
de acidez do ácido graxo. O EHL do monolaureato de po-
lioxietileno sorbitano (Tween 20), para o qual S = 45,5 e Óleo mineral 10–12 5–6
A = 276, é Metilsilicone 11 —
Lanolina anidra 12–14 8
45 5
EHL 20 1 − 16 7 Cera de carnaúba 12–14 —
276 Álcool laurílico 14 —
Os valores e EHL de alguns tensoativos comumente uti- Óleo de rícino 14 —
lizados como agentes anfifílicos são mostrados na Tabela Querosene 12–14 —
16-5. Álcool cetílico 13–16 —
A fase oleosa de uma emulsão óleo em água (O/A) exige Álcool estearílico 15–16 —
um valor de EHL específico, chamado equilíbrio hidrófilo- Tetracloreto de carbono 16 —
lipófico requerido (EHLR). São necessários diferentes valo- Ácido láurico 16 —
res de EHLR a fim de se obter uma emulsão água em óleo Ácido oléico 17 —
(A/O) para uma mesma fase oleosa. Os valores de EHLR Ácido esteárico 17 —
para emulsões O/A e A/O têm sido determinados empirica- * Retirada de The Atlas EHL System, Atlas Chemical Industries, Wilmington,
mente para vários óleos e substâncias oleosas, algumas das Del.; P. Becher, Emulsions, Theory and Practice, 2nd Ed., Reinhold, New York,
quais estão listadas na Tabela 16-6. 1966, p. 249.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 463

EXEMPLO 16-8 EXEMPLO 16-9


Cálculo do valor de EHL para emulsões óleo em água Formulações A/O e O/A
Queremos formular dois produtos, (a) uma emulsão A/O e (b) uma
Componentes Quantidades EHLR (O/A) emulsão O/A, contendo 40 g de uma mistura de fase oleosa e 60 g
1. Cera de abelha 15 g 9 de água.
2. Lanolina 10 g 12 (a) A fase oleosa consiste de 70% de parafina e 30% de cera
3. Parafina 20 g 10 de abelha. A densidade da fase oleosa é 0,85 g/cm3 e a densidade
da fase aquosa é cerca de 1 g/cm3, à temperatura ambiente. A den-
4. Álcool cetílico 5g 15
sidade da mistura de tensoativos para a emulsão A/O é de 0,87 g/
5. Emulsionante 2g cm3. Os valores de EHL requeridos para vaselina e cera de abelha,
6. Conservante 0,2 g na emulsão A/O são de, 4,0 e 5,0 respectivamente.
7. Corante Q. S. A quantidade Qs em gramas da mistura de triestearato de
8. Água purificada q.s. 100 g sorbitano (EHL = 2,1) e monoestearato de dietilenoglicol (EHL =
Legenda: EHLR = valor de equilíbrio hidrófilo-lipófilo requerido. 4,7) para fazer uma emulsão água em óleo é obtida com equação
(16-24), calculando-se, inicialmente, o EHLR da fase oleosa:
Inicialmente, calcula-se o EHLR total da emulsão multipli- EHLR = (4 × 0 70) + (5 × 0 30) = 4 3
cando-se o EHLR de cada um dos componentes da fase oleosa 6(0 87 1) 4 × 40
(itens 1-4) pela fração ponderal com que cada componente con- Qs = + = 0 82 g
10 − (0 5 × 4 3) 1000
tribui para a fase oleosa. O peso total da fase oleosa é de 50 g.
Logo, Note que, para uma emulsão A/O, usamos a densidade da
fase interna, ρwater ≅ 1, e a porcentagem de agente dispersante,
Cera de abelha 15/50 × 9 = 2,70 óleo, 40%.
Lanolina 10/50 × 12 = 2,40 (b) O EHLR da fase oleosa, 70% de parafina e 30% de cera de
Parafina 20/50 × 10 = 4,00 abelha, para a emulsão O/A, é de
Álcool cetílico 5/50 × 15 = 1,50 EHLR = (0 70 × 10) + (0 3 × 9) = 9 7
EHLR total para a emulsão = 10,60 e a quantidade total da mistura de tensoativos é
6(1 05 0 85) 4 × 60
A seguir, escolhe-se uma mistura de dois agentes emulsionan- Qs = + = 1 68 g
tes, um com EHL superior e outro com EHL inferior àquele reque- 10 − (0 5 × 9 7) 1000
rido pela emulsão (neste exemplo, o EHLR = 10,6). A partir dos Para a emulsão O/A, usamos a densidade, ρ, do óleo como
dados da Tabela 16-5, selecionamos o Tween 80, com um EHL de fase interna e a porcentagem de dispersante como fase aquosa.
15, e o Span 80, com um EHL de 4,3. Em relação à quantidade da mistura de tensoativo na emul-
A fórmula para calcular o peso percentual de Tween 80 (ten- são A/O, podemos aumentar o valor de Qs para aproximadamente
soativo com EHL superior) é 1,0 g e, para a emulsão O/A, para aproximadamente 2,0 g. Pode-
EHLR − EHL inferior mos, então, calcular o peso dos emulsionantes para cada emulsão,
% Tween 80 = (16-23)
EHL superior − EHL inferior usando a equação
EHLR − EHL inferior
onde EHL superior é o maior valor, 15, e o EHL inferior é o menor % =
EHL superior − EHL inferior
valor, 4,3. Temos que
10 6 − 4 3 (16-25)
% Tween 80 = = 0 59
15 0 − 4 3
Para a emulsão A/O, a porcentagem de peso do monoesteara-
Estima-se que dois gramas de emulsionante possam dar pro- to de dietilenoglicol (EHL= 4,7) combinado com o triestearato de
teção suficiente à emulsão O/A. Logo, 2,0 g × 0,59 = 1,18 g é a sorbitano (EHL = 2,1), é
quantidade necessária de Tween 80 e o restante, 0,82 g, deve ser 4 3−6 1
completado ao Span 80, para preparar 100 g de emulsão. % de = = 0 85 g
4 7−2 1
ou 85% de1 g
A escolha da mistura de emulsionantes, bem como da
A fração ou porcentagem de monoestearato de sorbitano é,
quantidade total de emulsionante, cabe ao formulador, que
portanto, 0,15 g, ou 15% da mistura de 1 g de emulsionantes.
determina essa variável ao longo do tempo, após preparar e
Para a emulsão O/A, a porcentagem de peso do Tween 80
observar várias fórmulas selecionadas. Bonadeo18 sugeriu uma
(EHL = 15) combinado com o monolaurato de dietilenoglicol
fórmula matemática para determinar a quantidade mínima de
(EHL = 6,1) é
mistura de tensoativos:
6(ρs ) 4Q 9 7−6 1
Qs (16-24) % Tween 80 = = 0 40 ou 40%
15 − 6 1
10 − 0 5 · 1000
onde ρs é a densidade da mistura de tensoativos, ρ é a densida- A fração ou porcentagem de monolaurato de dietilenoglicol é,
de da fase dispersa (interna) e Q é a porcentagem da fase dis- portanto, 0,60, ou 60%, e 0,40, ou 40%, da mistura de 2 g da fase
persante (fase contínua) da emulsão. O EHL requerido, escrito emulsionante = 0,8 g de Tween 80. A quantidade restante, 1,2 g,
como EHLR, é o EHL da fase oleosa necessário para formar é a quantidade de monolaurato de dietilenoglicol nos 2 g de fase
uma emulsão O/A ou A/O. emulsionante.
464 P ATRICK J. S INKO

Outras escalas de equilíbrio hidrófilo-lipófilo têm sido de- anfifílicos nesses sistemas binários foi, inicialmente, expressa
senvolvidas, embora nenhuma delas tenha obtido tanta acei- de forma quantitativa por Gibbs, em 1878:
tação quanto o sistema EHL de Griffin. Método de titulação e c dγ
outras técnicas para a determinação do caráter hidrófilo-lipófi- (16-26)
RT dc
lo dos tensoativos também têm sido propostos.19-21
é o excesso de superfície ou concentração de superfície,
ou seja, a quantidade de compostos anfifílicos por unidade
Tipos de monocamadas em superfícies líquidas de área de superfície que está em excesso em relação ao seio
do líquido; c é a concentração de compostos anfifílicos no
Para fins didáticos, os materiais absorventes são divididos em seio da solução; R é a constante dos gases; T é a temperatura
dois grupos: aqueles que formam monocamadas “solúveis” e absoluta; e dγ/dc é alteração da tensão superficial da solução
aqueles que formam filmes “insolúveis”. Essa distinção é fei- em função da mudança da concentração bruta da substân-
ta com base na solubilidade do adsorvato na subfase líquida. cia. A derivação da equação (16-26) é dada nos parágrafos
Logo, pode-se dizer que o álcool amílico forma uma monoca- seguintes.
mada solúvel em água, enquanto que o álcool cetílico forma Relembrando que a alteração da energia livre de uma fase
um filme insolúvel neste mesmo meio. Deve-se enfatizar que bruta contendo dois componentes pode ser escrita como
essa é realmente uma diferenciação arbitrária; os filmes insolú-
veis são, de fato, o caso limitante para compostos que formam dG S dT V d p μ1 dn 1 μ2 dn 2
monocamadas solúveis em interfaces líquidas. Contudo, há ra- Duas fases brutas imiscíveis podem ser consideradas
zões práticas importantes para que se faça tal classificação. como sendo separadas na interface ou na “fase superficial”, na
Nas próximas seções, será esclarecida a importância de qual se ignora a contribuição do volume e um novo termo de
três parâmetros inter-relacionados para o estudo de interfaces energia, γ dA [equação (16-2)], é introduzido para considerar o
líquidas: (a) tensão superficial, γ; (b) excesso de superfície, trabalho envolvido na alteração da área superficial, A. A tensão
, que é a quantidade de compostos anfifílicos por unidade de superficial, γ, é o trabalho feito para aumentar a área superfi-
área de superfície que está em excesso em relação ao seio da cial, a temperatura e pressão constantes. O novo trabalho feito
solução; e (c) c, concentração de compostos anfifílicos no seio na fase superficial é igual ao aumento de energia livre superfi-
da solução líquida. Como poderemos ver, é relativamente fácil cial, dGs. Logo, podemos escrever que
medir, em monocamadas solúveis, a tensão interfacial e o valor
dG S S S dT γ dA μ1S dn 1S μ2S dn 2S (16-27)
de c a fim de calcular o excesso de superfície. Em monocama-
das insolúveis, c pode ser considerado zero, enquanto que a No equilíbrio, a energia livre de todo o sistema é zero, sob
tensão superficial e o excesso de superfície podem ser obtidos condições de temperatura, pressão e área superficial constantes.
diretamente. Materiais que estão em uma região-limite entre Uma vez que não há material passando para dentro ou fora do sis-
sistemas solúveis e insolúveis podem ser estudados pelos dois tema como um todo, o potencial químico de um componente i é o
modos e, invariavelmente, são obtidos resultados similares. mesmo nas duas fases brutas, assim como na fase superficial, s:
Os dados obtidos a partir de tais tipos de estudos são de μiα μiβ μis (16-28)
particular interesse na área farmacêutica e médica. Por exem-
plo, as emulsões são estabilizadas pela presença de um filme Tal sistema, consistindo de dois líquidos imiscíveis, água,
interfacial entre as fases oleosas e aquosas. Logo, o conheci- α, e ácido oléico, β, separados por uma fase superficial, s, é
mento referente às moléculas anfifílicas é importante para o mostrado na Figura 16-12a. A equação (16-27) pode ser inte-
desenvolvimento de emulsões mais estáveis. A eficiência dos grada para temperatura e composição constantes para se obter
processos de molhabilidade e detergência depende da concen- a energia livre de superfície,
tração de material adsorvido. As monocamadas de compostos G S γA n 1S μ1S n 2S μ2S (16-29)
anfifílicos adsorvidos podem ser usadas como modelos in vitro
para membranas biológicas que consistem de duas monocama- Uma vez que a energia livre de superfície depende do es-
das cujas cadeias hidrocarbonadas estão muitíssimo próximas tado do sistema, dGs é uma diferencial exata e pode ser obtida
e dispostas ventralmente. Em conseqüência, esses sistemas- por diferenciação geral da equação (16-29), sob condições de
modelo estão cada vez mais ganhando espaço para aplicação composição variável,
em estudos in vitro de absorção de fármacos através de mem- dG S γ dA A dγ n 1S dμ1S n 2S μ2S μ1S dn 1S μ2S dn 2S
branas biológicas. Os estudos de adsorção interfacial também
(16-30)
geram informações importantes em termos de dimensão mo-
lecular porque possibilitam o cálculo da área ocupada pelos Comparando este resultado com a equação (16-27), vemos
compostos anfifílicos. que
A dγ S S dT n 1S dμ1S n 2S dμ2S 0 (16-31)
Monocamadas solúveis e a equação de adsorção e à temperatura constante,
de Gibbs A dγ n 1S dμ1S n 2S dμ2S 0 (16-32)
A adição de compostos anfifílicos a um sistema líquido leva Quando a equação (16-32) é dividida pela área superficial
à redução da tensão superficial relacionada às moléculas ou A, e n1s/A e n2s/A são denotados pelos símbolos 1 e 2, res-
íons adsorvidos como monocamada. A adsorção de compostos pectivamente, obtemos
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 465

e
∂γ
Ácido oléico 2 (16-36)
∂μ2 T
β s O potencial químico do soluto pode ser expresso em ter-
mos de atividade usando a equação
(a) Interface μ2 μ◦ RT ln α2
Mediante diferenciação, à temperatura constante, temos
α
∂μ2 RT ∂ ln α2 (16-37)
Substituindo este valor na equação (16-36), obtém-se
Água como resultado
1 ∂γ
2 (16-38)
RT ∂ ln α2 T
Aplicando-se diferencial, se y = ln a2, então d ln a2 = da2/
Ar Fase s a2. Substituindo o resultado na equação (16-38) temos como
resultado a equação de adsorção de Gibbs,
α2 ∂γ
2
RT ∂α2 T (16-39)
(b) Essa equação (16-26) foi dada em termos de concentração,
c, em vez de atividade. Se a solução é diluída, α2 pode ser tro-
cado por c sem erro significativo.
α Quando a tensão superficial, γ, do tensoativo é plotada
em função do logaritmo da atividade do tensoativo ou da con-
centração, log c2, o gráfico toma a forma mostrada na Figura
Água 16-13. O segmento inicial da curvatura A–B é seguido por um
segmento linear, B–C, ao longo do qual se observa um decrés-
cimo na tensão superficial na medida que há um aumento de
Figura 16-12 Sistema composto por água e ácido oléico. (a) Descrição gráfi-
log c2. O ponto C corresponde à concentração micelar crítica
ca de duas fases brutas, α e β, e uma interface, s. (b) Condição onde somente
(CMC), na qual as micelas são formadas na solução. Após
a fase α e a superfície ou fase s precisam ser consideradas.
a CMC, a linha torna-se horizontal porque quaisquer novas
adições de tensoativo não serão acompanhadas por uma di-
minuição da tensão superficial. Ao longo do segmento linear
dγ dμ1S dμ2S  0 B–C, o excesso de superfície, , é constante, uma vez que,
1 2 (16-33)
a partir da equação (16-38), substituindo-se a atividade por
Conforme expresso pela equação (16-33), os potenciais concentração, temos
químicos dos componentes na superfície são iguais àqueles
observados nas fases brutas, dado que o sistema encontra-se
a temperatura, pressão e área de superfície constantes. Ago-
ra, considere uma solução de ácido oléico como uma única 80
fase (soluto ou composto 2) em água (solvente ou composto
1), como mostrado na Figura 16-12b. Sob essas condições, é A
possível desconsiderar os símbolos sobrescritos nos potenciais 60 B
químicos, de modo que se tenha:
γ (dina/cm)

dγ 1 dμ1 2 dμ2 0 (16-34)


40 10–30%
onde 1 e 2 são o número de móis dos compostos por uni-
da CMC
dade de área na superfície e µ1 e µ2 são o potenciais químicos D
C
dos dois compostos em solução. É possível fazer uma esco- CMC
lha arbitrária da superfície, de modo que podemos tornar 1 20
igual a zero, ou seja, organizamos a região limite para que não Log C 2
haja solvente na superfície (Figura 16-12b). Assim, a equação
Figura 16-13 Diminuição de tensão superficial da água quando um com-
(16-34) pode ser escrita como
posto anfifílico de cadeia coesa é adicionado. Legenda: CMC = concentração
dγ 2 dμ2 0 (16-35) micelar crítica. (Retirada de H. Schott, J. Pharm. Sci. 69, 852, 1980.)
466 P ATRICK J. S INKO

1 ∂γ água limpa, contida em uma bacia, espalhavam-se, formando


2 uma camada com uma molécula de espessura (camada mono-
RT ∂ ln c2 T (16-40)
molecular). Antes do trabalho de Rayleigh, uma mulher cha-
A inclinação ∂γ/∂ ln c2 atinge um valor-limite e permane- mada Agnes Pockels, da Baixa Saxônia, Alemanha, a qual não
ce constante. A saturação da adsorção do tensoativo é atingi- teve nenhuma educação científica formal, desenvolveu uma
da no ponto B; ou seja, 2 não aumenta mais com o aumento “balança de filme” para estudar as monocamadas insolúveis.
da concentração. Contudo, a tensão superficial diminui bas- Ela levou adiante uma série de experimentos, que foram resu-
tante até que se atinja o ponto C. Dentro do segmento B–C da midos em uma carta a Lord Rayleigh em janeiro de 1881. De
curva, as moléculas de tensoativos estão bastante compacta- fato, ela inventou a balança de filme em 1883, mais de 30 anos
das na superfície e a área superficial ocupada por molécula antes de Langmuir, cujo nome está associado a esse tipo de
é constante. Tanto o excesso de superfície, 2, quanto a área equipamento. Essas e outras contribuições anteriores na área
por molécula de tensoativo podem ser calculadas usando a dos fenômenos de superfície estão descritas em uma série de
equação (16-40). manuscritos por Giles e Forrester.25
Conhecendo-se a área do filme e o volume do líquido es-
EXEMPLO 16-10 palhado, é possível calcular a espessura desses filmes. A espes-
sura é igual ao comprimento das moléculas em posição vertical
Cálculo da área por molécula de tensoativo à superfície quando as moléculas estão organizadas de forma
O ângulo limite do gráfico de γ em função de ln c2, para um tensoati- coesa. Além disso, se a massa molecular e a densidade do óleo
vo não-iônico, C12H25O(CH2CH2O)12H2, é ∂γ/∂ ln c2 = –5,2937 dina/ espalhado são conhecidos, a área transversal disponível às mo-
cm a 23,0 °C. Calcule 2 e a área por molécula desse tensoativo. léculas pode ser facilmente calculada.
A partir da equação de adsorção de Gibbs (16-40),
1 EXEMPLO 16-11
Γ2 = (−5 2937dina cm)
8 3143×107 K mol ×296 15 K
Cálculo do comprimento e da área transversal de uma
Γ2 = 2 15 × 10−10 mol cm2
molécula de ácido graxo
O excesso de superfície, 2,15 × 10–10 mol/cm2, é multiplicado Mencionamos que Benjamin Franklin colocou 1 colher de chá (∼
por 6,0221 × 1023 mol–1, o número de Avogadro, para se obter o 5 cm3) de ácido graxo “oleoso” em um lago de meio acre (∼ 2 ×
número de moléculas/cm2. 107 cm2). Assuma-se que o ácido, com massa molecular de 300 e
O quociente recíproco dá a área por molécula: densidade de 0,90 g/cm3, foi suficiente para formar um filme mo-
Área molécula = nomolecular condensado sobre toda a superfície. Qual foi o com-
1 primento e a área transversal das moléculas de ácido graxo?
(a) A espessura do óleo no lago é aproximadamente igual ao
6 0221 × 1023 molécula mol × 2 15 × 10−10 mol cm2
2
comprimento das moléculas de ácido graxo orientadas de forma
= 7 72 × 10−15 cm2 molécula = 77Å molécula vertical:
5 cm
= 25 × 10−8 cm = 25 Å
A validade da equação de Gibbs tem sido verificada de 2 × 107 cm2
forma experimental. Um dos métodos mais engenhosos é o (b)
de McBain e Swain,23 os quais deslocaram uma pequena lâ- 5 cm3 × 0 9 g cm3 = 4 5 g
mina de micrótomo transversalmente a uma superfície líqui- 45g
da visando coletar a camada superficial. A análise do líquido = 0 015 mol
300 g mol
removido e coletado por uma lâmina de alta velocidade es-
0 015 mol × 1023 moléculas mol = 9 × 1021 moléculas
tava bem próxima daquela prevista pela equação de Gibbs.
Técnicas radioativas usando emissores beta fracos também 2 × 107 (área do lago)
= 22 × 1016 cm2 molécula
têm sido usadas com sucesso.24 9 × 1021 moléculas
2
= 22 Å molécula

Monocamadas insolúveis e a balança de Langmuir


Podemos facilmente observar neste exemplo que a área
As monocamadas insolúveis têm uma história fascinante que transversal por molécula é dada por
remete a tempos anteriores à Revolução Americana. Durante MS
uma viagem à Inglaterra, em 1757, Benjamin Franklin obser- Área transversal/molécula (16-41)
VρN
vou, como já se fazia há séculos, que quando a graxa de co-
zinha era arremessada do navio para a água, as ondas eram onde M é a massa molecular do líquido espalhado, S é a área de
acalmadas por um filme que se formava na superfície do oce- superfície coberta pelo filme, V é o volume de líquido espalha-
ano. Em 1765, Franklin deu continuidade a essa observação do, ρ é sua densidade e N é o número de Avogadro.
com um experimento em um lago de meio acre, na Inglaterra, Langmuir, Adam, Harkins, entre outros, estudaram as pro-
e verificou que a aplicação de 1 colher de chá de óleo era su- priedades dos filmes que se espalham sobre superfícies limpas
ficiente para cobrir o lago e acalmar as ondas. Em 1899, Lord de substratos líquidos (geralmente água), contidos em cubas. O
Rayleigh mostrou que, quando pequenas quantidades de certos filme pode ser comprimido contra um flutuador horizontal por
óleos ligeiramente solúveis eram postas sobre a superfície de meio de uma barra móvel. A força exercida no flutuador é medi-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 467

da por um dispositivo de torção semelhante àquele empregado 30


no tensiômetro de anel. Esse equipamento é chamado de balan- Ácido
ça de Langmuir. A força de compressão por unidade de área do esteárico Lecitina
flutuador é conhecida como superficie ou pressão do filme, π; e 25
é a diferença de tensão superficial entre a substância pura, γ0, e

π (dinas/cm)
aquela observada para o filme espalhado, γ, expressa como
20
π γ0 − γ (16-42)
A tensão superficial (interfacial) é a resistência da su-
perfície (interface) em expandir sua área; a pressão do filme, 15

Pressão de superfície,
π, é a diminuição dessa resistência à expansão, conforme
expresso de forma quantitativa na equação (16-42). Segun-
do Schott,22 a pressão do filme, π, é a expansão da pressão 10
exercida na monocamada que se opõe à tensão superficial,
γ0, ou à contração da superfície limpa (água). Imagina-se
5
que as moléculas com atividade de superfície que compõem
a monocamada se inserem dentro da superfície das molé-
culas de água do filme da balança para reduzir a resistência 0
da superfície da água à expansão. A presença de moléculas 0 10 20 30 40 50 60
2
de tensoativos torna a expansão mais fácil, presumivelmen- Área transversal por molélula (Å )
te por quebrar ou interferir nas ligações do tipo pontes de
Figura 16-15 Pressão superficial do filme, π, para o ácido esteárico e para a
hidrogênio, van der Waals e outras forças coesivas entre as
lecitina, plotado em função da área transversal por molécula.
moléculas de água. Essas forças atrativas produzem uma
ação de “expansão” na superfície da água, medida pela ten-
são superficial, γ0. A introdução de moléculas de tensoativos
na superfície aquosa reduz esta expansão das moléculas de pressão do filme possa ser lida a partir do leitor de torção. A
água interagindo e diminui a tensão superficial γ0 para γ0 – γ pressão do filme é, então, plotada em função da área transver-
ou π [equação (16-42)]. sal por molécula, A2 [ver Exemplo 16-11 e equação (16-41)
Durante um experimento com a balança de Langmuir, a para calcular a área transversal da molécula a partir da área do
substância em estudo é dissolvida em um solvente volátil (p. filme]. A Figura 16-15 mostra o resultado para o ácido esteá-
ex., hexano) e adicionada à superfície do substrato, a qual foi rico e para a lecitina.
previamente limpa com um material do tipo parafina ou Teflon. Freqüentemente são observadas muitas alterações de
O líquido se espalha como um filme e o solvente volátil sofre fase quando um filme insolúvel é espalhado e comprimido
evaporação. A Figura 16-14 apresenta uma vista transversal sobre a interface. A Figura 16-16 mostra uma representação
da interface após o espalhamento. A barreira móvel é, então, do que pode ocorrer com um composto alifático saturado
removida em diferentes posições na direção do flutuador. de cadeia linear na interface ar-água. Quando um filme é
A área transversal da cuba disponível para o filme em cada espalhado sobre uma área maior do que 50 a 60 Å2/molécula
uma das posições é medida de modo que a correspondente (região G), ele exerce uma pequena pressão sobre a barreira
flutuante e age como gás nas duas dimensões. À medida que
o filme começa a ser comprimido (região L1–G), a fase líqui-
da, L1, coexiste em equilíbrio com a fase gasosa. Isso ocorre
Unidade de medida a baixos valores de pressão superficial (p. ex., 0,2 dina/cm
da pressão do filme
ou menos). O estado expandido do líquido (região L1) pode
Barreira Barreira ser reconsiderado como um líquido em estado bruto, mas em
móvel flutuante duas dimensões. Compressões adicionais do filme em geral
Moléculas do conduzem ao surgimento de uma fase intermediária (região
líquido espalhado I) e, depois, a um estado líquido condensado menos com-
pressível (região L2). Este, por sua vez, leva ao aparecimen-
to do estado menos compressível, a região S, em que o filme
pode ser considerado em um estado sólido bidimensional.
Nesses estados superiores de compressão, a pressão do filme
ou pressão de superfície, π = γ0 – γ1, aumenta rapidamente
à medida que a curva passa pelas regiões L2 e S (Figura
16-16). Este aumento de π com a compressão do filme de
tensoativo resulta da inserção forçada, na superfície, das
moléculas com atividade de superfície. Esse processo opõe-
Subfase se à tendência natural de contração da superfície da água e
aquosa Cuba
de diminuição da tensão superficial de γ0 para γ. Por fim, as
Figura 16-14 Vista transversal do líquido espalhado sobre a superfície da moléculas movem-se umas sobre as outras e o filme quebra
balança de Langmuir. quando submetido à alta compressão.
468 P ATRICK J. S INKO

Quebra do filme (a) (b) (c)


30

S
25 Vista
lateral
π (dinas/cm)

20
L2 Aumento de pressão
Pressão de superfície,

15 Área com moléculas


bastante justapostas Vista
superior
10
Figura 16-17 Monocamadas insolúveis. Filmes de monocamadas insolúveis
L1 apresentam características que podem ser comparadas aos estados sólido,
5 líquido ou gasoso. (a) Filme gasoso. As moléculas estão separadas e têm uma
L 1 -G
0.2 mobilidade de superfície significativa. Elas agem, essencialmente, de modo
G
independente. (b) Filme líquido. A monocamada é coesa e arranjada de forma
0
0 20 40 60 80 relativamente densa, mas ainda é compressível. (c) Filmes condensados. A
Área transversal por molécula (Å 2
)
monocamada é coesa, rígida e essencialmente incompressível; apresenta um
arranjo bastante denso, com elevada viscosidade de superfície. As moléculas
Figura 16-16 Alterações de fase que ocorrem quando um filme líquido têm pouca mobilidade e são orientadas perpendicularmente à superfície.
é espalhado e comprimido em uma interface. Legenda: G = gás bidimen-
sional; L 1 – G = fase líquida em equilíbrio com o gás bidimensional; L
1 = líquido expandido ou estado líquido bruto bidimensional; I = estado
intermediário; L 2 = estado líquido condensado; S = estado sólido bidimen- Na Tabela 16-7 estão listados os valores de algumas mo-
sional. Quando comprimido por forças maiores do que as necessárias para léculas orgânicas, determinados desta forma por Langmuir.26
formar uma superfície sólida, o filme quebra, como está indicado pela Pode-se observar que o álcool miricílico, com uma cadeia de
flecha na parte superior da figura. (Retirada de P. C. Heimenz, Principles of 30 carbonos, tem o dobro do comprimento das demais molé-
Colloid and Surface Chemistry, 2nd Ed., Marcel Dekker, New York, 1986, culas. Contudo, sua área transversal na interface não é muito
p. 364.) diferente da área das demais moléculas de cadeia única. Isso
confirma que é a área transversal da cadeia alquila, mais do
que o comprimento, que está sendo medida. A tristearina, com
três cadeias de ácido graxo, tem uma área transversal aproxi-
As regiões indicadas no gráfico da Figura 16-16 podem ser madamente três vezes maior do que a de moléculas com so-
representadas de maneira esquemática em termos de posicio- mente uma cadeia alifática.
namento das moléculas na superfície, como mostra a Figura O potencial elétrico e a viscosidade de filmes monomole-
16-17. Na região G da Figura 16-16, as moléculas em mo- culares podem ser estudados com a balança de Langmuir, e a
nocamada posicionam-se na superfície mantendo uma grande massa molecular de grandes moléculas poliméricas, tais como
distância entre si, como em um gás tridimensional. Na parte proteínas, pode ser estimada mediante essa técnica. A técni-
da curva indicada por L1 e L2, na Figura 16-16, as moléculas ca da balança de Langmuir também tem considerável signifi-
são forçadas a permanecer juntas e, como mostrado na Fi- cância no estudo de sistemas biológicos. Uma vez que certas
gura 16-17b, começam a ficar perpendiculares à superfície proteínas podem desdobrar-se de uma configuração esférica
e a interagir umas com as outras, analogamente a um líquido
tridimensional. Na região S da Figura 16-16, as moléculas
espalhadas são mantidas juntas por forças bastante fortes; essa
condição, análoga ao estado sólido tridimensional, mostra TABELA 16-7
uma baixa compressibilidade em relação a um líquido ou gás. DIMENSÕES DE MOLÉCULAS ORGÂNICAS DETERMINDAS
O estado S é mostrado esquematicamente na Figura 16-17c, POR MEIO DA BALANÇA DE LANGMUIR
na qual as moléculas da superfície da balança de Langmuir
estão comprimidas o mais próximo possível umas das outras. Comprimento Área
Compressões adicionais sobre o filme (através da movimen- da transversal
tação do eixo horizontal do gráfico da direita para a esquerda, Substância Fórmula molécula (Å) (Å2)
na Figura 16-14, ou seja, a movimentação da barra móvel do Ácido C17H35COOH 25 22
lado esquerdo para o lado direito) resultam no colapso do fil- esteárico
me em monocamada, com uma parte deslizando sobre a outra, Tristearina (C128H35O2)3C3H5 25 66
como mostra a Figura 16-16. Álcool C16H33OH 22 21
A área transversal por molécula de um filme com molécu- cetílico
las bem justapostas, a uma pressão de superfície igual a zero,
Álcool C30H61OH 41 27
pode ser obtida pela extrapolação da porção linear da curva ao miricílico
eixo horizontal, como mostra a Figura 16-16.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 469

para um filme plano, quando espalhadas sobre a superfície do comparáveis àqueles de sistemas tridimensionais quando PV
filme, pode-se estudar a relação entre o desdobramento e a é plotado contra P. Têm sido desenvolvidas equações simila-
atividade biológica dessas moléculas. Os tamanhos e formas res à equação de Van der Waal (p. 43) para comportamentos
das moléculas de esteróides, hormônios e enzimas e suas in- não-ideais.
terações com os fármacos nas interfaces também podem ser A relação entre a equação de adsorção de Gibbs e a
investigados por meio da balança de Langmuir. equação (16-43) enfatiza um ponto salientado anterior-
Schwinke e colaboradores27 estudaram a interação entre a mente, segundo o qual a distinção entre filmes solúveis e
insulina injetada abaixo da camada superficial e vários lipídeos insolúveis é arbitrária e feita com base no uso de técnicas
espalhados a uma pressão de superfície constante sobre a ba- experimentais em vez de fundamentos de diferenciação de
lança de Langmuir. Esta balança e suas aplicações são discuti- propriedades físicas.
dos nos livros de Adam,28 Harkins29 Sobotka,30 e Gaines.31 A variação de pressão de superfície, π, em função da tem-
Há várias menções a respeito do fato de que materiais for- peratura em diferentes “mudanças de fase”, observada nas iso-
mando monocamadas insolúveis podem estar no estado gaso- termas bidimensionais (ver Figura 16-16), pode ser analisada
so, líquido ou sólido, dependendo do grau de compressão ao por uma relação análoga à equação de Clapeyron:
qual são submetidos. Logo, para moléculas no estado gasoso, dπ H
a pressão de superfície na interface é comparável à pressão, (16-48)
P, que as moléculas de sistemas gasosos tridimensionais exer- dT T (A1 − A2 )
cem sobre as paredes de seus recipientes. Exatamente como a onde A1 e A2 são as áreas molares (cm2/mol) das duas fases e
equação de um gás ideal tridimensional, PV = nRT (p. 42), a T e ΔH são, respectivamente, a temperatura e a entalpia para a
equação para uma monocamada é mudança de fase.32 Note que π, ΔH e (A1 – A2) são os equiva-
πA n RT (16-43) lentes bidimensionais de pressão, entalpia e alteração de volu-
me, respectivamente, na equação de Clapeyron.
onde π é a pressão de superfície em dina/cm e A é a área que
cada molécula anfifílica ocupa na interface.
A equação (16-43), lei de um gás ideal bidimensional, EXEMPLO 16-12
pode ser derivada conforme segue. Quando a concentração de Cálculo da mudança de entalpia
um composto anfifílico na interface é pequena, as interações Considere que as monocamadas insolúveis de compostos anfifílicos
soluto-soluto não são importantes. Nessas condições, a tensão com grupos polarizáveis servem para investigar o comportamen-
de superfície diminui de forma linear de acordo com a concen- to de uma interface gás-água. As π–A isotermas resultantes dos
tração. Logo, podemos considerar que experimentos com a balança de Langmuir com monocamadas de
γ bc γ0 (16-44) n-hexadecil acrilatos, na faixa de temperatura de 13 °C a 28 °C.
mostraram duas quebras correspondentes às fases de transição
onde γ0 é a tensão de superfície da substância pura, γ é a tensão
(mudanças de estado).
de superfície produzida pela adição de c móis/litro de adsorva-
Calcule ΔH, a alteração de entalpia de transição do estado
to, e b é a inclinação da reta. Uma vez que a inclinação desse
líquido condensado, L2, para o estado líquido expandido, L1. As
gráfico é negativa, e uma vez que π = γ0 – γ, a equação (16-44)
áreas por molécula em L1 e L2 são 0,357 e 0,265 nm2/molécula,
pode ser reescrita como
respectivamente. A alteração de pressão de superfície com a tem-
π bc (16-45) peratura, dπ/dt, é de 0,91 mN/mK, e a temperatura de transição
A equação de adsorção de Gibbs (16-26) pode ser expres- é de 24,2 °C.32
Da equação (16-48),
sa da seguinte forma:

−(d dc) − b RT c (16-46) ΔH = T(A1 − A2 )
dT
já que dγ/dc é a inclinação da reta. ΔH = 297 2 K (0 357 − 0 265)
Substituindo a equação (16-45) na equação (16-46) e can- N
× 10−18 m2 molécula × 0 91 × 10−3
celando c, termo comum a ambos os lados, obtemos mK
= 2 49 × 10−20 joule molécula
π RT (16-47)
2 49 × 10−20 × 6 022 × 1023
O excesso de superfície tem dimensões em móis/cm2 e = 15 995 joule mol ≈ kJ mol
pode ser representado por n/A, onde n é o numero de móis e A
é a área em cm2. Logo,
π n RT A
ou ADSORÇÃO EM INTERFACES SÓLIDAS
π A n RT
que é a equação (16-43). A adsorção de materiais em interfaces sólidas pode ocorrer
Assim como a lei dos gases tridimensionais, a equação tanto na fase líquida adjacente quanto na fase gasosa. O estudo
(16-43) pode ser usada para calcular as massas moleculares da adsorção de gases é aplicável para várias finalidades, como
de materiais adsorvidos como filmes gasosos nas interfaces. a remoção de odores de ambientes e alimentos, a operação de
O comportamento não-ideal também ocorre e os gráficos de máscaras de gases e a medida das dimensões das partículas de
πA em função de π para as monocamadas geram resultados um pó. Os princípios da adsorção sólido-líquido são usados
470 P ATRICK J. S INKO

na descoloração de soluções, na cromatografia de adsorção, na


detergência e na molhabilidade.
Muitas vezes, a adsorção de materiais a partir de um gás
ou de um líquido em uma superfície sólida é similar àquela
discutida para as superfícies líquidas. Logo, a adsorção dessa
natureza pode ser considerada uma tentativa de reduzir a ener-
gia livre de superfície de um sólido. Contudo, as tensões de
superfície dos sólidos são, invariavelmente, mais difíceis de se-
rem obtidas do que aquelas resultantes de líquidos. Além dis-
so, a interface sólida é imóvel em comparação à interface tur- Gás
Espiral
bulenta dos sistemas líquidos. O tempo de vida médio de uma de quartzo
molécula na interface água-gás é de cerca de 1 µs, enquanto
que um átomo em uma superfície metálica sólida não-volátil
pode ter um tempo médio de vida de 1037 s.33 Freqüentemente,
a superfície de um sólido pode não ser tão homogênea quanto
as interfaces líquidas.

A interface sólido-gás
O grau de adsorção de um gás por um sólido depende da na-
Amostra
tureza química do adsorvente (material usado para adsorver
de grânulos
o gás) e do adsorvato (substância que está sendo adsorvi- ou pó
da), da área de superfície do adsorvente, da temperatura e
da pressão parcial do gás adsorvido. Os tipos de adsorção
são geralmente reconhecidos como adsorção física ou de van Figura 16-19 Esquema de um equipamento usado para medir a adsorção de
der Waals e adsorção química ou quimiosorção. A adsorção gases em sólidos.
física, associada às forças de van der Waals, é reversível e a
remoção do adsorvato do adsorvente é chamada de desor-
ção. Um gás fisicamente adsorvido pode se dessorvido do do gás, em mm Hg, é plotada no eixo horizontal, como mostra
sólido pelo aumento da temperatura e redução da pressão. A a Figura 16-18a.
quimiosorção, na qual o adsorvato é fixo ao adsorvente por Um método para obter os dados de adsorção é por meio
ligações químicas mais fortes, é irreversível, a menos que as do uso de um equipamento semelhante àquele mostrado na
ligações sejam quebradas. Figura 16-19, o qual consiste, essencialmente, de uma ba-
A relação entre a quantidade de gás fisicamente adsorvido lança contendo um sistema a vácuo. O sólido já degaseifi-
sobre um sólido e o equilíbrio de pressão ou concentração, à cado é colocado no prato da balança e, depois, quantidades
temperatura constante, gera uma isoterma de adsorção, quan- conhecidas de gases são adicionadas ao sistema. Registra-se
do plotada conforme mostra a Figura 16-18. O termo isoterma o aumento de peso correspondente à pressão do gás em equi-
refere-se a um gráfico a temperatura constante. O número de líbrio. Isso pode ser feito mediante o registro do aumento
x móis, gramas ou mililitros de gás adsorvido em m gramas observado no quartzo calibrado que suspende o prato da ba-
de adsorvente, a temperatura e pressão padronizadas (TPP), é lança contendo a amostra. Os dados são usados para cons-
plotado no eixo vertical, enquanto que a pressão de equilíbrio truir a isoterma, com base em uma ou mais das equações
seguintes.
Freundlich34 sugeriu a isoterma de Freundlich,
x
y kp 1 n (16-49)
m
onde y é a massa de gás, x, a massa de gás adsorvida por unida-
de de massa, m, do adsorvente e k e n são constantes que podem
x /m Log(x /m )
ser obtidas dos resultados do experimento. A equação é usada
mais convenientemente quando escrita na forma logarítmica,
x 1
log log k log p (16-50)
m n
Pressão Log da pressão
a qual conduz a uma linha reta quando plotada conforme mos-
(a) (b)
tra a Figura 16-18b. A constante, log k, é o intercepto da orde-
Figura 16-18 Isotermas de adsorção de um gás em um sólido. (a) Quantida- nada e 1/n é a inclinação da linha.
de, x, de gás adsorvido por unidade de massa, m, de adsorvente plotado em Langmuir35 desenvolveu uma equação com base na
função da pressão de equilíbrio. (b) Log da quantidade de gás adsorvido por teoria de que moléculas ou átomos de gás são adsorvidos
unidade de massa de adsorvente plotado em função do log da pressão. nos sítios ativos do sólido para formar uma camada de uma
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 471

molécula de espessura (monocamada). A fração de centros gerar uma monocamada seguida da formação de multicama-
ocupada pelas moléculas de gás à pressão p é representada da. O primeiro ponto de inflexão representa a formação da
por θ, a fração de sítios não-ocupados é de 1 – θ. A veloci- monocamada. A continuidade da adsorção com o aumento
dade, r1, de adsorção ou condensação das moléculas de gás da pressão indica a subseqüente formação de multicamadas.
na superfície é proporcional aos pontos não-ocupados, 1 – θ, As isotermas do tipo II são melhor descritas por uma ex-
e à pressão, p, ou pressão derivada por Brunauer, Emmett e Teller, chamada,
r1 k1 (1 − θ) p (16-51) por conveniência, de equação BET, que pode ser escrita da
seguinte forma:
A velocidade, r2, de evaporação das moléculas ligadas na
superfície é proporcional à fração de superfície ocupada, θ, ou p 1 b−1 p
(16-57)
r2 k2 θ y( p0 − p) ym b ym b p0
(16-52)
e, no equilíbrio, r1 = r2, ou onde p é a pressão do adsorvato, em mm Hg, na qual a massa
y de vapor por grama de adsorvato é adsorvida, p0 é a pres-
k1 (1 − θ) k2 θ (16-53)
são de vapor quando o adsorvato é saturado com o vapor de
Readequando-se a equação, obtemos adsorvato, ym é a quantidade de vapor adsorvido por unidade
k1 p (k1 k2 ) p de massa de adsorvente quando a superfície é coberta por
θ (16-54) uma camada monomolecular, e b é a constante de propor-
k2 k1 p 1 (k1 k2 ) p
cionalidade usada para diferenciar o calor de adsorção do
Podemos substituir k1/k2 por b e θ por y/ym, onde y é a gás na primeira camada e o calor latente de condensação
massa de gás adsorvida por grama de adsorvente à pressão das camadas sucessivas. A pressão de saturação de vapor,
p e temperatura constante e ym é a massa de gás que 1 g de p0, é obtida fazendo-se o excesso de adsorvato entrar em
adsorvente pode adsorver quando a monocamada está com- contato com o adsorvente. Para o caso de uma monocamada
pleta. Inserindo esses termos na equação (16-54), obtemos a de adsorção simples, a equação BET reduz-se à isoterma de
fórmula Langmuir.
ym bp As isotermas do tipo IV mostradas na Figura 16-20 são
y (16-55)
1 bp típicas de adsorção em sólidos porosos. O primeiro ponto de
inflexão, quando extrapolado à pressão zero, representa, no-
que é conhecida como isoterma de Langmuir. Invertendo a vamente, a quantidade de gás necessária para formar a mono-
equação (16-55) e multiplicando todos seus termos por p, po-
camada na superfície do sólido. A formação de multicamada
demos obtê-la, para fins de plotagem, como
e a condensação dentro dos poros são responsáveis pela ad-
p 1 p (16-56) sorção seguinte, a qual atinge um valor-limite antes de se
y bym ym atingir a pressão de saturação de vapor, p0. As isotermas do
O gráfico de p/y em função de p deve gerar uma linha reta, tipo III e V são produzidas em poucas situações, nas quais
sendo que ym e b podem ser obtidos a partir da inclinação e do o calor de adsorção do gás na primeira camada é menor do
intercepto. que o calor latente de condensação das camadas subseqüen-
As equações (16-49), (16-50), (16-55) e (16-56) são ade- tes. Como as isotermas do tipo IV, as do tipo V apresentam
quadas somente para a descrição de curva do tipo mostrado condensação capilar e a adsorção atinge um valor-limite an-
na Figura 16-18a, conhecido como isoterma do tipo I. Con- tes de se atingir p0. A isoterma do tipo II ocorre quando o
tudo, muitos experimentos têm mostrado que há quatro ti- valor de b na expressão de BET (16-57) é maior do que 2,0,
pos de isotermas, conforme pode ser visto na Figura 16-20, e a isoterma do tipo III ocorre quando esse valor é menor do
que não são descritas por esses tipos de equação. Isotermas que 2. Os tipo IV e V freqüentemente apresentam histerese
do tipo II apresentam forma sigmóide e ocorrem quando os e apresentam-se como mostrado nas Figuras 16-21 e 16-22,
gases sofrem adsorção física em sólidos não-porosos para respectivamente.
(quantidade)
Adsorvato

I II III IV V

P P0
Pressão

Figura 16-20 Vários tipos de isotermas de adsorção.


472 P ATRICK J. S INKO

dado. Outras técnicas usadas para a determinação da superfície


específica são abordadas no Capítulo 16.

A interface sólido-líquido
Fármacos como pigmentos, alcalóides, ácidos graxos e até
mesmo ácidos e bases inorgânicos podem ser adsorvidos a par-
tir de soluções em sólidos como carvão ativado e alumina. A
adsorção de moléculas de soluto a partir de soluções pode ser
tratada de forma análoga à adsorção de moléculas na interfa-
ce sólido-gás. As isotermas que descrevem uma ou mais das
equações mencionadas previamente podem ser obtidas pela
substituição da concentração do soluto pelo termo pressão de
vapor, usado para sistemas sólido-gás. Por exemplo, a adsorção
de estricnina, atropina e quinina, a partir de soluções aquosas,
em seis diferentes tipos de argilas36 foi passível de ser expressa
pela equação de Langmuir da seguinte forma:
c 1 c (16-58)
y bym ym
onde c é a concentração de equilíbrio em miligramas de alca-
Figura 16-21 Isoterma do tipo IV apresentando histerese. lóide base por 100 ml de solução, y é a quantidade de alcalói-
de base, x, em miligramas adsorvidos por grama, m, de argila
(ou seja, y = x/m) e b e ym são constantes definidas previa-
mente. Em estudos anteriores, Barr e Arnista37 investigaram
A área de superfície total do sólido pode ser determina- a adsorção da toxina da difteria e de diferentes bactérias em
da a partir das isotermas nas quais a formação da monocama- vários tipos de argilas. Os autores concluíram que a atapulgi-
da possa ser detectada, ou seja, nas isotermas dos tipos I, II e ta, um silicato de alumínio e magnésio hidratado, foi superior
IV. Essa informação é obtida multiplicando o número total de ao caulim como adsorvente intestinal. Os resultados da ad-
moléculas no volume de gás adsorvido pela área transversal sorção de estricnina em atapulgita ativada, haloisita (similar
de cada molécula. A área de superfície por unidade de peso à caulinita) e caulim, todos lavados com suco gástrico, são
de adsorvente, conhecida como superfície específica, é muito mostrados na Figura 16-23.
importante na área da Farmácia, uma vez que a velocidade de
dissolução de partículas de fármacos depende, em parte, desse

10

9 Atapulgita
ativada
8

7 Haloisita

C 5
x /m
4

3
Caulim
2

0
0 20 40 60 80 100 120 140
Concentração de equilíbrio, C
Figura 16-23 Adsorção de estricnina em vários tipos de argilas. (Modificada
Figura 16-22 Isoterma do tipo V apresentando histerese. de M. Barr and S. Arnista, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 46, 486, 488, 1957.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 473

Quanto menor a inclinação, melhor será a adsorção. Logo, adsorvente, de forma adimensional. Logo, as unidades para c/y no eixo de
a partir da Figura 16-23 pode-se estimar que na concentração x são simplesmente % m/m. Assim como y, ym também é adimensional e b
tem as unidades 1 (% m/m).
de equilíbrio, ou seja, 400 mg de estricnina/100 mL de solu-
ção, o valor de x/m é aproximadamente 40, 20 e 6,7 mg/g de
atapulgita, haloisita e caulim, respectivamente. Carvão ativado
Quando um fármaco de administração oral causa proble-
mas gástricos, o paciente em geral toma antiácidos, antidiarréi- Um exemplo de substância que adsorve enormes quantidades
cos ou adsorventes vendidos comercialmente, e essas prepara- de gases ou líquidos é o carvão ativado, resíduo da destilação
ções podem interagir com os fármacos, reduzindo sua absorção. destrutiva de vários materiais orgânicos que é tratado para au-
A absorção dos sais de quinidina (um agente antiarrítmico), por mentar seu poder adsortivo. Para adsorver mais adsorvato, um
exemplo, é prejudicada quando são combinados com caulim, adsorvente de massa definida deverá apresentar a maior área de
pectina, montmorilonitação e adsorventes similares. Moustafa superfície possível. Isso pode ser obtido usando-se adsorventes
e colaboradores38 verificaram que a adsorção de sulfato de qui- porosos ou moídos. Considere o seguinte exemplo: uma esfera
nidina pelos antiácidos e antidiarréicos, Kaopectate, Simeco, com um diâmetro de 1,2 cm tem um volume de 1 cm3 e área de
trissilicato de magnésio e subnitrato de bismuto, é bem-descrita superfície de 5 cm2. Se esta for dividida em duas esferas, cada
pelas isotermas de adsorção de Freundlich e Langmuir. uma com um diâmetro de 1 cm, juntas terão o mesmo volume de
Nikolakakis e Newton39 estudaram a adsorção sólido-sólido 1 cm3, mas haverá um aumento de área de superfície de 6 cm2.
de um pó fino e coeso em uma superfície de partículas grosseiras Partículas com um diâmetro de cerca de 0,01 cm e um volume
e não-coesas para formar o que é chamado de mistura “ordena- de 1 cm3 terão uma superfície total de cerca de 500 cm3. Se con-
da”. Esses sistemas geram misturas de pós bastante homogêneas, tinuarmos a dividir estas esferas e, finalmente, formos moê-las
geralmente com boa estabilidade física. Exemplos de misturas a partículas com diâmetro de cerca de 10–6 cm, a superfície to-
“ordenadas” são as misturas secas de sacarose e antibióticos que tal será aumentada em centenas de metros quadrados. O carvão
podem ser reconstituídas com água visando à obtenção de xa- ativado atualmente usado tem milhares de metros quadrados de
ropes antibióticos. O sorbitol pode substituir a sacarose na pre- área de superfície ativa por 1 g de massa. É usado como antídoto
paração de formulações sem açúcar, destinadas a pacientes dia- contra envenenamento causado por várias substâncias, incluin-
béticos. Durante a mistura, o fino pó de antibiótico é adsorvido do fármacos (sulfoniluréias, paracetamol, fenobarbital, etc).
na superfície das partículas grosseiras de sorbitol. Nikolakakis O carvão ativado é feito de material queimado em uma
e Newton obtiveram uma aparente isoterma de Langmuir ou do atmosfera bastante oxigenada e superaquecida que leva à for-
tipo I ao plotar o peso do fármaco adsorvido por unidade de peso mação de pequenos poros com diâmetros na faixa de 100 a 800
de sorbitol, x/m, em função da concentração, c, de fármaco não- Å, através dos grânulos de carvão. Esse processo aumenta efe-
adsorvido no equilíbrio. Logo, usando a forma linear, equação tivamente a área de superfície do carvão de modo que a área de
(16-58), podemos achar os valores de b e ym. O valor de ym é a superfície de 1g de carvão é de aproximadamente 1000 m2. A
quantidade de antibiótico por unidade de peso de sorbitol ne- dose usual de carvão ativado usado para fins terapêuticos é de
cessária para formar uma monocamada sobre a superfície das 50 a 100 g para adultos e de 1 a 2 g/kg, para crianças. O carvão
partículas de sorbitol. Pode-se considerar isso como uma medida ativado é freqüentemente administrado a pacientes envenena-
da capacidade de adsorção ou do número de sítios de ligação do dos. O pressuposto da sua ação é a prevenção da absorção da
sorbitol para o antibiótico. A quantidade b é a afinidade empírica toxina e a diminuição da toxicidade (definida pela morbidade e
ou a constante de ligação que, segundo alguns autores, apresenta mortalidade) do veneno. Contudo, ainda não há evidências de
significância termodinâmica (ver Hiemenz,7 p. 398-407). que carvão ativado melhore esses quadros.40
Foram feitos estudos para investigar a captação por sorção
EXEMPLO 16-13 de lignina e tanino em fase aquosa por carvão.41 Verificou-se
Adsorção sólido-sólido da cefalexina uma reação de sorção de primeira ordem. Investigou-se a influên-
cia de vários fatores, tais como a quantidade de sorvente e o pH
Os valores de c/y em função de c para a adsorção sólido-sólido de
do sistema, na velocidade de sorção. Os dados de sorção foram
monoidrato de cefalexina em sorbitol são os seguintes:
bem-descritos pela isoterma de Langmuir, indicando a formação
Calcule b e ym.
de uma monocamada sobre a superfície homogênea do sorvente.
Usando a análise de regressão de c/y (eixo de y) em função de
Os estudos de dessorção indicam a natureza irreversível da rea-
c (eixo de x), encontramos que c/y = 25,2 + 5,93c. Logo,
ção de sorção, enquanto que os estudos de interrupção sugerem
Inclinação =
1
= 5 93; ym = 0 169 g g (adimensional) que a difusão do filme é a etapa limitante da velocidade.41
ym Shadnia e colaboradores42 descreveram o tratamento com
1 êxito de um paciente que tomou uma dose de estricnina que
Intercepto = = 25 2% ( )
bym seria, normalmente, letal. O homem de 28 anos chegou ao hos-
1
b= = 0 235% ( )−1 pital 2 horas após ter ingerido de 1 a 1,5 g de estricnina. Ele
25 2% ( ) × 0 169 g g estava muito agitado, com leve falta de ar, pressão sangüínea
c (% ∗
) 10 15 20 de 90/60 mm Hg, pulso de 10/min e pulso periférico fraco. Na
c/y (% ) 54,85 84,5 114,15 143,8 emergência, ele apresentava reflexos generalizados de hipe-
g de adsorvato / g adsorvente ratividade e convulsões tônico-clônicas graves. O tratamento
consistiu de lavagem gástrica com água, administração oral de
* Note que expressamos o valor de c como porcentagem m/m em ambos os carvão ativado e solução de sorbitol, administração intraveno-
eixos de x e y, e expressamos y = x/m como grama de adsorvato/grama de sa contínua de midazolam, tiopental, furosemida, bicarbonato
474 P ATRICK J. S INKO

de sódio e hemodiálise para solucionar a falência renal aguda. fase reversa. O modelo competitivo similar ao de Langmuir, o
A evolução clínica incluiu falta de ar, agitação, convulsões tô- modelo competitivo modificado de Langmuir e o modelo de
nico-clônicas generalizadas, hiperatividade, oligúria e necrose LeVan-Vermeulen descreveram de forma satisfatória os dados.
tubular aguda antes da sua recuperação 23 dias após. Houve uma ótima concordância entre os dados experimentais
Tanaka e colaboradores43 reportaram um caso de absorção e os dados previstos utilizando-se o modelo competitivo simi-
incompleta de fenobarbital administrado oralmente e concomi- lar ao de Langmuir e o modelo de LeVan-Vermeulen. A con-
tante a carvão ativado e o restabelecimento da absorção após a cordância obtida utilizando-se o modelo competitivo original
administração de ambos os fármacos em separado, com um inter- de Langmuir foi menos satisfatória. Essas observações não são
valo de 1,5 h entre as administrações. A uma mulher de 78 anos, surpreendentes, uma vez que o modelo competitivo similar ao
pesando 50 kg, que havia sido submetida a uma intervenção cirúr- de Langmuir presume que as capacidades dos adsorvatos são
gica no cérebro foram prescritos 120 mg/dia de fenobarbital, para iguais, enquanto que os outros dois modelos levam em conta as
convulsões pós-operatórias. A concentração de fenobarbital em diferenças entre as capacidades dos componentes. Os resulta-
seu soro chegou a 24,8 µg/mL (o nível terapeuticamente efetivo dos indicam que os adsorvatos usados estão competindo pelos
é de 10-30 µg/mL). Contudo, sua função renal começou a apre- mesmos sítios na superfície do carvão ativado. Esses resultados
sentar piora, de modo que lhe foi administrado carvão ativado, 6 também demonstram que é possível predizer com exatidão as
g/dia. Quatro semanas após o início da administração de carvão isotermas de adsorção multicomponentes usando somente os
ativado, as análises de sangue mostraram que a concentração de parâmetros da isoterma de um único soluto.45
fenobarbital estava abaixo de 4,3 µg/mL. A dose de fenobarbital Hill e colaboradores46 avaliaram o suporte hepático extra-
foi aumentada para 150 mg/dia. Avaliações posteriores revelaram corporal necessário para tratar episódios agudos de encefalopa-
que o carvão ativado estava sendo administrado concomitan- tia hepática (AHE) tipo C, que não responde à terapia medica-
temente com o fenobarbital. O regime de dose foi alterado, de mentosa. Vários pacientes com cirrose e AHE não respondiam
modo que ambos os medicamentos passaram a ser administrados a pelo menos 24 horas de terapia medicamentosa baseada em
com um intervalo de pelo menos 1,5 hora. Subseqüentemente à três tratamentos de hemodiabsorção com carvão a cada 6 ho-
alteração posológica, a concentração plasmática de fenobarbital ras. Verificou-se que o tratamento com hemodiabsorção à base
aumentou para 11,9 µg/mL em três semanas. A concentração de de carvão, no qual é usado um protocolo padronizado de an-
fenobarbital no soro foi monitorada todo mês por certo tempo e ticoagulação, é seguro e efetivo no tratamento de AHE não-
permaneceu dentro da faixa de 15,8 a 18,6 µg/mL. A baixa con- responsível à terapia medicamentosa convencional.
centração sorológica de fenobarbital observada foi causada pela Embora o carvão ativado seja útil no tratamento de envene-
absorção gastrintestinal prejudicada do fenobarbital, em função namentos, não deve ser considerado inócuo, principalmente em
da adsorção do fármaco no carvão ativado. Uma avaliação obje- crianças. Donoso e colaboradores47 reportaram o caso de um pa-
tiva de causa-efeito mostrou que a interação era muito provável. ciente que desenvolveu laringite obstrutiva secundária à aspira-
Logo, a administração de carvão ativado e fenobarbital deve ser ção de carvão ativado de máscara de proteção das vias aéreas.
feita separadamente, com um intervalo de, pelo menos, 1,5 h. Esse caso mostra que a administração nasogástrica de carvão
Testou-se a capacidade de ligação de quatorze diferentes ma- ativado apresenta certo risco. Vômitos também dificultam a admi-
teriais ao deoxinivalenol e nivalenol, em uma faixa de pH de 3 a nistração de carvão ativado. Pouco se sabe sobre paciente, enve-
8.44 Somente o carvão ativado foi efetivo, com capacidade de li- nenamento ou fatores procedimento-específicos que contribuam
gação de 35,1 e 8,8 µmol de deoxinivalenol e nivalenol por grama para a êmese do carvão. Osterhoudt e colaboradores48 estimaram
de adsorvente, respectivamente, calculados a partir das isotermas a incidência de vômito subseqüente à administração terapêutica
de adsorção. Utilizou-se um modelo laboratorial dinâmico, simu- de carvão em crianças com 18 meses ou menos, vítimas de en-
lando o trato gastrintestinal de porcos saudáveis, para avaliar a venenamento, e examinaram as contribuições relativas de vários
absorção de deoxinivalenol e nivalenol no intestino delgado, bem fatores de risco à ocorrência de vômito. Uma a cada cinco crian-
como a eficiência do carvão ativado em reduzir essa absorção. ças tratadas com carvão ativado apresentou vômitos. Crianças
A absorção intestinal in vitro de deoxinivalenol e nivalenol foi com episódios prévios de vômitos ou fazendo uso de sonda naso-
de 51 e 21%, respectivamente, equivalente à ingestão de espigas gástrica foram consideradas de alto risco; tais fatores devem ser
de trigo contaminadas com 170 µg de deoxinivalenol e 230 µg considerados em futuras investigações a respeito de estratégias
de nivalenol. A maior parte da absorção de ambas as micotoxi- de uso de antieméticos. O conteúdo de sorbitol do carvão ativado
não foi considerado um risco significativo para a êmese.
nas ocorreu no jejuno. A inclusão de carvão ativado levou a uma
redução significativa na absorção intestinal das micotoxinas. A
uma taxa de inclusão de 2%, a absorção em relação à ingestão foi Molhabilidade
reduzida de 51 para 28%, em se tratando do deoxinivalenol, e de
21 para 12%, no caso do nivalenol. A atividade ligante do carvão A adsorção em superfícies sólidas está envolvida nos fenôme-
ativado para esses tricotecenos foi menor do que a observada para nos de molhabilidade e detergência. A tendência dos líquidos
a zearalenona, uma micotoxina freqüentemente encontrada com a mover-se da superfície para o seio da solução e diminuir a
os tricotecenos em cereais naturalmente contaminados. superfície da interface líquido-gás é explicada pelo fato de as
A adsorção de três barbitúricos – fenobarbital, mefobarbital moléculas do líquido serem fracamente atraídas pelas moléculas
e primidona – pelo carvão ativado e a partir de fluido intestinal do gás, na interface. Há um número limitado de moléculas de
artificial sem pancreatina foi estudada utilizando-se o método gás por unidade de volume na fase gasosa em comparação com
dos frascos rotatórios.45 As concentrações de cada fármaco em aquele na fase líquida. Quando o líquido entra em contato com
solução no estado de equilíbrio foram determinadas por croma- o sólido, as forças de atração entre as fases líquida e sólida pas-
tografia líquida a de alta eficiência, empregando uma coluna de sam a ter um papel significativo. Nesse caso, o comportamento
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 475

CONCEITO AGENTE MOLHANTE


Um agente molhante é um tensoativo que, quando dissolvido em água, de matrizes de absorção de algodão e bandagens, nos quais são incorpo-
diminui o avanço do ângulo de contato, auxilia no deslocamento do ar radas soluções medicamentosas a serem aplicadas em diversas áreas do
na superfície e substitui este por fase líquida. Exemplos de aplicação de corpo; o deslocamento de sujeiras e fragmentos de feridas, através do
agentes molhantes em Farmácia e em Medicina incluem o deslocamento uso de detergentes; e a aplicação de loções e sprays medicamentosos na
do ar da superfície do enxofre, carvão e outros pós usados com propósito superfície da pele e mucosas.
de dispersar fármacos em veículos líquidos; o deslocamento de ar a partir

do líquido dependerá do balanço entre as forças de atração das EXEMPLO 16-14


moléculas do líquido e as forças de atração entre as fases líquida
e sólida. No caso do mercúrio e do vidro, as forças de atração Comparação de diferentes aglutinantes usados em
entre as moléculas de mercúrio e o vidro são muito menores do comprimidos
que as forças de atração entre as próprias moléculas de mercú- A molhabilidade da superfície dos comprimidos influencia sua
rio. Como resultado, o mercúrio tenderá a permanecer unido, desintegração e dissolução e, conseqüentemente, a liberação do(s)
como uma única gota esférica. Ao contrário, para o caso da água fármaco(s).
e do vidro (ou mercúrio e zinco), as forças de atração entre as Um aglutinante usado em comprimidos é uma substância que
moléculas do sólido e do líquido são maiores do que as forças contribui para a coesividade do comprimido de forma a mantê-lo
entre as próprias moléculas do líquido e, conseqüentemente, o intacto após o processo de compressão. A influência dos agluti-
líquido consegue molhar a superfície do vidro. nantes na molhabilidade de comprimidos de paracetamol foi estu-
A ação mais importante dos agentes molhantes é diminuir dada por Esezobo e colaboradores.49
o ângulo de contato entre a superfície e o líquido molhante. O Na tabela seguinte pode-se observar o efeito do ângulo de con-
ângulo de contato é o ângulo entre a gota do líquido e a superfície tato da água sobre comprimidos de paracetamol, a tensão superficial
na qual esta se espalha. Como pode ser visto na Figura 16-24, o o líquido e do tempo de desintegração dos comprimidos. A água na
ângulo de contato entre um líquido e um sólido pode ser 0°, o que superfície dos comprimidos está saturada com os adjurantes básicos
significa molhabilidade completa, ou pode ser próximo a 180°, da formulação, excluindo-se o aglutinante. Os aglutinantes do com-
no qual a molhabilidade é praticamente nula. O ângulo de contato primido, povidona (polivinilpirrolidona, PVP), gelatina e amido de
também pode ter qualquer valor compreendido entre esses dois mandioca, estão presentes em concentração constante de 5% m/m.
limites, conforme ilustra a figura. No equilíbrio, a superfície e as
tensões interfaciais podem ser determinadas pela equação
γ S γ S L γ L cos θ (16-59)
conhecida como equação de Young.
Quando o termo γS da equação (16-59) é substituído na
equação (16-19), temos que
S γ L (cos θ − 1) (16-60)
θ=0 ° θ 180 °
e, combinando a equação (16-59) com a equação (16-16),
temos
Wa W S L γ L (1 cos θ) (16-61)
que é uma forma alternativa da equação de Young. As equações
(16-60) e (16-61) são expressões bastante úteis porque não in-
cluem os termos γS ou γSL, que não podem ser fácil ou precisa-
mente medidos. O ângulo de contato formado entre uma gota de θ < 90 ° θ = 90 °
água e uma superfície oleosa ocorre quando o líquido aplicado, a
água, molha a superfície oleosa de forma incompleta. Quando a
gota de água é colocada sobre uma superfície de vidro limpa, ela γL
se espalha espontaneamente, não havendo, assim, a formação de
ângulo de contato. Esse resultado pode ser atribuído ao elevado
coeficiente de espalhabilidade da água na superfície de um vidro
limpo, ou pelo fato de o ângulo de contato entre a água e o vi- θ
dro ser zero. Se adicionarmos um agente molhante apropriado à
água, a solução se espalhará espontaneamente sobre uma super- γS γSL
fície oleosa. Para que um agente molhante aja de modo eficiente θ > 90 °
– ou seja, apresente um baixo ângulo de contato – ele deve ter
um valor de EHL entre 6 e 9 (ver Figura 16-11). Figura 16-24 Ângulos de contato de 0° a 180°.
476 P ATRICK J. S INKO

Aglutinante γ (N/m)* Cos θ t (min) de HPMC, 1% de PEG 400, 0,5% de Tween 20. Os comprimidos
continham 75,2% de CMC, 24,2% de lactose, 0,4% de esterato de
Povidona 71,23 0,7455 17,0 magnésio e 0,2% de dióxido de silício coloidal (todas as porcen-
Gelatina 71,23 0,7230 23,5 tagens m/m). Foram produzidos dois lotes de comprimidos com
Amido de mandioca 71,33 0,7570 2,0 dureza média de 127 e 191 N.
*A tensão superficial, γ, é dada em joule/m, ou newton, a unidade Os ângulos de contato (graus) e os coeficientes de espalhabili-
de força do SI, divido por metros. Para o sistema cgs, γ é expresso dade (SC, mJ/m2) para as formulações de revestimento dos com-
na unidade de força de dina por centímetros ou em erg/cm2. primidos (N = 10; média ± DP) foram os seguintes:

Usando as equações (16-60) e (16-61), calcule o valor de S, Comprimidos de Comprimidos de


o coeficiente de espalhabilidade, e de WSL, o trabalho de adesão, 127 N 191 N
para a água na superfície do comprimido, comparando a influên- Revestimento das Ângulo de Ângulo de
cia dos três aglutinantes presentes na formulação. Observe os tem- formulações contato SC contato SC
pos de desintegração mostrados na tabela e use-os para contestar a. HPMC 43 ± 0,48 41,2 46 ± 0,47 39,6
ou corroborar o resultado dos valores de S e WSL. b. CMC 54 ± 0,34 40,2 54 ± 0,32 38,6
Coeficiente de espalhabilidade, S = γ(cos θ − 1) c. Lactose 50 ± 0,37 39,0 51 ± 0,52 37,4
PVP S = 71 23(0 7455 − 1) = −18 13 d. Tween 53 ± 0,93 41,8 52 ± 0,47 40,2
Gelatina S = 71 23(0 7230 − 1) = −19 73
A inclusão de adjuvantes modifica em pequena proporção o
Amido de S = 71 33(0 7570 − 1) = −17 33
mandioca
ângulo de contato das formulações de revestimento. Os coeficien-
Trabalho de adesão, W = γ(1 + cos θ) tes de espalhabilidade foram todos altos e positivos, indicando um
PVP WSL = 71 23(1 + 0 7455) = 124 33 N m espalhamento efetivo dessas formulações de revestimento sobre a
Gelatina WSL = 71 23(1 + 0 7230) = 122 73 N m superfície dos comprimidos.
Amido de WSL = 71 33(1 + 0 7570) = 125 33 N m
mandioca
Zisman e colaboradores51 verificaram que, ao plotar-se
o co-seno do ângulo de contato, cos θ, em função da tensão
O coeficiente de espalhabilidade é negativo, mas os valores superficial, para uma série homóloga de líquidos espalhados
são pequenos. O amido de mandioca apresenta o menor valor ne- sobre uma superfície como o teflon (politetrafluoroetileno),
gativo, S = –17,33, seguido pelo PVP e, finalmente, pela gelatina. obtinha-se uma linha reta. Essa linha pode ser extrapolada para
Estes resultados estão de acordo com o trabalho de adesão, amido cos θ = 1, ou seja, para um ângulo de contato igual a zero, o
de mandioca > PVP > gelatina. Quando o trabalho de adesão é que significa molhabilidade completa. À tensão superficial no
maior, a ligação entre a água e a superfície dos comprimidos é ponto cos θ = 1 foi dado o nome de tensão superficial crítica
maior; logo, melhor é a molhabilidade. e o símbolo γc. Verificou-se que várias séries de líquidos em
A partir da tabela, podemos observar que os tempos de de- uma determinada superfície sólida tinham aproximadamente o
sintegração dos comprimidos seguem a seguinte ordem: amido de mesmo valor de γc, como pode se observar na Figura 16-25.
mandioca < PVP < gelatina. Este resultado está qualitativamente
de acordo com os valores de S e WSL. Ou seja, quanto melhor a mo-
lhabilidade, refletida pelo maior trabalho de adesão e pelo menor
valor negativo de coeficiente de espalhabilidade, menor é o tempo
de desintegração dos comprimidos. Outros fatores que não foram
considerados nesse estudo, tal como a porosidade do comprimido,
fazem com que essa relação seja somente qualitativa. 1

EXEMPLO 16-15
A influência de adjuvantes sobre o coeficiente de
espalhabilidade de uma formulação de revestimento sobre
Cos θ

a superfície de um comprimido-modelo 0,8


Um dos requisitos para o filme de revestimento de um comprimido
é a obtenção de uma boa adesão do revestimento ao comprimido.
As propriedades da formulação de revestimento e do próprio com-
primido podem influenciar no processo de adesão. O pré-requisito
para uma boa adesão é a espalhabilidade das gotas atomizadas
0,6
sobre a superfície do comprimido e a penetração limitada da so- γc = 33
lução de revestimento nos poros do comprimido. Ambos são con-
trolados pela energia de superfície do comprimido e da solução de
revestimento. Khan e colaboradores50 determinaram os coeficien-
tes de espalhabilidade da hipromelose (HPMC) contendo outros
adjuvantes sobre a superfície de um comprimido-modelo. Quatro 0,4
formulações foram testadas. As formulações continham: (a) 9% de 20 40 60 80
γ
HPMC, 1% de polietilenoglicol 400 (PEG 400); (b) 9% de HPMC,
1% de PEG 400, 2% de celulose microcristalina (MCC); (c) 9% Figura 16-25 Tensão superficial crítica (Zisman) plotada para uma pele-modelo.
de HPMC, 1% de PEG 400, 2% de CMC, 2% de lactose; (d) 9% (Reproduzida de J. C. Charkoudian, J. Soc. Cosmet. Chem. 39, 225, 1988.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 477

Zisman concluiu que γc era uma característica de cada sólido. capacidade de um agente molhante em promover a espalhabili-
O teflon, por exemplo, tem um valor de cerca de 18 erg/cm2. dade de uma loção sobre a superfície cutânea, e a aplicação das
Uma vez que a superfície do teflon consiste de grupamentos propriedades de tais produtos costumam ser determinadas por
–CF2–, Zisman concluiu que todas as superfícies dessa nature- meio de avaliações subjetivas.
za poderiam ter tensões superficiais críticas de cerca de 18 erg/ Os detergentes são tensoativos usados para remover sujeiras.
cm2, e que qualquer líquido com tensão de superfície menor A detergência é um processo complexo que envolve a remoção
que 18 erg/cm2 poderia molhar uma superfície composta por de materiais estranhos das superfícies. O processo inclui muitas
grupamentos –CF2–.52,53 ações características de tensoativos específicos: molhabilidade
inicial da sujeira e da superfície a ser limpa, defloculação e sus-
EXEMPLO 16-16 pensão, emulsificação ou solubilização das partículas de sujeira
e, algumas vezes, formação de espuma para retenção e posterior
Molhabilidade de uma pele-modelo
eliminação das partículas. Uma vez que um detergente deve pos-
Charkoudian54 desenvolveu uma superfície de pele-modelo com suir uma combinação de várias propriedades, sua eficácia é deter-
propriedades físicas e químicas semelhantes àquelas reportadas minada por testes diretos com os materiais a serem limpos.
para a pele humana. A pele-modelo consiste de uma proteína (ge- Outros estabilizadores diretos de dispersão, incluindo a
latina com ligações cruzadas), uma substância lipídica sintética e defloculação, a suspensão e os agentes emulsionantes, serão
água, com uma proporção proteína:água de 3 para 1. Para fins de considerados no Capítulo 18.
caracterização da pele artificial, determinaram-se as tensões su-
perficiais e os ângulos de contato de vários líquidos, a 20 °C, como
mostra a tabela abaixo:
Diiodo- Etileno- Álcool Óleo APLICAÇÕES DOS AGENTES COM AÇÃO DE SUPERFÍCIE
Líquido Água Glicerina metano glicol benzílico mineral
γ (dina/cm) 72,8 63,4 50,8 48,3 39,2 31,9 Além de sua aplicação como agentes emulsionantes, detergen-
cos θ 0,45 0,56 0,79 0,77 0,96 0,97 tes, agentes molhantes e agentes solubilizantes, os tensoativos
também são usados como agentes antibacterianos e de prote-
Plotar o cos θ em função de γ e calcule a tensão superficial crí-
tica, γc, para que haja completa molhabilidade da superfície da pele
ção e como agentes auxiliares na absorção de fármacos.
artificial. O valor de γc para a pele humana, in vivo, é cerca de 26 a 28
Um tensoativo pode afetar a atividade de um fármaco ou
dina/cm. A partir dos resultados obtidos, qual líquido da tabela pode pode, por si só, exercer ação farmacológica. Um exemplo do
apresentar a melhor molhabilidade da superfície da pele-modelo? primeiro caso é o aumento da penetração do hexilresorcinol em
O gráfico é mostrado na Figura 16-25. Embora os líquidos da um parasita intestinal, o Ascaris, na presença de baixas concen-
tabela não constituam uma série homóloga, eles parecem adaptar- trações de tensoativo. Essa potencialização da atividade deve-se
se bem ao princípio de Zisman, produzindo uma linha reta que, ao à redução da tensão interfacial entre a fase líquida e a parede
ser extrapolada até o cos θ, corresponde ao valor de tensão super- celular do parasita. Em função disso, a adsorção e a espalhabi-
ficial crítica de γc = 33 dina/cm. lidade do hexilresorcinol sobre a superfície do parasita é facili-
O óleo mineral, com uma tensão superficial de 31,9 dina/cm, é tada. Contudo, quando a concentração do agente de superfície
o que mais se aproxima da tensão superficial crítica, γc = 33 dina/ presente excede a concentração necessária para a formação de
cm, da superfície da pele-modelo. Para se obter resultados mais micelas, a velocidade de penetração do anti-helmíntico dimi-
exatos de γc, podem ser feitos cálculos mediante análise de regres- nui até um valor próximo a zero. Isso ocorre porque o fármaco
são linear pelo método dos mínimos quadrados, gerando fica particionado entre as micelas e a fase aquosa, resultando na
redução da sua concentração. Os compostos de amônio quater-
cos θ = −0 0137γ + 1 450 r 2 = 0 972
nário são exemplos de agentes tensoativos que, por si só, têm
Para o valor específico de cos θ = 1, obtemos γc = 33,0 dina/ ação antibacteriana.55 Isso depende, em parte, de fenômenos de
cm. Pode-se notar que a tensão superficial crítica, γc, para a pele superfície, mas também há outros fatores importantes envolvi-
artificial usada neste estudo é um pouco maior (γc = 33,0 dina/ dos. Esses agentes são adsorvidos na superfície celular e, supos-
cm) do que o valor reportado em outras fontes de literatura para tamente, causam a destruição por aumentar a permeabilidade ou
a pele humana (γc = 26–28 dina/cm). Acredita-se que isso ocorra “extravasamento” da membrana celular lipídica. Logo, a morte
devido, em parte, à ausência de secreções sudoríparas ou sebáceas, celular ocorre em função da perda de materiais essenciais da
as quais baixam o valor de γc da pele humana viável. célula. Tanto organismos gram-negativos quanto gram-positivos
são suscetíveis à ação dos compostos de amônio quaternário, en-
Embora normalmente se deseje determinar a eficiência re- quanto que os agentes aniônicos atacam mais facilmente as bac-
lativa dos agentes molhantes, é difícil medir o ângulo de con- térias gram-positivas do que as gram-negativas. Os tensoativos
tato. Os coeficientes de espalhabilidade em geral também não não-iônicos são menos efetivos como agentes antibacterianos.
são acessíveis porque não se conhece um método adequado de De fato, estes em geral favorecem o crescimento bacteriano, em
medida direta da tensão superficial em superfície sólida. Frente vez de inibi-lo, presumivelmente porque fornecem ácidos gra-
a essas dificuldades, a indústria utiliza métodos empíricos. Um xos de cadeia longa em uma forma mais facilmente metaboliza-
dos testes de molhabilidade mais conhecidos é o de Draves. O da pelo organismo. Miyamoto e colaboradores56 estudaram os
Teste de Draves implica a medida do tempo necessário para efeitos dos tensoativos e sais biliares na absorção gastrintestinal
que um chumaço de algodão, com peso definido, afunde em de antibióticos usando a técnica in situ de perfusão em estômago
uma solução molhante contida em um recipiente graduado de de rato. O lauriléter de polioxietileno reduziu a absorção da pro-
500 mL. Nenhum método tem sido proposto para estimar a picilina no estômago e aumentou-a no intestino. Alguns tenso-
478 P ATRICK J. S INKO

ativos aumentam a velocidade de absorção intestinal, enquanto gentes é baseada em uma propriedade conhecida como detergên-
outros a diminuem. Alguns desses efeitos podem ser o resultado cia. Possivelmente, uma das funções industriais mais importantes
da alteração da membrana, causada pelo tensoativo. Os efeitos dos tensoativos é a formação de emulsões. Uma emulsão é uma
dos tensoativos na solubilidade e bioabsorção de fármacos têm dispersão entre dois líquidos imiscíveis. Os molhos para saladas,
sido revisados por Mulley57 e Gibaldi e Feldman.58 o leite e os cremes são emulsões, assim como o são os cremes
medicinais e os cremes umectantes. As emulsões são sistemas
multifase, embora geralmente pareçam ter apenas uma fase.
Espumas e agentes antiespumantes As fases de uma emulsão são normalmente chamadas de
fase contínua e fase dispersa. A detergência é um processo com-
Quaisquer soluções contendo agentes tensoativos produzem plexo que envolve a remoção de materiais estranhos das super-
espumas estáveis quando misturadas intimamente com o ar. A fícies e inclui os seguintes passos (Figura 16-27): (a) as caudas
espuma é uma estrutura relativamente estável, que consiste de hidrocarbonadas dos ânions do detergente dissolvem a gordura;
porções de ar englobadas por filmes líquidos finos. Uma dis- (b) a gordura gradualmente se fragmenta e fica envolta (“cra-
persão do tipo gás-em-líquido pode ser estabilizada mediante vejada”) pelos ânions do detergente; e (c) pequenas gotas de
o uso de um agente espumante. A espuma vai se dissipando à gordura são mantidas em suspensão coloidal pelo detergente.
medida que o líquido é drenado da área que rodeia a porção de As cabeças aniônicas evitam que a gordura sofra coalescência
ar, até que o filme finalmente colapsa. Agentes tais como ál- porque as partículas têm a mesma carga elétrica.
cool, éter, óleo de rícino e alguns tensoativos podem ser usados
para quebrar a espuma, sendo, portanto, chamados de agentes
antiespumantes. Às vezes as espumas são usadas na área far- Tensoativo pulmonar
macêutica (p. ex., contraceptivos vaginais ou formulações anti-
microbianas, mas, normalmente, são consideradas incômodas, O tensoativo pulmonar é um agente com ação de superfície que
sendo, portanto, evitadas ou destruídas quando possível. A for- recobre a superfície dos alvéolos em contato com o ar. Ele dimi-
mação de espuma indesejada durante a solubilização de prepa- nui a tensão superficial na interface ar-alvéolos a quase zero e,
rações líquidas representa um problema para a formulação. logo, cumpre duas principais funções. A primeira delas é evitar
Todos os sabões (oleato de sódio, etc.) são sais de ácidos o colapso dos alvéolos. A segunda principal função é diminuir
graxos (tensoativos aniônicos). São caracterizados por (a) uma a pressão dentro dos alvéolos. Logo, o tensoativo pulmonar nos
cadeia carbonada longa, que pode ser monossaturada (ou seja, permite respirar e previne o edema pulmonar. É uma mistura
apresenta uma ligação dupla, como o oleato de sódio), poliinsa- complexa de proteínas e lipídeos, mas seu componente principal
turada (ou seja, apresenta mais de uma ligação dupla) ou saturada é a fosfatidilcolina. Algumas condições patológicas diminuem a
(ou seja, sem ligações duplas), e (b) um grupo carboxilato no fi- atividade do tensoativo pulmonar. Nos Estados Unidos, nascem
nal da cadeia (Figura 16-26). Qualquer tensoativo que não seja 40.000 crianças prematuras por ano sem quantidade suficiente
um sabão é um detergente. A ação de limpeza dos sabões e deter- de tensoativo pulmonar, o que resulta em milhares de mortes.
Uma criança prematura tem somente 1/20 da quantidade de ten-
soativo pulmonar necessária para respirar. Felizmente, pode-se
administrar tensoativo pulmonar artificial. O calfactante (Infa-
Miristato de sódio
O surf; Forest Pharmaceuticals, St. Louis, Mo.) é um dos tenso-
Na + ativos pulmonares artificiais disponíveis para uso. A suspensão
O – intratraqueal de Infasurf (calfactante) é um tensoativo pulmonar
estéril e apirogênico usado somente para instilação intratraque-
al. É extrato natural extraído de pulmões de vitelo que contém
fosfolipídeos, lipídeos neutros e tensoativos hidrofóbicos asso-
Palmitato de sódio ciados a proteínas B e C (SP-B e SP-C) e não contém conser-
O vantes. O Infasurf é uma suspensão um pouco esbranquiçada de
Na + calfactante em uma solução aquosa de cloreto de sódio 0,9%.
O– Seu pH é entre 5,0 e 6,0. Cada mililitro de Infasurf contém 35
mg de fosfolipídeos totais (incluindo 26 mg de fosfatidilcolina,
dos quais 16 mg é fosfatidilcolina dissaturada) e 0,65 mg de
proteínas, incluindo 0,26 mg de SP-B. Em geral, o tratamento
Estearato de sódio com calfactante melhora rapidamente a oxigenação e as funções
O pulmonares. Outro exemplo de tensoativo artificial contendo vi-
Na +

tamina E59 será descrito no Capítulo 22.
O

Oleato de sódio
PROPRIEDADES ELÉTRICAS DAS INTERFACES
O
Na + Esta seção trata de alguns princípios relacionados a superfícies
O – carregadas em relação ao seu meio líquido circulante. A discus-
são sobre as aplicações decorrentes deste fenômeno é dada nos
Figura 16-26 Sabões comuns. capítulos que tratam sobre sistemas coloidais (Capítulo 17) e
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 479

a b

Gordura

Superfície Superfície

Superfície

Figura 16-27 Mecanismo de ação de um detergente. (a ) As caudas hidrocarbonadas dos ânions do detergente
dissolvem a gordura; (b) a gordura gradualmente se fragmenta e fica envolta pelos ânions do detergente; (c) peque-
nas gotas de gordura são mantidas em suspensão coloidal pelo detergente.

suspensões (Capítulo 18). As partículas dispersas em um meio so aproximam-se da superfície, enquanto que os demais são dis-
líquido podem tornar-se carregadas principalmente por uma das tribuídos em quantidade decrescente à medida que vão se afas-
duas seguintes maneiras. A primeira delas envolve a adsorção de tando da superfície carregada. A certa distância da superfície, as
determinadas espécies iônicas presentes em solução, que podem concentrações de ânions e cátions são iguais, ou seja, prevale-
ser íons adicionados à solução ou, no caso da água pura, íons hi- cem as condições de neutralidade elétrica. É importante lembrar
drônio ou hidroxila. A maioria das partículas dispersas em água que o sistema como um todo é eletricamente neutro, mesmo que
adquire carga negativa devido à adsorção preferencial dos íons
haja regiões de distribuição desigual de ânions e cátions.
hidroxila. Na segunda maneira, as cargas das partículas resul-
tam da ionização de grupos (tais como COOH) que estão situ- Tal situação é ilustrada na Figura 16-28, na qual aa′
ados na superfície das partículas. Nesses casos, a carga é uma indica a superfície do sólido. Os íons adsorvidos que dão à
função do pK e do pH. Imagina-se que uma terceira origem,
menos comum, para o surgimento de cargas sobre a superfície
das partículas ocorra quando há uma diferença entre a constante a b c d
dielétrica da partícula e do meio dispersante.

A dupla camada elétrica


Considere uma superfície sólida em contato com uma solução
polar contendo íons, por exemplo, uma solução aquosa de ele-
trólitos. Suponha, ainda, que alguns cátions estão adsorvidos
sobre a superfície, gerando uma carga positiva. Permanecem em
solução o restante dos cátions, além do número total de ânions
adicionados. Esses ânions são atraídos pela superfície carregada
positivamente por meio de forças elétricas, que também servem
para repelir a aproximação de qualquer cátion adicional, após
a´ b´ c´ d´
a adsorção inicial ter sido completada. Além destas forças elé-
tricas, o movimento térmico tende a produzir uma distribuição Figura 16-28 A dupla camada elétrica na superfície de separação entre
igual de todos os íons em solução. Como resultado, atinge-se duas fases, mostrando a distribuição dos íons. O sistema como um todo é
uma situação de equilíbrio na qual alguns dos ânions em exces- eletricamente neutro.
480 P ATRICK J. S INKO

superfície sua carga positiva são chamados de íons determi- Plano de cisalhamento
nantes de potencial. a b c d
Em posição imediatamente adjacente à camada de super-
fície está uma região de moléculas de solvente, intimamente
ligadas entre si e com a própria superfície, juntos com alguns
íons negativos. O limite dessa região é dado pela linha bb′, na
Figura 16-28. Esses íons, tendo uma carga oposta àquela dos (+)
íons determinantes de potencial, são chamados de contra-íons
ξ1
ou gegeníons. O grau de atração das moléculas de solvente e ξ2
dos contra-íons é tal que, se a superfície move-se em direção

Potencial, E
ao líquido, o plano de cisalhamento está mais em bb′ do que
em aa′, a real superfície. Na região ligada pelas linhas bb′ e
cc′, há um excesso de íons negativos.
O potencial em bb′ ainda é positivo porque, como já foi Distância
mencionado, há menos ânions na camada intimamente ligada
do que cátions adsorvidos sobre a superfície do sólido. Além
de cc′, a distribuição de íons é uniforme, atingindo-se a neutra- (-) ξ3
lidade elétrica.
Logo, a distribuição elétrica na interface é equivalente à
carga da dupla camada, a primeira camada (que vai de aa′ a
bb′), fortemente ligada, e a segunda camada (de bb′ até cc′),
mais difusa. Portanto, a chamada dupla camada difusa se es-
tende de aa′ a cc′. Outras duas situações não representadas na a´ b´ c´ d´
Figura 16-28 também são possíveis: (a) se os contra-íons for-
temente ligados da camada solvatada igualam a carga positiva Camada fortemente Camada
da superfície, a neutralidade elétrica ocorre no plano bb′ em ligada difusa
vez de no plano cc′. (b) A carga total dos contra-íons na região
Figura 16-29 Potencial eletrocinético, E, nos limites sólido-líquido. São
aa′–bb′ pode ser excessiva devido aos íons determinantes do
mostradas curvas para três casos característicos de íons ou moléculas em
potencial; logo, a carga líquida em bb′ será mais negativa do
fase líquida. Note que embora o E seja o mesmo nos três casos, os potenciais
que positiva, como mostra a Figura 16-28. Isso significa que,
zeta são positivo (ζ1), zero (ζ2) e negativo (ζ3).
para que se atinja a neutralidade elétrica em cc′ nessa situação,
deve haver um excesso de íons positivos na região bb′–cc′. O
estudante deve considerar que se o íon determinante do po-
tencial é negativo, os argumentos recém-dados são aplicáveis, Se o potencial zeta é reduzido abaixo de um determinado valor
mesmo que íons positivos ainda estejam presentes na camada (que depende do sistema que está sendo usado), as forças de
fortemente ligada. atração excedem as forças de repulsão e as partículas permane-
cem unidas. Esse fenômeno é conhecido como floculação e é
discutido nos capítulos de dispersões coloidais e grosseiras (ver
Potenciais Zeta e de Nernst Capítulos 17 e 18).
Nas várias situações discutidas anteriormente, as alterações no
potencial em função do distanciamento a partir da superfície Efeito de eletrólitos
podem ser representadas conforme mostra a Figura 16-29. O
potencial na superfície sólida aa′ devido ao íon determinante de À medida que aumenta a concentração de eletrólitos presentes
potencial é o potencial eletrotermodinâmico (Nernst), E. Ele é no sistema, o efeito protetor dos contra-íons também aumenta.
definido como a diferença de potencial entre a superfície real e Como resultado disso, o potencial decresce mais rapidamente
a região eletricamente neutra da solução. O potencial localiza- com a distância porque a espessura da dupla camada diminui.
do no plano de corte bb′ é conhecido como potencial eletroci- Uma situação semelhante ocorre quando a valência do contra-
nético ou potencial zeta, ζ. O potencial zeta é definido como a íon é aumentada enquanto a concentração total do eletrólito
diferença de potencial entre a superfície da camada fortemente permanece constante. O efeito total freqüentemente causa re-
ligada (plano de cisalhamento) e a região eletricamente neutra dução no potencial zeta.
da solução. Como mostra a Figura 16-29, o potencial dimi-
nui de forma drástica no início, seguindo uma diminuição mais
gradual à medida que aumenta distância a partir da superfície.
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Interscience, New York, 1966. 59. T. Minko, A. Stefanov, and V. Pozharov, J. Appl. Physiol. 93, 1550,2002.
17
17 COLÓIDES

INTRODUÇÃO Equilíbrio de Donnan


Sistemas dispersos Estabilidade de sistemas coloidais
Tamanho e forma das partículas coloidais Sensibilização e ação de colóides protetores
TIPOS DE SISTEMAS COLOIDAIS SOLUBILIZAÇÃO
Colóides liofílicos Fatores que afetam a solubilização
Colóides liofóbicos Termodinâmica da solubilização
Colóides de associação: micelas e a concentração Ponto de Krafft e oonto de turvação
micelar crítica Fenômenos de coacervação e ponto de turvação
PROPRIEDADES ÓPTICAS DOS COLÓIDES APLICAÇÕES FARMACÊUTICAS DOS COLÓIDES
O efeito Faraday-Tyndall Hidrogéis
Microscópio eletrônico Micropartículas
Espalhamento da luz Emulsões e microemulsões
Espalhamento da luz e massa molecular da micela Lipossomas
Micelas
PROPRIEDADES CINÉTICAS DOS COLÓIDES
Nanopartículas
Movimento browniano
Nanocristais
Difusão
Pressão osmótica TÓPICO AVANÇADO: TERMODINÂMICA DA
Sedimentação MICELIZAÇÃO
Viscosidade
PROPRIEDADES ELÉTRICAS DOS COLÓIDES
Fenômenos eletrocinéticos

Ao concluir este capítulo, o tivos desse tema não estejam tão bem-desenvolvidos quanto
OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: os aspectos da química micromolecular, as teorias no campo
da química coloidal são bastante úteis no momento de resol-
1 Diferenciar os vários tipos de sistemas coloidais e suas ver os problemas que surgem na preparação e dispensação de
principais características. emulsões, suspensões, ungüentos, pós e formas farmacêuticas
2 Compreender as principais propriedades ópticas dos colóides compactadas. O conhecimento a respeito dos fenômenos inter-
e a aplicação dessas propriedades na análise dos colóides. faciais e a familiaridade com as características dos colóides e
3 Conhecer os principais tipos de sistemas de microscopia das pequenas partículas são fundamentais para a compreensão
usados para analisar colóides. do comportamento das dispersões farmacêuticas.
4 Avaliar as principais propriedades cinéticas dos colóides. As dispersões moleculares têm caráter homogêneo e for-
5 Compreender as principais propriedades elétricas dos co- mam soluções verdadeiras. As propriedades desses sistemas
lóides e suas aplicações para a estabilidade, sensibilização foram discutidas nas seções anteriores. As dispersões coloi-
e ação protetora dos colóides. dais, consideradas no presente capítulo, os pós e granulados,
6 Reconhecer os benefícios da solubilização por colóides. vistos no Capítulo 1, e as dispersões grosseiras, vistas no capí-
7 Entender os benefícios e conhecer os principais tipos dos tulo 18, são exemplos de sistemas heterogêneos.
modernos sistemas coloidais de liberação de fármacos.
8 Demonstrar conhecimento básico a respeito da termodinâ- Tamanho e forma das partículas coloidais
mica da micelização.
As partículas na faixa de tamanho coloidal têm uma área de
superfície enorme, se comparadas com a área de superfície de
partículas grandes de igual volume. Assim, um cubo com 1 cm
INTRODUÇÃO de aresta e volume igual a 1 cm3 tem uma área de superfície
total de 6 cm2. Se esse mesmo cubo é subdividido em cubos
Sistemas dispersos menores, cada um com arestas de 100 μm, o volume total per-
manece o mesmo, mas a área de superfície total aumenta para
É importante, para os farmacêuticos, entender a teoria e a tec- 600.000 cm2. Isso representa um aumento de 105 vezes na área
nologia dos sistemas dispersos. Embora os aspectos quantita- de superfície. Para comparar de forma quantitativa as áreas de
484 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO SISTEMAS DISPERSOS


Os sistemas dispersos consistem de material particulado, conhecido classes, assim como algumas de suas características. Às vezes, os limites
como fase dispersa, completamente distribuído em um meio contínuo ou de tamanho são arbitrários e não existe distinção entre as dispersões mo-
dispersão. O material disperso pode variar em tamanho, desde partícu- leculares ou coloidais e as dispersões coloidais ou grosseiras. Por exem-
las com dimensões atômicas ou moleculares até partículas cujo tamanho plo, algumas macromoléculas (ou seja, moléculas grandes), tais como
está na ordem de milímetros. Portanto, uma forma conveniente de clas- polissacarídeos, proteínas e polímeros em geral, são grandes o suficiente
sificar os sistemas dispersos é tomar como base o diâmetro médio de para serem classificadas tanto como formadoras de dispersões molecu-
partícula do material disperso. Geralmente consideram-se três tipos de lares quanto de dispersões coloidais. Algumas suspensões e emulsões
sistemas coloidais, de acordo com o tamanho da fase dispersa: (a) dis- podem conter faixas de tamanho de partícula diferentes; tanto partículas
persões moleculares; (b) dispersões coloidais e; (c) dispersões grosseiras. menores dentro da faixa coloidal quanto partículas maiores, classificadas
A tabela abaixo apresenta as faixas de tamanho atribuídas para essas como partículas grosseiras.

CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS DISPERSOS COM BASE NO TAMANHO DE PARTÍCULA


Classe Faixa de tamanho de partícula* Características do sistema Exemplos
Dispersão Menos de 1 nm Invisíveis em microscópio eletrônico Moléculas de oxigênio, íons comuns,
molecular Passam por um ultrafiltro ou uma membrana semipermeável dispersão, glicose
Sofrem difusão rápida
Dispersão De 1 nm a 0,5 μm Não detectadas em microscópios comuns (embora possam ser Sóis de colóides de prata, polímeros
coloidal detectadas por ultramicroscópios) naturais e sintéticos, queijo,
Visíveis em microscópio eletrônico manteiga, geléia, tinta, leite,
Passam através de filtro de papel creme de barbear, etc.
Não passam através de membranas semipermeáveis
Difundem muito lentamente
Dispersão Maiores que 0,5 μm Visíveis em microscópios Grãos de areia, a maioria das
grosseira Não passam através de filtros de papel convencionais emulsões e suspensões
Não sofrem diálise através de membranas semipermeáveis farmacêuticas, hemácias
Não difundem

∗ 1 nm (nanômetro) = 10−9 m; 1 μm (micrômetro) = 10−6 m.

superfície de diferentes materiais, usa-se o termo superfície poro evita a passagem de partículas coloidais, mas permite
específica, que é definida como a área de superfície por uni- a passagem de pequenas moléculas e íons, tais como uréia,
dade de peso ou volume de material. No exemplo dado acima, glicose e cloreto de sódio. O princípio, ilustrado na Figura
a primeira amostra tinha uma superfície específica de 6 cm2/ 17-1, mostra que, no equilíbrio, o material coloidal é retido
cm3, enquanto que, na segunda amostra, a superfície específica no compartimento A, enquanto que o material subcoloidal é
era de 600.000 cm2/cm3. Ter uma grande superfície específi- igualmente distribuído em ambos os lados da membrana. Por
ca resulta em uma série de propriedades únicas das dispersões meio da remoção contínua do líquido do compartimento B, é
coloidais. Por exemplo, a platina é efetiva como agente cata- possível se obter o material coloidal livre de contaminantes
lisador somente quando está na forma coloidal, como platina subcoloidais no compartimento A. A diálise também pode ser
preta. Isso ocorre porque os catalisadores agem mediante ad- usada para se obter o material subcoloidal livre de contamina-
sorção dos reagentes em suas superfícies. Logo, sua ativida- ção coloidal – nesse caso, simplesmente se coleta a solução
de catalisadora está relacionada à sua superfície específica. A efluente. A ultrafiltração também tem sido usada para sepa-
cor das dispersões coloidais está relacionada ao tamanho das rar e purificar o material coloidal. De acordo com uma varia-
partículas presentes. Desse modo, à medida que as partículas ção do método, a filtração é conduzida sob pressão negativa
em um sol de ouro vermelho aumentam de tamanho, a disper- (sucção) através de uma membrana de diálise suportada por
são passa a apresentar uma coloração azulada. O antimônio um funil de Büchner. Quando a diálise e a ultrafiltração são
e o trissulfeto de arsênio mudam de uma coloração vermelha usadas para remover impurezas carregadas, tais como conta-
para uma coloração amarela quando se reduz o tamanho das minantes iônicos, o processo pode ser agilizado usando-se um
partículas de um pó grosseiro para um pó dentro da faixa de potencial elétrico através da membrana. Tal processo é cha-
tamanho coloidal. mado de eletrodiálise.
Devido ao seu tamanho, as partículas coloidais podem ser Nos últimos anos, a diálise tem sido amplamente usada para
separadas das partículas moleculares com relativa facilidade. estudar a ligação de materiais de uso farmacêutico a partículas
A técnica de separação conhecida como diálise usa uma mem- coloidais. A diálise ocorre in vivo. Dessa forma, íons e pequenas
brana semipermeável de colódio ou celofane cujo tamanho de moléculas passam facilmente do sangue para os fluidos dos te-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 485

maior é sua superfície específica e maior é a chance de haver


A B A B
forças de atração entre as partículas da fase dispersa e o meio
dispersante. Uma partícula coloidal é algo semelhante a um
“porco-espinho” – em ambiente favorável, ele se desenrola
expondo sua área de superfície máxima. Em situações adver-
sas, ela se enrola novamente e reduz a área exposta. Algumas
formas representativas de colóides esféricos e fibrosos podem
ser vistas na Figura 17-2. Como se constatou nas discussões
anteriores, algumas propriedades, como fluxo, sedimentação
e pressão osmótica, são afetadas por alterações na forma das
partículas coloidais. A forma das partículas também pode in-
fluenciar a ação farmacológica. Chan e Gonda1 verificaram que
o ácido cromoglícico, um agente administrado por inalação
para controlar ataques de asma, é adequadamente depositado
no trato respiratório quando usado na forma de cristais bem-
definidos, em formato de bastão.

No ínicio No equilíbrio TIPOS DE SISTEMAS COLOIDAIS


Figura 17-1 Desenho mostrando a remoção de eletrólitos de um material
coloidal mediante difusão por uma membrana semipermeável. As condições Colóides liofílicos
nos dois lados da membrana, A e B, são mostradas no início e no equilíbrio.
Os círculos maiores são as partículas coloidais, grandes demais para passar Sistemas contendo partículas coloidais que interagem de forma
através da membrana. Os pontos pretos são as partículas de eletrólitos que significativa com o meio dispersante são chamados de colóides
passam através dos poros da membrana. liofílicos (que têm afinidade pelo solvente). Devido a sua afi-
nidade pelo meio disperso, tais materiais formam dispersões
coloidais ou sóis com relativa facilidade. Assim, os sóis de co-
lóides liofílicos são geralmente obtidos mediante dissolução
cidos, através de uma membrana semipermeável, enquanto que simples do material em um solvente. Por exemplo, a dissolu-
os componentes coloidais do sangue permanecem dentro do sis- ção de goma arábica ou de gelatina em água ou a dissolução de
tema capilar. O princípio da diálise é usado no rim artificial, o celulóide em acetato de amila leva à formação de um sol.
qual remove do corpo as impurezas de baixa massa molecular As várias propriedades dessa classe de colóide ocorrem em
através da passagem por uma membrana semipermeável. função da atração entre a fase dispersa e o meio dispersante,
A forma adotada pelas partículas coloidais em uma disper- o que leva à solvatação, ligação das moléculas do solvente às
são é importante porque quanto mais alongada for a partícula, moléculas da fase dispersa. No caso dos colóides hidrofílicos,

CONCEITO SISTEMAS COLOIDAIS


Todos os tipos de fases dispersas podem formar colóides em todos os TIPOS DE DISPERSÕES COLOIDAIS*
tipos de meio possíveis, exceto para uma combinação gás-gás. Uma vez
Meio de Fase Tipo de
que todos os gases misturam-se uniformemente em nível molecular, eles
dispersão dispersa colóide Exemplos
somente formam soluções com outros gases. Os possíveis tipos de dis-
persões coloidais são apresentados na tabela ao lado. Os sistemas coloi- Sólido Sólido Sol sólido Pérolas, opalas
dais são adequadamente classificados em três grupos – liofílico, liofóbico Sólido Líquido Emulsão sólida Queijo, manteiga
e de associação – tendo como base a interação de partículas, moléculas Sólido Gás Espuma sólida Pedra-pomes,
ou íons da fase dispersa com as moléculas do meio dispersante. marshmallow
Líquido Sólido Sol, gel Geléia, tinta
Líquido Líquido Emulsão Leite, maionese
Líquido Gás Espuma Creme chantilly,
creme de barbear
Gás Sólido Aerossóis sólidos Fumaça, poeira
Gás Líquido Aerossóis líquidos Nuvens, nevoeiro, bruma
* Um gás em outro gás sempre produz uma solução.
486 P ATRICK J. S INKO

(a) (b ) (c)

(d ) (e) (f)

Figura 17-2 Algumas formas assumidas por partículas coloidais: (a) esferas e glóbulos, (b) bastões curtos e elip-
sóides alongados, (c) elipsóides achatados e flocos, (d) bastões longos e fibras, (e) fibras espiraladas, (f) fibras
ramificadas.

onde a água é o meio dispersante, o termo usado é hidrata- arsênio e iodeto de prata. Ao contrário dos colóides liofílicos, é
ção. Muitos colóides liofílicos são moléculas orgânicas, por necessário usar métodos especiais para preparar colóides liofó-
exemplo, gelatina, goma arábica, insulina, albumina, borracha bicos. São eles: (a) métodos de dispersão, nos quais partículas
e poliestireno. Desses, os quatro primeiros constituem colóides grosseiras sofrem redução de tamanho, e (b) métodos de con-
liofílicos em um meio de dispersão aquoso (sóis hidrofílicos). densação, nos quais compostos de tamanho subcoloidal são ori-
A borracha e o poliestireno formam colóides liofílicos em ginados por agregação em partículas dentro da faixa de tamanho
solventes orgânicos não-aquosos e são chamados de colóides coloidal. A dispersão pode ser obtida mediante o uso de gerado-
lipofílicos. Esses exemplos servem para ilustrar um ponto im- res ultrassônicos de alta intensidade, que operam em freqüências
portante: o termo liofílico tem sentido somente quando aplica- de mais de 20.000 ciclos por segundo. O segundo método en-
do a um material disperso em um meio de dispersão específico. volve a produção de um arco elétrico com o líquido. Devido ao
Um material que forma um sistema coloidal liofílico em um intenso calor gerado pelo arco, alguns dos metais dos eletrodos
líquido (p. ex., água) pode não fazê-lo em outro líquido (p. ex., são dispersos na forma de vapor, o qual condensa formando par-
benzeno). tículas coloidais. Processos de trituração e de moagem podem
ser usados, embora sua eficiência seja baixa. Os assim chamados
moinhos coloidais, nos quais o material é cisalhado mediante
Colóides liofóbicos
passagem por dois pratos de alta rotação, posicionados muito
A segunda classe de colóides é composta por materiais que têm próximos um do outro, reduzem somente uma pequena quanti-
alguma ou quase nenhuma atração pelo meio dispersante. São dade das partículas totais à faixa de tamanho coloidal.
chamados de colóides liofóbicos (repulsão do solvente) e suas As condições necessárias para a formação de colóides
propriedades diferem daquelas dos colóides liofílicos. Isso se liofóbicos por condensação ou agregação envolvem um alto
deve, principalmente, à ausência de um revestimento de solven- grau de supersaturação, seguido pela formação e crescimento
te ao redor das partículas. Os colóides liofóbicos são, em geral, de núcleos. A supersaturação pode ser obtida por mudança
compostos por partículas inorgânicas dispersas em água. Exem- do solvente ou redução da temperatura. Por exemplo, se o
plos desses compostos incluem ouro, prata, enxofre, sulfito de enxofre é dissolvido em álcool e essa solução concentrada é
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 487

vertida em um excesso de água, haverá a formação de inúme- Concentração crítica


ros pequenos núcleos na solução supersaturada. Eles crescem
rapidamente para formar um sol coloidal. Outros métodos de
condensação dependem de reação química, tal como redução,
oxidação, hidrólise e decomposição dupla. Desse modo, so-
luções neutras ou levemente alcalinas de sais de metais no- Detergência
bres, quando tratadas com um agente redutor, como formal- Densidade de carga
deído ou pirogalol, formam átomos que se combinam para

Unidades de medida para cada propriedade


gerar agregados. A oxidação de sulfito de hidrogênio leva à Condutividade
formação de átomos de enxofre e à produção de um sol de
enxofre. Se uma solução de cloreto férrico é adicionada a um
grande volume de água, ocorrerá hidrólise com formação de
um sol vermelho de óxido férrico hidratado. Sais de cromo e
alumínio também hidrolisam dessa maneira. A decomposição
dupla entre sulfito de hidrogênio e ácido arsênico resulta em
Tensão superficial
um sol de sulfito de arsênio. Ao se usar um excesso de sulfito
de hidrogênio, os íons HS– são adsorvidos nas partículas, o
Pressão osmótica
que gera uma grande carga negativa sobre elas, levando à for-
mação de um sol estável.

Colóides de associação: micelas e a concentração Condutância


micelar crítica equivalente
Tensão interfacial
Colóides de associação ou anfifílicos formam o terceiro gru-
po desta classificação. Como visto no Capítulo 16, que trata 0 10 20 30 40 5 0 60 70 80 90
de fenômenos interfaciais (p. 461), certas moléculas ou íons,
Figura 17-3 Propriedades dos agentes tensoativos, mostrando as alterações
chamados anfifílicos ou tensoativos, são caracterizados por
que nitidamente ocorrem na concentração micelar crítica. (Modificada de: W.
apresentarem duas regiões distintas na mesma molécula, com
J. Preston, Phys. Coll. Chem. 52, 85, 1948).
afinidades apostas pela solução. Quando presentes em baixa
concentração no meio líquido, as moléculas anfifílicas estão
separadas e têm tamanho subcoloidal. Na medida em que a
concentração aumenta, ocorre agregação dentro de uma es-
treita faixa de concentração. Os agregados podem conter 50 seu próprio meio hidrocarbonado. Ao redor do núcleo hidro-
ou mais monômeros e são chamados de micelas. As micelas carbonado estão as cabeças polares dos compostos anfifílicos,
encontram-se dentro da faixa de tamanho coloidal, uma vez associadas às moléculas de água da fase contínua. A agregação
que o diâmetro de cada uma é da ordem de 50 Å. A concentra- também ocorre em líquidos apolares. Contudo, nesse caso, as
ção de monômeros na qual micelas passam a ser formadas é moléculas estão orientadas de forma contrária, com as cabe-
chamada de concentração micelar crítica (CMC). O número ças polares voltadas para dentro e as cadeias hidrocarbonadas
de monômeros que se agrega para formar as micelas é conhe- voltadas para a fase apolar. Essas situações são ilustradas na
cido como número de agregação da micela. Figura 17-4, que também mostra algumas formas postuladas
O fenômeno de formação das micelas pode ser explicado para as micelas. É tido como provável que as micelas esféricas
da seguinte forma. Abaixo da CMC, a concentração de mo- ocorram em concentrações relativamente próximas à CMC.
léculas anfifílicas adsorvidas na interface ar-água aumenta à Em concentrações mais altas, há uma maior tendência à for-
medida que a concentração total de compostos anfifílicos é mação de micelas laminares, que coexistem em equilíbrio com
aumentada. No final, atinge-se o ponto no qual tanto a inter- as micelas esféricas. O estudante deve estar atento para não
face quanto a fase líquida tornam-se saturadas de monômeros. considerar micelas como partículas sólidas. As moléculas in-
Esse ponto representa a CMC. Qualquer excesso de molécula dividuais que formam as micelas estão em equilíbrio dinâmico
anfifílica adicionada acima dessa concentração acaba por se com seus monômeros em solução e na interface.
agregar e formar micelas no seio do líquido, reduzindo, assim, Do mesmo modo que os sóis liofílicos, a formação de co-
a energia livre do sistema. O efeito da micelização sobre algu- lóides de associação é espontânea, desde que a concentração
mas propriedades físicas das soluções contendo tensoativos é dos compostos anfifílicos em solução exceda a CMC.
mostrado na Figura 17-3. Note que até a CMC a tensão super- Os compostos anfifílicos podem ser aniônicos, catiônicos,
ficial diminui. De acordo com a equação de adsorção de Gibbs não-iônicos ou anfolíticos (zwitteriônicos). As diferenças repre-
(p. 464), isso significa aumento de adsorção. Acima da CMC, sentam uma boa forma de classificação dos colóides de associa-
a tensão superficial permanece essencialmente constante, mos- ção. A Tabela 17-1 mostra exemplos típicos de cada um destes
trando que a interface está saturada, e a formação de micelas tipos de compostos. A Figura 17-4a representa micelas de co-
passa a ocorrer na fase líquida. lóides de associação aniônicos. Um determinado número de íons
No caso de moléculas anfifílicas em água, as cadeias hi- de sódio é atraído na superfície da micela, reduzindo um pouco a
drocarbonadas voltam-se para dento da micela para formar carga negativa total. Esses íons ligados são chamados gegênions.
488 P ATRICK J. S INKO

Água

Solvente apolar

(a) (b )

Gegênion

Íon
anfifílico

(c)
Figura 17-4 Algumas das prováveis formas das micelas: (a) micela esférica em meio aquoso, (b) micela reversa
em meio não-aquoso, (c) micela laminar formada a elevadas concentrações de compostos anfifílicos em meio
aquoso.

A mistura de dois ou mais compostos anfifílicos é co- EXEMPLO 17-1


mum em formulações farmacêuticas. Assumindo-se uma mis-
tura ideal, pode-se predizer a CMC da mistura a partir dos Concentração micelar crítica
valores de CMC de cada um dos compostos anfifílicos puros Calcular a CMC de uma mistura de monômeros de n-dodecilocta-
e de suas frações molares, x, na mistura, de acordo com a oxietilenoglicol (C12E8) e n-dodecil β-D-maltosídeo (DM). A CMC
expressão:2 do C12E8 é CMC1 = 8,1 × 10–5 M (mol/litro) e sua fração molar é x1
1 x1 x2 = 0,75; a CMC do DM é CMC2 = 15 × 10–5 M.
(17-1) Temos que
CMC CMC1 CMC2
x2 = (1 − x2 ) = (1 − 0 75) = 0 25
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 489

TABELA 17-1
CLASSIFICAÇÃO E EXEMPLOS TÍPICOS DE COLÓIDES DE ASSOCIAÇÃO
Exemplo
Tipo Composto Anfifílico Gegênion

Aniônico Laurilsulfato de sódio CH3(CH2)11OSO3 Na+
Catiônico Brometo de CH3(CH2)15N+(CH3)3 Br–
cetiltrimetilamônio
Não-iônico Lauril éter de polioxietileno CH3(CH2)10CH2O(CH2OCH2)23H —
Anfolítico Sulfato de CH3(CH2)11N+(CH3)2(CH2)3OSO2– —
dimetildodecilaminopropano

A partir da equação (17-1), PROPRIEDADES ÓPTICAS DOS COLÓIDES


1 0 75 0 25
= + = 10926
CMC 8 1 × 10−5 15 × 10−5
O efeito Faraday-Tyndall
1
CMC = = 9 15 × 10−5 M
10926 Quando um forte feixe de luz passa através de um sol coloidal,
O valor experimental é de 9,3 × 10 M. –5 forma-se um cone visível resultante do espalhamento da luz na
As propriedades dos colóides liofílicos, liofóbicos e de associa- presença das partículas coloidais. Isso é conhecido como efeito
ção são resumidas na Tabela 17-2. Essas propriedades e os méto- Faraday-Tyndall.
dos mais relevantes serão discutidos nas seções seguintes. O ultramicroscópio desenvolvido por Zsigmondy permi-
te examinar os pontos de luz responsáveis pelo cone Tyndall.

TABELA 17-2
COMPARAÇÃO DAS PROPRIEDADES DOS SÓIS COLOIDAIS*
Liofílico Associação (Anfifílico) Liofóbico

A fase dispersa geralmente consiste de A fase dispersa consiste de agregados (micelas) A fase dispersa normalmente
grandes moléculas orgânicas que estão de pequenas moléculas orgânicas ou íons cujo consiste de partículas inorgânicas,
dentro da faixa de tamanho coloidal tamanho individual está abaixo da faixa coloidal tais como ouro ou prata
As moléculas da fase dispersa são A porção hidrofílica ou lipofílica da molécula está Ocorre alguma ou nenhuma
solvatadas, ou seja, estão associadas com solvatada, dependendo se o meio disperso é interação (solvatação) entre as
as moléculas contidas no meio dispersante aquoso ou não-aquoso partículas e o meio dispersante
As moléculas dispersas formam Os agregados coloidais são formados Os compostos não dispersam
espontaneamente soluções coloidais espontaneamente quando a concentração do espontaneamente e é necessário
composto anfifílico excede a concentração micelar adotar procedimentos especiais
crítica para produzir a dispersão
coloidal
A viscosidade do meio dispersante é A viscosidade do sistema cresce com o aumento da A viscosidade do meio disperso
fortemente aumentada pela presença da concentração dos compostos anfifílicos, uma vez não é muito aumentada pela
fase dispersa. Em concentrações elevadas, que as micelas aumentam em número e se tornam presença de partículas coloidais
o sol pode tornar-se gel. A viscosidade assimétricas liofóbicas, as quais tendem a
e a formação de gel estão relacionadas ser não-solvatadas e simétricas
a efeitos de solvatação e à forma das
moléculas, as quais geralmente são
bastante assimétricas
Geralmente, as dispersões são estáveis Em soluções aquosas, a concentração micelar crítica As dispersões liofóbicas são
na presença de eletrólitos; elas podem é reduzida pela adição de eletrólitos; pode ocorrer instáveis mesmo na presença
sofrer efeito de salting out frente a salting out a elevadas concentrações de sais de pequenas concentrações de
elevadas concentrações de eletrólitos eletrólitos; o efeito é devido
muito solúveis. Esse efeito é devido à neutralização de carga nas
principalmente à dessolvatação das partículas. Os colóides liofílicos
moléculas liofílicas exercem efeito protetor
* Retirada de: J. Swarbick and A. Martin, American Pharmacy, 6th Ed., Lippincott, Philadelphia, 1966, p. 161.
490 P ATRICK J. S INKO

Nele, um intenso feixe de luz é passado através do sol contra 4


um fundo preto, em ângulo reto em relação ao observador. Em-
bora as partículas não possam ser vistas de forma direta, pode-
se observar e contar os pontos brilhantes correspondentes às
partículas. 3
Hc
x10 4
Microscópio eletrônico τ
–1
mol g
O uso de ultramicroscópios tem diminuído nos últimos anos 2
porque eles freqüentemente não analisam colóides liofílicos.
O microscópio eletrônico, capaz de fotografar partículas reais,
mesmo que elas tenham dimensões moleculares, é bastante
usado na atualidade para observar o tamanho, a forma e a es- 1 Hc 1
=
trutura de partículas coloidais. τ 0 M
O sucesso do microscópio eletrônico deve-se ao seu ele- M = 17,171 g/mol (daltons)
vado poder de resolução, que pode ser definido em termos de
d, a menor distância entre dois objetos que estão separados, 0
mas, ainda assim, permanecem indistinguíveis. Quanto me- 0 10 20 30
nor é o comprimento de onda de radiação usado, menor é d e 3
c x 10 (g cm )-3

maior é o poder de resolução. O microscópio óptico usa fonte


Figura 17-5 Gráfico de Hc/τ em função da concentração do polímero
de luz visível e é capaz de diferenciar partículas separadas
(colóide).
por cerca de somente 20 nm (200 Å). A fonte de radiação do
microscópio óptico é um feixe de elétrons de alta energia com
comprimentos de onda na região de 0,01 nm (0,1 Å). Com os
instrumentos atuais, isso resulta em d muito próximos a 0,5 32π 3 n 2 (dn/dc)2
nm (5 Å), um poder de resolução muito maior do que o do H
3λ4 N
microscópio óptico.
onde n (adimensional) é o índice de refração da solução de
concentração c (g/cm3) a um comprimento de onda λ, em
Espalhamento da luz cm–1, dn/dc é a alteração do índice de refração para uma con-
centração de c e N é o número de Avogadro. O gráfico de Hc/τ
Esta propriedade depende do efeito Faraday-Tyndall e é em função da concentração (Figura 17-5) resulta em uma li-
amplamente usada na determinação da massa molecular de nha reta com inclinação de 2B. O intercepto no eixo de Hc/τ é
colóides. Também pode ser usada para obter informações a 1/M, divisão que resulta na massa molecular do colóide.
respeito da forma e tamanho das partículas. O espalhamento Quando a molécula é assimétrica, a intensidade de luz es-
pode ser descrito em termos de turbidez, τ, a diminuição fra- palhada varia de acordo com o ângulo de observação. Dados
cionária da intensidade devido ao espalhamento que ocorre desse tipo permitem estimar a forma e o tamanho das partícu-
quando a luz incidente passa através de 1 cm de solução. A las. O espalhamento da luz tem sido usado em estudos de pro-
turbidez pode ser expressa como a intensidade de luz espa- teínas, polímeros assimétricos, colóides de associação e sóis
lhada em todas as direções, Is, dividida pela intensidade de
liofóbicos.
luz incidente, I. A determinadas concentrações da fase dis-
Chang e Cardinal3 usaram o espalhamento da luz para es-
persa, a turbidez é proporcional à massa molecular do colói-
tudar o perfil de uma auto-associação dos sais biliares deoxico-
de liofílico. Devido à baixa turbidez da maioria dos colóides
lato de sódio e taurodeoxicolato de sódio em soluções aquosas.
liofílicos, é mais conveniente medir a luz espalhada (a um
A análise dos dados mostrou que os sais biliares se associam
determinado ângulo relativo ao feixe incidente) do que a luz
transmitida. para formar dímeros, trímeros, tetrâmeros e grandes agregados
Logo, a turbidez pode ser calculada a partir da intensidade de tamanho variável.
da luz espalhada, desde que as dimensões das partículas sejam Racey e colaboradores4 usaram o espalhamento de luz
pequenas em relação ao comprimento de onda da luz usada. A quase-elástica (QELS), uma nova técnica que usa luz laser
massa molecular do colóide pode ser obtida a partir da seguin- e pode determinar os coeficientes de difusão e o tamanho de
te equação: partículas (diâmetro de Stokes, p. 549) de macromoléculas em
solução. O espalhamento de luz quase-elástica permitiu exa-
Hc 1
2Bc (17-2) minar agregados de heparina em preparações comerciais esto-
τ M cadas a diferentes temperaturas e períodos de tempo. O tempo
onde τ é a turbidez, em cm–1, c é a concentração do soluto em de armazenamento e a refrigeração causaram um aumento no
solução, em g/cm3, M é a massa molecular média, em g/mol ou estado de agregação das soluções de heparina. Contudo, ain-
daltons, e B é a constante de interação (ver pressão osmótica, da não foi determinado quando a alteração no estado de agre-
p. 493-494). H é a constante para um sistema em particular, gação dessa substância produz algum efeito sobre a atividade
que pode ser escrita como: biológica dessas formulações comerciais.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 491

Espalhamento da luz e massa molecular 3


da micela
A equação (17-2) pode ser aplicada após modificações perti-
nentes para calcular a massa molecular de agregados coloidais 1
e micelas. Quando as moléculas anfifílicas se associam para M
2
formar micelas, a turbidez da dispersão micelar difere da tur-
bidez da solução das moléculas anfifílicas porque as micelas H ( c – c CMC ) 5
agora também estão presentes em equilíbrio com as espécies x10
τ – τCMC
monoméricas. Abaixo da CMC, a concentração de monômeros
aumenta de forma linear com a concentração total, c. Acima da
CMC, a concentração de monômeros permanece quase cons- 1
tante, ou seja, cmonômero ∼ CMC. A concentração das micelas
pode, assim, ser escrita como:
cmicela c − cmonômero ∼ c − cCMC (17-3)
A correspondente turbidez da solução devido à presença
0
das micelas pode ser obtida subtraindo-se a turbidez referente 0 2 4 6
aos monômeros, τmonômero = τCMC, da turbidez total da solu- 3
( c – cCMC ) x 10
ção:
τmicela τ − τCMC (17-4) Figura 17-6 Gráfico de H (c – cCMC)/(τ – τCMC) em função de (c – cCMC) × 103,
para um tensoativo zwitteriônico no qual o valor de B é zero. (Baseada em K.
Portanto, a equação (17-2) é modificada para: W. Hermann, J. Colloid Interface Sci. 22, 352, 1966).
H (c − cCMC ) 1
2B(c − cCMC ) (17-5)
(τ − τCMC ) M
onde o termo subscrito CMC indica a turbidez ou concentração Usando a equação (17-5), obtemos a massa molecular da mi-
na concentração micelar crítica, e B e H têm o mesmo signifi- cela a partir do gráfico de H(c – cCMC)/τ–τCMC em função de (c
cado da equação (17-2). Logo, a massa molecular, M, da mice- – cCMC) (ver Figura 17-6); o intercepto é 1/M = 1,66 × 10–5 mol/g.
la e o segundo coeficiente virial, B (p. 493), são obtidos a partir Logo, M = 60,241 g/mol. A inclinação é zero, ou seja, 2B na equa-
do intercepto e da inclinação, respectivamente, do gráfico de ção (17-5) é zero.
H(c – cCMC)/(τ – τCMC) em função de (c – cCMC). A equação
(17-5) é válida para sistemas binários, ou seja, para a micela e
EXEMPLO 17-3
o tensoativo molecular, neste caso.
Quando as micelas não interagem nem com elas mesmas Por que o céu é azul?
nem com as moléculas do meio, a inclinação do gráfico da Quando um feixe de luz passa através de um colóide, as partículas
equação (17-5) é zero. Ou seja, o segundo coeficiente virial, coloidais desviam a luz. A intensidade da luz desviada, Is, é inver-
B, é zero e a linha é paralela ao eixo horizontal, como pode ser samente proporcional à quarta potência do comprimento de onda,
visto na Figura 17-6. Esse comportamento é típico de sistemas λ (lei de Rayleigh):
micelares não-iônico e zwitteriônico, nos quais a distribuição 1
de tamanho é estreita. Contudo, à medida que as micelas au- Is ∼
λ4
mentam, as interações intermicelares levam a valores positivos
de B e a inclinação da linha passa a ter valor positivo. Para Assim, o comprimento de onda curta (azul) é espalhado mais
micelas iônicas, os gráficos são lineares, com inclinações, po- intensamente que o comprimento de onda longo (amarelo ou ver-
sitivas, porque há interações intermicelares de repulsão que melho) e, dessa forma, a luz espalhada é mais azul, enquanto que
resultam em coeficiente de interação, B, com valores positivos. a luz transmitida tem cor amarela ou avermelhada (Figura 17-7).
Um segundo coeficiente virial negativo geralmente indica que Devido à permanente movimentação das moléculas, a atmosfera
o sistema micelar é polidisperso.5,6 é heterogênea e forma constantemente agrupamentos com maior
densidade de ar. Essas heterogeneidades podem ser partículas co-
loidais. O espalhamento de comprimentos de onda curta dá ao céu
EXEMPLO 17-2
uma cor azul. Em contraste, a luz transmitida tem cor amarela.
Cálculo da massa molecular das micelas Na aurora e no pôr-do-sol, a luz solar percorre distâncias maiores
Usando os seguintes dados, calcular a massa molecular das mi- através da atmosfera do que ao meio-dia. Isso é particularmen-
celas de sulfato de dimetilalquilamoniopropano, um tensoativo te perceptível nas camadas atmosféricas inferiores, pois elas têm
zwitteriônico estudado por Herrmann:6 uma densidade maior (ou seja, mais moléculas de gás). Em função
do percurso maior, a cor amarela também se desvia. Os pores-do-
(c − cCMC ) × 103 (g/mL) 0,98 1,98 2,98 3,98 4,98 sol podem ser mais espetaculares que as auroras devido ao grande
H(c−cCMC )
número de partículas na atmosfera, à poluição ou a causas natu-
(τ −τCMC )
× 105 (mol/g) 1,66 1,65 1,66 1,69 1,65 rais (vento, poeira) presentes durante o dia.
492 P ATRICK J. S INKO

Incidência de luz servada porque elas são muito pequenas para serem vistas.
(branca) A velocidade das partículas aumenta com a diminuição do
Dispersão da luz (Is) tamanho de partícula. O aumento da viscosidade do meio,
(azul)
que pode ser alcançado por adição de glicerina ou substân-
cia semelhante, diminui e, finalmente, pára o movimento
Partícula coloidal browniano.

1 Difusão
~ 4

As partículas difundem de forma espontânea de uma região


de alta concentração para outra de baixa concentração até que
Luz transmitida o sistema se torne uniforme. A difusão é o resultado direto do
(amarela ou avermelhada) movimento browniano.
De acordo com a primeira lei de Fick (p. 319), a quantida-
de de substância, dq, que difunde em função do tempo, dt, atra-
Meio-dia
vés uma área plana, S, é diretamente proporcional à variação
de concentração, dc, na distância percorrida, dx.
A primeira lei de Fick é escrita como:
dc
Aurora Pôr-do-sol dq DS dt (17-6)
dx
D é o coeficiente de difusão, a quantidade de matéria que di-
funde por unidade de tempo em uma unidade de área quando
dc/dx, chamado de gradiente de concentração, tem valor uni-
tário. Logo, D tem as dimensões de área por unidade de tempo.
Na química coloidal, o coeficiente pode ser obtido por meio de
experimentos de difusão nos quais o material passa através de
um disco poroso e as amostras são removidas e analisadas pe-
riodicamente. Outro método envolve a medida da variação da
Figura 17-7 Devido ao permanente movimento das moléculas, a atmosfera concentração ou do gradiente do índice de refração da camada
é heterogênea e constantemente forma agrupamentos com densidade maior livre que é formada quando o solvente e a solução coloidal são
de ar. Essas heterogeneidades podem ser consideradas partículas coloidais, colocados juntos para difundir.
que espalham a luz. A intensidade de luz espalhada é inversamente propor- Para se obter o raio da partícula e a massa molecular ou
cional à quarta potência do comprimento de onda, (λ) (Lei de Rayleigh). O o peso da partícula, pode-se usar a seguinte equação sugerida
espalhamento de luz com comprimento de onda curto confere ao céu sua cor por Sutherland e Einstein, assumindo que as partículas coloi-
azul. No caso oposto, a luz transmitida é amarela ou avermelhada. dais são aproximadamente esféricas:
kT
D
6π ηr
PROPRIEDADES CINÉTICAS DOS COLÓIDES ou
RT
Dentro deste tópico, há várias propriedades dos sistemas D (17-7)
coloidais que estão relacionadas à movimentação das partí- 6π ηr N
culas em relação ao meio de dispersão. O movimento pode onde D é o coeficiente de difusão obtido a partir da lei de
ser induzido termicamente (movimento browniano, difusão, Fick já mencionada, k é a constante de Boltzmann, R é a
osmose), pela gravidade (sedimentação) ou propiciado por constante universal dos gases, T a temperatura absoluta, η
causas externas (viscosidade). A indução elétrica do movi- é a viscosidade do solvente, r é o raio da partícula esférica
mento é considerada na seção de propriedades elétricas dos e N corresponde ao número de Avogadro. A equação (17-7)
colóides. é chamada de equação Sutherland-Einstein ou equação de
Stokes-Einstein. A medida do coeficiente de difusão pode
ser usada para obter a massa molecular de moléculas aproxi-
Movimento browniano madamente esféricas, como albumina de ovo e hemoglobi-
Robert Brown (1827) estudou este fenômeno muito antes de na, usando-se a equação:
Zsigmondy descrever o movimento aleatório das partículas RT 4π N
coloidais no campo microscópico. A movimentação errática D 3 (17-8)
6π ηN 3M v̄
das partículas, que pode ser observada em partículas maio-
res que 5 μm, aproximadamente, já foi explicada em função onde M é a massa molecular e v̄ é o volume específico parcial
do bombardeamento das partículas por moléculas do meio (aproximadamente igual ao volume em cm3 de 1 g de soluto,
disperso. A movimentação das moléculas não pode ser ob- obtido a partir de medidas de densidade).
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 493

A análise das equações (17-6) e (17-7) permite formular


as três principais regras da difusão: (a) a velocidade das mo-
III
léculas aumenta com a diminuição do tamanho de partícula;
(b) a velocidade das moléculas aumenta com o aumento da
temperatura; e (c) a velocidade das moléculas diminui com o
aumento da viscosidade do meio.

EXEMPLO 17-4 II
Cg
Cálculo das propriedades de uma proteína a partir de seu
coeficiente de difusão
O coeficiente de difusão de uma proteína esférica a 20 °C é 7,0 ×
10–7 cm2/s e seu volume específico parcial é 0,75cm3/g. A viscosi- I
dade do solvente é 0,01 poise (0,01 g/cm s). Calcular (a) a massa
molecular e (b) o raio da partícula protéica.
(a) Rearranjando-se a equação (17-8), obtemos:
2 3
1 1 RT
M= Cg
162v̄ πN Dη

1 1 2
(8 31 × 107 ) × 293
3 Figura 17-8 Determinação da massa molecular através do método de pres-
M= são osmótica. A extrapolação da linha ao eixo vertical, onde cg = 0, gera
162 × 0 75 3 14 × (6 02 × 1023 ) (7 0 × 10−7 ) × 0 01
RT/M, a partir do qual se obtém M. Ver no texto o significado das linhas I, II

= 100 000 g mol e III. As linhas II e III são obtidas para representar duas amostras de tipos de
(b) A partir da equação (17-7), hemoglobina.
RT (8 31 × 107 ) × 293
r= =
6πη ND 6 × 3 14 × 0 01 × (6 02 × 1023 ) × (7 0 × 10−7 )
lóides esféricos. Para moléculas lineares liofílicas, os desvios
= 31 × 10−8 cm = 31 Å = 3 1 nm
ocorrem devido à solvatação das moléculas do soluto, o que
gera redução da concentração de solvente “livre” e um aparen-
te aumento da concentração de soluto. O papel de B na estima-
Pressão osmótica tiva da assimetria das partículas e suas interação com o soluto
foram discutidos por Hiemenz.7
A pressão osmótica, π, de uma solução coloidal diluída é des- O gráfico de π/cg em função de cg em geral resulta em
crita pela equação de van’t Hoff: uma das três linhas descritas na Figura 17-8, dependendo de
π cRT (17-9) quando o sistema é ideal (linha I) ou real (linhas II e III). A
equação (17-11) aplica-se à linha I, enquanto que a equação
onde c é a concentração molar do soluto. Essa equação pode
(17-12) descreve as linhas II e III. O intercepto corresponde
ser usada para calcular a massa molecular de um colóide em
a RT/M. A massa molecular do soluto pode ser calculada se
uma solução diluída. Substituindo-se c por cg/M na equação
a temperatura na qual a determinação foi feita for conheci-
(17-9), onde cg é a massa em gramas de soluto por litro de
da. Nas linhas II e III, a inclinação da linha é B, a constan-
solução e M é a massa molecular, obtemos:
cg te de interação. Na linha I, B iguala-se a zero e é típico de
π RT (17-10) um sistema diluído de colóides esféricos. A linha III é típi-
M ca de colóides lineares em solventes com elevada afinidade
Logo, pelas partículas dispersas. Tais solventes são denominados
π RT de bons solventes para esses colóides em particular. Há um
(17-11) desvio considerável da idealidade na medida em que a con-
cg M
centração é aumentada e B é maior. Em concentrações bas-
que aplica-se a soluções muito diluídas. A quantidade π/cg tante altas, ou quando a interação é pronunciada, as linhas
para um polímero com massa molecular de 50.000 é geralmen- do tipo III podem se tornar não-lineares, requerendo que a
te uma função linear da concentração, cg. Assim, pode-se es- equação (17-12) seja expandida e escrita como uma série de
crever a seguinte equação: potências:
π 1 π 1
RT Bcg (17-12) RT Bcg Ccg2 (17-13)
cg M cg M
onde B é a constante para um determinado sistema solvente/ onde C é outra constante de interação. A linha II descreve a
soluto e depende do grau de interação entre o solvente e as situação na qual o mesmo colóide está presente em uma quan-
moléculas de soluto. O termo Bcg, na equação (17-12), é ne- tidade relativamente baixa de um solvente com afinidade re-
cessário porque a equação (17-11) aplica-se apenas a soluções duzida pelo material disperso. Note que, contudo, o intercepto
ideais, ou seja, aquelas contendo baixas concentrações de co- extrapolado no eixo de π/cg é idêntico para ambas as linhas II e
494 P ATRICK J. S INKO

III, mostrando que a massa molecular calculada é independen- quantitativo e mensurável. Isso é possível através do uso da
te do solvente usado. ultracentrífuga, desenvolvida por Svedberg em 1925, a qual
pode produzir uma força igual a um milhão de vezes a da
EXEMPLO 17-5 gravidade.
Em uma centrífuga, a aceleração da gravidade é substitu-
Cálculo da massa molecular da hemoglobina ída por ω2x, onde ω é a velocidade angular e x a distância da
Assuma que o intercepto (π/cg)0 da linha III da Figura 17-7 tem partícula ao centro de rotação. A equação (17-14) é adequada-
um valor de 3,623 × 10–4 litros atm/g e que a inclinação da linha mente modificada para
é 1,80 × 10–6 litros2 atm/g2. Qual é a massa molecular e o segundo dx 2r 2 (ρ − ρ0 )ω2 x
coeficiente virial, B, para a amostra de hemoglobina, usando os v
dados acima?
dt 9η0
Na Figura 17-7, a linha III cruza o intercepto vertical no mes- A velocidade na qual a centrífuga é operada costuma ser
mo ponto que a linha II. Essas duas amostras de hemoglobina têm expressa em termos de número de rotações por minuto (rpm)
a mesma pressão osmótica reduzida limitante, como é chamado o do rotor. Muitas vezes é mais conveniente expressar rpm como
o termo (π/cg)0 e, portanto, têm a mesma massa molecular. Os va- aceleração angular (ω2x) ou número de vezes em que a força
lores de B e, conseqüentemente, a forma das duas amostras e suas da gravidade é excedida.
interações com o meio são diferentes, como é evidenciado pelas
diferentes inclinações das linhas II e III.
EXEMPLO 17-6
No intercepto, (π/cg)0 = RT/M. Logo,
RT 0 08206 atm/L/K mol)(298 K) Cálculo da força centrífuga
M= =
cg 3 623 × 10−4 atm L/g Uma centrífuga está girando a 1.500 rpm. O ponto central da
M = 67 498 g/mol (daltons) para ambas as hemoglobinas célula contendo a amostra está localizado a 7,5 cm do centro do
rotor (ou seja, x = 7,5 cm). Qual é a aceleração angular média e o
A inclinação da linha III, representando uma das amostras número de g nas partículas suspensas?
de hemoglobina, é dividida por RT para obter B, como se observa Temos que
na equação (17-12): Aceleração angular = ω 2 x
1 80 × 10−6 atm L2/g2 2
B= revoluções 2π
(0 08206 atm L/mol K)(298 K) = × × 7 5 cm
minuto 60
−8
= 7 36 × 10 L mol/g2
= 1 851 × 105 cm s2
A outra amostra de hemoglobina, representada pela linha II,
1 851 × 105 cm s2
tem uma inclinação de 4,75 × 10–9 litro2 atm/g2 e seu valor de B é, Número de g = = 188 7 g
portanto, calculado da seguinte forma: 981 cm s2

4 75 × 10−9 atm L2/g2 Ou seja, a força produzida é 188,7 vezes a força da gravidade.
B=
(0 08206 atm L/mol K)(298 K)
A velocidade instantânea, v = dx/dt, de uma partícula em
= 1 94 × 10−10 L mol/g2 2
uma unidade de campo centrífugo é expressa em termos de
Estimar o valor de B para a proteína representada pela linha coeficiente de sedimentação de Svedberg,
I. Sua massa molecular é maior ou menor do que as amostras II dx dt
e III? Fazer uso das equações (17-11) e (17-12) para obter res- s (17-15)
ω2 x
postas.
Devido à força centrífuga, as partículas com massa mole-
cular elevada passam da posição x1, no tempo t1, para a posição
Sedimentação x2, no tempo t2, e o coeficiente de sedimentação é obtido pela
integração da equação (17-15), gerando:
A velocidade de sedimentação, v, de partículas esféricas com ln(x2 x1 )
densidade ρ em um meio com densidade ρ0 e viscosidade η0 é s (17-16)
dada pela lei de Stokes: ω2 (t2 − t1 )
2r 2 (ρ − ρ0 )g As distâncias x1 e x2 referem-se às posições do limite en-
v tre o solvente e o componente de maior massa molecular na
9η0 (17-14) célula centrífuga. O limite é determinado pela mudança do
onde g é a aceleração da gravidade. Se as partículas estão índice refrativo, que pode ser obtido em qualquer intervalo
sujeitas somente à força da gravidade, o limite para o me- de tempo durante a corrida e expresso na forma de pico em
nor tamanho das partículas, segundo a equação de Stokes, é um papel fotográfico. As fotografias são tiradas em intervalos
0,5 μm, aproximadamente. Isso ocorre porque o movimento definidos e os picos dos perfis de schlieren, como são chama-
browniano torna-se significativo e tende a compensar a sedi- dos, dão a posição de x no limite, a um determinado tempo t.
mentação devido à gravidade ao promover a mistura. Con- Se a amostra consiste de um composto com massa molecular
seqüentemente, uma força muito grande deve ser aplicada definida, o perfil de schlieren terá um único pico acentuado
para causar a sedimentação das partículas coloidais de modo durante qualquer momento da corrida. Se a amostra contiver
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 495

compostos com diferentes massas moleculares, aparecerão


vários picos nos perfis de schlieren, sendo que as partículas Espelho
com maior massa surgirão mais rapidamente. Assim, a ultra- Detector óptico
centrifugação é útil não só para determinar a massa molecular
de polímeros, sobretudo proteínas, mas também para deter- Abertura de quartzo
minar o grau de homogeneidade da amostra. A gelatina, por
exemplo, é tida como uma proteína polidispersa com frações
de massa molecular de 10.000 a 100.000. (Isso ocorre, em Haste
parte, porque a gelatina proveniente de fontes diversas apre-
senta propriedades variáveis quando usada em preparações
farmacêuticas.) A insulina, por outro lado, é uma proteína Rotor
monodispersa composta por duas cadeias polipeptídicas, cada
uma composta por um número de moléculas de aminoácidos. x
As duas cadeias são mantidas unidas por pontes dissulfeto
(S–S) para formar uma unidade definida com massa molecu-
lar de cerca de 6.000. Célula Célula de
equilíbrio
O coeficiente de sedimentação, s, pode ser calculado a par-
tir da equação (17-16) após medirem-se as duas distâncias x1
e x2 nas fotografias de schlieren obtidas nos tempos t1 e t2; a
velocidade angular ω é igual a 2π vezes a velocidade do rotor,
Bomba de
em revoluções por segundo. Conhecendo-se s e obtendo-se D
vácuo
a partir dos dados de difusão, é possível determinar a massa
molecular de um polímero, tal como uma proteína, usando-se
a seguinte expressão:
(a) Luz
RTS Lente monocromática
M (17-17) Fenda
D(1 − v̄ρ0 )
onde R é a constante universal dos gases, T é a temperatura
absoluta, v̄ é o volume específico parcial da proteína e ρ0 é
a densidade do solvente. Ambos s e D podem ser obtidos ou
corrigidos a 20 °C usando a equação (17-17). Ar Solvente Solução

EXEMPLO 17-7
Massa molecular da metilcelulose, de acordo com o
coeficiente de sedimentação.
O coeficiente de sedimentação, s, para uma determinada fração
de metilcelulose a 20 °C (293 K) é 1,7 × 10–13 s, o coeficiente de
difusão, D, é 15 × 10–7 cm2/s, o volume específico parcial, v̄ , da
goma é 0,72 cm3/g e a densidade da água a 20 °C é 0,998 g/cm3.
Calcular a massa molecular da metilcelulose. A constante dos
gases R é 8,31 × 107 erg/(K mol). (b)
Temos que
(8 31 × 107 ) × 293 × (1 7 × 10−13 ) Figura 17-9 (a) Desenho esquemático de uma ultracentrífuga. (b) Célula
M= = g/mol
15 × 10−7 [1 − (0 72 × 0 998)] centrífuga. (Modificada, com permissão, de H. R. Allok and F. W. Lampe, Con-
temporary Polymer Chemistry, Prentice-Hall, Englewood Cliffs, N. J., 1981,
Kirschbaum8 fez uma revisão sobre as vantagens da ul- pp. 366, 367.)
tracentrífuga analítica e usou-a para estudar as propriedades
micelares dos fármacos (Figura 17-9). Richard9 determinou
a massa molecular aparente das micelas do fusidato de sódio, contrária, sendo o limite, então, estabelecido. Nesse método,
um antibiótico, mediante ultracentrifugação. Ele concluiu que o coeficiente de difusão necessário não precisa ser determi-
as principais micelas eram compostas por cinco unidades mo-
nado; contudo, a centrífuga pode precisar ser usada por várias
noméricas e que, a concentrações elevadas desse sal, os pentâ-
meros eram agregados em micelas maiores. semanas até se atingir o equilíbrio através da célula. Têm sido
O método de sedimentação já descrito é conhecido como desenvolvidos novos métodos de cálculo para se obterem as
técnica de velocidade de sedimentação. Um segundo método massas moleculares por meio do método de equilíbrio sem a
envolvendo o equilíbrio de sedimentação também pode ser necessidade de uso da centrífuga por longos períodos de tem-
usado. O equilíbrio é estabelecido quando a força de sedi- po, permitindo, assim, que o profissional obtenha as massas
mentação é adequadamente equilibrada pela força difusional moleculares de modo rápido e preciso.
496 P ATRICK J. S INKO

η
TABELA 17-3 ηrel 1 2 5φ (17-19)
η0
MASSAS MOLECULARES DE PROTEÍNAS EM SOLUÇÃO
AQUOSA DETERMINADAS POR DIFERENTES MÉTODOS* e
η η − η0
ηsp −1 2 5φ (17-20)
Massa molecular η0 η0
Velocidade de Equilíbrio de Pressão ou
Sustância sedimentação sedimentação osmótica ηsp
25 (17-21)
Ribonuclease 12.700 13.000 — φ
Mioglobina 16.900 17.500 17.000
Uma vez que a fração de volume é diretamente proporcio-
Ovo-albumina 44.000 40.500 45.000
nal à concentração, a equação (17-21) pode ser escrita como:
Hemoglobina 68.000 68.000 67.000 ηsp
(cavalo) k (17-22)
c
Soro albumina 70.000 68.000 73.000
(cavalo) onde c é expressa em gramas de partículas coloidais por 100
Soro globulina 167.000 150.000 175.000 mL de dispersão total. Para compostos poliméricos que em con-
(cavalo) centrações moderadas se dispersam bem no meio, é preferível
Vírus do mosaico 59.000.000 — —
expressar essa equação em termos de uma série de potências:
ηsp
de tabaco  k1 k2 c k3 c2 (17-23)
* Retirada de: D. J. Shaw, Introduction to Colloidal and Surface Chemistry,
c
Butterworths, London, 1970, p. 32. Para uma lista mais abrangente das massas Determinando-se η em várias concentrações e conhecendo-
moleculares, consulte C. Tanford, Physical Chemistry of Macromolecules, Wiley,
se η0, podemos calcular ηsp a partir da equação (17-20). Se ηsp/c
New York, 1961.
é plotado em função de c (Figura 17-10) e a linha é extrapolada
até solução infinita, o intercepto será k1 (equação [17-23]). Esta
constante, geralmente chamada de viscosidade intrínseca, [η], é
Há uma concordância entre as determinações das massas usada para calcular a massa molecular aproximada dos políme-
moleculares por velocidade de sedimentação, equilíbrio de se- ros. De acordo com a chamada equação de Mark-Houwink,
dimentação e determinação da pressão osmótica, como pode
ser visto na Tabela 17-3. [η]  KM a (17-24)
onde K e a são constantes características de um determinado
sistema polímero-solvente. Essas constantes são virtualmente
Viscosidade independentes da massa molecular e podem ser, inicialmente,
A viscosidade é uma expressão da resistência de um sistema obtidas pela determinação experimental de [η] para as frações
ao fluxo quando se aplica uma força de estresse. Quanto mais
viscoso é o líquido, maior é a força necessária para fazer esse
líquido fluir a uma determinada velocidade. Os princípios fun-
damentais e as aplicações da viscosidade serão discutidos em 4
detalhe no Capítulo 20. Esta seção está focada nas proprieda-
des de fluxo dos sistemas coloidais diluídos e na maneira pela
qual os dados de viscosidade podem ser usados para se obter a
massa molecular dos compostos da fase dispersa. Os estudos 3
−6
)

de viscosidade também geram informações sobre a forma das


/c (cm 3 /g × 10

partículas em solução.
Einstein desenvolveu uma equação aplicável ao fluxo de
dispersões coloidais diluídas de partículas esféricas, ou seja, 2
η η0 (1 2 5φ) (17-18)
sp

Na equação (17-18), que é baseada na teoria hidrodinâ-


mica, η0 é a viscosidade do meio de dispersão e η é a visco- 1
sidade da dispersão quando a fração de volume das partículas
coloidais presentes é φ. A fração de volume é definida como o
volume das partículas dividido pelo volume total da dispersão.
Esse valor é equivalente ao termo da concentração. Tanto η0
4
quanto η podem ser determinados usando-se um viscosímetro 0,00 0,02 0,04 0,06 0,08 0,10
capilar, descrito na página 585. −3
Concentração (g/100 cm )
Podem-se definir vários coeficientes de viscosidade com
base nessa equação, tais como viscosidade relativa (ηrel), vis- Figura 17-10 Determinação da massa molecular usando dados de visco-
cosidade específica (ηsp) e viscosidade intrínseca [η]. A partir sidade. (Modificada, com permissão, de: D. R. Powell, J. Swarbrick and G.
da equação (17-18), S.Banker, J.Pharm. Sci. 55, 601, 1966.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 497

poliméricas cujas massas moleculares tenham sido determi- Porção fixa da Porção móvel ou difusa Solução em si
nadas por outros métodos, tais como espalhamento de luz, dupla camada da dupla camada (eletroneutralidade)
pressão osmótica ou sedimentação. Uma vez que K e a são
conhecidos, a medida de [η] fornece uma forma simples, mas
precisa, de se obter as massas moleculares das frações ainda
não submetidas a outros métodos. A viscosidade intrínseca,
[η], em conjunto com a constante de interação, k', gera a equa-
ção ηsp/c = [η] + k'[η]2c, que pode ser usada na escolha da
mistura de solventes para revestimento de comprimidos com
substâncias poliméricas, tais como etilcelulose.10 Superfície da
A viscosidade de dispersões coloidais é afetada pela forma partícula
das partículas da fase dispersa. Os colóides esféricos formam Plano de
dispersões com viscosidade relativamente baixa, enquanto que cisalhamento
sistemas contendo partículas lineares são mais viscosos. Como
vimos em seções anteriores, a relação entre a forma e a vis- E
cosidade reflete o grau de solvatação das partículas. Quando
um colóide linear é adicionado em um solvente pelo qual tem
escassa afinidade, este tende a enovelar-se, ou seja, assumir
forma esférica e, conseqüentemente, a viscosidade do sistema
Distância da superfície da partícula
cai. Isso fornece uma maneira de detectar alterações na forma
de partículas coloidais flexíveis e macromoléculas. Figura 17-11 Dupla camada de difusão e potencial zeta.
As características dos polímeros usados na substituição de
plasma sangüíneo (expansores plasmáticos) dependem em par-
te da massa molecular do composto. Essas características in-
cluem forma e tamanho das macromoléculas, e capacidade dos Fenômenos eletrocinéticos
polímeros de conferir propriedades de viscosidade e de pressão
osmótica ao sangue. Os métodos descritos neste capítulo são O movimento de uma superfície carregada em relação à fase
líquida adjacente é o princípio básico dos quatro fenômenos
usados para determinar as massas moleculares médias de pre-
eletrocinéticos: eletroforese, eletroosmose, potencial de sedi-
parações de hidroxietilamido, dextrana e gelatina, usadas como
mentação e potencial de escoamento.
expansores plasmáticos. Métodos como ultracentrifugação, es-
A eletroforese envolve o movimento de partículas carrega-
palhamento de luz, análises por raios X (espalhamento de raios
das através de um líquido, sob a influência de uma diferença de
X de pequeno ângulo11) e outras ferramentas analíticas12 foram
potencial aplicada. Uma célula de eletroforese provida de dois
usados por Paradies para determinar as propriedades estruturais
eletrodos contém a dispersão. Quando o potencial é aplicado
da tirotricina, uma mistura dos antibióticos peptídicos gramici-
através dos eletrodos, as partículas migram para os eletrodos
dina e tirocidina B. O agregado de antibiótico tem uma massa
de carga oposta. A Figura 17-12 mostra o desenho de um ins-
molecular de 28.600 daltons ao qual foi determinada uma forma trumento disponível comercialmente. A velocidade de migra-
de bastão de 170 Å de comprimento e 30 Å de diâmetro. ção da partícula é uma função da carga presente sobre essa
partícula e pode ser observada por um ultramicroscópio. Uma
vez que o plano de cisalhamento da partícula está localizado na
PROPRIEDADES ELÉTRICAS DOS COLÓIDES periferia da camada dupla fortemente ligada, a velocidade de-
terminante do potencial é o potencial zeta. Pode-se determinar
o sinal e a magnitude do potencial zeta em um sistema coloidal
As propriedades dos colóides que dependem de ou são afetadas a partir do conhecimento da direção e da velocidade de migra-
pela presença de cargas na superfície das partículas são discutidas ção das partículas. A importante equação,
nesta seção. O Capítulo 16, que trata dos fenômenos de interface
v 4π η
(p. 451), tratou dos vários modos pelos quais a superfície das par- ζ  × × (9 × 104 ) (17-25)
tículas dispersas em um meio líquido adquirem carga. Isso tam- E ε
bém foi relacionado ao potencial zeta (potencial eletrocinético) e fornece o potencial zeta, ζ, em volts, e requer o conhecimento
a sua ligação com o potencial de Nernst (potencial eletrotermo- da velocidade de migração, v, do sol em cm/s, em um tubo de
dinâmico). A Figura 17-11 representa um diagrama de potencial eletroforese de comprimento definido em cm, assim como de
em função da distância para uma partícula coloidal. Tal sistema η, a viscosidade do meio em poise (dina s/cm2), de ε, a cons-
pode ser formado, por exemplo, pela adição de uma solução dilu- tante dielétrica do meio e de E, o gradiente de potencial em
ída de iodeto de potássio a uma solução equimolar de nitrato de volts/cm. O termo v/E é conhecido como mobilidade.
prata. Um precipitado coloidal de partículas de iodeto de prata É importante fazer a análise dimensional da equação
é formado e, uma vez que os íons prata estão em excesso e são (17-25). No sistema de unidades elétricas fundamentais, E, a
adsorvidos, formam-se partículas carregadas positivamente. Ao força do campo elétrico, é expressa nas unidades eletrostáticas
adotar-se o procedimento contrário, ou seja, ao adicionar-se ni- de estatvolt/cm (1 coulomb = 3 × 109 estatcoulomb e 1 estatvolt
trato de prata ao iodeto de potássio, os íons iodeto são adsorvidos = 300 volts). Aqui, a constante dielétrica não é adimensional e,
nas partículas como íons determinantes do potencial e resultam em vez disso, pela lei de Coulomb, podem-se designar as uni-
na formação de um sol carregado negativamente. dades estatcoulomb2/(dina cm2).
498 P ATRICK J. S INKO

Partículas vistas pela luz refletida são, ou seja, estatvolt × 300 volts/estatvolt = 300 volts. Além
disso, E é geralmente medido em volts/cm e não em estatvolt/
cm. A conversão pode ser feita multiplicando-se novamente o
Microscópio
(usado como ultramicroscópio)
lado direito da equação (17-27) por 300. A expressão final é a
equação (17-25), na qual o fator 300 × 300 = 9 × 104 converte
unidades eletrostáticas em volts.
Para um sistema coloidal a 20 °C, no qual o meio de dis-
persão é água, a equação (17-25) fica reduzida de modo apro-
ximado a:
v
ζ ∼
 141 (17-28)
E
O coeficiente de 141 a 20 °C torna-se 128 a 25 °C.

Eletrodo EXEMPLO 17-8


Determinação do potencial zeta a partir de dados de
eletroforese
A velocidade de migração de um sol aquoso de hidróxido férrico,
Célula de determinada a 20 °C no equipamento mostrado na Figura 17-12,
Lâmpada
eletroforese foi 16,5 × 10–4 cm/s. A distância entre os eletrodos da célula foi de
20 cm e a FEM aplicada foi 110 volts. Qual é (a) o potencial zeta
do sol e (b) o sinal da carga das partículas?
(a)
v 16 5 × 10−4 cm s
= = 3 × 10−4 cm2 volt s
E 110 20 volt cm
ζ = 141 × (3 × 10−4 ) = 0 042 volt

(b) As partículas migraram em direção ao eletrodo negati-


vo da célula de eletroforese; logo, o colóide tem carga positiva. O
potencial zeta é geralmente usado para estimar a estabilidade de
Célula de eletroforese
colóides, conforme discutido na seção anterior.
+
A eletroosmose é, na essência, o princípio oposto da
eletroforese. Nesta, a aplicação do potencial faz com que a
partícula carregada se desloque em relação ao líquido, que é
estacionário. Contudo, se o sólido é mantido imóvel (p. ex.,
formando capilares ou fazendo com que as partículas se tor-
nem um tampão poroso), o líquido, agora, move-se em relação
à superfície carregada. Isso é a eletroosmose, assim chamada
porque o líquido move-se através do tampão ou membrana ao
longo do qual o potencial é aplicado. A eletroosmose repre-
Colóide eletronegativo senta outro método de se obter o potencial zeta, que se baseia
Figura 17-12 Princípio da medida do potencial zeta (baseado no zetâmetro) na determinação da velocidade de fluxo do líquido através do
mostrando o ultramicroscópio e a célula de fluxo. tampão sob condições-padrão.
O potencial de sedimentação, que é o reverso da eletrofo-
rese, é a criação de um potencial quando as partículas sofrem
sedimentação. O potencial de escoamento difere da eletrofore-
v 4πη se na medida em que o potencial é criado forçando-se o líquido
ζ  (17-26)
E ε a fluir através do tampão ou de um leito de partículas.
Schott13 estudou as propriedades eletrocinéticas de sus-
Assim, reconhecendo que estatvolt × estatcoulomb = dina pensões de hidróxido de magnésio usadas como antiácidas e
cm, a equação pode ser escrita de forma dimensional como: laxativas. O ponto zero da carga ocorreu a pH ∼ 10,8, o po-
cm s dina s/cm2 tencial zeta, ζ, do hidróxido de magnésio tornou-se positivo
ζ  ×  estatvolt
estatvolt cm estatcoulomb 2 (dina cm2 ) abaixo desse valor de pH. O aumento do pH ou da concen-
tração de íons hidróxido produziu uma alteração do sinal de
(17-27)
ζ de positivo para negativo, com o maior valor negativo de ζ
É mais conveniente expressar o potencial zeta em volts ocorrendo no pH 11,5.
do que em estatvolt. Uma vez que 1 estatvolt = 300 volts, a Takenaka e colaboradores14 estudaram as propriedades
equação (17-27) é multiplicada por 300 para fazer a conver- eletroforéticas das microcápsulas de sulfametoxazol em gotas
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 499

de coacervatos de gelatina-goma arábica, como parte dos estu- com carga positiva deve contrabalançar a concentração dos
dos de estabilidade desses fármacos em microcápsulas. íons com carga negativa. Logo, no lado externo,
Crommelin15 determinou o efeito da adição de agentes in- Na o Cl− o (17-30)
dutores de carga, tais como a estearilamina ou a fosfatidilseri-
na, no potencial zeta de lipossomas de fosfatidilcolina e coles- e no lado interno,
terol em meio aquoso. A estabilidade física dos lipossomas foi Na i
R− i
Cl− i (17-31)
estabelecida com base na teoria de Derjaguin-Landau-Verwey-
Overbeek (DLVO) (p. 500). Contudo, a estabilidade física pre- As equações (17-30) e (17-31) podem ser substituídas na
dita a partir da teoria não se correlacionou com a estabilidade equação (17-29), gerando:
obtida experimentalmente. R−
Cl− Cl− R− Cl− Cl−
2 2
Schott e Young16 determinaram a mobilidade eletroforéti- 1 i

ca da bactéria gram-positiva Streptococcus faecalis e da bacté-


o i i i i
Cl− i
ria gram-negativa Escherichia coli em função da força iônica (17-32)
e do pH. O aumento da concentração de tampões eletrolíticos
(aumento da força iônica) reduziu a mobilidade, v/E, do S. fae- Cl− o [R− ]i
calis. Ambos, E. coli e S. faecalis, estavam negativamente car- 1 (17-33)
Cl− i
Cl− i
regados dentro de faixa de pH estudada. O grupamento quími-
co responsável pela carga na superfície de ambas as bactérias A equação (17-33) expressa o equilíbrio Donnan de
é, presume-se, o grupo carboxila. membrana, que fornece a razão das concentrações do ânion
A magnitude e o sinal da carga elétrica de fármacos an- difusível dentro e fora da membrana no equilíbrio. A equa-
folíticos (p. 182) em pH fisiológico influenciam a absorção a ção mostra que um polieletrólito carregado negativamente
partir do trato gastrintestinal e a passagem através das mem- dentro da membrana semipermeável pode influenciar a razão
branas das bactérias. Schott e Astigarrabia17 determinaram da concentração de equilíbrio do ânion difusível. Ele tende
os pontos isoelétricos (p. 183) de quatro sulfonamidas muito a direcionar o íon com esse tipo de carga para fora da mem-
solúveis mediante eletroforese de suas suspensões, em fun- brana. Quando [R–]i é maior do que [Cl–]i, a razão iguala-se a
ção do pH. Os pontos isoelétricos das quatro sulfonamidas aproximadamente √[R–]i. Se, por outro lado, [Cl–]i for muito
estiveram entre 3,5 e 4,6, indicando que as sulfonamidas são maior do que [R–]i, a razão na equação (17-33) torna-se igual
ácidos fracos, em vez de zwitterions, no pH fisiológico nor- a 1 e a concentração de sal é, portanto, igual em ambos os
mal de 7,4. lados da membrana.
A distribuição desigual dos íons eletrólitos difusíveis em
ambos os lados da membrana poderá induzir ao cálculo de va-
Equilíbrio de Donnan lores errôneos de pressão osmótica das soluções de polieletró-
litos. Se, contudo, a concentração de sal na solução for maior,
Se o cloreto de sódio é posto em solução em um dos dois la- o efeito do equilíbrio Donnan pode ser praticamente eliminado
dos de uma membrana semipermeável e se um colóide carre- na determinação das massas moleculares de proteínas pelo mé-
gado negativamente com seus contra-íons R–Na+ é colocado todo de pressão osmótica.
do outro lado da membrana, os íons sódio e cloro passarão Higuchi e colaboradores18 modificaram o equilíbrio Don-
livremente através da membrana. Contudo, isso não será ob- nan de membrana, equação (17-33), para demonstrar o uso do
servado para as partículas coloidais aniônicas. O sistema em polieletrólito carboximetilcelulose sódica com o intuito de me-
equilíbrio é representado pelo diagrama a seguir, onde R– é lhorar a absorção de fármacos como salicilato de sódio e ben-
o ânion coloidal não-difusível e a linha vertical separando as zilpenicilina potássica. Se o termo [Cl–], na equação (17-33),
várias espécies representa a membrana semipermeável. Os é substituído pela concentração do fármaco difusível, o ânion
volumes da solução nos dois lados da membrana são consi- [D–] no equilíbrio, e se [R–] é usado para representar a concen-
derados iguais. tração de carboximetilcelulose sódica no equilíbrio, teremos
Fora (o) Dentro (i) então a modificação do equilíbrio Donnan de membrana para
R− o ânion difusível do fármaco, [D–]:
Na Na D− o [R− ]i
1 (17-34)
Cl −
Cl− [D− ]i [D− ]i
Após o equilíbrio, a concentração das soluções diluídas Observa-se que quando [R–]i /[D–]i = 8, a razão [D–]o/
(mais corretamente, sua atividade) de cloreto de sódio deve ser [D–]i = 3 e que, quando [R–]i /[D–]i = 99, a razão [D–]o/[D–]
a mesma em ambos os lados da membrana, de acordo com o i = 10. Portanto, a adição de um polieletrólito aniônico a um
princípio da tendência ao escape (p. 139). fármaco aniônico difusível pode melhorar a difusão deste
Logo, fármaco para fora da câmara. Por meio de estudos cinéticos,
Na o Cl− o  Na i Cl− i (17-29) Higuchi e colaboradores18 mostraram que a presença de car-
boximetilcelulose sódica mais que dobrou a velocidade de
A condição de eletroneutralidade deve ser aplicada. Ou transferência de um pigmento sulfonado vermelho-escarlate
seja, em qualquer lado das soluções, a concentração dos íons carregado negativamente.
500 P ATRICK J. S INKO

Outros investigadores têm verificado em experimentos


in vivo que as resinas de trocaiônica e até mesmo os íons (+)
Repulsão, VR
sulfato e fosfato que não difundem facilmente através da
parede intestinal tendem a direcionar ânions do trato intes-
tinal para a corrente sangüínea. O efeito oposto, ou seja, o Potencial de barreira
retardo da absorção de fármacos, pode ocorrer se o fármaco
Curva resultante, VT
complexar-se com macromoléculas.

EXEMPLO 17-9

Energia
Expressão do equilíbrio Donnan de membrana Distância interparticular
0
Uma solução de carboximetilcelulose dissociada não-difusível
encontra-se em equilíbrio com uma solução de salicilato de sódio
através de uma membrana semipermeável. A membrana permite Atração, V A
a livre passagem do íon salicilato. Calcular a razão de salicila- Mínimo secundário
Mínimo primário (atração)
to nos dois lados da membrana no equilíbrio, assumindo que a
(atração)
concentração de equilíbrio da carboximetilcelulose é de 1,2 × 10–2
equivalentes-grama/L e a concentração de equilíbrio do salicilato
de sódio é de 6,0 × 10–3 equivalentes-grama/litro. Usar a expressão (–)
modificada de Donnan, a equação (17-34):
Figura 17-13 Energia potencial em função da distância interparticular, para
D− o [R− ]i
= 1+ partículas em suspensão.
[D− ]i [D− ]i

12 × 10−3
= 1+ = 1 73
6 × 10−3 ga oposta àquelas das partículas parece determinar a efetivi-
dade do eletrólito em promover a coagulação do colóide. O
poder de precipitação aumenta rapidamente com a valência
ou a carga dos íons; uma afirmação desse fato é a conhecida
Estabilidade de sistemas coloidais regra de Schulze-Hardy.
A presença e a magnitude, ou a ausência, de carga em uma Essas observações permitiram a Verwey e Overbeek19
particular coloidal são importantes fatores na estabilidade dos e Derjaguin e Landau20 desenvolver, independentemente, a
sistemas coloidais. A estabilidade é alcançada essencialmente teoria que descreve a estabilidade de colóides liofóbicos. De
de duas formas: provendo as partículas dispersas com carga acordo com a abordagem, conhecida como teoria de DLVO,
elétrica e revestindo cada partícula com uma camada de sol- as forças sobre as partículas coloidais em dispersão são de-
vente protetor, capaz de prevenir a adesão mútua quando as vidas à repulsão eletrostática e à atração do tipo London-van
partículas colidem como resultado do movimento browniano. der Waals. Essas forças resultam em energias potenciais de
A segunda forma é significativa somente no caso de sóis lio- repulsão, VR, e de atração, VA, entre as partículas. Elas estão
fílicos. representadas na Figura 17-13, juntamente com a curva para
Os sóis liofóbicos são termodinamicamente instáveis. a energia potencial resultante, VT. Há uma intensa “depressão”
As partículas em sóis desse tipo são estabilizadas somen- de potencial de atração próxima à região de origem e uma
te pela presença de cargas elétricas em suas superfícies. As grande barreira de repulsão a distâncias moderadas. Às vezes,
cargas produzem uma repulsão que previne a coagulação observa-se um pequeno vale de atração secundária (ou mínimo
das partículas. Se os traços remanescentes de íons do sis- secundário) para longas distâncias de separação. A presença do
tema são removidos mediante diálise, as partículas podem mínimo secundário é significativa no controle da floculação de
aglomerar-se e reduzir a área de superfície total e, devido ao dispersões grosseiras (ver Capítulo 18). Seguindo esse princí-
seu tamanho aumentado, podem sedimentar rapidamente na pio, podemos determinar quase que quantitativamente a quan-
suspensão. Conseqüentemente, a adição de pequenas quan- tidade de eletrólito de determinado tipo de valência necessário
tidades de eletrólitos a um sol liofóbico tende a estabilizar para precipitar o colóide.
o sistema por dar carga às partículas. Contudo, a adição de Não somente os eletrólitos podem causar a coagulação das
eletrólito, além daquela quantidade necessária para conse- partículas coloidais. A mistura de colóides de cargas opostas
guir a máxima adsorção sobre as partículas pode, às vezes, também pode resultar em aglomeração mútua.
resultar em acúmulo de íons opostos e reduzir o potencial Colóides liofílicos e de associação são termodinamica-
zeta abaixo do valor crítico. O potencial crítico para gotas mente estáveis e existem em solução verdadeira de forma que
de óleo finamente dispersas em água (hidrossol oleoso) é o sistema constitui uma única fase. A adição de quantidades
cerca de 40 milivolts. Esse elevado valor denota uma ins- moderadas de um eletrólito a um colóide liofílico não resul-
tabilidade relativamente alta do sistema. O potencial zeta ta em coagulação, o que era evidente em colóides liofóbicos.
crítico de um sol de ouro, por outro lado, é próximo a zero, Contudo, a adição de uma quantidade suficiente de sal pode
sugerindo que as partículas requerem somente uma pequena resultar em aglomeração e sedimentação das partículas. Este
carga para estabilizar. Logo, elas têm notável estabilidade fenômeno, chamado de salting out, foi discutido no capítulo
contra a adição de eletrólitos. A valência dos íons tendo car- sobre solubilidade.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 501

Assim como a regra de Schulze-Hardy ordena os íons de tende a sensibilizar ou até coagular as partículas. Alguns auto-
acordo com sua capacidade de coagular colóides hidrofóbi- res consideram que isso ocorre devido à redução do potencial
cos, a série de Hofmeister ou série liotrópica ordena cátions zeta abaixo do valor crítico (geralmente cerca de 20 a 50 mi-
e ânions de acordo com sua capacidade de coagulação de sóis livolts). Outros autores atribuem a instabilidade das partículas
hidrofílicos. Os vários ânions da série de Hofmeister, em or- hidrofóbicas à redução da espessura da camada iônica que cir-
dem decrescente de poder de precipitação são: citrato, tartra- cunda as partículas e à diminuição da repulsão (de coulomb)
to, sulfato, acetato, cloreto, nitrato, brometo e iodeto. O poder entre elas. Contudo, a adição de grandes quantidades de hi-
precipitante está diretamente relacionado à hidratação do íon e, drófilos (colóides hidrofílicos) estabiliza o sistema, uma vez
por conseguinte, a sua capacidade em separar as moléculas de que o hidrófilo é adsorvido sobre as partículas hidrofóbicas. O
água das partículas coloidais. fenômeno é conhecido como proteção e o sol hidrofílico adi-
Álcool e acetona também podem diminuir a solubilida- cionado é conhecido como colóide protetor. Schott23 revisou
de de colóides hidrofílicos, assim como a adição de pequenas as várias maneiras pelas quais é possível estabilizar os colóides
quantidades de eletrólitos podem levar à coagulação. A adição hidrofóbicos.
de solvente menos polar torna a mistura de solventes desfa- A propriedade protetora é mais freqüentemente expressa
vorável ao colóide e os eletrólitos podem precipitar o colóide em termos de número de ouro. O número de ouro é o peso
com relativa facilidade. Logo, podemos considerar a flocu- mínimo em miligramas de colóide protetor (peso seco da fase
lação frente à adição de álcool, seguida por sais, como uma dispersa) necessário para prevenir a alteração de cor de verme-
transformação gradual de um sol de natureza liofílica para um lho para violeta de 10 mL de um sol de ouro, frente à adição de
sol de característica mais liofóbica. 1 mL de uma solução de cloreto de sódio a 10%. Os números
Quando colóides com carga negativa e positiva são mis- de ouro de alguns colóides protetores podem ser vistos na Ta-
turados, as partículas podem separar-se da dispersão para for- bela 17-4.
mar uma camada rica em agregados coloidais. Essa camada Um exemplo farmacêutico da sensibilização e ação prote-
é chamada de coacervato e o fenômeno no qual as soluções tora é visto quando o subnitrato de bismuto é suspenso em uma
macromoleculares separam-se em duas camadas líquidas é dispersão de goma adragante. A mistura forma um gel que se
chamado de coacervação. Como exemplo, considere a mistu- torna uma massa sólida no fundo do recipiente. O subcarbona-
ra de gelatina e goma arábica. A gelatina, a pH abaixo de 4,7 to de bismuto, que não se dissocia o suficiente para liberar íons
(seu ponto isoelétrico) está carregada positivamente; a goma bismuto, é compatível com a goma adragante.
arábica tem uma carga negativa pouco afetada nas faixas de pH Esses fenômenos provavelmente envolvem a sensibiliza-
ácido. Quando as soluções desses colóides são misturadas em ção e a coagulação da goma pelos íons Bi3+. A goma floculada
determinadas proporções, ocorre a coacervação. A viscosidade agrega-se com as partículas de subnitrato de bismuto para for-
da camada superior, agora pobre em colóides, é muito menor mar um gel ou um sedimento sólido. A adição de fosfato, ci-
do que a viscosidade do coacervato. Em Farmácia, considera- trato ou tartrato protege as gomas da influência de coagulação
se que isso representa uma incompatibilidade física.* A coa- dos íons Bi3+ e, por reduzir o potencial zeta das partículas de
cervação não necessita envolver a interação entre partículas bismuto, floculam parcialmente o material insolúvel. Sistemas
carregadas. A coacervação da gelatina também pode ocorrer parcialmente floculados tendem a formar sedimentos compac-
pela adição de álcool, sulfato de sódio ou compostos macro- tos bem menos do que sistemas defloculados; tal efeito é signi-
moleculares, como o amido. ficativo na formulação de suspensões (Capítulo 18).24
Takenaka e colaboradores21 microencapsularam sulfame-
toxazol em um coacervato de gelatina-goma arábica, reportan-
do seu tamanho de partícula, espessura das paredes e porosi-
dade das microcápsulas. Badawi e El-Sayed22 investigaram a SOLUBILIZAÇÃO
solubilidade de equilíbrio e a velocidade de dissolução do co-
acervato de sulfatiazol complexado com povidona. Eles verifi- Uma propriedade importante dos colóides de associação em
caram que a velocidade de dissolução pode ser aumentada pela solução é a capacidade das micelas de aumentar a solubilidade
coacervação. Durante a formação do coacervato, cria-se um de substâncias que normalmente são insolúveis ou pouco so-
precipitado amorfo quando a sulfonamida é tratada com ácido lúveis no meio de dispersão utilizado. Esse fenômeno, conhe-
ou base em solução aquosa ou quando uma solução alcoólica cido como solubilização, tem sido revisado por vários autores,
do fármaco é diluída com água. Na presença de povidona, for-
ma-se um complexo com sulfatiazol parcialmente precipitado,
resultando em coacervatos. A adição de resorcinol, um agente
coacervante da povidona, à mistura aquosa de sulfatiazol sódi- TABELA 17-4
co e povidona também resultou em coacervação.
O NÚMERO DE OURO DE COLÓIDES PROTETORES
Colóide protetor Número de ouro
Sensibilização e ação de colóides protetores
Gelatina 0,005-0,01
A adição de pequenas quantidades de colóide hidrofílico ou Albumina 0,1
hidrofóbico a um colóide hidrofóbico que tenha carga oposta Goma arábica 0,1-0,2
Oleato de sódio 1-5
* N. de T.: Exceto quando é visado o revestimento de partículas, quando a
coacervação constitui o fundamento da técnica. Goma adragante 2
502 P ATRICK J. S INKO

incluindo Mulley,25 Nakagawa,26 Elworthy e colaboradores27 e


Attwood e Florence.28 A solubilização tem sido usada de for-

C
C-
ma vantajosa há muitos anos na área farmacêutica. Em 1892,
Engler e Dieckhoff29 solubilizaram vários compostos em solu-
ções de sabões.

C
C-

C
O conhecimento a respeito da localização, distribuição e

O-
O
orientação dos fármacos solubilizados na micela é importan-

=
O-

C-
te para a compreensão dos aspectos cinéticos do processo de C-OH
solubilização e da interação dos fármacos com os diferentes O

C
elementos que constituem a micela. Esses fatores também

C-
HO C
podem afetar a estabilidade e a biodisponibilidade do fárma-
co. A localização da molécula solubilizada na micela está re- A C-C
lacionada ao balanço entre as propriedades polar e não-polar C- C
CH 3
da molécula. Lawrence30 foi o primeiro a distinguir entre os
vários pontos de localização. Ele propôs que moléculas apo- C-O O-C
lares em sistemas aquosos de tensoativos iônicos poderiam OH
estar localizadas no núcleo hidrocarbonado da micela, en- O
quanto que aquelas solubilizadas tenderiam a estar adsorvi- C

=
das na sua superfície. Moléculas polares-apolares tenderiam B
a se alinhar em uma posição intermediária em relação às mo- O-
H
léculas de tensoativo que formam a micela. Os tensoativos
não-iônicos são agentes solubilizantes de grande interesse na
área farmacêutica devido a sua baixa toxicidade. Suas mi-
celas mostram um gradiente de aumento de polaridade do
núcleo em direção à superfície polioxietileno-água. A região Figura 17-14 Micela esférica de moléculas de tensoativo não-iônico. (A)
interfacial entre o núcleo e a solução aquosa, ou seja, a capa Uma molécula apolar solubilizada na região apolar da micela. (B) Localização
polar, é altamente hidratada. A distribuição anisotrópica das de uma molécula mais polar parcialmente inserida na região central, esten-
moléculas de água dentro da capa polar favorece a inclusão dendo-se à região de paliçada. (C) Uma molécula polar localizada no lado
(solubilização) de uma ampla variedade de moléculas.31 externo, na camada de paliçada, atraída pelas forças dipolares das cadeias
Contudo, a solubilização pode ocorrer em ambos os lados do de polioxietileno.
núcleo e da capa, também chamada de camada de paliçada.
Por conseguinte, certos compostos (como fenóis e compostos
relacionados que contenham grupo hidroxila capaz de ligar-
se com o oxigênio do éter do grupamento polietileno) são re- microambiente dos seus locais de solubilização. Mukerjee e
tidos entre as cadeias de polioxietileno. Sob essas condições, colaboradores33,34 determinaram a constante dielétrica, D, do
pode-se considerar que tais compostos estão mais inclusos microambiente do benzeno solubilizado tanto em dodecilsul-
dentro do polioxietileno exterior à micela do que adsorvi- fato de sódio, um tensoativo aniônico, quanto em cloreto de
dos na sua superfície. A Figura 17-14 mostra uma micela cetiltrimetilamônio, um tensoativo catiônico. Os resultados
esférica de um tensoativo não-iônico, o monoestearato de do estudo das constantes dielétricas mostram microambientes
polioxietileno, em água. A figura está desenhada de acordo relativamente polares e similares (D = 40) nas duas micelas
com a sugestão de Reich segundo a qual tal micela pode ser de cargas diferentes, sugerindo que o benzeno está localizado
considerada como um núcleo hidrocarbonado constituído pe- principalmente na superfície, ou seja, mais na parte polar do
las cadeias hidrocarbonadas das moléculas do tensoativo, o que no núcleo da micela.
qual é rodeado de cadeias de polioxietileno projetadas em di- Esses pesquisadores33,34 propuseram um modelo de dois
reção à fase aquosa contínua. Benzeno e tolueno, moléculas estados de solubilização. O estado menos polar envolve o
apolares, aparecem solubilizados no interior hidrocarbonado núcleo hidrocarbonado e é chamado de estado dissolvido. A
da micela. O ácido salicílico, um composto mais polar, tem outra região é a interface micela-água, o estado adsorvido,
a parte apolar da molécula direcionada para dentro da região onde o ambiente é mais polar. Nesse modelo, o poder total
central da micela e o grupamento polar direcionado para as de solubilização da micela é a soma da fração “adsorvida”
cadeias hidrofílicas, que se espiralam para fora, em direção e da fração “dissolvida” do composto solubilizado. Quan-
ao meio aquoso. O ácido p-hidroxibenzóico, uma molécula do ocorre adsorção, a solubilização está diminuída além do
predominantemente polar, está localizado entre as cadeias que se possa atribuir ao poder solubilizante do núcleo. Ou-
hidrofílicas. tro achado interessante predito pelo modelo é o fato de que
As técnicas de ressonância magnética nuclear (NMR) a polaridade do microambiente do composto solubilizado
e espectroscopia de imagem empregando regiões do espec- mostra uma pequena dependência do tipo de carga da mice-
tro do visível e do ultravioleta são usadas para estabelecer la. Pode-se assumir que o equilíbrio entre o estado “adsor-
o local da solubilização. Algumas técnicas de espectrosco- vido” e “dissolvido” é similar ao visto em outros sistemas,
pia no ultravioleta são sensíveis à polaridade do meio. Nes- como o sistema formado pelo par de líquidos imiscíveis
se caso, as mudanças espectrais dos compostos solubiliza- dodecano-água. Assim, a estimativa quantitativa do poder
dos nas micelas são usadas para determinar a polaridade do solubilizante do núcleo hidrocarbonado em relação ao com-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 503

posto solubilizado pode ser obtida a partir do coeficiente de A fração de fármaco localizada na superfície da micela no
partição dodecano-água do composto solubilizado. estado “adsorvido” está relacionada à atividade de superfície
Contudo, para se ter uma idéia mais detalhada, o núcleo é do fármaco. O benzeno tem uma atividade de superfície mo-
submetido a uma pressão de Laplace substancial, a qual reduz derada na interface heptano-água. Contudo, sua atividade de
seu poder solubilizante em comparação ao dodecano. A pres- superfície na solução micelar é muito aumentada devido à ra-
são de Laplace, P, ocorre devido à curvatura da interface e é zão superfície-volume das micelas ser extremamente elevada.
dada pela relação (p. 455), Logo, a atividade de superfície do benzeno nas micelas fornece
2γ informações sobre sua localização, principalmente na superfí-
P (17-35) cie, ou seja, no estado “adsorvido”.
r
O farmacêutico deve estar bastante atento a vários fato-
onde γ é a tensão interfacial e r é o raio da micela. A pressão, res quando trabalha em formulações de sistemas solubiliza-
P, opõe-se à entrada de todas as moléculas hospedeiras a se- dos. É essencial que, se usado internamente, o tensoativo seja
rem solubilizadas. O fator χ pelo qual a solubilidade é redu- atóxico, miscível com o outro solvente (normalmente a água),
zida está relacionado ao volume molar parcial do composto compatível com outros compostos solubilizados, livre de odor
solubilizado, de acordo com a seguinte relação33,34 ou sabor desagradável e relativamente não-volátil na concen-
P v̄ RT ln χ (17-36) tração utilizada. A toxicidade é um item de extrema impor-
tância e, por essa razão, a maioria dos sistemas solubilizados
A equação (17-36) indica que χ varia exponencialmente
são constituídos por tensoativos não-iônicos. A quantidade
com P e, portanto, com 1/r, quando a tensão superficial, γ, é
de tensoativo usado é um fator importante: grandes excessos
mantida constante. Usando a equação (17-36) e conhecendo-se
são indesejáveis tanto do ponto de vista de possíveis efeitos
K, o coeficiente de partição dodecano-água, é possível estimar
tóxicos quanto da redução de absorção e atividade. Por outro
o particionamento do composto solubilizado entre o núcleo
lado, quantidades insuficientes podem levar à precipitação do
hidrocarbonado e o meio aquoso – ou seja, calcular o poder
componente solubilizado. A quantidade de material que pode
solubilizante do núcleo.
ser solubilizado em uma determinada quantidade de tensoativo
está relacionada às características polar-apolar do tensoativo
EXEMPLO 17-10 (em geral, o equilíbrio hidrófilo-lipófilo – p. 461) e da molécu-
Cálculo do poder solubilizante la a ser solubilizada.
Deve-se ter em mente que, quando uma substância é for-
Calcular o fator χ na redução da solubilidade de um novo anesté-
mulada em um sistema solubilizante, podem ocorrer alterações
sico solubilizado no núcleo de micelas de dodecilsulfato de sódio.
de absorção e biodisponibilidade. Ocorrem drásticas altera-
O volume molar parcial do anestésico, v̄ , é 173 de cm3/mol. A
ções na atividade bactericida de certas substâncias quando elas
tensão interfacial micela-água é 31,3 erg/cm2 e o raio r da micela
é 18 Å.
estão solubilizadas, desse modo, o farmacêutico deve garantir
Se o coeficiente de partição, dodecano-água, da molécula do
que a concentração do tensoativo presente seja a melhor possí-
fármaco é K = 21,9, qual é o coeficiente de partição do anestésico
vel para um determinado sistema. A estabilidade das substân-
solubilizado no sistema núcleo-água? cias contra a oxidação e a hidrólise pode ser modificada pela
(a) Inicialmente, calculamos a pressão de Laplace, P, para as solubilização.
micelas do tensoativo dodecilsulfato de sódio. Usando a equação A solubilização tem sido usada na área farmacêutica para
(17-35), obtemos que, tornar solúveis uma série de substâncias, incluindo óleos vo-
láteis, alcatrão de hulha e resinas, fenobarbital, sulfonamidas,
2γ 2 × 31 3 erg cm2
P= = = 3 48 × 108 dina cm2 vitaminas, hormônios e corantes.27,35
r 18 × 10−8 cm Um novo fármaco antimalárico, o artemotil, isolado na
ou 343 atm
China a partir de uma planta chamada Artemesia annua L., é
(1 dina cm2 = 9 869 × 10−7 atm) altamente ativo contra formas de Plasmodium falciparum (pro-
Observe o quão alta é a pressão (343 atm) dentro do núcleo da tozoário que passa parte do seu ciclo de vida no mosquito Ano-
micela quando seu raio é pequeno (r = 18 Å)! A partir da equação pheles), tanto as sensíveis quanto as resistentes à cloroquina.
(17-36), Esse fármaco é muito insolúvel em água (17 mg/L), mas li-
P v̄ (3 48 × 108 dina cm2 ) × (173 cm3 mol) geiramente solúvel (>200 g/L) em vários solventes orgânicos.
ln χ =
RT
=
(8 3143 × 107 erg K −1 mol−1 ) × 298 K
Krishna e Flanagan36 estudaram a solubilização do artemotil
em diversas soluções de tensoativos aniônicos, catiônicos e
ln χ = 2 43; χ = 11 36 não-iônicos acima de suas concentrações micelares críticas.
Logo, a solubilidade do novo fármaco anestésico no núcleo Eles verificaram que os tensoativos aniônicos e catiônicos
hidrocarbonado do tensoativo é reduzida em um fator de 11,36 aumentaram muito a solubilidade mediante solubilização mi-
em relação a sua solubilidade em dodecano devido à pressão de celar, enquanto que os tensoativos não-iônicos mostraram um
Laplace na micela. pequeno efeito sobre a melhoria da solubilidade do fármaco. A
(b) O coeficiente de partição do novo fármaco no sistema mi- Figura 17-15 mostra o aumento na solubilidade do artemotil
celar núcleo-água é obtido dividindo-se o coeficiente de partição, em função do aumento da concentração micelar de dois ten-
K, em dodecano-água, pelo valor de χ obtido na parte (a): soativos aniônicos e um tensoativo catiônico. O eixo vertical
O coeficiente de partição (núcleo-água) = 21,9/11,36 = 1,93 fornece a solubilidade relativa do fármaco, expressa em St /S0,
Ou seja, a distribuição do fármaco no núcleo da micela é cer- onde St é a solubilidade total do artemotil na solução micela e
ca de duas vezes maior do que na fase aquosa. S0 é a solubilidade do fármaco somente em água.
504 P ATRICK J. S INKO

500 100 0

400 B

Ág
ua
20
Solubilidade relativa, St / S0

300 II

en
50 50

Twe
III
C
200 IV Au
me
nto
d
de a qu
ág an
ua tid
ad
e
100
0 100
100 50 0

0 Óleo de hortelã-pimenta
0 0,4 0,8 1,2 1,6 2
Figura 17-16 Diagrama de fase de um sistema ternário constituído por
Concentração micelar (mM) água, Tween 20 e óleo de hortelã-pimenta.
Figura 17-15 Solubilidade relativa em função da concentração de artemotil.
(A) Tetradecilsulfato de sódio; (B) Brometo de hexadeciltrimetilamônio; (C)
Decilsulfato de sódio. (Retirada, com permissão, de: A. K. Krishna and D. R. ativos e com a localização do fármaco na micela. Se um
Flanagan, J. Pharm. Sci. 78, 574, 1989.) fármaco hidrofóbico é solubilizado no núcleo da micela, a
solubilização pode ser melhorada com o aumento do com-
primento da cadeia lipofílica alquila. Ao mesmo tempo, o
O’Malley e colaboradores37 investigaram a ação solubili- aumento do raio da micela, por meio do aumento do compri-
zante do Tween 20 sobre o óleo de hortelã-pimenta em água e mento da cadeia alquila, pode reduzir a pressão de Laplace,
apresentaram seus resultados na forma de um diagrama terná- favorecendo, assim, a entrada das moléculas na micela (ver
rio, mostrado na Figura 17-16. Os autores verificaram que sob Exemplo 17-10).
adição gradual de água a uma mistura 50:50 de óleo de hortelã- Em se tratando de micelas constituídas por tensoati-
pimenta e Tween 20, ou polissorbato 20, o sistema alterou-se vos iônicos, o principal método de melhoramento da solu-
de uma mistura homogênea (região I) para um gel aquoso (re- bilização é o aumento do raio do núcleo hidrocarbondo.39
gião II). A adição de mais água levou novamente à formação A evidência desse efeito não está bem-caracterizada em se
uma solução límpida (região III), que depois se separou em tratando de micelas constituídas por tensoativos não-iônicas.
duas camadas (região IV). Essa seqüência de alterações corres- Attwood e colaboradores40 mostraram que um aumento no
ponde a resultados que podem ser obtidos mediante diluição número de átomos de carbono acima de 16, em um tenso-
do óleo de hortelã-pimenta concentrado em processos de mis- ativo aniônico – o monoéter de n-polioxietilenoglicol – au-
tura e fabricação. Assim, análises como essas podem fornecer menta o tamanho da micela, mas não melhora a solubilização
informações importantes para as pesquisa farmacêutica envol- de vários fármacos. Os resultados de testes de imagens por
vendo formulações de sistemas de fármacos solubilizados. NMR, viscosidade e densidade41 sugerem que alguns dos
Boon e colaboradores38 também utilizaram a determina- grupamentos polares da micela, ou seja, alguns grupos de
ção por diagrama de fase para formular uma preparação de polioxietileno fora do núcleo hidrocarbonado da micela, cur-
vitamina A monofásica, de aspecto límpido, contendo uma vam-se penetrando para o interior da micela, diminuindo seu
quantidade mínima necessária de tensoativo para solubilizar ponto de fusão e gerando um núcleo micelar (Figura 17-17).
a vitamina. Os diagramas de equilíbrio de fase são particu- Contudo, o movimento dos grupos polietileno para dentro do
larmente úteis quando o formulador deseja predizer o efeito, núcleo hidrocarbonado rompe a camada de paliçada e tende
sobre o equilíbrio de fases, do sistema de diluição de um ou a desestruturar a região de solubilização de compostos polar-
todos os componentes do sistema, em quaisquer combinações apolar (fármacos semipolares).
ou concentrações pretendidas. Patel e colaboradores42 sugeriram que a natureza da so-
lubilização do núcleo é aumentada com tensoativos mais po-
lares incapazes de romper a camada de paliçada. Attwood e
Fatores que afetam a solubilização colaboradores40 investigaram o modo pelo qual a introdução
de um grupamento éter ou cetônico na região hidrofóbica
A capacidade dos tensoativos de solubilizar fármacos varia do tensoativo monoéter de octadecilpolioxietilenoglicol afe-
bastante de acordo com a composição química dos tenso- tou a solubilização e a característica micelar do tensoativo.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 505

Região de EXEMPLO 17-11


paliçada
Coeficientes de partição das espécies zwitteriônicas e
catiônicas
A tabela abaixo mostra o coeficiente de partição aparente, Kap
(micela-água), da tetraciclina solubilizada em micelas do tenso-
ativo não-iônico lauril éter de polioxietileno, a vários valores de
pH e a 25 °C:
pH 2,1 3,0 3,9 5,6
Núcleo Kap 8,05 7,61 6,54 5,68
(a) (b )
Calcular os coeficientes de partição das espécies zwitteriônicas,
Figura 17-17 Desenho esquemático de uma micela não-iônica do monoéter Kz, e catiônicas, Kc. A constante de dissolução da tetraciclina foi
de n-polioxietilenoglicol mostrando a intrusão das cadeias de polioxietileno determinada por Ikeda e colaboradores44 como K1 = 4,68 × 10–4.
no núcleo da micela. (a) Micela com o ambiente da camada de paliçada in- Inicialmente, se calcula o termo Kap([H+]w + K1) nos diferen-
tacta. (b) Camada de paliçada parcialmente desestruturada pela perda dos tes valores de pH. Por exemplo, a pH = 2,1, o [H+]w = 7,943 × 10–3
grupos polioxietileno no núcleo hidrofóbico. e o Kap([H+]w + K1) = 8,05 [(7,943 × 10–3)+(4,68 × 10–4)] = 0,068.
Cálculos semelhantes fornecem os resultados mostrados na tabela
abaixo, onde o pH é convertido em concentração de [H+]w:
Observou-se que o grupamento éter diminuiu o ponto de fu- [H+ ]w × 103 7,94 1,00 0,126 0,0025
são do hidrocarboneto e, por conseguinte, levou à formação +
Kap ([H ]w + K1 ) 0,068 0,011 0,0039 0,0027
de um núcleo líquido sem o fenômeno de intrusão, o qual
reduz a natureza solubilizante do tensoativo para fármacos Agora, faz-se a regressão de Kap([H+]w + K1) em função de
semipolares. [H+]w a partir dos valores dados na tabela, para se obter a inclina-
O principal efeito do pH no poder solubilizante de ten- ção, Kc = 8,21, e o intercepto, K1Kz = 2,776 × 10–3. Resolvendo a
soativos não-iônicos é alterar o equilíbrio entre o fármaco equação para Kz, temos que:
ionizado (solubilizado) e não-ionizado. Isso afeta a solubi- 2 776 × 10−3
lidade em água (p. 268-269) e modifica o particionamento Kz =
4 68 × 10−4
do fármaco entre as fases micelar e aquosa. Por exemplo,
a forma mais lipofílica, não-ionizada, do ácido benzóico é
solubilizada em maior proporção pelo polissorbato 80 do que Os resultados indicam que a forma catiônica é mais solu-
a forma hidrofílica ionizada.43 Contudo, a solubilização de bilizada do que a forma zwitteriônica, ou seja, Kc > Kz. Ikeda
fármacos que apresentam mais de uma constante de dissocia- e colaboradores sugeriram que a maior solubilização da forma
catiônica se deve à formação de ligações de hidrogênio entre
ção e contenham partes hidrofóbicas em suas moléculas pode
o próton ácido da forma catiônica da tetraciclina e o átomo
não estar correlacionada com a lipofilia do fármaco. Ikeda e
de oxigênio da cadeia polioxietileno do tensoativo não-iônico.
colaboradores44 estudaram a solubilização da tetraciclina em
Uma vez que a forma zwitteriônica da tetraciclina perdeu seu
tensoativos não-iônicos, aniônicos e catiônicos. Os derivados próton ácido, ela não pode formar ligações de hidrogênio e,
da tetraciclina podem existir em solução como espécies car- conseqüentemente, é solubilizada em menor extensão.
regadas positiva ou negativamente (zwitterions, p. 183), em A tetraciclina é muito mais solubilizada em micelas de ten-
função do pH. Em uma faixa de pH de 2,1 a 5,6, as espécies soativos aniônicos, como o laurilsulfato de sódio, do que em
presentes são formas catiônicas e zwitteriônicas, ambas con- micelas de tensoativos catiônicos, como o trimetilamônio, espe-
tribuindo para o coeficiente de partição aparente no sistema cificamente em pH 2,1. A forma catiônica da tetraciclina é predo-
micela-água. O equilíbrio pode ser representado como:44 minante no pH 2,1. Nesse valor de pH, Ikeda e colaboradores44
Kc K1
Cm ←→ Cw ←→ Cw± ←→ Cm±
Kz determinaram um valor de Kap = 2.860 para o tensoativo aniôni-
co. Isso se deve à maior interação entre as espécies protonadas
onde K1 é a primeira constante de dissociação dos derivados do fármaco e as micelas aniônicas do laurilsulfato de sódio, que
de tetraciclina e Kc e Kz são os coeficientes de partição do ocorre em pH 2,1. Por outro lado, a repulsão eletrostática entre a
sistema micela-água para as espécies catiônica (+) e zwit- forma catiônica do fármaco e o dodeciltrimetilamônio, a micela
teriônica (±). Cm e Cw denotam a concentração de fármaco catiônica, não resulta em solubilização no mesmo pH 2,1. Assim,
nas fases micelar e aquosa, respectivamente. O coeficiente de nesse valor de pH, Kap = 0. A repulsão é reduzida à medida que
partição aparente, Kap, está relacionado com o pH da seguinte o pH aumenta porque a natureza catiônica do fármaco diminui.
forma:44 Conseqüentemente, a solubilização da tetraciclina em micelas de
tensoativo catiônico torna-se maior com o aumento do pH.
K ([H ]w K 1 ) K c [H ]w K z K 1 (17-37)
onde [H+] é a concentração do íon hidrogênio na fase aquosa. Termodinâmica da solubilização
Usando a equação, podemos estimar Kc e Kz a partir da inclina-
ção e do intercepto do gráfico linear ou por meio da regressão A solubilização pode ser considerada como o particionamento
de Kap ([H+]w + K1) em função de [H+]w. do fármaco entre a fase micelar e o meio aquoso. Logo, a ener-
506 P ATRICK J. S INKO

gia livre padrão de solubilização, ΔG°s, pode ser calculada a àqueles do ácido benzóico. Os barbituratos devem ser distri-
partir do coeficiente de partição K da micela/meio aquoso:45 buídos em maior parte na região externa da micela – região
G ◦s RT ln K (17-38)
do polioxietileno – do que no núcleo hidrocarbonado devi-
do a seu valor negativo de ΔS°s. Os resultados com o ácido
A entalpia livre padrão e a entropia de solubilização po- benzóico e os barbituratos podem, contudo, ser explicados
dem ser calculadas usando-se as relações usuais: pelos motivos dados na Tabela 11-11, página 309, na qual
− Hs◦ 1 é mostrado que as funções termodinâmicas de ΔH° e ΔS°
ln K constante são devidas a vários tipos de interações. Na Tabela 11-11, o
R T (17-39)
doador-aceptor e as ligações de hidrogênio estão associados
e com ambos os valores negativos de ΔH° e ΔS°; os elevados
G ◦s Hs◦ − T Ss◦ (17-40) valores negativos de ΔH° superam os da carga entrópica des-
favorável. Logo, ΔG°s é negativo e o processo de solubiliza-
O sinal e a magnitude das funções termodinâmicas ΔH°s ção é espontâneo.
e ΔS°s podem ser relacionadas à localização do fármaco solu-
bilizado na micela conforme segue. A solubilização do hidro-
carboneto no núcleo hidrofóbico é similar à transferência do EXEMPLO 17-12
hidrocarboneto da água para um meio orgânico. Em ambos Transporte do barbital entre água e o alquilsulfonato de
os casos, as funções termodinâmicas têm a mesma ordem de sódio
magnitude. A entalpia livre padrão é aproximadamente zero
Os coeficientes de partição aparente, K, para o transporte do bar-
ou um número muito pequeno e ΔG°s normalmente é negati-
bital entre a água e o alquilsulfonato de sódio a diversas tempera-
vo. A principal contribuição ao valor negativo de ΔG°s é uma turas são os seguintes:45
grande carga de entropia positiva. Devido a sua hidrofobici-
dade, os hidrocarbonetos dissolvem-se principalmente no nú- Temperatura (◦ C) 25 35 45 55
cleo da micela. Coeficiente de partição 3,8 3,5 3,2 2,5
Para um soluto polar, ΔG°s de transferência de um meio
Calcular ΔG°s, ΔH°s e ΔS°s.
aquoso para outro orgânico tem um valor positivo e ΔS°s, um A partir da equação (17-39), a regressão de ln K em função de
valor negativo. Esses termos desfavoráveis podem ser asso- 1/T (K) fornece, a partir da inclinação, o valor de ΔH°s. Os valores
ciados a uma escassa penetração do soluto na fase orgânica. necessários para a regressão são os seguintes:
Tal argumento pode ser aplicado à penetração de um soluto
polar no núcleo de uma micela. A Tabela 17-4 mostra as fun- 1/T × 103 3,36 3,25 3,14 3,05
ções termodinâmicas para a transferência de vários solutos ln K 1,335 1,253 1,163 0,916
com polaridades diferentes da água para soluções micelares A equação obtida é ln K = 1274,35 (1/T) – 2,91. Temos que:
e solventes orgânicos a 25 °C. Considera-se que o ácido ben-
zóico seja principalmente adsorvido na superfície micelar de ΔHs =−(Inclinação)×R=−(1274 35)(1 9872)=−2 5 kcal/mol
tensoativos não-iônicos; as funções termodinâmicas ΔG°s, ΔG ◦s é obtido da equação (17-38):
ΔH°s e ΔS°s para a solubilização do ácido benzóico são ne-
A 25 ◦C, ΔG ◦s = −(1 9872)(298)(1 335) = −790 57 cal/mol
gativas (ver Tabela 17-5). Os derivados do ácido barbitúri-
co solubilizados em alquilsulfonato de sódio, um tensoativo Cálculos análogos fornecem ΔG°s = –766,91, –734,9 e –597,05
aniônico, mostram valores de ΔG°s, ΔH°s e ΔS°s similares cal/mol a 35, 45 e 55 °C, respectivamente.

TABELA 17-5
TRANSFERÊNCIA DE SOLUTOS DA ÁGUA PARA SOLVENTES ORGÂNICOS OU MICELAS, A
25 °C*
ΔG° ΔH° ΔS°
Soluto Meio orgânico (cal/mol) (cal/mol) (cal/mol)

Cloreto de amônio Etanol +5.010 –2.830 –26,3


Metano Cicloexano –2.280 +2.380 +15,6
Amobarbital Solução micelar† –2.340 –1.700 +2,1
Barbital Solução micelar † –790 –2.600 –6,0
Ácido benzóico Solução micelar ‡ –2.320 –3.700 –4,7
Etano Solução micelar ‡ –3.450 +2.000 +18,3
Fenobarbital Solução micelar † –1.850 –3.800 –6,5
Propano Solução micelar † –4.230 +1.000 +17,5
† Laurilsulfato de sódio, 0,06 mol/litro.
‡ n-alquilpolioxietileno, E16H16.
* Baseada em V. Vaution, C. Trenier, F. Puisieux and J. T. Carstensen, J. Pharm. Sci. 66, 165, 1977.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 507

O valor de ΔSºs é obtido usando-se a equação (17-40) para


cada temperatura; a 25 °C,
ΔHs◦ − ΔG ◦s −2500 − (−790 57) cal/mol
ΔSs◦ = = –2
T 298 K
= −5 7 cal/(mol K)
pH = 7,7
ΔSºs é –5,6, –5,6 e –5,8 cal/(mol K) a 35, 45 e 55 °C, respecti-
vamente. Note que a constante na equação (17-39) correspon-

Log da solubilidade molar


de a ΔSº/R. Logo, ΔSº pode ser obtido do intercepto da linha
de regressão no gráfico de ln K em função de 1/T; ou seja, ΔSºs –3
= (Intercepto) × R= (–2,91)(1,9872) = –5,8 cal/(mol K), um va-
lor muito semelhante aos valores obtidos pelo uso da equação
(17-40) a diversas temperaturas. Os valores de ΔGºs obtidos não
são fortemente negativos devido ao valor negativo e desfavorável
de ΔSºs. Os valores negativos de ΔHºs e ΔSºs podem ser relacio-
nados às ligações de hidrogênio (ver Tabela 11-11) dos barbitura- –4
tos com a camada de paliçada do polioxietileno das micelas.

pH = 7,4
Ponto de Krafft e ponto de turvação
Outro aspecto dos tensoativos formadores de micelas é o rápido
–5
aumento da solubilidade acima de uma determinada tempera- 3,1 3,2 3,3 3,4 3,5 3,6 3,7
tura conhecida como ponto de Krafft, Kt. O ponto de Krafft é −1
10 /T (K )
3
a temperatura na qual a solubilidade do tensoativo iguala-se a
CMC. Abaixo de Kt, um aumento na concentração do tensoa- Figura 17-18 Gráfico do log da solubilidade em função do recíproco da tem-
tivo leva mais à precipitação do que à formação de micela. O peratura, gerado para obter-se o ponto Krafft de um ácido carboxílico com
tensoativo tem uma solubilidade limitada e, abaixo do ponto de atividade de superfície, a dois valores de pH. (Retirada, com permissão, de:
Krafft, insuficiente para formar micelas. À medida que a tempe- N. K. Pandit and J. M. Strykowski, J. Pharm. Sci. 78, 768, 1989.)
ratura é elevada, a solubilidade aumenta lentamente. No ponto
de Krafft, que corresponde à concentração micelar crítica, os
cristais de tensoativo fundem-se e são incorporados nas micelas.
do está em elevada concentração. Isso ocorre devido à auto-
As micelas são muito solúveis; conseqüentemente, ocorre um
associação e à perda de hidratação das moléculas individuais.
rápido aumento de solubilidade com o aumento da temperatura
Schott e Han46 relataram os efeitos de vários sais nos pontos
acima de Kt. Nem todos os tensoativos apresentam um rápido
de Krafft e de turvação de tensoativos não-iônicos. Schott48
aumento na solubilidade acima de certa temperatura. Somente
comparou os valores de EHL com os pontos de turvação de um
certos agentes tensoativos, iônicos e não-iônicos, por exemplo,
grande número de tensoativos não-iônicos.
têm demonstrado apresentar temperatura de Krafft.46
O ponto de Krafft, Kt, pode ser obtido mediante um grá-
fico do logaritmo da solubilidade molar de um ácido carboxí- Fenômenos de coacervação e ponto de turvação
lico com atividade de superfície, a vários valores de pH, em
função do inverso da temperatura absoluta, como o mostra a A solubilização pode alterar certas propriedades das micelas,
Figura 17-18.47 Para uma solução de tensoativo que tenha tais como o ponto de turvação e o tamanho micelar. Os solubi-
um ponto de Krafft, o perfil de log da solubilidade-recíproco lizados orgânicos em geral diminuem o ponto de turvação de
da temperatura mostra uma interrupção, ou seja, uma mudan- tensoativos não-iônicos. Os hidrocarbonetos alifáticos tendem
ça de inclinação. A temperatura na qual ocorre tal interrup- a aumentar o ponto de turvação, enquanto que os hidrocarbo-
ção, para um valor de pH determinado, é o ponto de Krafft. netos aromáticos e os alcanóis podem diminuir o ponto de tur-
Na realidade, a curvatura, mais do que propriamente a forma vação do tensoativo, dependendo da concentração usada. Por
da interrupção, ocorre na inclinação, sugerindo que Kt é antes exemplo, tanto a indometacina, um fármaco antiinflamatório,
uma faixa de temperatura do que um ponto definido na escala quanto o sorbitol na concentração de 2% diminuem o ponto de
de temperatura. O ponto de Krafft é estimado na interseção turvação de soluções aquosas do tensoativo não-iônico polis-
das tangentes dos dois segmentos de linha de diferente incli- sorbato 80. O efeito é mais pronunciado para o sorbitol e au-
nação para cada valor de pH, como mostra a Figura 17-18. menta de forma linear com a concentração deste composto.49
Para tensoativos iônicos, o pH tem um efeito definido sobre o Pode-se considerar que a indometacina, um fármaco pouco
ponto de Krafft, como se observa na Figura 17-18. solúvel em água, está localizada dentro da fase micelar do po-
A temperatura consoluta inferior, discutida nas páginas lissorbato 80 em solução aquosa. A solubilização da indometa-
65-66, também é observada para muitos tensoativos aniônicos cina aumenta o tamanho micelar não somente devido à incor-
polioxietilenados em solução. Essa temperatura, acima da qual poração das moléculas do fármaco nas micelas de polissorbato,
rapidamente aparece turvação, é conhecida como ponto de tur- mas também devido ao aumento do número de monômeros de
vação. Em temperaturas elevadas, o tensoativo separa-se da polissorbato por micela, ou seja, o número de agregação. O
solução aquosa na forma de um precipitado ou de um gel quan- aumento no tamanho micelar sugere uma reestruturação da
508 P ATRICK J. S INKO

micela para acomodar as moléculas de indometacina. Esse au-


mento do tamanho leva à formação de micelas mais simétricas
e fortemente hidratadas.
CONCEITO APLICAÇÃO FARMACÊUTICA
Tem-se verificado que tais solubilizados podem favorecer DOS COLÓIDES
a transição de micelas com formato de bastão para micelas
globulares.50 As micelas com formato de bastão são observa- Os colóides são bastante usados fármacos. Outra importante
das em soluções tanto de tensoativos não-iônicos quanto iô- para modificar as propriedades aplicação farmacêutica dos co-
nicos, nos quais a carga sobre a micela é circundada por íons de substâncias farmacêuticas. lóides é seu uso em sistemas de
de sais ou por contra-íons fortemente ligados. A capacidade A propriedade que mais comu- liberação de fármacos. Os tipos
solubilizante desses sistemas é particularmente elevada quan- mente é afetada é a solubilidade sistemas coloidais de liberação
do se está próximo da formação do coacervato. Um exemplo do fármaco. Contudo, as formas de fármacos mais usados em
é a separação de fase dos tensoativos não-iônicos acima do coloidais de muitos fármacos incluem hidrogéis, microsferas,
ponto de turvação. Bastões longos são transformados em mi- exibem propriedades muito di- microemulsões, lipossomas,
celas globulares após a solubilização de certa quantidade de ferentes quando comparadas micelas, nanopartículas e nano-
hidrocarboneto alifático ou aromático. A diferença entre a so- com formas tradicionais desses cristais.
lubilização dos hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos pelas
micelas em forma de bastão é tal que os compostos aromáticos
podem levar à formação do coacervato antes que os agregados
sofram retração e sejam transformados em micelas esféricas.
germicidas efetivos e não causam a irritação característica dos
O processo é explicado da seguinte forma: após a solubiliza-
sais de prata iônicos. O enxofre grosseiramente pulverizado é
ção do hidrocarboneto aromático pelos agregados em forma
pouco absorvido quando administrado por via oral, mas a mes-
de bastão, o sistema se separa em duas fases com formação do
ma dose de enxofre coloidal pode ser tão intensamente absor-
coacervato. A coacervação pode ser descrita como a transição
vida que é capaz de causar reação tóxica e até mesmo a morte.
de uma solução de micelas em forma de bastões em estado ga-
O cobre coloidal tem sido usado no tratamento do câncer, o
soso para duas soluções, uma delas em um estado mais polar e
ouro coloidal tem sido usado como agente de diagnóstico para
condensado, e outra em um estado mais diluído. Os agregados
paralisia e o mercúrio coloidal tem sido usado para sífilis.
micelares condensados podem acomodar ainda mais hidrocar-
Muitos polímeros naturais e sintéticos têm grande impor-
bonetos. Assim, após mais adição de hidrocarbonetos ocorre a
tância na prática farmacêutica contemporânea. Os polímeros
transformação dos bastões em glóbulos. As forças de atração
são macromoléculas formadas pela polimerização ou conden-
entre os pequenos glóbulos são fracas e o sistema não pode es-
sação de pequenas moléculas não-coloidais. As proteínas são
tar simultaneamente em estado condensado e gasoso. Isso gera
colóides naturais muito importantes encontradas na consti-
a reversão do sistema a um estado isotrópico de fase única.
tuição dos músculos, ossos e pele. As proteínas plasmáticas
Logo, os sistemas mostram um interessante fenômeno no qual
podem ligar-se a certas moléculas de fármacos de forma a
um sistema binário de duas fases de tensoativo (o coacervato)
afetar sua atividade farmacológica. Macromoléculas de ocor-
pode ser transformado em uma solução monofásica, através da
rência natural em plantas, tais como o amido e a celulose,
solubilização dos hidrocarbonetos50 nas micelas.
são utilizadas como adjuvantes farmacêuticos e podem existir
O fato de as micelas em formato de bastão poderem ser al-
no estado coloidal. O hidroxietilamido é uma macromolécula
teradas para micelas globulares tem um interesse particular na
usada como substituto de plasma. Outros polímeros sintéticos
aplicação prática dos tensoativos. Os sistemas tensoativos com
são aplicados como agentes de revestimento em formas far-
micelas em formato de bastão podem apresentar elevadas visco-
macêuticas sólidas visando proteger os fármacos suscetíveis
sidades. Quando não são requeridos sistemas muito viscosos, po-
à umidade atmosférica ou à degradação frente às condições
de-se solubilizar uma quantidade suficiente de hidrocarbonetos
ácidas do estômago. Às vezes, os eletrólitos coloidais (agen-
para romper os bastões. Quando longos bastões são transforma-
tes com ação de superfície) são usados para aumentar a so-
dos em micelas globulares, as forças de atração entre as micelas
lubilidade, a estabilidade e o gosto de certos compostos em
tornam-se menores e o ponto de turvação dos tensoativos não-iô-
solução aquosa e em preparações farmacêuticas oleosas.
nicos é aumentado. Ou seja, a solubilidade do tensoativo no meio
Além das aplicações farmacêuticas acima mencionadas,
torna-se maior. Assim, as transições bastão-esfera fornecem uma
os colóides também são muito usados em sistemas de libera-
explicação para o aumento incomum do ponto de turvação pela
ção de fármacos. Destes, existem sete principais tipos de sis-
solubilização de hidrocarbonetos nas micelas. Álcoois estabili-
temas de liberação de fármacos em uso: hidrogéis, micropar-
zam os bastões; por isso, diminuem o ponto de turvação.50 Isto é:
tículas, microemulsões, lipossomas, micelas, nanopartículas e
os álcoois diminuem a solubilidade do tensoativo.
nanocristais (Tabela 17-6)51. O Capítulo 22 contempla descri-
ções mais detalhadas a respeito desses diferentes sistemas de
liberação de fármacos. Aqui, serão mencionadas as principais
APLICAÇÕES FARMACÊUTICAS DOS COLÓIDES características de cada um deles.

Tem-se verificado que certas substâncias com propriedades Hidrogéis


medicinais possuem propriedades terapêuticas incomuns ou
aumentadas quando formuladas no estado coloidal. O cloreto Enquanto que um gel é um colóide com fase dispersante líquida
de prata coloidal, o iodeto de prata e a proteína de prata são e fase dispersa sólida (ver Conceito, Sistemas Coloidais), um
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 509

TABELA 17-6
SISTEMAS COLOIDAIS DE LIBERAÇÃO DE FÁRMACO*
Diâmetro médio de Tipo de sistema Sistemas representantes
partícula característico de liberação de cada tipo Aplicações características

0,5–20 μm Microesferas, Microesferas poliméricas de alginato, Liberação sustentada de fármacos,


hidrogéis gelatina e quitosana, hidrogéis suportes para liberação celular na
poliméricos sintéticos ou biodegradáveis engenharia de tecidos
0,2–5 μm Micropartículas Microesferas polilácticas e de poliestireno Liberação sítio-específica de fármacos
0,15–2 μm Emulsões, Emulsões óleo-água, água-óleo ou lipídicas, Liberação sítio-específica e
microemulsões microemulsões óleo-água controlada de fármacos
30–1.000 nm Lipossomas Vesículas poliméricas bicamada e Liberação sítio-específica de fármacos
fosfolipídicas
3–80 nm Micelas Micelas de tensoativos naturais e sintéticas Liberação sítio-específica de fármacos
2–100 nm Nanopartículas Nanopartículas inorgânicas de lipídeos e de Liberação sítio-específica de
polímeros fármacos, dispositivos de
navegação in vivo
2–100 nm Nanocristais Quantum dots Agentes de imagem
*Baseda em: K. Kostarelos, Adv. Colloid Interface Sci. 106, 147, 2003.

hidrogel é um gel coloidal no qual a água é o meio de disper- das micropartículas têm sido desenvolvidas para aumentar
são. Atualmente, os hidrogéis naturais e sintéticos são usados a eficiência e melhorar os perfis de liberação dos fármacos.
na cura de feridas, como suportes para a engenharia de tecidos Muitos estudos têm focado o desenvolvimento de métodos que
e em sistemas de liberação sustentada. Os géis usados em feri- reduzam a captação das nanopartículas por células do sistema
mentos são excelentes para ajudar a criar ou manter o ambiente retículo-endotelial e melhorem sua captação por células-alvo.
úmido. Alguns hidrogéis favorecem a absorção, assepsia e de- Por exemplo, foram investigados revestimentos funcionais de
bridamento de tecidos necrosados e fibróticos. Quando usados microesferas não-biodegradáveis de poliestireno carboxilado
como suportes para engenharia de tecidos, os hidrogéis podem e microesferas biodegradáveis de poli(D,L lático-co-glicóli-
conter células humanas que estimulam o reparo tecidual.52 Os co) com poli(L-lisina)-g-poli(etilenoglicol) (PLL-g-PEG), na
hidrogéis contendo fármacos podem proporcionar sua liberação tentativa de protegê-las da fagocitose não-específica e assim
sustentada. Tem-se dado atenção especial aos hidrogéis ambien- permitir interações ligante-específicas via reconhecimento
te-sensíveis,53 que têm capacidade de detectar alterações de pH, molecular.54 Verificou-se que os revestimentos conjugados
temperatura ou concentrações de metabólitos específicos e libe- de PLLg-PEG-ligante viabilizaram a ligação alvo-específica
rar seu conteúdo em função dessas alterações. Esses hidrogéis das microesferas a macrófagos no sangue humano e a células
podem ser usados em sistemas de liberação sítio-específica de dendríticas, ao mesmo tempo que reduziram a fagocitose não-
fármaco. Hidrogéis que respondem à presença de determinadas específica. As micropartículas também podem ser usadas para
moléculas, tais como glicose ou antígenos, podem ser usados facilitar rotas não-tradicionais de administração de fármacos.
como biossensores e como sistemas de liberação de fármacos. Por exemplo, verificou-se que as micropartículas podem ser
Hidrogéis sensíveis à luz, eletrossensíveis e barorreativos (que usadas para melhorar a imunização usando-se a rota pelas mu-
respondem à pressão) também apresentam potencial de uso na cosas para a administração de medicamentos.55 Nesse estudo,
liberação de fármacos. Embora a idéia de ter hidrogéis sensíveis verificou-se que após a liberação na mucosa as micropartículas
ao ambiente seja plausível, é necessário que as propriedades dos puderam deslocar-se para os tecidos do compartimento sistê-
hidrogéis sejam aperfeiçoadas para que eles possam ter aplica- mico do sistema imune e provocar reações imunológicas.
ção prática. Os desafios mais importantes em termos de deli-
neamento de hidrogéis sensíveis ao ambiente incluem: tempo
de resposta lento, biocompatibilidade limitada e biodegradação. Emulsões e microemulsões
Contudo, se as realizações do passado podem ser extrapoladas
para o futuro, é bem provável que surjam hidrogéis inteligentes As microemulsões são excelentes candidatas para potenciais
com uma ampla gama de propriedades desejáveis.53 sistemas de liberação de fármacos porque apresentam melhor
solubilização do fármaco, maior vida de prateleira e podem
ser mais facilmente preparadas e administradas. Três diferen-
Micropartículas tes microemulsões – fase externa oleosa, fase externa aquosa e
fase intermediária – podem ser usadas para a liberação de fár-
Micropartículas são pequenas microesferas (0,2 a 5 μm) de macos, dependendo do tipo de fármaco e do local de ação.56,57
polímeros naturais ou sintéticos. As micropartículas foram Ao contrário das micropartículas, que demonstram diferenças
inicialmente desenvolvidas como carreadores de vacinas e distintas entre a parte externa e o núcleo, as microemulsões
fármacos anticâncer. Mais recentemente, novas propriedades costumam ser formadas por partículas mais ou menos homogê-
510 P ATRICK J. S INKO

neas. As microemulsões são usadas para liberação controlada utilizar duas tecnologias para se obter em nanocápsulas: poli-
e liberação sítio-específica de diversos fármacos. Por exemplo, merização interfacial do monômero ou nanodeposição inter-
as microemulsões foram usadas para liberar oligonucleotídeos facial de polímeros pré-formados.65 Nanopartículas lipídicas
(pequenos fragmentos de DNA) nas células cancerosas do ová- sólidas foram desenvolvidas no início de 1990 como sistemas
rio.58 Em contraste com as microemulsões, as nanoemulsões carreadores alternativos a emulsões, lipossomas e nanopartí-
consistem de dispersões óleo-água muito finas, com gotículas culas poliméricas. Elas são usadas particularmente em cos-
de diâmetro menor que 100 nm. Comparadas com as microe- méticos de uso tópico e em formulações farmacêuticas.66 Um
mulsões, elas estão em um estado metaestável e sua estrutura novo sistema nanoparticulado tem sido desenvolvido por Roy
depende das condições do sistema. As nanoemulsões são sis- e colaboradores67 como carreador de fármaco para terapia fo-
temas bastante frágeis. Elas podem ser aplicadas no cuidado todinâmica. Ele pode gerar uma dispersão aquosa estável de
com a pele devido a suas ótimas propriedades sensoriais (pe- fotossintetizantes hidrofóbicos, ainda que preserve o passo es-
netração rápida, textura acetinada) e biofísicas (especialmente sencial da fotogeração do oxigênio singleto, necessário à ação
seu poder hidratante).59 fotodinâmica. As nanopartículas também têm sido usadas em
sistemas de liberação de genes não-virais.68

Lipossomas
Nanocristais
Os lipossomas consistem de um núcleo interno líquido reves-
tido por uma membrana uni ou multilamelar. Na maioria dos Recentemente, nanoestruturas inorgânicas semelhantes a siste-
casos, os lipossomas são formados por fosfolipídeos naturais mas biológicos têm atraído muito interesse na área biológica
ou sintéticos similares àqueles da membrana celular plasmá- e médica.69 Larson e colaboradores69 começaram a explorar a
tica. Devido à sua semelhança, os lipossomas são facilmente aplicabilidade de sistemas alvo-específicos in vivo usando pon-
utilizados pelas células. Eles podem conter fármacos ou outros tos semicondutores de quanta (qdots), pequenos cristais inor-
componentes mediante dois principais modos: os compostos gânicos (<10 nm) que possuem propriedades luminescentes
lipofílicos podem ser associados com a membrana lipossomal únicas. Sua emissão fluorescente é estável e sincronizada pela
e as substâncias hidrofílicas podem ser dissolvidas no núcleo variação ou composição do tamanho de partícula. Adicionando-
líquido dos lipossomas. Para diminuir sua captação pelas cé- se uma molécula-alvo, pode-se direcionar estes qdots a órgãos
lulas do sistema retículo-endotelial e/ou melhorar sua capta- ou tecidos de interesse. Em particular, verificou-se que qdots
ção pelas células-alvo, a membrana dos lipossomas pode ser de CdSe e ZnS laminados e revestidos com um peptídeo com
modificada usando-se cadeias poliméricas e/ou moléculas ou afinidade pulmonar acumularam-se nos pulmões de rato após
anticorpos específicos direcionados às células-alvo. Uma vez injeção intravenosa, enquanto que dois outros peptídeos pu-
que são relativamente fáceis de preparar, biodegradáveis e ató- deram direcionar qdots especificamente aos vasos sangüíneos
xicos, os lipossomas têm tido muitas aplicações como sistemas ou vasos linfáticos de tumores.69 Como no caso dos liposso-
de liberação de fármacos.60,61 mas, a adição de polietilenoglicol a qdot revestidos prevê seu
acúmulo não-seletivo no sistema retículo-endotelial. Tudo isso
faz dos qdots promissores agentes de imagem. O uso de pontos
Micelas semicondutores de quanta como marcadores fluorescentes na
microscopia multifotônica viabiliza imagens multicoloridas de
As micelas são estruturas similares aos lipossomas, mas não ambientes biológicos exigentes, como os tecidos vivos.70
têm o núcleo interno líquido. Logo, elas podem ser usadas
como microrreservatórios hidrossolúveis biocompatíveis para
a liberação de fármacos hidrofóbicos pouco solúveis.62 Como
nos lipossomas, suas superfícies podem ser modificadas com TÓPICO AVANÇADO: TERMODINÂMICA DA
anticorpos (imunomicelas) ou outras moléculas que melhorem MICELIZAÇÃO
sua capacidade em interagir de forma específica com seus antí-
genos.63 As micelas formadas de copolímeros em bloco do tipo
Pluronic são adjuvantes farmacêuticos reconhecidos e listados As propriedades das soluções micelares podem ser explicadas
na US e British Pharmacopoeia. Elas têm sido bastante usa- mediante dois modelos.71 De acordo com o modelo de separa-
das em várias formulações farmacêuticas, incluindo aquelas ção de fase, a micelização pode ser considerada como a for-
de liberação de fármacos de pequena massa molecular, poli- mação de uma fase separada de uma solução aquosa. Abaixo
peptídeos e DNA.64 Ainda, os copolímeros em bloco do tipo da CMC, o sistema contém moléculas de tensoativos (monô-
Pluronic são moléculas versáteis que podem ser usadas como meros) molecularmente dispersas na água. Acima da CMC, o
elementos estruturais em sistemas policatiônicos de liberação sistema contém duas fases em equilíbrio: uma contendo mo-
de genes (ou poliplexos). nômeros de tensoativo na solução aquosa e outra contendo mi-
celas de tensoativo. Nesse modelo, a micelização não é uma
associação progressiva de monômero de tensoativo, mas sim o
Nanopartículas processo de uma etapa.72
O modelo de ação de massas representa uma segunda abor-
Nanocápsulas são sistemas coloidais submicroscópicos carre- dagem. De acordo com este ponto de vista, a micelização pode
adores de fármacos compostos por um núcleo oleoso ou aquo- ser considerada como uma associação gradual de monômeros
so circundado por uma fina membrana polimérica. Podem-se para formar o agregado. Ele é apropriado em casos de micelas
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 511

relativamente pequenas. Thomas e Christian71 mostraram que A energia livre padrão de micelização, ΔGomic, ou seja,
o modelo de separação de fase é um caso especial de modelo a energia livre padrão por mol de monômero de tensoativo,
de ação de massas quando o número de agregação das micelas ΔGo/n, é:
é grande. O número de agregação é simplesmente o número de G◦ RT
moléculas de tensoativo que permanecem juntas para formar uma G ◦mic ln K (17-44)
n n
única micela. Ambos os modelos podem ser combinados para ge-
rar uma expressão para a energia livre padrão de micelização. Note que cada termo é dividido pelo número de agregação,
Na formação de uma micela iônica a partir de um tensoati- n, para dar a energia livre por monômero individual. Das equa-
vo aniônico, tal como o laurilsulfato de sódio (C12H25SO4– Na+, ções (17-43) e (17-44) se depreende que:
abreviado como R–X+), n íons anfifílicos, R–, juntamente com m RT [Rn X m ] Q−
contra-íons, X+, formam uma micela carregada negativamente, G ◦mic ln − n (17-45)
n [R ] [X ]m
n R − m X ↔ [Rn X m ] Q− (17-41)
De acordo com o modelo de separação de fases, na CMC
onde Q– é a carga líquida na micela, Q– = n – m, n é o número de a concentração de monômeros é [R–] = [X+] = CMC. Rearran-
agregação e m é o número de contra-íons ligados à micela (ver jando a equação (17-45), temos que:
Figura 17-19). Por exemplo, para uma micela de C12H25SO4– 1 m
Na+, o número de agregação, n, é 50 (C12H25SO4–),73 ou 50 íons G ◦mic RT ln [Rn X m ] Q− − ln(CMC)− ln (CMC)
laurilsulfato negativamente carregados e m é 45 Na+ ou 45 íons n n
sódio positivamente carregados. Logo, a carga sobre a micela é (17-46)
Q = n – m = 5 cargas negativas. Na CMC, o termo (1/n) 1n[Rn Xm]Q– pode ser negligencia-
Para gerar a eletroneutralidade, devem estar presentes em do.74 Logo, a equação (17-46) se reduz a
solução cinco íons Na+ positivamente carregados, localizados m
no lado de fora da camada de paliçada da micela. Eles não es- G ◦mic RT 1 ln (CMC) (17-47)
tão considerados na equação (17-41). A partir da lei de ação de n
massas, a constante de equilíbrio é: ou, uma vez que m = n – Q–, a equação (17-47) também pode
[Rn X m ] Q− ser escrita como:
K (17-42) Q−
[R − ]n [X ]m G ◦mic RT 2 ln (CMC) (17-48)
n
Ou, como no exemplo anterior,
C12 H25 SO4 − Na
5 Conhecendo-se a CMC, o número de agregação n e a car-
K 50 45
(17-43) ga sobre a micela, podemos calcular ΔGomic para uma micela
− 50 45
C12 H25 SO4 · Na aniônica. A mesma equação pode ser aplicada a micelas catiô-
nicas mediante a substituição de Q– na equação (17-48) pela
carga positiva Q+ sobre a micela. Q+ e Q– são determinados a
partir do grau de ionização do tensoativo, que pode ser obtido
por espalhamento de luz, FEM ou medidas de condutividade.
Para micelas não-iônicas, m = 0, e a equação (17-48)
torna-se:
G ◦mic RT ln(CMC) (17-49)
As mudanças de entalpia e entropia-padrão de micelização
podem ser calculadas a partir das expressões
◦ ◦
− Hmic 1 Smic
ln(CMC) (17-50)
R T R
e
G ◦mic ◦
Hmic ◦
− T Smic (17-51)

Referências
1. H. K. Chan and I. Gonda, J. Pharm. Sci. 78, 176, 1989.
Contra-íon Tensoativo
2. C. J. Drummond, G. G.Warr, F. Grieser, B.W. Nihaen and D. F. Evans, J.
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Figura 17-19 Desenho esquemático de uma micela aniônica onde n = 7 e a 4. T. J. Racey, P. Rochon, D. V. C. Awang and G. A. Neville, J. Pharm.
carga, Q, é 7 – 4 = 3–. Os quatro íons positivos necessários para a eletroneutra- Sci. 76, 314, 1987; T. J. Racey, P. Rochon, F. Mori and G. A. Neville, J.
lidade estão imediatamente do lado de fora da micela. A figura mostra os monô- Pharm. Sci. 78, 214, 1989.
meros dissociados de tensoativo em equilíbrio com a micela, conforme expresso 5. P. Mukerjee, J. Phys. Chem. 76, 565, 1972.
na equação (17-41). Um exemplo mais real é dado no texto, onde n = 58. 6. K. W. Herrmann, J. Colloid Interface Sci. 22, 352, 1966.
512 P ATRICK J. S INKO

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18
18 DISPERSÕES GROSSEIRAS

SUSPENSÕES Adsorção de partículas sólidas


PROPRIEDADES INTERFACIAIS DAS ESTABILIDADE FÍSICA DAS EMULSÕES
PARTÍCULAS SUSPENSAS Cremagem e a lei de Stokes
Coalescência e quebra
SEDIMENTAÇÃO EM SUSPENSÕES
Avaliação da estabilidade
Teoria da sedimentação
Inversão de fases
Efeito do movimento browniano
Sedimentação de partículas floculadas CONSERVAÇÃO DAS EMULSÕES
Parâmetros de sedimentação
PROPRIEDADES REOLÓGICAS DAS EMULSÕES
FORMULAÇÃO DE SUSPENSÕES
MICROEMULSÕES
Molhabilidade das partículas
Floculação controlada SEMI-SÓLIDOS
Floculação em veículos estruturados Géis
Considerações reológicas Sinerese e intumescimento
Preparação de suspensões Classificação dos semi-sólidos de uso farmacêutico
Estabilidade física das suspensões Propriedades hidrofílicas dos semi-sólidos
Propriedades reológicas dos semi-sólidos
EMULSÕES
Universo das medicações tópicas
Tipos de emulsão
Aplicações farmacêuticas CINÉTICA DE FÁRMACOS EM SISTEMAS
DISPERSOS GROSSEIROS
TEORIAS DA EMULSIFICAÇÃO
Adsorção monomolecular DIFUSÃO DE FÁRMACOS EM SISTEMAS
Adsorção multimolecular e formação de filme DISPERSOS GROSSEIROS

Ao final deste capítulo, o estudante Os sistemas particulados têm sido classificados (Tabela
OBJETIVOS DO CAPÍTULO deverá estar apto a: 17-1, p. 484) com base no tamanho de partícula em: dispersões
(Capítulo 5), sistemas coloidais (Capítulo 17) e dispersões
1 Descrever o que são suspensões farmacêuticas e quais suas grosseiras (neste capítulo). Este capítulo visa dar ao farma-
funções na área farmacêutica. cêutico a possibilidade de compreender o papel da física e da
2 Discutir as qualidades desejáveis das suspensões farma- química na pesquisa e no desenvolvimento de várias classes de
cêuticas. dispersões grosseiras. A teoria e tecnologia dessas importantes
3 Discutir os fatores que afetam a estabilidade das suspen- classes de formas farmacêuticas estão baseadas nos princípios
sões e explicar o que é floculação. interfaciais e coloidais, micromerítica e reologia (Capítulos
4 Descrever a teoria da sedimentação e os sedimentos e cal- 16, 19, 20 e 22, respectivamente).
cular as velocidades de sedimentação.
5 Definir e calcular os dois parâmetros úteis da sedimenta-
ção, o volume de sedimentação e o grau de floculação.
6 Descrever as abordagens comumente usadas na prepara-
SUSPENSÕES
ção de emulsões fisicamente estáveis.
Uma suspensão farmacêutica é uma dispersão grosseira na
7 Definir emulsão farmacêutica e agente emulsionante e
qual as partículas sólidas estão dispersas em um meio líquido.
identificar os três principais tipos de emulsões.
As partículas têm diâmetros, na sua maioria, maiores do que
8 Discutir as quatro classificações da instabilidade de emul- 0,1 μm e, com o uso de microscópio, pode-se observar o mo-
sões farmacêuticas. vimento browniano de algumas partículas se a dispersão for
9 Compreender semi-sólidos, propriedades tixotrópicas, si- pouco viscosa.
nerese e intumescimento. Alguns xaropes contendo antibióticos, os quais normal-
10 Classificar os semi-sólidos farmacêuticos. mente contêm de 125 a 500 mg de material sólido por 5 mL,
11 Descrever e dar exemplos de dispersões grosseiras. são exemplos de suspensões orais. Quando formulados para
514 P ATRICK J. S INKO

ramente atingida, é importante salientar que, se as partículas


CONCEITO SUSPENSÕES sofrerem sedimentação, elas devem ser facilmente redispersas
mediante agitação moderada.
As suspensões são importantes na pele e nas mucosas e para
para a Farmácia e a Medicina na a administração parenteral de
medida em que oferecem uma fármacos insolúveis. Portanto, PROPRIEDADES INTERFACIAIS DAS PARTÍCULAS
forma mais palatável a substân- as suspensões de uso farma-
cias insolúveis, que apresentam, cêutico podem ser classificadas
SUSPENSAS
muitas vezes, gosto desagradá- em três grupos: misturas para
vel. Também proporcionam for- administração oral, loções de Pouco se sabe sobre as condições energéticas nas superfícies
mas adequadas para aplicação aplicação externa e preparações dos sólidos, ainda que o conhecimento a respeito das condi-
de substâncias dermatológicas injetáveis. ções termodinâmicas seja necessário para o sucesso da estabi-
lização das partículas suspensas.
É preciso exercer um trabalho para reduzir sólidos a pe-
quenas partículas e, assim, poder dispersá-las em um meio
contínuo. A grande área de superfície das partículas que re-
uso na forma de gotas pediátricas, a concentração do material sultam da cominuição está associada à energia livre de super-
suspenso é, por conseqüência, maior. Antiácidos e suspensões fície que torna o sistema termodinamicamente instável. Isso
radiopacas geralmente contêm elevadas concentrações de sóli- leva a entender que as partículas são altamente energéticas e
dos dispersos. Há inúmeras suspensões tópicas de uso externo, tendem a reagrupar-se de modo a diminuir a área total e assim
designadas para fins dermatológicos, cosméticos e de proteção. reduzir a energia livre de superfície. Logo, as partículas em
A concentração da fase dispersa pode exceder a 20%. As sus- um líquido de suspensão tendem a flocular, ou seja, a formar
pensões parenterais contêm de 0,5 a 30% de partículas sólidas. aglomerados leves e porosos, unidos por ligações fracas do
A viscosidade e o tamanho de partícula são fatores importantes tipo van der Waals. Sob certas condições – em um sedimento
porque afetam a facilidade de injeção e a disponibilidade do compacto, por exemplo – as partículas podem aderir-se por
fármaco em terapias de depósito. ligações fortes para formar o que chamamos de agregados. O
Uma boa suspensão deve apresentar certas qualidades de- denominado caking normalmente se forma por meio de cres-
sejáveis. O material suspenso não deve sedimentar rapidamen- cimento e fusão de cristais nos precipitados que produzem
te; as partículas que sedimentam no fundo do recipiente não um agregado sólido.
devem formar um compacto de difícil redispersão, mas devem, A formação de qualquer tipo de aglomerado, seja flóculos
sim, ser facilmente redispersas como uma mistura uniforme ou agregados, é tida como uma medida da tendência do siste-
frente à agitação do recipiente; a suspensão não deve ser mui- ma em atingir um estado termodinamicamente mais estável.
to viscosa a ponto de dificultar sua saída pelo orifício da em- O aumento do trabalho, W, ou da energia livre de superfície,
balagem ou através da agulha da seringa. Em se tratando de ΔG, provocado pela divisão do sólido em partículas menores,
loções de uso externo, o produto deve ser fluido o suficiente com conseqüente aumento de sua área de superfície total, ΔA,
para espalhar-se com facilidade sobre a área afetada, mas não é dado por:
deve ser tão móvel aponto de escorrer da superfície na qual
está sendo aplicado; deve secar rapidamente e formar um filme G γS L · A (18-1)
elástico protetor que não sai pelo atrito e deve ter cor e odor onde γSL é a tensão interfacial entre o meio líquido e as partí-
aceitáveis. culas sólidas.
É importante que as características da fase dispersa se-
jam escolhidas com cuidado, para que se produza uma sus-
pensão com ótimas propriedades físicas, químicas e farma- EXEMPLO 18-1
cológicas. A distribuição do tamanho de partícula, a área de Energia livre de superfície
superfície específica, a inibição do crescimento de cristais e Calcular a variação de energia livre de superfície de um sólido
as alterações das formas polimórficas são propriedades im- em suspensão quando a superfície total é aumentada de 103 para
portantes. O formulador deve garantir que estas e outras pro- 107 cm2. Assumir que a tensão interfacial entre o sólido e o meio
priedades1-3 não sofram alterações significativas que afetem líquido, γLS, é 100 dina/cm.
adversamente a eficácia da suspensão durante seu período de A energia livre inicial é:
armazenamento. É desejável que o produto contenha subs-
G 1 = 100 × 103 = 105 erg cm2
tâncias de fácil obtenção, que possam ser incorporadas na
mistura com relativa facilidade usando-se métodos e equi- Quando a área de superfície é 107 cm2,
pamentos-padrão. G 2 = 100 × 107 = 109 erg cm2
O restante desta seção será dedicado à discussão de algu-
mas propriedades que proporcionam as características desejá- A variação na energia livre, ΔG21, é 109 – 105 ∼ 9 2
= 10 erg/cm .
veis anteriormente citadas. A energia livre foi aumentada em 109, o que faz o sistema
Para fins farmacêuticos, a estabilidade física das suspen- termodinamicamente mais instável.
sões pode ser definida como a condição na qual as partículas
não se agregam, mas sim, permanecem uniformemente distri- Para aproximar-se do estado estável, o sistema tende a re-
buídas dentro da dispersão. Uma vez que essa situação é ra- duzir a energia livre de superfície. O equilíbrio é alcançado
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 515

quando ΔG = 0. Essa condição pode ser alcançada, como visto vado e a colisão entre partículas é neutralizada. O sistema
na equação (18-1), pela redução da tensão superficial ou dimi- permanece defloculado e, quando a sedimentação é comple-
nuição da área interfacial. A última possibilidade, que leva a ta, as partículas formam um arranjo bastante compacto com
floculação ou agregação, pode ser desejável ou indesejável em pequenas partículas preenchendo os espaços vazios entre as
uma suspensão farmacêutica, conforme considerado na seção grandes partículas. As partículas menores presentes no se-
anterior. dimento são gradualmente pressionadas pelo peso daquelas
A tensão interfacial pode ser reduzida pela adição de um localizadas acima. Assim, a barreira energética passa a ser
tensoativo, mas normalmente não pode ser igual a zero. Assim, sobrepujada, fazendo com que as partículas fiquem muito
uma suspensão de partículas insolúveis normalmente possui próximas umas das outras. Para ressuspender e redispersar
uma tensão interfacial positiva finita e as partículas tendem a estas partículas, é necessário superar esta elevada barreira de
flocular. Uma análise similar também pode ser feita para a que- energia. Uma vez que isso não é alcançado com facilidade
bra das emulsões. mediante agitação, as partículas tendem a permanecer forte-
As forças na superfície da partícula afetam o grau de flo- mente ligadas umas às outras, formando um sedimento duro.
culação e aglomeração da suspensão. As forças de atração são Quando as partículas são floculadas, a barreira de energia ain-
do tipo London-van der Waals. As forças de repulsão surgem da é muito grande para ser sobrepujada; então, as partículas
da interação entre as duplas camadas elétricas que circundam próximas localizam-se no segundo mínimo de energia, que
cada partícula. A formação da dupla camada elétrica é vista está a uma distância de separação de pelo menos 1.000 a 2000
em detalhes no Capítulo 16, que trata dos fenômenos de inter- Å. Essa distância é suficiente para formar flóculos estrutu-
face. O estudante é recomendado a revisar, neste ponto, a se- ralmente frouxos. Este conceito envolve a teoria do DLVO
ção que diz respeito às propriedades elétricas dos colóides (p. para a estabilidade de sóis liofóbicos (p. 500). Schneider e
497-499), porque os aspectos relacionados à carga das partí- colaboradores4 desenvolveram um programa computacional
culas, à formação da dupla camada elétrica e ao potencial zeta para calcular as energias de repulsão e atração em suspen-
são, todos, relevantes para o presente tópico. sões farmacêuticas. Eles apresentaram os métodos de uso das
A energia potencial de duas partículas em função da dis- equações da DLVO e algumas considerações importantes a
tância de separação está representada graficamente na Figu- respeito das muitas unidades físicas envolvidas, além de te-
ra 18-1. O gráfico mostra as curvas descrevendo a energia rem dado exemplos detalhados.
de atração, a energia de repulsão e a energia resultante, que Em resumo, as partículas floculadas estão fracamente liga-
tem um pico e dois mínimos de energia. Quando a energia das, sedimentam rapidamente, não formam sedimentos com-
de repulsão é elevada, o potencial de barreira também é ele- pactos e são ressuspensas com facilidade. As partículas deflo-
culadas sedimentam lentamente e no final formam sedimentos
nos quais a agregação ocorre como resultado da formação de
um sedimento compacto e de difícil ressuspensão.

SEDIMENTAÇÃO EM SUSPENSÕES
Curva de repulsão

Energia de Conforme mencionado anteriormente, um aspecto da estabili-


interação
dade física das suspensões de uso farmacêutico diz respeito à
Curva de energia
para uma suspensão manutenção da uniformidade de distribuição das partículas no
floculada seio da dispersão. Embora raramente seja possível prevenir por
completo a sedimentação por um longo período de tempo, é
Partícula necessário considerar os fatores que influenciam na velocidade
de sedimentação.
Partícula

Teoria da sedimentação
Conforme discutido no Capítulo 16, a velocidade de sedimen-
Curva de atração
tação é expressa pela Lei de Stokes:
d 2 (ρs − ρo )g
v (18-2)
18ηo
onde υ é a velocidade final em cm/s, d é o diâmetro da partícu-
Distância entre as partículas la em cm, ρs e ρo são as densidades da fase dispersa e do meio
dispersante, respectivamente, g é a aceleração da gravidade e
ηo é a viscosidade do meio dispersante, em poise.
Figura 18-1 Curvas de energia potencial para as interações entre partículas As suspensões farmacêuticas diluídas contendo, aproxi-
em suspensão. (Retirada, com permissão, de: A. Martin, J. Pharm. Sci., 50, madamente, menos de 2 g de sólidos por 100 mL de líquido
514, 1961.) se ajustam a essas condições. (Alguns autores acham que a
516 P ATRICK J. S INKO

concentração deve ser menor do que 0,5 g/100 mL, para que a Efeito do movimento browniano
equação de Stokes seja válida.) Em suspensões diluídas, duran-
te a sedimentação as partículas não interferem umas nas outras, Para partículas com diâmetro de cerca de 2 a 5 μm (depen-
de modo que ocorre uma sedimentação livre. Na maioria das dendo da densidade da partícula e da densidade e viscosida-
suspensões farmacêuticas que contenham partículas dispersas de do meio de suspensão), o movimento browniano opõe-se à
em concentrações de 5, 10 ou mais de 10%, as partículas apre- sedimentação de forma significativa à temperatura ambiente,
sentam sedimentação impedida. As partículas interferem umas mantendo o material disperso e com movimento aleatório. O
nas outras na proporção em que vão sedimentando, e a Lei de raio crítico, r, abaixo do qual as partículas irão se manter em
Stokes não mais se aplica. suspensão pelo bombardeamento cinético das moléculas do
Sob tais circunstâncias, pode-se fazer certa estimativa da meio de suspensão (movimento browniano), foi investigado
estabilidade física diluindo-se a suspensão de modo que ela por Burton.6
contenha em torno de 0,5 a 2,0% m/v de fase dispersa. Contu- Usando-se um microscópio, pode-se constatar que o mo-
do, isso nem sempre é recomendado, pois a estabilidade obtida vimento browniano das partículas pequenas em um campo de
não é, necessariamente, aquela da suspensão original. A adição observação de uma suspensão farmacêutica é geralmente eli-
de diluente pode afetar o grau de floculação (ou defloculação) minado quando a amostra é dispersa em uma solução de glice-
do sistema por meio da alteração efetiva da distribuição de ta- rina a 50% que tem uma viscosidade de cerca de 5 centipoise.
manho de partícula. Logo, é improvável que as partículas de uma suspensão far-
Deve-se considerar a desigualdade de forma e tamanho macêutica qualquer, que contenha agentes suspensionantes, se
das partículas que invariavelmente está presente em sistemas encontrem em um estado de movimento browniano vigoroso.
reais. Há outras formas de se expressar a lei de Stokes. Uma
das modificações propostas é a seguinte:5
n
Sedimentação de partículas floculadas
v v (18-3)
onde v′ é a velocidade de queda na interface, em cm/s, e v é Quando se estuda a sedimentação em sistemas floculados,
a velocidade de sedimentação conforme a Lei de Stokes. O observa-se que os flóculos tendem a sedimentarem juntos, pro-
termo representa a porosidade inicial do sistema, ou seja, a duzindo um limite distinto entre o sedimento e o líquido sobre-
fração de volume inicial da suspensão uniformemente mistu- nadante. O líquido acima do sedimento é claro porque até mes-
rada, o qual varia de zero a um. O expoente n é uma medida mo as partículas pequenas estão associadas aos flóculos. Esse
do “empacotamento” do sistema e é um valor constante para não é o caso das suspensões defloculadas contendo faixas de
cada sistema. tamanho de partícula nas quais, de acordo com a lei de Stokes,
as partículas maiores sedimentam mais rapidamente do que as
partículas menores. Nestas últimas, não há formação de um
EXEMPLO 18-2 limite claro (a menos que haja somente um único tamanho de
O diâmetro médio de partícula do carbonato de cálcio em suspen- partícula) e o sobrenadante permanece turvo por um longo pe-
são aquosa é de 54 μm. As densidades do CaCO3 e da água são, ríodo de tempo. O fato de o sobrenadante ser claro ou turvo du-
respectivamente, 2,7 e 0,997 g/cm3. A viscosidade da água é 0,009 rante os estágios iniciais da sedimentação é um bom indicativo
poise a 25 °C. Calcular a velocidade de queda v′ para amostras de o sistema ser floculado ou defloculado, respectivamente.
de CaCO3 com duas diferentes porosidades, 1 = 0,95 e 2 = 0,5. O De acordo com Hiestand,7 a velocidade inicial de sedi-
valor de n é 19,73. mentação de partículas floculadas é determinado pelo tamanho
A partir da Lei de Stokes, a equação (18-2), do flóculo e pela porosidade da massa do agregados. Subse-
(54 × 10−4 )2 (2 7 − 0 997)981 qüentemente, a velocidade depende da compactação e do pro-
v = = 0 30 cm s cesso de rearranjo que ocorre dentro do sedimento. Às vezes,
18 × 0 009
se usa o termo subsidência para descrever a sedimentação em
Aplicando-se logaritmos em ambos os lados da equação sistemas floculados.
(18-3), tem-se que:
ln v = ln v + n ln .
1 = 0 95, Parâmetros de sedimentação
ln v = −1 204 + [19 73(−0 051)] = −2 210 Dois parâmetros bastante úteis que podem ser obtidos do
v = 0 11 cm s estudo da sedimentação (ou mais corretamente, da subsidên-
cia) são o volume do sedimento, V, ou altura, H, e o grau de
Analogamente, para 2 = 0,5, v′ = 3,5 × 10–7 cm/s. Observe-se floculação.
que a baixos valores de porosidade (ou seja, 0,5, que corresponde O volume de sedimentação, F, é definido como a razão
a uma elevada concentração de sólidos em suspensão), a sedi- entre o volume final ou volume definitivo de sedimento, Vu,
mentação é impedida, levando a menores valores de v′. Por ou- e o volume inicial da suspensão, Vo, antes da sedimentação.
tro lado, quando a suspensão torna-se infinitamente diluída (ou Ou seja:
seja, = 1), a velocidade de sedimentação é dada por v′ = v. Neste
exemplo, se = 1, F Vu Vo (18-4)
v = 0 3 × 119 73 = 0 3 cm s O volume de sedimentação pode ter valores menores ou
maiores do que 1. O valor de F é normalmente menor do que 1
que é a velocidade da lei de Stokes. e, nesse caso, o volume máximo de sedimento é menor do que
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 517

O volume de sedimentação
excede o volume de sedimento
e por isso uma quantidade extra
de veículo é adicionada.

0,5 1,0 1,5

Figura 18-2 Volumes de sedimentação mediante a adição de quantidades variadas de agente floculante. Os
exemplos (b) e (c) são farmaceuticamente aceitáveis.

o volume original da suspensão, como mostra a Figura 18-2a, ao volume em um sistema defloculado. Logo, podemos dizer
na qual F = 0,5. Se o volume de sedimento de uma suspensão que:
floculada é igual ao volume original da suspensão, F = 1 (Fi- Volume final de sedimento da suspensão floculada
gura 18-2b). Tal situação é dita “equilíbrio de floculação” e o β
Volume final de sedimento da suspensão defloculada
produto não apresenta sobrenadante quando fica estacionário
na posição vertical. Portanto, este é o mais aceitável farma-
ceuticamente. É possível que o F tenha valores maiores do que EXEMPLO 18-3
1, o que significa que o volume final de sedimento é maior do
que o volume original da suspensão. Isso ocorre porque a rede Calcular o volume de sedimentação de uma suspensão de carbo-
de flóculos formada na suspensão é tão frouxa e leve que os nato de magnésio 5% m/v. O volume inicial é Vo = 100 mL e o volu-
flóculos podem ocupar um volume maior do que aquele ori- me final de sedimento é Vu = 30 mL. Se o grau de floculação é β =
ginalmente ocupado pela suspensão. Esta situação pode ser F/F∞ = 1,3, qual é o volume do sedimento defloculado, F∞?
visualizada na Figura 18-2c, na qual foi adicionado um volu- Temos que
me extra de veículos para acomodar o sedimento. No exemplo F = 30 100 = 0 30
mostrado, F = 1,5. F∞ = F = 0 30 1 3 = 0 23
O volume de sedimentação proporciona apenas um valor
quantitativo da floculação, uma vez que carece de um ponto de
referência significativo.7 Um parâmetro mais adequado para a
floculação é o grau de floculação, β.
Se considerarmos uma suspensão defloculada por comple- FORMULAÇÃO DE SUSPENSÕES
to, o volume final do sedimento será relativamente pequeno.
Representando esse volume como V∞ e baseando-se na equa- As abordagens comumente usadas na preparação de suspen-
ção (18-4), temos que: sões fisicamente estáveis estão compreendidas em duas cate-
F∞ V∞ Vo (18-5) gorias – o uso de veículos de estruturação, para manter as par-
tículas defloculadas em suspensão, e a aplicação dos princípios
onde F∞ é o volume de sedimentação da suspensão deflocula- de floculação, para produzir flóculos que, embora sedimentem
da ou peptizada. O grau de floculação, β, é, portanto, definido rapidamente, são de fácil ressuspensão com um mínimo de
como a razão de F e F∞, ou: agitação.
β F F∞ (18-6) Os veículos de estruturação são de natureza plástica ou
pseudoplástica; suas propriedades reológicas serão discuti-
Substituindo as equações (18-4) e (18-5) na equação das no Capítulo 20. Como vimos na seção anterior, muitas
(18-6), obtemos: vezes se deseja que a tixotropia esteja associada com esses
Vu Vo dois tipos de fluxo. Os veículos estruturados agem retendo
β Vu V∞ (18-7) as partículas (em geral defloculadas) de modo que, de forma
V∞ Vo
ideal, não ocorra sedimentação. Na realidade, normalmen-
O grau de floculação é um parâmetro mais representati- te, sempre haverá algum grau de sedimentação. Contudo, as
vo que F porque relaciona o volume de sedimento floculado propriedades plásticas ou pseudoplásticas desses veículos
518 P ATRICK J. S INKO

facilitam a recomposição de uma dispersão uniforme me- o tensoativo gera floculação excessiva. A glicerina e outras
diante aplicação de uma força. substâncias higroscópicas semelhantes também são de grande
Uma desvantagem dos sistemas defloculados, menciona- valia para a levigação de materiais insolúveis. Aparentemen-
da anteriormente, é a formação de um sedimento compacto te, a glicerina flui através dos espaços entre as partículas para
(caking) após a sedimentação final das partículas. É por essa deslocar o ar, durante o processo de mistura, revestindo-as e
razão que a formulação de suspensões floculadas é a preferi- separando-as umas das outras e permitindo que a água possa
da.8 Melhores estabilidade física e aparência poderão ser ob- penetrar e molhar as partículas individualmente. A dispersão
tidas quando a formulação da suspensão apresentar partículas de gomas coloidais em álcool, glicerina e propilenoglicol via-
floculadas em um veículo estruturado constituído por um co- biliza a penetração da água nos interstícios e é uma prática
lóide hidrofílico. Conseqüentemente, as discussões seguintes bastante comum em Farmácia.
serão centradas nesse ponto e no modo pelo qual se pode al- Para selecionar agentes molhantes adequados de conheci-
cançar o controle da floculação. Independente da abordagem da capacidade de penetração na massa de pó, Hiestand7 usou
usada, o produto deve (a) fluir facilmente do recipiente, e (b) uma canaleta alongada feita de um material hidrofóbico, como
possuir uma distribuição uniforme das partículas em cada dose Teflon, ou revestido por parafina. Em um lado da canaleta, foi
administrada. colocado o pó, e do outro, a solução de agente molhante. Dessa
forma, foi possível observar diretamente a velocidade de pene-
tração da solução no pó.
Molhabilidade das partículas
A dispersão inicial de um pó insolúvel em um veículo é um Floculação controlada
passo importante no processo de obtenção de uma suspensão e
requer considerações adicionais. Às vezes, os pós são adicio- Uma vez que o pó está adequadamente molhado e disperso,
nados ao veículo dispersando-os sobre a superfície do líquido, podemos considerar as várias maneiras de se obter uma flo-
principalmente em procedimentos de grande escala. Em ge- culação controlada, que previna a formação de um sedimento
ral, é difícil dispersar pós devido à camada de ar adsorvida, às compacto e de difícil ressuspensão. O tópico descrito por Hies-
quantidades pequenas de gordura ou a outros contaminantes. tand7 discute de forma conveniente as substâncias usadas para
O pó não é facilmente molhável e, embora apresente elevada produzir a floculação nas suspensões. São elas: eletrólitos, ten-
densidade, ele flutua sobre a superfície do líquido. Substâncias soativos e polímeros.
pulvéreas finas são particularmente suscetíveis a esse efeito Os eletrólitos agem como agentes floculantes mediante re-
por conterem ar entre suas partículas, não sendo facilmente dução da barreira elétrica entre as partículas, evidenciada pela
molhadas mesmo quando forçadas para baixo da superfície da diminuição do potencial zeta e pela formação de pontes entre
suspensão. A molhabilidade do pó pode ser determinada com as partículas adjacentes que as mantêm unidas em um arranjo
facilidade mediante a determinação do seu ângulo de contato estrutural frouxo.
(p. 474) com a superfície do líquido. O ângulo é de aproxima- Se dispersarmos partículas de subnitrato de bismuto em
damente 90o quando as partículas flutuam no lado externo do água, veremos que, baseado nos estudos de mobilidade ele-
líquido. Um pó que flutua abaixo do líquido tem um ângulo troforética, essas partículas apresentam elevada carga positiva
de contato menor e um pó que afunda não apresenta ângulo ou potencial zeta. Devido às fortes forças de repulsão entre as
de contato. Pós que não são facilmente molháveis pela água e, partículas adjacentes, o sistema é defloculado. Preparando-se
em conseqüência, apresentam um grande ângulo de contato, várias suspensões de subnitrato de bismuto contendo concen-
como enxofre, carvão e estearato de magnésio, são chamados trações crescentes de fosfato monobásico de potássio, Haines
de hidrofóbicos. Pós que são facilmente molháveis por água e Martin10 puderam demonstrar a correlação entre o potencial
na ausência de contaminantes adsorventes são chamados de zeta aparente e o volume de sedimentação, compactação e flo-
hidrofílicos. Óxido de zinco, talco e carbonato de magnésio* culação. Os resultados são mostrados na Figura 18-3 e podem
pertencem a esta última classe. ser explicados conforme segue.
Os tensoativos são relativamente úteis na preparação de A adição de fosfato monobásico de potássio às partículas
suspensões para reduzir a tensão interfacial entre as partículas de subnitrato de bismuto suspensas leva à diminuição do po-
sólidas e o veículo. Como resultado da diminuição da tensão tencial zeta positivo, devido à adsorção do ânion fosfato car-
interfacial, o ângulo de contato é diminuído, o ar é deslocado regado negativamente. Com a adição continuada de eletrólito,
o potencial zeta cai a zero e, perante novas adições de fosfato,
da superfície das partículas e a molhabilidade e a defloculação
aumenta no sentido negativo, como mostra a Figura 18-3. A
são favorecidas. Schott e colaboradores9 estudaram o efeito
observação microscópica de várias suspensões mostra que a
defloculante do octoxinol, um tensoativo não-iônico, no me-
determinados potenciais zeta positivos ocorre um máximo de
lhoramento da velocidade de dissolução da prednisona em
floculação, que irá persistir até que o potencial zeta torne-se
comprimidos. Os comprimidos, ao se desintegrarem, formam
suficientemente negativo para levar novamente à deflocula-
pequenos fragmentos que ficam na forma de suspensão deflo-
ção. O início da floculação coincide com a determinação do
culada. O efeito da defloculação é proporcional à concentração
volume máximo de sedimentação. O F permanece razoavel-
de tensoativo. Contudo, a elevadas concentrações de tensoa-
mente constante enquanto a floculação persistir, e o volume
tivo, maiores do que 15 vezes a concentração micelar crítica,
de sedimentação somente diminuirá quando o potencial zeta
tornar-se negativo o suficiente para induzir a nova deflocula-
* N. de T.: Em termos práticos, os exemplos não se aplicam a produ- ção. A ausência de caking na suspensão correlaciona-se com
tos comercialmente disponíveis. o volume máximo de sedimentação que, como já menciona-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 519

Zona de caking Zona de não-caking Zona de caking

Razão
Vu /Vo

Curva Vu /Vo
Potencial zeta aparente

Curva do potencial
zeta

Figura 18-3 Diagrama de formação de caking, mos-


trando a floculação de uma suspensão de subnitrato
de bismuto mediante do uso de um agente floculante,
Caking Sem caking Caking
o fosfato monobásico de potássio. (Retirada, com per-
missão, de: A. Martin and J. Swarbrick, in Sprowls’
American Pharmacy, 6th Ed., Lippincott, Philadelphia,
Concentração de KH2PO4
1966, p. 205.)

do, reflete o grau de floculação. O caking começa a parecer o controle da estrutura do flóculo em suspensões grosseiras
em valores inferiores ao F máximo. pela adição de materiais poliméricos.
Esses autores10 também demonstraram uma correlação Os polímeros hidrofílicos também agem como colóides
similar quando o cloreto de alumínio é adicionado a uma sus- protetores (p. 501). As partículas assim recobertas são menos
pensão de sulfamerazina em água. Nesse sistema, o potencial propensas a formar compactos do que as partículas não-reco-
zeta inicial das partículas de sulfamerazina é negativo e é re- bertas. Esses polímeros apresentam fluxo pseudoplástico em
duzido de forma progressiva pela adsorção do cátion trivalen- solução, o que favorece a estabilidade física das suspensões.
te alumínio. Quando é adicionada uma quantidade suficiente A gelatina, um polímero polieletrólito, apresenta floculação
de eletrólito, o potencial zeta atinge o valor de zero e depois dependente do pH e da força iônica do meio de dispersão.
aumenta no sentido positivo. As partículas coloidais, assim Blythe14 demonstrou que o sulfatiazol sódico precipitado com
como as partículas grosseiras dispersas, podem ter cargas de uma solução ácida na presença de gelatina apresentou fluxo
superfície que dependem do pH do sistema. Uma importante livre no estado seco e não formou caking quando disperso em
propriedade das dispersões pH-dependentes é o ponto zero suspensão. O sulfatiazol normalmente apresenta carga negati-
de carga, ou seja, o pH no qual a carga líquida de superfície é va em veículos aquosos. Contudo, a substância revestida, pre-
zero. Pode-se atingir a carga de superfície desejada por meio cipitada com ácido na presença de gelatina, apresentou car-
do ajuste de pH pela adição de HCl ou NaOH, para produzir ga positiva. Isso ocorre porque a gelatina está positivamente
valores de carga de superfície iguais a zero ou negativos. O carregada no pH no qual ocorre a precipitação. Foi sugerido8
potencial zeta negativo da nitrofurantoína diminui de maneira que o melhoramento das propriedades resulta do fato de as
considerável quando os valores de pH da suspensão são alte-
rados de básicos para ácidos.11
Os tensoativos, iônicos ou aniônicos, têm sido usados para
causar a floculação de partículas suspensas. A concentração
necessária para obter tal efeito é um fator crítico, uma vez que CONCEITO O QUE É UM POLÍMERO ?
essas substâncias também podem agir como agentes molhantes
e defloculantes na obtenção de dispersões. Os polímeros são compostos de cadeia é adsorvida na superfície
Felmeister e colaboradores12 estudaram a influência da cadeia longa e elevadas massas das partículas enquanto que a
goma xantana (um heteropolissacarídeo aniônico) sobre as moleculares que contêm gru- parte restante permanece pro-
características de floculação da sulfaguanidina, do subcar- pamentos ativos espaçados ao jetada em direção ao meio de
bonato de bismuto e de outros fármacos em suspensão. A longo de seu comprimento. Eles dispersão. As pontes formadas
adição de goma xantana resultou em um aumento do volu- funcionam como agentes flocu- entre esta última parte levam à
me de sedimentação, presumivelmente pelo fenômeno de lantes porque uma parte da sua formação de flóculos.
formação de ligações com o polímero. Hiestand13 revisou
520 P ATRICK J. S INKO

partículas positivamente carregadas recobertas com gelatina


estarem, em parte, floculadas em suspensão, presumivelmente
porque a elevada carga negativa é trocada por cargas menores,
ainda positivas. Lipossomas positivamente carregados têm Adsorvente Floculante (–)
sido usados como agentes floculantes para prevenir a forma- catiônico aniônico
ção de caking com partículas negativamente carregadas. Os ( – RNH2+ )
lipossomas são veículos de fosfolipídeos atóxicos que podem Partículas
ser preparados em vários tamanhos.15 Eles são adsorvidos so- Partículas não-revestidas revestidas
(positivamente carregadas, Partículas
bre as partículas carregadas negativamente. (Ver p. 633 para
negativamente carregadas floculadas
ler sobre lipossomas.) ou neutras)

Floculação em veículos estruturados


Agente
Embora a abordagem de floculação controlada seja capaz de suspensio-
satisfazer os requisitos físico-químicos de suspensões farma- nante (–)
cêuticas, a aparência do produto não é bem aceita se F, o vo- Suspensão de partículas Suspensão
lume de sedimentação, não for igual ou próximo a 1. Conse- floculadas antes da pronta
qüentemente, na prática, é freqüente se adicionar um agente adição do
agente suspensionante
suspensionante para retardar a sedimentação dos flóculos. Tais
agentes, como carboximetilcelulose, Carbopol 934, Veegum, Figura 18-4 Seqüência de etapas envolvidas na formação de uma suspensão
goma adragante e bentonita têm sido empregados sozinhos ou estável. (Retirada, com permissão, de: A. Martin and J. Swarbrick, in Sprowls’
em associação. American Pharmacy, 6th Ed., Lippincott, Philadelphia, 1966, p. 206.)
Isso pode levar a incompatibilidades, dependendo da
carga inicial da partícula, da carga do agente floculante e
a do agente suspensionante. Por exemplo, suponha que es-
tamos preparando uma dispersão de partículas carregadas rada do produto da embalagem e qualidades de espalhamento
positivamente que são, então, floculadas pela adição de uma de loções aplicadas na área afetada. As considerações reológi-
concentração adequada de um eletrólito aniônico, como o cas também são importantes no desenvolvimento e manipula-
fosfato monobásico de potássio. Podemos melhorar a estabi- ção das suspensões.
lidade física desses sistemas pela adição de uma quantidade O único cisalhamento que ocorre em suspensões armaze-
mínima de um dos hidrocolóides acima mencionados. Não nadas é devido à sedimentação das partículas suspensas. Tal
será observada incompatibilidade física porque a maioria força é ínfima e pode ser desconsiderada. Contudo, quando a
dos colóides hidrofílicos é carregada negativamente e, por embalagem é agitada e o produto é retirado do frasco, veri-
conseguinte, é compatível com agentes floculantes aniôni- fica-se uma elevada velocidade de cisalhamento. Conforme
cos. Se, contudo, flocularmos uma suspensão de partículas sugerido por Mervine e Chase,16 um agente suspensionante
carregadas negativamente com um eletrólito catiônico (clo- ideal deve ter elevada viscosidade frente a um cisalhamento
reto de alumínio), a adição subseqüente de um hidrocolóide mínimo, ou seja, durante o armazenamento, mas deve ter baixa
pode resultar em um produto incompatível, o que é eviden- viscosidade a elevadas velocidades de cisalhamento, ou seja,
ciado pela formação de uma massa de má aparência, com deve apresentar fluxo livre durante a agitação, retirada da dose
pouca ou nenhuma ação suspensionante e que, por si só, se- e aplicação do produto. Como pode ser visto na Figura 18-5,
dimenta rapidamente. substâncias pseudoplásticas, tais como goma adragante, algi-
Sob certas circunstâncias, torna-se necessário usar um co- nato de sódio e carboximetilcelulose, apresentam as qualidades
lóide protetor para mudar o sinal da partícula de negativo para desejadas. A glicerina, um líquido newtoniano, está incluída
positivo. Isso é possível por meio da adsorção de um ácido no gráfico para fins comparativos. Sua viscosidade é adequada
graxo aminado (com atoxicidade garantida) ou de uma subs- para manter as partículas suspensas, mas é muito elevada para
tância como a gelatina, a qual apresenta carga positiva abaixo garantir uma fácil remoção do produto a partir da embalagem
do seu ponto isoelétrico, sobre a superfície da partícula. Assim, e para espalhá-la sobre a pele. Além disso, a glicerina é pega-
estaremos aptos a usar um eletrólito aniônico para produzir josa (viscosa), propriedade indesejável, além de ser fortemente
flóculos compatíveis com a carga negativa do agente suspen- higroscópica para poder ser usada sem diluir. As curvas mos-
sionante. Essa abordagem pode ser usada independentemente tradas na Figura 18-5 foram obtidas utilizando-se um viscosí-
da carga da partícula. A seqüência de eventos é mostrada na metro de Stormer modificado, descrito na página 587.
Figura 18-4, que é auto-explicativa. Um agente suspensionante tixotrópico ou pseudoplástico
deverá apresentar benefícios dada a sua capacidade de formar
um gel quando em repouso que se torna fluido frente à agita-
Considerações reológicas ção. A Figura 18-6 mostra as curvas de consistência da ben-
tonita, do Veegum (Vanderbilt Co.) e de uma combinação de
Os princípios da reologia podem ser aplicados no estudo dos bentonita e carboximetilcelulose sódica. A curva de histerese
seguintes fatores: viscosidade de suspensões, uma vez que ela da bentonita é bastante acentuada e o Veegum também apre-
afeta a sedimentação das partículas dispersas; mudança das senta uma tixotropia considerável quando ambos são testados
propriedades de fluxo das suspensões mediante agitação e reti- mediante inversão do recipiente contendo a dispersão e anali-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 521

almente o restante da fase líquida, a qual pode conter diversos


Tensão de cisalhamento (peso × k)
fármacos solúveis dissolvidos. A pasta fluida é transferida para
um copo graduado, juntamente com as sucessivas porções de
veículo proveniente do enxágüe do gral e, então, o volume fi-
Goma adragante nal da dispersão é ajustado.
Alginato Em grande escala, a dispersão dos sólidos nos líquidos é

Velocidade de cisalhamento
de sódio realizada utilizando-se moinhos de bolas, de seixos e moinhos
Rotações por minuto (rpm)

coloidais. Misturadores planetários e equipamentos semelhan-


tes também são usados. Somente o moinho coloidal será aqui

(rpm × ks)
Glicerina
descrito. Maiores detalhes sobre os outros moinhos podem
ser encontrados no livro de Fischer,18a Berry e Kamack,18b e
Prasher.18c
O moinho coloidal baseia-se no princípio de um rotor em
forma de cone, girando em alta velocidade, que está centraliza-
Carboximetil do em relação a um estator, com um pequeno espaço ajustável.
celulose Por gravidade, a suspensão é alimentada no rotor através de
um funil de enchimento, cisalhada entre o rotor e o estator e
removida por baixo do estator, onde pode ser novamente reci-
clada ou removida.
Carga (g) A eficiência do moinho depende do espaço entre os discos,
da velocidade periférica do rotor e da viscosidade não-newto-
Figura 18-5 Curvas de fluxo reológico de vários agentes suspensionantes
niana da suspensão. O moinho quebra agregados grandes e fló-
analisados com o viscosímetro de Stormer modificado.
culos, de modo que possam ser dispersos no seio do veículo e
depois protegidos pelo estabilizador da dispersão. A ação de
cisalhamento que leva à desagregação ocorre nas superfícies
sados em um viscosímetro rotatório. Quando as dispersões de dos discos rotatório e estacionário e entre as próprias partí-
bentonita e carboximetilcelulose são misturadas, a curva re- culas de uma suspensão concentrada. Se o valor de cedência
sultante apresenta características tanto pseudoplásticas quanto (yield point) for muito grande, o material acabará não fluindo.
tixotrópicas. Tal combinação deve produzir um excelente meio Se a viscosidade for baixa, ocorre uma perda de efetividade
de suspensão. na ação de cisalhamento. Logo, o valor de cedência deve ser
baixo e a viscosidade plástica ou aparente do material deve
estar na sua consistência máxima e com uma ótima velocidade
Preparação de suspensões de fluxo através do moinho. Se o material é muito viscoso ou
se o espaço de ajuste entre as placas é muito pequeno, a tempe-
Os fatores a serem considerados na preparação e estabilização
ratura aumenta rapidamente e faz-se necessário circular água
de suspensões envolvem determinados princípios de interesse
refrigerada em torno do estator, para assim dissipar o calor
da física farmacêutica e serão brevemente discutidos neste tó-
produzido. Materiais dilatantes – como suspensões floculadas
pico. Os princípios físicos envolvidos na dispersão de sólidos contendo 50% ou mais de sólidos, por exemplo – são parti-
em diferentes equipamentos foram discutidos por Oldshue.17 cularmente problemáticas. Elas fluem livremente no moinho,
Em pequena escala, a suspensão é preparada em um gral, mas se rearranjam a elevadas velocidades de cisalhamento e
mediante trituração ou levigação dos componentes insolúveis produzem superaquecimento e parada do motor. Pode-se mi-
com um veículo contendo o estabilizador da dispersão, até ser nimizar esse risco ajustando-se uma folga maior entre as pla-
obtida uma pasta impalpável. Na seqüência, adiciona-se gradu- cas no início de qualquer processo de moagem. Contudo, se
a técnica falhar, o material pode ser moído em outro tipo de
equipamento ou a pasta ser diluída com um veículo até que a
5% de dilatância seja eliminada.
bentonita

Estabilidade física das suspensões


rpm

5% de Veegum O aumento da temperatura em geral leva à floculação de suspen-


sões estericamente estabilizadas, ou seja, suspensões estabiliza-
das por tensoativos não-iônicos. A repulsão devida às interações
50:50 de CMC e estéricas depende da natureza, da espessura e da integridade
bentonita micronizada das camadas de tensoativo adsorvidas nas partículas. Quando a
suspensão é aquecida, a energia de repulsão entre as moléculas
pode ser reduzida devido à desidratação dos grupamentos polio-
Tensão de cisalhamento (escala de leitura)
xietileno do tensoativo. A energia de atração aumenta e as par-
Figura 18-6 Curvas de fluxo de agentes suspensionantes a 5% em água, tículas floculam.19 Zapata e colaboradores20 estudaram o meca-
mostrando a tixotropia. As curvas foram obtidas usando-se um viscosímetro nismo de instabilidade por congelamento-descongelamento em
Ferranti-Shirley do tipo cone-prato. géis de hidroxicarbonato de alumínio e hidróxido de magnésio,
522 P ATRICK J. S INKO

usados como modelo de suspensão devido à sua conhecida sen- e a temperatura da solução é 30 °C ou 303 K. (a) Calcular a razão
sibilidade frente a mudanças de temperatura. Durante o proces- de supersaturação, c/co, necessária para o crescimento do cristal.
so de congelamento, as partículas podem sobrepujar a barreira O raio, R, das partículas é de 5μm, ou 5 × 10–4 cm e sua densidade
repulsiva causada pela formação do gelo, o que força as partícu- é 1,3 g/cm3. (b) Calcular a razão de supersaturação quando a par-
las bastante próximas a sofrerem as potentes forças de atração tícula é coberta pelo polímero e o raio do poro, R, do polímero na
presentes no mínimo primário e formar agregados de acordo superfície do cristal é 6 × 10–7 cm.
com a teoria do DLVO (ver Figura 17-13, p. 500). Quando o Usando a equação de Kelvin, obtemos:
gelo funde, as partículas permanecem como agregadas, a menos (a)
que seja aplicado um trabalho que sobrepuje o pico de energia c 2 × 100 × 200
ln = = 0 0024
do domínio primário. Verificou-se que o tamanho dos agrega- co 8 314 × 107 × 1 3 × 303 × 5 × 10−4
dos é inversamente proporcional à velocidade de congelamento. c co = antiln(0 0024) = 1 002
Quanto maior for a velocidade de congelamento, menor será o
tamanho dos cristais de gelo formados. Esses pequenos cristais (b)
não resultam na agregação das muitas partículas em suspensão, c 2 × 100 × 200
ln = = 2 036
assim como ocorre com os grandes cristais de gelo. co 8 314 × 107 × 1 3 × 303 × 6 × 10−7
Além da agregação das partículas, o crescimento das par- c co = antiln(2 036) = 7 66
tículas também depende do processo de desestabilização resul-
tante das flutuações de temperatura ou da maturação de Os- Note que c/co representa na parte (a) uma leve supersatura-
twald durante o armazenamento. As flutuações de temperatura ção, enquanto que em (b), para que ocorra crescimento da partícu-
podem mudar a distribuição do tamanho de partícula e a forma la cristalina, a concentração de supersaturação deve ser 7,6 vezes
polimórfica do fármaco, alterando sua velocidade de absorção maior do que a solubilidade da molécula de fármaco. Em outras
e biodisponibilidade.21 O crescimento das partículas tem espe- palavras, a adição de polímero aumenta bastante o ponto no qual
cial importância quando a solubilidade do fármaco é muito de- ocorre a saturação e faz com que seja mais difícil o crescimento
pendente da temperatura. Logo, quando a temperatura aumen- do cristal.
ta, os cristais de fármaco podem dissolver e formar soluções
supersaturadas que favorecem o crescimento de cristais. Isso Ziller e Rupprecht23 desenvolveram uma unidade de con-
pode ser prevenido pela adição de polímeros ou tensoativos. trole para o monitoramento do crescimento dos cristais e es-
Simonelli colaboradores22 estudaram a inibição do crescimen- tudaram a inibição do crescimento usando polivinilpirrolido-
to de cristais de sulfatiazol pelo uso de polivinilpirrolidona. na (PVP) em suspensões de paracetamol. De acordo com os
Os autores observaram que o polímero forma um filme não- autores, alguns dos segmentos do polímero PVP fixam-se nos
condensado, semelhante a um colar em torno dos cristais de espaços livres da estrutura cristalina do fármaco e o políme-
sulfatiazol, permitindo que o cristal cresça somente através dos ro é circundado pela camada de hidratação (Figura 18-7). Os
espaços abertos desse colar. Assim, o crescimento é controlado segmentos adsorvidos do polímero inibem o crescimento de
pelo tamanho dos poros da rede polimérica na superfície do cristais de paracetamol porque formam uma barreira que im-
cristal. Quanto menor for o poro, maior será a supersaturação pede que as moléculas de fármaco em solução se aproximem
da solução necessária para o crescimento do cristal. Isso pode da superfície do cristal. Polímeros do tipo PVP, com elevada
ser observado usando-se a equação de Kelvin (p. 565), aplica- massa molecular, são mais efetivos do que aqueles com baixa
da a partículas suspensas em uma solução saturada:22 massa molecular porque a adsorção do polímero na superfície
c 2γ M do cristal torna-se irreversível à medida que as cadeias aumen-
ln (18-8) tam em tamanho.
co NkTρR
A estabilidade da suspensão também pode diminuir de-
onde c é a solubilidade da pequena partícula de raio R no ve- vido à interação com adjuvantes dissolvidos no meio de dis-
ículo aquoso e co é a solubilidade das partículas cristalinas persão. Zatz e Lue19 estudaram a floculação causada por sor-
grandes; γ é a tensão interfacial do cristal, ρ é a densidade do bitol em suspensões de sulfamerazina contendo tensoativos
cristal e M é a massa molecular do soluto. N é o número de não-iônicos e agentes molhantes. A floculação causada pelo
Avogadro, k é a constante de Boltzmann e N × k = 8,314 × 107 sorbitol depende do ponto de turvação do tensoativo. Dessa
erg K–1 mol–1. A razão c/co define a razão de supersaturação forma, quanto menor for o ponto de turvação, menor será a
requerida pelo cristal grande em relação à partícula pequena, quantidade de sorbitol necessária para induzir a floculação.
em uma solução aquosa saturada. De acordo com a equação O fato de o ponto de turvação poder ser menor para con-
(18-8), à medida que o raio de curvatura do cristal protuberan- servantes como o metilparabeno mostra que a escolha dos
te aumenta, a correspondente razão de supersaturação requeri- adjuvantes pode mudar a resistência à formação de caking
da pela protuberância será maior do que a necessária antes do em uma suspensão contendo tensoativos não-iônicos. Zatz e
seu crescimento. O raio de curvatura da protuberância deve ser Lue19 sugeriram que o ponto de turvação pode ser usado para
igual ao do poro do polímero na superfície do cristal. estimar a concentração de floculação crítica do sorbitol. Lu-
cks e colaboradores24 estudaram a adsorção de conservantes
EXEMPLO 18-4 tais como o cloreto cetilpiridínio sobre partículas de óxido
de zinco em suspensão. Em quantidades mais elevadas desse
Razão de supersaturação conservante, houve uma inversão de carga da suspensão. O
Assuma que a tensão interfacial de uma partícula de fármaco em cloreto de cetilpiridínio, um tensoativo catiônico, tem uma
um veículo aquoso é 100 erg/cm2, sua massa molecular é 200 g/mol carga positiva e fica fortemente adsorvido na superfície das
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 523

Cristal de dispersa quanto a fase contínua podem variar em termos de


fármaco Polímero consistência: vão desde um líquido móvel até um aspecto se-
mi-sólido. Logo, os sistemas emulsionantes variam de loções
com viscosidade relativamente baixa até ungüentos e cremes,
que são de natureza semi-sólida. O diâmetro de partícula da
fase dispersa em geral varia entre aproximadamente 0,1 a 10
μm, embora não seja incomum encontrar preparações com diâ-
metros de partícula tão pequenos quanto 0,01 μm e tão grandes
quanto 100 μm.

Tipos de emulsão
Invariavelmente, uma fase líquida da emulsão é essencial-
mente polar (p. ex., aquosa), enquanto que a outra é relativa-
mente apolar (p. ex., um óleo). Quando a fase oleosa é dis-
persa como glóbulos na fase contínua, o sistema é chamado
de emulsão óleo-água (O/A). Quando a fase oleosa é a fase
contínua, a emulsão é chamada de água-óleo (A/O). Emul-
sões medicinais para administração oral geralmente são
do tipo O/A e necessitam o uso de um agente emulsionan-
te O/A. Eles incluem os tensoativos sintéticos não-iônicos,
gomas arábica e adragante e a gelatina. Contudo, nem to-
das as emulsões consumidas pertencem ao tipo O/A. Certos
alimentos como a manteiga e alguns molhos de salada são
emulsões A/O.
Segmento de As emulsões de uso externo podem ser O/A ou A/O. O
Camada de Solução de primeiro tipo pode empregar os seguintes emulsionantes,
polímero
hidratação fármaco
adsorvido no além dos que já foram mencionados previamente: laurilsulfa-
cristal de to de sódio, estearato de trietanolamina, sabões monovalentes,
fármaco como oleato de sódio, e monoestearato de glicerila auto-emul-
sionável, ou seja, monoestearato de glicerila misturado com
Figura 18-7 Dissolução e cristalização de um fármaco na presença de um
pequenas quantidades de um sabão monovalente ou sulfatos
polímero adsorvido no cristal do fármaco. (Retirada, com permissão, de H. K.
de alquila. As emulsões de uso farmacêutico do tipo A/O são
Ziller and H. Rupprecht, Drug Dev. Ind. Pharm. 14, 2.341, 1988.)
usadas quase que exclusivamente para aplicação externa e po-
dem conter um ou vários dos seguintes emulsionantes: sabões
polivalentes como o palmitato de cálcio, ésteres de sorbitano
partículas. A extremidade positiva da molécula de conser- (Spans), colesterol e lanolina.
vante adsorve-se na superfície carregada negativamente das Existem vários métodos comumente usados para determi-
partículas do óxido de zinco, formando uma camada com nar o tipo de uma emulsão. Pode-se pulverizar pequenas quan-
cadeias hidrocarbonadas orientadas para fora, em direção tidades de um corante solúvel em água, como o azul de me-
ao meio de dispersão. Uma segunda camada de conservante tileno ou o azul brilhante sobre a superfície da emulsão. Se a
adsorve-se nessa monocamada apresentando os grupamen- fase externa for água (ou seja, se a emulsão for do tipo O/A), o
tos positivamente carregados direcionados para o meio de corante irá se dissolver e se dispersar uniformemente na água.
dispersão. Logo, a estabilidade física da suspensão pode ser Se a emulsão for do tipo A/O, as partículas do corante perma-
melhorada devido à repulsão das partículas carregadas. Con- necerão agrupadas sobre a superfície da emulsão. Um segundo
tudo, a adsorção forte do conservante sobre as partículas de método envolve a diluição da emulsão com água. Se a emulsão
óxido de zinco reduz a fração livre biologicamente ativa do se misturar livremente com a água, será do tipo O/A. Outro
conservante no meio de dispersão, de modo que sua ativida- teste usa um par de eletrodos conectados em uma fonte elétrica
de microbiológica pode ser diminuída. externa, os quais são imersos na emulsão. Se a fase externa for
água, a corrente elétrica passará através da emulsão e poderá
desviar a ponta do voltímetro ou então acender uma luz no cir-
EMULSÕES cuito. Se a fase contínua for oleosa, a emulsão não permitirá a
condução da corrente.
Uma emulsão é um sistema termodinamicamente instável que
consiste de pelo menos duas fases líquidas imiscíveis – uma Aplicações farmacêuticas
delas dispersa na forma de glóbulos (fase dispersa) na outra
fase líquida (a fase contínua) –, estabilizadas pela presença de As emulsões O/A são formas convenientes para administrar
um agente emulsionante. Os vários tipos de agentes emulsio- líquidos insolúveis por via oral, especialmente quando a fase
nantes são discutidos posteriormente nesta seção. Tanto a fase dispersa tem sabor desagradável. Uma importante observa-
524 P ATRICK J. S INKO

ção na área farmacêutica atual é a de que alguns compostos Quando um líquido é dividido em pequenas partículas, a
solúveis em óleo, como algumas vitaminas, são melhor ad- área interfacial dos glóbulos constitui uma superfície muito
sorvidos quando emulsificados do que quando administrados maior do que a área de superfície original do líquido. Se 1 cm3
oralmente na forma de solução oleosa. O uso de emulsões de óleo mineral é disperso em glóbulos com um diâmetro de
intravenosas tem sido estudado como uma forma de manter volume-superfície, dvs, de 0,01 μm (10–6 cm) em 1 cm3 de água,
pacientes debilitados inaptos a absorver substâncias adminis- de modo a formar uma emulsão fina, a área de superfície das
tradas oralmente. Tarr e colaboradores25 prepararam emul- gotículas de óleo torna-se igual a 600 m2. A energia livre de
sões de taxol, um composto com propriedades antimitóticas, superfície associada a essa área é cerca de 34 × 107 erg, ou 8 ca-
para administração intravenosa, como um método alternati- lorias. Contudo, o volume total do sistema não foi aumentado;
vo ao uso de co-solventes na administração de taxol. Davis ele permanece igual a 2 cm3. Os cálculos são feitos mediante o
e Hansrani26 estudaram a influência do tamanho de gotícula uso das equações (19-15) e (19-17), página 561, do qual:
e dos agentes emulsionantes sobre a fagocitose de emulsões 6
lipídicas. Quando a emulsão é administrada de forma intra- Sv
dvs
venosa, em geral as gotículas são mais rapidamente captadas 6
pelas células do sistema retículo-endotelial, particularmente Sv 6 × 106 cm2 600 m2
10−6
os macrófagos no fígado. A velocidade de depuração pelos
macrófagos aumenta à medida que o tamanho das gotículas O trabalho inicial ou o aumento da energia livre de super-
torna-se maior ou a carga da superfície, tanto positiva quanto fície é dado pela equação W = γO/A × ΔA. A tensão interfacial,
negativa, aumenta. Dessa forma, as gotículas de emulsão es- γO/A, entre o óleo mineral e a água é 57 dinas/cm (erg/cm2).
tabilizadas por tensoativos não-iônicos (carga de superfície Logo,
zero) foram removidas de maneira muito mais lenta do que W 57 cm2 × (6 × 106 cm2 )
as gotículas estabilizadas com fosfolipídios carregados nega-
tivamente. As emulsões radiopacas têm tido aplicação como 34 × 107 34 joules
agentes de diagnóstico em exames de raios X. e, uma vez que 1 cal = 4,184 joules,
A emulsificação é muito usada em produtos farmacêuticos
34 joules 4 184 8 calorias
e cosméticos de uso externo. Isso ocorre particularmente em
loções dermatológicas e cosméticas e em cremes, porque se Em resumo, se 1 cm3 de óleo mineral é misturado a 1 cm3
deseja que o produto espalhe fácil e completamente sobre a de água para produzir partículas pequenas (dvs = 0,01 μm), a
área afetada. Assim, tais produtos podem ser formulados para superfície total é equivalente a uma área um pouco maior do
não manchar e para serem removidos com água, o que os tor- que uma quadra de basquete, ou seja, cerca de 600 m2. (Em
na mais aceitáveis por parte do paciente e do médico do que emulsões reais, as partículas são normalmente cerca de 10 a
os produtos gordurosos usados décadas atrás. A emulsificação 100 vezes maiores do que isso e a área de superfície é propor-
é usada em aerossóis para produzir espuma. O gás propelen- cionalmente menor). O aumento na energia, 8 calorias, asso-
te que forma a fase líquida dispersa na embalagem vaporiza ciado a essa enorme superfície é suficiente para fazer com que
quando a emulsão é propelida para fora, resultando na forma- o sistema seja termodinamicamente instável; logo, as gotículas
ção rápida de espuma. tendem a coalescer.
Para reduzir a coalescência, ou pelo menos reduzir sua ve-
locidade a proporções insignificantes, é necessário introduzir
um agente emulsionante que formará um filme ao redor dos
TEORIAS DA EMULSIFICAÇÃO glóbulos dispersos. Os agentes emulsionantes podem ser divi-
didos em três grupos, conforme mostrado a seguir:
Não há uma teoria universal de emulsificação, uma vez que
(a) Agentes tensoativos que são adsorvidos nas interfaces
as emulsões podem ser preparadas mediante o uso de di-
óleo-água para formar filmes monomoleculares e reduzir
ferentes tipos de agente emulsionante, cada um dos quais
a tensão interfacial. Esses agentes são discutidos em deta-
dependendo, para sua ação, de um princípio diferente para
lhes no Capítulo 16, nos fenômenos interfaciais.
obter um produto estável. Para que uma teoria seja signifi-
cativa, deve ser capaz de elucidar (a) a estabilidade do pro- (b) Colóides hidrofílicos (discutidos no Capítulo 17) que for-
duto e (b) o tipo de emulsão formada. Vamos considerar o mam um filme multimolecular ao redor das gotículas dis-
que acontece quando dois líquidos imiscíveis são agitados persas das emulsões O/A.27,28
juntos e um deles é disperso no outro na forma de pequenas
(c) Partículas sólidas pulverizadas, que são adsorvidas na in-
gotículas. Exceto no caso de emulsões óleo-água (hidros-
terface entre as duas fases líquidas imiscíveis formando
sóis oleosos) bem diluídas, que são relativamente estáveis,
um filme de partículas ao redor dos glóbulos dispersos. O
os líquidos separam-se rapidamente em duas camadas bem
fator comum a todas essas três classes de agentes emul-
definidas. O insucesso de os dois líquidos imiscíveis não
sionantes é a formação de um filme, seja monomolecular,
permanecerem misturados é explicado considerando-se que
multimolecular ou particulado.
a força de coesão entre as moléculas de cada líquido em se-
parado é maior do que a força de adesão. A força de coesão Tomando isso por base, podemos agora discutir algumas
de cada uma das fases em separado se manifesta como ener- das teorias importantes relativas à estabilidade e ao tipo de
gia ou tensão interfacial, no limite entre os dois líquidos, emulsão formada. A Tabela 18-1 fornece exemplos de agentes
como visto no Capítulo 16. emulsionantes típicos.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 525

TABELA 18-1
ALGUNS AGENTES EMULSIONANTES TÍPICOS*

Tipo de emulsão
Nome Classe formada
Oleato de trietanolamina Tensoativo (aniônico) O/A (EHL = 12)
N-cetil N-etil morfolinoetossulfato Tensoativo (catiônico) O/A (EHL = 25)
(Atlas G-263)
Monooleato de sorbitano (Atlas Tensoativo (não-iônico) A/O (EHL = 4,3)
Span 80)
Monooleato de polioxietileno sorbitano Tensoativo (não-iônico) O/A (EHL = 15)
(Atlas Tween 80)
Goma arábica (sais de ácido Colóide hidrofílico O/A
D-glicurônico)
Gelatina (polipeptídeos e aminoácidos) Colóide hidrofílico O/A
Bentonita (silicato de alumínio Partícula sólida O/A (e A/O)
hidratado)
Veegum (silicato de alumínio e Partícula sólida O/A
magnésio)
Negro de carvão Partícula sólida A/O
* Legenda: O/A= óleo em água; A/O= água em óleo; EHL = valor de equilíbrio hidrófilo-lipófilo.

Adsorção monomolecular
Agentes tensoativos ou anfifílicos reduzem a tensão interfacial
mediante adsorção na interface óleo-água, onde formam filmes
monomoleculares. Uma vez que na emulsificação a energia
livre de superfície aumenta, W se iguala a γO/A × ΔA e, visto Cetilsulfato de sódio
que devemos, inevitavelmente, manter uma elevada área de su- Colesterol
Óleo
perfície para a fase dispersa, qualquer redução em γO/A, a ten-
são interfacial, irá reduzir a energia livre de superfície e, con-
seqüentemente, a tendência à coalescência. Não é incomum
um bom agente emulsionante desse tipo ser capaz de reduzir
a tensão interfacial até 1 dina/cm. Logo, podemos reduzir a Água
energia livre de superfície do sistema a aproximadamente 1/60
do valor calculado.
É provável que a redução na energia livre de superfície Cetilsulfato de sódio
não seja, por si só, o principal fator envolvido. Mais significa- Álcool oléico
tivo é o fato de as gotículas dispersas serem circundadas por Óleo
uma monocamada coesa que ajuda a prevenir a coalescência
entre duas gotículas em fase de aproximação mútua. De modo
ideal, tal filme deve ser flexível a ponto de ser capaz de se
reestruturar se rompido ou perturbado. Um efeito adicional à Água
promoção da estabilidade é a presença de carga de superfície,
que causará repulsão entre gotículas adjacentes.
Na prática, a combinação de emulsionantes é mais fre- Álcool cetílico
qüentemente usada no preparo de emulsões do que apenas um
Oleato de sódio
desses agentes. Em 1940, Schulman e Cockbain29 foram os Óleo
primeiros a reconhecer a necessidade de usar um emulsionante
predominantemente hidrofílico na fase aquosa e um hidrofóbi-
co na fase oleosa, para formar um filme complexo na interface.
A Figura 18-8 mostra três misturas de agentes emulsionantes
na interface óleo-água. A combinação de cetilsulfato de sódio e
colesterol leva a um filme complexo (Figura 18-8a), que pro- Figura 18-8 Representações das combinações de agentes emulsionantes
duz uma excelente emulsão. O cetilsulfato de sódio e o álcool na interface óleo-água de uma emulsão. (Segundo J. H. Schulman and E. G.
oléico não formam um filme tão condensado (Figura 18-8b) e, Cockbain, Trans. Faraday Soc. 36, 651, 1940.)
526 P ATRICK J. S INKO

Twen 40 Span 80
alguns agentes naturais e, posteriormente, discutiram o princí-
pio da mistura de emulsificantes.
O tipo de emulsão que é produzido, O/A ou A/O, depende,
Óleo inicialmente, das propriedades dos agentes emulsionantes. Essa
característica é chamada de equilíbrio hidrófilo-lipófilo (EHL), ou
seja, a natureza polar-apolar do emulsionante. Na realidade, con-
forme foi discutido no capítulo anterior, é possível predizer quan-
do um tensoativo é um agente emulsionante, um agente molhante
Água
ou um detergente a partir do equilíbrio hidrófilo-lipófilo. Em um
agente emulsionante como o estearato de sódio, C17H35COONa,
a cadeia hidrocarbonada apolar, C17H35–, é o grupo lipofílico
ou “com afinidade pelo óleo”; o grupo carboxila, –COONa, é a
Cadeias de
polioxietileno
porção hidrofílica ou “com afinidade pela água”. O balanço das
propriedades hidrofílicas e lipofílicas de um emulsionante (ou da
combinação de emulsionantes) determina quando uma emulsão
O/A ou A/O será formada. Em geral, as emulsões O/A são forma-
das quando o EHL do emulsionante está dentro da faixa de apro-
ximadamente 9 a 12, e as emulsões A/O são formadas quando a
faixa é de cerca de 3 a 6. Um emulsionante com elevado EHL,
como a mistura de Tween 20 e Span 20, formará um emulsão
O/A. Por outro lado, somente o Span 60, com um EHL de 4,7,
Óleo Cadeias tende a formar uma emulsão A/O.
hidrocarbonadas Por essa razão, parece que o tipo de emulsão formada é
Figura 18-9 Desenho esquemático de gotículas de óleo em uma emulsão uma função da solubilidade relativa do tensoativo. A fase con-
óleo-água, mostrando a orientação das moléculas de Tween e Span na inter- tínua será aquela no qual o tensoativo apresentar maior solubi-
face. (Retirada, com permissão, de J. Boyd, C. Parkinson, and P. Sherman, J. lidade. Essa regra é geralmente denominada regra de Bancroft,
Coll. Interface Sci. 41, 359, 1972.) o pesquisador que observou o fenômeno em 1913. Logo, um
agente emulsionante com elevado valor de EHL é preferencial-
mente solúvel em água e promove a formação de uma emulsão
conseqüentemente, suas combinações resultam em emulsões A/O. Beerbower, Nixon e Hill33 sugeriram uma explicação para
menos eficientes. Na Figura 18-8c, o álcool cetílico e o oleato o tipo de estabilidade da emulsão formada e desenvolveram
um esquema geral para a formulação de emulsões baseado nos
de sódio produzem um filme bastante compacto, mas a com-
parâmetros de solubilidade de Hildebrand e Hansen (p. 259).
plexação é mínima e, novamente, isso resulta em uma emulsão
pouco eficiente.
A Atlas-ICI (Wilmington, Del.) recomenda que o agen- Adsorção multimolecular e formação de filme
te hidrofílico Tween seja combinado com o agente lipofílico
Span, em proporções variadas, para produzir emulsões O/A ou Os colóides liofílicos hidratados têm sido usados há muitos
A/O.30 Boyd e colaboradores31 estudaram a associação mole- anos como agentes emulsionantes, embora seu uso tenha de-
cular de Tween 40 e Span 80 na estabilização de emulsões. Na caído em função do grande número de tensoativos sintéticos
Figura 18-9, a porção hidrocarbonada da molécula de Span disponíveis atualmente. De forma geral, eles podem ser con-
80 (monooleato de sorbitano) localiza-se nos glóbulos oleosos siderados agentes com ação de superfície porque se locali-
e o radical sorbitano localiza-se na fase aquosa. As cabeças zam na interface óleo-água. Contudo, diferem dos tensoativos
volumosas de sorbitano das moléculas de Span previnem que sintéticos nos seguintes aspectos: (a) não causam diminuição
as caudas hidrocarbonadas se associem de forma compacta na significativa na tensão superficial e, (b) formam na interface
fase oleosa. Quanto o Tween 40 (monopalmitato de polioxie- filmes multimoleculares, em vez de monomoleculares. Sua
tileno sorbitano) é adicionado, ele se orienta na interface de ação como agente emulsionante é devida, principalmente, a
modo que sua cauda hidrocarbonada mantém-se em direção à este último efeito, que leva à formação de filmes fortes e re-
fase oleosa e o restante da cadeia fica localizado na fase oleosa, siste à coalescência. O aumento significativo na viscosidade
juntamente com o anel sorbitano e as cadeias polioxietileno. do meio de dispersão representa um efeito auxiliar na promo-
Observa-se que a cadeia hidrocarbonada da molécula de Twe- ção da estabilidade. Uma vez que os agentes emulsionantes
en 40 está situada nos glóbulos oleosos, entre as cadeias de que formam filmes multicamadas ao redor das gotículas sem-
Span 80, e que tal orientação resulta em uma efetiva atração do pre são hidrofílicos, eles tendem a promover a formação de
tipo van der Waals. Dessa forma, o filme interfacial é reforça- emulsões O/A.
do e a estabilidade da emulsão O/A aumentada, prevenindo a
coalescência das partículas. O mesmo princípio de mistura de Adsorção de partículas sólidas
agentes emulsionantes pode ser aplicado em combinações tais
como estearato de sódio e colesterol, laurilsulfato de sódio e As partículas sólidas finas que são molhadas, até certo ponto,
monoestearato de glicerina e goma adragante e Span. Chun e tanto pela água quanto pelo óleo podem atuar como agentes
colaboradores32 determinaram o equilíbrio hidrófilo-lipófilo de emulsionantes. Isso resulta do fato de elas estarem concentra-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 527

das na interface, onde podem produzir um filme particulado ao entre as duas fases, maiores os glóbulos e menos viscosa a fase
redor das gotículas dispersas e, assim, prevenir a coalescência. externa, maior será a velocidade de cremagem. Aumentando-
Os pós que são molhados preferencialmente pela água formam se a força de gravidade por meio da centrifugação, a veloci-
emulsões O/A, enquanto que aqueles molhados com mais faci- dade de cremagem também pode ser aumentada. O diâmetro
lidade pelo óleo formam emulsões A/O. dos glóbulos é tido como sendo o principal fator na determina-
ção da velocidade de cremagem. Dobrando-se o diâmetro dos
glóbulos oleosos, aumenta-se a velocidade de cremagem em
quatro vezes.
ESTABILIDADE FÍSICA DAS EMULSÕES
EXEMPLO 18-5
Provavelmente o ponto mais importante em relação às emul-
sões de uso farmacêutico e cosmético é a estabilidade do Velocidade de cremagem
produto final. A estabilidade de uma emulsão farmacêutica é Considerar uma emulsão O/A contendo um óleo mineral com den-
caracterizada pela ausência de coalescência da fase interna, sidade específica de 0,90, disperso em uma fase aquosa com densi-
ausência de cremagem e conservação apropriada de aparência, dade específica de 1,05. Se as partículas de óleo têm um diâmetro
odor, cor e outras propriedades físicas. Alguns autores definem médio de 5 μm, ou 5 × 10–4 cm, a fase externa tem uma viscosida-
a estabilidade de uma emulsão somente em termos de agrega- de de 0,5 poise (0,5 dina s/cm2 ou 0,5 g/cm s) e a constante de gra-
ção e separação da fase interna do resto do produto. A crema- vidade é 981 cm/s2, qual é a velocidade de cremagem em cm/dia?
gem, resultante da concentração de glóbulos da fase interna, Temos que:
nem sempre é considerada um indício de instabilidade. Uma (5 × 10−4 )2 × (0 90 − 1 05) × 981
emulsão é um sistema dinâmico, contudo a floculação e conse- v =
18 × 0 5
qüente cremagem representam passos importantes em direção
à coalescência completa da fase interna. Além disso, no caso = −4 1 × 10−6 cm s
das emulsões farmacêuticas, a cremagem resulta em falta de Uma vez que 24 horas equivalem a 86.400 s, a velocidade de
uniformidade na distribuição do fármaco e, a menos que a pre- cremagem em direção ascendente, –ν, será de:
paração seja agitada antes de ser administrada, leva à variação
−υ = 4 1 × 10−6 cm s × 86 400 s dia = 0 35 cm dia
na dose. Certamente, o aspecto visual de uma emulsão é afe-
tado pela cremagem e isso representa um problema tão real ao
formulador quanto a separação da fase interna. Alguns fatores da equação de Stokes podem ser alterados
Outro fenômeno importante na preparação e estabilização para reduzir a velocidade de cremagem em uma emulsão. A
de emulsões é a inversão de fases, que pode auxiliar ou trazer viscosidade da fase externa pode ser aumentada, sem exceder
dificuladades na tecnologia das emulsões. A inversão de fases os limites de consistência aceitáveis, mediante adição de um
envolve a mudança do tipo de emulsão, de O/A para A/O e agente espessante ou de viscosidade, tal como metilcelulose,
vice-versa. Quando a inversão de fase ocorre após a prepara- goma adragante ou alginato de sódio. O tamanho de partícu-
ção da emulsão, ela deve ser considerada, logicamente, como la dos glóbulos pode ser reduzido mediante homogeneização.
um caso de instabilidade. Esta, de fato, constitui a base da estabilidade de um leite ho-
Frente a tais considerações, a instabilidade de emulsões mogêneo contra a cremagem. Se o tamanho médio de partícula
farmacêuticas pode ser classificada da seguinte forma: da emulsão no exemplo dado anteriormente for reduzido para
(a) Floculação e cremagem 1 μm, ou seja, a um quinto do valor original, a velocidade de
(b) Coalescência e quebra cremagem será reduzida a cerca de 0,014 cm/dia, em torno de
5 cm/ano. Na realidade, quando as partículas são reduzidas a
(c) Alterações físicas e químicas diversas
diâmetros menores que 2 a 5 μm, o movimento browniano a
(d) Inversão de fases temperatura ambiente exerce uma influência suficiente para
que as partículas sedimentem ou sofram cremagem mais lenta-
Cremagem e a lei de Stokes mente do que o previsto pela lei de Stokes.
Poucas considerações têm sido feitas a respeito do ajuste
Os fatores que são importantes para a cremagem estão relacio- das densidades das duas fases visando à redução da velocidade
nados com a Lei de Stokes, equação (18-2). As limitações da de cremagem. Teoricamente, se pode eliminar a tendência à
equação aos sistemas reais foram discutidas previamente em cremagem ajustando-se as densidades das fases externa e in-
suspensões e se aplicam da mesma forma aos sistemas emul- terna a um mesmo valor. Essa condição é raramente atingida
sionados. porque as alterações de temperatura alteram as densidades. Al-
A análise da equação mostra que, se a fase dispersa é me- guns pesquisadores têm aumentado a densidade da fase oleosa
nos densa que a fase contínua, o que é geralmente o caso das adicionando substâncias solúveis como o α-bromonaftaleno,
emulsões O/A, a velocidade de sedimentação torna-se negativa, bromofórmio e tetracloreto de carbono, que, contudo, não po-
ou seja, ocorre a cremagem na parte superior. Se a fase interna dem ser usados em medicamentos. Mullins e Becker34 adicio-
é mais densa que a fase externa, os glóbulos sedimentam, um naram óleo vegetal bromado de grau alimentício para ajustar
fenômeno que é normalmente observado em emulsões A/O, as densidades de emulsões farmacêuticas.
quando a fase aquosa interna é mais densa que a fase oleosa A equação (18-2) fornece a velocidade de cremagem de
contínua. Esse efeito pode ser chamado de cremagem na dire- apenas uma única gota de emulsão, uma vez que esse valor
ção descendente. Quanto maior for a diferença de densidade é um dado de interesse na determinação da velocidade de
528 P ATRICK J. S INKO

cremagem no centro de gravidade de massa da fase dispersa. bulos. Em termos gerais, uma razão fase-volume de 50:50 (com
Greenwald35 desenvolveu uma equação para a velocidade da empacotamento compacto) resulta, na prática, em uma emulsão
massa de cremagem, à qual o leitor interessado pode reportar- mais estável. Tal fato foi descoberto empiricamente há muitos
se para obter maiores detalhes. anos por farmacêuticos. Atualmente, a maioria das emulsões
medicamentosas são preparadas em uma razão volume:volume
de 50 partes de óleo e 50 partes de água.
Coalescência e quebra As emulsões podem ser estabilizadas por repulsão eletros-
A cremagem deve ser considerada separadamente da quebra de tática entre as gotículas, ou seja, pelo aumento do potencial
uma emulsão, uma vez que a cremagem é um processo reversí- zeta. Magdassi e Siman-Tov39 usaram a lecitina para estabi-
vel, enquanto que a quebra é irreversível. Os flóculos de creme lizar emulsões de perfluorcarbono, que surge como um bom
podem ser redispersados facilmente e, mediante agitação, se substituto do sangue. A lecitina é uma mistura de fosfolipíde-
pode reconstituir uma mistura uniforme a partir de uma emul- os com carga negativa a pH fisiológico. O efeito estabilizan-
são que sofreu cremagem. Isso é possível porque os glóbulos te se deve à adsorção da lecitina na superfície das gotículas,
ainda estão circundados por uma camada protetora de agen- criando uma carga negativa e, conseqüentemente, provocando
te emulsionante. Quando ocorre a quebra de uma emulsão, a repulsão eletrostática. A lecitina produz emulsões muito está-
simples mistura não é suficiente para gerar a redispersão dos veis de triglicerídeos ácidos em água para administração in-
glóbulos na forma de uma emulsão estável, porque o filme ao travenosa. Contudo, a estabilidade dessas emulsões pode ficar
redor das partículas está destruído e o óleo tende a coalescer. comprometida quando, na prática clínica, elas são misturadas
Muitos estudos têm sido feitos a respeito da instabilidade por a eletrólitos, aminoácidos e outros componentes na preparação
quebra de emulsões. Os efeitos de certos fatores sobre a quebra de formulações de nutrição parenteral total. A adição de espé-
são resumidos nos parágrafos seguintes. cies carregadas positivamente, como íons sódio e cálcio, ou
King36 mostrou que a redução no tamanho de partícula não aminoácidos catiônicos – a carga destes últimos depende do
leva, necessariamente, ao aumento de instabilidade. Ele con- pH – reduz o potencial zeta e pode causar floculação. Johnson
cluiu, ainda, que existe uma estabilidade máxima para um grau e colaboradores40 estudaram o efeito da heparina e de vários
ótimo de dispersão para cada sistema em particular. Como no eletrólitos freqüentemente usados na prática clínica sobre a
caso de partículas sólidas, se a dispersão não é uniforme, as pe- estabilidade de emulsões parenterais. A heparina, um anticoa-
quenas partículas fixam-se entre as partículas grandes, levando gulante, é um polieletrólito carregado negativamente que cau-
a uma coesão tão forte que a fase interna pode coalescer com sa rápida floculação em emulsões contendo cálcio e lecitina.
facilidade. Portanto, uma dispersão moderadamente grosseira A concentração de floculação crítica ocorre em um potencial
de partículas de tamanho uniforme pode resultar em uma me- zeta específico. O valor do potencial zeta pode ser determinado
lhor estabilidade. A viscosidade, por si só, não produz emul- mediante um gráfico de velocidade de floculação em função do
sões estáveis. Contudo, emulsões viscosas podem ser mais potencial de superfície, extrapolando-se a velocidade de flocu-
estáveis que emulsões menos viscosas, devido ao retardamen- lação a zero.41 Johnson e colaboradores40 explicaram o efeito
to da floculação e coalescência. Emulsionantes viscosos ou desestabilizante da heparina da seguinte forma. Eletrólitos di-
“aderentes” parecem facilitar o cisalhamento dos glóbulos, en- valentes, como o cálcio, ligam-se fortemente a superfície das
quanto a emulsão é preparada no gral; porém, a relação com a gotículas estabilizadas com lecitina para formar complexos 1:2
estabilidade não foi estabelecida como sendo mínima ou nula. de íon-lipídeo. Isso causa a reversão de carga das gotículas,
Knoechel e Wurster37 mostraram que a viscosidade representa conduzindo à formação de partículas positivamente carrega-
somente uma pequena parte na estabilidade geral de emulsões
das. Logo, as gotículas são floculadas pela formação de liga-
O/A. Provavelmente, mais do que alta viscosidade, é necessá-
ções entre as moléculas de heparina, com carga negativa, e as
ria uma viscosidade ótima para promover a estabilidade.
partículas de carga positiva (Figura 18-10).
A razão fase-volume de uma emulsão tem influência se-
Quando as partículas de óleo, em geral com carga negativa,
cundária na estabilidade do produto. Esse termo refere-se aos
volumes relativos de água e óleo na emulsão. Como mostrado são circundadas por um filme de emulsionante, especificamente
na seção de pós, partículas esféricas uniformes altamente agru- por um agente não-iônico, os efeitos eletrocinéticos são prova-
padas apresentam 48% da porosidade do volume bruto total. O velmente menos significativos em uma emulsão O/A do que o são
volume ocupado pelas esferas deve ser, então, de 52%. em suspensões, em termos de sustentação da estabilidade do sis-
Se o empacotamento das esferas for compacto, elas não po- tema. Os efeitos dos eletrólitos nesses sistemas foram estudados
dem exceder, teoricamente, 74% do volume total em relação ao por Schott e Royce.42 Provavelmente os fatores mais importan-
seu tamanho. Embora esses valores não considerem as distorções tes na estabilização de uma emulsão são as propriedades físicas
de tamanho, forma e possibilidade de pequenas partículas se aco- do filme emulsionante na interface. Para ser efetivo, o filme de
modarem entre as partículas maiores, eles podem ter algum sig- emulsionante deve ser resistente e elástico, e deve formar-se ra-
nificado em relação a emulsões reais. Ostwald e colaboradores38 pidamente durante a emulsificação. Serrallach e colaboradores43
mostraram que, ao se tentar incorporar mais de 74% de óleo em mediram a resistência de um filme na interface. Eles verificaram
uma emulsão O/A, os glóbulos de óleo muitas vezes coalescem que um bom agente emulsionante ou uma combinação deles con-
e a emulsão quebra. Esse valor, conhecido como ponto crítico, duz a uma diminuição inicial da tensão interfacial para produzir
é definido como a concentração de fase interna acima da qual o glóbulos pequenos e uniformes e que ele se arranja rapidamente
agente emulsionante não pode produzir um determinado tipo de para proteger os glóbulos da reagregação durante o processo de
emulsão estável. Em algumas emulsões estáveis, o valor pode preparação. A seguir, a resistência do filme aumenta de forma
ser superior a 74% devido a forma e tamanho irregular dos gló- lenta durante um período de dias ou semanas.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 529

Heparina carregada
negativamente formando
uma ponte transversal e
desestabilizando as
gotículas de emulsão

Emulsionante lecitina

Cauda Cabeça com


Gotícula de emulsão com apolar carga negativa
lecitina negativamente
carregada como
emulsionante, estabilizada
pelos íons cálcio

Lecitina (tensoativo e emulsionante)


Figura 18-10 Gotículas de emulsão parenteral na presença da lecitina, um emulsionante com carga negativa, es-
tabilizadas pela repulsão eletrostática dos íons cálcio. A emulsão pode ser floculada e desestabilizada pelo efeito
de formação de ligação da heparina, um polieletrólito com carga negativa, que sobrepuja a repulsão eletrostática
estabilizante dos íons Ca2+. (Retirada, com permissão, de: O. L. Johnson, C.Washington, S. S. Davis, and K. Schau-
pp, Int. J. Pharm. 53, 237, 1989.)

Avaliação da estabilidade O fluxo de campo é a movimentação de todo o volume


da emulsão no campo de visão devido à pressão exercida pela
De acordo com King e Mukherjee,44 o único método preciso imersão da objetiva sobre o vidro coberto, à evaporação da fase
para determinar a estabilidade envolve a análise de freqüência contínua ou à convecção resultante do aquecimento pela fon-
de tamanho das gotículas da emulsão, de tempos em tempos e
de acordo com a vida útil do produto. Para emulsões que que-
bram rapidamente, a observação macroscópica da separação da
fase interna já é adequada, embora seja difícil estimar de forma
precisa tal separação. No método microscópico, os diâmetros
de partícula são medidos e é feita a distribuição de freqüência
de tamanho nas faixas de 0,0 a 0,9 μm, 1,0 a 1,9 μm, 2,0 a 2,9
μm e assim por diante, como mostra a Figura 18-11. Dessa
Freqüência

forma constrói-se um gráfico no qual o tamanho de partícula


ou o diâmetro dos glóbulos em micrômetros está no eixo hori-
zontal e a freqüência ou número de glóbulos em cada faixa de
tamanho está no eixo vertical. Finkle e colaboradores45 foram
provavelmente os primeiros a usar esse método para determi-
nar a estabilidade das emulsões. Desde então, muitos estudos av vs

têm sido feitos de forma similar. Schott e Royce46 mostraram moda

que os problemas experimentais envolvidos na determinação


microscópica do tamanho de partículas são: o movimento bro- Tamanho de partícula (μm)
wniano, a cremagem e o fluxo de campo. O movimento bro-
wniano afeta as gotículas menores, causando sua movimen- Figura 18-11 Distribuição do tamanho de partícula de uma emulsão. As cur-
tação para dentro e fora do ponto de foco, de forma que sua vas estão normalmente deslocadas para o lado direito, como mostra a figura,
contagem não é consistente. A velocidade de cremagem é pro- e o diâmetro de moda, ou seja, o ponto mais alto da curva ou o valor de
porcional ao quadrado do diâmetro de gotícula, de modo que maior freqüência ocorre na menor porção da escala de diâmetros. O diâmetro
a cremagem requer mais atenção em se tratando de gotículas aritmético médio, dav, está localizado um pouco à direita da moda, deslocado
maiores porque elas se movem mais rapidamente em direção à à direita da distribuição. O diâmetro volume-superfície médio, dvs, está à di-
porção de vidro coberta do que as gotículas pequenas. reita da média aritmética.
530 P ATRICK J. S INKO

te de luz. Os autores46 descreveram uma técnica microscópica


aprimorada que contorna os problemas experimentais e permi-
te uma medida mais precisa do tamanho das gotículas.
A análise inicial da distribuição de freqüência de uma
emulsão não é um teste adequado de estabilidade porque não
está relacionado ao tamanho inicial de partícula. Contudo, em

Condutividade (μmho)
vez disso, devemos considerar a coalescência dos glóbulos
dispersos de uma emulsão mais velha ou a separação da fase
interna de uma emulsão vencida. Porém, Boyd e colaborado-
res31 julgaram esse método insatisfatório porque os glóbulos
podem sofrem coalescência considerável antes da separação de
fase tornar-se visível. Os autores conduziram as análises de ta-
manho de partícula com um foto-sedimensiômetro centrífugo
do tipo Coulter. Os diâmetros-volume médios foram converti-
dos em número de glóbulos por mililitro. King e Mukherjee44
determinaram a área interfacial específica, ou seja, a área de
interface por grama de óleo emulsionante, de cada emulsão,
em períodos de tempo sucessivos. Eles escolheram o valor re-
cíproco da diminuição da área interfacial específica em função
Figura 18-12 Gráfico de condutividade em função da temperatura envolven-
do tempo como medida de determinação da estabilidade da do etapas sucessivas de (1) aquecimento, (2) resfriamento e (3) aquecimen-
emulsão. to. (Retirada, com permissão, de: N. Garti and S. Magdassi, Drug Dev. Ind.
Outros métodos usados para determinar a estabilidade das Pharm. 8, 475, 1982.)
emulsões são baseados no processo de separação acelerada,
que normalmente ocorre sob condições de armazenamento.
Esses métodos empregam técnicas de congelamento, ciclos de
congelamento-descongelamento e centrifugação. Uma emulsão O/A estabilizada com estearato de sódio
Merrill47 introduziu o método de centrifugação para avaliar pode sofrer inversão para um tipo A/O frente à adição de clore-
a estabilidade das emulsões. Garrett, Vold e colaboradores48 to de cálcio, formando estearato de cálcio.
usaram a ultracentrifugação como técnica analítica na tecnolo- A inversão também pode ser produzida por alterações na
gia de emulsões. O contador Coulter, a análise turbidimétrica razão fase-volume. No preparo de uma emulsão, pode-se mis-
e testes de temperatura também têm sido usados na tentativa turar um emulsionante O/A com óleo e depois adicionar uma
de avaliar novos agentes emulsionantes e determinar a estabi- pequena quantidade de água. Uma vez que o volume de água é
lidade de emulsões de uso farmacêutico. Garti e colaborado- pequeno em comparação com o volume de óleo, a água é dis-
res49 desenvolveram um método de avaliação da estabilidade persa no óleo por agitação, mesmo que o emulsionante promo-
de emulsões viscosas do tipo óleo-água (ungüentos e cremes va, preferivelmente, a formação de um sistema óleo-em-água.
cosméticos) contendo tensoativos não-iônicos. O método é ba- À medida que mais água é adicionada lentamente, atinge-se,
seado nas alterações de condutividade elétrica (ver p. 160-161 aos poucos, o ponto de inversão, e a água e o emulsionante
para condutância) que ocorrem durante ciclos não-destrutivos englobam o óleo na forma de pequenas gotículas para formar
de aquecimento-resfriamento-aquecimento. As curvas de con- a emulsão O/A final. Esse procedimento é usado na preparação
dutividade são plotadas durante os ciclos de temperatura. O ín- de emulsões. O princípio de obtenção de emulsões chamado
dice de estabilidade é definido como Δ/h, onde h é a alteração de método continental é usado na prática de manipulação de
de condutividade entre 35 e 45 °C e Δ é o intervalo de conduti- emulsões. A preparação de emulsões é discutida em livros de
vidade entre duas curvas de aquecimento a 35 °C, como mos- Farmácia Geral e naqueles destinados à manipulação e dispen-
tra a Figura 18-12. O índice de estabilidade indica a alteração sação de medicamentos.
relativa de condutividade entre dois ciclos. Quanto menor for a
condutividade, maior será a estabilidade da emulsão. O méto-
do foi aplicado a uma série de emulsões com diferentes valores CONSERVAÇÃO DAS EMULSÕES
de EHL e de concentração de emulsionante e de fase oleosa.
Os autores revisaram trabalhos anteriores de condutividade
elétrica de emulsões em relação à estabilidade. Embora nem sempre seja necessário obter condições estéreis
em uma emulsão, mesmo em produtos destinados a uso tópico
ou oral, deve-se considerar que certas alterações nas proprieda-
Inversão de fases des das emulsões podem ocorrer em decorrência do crescimen-
to de microrganismos. Essas alterações incluem separação de
Quando controlada de forma adequada durante a preparação da fases, descoloração, formação de gases ou odores e alterações
emulsão, a inversão de fases geralmente resulta em um produto nas propriedades reológicas.50 As emulsões para uso parenteral
com características apropriadas. Mas quando ela não é contro- obviamente devem ser estéreis.
lada durante a etapa de preparação ou quando acaba ocorrendo A propagação de microrganismos em emulsões é favore-
em função de outros fatores, após a formação da emulsão, a cida por um ou mais componentes presentes na formulação.
inversão de fases pode causar sérios problemas. Nesse sentido, tem sido visto que as bactérias degradam agen-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 531

tes emulsionantes não-iônicos e iônicos, glicerina e gomas e formulações. Em uma revisão bastante clara, Sherman51 dis-
vegetais presentes como espessantes, com conseqüente dete- cutiu os principais fatores que influenciam as propriedades de
rioração da emulsão. Assim, é essencial que as emulsões se- fluxo das emulsões. O conteúdo desta seção resume algumas
jam formuladas para resistir ao ataque microbiano mediante das propriedades relacionadas à viscosidade da fase dispersa,
a adição de concentrações adequadas de conservantes. Uma da fase contínua e do agente emulsionante. Para uma discussão
vez que o conservante tem atividade inerente contra o tipo de mais completa a respeito desses e de outros fatores que podem
contaminação encontrada, o principal problema é obter sua modificar as propriedades de fluxo das emulsões, recomenda-
concentração adequada no produto. Alguns fatores aqui apre- mos a leitura do artigo original de Sherman51 e do livro de
sentados devem ser considerados para se atingir tal propósito. Sherman.52
As emulsões são sistemas heterogêneos nos quais verifica- Os fatores relacionados à fase dispersa incluem a razão
se a partição do conservante entre as fases oleosa e aquosa. O fase-volume, a distribuição do tamanho de partícula e a vis-
crescimento das bactérias se dá principalmente na fase aquosa cosidade da fase interna em si. Assim, quando a concentração
dos sistemas emulsionados. Assim, se o conservante está forte- do volume da fase dispersa é baixa (menor que 0,05), o siste-
mente particionado em favor da fase oleosa, ele pode ser inútil ma é newtoniano. À medida que a concentração é aumentada,
em concentrações normais devido a baixa concentração rema- o sistema torna-se mais resistente ao fluxo e exibe caracte-
nescente na fase aquosa. Nesse sentido, a razão fase-volume da rísticas de fluxo pseudoplástico. Em concentração suficien-
emulsão é significativa. Além disso, o conservante deve estar temente alta, ocorre fluxo plástico. Quando a concentração
na forma não-ionizada para penetrar na membrana das bacté- do volume aproxima-se de 0,74, pode ocorrer inversão de fa-
rias. Logo, a atividade de conservantes ácidos fracos diminui ses, com alteração significativa na viscosidade. A redução do
à medida que o pH da fase aquosa aumenta. As moléculas de tamanho médio de partícula aumenta a viscosidade. Quanto
conservante não devem “ligar-se” a outros componentes da mais ampla for a distribuição do tamanho de partícula, menor
emulsão porque os complexos formados são ineficazes como será a viscosidade em comparação a sistemas contendo par-
conservantes. Somente a forma livre, não-ligada, do conser- tículas com tamanho semelhante, porém com distribuição de
vante é efetiva. Esses pontos foram discutidos em maior deta- tamanho mais estreita.
lhe nas seções anteriores. A distribuição dos solutos entre os A principal propriedade da fase contínua que afeta as pro-
solventes imiscíveis foi apresentada no Capítulo 10 e a ação priedades de fluxo das emulsões não é, surpreendentemente, a
conservante de ácidos fracos em sistemas óleo-água foi intro- própria viscosidade. O efeito da viscosidade da fase contínua
duzida na página 275. A ligação de moléculas foi discutida no pode ser, contudo, maior do que o previsto para a fase contí-
Capítulo 11. Em relação aos aspectos relativos aos possíveis ti- nua vista em separado. Há indicações de que a viscosidade de
pos de interação que podem ocorrer entre moléculas de conser- um filme líquido fino, de 100 a 200 Å, é muito maior do que
vantes e demais adjuvantes das emulsões, tais como tensoati- a viscosidade do líquido puro. Por tal razão, podem ocorrer
vos não-iônicos, o estudante deve consultar o Capítulo 11 para viscosidades mais elevadas nas emulsões quando a espessura
informações mais aprofundadas. Além da partição, ionização e da fase contínua entre as gotículas adjacentes atinge essas di-
ligação, a eficácia de um determinado conservante também é mensões. Sherman indicou que a redução da viscosidade com
influenciada pelo tipo de emulsão, valor nutricional do produ- o aumento da força de cisalhamento pode ocorrer, em parte,
to, grau de aeração do sistema e tipo de recipiente usado. Tais devido à diminuição da viscosidade da fase contínua à medida
fatores foram discutidos por Wedderburn.50 que a distância de separação entre os glóbulos é aumentada.
Outro componente que pode influenciar a viscosidade da
emulsão é o agente emulsionante. O tipo de agente afetará a
floculação das partículas e as atrações interparticulares e es-
PROPRIEDADES REOLÓGICAS DAS EMULSÕES tes, em contrapartida, modificarão o fluxo. Além disso, para
qualquer outro sistema, quanto maior a concentração de agente
Os produtos emulsionados podem sofrer diferentes tensões de emulsionante, maior será a viscosidade do produto. As pro-
cisalhamento, tanto no momento de preparação como durante priedades físicas e elétricas do filme também são fatores sig-
o uso. Em muitos desses processos, as propriedades de fluxo nificativos.
do produto são vitais ao adequado desempenho da emulsão sob
condições de uso ou preparação. Por conseguinte, a espalhabi-
lidade de produtos cosméticos ou dermatológicos deve ser con-
trolada para que se tenha uma preparação adequada. O fluxo de MICROEMULSÕES
uma emulsão parenteral através de uma agulha hipodérmica, a
remoção da emulsão da sua embalagem e o comportamento da O termo microemulsão pode ser um termo errôneo, uma
emulsão em várias operações de moagem usadas na produção vez que as microemulsões consistem de micelas grandes ou
desses produtos em grande escala indicam a necessidade de “intumescidas” contidas na fase interna, muito mais do que
características de fluxo corretas. Portanto, é importante que o solubilizadas em solução. Ao contrário das macroemulsões
farmacêutico considere como a formulação pode influenciar as comuns, estas se apresentam como soluções transparentes,
propriedades reológicas das emulsões. claras. Mas, ao contrário dos sistemas micelares solubiliza-
Os fundamentos da reologia são discutidos no Capítulo 20. dos, as microemulsões podem não ser termodinamicamente
A maioria das emulsões, com exceção daquelas diluídas, exi- estáveis. Elas parecem representar um estado intermediário
be fluxo não-newtoniano, o que complica a interpretação dos entre as soluções termodinamicamente estáveis e as emul-
dados e as comparações quantitativas entre diferentes sistemas sões clássicas, que são relativamente instáveis. As microe-
532 P ATRICK J. S INKO

caracterizada mediante observação visual como um sistema lí-


quido, isotrópico, opticamente claro. Kale e Allen54 estudaram
emulsões água-em-óleo consistindo de um sistema Brij 96-co-
tensoativo-óleo mineral-água. O Brij 96 [éter de oleíla e polio-
xietileno(10)] é um tensoativo não-iônico comumente usado
na preparação de macro e microemulsões. Os co-tensoativos
estudados foram etilenoglicol, propilenoglicol e glicerina. A

Óle
om
Figura 18-13 mostra o diagrama de fases para um sistema
au

ine
com razão Brij 96:propilenoglicol variável. Dentro da região
Ág

ral
de microemulsão, podem ser observadas zonas de diferentes
viscosidades, indicadas como líquido (F) ou gel (G). A região
de microemulsão torna-se menor à medida que a concentração
de co-tensoativo aumenta. De acordo com os pesquisadores, a
transição de uma microemulsão fluida para um gel pode ser de-
vido à alteração na natureza e na forma da fase interna oleosa.
Logo, a baixas concentrações de água, a fase interna consiste
de estruturas esféricas, enquanto que, em altas concentrações,
9:1 Brij 96-propilenoglicol
o filme interfacial expande-se para formar estruturas cilíndricas
laminares tipo gel. Conforme o conteúdo de água é aumentado
Figura 18-13 Diagrama de fases ternário para água, óleo mineral e uma mais ainda, formam-se novamente sistemas contínuos aquosos
mistura de tensoativos, mostrando o limite da região da microemulsão. As de baixa viscosidade com fases internas de estruturas esféricas
zonas dentro da região das microemulsões são rotuladas como F para líquido (gotículas).
e G para gel. (Retirada, com permissão, de: N. J. Kate and L. V. Allen, Jr., Int. A massa molecular média das gotículas de uma micro-
J. Pharm. 57, 87, 1989.) emulsão pode ser medida por técnicas de espalhamento de
luz (ver Capítulo 15). Como a fase interna em geral não é
muito diluída, as gotículas interagem umas com as outras
mulsões contêm gotículas de óleo em fase aquosa (O/A) ou resultando na diminuição da turbidez. Assim, o diâmetro
gotículas de água em óleo (A/O) com diâmetros de cerca de efetivo obtido é menor do que o diâmetro real das gotículas.
10 a 200 nm, e a fração do volume da fase dispersa varia de Este último pode ser definido mediante um gráfico de diâme-
0,2 a 0,8. tro efetivo (obtido a diferentes diluições da microemulsão)
Da mesma forma como é de costume nas formulações em função da concentração de fase interna. A extrapolação
de emulsões comuns ou macroemulsões, no preparo das mi- até concentração zero indica o diâmetro real.54 Attwood e
croemulsões utiliza-se um co-tensoativo ou agente emulsio- Ktistis55 mostraram que, freqüentemente, o procedimento
nante adjunto. Por exemplo, um tensoativo aniônico como de extrapolação não é aplicável, tendo em vista que muitas
laurilsulfato de sódio ou oleato de potássio pode ser disper- microemulsões apresentam separação de fase quando diluí-
so em um líquido orgânico como o benzeno. Na seqüência, das. Eles descreveram um procedimento para contornar essa
adiciona-se uma pequena quantidade de água e, mediante a dificuldade e obter diâmetros reais de partículas usando es-
adição gradual de pentanol, um co-tensoativo lipofílico, ha- palhamento de luz.
verá formação de uma microemulsão clara a 30 °C. A adição As microemulsões têm sido estudadas como sistemas de
de pentanol reduz temporariamente a tensão de superfície liberação de fármaco. Elas podem ser usadas para aumentar
a quase zero, o que permite a emulsificação espontânea. O a biodisponibilidade de fármacos pouco solúveis em água
tensoativo e as moléculas de co-tensoativos formam um fil- mediante incorporação do fármaco na fase interna. Halbert
me adsorvido nas partículas da microemulsão e previnem a e colaboradores56 estudaram a incorporação de derivados de
coalescência. etoposídeo e diéster de metotrexato em microemulsões água-
Shinoda e Kunieda53 mostraram que a seleção de um ten- em-óleo como potenciais carreadoras na quimioterapia do
soativo e de um co-tensoativo com valores de EHL similares câncer. O etoposídeo foi rapidamente deslocado das partí-
pode aumentar a solubilização de um líquido orgânico em água culas da microemulsão, enquanto apenas 60% do diéster de
e aumentar o tamanho das gotículas da microemulsão sem afe- metotrexato permaneceram incorporados na fase interna da
tar a estabilidade. Com os tensoativos iônicos, a temperaturas microemulsão. As microemulsões de diéster de metotrexato
normais, podemos esperar a formação de microemulsões O/A mostraram efeitos citotóxicos in vitro contra células leucêmi-
quando a razão do volume favorecer a água, de forma análoga cas de rato. As microemulsões também têm sido consideradas
à regra para macroemulsões. como sistemas de liberação tópica de fármacos. Osborne e
A região de microemulsão normalmente é caracterizada colaboradores57 estudaram a permeação transdérmica de água
pela construção de diagramas de fases ternários, como o mos- a partir de microemulsões água-em-óleo formadas por água,
trado na Figura 18-13, no qual as ordenadas representam a octanol e dioctilsulfossuccinato de sódio, este último tendo
água, o óleo mineral e a mistura de diferentes razões de ten- função de tensoativo. Essas microemulsões podem ser usa-
soativo e co-tensoativo.54 Os diagramas de fase permitem das para incorporar fármacos polares na fase interna aquosa.
determinar as razões óleo:água:tensoativo-co-tensoativo no A pele usada nos experimentos foi completamente hidratada
limite da região da microemulsão. A microemulsão pode ser para maximizar a permeabilidade da água. Verificou-se que
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 533

a liberação da fase interna foi altamente dependente do con-


teúdo de água na microemulsão: a difusão da água a partir da
fase interna aumentou dez vezes conforme a quantidade de
água na microemulsão foi alterada de 15 para 58%, em peso.
Linn e colaboradores58 compararam a liberação de álcool ce-
tílico e octildimetil-PABA através da pele de camundongo nu,
a partir de microemulsões água-em-óleo e macroemulsões.
A liberação desses compostos a partir das microemulsões foi
mais rápida e penetrou mais profundamente na pele do que
a partir das macroemulsões. Os autores revisaram uma série
de estudos sobre liberação de fármacos a partir de microe-
mulsões. Tais relatos, incluindo várias patentes, tratavam da
incorporação de fluorocarbonos como substitutos de sangue Figura 18-14 Representações das estruturas dos géis. (a) Partículas flocula-
e para liberação tópica de fármacos anti-hipertensivos e an- das em uma estrutura de gel de duas fases. (b) Rede de partículas alongadas
tiinflamatórios. As microemulsões são usadas nas ciências de ou bastões formando a estrutura do gel. (c) Fibras emaranhadas, como aque-
cosméticos,59 de alimentos e de produtos de limpeza e poli- las encontradas em sabões em gel. (d) Regiões cristalinas e amorfas em um
dores à base de ceras.60 gel de carboximetilcelulose. (Retirada de: H. R. Kruyt, Colloid Science, Vol. II,
Elsevier, New York, 1949).

SEMI-SÓLIDOS e é transportado entre as cadeias poliméricas.61 As ligações cru-


zadas aumentam a hidrofobia dos géis e diminuem a velocidade
Géis de difusão do fármaco. A fração liberada, F, de um fármaco em
um gel no tempo, t, pode ser expressa, em geral, como:
Um gel é um sistema sólido ou semi-sólido, de pelo menos Mt
dois componentes, constituído por uma massa condensada cer- F kt n (18-9)
M0
cada e interpenetrada por um líquido. Quando uma matriz co-
esa é rica em líquido, o produto é geralmente chamado de ge- onde Mt é a quantidade liberada no tempo t, M0 é a quanti-
léia. Como exemplos, citam-se a geléia de sulfato de efedrina dade inicial de fármaco, k é a constante de velocidade e n é
e as geléias de mesa. Quando o líquido é removido, restando uma constante chamada de expoente difusional. Quando n =
somente a parte estruturada, o gel é conhecido como xerogel. 0, tn = 1 e a liberação F é de ordem zero, se n = 0,5, aplica-
Exemplos incluem as folhas de gelatina, as tiras de goma adra- se a lei de Fick e a liberação é representada pela equação da
gante e o exudado de goma arábica. raiz quadrada. Valores de n maiores que 0,5 indicam difusão
Os hidrogéis retêm quantidades significativas de água, mas anômala, devido, geralmente, ao intumescimento do sistema
mantêm-se insolúveis em água e, devido a essas propriedades, no solvente antes de se iniciar a liberação.62 Morimoto e co-
são freqüentemente usados no delineamento de medicamentos laboradores63 prepararam um hidrogel de álcool polivinílico
tópicos. A velocidade de difusão do fármaco depende da estru- para administração retal que tem uma matriz porosa tridimen-
tura física da rede polimérica e de sua natureza química. Se o sional com alto conteúdo de água. A liberação de indometa-
gel é muito hidratado, a difusão ocorre através dos poros. Em cina a partir do gel mostrou uma difusão fickiana durante um
géis com baixa hidratação, o fármaco dissolve-se no polímero período de 10 horas.

CONCEITO CLASSIFICAÇÃO DOS GÉIS


Os géis podem ser classificados como sistemas de uma ou duas fases. A a goma adragante e a carboximetilcelulose. Esses géis são considerados
massa de gel pode consistir de flóculos de pequenas partículas, mais do sistemas de uma única fase porque não há limites definidos entre as ma-
que de grandes moléculas, como pode ser visto no gel de hidróxido de cromoléculas dispersas e o líquido.
alumínio, magma de bentonita e magma de magnésia. A estrutura do gel Os géis podem ser classificados como inorgânicos e orgânicos. A
nos sistemas de duas fases nem sempre é estável (Figura 18-14a, b). Tais maioria dos géis inorgânicos pode ser caracterizada como sistemas de
géis podem ser tixotrópicos, formando semi-sólidos quando em repouso e duas fases, enquanto os géis orgânicos encontram-se dentro da classe
tornando-se líquidos mediante agitação. de géis monofásicos porque a matriz condensada está dissolvida no meio
Por outro lado, um gel pode consistir de macromoléculas presentes líquido para formar uma mistura gelatinosa homogênea. Os géis que
na forma de fibras entrelaçadas e emaranhadas (Figura 18-14c). As uni- podem conter água são chamados de hidrogéis e os que podem conter
dades freqüentemente são mantidas juntas por forças de van der Waals um líquido orgânico recebem o nome de organogéis. O gel de gelatina
fortes, de modo a formarem regiões cristalinas e amorfas por todo o sis- encontra-se na primeira destas classes, enquanto o gel de vaselina per-
tema, como mostra a Figura 18-14d. Exemplos desses tipos de géis são: tence ao último grupo.
534 P ATRICK J. S INKO

EXEMPLO 18-6

Captação da solução (solução/g gelatina)


Componente Difusional
A fração liberada, F, de indometacina é 0,49 a t = 240 min. Calcu-
lar o expoente difusional, n, sabendo que k = 3,155% min–n.
Uma vez que a constante de velocidade, k, é expressa em por-
centagem, a fração liberada, F, também é expressa em unidades
de porcentagem na equação (18-9), ou seja, 49%. Aplicando-se lo-
garitmo em ambos os lados da equação (18-9), obtemos:
ln F = ln k + n ln t
ln F − ln k ln 49 − ln 3 155
n= =
ln t ln 240
3 892 − 1 149
n= =05 Tempo (h)
5 481
Logo, com o expoente de t igual a 0,5, a equação (18-9) fica F Figura 18-15 Isotermas de intumescimento da gelatina a (•) 25 °C e ( ) 20
= kt1/2, que é a difusão fickiana. °C. O intumescimento é medido em função do aumento do peso das tiras de
gelatina em solução-tampão, em vários pontos de tempo. Os pontos a e b
são discutidos no texto. (Retirada, com permissão, de: C. M. Ofner III and H.
Sinerese e intumescimento Schott, J. Pharm. Sci. 75, 790, 1986.)
Quando um gel fica algum tempo em repouso, ele normalmen-
te se retrai e parte do seu líquido é deslocado. Esse fenômeno,
conhecido como sinerese, ocorre devido ao contínuo espessa- EXEMPLO 18-7
mento da matriz ou da estrutura fibrosa do gel em conseqüên-
cia do efeito de contração. A sinerese é observada em geléias Velocidade inicial de intumescimento
e sobremesas à base de gelatina. A “drenagem” correlacionada O aumento de peso de 330 mg para uma amostra de gelatina a
com a liberação de óleo ou água a partir de bases de ungüentos 15%, com 0,27 mm de espessura foi verificado em tampão acetato
em geral resulta mais de uma deficiente estrutura do gel do que de amônia 0,15 M, a 25 °C. Os valores de t/W nos diferentes pon-
da contração envolvida na sinerese. tos de tempo são os seguintes:*
O oposto da sinerese é a captação de líquido pelo gel, com t (h) 0,5 1 1,5 2 3 4
o aumento do seu volume. Esse fenômeno é conhecido como
intumescimento. Os géis também podem captar certa quanti- t W g(tampão)h / g(gelatina) 0,147 0,200 0,252 0,305 0,410 0,515
dade de líquido sem aumentar seu volume em níveis mensurá-
veis; a isso se chama absorção. Somente aqueles líquidos que Calcular a velocidade inicial de intumescimento e o equilíbrio
solvatam o gel podem causar intumescimento. O intumesci- de intumescimento.
mento de géis protéicos é influenciado pelo pH e pela presença A regressão de t/W em função de t gera:
de eletrólitos. t
= 0 0946 + 0 1051 t
Ofner e Schott64 estudaram a cinética de intumescimento W
da gelatina medindo o aumento da massa de pequenas tiras A velocidade inicial de intumescimento, 1/A, é a divisão do
retangulares de filmes de gelatina após imersão em soluções- intercepto,
tampão, em função do tempo, t. O gráfico de peso, W, em gra- 1 1
mas de tampão aquoso absorvido por grama de gelatina seca = = 10 57 g(solução tampão) / h g(gelatina)
A 0 0946
versus t, em horas, fornece as isotermas de intumescimento
(Figura 18-15). As porções horizontais das duas isotermas O equilíbrio de intumescimento é:
correspondem ao equilíbrio de intumescimento. Para obter a 1 1 g(solução tampão)
expressão linear, t/W é plotado contra t (o gráfico não é mostra- W∞ = = = 9 513
B 0 1051 g(gelatina)
do aqui) de acordo com a equação:
t
A Bt (18-10) A equação (18-10) representa um processo de segunda or-
W
dem. Quando as constantes A e B são usadas para recalcular o
Mediante rearranjo seguido de diferenciação da equação intumescimento, W, em diversos pontos de tempo e são com-
(18-10), obtemos: paradas com os dados experimentais, os maiores desvios são
dW A observados na região de máxima curvatura das isotermas (Fi-
(18-11) gura 18-15). Ofner e Schott64 atribuíram tais desvios à estru-
dt (A Bt)2
tura parcialmente cristalina da gelatina. Logo, a primeira parte
Como t→ 0, a equação (18-11) fornece a velocidade de in- da curva a na Figura 18-15 corresponde ao intumescimento
tumescimento inicial, dW/dt = 1/A, que é o recíproco do inter-
cepto da equação (18-10). A divisão da inclinação, ou seja, 1/B
= W∞, é o equilíbrio de intumescimento, ou seja, teoricamente * Os dados foram calculados a partir da inclinação; o intercepto é dado na
é a captação máxima de solução-tampão em t∞. Tabela III, em Ofner e Schott.65
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 535

da região amorfa, que provavelmente se completa nos tempos


correspondentes à curvatura máxima, ou seja, de 6 a 10 h, a 20 TABELA 18-2
°C. A penetração de solvente na região cristalina é mais lenta CLASSIFICAÇÃO DAS BASES DE SEMI-SÓLIDOS
e menos extensa porque a região é mais ordenada e tem maior
densidade (parte b da curva na Figura 18-15). Exemplos
A gelatina é provavelmente o polímero natural mais em- I. Organogéis
pregado nos produtos farmacêuticos; é usada na preparação de A. Tipo hidrocarbonado Vaselina, gel de óleo mineral-
cápsulas de gelatina dura e mole; granulados para compressão, polietileno*
revestimento de comprimidos, emulsões e supositórios. Ela B. Gorduras animal e vegetal Banha, óleos vegetais
pode interagir com fármacos ou adjuvantes contidos dentro hidrogenados, manteiga de
de cápsulas mediante a absorção de quantidades significativas cacau
dessas substâncias, sendo que algumas delas podem alterar a C. Bases sabões graxos Estearato de alumínio, gel de
velocidade de dissolução das cápsulas de gelatina mole. Of- óleo mineral
ner e Schott65 estudaram o efeito de seis fármacos ou adju- D. Organogéis hidrofílicos Bases carbowax, ungüento de
vantes catiônicos, aniônicos e não-iônicos na velocidade de polietilenoglicol
intumescimento inicial e no equilíbrio de intumescimento na II. Hidrogéis
gelatina. Os compostos catiônicos reduziram substancialmente A. Hidrogéis orgânicos Pasta de pectina, geléia de
o equilíbrio de intumescimento, W∞, enquanto os compostos goma adragante.
não-iônicos e aniônicos o aumentaram. Os pesquisadores su- B. Hidrogéis inorgânicos Gel de bentonita, géis de
geriram que aditivos catiônicos como os compostos de amônio silicato de alumínio e
quaternário podem causar problemas de desintegração e disso- magnésio coloidais
lução, tanto em cápsulas de gelatina mole quanto em cápsulas III. Semi-sólidos do tipo emulsão
de gelatina dura. A. Bases emulsionáveis
Os hidrogéis de ligação cruzada com cadeias contendo 1. Água-em-óleo (de Vaselina, lanolina
grupos laterais ionizáveis intumescem de forma extensa em absorção)
meio aquoso. O intumescimento depende da natureza dos 2. Óleo-em-água Base anidra de Tween †
grupos laterais e do pH do meio. Essa propriedade é impor- B. Bases emulsificadas
tante porque a difusão dos fármacos nos hidrogéis depen- 1. Água-em-óleo Lanolina hidratada, ungüento
de do conteúdo de água do hidrogel. Kou e colaboradores66 de água de rosas.
usaram fenilpropanolamina como substância-modelo para 2. Óleo-em-água Ungüento hidrofílico,
estudar a difusão em copolímeros 2-hidroxietilmetacrilato ungüento lavável.
e ácido metacrílico com ligações cruzadas de dimetacrila- * Plastibase (E. R. Squibb) J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 45, 104,
do de tetraetilenoglicol. A difusibilidade, D, do fármaco na 1956.
matriz de gel está relacionada à hidratação da matriz pela † Vaselina branca, álcool estearílico, glicerina, Tween 60 (Atlas-ICI).
seguinte relação:
1
ln D ln Do − Kf −1 (18-12)
H Para H = 0.9,
1
onde Do é a difusibilidade do soluto em água e Kf é a constante ln D = ln(1 82 × 10−6 ) − 2 354 − 1 = −13 479
09
característica do sistema. O termo H representa a hidratação da
D = 1 4 × 10−6 cm2 s
matriz e é definido como:
Peso do gel em equilíbrio de intumescimento − O intumescimento (hidratação) do gel favorece a liberação do
Peso do gel seco fármaco porque melhora sua difusão, como mostrado no exemplo.
H
Peso do gel em equilíbrio de intumescimento
De acordo com a equação (18-12), o gráfico de ln D em Classificação dos semi-sólidos de uso farmacêutico
função de 1/(H-1) deve ser linear, com inclinação Kf e inter-
cepto ln Do. As preparações semi-sólidas, especialmente aquelas usadas
como bases para géis, ungüentos e supositórios, podem ser
classificadas conforme se mostra na Tabela 18-2. O sistema é
EXEMPLO 18-8
arbitrário e apresenta certas dificuldades, como todas as clas-
Coeficientes de difusão sificações.
Calcular os coeficientes de difusão da fenilpropanolamina em gel Nos últimos anos, têm ocorrido algumas confusões de
para dois níveis de hidratação do gel, H = 0,4 e H = 0,9. O coefi- terminologia, em parte, em função do rápido desenvolvimen-
ciente de difusão do soluto em água é Do = 1,82 × 10–6 cm2/s e Kf, a to de novos tipos de base. Termos como “tipo de emulsão”,
constante da equação (18-12), é 2,354. “lavável em água” “solúvel em água”, “absorvente de água”,
Para H = 0,4, “base de absorção”, “hidrofílico”, “livre de gordura” e outros
1 têm aparecido na literatura, assim como em catálogos de bases
ln D = ln(1 82 × 10−6 ) − 2 354 − 1 = −16 748 comerciais nos quais o significado é obscuro e, algumas vezes,
04
duvidoso. O título “livre de gordura” tem sido aplicado tanto
D = 5 33 × 10−8 cm2 s
para bases dispersíveis em água que não contenham óleo como
536 P ATRICK J. S INKO

para bases O/A, porque estas não são gordurosas ao tato e são sa, fase oleosa e agente emulsificante. Os componentes
facilmente removidas da pele e roupas. Os termos “creme” e dos ungüentos emulsionados, contudo, diferem em certo
“pasta” também são usados de forma ambígua. A pasta de pec- modo dos componentes das emulsões líquidas.
tina é uma geléia, enquanto que a pasta de óxido de zinco é
A fase oleosa do ungüento pode conter vaselina, ceras na-
uma suspensão semi-sólida. E qual é o significado do termo
turais, ácidos graxos ou álcoois, ésteres sólidos e substâncias
“base de absorção”? Ele implica que a base é facilmente ab-
similares que aumentam a consistência da base e conferem
sorvida pela pele, que o fármaco incorporado na base é rapi- certas propriedades de aplicação desejáveis.
damente liberado e absorvido de forma percutânea ou que a
base é capaz de absorver grandes quantidades de água? Esses
poucos exemplos ilustram as dificuldades que ocorrem quando Comparação das bases de emulsões
títulos diferentes são usados para o mesmo produto ou quando As bases de absorção têm como vantagem sobre os produtos
diferentes definições são dadas ao mesmo termo. oleosos a capacidade de incorporar grandes quantidades de so-
luções aquosas. Além disso, elas são compatíveis com a maio-
Organogéis ria dos fármacos e são estáveis por longos períodos de tempo.
Quando comparadas com as bases O/A, as apresentações A/O
A vaselina é um gel semi-sólido que consiste de um compo- são superiores no sentido de não perder facilmente água por
nente líquido juntamente com uma “proto-substância” e uma evaporação, já que água é a fase interna. Embora as bases emul-
fração de cera cristalina. A fração cristalina confere rigidez sionadas laváveis em água O/A tenham a propriedade indeseja-
à estrutura do gel, enquanto que a proto-substância ou o for- da de perderem água quando armazenadas de forma incorreta e
mador de gel estabiliza o sistema e espessa o gel. Organogéis durante as operações de manipulação, elas são mais eficazes do
polares incluem os polietilenoglicóis de elevada massa mole- que as bases de absorção não-laváveis, considerando a facilida-
cular, conhecidos como Carbowax (Union Carbide Corp., New de com que são removidas com água da pele e de roupas.
York). Os Carbowax são solúveis em cerca de 75% de água e,
assim, são completamente laváveis em água, embora seus géis
tenham aspecto similar aos géis de vaselina. Propriedades hidrofílicas dos semi-sólidos
Hidrogéis A vaselina apresenta um grau limitado de hidrofilia, captando
cerca de 10 a 15% do seu peso em água mediante de incorpo-
As bases desta classe incluem substâncias orgânicas e inorgâ- ração simples.
nicas que são coloidalmente dispersáveis ou solúveis em água. A capacidade de absorção de água de bases oleosas e de
Os hidrogéis orgânicos incluem gomas naturais e sintéticas bases água-em-óleo pode ser expressa em termos do índice de
como a goma adragante, pectina, alginato de sódio, metilce- água, inicialmente definido em 1935 por Casparis e Meyer67.
lulose e carboximetilcelulose sódica. O magma de bentonita Esse índice mede a quantidade máxima de água que é retida
é um hidrogel inorgânico que tem sido usado como base para (parcialmente emulsificada) em 100 g de base, a 20 °C. O tes-
ungüento na concentração de cerca de 10 a 25%. te consiste em adicionar gradativamente água à base fundida e
misturar o sistema até que a mistura esteja fria. Quando a água
Tipos de bases de emulsões não é mais absorvida, retira-se o produto e se coloca no refrige-
Como se pode esperar, as bases tipo emulsão têm muito mais rador por várias horas. Depois, ele é removido e deixado alcan-
afinidade com água do que com produtos oleosos. çar a temperatura ambiente. O material é espatulado sobre um
As bases O/A apresentam vantagens em relação às bases suporte apropriado até que a água não exsude mais. Finalmente,
A/O, uma vez que o produto O/A é removido com facilidade da se determina a quantidade de água remanescente na base. Cas-
pele e não mancha a roupa. Essas bases são, às vezes, chamadas paris e Meyer verificaram que o índice de água da vaselina é
de “laváveis em água”. Elas têm a desvantagem de perder água entre 9 e 15; o valor para a lanolina é de cerca de 185.
por evaporação e de facilitar possíveis crescimentos de fungos
e bactérias; logo, requerem conservantes. Serão discutidas duas Propriedades reológicas dos semi-sólidos
classes de emulsões: as emulsionáveis e as emulsionadas.
a. Bases emulsionadas. Nós optamos por chamar essas ba- Os produtores de ungüentos farmacêuticos e de cremes cosmé-
ses de emulsionadas porque inicialmente elas não con- ticos têm reconhecido a conveniência do controle da consistên-
têm água, mas são capazes de incorporá-la para formar cia de materiais não-newtonianos.
emulsões A/O e O/A. Os tipos A/O costumam ser conheci- Provavelmente, o melhor instrumento para determinar as
dos como bases de absorção devido a sua capacidade de propriedades reológicas dos semi-sólidos de uso farmacêutico
absorver quantidades significativas de água ou soluções é o viscosímetro rotacional. O viscosímetro do tipo cone-prato
aquosas sem alterações em sua consistência. (p. 587) é particularmente bem adaptável à análise de emulsões
semi-sólidas e suspensões. O viscosímetro de Stormer (p. 588),
b. Bases emulsionadas. Bases água-em-óleo nas quais a que consiste de um recipiente estacionário e de um cilindro rota-
água é incorporada durante a preparação são chamadas, tório, também é satisfatório para semi-sólidos quando modifica-
neste livro, de bases A/O emulsionadas, para diferenciá- do conforme sugerido por Kostenbauder e Martin.68
las das bases A/O emulsionáveis (bases de absorção), que As curvas de consistência para vaselina hidrofílica e bases
não contêm água. As bases óleo-em-água emulsionadas emulsionáveis contendo vaselina hidrofílica, nas quais água é
são formuladas como qualquer emulsão com fase aquo- incorporada, são mostradas na Figura 18-16. Poderá ser ob-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 537

20 g H2O
adicionada a 100 g
Velocidade de cisalhamento

vaselina hidrofílica
Vaselina

Índice de tixotropia (dina s/cm)


Vaselina
hidrofílica

Curva de ida Plastibase


Curva de volta

Carga (g)

Figura 18-16 Curvas de fluxo da vaselina hidrofílica e da vaselina hidrofílica


contendo água. (Retirada de H. B. Kostenbauder and A. Martin, J. Am. Pharm.
Assoc., Sci. Ed. 43, 401, 1954.)

servado que a adição de água à vaselina hidrofílica diminui o Temperatura (ºC)


ponto de cedência (a interseção resultante da extrapolação da Figura 18-18 O coeficiente de temperatura da tixotropia para Plastibase (E.
curva de volta com o eixo de carga) de 520 para 340 g. A vis- R. Squibb and Sons) e da vaselina. (Retirada de: A. H. C. Chun, M.S. Thesis,
cosidade plástica (o recíproco da inclinação da curva de volta) Purdue University, Purdue, Ind., June 1956).
e a tixotropia (área da curva de histerese) são aumentadas pela
adição de água à vaselina hidrofílica.
O efeito da temperatura sobre a consistência de um un-
güento-base pode ser analisado pelo uso de um viscosímetro viscosímetro de Stormer modificado foi usado para obter es-
rotacional adequado. As Figuras 18-17 e 18-18 mostram as sas curvas. Como se observa na Figura 18-17, ambas as ba-
alterações de viscosidade plástica e tixotropia, respectivamen- ses apresentam quase que o mesmo coeficiente de temperatura
te, da vaselina e da Plastibase em função da temperatura.69 O para a viscosidade plástica. Tais resultados consideram o fato
de que as bases têm praticamente o mesmo grau de textura
quando esfregadas entre os dedos. Curvas de valores de ce-
dência em função da temperatura mostram aproximadamente
a mesma relação. As curvas da Figura 18-18 sugerem que é a
alteração de tixotropia com a temperatura o que diferencia as
duas bases. Uma vez que a tixotropia é uma conseqüência da
estrutura do gel, a Figura 18-18 mostra que a matriz oleosa de
vaselina é provavelmente desestruturada em uma maior mag-
nitude à medida que a temperatura é aumentada, enquanto a
estrutura tipo resina da Plastibase resiste às alterações dentro
Viscosidade plástica (poise)

da faixa de temperatura de uso normalmente encontrada.


Baseado em dados e em curvas como essas, o farmacêutico
que trabalha em laboratório de desenvolvimento pode formular
ungüentos com características de consistência mais adequadas.
O trabalhador da área de produção pode controlar melhor a
uniformidade do produto final; o dermatologista e o paciente
podem estar seguros de que a base irá se espalhar suavemente
em climas diferentes, mantendo uma boa aderência à área afe-
tada, sem ser pegajosa ou de difícil remoção.
Rigidez e viscosidade são dois parâmetros diferentes
usados para caracterizar as propriedades mecânicas dos géis.
Ling70 estudou o efeito da temperatura sobre a rigidez e visco-
sidade da gelatina. Ele usou o índice de rigidez, f, que é defini-
Temperatura (ºC)
do como a força necessária para causar a depressão da super-
Figura 18-17 O coeficiente de temperatura da viscosidade plástica para (•) fície da gelatina, a uma distância fixa. Para medir a rigidez, se
Plastibase (E. R. Squibb and Sons) e ( ) vaselina (Retirada de: A. H. C. Chun, sujeita uma amostra de solução de gelatina ou uma massa de
M.S. Thesis, Purdue University, Purdue, Ind., June 1956). gel à compressão penetrante de um êmbolo cilíndrico com fi-
538 P ATRICK J. S INKO

nal achatado, que opera a velocidade constante. Nesse método,


a velocidade de deformação (razão de deformação de um gel)
é mantida constante e independente da tensão (força aplicada).
Ling verificou que a degradação térmica em relação à rigidez

Índice de rigidez, f, de um gel de gelatina


seguiu uma cinética de segunda ordem,
−df/dt k f f 2 (18-13)
A forma integral da equação (18-13) é
1 1
− kf t (18-14)
f f0
onde f é o índice de rigidez da solução de gelatina ou do gel de
gelatina no tempo t, f0 é o índice de rigidez no tempo zero, kf
é a constante de velocidade (g–1 h–1) e t é o tempo de aqueci-
mento em horas. As quantidades f0 e kf podem ser calculadas a
partir do intercepto e da inclinação da equação (18-14) a uma 2,5
determinada temperatura. Dose radioativa (Mrad)

Figura 18-19 Índice de rigidez de um gel de gelatina em função da radiação


EXEMPLO 18-9 gama, para géis a várias concentrações (15-40%). (Retirada, com permissão,
Índice de rigidez de: A. R. Fassihi and M.S. Parker, J. Pharm. Sci. 77, 876, 1988.)
A perda da rigidez de uma preparação de gelatina a 6%, de grau
farmacêutico USP, foi estudada70 a 65 °C. Os valores de índice de
rigidez a diferentes tempos foram os seguintes: as propriedades aglutinantes da gelatina e diminuiu a dureza de
grânulos de lactose preparados com gelatina irradiada. Os au-
t (h) 10 20 30 40 50 tores sugerem que doses de radiação gama devem ser menores
1 −1
f
(g ) 0,0182 0,0197 0,0212 0,0227 0,0242 que 2 megarad (Mrad) para que se possa obter gelatinas com
qualidade aceitável para uso farmacêutico.
Calcular o índice de rigidez, f0, no tempo zero, e a constante
de velocidade, kf, a 65 °C.
A regressão de 1/f em função de t gera a seguinte equação: Universo das medicações tópicas
1
= 1 5 × 10−4 t + 0 0167 Katz72 criou o “universo das medicações tópicas” (Figura
f 18-20) por meio do qual podemos considerar as várias medi-
Em t = 0 temos que o intercepto 1/f0 = 0,0167 g–1; f0 = 59,9 g. A cações tópicas, tais como pastas, bases de absorção, produtos
inclinação é kf = 1,5 × 10–4 g–1 h–1. Usando a equação de regressão, emulsionáveis, loções e suspensões. Os componentes básicos
podemos calcular o índice de rigidez, f, no tempo t, digamos, 60 h:
1
= (1 5 × 10−4 × 60) + 0 0167 = 0 0257 g−1
f Emulsionante
1
f = = 38 9 g
0 0257 Creme
Creme
A/O Ungüento
A força necessária para causar a depressão da superfície de O/A
gelatina foi diminuída em relação ao seu valor original, f0 = 59,9 g. A/O
Logo, a gelatina perdeu rigidez após o aquecimento por 60 h. Água
Loção Base de
O efeito da temperatura na constante de velocidade, kf, O/A G F E absorção
H D
pode ser expresso usando a equação de Arrhenius: I C
kf Ae−Ea RT (18-15) Compressa*
J A B
Ungüento
Assim, o gráfico de ln kf em função de 1/T proprociona a
Pasta
constante de Arrhenius, A, e a energia de ativação, Ea. Loção
Fassihi e Parker71 mediram a mudança no índice de rigidez,
f, de um gel de gelatina B USP de 15 a 40%, antes e depois da
exposição à radiação gama (que é usada para esterilizar a gela- Pó
tina). Eles verificaram que o índice de rigidez diminuiu com a
radiação e que a cinética de degradação da rigidez é complexa.
Para géis de gelatina contendo mais de 20% de gelatina, o índi- Figura 18-20 Universo das medicações tópicas. (Retirada, com permissão, de
ce de rigidez segue uma curva sigmóide com o aumento da dose M. Katz, in E. J. Ariens (Ed.), Drug Design, Academic Press, New York, 1973.)
de radiação, como mostra a Figura 18-19. A gelatina é muito
utilizada como aglutinante, para converter pós a granulados na * N. de T.: Refere-se a formulação fluida utilizada para compressas, ou soak,
produção de comprimidos. A perda do índice de rigidez reduziu no original.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 539

da maioria das preparações dermatológicas são pós, água, óleo onde –kC expressa a velocidade de desaparecimento no tempo t
e agente emulsionante. Iniciando em A, no “disco universal” da devido à degradação e KS(Cs – C) é a velocidade de aparecimen-
Figura 18-20, nos confrontamos com uma medicação na for- to do fármaco na fase líquida devido à dissolução das partículas.
ma de pó simples, usado com finalidade protetora, como agen- A solução dessa equação diferencial é:
te secante e lubrificante e como carreador de fármacos para C [Cs KS (k1 KS)]e−(k1 SK)t
aplicação local. Continuando ao redor do disco em movimento (18-19)
anti-horário, chegamos até a pasta, B, que é a combinação de A valores elevados de t, C torna-se
um pó do segmento A e um material oleaginoso tal como óleo C Cs KS (k1 KS) (18-20)
mineral ou vaselina. O segmento C mostra um ungüento oleo-
so destinado à lubrificação e emoliência, destituído de pó. e a quantidade de fármaco remanescente em suspensão a ele-
A próxima seção, D, é uma base de absorção sem água, que vados valores de t é:
consiste de uma fase oleosa e de um emulsionante A/O capaz de M M0 − [k1 SKCs V)(k1 KS)]t (18-21)
incorporar soluções aquosas de fármacos. Na próxima região do
disco, E, a água começa a aparecer junto com o óleo e o emul- onde M0 é a quantidade inicial de fármaco em suspensão. A
sionante, resultando em uma emulsão A/O. A proporção de água equação (18-21) é a expressão de um processo de ordem zero,
é aumentada em F para alterar o ungüento para um creme A/O. assim como a equação (18-16), mas as inclinações dessas duas
Em G, a base é predominantemente água e um emulsionante equações são diferentes. Uma vez que a constante de veloci-
O/A é usado para formar uma emulsão de tipo oposto, ou seja, dade de dissolução, K, na equação (18-21) é proporcional ao
um creme O/A. Com mais água ainda e menos óleo, o produto coeficiente de difusão, D, K é inversamente proporcional à vis-
passa a ser uma loção O/A em H. No ponto I do disco universal, cosidade do meio; logo, quanto mais viscosa for a preparação,
há somente água; ambos óleo e emulsionante são eliminados maior será a estabilidade.
e esse segmento do disco passa a representar uma preparação
líquida aquosa para colutório ou compressa, por exemplo. EXEMPLO 18-10
Finalmente, na seção J, o pó de A é incorporado e o pro-
duto aquoso torna-se uma preparação redispersível, como a re- Partículas e decomposição
presentada pela loção de calamina. Portanto, o engenhoso disco A velocidade de decomposição de primeira ordem de um fármaco
classifica quase que todos os tipos de preparações, desde pastas em solução aquosa é 5,78 × 10–4 s–1 e a constante de velocidade de
sólidas e ungüentos, passando por emulsões A/O e O/A, até pre- dissolução é 3,35 × 10–6 cm–2 s–1. Qual é a quantidade de fármaco
parações líquidas e loções agitáveis. Esse disco representa uma remanescente em 25 cm3 de uma suspensão a 5% m/v após três
forma fácil de discutir as várias classes de produtos dermatológi- dias? Assumir partículas esféricas de diâmetro médio de volume,
cos e artigos de toucador que são preparados por farmacêuticos dνm, 2 × 10–4 cm. A densidade do pó é 3 g/cm3 e a solubilidade do
na produção ou manipulação e usados topicamente no paciente. fármaco é de 2,8 × 10–4 g/cm3.
A quantidade inicial de fármaco é:
5 M0
= M0 = 1 25 g 25 cm3
100 25
CINÉTICA DE FÁRMACOS EM SISTEMAS DISPERSOS
O número de partículas, N, em 25 cm3 pode ser calculado a
GROSSEIROS partir da equação (16-4), página 454:
6 6
N= =
A cinética de degradação de fármacos em suspensões73 pode π(dνn )3 ρ 3 1416 × (2 × 10−4 )3 × 3
ser discutida como um processo de pseudozero ordem (ver Ca- partículas
= 7 96 × 1010
pítulo 15), grama
M M0 − k1 VCs t (18-16) O número de partículas em 1,25 g é N = 7,96 × 1010 × 1,25 =
onde k1 é a constante de primeira ordem do fármaco dissolvido, 9,95 × 1010 partículas.
V é o volume de suspensão e Cs é a solubilidade do fármaco. Se a A área de superfície total é:
solubilidade do fármaco é muito baixa, a cinética pode ser descri- S = Nπd 2 = 9 95 × 1010 ×3 1416 × (2 × 10−4 )2 = 1 25×104 cm2
ta como a que foi vista na seção de cinética de estado sólido (ver
Capítulo 15). Para sistemas dispersos muito viscosos, a cinética A partir da equação (18-21),
de degradação pode ser parcialmente controlada pela velocidade 5 78 × 10−4 × 1 25 × 104 × 3 35
de dissolução, conforme a equação de Noyes-Whitney, × 10−6 × 2 8 × 10−4 × 25
M = 1 25 −
5 78 × 10−4 + (3 35 × 10−6 × 1 25 × 104 )
dc/dt KS(Cs − C) (18-17)
× (2 6 × 105
onde Cs é a solubilidade do fármaco, C é a concentração do
soluto no tempo t, S é a área de superfície do sólido expan- = 1 25 − [(3 99 × 10−6 )(2 6 × 105 )] = 1 25 − 1 0374 = 0 213 g
dido e K representa a constante de velocidade de dissolução.
Assume-se que, se uma molécula se degrada na fase líquida,
Kenley e colaboradores74 estudaram a cinética de degrada-
ela é substituída por outra molécula que passa para a dissolu-
ção do acetonido de fluocinolona incorporado em um creme base
ção. Logo, a diminuição total na concentração da fase líquida
óleo-em-água. A degradação seguiu uma cinética de pseudopri-
pode ser escrita como:
meira ordem constante a valores de pH de 2 a 6 e a várias tempe-
dc/dt kC KS(Cs − C) (18-18) raturas. As constantes observadas aumentaram com o aumento da
540 P ATRICK J. S INKO

A partir da equação (18-23),


k = exp[22 5 − (17 200 1 9872 × 313)]
+ exp[38 7 − (22 200 1 9872 × 313)] × (1 × 10−4 )
+ exp[49 5 − (21 100 1 9872 × 313)] × (1 × 10−10 )
= (5 782 × 10−3 ) + (2 025 × 10−3 ) + (5 820 × 10−4 )
log (Kobs)

Solução aquosa
k = 8 39 × 10−3 mês −1

Creme Teagarden e colaboradores75 determinaram a constante de


velocidade, k, para a degradação da prostaglandina E1 (PGE1)
em uma emulsão óleo-em-água. Em níveis de pH ácidos, a de-
gradação da PGE1 apresentou elevados valores de constante de
velocidade. Esse fato foi atribuído à maior concentração efeti-
va de íons hidrogênio na interface óleo-água, onde a PGE1 está
Figura 18-21 O perfil de degradação de pH-log(kobs) para o acetonido de fluoci- mais localizada a baixos valores de pH.
nolona e para o acetonido de triancinolona a 50 °C. Legenda: • = kobs (mês–1) de-
terminado experimentalmente para o creme de acetonido de fluocinolona; ° = so-
lução de acetonido de triancinolona. As linhas sólidas foram obtidas a partir dos
valores calculados de kobs usando a equação (18-22). (Retirada, com permissão, DIFUSÃO DE FÁRMACOS EM SISTEMAS DISPERSOS
de A. Kenley, M. O. Lee, L. Sukumar, and M. Powell, Pharm. Res. 4, 342, 1987.) GROSSEIROS
temperatura e observou-se catálise ácida a baixos valores de pH e A liberação de fármacos suspensos em bases de ungüentos
catálise básica a pH acima de 4. A constante de velocidade obser- pode ser calculada a partir da equação de Higuchi:
vada para o processo de degradação pode ser escrita como: Q [D(2A − Cs )Cs t]1 2
(18-24)
k ko kH [H ] kOH [OH− ] (18-22) onde Q é a quantidade de fármaco liberada no tempo t por uni-
onde os valores de ki representam as velocidades específicas dade de área exposta, Cs é a solubilidade do fármaco em uni-
(coeficientes catalíticos) associadas com as várias espécies cata- dade de massa por cm3 no ungüento e A é a concentração total
líticas. A Figura 18-21 compara a degradação do acetonido de de fármaco dissolvido e não-dissolvido. D é o coeficiente de
fluocinolona em cremes óleo-em-água com aquela da triancino- difusão do fármaco no ungüento (cm2/s).
lona, um esteróide, em solução aquosa. A partir da figura, ambos, Iga e colaboradores76 estudaram o efeito do miristato de
cremes e solução, compartilham um perfil de log(velocidade)– etila sobre a liberação de 4-hexilresorcinol a partir de uma
pH similar sob uma faixa de pH de 2 a 6, com uma velocidade base de vaselina a pH 7,4 e temperatura de 37 °C. Eles veri-
mínima próxima a pH 4. Isso pode indicar que a degradação de ficaram que a velocidade de liberação foi proporcional à raiz
cremes óleo-em-água está restrita ao meio aquoso, sendo que os quadrada do tempo, de acordo com a equação de Higuchi.
componentes não-aquosos do creme têm pouca influência.74 O aumento da concentração de miristato de etila melhorou
Uma vez que ln k = ln A – Ea/RT, onde A é o fator de Ar- a velocidade de liberação do fármaco devido ao aumento da
rhenius e Ea á a energia de ativação, a equação (18-22) pode sua solubilidade, Cs, no ungüento [ver equação (18-24)]. Tal
ser reescrita em termos dos parâmetros de ativação, A e Ea, comportamento foi atribuído à formação de complexos 1:1 e
para cada um dos coeficientes catalíticos, ko, kH e kOH: 1:2 entre o hexilresorcinol e o miristato de etila.
k exp[ln Ao − (E ao RT )]
EXEMPLO 18-12
exp[ln AH − (E aH RT )][H ]
Cálculo de Q
exp[ln AOH − (E aOH RT )][OH− ] (18-23) A solubilidade do hexilresorcinol em uma base de vaselina é 0,680
A equação (18-23) permite calcular a constante de veloci- mg/cm3. Após a adição de 10% de miristato de etila, a solubilidade
dade de degradação, k, a várias temperaturas e valores de pH. do fármaco, Cs, é 3,753 mg/cm3. Calcular a quantidade de fárma-
co liberada, Q, após 10 h. O coeficiente de difusão, D, é 1,31 × 10–8
EXEMPLO 18-11 cm2/s e a concentração inicial, A, é 15,748 mg/cm3.
Temos que:
Constante da velocidade de degradação Q = (1 31 × 10−8 cm2 s)[(2 × 15 748 mg cm3 )
O logaritmo natural dos parâmetros de Arrhenius para a hidró- 1
− 0 68 mg cm3 ] 2
lise neutral, ácida e básica do acetonido de fluocinolona em cre- 1

mes óleo-em-água são ln Ao = 22,5, ln AH = 38,7 e ln AOH = 49,5. × [0 68 mg cm3 × (10 × 3600)s] 2 = 0 099 mg cm2
As correspondentes energias de ativação são EaO = 17.200, EaH = Após a adição de 10% de miristato de etila, temos que:
22.200 e EaOH = 21.100 cal/mol. As concentrações de H+ e OH– na
Q = (1 31 × 10−8 cm2 s) [(2 × 15 748 mg cm3 )
equação (18-23) são expressas, usualmente, em moles por litro e 1
a constante de velocidade de primeira ordem, k, é expressa neste − 3 753 mg cm3 ] 2

exemplo em mês–1. Calcular a constante de velocidade de degra- 1


× [3 753 mg cm3 × (10 × 3600)s] 2 = 0 222 mg cm2
dação, k, a 40 °C e a pH 4.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 541

A liberação do fármaco solubilizado de emulsões dos tipos


creme e ungüento depende da concentração inicial de fármaco.
É também uma função do coeficiente de difusão do fármaco
na fase interna, do coeficiente de partição entre a fase interna
e externa e da fração de volume da fase interna. Se o fármaco

Q (μg/cm2)
está completamente solubilizado em uma quantidade mínima
de solvente, a liberação a partir desse veículo será mais rápida
do que sua liberação a partir de um veículo do tipo suspensão.
Ong e Manoukian77 estudaram a liberação de lonapaleno,
um fármaco antipsoríaco não-esteróide, a partir de um ungüen-
to, variando a concentração inicial do fármaco e a fração de
volume da fase interna. No estudo, o lonapaleno foi comple-
tamente solubilizado nos sistemas de ungüento. A maioria do
fármaco foi dissolvida na fase interna, consistindo de propi- Horas1/2
lenoglicol-carbonato de propileno, mas a fração também foi
Figura 18-22 Quantidade de lonapaleno por área, Q, no tempo, t, a partir de
solubilizada na fase externa da base de vaselina, consistindo de
um ungüento do tipo emulsão. Legenda: = 0,5%; = 1,0% e = 2,0% de
monoestearato de glicerila, cera branca e vaselina branca.
fármaco. (Retirada, com permissão, de J. T. H. Ong and E. Manoukian, Pharm.
Os dados foram tratados por uma aproximação de Higuchi,78
Res. 5, 16, 1988.)
De t
Q 2 C0
π (18-25)
onde Q é a quantidade de fármaco liberado por unidade de área ficiente de difusão do fármaco na fase externa, D1, é 2,60 × 10–9
de aplicação, C0 é a concentração inicial no ungüento, De é o co- cm2/s e o coeficiente de partição, K, entre as fases interna e exter-
eficiente de difusão efetiva do fármaco no ungüento e t é o tem- na é de 69.
po após a aplicação. Para um pequeno volume de fase interna, A partir da equação (18-27), o coeficiente de difusão efetivo
D1 KD2 − D1 é:
De 1 3 φ2 (2 60 × 10−9 cm2 s)[1 + (3 × 0 028)]
φ1 Kφ2 KD2 2D1 (18-26) De =
(1 − 0 028) + (69 × 0 028)
onde os índices subescritos 1 e 2 referem-se às fases externa e = 0 97 × 10−9 cm2 s
interna, respectivamente, e K é o coeficiente de partição entre
as duas fases. Onde D2 é muito maior que D1, Note que a soma das frações de volume da fase interna e ex-
D1 (1 3φ2 ) terna é igual a 1. Logo, sabendo que a fração de volume da fase
De externa é de φ2 = 0,028, a fração de volume da fase interna φ1 =
φ1 K φ2 (18-27) 1 – 0,028. A concentração inicial do fármaco é 0,5 g por 100 cm3,
De, o coeficiente de difusão efetivo, é obtido a partir dos estu- ou seja, é de 5 mg/mL. A partir da equação (18-25), a quantidade
dos de liberação [equação (18-25)] e D1 pode ser calculado a de lonapaleno liberado após 24 h é:
partir da equação (18-27), se conhecermos a fração de volume (0 97 × 10−9 cm2 s ) × (24 × 3600) s
das fases externa e interna, φ1 e φ2, respectivamente. O fár- Q = 2 × (5 mg cm3 )
3 1416
maco é liberado de acordo com duas velocidades separadas: a = 0 05 mg cm2
velocidade inicial não-linear e a velocidade de difusão contro-
lada linear (Figura 18-22).
As velocidades iniciais que se estendem por um período A velocidade de liberação também depende da solubilida-
superior a 30 min são superiores às velocidades de difusão con- de do fármaco, igualmente influenciada pelo tipo de emulsão.
trolada devido à maior superfície de transferência de fármaco Rahman e colaboradores79 estudaram a liberação in vitro e a
diretamente sobre a pele, a partir da superfície dos glóbulos. As absorção percutânea in vivo do naproxeno a partir de ungüen-
elevadas velocidades iniciais fornecem imediata disponibilidade tos anidros e cremes óleo-em-água e água-em-óleo. Os resul-
do fármaco à absorção. Além disso, a liberação de fármaco da tados coincidiram com a equação (18-25), as maiores veloci-
fase externa contribui para as velocidades iniciais. A equação dades de liberação tendo sido obtidas quando o fármaco foi
(18-25) é aplicável somente à porção linear do gráfico, no qual o incorporado na fase aquosa dos cremes usando a forma sódica
processo torna-se uma difusão controlada (Figura 18-22). solúvel do naproxeno. Após a aplicação das formulações em
pele de coelho, a absorção do fármaco seguiu uma cinética de
EXEMPLO 18-13 primeira ordem, mostrando uma boa correlação com a libera-
ção in vitro.
Quantidade liberada Chiang e colaboradores80 estudaram a penetração do mi-
Calcular a quantidade de lonapaleno liberado por cm2 após t = 24 noxidil, um agente antialopecia (anticalvicicel), através da pele
h, a partir de um ungüento emulsionado a 0,5% m/v. A fase inter- a partir de ungüentos anidros óleo-em-água e água-em-óleo. A
na do ungüento consiste de fármaco solubilizado em uma mistura velocidade de penetração foi maior a partir dos cremes água-
de propilenoglicol-carbonato de propileno e a fase externa contém em-óleo.
uma mistura de vaselina branca, cera branca e monoestearato de A liberação de fármaco a partir de supositórios graxos pode
glicerila. A fração de volume da fase interna, Φ2, é 0,028, o coe- ser caracterizada pela presença de uma interface entre a base
542 P ATRICK J. S INKO

moldada e o líquido circundante. O primeiro passo é a difusão da emulsão é formada por uma mistura que é, por si só, eutéti-
do fármaco na interface lipídeo-água, a qual é influenciada pe- ca, não há transporte de fármaco entre o óleo inerte e a água, o
las propriedades reológicas do supositório. No segundo passo, qual ocorre em uma emulsão convencional e pode resultar em
o fármaco dissolve-se na interface e é, então, transportado para uma diminuição da atividade termodinâmica, a, ou da “tendên-
fora da interface.81 Uma vez que a dissolução de fármacos pou- cia ao escape” (ver p. 90 e 139). O presente sistema assemelha-
co solúveis em água no lado aquoso da interface lipídeo-água se a uma suspensão que teoricamente tem elevada atividade
é a etapa limitante, a liberação é aumentada pela formação de termodinâmica devido à saturação do fármaco na fase externa.
um complexo solúvel em água. Arima e colaboradores81 verifi- Em uma suspensão, a velocidade de dissolução das partícu-
caram que a liberação de acetato de etil 4-bifenila, um fármaco las pode ser o fator limitante. Em contraste, o estado fluido de
antiinflamatório, a partir de uma base lipídica de supositório uma mistura eutética de lidocaína-prilocaína pode promover
foi melhorada pela complexação do fármaco com um derivado uma elevada velocidade de dissolução. A resistência total, RT,
hidrossolúvel de β-ciclodextrina. O aumento na solubilidade e à penetração na pele da fração livre dissolvida de prilocaína
molhabilidade, assim como a diminuição na cristalinidade de- é dada pela soma das resistências da camada aquosa, Ra, e da
vido à formação do complexo de inclusão, pode ser a causa da resistência da membrana, Rm:
melhoria da liberação. Entretanto, a complexação do flurbipro- RT Ra R m (18-28)
feno com ciclodextrinas metiladas, que são solúveis em óleo e
têm atividade de superfície, melhorou sua liberação a partir de ou
bases de supositório hidrofílicas. Isso se deve à diminuição da 1 hm ha
interação entre o complexo de fármaco e a base hidrofílica.82 RT (18-29)
P Dm K Da
A co-precipitação de indometacina com PVP também facilita a
liberação a partir de bases de supositório lipídicas porque me- onde D é o coeficiente de difusão do fármaco, ha é a espes-
lhora a molhabilidade, o que evita a formação de um compacto sura da camada aquosa, hm é a espessura da membrana e P
na interface óleo-água do supositório.83 é o coeficiente de permeabilidade associado com a membra-
Nyqvist-Mayer e colaboradores84 estudaram a libera- na e a camada aquosa; K é o coeficiente de partição entre a
ção de uma mistura eutética de lidocaína e prilocaína (dois membrana e a camada aquosa. Os termos subescritos a e m
anestésicos locais) a partir de emulsões e géis. A lidocaína e descrevem a camada aquosa e a membrana, respectivamen-
a prilocaína formam misturas eutéticas em uma proporção de te. A equação (18-29) é análoga à equação (12-30) (p. 326),
aproximadamente 1:1. A mistura eutética tem a temperatura exceto a constante 2 no denominador, que foi eliminada nes-
eutética de 18 °C, o que significa que ela é líquida acima de te caso porque consideramos somente uma camada aquosa
18 °C e pode, portanto, estar emulsificada em temperatura am- (Figura 18-24).
biente. O mecanismo de liberação a partir dessa emulsão e o
transporte através da pele é complexo devido à presença de
espécies livremente dissolvidas, espécies de tensoativos solu-
bilizados e espécies emulsificadas da mistura de anestésicos
locais. A passagem desses materiais através da membrana da
pele é mostrada na Figura 18-23. O soluto perdido devido ao
transporte através da membrana é reabastecido pela dissolu-
ção das gotículas, uma vez que há um número substancial de
gotículas presente. As micelas de tensoativo com a fração de
QUANTIDADE LIBERADA (μmol cm–2)

fármaco solubilizada podem agir como carreadores através da


camada de difusão aquosa, diminuindo a resistência da camada
à difusão. As gotículas da formulação também são transpor-
tadas à camada-limite e fornecidas pelo soluto, que difunde
através da membrana, decrescendo, assim, o efeito limitante da
camada aquosa à difusão do soluto. Uma vez que a fase oleosa

Camada de difusão Compartimento doador


aquosa

Emulsificado Dissolvido Solubilizado

Compartimento receptor (Sink)


Membrana
Horas
Figura 18-23 Liberação de uma mistura eutética de lidocaína-prilocaína a
partir de uma emulsão em um compartimento receptor. (Retirada, com per- Figura 18-24 Liberação de lidocaína-prilocaína a partir de uma emulsão ( ) e
missão, de A. A. Nyqvist-Mayer, A. F. Borodin, and S. G. Frank, J. Pharm. Sci. de um gel ( ). (Retirada, com permissão, de A. A. Nyqvist-Mayer, A. F. Borodin,
75, 365, 1986.) and S. G. Frank, J. Pharm. Sci. 75, 365, 1986.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 543

EXEMPLO 18-14 5. K. S. Alexander, J. Azizi, D. Dollimore, and V. Uppala, J. Pharm. Sci. 79,
401, 1990.
Calcular a permeabilidade total, P, de uma mistura 1:1,3 de lido- 6. E. F. Burton, in A. E. Alexander, Colloid Chemistry, Vol. I, Reinhold,
caína-prilocaína na forma de uma mistura eutética. A espessura New York, 1926, p. 165.
das camadas aquosa e de membrana são 200 e 127μm, respecti- 7. E. N. Hiestand, J. Pharm. Sci. 53, 1, 1964.
vamente. O coeficiente de difusão e o coeficiente de partição dos 8. A. Martin, J. Pharm. Sci. 50, 513, 1961; R. A. Nash, Drug Cosmet. Ind.
fármacos nas camadas da membrana e aquosa são os seguintes: 97, 843, 1965.
lidocaína, Da = 8,96 × 10–6 cm2/s, Dm = 2,6 = 10–7 cm2/s e K = 9,1; 9. H. Schott, L. C. Kwan, and S. Feldman, J. Pharm. Sci. 71, 1038, 1982.
prilocaína, Da = 9,14 × 10–6 cm2/s, Dm = 3 × 10–7 cm2/s e K = 4,4. 10. B. A. Haines and A. Martin, J. Pharm. Sci. 50, 228, 753, 756, 1961.
Para a lidocaína, de acordo com a equação (18-29), 11. A. Delgado, V. Gallardo, J. Salcedo, and F. Gonzalez-Caballero, J.
1 127 × 10−4 cm 200 × 10−4 cm Pharm. Sci. 79, 82, 1990.
= + 12. A. Felmeister,G. M. Kuchtyak, S. Kozioi, and C. J. Felmeister, J. Pharm.
P (2 6 × 10−7 cm2 s) × 9 1 8 96 × 10−6 cm2 s
Sci. 62, 2027, 1973; J. S. Tempio and J. L. Zaps, J. Pharm. Sci. 69, 1209,
= 7599 8 s cm 1980; J. Pharm. Sci. 70, 554, 1981; J. L. Zaps et al., Int. J. Pharm. 9, 315,
P = 1 7599 8 = 1 32 × 10−4 cm s 1981.
13. E. N. Hiestand, J. Pharm. Sci. 61, 269, 1972.
Para a prilocaína, 14. R. H. Blythe, U. S. Patent 2,369,711, 1945.
1 127 × 10−4 cm 200 × 10−4 cm 15. S.-L. Law, W.-Y. Lo and G.-W. Teh, J. Pharm. Sci. 76, 545, 1987.
= +
P (3 × 10−7 cm2 s) × 4 4 9 14 × 10−6 cm2 s 16. C. K. Mervine and G. D. Chase, Apresentado no American Pharm.
Association Meeting, 1952.
= 11809 2 s cm
17. J. Y. Oldshue, J. Pharm. Sci. 50, 523, 1961.
P = 1 11809 2 = 8 47 × 10−5 cm s 18. (a) E. K. Fischer, Colloidal Dispersions, Wiley, New York, 1950; (b) C.
E. Berry and H. J. Kamack, Proceedings 2nd International Congress of
A permeabilidade da mistura PT pode ser calculada a partir da
Surface Activity, Vol. IV, Butterworths, London, 1957, p. 196; (c) C. L.
proporção de cada componente.84 Uma vez que a proporção de li- Prasher, Crushing and Grinding Process Handbook, Wiley, New York,
docaína é 1 e da prilocaína é 1,3, a quantidade total é 1 + 1,3 = 2,3. 1987, Capítulo 6.
Logo, a permeabilidade da mistura é: 19. J. L. Zatz and R.-Y. Lue, J. Pharm. Sci. 76, 157, 1987.
(1 × 1 32 × 10−4 ) + (1 3 × 8 47 × 10−5 ) 20. M. I. Zapata, J. R. Feldkamp, G. E. Peck, J. L. White, and S. L. Hem, J.
PT =
23 Pharm. Sci. 73, 3, 1984.
= 1 05 × 10−4 cm s 21. S. C. Mehta, P. D. Bernardo,W. I. Higuchi, and A. P. Simonelli, J. Pharm.
Sci. 59, 638, 1970.
22. A. P. Simonelli, S. C. Mehta, and W. I. Higuchi, J. Pharm. Sci. 59, 633,
A quantidade total liberada da emulsão consiste de uma 1970.
porção inicial em estado estacionário, a partir da qual a velo- 23. K. H. Ziller and H. Rupprecht. Drug Dev. Ind. Pharm. 14, 2341, 1988.
cidade de liberação pode ser calculada. Quando a formulação 24. J. S. Lucks, B. W. Müller, and R. H. Müller, Int. J. Pharm. 58, 229,
é espessada com carbômero 934P (Carbopol), ocorre a forma- 1990.
ção de um gel. As velocidades de liberação a partir do gel e da 25. B. D. Tarr, T. G. Sambandan, and S. H. Yalkowsky, Pharm. Res. 4, 162,
emulsão são comparadas na Figura 18-24. No gel, a velocidade 1987.
de liberação diminui constantemente devido à formação de uma 26. S. S. Davis and P. Hansrani, Int. J. Pharm. 23, 69, 1985.
zona de depleção. A espessura da camada de difusão estacioná- 27. E. Shotton and R. F. White, in P. Sherman (Ed.), Rheology of Emulsions,
ria próxima à membrana aumenta de tal modo que o processo Pergamon Press, Oxford, 1963, p. 59.
de liberação torna-se controlado pelo veículo. Após 1 h, a quan- 28. J. A. Serrallach and G. Jones, Ind. Eng. Chem. 23, 1016, 1931.
tidade liberada é uma função da raiz quadrada do tempo e o co- 29. J. H. Schulman and E. G. Cockbain, Trans. Faraday Soc. 36, 651, 661,
eficiente de difusão aparente no gel pode ser calculado a partir 1940.
da equação de Higuchi (18-24). O processo de liberação em 30. Atlas Powder Co., A Guide to Formulation of Industrial Emulsions with
ambas as camadas, de membrana e aquosa, é controlado para Atlas Surfactants, Atlas Powder Co., Wilmington, Del., 1953.
sistemas não geleificados (emulsões). Ver páginas 326-327 para 31. J. Boyd, C. Parkinson, and P. Sherman, J. Coll. Interface Sci. 41, 359,
uma descrição do controle de membrana e de camada aquosa. 1972.
Para sistemas geleificados, a liberação inicial também é contro- 32. A. H. C. Chun, R. S. Joslin, and A. Martin, Drug Cosmet. Ind. 82, 164,
1958.
lada pela camada de membrana e camada aquosa, mas última, a
33. A. Beerbower and J. Nixon, Am. Chem. Soc. Div. Petroleum Chem.
liberação a t > 1 h, torna-se controlada pela formulação ou pelo
Preprints 14(1), 62, 1969; A. Beerbower and M. W. Hill, in McCutcheon’s
veículo, ou seja, o passo mais lento ou determinante da veloci-
Detergents and Emulsifiers, 1971, p. 223.
dade na difusão do fármaco é a passagem através do veículo.
34. J. Mullins and C. H. Becker, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 45, 110,
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1970. 39. S. Magdassi and A. Siman-Tov, Int. J. Pharm. 59, 69, 1990.
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544 P ATRICK J. S INKO

41. C. Washington, A. Chawla, N. Christy, and S. S. Davis, Int. J. Pharm. 54, 62. C. Washington, Int. J. Pharm. 58, 1, 1990.
191, 1989. 63. K. Morimoto, A. Magayasu, S. Fukanoki, K. Morisaka, S.-H. Hyon, and
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5
19 MICROMERÍTICA
20 REOLOGIA
21 BIOMATERIAIS
22 SISTEMAS DE LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS
5
LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS
19
19 MICROMERÍTICA

TAMANHO DE PARTÍCULA E DISTRIBUIÇÃO DE Superfície específica


TAMANHO
MÉTODOS DE DETERMINAÇÃO DA ÁREA DE
Tamanho médio de partícula
SUPERFÍCIE
Distribuição de tamanho de partícula
Método por adsorção
Distribuições por número e peso
Método por permeabilidade ao ar
Número de partículas
TAMANHO DE PORO
MÉTODOS PARA DETERMINAR O TAMANHO
DE PARTÍCULA PROPRIEDADES DERIVADAS DOS PÓS
Microscopia óptica Porosidade
Tamisação Arranjos de empacotamento
Sedimentação Densidades das partículas
Determinação do volume de partícula Volumosidade
Propriedades de fluxo
FORMA DA PARTÍCULA E ÁREA DE SUPERFÍCIE
Compactação: comprimidos
Forma da partícula

Ao final deste capítulo, o estudante no produto. Na área da produção de comprimidos e de cápsulas,


OBJETIVOS DO CAPÍTULO deverá estar apto a: o controle do tamanho de partícula é essencial para se conse-
guir propriedades de fluxo necessárias e propriedades de mistu-
1 Compreender o conceito de tamanho de partícula na forma ra apropriadas para pós e grânulos. Estes e outros fatores revi-
como é aplicado nas Ciências Farmacêuticas. sados por Lees1 deixam claro que o farmacêutico de hoje deve
2 Discutir a respeito dos tamanhos usuais das partículas nas possuir conhecimento aprofundado no tema micromerítica.
preparações farmacêuticas e o seu impacto no processo/
preparação de formas farmacêuticas.
3 Estar familiarizado com as unidades de tamanho, área e
volume de partícula e os cálculos usuais. TAMANHO DE PARTÍCULA E DISTRIBUIÇÃO DE
4 Descrever como as partículas podem ser caracterizadas e o TAMANHO
porquê da importância desses métodos.
5 Discutir os métodos de determinação do tamanho de partí- Em uma população de partículas com mais de um tamanho
cula. (i. e., em uma amostra polidispersa), duas propriedades são
6 Discutir a função e a importância da forma da partícula e importantes, a saber: (a) a forma e a área de superfície das
da área de superfície. partículas individuais e (b) a faixa de tamanho e o número
7 Compreender os métodos de determinação da área de su- ou peso das partículas presentes e, por conseguinte, a área de
perfície das partículas. superfície total. O tamanho de partícula e as distribuições de
8 Explicar as duas propriedades fundamentais de quaisquer tamanho serão considerados nesta seção. A forma e a área de
populações de partículas. superfície serão discutidas mais adiante.
9 Descrever o que é uma propriedade derivada de um pó e O tamanho de uma esfera é geralmente expresso em termos
identificar as propriedades derivadas mais importantes. do seu diâmetro. Contudo, à medida que o grau de assimetria
das partículas aumenta, também aumenta a dificuldade de ex-
pressar esse tamanho em termos de um diâmetro real. Nessas
O conhecimento e o controle do tamanho e da faixa de ta- condições, não há um único diâmetro de partícula. Para utili-
manho das partículas são de extrema importância em Farmácia. zar o diâmetro equivalente à esfera, que relaciona o tamanho
Desta forma, o tamanho e, conseqüentemente, a área de super- de partícula ao diâmetro de uma esfera que tenha mesma área
fície da partícula, podem estar significativamente relacionados de superfície, volume ou diâmetro, é necessário fazer algumas
com as propriedades físico-químicas e farmacológicas de um considerações. Assim, o diâmetro de superfície, ds, é o diâme-
fármaco. Na prática, o tamanho de partícula de um fármaco tro de uma esfera que tem a mesma área de superfície que a
pode afetar a sua liberação a partir de formas farmacêuticas ad- partícula. O diâmetro de uma esfera com o mesmo volume que
ministradas pelas vias oral, parenteral, retal e tópica. Do ponto a partícula é denominado diâmetro de volume, dí, enquanto o
de vista tanto da estabilidade física como da resposta farma- diâmetro projetado, dp, é o diâmetro de uma esfera que possui a
cológica, o sucesso na formulação de suspensões, emulsões e mesma área observada para a partícula, quando esta é vista per-
comprimidos também depende do tamanho de partícula obtido pendicularmente ao seu plano mais estável. O tamanho também
548 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO MICROMERÍTICA
O termo Micromerítica foi dado por Dalla Valle à ciência e tecnologia das TABELA B. ESCALA DAS FAIXAS DE DIFERENTES
pequenas partículas.2 As dispersões coloidais são caracterizadas por par- PARTÍCULAS PEQUENAS, BEM COMO O
tículas tão pequenas que não podem ser observadas com um microscópio COMPRIMENTO DE ONDA DA LUZ E DE OUTRAS ONDAS
comum, enquanto que as partículas das emulsões e suspensões farma- ELETROMAGNÉTICAS QUE ILUMINAM MATERIAIS
cêuticas, assim como a tenuidade dos pós, caem no âmbito do microscó- ENCONTRADOS DENTRO DESSAS FAIXAS DE TAMANHO*
pio comum. As partículas que possuem o tamanho de um pó grosseiro, de
granulados para compressão e de grânulos de sais efervescentes perten- Tamanho (μm)
cem à faixa dos tamises. As faixas de tamanho aproximado das partículas
1000
de dispersões farmacêuticas estão listadas na Tabela A. Os tamanhos 800
• Diâmetro de
de outros materiais, incluindo microrganismos, estão representados nas 600 agulha de costura
Tabelas B e C. A unidade de tamanho de partícula mais freqüentemente 500
utilizada em micromerítica é o micrometro, μm, também chamado de mi- 400
Garoa
cra, μ, que é igual a 10–6 m, 10–4 cm e 10–3 mm. Não se deve confundir 300
μm com mμ; o último é o símbolo para milimicra, ou seja, 10–9 m. Atual- • Espessura da
Areia de 200 lâmina de barbear
mente, a milimicra é mais usualmente referida como nanômetro (nm). praia
Névoa
100
Diâmetro do
TABELA A. DIMENSÕES DAS PARTÍCULAS EM SISTEMAS 80
• cabelo humano
DISPERSOS FARMACÊUTICOS 60
• Farinha
50
Micros- 40 Menor partícula
Tamanho de partícula, •
copia visível
diâmetro visível 30

20 Pólen de
Tamanho
Pólen
{
• ambrosia
Micrometros de tamis • Espessura do
(μm) Milímetros aproximado Exemplos Bactérias 10 {
papel-alumínio
0,5–10 0,0005–0,010 — Suspensões, Colcótar 8 • Eritrócito
emulsões finas 6 • Leveduras e fungos
5
10–50 0,010–0,050 — Limite superior Nuvem, 4
da faixa de névoa
subtamisação, 3
gotículas de Micros- 2
emulsões copia
Pó danoso UV
grosseiras,
ao pulmão 1
partículas de
0,8 Serratia
suspensões {
0,6 • marcescens
floculadas
0,5
50–100 0,050–0,100 325–140 Limite inferior 0,4 Pseudomonas
da faixa de 0,3 ••
{
diminuta
tamises, faixa Organismos
de pó fino 0,2 Aerossol de
150–1000 0,150–1,000 100–18 Faixa de pó
como
Pleuropneumonia
{ ftalato de dioctila
grosseiro Microscopia 0,1
1000–3360 1,000–3,360 18–6 Tamanho médio Carvão 0,08
eletrônica
dos grânulos negro 0,06
Fumaça 0,05
de cigarro Ultrami- 0,04
croscopia 0,03

0,02
Vírus
0,01
0,008
0,006
0,005
0,004
0,003
0,002

0,001

* Fonte: Gelman, Science 4, 1980.


M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 549

TABELA C. COMPRIMENTO DE BASTONETES E DIÂMETRO DE VÁRIOS MICRORGANISMOS*


Comprimento Diâmetro do
do bastonete bastonete ou do
Organismo (μm) cocus (μm) Importância
Acetobacter melanogenus 1,0–2,0 0,4–0,8 Bactéria da cerveja e do vinagre fortes
Alcaligenes viscolactis 0,8–2,6 0,6–1,0 Confere viscosidade ao leite
Bacillus anthracis 3,0–10,0 1,0–1,3 Causa antraz em mamíferos
B. stearothermophilus 2,0–5,0 0,6–1,0 Indicador biológico para esterilização por vapor
B. subtilis 2,0–3,0 0,7–0,8 Indicador biológico para esterilização por óxido de etileno
Clostridium botulinum (B) 3,0–8,0 0,5–0,8 Produz exotoxina que causa o botulismo
C. perfringens 4,0–8,0 1,0–1,5 Produz toxina que causa intoxicação alimentar
C. tetani 4,0–8,0 0,4–0,6 Produz exotoxina que causa o tétano
Diplococcus pneumoniae 0,5–1,25 Causa pneumonia lobular
Erwinia aroideae 2,0–3,0 0,5 Causa podridão vermelha em verduras
Escherichia coli 1,0–3,0 0,5 Indicador de contaminação fecal da água
Haemophilus influenzae 0,5–2,0 0,2–0,3 Causa gripe e infecções respiratórias agudas
Klebsiella pneumoniae 5,0 0,3–0,5 Causa pneumonia e outras inflamações respiratórias
Lactobacillus delbrueckii 2,0–9,0 0,5–0,8 Causa azedume de pastas de grãos
Leuconostoc mesenteroides 0,9–1,2 Causa limo nas soluções de açúcar
Mycoplasma pneumoniae (PPLO) 0,3–0,5 Menor organismo vivo conhecido
Pediococcus acidilactici 0,6–1,0 Causa degradação no mash da cerveja
P. cerevisiae 1,0–1,3 Causa deterioração na cerveja
Pseudomonas diminuta 1,0 0,3 Organismo-teste para retenção de membranas filtrantes de 0,2 µm
Salmonella enteritidis 2,0–3,0 0,6–0,7 Causa intoxicação alimentar
S. hirschfeldii 1,0–2,5 0,3–0,5 Causa febre entérica
S. typhimurium 1,0–1,5 0,5 Causa intoxicação alimentar em humanos
S. typhosa 2,0–3,0 0,6–0,7 Causa febre tifóide
Sarcina maxima 4,0–4,5 Isolada na fermentação no mash do malte
Serratia marcescens 0,5–1,0 0,5 Organismo-teste para retenção de membranas filtrantes de 0,45
µm
Shigella dysenteriae 1,0–3,0 0,4–0,6 Causa disenteria em humanos
Staphylococcus aureus 0,8–1,0 Causa infecções purulentas
Streptococcus lactis 0,5–1,0 Contaminante do leite
S. pyogenes 0,6–1,0 Causa infecções purulentas
Vibrio percolans 1,5–1.8 0,3–0,4 Organismo-teste para retenção de membranas filtrantes de 0,2 µm
* Fonte: Gelman, Science, 4, 1980.

pode ser expresso como diâmetro de Stokes, dst, que descreve o médica e tecnológica, para diferentes testes de diagnóstico;3
diâmetro equivalente a uma esfera que sedimenta com a mes- como partículas de tamanho-padrão em analisadores de partí-
ma velocidade que uma partícula assimétrica. Normalmente, culas; na determinação precisa do tamanho de poro de filtros;
o tipo de diâmetro utilizado reflete o método empregado para e como superfícies de tamanho uniforme a serem revestidas
obter esse diâmetro. Como veremos mais adiante, o diâmetro por antígenos em testes de imunização efetiva. Nanoesferas de
projetado é obtido mediante técnicas microscópicas, enquanto tamanho-padrão4 podem ser obtidas em 22 tamanhos diferen-
que o diâmetro de Stokes é determinado a partir de estudos de tes, de 21 nm (0,021 µm) até 900 nm (0,9 µm ou 0,0009 mm)
sedimentação das partículas em suspensão. de diâmetro, e são usadas para a calibração de instrumentos e
Qualquer amostra de partículas é normalmente polidisper- controle de qualidade durante a obtenção de produtos de tama-
sa. Por isso, é necessário não só conhecer o tamanho de uma nho submicrométrico, tais como lipossomas, nanopartículas e
dada partícula, mas também determinar quantas partículas do microemulsões, conforme descrito nos Capítulos 21 e 22.
mesmo tamanho existem nessa amostra. Portanto, precisamos
estimar as faixas de tamanho e a fração em número ou em peso
para cada tamanho particular, ou seja, a distribuição do tama- Tamanho médio de partícula
nho de partícula e, a partir disso, vamos poder calcular o tama-
nho de partícula médio de uma amostra. Suponha que foi realizada uma análise por microscopia de
Quando um profissional que atua na produção de medi- uma amostra de pó e que o número de partículas foi registrado
camentos deseja trabalhar com partículas de tamanho apro- colocando-as dentro de faixas de tamanho diferentes. Os dados
ximadamente uniforme (ou seja, monodispersas e não po- de uma determinação deste tipo são mostrados na Tabela 19-1.
lidispersas), ele pode conseguir lotes de partículas de látex Para comparar esses valores com outros obtidos, por exemplo,
de diâmetro tão pequeno quanto 0,060 µm (60 nm), com um de um segundo lote do mesmo material, normalmente calcula-
desvio-padrão, σ, de ± 0,012 µm, e de partículas tão grandes mos o diâmetro médio para ter uma base de comparação.
quanto 920 µm (0,920 nm), com um σ de ± 32,50. Essas par- Edmundson5 derivou uma equação geral para a determina-
tículas de tamanho uniforme são utilizadas na área científica, ção do tamanho médio de partícula, quer seja ele um diâmetro
550 P ATRICK J. S INKO

TABELA 19-1
CÁLCULO DOS DIÂMETROS ESTATÍSTICOS A PARTIR DE DADOS OBTIDOS PELO MÉTODO DE MICROSCOPIA (DISTRIBUIÇÃO
NORMAL)

Número de
Média da faixa partículas em
Faixa de de tamanho cada faixa de
tamanho (µm) (µm) d tamanho (µm) n nd nd2 nd3 nd4
0,50–1,00 0,75 2 1,50 1,13 0,85 0,64
1,00–1,50 1,25 10 12,50 15,63 19,54 24,43
1,50–2,00 1,75 22 38,50 67,38 117,92 206,36
2,00–2,50 2,25 54 121,50 273,38 615,11 1.384,00
2,50–3,00 2,75 17 46,75 128,56 353,54 972,24
3,00–3,50 3,25 8 26,00 84,50 274,63 892,55
3,50–4,00 3,75 5 18,75 70,31 263,66 988,73
n 118 nd 265 50 nd 2 640 89 nd 3 25 nd 4 95

médio aritmético, geométrico ou harmônico: Um método alternativo de representação dos dados é o


p f 1 p gráfico do percentual acumulado, em sentido ascendente ou
nd
dmédio (19-1) descendente,* de um tamanho específico em função do tama-
nd f nho de partícula. Isso é mostrado na Figura 19-3, na qual se
Na equação (19-1), n é o número de partículas dentro de utilizou o percentual acumulado descendente (coluna 5, Tabe-
uma mesma faixa de tamanho cujo valor médio, d, correspon- la 19-3). O resultado é uma curva sigmóide, em que a moda
de a um dos diâmetros mencionados anteriormente. O termo corresponde ao tamanho de partícula da maior inclinação.
p é um índice relacionado ao tamanho de uma determinada O leitor deverá estar acostumado com o conceito de dis-
partícula, uma vez que d elevado à potência p = 1, p = 2 ou p = tribuição normal, abordado no Capítulo 1. Como o seu nome
3 é uma expressão do comprimento, da superfície e do volume indica, trata-se de uma distribuição que é simétrica ao redor da
dessa partícula, respectivamente. O valor do índice p também média, que também equivale à moda.
define se a média é aritmética (p é positivo), geométrica (p O desvio-padrão, σ, é um indicador da distribuição ao redor
vale zero) ou harmônica (p é negativo). Para uma população da média.** Em uma distribuição normal, 68% da população
de partículas, a freqüência com a qual uma partícula ocorre fica compreendido dentro de ± 1σ da média, 95,5%, dentro
dentro de uma determinada faixa de tamanho é expressa como de ± 2σ e 99,7%, dentro de ± 3σ. A distribuição normal mos-
ndf Quando o índice da freqüência, f, apresenta valores iguais a trada na Figura 19-1 não é encontrada habitualmente em pós
0, 1, 2 ou 3, conseqüentemente a distribuição da freqüência de farmacêuticos, os quais, com freqüência, são processados por
moagem ou precipitação.6 Mais ainda, esses sistemas tendem a
tamanho é expressa em termos de número total, comprimento,
apresentar uma distribuição assimétrica, ou deslocada, similar
superfície ou volume de partícula, respectivamente.
à ilustrada na Figura 19-2. Quando os dados da Figura 19-2
Alguns dos mais significativos diâmetros médios aritméti- (retirados da Tabela 19-3) são plotados na forma de freqüência
cos (quando p é positivo) são mostrados na Tabela 19-2. Esses versus logaritmo do diâmetro de partícula, obtemos muitas ve-
diâmetros se depreendem dos valores de p e de f utilizados na zes uma curva com forma de sino. Esta constatação é ilustrada
equação (19-1). Os diâmetros calculados a partir dos dados da na Figura 19-4. A distribuição de tamanho que se ajusta a esse
Tabela 19-1 também estão incluídos. Para uma descrição mais modelo é dita distribuição normal logarítmica, que é diferente
completa desses diâmetros, o leitor pode reportar-se ao traba- da distribuição normal mostrada na Figura 19-1.
lho de Edmundson.5 Uma distribuição normal logarítmica possui várias proprie-
dades interessantes. Quando o logaritmo do tamanho de partícu-
la é plotado contra a freqüência percentual acumulada utilizando
Distribuição de tamanho de partícula uma escala de probabilidade, observa-se uma relação linear (Fi-
gura 19-5). Esse gráfico linear tem como diferencial a vantagem
Quando o número ou o peso das partículas compreendidas den- de permitir caracterizar uma curva de distribuição normal loga-
tro de faixas de tamanho determinadas são plotados em função rítmica mediante dois parâmetros – a inclinação da reta e o pon-
das faixas de tamanho ou do tamanho médio de partícula, ob- to de referência. Conhecendo esses dois parâmetros, podemos
tém-se a conhecida curva de distribuição de freqüência. Alguns
exemplos típicos são apresentados nas Figuras 19-1 (baseada * N. de T.: Ascendente indica a fração retida e descendente a fração de
na Tabela 19-1) e 19-2 (baseada na Tabela 19-3). Esse tipo de passagem.
gráfico permite uma representação visual da distribuição que ** O parâmetro estatístico σ é o desvio padrão derivado de um número muito
não é obtida a partir do diâmetro médio. Isso é muito importan- grande de medidas que se aproxima do tamanho total da população ou de
te porque é possível que se tenham duas amostras com o mesmo um universo de partículas. Uma vez que as amostras de partículas analisa-
diâmetro médio, mas com distribuições diferentes. Da mesma das em sistemas farmacêuticos são normalmente pequenas em comparação
com o universo dessas partículas, é usual escrever o parâmetro que expres-
forma, a partir de uma curva de distribuição de freqüência fica sa a variabilidade da amostra como s, em vez de σ. Freqüentemente, os
bem evidente qual o tamanho de partícula que ocorre mais fre- autores de trabalhos sobre análises de tamanho de partícula não fazem essa
qüentemente. É o que denominamos de moda. distinção entre σ e s, uma prática que será seguida neste capítulo.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 551

TABELA 19-2
DIÂMETROS ESTATÍSTICOS*
1 p Valores para os
ndp + f
Tipo de Parâmetro de Diâmetro dados da tabela
ndf p f média tamanho Freqüência médio 16-2 (µm) Comentários
nd 1 0 Aritmética Comprimento Número Comprimento- 2,25 Resultados satisfatórios
n número quando as faixas de
médio, dln tamanho são estreitas e
a distribuição é normal.
Tais condições são raras
em pós farmacêuticos
nd 2 2 0 Aritmética Superfície Número Superfície- 2,33 Remete a partículas com
número médio, área de superfície média
n dsn
nd 3 3 0 Aritmética Volume Número Volume-número 2,41 Remete a partículas com
3
médio, dín peso médio. Tem relação
n inversa com o número,
N, de partículas por
grama de material.
nd 2 1 1 Aritmética Comprimento Compri- Superfície- 2,41 Sem significado prático
nd mento comprimento
ou
comprimento-
peso médio, dsl
nd 3 1 2 Aritmética Comprimento Superfície Volume- 2,57 Importante em Farmácia
nd 2 superfície ou dada a sua relação
superfície-peso inversa com a superfície
médio, dvs específica, Sw,
nd 4 1 3 Aritmética Comprimento Peso Peso-momento 2,72 Importância limitada em
nd 3 ou volume peso Farmácia
médio, dwm
* Modificada, com permissão, de I. C. Edmundson, in H. S. Bean, J. E. Carless and A. H. Beckett, (Eds.), Advances in Pharmaceutical Sciences, Vol. 2, Academic Press,
Londres, 1967, p. 950.

reproduzir a Figura 19-5 e, fazendo o caminho inverso, pode que foram obtidos mediante uma técnica de contagem, como a
obter-se uma boa aproximação da Figura 19-2, Figura 19-3 ou técnica por microscopia. Freqüentemente há interesse em ob-
da Figura 19-4. O ponto de referência utilizado é o logaritmo do ter dados baseados na distribuição por peso e não por número
tamanho de partícula equivalente a 50% de uma escala de pro- de partículas. Embora isso seja possível mediante a utilização
babilidade, ou seja, o 50% do tamanho das partículas. Esse valor de técnicas como a sedimentação e a tamisação, é preferível, se
é conhecido como diâmetro médio geométrico e é representado já se tem os dados do número de partículas em mãos, converter
pelo símbolo dg. A inclinação é dada pelo desvio-padrão geo- a distribuição por número de partículas para uma distribuição
métrico, σg, que corresponde ao quociente da razão (84% acu- por peso de partículas, e vice-versa.
mulado descendente ou 16% acumulado ascendente)/(50% do Há duas abordagens possíveis. Uma vez que a forma ge-
tamanho) ou (50% do tamanho)/(16% acumulado descendente ral e a densidade das partículas são independentes da faixa de
ou 84% acumulado ascendente). Isso corresponde simplesmente tamanho da amostra, se pode chegar a uma estimativa da distri-
à inclinação da linha reta. Na Figura 19-5, para o conjunto de buição por peso dos dados contidos na Tabela 19-3 calculan-
distribuição de dados, dg = 7,1 µm e σg = 1,43. Sano e colabora- do-se os valores mostrados nas colunas 9 e 10. Esses valores
dores7 utilizaram uma técnica de aglomeração esférica com polí- têm por base a expressão nd3 da coluna 8. Nas Figuras 19-2 e
meros solúveis e tensoativos para aumentar a velocidade de dis- 19-3, estes dados foram plotados junto com a distribuição por
solução de cristais de tolbutamida pouco solúveis. As partículas número de partículas, respectivamente.
esféricas mostraram fluxo livre e geraram gráficos de logaritmo As diferenças entre as duas distribuições são significa-
da probabilidade como os mostrados na Figura 19-5. A dissolu- tivamente claras, ainda que ambas se refiram a uma mesma
ção dos aglomerados de tolbutamida obedeceram à equação da amostra. Por exemplo, se considerarmos o número de partí-
raiz cúbica de Hixon-Crowell, da mesma forma como o fez a ve- culas na Figura 19-3, apenas 12% da amostra é maior que 11
locidade de dissolução dos cristais de tolbutamida não-tratados. µm, embora essas mesmas partículas sejam responsáveis por
42% do peso total das partículas. Por esse motivo, é importante
Distribuições por número e peso distinguir com cuidado quando a distribuição por tamanho é
baseada no número ou no peso das partículas. As distribuições
Os dados contidos na Tabela 19-3 estão mostrados na forma por peso também podem ser plotadas da mesma maneira que
de uma distribuição por número de partículas, o que implica a distribuição dos dados por número, como se observa nas Fi-
552 P ATRICK J. S INKO

60

50

40
Freqüência

30

20

10
Figura 19-1 Gráfico dos dados da Tabela 19-1, plotados de
modo a gerar uma distribuição da freqüência do tamanho de
partícula. Os dados estão plotados como um gráfico de barras
0 ou histograma. Sobreposta a este histograma, está desenha-
0,7 1,2 1,7 2,2 2,7 3,2 3,7 da uma linha de tendência ou curva de freqüência.
Tamanho de partícula (␮m)

Distribuição por número


Freqüência (%)

Distribuição por peso

Tamanho de partícula (␮m)


Figura 19-2 Gráfico da distribuição da freqüência para os dados da Tabela 19-3.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 553

EXEMPLO 19-1
Freqüência acumulada descendente (%)

Distribuição
por número Utilização de dados de distribuição
A partir dos dados da distribuição por número de partículas da
Tabela 19-3 e da Figura 19-5, verificamos que dg = 7,1 µm e σg =
1,43, ou log σg = 0,1553.
Utilizando a equação principal de Hatch-Choate calcular dln
e d’g.
A equação para o diâmetro comprimento-número médio, d
ln, é igual a:
Distribuição
log dln = log dg + 1 151 log2 σg
por peso
= 0 8513 + 1 151(0 1553)2
= 0 8513 + 0 0278
= 0 8791
dln = 7 57 μm
Tamanho de partícula (␮m) Para calcular d’g, é necessário fazer a substituição na seguinte
Figura 19-3 Gráfico da freqüência acumulada dos dados da Tabela 19-3. equação de Hatch-Choate:
log dln = log dg − 5 757 log2 σg
0 8791 = log dg − 5 757(0 1553)2
guras 19-4 e 19-5. Note-se que na Figura 19-5 a inclinação ou
da reta da distribuição por peso é idêntica àquela obtida para a log dg = 0 8791 + 0 1388
distribuição por número de partículas. Logo, o desvio-padrão = 1 0179
geométrico baseado no peso, σ’g, também é igual a 1,43. dg = 10 4 μm
Habitualmente se omite este parâmetro porque seu valor é Também é possível utilizar a equação proposta por Rao,9
independente do tipo de distribuição. O diâmetro médio geo- dg = dg σg
(3 ln σg )
(19-2)
métrico (ou seja, o tamanho de partícula com nível de probabi-
lidade de 50%) calculado com base no peso, d’g, é igual a 10,4 que permite calcular facilmente d’g, conhecendo dg e σg. Neste
µm, enquanto que dg = 7,1 µm. exemplo,
dg = 7 1(1 43)(3 ln 1 43)
A segunda abordagem consiste na aplicação de uma das
= 10 42
equações desenvolvidas por Hatch e Choate,8 desde que a dis-
tribuição seja log-normal. Por esse método, é possível conver- O estudante deverá comprovar que a substituição dos dados
ter a distribuição por número para uma distribuição por peso, pertinentes nas demais equações de Hatch-Choate, contidas na
com um mínimo de cálculo. Além disso, pode-se facilmente Tabela 19-4, fornecem os seguintes diâmetros estatísticos:
dsn = 8 07 μm; dvn = 8 60 μm;
calcular outro valor médio aplicando a equação principal. As
equações de Hatch-Choate estão descritas na Tabela 19-4. dvs = 9 78 μm; dwm = 11 11 μm

TABELA 19-3
CONVERSÃO DA DISTRIBUIÇÃO NUMÉRICA PARA A DISTRIBUIÇÃO PONDERAL (DISTRIBUIÇÃO LOG-NORMAL)
(5) (10)
(2) (3) Número Percentual Percentual
(1) Média da de partículas acumulado da (9) acumulado da
Faixa de faixa de em cada freqüência nd3 freqüência
tamanho tamanho, faixa de (4) descendente (6) (7) (8) Percentual descendente
(µm) d (µm) tamanho, n Percentual n (numérico) nd nd2 nd3 (ponderal) (ponderal)
2,0–4,0 3,0 2 1,0 1,0 6 18 54 0,03 0,03
4,0–6,0 5,0 32 16,0 17,0 160 800 4000 2,31 2,34
6,0–8,0 7,0 64 32,0 49,0 448 3136 21952 12,65 14,99
8,0–10,0 9,0 48 24,0 73,0 432 3888 34992 20,16 35,15
10,0–12,0 11,0 30 15,0 88,0 330 3630 39930 23,01 58,16
12,0–14,0 13,0 14 7,0 95,0 182 2366 30758 17,72 75,88
14,0–16,0 15,0 6 3,0 98,0 90 1350 20250 11,67 87,55
16,0–18,0 17,0 3 1,5 99,5 51 867 14739 8,49 96,04
18,0–20,0 19,0 1 0,5 100,0 19 361 6859 3,95 99,99
n 200
554 P ATRICK J. S INKO

Distribuição numérica
Freqüência (%)

Distribuição ponderal

Tamanho de partícula (␮m)


Figura 19-4 Gráfico da distribuição de freqüência para os dados da Tabela 19-3, mostrando a relação log-normal.

Número de partículas O número de partículas por unidade de peso é calculado da


seguinte forma. Assumindo que as partículas sejam esferas, o
Uma expressão importante na tecnologia das partículas é o nú- volume de uma única partícula corresponde a πd3vn/6 e a mas-
mero de partículas por unidade de peso, N, o qual é dado em sa (volume × densidade) corresponde a πd3vnρ/6 por partícula.
termos de dvn. O número de partículas por grama pode, assim, ser calculado
a partir da equação:
3
(π dvn ρ) 6 g 1g (19-3)
1 partícula N
e
Distribuição numérica 6
0,1 N (19-4)
π dvn
3 ρ
Percentual acumulado da freqüência descendente

Distribuição ponderal

2
EXEMPLO 19-2
␴g 50% do tamanho
Número de partículas
(escala de probabilidade)

10 16% acumulado
16% 7,10 O diâmetro volume-número de um pó, cujos dados foram forne-
1,43
30 acumulado 4,45 cidos na Tabela 19-1, é 2,41 µm ou 2,41 × 10–4 cm. Se a densidade
4,95 µm desse pó é de 3,0 g/cm3, qual e o número de partículas por grama?
50 Temos que
70 6
N= = 4 55 × 1010
3 14 × (2 41 × 10−4 )3 × 3 0
90

98 MÉTODOS PARA DETERMINAR O TAMANHO DE


dg PARTÍCULA
99,9 d’g
Existem vários métodos disponíveis para determinar o tamanho
2 4 6 8 10 14 18 30 40 50 de partícula. Somente aqueles amplamente utilizados na prática
farmacêutica e que são representativos de um princípio em parti-
Tamanho de partícula (␮m)
cular serão apresentados. Para uma discussão mais detalhada dos
Figura 19-5 Gráficos logarítmicos da probabilidade dos dados da Tabela 19-3. diversos métodos de análise de tamanho de partícula, pode-se
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 555

TABELA 19-4
EQUAÇÕES DE HATCH-CHOATE PARA O CÁLCULO DOS DIÂMETROS ESTATÍSTICOS A
PARTIR DAS DISTRIBUIÇÕES NUMÉRICA E PONDERAL

Diâmetro Distribuição numérica Distribuição ponderal


Comprimento-número médio log dln = log dg + 1,151 log2σg log dln = log d’g – 5,757 log2 σg
Superfície-número médio log dsn = log dg + 2,303 log2σg log dsn = log d’g – 4,606 log2 σg
Volume-número médio log dvn = log dg + 3,454 log2σg log dvn = log d’g – 3,454 log2 σg
Volume-superfície médio log dvs = log dg + 5,757 log2σg log dvs = log d’g – 1,151 log2 σg
Peso-momento médio log dwm = log dg + 8,059 log2σg log dwm = log d’g + 1,151 log2 σg

consultar o trabalho de Edmundson5 e Allen10 e as referências algumas informações sobre a faixa de tamanho das partículas
aqui fornecidas, que remetem a outras fontes. Os métodos dis- que se aplica para cada um desses métodos.
poníveis para a determinação das características de tamanho de
partículas submicrométricas foram revisados por Groves.11 Esses
métodos são aplicados a dispersões coloidais (ver Capítulo 17). Microscopia óptica
Métodos por microscopia, tamisação, sedimentação e de-
terminação do volume de partícula serão abordados nas seções É possível utilizar um microscópio convencional para medir o
seguintes. Nenhuma das medições procede diretamente destes tamanho de partícula na faixa de 0,2 até 100 µm, aproxima-
métodos. damente. Dependendo do método microscópico utilizado, em
Embora o microscópio permita ao analista observar partí- emulsão ou suspensão, com ou sem diluição, a amostra é mon-
culas reais, é muito provável que os resultados assim obtidos tada sobre uma lâmina de vidro ou uma célula reticulada e colo-
não sejam mais verdadeiros do que os obtidos por outros méto- cada sobre a mesa-suporte. A ocular do microscópio é ajustada
dos, uma vez que normalmente visualizamos apenas duas das com o nônio graduado com o qual o tamanho das partículas
três dimensões da partícula. Os métodos por sedimentação for- pode ser estimado. O campo visual pode ser projetado sobre
necem um tamanho de partícula relativo à velocidade com que uma tela, na qual as partículas podem ser mais facilmente me-
as partículas sedimentam através do meio suspensionante, que didas, ou pode-se bater uma fotografia e a partir desta fazer um
é uma medida importante no desenvolvimento de emulsões e slide a ser projetado sobre uma tela, para fins de medição.
de suspensões. A medida do volume de partícula realizada em As partículas são medidas com auxílio de uma escala linear
um aparelho denominado contador Coulter nos permite calcu- escolhida arbitrariamente que, na maioria das vezes, é disposta
lar o diâmetro equivalente ao volume. Contudo, esta técnica de forma horizontal ao longo do centro da partícula. Os parâ-
não oferece qualquer informação sobre a forma das partículas. metros de medição mais conhecidos são o diâmetro de Feret,
Logo, em todos esses casos, o tamanho obtido pelo micros- diâmetro de Martin12 e diâmetro da área projetada, os quais
cópio pode ou não ser comparado com o tamanho obtido por podem ser definidos fazendo-se referência à Figura 19-7, da
outros métodos. O tamanho de partícula é mais diretamente forma como foi sugerido por Allen.13 O diâmetro de Martin cor-
aplicado à análise para a qual se destina. Na Figura 19-6 há responde ao comprimento de uma linha que divide a imagem da

Tamisação

Microscopia eletrônica Microscopia óptica

Ultracentrifugação Sedimentação

Contador Coulter

Adsorção Permeabilidade ao ar

, 1.000 .
,
Tamanho de partícula
Figura 19-6 Faixas aproximadas de tamanho para os métodos utilizados nas análises de tamanho de partícula e superfície específica.
556 P ATRICK J. S INKO

Tamisação
Este método utiliza uma série de tamises-padrão calibrados pelo
National Bureau of Standards. Os tamises normalmente são em-
pregados para classificar partículas grosseiras; contudo, com bas-
tante cuidado, podem ser também utilizados para avaliar mate-
riais tão finos quanto 44 µm (tamis no 325). Tamises produzidos
por técnicas de fotogravura e galvanotipia podem ser adquiridos
com aberturas de 90 µm até 5 µm. Segundo o método da U.S.
Pharmacopeia para a análise da tenuidade de pós, uma massa de
amostra é colocada sobre o tamis apropriado, provido de um agi-
tador mecânico. O pó é agitado durante um determinado período
de tempo. O material que passa através de um tamis, mas que é
retido pelo tamis inferior, mais fino, é coletado e pesado.*
Outra abordagem consiste em atribuir às partículas retidas
no tamis inferior o tamanho médio aritmético ou geométrico
referente ao conjunto dos dois tamises. Arambulo e Deardorff15
utilizaram este método de classificação por tamanho na análise
do peso médio de comprimidos. Freqüentemente, o pó é espe-
Figura 19-7 Diagrama geral com as definições para os diâmetros de Feret, cificado com o número da malha do tamis através da qual ele
Martin e projetado. (Retirada, com permissão, de: T. Allen, Particle size Mea- passou ou sobre a qual ficou retido. King e Becker,16 em seu
surements, 2nd Ed., Chapman & Hall, London, 1974, p. 131.) estudo sobre a loção de calamina, expressaram as faixas de
tamanho de amostras de calamina dessa forma.
Quando se necessita uma análise mais detalhada, os tami-
ses podem ser dispostos em colunas de cinco, de modo que o
partícula. A linha pode ser traçada em qualquer direção, mas de- pó mais grosseiro fica retido no topo da coluna. Uma amostra
verá ser aplicada na mesma direção para todas as partículas ana- de pó cuidadosamente pesada é colocada no tamis do topo, se-
lisadas. O diâmetro de Martin é identificado pelo número 1 na guido da agitação dos tamises durante um determinado período
Figura 19-7. O diâmetro de Feret, que corresponde ao número de tempo. O pó retido em cada um dos tamises que compõem a
2 nessa figura, equivale à distância entre duas tangentes dispos- coluna é então pesado.** Assumindo uma distribuição log-nor-
tas em lados opostos da partícula, paralelas em relação a uma mal, o percentual de peso acumulado do pó retido nos tamises
determinada direção, que é a direção y vista na figura. A terceira é plotado utilizando uma escala de probabilidade versus média
medida, que é o número 3 na Figura 19-7, é o diâmetro da área aritmética do tamanho referente às aberturas de duas malhas
projetada. Este corresponde ao diâmetro de um círculo cuja área sucessivas. Como mostra a Figura 19-5, a média geométrica do
é equivalente à área da partícula que está sendo observada per- diâmetro expresso em peso, d’g, e o desvio-padrão geométrico,
pendicularmente à superfície sobre a qual essa se encontra. σg, podem ser obtidos diretamente a partir da linha reta.
Segundo Herdan,17 os erros na tamisação podem surgir em
Para determinar os diâmetros estatísticos de uma distribui-
decorrência de vários fatores, incluindo carga sobre o tamis,
ção, a distribuição da freqüência do tamanho de partícula pode
duração e intensidade da agitação. Fonner e colaboradores18
ser plotada conforme mostra a Figura 19-1. Para eliminar a
demonstraram que a tamisação pode provocar atrito em ma-
necessidade de medir as partículas mediante observação visual,
teriais farmacêuticos granulares. Por causa disso, para asse-
diversos analisadores eletrônicos têm sido desenvolvidos. gurar que as técnicas sejam reprodutíveis, é necessário tomar
Prasad e Wan14 utilizaram um equipamento de gravação cuidado para que as diferenças de distribuição de tamanho de
em vídeo para observar, registrar, armazenar e recuperar dados partícula entre diferentes lotes de um composto não ocorram
de tamanho de partícula obtidos da análise por microscopia de apenas em função das diferentes condições de tamisação.
adjuvantes de comprimidos, incluindo celulose microcristali-
na, carboximetilcelulose sódica, amidoglicolato de sódio e me-
tilcelulose. Foram determinados a área projetada do perfil da Sedimentação
particula, o diâmetro de Feret e vários fatores de forma (alon-
gamento, volume e fator de superfície). A técnica de gravação A utilização da ultracentrifugação na determinação da mas-
em vídeo foi considerada simples e adequada para a análise sa molecular de polímeros já foi discutida anteriormente. O
microscópica de adjuvantes. tamanho de partícula abaixo do limite da tamisação pode ser
Uma desvantagem do método por microscopia reside no fato calculado mediante sedimentação por gravidade, conforme o
expressa a Lei de Stokes,
de o diâmetro ser obtido apenas a partir de duas dimensões da
partícula: comprimento e largura. Normalmente não se consegue h dst2 (ρs − ρ0 )g
v (19-5)
obter nenhuma estimativa sobre a profundidade (espessura) das t 18η0
partículas. Além disso, o número de partículas que deve ser anali- ou
sado (de 300 a 500) para obter uma boa estimativa da distribuição 18η0 h
torna o método lento e tedioso. Contudo, a análise de uma amos- dst (19-6)
tra por microscópio (fotomicrografias) deve ser realizada ainda (ρs − ρ0 )gt
que outras análises de tamanho de partícula tenham sido utiliza-
das, uma vez que a presença de aglomerados e de partículas de * N. de T.: Fração de passagem.
mais de um componente podem freqüentemente ser detectadas. ** N. de T.: Fração retida.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 557

onde v é a velocidade de sedimentação, h é a distância de que- EXEMPLO 19-4


da no tempo t, dst é o diâmetro médio das partículas baseado na
velocidade de sedimentação, ρs é a densidade das partículas, Maior tamanho de partícula
ρ0 é a densidade do meio de dispersão, g é a aceleração gravi- Um material pulvéreo com densidade de 2,7 g/cm3 é suspenso em
tacional e η0 é a viscosidade do meio. A equação vale apenas água a 20 °C. Qual é o maior tamanho de partícula que pode sedi-
para esferas em queda livre, sem impedimento e a uma velo- mentar sem ocasionar turbulência? A viscosidade da água a 20 °C
cidade constante. A lei é aplicável a partículas de vários tama- é de 0,01 poise, ou g/cm s, e a sua densidade é igual a 1,0 g/cm3.
nhos e de forma irregular desde que se tenha em mente que o Da equação (19-9) temos que
diâmetro obtido equivale ao tamanho de uma partícula esférica
que cai com a mesma velocidade que as partículas analisadas. (18)(0 2)(0 01)2
d3 =
As partículas não devem se agregar nem se amontoar na sus- (2 7 − 1 0)1 0 × 981
pensão, uma vez que tais aglomerações poderão sedimentar d = 6 × 10−3 cm = 60 μm
mais rapidamente do que as partículas individuais, chegando-
se a resultados equivocados. Um agente defloculante apropria-
do, a ser determinado para cada amostra em particular, deverá EXEMPLO 19-5
ser utilizado de modo a manter as partículas livres e separadas
enquanto sedimentam através do meio suspensor. Tamanho de partícula, sedimentação e viscosidade
Se o material utilizado no Exemplo 19-4 for agora suspenso em um
EXEMPLO 19-3 xarope contendo 60% m/m de sacarose, qual será o diâmetro críti-
Diâmetro de Stokes co, ou seja, o diâmetro máximo para o qual Re não exceda 0,2? A
viscosidade do xarope é 0,567 poise e a sua densidade 1,3 g/cm3.
Uma amostra de óxido de zinco pulverizado, com densidade de
Temos então que
5,60 g/cm3, é submetida à sedimentação sob uma aceleração gravi- (18)(0 2)(0 567)2
tacional de 981 cm/s2, a 25 °C. d3 =
(2 7 − 1 3)1 3 × 981
A velocidade de sedimentação, v, é de 7,30 × 10–3 cm/s; a den-
sidade do meio é 1,01 g/cm3 e a viscosidade do mesmo é de 1 cen- d = 8 65 × 10−2 cm = 865 μm
tipoise = 0,01 poise ou 0,01 g/cm s.
Calcular o diâmetro de Stokes do óxido de zinco em pó.
Temos que Vários métodos utilizados têm como princípio a sedimen-
(18 × 0 01 g cm s) × (7 30 × 10−3 cm s) tação. Dentre eles, os principais são o método da pipeta, o mé-
dst = todo da balança e o método do hidrômetro. Nesta seção, so-
(5 60 − 1 01 g cm3 ) × (981 cm s 2 )
mente a primeira técnica será discutida, pelo fato de combinar
= 5 40 × 10−4 cm ou 5 40 μm facilidade de análise, precisão e economia no equipamento.
O aparelho de Andreasen é representado na Figura 19-8.
Para que a lei de Stokes seja aplicável, é necessário que o Este aparelho normalmente consiste de um recipiente de 550
fluxo do meio dispersante ao redor da partícula que está sedi- mL que contém uma pipeta de 10 mL ajustada dentro do bo-
mentando seja um fluxo laminar. Em outras palavras, a veloci-
dade de sedimentação de uma partícula não pode ser tão rápida
a ponto de provocar turbulência, e, por sua vez, afetar sua sedi-
mentação. O caráter turbulento ou laminar é dado pelo número
de Reynolds, Re, que não possui dimensões e é expresso como
v dρ0
Re (19-7)
η0
onde os símbolos têm o mesmo significado descritos na equa-
ção (19-5). De acordo com Heywood,19 a lei de Stokes não
pode ser aplicada quando Re é maior que 0,2 porque a condição
de turbulência ocorre a partir desse valor. Neste sentido, o ta-
manho-limite de uma partícula, dentro de um conjunto defini-
do de condições experimentais, pode ser calculado da seguinte
forma. Mediante rearranjo da equação (19-7) e combinado esta
com a equação (19-5), se obtém:
Re η d 2 (ρs − ρ0 )g
v (19-8)
dρ0 18η
e, conseqüentemente,
18Re η2
d3 (19-9)
(ρs − ρ0 )ρ0 g
Sob um determinado conjunto de condições de densidade
e de viscosidade, a equação (19-9) permite calcular o diâmetro
máximo de partícula cuja sedimentação ainda é governada pela Figura 19-8 Aparelho de Andreasen para determinação do tamanho de par-
lei de Stokes, ou seja, quando Re não excede 0,2. tícula pelo método da sedimentação gravitacional.
558 P ATRICK J. S INKO

cal de vidro esmerilhado. Quando a pipeta é colocada dentro vez que as partículas normalmente não possuem um formato
do recipiente, esta atinge uma profundidade máxima de 20 cm uniforme, o tamanho de partícula é expresso como o diâmetro
abaixo da superfície da suspensão. equivalente a uma esfera ou diâmetro de Stokes.
A análise é realizada da seguinte maneira. Uma suspensão Nesse aparelho, um feixe de raios X de baixa energia atra-
contendo 1 ou 2% de partículas no meio suspensor, o qual con- vessa a suspensão e é coletado em um detector. Os pulsos de
tém um agente defloculante apropriado, é colocada dentro do raios X que atingem o detector são causados pelas partículas
recipiente até alcançar a marca dos 550 mL. O recipiente fe- que sedimentam dentro da célula. A partir da contagem destes
chado é agitado para homogeneizar as partículas em suspensão pulsos de raios X, se deduzem a distribuição do tamanho e a
e, a seguir, estando com a pipeta corretamente posicionada, é massa das partículas, para cada diâmetro de partícula. A opera-
firmemente fixado dentro de um banho de água termostatizado. ção é completamente automática; o aparelho é termostatizado
A determinados intervalos de tempo são retiradas amostras de e os dados são analisados por um software de computador. O
10 mL, as quais são escoadas com auxílio de uma válvula re- diâmetro das partículas é medido na faixa de 0,1 a 300 µm, em
guladora. As amostras são secas por evaporação e pesadas, ou temperaturas que vão de 10 °C até 40 °C. A Micromeritcs Co.
analisadas por outro método apropriado, fazendo-se a correção também fabrica equipamentos para a determinação da densi-
para o agente defloculante adicionado. dade, área de superfície, adsorção e dessorção, assim como vo-
O diâmetro de partícula referente aos vários tempos de amos- lume, tamanho dos poros e distribuição do tamanho dos poros
tragem é calculado a partir da lei de Stokes, onde o valor de h na dos pós.
equação (19-6) corresponde à altura de líquido que fica acima da A MATEC Applied Sciences (Hopkinton, Mass.) desen-
ponta terminal da pipeta após cada tempo de retirada da amostra. volveu um sistema de medição do tamanho de partícula para
O resíduo, ou amostra seca, obtido para cada tempo específico,
partículas submicrométricas na faixa de 0,015 a 1,1 µm. As
corresponde à fração em peso que contém partículas com um ta-
partículas em suspensão são obrigadas a passar através de tu-
manho menor do que aquele calculado pela lei de Stokes para
esse tempo de sedimentação. Por causa disso, o peso do resíduo bos capilares. As partículas maiores conseguem velocidades
de cada amostra é denominado peso da fração de passagem e médias maiores do que as partículas menores. O equipamento
a soma dos sucessivos pesos é chamada de fração de passagem aplica o princípio da determinação do tamanho de partícula
acumulada. Os dados podem ser expressos diretamente em uni- médio e da distribuição de tamanho considerando o número ou
dades de peso ou como percentual do peso total do sedimento o volume das partículas. A operação, do momento da injeção
final, conforme representado nas Figuras 19-2 até 19-4. O per- até a obtenção do gráfico, requer no máximo 8 min. O meio
centual acumulado da fração de passagem pode assim ser plotado líquido consiste de 1 mL de água contendo um tensoativo; a
em uma escala de probabilidade em função do diâmetro de partí- concentração das partículas é de 2 a 4% de sólidos em suspen-
cula em escala logarítmica, como na Figura 19-5, e os diâmetros são. As partículas que serão analisadas são pré-filtradas através
estatísticos obtidos como explicado anteriormente. de um filtro com tamanho de poro de 5-μm ou até menor. Um
A Micromeritics Instrument Co. (Norcross, Ga.) propõe terminal de computador, um programa, uma impressora e um
para a análise de tamanho de partícula o equipamento Sedi- plotter estão disponíveis para calcular e mostrar os dados sobre
Graph III 5120, que tem como princípio a sedimentação. Uma o tamanho e a distribuição de tamanho das partículas.

Solução de
Amplificador Circuito Amplificador
eletrólitos
principal limiar impulso

Mercúrio

Solução de
Altura do impulso
eletrólitos
proporcional
e partículas Tela
ao volume de
partícula
Transmissão
de contagem

Registrador
digital

Orifício

Figura 19-9 Representação esquemática de um


Comutador contador Coulter utilizado para determinar o volu-
de contagem me de partícula.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 559

Determinação do volume de partícula O aparelho Coulter fornece o diâmetro de uma esfera cujo
volume é equivalente ao da partícula. A medição não é afetada
Um instrumento para determinar o volume das partículas bas- significativamente pela forma e orientação das partículas. O apa-
tante difundido é o contador Coulter (Figura 19-9). Este instru- relho da HIAC/Royco para determinação do tamanho de partícu-
mento opera baseado no princípio segundo o qual uma partícula la e análise de contaminação por particulados foi desenhado de
suspensa em um líquido condutor que passa por um pequeno acordo com o princípio do bloqueio da luz. As partículas inter-
orifício contendo eletrodos condutores em um de seus lados, rompem a passagem de um feixe de luz e diminuem a quantidade
provocará uma alteração na resistência elétrica. Na prática, um de luz transmitida que alcança um fotodetector. Essa diminuição
volume conhecido de suspensão diluída é bombeado através do produz um pulso na voltagem que é proporcional à área proje-
orifício. Se a suspensão for diluída o bastante, as partículas irão tada de cada partícula. Os resultados se mostraram fortemente
passar basicamente uma de cada vez. Através dos eletrodos, se correlacionados com os tamanhos das partículas de referência
faz passar uma voltagem constante produzindo uma corrente do National Bureau of Standards. No aparelho da HIAC/Royco,
elétrica. À medida que as partículas atravessam o orifício, elas o tamanho de partícula pode ser medido em líquidos viscosos,
vão deslocar um volume de eletrólito equivalente ao seu pró- aquosos ou não-aquosos, e ser utilizado em amostras gasosas ou
prio volume, o que resulta em aumento na resistência entre os de ar atmosférico. Cham e colaboradores26 contaram as microes-
dois eletrodos. A variação de resistência ocasionada pelo vo- feras em 20 soluções parenterais para teste utilizando dois ana-
lume causa um pulso na voltagem, o qual é amplificado e en- lisadores de partícula Coulter e dois da HIAC/Royco. Estudos
viado para um analisador de pulso-altura de sinal, previamente comparativos anteriores mostraram que o contador Coulter for-
calibrado em termos de tamanho de partícula. O equipamento nece uma contagem de partícula maior em soluções parenterais
registra eletronicamente todas as partículas capazes de originar quando comparado com o da HIAC. A discrepância foi atribuída
um pulso compreendido dentro do limite fixado no analisador. à forma das partículas e aos índices de refração das partículas e
Mediante a variação sistemática das condições-limite de detec- do meio onde as mesmas se encontravam suspensas. Para estudar
ção e de contagem do número de partículas em uma amostra esses efeitos, Cham e colaboradores escolheram microesferas de
de tamanho constante, é possível obter a distribuição do tama- látex de 5,96 µm, de forma e tamanho uniformes. Dois conta-
nho das partículas. O instrumento é capaz de contar partículas a dores Coulter e dois da HIAC foram utilizados para calcular a
uma velocidade aproximada de 4000 por segundo, permitindo, variação para um determinado tipo de instrumento e as possíveis
assim, obter tanto a distribuição da contagem bruta, quanto a diferenças entre as duas classes de contadores, sendo o contador
distribuição de tamanho de partícula, em um período de tem- Coulter baseado no princípio da resistência elétrica e o da HIAC/
po relativamente curto. Os dados são facilmente convertidos de Royco no bloqueio da luz.
uma distribuição por volume para uma distribuição por peso. Cham e colaboradores verificaram que em todas as 20 sus-
O contador Coulter tem sido vantajosamente utilizado no pensões de microesferas as contagens foram menores quando
âmbito das Ciências Farmacêuticas para estudar o crescimento se utilizou o analisador da HIAC/Royco. De acordo com os
e dissolução de partículas,20,21 assim como o efeito de agentes autores, nesse estudo o contador Coulter mostrou-se bastante
antimicrobianos sobre o crescimento de microrganismos.22 confiável na obtenção da contagem total de material particula-
Beaubien e Vanderwielen23 relataram usar o contador do em soluções parenterais de grande volume e na comparação
Coulter de tamanho de partícula associado à tecnologia digital de resultados de vários laboratórios.
para a contagem automatizada de partículas de fármacos moí- A Beckman Coulter também fabrica um instrumento anali-
dos e micronizados. Amostras de cloridrato de espectinomici- sador de partículas submicrométricas, o Beckman Coulter Mo-
na e de um esteróide micronizado foram submetidas à análise del N5, destinado à análise de partículas na faixa de tamanho de
de tamanho de partícula, junto com esferas de poliestireno de 0,0033 a 0,3 µm. Mediante uso da espectroscopia de correlação
2,0 a 80,0 µm de diâmetro utilizadas para calibrar o aparelho. de fótons, o instrumento detecta o movimento browniano das
Os pós mostraram uma distribuição log-normal, tendo sido partículas em suspensão. Quanto menor a partícula, mais rápido
possível caracterizá-los pelos diâmetros geométrico-volume esta se desloca pelo movimento browniano. Um feixe de luz la-
médios e pelos desvios-padrões geométricos. Foram determi- ser passa através da amostra e um sensor detecta a luz espalhada
nados tamanhos de partículas com diâmetros exatos entre 2 e pelas partículas sob efeito do movimento browniano. O Beckman
80 µm, com precisão de aproximadamente 0,5 µm. Os autores Coulter Model N5 fornece não apenas dados sobre o tamanho
concluíram que o contador Coulter automático foi bastante sa- de partícula e a distribuição de tamanho destas, como também a
tisfatório para o controle de qualidade de pós farmacêuticos. O massa molecular e o coeficiente de difusão. Em Farmácia, a de-
contador de partículas Coulter também foi utilizado por Ismail terminação de tamanho em escala submicrométrica é importante
e Tawashi24 para obter distribuições de tamanho dos compo- na análise de microemulsões, pigmentos e corantes, colóides, mi-
celas e sistemas solubilizados, lipossomas e micropartículas.
nentes minerais de cálculos renais de humanos e para deter-
Uma pesquisa sobre a observância dos requisitos estabe-
minar se existe uma faixa de tamanho crítico para a formação lecidos pela Farmacopéia Italiana para a contaminação por
destes cálculos. O estudo permitiu uma melhor compreensão material particulado em soluções parenterais foi realizada por
dos processos de formação e de compactação dos retículos Signoretti e colaboradores.27 Os autores estudaram o número e
presentes nos componentes minerais dos cálculos renais. a natureza dos particulados em 36 soluções parenterais de gran-
Os limites permitidos pela U.S. Pharmacopeia24a (pp. de volume utilizando microscopia eletrônica de varredura e
1596-1597) para particulados presentes em parenterais de peque- análise por raios X. Aproximadamente um quinto das amostras
no volume são baseados nos resultados obtidos no aparelho de apresentou número considerável de partículas com tamanho su-
bloqueio da luz da HIAC/Royco. Groves e colaboradores25 fize- perior a 20 µm de diâmetro. As partículas foram identificadas
ram um estudo comparativo entre o contador Coulter e o aparelho como sendo fibras de tecidos, celulose, material plástico e ou-
da HIAC medindo a contaminação por particulados em soluções tros contaminantes procedentes dos processos de manufatura e
parenterais. Os dois aparelhos mediram parâmetros diferentes. de acondicionamento, tais como pedaços de borracha e resquí-
560 P ATRICK J. S INKO

cios de metal. Devido ao seu número, tamanho, propriedades de por unidade de peso ou unidade de volume é uma das mais
superfície e natureza química, esses contaminantes podem pro- importantes características de um pó.
vocar oclusão vascular e reações inflamatórias, neoplásicas e
alérgicas. Partículas maiores que 5 µm podem causar embolia.
De acordo com os requisitos da Farmacopéia Italiana para Forma da partícula
soluções parenterais com mais de 100 mL, podem ser encon-
tradas não mais do que 100 partículas de 5 µm ou maiores, A esfera apresenta um mínimo de área de superfície por unida-
e não mais do que quatro partículas com diâmetro de 20 µm de de volume. Quanto mais assimétrica é uma partícula, maior
ou maiores, para cada mililitro de solução. Esses autores ve- é a sua área de superfície por unidade de volume. Como men-
rificaram que um número considerável dos fabricantes falha cionado anteriormente, uma partícula esférica é caracterizada
na hora de produzir preparações parenterais dentro dos limites completamente pelo seu diâmetro. Conforme a partícula esféri-
estabelecidos por essa Farmacopéia, sendo que na maioria dos ca vai se tornando assimétrica, é cada vez mais difícil assinalar
casos, os contaminantes particulados procedem provavelmente um diâmetro correto à partícula − daí a necessidade de adotar
dos filtros, vestimentas e tampas dos recipientes. um diâmetro equivalente a uma esfera, como já foi visto antes.
Na preparação de péletes de liberação sustentada de indo- Há uma maneira fácil de obter a área de superfície ou o volume
metacina, Li e colaboradores28 utilizaram um analisador de ta- equivalente a uma esfera para esse tipo de partícula:
manho de partículas Microtrac (Leeds & Northrup Instruments)
para determinar o tamanho de partícula da indometacina, exa- Área de superfície π d 2 (19-10)
tamente como ela foi fornecida pelo fabricante, e de outros e
dois tipos de pó na forma micronizada. Os pós também foram π d3
Volume (19-11)
examinados no microscópio, em aumento de 400 × ; as fotomi- 6
crografias foram obtidas com uma câmera Polaroid SX-70. Os
péletes (codificados como péletes-IS) contendo indometacina onde d é o diâmetro da partícula. A área de superfície e o vo-
lume de uma partícula esférica são, portanto, proporcionais ao
e Eudragit S-100 foram preparados utilizando um granulador
quadrado e ao cubo, respectivamente, do diâmetro. Contudo,
de leito fluidizado ou um sistema Wurster em coluna. O Eudra-
para se ter uma estimativa da superfície ou do volume de uma
git (Röhm Pharma) é um polímero acrílico destinado ao reves-
partícula (ou de uma população de partículas) cuja forma não
timento entérico de comprimidos, cápsulas e péletes. As suas é esférica, devemos escolher um diâmetro que seja caracterís-
propriedades de superfície como polímero filmógeno de reves- tico da partícula e que relacione este com a área de superfície
timento e a sua estrutura química foram revisados por Davies ou com o volume. Para isso se aplica um fator de correção.
e colaboradores.29 A análise por tamises, com peneiras-padrão Suponha-se que as partículas estão sendo observadas em um
da USP N° 12, 14, 16, 18, 20, 25 e 35, foi utilizada para deter- microscópio e que se deseja calcular a área de superfície e o
minar a distribuição de tamanho de partícula dos péletes-IS. O volume a partir do diâmetro projetado, dp, das partículas. O
rendimento de processo dos péletes-IS depende grandemen- quadrado e o cubo da dimensão escolhida (neste caso, dp) são
te do tamanho de partícula da indometacina em pó. Os lotes proporcionais à área de superfície e ao volume, respectivamen-
obtidos com os dois pós micronizados (diâmetros médios de te. Por meio de constantes de proporcionalidade podemos ex-
3,3 e 6,4 µm, respectivamente) levam a um maior rendimento pressar essa relação como
de péletes-IS do que com o pó de indometacina original (40,6
µm), fornecido diretamente pelo fabricante. Davies e colabo- Área de superfície αs dp2 π ds 2 (19-12)
radores29 concluíram que tanto o diâmetro médio de partícula onde αs é o fator de área de superfície e ds é o diâmetro de su-
como a distribuição do diâmetro de partícula do pó de indome- perfície equivalente. Para o volume temos que
tacina devem ser levados em conta quando se objetiva péletes
π dv 2
de liberação sustentada com eficiência máxima. Volume αv d p 3 (19-13)
Carli e Motta30 estudaram o uso da técnica por porosime- 6
tria por mercúrio microcomputadorizada para estimar as dis- onde αv é o fator de volume e dv o diâmetro-volume equiva-
tribuições de tamanho de partícula e de área superficial de pós lente. Os “fatores-forma” para a área de superfície e o volume
farmacêuticos. A porosimetria por mercúrio fornece o volume são, na realidade, as razões de um diâmetro em relação ao ou-
dos poros de um pó que são penetrados pelo mercúrio, apli- tro. Assim para uma esfera, αs = πds2 / dp2 = 3,142 e αv = πdv3
cando níveis sucessivos de pressão. O volume do poro é trans- / 6dp3 = 0,524. Existem tantos fatores de forma e de volume
formado em uma distribuição de tamanho de poro. A área de como pares de diâmetros equivalentes. A razão αs/αv também
superfície total e o tamanho de partícula do pó podem, assim, é utilizada para caracterizar a forma da partícula. Quando a
ser calculados a partir de dados procedentes desta técnica. partícula é esférica, αs /αv = 6,0. Quanto mais assimétrica for a
partícula, mais essa razão excederá o valor mínimo de 6.

FORMA DA PARTÍCULA E ÁREA DE SUPERFÍCIE Superfície específica


É sempre conveniente conhecer a forma e a área de superfície A superfície específica é a área de superfície por unidade de
de uma partícula. A forma afeta as propriedades de fluxo e de volume, Sv, ou por unidade de peso, Sw, e pode ser derivada das
compactação de um pó e, do mesmo modo, tem certa influên- equações (19-12) e (19-13). Considerando o caso geral de par-
cia sobre a área de superfície. Quando se empreendem estudos tículas assimétricas, quando a dimensão da característica ainda
sobre adsorção e velocidade de dissolução, a área de superfície não foi definida,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 561

cm3 de N2 adsorvidos por grama (TPN)


Área de superfície das partículas
Sv
Volume das partículas
nαs d 2 αs
nαν d 3 αv d (19-14)
onde n é o número de partículas. Conseqüentemente, a área de
superfície por unidade de peso será
Sv
Sw (19-15)
ρ
onde ρ é a densidade real das partículas. Substituindo a equa-
0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
ção (19-14) na equação (19-15), obtemos a equação geral,
αs
Sw (19-16)
ρdvs αv
Figura 19-10 Isoterma mostrando o volume de nitrogênio adsorvido sobre
onde a dimensão é agora definida como dvs, diâmetro volume- um pó, sob uma razão crescente de pressão. O ponto B representa o volume
superfície, característica para uma superfície específica. Quan- de gás adsorvido que corresponde à formação de uma camada monomolecu-
do as partículas são esféricas (ou aproximadamente esféricas), lar completa. Abrev.: TPN = temperatura e pressão normais.
a equação (19-16) simplifica-se para
6
Sw (19-17) de adsorvente, em função da pressão de um gás a temperatura
ρdvs
constante, de modo a obter-se uma isoterma do tipo II, como
porque, no caso de uma esfera, αs /αv = 6,0. mostra a Figura 19-10.
A camada de adsorvato é monomolecular a baixas pressões,
EXEMPLO 19-6 mas torna-se multimolecular a pressões elevadas. A formação de
uma monocamada completa de nitrogênio sobre o pó é indicada
Área de superfície pelo ponto B, na Figura 19-10. Contudo, o volume de gás nitro-
Calcular as superfícies específicas, Sw e Sv, de partículas tidas gênio, Vm, em cm3, que 1 g de pó pode adsorver até a formação
como esféricas, com densidade ρ = 3,0 g/cm3. O valor de dvs retira- de uma monocamada completa é fornecido com maior exatidão
do da Tabela 19-2 é de 2,57 µm. pela equação de BET, a qual pode ser escrita como:
Temos que p 1 (b − 1) p
(19-18)
Sw =
6
= 7 78 × 103 cm2 g V ( p0 − p) V mb V m bp0
3 0 × 2 57 × 10−4
onde V é o volume de gás em cm3 por grama de pó, a uma pres-
6
Sv = = 2 33 × 104 cm2 cm3 são p; p0 é a pressão de vapor de saturação do nitrogênio lique-
2 57 × 10−4 feito, na temperatura do experimento; e b é uma constante que
expressa a diferença entre o calor de adsorção e o calor de lique-
fação do adsorvato (nitrogênio). Observa-se que quando p/p0 =
1, a pressão de vapor, p, é igual à pressão de vapor de saturação.
MÉTODOS DE DETERMINAÇÃO DA ÁREA DE SUPERFÍCIE Um dos instrumentos utilizados para obter os dados ne-
cessários para o cálculo da área de superfície e a estrutura dos
A área de superfície de uma amostra de pó pode ser calculada a poros de medicamentos em pó é o Quantasorb QS-16, fabrica-
do pela Quantachrome Corporation (Boynton, Fla.). Neste, ab-
partir do conhecimento de sua distribuição de tamanho de par-
sorção e dessorção de gás nitrogênio sobre uma amostra de pós
tícula, obtida utilizando um dos métodos antes destacados. Há são medidas mediante um detector de condutividade térmica,
dois métodos normalmente disponíveis que permitem o cálcu- frente à passagem de uma mistura de hélio e nitrogênio atra-
lo direto da área de superfície. No primeiro deles, a quantidade vés de uma célula contendo o pó. O nitrogênio é o absorvato
de gás ou de soluto líquido que é adsorvida sobre a amostra de gasoso; o hélio é inerte e não se adsorve sobre a superfície de
pó, formando uma monocamada molecular, é uma função dire- pó. Assim, com o auxílio de uma impressora, é possível obter
ta da área de superfície da amostra. O segundo método depen- uma curva em forma de sino ou gaussiana, na qual a altura
de do fato de que a velocidade com que um gás ou um líquido do sinal é proporcional à velocidade de absorção ou dessorção
permeia uma camada de pó está relacionada, entre outros fato- do nitrogênio; a área sob a curva é proporcional à quantidade
res, com a área de superfície exposta ao permeante. de gás adsorvido sobre as partículas. O Quantasorb e outros
instrumentos semelhantes têm substituído os velhos sistemas
a vácuo, constituídos por arranjos de tubulações de vidro que
Método por adsorção exigiam longos períodos de tempo para atingir o equilíbrio e
estavam sujeitos a fugas de gás pelas válvulas e à quebra dos
As partículas com elevada superfície específica são bons ad- tubos de vidro. A sensibilidade desse novo instrumento é tal
sorventes de gases e solutos de uma solução. Para determi- que inclusive pequenas amostras de pós podem ser analisadas.
nar a superfície de um adsorvente, pode-se plotar o volume A versatilidade do Quantasorb permite o uso de vários gases
de gás adsorvido, expresso em centímetros cúbicos por grama como adsorvatos, puros ou em mistura, dentro de uma faixa
562 P ATRICK J. S INKO

2 3
28 01 g mol
Am 1 091
2,0 (0 81 g cm3 )(6 02 × 1023 s mol)
2
16 2 × 10−16 cm2 16 2 Å
1,5 Para o nitrogênio líquido, o valor de Am tem sido calculado
por vários métodos, sendo em geral aceito valores de 16,2 Å2 ou
16,2 × 10–16 cm2. A superfície específica é calculada utilizando a
equação (19-19) e é expressa em metros quadrados por grama.
1,0 Em condições experimentais de vácuo, o volume de nitro-
gênio que é adsorvido por um pó contido dentro de um balão
de Quantasorb ou de um aparelho similar para cálculo da área
0,5
de superfície é medido a diferentes pressões e os resultados são
plotados conforme mostra a Figura 19-11. O procedimento foi
desenvolvido por Brunauer, Emmett e Teller32 e é comumente
conhecido como método de BET. Este método é discutido em
0
0,1 0,2 0,3 0,4 detalhe por Hiemenz e Allen.33 Swintosky e colaboradores34
0
utilizaram esse procedimento para determinar a área de super-
fície de pós farmacêuticos. Para o óxido de zinco, os autores
calcularam uma superfície específica de 3,5 m2/g; para o sulfa-
Figura 19-11 Gráfico linear da equação de Brunauer, Emmett e Teller (BET) to de bário, o valor foi de 2,4 m2/g.
para a adsorção de nitrogênio sobre um pó.
EXEMPLO 19-7
Superfície específica
de temperaturas. O instrumento pode ser utilizado para calcu-
lar a densidade real de um material pulvéreo e para obter as Utilizando o aparelho Quantasorb, obteve-se o gráfico de p/V(p0
– p) em função de p/p0, mostrado na Figura 19-11, para um novo
distribuições de tamanho de poro e de volume de poro. As ca-
antibiótico em pó. Calcular Sw, a superfície específica deste pó,
racterísticas dos materiais porosos e os métodos de análise são
em m2/g. Os dados podem ser lidos no gráfico para se obter os
discutidos nas próximas seções deste capítulo.
seguintes valores:
Em lugar do gráfico mostrado na Figura 19-10, normalmen-
te é usado um gráfico de p/V(p0 – p) versus p/p0, como o mostra- p V( p0 − p) 0 05 0 150 0 20
do na Figura 19-11, para se obter uma linha reta. A inclinação e p p0 0 07 0 220 0 290
o intercepto desta linha correspondem aos valores de b e Vm. A
Considerando a equação de BET (19-18) e aplicando regressão
superfície específica das partículas pode assim ser calculada:
linear, o intercepto, 1/(Vmb), vale I = 0,00198 e a inclinação, (b
Am N
Sw × V m cm3 g -1)/(Vmb), é igual a S = 0,67942. Mediante rearranjo da equação
M (19-18), encontramos para Vm:
1 1
(16 2 × 10−16 )(6 02 × 1023 ) Vm = =
Sw × Vm I+S 0 00198 + 0 67942
22 414 × 104
= 1 46757 cm3 g
Sw 4 35 m2 cm3 × V m cm3 g (19-19)
A superfície específica, Sw, é calculada utilizando a equação
onde M/ρ corresponde ao volume molar do gás, 22,414 cm3/ (19-19):
mol, a TPN.* O fator 104 é incluído no denominador para con- Sw = 4 35 m2 cm3 × V m cm3 g = 6 38 m2 g−1
verter centímetros quadrados em metros quadrados. N é o nú-
mero de Avogadro, 6,02 × 1023 moléculas/mol, e Am é a área
Assumindo que as partículas sejam esféricas, podemos
de uma única molécula de nitrogênio fortemente compactada,
calcular o diâmetro volume-superfície médio aplicando a
adsorvida como uma monocamada sobre a superfície das par-
equação (19-17):
tículas. Emmett e Brunauer31 sugeriram que este valor de Am 6
para o nitrogênio poderia ser calculado a partir da equação dvs
ρ Sw
M 23
Am 1 091 (19-20) onde ρ é a densidade do adsorvente e Sw é a superfície especí-
ρN fica, em centímetros quadrados por grama de adsorvente. Por
onde M é a massa molecular do N2, 28,01 g/mol, ρ a densidade meio deste método Swintosky e colaboradores encontraram
do N2 em seu ponto de ebulição (77 K ou –196 °C), 0,81 g/ um diâmetro volume-superfície médio para as partículas de
cm3, e N é o número de Avogadro. A quantidade 1,091 é o fator óxido de zinco de 0,3 µm.
de compactação das moléculas de nitrogênio na superfície do
adsorvente. Temos então que
Método por permeabilidade ao ar
* N. de T.: Neste caso, TPN se referem a uma pressão de uma atmosfera e A área de superfície de um pó constitui o principal fator de
uma temperatura de 273,15 K (0 °C). Para temperaturas entre 20 e 25 °C, o resistência ao fluxo de um fluido, como o ar, através de um
volume deverá sofrer correção. tampão de pó compactado. Quanto maior é a área de superfície
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 563

por grama de pó, Sw, maior será a resistência ao fluxo. Por con- Um instrumento disponível comercialmente é o analisador
seguinte, para uma dada queda de pressão através do tampão, a de partículas de Fisher. O princípio da operação é ilustrado na
permeabilidade será inversamente proporcional à superfície es- Figura 19-12. Esse instrumento foi modificado por Edmun-
pecífica. A medida desta última representa um meio de calcu- dson35 visando aumentar a exatidão e a precisão. À primeira
lar a permeabilidade. A partir da equação (19-16) ou (19-17), vista, a equação (19-22) leva em consideração o efeito da poro-
é possível calcular dvs. sidade sobre Sw ou sobre dvs. Contudo, freqüentemente é obser-
Um tampão de pó pode ser visto como uma série de ca- vado que dvs decresce perante uma diminuição da porosidade.
pilares, cujo diâmetro está relacionado ao tamanho médio Isto é verdadeiro, sobretudo, no caso de pós de uso farmacêu-
de partícula. A superfície interna dos capilares é uma função tico com diâmetros de poucos micrômetros. Por isso, é usual
da área de superfície das partículas. Segundo a equação de indicar nestes casos o valor mínimo obtido para uma faixa de
porosidades como o diâmetro da amostra. Esse descumpri-
Poiseuille,
mento da equação (19-22) guarda relação, provavelmente, com
π d 4 Pt a formação inicial de pontes entre as partículas do tampão, a
V (19-21)
128lη qual produz um leito de pó não-homogêneo.5 Somente quando
as partículas estão firmemente compactadas é que o leito do pó
onde V é o volume do ar que flui através de um capilar com diâme- fica uniforme e dvs atinge um valor mínimo.
tro interno d e comprimento l, em t segundos, sob uma diferença Devido à simplicidade do instrumento e a rapidez com
de pressão ΔP. A viscosidade do fluido (ar) é igual a η, em poise. que os ensaios são efetuados, os métodos por permeabilidade
Na prática, a vazão de fluxo através do tampão ou leito de são amplamente utilizados no âmbito farmacêutico na deter-
pó também é afetada por: (a) grau de compactação das partí- minação de superfície específica, principalmente quando o
culas e (b) irregularidade dos capilares. Quanto mais compacto objetivo é controlar a variação em cada lote. Quando esta téc-
for o tampão, menor será a sua porosidade, a qual corresponde nica é empregada para estudos mais minuciosos, é prudente
à razão do espaço total entre as partículas e o volume total do calibrar o instrumento.
tampão. A irregularidade dos capilares significa que esses são O hidroxinaftoato de befênio consta na British Pharma-
mais longos do que a extensão do tampão e que os mesmos não ceutical Codex, de 1973, e é padronizado mediante um método
são circulares. por permeabilidade ao ar. O fármaco, utilizado como anti-hel-
A equação de Kozeny-Carman, que se deriva da equação míntico e administrado na forma de suspensão, deve ter uma
área de superfície não inferior a 7000 cm2/g. À medida que a
de Poiseuille, é o princípio da maioria dos métodos por perme-
superfície específica do material é diminuída, se reduz também
abilidade ao ar. Uma forma de expressá-la é: a atividade deste fármaco.
3
A Pt Seth e colaboradores36 estudaram o método por permea-
V · · (19-22)
bilidade ao ar da Farmacopéia Norte-americana, 20ª edição,
ηSw 2 Kl (1 − )2
que utiliza o analisador de partículas de Fisher para determinar
onde A é a área transversal do tampão de pó, K é uma constante a área de superfície específica da griseofulvina (ver também
(normalmente, 5,0 ± 0,5) que leva em conta a irregularidade U.S. Pharmacopeia,24a p. 616). Os autores sugeriram melho-
capilar e  é a porosidade. Os outros termos foram definidos rias no método, sobretudo em relação ao uso de uma porosida-
anteriormente. de definida, tal como 0,50. Esse valor específico é adotado pela

Da bomba de ar Tampas
porosas

Válvulas
reguladoras

A pressão
Amostra de pó varia com
o tamanho
das
partículas
Regulador de
pressão constante Secador Manômetro

Figura 19-12 Analisador de partículas de Fisher. Uma bomba de ar gera ar sob pressão, a uma razão constante,
mediante um regulador de pressão. Nesse ponto o ar é dessecado e levado à amostra de pó empacotada dentro de
um tubo. O fluxo de ar através do leito do pó é medido com manômetro calibrado, sendo seu valor proporcional à
área de superfície ou ao diâmetro de partícula médio.
564 P ATRICK J. S INKO

0,10
Vapor adsorvido (cm3) / g de adsorvente, a TPN

0,08

0,06
Poro com saída afunilada

0,04

0,02

0 0,25 0,50 0,75 1,0

Figura 19-13 Curva de histerese aberta de uma isoterma de adsorção, associada a materiais com poros com saída
afunilada, como mostra o encarte. Abreviaturas: TPN = temperatura e pressão normais.

ASTM Standard C-204–79 (1979) para medir a tenuidade do de água, no interior dos seus interstícios. Fármacos relativa-
cimento Portland. mente insolúveis, quando pulverizados, podem dissolver-se de
O diâmetro volume-superfície, dvs, e, portanto, a superfície forma mais ou menos rápida em um meio aquoso, dependendo
específica, Sw, ou área de superfície por unidade de peso em da capacidade de adsorver umidade do ar. Outras propriedades
gramas (equação [19-19]) de um pó podem ser calculadas com de importância em Farmácia, como a velocidade de dissolução
este instrumento (ver Figura 19-12), o qual se baseia na medi- de fármacos incorporados em comprimidos, também podem de-
da do fluxo de ar através da amostra de pó. Quando o peso da pender das características de adsorção do fármaco em pó. As iso-
amostra coincidir exatamente com a densidade do pó, a equa- termas de adsorção para sólidos porosos apresentam histerese,
ção mais complicada para o cálculo do diâmetro médio de par- como se mostra nas Figuras 19-13 e 19-14, em que o segmento
tícula 37,38, dvs, é reduzida a uma expressão mais simples. da curva descendente de dessorção se situa acima e à esquerda
cL F da curva ascendente de adsorção. Na Figura 19-13, a curva de
dvs · (19-23) histerese aberta ocorre devido a um tipo de poro com orifício de
[(AL) − 1] 3 2 P−F
saída estreito ou afunilado (ver encarte na Figura 19-13) que
onde c é uma constante atrelada ao instrumento; L, a altura da retém o adsorvato, ou a alterações irreversíveis no poro devido à
amostra, em cm; A é a área transversal do suporte da amostra, adsorção do gás. Por conseguinte, a dessorção segue um padrão
em cm2; F é a diferença de pressão ao longo de uma resistên- inverso diferente da adsorção. A curva da Figura 19-14, que é
cia que mede o fluxo, colocada dentro do instrumento e P é a uma curva de histerese fechada, é mais difícil de ser explicada.
pressão do ar que entra na amostra. A pressão (em cm de água) Observa-se nas Figuras 19-13 e 19-14 que para cada pressão
é medida com auxílio de um manômetro de água, em vez do relativa p/p0 existem dois volumes (nos pontos a e b da Figura
bem-conhecido manômetro de mercúrio. 19-14), que correspondem a uma mesma pressão relativa c.
As curvas ascendentes das Figuras 19-13 e 19-14 corres-
pondem à adsorção do gás dentro dos capilares, e as curvas
descendentes à dessorção desse gás. Um volume menor de gás
TAMANHO DE PORO é adsorvido durante o processo de adsorção (ponto a da Figura
19-14) e depois cedido durante a dessorção (ponto b). O vapor
Materiais com uma elevada área específica podem apresentar condensa como líquido dentro de um capilar pequeno a uma
rachaduras e poros que adsorvem gases e vapores, como vapor pressão inferior a p0, a pressão de vapor de saturação, a qual
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 565

0,10
Vapor adsorvido (cm3) / g de adsorvente

0,08

0,06

0,04

0,02

0
0 0,25 0,50 0,75 1,0

Figura 19-14 Curva de histerese fechada de uma isoterma de adsorção de um material poroso. Para p/p0 = c sobre
o loop da curva, o volume do poro é dado pelo ponto a. Para uma pressão relativa c, referente à curva descendente,
o volume do poro é dado pelo ponto b.

pode ser tida como a pressão de vapor sobre uma superfície 19-15, ponto a), p/p0 pode ser calculada aplicando a expressão
plana. Sendo r o raio do poro e R o raio do menisco (Figura conhecida como equação de Kelvin,*
2Mγ
NkT ln( p p0 ) (19-24)
ρR
onde M é a massa molecular do gás que condensa; ρ é a den-
sidade deste gás a uma temperatura específica; M/ρ, o volume
molar do líquido; γ, a sua tensão superficial; N, o número de
Avogadro e k, a constante de Boltzmann, 1,381 × 10–16 erg/K
molécula.** Se o vapor que condensa é água, com uma den-
sidade de 0.998, a 20 °C e uma tensão superficial de 72,8 erg/
cm2*** e, se o raio do menisco no capilar R é 1,67 × 10–7 cm, o
valor de p/p0 pode ser calculado da seguinte forma:
p 2(18 015 g mol)(72 8 erg cm2 )
ln
p0 (6 022 × 1023 moléculas mol)
× 1 [(1 381 × 10−16 erg K molécula)]
× 1 [(0 998 g cm3 )(1 67 × 10−7 cm)(293 15 K)]
Figura 19-15 (a) Poro dentro do qual o vapor é condensado, correspondendo
ao ponto a,c da curva ascendente da Figura 19-14. Abreviaturas: θa = ângulo * Observe que a equação para a solubilidade de sólidos apresenta basicamente
de contato de avanço (adsorção); r = raio do poro; R = raio do menisco. (b) a mesma forma da equação (19-24), aqui modificada para poder incluir par-
Poro a partir do qual o líquido é evaporado, correspondendo ao ponto b,c tículas líquidas ou sólidas. Além disso, observe que R na equação (19-24)
não corresponde à constante universal dos gases, e sim ao raio de menisco.
sobre a curva descendente da Figura 19-14. Abreviaturas: θd = ângulo de con-
tato de retrocesso ou de dessorção; c = vapor condensado sobre as paredes ** N. de T.: 1,381 × 10–23 J/K molécula.
do capilar; R e r indicam o mesmo que em (a). *** N. de T.: 72,8 mN m–1.
566 P ATRICK J. S INKO

p (c) Calcular o percentual de volume de poro, a 20 °C, com


ln 0 6455
p0 raios entre 40 e 60 Å.
p (a) Aplicando a equação de Kelvin para p/p0 = 0,2, temos que
0 5244 r = −2 γV [RT ln( p p0 )]
p0
Durante a adsorção, o capilar está cheio (ponto a,c na Fi- 2 × 72 8 × 18
=−
gura 19-14) e o ângulo de contato, θa (ângulo de contato de (8 3143 × 107 × 293)(ln 0 2)
avanço) é maior do que o ângulo de contato durante a dessor- = (+)6 7 × 10−8 cm = 6 7 Å
ção, θd, quando o capilar está em fase de esvaziamento. O raio
do menisco será menor na etapa de retrocesso do que na etapa Os resultados para vários valores de p/p0 são mostrados na
de avanço (adsorção), uma vez que o capilar está parcialmente quarta coluna da Tabela 19-5.
preenchido com o líquido, em decorrência de uma adsorção (b, c) O volume total acumulado dos poros é 0,224 mL/g, que
em multicamada. Esse menor ângulo de contato de retrocesso corresponde ao intercepto das curvas de adsorção e dessorção (li-
implica um raio de menisco menor, como se pode ver na Figu- nha 7 da Tabela 19-5). Esse valor corresponde a 100% do volume
ra 19-15b, e, ao mesmo tempo, p/p0 irá diminuir, já que R está acumulado dos poros. Portanto, para poros com raio menor que
no denominador da equação de Kelvin e a expressão à direita 48,4 Å, por exemplo (Tabela 19-5, coluna 4, linha 6), o percentual
da equação tem sinal negativo. acumulado de volume dos poros será
A equação de Kelvin fornece uma explicação aceitável para 0 200
%= × 100 = 89 3%
as diferenças de p/p0 na adsorção e na dessorção e, conseqüen- 0 224
temente, sustenta a existência da curva de histerese. A equação onde o valor 0,200 mL/g foi retirado da isoterma de dessorção (Ta-
de Kelvin, junto com as curvas de histerese nas isotermas de bela 19-5, coluna 3, linha 6). Os resultados estão na quinta coluna
adsorção-dessorção (Figura 19-14), pode ser aplicada ao cálcu- da Tabela 19-5.
lo da distribuição do tamanho de poro.39 Para um dado valor de
p/p0, durante a dessorção, a água irá condensar apenas naqueles Christian e Tucker41 fizeram um estudo extenso e cuidado-
poros com raio igual ou menor que o valor dado pela equação so dos modelos de poro e concluíram que um modelo que in-
de Kelvin. Inversamente, a água irá evaporar nos poros com clua uma combinação de poros com forma cilíndrica e fendida
raio maior. Portanto, ao considerar a isoterma de dessorção, o permite o melhor ajuste quantitativo dos dados obtidos, tanto
volume de água retido a uma dada pressão p/p0 corresponde ao para as curvas de adsorção como de dessorção, dos gráficos de
volume dos poros com raio igual ou menor ao raio calculado distribuição dos poros. A modificação da equação de BET, que
para esse valor de p/p0, de acordo com equação de Kelvin. assume a adsorção em multicamada sobre as paredes dos capi-
lares, também conduz a um modelo satisfatório para as curvas
EXEMPLO 19-8 de histerese que ocorrem com sólidos porosos.42
Raio de poro A adsorção de vapor de água, agentes flavorizantes, per-
fumes e de outras substâncias voláteis sobre filmes, recipien-
Yamanaka e colaboradores40 obtiveram os valores experimentais tes e outros materiais poliméricos empregados em Farmácia
para a isoterma de adsorção-dessorção da água sobre argila, a 20 é um aspecto importante na formulação, armazenagem e uso
°C. Esses valores, os quais constam na Tabela 19-5, foram selecio- de medicamentos. Sadek e Olsen43 mostraram que as isoter-
nados a partir da Figura 7 do trabalho desses autores.40 mas de adsorção para o vapor de água sobre metilcelulose,
(a) Calcular o raio dos poros que correspondem às pressões p/ povidona (PVP), gelatina e polimetilmetacrilato apresentam
p0 contidas na Tabela 19-5. curvas de histerese. Foi observado que a hidratação de fil-
(b) Assumindo que todos os poros apresentam raios menores mes de gelatina é reduzida mediante tratamento com formal-
que 265 Å, calcular o percentual acumulado do volume dos poros deído, o que causa o aumento da reticulação da gelatina e
que tenham um raio menor do que o calculado no item anterior (a). redução no tamanho dos poros. A povidona apresentou um

TABELA 19-5
ADSORÇÃO E DESSORÇÃO DE ÁGUA EM ARGILA, EM FUNÇÃO DA PRESSÃO RELATIVA,
p/p0

(2) (3) (5)


(1) V1 (adsorção) V2 (dessorção) (4) Volume de poro
p/p0 (mL/g) (mL/g) Raio (Å) acumulado (%)
1 0,20 0,079 0,123 <6,7 54,9
2 0,31 0,109 0,147 <9,2 65,6
3 0,40 0,135 0,165 <11,7 73,7
4 0,49 0,141 0,182 <15,1 81,3
5 0,66 0,152 0,191 <30 85,3
6 0,80 0,170 0,200 <48,4 89,3
7 0,96 0,224 0,224 <265 100
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 567

aumento na adsorção de água quando tratada com acetona, Pela equação (19-25), o volume dos espaços vazios corres-
a qual causa um aumento no tamanho dos poros e, conse- ponde a
qüentemente, aumenta o número de sítios disponíveis para a v = 82 0 cm3 − 41 0 cm3 = 41 0 cm3
sorção de água. Em um estudo sobre a ação de desintegrantes e, a partir da equação (19-26), calculamos a porosidade,
de comprimidos, Lowenthal e Burress44 mediram o diâmetro
82 − 41
médio dos poros com um aparelho de permeação ao ar. Foi = = 0 5 ou 50%
observada uma correlação linear entre o logaritmo do tama- 82
nho médio dos poros e a porosidade dos comprimidos. Isso
lhes permitiu calcular o diâmetro médio dos poros a partir da
porosidade do comprimido, o que é um método mais simples. Arranjos de empacotamento
Em Gregg e Sing45 são discutidos o tamanho e a distribuição
de poro de forma bem detalhada. Os leitos de pó constituídos de partículas esféricas e de tamanho
uniforme podem assumir um de dois arranjos de empacotamen-
to ideais: (a) mais compacto ou empacotamento romboédrico,
ou (b) mais frouxo, mais aberto, ou empacotamento cúbico. A
PROPRIEDADES DERIVADAS DOS PÓS porosidade teórica de um pó constituído por esferas iguais, dis-
postas em um arranjo mais compacto, é de 26% e, para o arranjo
mais frouxo, é de 48%. Os arranjos das partículas esféricas nos
As seções que precederam este capítulo foram destinadas,
dos tipos de empacotamento são mostrados na Figura 19-16.
principalmente, à distribuição do tamanho e às áreas de su-
As partículas dos pós reais não são esféricas em forma nem
perfície dos pós. Estas são duas propriedades fundamentais uniformes em tamanho. É de se esperar que as partículas dos pós
para qualquer população de partículas. Além delas, há uma comuns possam ter arranjos intermediários em relação aos dois
série de propriedades derivadas baseadas nessas propriedades arranjos de empacotamento ideais da Figura 19-16, de modo que,
fundamentais. Aquelas que são de especial relevância para a na prática, muitos pós apresentam porosidades entre 30 e 50%.
Farmácia serão discutidas no restante do capítulo. Muitas pro- Quando as partículas são de tamanhos muito diferentes, contudo,
priedades importantes, como as vinculadas à dissolução das as menores podem deslizar entre as maiores e levar a uma poro-
partículas e à velocidade de dissolução, são assuntos tratados sidade inferior ao mínimo teórico de 26%. Em pós contendo flo-
em outros capítulos (10 e 13). culados ou agregados, os quais conduzem à formação de pontes e
arcos dentro do empacotamento, a porosidade pode se situar aci-
ma do máximo teórico de 48%. Logo, quase sempre, em sistemas
Porosidade formados por pós reais qualquer grau de porosidade é possível.
Materiais cristalinos compactados sob forças compressionais de
Suponha que um pó, como o óxido de zinco, seja colocado
100.000 lb/in2* alcançaram porosidades inferiores a 1%.
dentro de uma proveta e que o volume ocupado seja anotado.
Esse volume total é denominado volume bruto, Vb. Se o pó não
é poroso, ou seja, não apresenta poros internos nem espaços Densidades das partículas
capilares, o volume bruto desse pó será equivalente ao volume
real ocupado pelas partículas sólidas mais o espaço vazio que Uma vez que as partículas podem ser duras e lisas em alguns
existe entre as partículas. O espaço entre as partículas, denomi- casos, e em outros casos, moles e ásperas, as densidades devem
nado volume vazio, ν, é dado pela equação: ser expressas com muito cuidado. A densidade é universalmente
v Vb − V p (19-25) definida como massa por unidade de volume. As dificuldades sur-
gem quando tratamos de determinar o volume de partículas con-
onde Vp é o volume real das partículas. O método para determi- tendo fraturas microscópicas, poros internos e espaços capilares.
nar o volume das partículas será discutido mais adiante. Por uma questão de conveniência, três tipos de densidades
A porosidade  de um pó é definida como a razão entre o podem ser definidos:45,46 (a) a densidade real do próprio mate-
volume vazio e o volume bruto de empacotamento: rial, que exclui os espaços vazios e poros intraparticulares com
Vb − V p Vp dimensões maiores que os das moléculas e átomos encontrados
1− (19-26)
Vb Vb
A porosidade geralmente é expressa em termos percen-
tuais,  × 100.

EXEMPLO 19-9
Calcular a porosidade
Para uma amostra de óxido de cálcio, com uma densidade real de Figura 19-16 Representação esquemática das partículas dispostas em (a)
3,203 e pesando 131,3 g, foi determinado um volume bruto de 82,0 empacotamento compacto e (b) empacotamento frouxo. O círculo tracejado
cm3, quando colocada dentro de uma proveta de 100 mL. Calcular em (a) mostra a posição de uma partícula localizada em um plano superior ao
a porosidade. das outras três partículas.
O volume ocupado pelas partículas é:
131 3 g (3 203 g cm3 ) = 41 0 cm3 * N. de T.: Aproximadamente 7.000 kg cm–2.
568 P ATRICK J. S INKO

no retículo cristalino, (b) a densidade granular, na forma como


determinada pelo deslocamento do mercúrio, que a pressões
comuns normalmente não penetra em poros menores que 10
µm, e (c) a densidade bruta, dada pelo volume bruto e o peso
do pó seco dentro de uma proveta.*
Quando um sólido não é poroso, as densidades real e granu-
lar são idênticas e ambas podem ser determinadas pelo princípio
do deslocamento do hélio ou de um líquido como mercúrio, ben-
zeno ou água. Quando a matéria é porosa, com uma superfície
interna, a densidade real é estimada mais apropriadamente pelo
deslocamento do hélio, capaz de penetrar dentro dos poros mais
diminutos e não é adsorvido pelo material. A densidade obtida
mediante o deslocamento do líquido é tida como aproximada-
mente igual à densidade real, mas pode diferir um pouco desta
na medida em que o líquido não penetra bem dentro dos poros.
Os métodos de determinação das diferentes densidades se-
rão discutidos a seguir. Densidade real, ρ, é a densidade intrín- Figura 19-17 Poros e fissuras em um granulado farmacêutico. Água ou mer-
seca do material sólido. Os métodos para a determinação de cúrio circundam essa partícula permanecendo apenas nas irregularidades
sólidos não-porosos pelo deslocamento de um líquido, no qual superficiais, como as regiões A e B. As moléculas de hélio podem penetrar
esses sejam insolúveis, podem ser encontrados nos livros bá- profundamente dentro das reentrâncias nos pontos C, permitindo o cálculo da
sicos de Farmácia. Quando o material é poroso, como é o caso densidade real, em vez da densidade granular.
da maioria dos pós, a densidade real pode ser calculada me-
diante o densímetro a hélio, conforme sugerido por Franklin.47
O volume do aparelho vazio (espaço-morto) é primeiramente Uma vez que o hélio penetra dentro dos poros e fissuras
determinado colocando-se uma quantidade conhecida de hélio. mais diminutos, (Figura 19-17), normalmente é aceito que o
Na seqüência, é pesada uma quantidade de pó e introduzida método com hélio proporciona a estimativa mais aproximada
dentro do tubo-amostra. Os gases adsorvidos são removidos da densidade real. Líquidos como água e álcool são impedidos
da amostra mediante um procedimento de degaseificação e o de penetrar dentro dos espaços menores e, conseqüentemente,
hélio, que não é adsorvido pelo material, é reintroduzido no o deslocamento do líquido resulta em uma densidade menor do
tubo. A pressão é lida em um manômetro de mercúrio e, por que o valor real. Algumas densidades reais de pós de interesse
aplicação da lei dos gases, se calcula o volume de gás ao redor em Farmácia são listadas na Tabela 19-6.
das partículas e que penetrou dentro das pequenas fissuras e A densidade granular, ρg, pode ser determinada por um
poros do material. A diferença entre o volume que preenche o método similar ao do deslocamento de um líquido. Neste caso
aparelho vazio e o volume de hélio na presença de pó propor- se utiliza mercúrio, uma vez que essa substância pode preencher
ciona o volume ocupado pelo pó. Conhecendo-se o peso do pó, os espaços vazios, mas é incapaz de penetrar nos poros inter-
é possível calcular a densidade real. O procedimento é seme- nos das partículas. Logo, o volume das partículas, somado aos
lhante à primeira etapa do método de BET para a determinação espaços intraparticulares, formam o volume granular. A partir
da superfície específica das partículas. do conhecimento do peso do pó, é possível calcular a densidade
A densidade de sólidos, comumente relacionada em manu- granular. Strickland e colaboradores48 determinaram a densida-
ais, é determinada com freqüência pelo deslocamento do líqui- de granular de granulados para comprimidos pelo deslocamento
do. Esta corresponde ao peso do corpo dividido pelo peso de do mercúrio, fazendo uso de um picnômetro especialmente de-
líquido que o primeiro desloca. Em outras palavras, é a perda de senhado. A medida da densidade real foi obtida após compacta-
peso de um corpo quando este é suspenso em um líquido apro- ção dos pós sob pressões elevadas. As amostras foram compac-
priado. Para sólidos insolúveis em um líquido e mais pesados tadas a 100.000 lb/in2** e o peso dos comprimidos resultantes
do que este se pode utilizar um picnômetro comum para fins de foi registrado. Os volumes dos comprimidos foram calculados
determinação. Por exemplo, se o peso de uma amostra de esfe- medindo-se suas dimensões com o auxílio de um paquímetro.
ras de vidro é de 5,0 g e o peso de água necessário para encher O peso do comprimido, dividido pelo seu volume, resultou na
o picnômetro vazio é de 50,0 g, logo, o peso total será 55,0 g. densidade “real” ou densidade de alta compactação.
Quando as esferas são submersas na água, o peso determinado a A porosidade intraparticular dos grânulos pode ser calcu-
25 °C é 53,0 g, o que equivale a um deslocamento de 2,0 cm3 de lada conhecendo-se o valor das densidades real e granular. A
água, com uma densidade de 5,0 g/2,00 cm3 = 2,5 g/cm3. A den- porosidade é dada pela equação
sidade real determinada desta forma pode diferir ligeiramente, Vg − V p Vp
dependendo da capacidade com que o líquido penetra nos poros 1−
Vg Vg
das partículas, de uma possível alteração da densidade do líqui-
do na interface e de outros fatores de maior complexidade. Peso / densidade real
1− (19-27)
Peso / densidade granular
* O termo densidade aparente tem sido utilizado por vários autores para de-
signar densidade granular ou bruta e alguns têm utilizado tal termo para
se referir à densidade real obtida pelo deslocamento de líquido. Por causa
desta confusão, se desaconselha adotar o termo densidade aparente. ** N. de T.: Aproximadamente 7.000 kg cm–2.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 569

TABELA 19-6
DENSIDADE REAL, EM g/cm3 DE SÓLIDOS COMUMENTE UTILIZADOS EM FARMÁCIA
Óxido de alumínio 4,0 Cloreto mercúrico 5,44
Ácido benzóico 1,3 Iodeto mercúrico 6,3
Subcarbonato de bismuto 6,86 Óxido mercúrico 11,1
Subnitrato de bismuto 4,9 Cloreto mercuroso 7,15
Bromofórmio 2,9 Parafina 0,90
Carbonato de cálcio (calcita) 2,72 Brometo de potássio 2,75
Óxido de cálcio 3,3 Carbonato de potássio 2,29
Giz 1,8–2,6 Cloreto de potássio 1,98
Carvão vegetal (sem ar) 2,1–2,3 Iodeto de potássio 3,13
Argila 1,8–2,6 Areia, fina e seca 1,5
Cortiça 0,24 Iodeto de prata 5,67
Algodão 1,47 Nitrato de prata 4,35
Goma-guta 1,19 Borato sódico, bórax 1,73
Gelatina 1,27 Brometo de sódio 3,2
Esferas de vidro 2,5 Cloreto de sódio 2,16
Grafite 2,3–2,7 Sacarose 1,6
Caulim 2,2–2,5 Sulfadiazina 1,50
Carbonato de magnésio 3,04 Enxofre precipitado 2,0
Óxido de magnésio 3,65 Talco 2,6–2,8
Sulfato de magnésio 1,68 Óxido de zinco (hexagonal) 5,59

ou terminados por Strickland e colaboradores,48 são mostrados na


Densidade granular ρg Tabela 19-7. A diferença na porosidade depende do método de
intraparticular 1− 1− (19-28) granulação, como se observa da mesma tabela.
Densidade real ρ
A densidade bruta, ρb, é definida como a massa de pó divi-
onde Vp é o volume real das partículas sólidas e Vg é o volume da pelo seu volume bruto. O procedimento-padrão para calcular
das partículas mais o volume dos poros intraparticulares. a densidade bruta ou seu valor recíproco, o volume bruto espe-
cífico, está bem-estabelecido.49 Uma amostra de aproximada-
EXEMPLO 19-10 mente 50 cm3 de pó, previamente tamisado através de uma pe-
neira N° 20 (U.S. Standard) é colocada cuidadosamente dentro
Porosidade intraparticular de uma proveta de 100 mL. A proveta é deixada cair livremente
A densidade granular, ρg, do bicarbonato de sódio é 1,450 e a den- três vezes, em intervalos de 2 segundos, sobre uma superfície
sidade real, ρ, é 2,033. Calcular a porosidade intraparticular. dura, de madeira, de uma altura de 1 centímetro. A densidade
Logo, bruta é obtida dividindo-se o peso da amostra, em gramas, pelo
1 450 volume final, em cm3, ocupado pela amostra dentro da prove-
intraparticular = 1− = 0 286 ou 28 6% ta. Na verdade, a densidade bruta só chega a atingir seu valor
2 033
máximo após o recipiente ter sido compactado umas 500 vezes.
Contudo, tem sido visto que o método das três-batidas conduz
As densidades granulares e a porosidade interna ou per- a resultados mais consistentes entre laboratórios diferentes. A
centual de espaços porosos em grânulos, da forma como de- densidade bruta de alguns pós de uso farmacêutico é compara-

TABELA 19-7
DENSIDADES E POROSIDADES DE GRANULADOS PARA COMPRIMIDOS*
Percentual do
Densidade “real” Densidade granular espaço dos poros nos
de compactação por deslocamento granulados
Granulado elevada (g/cm3) de mercúrio (g/cm3) (porosidade)
Sulfatiazol† 1,530 1,090 29
Bicarbonato de sódio† 2,033 1,450 29
Fenobarbital† 1,297 0,920 29
Aspirina‡ 1,370 1,330 2,9
* Retirada com permissão de: W. A. Strickland, Jr., L.W. Busse and T. Higuchi, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 45, 482, 1956.
†Granulado preparado pelo método úmido utilizando pasta de amido.
‡Granulado reparado pelo método seco (processo de briquetagem).
570 P ATRICK J. S INKO

onde Vb é o volume bruto e Vp é o volume do material sólido.


TABELA 19-8 Esta equação é idêntica àquela para os pós não-porosos (equação
COMPARAÇÃO ENTRE AS DENSIDADES BRUTAS E [19-26]). De forma semelhante ao caso anterior, Vp e Vb podem
DENSIDADES REAIS ser expressos em termos do peso dos pós e das densidades:
w
Densidade Densidade Vp
bruta real ρ
(g/cm3) (g/cm3) e
w
Subcarbonato de bismuto pesado 1,01 6,9* Vb
Subcarbonato de bismuto leve 0,22 6,9* ρb
Carbonato de magnésio pesado 0,39 3,0* onde w é a massa (“peso”) do pó; ρ, a densidade real e ρb a
Carbonato de magnésio leve 0,07 3,0*
densidade bruta. A substituição dessas relações na equação
Fenobarbital 0,34 1,3†
Sulfatiazol 0,33 1,5† (19-31) resulta na porosidade total,
Talco 0,48 2,7* w
total 1− (19-32)
* Densidade obtida pelo deslocamento de líquido. w b
† Densidade real obtida pelo deslocamento do hélio.
ou
ρb
total 1− (19-33)
ρ
da com as densidades real e aparente* na Tabela 19-8. O termo
“leve”, tal como aplicado a pós farmacêuticos, significa baixa
densidade bruta ou grande volume bruto, enquanto que o termo EXEMPLO 19-11
“pesado” significa pó de elevada densidade bruta ou pequeno
volume bruto. Deve-se observar que esses termos nada têm a Densidade bruta e porosidade total
ver com as densidades real e granular. O peso de um comprimido de iodeto de sódio foi de 0,3439 g e o
A densidade bruta de um pó depende, principalmente, da volume bruto, medido utilizando um paquímetro, foi de 0,0963
distribuição do tamanho de partícula, da forma da partícula e cm3. A densidade real do iodeto de sódio é 3,667 g/cm3. Qual é a
da tendência das partículas a aderirem umas nas outras. As par- densidade bruta e a porosidade total desse comprimido?
tículas podem empacotar-se de uma forma que deixe buracos Temos que
entre as suas superfícies, o que resulta em um pó leve ou pó de 0 3439
baixa densidade bruta. Por outro lado, as partículas menores ρb = = 3 571 g cm3
0 0963
podem se acomodar entre as partículas maiores, gerando um
pó pesado ou de elevada densidade bruta. 3 571
total = 1−
A porosidade do espaço vazio ou interparticular de um pó 3 667
granulado poroso corresponde àquele volume relativo ao espa- = 0 026 ou 2 6%
ço vazio interparticular e ao volume bruto do pó, excluindo-se
o volume dos poros intraparticulares. A porosidade interparti-
cular é calculada a partir do conhecimento da densidade bruta Além de proporcionar uma informação valiosa sobre a
e da densidade granular e é expressa pela equação porosidade do comprimido e a sua evidente relação com a
Vb − Vg Vg dureza e o tempo de desintegração do comprimido, a densi-
interparticular 1− dade bruta pode ser utilizada para controlar a uniformidade
Vb Vb
(19-29) das substâncias a granel e determinar o tamanho apropriado
Peso / densidade granular dos recipientes, dos misturadores e das cápsulas em relação
1− a uma dada massa de pó. Esses tópicos são considerados nas
Peso / densidade bruta
seções seguintes deste capítulo.
Densidade bruta Em resumo, as diferenças entre as três densidades (real,
interparticular 1−
Densidade granular granular e bruta) podem ser melhor compreendidas fazendo re-
(19-30) ferência aos seus recíprocos, ou seja, o volume real específico,
ρb
1− volume granular específico e volume bruto específico.
ρg O volume real específico de um pó corresponde ao volume
onde Vb = w/ρb é o volume bruto e Vg = w/ρg é o volume granu- de material sólido propriamente dito por unidade de massa de
lar, ou seja, o volume das partículas mais o volume dos poros. pó. Quando o líquido utilizado para a medição do pó não pene-
A porosidade total de um pó poroso é constituída pelos es- tra completamente dentro dos seus poros, o volume específico
corresponde ao volume por unidade de peso do material sóli-
paços vazios existentes entre as partículas, assim como os po-
do propriamente dito mais uma pequena parte do volume dos
ros dentro das partículas. A porosidade total é definida como
poros dentro do granulado que não é penetrado pelo líquido.
Vb − V p Vp Contudo, quando um líquido apropriado é escolhido, a discre-
total 1− (19-31)
Vb Vb pância não deverá ser grande demais. O volume granular espe-
cífico é, basicamente, o volume do sólido somado ao volume
de todos os poros dentro das partículas. Finalmente, o volume
bruto específico consiste no volume por unidade de peso do só-
* N. de T.: Pela terminologia adotada na obra, o autor refere-se, provavel- lido somado ao volume dos poros intraparticulares e o volume
mente, não à densidade aparente, mas sim à densidade granular. vazio ou volume dos espaços interparticulares.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 571

EXEMPLO 19-12 portamento dilatante, no qual as partículas são afetadas por for-
ças de atração de magnitudes diferentes. Portanto, pós podem
Porosidade total apresentar fluxo livre ou fluxo coesivo (“aglomerado”). Neu-
Os seguintes dados são referentes a 1 grama de amostra de um pó mann50 discutiu os fatores que afetam as propriedades de fluxo
granular: dos pós, entre os quais tamanho, forma, porosidade, densidade e
Volume do sólido sozinho = 0 3 cm3 g textura da superfície das partículas, que merecem destaque. Es-
Volume dos poros intraparticulares = 0 1 cm3 g sas propriedades dos sólidos, que determinam a magnitude das
Volume dos espaços interparticulares = 1 6 cm3 g interações partícula-partícula foram revisadas por Hiestand.51
Para partículas relativamente pequenas (menores do que
(a) Qual o valor do volume real específico, V, do volume gra- 10 µm), o fluxo através de um orifício é limitado, uma vez que
nular específico, Vg, e do volume bruto específico, Vb? as forças de coesão entre as mesmas são da mesma magnitude
V = 0 3 cm3 do que a força exercida pela gravitação. Dado que essas duas
forças dependem do diâmetro elevado à terceira potência, estas
Vg = V + poros intraparticulares
se tornam mais significativas à medida que o tamanho de par-
= 0 3 + 0 1 = 0 4 cm3 g tícula aumenta e o fluxo é, assim, facilitado. Após a velocidade
de fluxo máximo ser alcançada, o fluxo diminui à medida que
Vb = V + poros intraparticulares as partículas se aproximam do orifício.52 Quando um pó con-
+ espaços interparticulares tém uma quantidade razoável de partículas pequenas, as pro-
priedades de fluxo podem ser melhoradas removendo a fração
= 0 3+0 1+1 6
de “finos” ou adsorvendo-as sobre as partículas maiores. Em
= 2 0 cm3 g certas ocasiões, um fluxo escasso pode resultar da presença de
umidade e, nesse caso, a secagem das partículas poderá reduzir
(b) Calcular a porosidade total, total, a porosidade interpar- a coesão do pó. Pilpel53 fez uma revisão a respeito de diferen-
ticular, interparticular, ou espaço vazio entre as partículas, e a po- tes aparelhos para a medição das propriedades dos pós coesos
rosidade intraparticular, intraparticular, ou espaço vazio dentro das
e dos efeitos do tamanho de partícula, umidade, deslizantes,
partículas.
aglomerados e temperatura sobre os pós coesivos.
Logo,
Vb − Vp 2 0−0 3 Dahlinder e colaboradores54 analisaram os métodos para ava-
total = = liar as propriedades de fluxo de pós e de granulados, incluindo: a
Vb 20
razão de Hauser (ou seja, densidade de compactação versus den-
= 0 85 ou 85% sidade bruta), a velocidade com que o pó é compactado dentro da
Vb − Vg 2 0−0 4 proveta, a velocidade de fluxo, a liberdade de fluxo através de um
interparticular = = orifício e o ângulo de repouso. A razão de Hauser, o fluxo livre e
Vb 20
o ângulo de repouso mostraram-se bem-correlacionados uns aos
= 0 80 ou 80% outros, podendo também ser aplicados no caso de granulados ra-
Vg − Vp 0 4−0 3 zoavelmente coesos usados para obtenção de comprimidos.
intraparticular = =
Vg 04 As partículas alongadas ou planas tendem a se acomodar,
ainda que de forma frouxa, formando pós de elevada densida-
= 0 25 ou 25% de. As partículas de elevada densidade e escassa porosidade
Por conseguinte, os sólidos constituem 15% do volume bruto interna tendem a apresentar propriedades de fluxo livre. Estas,
e 85% consiste de espaço vazio; 80% do volume bruto se refere contudo, podem vir a ser contrabalançadas pela aspereza da
ao espaço vazio entre as partículas e 5% do volume bruto total superfície, a qual gera características de fluxo ruim por causa
corresponde a poros e fissuras dentro das partículas. Esses poros, do atrito e da coesão.
porém, contribuem com 25% do volume dos granulados, ou seja, Os pós com fluxo livre são caracterizados pela fluxibilidade
do volume das partículas mais o dos poros. (“dustibility”), um termo que significa o oposto de fluxo coeso.
O licopódio apresenta o maior grau de fluxibilidade. Se a este
é dado, arbitrariamente, um índice de 100% de fluxibilidade, o
Volumosidade talco em pó teria um índice de 57%, o amido de batata, 27% e o
O volume bruto específico ou o recíproco da densidade bru- carvão vegetal fino, 23%. O calomelano finamente dividido tem
ta é freqüentemente denominado volumosidade ou volume, o uma fluxibilidade relativa de 0,7%.50 Estes valores podem ter
qual tem especial importância no acondicionamento de pós. A certa relação com a espalhabilidade uniforme dos pós de limpe-
densidade bruta do carbonato de cálcio pode oscilar entre 0,1 e za aplicados sobre a pele. A aglomeração, uma medida da coe-
1,3, logo, o tipo mais volumoso ou leve irá precisar de um re- são entre as partículas de um pó compactado, pode ser impor-
cipiente aproximadamente 13 vezes maior do que o requerido tante no que tange ao fluxo de pós nas máquinas de enchimento
para o tipo mais pesado. A volumosidade aumenta conforme o e nas máquinas de encapsulamento operadas automaticamente.
tamanho particular diminui. Em uma mistura de materiais de Pós e granulados com fluxo ruim representam várias difi-
diferentes tamanhos, porém, as partículas menores irão escoar culdades para a indústria farmacêutica. Tem sido comprovado
entre as maiores, o que tende a diminuir a volumosidade. que a produção uniforme de comprimidos, como dose unitária,
depende de várias propriedades dos granulados. Arambulo e
colaboradores55 observaram que, quando o tamanho do granu-
Propriedades de fluxo lado é diminuído, a variação de peso do comprimido também
diminui. A variação mínima de peso foi obtida utilizando-se
Um pó a granel é, de certa forma, parecido a um líquido não- granulados com diâmetro de 400 a 800 µm. A medida que o
newtoniano que apresenta fluxo plástico e, algumas vezes, com- tamanho do granulado foi reduzido ainda mais, o granulado
572 P ATRICK J. S INKO

passou a fluir menos livremente e a variação de peso dos com- A capacidade de um pó de fluir é um dos fatores implícitos
primidos começou a aumentar. A distribuição do tamanho das na mescla de diferentes substâncias para formar uma mistura
partículas afeta o fluxo interno e a segregação dos granulados. de pós. A mistura, assim como a prevenção da segregação após
Raff e colaboradores56 estudaram o fluxo de granulados esta, é uma operação farmacêutica importante, em se tratando
para comprimidos. Os autores concluíram que o fluxo interno da preparação de diversas formas farmacêuticas, incluindo com-
e a segregação (tendência de um pó de se separar em camadas primidos e cápsulas.63 Outros fatores que afetam o processo de
de diferentes tamanhos) durante o fluxo através do alimentador mistura são: agregação, tamanho e forma das partículas, dife-
contribuíram para diminuir o peso dos comprimidos na fase rença de densidades e presença de cargas eletrostáticas. A teoria
terminal do processo de compressão. Hammerness e Thomp- da mistura é descrita nos trabalhos de Train64 e de Fischer.65
son57 salientaram que a velocidade de fluxo de um granulador
para compressão aumenta com o aumento da quantidade de
finos adicionados. Um aumento na quantidade de lubrificante Compactação: comprimidos
também aumenta a velocidade de fluxo e a combinação de lu-
Neumann66 verificou que quando os pós eram compactados sob
brificante e de finos aparentemente tem uma ação sinérgica.
As forças de atrito em um pó frouxamente compactado uma pressão de aproximadamente 5 kg/cm2, a porosidade dos
podem ser medidas pelo seu ângulo de repouso, φ, que corres- pós constituídos por partículas rígidas (p. ex. carbonato de só-
ponde ao ângulo máximo possível formado entre a superfície dio) foi maior do que a porosidade dos pós densamente compac-
de um montículo de pó e o plano horizontal. Se mais pó for tos, conforme determinado pelos experimentos de compactação.
adicionado sobre o montículo, suas laterais se deslizam até que Conseqüentemente, estes pós apresentaram comportamento di-
o atrito entre as partículas, que formam a superfície com um latante, ou seja, uma expansão inesperada sob influência de uma
ângulo φ, esteja em equilíbrio em relação à atração gravitacio- tensão, em vez de contração. Contudo, no caso de partículas
nal. A tangente do ângulo de repouso é igual ao coeficiente de moles e porosas (como o caulim), houve deformação sob ação
atrito, µ, entre as partículas: da compressão e as porosidades foram menores do que aquelas
observadas após a compactação do pó até a condição de pó for-
tan φ μ (19-34) temente compactado. Experimentos similares podem ser reali-
Assim, quanto mais áspera e mais irregular for a superfície zados para determinar as condições ótimas de compactação de
das partículas, maior será o ângulo de repouso. Este compor- um pó dentro de uma cápsula em escala industrial.
tamento foi observado por Fonner e colaboradores,58 quem, O comportamento dos pós sob compressão é relevante no
em um estudo com grânulos preparados mediante cinco méto- processo farmacêutico da compressão. Embora a literatura sobre
dos diferentes, determinou que o ângulo de repouso depende, os pós em metalurgia e compressão de pós metálicos possa forne-
principalmente, da aspereza da superfície. Ridgeway e Rupp59 cer uma informação básica, Train,67 que realizou alguns dos tra-
estudaram o efeito da forma da partícula sobre as proprieda- balhos fundamentais na área, destacou que nem todas as teorias
des dos pós. Utilizando lotes de areia de tamanho de partícula desenvolvidas para o comportamento de metais necessariamente
bastante próximo, separados segundo a sua forma, os autores se sustentam quando aplicadas a materiais não-metálicos.
demonstraram que, conforme a partícula se afasta da forma Grande parte do trabalho pioneiro foi realizada por Hi-
esférica, o ângulo de repouso aumenta, enquanto a densidade guchi e colaboradores,68 que estudaram o efeito da força de
bruta e a fluxibilidade diminuem. compressão sobre a área de superfície específica, densidade
Para melhorar as características de fluxo de pós e granula- granular, porosidade, dureza e tempo de desintegração de com-
dos, costuma-se utilizar adjuvantes denominados deslizantes. primidos de uso farmacêutico. Conforme é ilustrado na Figura
Estearato de magnésio, amido e talco são exemplos de deslizan- 19-18, a superfície específica de um granulado de sulfatiazol
tes freqüentemente usados. Gold e colaboradores,6 com auxílio para comprimidos, determinada pelo método de BET, aumenta
de um fluxômetro, que mede a quantidade de pó que flui por inicialmente até atingir um valor máximo e depois decresce.
unidade de tempo através de um orifício de um alimentador, de- O aumento inicial da área de superfície pode ser atribuído à
terminaram que a concentração ótima ficou entre 1% ou menos formação de novas superfícies à medida que o material cris-
de deslizante. Acima dessa concentração, constataram que a talino original sofre fragmentação. Já a diminuição posterior
velocidade de fluxo normalmente decresce. Não foi encontrada
qualquer correlação entre velocidade de fluxo e ângulo de re-
pouso. York61 foi capaz de determinar a concentração ótima de
deslizante para pós de lactose e de fosfato de cálcio, utilizando 1,0
Área de superfície (m2/g)

uma célula de cisalhamento e um medidor de tensão. O autor


também determinou que o ângulo de repouso é inadequado para 0,8
inferir sobre a fluxibilidade dos pós testados, o que esteve em
0,6
concordância com o relatado por Gold e colaboradores.
Nelson62 estudou o ângulo de repouso em granulados de sul- 0,4
fatiazol em função do tamanho de partícula médio, presença de
lubrificantes e adição de finos. Ele detectou que, de modo geral, 0,2
o ângulo aumentou com a diminuição do tamanho de partícula.
A adição de talco em baixas concentrações diminuiu o ângulo 0
0 2 4 6 8
de repouso, mas o aumentou quando as concentrações de talco
Força ( lb ⴛ 103)
foram aumentadas. A adição de finos − com partículas inferiores
a uma abertura de malha de 100 mesh − a granulados de tamanho Figura 19-18 Influência da força de compressão sobre a superfície específi-
grosseiro levou a um claro aumento do ângulo de repouso. ca de granulados de sulfatiazol. (Segundo T. Higuchi e colaboradores68.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 573

6. E. L. Parrott, J. Pharm. Sci. 63, 813, 1974.


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Franklin Inst. 207, 369, 1929.
9. H. L. Rao, Private Communication, Manipal, India, May 1986.
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1974.
11. M. J. Groves, Pharm. Tech. 4, 781, 1980.
12. G. Martin, Br. Ceram. Soc. Trans. 23, 61, 1926; Br. Ceram. Soc. Trans.
25, 51, 1928; Br. Ceram. Soc. Trans. 27, 285, 1930.
13. T. Allen, Particle Size Measurement, 2nd Ed., Chapman & Hall, London,
1974, p. 131.
Força de compressão (lb)
14. K. P. P. Prasad and L. S. C. Wan, Pharm. Res. 4, 504, 1987.
Figura 19-19 Efeito da força de compressão sobre a dureza e a resistência 15. A. S. Arambulo and D. L. Deardorff, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 42,
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Lintner, J. Pharm. Sci. 56, 116, 1967). 16. L. D. King and C. H. Becker, Drug Standards 21, 1, 1953.
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18. D. E. Fonner, Jr., G. S. Banker and J. Swarbrick, J. Pharm. Sci. 55, 576,
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da superfície específica, observada para forças de compressão 19. H. J. Heywood, J. Pharm. Pharmacol. 15, 56T, 1963.
acima de 2.500 lb,* se deve, supostamente, à fusão a frio das 20. W. I. Higuchi et al., J. Pharm. Sci. 51, 1081, 1962; J. Pharm. Sci. 52, 162,
partículas unitárias. Também foi verificado que a porosidade 1963; J. Pharm. Sci. 53, 405, 1964; J. Pharm. Sci. 54, 74, 1205, 1303,
diminuiu e a densidade aumentou em função linear do loga- 1965.
ritmo da força de compressão, exceto para níveis elevados de 21. S. Bisaillon and R. Tawashi, J. Pharm. Sci. 65, 222, 1976.
força. Conforme a compressão aumenta, a dureza e a resistên- 22. E. R. Garrett, G. H. Miller and M. R. W. Brown, J. Pharm. Sci. 55,
cia à fratura do comprimido também são aumentadas. Alguns 593, 1966; G. H. Miller, S. Khalil and A. Martin, J. Pharm. Sci. 60, 33,
exemplos típicos obtidos com uma máquina de comprimir ro- 1971.
tatória69 são mostrados na Figura 19-19. 23. L. J. Beaubien and A. J. Vanderwielen, J. Pharm. Sci. 69, 651, 1980.
A resistência de um comprimido depende de vários fato- 24. S. I. Ismail and R. Tawashi, J. Pharm. Sci. 69, 829, 1980.
res, sendo a força de compressão e o tamanho de partícula os 24a. United States Pharmacopeia, 22nd Ed., U.S. Pharmacopeial Convention,
mais importantes. Hersey e colaboradores70 resumiram a lite- Rockville, Md., 1990.
ratura pertinente ao efeito do tamanho de partícula e concluiu 25. M. J. Groves and J.Wong, Drug Dev. Ind. Pharm. 13, 193, 1987; M. J.
que, na faixa de tamanho de 4 a 925 µm, não existe uma re- Groves and D. Wana, PowderTechnol. 18, 215, 1977.
26. T. M. Cham, H. M. Yu and L. C. Tung, Drug Dev. Ind. Pharm. 15, 2441,
lação simples entre resistência e tamanho de partícula. Esses
1989.
autores observaram que, para cristais simples, a resistência do
27. E. C. Signoretti, A. Dell’Utri, L. Paoletti, D. Bastisti and L. Montanari,
comprimido aumentou quando o tamanho das partículas foi di-
Drug Dev. Ind. Pharm. 14, 1, 1988.
minuído para uma faixa de 600 a 100 µm. 28. S. P. Li, K. M. Feld and C. R. Kowarski, Drug Dev. Ind. Pharm. 15, 1137,
O trabalho iniciado por Higuchi e colaboradores68 tratou do 1989.
estudo de outros adjuvantes utilizados na compressão, desenvol- 29. M. C. Davies, I. B. Wilding, R. D. Short, M. A. Khan, J. F. Watts and C.
vimento de uma máquina de comprimir instrumentada e avaliação D. Melia, Int. J. Pharm. 57, 183, 1989.
de lubrificantes para comprimidos. O leitor interessado em abor- 30. F. Carli and A. Motta, J. Pharm. Sci. 73, 197, 1984.
dar esse interessante trabalho deve consultar as publicações origi- 31. P. H. Emmett and S. Brunauer, J. Am. Chem. Soc. 59, 1553, 1937; S. J.
nais, assim como outros estudos relacionados a essa área.71-75 A Gregg and K. S. W. Sing, Adsorption, Surface Area and Porosity, 2nd
pesquisa e a tecnologia da compressão foram revistas em 1972, de Ed., Academic Press, New York, 1982, p. 62.
forma abrangente, por Cooper e Rees.76 O processo de deforma- 32. S. Brunauer, P. H. Emmett and F. Teller, J. Am. Chem. Soc. 60, 309,
ção durante a descompressão pode ser um dos principais fatores 1938.
responsáveis pelo êxito ou fracasso na formação de compactos.77 33. P. C. Hiemenz, Principles of Colloid and Surface Chemistry, Marcel
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20
20 REOLOGIA

SISTEMAS NEWTONIANOS DETERMINAÇÃO DAS PROPRIEDADES


Lei do fluxo de Newton REOLÓGICAS
Viscosidade cinemática Escolha do viscosímetro
Dependência da temperatura e teoria da viscosidade Viscosímetro capilar
Viscosímetro da queda de esfera
SISTEMAS NÃO-NEWTONIANOS Viscosímetro de cilindros concêntricos
Fluxo plástico Viscosímetro do tipo cone-prato
Fluxo pseudoplástico
Fluxo dilatante VISCOELASTICIDADE

TIXOTROPIA PSICORREOLOGIA
Medida da tixotropia APLICAÇÕES EM FARMÁCIA
Protuberâncias e esporões
Tixotropia negativa
Tixotropia na formulação

Ao concluir este capítulo, o O termo reologia, que deriva do grego rheo (“fluir”) e lo-
OBJETIVOS DO CAPÍTULO estudante deverá estar apto a: gos (“ciência”), foi sugerido por Bingham e Crawford (segun-
do relata Fischer)1 para descrever o fluxo de líquidos e a defor-
1 Definir reologia, dar exemplos de produtos farmacêuticos mação de sólidos. Viscosidade é uma expressão de resistência
fluidos que apresentem comportamentos reológicos dife- ao fluxo por parte de um líquido. Quanto maior a viscosidade,
rentes e descrever as aplicações da reologia na prática das maior será essa resistência. Como será visto mais adiante, lí-
Ciências Farmacêuticas e na Farmácia. quidos simples podem ser descritos em termos de viscosidade
2 Compreender e definir os seguintes conceitos: velocidade absoluta. Contudo, as propriedades reológicas de dispersões
de cisalhamento, tensão de cisalhamento, viscosidade, vis- heterogêneas são mais complexas e não se pode expressá-las
cosidade cinemática, fluidez, plasticidade, ponto de cedên- mediante um valor unívoco.
cia, pseudoplasticidade, shear thinning,* dilatância, shear Os princípios fundamentais da reologia são utilizados no
thickening, tixotropia, histerese, antitixotropia, reopexia, estudo de tintas, massas, asfalto, cosméticos, produtos alimen-
fluxo aglomerado (plug flow), viscoelasticidade. tícios e de outros materiais. O entendimento da viscosidade de
3 Definir e entender a lei dos fluidos de Newton e suas líquidos, soluções e sistemas coloidais diluídos e concentrados
aplicações. (ver Capítulo 17) é de grande valia, tanto do ponto de vista prá-
4 Diferenciar as propriedades de fluxo e os reogramas refe- tico quanto teórico. Scott-Blair2 reconheceu a importância da
rentes a materiais newtonianos e não-newtonianos. reologia em Farmácia e sugeriu sua aplicação na formulação e
5 Compreender e calcular os efeitos da temperatura sobre a análise de produtos farmacêuticos, tais como emulsões, pastas,
viscosidade e reconhecer semelhanças entre fluxo viscoso supositórios, e nos revestimentos de comprimidos. Os fabrican-
e difusão relacionada à temperatura. tes de cremes, pastas e loções medicinais devem ser capazes de
6 Reconhecer e identificar comportamentos reológicos es- fabricar esses produtos com consistência e maciez apropriadas
pecíficos com os seus respectivos reogramas. e de reproduzir essas qualidades cada vez que um novo lote é
7 Entender os fundamentos da determinação das proprieda- produzido. Em muitas indústrias, há pessoal treinado, com vas-
des reológicas na prática e descrever quatro tipos de visco- ta experiência, que testa periodicamente os materiais durante o
símetros, com aplicações e limitações na determinação das processo de produção, com o intuito de determinar a “sensação”
propriedades reológicas de vários sistemas. e o “corpo” dos mesmos, assim como para avaliar a consistência
apropriada. Contudo, é bem-reconhecida a variabilidade desses
8 Entender as diferenças entre cisalhamento reológico con-
testes subjetivos em função do tempo e das condições ambien-
tínuo ou estacionário e medições por oscilação e desloca-
tais. Do ponto de vista científico, uma objeção mais séria é a
mento (creep) na determinação da consistência de mate-
impossibilidade de, por meio de testes subjetivos, distinguir en-
riais viscoelásticos.
tre várias propriedades, as quais expressam a consistência total
de um produto. Quando essas características físicas individuais
* N. de T.: Os termos shearthinning e shearthickening não têm tradução
direta para o português. Shearthinning se refere ao efeito de quebra de
são delineadas e estudadas objetivamente, obedecendo a méto-
estrutura, sofrido por sistemas que perdem consistência em função do cisa- dos reológicos analíticos, é possível obter informações valiosas
lhamento; shearthickening se refere aos sistemas dilatantes que espessam para a formulação de melhores produtos farmacêuticos. A reo-
quando cisalhados. logia participa na mistura e no fluxo de materiais, no seu acon-
576 P ATRICK J. S INKO

dicionamento em recipientes e na sua remoção antes de serem locidade de cisalhamento é expressa pelo símbolo G. Logo, a
utilizados, quer que esta seja alcançada vertendo o conteúdo de velocidade de cisalhamento é diretamente proporcional à ten-
frasco, pela extrusão de uma bisnaga ou pela passagem através são de cisalhamento, ou
da agulha de uma seringa. A reologia de um produto específico, F dv
que pode ter a consistência de um líquido, um semi-sólido ou de η (20-1)
A dr
um sólido, pode afetar a aceitação por parte do paciente, a esta-
bilidade física e, eventualmente, a sua biodisponibilidade. Por onde η é o coeficiente de viscosidade, normalmente referido
exemplo, tem-se demonstrado que a viscosidade afeta a veloci- apenas como viscosidade.
dade de absorção de fármacos no trato gastrintestinal. Com freqüência, a equação (20-1) é escrita como:
As propriedades reológicas de um sistema farmacêutico F
η (20-2)
podem influir na seleção do equipamento de fabricação a ser G
utilizado em sua produção. Assim, um equipamento inadequa- onde F = F’/A e G = dv/dr. Para um sistema newtoniano, a
do pode levar à obtenção de um produto inaceitável, pelo me- curva de fluxo ou reograma é obtida plotando F versus G,
nos em relação às suas características de fluxo. Este e outros como mostra a Figura 20-2a. Como fica implícito na equa-
aspectos da reologia aplicáveis à Farmácia são abordados por ção (20-2), obtém-se uma linha reta que passa pela origem.
Martin e colaboradores.3 A unidade de viscosidade é o poise, que é definido em re-
Quando se classificam os materiais segundo os tipos de fluxo ferência à Figura 20-1, como a força de cisalhamento neces-
e de deformação, é usual colocá-los em uma das duas categorias: sária para produzir uma velocidade de 1 cm/s entre dois planos
sistemas newtonianos ou não-newtonianos. A escolha depende se paralelos de líquido, cada um deles com uma área de 1 cm2,
as propriedades de fluxo seguem ou não a lei do fluxo de Newton. separados por uma distância de 1 cm. Pelo sistema de unidades
CGS, a unidade para poise é dina s cm-2 (ou seja, dina s /cm2)
ou g cm-1 s-1 (ou seja, g/cm s). Essas unidades são facilmente
SISTEMAS NEWTONIANOS obtidas mediante a análise dimensional do coeficiente de vis-
cosidade.
Lei do fluxo de Newton Mediante rearranjo da equação (20-1)
F dr dina × cm dina s
Considere um bloco de líquido constituído por camadas pa- η
A dv cm × cm s
2 cm2
ralelas de moléculas, similar a um baralho de cartas, como o
mostrado na Figura 20-1. Se a camada do fundo é fixada no obtém-se como resultado
lugar e o plano superior do líquido é deslocado a uma veloci- dina s g× cm s2 × s g
dade constante, cada uma das camadas inferiores se deslocará cm2 cm2 cm s
a uma velocidade diretamente proporcional à sua distância da
Uma unidade mais apropriada para a maioria dos trabalhos
camada do fundo. A diferença nas velocidades, dv, entre duas
é o centipoise (cp, plural cps);*** um cp é igual a 0,01 poise.
camadas de líquido, separadas por uma distância infinitesimal,
Fluidez, φ, termo utilizado em algumas ocasiões, é definida
dr, é o gradiente de velocidade ou razão de cisalhamento,* dv/
como o recíproco da viscosidade:
dr. A força por unidade de área, F’/A, necessária para causar
o fluxo é denominada tensão de cisalhamento** e é dada pelo 1
φ (20-3)
símbolo F. Newton foi o primeiro a estudar as propriedades η
de fluxo dos líquidos de forma quantitativa. Ele reconheceu
que, quanto maior a viscosidade de um líquido, maior é a força
por unidade de área (tensão de cisalhamento) necessária para Viscosidade cinemática
produzir uma determinada velocidade de cisalhamento. A ve-
Viscosidade cinemática é a viscosidade absoluta (conforme de-
finida na equação [20-1]) dividida pela densidade do líquido, a
uma temperatura determinada:
η
Viscosidade cinemática
ρ (20-4)
As unidades da viscosidade cinemática são o stoke (s) e o
centistoke (cs). Em vários setores da indústria são utilizadas
escalas arbitrárias (p. ex., Saybolt, Redwood, Engler e outras)
para expressar a viscosidade. Essas unidades são, às vezes,
convertidas mediante o uso de tabelas ou de fórmulas para
viscosidade absoluta e vice-versa. As viscosidades a 20 °C de
Figura 20-1 Representação da força de cisalhamento necessária para pro- alguns líquidos comumente utilizados em Farmácia constam
duzir um determinado gradiente de velocidade entre planos paralelos de um na Tabela 20-1. Vários agentes espessantes são descritos na
bloco de material. Farmacopéia Norte-americana.

* N. de T.: Ou velocidade de cisalhamento, termo que é adotado com fre-


qüência pelo próprio autor. *** N. de T.: Não se recomenda o plural cps, pelo risco de confusão com cen-
** N. de T.: Também é comum a denominação tensão de empuxo. tipoise segundo.
Velocidade de cisalhamento M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 577

Tensão de cisalhamento Velocidade de cisalhamento Tensão de cisalhamento


(a) Fluxo newtoniano (b) Fluxo plástico simples
Velocidade de cisalhamento

Velocidade de cisalhamento

Tensão de cisalhamento Tensão de cisalhamento


(c) Fluxo pseudoplástico simples (d) Fluxo dilatante Figura 20-2 Reogramas representativos de diferentes materiais.

EXEMPLO 20-1 (b) ηrel(acetona) = 0,313 cp/0,8904 cp = 0,352 (sem unidades).

Medida da viscosidade
(a) Um viscosímetro de Ostwald (ver Figura 20-11) foi utilizado Dependência da temperatura e teoria da
para medir a viscosidade da acetona, a qual foi determinada viscosidade
em 0,313 cp, a 25 °C. Nessa mesma temperatura, a densidade
da acetona é 0,788 g/cm3. Calcular a viscosidade cinemática Enquanto que a viscosidade de um gás aumenta com a tempe-
da acetona a 25 °C. ratura, a de um líquido diminui conforme a temperatura é au-
(b) A água é normalmente utilizada como substância de referên- mentada. A fluidez de um líquido (o recíproco da viscosidade)
cia para a viscosidade de líquidos. Sua viscosidade a 25 °C é aumenta em relação à temperatura. A dependência da visco-
0,8904 cp. Qual é a viscosidade relativa da acetona em relação sidade de um líquido com a temperatura é expressa, de forma
à água (viscosidade relativa, ηrel) a 25 °C? aproximada para muitas substâncias, mediante uma equação
análoga à equação de Arrhenius para a cinética química:
Respostas:
η Ae Ev RT (20-5)
(a) Viscosidade cinemática = 0,313 cp ÷ 0,788 g/cm3 = 0,397 cp/
(g/cm3) ou 0,397 cs. onde A é uma constante que depende da massa molecular e
do volume molar do líquido e Ev é a “energia de ativação”
necessária para iniciar o fluxo entre as moléculas. A ener-
TABELA 20-1 gia de vaporização de um líquido corresponde à energia
VISCOSIDADE ABSOLUTA DE ALGUNS LÍQUIDOS necessária para retirar uma molécula do líquido, deixando
NEWTONIANOS A 20 °C uma cavidade igual ao tamanho da molécula que a originou.
Para que molécula possa fluir sobre outra molécula, também
Líquido Viscosidade (cp) deverá ser disponibilizada uma cavidade dentro do líquido.
Óleo de rícino 1000 A energia de ativação em fluxos tem sido calculada como
Clorofórmio 0,563 equivalente a um terço do valor da energia de vaporização,
Etanol 1,19 pelo que se pode concluir que o espaço livre necessário para
Glicerina, a 93% 400 o fluxo é de um terço do volume da molécula. Isso é de se
Óleo de oliva 100 presumir, visto que uma molécula em fluxo pode virar, girar
Água 1,0019 e manobrar dentro de um espaço menor do que o seu verda-
deiro tamanho, analogamente ao caso de um carro em um es-
578 P ATRICK J. S INKO

TABELA 20-2
VISCOSIDADE DA GLICERINA EM VÁRIAS TEMPERATURAS*
Temperatura (°C) –42 –20 0 6 15 20 25 30
Temperatura (K) 231 253 273 279 288 293 298 303
1/T (K –1) 0,00432 0,00395 0,00366 0,00358 0,00347 0,00341 0,00336 0,00330
η (cp) 6,71 × 106 1,34 × 105 12110 6260 2330 1490 954 629
ln η 15,719 11,806 9,402 8,742 7,754 7,307 6,861 6,444
* Retirada de CRC Handbook of Chemistry and Physics, 63rd Ed., CRC Press, Boca Raton, Fla., 1982, p. F–44.

tacionamento congestionado. Nos líquidos constituídos por Fluxo plástico


moléculas associadas mediante ligações de hidrogênio será
necessária mais energia para romper essas ligações e, assim, Na Figura 20-2b, a curva representa um corpo que mostra
permitir seu fluxo. Contudo, essas ligações são rompidas em fluxo plástico. Tais materiais são conhecidos como corpos de
temperaturas elevadas pelo movimento térmico das molé- Bingham, em homenagem ao pioneiro da moderna reologia
culas e Ev diminui sensivelmente. Os fenômenos de difusão e primeiro pesquisador a estudar as substâncias plásticas de
(ver Capítulo 12) apresentam uma dependência similar em modo sistemático.
relação à temperatura. Similarmente à fluidez (o recíproco da As curvas do fluxo plástico não passam pela origem, mas
viscosidade), as velocidades de difusão aumentam de forma pelo contrário, interceptam o eixo da tensão de cisalhamento (ou
exponencial com a temperatura. assim o farão quando o segmento linear das curvas for extrapola-
do até esse eixo) em um ponto específico denominado valor de
EXEMPLO 20-2 cedência.* Em um corpo de Bingham, o fluxo não inicia até que
a tensão de cisalhamento tenha sobrepujado o valor de cedência.
Dependência da viscosidade em relação à temperatura Para valores de tensão abaixo do valor de cedência, a substância
A equação de Arrhenius modificada (20-5) é utilizada para de- age como um material elástico. Na reologia, os corpos de Bin-
terminar a dependência da viscosidade de um líquido em relação gham, ou seja, substâncias que apresentam valor de cedência, são
à temperatura. Utilize a equação (20-5) e os dados de viscosidade classificados como sólidos, enquanto que aquelas substâncias que
versus temperatura para a glicerina (Tabela 20-2) para calcular começam a fluir perante a mínima tensão de cisalhamento e não
as constantes A e Ev (energia de ativação para iniciar o fluxo). apresentam valor de cedência são definidas como líquidas. O valor
Qual o valor de r2, o quadrado do coeficiente de correlação? de cedência é uma importante propriedade de certas dispersões.
Escrevendo a equação (20-5) na forma logarítmica, teremos A inclinação do reograma na Figura 20-2b é denominada
Ev 1 mobilidade; é análoga à fluidez nos sistemas newtonianos e o
ln η = ln A + (20-6) seu recíproco é denominado viscosidade plástica, U. A equa-
R T
ção que descreve o fluxo plástico é:
De acordo com a equação (20-6), a regressão de ln η versus F− f
1/T fornece Ev a partir da inclinação e o ln A do intercepto. Utili- U (20-7)
zando os valores fornecidos na Tabela 20-2, obteremos G
1 onde f é o valor de cedência, ou intercepto sobre o eixo da
ln η = −23 4706 + 9012 tensão de cisalhamento, expresso em dina/cm2, e F e G foram
T
Inclinação = 9012 = Ev R; Ev = 9012 × 1 9872 = 17 909 cal mol previamente definidas.
Intercepto = −23 4706 = ln A; A = 6 40985 × 10−11 ; r 2 = 0 997 O fluxo plástico está associado à presença de partículas
floculadas em suspensões concentradas. Disso resulta a forma-
ção de uma estrutura contínua que permeia o sistema. O valor
de cedência existe em decorrência dos contatos entre partículas
adjacentes (causadas pelas forças de van der Waals), os quais
SISTEMAS NÃO-NEWTONIANOS deverão ser rompidos para que o fluxo possa acontecer. Con-
seqüentemente, o valor de cedência é um indicador da força de
Muitos dos medicamentos fluidos não são líquidos simples floculação: quanto mais floculada for a suspensão, maior será
e não obedecem à lei do fluxo de Newton. Esses sistemas o valor de cedência. As forças de atrito entre as partículas em
são denominados não-newtonianos. O comportamento não- movimento também podem contribuir para o valor de cedên-
newtoniano é, geralmente, encontrado em dispersões hetero- cia. Como é mostrado no exemplo seguinte, após o valor de
gêneas líquidas e sólidas, como dispersões coloidais, emul- cedência ter sido sobrepujado, qualquer incremento adicional
sões líquidas, suspensões e ungüentos. Quando os materiais na tensão de cisalhamento (ou seja, F – f) provoca um aumento
não-newtonianos são analisados em um viscosímetro rotató- diretamente proporcional na velocidade de cisalhamento G. De
rio (ver p. 586-590) e os resultados plotados, é possível re- fato, um sistema plástico em tensões de cisalhamento acima do
conhecer curvas de consistência diferentes que representam valor de cedência se assemelha a um sistema newtoniano.
as três classes de fluxo não-newtoniano: plástico, pseudo-
plástico e dilatante. * N. de T.: Ou ponto de cedência.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 579

EXEMPLO 20-3 cada vez mais não-newtoniano. Quando N = 1, a equação (20-8)


fica reduzida à equação (20-2) e, por conseguinte, o fluxo é newto-
Cálculo da viscosidade plástica niano. O termo η’ representa um coeficiente de viscosidade.
Para um material plástico foi determinado um valor de cedência Mediante rearranjo, podemos expressar a equação (20-8)
de 5200 dina/cm2. Para tensões de cisalhamento acima do valor na forma logarítmica,
de cedência foi determinado que F aumentou de forma linear com log G N log F − log η (20-9)
G. Se a velocidade de cisalhamento foi de 150 s–1, para um valor
de F de 8000 dina/cm2, calcular U, a viscosidade plástica de uma Essa é a equação de uma reta e muitos sistemas pseudo-
dada amostra. plásticos se ajustam a ela, quando log G é plotado em função
Substituindo na equação (20-7), obteremos do log F.4 Contudo, vários dos agentes suspensionantes pseu-
U = (8000 − 5200) 150 doplásticos mais importantes em Farmácia não se ajustam à
= 2800 150 equação (20-9).5 Shangraw e colaboradores, assim como Cas-
= 18 67 poise son e Patton.6 sugeriram equações modificadas. Um computa-
dor analógico foi utilizado para caracterizar sistemas pseudo-
plásticos, partindo do princípio que o reograma típico de uma
Fluxo pseudoplástico substância pseudoplástica é composto de um segmento de pri-
meira ordem e de outro segmento de ordem zero. 7
Muitos medicamentos, incluindo dispersões líquidas de gomas
naturais e polímeros sintéticos (p. ex., goma adragante, alginato
sódico, metilcelulose e carboximetilcelulose sódica) apresentam Fluxo dilatante
fluxo pseudoplástico. O fluxo pseudoplástico é observado clas-
sicamente em soluções de polímeros, em contraste com os siste- Certas suspensões com elevado teor de sólidos suspensos apre-
mas plásticos, os quais são constituídos por partículas floculadas sentam um aumento da resistência ao fluxo perante o aumento na
em suspensão. Como se pode ver na Figura 20-2c, a curva de velocidade de cisalhamento. Na realidade, esses sistemas têm seu
consistência de um material pseudoplástico parte da origem (ou, volume aumentado quando cisalhados e por isso são denomina-
no mínimo, se aproxima de zero a baixas velocidades de cisalha- dos dilatantes. A Figura 20-2d ilustra as propriedades de fluxo
mento). Por conseguinte, não há valor de cedência como ocorre desses tais sistemas. Esse tipo de fluxo é o inverso daquele apre-
nos sistemas plásticos. Além disso, uma vez que nenhuma parte sentado pelos sistemas pseudoplásticos. Enquanto os materiais
da curva mostra linearidade, a viscosidade dos materiais pseudo- pseudoplásticos são freqüentemente denominados shearthinning
plásticos não pode ser expressa por um valor unívoco. systems, os materiais dilatantes recebem amiúde o nome de shear-
A viscosidade de uma substância pseudoplástica diminui thickening systems. Quando a tensão de cisalhamento é suspensa,
com o aumento da velocidade de cisalhamento. Para uma de- um sistema dilatante retorna ao seu estado original de fluidez.
terminada velocidade de cisalhamento, pode-se calcular a vis- A equação (20-8) pode ser aplicada para descrever a dila-
cosidade aparente a partir da inclinação da tangente da curva tância em termos quantitativos. Nesse caso, N é sempre menor
em um ponto específico. Contudo, talvez a forma de represen- do que 1 e diminui conforme o grau de dilatância aumenta. À
tação mais apropriada de um material pseudoplástico material medida que N se aproxima de 1, o sistema adquire cada vez
seja o gráfico completo da curva de consistência. mais um comportamento newtoniano.
O reograma curvado dos materiais pseudoplásticos resulta As substâncias que possuem propriedades de fluxo dilatante
da ação de cisalhamento sobre moléculas de cadeia longa de ma- são invariavelmente suspensões que contêm uma elevada con-
teriais tais como os polímeros lineares. À medida que a tensão de centração (de 50% ou mais) de partículas pequenas e deflocu-
cisalhamento é aumentada, as moléculas desordenadas passam ladas. Como já antes discutido, é esperado que sistemas parti-
normalmente a alinhar seu eixo longitudinal na direção do fluxo. culados desse tipo, que sejam floculados, venham a apresentar
Essa orientação reduz a resistência interna no material, permitin- características de fluxo plástico, em vez de dilatante. O com-
do assim uma maior velocidade de cisalhamento para cada tensão portamento dilatante pode ser explicado da seguinte forma: no
de cisalhamento sucessiva. Além disso, parte do solvente associa- estado de repouso, as partículas estão densamente empacotadas,
do às moléculas pode ser liberada, resultando em um abaixamen- com um mínimo de espaço interparticular vazio. Ainda assim, a
to efetivo da concentração e do tamanho das moléculas dispersas. quantidade de veículo na suspensão é suficiente para preencher
Isso, igualmente, irá baixar a viscosidade aparente. esses espaços vazios, permitindo que as partículas se desloquem
As comparações objetivas entre sistemas pseudoplásticos umas em relação às outras perante fracas tensões de cisalhamen-
diferentes são mais difíceis de fazer do que em sistemas newto- to. Assim, uma suspensão com comportamento dilatante pode
nianos e plásticos. Por exemplo, os sistemas newtonianos são ser vertida de um recipiente, uma vez que, nessas condições, é
completamente descritos pela viscosidade, η, e os sistemas plás- razoavelmente fluida. Conforme a tensão de cisalhamento é au-
ticos o são pelo valor de cedência, f, e pela viscosidade plásti- mentada, o volume do sistema sofre expansão ou dilata. Daí a
ca, U. Não obstante, têm sido propostas diversas abordagens no origem do termo dilatante. As partículas, em uma tentativa de se
sentido de definir parâmetros significativos que permitam dife- deslocarem rapidamente, passam umas sobre as outras, levando
renciar materiais pseudoplásticos a serem comparados. Daquelas à formação de uma forma frouxa de empacotamento, como se
discutidas por Martin e colaboradores. 3 a equação exponencial ilustra na Figura 20-3. Um arranjo dessa natureza leva a um au-
FN η G (20-8) mento significativo do espaço vazio entre as partículas. Como a
quantidade de veículo permanece constante, este se torna insufi-
é a que tem sido utilizada com maior freqüência para os materiais ciente em um dado momento para preencher o espaço vazio ora
pseudoplásticos. O expoente N aumenta conforme o fluxo se torna aumentado entre as partículas. Em conseqüência, a resistência
580 P ATRICK J. S INKO

Aumento da velocidade

de cisalhamento.

Partículas empacotadas densamente; Partículas empacotadas frouxamente;


espaço vazio mínimo; aumento no espaço vazio;
há veículo suficiente ; o veículo é insuficiente;
consistência relativamente baixa. consistência relativamente elevada.

Figura 20-3 Explicação do comportamento do fluxo dilatante.

ao fluxo é aumentada, uma vez que as partículas não estão mais à curva ascendente ou de ida. Embora isso seja verdadeiro para
molhadas ou lubrificadas pelo veículo. Finalmente, a suspensão sistemas newtonianos, a curva de retorno de sistemas não-newto-
se apresentará como uma pasta firme. nianos pode estar deslocada em relação à curva de ida. No caso
Um comportamento dessa natureza sugere a adoção de pre- de sistemas pseudoplásticos e plásticos (shear-thinning), a curva
cauções apropriadas durante o processamento de materiais dila- descendente está freqüentemente deslocada à esquerda da curva
tantes. Normalmente, o processamento de suspensões contendo ascendente (como mostra a Figura 20-4), indicando que o ma-
partículas sólidas é facilitado pelo uso de misturadores de alta terial possui uma consistência menor para qualquer velocidade
velocidade, misturadores usuais ou moinhos. Apesar de essa de cisalhamento sobre a curva descendente em relação à curva
prática ser vantajosa para todos os outros sistemas reológicos, ascendente. Isso denota uma quebra da estrutura (ou shear-thin-
os materiais dilatantes podem solidificar em condições de ele- ning) que não se restaura de imediato após a remoção ou diminui-
vada velocidade de cisalhamento e, conseqüentemente, podem ção da tensão de cisalhamento. Esse fenômeno, conhecido como
sobrecarregar e danificar o equipamento utilizado no processo. tixotropia, pode ser definido8 como “a recuperação isotérmica e
relativamente lenta da consistência, perdida pelo cisalhamento,
em um material deixado em repouso”. Da forma como é defini-
da, a tixotropia só pode ser aplicada a sistemas pseudoplásticos
TIXOTROPIA e plásticos. A Figura 20-4 mostra reogramas típicos de sistemas
plásticos e pseudoplásticos que apresentam tal comportamento.
Como já descrito nas seções anteriores, alguns tipos de compor- Os sistemas tixotrópicos normalmente contêm partículas
tamento são observados quando a velocidade de cisalhamento é assimétricas, as quais, devido aos numerosos pontos de conta-
aumentada de forma progressiva e plotada contra a tensão de ci- to, originam frouxos retículos tridimensionais que permeiam a
salhamento resultante. Pode-se assumir que, se a velocidade de amostra. Quando em repouso, essa estrutura confere certo grau
cisalhamento é diminuída logo após ter atingido um valor máxi- de rigidez ao sistema, o qual lembra um gel. Conforme um ci-
mo, a curva descendente ou de retorno será idêntica e justaposta salhamento é aplicado e o fluxo inicia, a estrutura começa a se

CONCEITO REOGRAMAS
O reograma é o gráfico da velocidade de cisalhamento, G, em função da ten- Plasticidade é o tipo mais simples de comportamento não-newtonia-
são de cisalhamento, F. Os reogramas também são denominados curvas de no, no qual a curva aparece linear apenas em valores de F superiores ao
consistência ou curvas de fluxo. As propriedades reológicas de um determi- valor de cedência. Quando a curva é não-linear ao longo de toda a faixa
nado material são descritas de modo mais completo por um único reograma. de valores de F testados, então o sistema é não-newtoniano e pode ser
A forma mais simples de reograma é produzida pelos sistemas pseudoplástico (shear thinning; maior F, maior inclinação), dilatante (she-
newtonianos, os quais obedecem à equação de uma linha reta que passa ar-thickening; maior F, menor inclinação) ou uma combinação de ambos.
pela origem: Quando a curva apresenta histerese, ou seja, a curva obtida perante ten-
G fF sões de cisalhamento em aumento não se sobrepõe à obtida sob tensões
A inclinação, f, é denominada fluidez e o seu recíproco é a visco- de cisalhamento decrescentes, então o sistema é tixotrópico.
sidade, η: Um sistema não-newtoniano pode ser plenamente caracterizado
f 1 apenas mediante a construção completa do seu reograma, o que exige o
Logo, quanto maior for a inclinação, maior será a fluidez e, de modo uso de um reômetro rotatório.
contrário, menor a viscosidade. O reograma de sistemas newtonianos pode
ser obtido facilmente mediante uma determinação em ponto único.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 581

desintegrar à medida que os pontos de contato são desfeitos e histerese a-b-c-e. Se a amostra foi mantida à mesma velocidade
as partículas se alinham umas em relação às outras. O material de cisalhamento por t2 segundos, teria sido observada a curva
sofre, assim, uma transformação de gel para sol e apresenta shear a-b-c-d-e. Desse modo, o reograma de um material tixotrópico
thinning. Quando a tensão de cisalhamento é retirada, a estrutura não é único, e sim dependerá dos antecedentes reológicos da
inicia sua reestruturação. Esse processo não é instantâneo. Pelo amostra e do procedimento utilizado na obtenção do reograma.
contrário: trata-se de uma restauração progressiva da consistência Isso constitui um ponto importante a se ter em mente quando se
conforme as partículas assimétricas entram em contato umas com trata de obter uma medida quantitativa da tixotropia e se tornará
as outras por efeito do movimento browniano aleatório. evidente na próxima seção.
Os reogramas obtidos de materiais tixotrópico são, por con-
seguinte, altamente influenciados pela velocidade com a qual o Medida da tixotropia
cisalhamento é aumentado ou diminuído e pelo período de tem-
po durante o qual a amostra fica submetida a uma determinada A medida quantitativa da tixotropia pode ser abordada de vá-
velocidade de cisalhamento. Em outras palavras, o tratamento rias formas. A característica mais evidente de um sistema tixo-
precedente tem um efeito significativo sobre as propriedades re- trópico é a curva de histerese formada pelas curvas de ida e de
ológicas de um sistema tixotrópico. Por exemplo, suponha que retorno do reograma. Essa área de histerese tem sido proposta
na Figura 20-5 a velocidade de cisalhamento de um material ti- como uma medida da desestruturação tixotrópica e pode ser
xotrópico é aumentada de forma constante, do ponto a até o pon- calculada facilmente com auxílio de um planímetro ou de ou-
to b, para depois ser diminuída, à mesma velocidade, até o ponto tra técnica apropriada.
e. Normalmente, isso resultaria em uma denominada curva de No caso dos corpos plásticos (de Bingham), há dois proce-
histerese a-b-e. Porém, se a amostra foi tomada no ponto b e a dimentos usualmente utilizados para estimar o grau de tixotro-
velocidade de cisalhamento mantida constante durante certo pe- pia. O primeiro consiste em determinar a quebra estrutural em
função do tempo, mantendo uma velocidade de cisalhamento
ríodo de tempo (digamos, t1 segundos), a tensão de cisalhamento
constante. O tipo de reograma necessário para essa estimativa
e, conseqüentemente, a consistência diminuirão em uma magni-
é mostrado na Figura 20-5; os passos necessários para obtê-lo
tude que depende do tempo e da velocidade de cisalhamento, as-
já foram antes descritos. Com base nesse tipo de reograma, o
sim como do grau de estruturação da amostra. Portanto, diminuir coeficiente de tixotropia, B, ou seja, a velocidade de desestru-
a velocidade de cisalhamento poderia resultar em uma curva de turação com o tempo, sob velocidade de cisalhamento constan-
te, pode ser calculada da seguinte forma:
U1 − U2
B t2 (20-10)
ln
Velocidade de cisalhamento

t1
onde U1 e U2 são as viscosidades plásticas relativas às duas
Pseudoplástico curvas descendentes, calculadas pela equação (20-7), após ci-
salhamento a velocidade constante por t1 e t2 segundos, respec-
Plástico tivamente. A escolha da velocidade de cisalhamento é arbitrá-
ria. Um método para caracterizar o comportamento tixotrópico
que é mais coerente, porém mais demorado, consiste na medi-
da da queda da tensão de cisalhamento em função do tempo, a
velocidades de cisalhamento diferentes.
Tensão de cisalhamento O segundo procedimento consiste em determinar a quebra
estrutural devida ao aumento na velocidade de cisalhamento. O
Figura 20-4 Tixotropia em sistemas com fluxo plástico e pseudoplástico. princípio implícito nesse procedimento é ilustrado na Figura
20-6, na qual podem ser vistas duas curvas de histerese com
Velocidade de cisalhamento

Velocidade de cisalhamento, G

Tensão de cisalhamento
Tensão de cisalhamento, F
Figura 20-5 Quebra de estrutura, em função do tempo, de um material plás-
tico tixotrópico, sujeito a uma velocidade de cisalhamento constante por t1 e Figura 20-6 Quebra estrutural de um sistema plástico com tixotropia, quando
t2 segundos. Veja a discussão no texto. sujeito a velocidade de cisalhamento crescente. Veja a discussão no texto.
582 P ATRICK J. S INKO

Velocidade de Velocidade de
cisalhamento, F cisalhamento, F

Tensão de cisalhamento, G Tensão de cisalhamento, G

Figura 20-7 Reograma de um material tixotrópico mostrando a protuberân- Figura 20-8 Reograma de um material tixotrópico mostrando um valor espo-
cia na curva de histerese. rão ϒ na curva de histerese.

velocidades de cisalhamento máximas diferentes, v1 e v2. Nesse esporão (Figura 20-8). Essa estrutura apresentou um elevado
caso, o coeficiente de tixotropia, M, ou seja, a perda em tensão valor de cedência ou valor de esporão, ϒ, que projeta uma curva
de cisalhamento por unidade de incremento na velocidade de ascendente arqueada quando a estrutura tridimensional é destru-
cisalhamento, é calculado mediante a equação: ída pelo viscosímetro, como se observa na Figura 20-8. O valor
U1 − U2 de esporão apresenta um valor nítido de desorganização estrutu-
M (20-11) ral a baixas velocidades de cisalhamento. O esporão é difícil de
ln(v 2 v 1 )
ser obtido e pode passar despercebido a não ser que a amostra de
onde M tem por unidades dina s/cm2, e U1 e U2 são as viscosi- gel seja deixada maturar em repouso, durante algum tempo, na
dades plásticas para duas curvas descendentes, diferentes, obti- unidade de copo e cilindro do viscosímetro, antes de se proceder
das com velocidades de cisalhamento máximas, v1 e v2, respec- com a determinação reológica. O valor de esporão é obtido com
tivamente. Uma crítica a essa técnica é que as duas velocidades auxílio de um instrumento no qual a velocidade de cisalhamento
de cisalhamento, v1 e v2, são escolhidas arbitrariamente. O pode ser aumentada lenta e uniformemente, de anteposição, de
valor de M dependerá então, da velocidade de cisalhamento modo automático. Enquanto isso, a tensão de cisalhamento é lida
escolhida, uma vez que tal velocidade afetará as curvas des- ou registrada em um plotter X-Y em função da velocidade de
cendentes e, conseqüentemente, os valores calculados de U. cisalhamento. Ober e colaboradores9 verificam que géis de peni-
cilina com valores de ϒ definidos foram bastante tixotrópicos, e
formaram depósitos intramusculares após serem injetados, asse-
Protuberâncias e esporões* gurando níveis sangüíneos prolongados do fármaco.
Os sistemas dispersos utilizados em Farmácia podem gerar cur-
vas de histerese complexas ao serem cisalhados em um viscosí-
metro no qual a velocidade de cisalhamento (e não a tensão de
Tixotropia negativa
cisalhamento) é aumentada até um ponto e depois diminuída. De tempos em tempos, na medida de materiais supostamente
Durante esse processo, a tensão de cisalhamento é registrada tixotrópicos, observa-se um fenômeno denominado tixotropia
para cada valor de velocidade de cisalhamento, de modo a gerar negativa ou antitixotropia, que representa um aumento, em
um reograma adequado. Duas dessas estruturas complexas são vez de uma diminuição, na consistência na curva descendente.
mostradas nas Figuras 20-7 e 20-8. Um gel aquoso concentra- Esse aumento na consistência ou resistência ao fluxo perante o
do, contendo de 10 a 15% m/m de bentonita, produz uma curva aumento no tempo de cisalhamento foi observado por Chong
de histerese com uma protuberância característica na curva as- e colaboradores10 em análises reológicas do leite de magné-
cendente. Nesse caso, acredita-se que as lamelas cristalinas de sia. O fenômeno foi detectado a velocidades de cisalhamento
bentonita formem uma estrutura do tipo “castelo de cartas”, que superiores a 30 s-1. Abaixo de 30 s-1 o leite de magnésia mos-
causa o intumescimento do magma de bentonita. Essa estrutura trou tixotropia normal, com uma curva de retorno localizada à
tridimensional gera uma curva de histerese saliente, como a ob- esquerda da curva de ida. Como assinalam Chong e colabora-
servada na Figura 20-7. Em sistemas ainda mais estruturados, dores, a antitixotropia havia sido relatada por outros pesquisa-
como no gel de penicilina procaínica, formulado por Ober e co- dores, mas não em sistemas farmacêuticos.
laboradores.9 para injeção intramuscular, a curva saliente pode Foi observado que, quando o leite de magnésia era cisa-
realmente chegar a formar uma protuberância com a forma de lhado de forma alternada, em velocidades de cisalhamento
crescentes e decrescentes, ele adquiria consistência continua-
* N. de T.: No original, bulges e spurs. mente (um incremento na tensão de cisalhamento por unida-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 583

de de velocidade de cisalhamento). Porém, em velocidades Tixotropia na formulação


decrescentes, ele alcançava, no final, um estado de equilíbrio,
no qual ciclos adicionais de velocidades de cisalhamentos A tixotropia é uma propriedade desejada em medicamentos
crescentes e decrescentes não provocavam mais o aumento líquidos que, de modo ideal, devem apresentar uma elevada
na consistência do material. O caráter antitixotrópico do leite consistência quando dentro do recipiente, mas com escoa-
de magnésia está demonstrado na Figura 20-9. O sistema em mento e espalhabilidade fáceis. Por exemplo, uma suspensão
equilíbrio revelou ser semelhante a um gel, capaz de apresen- tixotrópica bem-formulada não deve sedimentar facilmente
tar elevada capacidade suspensionante e de escoamento fácil dentro do recipiente, tornar-se fluida quando agitada e perma-
quando vertido. Porém, quando deixado em repouso, o mate- necer homogênea o tempo necessário para dispensar a dose.
rial retoma propriedades semelhantes às de um sol. Depois, deverá retomar a consistência original de modo rápido
Antitixotropia ou tixotropia negativa não deve ser con- o suficiente para manter as partículas no estado suspenso. Um
padrão de comportamento similar é vantajoso em emulsões,
fundida com dilatância ou reopexia. Segundo Samyn e Jung,11
loções, cremes, ungüentos e suspensões parenterais a serem
sistemas dilatantes são defloculados e normalmente contêm
utilizadas na terapia de depósito intramuscular.
mais de 50% (v/v) de fase sólida, enquanto que os sistemas
No que se refere à estabilidade de suspensões, há uma rela-
antitixotrópicos contêm baixo conteúdo de sólidos (1 a 10%) ção entre o grau de tixotropia e a velocidade de sedimentação.
e são floculados. Reopexia é o fenômeno pelo qual um sólido Quanto maior a tixotropia, menor é a velocidade de sedimenta-
forma mais facilmente um gel se agitado suavemente ou ci- ção. Suspensões parenterais concentradas, que continham 40 a
salhado de outra forma, do que se deixado em repouso.12 Em 70% m/v de penicilina G procaínica em água, mostraram elevada
um sistema reopéxico o gel representa a forma em equilíbrio, tixotropia inerente e pseudoplasticidade (shear thinning).13 Por-
enquanto que na antitixotropia, é o sol o estado em equilí- tanto, houve quebra da estrutura quando a suspensão foi forçada
brio. Samyn e Jung observaram que o leite de magnésia e as a passar através da agulha hipodérmica. No segundo momento, a
suspensões de argilas podem apresentar reopexia negativa, estrutura reológica foi restabelecida com a recuperação da con-
análoga à tixotropia negativa. Acredita-se que a antitixotropia sistência, o que levou à formação de um depósito de fármaco no
resulte de um aumento na freqüência de colisão das partícu- sítio da injeção intramuscular, de onde o fármaco foi lentamente
las dispersas ou das moléculas de polímeros em suspensão, deslocado e biodisponibilizado. O grau de tixotropia foi relacio-
causando um incremento na formação de ligações interparti- nado com a superfície específica da penicilina utilizada.
culares com o tempo. Isso altera o estado original, constituído O grau de tixotropia pode variar com o tempo e resultar em
por um elevado número de partículas individuais e pequenos uma formulação imprópria. Os sistemas tixotrópicos são com-
flocos, para um estado posterior, em equilíbrio, formado por plexos e seria irreal esperar que as variações reológicas possam
um pequeno número de flocos relativamente grandes. No re- ser acompanhadas coerentemente mediante o uso de um único
pouso, os flocos grandes se desmancham e gradualmente re- parâmetro. Assim, em um estudo referente aos efeitos do en-
tornam ao estado original de pequenos flocos e de partículas velhecimento de argilas tixotrópicas, Levy14 achou necessário
individuais. A tixotropia negativa será observada, sem dúvida, acompanhar as variações da viscosidade plástica, da superfície
em outros materiais, conforme aumente o número de estudos da histerese, do valor de cedência e do valor de esporão.
reológicos de sistemas farmacêuticos.

DETERMINAÇÃO DAS PROPRIEDADES REOLÓGICAS

Escolha do viscosímetro
Velocidade de cisalhamento (s–1)

A determinação e avaliação com sucesso das propriedades reo-


lógicas de qualquer sistema em particular depende, em grande
parte, da escolha do método instrumental apropriado. Uma vez
que a velocidade de cisalhamento em um sistema newtoniano é
diretamente proporcional à tensão de cisalhamento, é pertinente o
uso de instrumentos que operem a uma única velocidade de cisa-
lhamento. Esses instrumentos de “ponto único” proporcionam um
único ponto no reograma. Extrapolando uma linha através desse
ponto até a origem, chegaremos à obtenção do reograma comple-
to. Fica implícito no uso de um aparelho de ponto único que as ca-
racterísticas de fluxo newtoniano do material já são previamente
Tensão de cisalhamento (dina/cm2)
conhecidas. Infelizmente, nem sempre é esse o caso e, quando o
Figura 20-9 Reograma do leite de magnésia mostrando comportamento sistema é não-newtoniano, a determinação pontual é virtualmen-
antitixotrópico. O material é cisalhado a velocidades de cisalhamento com te inútil na caracterização das propriedades de fluxo. Portanto,
aumentos e diminuições cíclicas. No estágio D, a aplicação de ciclos adicio- para sistemas não-newtonianos é essencial que o aparelho possa
nais não aumenta mais a consistência e as curvas de ida e de retorno são operar a diferentes velocidades de cisalhamento. Um instrumento
coincidentes. (Retirada, com permissão, de C. W. Chong, S. P. Eriksen and J. “multiponto” desse tipo é capaz de gerar um reograma completo
W. Swintosky, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 49, 547, 1960.). de sistemas não-newtonianos. Por exemplo, a análise com vários
584 P ATRICK J. S INKO

pontos de medida de materiais pseudoplásticos poderá permitir a difíceis de serem mensuradas por meio de aparelhos conven-
avaliação da viscosidade de um agente suspensionante no repou- cionais e, na realidade, não possuem um significado preciso.
so (velocidade de cisalhamento ínfima) ou enquanto está sendo Apesar disso, alguns fatores individuais − como viscosidade,
agitado, vertido de um recipiente ou aplicado sobre a pele (velo- valor de cedência, tixotropia, assim como outras propriedades
cidade de cisalhamento moderadamente elevada). Instrumentos que contribuem como um todo para a consistência de medi-
de medida única são incapazes de descrever variações dessa natu- camentos não-newtonianos − podem ser analisados com certo
reza. Conforme é ilustrado na Figura 20-10, os instrumentos de grau de confiança utilizando aparelhos fidedignos. Quando a
uma única medida podem levar a resultados errôneos se utilizados reologia tem por objetivo auxiliar no desenvolvimento, produ-
para avaliar sistemas não-newtonianos, uma vez que as proprie- ção e controle de medicamentos, é necessário atentar para que
dades de fluxo poderiam variar de maneira significativa, indepen- essas propriedades sejam expressas em termos coerentes.
dentemente de tratar-se de medidas de viscosidade idênticas. Os
instrumentos multipontos podem mesmo não fornecer resultados
satisfatórios, a não ser que sejam desenhados corretamente. Viscosímetro capilar
Uma conclusão importante é que, embora todos os visco-
símetros possam ser utilizados para medir a viscosidade de sis- A viscosidade de um líquido newtoniano pode ser determina-
temas newtonianos, somente aqueles que permitem controlar a da medindo-se o tempo necessário para que esse líquido passe
variável velocidade de cisalhamento podem ser utilizados para por duas marcas enquanto flui, pela ação da gravidade, através
materiais não-newtonianos. Os diferentes tipos de viscosíme- de um tubo capilar vertical conhecido como viscosímetro de
tros são discutidos detalhadamente na literatura.3,15-17 Esta Ostwald. Uma adaptação moderna do original viscosímetro de
discussão ficará limitada a quatro instrumentos: viscosímetro Ostwald é mostrada na Figura 20-11. O tempo de fluxo do
capilar, de queda da esfera, cilindros concêntricos (co-axiais líquido analisado é comparado com o tempo requerido por um
ou copo-e-cilindro) e cone-prato. Os dois primeiros são instru- líquido de viscosidade conhecida (geralmente água) para pas-
mentos com velocidade de cisalhamento simples, apropriados sar pelas duas marcas. Se η1 e η2 são as viscosidades do líquido
apenas para materiais newtonianos; já os dois últimos (instru- desconhecido e do líquido de referência, respectivamente, ρ1
mentos multiponto rotatórios) podem ser utilizados tanto para e ρ2 são as respectivas densidades, e t1 e t2 são os respectivos
sistemas newtonianos quanto para não-newtonianos. tempos de fluxo, em segundos, a viscosidade absoluta do lí-
Outras propriedades reológicas, tais como adesividade, quido desconhecido, η1, é determinada substituindo os valores
“encorpado”, capacidade de escorrer e espalhabilidade são
experimentais na equação:

Newtonian poise
G (s–1)

Pseudoplástico , poise no ponto P

poise

poise

F (dina/cm2)

Figura 20-10 Erros inerentes ao uso de um instrumento de “ponto único” em sistemas não-newtonianos. Apesar
do fato de o sistema A ser newtoniano, B pseudoplástico e tanto C quanto D serem dois sistemas plásticos dife-
rentes, um instrumento de leitura única poderia indicar uma mesma viscosidade de 20 poise (F = 4000 dina/cm2 e
G = 200 s–1). O uso de um instrumento de “ponto único” é apropriado apenas no caso de sistemas newtonianos.
(Retirada, com permissão, de A. Martin, G. S. Banker and A. H. C. Chun, in H. S. Bean, A. H. Beckett and J. E. Car-
less (Eds.), Advances in Pharmaceutical Sciences, Academic Press, London, 1964, Capítulo 1.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 585

A diferença de pressão ΔP depende da densidade ρ do lí-


quido analisado, da aceleração gravitacional e da diferença de
altura entre os níveis de líquido em ambas as hastes do visco-
símetro. A aceleração gravitacional é uma constante; contudo,
se os níveis no capilar são mantidos constantes para todos os
líquidos, esses termos podem ser incorporados na constante e
as viscosidades dos líquidos analisado e de referência podem
ser escritas da seguinte forma:
η1 K t1 ρ1 (20-15)
η2 K t2 ρ2 (20-16)
Portanto, quando os tempos de fluxo de dois líquidos são
comparados no mesmo viscosímetro capilar, o quociente das
equações (20-15) e (20-16) fornece a equação (20-12). A Far-
macopéia Norte-americana sugere um instrumento capilar
para a determinação da viscosidade de soluções de metilcelu-
lose de alta viscosidade.

Correlação clínica: lei de Poiseuille


A lei de Poiseuille pode ser aplicada para calcular a diferen-
ça de pressão nas artérias e capilares. A Figura 20-12 ilustra
a circulação sangüínea no corpo.18 A pressão sistólica é de,
Figura 20-11 Viscosímetro de Ostwald-Cannon-Fenske. normalmente, 120 mm Hg, e a diastólica é de 80 mm Hg, apro-
ximadamente. Assim sendo, no estado de repouso a pressão
média fica em torno de 100 mm Hg.
η1 ρ1 t1 (20-12)
η2 ρ2 t2
O valor η1/η2 = ηrel é denominado viscosidade relativa Pulmões
do líquido sob análise. Artéria
pulmonar CO2

EXEMPLO 20-4
Viscosidade da acetona
Considere a determinação da viscosidade da acetona, discutida no
Exemplo 20-1. Assuma que o tempo requerido pela acetona para
fluir pelas duas marcas de um viscosímetro capilar foi 45 s e que Aorta Veia pulmonar
AE
o tempo requerido pela água foi 100 s, a 25 °C. A densidade da AD O2
acetona é de 0,786 g/cm3 e a da água é 0,997 g/cm3, a 25 °C. A vis-
cosidade da água é 0,8904 cp nessa temperatura. A viscosidade da
acetona a 25 °C pode ser calculada mediante a equação (20-12):
η1 0 786 × 45 0
= VD Artérias
0 8904 0 997 × 100 VE
O2
η1 = 0 316 cp Veias
CO2
A equação (20-12) é baseada na lei de Poiseuille para um
líquido fluindo através de um tubo capilar,
πr 4 t P Tecidos
η (20-13) Capilares
8lV O2 fornecido pelas artérias
CO2 retornado ao coração
onde r é o raio interno do capilar, t o tempo de fluxo, ΔP a
diferença de pressão em dina/cm2, sob a qual o líquido flui, Figura 20-12 Fluxo do sangue através do coração, pulmões, artérias, veias e
l o comprimento do capilar e V o volume de líquido que flui. capilares. O sangue com oxigênio ligado à hemoglobina é bombeado através
A equação (20-12) é derivada da lei de Poiseuille, isto é, da do ventrículo esquerdo (VE) do coração para as artérias e levado depois para
equação (20-13), da seguinte forma. O raio, o comprimento os tecidos; o dióxido de carbono é captado pelo sangue venoso e bombeado
e o volume de um dado viscosímetro capilar são invariáveis até o ventrículo direito (VD) do coração, via átrio direito (AD). O sangue pas-
e podem ser incluídos em uma constante, K. Logo, a equação sa, então, pelos pulmões, onde dióxido de carbono é expelido e oxigênio é
(20-13) pode ser escrita como: captado. O sangue, agora rico em oxigênio, passa dos pulmões para o átrio
η Kt P (20-14) esquerdo (AE) e daí para o ventrículo esquerdo, completando o ciclo.
586 P ATRICK J. S INKO

A equação de Poiseuille (20-13) pode ser expressa como


1 4 Eixo rotor
8ηl(V t)
r
P
Torque proporcional
onde η, a viscosidade do sangue na temperatura normal do cor- à tensão de
po, é de 4 cp ou 0,04 poise = 0,04 dina s/cm2, e l é a distância, cisalhamento
na amostra
para ilustrar, de 1 cm ao longo da artéria. A velocidade média
do fluxo sangüíneo, V/t, no estado de repouso, é de 80 cm3 s-1,
e a queda de pressão, ΔP, é de 3,8 mm Hg (1 dina /cm2 = 7,5
× 10–4 mm Hg), para uma distância arterial de 1 cm. O raio, r
(cm), de uma artéria pode ser calculado da seguinte maneira:
1 4
8(0 04 dina s cm2 )(1 cm)(80 cm3 s)
r (cm) π(3 8 mm Hg)×(1 dina cm −2 7 50×10−4 mm Hg)
Cilindro
O raio será (0,001608)1/4 = 0,200 cm. estacionário Spindle

Viscosímetro da queda de esfera


Neste tipo de viscosímetro, uma esfera de vidro ou de aço des-
ce, em posição quase vertical, ao longo de um tubo de vidro
que contém o líquido analisado, a uma temperatura constante
previamente estabelecida. A velocidade com que cai uma esfera Amostra sob
de densidade e diâmetro conhecidos está em função inversa à cisalhamento
viscosidade da amostra. O viscosímetro de Hoeppler, mostrado
na Figura 20-13, é um instrumento comercializado que tem por
fundamento esse princípio. A amostra e a esfera são colocadas Bolha de
no interior do tubo de vidro e deixadas em repouso até alcança- ar preso
rem a temperatura de equilíbrio com a camisa-de-água que as
rodeia. O tubo e a camisa-de-água são, então, invertidos, o que
deixa a esfera no topo do interior do tubo de vidro. O tempo re- Figura 20-14 Princípio do viscosímetro de cilindros concêntricos (tipo Sear-
querido para que a esfera passe por duas marcas no vidro é cui- le). As explicações estão contidas no texto.
dadosamente registrado, repetindo-se a leitura algumas vezes. A
viscosidade de um líquido newtoniano é calculada como Viscosímetro de cilindros concêntricos (co-axiais)
η t(Sb − Sf)B (20-17)
Nos viscosímetros de cilindros concêntricos, a amostra é cisalha-
onde t é o intervalo de tempo, em segundos, para que a esfera des- da no espaço existente entre a parede externa do cilindro interno*
ça pelas duas marcas, e Sb e Sf são as densidades específicas da es- e a parede interna do cilindro externo (ou copo) dentro do qual
fera e do líquido, respectivamente, na temperatura estabelecida. B o cilindro interno se ajusta. O princípio é ilustrado na Figura
é uma constante específica da esfera, cujo valor é fornecido pelo 20-14. Os diferentes instrumentos disponíveis no mercado dife-
fabricante. Uma vez que existe à disposição uma variedade de rem, sobretudo, dependendo se o torque é exercido pela rotação
esferas de vidro e de aço de diâmetros diferentes, o instrumento do cilindro externo ou do cilindro interno. No viscosímetro tipo
pode ser utilizado para uma faixa de viscosidade de 0,5 a 200.000 Couette, o copo é a parte que gira. O efeito de arrasto exercido
poise. Para obter melhores resultados, a esfera é selecionada de pela viscosidade da amostra sobre o cilindro interno faz com que
modo que a duração de t não seja inferior a 30 segundos. este gire, de modo que o torque resultante é proporcional à visco-
sidade da amostra. O viscosímetro de MacMichael é um exem-
plo desse tipo de instrumento. O viscosímetro tipo Searle utiliza
um cilindro estacionário e um cilindro interno rotatório. O torque
Esfera no
tubo-amostra que resulta do efeito de arrasto do sistema analisado é, geralmen-
te, medido com auxílio de uma mola ou de um sensor acoplado
ao sistema de transmissão que aciona o cilindro interno. O vis-
cosímetro Rotovisco, mostrado na Figura 20-15, é um exemplo
desse tipo de aparelho, sendo que também pode ser modificado
de modo a funcionar como um viscosímetro tipo cone-prato.

EXEMPLO 20-5
Tensão de cisalhamento e velocidade de cisalhamento
O viscosímetro Haake Rotovisco utiliza os cabeçotes de medição
intercambiáveis MK-50 e MK-500. A tensão de cisalhamento, F,
Figura 20-13 Viscosímetro da queda de esfera de Hoeppler. * N. de T.: Ou spindle.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 587

Unidade motriz
do cilindro
rotatório

Cilindro
estacionário

Banho-de-água

Painel de controle Viscosímetro Registrador X-Y

Figura 20-15 Viscosímetro Haake Rotovisco. A velocidade de cisalhamento, G, é selecionada manualmente ou é


programada para o registro automático das curvas de ida e de retorno. Seu valor em s-1 é proporcional à velocidade
do eixo do cilindro rotatório, mostrada e lida no painel de controle como n. A tensão de cisalhamento é lida na
escala S ou calculada a partir do reograma plotado pela impressora.

em dina/cm2 é obtida mediante leitura direta na escala do painel S O popular viscosímetro de Stormer baseia-se no princí-
e pode ser calculada pela fórmula: pio do Searle. Este viscosímetro, que é uma modificação do
F (dina cm2 ) = K F S (20-18) descrito por Fischer,20 está representado na Figura 20-16.
Quando em operação, o sistema a ser analisado é colocado
onde KF é o fator de tensão de cisalhamento. no espaço entre os cilindros externo e interno, deixando que o
A velocidade de cisalhamento, G, em s-1, é proporcional à ve- mesmo alcance a temperatura de equilíbrio. Um peso é então
locidade ajustável, n, em revoluções por minuto, do cilindro que colocado no gancho, registrando-se o tempo necessário para
gira dentro do recipiente com a amostra. A fórmula para a veloci- que o cilindro interno atinja 100 revoluções. Os dados são
dade de cisalhamento é: a seguir transformados em rpm. O peso é incrementado e o
G (s −1 ) = KG n (20-19) procedimento é repetido na seqüência. Dessa forma, pode ser
construído um reograma plotando rpm versus o peso adicio-
onde KG é o fator da velocidade de cisalhamento, o qual varia depen- nado. Mediante o uso de constantes apropriadas, os valores
dendo do tipo específico de cilindro rotatório utilizado. Três copos e de rpm podem ser transformados em velocidades de cisalha-
cilindros rotatórios (sistemas sensores) são fornecidos junto com o vis- mento reais, em s-1. Também os pesos adicionados podem ser
cosímetro, identificados como MVI, MVII e MVIII. Para o cabeçote transformados para unidades de tensão de cisalhamento, es-
de medição MK-50 e o sistema sensor MVI, os valores para as cons- pecificamente, em dina/cm2. Segundo Araujo,21 o aparelho de
tantes KF e KG são 2,95 dina/cm2 e 2,35 min/s, respectivamente. Stormer não deve ser utilizado em sistema com viscosidade
Na análise de uma solução de um novo derivado da glicose, que inferior a 20 cp.
apresenta comportamento newtoniano, foram obtidos os seguintes No caso do viscosímetro rotatório, pode ser demonstrado
dados mediante um experimento convencional, realizado a 25 °C e que a equação (20-1) pode ser expressa como:
utilizando o viscosímetro de Haake provido de um cabeçote MK-50 e
de um sistema sensor MVI. Com o cilindro rotatório a 180 rpm, a lei- 1 T 1 1
− 2 (20-20)
tura na escala S do painel foi de 65,5 unidades.19 Calcular a viscosida- η 4π h Rb 2 Rc
de newtoniana desse novo derivado da glicose. Quais os valores para a
tensão de cisalhamento, F, e a velocidade de cisalhamento, G? onde Ω é a velocidade angular em radianos/s produzida pelo tor-
Utilizando as equações (20-18) e (20-19) obteremos, que, T, em dina cm. A profundidade à qual o cilindro rotatório é
imerso no líquido corresponde a h; Rb e Rc são os raios dos cilin-
F = 2 95 × 65 5 = 193 2 dina cm2
dros externo e interno, respectivamente (ver Figura 20-14).
G = 2 35 × 180 = 423 0 s −1 A tensão de arrasto exercida pela viscosidade da amostra
A viscosidade newtoniana é, agora, facilmente calculada como sobre a base do cilindro interno não é levada em consideração
F 193 2 pela equação (20-20). Nesse caso, se deverá introduzir uma
η= = = 0 457 poise ou 45 7 cp “correção final” ou, o que é mais comum, fixa-se a base do
G 423 0
cilindro giratório, como mostra a Figura 20-14. Um bolsão de
588 P ATRICK J. S INKO

Contador Fio bobinado


EXEMPLO 20-6
de giro Viscosidade plástica de um gel
Cilindro e copo Uma amostra de gel foi analisada com auxílio de um viscosímetro
de Stormer modificado (ver Figura 20-16). Um peso motriz, w, de
Pesos 450 g gerou uma velocidade do cilindro rotatório, v, de 350 rpm.
Circulador Várias séries de velocidades foram obtidas com outros pesos adi-
de água cionados, sendo os dados plotados conforme se mostra na Figura
20-2b. O valor de cedência, wf, foi obtido extrapolando a curva até
Banho Freio interceptar o eixo da tensão de cisalhamento, onde v = 0; o valor
termostatizado
de wf calculado foi de 225 g. A constante do instrumento, Kv, é
52,0 e Kf vale 20,0. Qual a viscosidade plástica e qual o valor de
cedência dessa amostra?
Teremos que
450 − 225
U = 52 0 × = 33 4 poise
350
f = 20 × 225 = 4500 dina cm2

Figura 20-16 Viscosímetro de Stormer. Os pesos pendurados fazem o


cilindro interno girar dentro do cilindro estacionário. A velocidade do ci- O viscosímetro Brookfield é um viscosímetro rotatório do
lindro rotatório é obtida mediante auxílio de cronômetro e de um contador tipo Searle, bastante popular nos laboratórios de controle de
de giro. qualidade de produtos farmacêuticos. Vários spindles (corpos
rotatórios) de diversas geometrias, incluindo cilindros, barras
em T e configurações cone-prato, são disponibilizados para
obter dados reológicos científicos para líquidos newtonianos
ar é mantido preso entre a amostra e a base do cilindro rota- e não-newtonianos, assim como para medições empíricas de
tório, tornando insignificante a contribuição por parte da base viscosidades de pastas e de outros materiais semi-sólidos. Há
do cilindro. É comum reunir todas as constantes da equação modelos diferentes do viscosímetro Brookfield para medidas
(20-20), o que resulta em: de alta, média e baixa viscosidade. A Figura 20-17 ilustra um
T viscosímetro Brookfield tipo cone-prato.
η Kv (20-21)

onde Kv é uma constante do instrumento. Para o viscosímetro Viscosímetro do tipo cone-prato


de Stormer modificado, Ω é uma função de v, ou seja, as rpm
O viscosímetro de Ferranti-Shirley é um exemplo de viscosíme-
geradas pelo peso, w, expresso em gramas, e é proporcional a
tro rotatório tipo cone-prato. O módulo de medição do aparelho
T. Logo, a equação (20-21) pode ser expressa como: é mostrado na Figura 20-18; o módulo indicador e o controle
w amplificador da velocidade não são mostrados. Quando em ope-
η Kv (20-22)
v ração, a amostra é colocada no centro do prato, o qual é levan-
A constante Kv pode ser determinada analisando com o tado e colocado embaixo do cone, como na Figura 20-19. Um
aparelho um óleo de viscosidade conhecida. Óleos de referên- motor movimenta o cone a velocidades variáveis e a amostra é
cisalhada na fenda estreita existente entre o prato estacionário e
cia utilizados com essa finalidade são disponibilizados pelo
o cone rotatório. A velocidade de cisalhamento, em revoluções
National Bureau of Standards.
por minuto, é aumentada ou abaixada mediante um disco seletor,
A equação para a viscosidade plástica, quando aplicada ao
e a tração de arrasto ou torque (tensão de cisalhamento) produ-
viscosímetro de Stormer, se transforma em
zido sobre o cone é lida em uma escala indicadora. O gráfico de
w − wf rpm ou velocidade de cisalhamento versus leitura na escala ou
U Kv (20-23)
v tensão de cisalhamento pode ser construído do modo usual.
onde U é a viscosidade plástica em poise, e wf é o valor de ce- A viscosidade, em poise, de um líquido newtoniano, deter-
dência expresso em gramas. Os outros símbolos têm o mesmo minada em um viscosímetro cone-prato, é calculada mediante
a equação:
significado visto para a equação (20-22). T
O valor de cedência de um sistema plástico é obtido me- η C (20-25)
v
diante aplicação da equação
f Kf × wf (20-24) onde C é uma constante do aparelho, T o torque lido e v a velo-
cidade do cone, em rpm. Para um material que apresenta fluxo
onde Kf é igual a: plástico, a viscosidade plástica é dada pela equação:
2π 1 T − Tf
Kv × × U C (20-26)
60 2 303 log(Rc Rb ) v
e o valor de cedência é calculado como
onde Rc é o raio do cilindro estacionário e Rb o raio do
cilindro rotatório. f C f × Tf (20-27)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 589

CONCEITO FLUXO AGLOMERADO*


Uma desvantagem potencial dos viscosímetros de cilindros concêntricos é cilindro rotatório possível junto com um cilindro estacionário de circunfe-
a variação da tensão de cisalhamento ao longo da amostra colocada entre rência determinada, de modo a reduzir ao máximo o interstício entre am-
o cilindro rotatório e o estacionário. Contrariamente aos sistemas newto- bos cilindros, minimizando, assim, a chance de ocorrência de fluxo aglo-
nianos, a viscosidade aparente dos sistemas não-newtonianos varia com merado. Em um sistema que apresenta fluxo aglomerado no viscosímetro,
a tensão de cisalhamento. Para materiais plásticos, a viscosidade aparen- mais e mais amostra vai sendo cisalhada a uma tensão acima do valor
te abaixo do valor de cedência pode ser considerada como infinita. Acima de cedência à medida que a velocidade de rotação do cilindro rotatório é
do valor de cedência, o sistema apresenta uma viscosidade finita, U, ou aumentada. O sistema irá apresentar fluxo laminar por completo, em vez
viscosidade plástica. Em um viscosímetro tipo Searle, em velocidades de de fluxo aglomerado, e a viscosidade plástica correta poderá ser obtida
cisalhamento relativamente baixas, a tensão de cisalhamento próxima ao somente quando a tensão de cisalhamento que se verifica na parede do
cilindro rotatório pode ser suficientemente elevada de modo a sobrepujar cilindro estacionário sobrepujar o valor de cedência.
o valor de cedência. A tensão de cisalhamento sobre a parede interna do O fenômeno do fluxo aglomerado é importante para o fluxo através
cilindro estacionário poderia (e assim o faz com freqüência) ficar abaixo de um orifício de pastas e de suspensões concentradas (p. ex., na extrusão
do valor de cedência. O material presente nessa zona poderá permane- da pasta dental a partir da bisnaga). As condições de elevado cisalhamen-
cer como um aglomerado (plug) sólido e, portanto, a viscosidade medida to na circunferência interna da abertura da bisnaga causam uma queda na
conterá um erro. O principal fator que determina se o denominado fluxo consistência. Isso facilita a extrusão do material contido no centro na for-
aglomerado (plug flow) ocorre ou não é o interstício entre o cilindro esta- ma de um aglomerado. Contudo, esse fenômeno é desvantajoso quando
cionário e o cilindro rotatório. O operador sempre deverá utilizar o maior se trata de obter um reograma de um sistema plástico com auxílio de um
viscosímetro de cilindros concêntricos. Os viscosímetros cone-prato não
* N. de T.: Fluxo coeso e plug flow são sinônimos. apresentam tal desvantagem.

onde Tf é o torque no eixo da tensão de cisalhamento (extra-


polado a partir do segmento linear da curva) e Cf é a constante
do aparelho.

EXEMPLO 20-7
Viscosidade plástica de uma base para ungüento

Cone
Prato

Cone-prato

Figura 20-18 Módulo de medição de um viscosímetro cone-prato de Fer-


Figura 20-17 Viscosímetro cone-prato digital de Brookfield. ranti-Shirley.
590 P ATRICK J. S INKO

rad s–1 cisalhamento de modo predeterminado e reprodutível. Concomi-


tantemente, a tensão de cisalhamento é representada em função
da velocidade de cisalhamento com auxílio de um plotter, o que
Cone rotatório constitui uma valiosa ajuda na determinação da área de histerese
ou dos coeficientes de tixotropia, visto que permite fazer estudos
comparativos de modo sistemático. O uso desse instrumento na
avaliação reológica de alguns semi-sólidos farmacêuticos é des-
radianos crito por Hamlow,22 Gerding 23 e Boylan.24

VISCOELASTICIDADE
Prato estacionário
Diversos métodos têm sido utilizados para determinar a con-
Figura 20-19 Condições de velocidade de cisalhamento constante em um sistência de medicamentos e cosméticos semi-sólidos. A dis-
viscosímetro cone-prato. O ângulo entre cone e prato, ψ, está aqui claramen- cussão neste capítulo tem por centro os aspectos fundamentais
te exagerado; normalmente é inferior a 1° (< 0,02 rad). da reometria de cisalhamento contínuo e estacionário de mate-
riais não-newtonianos. As medições por oscilação e por arrasto
(creep) também são de considerável importância na pesquisa
Uma nova base para ungüento foi delineada e submetida à análise das propriedades de medicamentos semi-sólidos, de alimentos
reológica a 20 °C, utilizando um viscosímetro cone-prato, cuja cons- e de cosméticos tidos como materiais viscoelásticos.
tante, C, é 6,277 cm-3. Para uma velocidade do cone v = 125 rpm, a O cisalhamento contínuo requer um viscosímetro rotatório
leitura registrada para o torque, T, foi 1287,0 dina cm. O valor de e deve ser plotado em forma de curvas de fluxo (ver Figura
torque, Tf, no eixo da tensão de cisalhamento foi de 63,5 dina cm. 20-2), que fornecem informações essenciais mediante as quais
A viscosidade plástica da base de ungüento a 20 °C foi calcu- os produtos industrializados são caracterizados e controlados.
lada utilizando a equação (20-26); logo, O cisalhamento contínuo não mantém o material a ser testado
1287 − 63 5 no seu “estado fundamental”; pelo contrário, se opta pela de-
U= × 6 277 = 61 44 poise formação e alteração agressiva do material durante a determi-
125
nação. A análise de materiais viscoelásticos, de outro modo, é
O valor de cedência, f, é calculado mediante a equação desenhada para preservar a estrutura, a fim de que as medições
(20-27), onde Cf = 113,6 cm-3 para um cone de tamanho médio possam proporcionar informação sobre as forças intermolecu-
(raio de 2,007 cm): lares e intraparticulares existentes no material.
f = 113 6 × 63 5 = 7214 dina cm2 Os métodos viscoelásticos baseiam-se nas propriedades
mecânicas do material, o qual mostra, ao mesmo tempo, tanto
propriedades viscosas dos líquidos quanto elásticas dos sólidos.
O viscosímetro tipo cone-prato possui uma série de vanta- Muitos dos sistemas estudados em Farmácia pertencem a essa
gens relevantes em relação ao viscosímetro de cilindros concên- classe de materiais, sendo os principais exemplos os cremes, lo-
tricos. O mais importante é o fato de a velocidade de cisalhamen- ções, ungüentos, supositórios, suspensões e agentes dispersan-
to ser, como um todo, constante na amostra sob cisalhamento. tes de natureza coloidal, emulsionantes e suspensionantes. Os
Como conseqüência, se evita qualquer possibilidade de forma- produtos biológicos, como o sangue, o esputo e o fluido cervi-
ção de fluxo aglomerado. O princípio está ilustrado na Figura cal também apresentam propriedades viscoelásticas. Enquanto
20-19, a partir da qual se pode observar que G, a velocidade de que no cisalhamento estacionário os viscosímetros rotatórios e
cisalhamento para qualquer diâmetro de cone, é igual à razão instrumentos de fluxo similares proporcionam uma elevada de-
entre a velocidade linear, Ωr, e a largura da fresta, d. Assim, formação e muitos deles produzem falsos resultados, os méto-
r cm s dos por oscilação e por arrasto permitem a análise de materiais
G (20-28)
d cm reológicos sob condições próximas ao equilíbrio quiescente.
Davis25 descreveu os métodos oscilatórios e por arrasto para a
A razão r/d é constante, proporcional a ψ, o ângulo entre o
análise das propriedades viscoelásticas de produtos farmacêuti-
cone e o prato. Assim,
cos, enquanto Barry26 revisou esses métodos para semi-sólidos
G s −1 (20-29) farmacêuticos e cosméticos.
Considera-se que um semi-sólido apresenta tanto carac-
resulta ser independente do raio do cone. O ângulo do cone ge- terísticas de líquido quanto de sólido. O fluxo de um fluido
ralmente fica entre 0,3 e 4°, sendo preferidos os ângulos me- newtoniano pode ser expresso mediante a equação (20-2),
nores. Outras vantagens do viscosímetro cone-prato é o tempo η FG
economizado na limpeza, preenchimento e estabilização da tem-
que relaciona a tensão de cisalhamento, F, e a velocidade de cisa-
peratura da amostra durante o experimento. Enquanto que um
lhamento, G. Um material sólido, no entanto, não é caracterizado
viscosímetro de cilindros concêntricos pode precisar de 20 a 50
pelo fluxo, mas pela elasticidade, e seu comportamento é explica-
mL de amostra para uma determinação, o viscosímetro tipo co-
do pela equação de uma mola (derivada da Lei de Hooke):
ne-prato requer uma amostra de apenas 0,1 a 0,2 mL. Por meio
de um acessório, é possível aumentar e diminuir a velocidade de E F (20-30)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 591

(c) Amortecedor e
(a) Amortecedor (b) Mola mola em série
(elemento de Maxwell)

Figura 20-20 Representação mecânica de um material viscoelástico me-


diante um amortecedor e uma mola. Um amortecedor e uma mola colocados
em série são denominados unidade ou elemento de Maxwell.

Figura 20-21 Arranjo em paralelo de uma mola e de um amortecedor repre-


onde E é o módulo de elasticidade (dina/cm2), F a força ten- sentando o modelo mecânico de um material viscoelástico, conhecido como
sional (dina/cm2) e γ a deformação (sem dimensões). Utilizan- elemento de Voigt.
do um modelo mecânico podemos representar o fluido viscoso
como o movimento de um pistão dentro de um cilindro cheio
de um líquido (ou amortecedor, como é denominado), como onde J∞ é a compliance ou deformação por unidade de tensão
o ilustrado na Figura 20-20a. Um exemplo de amortecedor é no tempo infinito; τ é a viscosidade por módulo unitário, η/E
o próprio amortecedor de um automóvel. Um sólido elástico (dina s cm–2/dina cm–2), que é denominado tempo de retarda-
é modelado pelo movimento de uma mola de Hooke (Figura ção e possui como unidade o segundo.
20-20b). O comportamento de um semi-sólido como um corpo Os modelos mecânicos de Maxwell e de Voigt, que repre-
viscoelástico pode, por conseguinte, ser descrito pela combina- sentam o comportamento viscoelástico de duas formas dife-
ção de um amortecedor e de uma mola, como na Figura 20-20c. rentes, podem ser combinados em um modelo geral de modo
A combinação de uma mola e de um amortecedor de um carro, a incorporar todas as possibilidades de fluxo e de deformação
o qual permite uma viagem suave sobre uma estrada irregular, é dos materiais não-newtonianos. Uma de várias unidades de
análoga à combinação mola-amortecedor da Figura 20-20c. Voigt pode ser combinada com elementos de Maxwell para
Esse modelo mecânico de um material viscoelástico, ou representar as variações que um sólido farmacêutico, como
seja, de um material não-newtoniano que apresenta, simultanea-
um ungüento ou um creme, sofre quando submetido à tensão.
mente, as propriedades de viscosidade de um líquido e da elasti-
Como se observa na Figura 20-22, dois elementos de Voigt
cidade de um sólido, quando disposto como um arranjo seriado
são combinados com um elemento de Maxwell para reproduzir
recebe o nome de elemento de Maxwell. A mola e o amortecedor
o comportamento de uma amostra de lanolina a 30 °C. A com-
podem ser também combinados na forma de um arranjo parale-
pliance, J, em função do tempo, é medida com um instrumento
lo, como o visto na Figura 20-21. Este segundo modelo para a
denominado viscosímetro de deformação (viscosímetro de cre-
viscoelasticidade é conhecido como elemento de Voigt.
ep) (Figura 20-23) e plotada, da forma vista na Figura 20-22,
À medida que uma tensão constante é aplicada a uma uni-
dade de Maxwell, ocorre uma deformação sobre o material que para obter uma curva de deformação por creep. Pode-se ob-
pode ser comparada ao deslocamento da mola. A tensão apli- servar que essa curva é constituída de três partes. A primeira,
cada pode ser vista como a tensão que causa o movimento do a região AB de subida acentuada, corresponde ao movimento
pistão no amortecedor devido ao fluxo viscoso. A remoção da elástico da mola principal; a segunda, a região BC da curva,
tensão leva à completa recuperação da mola, mas o fluxo vis- representa a ação das duas unidades de Voigt; e a terceira, a re-
coso não apresenta essa recuperação, ou seja, não há tendência gião linear CD, corresponde ao movimento do pistão no amor-
no sentido de retornar ao estado original. No modelo de Voigt, tecedor na base do modelo de Maxwell-Voigt e representa o
no qual a mola e o amortecedor estão dispostos em paralelo e fluxo viscoso.
não em série, o arrasto do líquido viscoso no amortecedor afeta A equação da deformação por unidade de tensão no tempo
simultaneamente a extensão e a compressão da mola, o que infinito (compliance) correspondente ao comportamento ob-
caracteriza a natureza sólida do material. Assim, a deformação servado para a lanolina (Figura 20-22), como simulado pelo
de um sólido pode variar de forma exponencial com o tempo. modelo de Maxwell-Voigt (Figura 20-22), é:
A deformação também é expressa como strain ou compliance, γ0 γ
J Jm (1 − e−t m ) Jn (1 − e−t n )
J, de um material sob teste, onde J corresponde à deformação F F (20-32)
por unidade de tensão aplicada. A compliance de um mate-
onde γ0 é a deformação instantânea e F a tensão de cisalha-
rial viscoelástico segundo o modelo de Voigt é dada como uma
mento aplicada de modo constante.25,26 O valor de γ0/F se ob-
função do tempo, t, pela expressão:
tém facilmente a partir da curva experimental (região AB) da
J J∞ (1 − e−t ) (20-31) Figura 20-22. A região viscoelástica da curva (BC) está re-
592 P ATRICK J. S INKO

Compliance, J, (cm2 dina–1 × 10–4)

Tempo (minutos)

Tensão Tensão
aplicada retirada

Figura 20-22 A curva de creep compliance* obtida pela análise de uma amostra de lanolina em um viscosímetro
de deformação (Figura 20-23) a 30 °C. A curva de creep resulta do gráfico da compliance, J, equação (20-31) versus
o tempo, em minutos, durante o qual uma tensão foi aplicada à amostra. O encarte na figura mostra uma combina-
ção de elementos de Maxwell e de Voigt necessários para representar a viscoelasticidade da amostra de lanolina.
E 0, E 1 e E 2, os módulos-molas, podem ser calculados a partir do gráfico e com auxílio da equação (20-32) e das
três viscosidades, η1, η2 e η0. (Retirada, com permissão, de: S. S. Davis, Pharm. Acta Helv. 49, 161, 1974.).

presentada pelo termo médio da equação (20-32), onde Jm e Jn peração por parte da amostra (DEF) composta por uma recu-
representam a compliance média das ligações no material e τm peração elástica instantânea, DE, equivalente a AB, seguida de
e τn os tempos de retardação médios para as duas unidades de uma região de recuperação elástica, EF, equivalente a BC. Na
Voigt da Figura 20-22. Às vezes são necessárias três ou mais curva de creep compliance da Figura 20-22, ocorre um fluxo
unidades de Voigt para que o modelo possa simular o compor- na região CD com destruição irreversível da estrutura. Na cur-
tamento observado para o material testado. O último termo da va de recuperação, essa região não está reproduzida. Median-
equação (20-32) corresponde à região linear, CD, da curva de te uma análise desse tipo, Davis25 calculou para a lanolina os
creep. Essa seção representa a condição de compliance newto- módulos elásticos (Figura 20-22) como sendo E0 = 2,7 × 104
niana, quando a ruptura das ligações leva ao fluxo do material. dina/cm, E1 = 5,4 × 104 dina/cm e E2 = 1,4 × 104 dina/cm e as
Nesses casos, F é a tensão aplicada constante e γ o esforço de três viscosidades em η1 = 7,2 × 105 poise, η2 = 4,5 × 106 poise,
cisalhamento (shear strain) dessa região da curva. e η0 = 3,1 × 107 poise.
Quando a tensão é retirada pelo operador do reômetro de A curva de creep utilizada para medir a viscoelasticidade de
deformação (ou de creep) (Figura 20-23), se consegue a recu- um produto farmacêutico, dermatológico e de materiais cosmé-
ticos não-newtonianos pode lançar alguma luz sobre a estrutura
* N. de T.: Ou curva de deformação por unidade de tensão, em tempo infinito. molecular desses materiais e, com isso, proporcionar informa-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 593

Manivela para abaixar o


cilindro rotatório dentro
do cilindro estacionário

Cilindro rotatório

Painel (para obter a


compliance de formação
em tempos diferentes)
Cilindro
estacionário em
camisa-de-água

Figura 20-23 Principais componentes de um viscosímetro de deformação utilizado para obter as curvas de creep
compliance, como as mostradas nas Figuras 20-22 e 20-24.

ções para a modificação e otimização desses veículos. As curvas pode ser analisado como uma extensão do modelo de mola e
de creep compliance foram utilizadas por Barry26 no estudo das amortecedor de Maxwell.
variações ocasionadas pela temperatura em amostras de vaseli- Os métodos por cisalhamento estacionário que empregam
na branca (White Soft Paraffin, British Pharmacopoeia), como viscosímetros rotatórios tendem a desestruturar os materiais
mostra a Figura 20-24. O comportamento observado foi com- sob análise e, embora forneçam dados importantes sobre a
plexo, sendo necessárias cinco unidades de Voigt e um elemento tixotropia e a tensão de cedência, por exemplo, não propor-
de Maxwell para descrever as curvas de creep compliance a 5 cionam qualquer informação sobre a estrutura e as ligações
°C e 25 °C, e três unidades de Voigt a 45 °C, quando parte da originais em semi-sólidos de interesse farmacêutico e cosmé-
estrutura foi destruída pela fusão da vaselina. No caso da vaseli- tico. A análise viscoelástica realizada por métodos por creep
na, há três curvas características das ligações cristalinas e da in- ou oscilatórios são particularmente vantajosos nos estudos de
teração entre as frações cristalinas e amorfas que a constituem. emulsões líquidas e semi-sólidas e de géis.27 As determinações
Tais curvas foram automaticamente plotadas em um registrador viscoelásticas também podem ser utilizadas para medir as va-
X-Y conforme o material foi sendo submetido à tensão no vis- riações reológicas que ocorrem em um creme após ele ser de-
cosímetro de deformação. Os círculos plotados ao longo das li- sestruturado em várias etapas mediante a homogeneização, a
nhas da Figura 20-24 foram obtidos utilizando-se uma equação incorporação de fármacos ou ao ser espalhado sobre a pele.
similar à equação (20-32), mostrando a precisão com a qual as Radebaugh e Simonelli29 estudaram as propriedades vis-
curves de creep podem ser reproduzidas pelo modelo teórico coelásticas da lanolina anidra, demonstrando que elas são uma
das unidades de Voigt e de Maxwell. função da tensão de deformação, freqüência de cisalhamento,
Outro método reológico dinâmico que não afeta a estrutu- retrospecto de cisalhamento e da temperatura. A energia de ati-
ra do material é o do teste por oscilação.25-28 Uma fina camada vação, Ev, foi calculada para as alterações estruturais de uma
de material é submetida a uma força motriz oscilante em um amostra de lanolina, a qual sofreu a maior transição mecânica
aparelho denominado reogoniômetro, como o mostrado na Fi- entre 10 e 15 °C. O valor de Ev para a transição foi de apro-
gura 20-25. A tensão de cisalhamento produzida pela força ximadamente 90 kcal, valor esperado em casos de transição
oscilante na membrana do aparelho resulta em uma velocida- vítrea. Contudo, mais do que uma alteração brusca do estado
de de cisalhamento proporcional à velocidade de superfície do de borracha para o estado vítreo, a lanolina anidra parece se
material. O comportamento viscoelástico de um material de- alterar para um estado menos organizado que o vítreo. A tran-
terminado com o uso de medições por cisalhamento oscilatório sição vítrea e a temperatura de transição vítrea são discutidas
594 P ATRICK J. S INKO

nas páginas 625-626. As propriedades viscoelásticas foram


determinadas com o auxílio de um espectrômetro mecânico
Rheometrics (RMS 7200; Rheometrics, Inc., Union, N.J.). O
reômetro provoca uma determinada deformação na amostra, a
Compliance, J, (dina–1 cm2 10–6)

velocidade e temperatura específicas.


Os métodos viscoelásticos são também importantes na
análise do esputo, visando o desenvolvimento de agentes mu-
colíticos para o tratamento de bronquite, asma e fibrose cística.
Outros fluidos biológicos, como o sangue, o muco vaginal e o
líquido sinovial, podem ser analisados por métodos viscoelásti-
cos. O cisalhamento não-estacionário, ao qual o líquido sinovial
está sujeito no organismo durante o movimento das articulações
das pernas e braços, exige propriedades elásticas desses fluidos,
além de viscosidade, a qual apenas é observada no cisalhamen-
to estacionário. Thurston e Greiling30 utilizaram o cisalhamento
oscilatório para analisar casos de doenças inflamatórias e não-
inflamatórias das articulações associadas à artrite. A macromo-
Tempo (s × 103) lécula ácido hialurônico é a principal responsável pela elevada
viscosidade e pela natureza não-newtoniana do fluido sinovial
Figura 20-24 Curvas de creep compliance da parafina branca mole (British e confere a este propriedades newtonianas, em vez das proprie-
Pharmacopoeia) em três temperaturas. (Retirada, com permissão, de: B. W. dades não-newtonianas desejadas. Por causa disso, as variações
Barry, in H. S. Bean, A. H. Beckett and J. E. Carless [Eds.], Advances in Phar- na viscoelasticidade do fluido sinovial, determinadas mediante o
maceutical Sciences, Vol. 4, Academic Press, New York, 1974, p. 36.). instrumento oscilatório mostrado na Figura 20-25, podem servir
como um indicador sensível de doenças nas articulações.

PSICORREOLOGIA
Além das propriedades farmacêuticas e farmacológicas, os pro-
Líquido sob teste
dutos tópicos devem preencher requisitos referentes ao tato, es-
palhabilidade, cor, odor e outras características psicológicas e
sensoriais. Durante muito tempo, os profissionais da indústria
alimentícia têm testado produtos como manteiga, chocolate,
maionese e massa de pão no que tange à consistência durante a
produção, acondicionamento e consumo. As sensações na boca,
entre os dedos e sobre a pele são aspectos importantes para os
produtores de alimentos, cosméticos e produtos dermatológicos.
Scott-Blair31 discute a psicorreologia (como o assunto é denomi-
Tubo nado) no âmbito da indústria de alimentos. Kostenbauder e Mar-
tin32 abordaram a espalhabilidade de ungüentos em relação às
suas propriedades reológicas. Consultando com dermatologistas,
os autores dividiram os produtos em três classes. Os produtos da
classe I eram moles, principalmente destinados a uso oftálmico;
os da classe II incluíam os ungüentos de uso terapêutico comum
Membrana
e com consistência intermediária; e os da classe III, produtos
de proteção, firmes, utilizados em sua maioria no tratamento de
Detector de
quadros de ulceração. Os valores de cedência e a viscosidade
pressão plástica de cada classe de produto foram relatados.
Boylan24 mostrou que a tixotropia, a consistência e o valor
de cedência do ungüento de bacitracina USP diminuíram sen-
sivelmente quando a temperatura foi aumentada de 20 °C para
Motor
35 °C. Assim, embora o produto possa ser suficientemente ti-
xotrópico dentro da sua embalagem, essas propriedades podem
se perder após ter sido aplicado sobre a pele.
Barry e colaboradores 33 realizaram testes sensoriais com
preparações tópicas. Eles usaram um painel para diferenciar pa-
Figura 20-25 Aparelho para teste por oscilação de materiais viscoelásticos. râmetros de textura e métodos reológicos de uso consolidado
(Retirada, com permissão, de: G. B. Thurston and A. Martin, J. Pharm. Sci. na indústria como procedimentos de controle da manutenção da
67, 1499, 1978.). uniformidade da sensação sobre a pele e da espalhabilidade de
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 595

produtos dermatológicos. Cussler e colaboradores34 estudaram Bothner e colaboradores36 propuseram que um substituti-
a textura de líquidos não-newtonianos cujas propriedades reo- vo das lágrimas deveria possuir propriedades pseudoplásticas,
lógicas eram bastante diferenciadas quando aplicados sobre a da mesma forma como se comportam as lágrimas naturais a
pele. Os autores verificaram que a consistência de um material baixas velocidades de cisalhamento, enquanto o olho permane-
pode ser estimada de forma precisa mediante o uso de um painel ce aberto, ou a elevadas velocidades de cisalhamento, enquan-
por parte de indivíduos não-treinados, fazendo uso de apenas to pestanejamos. A baixa viscosidade perante elevadas velo-
três atributos: maciez, ou suavidade, tenuidade e sensação de cidades de cisalhamento produz lubrificação durante o ato de
calor. A maciez foi relacionada ao coeficiente de atrito; a te- pestanejar, enquanto que a elevada viscosidade, frente a uma
nuidade do filme a parâmetros relacionados com a viscosidade velocidade de cisalhamento zero, evita que o fluido lacrimal
não-newtoniana, que podem ser mensurados com instrumentos escoe da córnea quando não pestanejamos. Com auxílio de um
apropriados. A característica de sensação de calor foi considera- viscosímetro Couette acoplado a um programa de computa-
da complexa o suficiente para requerer estudos posteriores. dor, os autores estudaram as propriedades reológicas de oito
diferentes substitutivos das lágrimas comercializados, junto
com soluções a 0,1 e 0,2% de hialuronato de sódio. Para cinco
dos produtos comercializados, a viscosidade mostrou-se inde-
APLICAÇÕES EM FARMÁCIA pendente da velocidade de cisalhamento. Conseqüentemente,
esses produtos se comportaram como líquidos newtonianos.
O comportamento reológico de veículos à base de poloxâmero Dois dos produtos se apresentaram levemente pseudoplásticos
foi estudado em relação à concentração, dentro de uma faixa perante elevadas velocidades de cisalhamentos. Apenas o pro-
de temperatura de 5 a 35 °C, utilizando um viscosímetro do duto comercial Neo-Tears e as duas preparações não-comer-
tipo cone-prato.35 Os poloxâmeros são polímeros blocados da cializadas de hialuronato de sódio mostraram o comportamen-
BASF Wyandotte Corp. que têm por estrutura química to pseudoplástico desejável. Para o Neo-Tears, a viscosidade a
HO(CH2 CH2 O)a (CH[CH3 ]CH2 O)b (CH2 CH2 O)c H elevadas velocidades de cisalhamento, 1000 s–1, foi três vezes
menor que a viscosidade em cisalhamento zero. Para a solu-
Poloxâmeros com uma ampla faixa de massas moleculares ção a 0,1% de hialuronato de sódio esse valor foi cinco vezes
se encontram disponíveis com o nome de Pluronic. Alguns dos menor e, para a solução a 0,2%, trinta vezes menor. Conse-
poloxâmeros são utilizados em bases dermatológicas ou em qüentemente, o hialuronato de sódio parece ser um excelente
preparações oftálmicas de uso tópico devido à baixa toxicidade candidato como solução substitutiva das lágrimas.
e à capacidade de formar géis aquosos claros. As propriedades reológicas dos supositórios nas tempe-
A solubilidade em água dos poloxâmeros diminui com o raturas retais podem influir na liberação e biodisponibilidade
aumento da temperatura, sendo a hidratação do polímero re- dos fármacos, principalmente para aqueles contendo bases li-
duzida pela quebra das ligações de hidrogênio a temperaturas pídicas. Grant e Liversidge37 estudaram as características dos
elevadas. A dessolvatação resultante, junto com o entrelaçado supositórios com bases triglicéricas a diferentes temperaturas
das cadeias poliméricas, é provavelmente responsável pela for- utilizando um reômetro rotatório. Dependendo do caráter da
mação dos géis de poloxâmero. base fundida, ela se comporta como um material newtoniano
Para bases de poloxâmero no estado de sol que acontece ou plástico com tixotropia.
em baixas concentrações e baixas temperaturas, foi determi- Fong-Spaven e Hollenbeck38 estudaram as propriedades
nada uma relação linear entre a velocidade de cisalhamento reológicas de emulsões de óleo mineral e água, estabilizadas
e a tensão de cisalhamento (comportamento newtoniano). À com estearato de trietilamônio (TEAS), em função da tempe-
medida que a concentração e a temperatura são aumentadas, ratura. A tensão necessária para manter o cisalhamento a ve-
alguns poloxâmeros apresentam uma transição sol-gel e se tor- locidade constante foi monitorada conforme a temperatura foi
nam não-newtonianos no seu caráter reológico. A adição de aumentada de 25 °C para 75 °C. Utilizando um viscosímetro
cloreto de sódio, glicerina ou propilenoglicol resulta em um digital Brookfield foram observadas descontinuidades ines-
aumento na viscosidade aparente dos veículos. peradas, contudo reprodutíveis, nos gráficos de temperatura
Soluções de polímeros podem ser utilizadas em prepara- versus viscosidade aparente. Essas descontinuidades foram
ções oftálmicas, como agentes umectantes para lentes de con- atribuídas a possíveis deslocamentos dentro das estruturas de
tato e como lágrimas artificiais no tratamento da síndrome de cristal líquido. Como se pode ver na Figura 20-26, na qual a
olho seco. Tanto polímeros naturais (p. ex., dextrano) quanto viscosidade aparente de uma emulsão óleo mineral-água con-
sintéticos (p. ex. álcool polivinílico) são utilizados junto com tendo 5% de TEAS está plotada em função da temperatura, a
vários conservantes. Um produto contendo hialuronato de só- viscosidade diminui conforme a temperatura é aumentada para
dio de elevada massa molecular, em concentrações de 0,1 a aproximadamente 48 °C. A seguir, a viscosidade sofre inversão
0,2%, tem sido introduzido para tratar o problema de secura e aumenta, originando um pequeno pico a 54 °C, para dimi-
ocular. Para soluções de polímeros de elevada massa molecu- nuir, logo depois, novamente com o aumento da temperatura.
lar, a viscosidade se iguala à viscosidade a cisalhamento zero Tal comportamento incomum é considerado como o resultado
(uma elevada viscosidade) a baixas velocidades de cisalhamen- da formação de um gel que estabiliza a fase interna. No sistema
to. A viscosidade diminui conforme é aumentada a velocidade existem estruturas de cristal líquido de TEAS, as quais sofrem
de cisalhamento, uma vez que as moléculas do polímero, nor- desintegração ou “fusão” nas temperaturas maiores. Com isso,
malmente contorcidas e entrelaçadas, se alinham em paralelo é gerado um número elevado de moléculas de TEAS contidas
ao sentido do padrão de fluxo, passando a mostrar comporta- em um arranjo similar a um gel, que apresenta resistência au-
mento pseudoplástico ou shear thinning. mentada ao fluxo. Conforme a temperatura sobe acima de 54
596 P ATRICK J. S INKO
Viscosidade aparente (cp) × 10–3

9 Semanas (a) Pendular (b) Funicular (c) Capilar (d) Goticular


Figura 20-28 Estados da saturação de líquido de um pó. (a) Estado pendular
com pontes de líquido nos pontos de contato entre as partículas. (b) Uma
3 Semanas mistura de líquido e ar entre as partículas, produzindo o estado funicular.
(c) Os poros estão preenchidos de líquido para produzir o estado capilar. (d)
1 Semana Gotículas de líquido envolvem por completo as partículas (estado goticular).
(D.M. Newitt and J. M. Conway-Jones, Trans. Inst. Chem. Eng. 36, 422, 1958.
Primeiro dia Com modificações.)

Temperatura (°C)
(torque é a força que atua para produzir a rotação de um corpo).
Figura 20-26 Gráficos de viscosidade versus temperatura de uma emulsão Conforme a mistura se tornava mais úmida, o torque aumentou
óleo/água, durante um período de 9 semanas. (Retirada, com permissão, de: até que a massa ficou saturada e, na seqüência, diminuiu quando
F. Fong-Spaven and R. G. Hollenbeck, Drug Dev. Ind. Pharm. 12, 289, 1986.) mais água foi adicionada, levando à formação de uma pasta se-
mifluida (suspensão). O gráfico de torque, em newton metro (1
N m = 1 joule), versus o conteúdo crescente de água apresentou
°C, a estrutura de gel é paulatinamente destruída e a viscosida- uma curva com forma de sino, mostrada na Figura 20-27. Esse
de novamente decresce, como se mostra na Figura 20-26. comportamento se explica, segundo os autores, mediante os três
Batons para uso tópico à base de estearato de magnésio estados da saturação de líquido por parte da massa de pó, segun-
solidificado, delineados segundo a produção e uso dos batons do o descreve Newitt e Conway-Jones.41
cosméticos, foram preparados e testados com auxílio de um
viscosímetro de Ferranti-Shirley, tipo cone-prato. Os batons
continham propilenoglicol, macrogol 400 e macrogol 600 como
umectantes, junto com pantenol, clorfenasina e lignocaína como TABELA 20-3
fármacos tópicos. A desestruturação tixotrópica foi muito me- ÁREAS NA FARMÁCIA NAS QUAIS A REOLOGIA É
nor nesses batons contendo fármacos do que em outras bases IMPORTANTE *
similares. A adição dos três fármacos de uso tópico aos batons à
base de estearato causou alterações nos valores de cedência, na 1. Fluidos
tixotropia e na viscosidade plástica. Algumas possíveis razões a. Mistura
para essas alterações foram discutidas pelos autores.39 b. Redução de tamanho de partícula de sistemas dispersos
Rowe e Sadeghnejad40 estudaram as propriedades reoló- mediante cisalhamento
gicas da celulose microcristalina, um adjuvante incorporado c. Passagem através de orifícios, incluindo vertido,
nas massas de pó umedecido, para facilitar a granulação na acondicionamento em garrafas e passagem através de agulhas
obtenção de comprimidos e grânulos. Os autores desenharam hipodérmicas
um reômetro-misturador de torque para medir as variações de d. Transferência de líquidos, incluindo bombeamento e fluxo
torque à medida que água ia sendo adicionada à mistura de pós por dutos
e. Estabilidade física de sistemas dispersos
, 2. Quase-sólidos (semi-sólidos)
a. Espalhabilidade e aderência sobre a pele
, b. Remoção a partir de potes ou extrusão a partir de tubos
c. Capacidade dos sólidos se misturarem com líquidos
, miscíveis
Torque (N m)

d. Liberação de fármacos a partir de bases


,
3. Sólidos
a. Fluxo de pós a partir de alimentadores e para dentro
,
de matrizes de compressão ou de cápsulas durante o
,
encapsulamento
b. Facilidade de acondicionamento de sólidos pulverulentos ou
granulares
, , , , , , , , , ,
4. Processamento
Conteúdo de água (mL/g) a. Capacidade de produção de equipamentos
Figura 20-27 Variações no torque em um reômetro-misturador de torque b. Eficiência de processos
obtidas à medida que água foi adicionada a uma mistura de pós. (Retira- * Retirada, com permissão, de: A. Martin, G. S. Banker and A. H. C. Chun, in H.
da, com permissão, de: R. C. Rowe and G. R. Sadeghnejad, Int. J. Pharm. S. Bean, A. H. Beckett and J. E. Carless (Eds.), Advances in Pharmaceutical
38, 227, 1987.) Sciences, Academic Press, London, 1964, Capítulo 1.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 597

Com as primeiras porções de líquido ocorre um estado pen- 8. M. Reiner and G.W. Scott-Blair, in F. E. Eirich (Ed.), Reologia, Vol. 4,
dular (ver Figura 20-28), com pontes de contato nos pontos de Academic Press, New York, 1967, Capítulo 9.
contato entre as partículas. O líquido expulsa parte do ar que ori- 9. S. S. Ober, H. C. Vincent, D. E. Simon and K. J. Frederick, J. Am. Pharm.
ginalmente preenchia os espaços entre as partículas. Conforme Assoc. Sci. Ed. 47, 667, 1958.
10. C.W. Chong, S. P. Eriksen and J.W. Swintosky, J. Am. Pharm. Assoc. Sci.
mais líquido é adicionado, desenvolve-se uma mistura de líquido
Ed. 49, 547, 1960.
e gás entre as partículas, produzindo o estado funicular. O torque
11. J. C. Samyn and W. Y. Jung, J. Pharm. Sci. 56, 188, 1967.
sobre o misturador é aumentado por causa dessas duas condições
12. H. Freundlich and F. Juliusburger, Trans. Faraday Soc. 31, 920, 1935.
até o final do estado funicular. Na seqüência, os poros continuam 13. S. S. Ober, H. C. Vincent, D. E. Simon and K. J. Frederick, J. Am. Pharm.
sendo preenchidos com o líquido, produzindo o estado capilar. Assoc. Sci. Ed. 47, 667, 1958.
Com a adição de mais líquido, o torque diminui enquanto se ob- 14. G. Levy, J. Pharm. Sci. 51, 947, 1962.
tém uma massa semifluida ou suspensão (estado goticular). Estes 15. E. Hatschek, Liquids viscosity, Bell and Sons, London, 1928.
estados são descritos de forma esquemática na Figura 20-28. 16. P. Sherman, in Emulsion Science, Academic Press, London, 1968, p.
As três celuloses microcristalinas, procedentes de fornece- 221.
dores diferentes, apresentaram basicamente o mesmo gráfico 17. J. R. Van Wazer, J. W. Lyons, K. Y. Kim and R. E. Colwell, Viscosity and
de torque versus água adicionada40 (ver Figura 20-27). Ainda Flow Measurement—A Laboratory Handbook of Rheology, Interscience,
assim, as curvas (apenas uma das três é mostrada aqui) alcan- New York, 1963.
çaram alturas ligeiramente diferentes e os máximos ocorreram 18. R. Chang, Physical Chemistry with Applications to Biological Systems,
com diferentes quantidades de água adicionada. 2nd Ed., Macmillan, New York, 1981, pp. 76, 77, 93.
No Capítulo 18 é apresentada uma discussão da reologia 19. B. Millan-Hernandez, Properties and Design of Pharmaceutical
pertinente a suspensões, emulsões e semi-sólidos; as proprie- Suspensions, M.S. Thesis, University of Texas, 1981.
dades de fluxo dos pós são tratadas no Capítulo 19. A reologia 20. E. K. Fischer, Colloidal Dispersions, Wiley, New York, 1950, Capítulo 5.
21. O. E. Araujo, J. Pharm. Sci. 56, 1023, 1967.
de materiais coloidais, que encontram uma ampla aplicação em
22. E. E. Hamlow, Ph.D. Thesis, Purdue University, Purdue, Ind., 1958.
Farmácia como agentes suspensionantes, é tratada no Capítulo
23. T. G. Gerding, Ph.D. Thesis, Purdue University, Purdue, Ind., 1961.
17. Boylan24 também aborda alguns dos aspectos reológicos
24. J. C. Boylan, Bull. Parent. Drug Assoc. 19, 98, 1965; J. Pharm. Sci. 55,
relativos às suspensões e emulsões parenterais. 710, 1966.
Na Tabela 20-3 encontra-se um resumo das principais áreas 25. S. S. Davis, Pharm. Acta Helv. 9, 161, 1974.
do desenvolvimento e produção de produtos nas quais a reologia 26. B. W. Barry, in H. S. Bean, A. H. Beckett and J. E. Carless (Eds.),
é importante. Embora os efeitos do processamento possam afetar Advances in Pharmaceutical Sciences, Vol. 4, Academic Press, New
as propriedades de fluxo dos sistemas farmacêuticos, a discus- York, 1974, pp. 1–72.
são mais aprofundada desse assunto foge ao objetivo deste texto. 27. G. B. Thurston and S. S. Davis, J. Coll. Interface Sci. 69, 199, 1979.
Para uma consideração desse tópico, assim como para uma abor- 28. G. B. Thurston and A. Martin, J. Pharm. Sci. 67, 1949, 1978.
dagem mais abrangente dos aspectos teóricos e de instrumental 29. G.W. Radebaugh and A. P. Simonelli, J. Pharm. Sci. 72, 415, 422, 1983;
da reologia, recomenda-se a revisão feita por Martin e colabo- J. Pharm. Sci. 73, 590, 1984.
radores3 A teoria e aplicação da viscoelasticidade foram breve- 30. G. B. Thurston and H. Greiling, Rheol. Acta 17, 433, 1978.
mente discutidas na seção precedente. Uma discussão detalhada 31. G. W. Scott-Blair, Elementary Rheology, Academic Press, New York,
sobre essa abordagem pode ser vista nas referências citadas. 1969.
32. H. B. Kostenbauder and A. Martin, J. Am. Pharm. Assoc. Sci. Ed. 43,
401, 1954.
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2. G. W. Scott-Blair, Pharm. J. 154, 3, 1945. 34. E. L. Cussler, S. J. Zlolnick and M. C. Shaw, Perception Psychophys. 21,
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Pergamon Press, New York, 1959, pp. 84–104; T. C. Patton, Paint Flow 40. R. C. Rowe and G. R. Sadeghnejad, Int. J. Pharm. 38, 227, 1987.
and Pigment Dispersion, 2nd Ed., Wiley, 1979, Capítulo 16. 41. D. M. Newitt and J. M. Conway-Jones, Trans. Inst. Chem. Eng. 36, 422,
7. G. J. Yakatan and O. E. Araujo, J. Pharm. Sci. 57, 155, 1968. 1958.
21
21 BIOMATERIAIS

HISTÓRICO Forças de coesão entre cadeias


Definições Cristalinidade
Taticidade
MASSA MOLECULAR E CONFORMAÇÕES Morfologia
Massas moleculares médias Orientação
Determinação da massa molecular a partir da Termodinâmica da fusão e da cristalização
viscosidade da solução Transição vítrea
Conformação de macromoléculas lineares em
solução FABRICAÇÃO
Polímeros como agentes espessantes Plasticização
Elastômeros
POLÍMEROS EM SOLUÇÃO Tecnologia de fabricação
Aspectos gerais
Escolha do solvente POLÍMEROS NA LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS
Preparação de soluções de polímeros Classificação
Termodinâmica de soluções de polímeros Aplicações em Farmácia
Separação de fases Biomateriais em sistemas de liberação
Formação de gel, coacervação e de fármacos
microencapsulamento Hidrogéis
Biomateriais na síntese de lipossomas
POLÍMEROS NO ESTADO SÓLIDO Biomateriais na engenharia de tecidos
Aspectos gerais Biomateriais adesivos
Propriedades mecânicas Nanopartículas

Ao final deste capítulo, o estudante tecidos, hidrogéis, polímeros adesivos, lipossomas e nano-
OBJETIVOS DO CAPÍTULO deverá estar apto a: partículas, e sobre as pesquisas que estão sendo realizadas
nessas áreas.
1 Entender os conceitos básicos relacionados a polímeros,
incluindo definições, classificações e termos descritivos
utilizados na ciência dos polímeros.
2 Familiarizar-se com os princípios e metodologias utiliza- HISTÓRICO
dos nos processos de polimerização.
3 Calcular a massa molecular média e as determinações de
Muitos anos antes que a natureza dos polímeros de elevada mas-
viscosidade de polímeros em solução, compreendendo seu
sa molecular tivesse sido entendida, eles já tinham diferentes
papel na caracterização de polímeros.
aplicações tecnológicas. As primeiras aplicações práticas incluí-
4 Descrever fatores tais como calor de mistura, energia livre
ram a mercerização do algodão, a nitração da celulose para obter
de mistura e entropia de mistura, que definem a prepara-
a piroxilina USP e o algodão de pólvora, a moldagem do nitrato
ção de soluções de polímeros.
de celulose plasticizado com cânfora – conhecido como celu-
5 Compreender o comportamento das soluções de polímeros lóide – em bolas de bilhar e colares destacáveis, a extrusão do
em termos de formação de gel e coacervação, e correlacio- colódio através de spinnerettes, seguida de desnitrificação dos
nar estes com aplicações, como o microencapsulamento. filamentos resultantes, a acetilação e a formação de derivados
6 Determinar as propriedades mecânicas dos polímeros, insolúveis em água, como xantato de celulose e celulose cuproa-
cristalinidade, taticidade, forças de coesão entre cadeias, moniacal, que conduziu à produção de fibras e filmes de celulose
termodinâmica da fusão e da cristalização. regenerados (viscose, o raiom Bemberg e o filme de celofane).
7 Definir e descrever a temperatura de transição vítrea e com- Goodyear descobriu a vulcanização da borracha com en-
preender seu significado no processo de plasticização. xofre em 1839. Resinas totalmente sintéticas obtidas do fenol
8 Compreender os elastômeros e o impacto que a vulcaniza- e formaldeído, denominadas Baquelita, foram produzidas por
ção tem sobre a temperatura de transição vítrea. Baekeland no início de 1910.
9 Oferecer uma revisão da tecnologia de fabricação e dos O reconhecimento da natureza química dos polímeros
fatores a serem considerados durante a formulação. ocorreu apenas no início da década de 1920, quando Staudin-
10 Proporcionar detalhes de aplicações específicas dos polí- ger concluiu, a partir dos seus estudos sobre borracha natural,
meros na indústria farmacêutica, incluindo engenharia de amido e celulose, que esses compostos consistiam de cadeias
600 P ATRICK J. S INKO

gigantescas de átomos de carbono (além de átomos de oxigê- A estrutura entre parênteses representa o mero ou unidade
nio, no caso desses dois polissacarídeos), as quais eram unidas que se repete. O índice, n, representa o número de meros por
por ligações covalentes. Eram macromoléculas, no sentido es- macromolécula e é denominado grau de polimerização, DP.
trito da palavra. A polimerização desses compostos vinílicos é denomina-
da de polimerização por adição ou reação de polimerização
em cadeia. Na maioria das vezes, esse processo se inicia com
Definições1-6 um radical livre formado pela degradação térmica de um ini-
ciador, como o peróxido de benzoíla,
Segundo Staudinger, átomos de carbono podem ligar-se uns
aos outros por meio de cadeias longas de átomos de carbono
unidos covalentemente, formando os polímeros de esqueleto ou
linear. O silicone e o enxofre possuem a mesma capacidade.
Estes homopolímeros apresentam as seguintes estruturas como Esse radical livre se adiciona à dupla ligação do monômero
esqueleto básico: vinílico, abrindo-o e produzindo outro composto contendo elé-
trons não-pareados. A reação prossegue para formar o políme-
ro da estrutura III.

Os heteropolímeros contêm outros átomos em sua estrutu-


ra básica. Alguns exemplos incluem:

e até polímeros puramente inorgânicos, como o polimetafos-


fato (Calgon),
A polimerização por condensação, policondensação ou
polimerização em etapas (ou stepwise) é ilustrada pela forma-
ção do tereftalato de polietileno, um poliéster utilizado na ob-
tenção de fibras e filmes:

e o cloreto de polifosfonitrila,

Quando a vinilpirrolidona, um monômero, é polimerizada, Homopolímeros consistem de um único monômero, como


forma o polímero linear polivinilpirrolidona (povidona USP), nas estruturas I a III. Já os copolímeros apresentam dois ou mais
um colóide protetor capaz de complexar iodo e cujas soluções monômeros diferentes. Muitos dos polímeros de ocorrência na-
aquosas, quando secas, formam filmes resistentes: tural, como a celulose e a borracha natural, são homopolímeros,
mas as proteínas são copolímeros de diferentes aminoácidos.
Uma das muitas poliolefinas conhecidas é uma resina uti-
lizada em recipientes para acondicionar soluções parenterais.
Trata-se de um copolímero aleatório do etileno (E) e propileno
(P): os dois meros seguem uma seqüência aleatória dentro da
cadeia, por exemplo, —PPEPEEPEPP—.
Nos copolímeros alternados, como a propilenossulfona
obtida pela copolimerização do propileno e do dióxido de en-
xofre, os dois meros se alternam:
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 601

CONCEITO CARACTERIZAÇÃO E COMPORTAMENTO DE POLÍMEROS EM SOLUÇÃO E NO ESTADO


SÓLIDO
Polímeros são macromoléculas naturais ou sintéticas de elevada massa mo- diarréia. É igualmente importante caracterizar os polímeros, determinar sua
lecular que resultam da repetição de monômeros. A formulação de políme- massa molecular e estudar os diferentes comportamentos, tanto no estado
ros nos sistemas de liberação de fármacos exige uma compreensão ampla sólido quanto em solução. A massa molecular e a estrutura química são
de sua estrutura e propriedades. Por exemplo, o policarbofila (acido poliacrí- apenas dois dos parâmetros importantes que determinam a utilidade de um
lico reticulado com divinilglicol) intumesce minimamente se os grupos áci- polímero. Um polímero pode ser “mole/firme”, “duro/friável”, “duro/forte”,
dos carboxílicos da molécula estão não-ionizados. Contudo, caso haja uma e assim por diante, dependendo dos fatores antes mencionados. Isso pode-
elevada concentração de grupos ionizados, ocorre um forte influxo de água e ria, em última instância, afetar a metodologia de fabricação e os usos dos
um acentuado intumescimento das partículas. A capacidade de reter água, polímeros. As seções seguintes proporcionam uma idéia geral das altera-
conferida pelos grupos iônicos, torna esse composto útil naquelas formas ções conformacionais e do comportamento dos polímeros em seus diferen-
farmacêuticas utilizadas para diminuir a fluidez das fezes, no tratamento de tes estados, e também destacam as técnicas para caracterizá-los.

Os monômeros vinílicos são bifuncionais, visto que a du-


pla ligação carbono-carbono pode ser considerada como con-
tendo dois elétrons não-pareados:

Durante as polimerizações em cadeia via radical livre,


Copolímeros em bloco apresentam seqüências longas de um radical livre pode retirar um átomo de hidrogênio de uma
um mesmo mero. Por exemplo, o poloxalcol, amaciante de fe-
cadeia existente, produzindo outro radical livre, o qual pode
zes, é um polímero em bloco de óxido de etileno e óxido de
propileno: crescer como ramificação pela adição de moléculas de monô-
meros. A radiação ionizante pode, também, introduzir esses
radicais livres no polímero, permitindo que um segundo mo-
nômero possa vir a ser enxertado sobre o substrato polimérico,
após a irradiação:

A funcionalidade do monômero define se um determina-


do polímero é formado por uma reação ou se esse polímero é
linear, ramificado ou reticulado (ou cruzado). O ácido acético
e o etanol são monofuncionais, ou seja, cada molécula possui
apenas um grupo funcional reativo. Sua esterificação produz
apenas outro monômero, o acetato de etila. O etilenoglicol e o
ácido ftálico são monômeros bifuncionais e a sua esterificação
produz o polímero linear da estrutura IV. Quando o etileno-
glicol é parcial ou completamente substituído pelo monômero
trifuncional glicerina, se produz um polímero reticulado ou
cruzado, o qual é insolúvel, não funde e, por isso, é dito termo-
fixo. Pequenas quantidades de glicerina produzem estruturas
ramificadas.
Muitos dos polímeros lineares e ramificados são termo-
plásticos, ou seja, podem amolecer ou fundir com o calor e
se dissolvem em solventes apropriados. Os polímeros lineares,
ramificados e reticulados ou cruzados, são representados de
maneira esquemática nas Figura 21-1a a c, respectivamente.
No caso dos polímeros reticulados, como os poliésteres
denominados gliptais, que são produzidos por condensação
da glicerina (trifuncional) e do anidrido ftálico (bifuncional),
cada porção macroscópica consiste de uma única molécula,
uma vez que cada átomo dessa porção está ligado a outro áto-
mo mediante ligações covalentes. Essa estrutura representa um polímero enxertado.
602 P ATRICK J. S INKO

assim por diante. Os valores de DS variam de 0 a 3,00 e nor-


malmente não são números inteiros, pois representam valores
médios referentes a uma amostra tida como um todo.
Na hidroxietilcelulose, a substituição molar, MS, é o nú-
mero médio de moléculas de óxido de etileno que reagiram
com cada mero de glicose anidra. Depois que uma molécula
de óxido de etileno ter sido adicionada em uma das três hi-
Figura 21-1 Ilustração esquemática de ramificação e reticulação em polímeros. droxilas, o grupo hidroxietila resultante pode incorporar mais
moléculas de óxido de etileno, estabelecendo uma competição
com os outros dois grupos hidroxilas remanescentes na molé-
cula de glicose. Embora o valor da MS possa ser determinado
Os copolímeros reticulados que constam como monogra-
a partir do aumento de peso de uma amostra de celulose ou do
fias da United States Pharmacopeia/National Formulary in-
cluem: a resina de permuta catiônica poliestirenossulfonato de consumo de óxido de etileno, o valor de DS da hidroxietilce-
sódio, utilizada para remover o excesso de íons potássio e a lulose permanece normalmente desconhecido. Para a hidroxie-
resina de permuta aniônica colestiramina, usada para remover tilcelulose comercial, o MS costuma assumir valores de 1,8 a
sais biliares, cross-carmelose sódica e cross-povidona. Estes 2,3. Esses valores correspondem a um DS de 0,9 a 1,0, o que
últimos dois produtos são a carboximetilcelulose sódica reti- indica que a maior parte da etoxilação acontece em um grupo
culada e a povidona reticulada. Seus análogos lineares são so- hidroxila, provavelmente na hidroxila primária do carbono 6,
lúveis em água. Os polímeros reticulados são insolúveis, mas que, em média, adiciona duas moléculas de óxido de etileno.
intumescem rápida e fortemente em meio aquoso, incluindo o Sempre que a reação de substituição na celulose produza
suco gástrico. Esses pós, com tamanho médio de partícula de derivados hidroxilados, a substituição molar é utilizada em lu-
50 μm, são incorporados nos comprimidos como desintegran- gar do grau de substituição. Os valores de MS podem exceder
tes, em concentrações de 2%. a 3,00. Alguns tipos de hidroxipropilcelulose, obtidos com a
O poliestirenossulfonato de sódio, um polieletrólito, é so- adição do óxido de propileno e a abertura do anel da celulose
lúvel em água. Para torná-lo insolúvel em água, o estireno (um alcalina, apresentam um MS de 4,0 ou ainda maior.
monômero bifuncional) é copolimerizado com uma pequena
porcentagem de divinilbenzeno (um monômero tetrafuncio-
nal). Após sulfonação e neutralização, a resina resultante apre-
senta a estrutura: MASSA MOLECULAR E CONFORMAÇÕES

Massas moleculares médias7,8


As moléculas pequenas e muitos biopolímeros são monodisper-
sos, ou seja, todas as moléculas de um determinado composto
puro têm uma mesma massa molecular. Todas as moléculas de
sacarose pesam 342,30 g divididos pelo número de Avogadro;
todas as moléculas de albumina sérica humana pesam 69.000 g
divididos pelo número de Avogadro.
Nas reações de polimerização sintética, como as reações
III a V, nenhuma das duas cadeias cresce com a mesma ve-
locidade ou de modo igual dentro de um mesmo período de
tempo. As macromoléculas resultantes são heterodispersas, ou
seja, possuem diferentes tamanhos de cadeia e faixas de massa
molecular, que podem ser caracterizadas por uma massa mole-
cular média e por uma distribuição de massa molecular.
O problema de optar por um dado valor médio de mas-
sa molecular, que seja representativo, é o mesmo abordado no
As duas cadeias lineares ab e cd são unidas pela ligação capítulo referente à Micromerítica. Tomemos como exemplo
cruzada de fenileno. Assim, em um grão dessa resina de per- simples um lote de poliestireno constituído por duas frações
muta iônica, todas as cadeias de poliestirenossulfonato são monodispersas ou homogêneas: uma fração A com massa mo-
mantidas juntas dentro de um único retículo. O influxo de flui-
lecular de 1000 e uma fração com massa molecular de 100.000.
do gastrintestinal aquoso incha os grãos até que as ligações
A fração de massa molecular menor, A, com um DP de 9 a 10,
cruzadas de fenileno fiquem esticadas, de modo que o líquido
é um oligômero. Assumindo que os lotes contenham o mesmo
permeia livremente os grãos intumescidos e troca seus cátions
K+ pelos Na+ da resina. número de moléculas, n, ou uma fração molar, X, igual para as
O grau de substituição, DS, representa o número de gru- duas frações de poliestireno, teremos nA = nB e
pos hidroxilas por unidade de glicose que foi substituída, por nA nB
XA XB 0,500
exemplo, por grupos metila, carboximetila, oxietila, acetila, e nA nB nA nB
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 603

A massa molecular média, M , calculada considerando o nú- Para comprovar o cálculo, pode-se verificar que wA + wB =
mero de moléculas, será: 1,000000. Logo, a partir do termo que contém wi na equação
(21-4),
M  (0,500)(1000)
1
1000 Mn
(21-1) 0,009901 0,990099
2 1000 100 000
Pode-se argüir, contudo, que esse procedimento de calcu- A massa molecular numérica média é afetada especial-
lar a média fornece um valor irreal, dado que cada molécu- mente pela fração de massa molecular menor do polímero.
la pequena de A influi sobre M da mesma forma que o faz De forma experimental, é determinada mediante análise dos
cada molécula grande de B, ainda que A pese apenas 1% de B. grupos terminais e das propriedades coligativas, sobretudo a
Apenas 1% da massa da amostra é constituída por moléculas pressão osmótica.
de A com massa molecular de 1000, enquanto 99% da massa Quando, na equação (21-3), b = 1, a massa molecular
consistem de moléculas de B, cuja massa molecular é 100.000. ponderal média é igual a:
Por conseguinte, uma representação da massa molecular média Ni Mi2 X i Mi2
baseada na fração de massa, w, das espécies A e B presentes Mw w i Mi (21-5)
N i Mi X i Mi
seria mais coerente do seguinte modo:
M (0,01)(1000) (21-2) Para a amostra de poliestireno, a aplicação do termo em Xi da
equação (21-5) resulta em:
A massa molecular média calculada na primeira vez é denomi-
(0,500)(1000)2 2
nada massa molecular numérica média, M n. É obtida soman- Mw
do a massa molecular de cada molécula ou mol presente na (0,500)(1000)
amostra, e depois dividindo pelo número total de moléculas ou Utilizando o termo em wi, obteremos:
de móis da amostra. A segunda massa molecular calculada é
Mw (0,009901)(1000)
denominada massa molecular ponderal média, M w. Ela repre-
senta a média ponderal considerando a fração de massa, w, (ou Devido ao fato de que as moléculas contribuem para a mas-
a fração da concentração m/V em solução) de cada molécula sa molecular ponderal média de um polímero em proporção
ou mol. direta à sua massa na amostra, essa média é particularmente
Matematicamente, a equação geral corresponde a: sensível às frações de elevada massa molecular, por exemplo,
a uma fração pouco reticulada presente em um polímero que
w i Mib Ni Mib 1 seria, de outra forma, linear.
Mb (21-3)
w i Mib−1 Ni Mib Outra massa molecular media, a média-z, é calculada co-
locando-se b = 2 na equação (21-3):
onde a fração ponderal wi da enésima fração monodispersa,
com massa molecular homogênea, Mi, é igual ao número de w i Mi2 Ni Mi3 X i Mi3
Mz 2
(21-6)
moléculas, ni, ou de móis, Ni, vezes Mi e dividido pela massa w i Mi N i Mi X i Mi2
total da amostra, ou seja, por Sni Mi ou SNi Mi, respectivamen-
M z é obtida a partir de medições da sedimentação em equilí-
te. Nesse caso, b é um número inteiro, cujo valor determina a brio como auxílio de uma ultracentrífuga. Para a amostra de
média específica de M. poliestireno bimodal, M z = 99.990.
Se b = 0, o resultado será a massa molecular numérica mé- Há médias numéricas e médias ponderais de graus de po-
dia. Tendo em mente que w i 1 e X i 1, vemos que a limerização que coincidem com as médias numéricas e médias
equação (21-3) pode se transformar em: ponderais de massas moleculares. Por exemplo, se uma amos-
1 N i Mi tra de povidona possui uma M w = 70.000, seu D P w = 70.000
Mn X i Mi (21-4) ÷ 111,1 = 630. A massa molecular do mero, a qual equivale à
w i Mi Ni
massa molecular do monômero vinilpirrolidona, é 111,1.
Para calcular M n de uma amostra bimodal de poliestireno, A partir dessas definições se depreende que M z ≥ M w ≥
o termo que mais se ajusta na equação (21-4) é a expressão M n e que M w/ M n 1. Essa razão é uma medida da polidis-
contida em Xi, já utilizada na equação (21-1). Para utilizar a persão da amostra de um polímero. Muitos biopolímeros são
expressão contida em wi, deve-se calcular wA e wB. Assumindo monodispersos, para os quais M w/ M n vale 1. Para os polímeros
que a amostra consiste de duas moléculas de A e duas de B, vinílicos obtidos por polimerização em solução e com alto nível
teremos: de conversão, essa razão fica na faixa de 2 a 5. Para os polímeros
(2)(1000) vinílicos obtidos mediante polimerização a granel, a razão é fre-
wA 0,009901 qüentemente próxima de 10. A cromatografia por permeação em
(2)(1000) gel* é utilizada para fracionar os polímeros com fins analíticos
e e preparativos. A precipitação fracionada descrita a seguir tam-
(2)(1000) bém é utilizada com essa mesma finalidade.
w
(2)(1000) * N.de T.: Ou exclusão molecular.
604 P ATRICK J. S INKO

Determinação da massa molecular a partir da Para uma amostra polidispersa, o M da equação de Mark-Hou-
viscosidade da solução 9,10 wink (21-8) é substituído por M v. Para a = 1, M v = M w, como
dado na equação (21-5).
Para soluções de derivados da celulose, Staudinger anteviu e As viscosidades de soluções diluídas são determinadas
constatou que a viscosidade reduzida de um polímero era pro- em viscosímetros capilares de vidro. Entre as precauções ex-
porcional à sua massa molecular. A viscosidade reduzida é a perimentais a serem levadas em conta, cabe incluir o uso de
viscosidade específica dividida pela concentração. As obser- banhos de água termostatizados a ± 0,02 °C e de tempos de
vações de Staudinger foram posteriormente modificadas por efluxo de, pelo menos, 200 segundos. Lentas velocidades de
Mark e Houwink e pela análise teórica de Kuhn. A viscosidade fluxo permitem desconsiderar a correção referente à energia
reduzida foi substituída pela viscosidade intrínseca ou número cinética, minimizando os efeitos finais e proporcionando, so-
de viscosidade-limite, [η], que equivale à viscosidade reduzida bretudo, viscosidades com cisalhamento zero, ou seja, o fluxo
extrapolada até diluição infinita. A constante de proporciona- ocorre na região newtoniana e a viscosidade da solução é in-
lidade de [η] é a potência, a, aplicada à massa molecular, que dependente do tempo de efluxo, t. Há um viscosímetro capilar
normalmente assume valores entre 0,5 e 1,1. Os valores mais de vidro especial, com uma série de bulbos que permite deter-
usuais de a ficam entre 0,6 e 0,8. Assim, temos que: minar a viscosidade aparente em uma série de velocidades de
η12 − η1 ηsp cisalhamento e extrapolar um cisalhamento zero.
[η] lim lim (21-7) Para uma extrapolação a zero mais exata, normalmente são
c→0 cη1 c→0 c
escolhidas soluções com concentrações que proporcionem vis-
onde η12 é a viscosidade da solução de concentração c, η1 a cosidades relativas entre 1,1 e 1,5. Dado que as soluções de po-
viscosidade do solvente e ηsp a viscosidade específica. Uma límeros são assim tão diluídas, sua viscosidade é praticamente a
vez que em viscosimetria de polímeros a concentração é nor- mesma do solvente. Logo, pode ser usada a seguinte equação:
malmente expressa em gramas de polímero por decilitro de so- η12 ∼ t12
lução (1 dL = 0,1 litro = 100 mL ou cm3), o que corresponde ηrel (21-10)
η1 t1
a uma expressão % m/V, [η] é expressa em unidades dL/g. Na
química de colóides, [η] é usualmente dada em mL/g. Para determinar a viscosidade intrínseca, as viscosidades re-
Quando a lei de Einstein para a viscosidade é cumprida, duzidas são extrapoladas até uma concentração nula, o que elimi-
[η] = 0,025 dL/g. Esse valor é aproximado quando se trata de na o efeito da intensificação da viscosidade reduzida, que ocorre
proteínas globulares no ponto isoelétrico e para látex polimé- em função do entrelaçamento intermolecular. A extrapolação li-
rico. A maioria das moléculas dos polímeros em solução, in- near geralmente é feita com auxílio da equação de Huggins:
cluindo proteínas desnaturadas, assumem a forma de espirais (21-11)
aleatórias volumosas. Para elas, [η] tem uma magnitude de 1 a
4 ordens maior.
A equação de Staudinger modificada, denominada com Uma determinação alternativa da viscosidade intrínseca faz
freqüência equação de Mark-Houwink, é: uso da viscosidade inerente, mais especificamente, ηinh = ln
ηrel/c. De acordo com essa definição,
[η] KMa (21-8)
ln ηrel
Os parâmetros K e a são constantes para uma determinada [η] lim (21-12)
c→0 c
combinação de polímero e solvente, a uma temperatura defi-
nida. O expoente a assume, normalmente, valores entre 0,5 e Outra forma de extrapolação linear para obter [η], mediante o
0,8. Os valores de K ficam na faixa de 0,2 × 10–4 a 8 × 10–4 uso da viscosidade inerente, baseia-se na equação de Kraemer:
dL/g. Por exemplo, para o álcool polivinílico em água a 30 ln ηrel
ηinh [η] − k2 [η]2 c (21-13)
°C, K = 4,28 × 10–4 dL/g e a = 0,64. Existem extensas tabelas c
publicadas com os valores de K e de a para muitos polímeros
No exemplo seguinte, vemos a aplicação das equações de Hu-
em diferentes solventes e temperaturas. 11
ggins e de Kraemer para determinar a viscosidade intrínseca a
Os valores de K e de a são determinados por meio de me-
partir de viscosidades relativas mediante um conjunto de dados
didas de calibração, utilizando frações de polímeros de massa
experimentais de viscosidade.
molecular conhecida. Conseqüentemente, as medições da vis-
cosidade não permitem a determinação da massa molecular ab-
soluta, como é o caso da osmometria, do espalhamento da luz EXEMPLO 21-1
ou da ultracentrifugação. Contudo, a medida da [η] constitui o Determinação da viscosidade intrínseca de soluções de
método mais ampla e rotineiramente utilizado na determinação polímeros
das massas moleculares dos polímeros, em função da simplici-
A partir dos dados da Tabela 21-1, determinar a viscosidade in-
dade do equipamento e da rapidez e precisão das medições.
trínseca por meio das equações de Huggins e Kraemer. O subscrito
A massa molecular viscosimétrica média, M v, fornece va-
1 se refere ao solvente, o 2 ao polímero, e o 12 à solução do políme-
lores que ficam entre os valores de massa molecular ponderal
ro. Os tempos de efluxo são dados com quatro cifras significativas
média e os de massa molecular numérica média. Tais valores já que derivam das médias de quatro a cinco determinações. A
são mais próximos da primeira delas, sendo comumente de 10 análise de regressão linear dos dados, representados graficamente
a 20% menores que os da M w: segundo a equação de Huggins (Figura 21-2, linha A), indica que
1 a
1 a N i Mi a 1 ηred = 0,354 + 0,0404c. Conseqüentemente, [η] = 0,354 dL/g e
Mv w i Mia (21-9)
N i Mi k1 = Inclinação [η]2 = 0,0404 (0,354)2 = 0,322
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 605

TABELA 21-1
VALORES DE VISCOSIDADE DE SOLUÇÕES DILUÍDAS DE POLIMETILMETACRILATO
EM DICLOROMETANO, A 25 °C
c2 Tempo de Efluxo ln ηrel ηrel − 1
ηinh = ηrel =
(g/dL) (s) c2 c2
t1
0 235,6 1,000 — —
t12
0,125 246,2 1,045 0,352 0,360
0,250 257,0 1,091 0,348 0,364
0,500 279,6 1,187 0,342 0,374
1,000 328,6 1,395 0,333 0,395

A análise de regressão linear segundo a equação de Kraemer (Fi- segmentos. A maioria dos polímeros tem uma densidade bruta
gura 21-2, linha B) indica ηinh = 0,354 – 0,0212c. Logo, [η] = de 1 g/cm3, porém, quando em solução, as cadeias enoveladas
0,354 dL/g e ao acaso são permeadas pelo solvente e ocupam um volume
k2 = −Inclinação [η]2 = −(−0,0212) (0,354)2 = 0,170 muitas vezes maior do que seu volume bruto. A densidade mé-
dia dos segmentos de um polímero dentro de uma cadeia eno-
As duas linhas convergem no intercepto comum, [η], em c = 0. velada de forma aleatória é da ordem de 10-5 a 10-3 g/cm3.
Em vez de usar a análise de regressão linear, o intercepto e as incli- As dimensões de uma cadeia enovelada dependem das
nações das duas linhas podem ser obtidos a partir da Figura 21-2. interações polímero-solvente, sendo maiores quando a solva-
A soma das constantes de inclinação de Huggins e Kraemer, k1 + tação intensa das cadeias é favorecida do ponto de vista termo-
k2, é igual a 0,322 + 0,170 = 0,492 ∼
= 0,500, confirmando a teoria. dinâmico e, ao contrário, são mais restritas quando o solvente
é termodinamicamente desfavorável. Substituintes volumosos
(p. ex., o grupo fenila do poliestireno), grupos ionizados (p.
Conformação de macromoléculas lineares em ex., o grupo carboxilato de sódio do carbômero USP neutrali-
solução3,4,7,12-14 zado), anéis na estrutura (como os do tereftalato de polietileno
ou da celulose) ou insaturações (como as duplas ligações par-
As cadeias poliméricas são bastante flexíveis devido a uma li- ciais nas cadeias de polipeptídeos, induzidas por ressonância)
berdade de rotação relativamente grande ao redor das ligações reduzem a flexibilidade da cadeia de polímero, o que resulta
entre os carbonos e outros átomos que constituem sua estru- em espirais mais abertas ou mais compridas e, por conseguin-
tura. Essa idéia está ilustrada na Figura 21-3 mediante a des- te, em viscosidades intrínsecas maiores.
crição de quatro átomos de carbono sucessivos de uma mesma A forma das cadeias de um polímero enoveladas aleatoria-
cadeia, fixando-se o comprimento das ligações (1,54 Å) entre mente varia de modo constante devido ao bombardeio aleatório
os átomos de carbono 1 e 2, como referência, em relação ao por parte das moléculas de solvente. Logo, não há duas cadeias
plano da folha de papel. com a mesma forma em um determinado momento. Assim, as
O átomo de carbono 3 pode estar em qualquer posição dimensões das espirais aleatórias são expressas estatisticamente
dentro de um círculo ao redor da base do cone de varredura, pela média, considerando-se todas as moléculas do polímero e
traçado pela rotação da ligação C2–C3 e determinado pelo ân- longos períodos de tempo. O problema em prever as distâncias
gulo da ligação tetraédrica de 109° relativa à ligação C1–C2. entre os dois pontos terminais de uma cadeia em novelo é análogo
Quanto à localização do C4, cada posição do átomo 3 dentro ao de calcular a distância percorrida por uma partícula difusante
do círculo origina outro cone com uma base circular de varre- sob movimento browniano, tratada como um vôo aleatório (Fi-
dura definida pela rotação da ligação C3–C4 em um ângulo de gura 21-4). No caso da cadeia de polímero, cada etapa desse vôo
109°. Assim, o átomo C4 pode estar localizado em qualquer corresponde à adição de um átomo de carbono na cadeia. Contu-
ponto de quaisquer desses vários círculos. Isso exemplifica do, há três restrições que impedem o tratamento da distância pon-
como é enorme o número de possíveis conformações* dentro ta-a-ponta, R, como um vôo completamente aleatório: cada etapa
de uma cadeia polimérica com inúmeros átomos de carbono, o somente pode ocorrer mantendo-se uma distância de ligação car-
que resulta em uma cadeia de elevada flexibilidade. bono-carbono de 1,54 Å, o ângulo de ligação de 109° a 110° deve
Ao serem golpeadas pelas moléculas de solvente circun- ser respeitado, e há também os impedimentos estéricos.
dantes submetidas à agitação térmica, as cadeias do polímero Para expressar essa média é utilizado o valor da média
em solução adotam formas de espirais aleatórias, sempre va- quadrática da distância ponta-a-ponta, R. Para os quatro valo-
riáveis, seguindo um movimento browniano de contorção dos res de R, 100, 200, 200 e 300 Å, a média quadrática será:
* Os diferentes arranjos geométricos das cadeias de polímero gerados pela rota- 1002 (2)(2000)2 3002
ção ao redor de ligações simples da sua estrutura são denominados conforma-
R2 1 2
212 Å
4
ções. Os diferentes arranjos definidos por ligações químicas e que implicam
isomerismo são denominados configurações. Uma variação da configuração Além da distância ponta-a-ponta, também é utilizado o raio de
requer a quebra e reestruturação de ligações de valência primária. 2,9 giro, S, para descrever as dimensões de cadeias enoveladas de
606 P ATRICK J. S INKO

0,40
Viscosidade reduzida ou inerente (dL/g)

A
0,38

0,36

B
0,34

0,32
Figura 21-2 Gráficos de viscosidade reduzida e inerente ver-
sus concentração de polimetilmetacrilato em diclorometano, a
0,30 25 °C, para a determinação da viscosidade intrínseca. A linha
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 A representa a viscosidade reduzida, a linha B a viscosidade
c2 (g/dL) inerente.

forma aleatória. Ele corresponde à média quadrática da distân- a distância ponta-a-ponta além do valor calculado pela equação
cia dos segmentos da cadeia ao centro gravitacional da cadeia (21-15): interações de curto alcance, especificamente, impedimen-
enovelada. No caso de polímeros ramificados, nos quais há to estérico da rotação livre ao redor das ligações carbono-carbono
mais de dois pontos terminais, o raio de giro é mais representa- do esqueleto da cadeia, causado por substituintes volumosos, por
tivo do que R. Para polímeros lineares vale 〈R2〉 = 6 〈S2〉. anéis ou insaturações no esqueleto que produzam conformações
Conforme Kuhn9,10 calculou em 1934 pelo método do vôo planas rígidas; grupos iônicos e interações intramoleculares de
livre, quando a molécula de um polímero consiste de uma ca- longo alcance, a saber, volume de exclusão (os segmentos da ca-
deia de n segmentos idênticos de comprimento L, livremente deia possuem uma espessura finita, de modo que dois segmentos
ligados, ou seja, sem restrições como o ângulo de ligação θ não podem ocupar um mesmo espaço ao mesmo tempo).
entre os segmentos, vale a expressão:
R2 nL2 (21-14) EXEMPLO 21-2
Assim, 〈R 〉 é diretamente proporcional à massa molecular.
2
Aplicações dos polímeros como agentes espessantes
Introduzindo o ângulo da ligação tetraédrica θ = 110°, cujo Para uma molécula de poliestireno, cuja massa molecular é de
cos θ = –1/3, e assumindo liberdade de rotação ao redor desse 1.000.000, calcular o comprimento da cadeia completamente es-
ângulo, verificamos que a média quadrática da distância ponta- tendida (denominado comprimento de contorno), a média quadrá-
a-ponta se duplica: tica da distância ponta-a-ponta assumindo uma cadeia unida li-
1 − cos θ vremente, a média quadrática da distância ponta-a-ponta e o raio
R2 ∼ n L 2 2n L 2 (21-15)
1 cos θ de giro para um ângulo de ligação de 110°.
A massa molecular do estireno e do mero é de 104,16, logo,
Os seguintes fatores expandem ainda mais as dimensões DP = 1.000.000/104,16 = 9600. A cadeia completamente estendi-
das moléculas reais dos polímeros em solução, ao se aumentar

1,54

Figura 21-3 Liberdade de rotação de uma cadeia de quatro átomos de car- Figura 21-4 Polímero linear enovelado aleatoriamente mostrando a distân-
bono em seqüência. cia ponta-a-ponta, R.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 607

da, sobre um mesmo plano, toda ela trans, com conformação em sob cisalhamento baixo e a temperatura ambiente, de 80 poise.
ziguezague, tem as seguintes dimensões: Como a água tem uma viscosidade de 0,01 poise, a viscosi-
dade relativa dessa solução é 8000, ou seja, a dissolução de
2% de polímero aumenta a viscosidade da água 8000 vezes.
A viscosidade das soluções de polímeros aumenta de forma
exponencial com a concentração. Freqüentemente, as soluções
de polímeros de elevada massa molecular formam géis a con-
centrações de 5% ou maiores (Figura 21-5).
Os fatores responsáveis pela ação espessante dos polí-
meros em solução são discutidos nos parágrafos seguintes,
começando por considerações sobre moléculas de polímeros
simples em solução e depois abordando o efeito do entrela-
çamento intermolecular. Os motivos para o comportamento
pseudoplástico ou shear thinning das soluções de polímeros
serão também discutidos.
A projeção do comprimento da ligação de carbono-carbono Cada mero da metilcelulose possui três ou quatro grupos
de 1,54 Å sobre o eixo da cadeia permite calcular o comprimento éter e uma ou duas hidroxilas que estão fortemente hidratados
de contorno da cadeia como a = (1,54 Å) seno (110°/2) = (1,54 Å) em solução aquosa. Cada oxigênio do grupo éter possui dois
seno 55° = 1,26 Å. Cada monômero contribui com 1,26 Å × 2 = elétrons não-compartilhados e, conseqüentemente, pode ligar-
2,52 Å para esse comprimento. Para 9600 monômeros, o resultado se à água mediante ligações de hidrogênio. Cada uma dessas
será: 2,52 Å × 9600 = 24.190 Å. moléculas de água pode ligar-se a outras moléculas de água
A cadeia de poliestireno contém n = 2 · DP = 2 × 9600 = por ligações de hidrogênio, cercando, assim, a cadeia de po-
19.200 ligações no esqueleto da cadeia, com um valor de L = 1,54 límero com um invólucro de água de hidratação. Da mesma
Å. De acordo com a equação (21-14), quando a cadeia está unida
forma, uma molécula de poliestireno dissolvida em benzeno
livremente, a média quadrática da distância ponta-a-ponta será
está fortemente solvatada por forças de van der Waals. Quando
〈R2〉1/2 = [(19.200) (1,54 Å)2]1/2 = 213 Å.
as cadeias se movimentam, suas camadas de solvatação são
Considerando a restrição do ângulo de ligação tetraédrica,
arrastadas junto com elas. O aumento de tamanho das unidades
mas aceitando livre rotação, a equação (21-15) resulta em: 〈R2〉1/2 =
[(2) (19.200) (1,54 Å)2]1/2 = 302 Å, que corresponde a 〈S2〉1/2 =
que fluem resulta dessa solvatação e faz com que a resistência
√ ao fluxo e a viscosidade da solução fiquem maiores.
〈R2〉1/2 / 6 = 123 Å.
Para uma fração de poliestireno com massa molecular 106, Contudo, a solvatação não pode explicar o considerável au-
o valor real de 〈R2〉1/2, deduzido a partir de medições da viscosi- mento da viscosidade em função do polímero dissolvido, uma
dade intrínseca em solventes favoráveis, será pelo menos três ve- vez que 1600 moléculas de metilglicose estariam tão fortemen-
zes maior.15 Essa discrepância é devida, principalmente, à maior te hidratadas como a macromolécula de metilcelulose. A dife-
rigidez das cadeias de poliestireno causada pelo impedimento à rença principal reside na natureza cooperativa do fluxo desta
rotação ao redor das ligações carbono-carbono das cadeias, a qual, última, na qual todos os 1600 monômeros, além das moléculas
por sua vez, é atribuída aos volumosos grupos fenila laterais e à de água de hidratação, devem se movimentar juntos, o que re-
solvatação da macromolécula. sulta em uma entidade em estado de fluxo muito grande.
Como meio de comparação, uma esfera de látex, consistente Uma quantidade bastante grande de solvente fica localizada
de uma molécula de poliestireno, com massa molecular de 106 e dentro de uma molécula enovelada de forma aleatória. Como já
densidade de 1,06 g/cm3, possui um raio de: mencionado anteriormente, um novelo aleatório consiste de cer-
106 g mol ca de 0,01% de polímero e 99,99% de solvente. Apenas uma pe-
R= quena porção do solvente está ligada ao polímero por forças de
mol 6,023 × 1023 moléculas
3
1
3
valência secundária. A maior parte desse solvente está “livre”.
cm3 1024 Å 3 De acordo com o modelo da espiral com drenagem livre
× = 72 Å
1,06 g cm3 4π (free-draining coil), as cadeias de polímero enoveladas de for-
ma aleatória e em movimento translacional deixam o solven-
A mesma molécula dissolvida na forma de um novelo aleatório, com
te livre dentro delas basicamente sem perturbação. Para essa
o raio de aproximadamente 1100 Å, ocupa um volume de (1100/72)3
= 3600 vezes maior. A densidade do segmento de polímero dentro
cadeia enovelada, que é livremente permeável, alguns cálcu-
do novelo aleatório é igual a (1,06 g/cm3)/3600 = 2,9 × 10-4 g/cm3. los teóricos permitem antecipar que a viscosidade intrínseca
Dessa forma, moléculas de polímero em solução espalham-se den- é proporcional à massa molecular, tornando o expoente a da
tro do solvente e ocupam ou preenchem o espaço do solvente de for- equação de Mark-Houwink (21-8) igual à unidade. No outro
ma efetiva. Por esse motivo, os polímeros em solução são excelentes extremo, quando um novelo aleatório é completamente im-
agentes espessantes de solventes (ver próxima seção). penetrável ao solvente externo, que tenta fluir através dele, e
todas as moléculas do novelo se movimentam com a mesma
velocidade que o próprio novelo, então a pode valer 0,5.
Polímeros como agentes espessantes12, 16, 17 A viscosidade observada para soluções diluídas de políme-
A extraordinária capacidade das macromoléculas de aumentar ros é bem maior do que a calculada para espirais com drenagem
a viscosidade relativa das soluções que as contêm é ilustrada livre, o que indica que uma parte das moléculas de solvente
pela metilcelulose de elevada viscosidade, grau USP. Uma so- livre dentro da macromolécula enovelada fica presa mecani-
lução aquosa a 2,00% (m/V) tem uma viscosidade aparente, camente e é arrastada quando a macromolécula se movimenta.
608 P ATRICK J. S INKO

100.000
75.000
70.000
40.000
50.000
15.000
40.000
30.000
20.000
15.000

10.000 4.000
7.000
5.000
Viscosidade (cp)

4.000
1.500
3.000
2.000
1.500
400
1.000
700
500
400
300
200 100
150
100
70
50
40 Figura 21-5 Viscosidade de soluções aquosas de diferentes
25 graus de Methocel, metilcelulose, a 20 °C versus concentração.
15
10 Os números sobre as curvas indicam viscosidades, em centipoi-
5 se, de soluções a 2% (m/m). Algumas massas moleculares numé-
3 ricas médias representativas correspondentes a esses números
2
1 são: 26.000 (100 cp), 63.000 (1500 cp) e 120.000 (15.000 cp). A
0 1 2 3 4 5 6 7 escala vertical corresponde à raiz oitava e não à escala logarítmi-
Concentração (% m/m) ca. (Reproduzida, com permissão, de Dow Chemical Company).

Ou seja, uma parte do solvente que não participa da solvatação movimento browniano constante, as cadeias vizinhas tendem a
passa a formar parte da entidade que flui, aumentando de modo se interpenetrar, ficando entrelaçadas. Durante o fluxo, os en-
adicional o tamanho desta e a resistência por atrito. trelaçamentos da cadeia atuam como retículos temporários que
Newton postulou que um solvente é constituído de uma pi- favorecem o movimento conjunto das cadeias adjacentes inter-
lha de camadas muito finas e paralelas. O fluxo laminar em um penetradas. A equação de Huggins (21-11) é válida apenas para
cisalhamento ideal consiste no deslocamento dessas camadas, soluções diluídas que possuam viscosidades relativas iguais a
que passam a deslizar umas sobre as outras. O movimento é
transmitido pelo atrito entre camadas adjacentes. Camadas pró-
ximas à fonte de tensão de cisalhamento, responsável pelo flu-
xo, fluem mais rapidamente do que aquelas mais distantes ou
localizadas próximas à base. O efeito final é um gradiente de
velocidade, mostrado na Figura 21-6 pela diferença no com-
primento das setas, que representam a velocidade de fluxo das
camadas individuais. Uma macromolécula enovelada de forma
aleatória ocupa várias camadas adjacentes de solvente que se
movimentam em velocidades diferentes. A região superior do
novelo aleatório fica sujeita a uma maior tensão de cisalhamento
do que a região inferior, porque a primeira fica imersa dentro
das camadas de movimentação mais rápida. O acoplamento re-
sultante faz com que o novelo aleatório gire no sentido horário.
Essa rotação aumenta mais a resistência ao atrito da solução.
A agitação térmica das moléculas do solvente, combina- Figura 21-6 Uma macromolécula linear enovelada aleatoriamente em mo-
da com a elevada flexibilidade da cadeia, faz com que as ma- vimento de rotação dentro de um campo de cisalhamento laminar. As setas
cromoléculas dissolvidas se entrelacem, ainda em concentra- dentro do novelo indicam a velocidade relativa das camadas de solvente. A
ções moderadas (Figura 21-7). Como cada novelo aleatório camada de solvente ao longo do centro do novelo está “estacionária”, ou
se estende ao longo de um volume de solução relativamente seja, se movimenta com a mesma velocidade que o novelo. As setas à direita
grande, e cada um dos segmentos dele está envolvido em um do novelo indicam a velocidade absoluta das camadas de solvente.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 609

quais interpenetram uns nos outros e retêm grandes quantida-


des de solvente. Esse efeito é independente do cisalhamento
aplicado. O efeito oposto, vinculado ao desenrolamento par-
cial e ao alongamento e alinhamento dos novelos aleatórios, é
a diminuição do solvente aprisionado e, neste caso, o desenro-
lamento ocasionado pelo fluxo é proporcional ao cisalhamento
aplicado. Por conseguinte, para cada tensão de cisalhamento
ou velocidade de cisalhamento aplicada à solução do políme-
ro há um grau correspondente de equilíbrio médio da cadeia
desenrolada, alongada e desenlaçada, que resulta em um tama-
nho médio característico para a entidade que flui, carregando
uma quantidade média característica de solvente aprisionado
mecanicamente e, portanto, um valor característico de visco-
sidade aparente.
Em baixas velocidades de cisalhamento, o efeito do mo-
vimento browniano prevalece. As cadeias conservam sua
Figura 21-7 Três cadeias de polímero linear enoveladas aleatoriamente: (a) conformação de novelos aleatórios, retêm grandes quantida-
em repouso, (b) em um campo de cisalhamento. (Retirada, com permissão, des de solvente e permanecem entrelaçadas, em sua maioria.
de: H. Schott and A. Martin, in L. W. Dittert (Ed.), American Pharmacy, 7th Ed., Isso resulta em entidades volumosas em estado de fluxo e
Lippincott, Filadélfia, 1974.). em uma elevada viscosidade aparente. Em velocidades de
2,0 ou menos, nas quais o entrelaçamento intermolecular é mí- cisalhamento elevadas, as cadeias estão predominantemen-
nimo. O entrelaçamento das cadeias faz com que a viscosidade te desenroladas e alongadas, retêm muito menos solvente e
reduzida aumente mais rapidamente com a concentração do se encontram em sua maioria desenlaçadas, o que produz
que o previsto pela equação (21-11). Para os fortes efeitos es- pequenas unidades em estado de fluxo e baixa viscosidade
pessantes necessários em algumas formulações farmacêuticas, aparente.
as relações semilogarítmicas entre a viscosidade da solução Dado que as cadeias de polímero são marcadamente finas
(ou viscosidade reduzida) e a concentração são mais represen- e flexíveis, elas se ajustam às variações na velocidade de cisa-
tativas, como as mostradas na Figura 21-5. lhamento quase que de imediato, ou seja, muito mais rápido
Os mesmos fatores que causam a viscosidade inesperada- do que o tempo de resposta dos viscosímetros. Esses tempos
mente elevada em soluções de polímeros fazem com que essas de relaxação curtos reprimem os efeitos de histerese ou tixo-
apresentem comportamento pseudoplástico ou shear thinning, tropia. A viscosidade aparente das soluções de polímeros não
de modo que a viscosidade aparente das soluções diminui de depende das ações precedentes ao cisalhamento (período de
forma contínua enquanto a tensão de cisalhamento ou a veloci- tempo e intensidade da velocidade de cisalhamento aos quais a
dade de cisalhamento são aumentadas. solução de polímero foi submetida anteriormente), e sim ape-
Sob a influência de um cisalhamento em aumento, as ca- nas da velocidade de cisalhamento do momento (assim como
deias poliméricas enoveladas de forma aleatória se desenrolam da concentração e da temperatura).
ou desenlaçam progressivamente, tornando-se mais alongadas
e lineares e alinhando-se no sentido do fluxo. A área transversal
reduzida de uma macromolécula enrolada no sentido do fluxo POLÍMEROS EM SOLUÇÃO
causa pouco distúrbio em poucas linhas de fluxo do solvente,
reduzindo o atrito. A mesma deformação do novelo também
reduz a quantidade de água retida dentro das cadeias que é ar- Aspectos gerais
rastada junto com o movimento destas. Com isso, as entidades
que fluem diminuem em tamanho e, por conseguinte, a resis- Alguns dos problemas e perguntas encontrados na preparação,
tência ao atrito ou à viscosidade da solução também diminui. caracterização e uso das soluções de polímeros são: qual sol-
vente utilizar, como misturar polímero e solvente, qual a con-
A tendência dos novelos aleatórios girarem dentro de um
centração de trabalho, como a temperatura e a massa molecular
campo de cisalhamento, ilustrada na Figura 21-6, é reduzida,
afetam a concentração de uso, que fatores termodinâmicos re-
porque as cadeias que estão desenroladas e alongadas de modo
gem a dissolução, as propriedades da solução e a solubilidade-
considerável na direção do fluxo se sobrepõem a poucas cama-
limite, e como prevenir geleificação ou precipitação (ou como
das de solvente. Isso reduz a magnitude do acoplamento que
promover a formação de gel, se for desejável). Esses e outros
causa a rotação.
assuntos são discutidos nas seções seguintes.
Com o aumento do cisalhamento, as cadeias poliméricas
interpenetradas são aos poucos desenlaçadas e tendem a fluir
cada vez mais como entidades separadas. Conseqüentemente, o Escolha do solvente2,5,18,19
tamanho das entidades que fluem diminui, da mesma forma que
a resistência ao fluxo ou viscosidade. A Figura 21-7b ilustra Da mesma forma que ocorre com as moléculas pequenas, os
três cadeias antes interpenetradas que estão amplamente desen- polímeros se dissolvem melhor ou em maior quantidade em
laçadas e desenroladas, e seu alinhamento na direção do fluxo. solventes que tenham parâmetros de solubilidade similares aos
O movimento browniano dos segmentos das cadeias tende seus. Para que um líquido possa dissolver um polímero, a dife-
a produzir novelos aleatórios aproximadamente esféricos, os rença entre seus parâmetros de solubilidade deverá ser menor
610 P ATRICK J. S INKO

que 2 (cal/cm3)1/2,* aproximadamente. O calor de vaporização onde V e M são o volume molar e a massa molecular, respecti-
dos polímeros não pode ser determinado porque a tentativa de vamente, do monômero, e ρ2 a densidade do polímero.22-24 As
evaporá-los causa sua decomposição térmica em fragmentos de contribuições de alguns grupos à constante de atração molar
massa molecular menor. Por isso, são necessários métodos in- estão listadas na Tabela 21-2.
diretos para calcular os valores de δ2 dos polímeros.
Um método óbvio é medir a solubilidade-limite de uma de- EXEMPLO 21-3
terminada fração de polímero, a uma dada temperatura, em vá-
rios solventes. A solubilidade máxima será observada no solvente Estimativa do parâmetro de solubilidade
cujo valor de δ1 mais se assemelhar ao valor de δ2. De forma al- Fazendo uso dos dados da Tabela 21-2, calcular o parâmetro de
ternativa, quantidades fixas de uma amostra de polímero são mis- solubilidade do polimetilmetacrilato. O polímero (Lucite, Plexi-
turadas com volumes constantes de uma série de solventes, cujos glas) tem uma densidade de 1,18 g/cm3.
valores de δ1 aumentem gradualmente, de modo a obter uma con- Temos que
centração final comparável com aquela que se pretende utilizar.
Nesse caso, o polímero dissolverá, a temperatura ambiente, em
um grupo de solventes que abranja certa faixa de valores de δ1.
Seu δ2 será igual ao valor médio da faixa de valores de δ1 daque-
les solventes nos quais o polímero é completamente solúvel.11 Os
polímeros são solvatados mais intensamente naqueles solventes
com o mesmo valor de δ, o que resulta em cadeias mais rígidas e
com raios de giro maiores. Conseqüentemente, os gráficos de vis-
cosidade intrínseca de polímeros lineares, dissolvidos em vários
solventes, versus δ1 alcançam um máximo quando δ1 = δ2.20
Os polímeros reticulados, como a borracha vulcanizada, não
se dissolvem, porém intumescem mais fortemente naqueles sol-
ventes com mesmo valor de δ.21 Os gráficos de intumescimento
em diferentes solventes (cm3 de solvente captado/g de polímero (1,18)(794)
δ2 = = 9,4 (cal cm3 )1 2

seco) versus δ1 atingem um máximo quando δ1 = δ2.20 100


A estimativa do parâmetro de solubilidade de um políme-
ro pode ser obtida tratando-a como uma propriedade aditiva Esse valor coincide bem com aquele determinado experi-
e constitutiva, considerando-se as forças de atração molar, F, mentalmente, 9,3 ± 0,2. A Tabela 21-3 contém os parâmetros
dos grupos que compõem os monômeros: de solubilidade de vários polímeros. O valor para um dado po-
F ρ2 F límero pode variar, dependendo da polaridade ou da capacida-
δ2 (21-16) de de formar ligações de hidrogênio do solvente utilizado na
V M
determinação de δ2.

* 1 (cal/cm3)1/2 = 2,046 (joule/cm3)1/2.


TABELA 21-3
PARÂMETROS DE SOLUBILIDADE DE POLÍMEROS, EM (cal/cm3)1/2
TABELA 21-2
Polímero δ2
CONSTANTE DE ATRAÇÃO MOLAR, F, DE DIFERENTES
GRUPOS, EXPRESSA EM (cal/cm3)1/2/MOL DE MERO Politetrafluoroetileno 6,2
Polidimetilsiloxano 7,6
Grupo F Grupo F Polietileno 7,9
---CH3 179 303 Poliisobutileno 8,0
---CH2 --- 133 Poliisopropeno (borracha natural) 8,1
| 67 240 Policloropropeno 8,7
-- ---OH aromático 171 Polipropileno 8,7
| ---NH2
230 Poliestireno 8,8–9,3
0 180 Polimetilmetacrilato 9,1–9,5
Cloreto de polivinila 9,4–9,8
| Acetato de polivinila 9,6
231 61
Terftalato de polietileno 10,7
---CH CH--- 237 ---C –- N 400 Diacetato de celulose 10,9
aromático Cloreto de polivinilideno 12,2
---O--- 108 ---Cl 206 Álcool polivinílico 12,6–14,2
161
Poliexametileno adipamida (Nylon 6,6) 13,6
---C--- 284
Poliacrilonitrila 12,5–15,4
O Celulose 15,7
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 611

Os métodos aqui destacados para determinar o parâmetro EXEMPLO 21-4


de solubilidade de polímeros falham quando as forças predo-
minantes entre solvente e polímero são forças do tipo dipolo Determinação das frações molares e volumétricas
ou ligações de hidrogênio, em vez de forças de dispersão de Calcular as frações molares e as frações volumétricas para os com-
London. Nesse caso, uma abordagem mais apurada consiste ponentes de uma solução a 5% (m/v) de uma fração de poliestireno
em segregar o parâmetro de solubilidade nos três diferentes (M2 = 80.000) em tolueno (M1 = 92). As respectivas densidades
parâmetros, que correspondem às contribuições desses tipos de são: tolueno, ρ1 = 0,87; poliestireno, ρ2 = 1,08; solução ρ12 = 0,88
forças de valências secundária, e depois plotar os parâmetros g/cm3. Utilizando 100 cm3 como base para o cálculo, obteremos:
envolvidos em um sistema tridimensional, dentro do qual os 0,88 g
polímeros estão localizados.11,25,26 (100 cm3 solução ) = 88 g solução
cm3
O número de móis será:
Preparação de soluções de polímeros n1 = (88 − 5 g)
mol
= 0,902 mol
92 g
Para conseguir a dispersão dos pós e evitar sua aglomeração, as
temperaturas do solvente inicial deverão favorecer um intumes- e
cimento limitado e uma dissolução escassa. Por exemplo, a me- mol
n2 = (5 g) = 0,0000625 mol
tilcelulose é mais solúvel em água fria do que em água quente. g
Muitos polímeros solúveis em água, como o álcool polivinílico e Conseqüentemente, as frações molares serão:
a carboximetilcelulose sódica, são mais solúveis em água quente 0,902
do que em água fria. Alguns polímeros são utilizados em mistu- X1 = = 0,99993 ∼
= 1,000
0,902 + 0,0000625
ras de solventes. Para dissolver a etilcelulose, costuma-se utili-
zar uma mistura com 80% de tolueno e 20% de álcool etílico. e
0,0000625 ∼ 0,0000625
X2 = = = 0,00007 ∼
= 0,000
0,902 + 0,0000625 0,902
Termodinâmica de soluções de Os volumes serão:
polímeros4,5,8,12,16,18,27–29 cm3
V1 = (88 − 5 g) = 95,4 cm3
0,87 g
Na dissolução de um polímero (indicado com 2 em subscrito) em
um solvente (indicado com 1 em subscrito) a temperatura cons- e
tante, T, a energia livre de mistura ou de solução corresponde a: cm3
V2 = (5 g) = 4,63 cm3
Gm Hm − T Sm (21-17) 1,08 g

onde G, H e S representam a energia livre, a entalpia ou calor As frações volumétricas serão:


e a entropia, respectivamente; o símbolo Δ indica a variação φ1 =
95,4
= 0,954
nesses parâmetros durante o processo de mistura, ou seja, as 95,4 + 4,63
diferenças entre G, H e S da solução e do polímero e do solven- 4,63
φ2 = = 0,046
te antes da dissolução. 95,4 + 4,63
Para que a dissolução ocorra de forma espontânea, ΔGm
Para verificar o resultado: 0,954 + 0,046 = 1,000.
deve ser negativo. Isso pode ser alcançado mediante uma ΔHm
negativa (mistura exotérmica) ou uma ΔSm positiva (aumento
da desordem ou da aleatoriedade), preferentemente a elevadas Calor de mistura
temperaturas. Os efeitos da entropia são predominantes na dis- A dissolução de polímeros em geral é endotérmica, com um
solução de polímeros, a qualquer temperatura. calor de mistura ΔHm positivo (que age contra a dissolução,
Para dissolver polímeros cristalinos, as forças de valência pois tende a tornar ΔGm positivo), porém pequeno. Em termos
secundária que mantêm unidas as cadeias do retículo e que são de parâmetro de solubilidade,18,19
representadas pelo calor de fusão (ver mais adiante) devem ser
sobrepujadas. O polietileno, em função de sua elevada cristali- Hm ∼ V12 (δ1 − δ2 )2 φ1 φ2 (21-18)
nidade, é solúvel em solventes como tolueno somente quando onde V12 é o volume da mistura.
aquecido até 25 °C do seu ponto de fusão. A celulose é insolúvel Pela teoria de Flory-Huggins sobre as soluções de políme-
em água, ainda quando seu monômero, a dextrose, seja muito so- ros, publicada de forma independente por esses dois químicos
lúvel. O intento de dissolver celulose em água mediante aqueci- de polímeros entre 1941 e 1944, ΔHm é tida como sendo posi-
mento e sob pressão resultará, pelo contrário, na sua hidrólise. O tiva, sendo dada pela equação de van Laar,
ponto de fusão da celulose é tão elevado que ela sofre decomposi-
Hm χ RTn1 φ2 (21-19)
ção térmica em vez de fusão, quando aquecida a seco. A seguinte
discussão se refere às soluções de polímeros no estado amorfo. onde χ é o parâmetro de interação de Flory-Huggins.*
Uma vez que a massa molecular e o volume molar dos po-
límeros são muito maiores do que os dos solventes, as concen-
trações são expressas em fração volumétrica, φ, e não como fra- * Este parâmetro adimensional, às vezes representado por μ, caracteriza a ener-
ções molares, X, como é usual no caso de moléculas de soluto gia de interação para uma determinada combinação polímero-solvente. Espe-
pequenas. Em soluções comparativamente diluídas de políme- cifica, em valores múltiplos de RT, o excesso de energia livre de transferência,
ro, X1 é praticamente igual à unidade, enquanto que φ1 não o é. por mol de solvente, de um solvente puro para uma fase de polímero puro.
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calculada pela relação de Boltzmann ΔSm = R ln W, onde W é o


número identificável de arranjos de preenchimento do retículo
pelas cadeias do polímero e pelas moléculas do solvente. O
resultado pode ser expresso como:
Sm R(n 1 ln φ1 n 2 ln φ2 ) (21-20)
onde φ2 Nn2 /n 1 Nn2, para n2 móis de moléculas de polí-
mero contendo N segmentos cada uma, pressupondo-se que
polímero e solvente tenham a mesma densidade, pois cada seg-
mento do polímero ocupa igual volume que uma molécula de
solvente. Freqüentemente, N equivale a DP. Para amostras de
polímero com uma distribuição ampla de massa molecular, n2
ln φ2 é somada para todas as frações, ou seja, n 2 i ln φ2 i.
Como visto, φ1 φ2 i 1,00.
Uma vez que tanto φ1 quanto φ2 são menores que 1, seus lo-
garitmos são negativos e ΔSm é positiva, como seria de esperar, já
que a mistura provoca um aumento da desordem ou aleatoriedade.
Segundo a equação (21-17), um valor positivo de ΔSm traz uma
contribuição negativa para ΔGm, o que favorece a dissolução.

EXEMPLO 21-5
Variação da entropia associada à dissolução de polímeros.
Calcular a variação de entropia quando 78 g de uma fração de po-
liestireno, com massa molecular 52.000, são dissolvidos em 1090
Figura 21-8 Localização de uma cadeia polimérica de 14 segmentos e 13 cm3 de tolueno (massa molecular 92 g/mol). As densidades do po-
ligações que ocupa 14 sítios de um retículo bidimensional 5 × 7, do qual 21 liestireno e do tolueno são 1,07 g/cm3 e 0,87 g/cm3, respectivamen-
sítios são ocupados pelo solvente. φ1 = 21/35 = 0,60; φ2 = 14/35 = 0,40. te. O número de móis é:
0 87 g mol
n1 = (1090 cm3 ) = 10,3 mol
cm3 92 g
O desvio do comportamento ideal por parte de soluções de e
polímeros, como o representado pela lei de Raoult, por exem- mol
n2 = (78 g) = 0,0015 mol
plo, é atribuído principalmente a baixos valores de entropia de 52,000 g
mistura, que resultam de uma disparidade enorme entre os ta-
manhos das moléculas dos dois componentes. O volume do polímero é:
cm3
V2 = (78 g) = 72,9 cm3
Entropia de mistura 1,07 g

Flory e Huggins derivaram a entropia de mistura de soluções E as frações volumétricas serão:


de polímeros a partir de cálculos estatísticos, baseados no mo- 1090
φ1 = = 0,9373
delo do pseudo-retículo, o qual é descrito em duas dimensões 1090 + 72,9
na Figura 21-8. Cada ponto ou sítio do retículo pode ser ocu- e
pado pelo solvente ou por um segmento da cadeia do políme- 72,9
φ2 = = 0,0627
ro. Assume-se que uma molécula de um polímero linear seja 1090 + 72,9
constituída de numerosos segmentos unidos de forma flexível, Para comprovar, 0,9373 + 0,0627 = 1,0000. A entropia de mistura
cada um deles possuindo o mesmo tamanho que uma molécu- será igual a:
la de solvente. Para o poliestireno dissolvido em tolueno, um 1,987 cal
segmento é um mero. A entropia de mistura conformacional é ΔSm = − (2,303)[(10,3 mol)]
mol K
× (log 0,9373) + (0,0015 mol)(log 0,0627)
Uma comparação das equações (21-18) e (21-19) indica que:
= 1,33 cal K
V1
χ (δ1 − δ2 )2
RT Quando o estireno ainda não polimerizou, a variação de entropia
onde V1 é o volume molar do solvente. O parâmetro de interação, χ, está da mistura de 78 g ou 0,75 móis de estireno monomérico líquido,
relacionado com o segundo coeficiente virial, A2, das soluções de polí- em 1090 cm3 ou 948 g ou 10,3 móis de tolueno, pode ser calculada
meros, o qual, por sua vez, está relacionado ao coeficiente B da equação pela equação (1) do Capítulo 2 de Hildebrand e Scott17 para solu-
(15-12) pela relação9, 10 B RTA2 RT(v 22 V1 )(0 5 − χ ); v2 é o volume ções ideais, ou seja,
específico do polímero dissolvido. A2, B e χ podem ser calculados a partir
de dados de pressão osmótica, espalhamento de luz ou pressão de vapor. O
ΔSm = −R(n1 ln X1 + n2 ln X2 )
comportamento ideal ocorre quando A2 = B = 0 ou χ = 0,5, que torna o 1,987 cal
gráfico de pressão osmótica reduzida versus concentração uma linha reta =− (2,303) (10,3 mol)
K
horizontal (curva I da Figura 15-7).
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 613

10,3 da temperatura à medida que o solvente vai se tornando ter-


× log + (0,75 mol)
10,3 + 0,75 modinamicamente mais desfavorável. Isso faz com que ΔGm
0,75 e G 1 sejam progressivamente menos negativas. Quando elas
× log passam de valores negativos para valores positivos, a um valor
10,3 + 0,75
crítico de χc, inicia-se a separação de fases.
= 5,45 cal K Em sistemas binários solvente-polímero, o equilíbrio entre
Essa equação para ΔSm de dois tipos de moléculas pequenas é as fases exige que G 1 seja a mesma em ambas as fases, o que
bastante semelhante à equação (21-20). O valor de ΔSm para o equivale a exigir que a primeira e segunda derivada de G 1 em
monômero em dissolução é quatro vezes maior que para a mesma relação a φ2 sejam zero. A aplicação dessa exigência à equação
quantidade de polímero em dissolução. (21-22) resulta nas três equações de (21-23) a (21-25), que rela-
cionam os valores de χc e φ2,c com a temperatura de dissolução
Energia livre de mistura crítica, Tc, e a própria Tc com a massa molecular do polímero:
√ 2
(1 N) ∼ 1 1
A combinação das equações (21-17), (21-19) e (21-20) permi- χc √ (21-23)
te obter a energia livre total de dissolução por mol de sítios do 2N 2 N
retículo ou de solvente: N, o número de segmentos do polímero equivalentes em tama-
Gm RT (n 1 ln φ1 n 2 ln φ2 χ n 1 φ2 ) (21-21) nho à molécula do solvente, representa a razão dos volumes
molares entre polímero e solvente e, freqüentemente, o valor
Os dois primeiros termos dentro dos parênteses, que representam
de DP. A temperatura de dissolução crítica é também denomi-
as parcelas entrópicas, são negativos. O terceiro termo, que repre-
nada temperatura consoluta superior, acima da qual se verifica
senta a parcela entálpica, é positivo e atua contra a dissolução.
a dissolução completa ao longo de toda a faixa de concentra-
Essa equação mostra por que dois ou mais polímeros fun-
ções. A separação de fases começa logo abaixo da Tc. Essa
didos são, em regra, incompatíveis. Quando um volume igual
equação indica que, conforme o comprimento da cadeia, N ou
de um segundo polímero líquido substitui o solvente em uma
DP aumentam, χc cai e a temperatura, na qual as primeiras fra-
solução de polímero, n1 diminui substancialmente enquanto φ1
ções de polímero se tornam completamente solúveis, aumenta.
permanece constante, tornando, assim, o primeiro termo nos
Contudo, tal efeito é pequeno, dado que o valor mínimo de χc
parênteses muito pequeno. A soma do primeiro e do segundo
para massas moleculares muito elevadas vale 0,5.
termo, que são negativos, poderia ser, portanto, menor do que o
A dependência da separação de fases com a massa mole-
terceiro termo, que é positivo, fazendo ΔGm positivo. O proces-
so, que ocorre de forma espontânea perante valores negativos cular pode ser utilizada no fracionamento de polímeros. Nele,
de ΔGm, passaria a experimentar uma situação contrária à mis- a temperatura da solução do polímero sob condições próximas
tura, a saber, a separação de fases dos dois polímeros líquidos. ao ponto crítico (χ apenas levemente abaixo de 0,5) é dimi-
De fato, também as soluções diluídas de dois tipos diferentes de nuída de maneira progressiva. De modo alternativo, a amostra
polímeros em um mesmo solvente separam com freqüência em de polímero é dissolvida a temperatura constante em um sol-
duas fases quando misturadas, com cada uma das fases contendo vente termodinamicamente favorável e a seguir é adicionado,
um dos polímeros de modo quase que exclusivamente integral. em incrementos sucessivos, um líquido que seja miscível com
Mediante diferenciação da equação (21-21) em relação a o solvente, mas que não dissolva o polímero (χ 0,5). Exem-
n1, se obtém a energia livre de mistura molar parcial, plos de agentes precipitantes de sistemas de polímero-solvente
são: gelatina-água-etanol e poliestireno-benzeno-metanol.11
G1 1 Ambos os processos levam a um solvente termodinamicamen-
ln a1 ln φ1 1− φ2 χ φ2 2 (21-22)
RT N te desfavorável e a um incremento paulatino do valor de χ do
sistema. Em primeiro lugar, a solução ultrapassa o valor de χc
Essa é a equação básica da teoria de Flory-Huggins. A ativi- da fração com a massa molecular mais alta, fazendo com que
dade do solvente, a1, é igual a p1/p1°. Logo, a equação (21-22) esta precipite como uma camada separada (ver mais adiante),
pode ser verificada por meio da medição da pressão de vapor a qual é removida do volume principal da solução. Mediante
do solvente. O grau de concordância entre a atividade calcula- resfriamento ou adição de um não-solvente suplementar, os va-
da e a observada geralmente é bastante bom. Equações alterna- lores de χc das frações com massa molecular progressivamen-
tivas estão sendo desenvolvidas na atualidade. te menor irão sendo ultrapassados, causando, por sua vez, a
precipitação dessas. Os oligômeros e as frações de baixa mas-
Separação de fases2,3,5,8,16,27-29 sa molecular que apresentam os valores mais elevados de χc
permanecem em solução por mais tempo. O refracionamento
A equação (21-22) prevê quando uma separação de fases pode- costuma ser utilizado para obter frações mais puras.
rá ocorrer em uma solução polimérica. Quando χ e, portanto, A fração volumétrica crítica de um polímero corresponde a:
ΔHm valem zero ou são negativos, G 1 é negativa e a mistura 1 1
ocorrerá ao longo de toda a faixa de composição ou de valores φ2 c √ ∼√ (21-24)
1 N N
de φ, auxiliada pela atração mútua entre polímero e solvente.
O parâmetro de interação χ é na realidade composto não ape- Dado que N ∼ DP ∼ 103 a 104, para polímeros típicos, φ2,c
nas pelo termo da entalpia dependente da temperatura, equação ∼ 0,03 a 0,01, ou de 3 a 1 em termos percentuais de volu-
(21-19), mas também pelo termo independente da temperatura me. As solubilidades dos polímeros próximas à temperatura
relacionado com a entropia. Para a maioria das combinações crítica normalmente atingem apenas baixos valores percen-
polímero-solvente, χ é positivo e diminui perante a diminuição tuais (v/v).
614 P ATRICK J. S INKO

Os diagramas de fases típicos de quatro frações de polies-


tireno em cicloexano29 são mostrados na Figura 21-9. Eles TABELA 21-4
lembram os diagramas de fases binários dos solutos de baixa VALORES DE TEMPERATURA θ DE VÁRIOS SISTEMAS
massa molecular, exceto pelo fato de as curvas agora serem POLÍMERO-SOLVENTE, CONSIDERANDO POLÍMEROS DE
altamente assimétricas e coincidirem, aproximadamente, com MASSA MOLECULAR INFINITA
o eixo da temperatura para pequenos valores de φ2. As áreas
acima das curvas são regiões monofásicas que representam a Polímero Solvente θ (°C)
miscibilidade completa; aquelas sob a curva representam re- Poliestireno Cicloexano/tolueno (87/13) 15
giões bifásicas ou de miscibilidade parcial. A fração com mas- Cicloexano 34,0
sa molecular 43.600 tem uma temperatura de dissolução crítica Cicloexanol 83,5
de 19 °C. Acima dessa temperatura a miscibilidade é comple- Polietileno n-Hexano 133
ta; abaixo, acontece a separação de fases. As linhas atreladas n-Octanol 180
ao valor 15 indicam que a 15 °C as soluções da fração de po- Polimetil Tolueno –65
límero respectiva separam em duas fases. A primeira delas, metacrilato Acetona –55
representada pelo ponto B, com φ2 = 0,007 é, praticamente, Metiletilcetona /isopropanol 25,0
solvente puro. A fase rica em polímero, representada pelo pon- (50/50)
to C, tem apenas um valor de φ2 = 0,29, ou seja, contem 71% n-Propanol 84,4
(v/v) de solvente. Esses fatos mostram que o solvente é muito
Álcool polivinílico Água ∼102
mais solúvel no polímero do que este no solvente.
A coexistência de duas fases líquidas, uma de solvente Povidona Dioxano –10
quase puro e a outra de polímero moderadamente concentrada, Água/acetona (33/67) 25
é denominada coacervação. A fase rica em polímero, denomi- Polioxietileno Isopropanol 30
nada coacervato, é um líquido viscoso ou, às vezes, um semi- Polidimetilsiloxano n-Hexano –173
sólido gelatinoso, dependendo da concentração de polímero e Tolueno –30
da massa molecular. Metiletilcetona 20
A temperatura crítica de dissolução, Tc, está relacionada
com a massa molecular pela equação:
1 ∼ 1 D De acordo com a equação (21-25), a Tc aumenta conforme a mas-
1 √ (21-25)
Tc θ M sa molecular da fração de polímero aumenta. Do ponto de vista
qualitativo, tal afirmativa fica corroborada na Figura 21-9.
onde D é uma constante específica da combinação polímero-
solvente. A temperatura Flory, θ , é idêntica à temperatura
crítica, Tc, quando se considera um polímero de massa mole- EXEMPLO 21-6
cular infinita. As temperaturas θ de alguns sistemas polímero- Uso do diagrama de fases para calcular as constantes de
solvente estão contidas na Tabela 21-4. combinações polímero-solvente
Fazendo uso dos dados da Figura 21-9, demonstrar que a equação
(21-25) é correta e avaliar D. Para o poliestireno em cicloexano, θ
35 vale 34,0 °C (Tabela 21-4). Mediante rearranjo da equação (21-25)
se obtém:
1.270.000 √
30 (θ − Tc ) M
D=
Tc
Os valores de Tc (temperaturas máximas alcançadas pelas
Temperatura (oC)

25 250.000
curvas) das quatro frações de poliestireno, listadas na tabela abai-
20 xo, foram retiradas da Figura 21-9. Dessa forma, D foi calculada
89.000 para cada uma das frações utilizando essa equação, expressando
Tc em Kelvin.
15
B C
M × 10−3 Tc (◦ C) Tc (K) D
10 ∞ 34,0 307,2 —
31,1 304,3 10,7
5 43.600 250 27,6 300,8 10,6
89 23,6 296,8 10,5
0 43,6 19,2 292,4 10,6
0 0,1 0,2 0,3 0,4 Média 10,6 ± 0,1
φ2
Uma vez que todas as frações proporcionam valores de D que
Figura 21-9 Diagrama de fases binário do poliestireno em cicloexano para são iguais para um desvio de ±1%, D é considerada constante, o
quatro frações de poliestireno, mostrando a temperatura de precipitação que corrobora a equação (21-25).
como uma função da concentração de polímero. Os números representam De √modo alternativo, o gráfico do recíproco de Tc em Kelvin
massas moleculares viscosimétricas médias. (Retirada, com permissão, de: versus 1/ M resulta em uma reta para as quatro frações
√ de polies-
A. R. Shultz and P. J. Flory, J. Am. Chem. Soc. 74, 4762, 1952.) tireno. Pela equação (21-25), a extrapolação para 1/ M = 0 (que
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equivale a M = ∞) fornece Tc = θ = 307,2 K = 34,0 °C, o que está em M3/2/M = M1/2. Uma vez que a viscosidade intrínseca depende
perfeita concordância com o valor experimental de θ. A inclinação do tamanho da entidade que flui ou do fator de solvatação, em
da reta vale 0,03429. De acordo com a equação (21-25), a inclina- condições θ essa viscosidade é proporcional a M1/2, quando o
ção é igual a D/θ . Dado que θ = 307,2, D = (0,03429)(307,2) = 10,5, novelo aleatório se comporta de forma ideal, fazendo com que
coincidindo com o valor médio de D calculado anteriormente. a = 0,5. A equação (21-8) se torna, então,
[η]θ kθ M 0,5 (21-8a)
À medida que a temperatura das soluções de polímeros é Quando o novelo aleatório não se comporta de modo ideal
diminuída, o solvente se torna, em termos termodinâmicos, cada por causa da solvatação e de outros fatores que reduzem a fle-
vez mais desfavorável. Na temperatura de Flory ou temperatura xibilidade das cadeias, que as expandem e que aumentem 〈R2〉
θ, o solvente se transforma no que é conhecido como solven- além do ponto de não-perturbação correspondente ao estado θ,
te θ. Nessas condições, a interação polímero-solvente é de tal a irá aumentar assumindo valores maiores que 0,5.
maneira fraca que é contrabalançada pela interação polímero- Valores de temperatura θ para diferentes combinações polí-
polímero, ou seja, pela atração entre os segmentos do polímero mero-solvente, extrapolados para uma massa molecular infinita,
que se localizam a certa distância uns dos outros ao longo da são listados na Tabela 21-4. Uma listagem mais extensa e um
cadeia, mas que tendem a se aproximar durante o movimento resumo dos métodos experimentais utilizados para determinar
browniano de contorção dos segmentos. No último caso, as in- solventes θ podem ser encontrados em Brandrup e Immergut.11
terações intramoleculares de longo alcance tendem a contrair o
novelo aleatório, enquanto que a solvatação tende a expandi-lo
e, dessa maneira, aumentar a distância ponta-a-ponta e o raio de Formação de gel, coacervação e
giro. Como os dois tipos de interação se encontram em equilí- microencapsulamento30
brio exato na temperatura θ, as cadeias do polímero assumem
dimensões de repouso. As dimensões são definidas apenas pelo Géis são semi-sólidos caracterizados por valores de cedência
relativamente elevados. A viscosidade plástica dos géis pode
comprimento das ligações, pelos ângulos de ligação e pelas
ser baixa, mas esses possuem certa elasticidade. Os géis con-
potenciais restrições à rotação das ligações, como a causada,
sistem de duas fases contínuas que se interpenetram. Uma só-
por exemplo, pelo volume dos grupos laterais, mas não pelas
lida, composta por partículas muito assimétricas e de elevada
interações segmento-solvente nem pelas interações segmento-
área de superfície, e outra líquida, que permeia as camadas só-
segmento. O volume de exclusão desaparece na temperatura θ e
lidas. As soluções de polímeros são propensas a formar géis
as cadeias interpenetram-se livremente, sem nenhuma interação
porque o soluto consiste de cadeias de espessura molecular,
líquida, da mesma forma como o fazem no estado fundido. Em longas e flexíveis, as quais tendem a se entrelaçar, atraindo-se
temperaturas alguns graus abaixo da temperatura θ, a atração umas às outras por forças de valência secundária e até se cris-
intermolecular entre os segmentos do polímero é suficiente- talizando. Quando a polimerização tridimensional de monô-
mente mais forte do que as de atração entre os segmentos do meros multifuncionais (funcionalidade ≥ 3) atinge uma dada
polímero e as moléculas de solvente, o que causa precipitação. conversão, a geleificação do sistema ocorre em um “ponto de
Acima da temperatura θ, predomina a solvatação. gel” nítido. Moléculas de polímeros reticulados em dissolução
Na temperatura θ, a energia livre molar parcial devida à in- também causam geleificação das soluções. Ambos os tipos de
teração polímero-solvente é zero e a solução se comporta como reação produzem géis permanentes, mantidos unidos por for-
ideal ao longo de toda a faixa de concentrações. O segundo coefi- ças de valência primárias.
ciente virial se torna nulo e χ = 0,5. Por causa disso, as soluções A formação de géis reversíveis por polímeros em solução
de polímeros são estudadas freqüentemente à temperatura θ. que implique apenas forças de valência secundárias ocorre
Visto que em um solvente θ as cadeias de polímero es- quando o solvente se torna termodinamicamente desfavorá-
tão densamente enroladas e compactadas, o expoente, a, da vel e o polímero precipita. Os contatos intermoleculares entre
equação de Mark-Houwink (21-8) vale 0,5. A razão disso é a segmentos do polímero se formam de preferência nos conta-
seguinte: em condições θ, as cadeias se comportam de forma tos entre segmentos do polímero e as moléculas do solvente,
ideal, ou seja, como se as mesmas estivessem ligadas livre- transformando pontos de entrelaçamento entre as cadeias em
mente e fossem perfeitamente flexíveis, de modo que o modelo pontos físicos de reticulação. Essa classe de formação de gel
de vôo aleatório passa a descrever a sua forma. As dimensões acontece quando a temperatura da solução é diminuída abaixo
da cadeia não são afetadas pelas interações polímero-solvente da temperatura θ em 10 °C ou mais. Dada sua pronunciada
ou pelas interações intramoleculares polímero-polímero (ex- tendência a cristalizar, o polietileno sofre separação a partir
cluindo o efeito estérico). Assim, a média quadrática da distân- das soluções com solventes orgânicos na forma de um sólido
cia ponta-a-ponta, 〈R2〉, é proporcional à massa molecular, M cristalino. Como as cadeias de polietileno se estendem pelas
(ver equação [21-14]). O volume hidrodinâmico de uma cadeia várias regiões cristalinas conectando-as, os géis formam-se
enovelada aleatoriamente, que inclui o volume do novelo ale- quando a concentração de polietileno é elevada o suficiente
atório além do volume do solvente dentro deste, sempre é pro- para preencher a solução por inteiro com uma rede contínua
porcional ao cubo da distância ponta-a-ponta. Para um novelo de cadeias, mantida junta por cristalitos compartilhados (ver
aleatório ideal, o volume hidrodinâmico é proporcional a M3/2 mais adiante). Os géis com freqüência contraem-se quando
porque 〈R2〉 é proporcional a M. O volume anidro sempre é em repouso e parte dos interstícios líquidos são comprimidos.
proporcional a M. Assim, perante o aumento do comprimento Esse fenômeno, denominado sinérese, é devido a uma cristali-
da cadeia, o volume hidrodinâmico aumenta mais rapidamente zação adicional ou à formação de pontos de contato adicionais
do que o volume anidro, segundo um fator de solvatação de entre os segmentos do polímero enquanto o gel “envelhece”.
616 P ATRICK J. S INKO

No caso dos géis irreversíveis formados pela polimerização globam os núcleos particulados, venham a coalescer. A fase
tridimensional, as reações de reticulação continuada ou poli- do coacervato deve ser fluida o suficiente para revestir com-
condensação compactam a rede polimérica e reduzem em ta- pletamente os núcleos particulados, mas viscosa o suficiente
manho a fase sólida. para evitar que seja removida da superfície das partículas pelo
Se não há polímero suficiente para formar uma rede fibrosa cisalhamento provocado pela agitação. Para transformar o in-
que se estenda através de toda a solução quando acontece a se- vólucro de coacervato líquido e viscoso em um revestimento
paração de fases, haverá separação de um precipitado gelatinoso contínuo de polímero que contenha os núcleos particulados
contendo normalmente cerca de 10 a 20% do polímero, a partir por completo, estes devem ser secos e endurecidos. O primeiro
do solvente quase puro (ver discussão anterior). A composição passo consiste, normalmente, no resfriamento do sistema até
dessas duas fases é dada pelos pontos C e B da Figura 21-9. uma temperatura abaixo da temperatura de transição de segun-
Essa separação de fases pode ser originada pelo resfriamento da da ordem do polímero (ver mais adiante). O resfriamento irá
solução abaixo da Tc, e também mediante adição de um líquido concentrar, contrair e endurecer a parede de material poliméri-
não-solvente e, com isso, aumentando χ acima de χc. co. O polímero pode ser reticulado com o intuito de contrair e
No caso das soluções aquosas de polímeros, a adição de sais endurecer ainda mais os invólucros das microcápsulas, fazendo
pode provocar também a separação de fases, o que é denominado com que estes se compactem e colapsem ao redor dos núcleos
salting out. A retirada de água de hidratação do polímero como particulados. As paredes de gelatina são geralmente reticula-
conseqüência da adição de grandes quantidades de sais (alguns das mediante adição de formaldeído, o qual forma ligações in-
móis), os quais precisam de água para a sua própria hidratação, termoleculares de metileno. As partículas microencapsuladas
eleva o φ2 da solução do polímero acima do seu valor crítico, dentro dos seus invólucros ainda intumescidos pelo solvente
φ2,c. Os polieletrólitos são especialmente aptos para causar sal- são lavadas mediante decantação e finalmente secas.
ting out. A repulsão eletrostática entre segmentos em aproxima-
ção, que junto com a hidratação contribui para a dissolução do
polímero em água, é sobrepujada pela adição de grandes quan-
tidades de íons inorgânicos, o que contribui para a precipitação. POLÍMEROS NO ESTADO SÓLIDO
As combinações de um líquido não-solvente hidrossolúvel com
um sal produzem efeitos sinérgicos de salting out. Aspectos gerais
A formação desses géis ou precipitados gelatinosos é re- O uso final dos polímeros sólidos depende das suas proprie-
versível. O aquecimento de géis de gelatina ou de Plastibase dades mecânicas, de permeabilidade, elétricas, térmicas e óp-
acima dos pontos de fusão dos géis, o resfriamento dos géis de ticas, as quais, por sua vez, são determinadas pela natureza
celulose abaixo da temperatura de geleificação e a adição de química e pelas variáveis de processamento e características
mais solvente, após se ter induzido à separação de fases com morfológicas dos polímeros sólidos.
um líquido não-solvente ou um sal, faz com que esses sistemas Entre os fatores pertinentes, além de massa molecular e
bifásicos revertam para soluções homogêneas. distribuição da massa molecular, cabe mencionar os seguintes.
Os mesmos fatores que provocam a geleificação reversível A estrutura química de um polímero depende da natureza dos
ou a separação de um precipitado gelatinoso a partir de solu- átomos e ligações da sua estrutura, por exemplo, da configu-
ções poliméricas podem, sob diferentes condições de compo- ração estéreo-regular dos átomos da cadeia e da presença de
sição e temperatura, levar à coacervação, ou seja, à separação anéis ou de ligações duplas na cadeia, assim como da polarida-
de uma segunda fase líquida de gotículas ricas em polímero. de, freqüência e tamanho dos substituintes ou grupos laterais.
Quando deixadas em repouso, essas gotículas coalescem com Esses fatores definem a flexibilidade e simetria das cadeias,
o tempo. O fenômeno tem sido estudado extensivamente para a a densidade de empacotamento da cadeia no estado sólido e,
gelatina por Bungenberg.30 Mantendo a temperatura em 50 °C conseqüentemente, a magnitude da atração entre cadeias e a
para evitar a formação de gel, a adição de álcool ou de sulfato coesão e resistência dos polímeros.
de sódio a soluções isoelétricas de gelatina produz coacerva- Além dos fatores antes mencionados, a cristalinidade dos
ção. A coacervação é a base do método de microencapsula- polímeros depende de aspectos termodinâmicos. A cristalini-
mento de fármacos sólidos e líquidos, o qual tem uma vasta dade e orientação dos grupos também dependem das condições
aplicação comercial, por exemplo, na preparação de formas de processamento, como velocidade de extrusão ou de injeção,
farmacêuticas de liberação sustentada.31,32 O material que ser- sobretudo da velocidade de resfriamento quando o polímero
ve de núcleo, ou seja, o fármaco a ser encapsulado, deve estar é processado no estado fundido, assim como do processo por
disponível na forma de pó fino, de preferência micronizado, arrasto ou de outro tratamento após a extrusão. A ramificação,
ou como um líquido imiscível. Esse material é disperso (ou, sobretudo a de cadeia curta, e a copolimerização aleatória in-
se é líquido, emulsionado) na solução do polímero antes de terferem na cristalização. No caso dos polímeros amorfos, a
se proceder com a coacervação e deverá ser, por conseguinte, reticulação (vulcanização) ou o uso de certos materiais de en-
insolúvel no meio líquido. O agente precipitante, um líquido chimento pode ser vantajoso.
ou um eletrólito de salting out é adicionado sob agitação con-
tínua. As gotículas de coacervato se formam principalmente ao
redor dos núcleos particulados, os quais agem como centros de
Propriedades mecânicas 33-37
nucleação, uma vez que, ainda antes da adição do precipitante, Os sólidos podem ser deformados por tensão, dobramento, ci-
as superfícies sólidas já estão revestidas com uma camada de salhamento, torção ou compressão. A seguinte discussão se li-
polímero adsorvido, embora muito fina. A agitação é manti- mita à tensão, que é a modalidade mais freqüentemente testada.
da constante para evitar que as gotículas coacervadas, que en- O estresse é a força aplicada, F, por unidade área transversal, A.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 617

O estresse em termos de tensão é denominado tensão de defor-


mação (σ) . O esforço de tensão (tensile strain) é denominado 60
alongamento, ε. Ele corresponde ao aumento em comprimen-
to ΔL = L – L0 relativo ao comprimento original, L0, ou seja,
Aço
ε = (L – L0)/L0 = ΔL/L0, onde L é o comprimento observado

Tensão de deformação (psi × 10–3)


sob uma determinada tensão de deformação. Os sólidos ideais
ou elásticos são deformados quando submetidos a uma tensão,
mas recuperam sua forma e dimensões originais quando a ten-
são é removida. De acordo com a lei de Hooke, o estresse é di- 10 B
retamente proporcional ao alongamento. Em termos de tensão, S
A H
R
F L − L0 M
Plástico
E (21-26)
A L0 L
5
A constante de proporcionalidade E, denominada módulo de
Young ou módulo de elasticidade, é uma medida da dureza, fir-
meza ou rigidez (ou moleza, flexibilidade e maleabilidade) de um Borracha D
sólido, ou seja, a resistência deste à deformação: E = Δσ/Δε. Va-
O
lores característicos de E estão listados na Tabela 21-5, na qual
vidro, metais e tendão são incluídos para fins de comparação. Na 0 C 10 50 U 500
Figura 21-10 são mostradas curvas de tensão-deformação ou de Alongamento (%)
carga-alongamento representativas para o aço, para um plásti- Figura 21-10 Três curvas de tensão-deformação. Observação: psi = lb/in2.
co tipicamente resistente, como o polietileno de alta densidade, As curvas estão discutidas no texto.
para um derivado de celulose termoplástica ou um nylon e para
um elastômero típico. A curva do plástico é discutida em maior
detalhamento. Ao longo da região linear LO, o alongamento é comporta de modo elástico quando submetido a uma tensão
diretamente proporcional ao estresse aplicado e segue a lei de inferior a M. Quando tensões acima da tensão de cedência são
Hooke, equação (21-26). O módulo de Young corresponde à in- aplicadas e depois removidas, um material plástico que tenha
clinação da reta LO ou à tangente do ângulo LOC. A inclinação sido esticado ao longo do segmento OLR se retrai no mesmo
do segmento linear da curva para o aço é cerca de 100 vezes mais sentido RLO e torna a adquirir o seu comprimento original.
acentuada do que a do plástico, enquanto que a da borracha é Além do ponto R, no qual o estresse aplicado excede M, o ma-
cerca de 1.000 vezes mais plana, refletindo, assim, a magnitude terial apresenta plasticidade, tornando-se, sob estresse apro-
dos seus módulos de elasticidade. Além do ponto L, observam-se ximadamente constante, dúctil e fluido, ou sofre creeping, de
linhas curvas e a lei de Hooke não é mais aplicável. modo similar a um líquido muito viscoso. A respectiva região
O ponto R representa o ponto de cedência e a tensão res- RAH da curva de tensão-deformação é praticamente horizon-
pectiva, M, é denominada tensão de cedência. O plástico se tal. Esse fenômeno é denominado de fluxo frio (cold flow ou

TABELA 21-5
PROPRIEDADES MECÂNICAS DE ALGUNS SÓLIDOS
Módulo de Tensão de Tensão de deformação
Young deformação /Peso específico
Material (psi × 10–5) (psi × 10–3) (psi × 10–3)*
Vidro 87 10 4
Aço 320 60 7,6
Cobre 174 39 4,3
Alumínio 100 9 3,3
Poliestireno 5 7 6,6
Polimetilmetacrilato 4,6 9 7,6
Cloreto de polivinila 4,7 7 5
Nylon 6,6 2,9 10 8,8
Acetato de celulose (secundário) 2,9 6,6 5,1
Polietileno de alta densidade 1,7 5,3 5,5
Polietileno de baixa densidade 0,36 2,2 2,4
Borracha natural (vulcanizada, 0,0019 2,9 3,1
sem enchimento)
Tendão 0,19 — —
Gelatina, gel a 30% em sólidos 0,00022 — —
* N. de T.: 1 psi (libra por polegada quadrada).
618 P ATRICK J. S INKO

creep). Quando o estresse é removido no ponto A, o material madamente no mesmo ponto em que outros polímeros com
se retrai ao longo da curva AC. A deformação não-recuperável módulo similar apresentam seu ponto de cedência, R. As suas
que correspondente a OC é denominada deformação perma- curvas de tensão-deformação incluem áreas estreitas, indican-
nente (permanent set). O fluxo frio provoca uma alteração na do que o trabalho necessário para a ruptura é pequeno e que
estrutura do plástico. Os domínios cristalinos podem fundir e eles têm pouca resistência ao impacto. Alguns tipos de poliesti-
se refazer seguindo uma orientação paralela à direção do fluxo. reno comercializados são endurecidos de maneira considerável
As cadeias desorganizadas, enoveladas de forma aleatória, se mediante adição de 5 a 10% de um elastômero. Os elastômeros
alinham em paralelo umas em relação às outras durante o pro- são moles e suas curvas de tensão-deformação são pequenas
cesso de fluxo frio e podem cristalizar. No processo, as imper- perante alongamentos pequenos. Freqüentemente, essas curvas
feições de estrutura podem desaparecer. Como conseqüência, se dobram para cima de forma abrupta com alongamentos de
a curva pode retornar por cima depois do ponto H, porque esse cerca de 200 a 300% e podem suportar alongamentos termi-
rearranjo estrutural passa a enrijecer o material, aumentando nais de 700% ou mais, de modo que as áreas sob as curvas são
seu módulo e a resistência à deformação. Tal fenômeno é co- grandes, caracterizando elastômeros resistentes.
nhecido como endurecimento por alongamento (strain harde- Muitos polímeros duros e resistentes, como os derivados
ning). No ponto B, o material se rompe: U representa o alon- termoplásticos da celulose, nylon, os polímeros acetálicos de
gamento extremo ou alongamento de ruptura; S é a tensão de uso em engenharia, policarbonatos e polissulfonas devem a
deformação final ou de resistência final. Ver Tabela 21-5 para sua elevada capacidade de estiramento ao alongamento a frio
consultar valores representativos. (cold drawing ou “necking”). Esses materiais não alongam
Considerando que a tensão de deformação mede a capaci- de maneira uniforme, e sim desenvolvem, após seu ponto de
dade dos corpos sólidos resistirem à ruptura, os plásticos em cedência, uma região mais estreita ou gargalo, que sofre um
geral são mais fracos do que os metais. Pelo fato de os plásticos alongamento pronunciado e permanente. Conforme o alonga-
serem tão leves, eles têm aproximadamente a mesma tensão de mento é continuado, as regiões mais estreitas se propagam em
deformação que os metais, quando se leva em conta um mes- ambas as direções até que o material colaba (clamp). A área
mo peso. Ainda que os elastômeros sejam mais moles do que transversal da porção esticada, ou gargalo, permanece constan-
os plásticos, sua tensão de deformação não é muito menor. te durante o alongamento. Nem todos os polímeros se ajustam
O tempo durante o qual corpos sólidos são submetidos a es- a esse esquema de cinco categorias. Por exemplo, o polietileno
tresse pode alterar seu comportamento. Um estresse menor do de baixa densidade apresenta valores moderados de módulo
que a tensão cedência, quando aplicado durante longos períodos de Young e de tensões de cedência e de deformação, mas uma
de tempo, pode provocar fluxo frio (creep). A temperatura tem elevada capacidade de alongamento. Ao mesmo tempo, ele é
um profundo efeito sobre as propriedades mecânicas dos polí- moderadamente duro e resistente.
meros. Todos os dados deste capítulo se referem à temperatura
ambiente, exceto quando indicado de modo contrário. Aumen-
tando a temperatura, enquanto se aumenta o alongamento de Forças de coesão entre cadeias
ruptura, se reduz o módulo de Young e a tensão de deformação As forças responsáveis pela resistência mecânica dos filmes uti-
dos plásticos. Os elastômeros, pelo contrário, tornam-se mais lizados no acondicionamento e em recipientes plásticos são for-
rígidos quando a temperatura é aumentada, ou seja, seu módulo ças de valência secundária que atuam entre cadeias adjacentes de
de elasticidade aumenta. As áreas sob as curvas de tensão-de- polímero, e não forças de valência primária que mantêm unidos
formação da Figura 21-10 representam o produto do estresse os átomos da estrutura das cadeias individuais. Esse fato é corro-
vezes alongamento, que é igual à energia ou trabalho necessário borado por três observações. Primeiramente, o estresse mecâni-
para romper um material polimérico. Esse trabalho é igual a: co que causa a falha do material é em geral muito menor do que
B
a resistência das ligações covalentes. Quando um objeto feito de
σ d polímero sólido é quebrado por estresse externo, as fracas forças
0
de valência secundária entre as cadeias são as primeiras a ceder
e representa uma medida da sua resistência ou da sua fragili- e a romper-se, uma vez que representam o elo mais fraco desse
dade. Polímeros duros ou rígidos (o oposto a moles) são carac- objeto. Essas forças fracas levam as cadeias a cindirem e a movi-
terizados por um módulo elevado. Polímeros fortes (o oposto mentarem-se umas sobre as outras, provocando deformação. Se-
a fracos) possuem elevada tensão de deformação. Polímeros gunda observação: as ligações de valência primária geralmente
resistentes (o oposto a frágeis) possuem uma elevada área não são rompidas quando um filme de acondicionamento rasga
sob a curva de tensão-deformação, exigem altas quantidades ou um recipiente plástico se rompe; a massa molecular do polí-
de energia para sofrer ruptura sob estresse e combinam uma mero não sofre diminuição. Terceira observação: a energia ou
elevada ou, pelo menos, moderada tensão de deformação com resistência das ligações covalentes carbono-carbono, carbono-
uma grande capacidade de alongamento. oxigênio e carbono-nitrogênio, que constituem a estrutura das
Os plásticos rígidos e quebradiços, como o poliestireno e o cadeias da maioria dos filmes, fibras, plásticos e elastômeros
polimetilmetacrilato tem módulos de Young elevados e alta re- comercializados, ficam todas na faixa de 70 a 85 kcal/mol. Essa
sistência à deformação,* ou seja, suas curvas de tensão-defor- faixa é muito estrita para explicar as grandes diferenças nas re-
mação aumentam de forma abrupta. Tais polímeros quebram sistências mecânicas dos diferentes objetos à base de polímero,
perante alongamentos de apenas 2%, porém sofrem pouco ou como elastômeros, plásticos, filmes e fibras.
nenhum fluxo frio: seu ponto de ruptura, B, acontece aproxi- Dois modelos que demonstram a necessidade da existên-
cia de uma atração lateral entre cadeias são: um feixe de cane-
* N. de T.: Resistência à tração ou tensile strength. tas e uma panela de espaguete cozido, com as canetas e os fios
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 619

de massa representando as cadeias de polímero. As canetas são insignificantes que seriam muito mais fracas do que os ele-
fortes e inclusive os fios de massa individuais são muito mais mentos individuais ou cadeias.
fortes do que o espaguete dentro da panela. Sem algum tipo Na Tabela 21-6 são listados polímeros individuais, as estru-
de cola ou de adesão lateral, o feixe de canetas cairá separada- turas das suas unidades de repetição e as magnitudes da atração
mente e a massa de espaguete poderá ser separada sem romper entre as cadeias ou coesão. Estes últimos valores foram calcula-
nenhum fio, ou seja, esses arranjos teriam forças mecânicas dos somando as energias de atração de todos os grupos, conside-

TABELA 21-6
ENERGIA DE ATRAÇÃO ENTRE CADEIAS OU DE COESÃO DE VÁRIOS POLÍMEROS
Coesão
Polímero Unidade de repetição (kcal/mol)
Polietileno 1,0

Poliisobutileno 1,2

Elastômeros

cis-Poliisopreno 1,3
(borracha natural)

Policloropreno 1,6

Cloreto de polivinila 2,6

Acetato de polivinila 3,2

Poliestireno 4,0

Plásticos
Álcool polivinílico 4,2

Acetato de celulose 4,8


(secundário)

Celulose 6,2

Filmes e
fibras
Nylon 6 5,6

Fibroína da seda 9,8


620 P ATRICK J. S INKO

rando comprimentos de 5 Å nas cadeias poliméricas e assumin- lhamento dos dipolos ou das ligações de hidrogênio que intera-
do que cada cadeia está rodeada por outras quatro cadeias. Os gem entre as cadeias. Assim, para que seja mecanicamente for-
polímeros são listados em ordem de polaridade crescente, que te, um polímero deverá ser altamente cristalino. Pelo contrário,
corresponde a um incremento de atração entre as cadeias. Esses um polímero mais fraco e mais mole, destinado a ser utilizado
polímeros podem ser classificados em três categorias. como elastômero, pode ser obtido evitando-se a sua cristaliza-
Aqueles com energias de coesão entre 1,0 e 2,0 kcal/mol, ção, por exemplo, mediante copolimerização aleatória.
são os mais fracos de todos. Esses polímeros são principalmente O álcool polivinílico cristaliza seguindo uma conformação
hidrocarbonetos e apenas as forças de dispersão, as mais fracas completamente estendida e em ziguezague. A distância que se
das forças de valência secundária, estão envolvidas na atração repete ao longo do eixo da cadeia, 2,52 Å, corresponde à cama-
entre as cadeias. Os polímeros sólidos dessa categoria são elas- da de grupos hidroxila que estão ligados profusamente mediante
tômeros, com a mais baixa resistência mecânica de todos. Já os ligações de hidrogênio. Esse arranjo, somado ao tamanho rela-
plásticos são mais fortes. Suas energias de coesão abrangem de 2 tivamente pequeno dos grupos hidroxila, que resulta em cadeias
a 5 kcal/mol e envolvem atrações dipolo-dipolo, além das forças lisas, resulta em um polímero altamente cristalino.2 O álcool po-
de dispersão. As interações entre cadeias mais fortes, superando livinílico é produzido pela hidrólise do acetato de polivinila. Os
5 kcal/mol, se produzem em materiais de elevada resistência, produtos comercializados são disponibilizados em diferentes
apropriados para o uso como filmes e fibras. A elevada coesão é graus de hidrólise e, portanto, uma ampla faixa de solubilidades
devida à atração entre cadeias via ligações de hidrogênio, a mais e de resistências. A hidrólise é um processo aleatório, que deixa
forte das forças de valência secundária, que se somam às forças grupos acetila residuais distribuídos aleatoriamente ao longo do
de dispersão e de atração dipolo-dipolo. polímero. Um produto parcialmente hidrolisado
Uma vez que tanto o parâmetro de solubilidade quanto a
energia de atração entre cadeias são parâmetros de polaridade
dos polímeros, eles podem vir a se correlacionar. A compara-
ção dos valores de δ2 da Tabela 21-3 e os valores de coesão
da Tabela 21-6 resulta na seguinte equação linear, 38 com um
coeficiente de correlação de 0,93:
Coesão 3,90 0,676δ2 (21-27)
Há duas exceções na Tabela 21-6. O polietileno, de acor-
do com a sua energia de coesão, deveria estar colocado depois
dos elastômeros, contudo, pertence aos plásticos mais fortes
face à sua resistência mecânica verdadeira. O álcool poliviní-
lico possui a resistência dos polímeros formadores de fibra ou
de filme, ainda que a sua energia de coesão calculada fique
localizada entre os plásticos, que são mais fracos. As cadeias
desses dois polímeros são lisas e simétricas, o que lhes permite
um empacotamento ou um encaixe compacto. 16 As forças de
atração intermolecular de van der Waals decaem com a sétima é, de fato, um copolímero randômico de álcool polivinílico
potência da distância. Para polímeros amorfos a temperatura e de acetato de polivinila. Os resíduos de acetila, dado o seu
ambiente, as distâncias entre as cadeias obtidas a partir dos volume, mantêm afastadas as cadeias adjacentes, diminuem a
halos nos seus padrões de difração por raios X, são: o polie- densidade e a cristalinidade do produto. Eles reduzem, tam-
tileno, 5,5 Å, cis-poliisopreno, 5,9 Å, e poliisobutileno, 7,8 Å. bém, as forças de dispersão entre as cadeias e interferem no
A configuração tortuosa das cadeias da borracha natural e os emparelhamento dos grupos hidroxilas de cadeias adjacentes,
volumes dos dois grupos metila laterais no poliisobutileno cau- ligados por ligações de hidrogênio. Isso leva a uma resistência
sam distanciamentos maiores entre as cadeias largas e, conse- mecânica menor e a uma maior permeabilidade aos gases.
qüentemente, menor atração entre elas e menor resistência me- O polietileno cristaliza tendo as suas cadeias completa-
cânica, se comprados com o polietileno, que apresenta cadeias mente estendidas, em conformação planar em ziguezague, em-
lineares e sem ramificações. pacotadas lado a lado, com seus eixos dispostos em paralelo
Em resumo, para que os polímeros sejam fortes, devem uns em relação aos outros. O polipropileno isotático (ver a se-
possuir cadeias lisas e simétricas, capazes de encaixarem-se ção seguinte) cristaliza tendo suas cadeias em uma conforma-
umas às outras de forma compacta, não devem apresentar gru- ção helicoidal, com três unidades que se repetem em cada giro.
pos laterais volumosos nem ter uma elevada concentração de Com copolímeros randômicos de etileno e propileno, na razão
grupos funcionais polares. de 40/60 a 60/40, as cadeias não podem se acomodar como um
retículo polimérico em ziguezague nem como um retículo he-
licoidal de propileno. Quando resfriado após fusão, as cadeias
Cristalinidade de polietileno permanecem em desordem; esses copolímeros
são denominados poliolefinas e são amorfos. Além de serem
A atração máxima entre cadeias poliméricas, que resulta em praticamente livres de material extraível, eles não contêm esfe-
uma elevada resistência mecânica, exige que as cadeias se em- rulitos (ver Morfologia), pois carecem de cristalinidade, o que
pacotem da maneira mais densa possível e que os grupos pola- aumenta a sua translucidez. Da mesma forma, seu módulo ou
res das cadeias adjacentes possam estar em uma tal orientação rigidez é pequeno (ver Propriedades Mecânicas). A maior re-
de modo que possa existir uma geometria eficiente de empare- sistência ao impacto resultante disso, quando comparada com
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 621

os outros dois homólogos homopolímeros cristalinos, combi- representa o percentual de cristalinidade. Os volumes especí-
nada com a escassa permeabilidade ao vapor de água comum a ficos são aditivos. Se vam é o volume específico de um políme-
todos os plásticos à base de hidrocarbonetos, faz das poliolefi- ro completamente randômico, extrapolado a partir do volume
nas materiais de escolha para conter água purificada e soluções específico do polímero fundido em diferentes temperaturas
parenterais. acima do ponto de fusão até a temperatura ambiente, e vcr é o
A ramificação de cadeia curta interfere na cristalinidade volume crítico do polímero perfeitamente cristalino, calculado
dos polímeros sólidos e enfraquece-os do ponto de vista me- a partir das dimensões da célula unitária mediante difração de
cânico. Dependendo do processo de polimerização, o polie- raios X, então,
tileno pode ser bastante linear (polietileno de alta densidade v obs αv cr (1 − α)v am
[HDPE]), obtendo-se um plástico resistente, que cristaliza bem
e que é forte mecanicamente, ou pode ser ramificado, com ca- logo,
deias laterais de n-butila ou pentila, o que resulta em cristalini- v am − v obs
α (21-28)
dade e densidade menores e em um plástico mais fraco, mais v am − v cr
mole e mais permeável aos gases (polietileno de baixa densi-
dade [LDPE]). O HDPE é utilizado em recipientes, enquanto EXEMPLO 21-7
que o LDPE em filmes para embalagem. Há também as resinas
de polietileno com densidades intermediárias. A Tabela 21-7 Determinação da cristalinidade
mostra os efeitos da ramificação sobre as propriedades dos Para um polietileno, ρcr = 1,000 e ρam = 0,861 g/cm3, a 25 °C; logo,
polímeros de polietileno. O infravermelho permite mensurar vcr = 1,000 e vam = 1,161 cm3/g. Calcular o percentual de cristali-
a magnitude da ramificação em temos de número de grupos nidade para uma amostra de baixa densidade, ρobs = 0,912, e outra
metila por cada 1.000 átomos de carbono. Cada grupo metila de densidade média, ρobs = 0,933 g/cm3. Para o LDPE, vale:
representa uma ramificação. Como a ramificação interfere com 1,161 − 1 0,912
o empacotamento denso e a cristalização das cadeias, ela faz α= = 0,401
1,161 − 1,000
com que os domínios cristalinos sejam escassos e pequenos,
com uma extensa fração de domínios amorfos e desordena- Para a amostra de densidade média teremos
dos que, por conseguinte, possuem baixa densidade. A maior 1,161 − 1 0,933
α= = 0,554
maleabilidade do LDPE em relação ao HDPE se reflete em 1,161 − 1,000
seu módulo menor. A difusão através dos polímeros acontece
Para o LDPE teremos 40% de cristalinidade e 60% de fração
principalmente nas regiões amorfas, enquanto que os domínios
amorfa; para o polietileno de densidade média, 55% de cristalini-
cristalinos são comparativamente impermeáveis aos gases di-
dade e 45% de fração amorfa.
fusantes. Como conseqüência disso, a permeabilidade a gases
e a vapores aumenta com a diminuição da cristalinidade ou da
densidade, sendo menor no caso do HDPE. Taticidade5
Com o auxílio de determinações da densidade de uma
amostra de polímero, ρobs, ou do seu recíproco, o volume es- O poliestireno comercial utilizado na fabricação de recipien-
pecífico, vobs, se pode calcular quão cristalina essa amostra é, tes de plástico, assim como outros homopolímeros vinílicos,
ou seja, se pode calcular a fração ponderal de domínios cris- como o polimetilmetacrilato ou o acetato de polivinila, não po-
talinos, α, ou de domínios amorfos, 1 – α. Por sua vez, 100α dem cristalizar, embora suas cadeias não apresentam nenhuma

TABELA 21-7
EFEITO DA RAMIFICAÇÃO DE CADEIA CURTA SOBRE A CRISTALINIDADE E OUTRAS
PROPRIEDADES DO POLIETILENO
Resina de polietileno
Baixa densidade Densidade Alta densidade
Propriedade (LDPE) média (HDPE)

Grupos metila por 1.000 83–46 46–8 0


átomos de C
Densidade (g/cm3) 0,910–0,925 0,926–0,940 0,941–0,965
Cristalinidade (%) 37–50 50–62 62–75
Módulo de tensão (psi × 10-3) 8–25 25–55 60–150
Permeabilidade* a:
Oxigênio 3,4–1,5 1,4–0,9 0,8–0,5
Dióxido de carbono 12,5–5,4 5,1–3,0 2,8–1,0
Vapor de água 65–42 39–29 26–15
(cm3
* Velocidade de permeação, (cm2 area) s (cm Hg) 1010 , onde TPN indica temperatura e pressão normais.
622 P ATRICK J. S INKO

ou apenas poucas ramificações. Nos polímeros vinílicos, cada


cadeia de carbono é essencialmente assimétrica em relação à TABELA 21-8
outra, contudo, sem produzir atividade ótica: EFEITOS DA ESTÉREO-REGULARIDADE SOBRE AS
PROPRIEDADES DE ALGUNS POLÍMEROS
Ponto de fusão ou
temperatura de
Densidade amolecimento
(g/cm3) (°C)

Polipropileno
Atático, amorfo 0,85 75
Dependendo do método e das condições de polimeriza-
Isotático, 0,93 160
ção, três tipos diferentes de homopolímeros com diferentes
cristalino
configurações e diferentes propriedades físicas podem ser
produzidos. Tendo a cadeia principal da molécula de polie- Sindiotático, 0,90 138
tileno uma conformação planar e em ziguezague, os grupos cristalino
fenila podem estar dispostos todos no mesmo lado da cadeia Poliestireno
principal, ou seja, todos eles acima ou abaixo do plano da ca- Atático, amorfo 1,06 100
deia principal: Isotático, 1,11 235
cristalino

Morfologia5
Os domínios cristalinos são, normalmente, denominados cris-
talitos. Eles se alternam com regiões mais desorganizadas e
amorfas. As cadeias individuais de um polímero amiúde per-
Nesse tipo de arranjo, todos os átomos de carbono quaternários correm vários cristalitos contíguos e regiões amorfas. Quando
possuem a mesma configuração, ou seja, todos são d- (ou l-): os polímeros são processados a partir do material fundido ou
-dddddd-. Isso corresponde à forma isotática. Na configuração de soluções em filmes ou objetos moldados, a cristalização dá
sindiotática os grupos fenila se posicionam alternadamente início quando acontece o desenvolvimento aqui e ali de núcleos
acima e abaixo do plano da cadeia principal: na solução sob evaporação ou no material fundido sob resfria-
mento. Os núcleos se formam como pequenos segmentos de
cadeia dentro de uma massa enovelada de forma aleatória e en-
trelaçada, que se alinha e se arranja por si própria em retículos
organizados. A cristalização continua conforme esses núcleos
crescem para formar cristalitos, até que todo o solvente tenha
evaporado ou todo o material fundido tenha solidificado.
Quando cristalitos adjacentes crescem, apenas uns poucos
segmentos de cadeia que os formam não são neles incorpo-
rados, permanecendo, assim, do lado de fora, em um estado
Os polímeros sindiotáticos são copolímeros alternados, desorganizado. Estando presos entre cristalitos, esses segmen-
-dldldl-. Ambas as classes de polímeros são produzidas me- tos ficam imobilizados e impossibilitados de se alinhar ou de
diante polimerização estéreo-específica, estéreo-regular ou se organizar na forma de um retículo. Quando a massa esfria,
de coordenação, utilizando geralmente catalíticos de Ziegler- os segmentos ficam congelados segundo suas conformações
Natta, como misturas de uma alquila de alumínio e cloreto desordenadas na forma de regiões amorfas. Se o polímero fun-
de titânio. Os polímeros isotáticos e sindiotáticos cristalizam dido é esfriado lentamente ou temperado, mais cadeias de seg-
devido à sua regularidade estrutural. Em função da importân- mentos terão a oportunidade de se arranjar e delas mesmas se
cia teórica dessas estruturas e da relevância econômica desses incorporar aos cristalitos. O processo de têmpera por resfria-
polímeros, K. Ziegler e G. Natta foram homenageados juntos mento abrupto (quenching) retém mais segmentos dentro das
com o Prêmio Nobel em Química de 1963. regiões amorfas, visto que a solidificação é tão súbita que não
No caso dos polímeros atáticos, não há estéreo-regulari- permite o ordenamento significativo, o que resulta em baixa
dade na configuração dos seus átomos de carbono assimétri- cristalinidade. Essas considerações explicam por que ainda os
cos. Os grupos substituintes se localizam de forma randômica, objetos feitos de HDPE, um polímero que possui cadeias sem
abaixo e acima do plano da estrutura. Os polímeros atáticos ramificações ou grupos laterais lisos e simétricos, raramente
são copolímeros randômicos, -dlddldll-, e por causa da ausên- apresentam cristalinidade superior a 80%.
cia de estéreo-regularidade não podem cristalizar. A polimeri- Quando soluções muito diluídas de HDPE (∼ 0,1%) são
zação por adição de radicais livres produz polímeros atáticos. esfriadas lentamente, formam-se cristais individuais, visíveis
O efeito da estéreo-regularidade sobre algumas propriedades no microscópio eletrônico como lamelas romboédricas, finas
físicas é mostrado na Tabela 21-8. e planas. Medições por difração de elétrons indicam que as
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 623

cadeias do polímero nos cristais individuais de HDPE e de


outros polímeros estão orientadas de modo perpendicular às
faces das lamelas. Uma vez que as moléculas de polímero na
conformação estendida têm pelo menos 1000 Å de compri-
mento, enquanto as lamelas têm uma espessura de apenas 100
Å, as cadeias nesses cristais individuais devem estar dobradas
e voltadas sobre elas mesmas repetidas vezes. O dobramen-
to das cadeias verifica-se nos cristalitos de muitos polímeros
sintéticos.

Esferulitos
A cristalização em polímeros sintéticos produz com freqüência
agregados policristalinos denominados esferulitos. São estru-
turas esféricas de cristalitos fibrilares, com organização radial
simétrica e com diâmetros que abrangem desde menos de 1
μm até alguns milímetros. Seções obtidas com micrótomo e
examinadas ao microscópio mostram fibras ou penas que irra-
diam do centro do esferulito, como os raios de uma roda (ver
Figura 21-11).
O resfriamento lento ou têmpera por recozimento (annea-
ling) de um plástico fundido produz esferulitos em menor nú-
mero, porém maiores. O resfriamento brusco (quenching) ou
a adição de agentes de nucleação produz um maior número de
esferulitos, porém de menor tamanho. Dado que as ligações
entre esferulitos constituem regiões fracas e propensas a que-
brar sob estresse, os esferulitos, principalmente os de tamanho
maior, causam redução da robustez e da resistência dos plásti-
cos, com a tendência de torná-los frágeis. Felizmente, também
ocorre alguma sobreposição e interpenetração entre as fibras
de esferulitos adjacentes, através de suas ligações, o que pro-
porciona atravancamento mecânico e reforça as regiões que os Figura 21-11 (a) Esferulitos de polietileno cristalizado a partir de uma pe-
limitam. Um efeito visível dos esferulitos é a opacidade das lícula fina de material fundido. A fotomicrografia de transmissão entre po-
garrafas de polietileno. larizadores cruzados mostra a extinção característica dos cruzamentos. (b)
Esferulitos de polipropileno isotático, cristalizado a partir de uma película
Celulose microcristalina fina de material fundido. A fotomicrografia de transmissão sob luz refletida
de forma oblíqua mostra a textura fibrosa brilhante. (Cortesia do Dr. H. D.
Esse tipo de celulose consiste de material completamente cris- Keith, Bell Laboratories.)
talino. Sua produção envolve as seguintes etapas: A celulose
bruta é tratada com um ácido mineral diluído, o qual penetra
rapidamente nas regiões desorganizadas e amorfas, dada a
Orientação
baixa densidade destas, hidrolisando os segmentos de celu-
lose acessíveis, localizados nos fragmentos solúveis em água. O ato de retesar fibras, com ou sem aplicação de calor, causa um
O ácido é eliminado mediante lavagem antes que penetre de alongamento permanente, ou fluxo frio, e promove o alinhamen-
forma apreciável nas regiões cristalinas mais densas e organi- to das cadeias e dos cristalitos na direção do alongamento, ou
zadas, deixando, assim, intactos os cristalitos originais. A la- seja, em paralelo ao eixo da fibra. Esse processo de orientação,
vagem também remove os produtos de degradação da celulose denominado alongamento a frio (cold drawing), é realizado em
que constituíam as regiões amorfas. A massa remanescente
temperaturas abaixo do ponto de fusão, mas acima da tempera-
consiste de cristalitos “desarticulados”, os quais não estão
tura de transição vítrea do polímero (ver logo a seguir). O alon-
mais interconectados pelos segmentos de cadeia das regiões
amorfas. Segue-se uma moagem da massa de cristalitos e uma gamento a frio provoca, com freqüência, a fusão dos cristalitos e
secagem por aspersão (spray-drying) da suspensão aquosa, sua reorientação em paralelo. O estiramento pode orientar ainda
que resulta em agregados porosos e esponjosos de feixes fi- polímeros não-cristalizáveis. Os polímeros passíveis de crista-
brilares, os quais são utilizados como adjuvantes para obter lização o farão de modo mais intenso quando as suas cadeias
comprimidos. Um cisalhamento adicional rompe o agregado estão alinhadas de forma paralela, umas em relação às outras. O
de feixes em cristalitos individuais, de forma acicular ou de estiramento aumenta a resistência e a rigidez das fibras.
bastonete, com tamanho médio de 0,3 μm de comprimento Quando os filmes são extrusados através de uma matriz
e 0,02 μm de largura. Essas partículas coloidais são capazes plana e esticados na direção da extrusão, o alinhamento pro-
de espessar a água e outros líquidos, transformando-os em voca um aumento na resistência nessa direção e a tendência a
veículos tixotrópicos e, em concentrações mais elevadas, em romper-se no sentido transversal. Os filmes sofrem, por con-
semi-sólidos. seguinte, uma reorientação biaxial. Ou seja, eles são esticados
624 P ATRICK J. S INKO

simultaneamente tanto na direção da extrusão quanto na dire- as força de van der Waals decaem com a sétima potência da
ção transversal. A extrusão do filme através de uma matriz com distância, as pequenas distâncias entre as cadeias causam forte
uma fenda circular se consegue facilmente esticando o filme de atração entre si e elevado valor de ΔHcr .
forma tubular e aplicando ar sob pressão dentro da zona onde
está solidificando (Figura 21-14). Entropias de cristalização e de fusão
As entropias de mistura e de fusão são bastante similares,
Termodinâmica da fusão e da cristalização5 quando se considera a primeira apenas para o polímero. A re-
lação de Boltzmann, S = R ln W, quando aplicada ao processo
A equação (21-17), aplicada anteriormente a sistemas binários de fusão, resulta em:
solvente-polímero, é agora aplicada a um sistema unitário, Sf Sl − Ss R ln Wl − R ln Ws
constituído apenas pelo polímero, para descrever um processo Wl ∼
reversível: R ln R ln Wl (21-29)
Ws

← → O subscrito l se refere ao polímero líquido, fundido ou amor-


fo, e o subscrito s ao polímero cristalino sólido. W representa
o número de possíveis conformações das cadeias, valendo a
Gf Hf − T Sf (21-17a)
unidade no caso dos polímeros cristalinos, que possuem ape-
As letras subscritas se alteram de m (para mistura) para f (fu- nas uma conformação reticular estável. Por outro lado, Wl é
são) ou cr (cristalização). bastante grande devido à liberdade de rotação ao redor das
ligações do esqueleto das cadeias fundidas, o que faz Wl ser
Calores de cristalização e de fusão muito maior que Ws, Wl /Ws muito maior que 1 e ΔSf positiva.
De acordo com a equação (21-17a), uma variação positiva da
O calor latente de cristalização ou de solidificação, ΔHcr, é ne- entropia contribui para tornar a variação de energia livre do
gativo porque o processo é exotérmico. Ele representa as ener- processo negativa e, por conseguinte, tende fazer com que o
gias de ligação liberadas durante a cristalização, em conse- processo aconteça espontaneamente. Este é um exemplo da
qüência do aumento das atrações entre as cadeias via forças de tendência universal na direção da aleatorização ou da desor-
valência secundária. Quando o polímero solidifica, as próprias dem. O processo reverso de organização ou de cristalização é
cadeias se rearranjam na forma de retículos organizados. Os impedido pela liberdade rotacional no decorrer da fusão e do
grupos polares de cadeias adjacentes se emparelham e as dis- seu incremento da entropia. Para o polietileno,
tâncias entre as cadeias são diminuídas (ou seja, a densidade Sf 4,5 cal mol mero
aumenta). Ambos os fatores maximizam a formação de liga-
ções de valência secundária entre cadeias adjacentes mediante Scr 4,5
forças de dispersão e dipolo-dipolo. As forças dipolo-dipolo A magnitudes de Sl e ΔSf dependem de Wl , que, por sua
dependem da presença de grupos polares e podem ser mensu- vez, depende da flexibilidade das cadeias e da liberdade de ro-
radas, por exemplo, pelo parâmetro de solubilidade. O calor tação ao redor das ligações das cadeias, mantendo a restrição
de fusão, ΔHf, representa a energia que deve ser fornecida para do ângulo da ligação tetraédrica carbono-carbono. O valor de
romper uma fração significativa de forças de valência secun- ΔSf para o polietileno é 0,16, sendo maior do que o do polies-
dária existentes entre cadeias adjacentes, conforme o polímero tireno e do polidimetilsiloxano, por exemplo. O grupo lateral
vai fundindo. O polietileno de alta densidade tem um calor de metila e, principalmente, o mais volumoso grupo fenila, loca-
cristalização de -1.850 cal/mol mero e um calor de fusão de lizados a cada lado de cada átomo de carbono das cadeias de
+1.850 cal/mol mero. Os valores correspondentes para o po- polipropileno e de poliestireno, obstaculizam a rotação livre
lietileno de baixa densidade representam, aproximadamente, a ao redor das ligações da cadeia e reduzem, assim, o número de
metade desses valores, devido à sua baixa cristalinidade. conformações que as cadeias podem assumir quando no estado
As temperaturas de transição (temperatura de solidificação líquido ou fundido. Conseqüentemente, as entropias de fusão
e fusão, temperatura de transição vítrea, temperatura de degra- do polipropileno e do poliestireno são menores do que a do
dação térmica), o calor específico, o calor de fusão e, no caso polietileno em 19 e 75%, respectivamente. Uma dupla liga-
dos polímeros cristalinos, o calor de cristalização são deter- ção olefínica e um anel de fenileno no esqueleto do polímero
minados por análise térmica diferencial (DTA) ou por calori- respondem pelas cadeias relativamente rígidas do poliisopreno
metria exploratória diferencial, também chamada de calorime- e do tereftalato de polietileno, o que reduz Wl e ΔSf de modo
tria diferencial de varredura (DSC). Na DTA, a amostra e um considerável.
material de refêrencia termicamente inerte são aquecidos ou A ressonância entre
resfriados a uma velocidade programada. A diferença entre a
temperatura dos dois materiais é registrada em função da tem-
peratura. Na DSC, a quantidade de calor requerido para manter
a temperatura da amostra a determinado valor, estabelecido
e
pelo programa de aquecimento, é medida seja em função da
entrada de força ou do fluxo de calor.10
O polietileno possui um elevado calor de fusão, ainda que confere um caráter de ligação dupla parcial à ligação C—N e
careça de grupos polares, pelo fato de as cadeias serem lisas e de coplanaridade ao grupo amida e aos dois átomos de carbo-
simétricas e de o material se empacotar de modo denso. Como no, que são responsáveis pela rigidez e baixa ΔSf das poliami-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 625

das, incluindo polipeptídios. No caso do politetrafluoroetileno, ΔS f = ΔH f TM P


a barreira de energia potencial que impede a rotação ao redor 1850 cal 1
= = 4,49 cal mol mero K
da ligação F2C—CF2 é maior em uma ordem de magnitude do mol mero 412 K
que ao redor da ligação H2C—CH2, o que resulta em uma con-
A massa molecular de um mero ou unidade de repetição,
siderável rigidez da cadeia e em uma baixa entropia de fusão.
—CH2—CH2—, é 28. Conseqüentemente,
4 ,49 cal mol mero
Ponto de fusão ΔS f = = 0,16 cal g K
mol mero K 28 g
A transição entre polímeros sólidos cristalinos e polímeros
líquidos amorfos acontece no ponto de fusão cristalino. Dois
fatores opostos afetam a variação de energia livre e o ponto de Tanto a diminuição da massa molecular quanto do tama-
fusão: um deles favorece a fusão e o outro a cristalização. A nho dos cristalitos abaixa o ponto de fusão de um polímero em
fusão ocorre de forma espontânea quando ΔGf é negativa. Pela alguma medida. Tendo em vista que os polímeros comerciais
equação (21-17a), ΔGf depende de ΔHf , de ΔSf e da tempera- apresentam faixa de massa molecular e cristalitos de diferentes
tura. Dado que a fusão é endotérmica, ΔHf é positiva, pelo que dimensões, seus pontos de fusão não são tão nítidos como os
um elevado calor de fusão tende a fazer ΔGf positiva, opondo- das substâncias cristalinas de baixa massa molecular.
se à fusão e favorecendo a cristalização. ΔSf é também positiva,
contudo uma vez que o produto T ΔSf na equação (21-17a) é
precedido de um sinal negativo, isso representa uma contribui- Transição vítrea4,5
ção negativa para ΔGf. Dessa forma, uma elevada entropia de Nem o poliestireno atático nem a borracha de estireno-buta-
fusão e uma elevada temperatura tendem a favorecer a fusão, dieno (SBR), um copolímero aleatório que consiste de 76% de
opondo-se à cristalização. butadieno e 24% de estireno, podem cristalizar. Ainda assim, à
Abaixo do ponto de fusão, o valor absoluto de ΔHf (o qual temperatura ambiente, o poliestireno amorfo é duro e quebra-
é positivo) é maior que o valor absoluto de T ΔSf (que também diço, enquanto a SBR é mole e extensível. O primeiro está no
é positivo, mas que tem uma contribuição negativa para ΔGf estado vítreo, o último no estado de borracha. Sob abaixamen-
em função do sinal negativo que o precede). No final, ΔGf é to da temperatura, a SBR passa para o estado vítreo de modo
positiva e a fusão não ocorre de forma espontânea. A solidifi- reversível (ficando dura e quebradiça) dentro de uma faixa es-
cação e a cristalização dos polímeros fundidos, pelo contrário, treita de temperatura centrada em -62 °C. Quando aquecido,
ocorrem espontaneamente abaixo do seu ponto de fusão cris-
o poliestireno passa de modo reversível ao estado de borra-
talino e o estado de equilíbrio é o estado de sólido cristalino,
cha (ficando mole e extensível) dentro de uma faixa estreita
dado que ΔGcr é negativa.
de temperatura centrada em 90 °C. A temperatura na qual um
Nem os valores de ΔHf e de ΔSf dependem fortemente da
polímero vítreo, quando aquecido, passa ao estado de borracha
temperatura. Assim, na medida em que T e T ΔSf aumentam,
e um polímero no estado de borracha reverte para um estado
ΔGf se torna progressivamente menor. No ponto de fusão
vítreo é denominada temperatura de transição vítrea, Tg.
ΔGf = 0, e acima do ponto de fusão ΔGf se torna negati-
va. Conseqüentemente, a fusão ocorre de forma espontânea Os polímeros no estado de borracha são líquidos muito
acima do ponto de fusão e o estado de equilíbrio é o estado viscosos, com uma liberdade de rotação ao redor das ligações
líquido, fundido ou amorfo. carbono-carbono do esqueleto relativamente elevada, conside-
No ponto de fusão cristalino, os polímeros sólidos e líqui- rando a restrição imposta pelo ângulo da ligação tetraédrica. Se
dos se encontram em equilíbrio e ΔGcr = ΔGf = 0. Logo, a a temperatura é alta o suficiente, a maioria das ligações pode
partir da equação (21-17a) se deduz que ultrapassar a barreira de energia potencial que limita a rotação.
A liberdade de rotação decorre de cadeias muito flexíveis, do
Hf
TMP (21-30) movimento dos segmentos ou microbrowniano e da alteração
Sf nas conformações das cadeias, como discutido anteriormente
Elevados pontos de fusão em polímeros podem ser alcançados para as soluções de polímeros. A mobilidade dos segmentos é
mediante elevados valores de ΔHf e/ou baixos valores de ΔSf. consideravelmente menor em polímeros no estado de borracha
A polaridade, evidenciada por um parâmetro de solubilidade e no seio de polímeros líquidos do que nas suas soluções, devi-
elevado, tende a aumentar ΔHf e o ponto de fusão através do do à elevada viscosidade dos primeiros.
incremento das forças de valência secundária entre as cadeias. À medida que a temperatura é abaixada, diminui o número
Cadeias rígidas abaixam ΔSf e aumentam o ponto de fusão. de ligações capaz de ultrapassar a barreira de energia poten-
cial de rotação, assim como a mobilidade dos segmentos. Na
temperatura de transição vítrea, o movimento rotacional ou
EXEMPLO 21-8 microbrowniano cessa por completo, ou seja, as conformações
Entropia de fusão do polietileno das cadeias ficam imóveis. A baixo da Tg, o único movimento
Um polietileno de alta densidade tem um calor latente de fusão de restante é a vibração dos átomos ao redor das suas posições
1850 cal/mol mero e ponto de fusão cristalino de 139 °C. Calcular de equilíbrio. Quando um polímero é submetido a estresse em
a entropia de fusão desse polímero. temperaturas abaixo da sua Tg, as cadeias enoveladas aleató-
Temos que rias, agora imobilizadas, terão perdido em extremo sua capaci-
dade de deslizar umas sobre as outras. Uma vez que a ruptura
TMP = 139◦ C + 273 = 412 K
não é precedida do fluxo frio, o alongamento até o ponto de
A partir da equação (21-30), ruptura é pequeno e o polímero se torna frágil.
626 P ATRICK J. S INKO

Os domínios amorfos de polímeros parcialmente cristali-


nos sofrem transições vítreas da mesma forma que os políme-
ros completamente amorfos o fazem. Muitos graus comerciais
de polímeros cristalizáveis são em parte cristalinos ou amorfos.
Duas temperaturas de transição características são associadas
com essa classe de polímeros semicristalinos: a temperatura
de transição vítrea da porção amorfa e o ponto de fusão cris-
talino da porção cristalina, TMP. A Tg é sempre menor do que
a TMP. Diversos fatores que limitam a rotação ao redor das li-
gações do esqueleto de carbono-carbono, como a presença de
a
volumosos grupos fenila laterais no poliestireno, são responsá-
veis pela rigidez das cadeias. Eles aumentam a temperatura de
transição vítrea ao restringir a mobilidade dos segmentos das
regiões amorfas, e aumentam o ponto de fusão cristalino ao
reduzir a mobilidade dos segmentos no material fundido, con-
seqüentemente diminuindo a entropia de fusão (ver discussão
anterior). Os grupos polares, em especial aqueles com ligações
de hidrogênio, que aumentam a atração entre as cadeias ou co-
esão, também aumentam Tg e TMP, sendo, neste último caso,
por aumento do calor de fusão.

Volume específico, v
De um ponto de vista termodinâmico, a fusão, vista como Amorfo
uma mudança de fase, é uma transição de primeira ordem: ΔGf
= 0 no ponto de fusão. As funções termodinâmicas primárias,
ou seja, propriedades primárias como volume V ou densida- Semicristalino
de e seu recíproco, o volume específico v, entropia e entalpia
sofrem nítida descontinuidade no ponto de fusão de um polí-
mero cristalino, que, no caso da entalpia, é o calor latente de
fusão (Figura 21-12a.). A transição vítrea é identificada como Temperatura
uma transição de segunda ordem. Na temperatura de transição
vítrea de um polímero amorfo, as funções primárias apenas Figura 21-12 Efeito do ponto de fusão, TMP, e da temperatura de transição
experimentam uma variação na inclinação, quando plotadas vítrea, Tg, sobre as funções termodinâmicas de polímeros cristalinos, amorfos
contra a temperatura (Figura 21-12b). As funções termodinâ- e semicristalinos. Os símbolos estão definidos no texto.
micas derivadas, a saber, a capacidade calorífica,
∂H
Cp
∂T P
em incremento abrupto do volume específico e descontinuidade
o coeficiente de expansão térmica, no gráfico de volume específico versus temperatura à medida
1 ∂V que os cristalitos compactos se transformam rapidamente em
αv uma massa fundida menos densa.
V ∂T P A inclinação inicial da curva abaixo da Tg, que representa
ou o coeficiente de expansão térmica do polímero sólido, é menor
∂ν que a inclinação acima do ponto de fusão, que representa o
α
∂T P
coeficiente de expansão térmica do polímero fundido, líquido.
Para polimetilmetacrilato e poliestireno atáticos, os quais são
e a compressibilidade isotérmica, como plásticos totalmente amorfos, e o elastômero SBR, α =
1 ∂V dv/dT, que, a pressão atmosférica, vale (2,15; 2,5 e 1,8) × 10-4
κ cm3/g K no estado vítreo e 4,6; 5,5 e 6,6) × 10–4 cm3/g K no
V ∂P T
estado de borracha líquida, respectivamente.
tendem ao infinito em uma transição de primeira ordem, como Do ponto de vista cinético, a temperatura de transição ví-
acontece no ponto de fusão de um polímero cristalino (Figura trea é a temperatura na qual o tempo de relaxação para um mo-
21-12c), e mostram clara descontinuidade em uma transição de vimento de segmento do esqueleto do polímero é comparável,
segunda ordem, como ocorre na temperatura de transição ví- ou pelo menos tem a mesma ordem de magnitude, à escala de
trea de um polímero amorfo (Figura 21-12d). A Figura 21-12e tempo da variação da temperatura durante a medição. Portanto,
mostra a dependência do volume específico em relação à tem- a transição vítrea de um polímero não é tão nítida e bem-defi-
peratura para um polímero amorfo e um polímero parcialmen- nida como o ponto de fusão, e depende muito mais do método
te cristalino. Ambas as curvas demonstram uma alteração na de determinação e da velocidade de aquecimento ou de resfria-
inclinação no ponto da Tg correspondente às transições vítreas mento durante a medição. O coeficiente de expansão térmica,
do polímero amorfo e da região amorfa do polímero semicrista- módulo de elasticidade ou dureza, capacidade calorífica, con-
lino. Quando a temperatura é aumentada até o ponto de fusão, a dutividade térmica, compressibilidade isotérmica, alargamento
porção cristalina do polímero semicristalino funde, resultando de linhas na RMN, constante dielétrica e índice de refração,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 627

que são utilizados para medir a temperatura de transição vítrea, Os plastificantes externos atuam como lubrificantes en-
podem proporcionar valores que variam em até 20 °C para uma tre as cadeias do polímero, facilitando o deslizamento das
única amostra. A determinação experimental da Tg depende da cadeias umas sobre as outras, quando submetidas a estresse,
velocidade de aquecimento ou de resfriamento. O resfriamento e estendendo a faixa de temperatura para a rotação dos seg-
rápido de um polímero no estado de borracha durante a deter- mentos para temperaturas mais baixas. Devem ser solúveis
minação fornece valores mais altos de Tg do que se o resfria- no polímero. Caso esses líquidos solvatem muito o polímero,
mento fosse lento. Enquanto isso, o aquecimento rápido de um vão enrijecer as cadeias tornado-as menos flexíveis. Portanto,
polímero no estado vítreo gera valores menores do que se o devem ser solventes desfavoráveis que apenas sejam compa-
polímero for aquecido lentamente. Estas constatações indicam tíveis com o polímero. Os plastificantes são líquidos com bai-
que a transição vítrea não é uma genuína transformação termo- xas temperaturas de transição vítrea, na faixa de −50 a −150
dinâmica, mas sim um fenômeno cinético. °C, nas quais congelam para o estado vítreo, mas não crista-
A temperatura de transição vítrea diminui um pouco com lizam sob esfriamento. Seus coeficientes de difusão dentro
a massa molecular de um polímero. Muitos polímeros apre- do polímero devem ser comparativamente baixos, de modo a
sentam duas ou três transições vítreas, que correspondem ao minimizar a sua migração do polímero. A migração dos plas-
congelamento dos movimentos rotacionais ocorridos na cadeia tificantes a partir das paredes do recipiente pode contaminar
principal e nas cadeias laterais, assim como ao congelamento o produto contido. Os plastificantes internos não migram, em
dos grupos laterais como um todo. absoluto. Os plastificantes externos são somente efetivos com
A transição vítrea se verifica em polímeros amorfos e nos polímeros amorfos, ou com as regiões amorfas de polímeros
domínios amorfos de polímeros parcialmente cristalinos. Por semicristalinos.
causa disso, as propriedades de polímeros altamente cristali- O efeito do ftalato de di-(2-etilexila) ou ftalato de dioc-
nos, com cerca de 20% ou menos de regiões amorfas, apre- tila sobre o cloreto de polivinila é mostrado na Tabela 21-9.
sentam quase nenhuma alteração na sua Tg. Os polímeros com O polímero puro é rígido à temperatura ambiente porque está
cristalinidade intermediária (10–80%) se parecem com mate- no estado vítreo. Ele tem uma temperatura de transição vítrea
riais altamente queratinizados (chifre) e são de textura firme próxima aos -100 °C e, em concentração de 30%, abaixa a Tg
quando abaixo das suas Tg, ou são resistentes e parecidos com do polímero para 5 °C. À temperatura ambiente, o cloreto de
o couro quando estão entre a Tg e a TMP. Eles podem reter, em polivinila plasticizado está, portanto, no estado de borracha.
parte, sua boa resistência ao impacto mesmo quando se encon- Esse polímero é utilizado nessa forma em bolsas para conter
tram abaixo da Tg. soluções parenterais e plasma, em função da sua flexibilidade
e transparência. Um problema associado à alta concentração
de ftalato de dioctila em bolsas à base de cloreto de polivinila
flexível contendo soluções intravenosas ou plasma, é a cedên-
FABRICAÇÃO cia desse plastificante líquido que ocorre nos líquidos para in-
fusão na forma de gotículas, 39 especialmente sob agitação.40
Plasticização O plastificante liberado pode vir a associar-se com os compo-
nentes lipídicos e protéicos do plasma ou do sangue integral
A temperatura de transição vítrea de um copolímero aleatório armazenado. 41
na escala Kelvin costuma ser a média ponderada das tempera-
turas de transição vítrea dos dois homopolímeros, tendo por
base sua fração em peso (ou, às vezes, em volume). Elastômeros42
Elastômeros ou borrachas são polímeros que se caracterizam
EXEMPLO 21-9 pelas baixas temperaturas de transição vítrea. São homopolí-
Temperaturas de transição vítrea de polímeros meros capazes de cristalização que também possuem baixas
temperaturas de fusão, a maioria abaixo da temperatura am-
O cloreto de polivinila e o acetato de polivinila têm valores de Tg
de 81 e 29 °C, respectivamente. Calcular a temperatura de tran-
sição vítrea de um copolímero randômico aleatório constituído
de 80% m/m de cloreto de polivinila e 20% m/m de acetato de
polivinila. TABELA 21-9
Teremos que EFEITO DO PLASTIFICANTE SOBRE AS PROPRIEDADES
Tg = (0,8)(81 + 273) + (0,2)(29 + 273) = 344 K = 71 ◦ C MECÂNICAS DO CLORETO DE POLIVINILA
Cloreto de polivinila
O processo mediante o qual a Tg do cloreto de polivini- Cloreto de (70% m/m) +
la rígido é abaixada pela copolimerização recebe o nome de polivinila Ftalato de dioctila
plasticização interna. Ele prolonga a parte terminal inferior da Propriedade rígido (30%)
faixa de temperatura dentro da qual o cloreto de polivinila é
Tensão de deformação (psi) 8.000 3.600
flexível. Plastificantes externos são líquidos de elevado ponto Módulo de Young (105 psi) 4,6 0,2
de ebulição que apresentam baixa pressão de vapor a tempe-
ratura ambiente e não são voláteis. A sua função é baixar a Tg Alongamento até ruptura (%) 30 200
de um polímero abaixo da temperatura ambiente, tornando o Temperatura de transição 81 5
polímero macio e mais flexível. vítrea (°C)
628 P ATRICK J. S INKO

biente. Elastômeros também se caracterizam por baixos pa- tiuram ou um ditiocarbamato) e um ativador (zinco, chumbo ou
râmetros de solubilidade (Tabela 21-3) e escassas forças de sabão de cálcio), seguido de aquecimento de 130 a 150 °C. A in-
atração entre cadeia (Tabela 21-6). Assim como os polímeros saturação olefínica ativa o hidrogênio do α-carbono permitindo
mais cristalinos, a temperaturas acima do ponto de fusão, e a introdução de ligações cruzadas de sulfeto ou bissulfeto:
como os polímeros amorfos, acima das temperaturas de transi-
ção vítrea, as borrachas cruas são líquidos viscosos, de consis-
tência semelhante a um caramelo. Esses polímeros fluem sob o
estresse, são pegajosos e apresentam pequena recuperação ou
escassa elasticidade.
A reticulação moderada, denominada vulcanização, man-
tém unidas as cadeias por ligações de valência primária através
de poucos pontos, evitando o deslizamento das cadeias umas
sobre as outras quando sob estresse. Os estresses mecânicos
são, em geral, muito fracos para romper as ligações de valência
primária. As cadeias enoveladas aleatoriamente e ligeiramente
reticuladas dos elastômeros vulcanizados são desenroladas e A reticulação intensa, utilizando 30% ou mais de enxofre em
estendidas pelo estresse, porém, esse alongamento se detém relação ao peso da borracha natural crua, produz um plástico
quando as ligações cruzadas e o esqueleto do polímero ficam duro, com um alongamento máximo de apenas 4%, denomina-
distendidos. As cadeias estendidas reassumem rapidamente do ebonite.
suas conformações aleatórias originais assim que o estresse é Elastômeros sem insaturações olefínicas podem ser vul-
removido, o que leva o objeto a recuperar rapidamente a sua canizados mediante adição de peróxidos que, por aquecimen-
forma original. Assim, a reticulação proporciona elasticidade, to, se decompõem e retiram prótons das cadeias produzindo
minimiza o creep e a deformação permanente e elimina a ade- radicais livres. A combinação ou acoplamento desses radicais
rência. A elevada mobilidade dos segmentos ou movimento livres de cadeias adjacentes leva à formação de ligações cruza-
microbrowniano à temperatura ambiente se mantém, uma vez das entre elas.
que a vulcanização aumenta a temperatura de transição vítrea A vulcanização não é capaz de promover, por si só, as pro-
em apenas alguns graus. priedades mecânicas na maioria do elastômeros de modo sufi-
As ligações reticuladas ficam bastante espaçadas umas das ciente a atender certos usos terminais. Materiais de enchimento
outras, em média, cerca de uma em cada 100 monômeros, e de reforço são pós de tamanho de partículas pequeno, de 200 a
não impedem a cristalização reversível dos elastômeros ho- 500 Å, como o negro de fumo (negro de carbono) e o dióxido
mopoliméricos quando esticados de forma intensa. O estresse de silício coloidal. Esses adjuvantes são incorporados na bor-
causado por grandes alongamentos força, inevitavelmente, o racha crua junto com os adjuvantes de vulcanização mediante
alinhamento dos novelos aleatórios das cadeias do elastômero, moagem, em concentrações de 20 a 75% do peso da borracha
apesar da diminuição resultante da entropia. Esse alinhamento crua. Essas partículas de tamanho pequeno produzem elevadas
ou orientação das cadeias leva à cristalização dos elastômeros áreas interfaciais na mistura borracha-material de enchimento.
homopoliméricos esticados, o que abaixa a sua energia livre a O nível de reforço aumenta com a diminuição no tamanho de
um valor igual ao seu calor de cristalização. partícula. 36
As curvas de tensão-deformação se empinam nesses alon- A incorporação de materiais de enchimento de reforço em
gamentos (ponto D da Figura 21-10) porque a cristalização elastômeros homopoliméricos capazes de cristalizar quando
aumenta o módulo de elasticidade. Assim que o estresse é reti- esticados, como a borracha natural, o policloropreno e o po-
rado, os elastômeros fundem porque o valor absoluto do termo liisobutileno, normalmente aumenta a tensão de deformação
positivo T ΔSf é maior do que o valor absoluto do termo positivo e reduz, de forma apenas moderada, o seu alongamento até a
ΔHf. Nesse contexto, de acordo com a equação (21-17a), ΔGf ruptura. Contudo, pode melhorar muito sua resistência ao ras-
é negativa e os elastômeros que tenham cristalizado se conver- gamento e ao atrito. Entretanto, elastômeros que não cristali-
tem de forma espontânea ao estado mais estável, o contraído, zam quando esticados, como os copolímeros randômicos de
no qual as cadeias estão enoveladas de modo aleatório. O calor estireno com butadieno, butadieno com acrilonitrila ou etileno
latente de fusão ou de cristalização dos elastômeros é compara- com propileno, devem ser formulados contendo material de
tivamente pequeno porque muitos dos elastômeros são hidro- enchimento de reforço para poder atingir uma tensão de defor-
carbonetos sem grupos polares. Além disso, muitos deles têm mação e um módulo de Young satisfatórios, assim como boa
cadeias tortuosas devido às insaturações olefínicas em configu- resistência ao rasgamento e ao atrito. Em sua forma vulcani-
ração cis presentes nas suas estruturas ou à presença de grupos zada, os produtos são frágeis e moles, porém, após a adição de
volumosos que evitam um empacotamento denso, aumentando materiais de enchimento de reforço, suas propriedades mecâ-
a distância entre as cadeias adjacentes. Esses fatores reduzem a nicas podem ser aumentadas até os níveis observados nos ho-
coesão entre as cadeias e, portanto, ΔHf. Enquanto os solventes mopolímeros que cristalizam quando esticados. Para facilitar a
de baixa polaridade dissolvem as borrachas cruas, eles apenas dispersão eficaz durante a moagem e a boa adesão após a vul-
intumescem as borrachas vulcanizadas. canização, as partículas de reforço devem ser bem molhadas
A vulcanização ou curing da borracha natural e de outros pela borracha. As cadeias de elastômero são fortemente adsor-
elastômeros do tipo polibutadiênico é realizada misturando de vidas sobre as partículas coloidais do material de enchimento e
2 a 5% de enxofre à borracha crua, além de um acelerador de se aderem a elas ainda perante uma deformação intensa. Como
vulcanização (um mercaptobenzotiazol, sulfeto ou bissulfeto de as partículas sólidas estão mecanicamente integradas à borra-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 629

cha, o produto obtido adquire parte da força, da rigidez e da dade da matriz. O filtro tem a função de remover as impurezas
resistência ao atrito da fase dispersa. sólidas e de aglomerados de resina não-fundida. Quando se
Materiais de enchimento e pigmentos inertes, como argila, requer que o filme extrusado tenha espessura uniforme, é es-
carbonato de cálcio e talco não são capazes de melhorar as sencial que o material fundido saia através da fenda da matriz
propriedades mecânicas; contudo, facilitam a moldagem e a com velocidade de fluxo constante, sem variações bruscas. A
extrusão, além de baratear o preço. zona de calibração assegura essa velocidade de saída constan-
te. O filme é extrusado no sentido descendente, através de uma
matriz provida de uma fenda longa que leva a uma abertura
Tecnologia de fabricação 36,43-46 onde alcança um sistema de rolos altamente polidos e frios, os
quais são resfriados com água. Filmes planos são extrusados
As resinas termoplásticas são produzidas mediante extrusão no também no sentido descendente, através de uma matriz provi-
estado fundido, na forma de filmes ou de fibras, e por molda- da de abertura alongada que termina em um sistema de rolos
gem, em objetos tridimensionais. altamente polidos e frios, os quais são resfriados com água.
No caso dos filmes tubulares, eles são produzidos mediante
Extrusão 36,43,44 extrusão da massa fundida no sentido ascendente, através de
Um extrusor de parafuso único apresenta um transportador simi- uma matriz anular, ao redor do mandril (Figura 21-14). À me-
lar ao de um moedor de carne. Consiste de um parafuso movido dida que o fio tubular é puxado para cima, é insuflado com ar
por um motor acoplado ao seu eixo por meio de uma engrena- injetado através do mandril, formando uma bolha. Depois o
gem de redução, que gira dentro de um tambor cilíndrico. Sob fio é esticado e orientado biaxialmente. O filme tubular, ainda
rotação, o parafuso desloca os péletes de resina para a frente e quente, é então resfriado com ar.
gera, por cisalhamento, a maior parte do calor necessário para
fundir os péletes, assim como a pressão hidrostática necessária Moldagem por injeção36,43-46
para forçar o plástico fundido através da matriz (Figura 21-13). Dos vários processos de moldagem, a moldagem por injeção
A resina, na forma de péletes, grânulos ou escamas, é ali- é o mais amplamente utilizado. As seguintes três operações
mentada a partir do alimentador para dentro da zona de ali- são executadas de forma sucessiva. A resina termoplástica, na
mentação do extrusor. Dali, ela é transportada para a zona de forma de péletes, é aquecida, fundida e pressionada dentro da
transição, onde o material é comprimido e fundido. A grande cavidade de uma matriz, a qual fica preenchida pelo material
quantidade de calor necessária para fundir a resina é gerada fundido. O plástico fundido esfria e solidifica dentro do molde
pelo atrito viscoso à medida que o material é cisalhado entre o enquanto é submetido à pressão. No final, o molde é aberto e
parafuso em rotação e as paredes estacionárias do tambor. Ou- a peça de plástico ejetada. Os moldes podem ter várias cavida-
tra parte do calor é suprida a partir do lado de fora do tambor, des, para moldar simultaneamente várias peças de plástico, ou
geralmente por fitas de aquecimento elétrico colocadas sobre apenas uma única cavidade.
ele. Conforme a resina avança ao longo da zona de transição, Para moldar e injetar a resina para dentro do molde utili-
ela é plasticizada, fundida e misturada. Com o tempo, o mate- zam-se dois tipos de máquinas: a máquina de moldagem por
rial alcança a zona de calibração, onde o parafuso se encontra injeção por êmbolo e a máquina de moldagem por injeção por
no ponto mais estreito do fundo do canal do tambor. Aqui, ele parafuso recíproco. A máquina de moldagem por êmbolo é
impulsiona o material fundido através de um filtro para a cavi- acoplada a um “carneiro” hidráulico que comprime os péletes

Resina

Alimentador

Matriz

Aquecedor Tambor Filtro de tela


acoplado

Motor

Parafuso

Zona de Zona de
Suporte Zona de transição
alimentação calibração

Figura 21-13 Desenho esquemático de um extrusor de parafuso único.


630 P ATRICK J. S INKO

Rolo terminal para fundida se retrai quando resfriada e o molde é aberto a seguir.
o filme acabado As partes de plástico são, então, ejetadas.
A segunda máquina de moldagem, que consiste em um
Nip rolls de borracha parafuso recíproco, mistura e homogeiniza a resina fundida. O
parafuso se assemelha ao parafuso único do extrusor descrito na
Figura 21-13, exceto pelo fato de se movimentar para a frente
e para trás dentro do tambor, com o auxílio de um mecanismo
Filme tubular hidráulico. A resina é alimentada a partir um alimentador para
aplanado dentro do tambor, é plasticizada e fundida pela rotação do para-
fuso. O parafuso, que atua como um êmbolo, impele o material
Rolos-guia fundido para dentro das cavidades, onde o plástico esfria e so-
lidifica. O plástico moldado é então ejetado das cavidades dos
moldes.

POLÍMEROS NA LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS


Tubo de sopro (bolha)
Classificação
Os polímeros são classificados de várias maneiras. A classi-
ficação mais simples adotada para fins farmacêuticos é: polí-
meros naturais e polímeros sintéticos. O fator mais importante
Anel pneumático nos sistemas de liberação de fármacos é a biodegradabilidade,
pelo que estes são ainda classificados em dois subgrupos: os
polímeros biodegradáveis e os não-biodegradáveis.
Mandril
Extrusor do Aplicações em Farmácia
polímero Matriz
Adjuvantes
filtro de tela Celulose microcristalina (CMC), carboximetilcelulose sódica,
acoplado (CMCNa), hidroxipropilmetilcelulose* (HPMC), hidroxietil-
Entrada de ar celulose (HEC), hidroxipropilcelulose (HPC), polietilenoglicol
Figura 21-14 Desenho esquemático de um extrusor de filme tubular, mostran- (PEG)* e povidona são alguns dos polímeros utilizados no re-
do o filme sendo puxado para cima e expandido como uma bolha. vestimento de comprimidos. O acetoftalato de celulose, ftalato
de hidroximetilcelulose e os copolímeros do ácido metacrílico
de resina ao mesmo tempo em que estes são aquecidos e fun- e seus ésteres, Eudragits, encontram uso no revestimento enté-
didos. A resina fundida é empurrada através de um bocal para rico de comprimidos. A vetorização de fármacos no colo após
dentro das cavidades dos moldes e resfriada, sob pressão, abai-
xo da sua temperatura de fusão ou de transição vítrea. A resina * N. de T.: Hidroxipropilmetilcelulose ou hipromelose; polietilenoglicol ou
macrogol.

CONCEITO POLÍMEROS COMO ADJUVANTES FARMACÊUTICOS 47-53


Há muitos anos os farmacêuticos têm utilizado polímeros em vários tó- algumas das aplicações mais promissoras dos polímeros nesse campo.
picos do seu trabalho. As garrafas de polietileno e de poliolefinas, viales Os hidrogéis, definidos de forma simples, são géis coloidais em que a
de poliestireno, material de fechamento de borracha, cânulas de borra- água atua como meio dispersante. Os lipossomas são vesículas forma-
cha e de plástico para kits de injetáveis e bolsas de cloreto de polivinila das por ligações fosfolipídeo-membrana, desenhadas para o transporte
flexível para conter sangue e soluções intravenosas são exemplos destes de moléculas biológicas. Os polímeros bioadesivos têm a propriedade
polímeros. Inicialmente, seu uso ficou restrito ao material de embalagem única de se aderirem às membranas biológicas, como a ocular, e podem,
e não à liberação de fármacos. Depois, o amálgama das ciências de polí- portanto, agir como carreadores de fármacos. As nanopartículas consis-
meros e farmacêutica levou à introdução dos polímeros no desenho e de- tem de macromoléculas desenhadas para carrear fármacos até o sítio
senvolvimento de sistemas de liberação de fármacos (DDS). Os sistemas de ação e são liberadas por via intravenosa. A Engenharia de Tecidos
poliméricos de liberação de fármacos são destinados, principalmente, a envolve o uso de biopolímeros para facilitar a regeneração ou a subs-
alcançar a liberação controlada ou sustentada de fármacos. Hidrogéis, tituição de tecidos. As próximas seções tratam das aplicações dessas
lipossomas, bioadesivos, nanopartículas e a Engenharia de Tecidos são novas tecnologias.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 631

administração oral tem sido possível mediante o uso de polissa- como cálcio, têm sido utilizados de maneira ampla na formu-
carídeos biodegradáveis. A goma guar reticulada, com escassa lação de sistemas microparticulados de liberação de fármacos
propriedade de intumescimento devido à reticulação, tem sido e de fármacos protéicos. A goma xantana constitui uma adição
utilizada como veículo em sistemas de liberação destinados à recente à lista de matrizes hidrofílicas e é utilizada na formu-
liberação localizada nas porções distais do intestino grosso. lação de comprimidos de liberação retardada. A quitosana, um
Durante muito tempo, polímeros como a goma arábica, ge- polímero formado de copolímeros da glucosamina e da N-ace-
latina e alginato de sódio foram utilizados como aglutinantes na tilglucosamina, tem sido empregado como agente quelante, de
preparação de granulados para compressão. As formas hidra- floculação e de revestimento de lentes. Também tem encontrado
tadas de HPMC e HPC também agem como aglutinantes que aplicação como adjuvante em formulações de liberação susten-
intumescem quando hidratados no meio gástrico, retardando a tada e para melhorar a dissolução de fármacos pouco solúveis.
absorção dos fármacos. O amido, o carboximetilamido (CMS) Outra classe de polímeros biodegradáveis, utilizados na
e a povidona reticulados são utilizados como desintegrantes. liberação de fármacos, inclui os polímeros derivados de poliés-
O polietilenoglicol é muito utilizado como plastificante para teres. O ácido polilático (PLA) e o ácido poliglicólico (PGA) e
conferir elasticidade ao revestimento entérico de comprimidos. seus copolímeros poli(ácido lático-co-ácido glicólico) (PLGA)
Uma ampla variedade de polímeros naturais e sintéticos, como têm sido utilizados na liberação de esteróides, agentes anticân-
a goma xantana (que tem como estrutura primária um esqueleto cer, peptídeos e proteínas, antibióticos, anestésicos e vacinas.
de β-D-glucano com ligações [1–4], com uma cadeia trissaca- As poliamidas, como o ácido poliglutâmico e sua polilisina,
rídea carregada substituindo a posição 3 de resíduos alternados assim como seus copolímeros com diferentes aminoácidos, fo-
de glicose), é empregada como espessante em suspensões e so- ram estudadas como carreadores de fármacos. Recentemente,
luções oftálmicas, como colóides para estabilizar emulsões e Nathan e Kohn54 fizeram estudos extensivos sobre polímeros
para obter bases hidrossolúveis de ungüentos. derivados de aminoácidos. Os ésteres polifosfatados, que apre-
sentam um esqueleto com um carbono ou um oxigênio e um
átomo de fósforo unido a estes, vêm sendo estudados de forma
Biomateriais em sistemas de liberação de fármacos intensa pela sua facilidade de clivagem e hidrólise, proprieda-
Os polissacarídeos preparados como matrizes hidrofílicas conti- des que os transformam em excelentes materiais bioerodíveis
nuam sendo biomateriais bastante utilizados em formas farma- no desenvolvimento de sistemas de liberação de fármacos. O
cêuticas de liberação controlada. A massa molecular e o tama- mecanismo de liberação a partir desses polímeros é dependen-
nho de partícula desses polímeros estão entre os aspectos que te da difusão, intumescimento e degradação do polímero.
mais influem os fatores vinculados à liberação de fármacos. Os Os poliortoésteres foram desenvolvidos nos anos 1970 com
dados de liberação da cafeína a partir de comprimidos matri- o intuito de obter um polímero biodegradável que pudesse ser
ciais de etilcelulose mostram que, perante uma elevada carga implantado na hipoderme e liberar esteróides contraceptivos.
do fármaco, é o mecanismo de difusão que predomina na sua Esses polímeros têm sido, agora, aplicados em vários campos
liberação, enquanto que, perante pequenas cargas deste, tam- e utilizados na liberação de 5-flurouracilo, em sistemas de li-
bém a relaxação do polímero passa a ser um componente do beração periodontais de tetraciclina e em sistemas poliméricos
mecanismo de liberação. HPMC, HPC, CMC e HEC também pH-sensíveis, para a liberação de insulina. Foram desenvolvi-
são utilizados na produção de sistemas de liberação controladas dos discos desse polímero mediante variação da proporção entre
em função do tempo. Outra classe de polissacarídeos interessan- monômeros alifáticos (ácido sebácico) e monômeros de poliani-
tes são as ciclodextrinas, utilizadas com o mesmo propósito em dridos aromáticos (carboxifenoxipropano) para uso potencial no
tecnologia farmacêutica. Esses oligossacarídeos cíclicos podem tratamento quimioterápico do câncer de cérebro. De modo se-
formar ligações não-covalentes com fármacos, alterando, assim, melhante, os poliaminoácidos, os quais apresentam boa biocom-
as propriedades físicas, melhorando a estabilidade, aumentan- patibilidade, foram estudados para a liberação de substâncias de
do a solubilidade e a biodisponibilidade do fármaco. O amido baixa massa molecular, com diferentes aplicações terapêuticas.
na forma reticulada é utilizado na obtenção de microesferas de Uma série de polímeros não-biodegradáveis tem encontra-
elevada estabilidade mecânica e química e, em muitos casos, se do ampla aplicação em formas farmacêuticas perorais, assim
caracteriza por uma total resistência ao meio digestivo. O hidro- como em filmes e dispositivos transdérmicos. Ciclodextrinas
xietilamido (HES), obtido a partir de hidrólise e posterior hidro- são compostos que têm a capacidade de alterar as propriedades
xilação da amilopectina, é utilizado como expansor do volume físicas, químicas e biológicas dos fármacos, por meio da forma-
plasmático* e como anticoagulante. O amido acetilado vem ção de complexos, tanto em solução como no estado sólido. Os
sendo testado, também, como expansor de volume plasmático. polidimetilsiloxanos são polímeros que não deformam. Em fun-
Polímeros derivados de proteínas ou de glicoproteínas, como as ção da facilidade de obtenção e da elevada permeabilidade, são
lectinas, que são capazes de se ligarem a um ou mais resíduos utilizados em implantes subdérmicos e sistemas intravaginais
glicídicos, encontram uso como meio para ancorar sistemas de contendo fármacos hidrossolúveis e esteróides.
liberação de fármacos às superfícies das mucosas dos órgãos,
como a mucosa ocular. O alginato de sódio tem sido empregado Hidrogéis
na encapsulação de DNA de plasmídios, e pode ser vantajoso na
vetorização entérica de ácidos nucléicos como agentes de trans- Polímeros “inteligentes”
ferência gênica. Os alginatos, devido à sua forte característica
Apesar dos tantos novos desenhos de sistemas de liberação de
de transição gel-sol quando na presença de cátions polivalentes,
fármacos (DDS), o objetivo de desenvolver um sistema de li-
beração ideal, no qual a quantidade necessária de fármaco é
* N. de T.: Ou plasma expander. disponibilizada em um sítio de ação e tempo pré-determina-
632 P ATRICK J. S INKO

dos, ainda não foi completamente alcançado. Vários esforços matricial dos hidrogéis. Os parâmetros mais relevantes a serem
para atingir a desejada paridade entre a quantidade fármaco considerados para este propósito são: a fração em volume de
requerida para obter concentração plasmática terapêutica e o polímero no estado intumescido, v2,s, e a massa molecular das
perfil real de liberação de fármaco mostrado por formas farma- cadeias de polímero compreendida entre duas reticulações ad-
cêuticas convencionais tiveram êxito apenas limitado. De igual jacentes, Mc.
maneira, nenhum dos DDS já discutidos têm tido sucesso na
liberação de fármacos protéicos e de polipeptídeos de elevada Razão de intumescimento e conteúdo de água. As cadeias
massa molecular. do polímero de um hidrogel interagem com as moléculas do
Com tais fatos em mente, a pesquisa realizada no desen- solvente e tendem a se expandir. O comportamento do intu-
volvimento de hidrogéis poliméricos tem sido intensa. Eles mescimento dos hidrogéis pode ser descrito por meio da razão
respondem a estímulos externos como pH, temperatura, alte- de intumescimento ou do conteúdo em água:
rações iônicas e de corrente elétrica. Os hidrogéis sintéticos Conteúdo de água [massa de água/(massa de água +
oferecem uma alternativa possível e efetiva de administrar fár- massa de gel seco)] × 100
macos de elevada massa molecular. Razão de intumescimento = massa do gel
A existência dos hidrogéis data de 1960, quando Wichterle intumescido /massa de gel seco
e Lim53 propuseram o uso de matrizes hidrofílicas de poli(2-
hidroxietilmetacrilato) na produção de lentes de contato. Um dos fatores mais importantes que afeta o intumescimento
dos polímeros é a reticulação da cadeia polimérica. A reticu-
lação é o procedimento mediante o qual as pontas das cadeias
Aspectos gerais
poliméricas são ligadas umas às outras com o auxílio de um
Hidrogéis são matrizes poliméricas tridimensionais e hidro- agente, de modo a formar uma estrutura tridimensional inten-
fílicas, capazes de incorporar grandes quantidades de água, samente reticulada. Essa reticulação obstaculiza a mobilidade
na qual, porém, eles são insolúveis. Além disso, são macios e das cadeias do polímero e, portanto, diminui a razão de intu-
flexíveis, assemelhando-se aos tecidos biológicos. O elevado mescimento. (A razão de reticulação é definida como a razão
conteúdo de água desses materiais favorece sua biocompati- entre móis de agente reticulante e móis de polímero.) A es-
bilidade e os convertem na melhor de todas as classes de bio- trutura reticulada funciona como uma força negativa que puxa
materiais sintéticos. Os hidrogéis que contêm grupos funcio- as cadeias de polímero para dentro. Essas forças de retração
nais interativos ligados a uma cadeia polimérica principal são foram descritas pela primeira vez por Flory na teoria da elasti-
referidos normalmente como “inteligentes” ou “hidrogéis que cidade da borracha para borrachas vulcanizadas, sendo poste-
respondem ao estímulo”. riormente modificada para ser aplicada a hidrogéis na presença
de solventes:
Classificação ρ RT 2M c 1 v2 s 1 3
τ 1− α− (21-31)
Os hidrogéis podem ser classificados em neutros ou iônicos, Mc Mn α2 v2 r
dependendo da ausência ou presença de grupos iônicos car-
regados. A classificação mais simples de hidrogéis seria en- onde τ é o estresse aplicado ao polímero, ρ a densidade do
tre aqueles obtidos a partir de produtos naturais e os obtidos polímero, R a constante universal dos gases, T a temperatu-
de materiais sintéticos. Peppas49 classificou os hidrogéis com ra absoluta do experimento, M c a massa molecular requerida
base nas suas características mecânicas e estruturais como ma- entre reticulações, α a razão de alongamento em qualquer di-
trizes afins e matrizes-fantasma. Dependendo do método de reção para as cadeias do polímero, M n a massa molecular das
preparação, esses podem ser homopolímeros, multipolímeros, cadeias do polímero obtidas sob condições idênticas, mas na
ou então polímeros interpenetrados ou matrizes copoliméricas. ausência de agente de reticulação, e v2,r a fração volumétrica
Os hidrogéis também têm sido classificados considerando a no estado relaxado (estado do polímero imediatamente após a
estrutura física das matrizes como: amorfos, semicristalinos, reticulação e antes do intumescimento). Para analisar a estru-
com ligações de hidrogênio e como estruturas supramolecu- tura de um hidrogel aplicando essa teoria, é preciso realizar
lares. Outro método de classificação está baseado no tipo de experimentos de tensão de deformação.
preparação do gel e da reticulação. Uma classe é dita quimi- As estruturas dos hidrogéis que não contenham grupos
camente reticulada quando ocorre o entrecruzamento das liga- iônicos também podem ser analisadas pelas equações apre-
ções como auxílio de um agente de irradiação; na outra classe sentadas na teoria do intumescimento em equilíbrio de Flory-
a reticulação é de natureza física, na qual a reticulação resulta Rehner. Segundo essa teoria, um polímero reticulado, que seja
da ação de forças intermoleculares, como as forças de van der mergulhado em um solvente e deixado em repouso até atingir
Waals. Finalmente, eles podem ser classificados, dependendo o equilíbrio com o meio que o rodeia, está sujeito a duas for-
da sua funcionalidade, como “biodegradáveis”, “sensíveis ao ças que se opõem: a força termodinâmica de mistura e a força
estímulo” e assim por diante. de retração de suas cadeias. Na seqüência é apresentada uma
versão modificada da teoria original de Flory-Rehner, proposta
Propriedades dos hidrogéis por Peppas e Merrill54a para hidrogéis preparados na presen-
ça de água. A variação do potencial químico devido às forças
A conveniência de uso de um hidrogel em DDS depende de sua elásticas é modificada pela presença de água. Levando isso em
estrutura, capacidade de intumescimento e grau de reticulação, consideração, pode-se usar a seguinte equação para prever a
medido pela massa molecular entre duas reticulações conse- massa molecular entre reticulações adjacentes de um hidrogel
cutivas. Por isso, é muito importante caracterizar a estrutura neutro, preparado na presença de água:
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 633

1 2 (v̄ V1 ) ln(1 − v 2 s ) v2 s χ1 v 22 s obtenção de hidrogéis sensíveis a estímulos e que reagem pe-


− 1 3
(21-32) rante variações dos níveis de glicose no sangue. Portanto, esses
Mc Mn v2 s v2 s
v2 r v2 r
− 2v 2 r polímeros podem ser úteis no monitoramento da liberação de
insulina, assim como do nível de glicose no sangue.
onde χ1 representa o parâmetro de interação polímero-solven-
te, o qual é uma medida da compatibilidade do polímero com
as moléculas do fluido circundante, v̄ é o volume específico do Biomateriais na síntese de lipossomas47,55-59
polímero, e V1 o volume molar da água. Uma aplicação importante dos biomateriais é seu uso na sínte-
A estrutura química dos hidrogéis também pode afetar se de lipossomas. Lipossomas são vesículas líquidas, esféricas,
a razão de intumescimento. Os hidrogéis que contêm grupos com diâmetros entre 20 a 10.000 nm, nas quais uma membrana
hidrofílicos intumescem em grau maior do que aqueles com formada por uma bicamada lipídica engloba um volume aquo-
grupos hidrofóbicos. O intumescimento de hidrogéis termo- so. Embora essas partículas coloidais possam ocorrer na nature-
sensíveis pode ter alterações na temperatura média de intumes- za, é mais freqüente que sejam preparadas por meios artificiais.
cimento. A força iônica e o pH influem no intumescimento dos Alec Bangham descobriu os lipossomas na década de 1960 en-
hidrogéis que são sensíveis a esses dois parâmetros quanto estudava o papel dos fosfolipídeos na coagulação san-
güínea. Nos primeiros anos, os lipossomas foram utilizados em
Hidrogéis na liberação de fármacos estudos biofísicos de transporte como modelo de membranas
Os hidrogéis vêm sendo estudados de modo intenso como biológicas. A partir dos anos 1970 em diante, o estudo das suas
sistemas carreadores de fármacos, dadas as suas excelentes aplicações na liberação de fármacos surgiu de forma crescente.
propriedades de biocompatibilidade, permeabilidade e de in- Atualmente, vários produtos com base em sistemas lipossomais
tumescimento, assim como a sua sensibilidade a estímulos. estão disponíveis comercialmente, incluindo formas farma-
Os fármacos podem ser incorporados nos hidrogéis por dois cêuticas, medicamentos de diagnóstico, cosméticos e produtos
métodos. O hidrogel, o fármaco, o iniciador e o agente de re- alimentícios manufaturados. Exemplos dignos de destaque de
ticulação são misturados e depois polimerizados, de modo a produtos medicamentosos incluem o Doxil (doxorrubicina),
confinar o fármaco dentro da matriz. De modo alternativo, o Daonoxome (daunorrubicina) e o Ambisome (anfotericina). Na
hidrogel pré-formado é deixado intumescer até atingir o equi- maioria das formulações, o fármaco ou substância ativa é en-
líbrio dentro de uma solução que contenha o fármaco. Em am- capsulado dentro do núcleo aquoso da vesícula. O aperfeiçoa-
bos os exemplos, a liberação do fármaco implica a absorção de mento da liberação de fármacos depende de o sistema coloidal
água por parte da matriz e a subseqüente difusão do mesmo. promover o aumento da solubilização, da proteção, da vetoriza-
Sistemas de liberação de fármacos (DDS) com base em ção do fármaco e/ou das propriedades de liberação controlada.
hidrogéis têm aplicações pelas vias oral, retal, ocular, epidér- Um novo e promissor campo de pesquisa reside no uso de li-
mica e subcutânea. Na administração peroral, os hidrogéis são possomas catiônicos na preparação de complexos de lipídeos e
capazes de ceder fármacos na boca, estômago, intestino del- DNA destinados à liberação gênica dentro das células.
gado ou no colo. Mediante o controle do intumescimento do
hidrogel, as formas farmacêuticas podem liberar fármacos de Classificação
modo controlado em um sítio determinado e podem também se Os lipossomas se apresentam em diferentes tamanhos e com
ligar a regiões específicas, auxiliando na obtenção de elevadas diferente número de membranas (lamelaridade). É possível
concentrações localizadas. distinguir entre vesículas grandes e multilamelares (MLVs) e
Os ungüentos formulados à base de hidrogéis podem ser vesículas unilamelares, que tanto podem ser pequenas (SUVs),
utilizados no tratamento externo de doenças periodontais, esto- grandes (LUVs) ou gigantes (GUVs). A forma mais simples
matite e infecções de origem fúngica e viral. Do mesmo modo, de preparar MLVs é hidratando lipídeos secos em uma solução
os hidrogéis podem ser utilizados para ceder lipossomas. Pe- aquosa. As vesículas unilamelares podem ser sintetizadas me-
telin54b estudou a eficiência dos seguintes ungüentos à base de diante extrusão das soluções lipídicas através de filtros de po-
hidrogéis como dispositivos de liberação de lipossomas: Ora- licarbonato de tamanho apropriado. Os lipossomas pequenos
base (mistura de CMCNa, pectina e gelatina em uma base de normalmente são definidos como aqueles nos quais os efeitos
polietileno-parafina), Carbopol 934P, e poli(MAA-cometilme- da curvatura da bicamada são fundamentais para as suas pro-
tacrilato) neutralizado. Os hidrogéis sensíveis a estímulos têm priedades. A magnitude da curvatura depende da composição
se mostrado promissores em vários desenhos de sistemas de li- do lipídeo e pode oscilar de 50 nm, para bicamadas frouxas,
beração. É possível desenvolver uma combinação de polímeros até 100 nm, para bicamadas mecanicamente coesas. As vesícu-
com propriedades que mudem frente à alteração das interações las gigantes são, em geral, definidas como sendo aquelas cujos
hidrofílicas e hidrofóbicas. A poli(N-isopropilacrilamida) ou diâmetros excedem 1.000 nm. A espessura da bicamada pode
NIPAAm, um polímero termossensível, tem sido amplamente variar em torno de 4 nm, mas depende das propriedades físico-
estudada visando, sobretudo, à produção de hidrogéis apropria- químicas dos lipídeos, assim como da temperatura.
dos com resposta à variação da temperatura. Por outro lado,
polímeros pH-sensíveis à base de ácido acrílico parecem ser
Propriedades físicas dos lipídeos
mais apropriados para a liberação de proteínas e de polipep-
tídeos, considerando a sensibilidade desses fármacos ao pH, Os fosfolipídeos são exemplos típicos de substâncias anfifíli-
a qual os caracteriza entre os mais difíceis de serem liberados. cas. Elas constituem uma classe de moléculas orgânicas que
Os polímeros catiônicos pH-sensíveis podem ser utilizados na contêm regiões polares e apolares. Essas regiões da molécula
634 P ATRICK J. S INKO

orientam-se de acordo com suas interações hidrofílicas e hi- cabeças polares tende igualmente a uma diminuição da Tm, o
drofóbicas com solventes polares e apolares. Normalmente, as que se explica pelas interações de repulsão entre as moléculas.
terminações de lipídeo hidrofílico orientam-se no sentido da Alguns lipídeos aniônicos, como o ácido fosfatídico, possuem
fase aquosa e as regiões apolares afastam-se das regiões aquo- fortes ligações intermoleculares de hidrogênio e podem ter ele-
sas. A maioria das estruturas comuns formadas por fosfolipí- vados valores de Tm. Assim, o tipo de cabeça polar também
deos é ilustrada na Figura 21-15. afeta as propriedades do lipídeo.
Se as moléculas de lipídeo possuem uma cabeça polar gran-
de e uma cauda pequena, elas tendem ao empacotamento com Propriedades químicas dos lipídeos
um raio de curvatura grande, como nas micelas. Se possuem ca-
Uma forma alternativa de classificar os lipossomas baseia-se na
beça e cauda de dimensões equivalentes, preferem adotar uma
carga dos seus constituintes lipídicos. Os lipossomas compos-
estrutura em bicamada e formam cilindros. A fase lamelar dos tos exclusivamente de lipídeos neutros apresentam uma eleva-
lipossomas é a mais importante para a liberação de fármacos. da tendência à agregação e, por causa disso, normalmente não
As características dos lipossomas são determinadas pe- são sintetizados. Os lipídeos aniônicos de ocorrência natural
las propriedades da membrana e da superfície, como carga de incluem fosfatidilserina, fosfatidilgliceróis e fosfatidilinositóis.
superfície, interação estérica e rigidez da membrana. Entre as Outros componentes lipídicos são zwitteríons em pH fisiológi-
propriedades termodinâmicas mais importantes dos lipídeos co e incluem as lecitinas, esfingomielinas e fosfatidiletanolami-
cabe destacar a temperatura de transição de fase, Tm, e a en- nas. Contudo, muitos desses lipídeos naturais com freqüência
talpia associada a ela. Quando as cadeias de acila estão den- apresentam baixas temperaturas de transição de fase principais.
samente empacotadas e o movimento das moléculas lipídicas Por conseguinte, tendem a formar vesículas porosas, as quais
é restringido, o resultado é uma fase gel de baixa temperatura. não são ideais para uso na liberação de fármacos, quando a re-
Quando expostas a temperaturas maiores, as cadeias de acila tenção do fármaco e a estabilidade do lipossoma são necessá-
ganham em mobilidade, embora a estrutura em bicamada se rias. Como alguns lipídeos de origem natural são derivados de
mantenha ainda intacta. A isso se denomina fase de alta tem- tecidos animais, o aspecto da contaminação advinda da origem
peratura ou fase cristalina-líquida. A temperatura de transição representa uma inquietude a mais em termos de uso na libera-
da fase de gel para a fase líquida é chamada temperatura de ção de fármacos em humanos. No caso da pesquisa biofísica
transição de fase, Tm. Os fatores que afetam a transição de fase básica, as membranas sintéticas são as preferidas, dadas as faci-
incluem o comprimento da cadeia e seu número de insatura- lidades de uso que permitem a modulação de suas propriedades
ções. Quanto maior o comprimento da cadeia, mais escassa físicas. A estabilidade dos lipídeos naturais pode se melhorada
será a solubilidade em água e maior será o valor da Tm. Quanto mediante hidrogenação (ou seja, eliminação das ligações du-
menor o número de insaturações, menor será a solubilidade plas). Um parâmetro que descreve quantitativamente o grau de
do lipídeo em água e maior será sua Tm. As duplas ligações hidrogenação é o índice de iodo (I.I.), onde I.I. = 1 para uma
em cis não permitem empacotamentos densos das cadeias de cadeia completamente saturada. De forma alternativa, é possí-
acila, como se observa no caso das cadeias saturadas, o que, vel sintetizar quimicamente lipídeos aniônicos e zwitteriônicos.
portanto, leva ao abaixamento da Tm. A presença de carga nas Essa abordagem contorna todas as limitações acima descritas,

Micelas esféricas Micelas cilíndricas Lâminas bicamada Micela invertida

Hexagonal I Lamelar Hexagonal II


Figura 21-15 Estruturas comuns formadas por substâncias anfifílicas em soluções aquosas. Geralmente, os fos-
folipídeos formam vesículas com bicamadas concêntricas. Os detergentes e os lisofosfolipídeos formam tipos
diferenciados de micelas.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 635

associadas aos lipídeos de origem natural. Entre as cadeias dos visando à estabilidade dos lipossomas. Diversos resultados
mais freqüentemente sintetizadas cabe citar as de dimiristoila promissores foram relatados para álcool polivinílico, ácido po-
(C14:0), dipalmitoila (C16:0), diestearoila (C18:0), dioleoila lilático, polivinilpirrolidona, poliacrilamida e ácidos poliglicó-
(C18:1) e palmitoil-oleoila (C16:0–C18:1). licos. A poliaxozlina, uma nova classe de polímero hidrofílico,
Os lipossomas catiônicos são empregados principalmente aparenta ser particularmente eficiente nesse sentido. Uma in-
na preparação de complexos lipídeo-DNA destinados à libera- teração lipossoma-célula prolongada implica permuta lipídica,
ção gênica dentro das células. Esse tipo de lipossoma, com ex- caracterizada pela troca gradativa de lipídeos lipossomais por
ceção da esfingomielina e de outros poucos lipídeos derivados lipídeos de várias membranas celulares expostas. Essa intera-
de formas básicas de vida, em geral não são encontrados na na- ção depende da rigidez da bicamada da vesícula. A extensão da
tureza. Em 1987, o protótipo de lipídeo catiônico utilizado para permuta lipídica pode ser diminuída “ligando” a bicamada com
complexar DNA era o cloreto de dioleoxipropiltrimetilamônio colesterol. A incorporação de colesterol aumenta a resistência
(DOTMA). Durante anos, numerosos lipídeos catiônicos têm mecânica e a rigidez da superfície do lipossoma.
sido sintetizados, como os compostos monocatiônicos DOTAP, Um grande acordo de esforços foi direcionado no sentido
DMRIE, DODAB, DDAB e DODAC. Todos esses lipídeos de obter lipossomas que sejam mais específicos em relação às
têm sido empregados de forma experimental em estudos de li- células e aos tecidos. A maioria das pesquisas tem envolvido a
beração gênica. Cátions de origem natural, como espermina e inserção de anticorpos ou de fragmentos de anticorpos na su-
espermidina, podem também ser acoplados a cadeias acílicas perfície lipossomal. Apesar disso, outras abordagens de veto-
graxas. No DC-CHOL, a carga positiva está associada a um es- rização também têm sido consideradas. Por exemplo, liposso-
queleto de esterol. A principal limitação no uso de complexos mas revestidos com plasminogênio podem alcançar coágulos
lipídicos catiônicos, destinados à liberação gênica, está no fato sangüíneos para liberar agentes fibrinolíticos. Outra opção de
de a internalização celular do DNA, a partir do complexo, ser pesquisa a representa o uso do RGD-peptídeo, direcionando o
inibida com freqüência pela presença de soro. Por causa disso, alvo dos lipossomas para as células endoteliais. A inserção de
os anos recentes testemunharam a síntese de diversos lipídeos galactose na superfície lipossomal também foi explorada como
catiônicos resistentes ao soro, como a Lipofectamine 2000 e o um método de direcionar as vesículas até os hepatócitos.
GS 2888. Além dos lipídeos catiônicos propriamente ditos, os
lipossomas catiônicos podem conter colipídeos neutros, deno-
minados lipídeos auxiliares. A inclusão de lipídeos auxiliares, Biomateriais na engenharia de tecidos60-79
tipicamente na concentração molar de 50%, pode melhorar a
estabilidade dos lipossomas e promover a velocidade de trans- A engenharia de tecidos é um campo relativamente novo que
fecção do DNA. Entre os lipídeos auxiliares mais utilizados alcançou proeminência científica na década de 1990. Seu prin-
freqüentemente, cabe citar o colesterol, DOPE e o DOPC. cipal objetivo é o uso de novos biomateriais que possam ser
Em muitos casos, as formulações de lipossomas destinadas à aplicados para facilitar a regeneração ou a substituição de te-
aplicação na liberação de fármacos contêm mais de um tipo de li- cidos danificados ou doentes. A idéia básica é que as células
pídeo. Um aspecto fundamental nesse sentido é a imiscibilidade vivas estão integradas de alguma forma dentro de uma matriz
da matriz lipídica. As misturas de lipídeos escassamente solúveis de suporte ou scaffold, que controla seu crescimento e evolu-
podem sofrer separação de fases lipídicas e por isso são reprova- ção em um tecido tridimensionalmente organizado. A matriz
das nos testes de estabilidade. Para lipídeos que contêm o mesmo de suporte pode ser sintética, natural ou uma combinação de
tipo de cabeça polar, a grandeza da miscibilidade é, sobretudo, ambas. Contudo, as matrizes de suporte sintéticas têm a van-
uma função da divergência no comprimento das cadeias de acila, tagem de poderem ser desenhadas de modo preciso em termos
assim como da divergência do grau de saturação dessas cadeias. de composição e estrutura. Isso facilita a modulação efetiva
das propriedades da matriz, criando, assim, condições otimi-
zadas para a sobrevivência e crescimento das células e a sub-
Aplicações na liberação de fármacos
seqüente formação de tecido. As células podem migrar para
Biomateriais são muito utilizados para modificar as proprie- dentro da matriz após a implantação ou podem se associar com
dades de superfície dos lipossomas, tornando, dessa forma, a a matriz na forma de uma cultura de células antes do implante.
vesícula mais efetiva como carreador de fármacos. Após a ad- Com freqüência, são também incorporados peptídeos bioativos
ministração endovenosa de lipossomas, as vesículas são reco- dentro do sistema. A matriz de suporte em geral é fabricada a
nhecidas de modo específico como partículas estranhas pelo partir de um material biodegradável que eroda na medida em
sistema retículo-endotelial (SRE). A maioria das partículas é que as células crescem, proporcionando, assim, espaço para a
endocitada no fígado e no baço pelas células de Kupffer. Con- proliferação tissular. Por conseguinte, normalmente se prefe-
tudo, mediante acoplamento de unidades de polietilenoglicol re que a velocidade de degradação do matriz de suporte seja
(PEG) à bicamada, é possível suprimir as interações com o convergente com a velocidade de regeneração do tecido. No
SRE, aumentando assim o tempo de circulação dos lipossomas final, tudo o que restará do implante é o tecido regenerado. A
na corrente sangüínea. Modificações no comprimento de cadeia engenharia de tecidos tem sido aplicada em toda a extensão do
ou no comprimento das unidades de PEG acopladas podem in- corpo humano. Os esforços mais significativos foram centrali-
fluir na circulação dos lipossomas no sangue. De modo geral, zados na sua aplicação em ortopedia e reconstituição maxilo-
uma ótima proteção dos lipossomas se consegue quando os facial, sobretudo na engenharia de ossos, cartilagem, tendões,
núcleos de PEG possuem massa molecular entre 1000 e 2000 ligamentos e pele. Outros avanços têm sido conseguidos no
daltons e a concentração molar de PEG fica estabelecida en- que tange ao sistema cardiovascular e ao sistema nervoso, as-
tre 5 e 10% da composição total de lipídeos. Ao lado do PEG, sim como na engenharia dos tecidos dental, hepático, pancreá-
outros polímeros hidrofílicos biodegradáveis têm sido estuda- tico, que representam outro tipo de avanço importante.
636 P ATRICK J. S INKO

Poli(ácido glicólico) Poli(ácido lático)

Policaprolactona Polidioxanona

Diácido alifático Diácido aromático


Polianidridos

R = metila; Poli(β-hidroxibutirato)
Poliortoésteres ou etila; Poli(β-hidroxivalerato)

Poli(tereftalato de butileno) Poli(óxido de etileno)

A seleção e o desenho de um biomaterial apropriado para apenas aos exemplos mais ilustrativos de polímeros sintéticos
a fabricação da matriz de suporte é um aspecto-chave na enge- e de ocorrência natural.
nharia de tecidos. Dada a diversidade de tecidos, de potenciais O colágeno é o componente majoritário do tecido conecti-
microestruturas da matriz de suporte e de abordagens técni- vo dos mamíferos, representando, aproximadamente, 30% de
cas, é improvável que um único material possa servir como toda a proteína do corpo humano. Existem pelo menos 14 di-
matriz para todos os possíveis sistemas. Como conseqüência, ferentes tipos de colágeno, contudo, a forma mais abundante e
o cientista da engenharia de tecidos precisa poder contar com mais estudada é o colágeno do tipo I. Ele é isolado a partir de
várias opções de biomateriais, uma vez que cada aplicação tecidos animais, seja por digestão enzimática ou por extração
requer um meio biofísico específico. Aplicações tais como: ácida ou salina. A maioria dos tipos de células que crescem
(a) suporte para o crescimento de tecidos novos, nos quais a em meios de cultura precisa de sítios de fixação no substrato
comunicação entre células, a disponibilização de nutrientes capazes de facilitar o crescimento, diferenciação, replicação e
para as células, os fatores de crescimento e as substâncias far- atividade metabólica. O colágeno e seus domínios de ligação à
macêuticas ativas devem ser maximizados; (b) prevenção da integrina (ou seja, seqüências de RGD) auxiliam na sustenta-
atividade celular nos casos em que o crescimento celular é in- ção desses tipos de culturas celulares dependentes da formação
desejado, por exemplo, nas aderências induzidas por cirurgia; de sítios de fixação. Por exemplo, o crescimento de fibroblas-
(c) resposta tissular seletiva, ou seja, o favorecimento de uma tos sobre matrizes de colágeno pode sofrer diferenciação por
resposta celular em particular enquanto outras são inibidas; meio de vários caminhos que mimetizam a atividade celular
(d) melhoria da conexão entre células e a subseqüente ativação in vivo e que mostram praticamente a mesma morfologia e o
celular, por exemplo, a agregação entre fibroblastos, a prolife- mesmo metabolismo. Os condrócitos também podem manter
ração e produção da matriz extracelular na reparação da der- sua atividade celular e fenótipo quando são cultivados em co-
me; (e) inibição da agregação celular ou da sua ativação, por lágeno. Esses resultados sugerem que o colágeno tipo I pode
exemplo, agregação plaquetária em um enxerto; e (f) inibição servir como matriz de suporte na regeneração tissular de di-
de uma resposta biológica, por exemplo, no bloqueio de an- versos construtores celulares. Nesse contexto, o colágeno tem
ticorpos no enxerto de células alheias utilizadas na substitui- sido utilizado de diferentes maneiras, como esponjas, malhas,
ção terapêutica de órgãos. Pesquisas recentes têm conduzido matrizes de tecido descelularizado, matrizes porosas e géis.
a vários polímeros novos bem estabelecidos, os quais podem Os géis de colágeno têm encontrado aplicação na criação de
ter aplicação prática na forma de implantes biodegradáveis na sistemas à base de células na substituição dérmica. Um equiva-
próxima década. Visto que uma apresentação dos polímeros e lente da pele viva, disponível comercialmente com o nome de
das aplicações que se encontram atualmente em fase de pes- Apligraf, é constituído de uma mistura de fibroblastos huma-
quisa foge do objetivo do presente capítulo, nos restringimos nos vivos e de colágeno solúvel, na forma de um gel contraído,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 637

adicionado de queratócitos. Vários pesquisadores clínicos têm por alguns microrganismos. O PHA mais estudado é o poli(3-
testado esse tipo de vendagem à base de células e de colágeno hidroxibutirato) (PHB). O PHB é um homopolímero, que da
como um substitutivo no enxerto de pele em casos de ferimen- mesma forma que outros homopolímeros de PHA, é muito cris-
tos crônicos e de pacientes com queimaduras. talino, bastante quebradiço e relativamente hidrofóbico. Conse-
Os glicosaminoglicanos (GAGs), que consistem de unida- qüentemente, os homopolímeros de PHA apresentam, in vivo,
des repetidas de dissacarídeos formando uma estrutura linear, tempos de degradação na ordem de anos. Os copolímeros de
costumam incluir um componente derivado do ácido urônico e PHB com acido hidroxivalérico, por sua vez, são menos cris-
outro da hexosamina. Os tipos predominantes de GAGs, ligados talinos, mais flexíveis e de processamento mais fácil. Contudo,
a núcleos protéicos de proteinoglicanos de ocorrência natural, apresentam as mesmas desvantagens de serem muito estáveis
incluem o condroitinsulfato, dermatansulfato, queratansulfato e hidroliticamente para serem apropriados em aplicações de cur-
heparansulfato. Os GAGs se ligam ao núcleo protéico por meio to prazo, nos quais se espera que a ressorção de um polímero
de seqüências específicas de carboidrato, as quais contêm três biodegradável aconteça em um ano ou menos. O copolímero de
ou quatro monossacarídeos. O maior GAG é o ácido hialurôni- PHA à base de 3-hidroxibutirato e com um conteúdo de 3-hi-
co, um polissacarídeo aniônico que contém unidades dissacarí- droxivalerato próximo de 11% pode ter um equilíbrio ótimo
dicas repetidas de N-acetilglucosamina e ácido glicurônico, na entre resistência e dureza para uma ampla variedade de possí-
forma de unidades não-ramificadas de massa molecular entre veis aplicações. O PHB tem demonstrado ser pouco tóxico, em
500 e vários milhares. O ácido hialurônico pode ser isolado de parte devido a se degradar in vivo em ácido 3-hidroxibutírico,
fontes naturais ou sintetizado mediante fermentação microbia- um constituinte normal do sangue humano. As aplicações para
na. Essa substância é passível de fáceis modificações químicas, essa classe de polímeros incluem: liberação controlada de fár-
como a esterificação dos grupos carboxílicos, que diminui sua macos, material de sutura e pele artificial.
solubilidade em água e aumenta sua viscosidade. O ácido hia- As biomoléculas sintéticas também encontram aplicação
lurônico pode ser reticulado, de modo a obter uma matriz mole- na engenharia de tecidos. Várias proteínas-modelo sintéticas
cular de massa molecular infinita com propriedades similares às têm sido obtidas mediante combinação da síntese química de
de um gel. Esses géis podem ser modelados na forma de bolsas, peptídeos em fase sólida e da atividade bacteriana manipulada
membranas, tubos, mangas e partículas de forma e tamanho va- geneticamente. Esses polímeros são estruturalmente similares à
riados. O ácido hialurônico é um biomaterial vantajoso por não elastina, apresentando seqüências de repetição valina-prolina-
ser antigênico, não provocar reações inflamatórias ou contra glicina-valina-glicina homólogas às da elastina. Os polímeros
corpos estranhos. O tempo de permanência e as propriedades sintetizados com aminoácidos são transformados em filmes e
mecânicas limitadas estão entre as suas principais desvanta- depois reticulados, o que leva à obtenção de materiais com res-
gens. Contudo, devido à facilidade com a qual pode ser isolado postas mecânicas fascinantes, como a transição de fase reversa.
e modificado e à sua capacidade superior de formar estruturas Quando um filme desse tipo é aquecido observa-se um aumen-
sólidas, o ácido hialurônico tem se tornado o GAG preferido no to na ordem no seu interior, o que leva a uma contração subs-
desenvolvimento de dispositivos médicos. Esse biomaterial já tancial conforme a temperatura aumenta. Esses filmes podem
foi submetido a testes clínicos como um meio de aliviar a atrite ser tratados mecanicamente várias vezes e, de acordo com os
das articulações. Os géis e filmes preparados a partir de ácido aminoácidos substituintes, sua temperatura de transição de fa-
hialurônico têm demonstrado ser úteis clinicamente na preven- ses pode variar. Esse sistema possui várias possíveis aplicações
ção da formação de aderências pós-cirúrgicas. em Medicina, entre as quais mecanismos de reparação muscu-
Quitosana é um polissacarídeo biossintético que constitui loesquelética, dispositivos oftálmicos e sistemas de liberação
o esqueleto básico dos artrópodes, sendo quimicamente uma ativados por meios mecânicos ou elétricos. Em outros estudos
forma desacetilada da quitina. As modificações químicas da foram combinadas técnicas derivadas da biologia molecular e
quitosana produzem materiais de propriedades físico-químicas da fermentação, criando novos biomateriais à base de proteí-
diversas. Do mesmo modo que o ácido hialurônico, a quitosana nas. Eles consistem de unidades peptídicas de oligômeros que
não é antigênica e é bem-tolerada como material de implante, se repetem, as quais podem ser controladas pela informação
tendo sido transformada em membranas e matrizes que servem genética inserida na bactéria que os produz. As propriedades
de maneira apropriada para várias finalidades na engenharia de mecânicas e as atividades biológicas desses polímeros protéi-
tecidos. A manipulação das matrizes de quitosana pode ser rea- cos podem ser programadas, o que abre expectativas sobre um
lizada fazendo-se uso das propriedades eletrostáticas inerentes grande número de aplicações no campo de engenharia de teci-
à molécula. Em meios de baixa força iônica, as cadeias de qui- dos. Outra abordagem é o enxerto de peptídeos ativos na su-
tosana sofrem extensão por efeito das interações eletrostáticas perfície de um polímero biodegradável. Por exemplo, peptídeos
entre os grupos amina, sob as quais ocorre a orientação dessas contendo uma seqüência de RGD têm sido enxertados a diver-
cadeias. À medida que a força iônica é aumentada, o espaça- sos polímeros biodegradáveis com o intuito de obter superfícies
mento entre as cadeias diminui, tendo como conseqüência o ativas que se liguem às células. Dos polímeros sintéticos bio-
aumento das zonas de junção e da rigidez da matriz, o qual, erodíveis, o poli(ácido glicólico) e o poli(ácido lático) são os
por sua vez, resulta no aumento do tamanho médio dos poros mais extensamente estudados nesse sentido. Eles são bem-acei-
desta. Os géis, pós, filmes e fibras de quitosana têm encontrado tos por oferecerem como vantagens um elevado grau de pureza,
uso em diversas aplicações, como agentes de encapsulamento, um prático processamento e boas propriedades mecânicas. O
barreiras de membrana, materiais para lentes de contato e ini- poli(ácido glicólico) (PGA) é o poliéster alifático linear mais
bidores da coagulação sangüínea. simples. Sendo o PGA bastante cristalino, ele tem elevado pon-
Os poliésteres de poliidroxialcanoatos (PHA) são materiais to de fusão e escassa solubilidade em solventes orgânicos. Foi
biodegradáveis, biocompatíveis e termoplásticos, elaborados utilizado no desenvolvimento do primeiro material de sutura
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absorvível totalmente sintético. Desde 1970, as suturas de PGA policaprolactona ou blendas de copolímeros contendo esse polí-
foram disponibilizadas comercialmente com o nome registrado mero venham encontrar outras aplicações em medicina.
de Dexon. Uma limitação prática das suturas Dexon reside na Os polianidridos têm sido explorados como materiais de im-
sua tendência a perder rapidamente a resistência mecânica, em plantes degradáveis. Como os polianidridos alifáticos degradam
geral dentro de um período de 2 a 4 semanas após terem sido em questão de dias, enquanto que os polianidridos aromáticos o
colocadas. O PGA também é utilizado na fabricação de pinos fazem em alguns anos, é usual a utilização de copolímeros alifá-
para ossos que se encontram disponíveis no comércio com o tico-aromáticos com velocidades de degradação intermediárias,
nome registrado Biofix. Copolímeros de PGA com poli(ácido dependendo da composição do monômero. Os polianidridos
lático) (PLA), que é mais hidrofóbico, foram estudados visan- constam entre os polímeros utilizados como biomateriais mais
do uma melhor adaptação das propriedades dos materiais fei- reativos e instáveis do ponto de vista hidrolítico. Essa acentuada
tos de PGA a uma ampla variedade de aplicações possíveis. A reatividade química é tanto uma vantagem quanto uma limita-
hidrofobia do PLA limita a captação de água dos filmes finos ção. Em função de sua elevada velocidade de degradação, mui-
a 2%, aproximadamente, e reduz a velocidade de hidrólise da tos polianidridos degradam por erosão superficial, sem a neces-
estrutura, quando comparado com o PGA. Outros copolímeros sidade de incorporar catalíticos ou adjuvantes na formulação do
dos ácidos glicólico e lático foram desenvolvidos como mate- dispositivo. Por outro lado, os polianidridos reagem com fárma-
riais de sutura alternativos (com os nomes registrados Vicryl e cos que contenham aminas livres ou outros grupos funcionais
Polyglactin 910). É interessante destacar que não existe uma re- nucleofílicos, especialmente durante processos a temperaturas
lação linear entre a razão de ácido glicólico e ácido lático com elevadas. A reatividade potencial da matriz polimérica frente a
substâncias nucleofílicas limita o tipo de fármaco que pode ser
as propriedades físico-mecânicas dos polímeros corresponden-
incorporado com sucesso dentro de uma matriz de polianidrido
tes. Enquanto o PGA é altamente cristalino, a cristalinidade se
quando o processo implica técnicas de processamento por fusão.
perde rapidamente nos copolímeros de ácido glicólico e ácido
Os polianidridos geralmente apresentam baixa toxicidade e uma
lático. Esses câmbios morfológicos conduzem ao aumento das biocompatibilidade in vivo excelente. A aplicação mais imedia-
velocidades de hidratação e de hidrólise. Assim, copolímeros ta dos polianidridos é no campo da liberação de fármacos. Um
com uma proporção de 50:50 degradam mais rapidamente que exemplo dessa aplicação é a liberação, no cérebro, da bis-clo-
o PGA ou o PLA isoladamente. O PLA, o PGA e seus copolí- roetilnitrosouréia, visando o tratamento do glioblastoma multi-
meros têm sido estudados para mais aplicações do que qual- forme, um tumor cerebral fatal. Para esta aplicação específica,
quer outro polímero degradável. Uma das áreas mais estudadas os polianidridos derivados do bis-p-(carboxifenoxipropano) e
é a das aplicações em ortopedia. Embora os polímeros tenham do ácido sebácico receberam autorização por parte do FDA em
alcançado graus de sucesso elevados e ao mesmo tempo mo- 1996 e se encontram disponíveis comercialmente.
derados, ainda ficam pendentes assuntos não-resolvidos, que Poliortoésteres constituem uma família de polímeros sintéti-
abrangem tempos de degradação longos e além do esperado, cos, biodegradáveis, que tem estado em fase de desenvolvimen-
e a resposta tissular tardia, que oscila de meses a alguns anos to durante vários anos. Os dispositivos fabricados a partir de po-
após o implante. Esses polímeros também têm sido estudados liortoésteres podem ser formulados de modo a que o dispositivo
de modo extenso para uso como cateteres vasculares e urológi- sofra uma “erosão de superfície”. Devido à erosão de superfície
cos e como substitutivos da pele e membranas GTR em odon- em dispositivos semelhantes a tabuletas, que tendem a liberar
tologia. Entre os produtos aprovados e disponíveis incluem-se os fármacos embebidos dentro do polímero a uma velocidade
suturas, membranas GTR para dentistas e pinos de ossos. constante, os poliortoésteres parecem ter aplicações particular-
Polidioxanona (PDS) é um poliéter sintetizado mediante mente úteis na liberação controlada de fármacos. Por exemplo,
polimerização com abertura de anel do monômero p-dioxanona. os poliortoésteres têm sido empregados na liberação controlada
Tem suscitado um interesse crescente no âmbito da engenharia da ciclobenzaprina e de esteróides.
de tecidos devido ao fato de degradar, in vivo, na forma de monô- Sendo as proteínas compostas de aminoácidos, surgiu a
meros de escassa toxicidade. A PDS tem um módulo de Young idéia óbvia de explorar o possível uso dos poliaminoácidos em
inferior aos módulos do PLA ou do PGA, sendo o primeiro po- aplicações biomédicas. Os poliaminoácidos foram tidos como
límero degradável a ser utilizado na fabricação de sutura de mo- candidatos promissores, uma vez que as cadeias laterais de ami-
nofilamento. A PDS também foi introduzida no mercado como noácidos constituem sítios próprios para a inserção de fármacos,
um clipe de sutura e, mais recentemente, como um pino de osso de agentes de reticulação ou de grupos laterais, que podem ser
comercializado com o nome Orthosorb, nos Estados Unidos, e utilizados para modificar as propriedades físico-mecânicas do
Ethipin, na Europa. polímero. Além disso, os poliaminoácidos normalmente pos-
Policaprolactona é um polímero semicristalino de elevada suem baixos níveis de toxicidade sistêmica, visto que degradam
solubilidade, baixo ponto de fusão (59 a 64 °C) e uma excepcio- gerando aminoácidos de ocorrência natural. Os poliaminoácidos
nal capacidade de formar blendas. Essas propriedades têm esti- têm sido incorporados em materiais de sutura, em substitutos da
mulado o estudo sobre as suas possíveis aplicações na engenha- pele artificial e em dispositivos de liberação de fármacos. Vários
ria de tecidos. A policaprolactona degrada de forma mais lenta fármacos podem ser inseridos nas cadeias laterais dos polia-
que o PLA e, por isso, é utilizada na fabricação de construtos, minoácidos, geralmente mediante um espaçador que distancia
que podem permanecer ativos por mais de um ano. Com base o fármaco do esqueleto do polímero. Apesar do seu aparente
em um grande número de testes, tanto a ε-caprolactona como a potencial, os poliaminoácidos têm encontrado pouca aplicação
policaprolactona são tidas, na atualidade, como materiais atóxi- prática. A maioria dos materiais à base de poliaminoácidos é
cos e compatíveis com os tecidos. Na Europa, a policaprolactona muito insolúvel e não é passível de processamento, mostrando
encontra aplicação clínica na forma de grampos biodegradáveis, forte tendência a intumescer em meios aquosos. Mais ainda, a
utilizados no fechamento de feridas. É bastante provável que a capacidade antigênica dos polímeros contendo três ou mais ami-
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noácidos exclui o seu uso em aplicações biomédicas. Por causa adesividade, tempos de residência prolongados e, conseqüente-
dessas dificuldades, apenas poucos poliaminoácidos, geralmente mente, absorção assegurada no sítio de aplicação selecionado.
derivados do poli(ácido glutâmico) e que portam várias cadeias Não há uma teoria unificada que descreva o processo da
laterais no grupo ácido g-carboxílico, estão sendo estudados bioadesão. Os mecanismos envolvidos dependem da natureza
como materiais de implante. do tecido-substrato, do desenho da forma farmacêutica e do
Em 1984 foram introduzidos “pseudo”-poliaminoácidos ambiente físico-químico. A teoria mais antiga é a teoria me-
de estrutura modificada como uma tentativa de contornar os cânica ou da molhabilidade, estabelecida na década de 1920,
problemas associados aos poliaminoácidos convencionais. Os a qual considera a adesão como um processo de incrustação.
primeiros “pseudo”-poliaminoácidos estudados foram um po- Segundo a teoria, as moléculas adesivas permeiam as irregula-
liéster derivado da trans-4-hidróxi-l-prolina com o nitrogênio ridades de superfície, endurecendo-as posteriormente e criando
protegido e um poliiminocarbonato derivado do dipeptídeo de múltiplos sítios de fixação. Esse modelo é mais aplicável para
tirosina. Estudos mais recentes indicam que as modificações bioadesivos líquidos. A teoria eletrostática é mais pertinente
no esqueleto de poliaminoácidos podem representar uma abor- na explicação da mucoadesão. Nesse sistema, o contato mútuo
dagem de aplicação geral na melhoria das propriedades físico- entre as glicoproteínas da mucina e os materiais poliméricos re-
mecânicas dos poliaminoácidos convencionais. Por exemplo, sulta da transferência de elétrons através da interface. O movi-
policarbonatos derivados da tirosina são materiais de elevada mento de cargas produz uma dupla camada elétrica a qual induz
resistência, potencialmente úteis na formulação de implantes à atração eletrostática entre as duas superfícies envolvidas. A
ortopédicos degradáveis. mucoadesão também pode ser modelada em termos da teoria da
Polifosfazenos constituem um grupo de polímeros inorgâ- difusão ou da interpenetração. Essa teoria, em essência, descre-
nicos cujo esqueleto consiste de ligações nitrogênio-fósforo. ve a difusão passiva impulsionada pelo gradiente de concentra-
Esses polímeros possuem propriedades de uso incomuns que ção das moléculas de polímero e de mucina, as quais difundem
têm encontrado várias aplicações na indústria. Também têm umas sobre as outras até causar o entrelaçamento físico entre
sido analisados objetivando seu emprego na regeneração do elas. Um outro modelo é baseado na teoria da absorção, a qual
tecido esquelético. explica a bioadesão em termos do desenvolvimento de forças
As cerâmicas são uma alternativa melhor do que os políme- de van der Waals e de ligações de hidrogênio entre o polímero e
ros, quando se trata de aplicações que exijam estabilidade me- o tecido substrato. Na prática, alguns desses modelos parecem
cânica em longo prazo e resistência inicial elevada. Os materiais operar em conjunto. Por exemplo, a mucoadesão freqüentemen-
de cerâmica, devido às suas propriedades mecânicas, têm sido te implica entrada de água que induz à liberação das cadeias
explorados principalmente na engenharia de tecidos duros. A poliméricas das forças restritivas encontradas na matriz seca.
hidroxiapatita (HA) e os fosfatos tricálcicos (TCP) fazem parte As cadeias poliméricas podem, assim, se difundir e se entrela-
da maioria das cerâmicas exploradas na engenharia de tecidos. çar dentro das moléculas de mucina. Após o entrelaçamento, a
Embora tenham sido testadas diferentes composições molecula- adesão pode ser fortalecida adicionalmente de acordo com os
res desses dois tipos de cerâmica, a maioria possui proporções mecanismos descritos pela teoria da absorção. De modo geral, a
de Ca/P na faixa conhecida por promover o crescimento ósseo bioadesão pode ser entendida como um mecanismo bifásico. O
(1,50–1,67). Muitas das cerâmicas degradáveis têm sido deno- contato de adsorção inicial é modulado pelos efeitos da energia
minadas bioativas ou adesivos ósseos, referindo-se à ligação es- de superfície e está associado a um processo de espalhamento.
pontânea e à integração da cerâmica com o tecido ósseo vivo. Em um segundo momento, a difusão das cadeias do polímero
Foram desenvolvidas na década de 1970, no mesmo período através da região interfacial pode favorecer a ligação.
em que surge a idéia do uso da hidroxicarbonatoapatita e do É certo que a magnitude da força da ligação bioadesiva aos
β-fosfato tricálcico (β-TCP). O β-TCP, que degrada durante o tecidos é essencial para o desenvolvimento de novos materiais
crescimento ósseo, se tornou amplamente utilizado como mate- adesivos. Infelizmente, não se tem estabelecido uma técnica
rial de enchimento ósseo. Foi encontrada uma forma de α-TCP padronizada, apesar do fato de vários aparelhos terem sido de-
que auto-endurece formando um composto similar a hidroxia- senhados com essa finalidade. Contudo, são reconhecidos três
patita. A degradação e o auto-endurecimento dos TCPs levaram tipos de modos de avaliação: testes de tensão, testes de cisalha-
ao conceito de cimentos self-setting de fosfato e cálcio, os quais mento e testes de arranque (peel test). Os testes de tensão en-
podem ser modelados de acordo com as necessidades. Em me- volvem a aplicação de uma força de separação perpendicular à
ados da década de 1980, os compostos bioativos chegaram a ter
superfície de ligação. Os testes de cisalhamento exigem a apli-
uso clínico em diversas aplicações ortopédicas e odontológicas.
cação de uma força paralela à interface. Os testes de arranque
Não obstante a pesquisa das cerâmicas tradicionalmente tenha
se baseiam na aplicação de uma força em um ângulo agudo à
se concentrado no uso das cerâmicas bioativas, em anos mais
interface. Este último modo de avaliação é apropriado para sis-
recentes o foco das pesquisas tem se deslocado para o uso de
temas de vendagem adesiva e patches transdérmicos.
compostos criados muitas vezes com polímeros degradáveis.
Os bioadesivos são utilizados com freqüência em um meio
onde a camada de gel de muco atua como uma interface entre
Biomateriais adesivos80-86 as superfícies do aderente e do epitélio. Isso se verifica nas
superfícies do olho, nariz, boca, trato respiratório, cerviz ute-
Bioadesivos são materiais naturais ou sintéticos que podem fi- rina e trato gastrintestinal. O muco consiste de água (até 95%
xar-se sobre superfícies biológicas e permanecer ali durante um do peso), glicoproteínas (0,5–5%) e pequenas proporções de
período prolongado de tempo. Mediante o desenvolvimento de lipídeos, sais minerais e proteínas livres. O componente glico-
novos bioadesivos tem sido possível desenhar sistemas de libe- protéico confere ao muco suas características de adesividade e
ração de fármacos com capacidade de contato superior, melhor de coesão. Aqueles bioadesivos formulados para aderirem às
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superfícies das mucosas são denominados mucoadesivos, sen- polímeros menos utilizados são polimalonato de metilideno,
do constituídos por polímeros hidrofílicos, normalmente. gelatina, quitosana e alginato de sódio.
Os polímeros mucoadesivos podem ser divididos em dois Um sistema nanoparticulado bem-desenhado deverá apre-
grupos principais: polissacarídeos e polímeros vinílicos. Os po- sentar elevada capacidade de carga, uma vez que isso facilitará a
lissacarídeos, exemplificados pelo amido, derivados da celulose, administração de menor quantidade total de carreador. A eleva-
quitosana e ácido algínico, são açúcares presentes na natureza e da capacidade de carga pode ser obtida incorporando o fármaco
que estão unidos mediante ligações glicosídicas. Os polímeros no momento da síntese da partícula ou, de modo alternativo, me-
vinílicos são sintetizados pela polimerização via radical livre diante adsorção do fármaco sobre partículas pré-formadas. Em
de um monômero vinílico apropriado. Mediante modificação geral, quantidades maiores de fármaco podem ser incluídas por
química dos polímeros hidrofílicos é possível alterar as pro- incorporação, em oposição à técnica de adsorção. Uma terceira
priedades mucoadesivas do material. Por exemplo, a inserção abordagem envolve a conjugação química do fármaco às nano-
de grupos hidrofílicos, como éter, amina, hidroxila, sulfato ou partículas. A carga de fármaco pode ser modulada posteriormen-
carboxila nas moléculas do polímero irá favorecer a penetração te por meio de materiais tensoativos e de estabilizantes.
de água para dentro da matriz polimérica, o que aumentará a A velocidade de liberação do fármaco a partir de nanopar-
bioadesividade, como explicado anteriormente. A presença tículas e a subseqüente degradação do polímero são elementos
de grupos ionizáveis, em particular, favorecerá a adesividade. fundamentais de uma formulação bem-realizada. A velocidade
O nível de hidratação do polímero também controla o grau de de efluxo do fármaco depende das propriedades do polímero
bioadesão, sendo que uma umidade muito escassa ou excessiva da nanopartícula. No caso de um dispositivo matricial, a libe-
reduz a ligação do polímero ao muco. Por conseguinte, esse pa- ração ocorre mediante difusão ou erosão da matriz. Quando a
râmetro deve ser otimizado. A adição de adjuvantes iônicos em difusão do fármaco é maior do que a degradação da matriz, o
solução pode afetar a adesão por vários mecanismos, como o passo limitante será a difusão. De modo contrário, a velocidade
salting out dos componentes poliméricos ou a neutralização de de liberação é controlada pela degradação do polímero. A libe-
cargas. Quando polímeros diferentes se combinam dentro de um ração do fármaco depende do método de incorporação deste
dispositivo de liberação de fármacos, as interações entre políme- na nanopartícula. O método de incorporação normalmente está
ros podem aumentar ou diminuir o grau de mucoadesão obser- associado a um perfil de liberação sustentada superior se com-
vado. Por exemplo, os polímeros suscetíveis a aceitar ligações parado com o método de adsorção. A conjugação química do
de hidrogênio, como o polioxietileno, podem formar complexos fármaco ao polímero da nanopartícula pode prolongar o tempo
com polímeros que formam pontes de hidrogênio na condição de liberação do fármaco durante algumas semanas. No caso es-
de doadores, como o ácido poliacrílico. Com isso, a ligação en- pecífico do efluxo de fármaco a partir de nanopartículas de hi-
tre o polímero mucoadesivo e a mucina é enfraquecida. Entre drogel, a liberação se processa em função do intumescimento,
os exemplos de bioadesivos disponíveis comercialmente cabe o qual pode ser modulado adicionando-se grupos hidrofílicos
citar o Zilactin e o Orabase, para aplicação na cavidade oral, e o ou controlando o grau de reticulação do polímero.
Carbopol, na liberação de fármacos na cerviz. Quando as nanopartículas são administradas por via endo-
venosa, as proteínas do sangue, denominadas opsinas, se ad-
sorvem na superfície do carreador. Esse processo desencadeia
Nanopartículas87-90 a fagocitose das partículas. A opsonização aumenta com o ta-
As últimas décadas testemunharam um crescente interesse manho e a hidrofobia da nanopartícula. Um meio de aumentar
pelo desenvolvimento de nanopartículas biodegradáveis como o tempo de circulação é revestindo a superfície da nanopartí-
um sistema eficaz de liberação de fármacos. A idéia é que a cula com sustâncias hidrofílicas ou, de modo alternativo, utili-
incorporação de um fármaco dentro de um sistema particulado zando copolímeros com segmentos hidrofílicos. Para finalizar,
desenhado de forma apropriada será mais eficiente na libera- também tem sido utilizada com esse propósito uma variedade
ção do fármaco no seu sítio de ação no organismo e, talvez, de substâncias, entre as quais polietilenoglicol, polioxietileno,
possa incrementar, além disso, a sua internalização na célula. poloxâmero, poloxamina e lauriléteres.
O uso desse tipo de carreadores poderia também facilitar o re-
direcionamento dos fármacos para longe dos sítios de toxici- Referências
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a uma matriz e, dependendo do método de preparação, podem 4. P. C. Hiemenz, Polymer Chemistry, Marcel Dekker, New York, 1984.
ser obtidas nanopartículas ou nanocápsulas. As nanocápsulas 5. L. H. Sperling, Introduction to Physical Polymer Science, Wiley, New
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são sistemas vesiculares nos quais o fármaco preenche a cavi-
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dade recoberta por uma membrana polimérica, enquanto que New York, 1998.
as nanoesferas são sistemas matriciais dentro dos quais o fár- 7. B. Vollmert, Polymer Chemistry, Springer-Verlag, New York, 1973.
maco se encontra uniformemente disperso. As matrizes e as 8. P. J. Flory, Principles of Polymer Chemistry, Cornell University, Ithaca,
membranas são tipicamente preparadas a partir de polímeros N.Y., 1953.
como o poli(D,L-lactídeo), poli(ácido lático), poli(D,L-glico- 9. D. Campbell, J. R. White and R. A. Pethrick, Polymer Characterization:
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22
22 SISTEMAS DE LIBERAÇÃO
DE FÁRMACOS

ABORDAGEM SOBRE PRÓ-FÁRMACOS LIBERAÇÃO VETORIZADA DE FÁRMACOS


“Fármaco perfeito”
VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS
Vantagens da liberação vetorizada de fármacos
Administração gastrintestinal (via oral)
Tipos de fármacos vetorizados
Administração parenteral
Liberação de fármacos pela mucosa LIBERAÇÃO CONTROLADA DE FÁRMACOS
Administração ocular Tipos de liberação controlada de fármacos
Administração óssea Mecanismos de liberação controlada
Liberação de fármacos via periodontal
LIBERAÇÃO DE ÁCIDOS NUCLÉICOS COM FINS
Administração transdérmica
TERAPÊUTICOS
SISTEMAS DE LIBERAÇÃO CEREBRAL DE Princípios da terapia gênica
FÁRMACOS Sistemas de liberação de genes virais
Barreira hematoencefálica Sistemas de liberação de genes não-virais
Liberação sistêmica de fármacos no cérebro
LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS NA TERAPIA DO
Liberação local de fármacos no cérebro
CÂNCER
LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS E SISTEMA Princípios gerais da terapia do câncer
CARDIOVASCULAR Fatores limitantes para o sucesso da quimioterapia
Lipossomas e micelas no câncer
Vetorização local usando fibrina Sistemas de liberação de fármacos anticâncer
Terapia gênica para parada cardíaca Sistemas pró-apoptóticos de liberação vetorizada de
Sistema de acesso vascular TheraPORT fármacos anticâncer

Ao final deste capítulo, o estudante fim de que o paciente possa tomar a medicação de forma con-
OBJETIVOS DO CAPÍTULO deverá estar apto a: veniente e efetiva. A liberação de fármacos oferece várias van-
tagens e benefícios ao paciente. Os dois principais objetivos
1 Reconhecer os benefícios dos sistemas de liberação de
fármaco para a melhoria da disponibilidade específica do são aumentar a adesão ao tratamento e melhorar a eficácia e a
fármaco e prevenção de efeitos adversos. tolerância ao fármaco. O desenvolvimento de formas farma-
cêuticas de uso mais “favorável” resulta em regime posológico
2 Diferenciar as várias vias de administração de fármaco e
as peculiaridades dos sistemas de liberação de fármacos mais conveniente ao paciente. Isso pode envolver a redução
delineados para cada via específica. da freqüência de dose de três ou mais vezes ao dia para uma
3 Compreender o conceito, os principais tipos de liberação vez ao dia ou o desenvolvimento de uma formulação oral de
vetorizada de fármaco e as vantagens do direcionamento um fármaco que é tradicionalmente usado por via parenteral.
específico dos fármacos a órgãos, tecidos, organelas intra- A liberação de fármacos também viabiliza a administração de
celulares e moléculas. medicamentos em formas mais palatáveis, tais como os com-
4 Classificar os perfis cinéticos dos sistemas de liberação primidos de “fusão rápida” e dissolução bucal, os sachês efer-
prolongada de fármacos e reconhecer os benefícios de vescentes que produzem gosto bom ou os adesivos transdér-
cada perfil. micos que evitam a necessidade de tomar medicações por via
5 Compreender os mecanismos básicos da terapia gênica e oral. Os pacientes fazem uso incorreto de vários milhões de
da terapia com oligonucleotídeos anti-senso, bem como prescrições ao ano. Uma porcentagem significativa das hospi-
especificidade e características dos sistemas de liberação talizações e admissões em clínicas resulta do uso incorreto de
delineados para a terapia gênica. prescrições medicamentosas. Fornecer um medicamento em
6 Identificar as características especiais necessárias para os uma forma mais aceitável aumenta a adesão do paciente e a
sistemas de liberação de fármacos anticâncer. efetividade da terapia. Atualmente, os sistemas de liberação de
Durante o curso do desenvolvimento de um medicamento, um fármacos podem atingir esses objetivos, assim como aumentar
fármaco é adicionado a uma forma farmacêutica de modo que de forma significativa a eficácia dos fármacos enquanto limi-
se tenha um produto aceitável. O desenvolvimento de sistemas tam seus efeitos colaterais. Este capítulo descreve os princí-
de liberação de fármacos está focado na seleção e/ou produção pios básicos dos sistemas de liberação de fármacos destinados
de uma forma farmacêutica mais apropriada para o fármaco a a diferentes vias de administração.
644 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO SISTEMA DE LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS


vetorizada de fármacos) e/ou gerar perfis de liberação de fármacos pré-
Um sistema de liberação de fármacos é uma formulação ou um disposi- programados (p. ex., sistemas de liberação controlada de fármaco). Os
tivo que conduz, de modo seguro e a uma velocidade determinada, um sistemas de liberação de fármacos também podem proteger o(s) agente(s)
agente terapêutico a uma região específica do organismo de modo que terapêutico(s) durante o transporte até seu local de ação. Além disso, os
este tenha concentração efetiva no local de ação. O sistema de liberação sistemas de liberação mais avançados podem conter vários componentes
de fármacos é usado para carrear, distribuir ou transportar fármacos para ativos para melhorar a liberação ou a retenção do fármaco no organismo,
e através do organismo. Tais sistemas podem ser usados para levar o(s) ou para aumentar a eficácia do tratamento mediante supressão celular
fármaco(s) a um local desejado do organismo, tecido, células específi- ou mecanismos sistêmicos que possam limitar a resposta terapêutica do
cas, organelas intracelulares ou moléculas (p. ex., sistemas de liberação fármaco.

ABORDAGEM SOBRE PRÓ-FÁRMACOS células-alvo ou do organismo. Um exemplo de espaçador biode-


gradável é o tetrapeptídeo Gli-Fen-Leu-Gli, que é clivado pela
catepsina B no compartimento lisossomal das células.3-7
Geralmente, são usadas duas classes de pró-fármacos (Figura
A sulfasalazina é um exemplo clássico de pró-fármaco usado
22-1a,b). Nos pró-fármacos do primeiro tipo (ou seja, os pró-
no tratamento de colite ulcerativa. É um pró-fármaco que sofre
fármacos clássicos), há reconversão ao fármaco ativo dentro das
clivagem na ligação diazo, no colo, pela ação metabólica de bac-
células. A reconversão ocorre tipicamente pela quebra da ligação
térias colônicas, liberando o ácido 5-aminossalicílico (5-ASA) e
química entre o grupo “pró” e a molécula do fármaco. Os pró- a sulfaridina. Embora o 5-ASA tenha demonstrado ser uma molé-
fármacos clássicos têm sido alvo de muitas pesquisas e esforços cula ativa, a sulfarinida é considerada responsável pela toxicidade
de desenvolvimento e têm tido sucesso comercial maior do que associada à terapia com sulfasalazina. Uma nova formulação mul-
qualquer outro tipo de pró-fármaco. Ao contrário, o segundo tipo tiparticulada de 5-ASA (Asalan) tem sido desenvolvida para via-
de pró-fármaco envolve a combinação de duas ou mais substân- bilizar a liberação sítio-específica de 5-ASA na porção distal do
cias. Sob condições intracelulares específicas, essas substâncias intestino delgado e do colo e pode ser benéfica não só para o trata-
reagem para formar o fármaco ativo (Figura 22-1b). Um terceiro mento da colite ulcerativa, mas também para a doença de Crohn.8
tipo de pró-fármaco, um sistema de liberação de fármaco (SLF) A Tabela 22-1 apresenta uma lista de pró-fármacos clássicos.
sítio-específico, tem sido desenvolvido nas últimas duas décadas. A combinação do ácido indol-3-acético com peroxidases
Os SLFs vetorizados em geral incluem três componentes: (a) da raiz-forte é um bom exemplo do segundo tipo de aborda-
um fármaco; (b) um radical de vetorização, e (c) um carreador gem de pró-fármacos. O ácido indol-3-acético e alguns de seus
(Figura 22-1c). O carreador mantém os componentes do SLF derivados são oxidados pela peroxidase da raiz-forte, forman-
unidos e altera as propriedades físico-químicas (p. ex., solubi- do um radical catiônico que rapidamente se fragmenta em pro-
lidade) do complexo como um todo. O fármaco é o componente dutos citotóxicos. Não se observa toxicidade quando se incuba
ativo que fornece o tratamento. O radical vetorizador/otimizador o ácido indol-3-acético ou a peroxidase de raiz-forte isolada-
de penetração aumenta de forma substancial a interiorização do mente em concentrações que, combinadas, formam potentes
componente ativo especificamente dentro das células-alvo, me- citotoxinas. A combinação de pró-fármaco fluorado/peroxida-
lhorando a atividade específica do fármaco e, ao mesmo tempo, se também mostra potente atividade citotóxica em linhagens
diminuindo os efeitos adversos sobre os tecidos sadios.1,2 Tais de células tumorais de humanos e roedores. Imagina-se que a
SLFs vetorizados têm duas principais funções: (a) prevenir a citotoxicidade se deva, em parte, à formação de 3-metileno-2-
degradação do componente ativo, reduzir sua remoção total do oxindol (ou análogos), que pode conjugar-se com tióis e prova-
organismo e manter sua atividade durante o transporte ao sítio de velmente com DNA ou outros nucleófilos biológicos.9
ação, e (b) liberar o(s) fármaco(s) a partir do SLF dentro das cé- As formas mais avançadas de pró-fármacos são os sistemas
lulas-alvo (Figura 22-1c). Para esta finalidade, o fármaco é nor- de liberação que contêm, entre outros elementos, o fármaco co-
malmente ligado ao SLF mediante um espaçador biodegradável nectado a um “carreador” através de uma ligação com proprie-
ou, então, o SLF como um todo sofre biodegradação dentro das dades pré-determinadas (Figura 22-1c). A ligação ao carreador

CONCEITO PRÓ-FÁRMACO
O pró-fármaco é a forma do fármaco que permanece inativa durante seu ficos. Na maioria dos casos, processos metabólicos normais, tais como a
transporte através das membranas biológicas ou até que atinja seu sítio clivagem de uma ligação éster por esterases, são utilizados para se obter
de ação. Em outras palavras, um pró-fármaco é o precursor inativo de um a reconversão do pró-fármaco. Os pró-fármacos são desenvolvidos para
fármaco. A reconversão do pró-fármaco (ou seja, sua conversão à forma várias finalidades, como aumentar a solubilidade ou absorção, aumentar
ativa) ocorre no organismo, dentro de um órgão, tecido ou célula especí- a estabilidade química ou metabólica e mascarar irritação ou sabor.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 645

(a) (b) (c)


Pró-fármaco Pró-fármaco Pró-fármaco

Transporte

Órgão/célula

Radical de Carreador
vetorização

Fármaco Fármaco Fármaco


ativo ativo ativo

Figura 22-1 Principais tipos de pró-fármacos usados para liberação vetorizada de fármacos. (a) Os pró-fármacos
são transformados em uma ou mais substânciais ativas dentro da célula. (b) Duas ou mais substâncias reagem
para formar o fármaco ativo, sob condições intracelulares específicas. (c) Um sistema vetorizado de liberação de
fármaco costuma incluir três componentes: um radical de vetorização, um carreador e um fármaco que se torna
ativo nas células. (Modificada de T. Minko, Adv. Drug Deliv. Rev., 56, 491, 2004).

deve ser estável durante o transporte do SLF ao sítio de ação. ligado à heparina, o qual, por sua vez, bloqueia a atividade do
As enzimas no órgão-alvo ou dentro das células-alvo clivam fármaco enzimático até que este atinja seu alvo. Para proporcio-
essa ligação após a internalização. Como resultado, o fármaco nar uma força de ligação apropriada entre o fármaco e a hepari-
ficará inativo durante a fase de transporte e somente será con- na, incorpora-se o peptídeo catiônico poli(Arg)(7) à enzima, por
vertido a fármaco ativo quanto atingir o sítio apropriado para meio de conjugação química, usando um método de conjugação
liberação e atividade. As principais vantagens dessa abordagem bifuncional de ligação cruzada, ou por meio de um método de
incluem o fato de que as condições de cedência do fármaco po- conjugação biológico, usando metodologia recombinante. Ou-
dem ser precisamente controladas pela alteração das ligações, a tros exemplos e abordagens de SLFs avançados serão conside-
molécula-alvo pode ser delineada de forma específica e outros rados mais adiante, neste capítulo.
componentes funcionais podem ser usados em um mesmo car-
reador. Um sistema de liberação do tipo pró-fármaco baseado
em ligação iônica competitiva para a conversão do pró-fármaco
a fármaco ativo tem sido desenvolvido a fim de promover a libe- VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS
ração de fármacos enzimáticos sem que estes apresentem efei-
tos colaterais tóxicos associados.10 Essa abordagem, chamada As principais vias de administração estão resumidas na Ta-
ATTEMPTS* (estratégia do tipo pró-fármaco modificado ele- bela 22-2. Deve-se enfatizar que a liberação local de um
tricamente, ativado por anticorpo), permite a administração de fármaco pode resultar na cedência do fármaco na circulação
um fármaco inativo que é posteriormente estimulado a liberar o sistêmica, gerando um sistema de liberação em muitos outros
fármaco ativo no sítio-alvo. O princípio fundamental baseia-se órgãos (Figura 22-2). Por exemplo, se o fármaco é liberado
em modificar a enzima com pequenas espécies catiônicas para no pulmão, ele pode penetrar na barreira respiratória e en-
que ela possa unir-se a um anticorpo negativamente carregado trar na circulação. Do mesmo modo, a penetração do fármaco
através da mucosa oral (sublingual, bucal ou gengival) resulta
* N. de T.: A sigla ATTEMPS corresponde à abreviatura de: antibody tar- na liberação sistêmica do fármaco. Diferenças fundamentais
geted, triggered, electrically modified prodrug-type strategy. nas várias vias biológicas afetam de forma crítica o início e a

CONCEITO VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS


Os fármacos podem ser liberados diretamente no órgão ou tecido-alvo fármacos que são rapidamente inativados em pH baixos não podem ser
sem passar, inicialmente, pela circulação sistêmica. Esse tipo de libera- liberados através do trato gastrintestinal devido às condições ácidas do
ção de fármaco é chamado de local ou tópica (do grego topikos, “local”). estômago. O uso de sistemas de liberação de fármacos e de pró-fármacos
Os fármacos também podem ser liberados para o corpo todo via sistema ajuda a evitar sua degradação prematura. Geralmente são desenvolvidas
circulatório. Esse tipo de liberação é normalmente chamado de sistema diferentes formas de um mesmo fármaco que podem ser apropriadas para
de liberação sistêmico. É possível obter cada um desses tipos de libe- diferentes vias de administração. Nesses casos, a seleção da via de ad-
ração de fármaco por meio de diferentes vias de administração. Alguns ministração de um fármaco em particular costuma ser determinada pelo
fármacos podem ser liberados somente em determinadas vias, enquan- início e duração do efeito farmacológico desejado, eficiência, adesão ou
to que outros não podem ser administrados por certas vias. Em geral, desconforto do paciente, e assim por diante.
646 P ATRICK J. S INKO

TABELA 22-1
PRÓ-FÁRMACOS APROVADOS PELA FDA

Pró-fármaco Modificação Mecanismo de liberação do


(nome do produto) química fármaco/localização Nome do fármaco Ref
1 Valaciclovir (Valtrex) l-Valil éster Metabolismo de primeira passagem, Aciclovir a
esterases/intestino, fígado
2 Valganciclovir (Valcyte) l-Valil éster Metabolismo de primeira passagem, Ganciclovir b
esterases/intestino, fígado
3 Azidotimidina Análogo da timidina Fosforilção por quinases/células Zidovudina trifosfato c
(Zidovudine) infectadas e não-infectadas
4 Capecitabina (Xeloda) N4-pentiloxicarbonil- Timidina fosforilase/tecidos tumorais 5-Fluorouracil d
5'-deoxi-5-fluorocitidina
5 Famciclovir (Famvir) Derivados do diacetil 6-deoxi Deacetilação seguida de oxidação da Penciclovir e
posição 6/fígado
6 Nabumetona (Relufen) 4-(6-metoxi-2-naftil)-butan- Metabolismo de primeira passagem/ Ácido 6-metoxi-2- f
2-ona fígado naftilacético (6-MNA)
7 Pivampicilina Éster Esterases não-específicas /trato Ampicilina g
(Pondocillin) gastrintestinal
8 Irinotecano (Camptosar) 7-Etil-10[4-(1-piperidino)-1- Carboxilesterase humana /fígado SN-38 h
piperidino]
carboniloxicamptotecina
9 Terfenadina (Seldane) Derivados alquila Citocromo P-450 3A4/metabolismo de Fexofenadina (Allegra) i
primeira passagem hepática
10 Enalapril (Vasotec) Éster Hidrólise por esterase/fígado Enalaprilato j
11 Ramipril (Altace) Éster Esterase/fígado Ramiprilato k
12 Dipivefrina (Propine) Éster do ácido piválico Esterase/olho humano Epinefrina l
13 Omeprazol (Prilosec) Sulfonamida Citocromo P-450/células parietais Omeprazol sufonamida m
14 Sulfassalazina (Azulfidine) Modificação azo Redução azo bacteriana/colo Ácido 5-amino-salicílico n
15 Olsalazina (Dipentum) Modificação azo Clivagem da ligação diazo pela microflo- Ácido 5-amino-salicílico o
ra colônica/colo
16 Metenamina (Urex) Hexametilenotetramina Hidrólise química/urina Formaldeído p
17 Bambuterol (Bambec) bis-Dimetil carbamato Metabolismo oxidativo/fígado Terbutalina q
18 Alopurinol (Zyloprim) Metabolismo oxidativo/fígado Oxipurinol r
19 Gemcitabina (Gemzar) Forma desfosforilada Quinase celular/deoxicitidina quinase Trifosfato s
20 Fludarabina (Fludara) Forma desfosforilada Quinase celular/deoxicitidina quinase Trifosfato t
21 Cladribina (Leustatin) Forma desfosforilada Quinase celular/deoxicitidina quinase Trifosfato u
22 Simvastatina (Zocor) Lactona Biotransformação/fígado Beta-hidroxiácido v
23 Tegafur (Ftorafur) Forma desfosforilada Citocromo P-450, timidina 5-Fluorouracil w
fosforilase/fígado, citosol
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M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 647

nosa em geral é usada em situações de emergência, quando a


TABELA 22-2 ação rápida do fármaco é crucial. Ao contrário, comprimidos
VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS* de liberação prolongada ou sistemas transdérmicos de libe-
ração de fármacos são muitas vezes usados para prolongar a
Administração parenteral
ação do fármaco. Sistemas específicos de liberação de fárma-
Administração gastrintestinal (via oral)
co usados em diferentes vias de liberação são discutidos em
Liberação de fármaco pela mucosa
detalhes neste e em outros capítulos.
Via oral mucosa
Sublingual
Bucal Administração gastrintestinal (via oral)
Via pulmonar mucosa
Administração nasal A administração oral é a via mais simples, fácil e comum de
Administração pulmonar administração de fármacos. Após absorção no trato gastrin-
Administração intra-uterina, retal e vaginal testinal (GI), o fármaco entra no fígado através da circula-
Administração ocular ção porta (Figura 22-2). Durante essa “primeira passagem”
Administração óssea através do intestino e do fígado, os fármacos podem ser me-
Liberação periodontal de fármaco tabolizados e inativados, a menos que se tomem medidas es-
Administração transdermal peciais para protegê-los. Além do fígado, os fármacos entram
* A maioria das vias de administração de fármaco mencionadas pode ser usada na circulação sistêmica e são liberados nos tecidos-alvo, as-
tanto para liberação tópica (local) como sistêmica. sim como em todos os outros tecidos. A existência do me-
tabolismo de primeira passagem hepato-intestinal constitui
a maior desvantagem e também um desafio para a liberação
duração da ação do fármaco. A Tabela 22-3 compara diferen- oral de fármacos. Além disso, a via oral não é adequada para
tes vias de administração usando a nitroglicerina como exem- liberação sistêmica de fármacos pouco absorvidos ou signi-
plo. A seleção da via de administração e da forma farmacêu- ficativamente inativados no trato GI. Os aspectos biológicos
tica depende do perfil de concentração que se deseja atingir, da permeabilidade e estabilidade/clearance do fármaco são
das condições do paciente (p. ex., habilidade em tolerar um abordados no Capítulo 11.
regime de tratamento, ou seja, a freqüência de administração As formas farmacêuticas mais usadas por via oral são:
ou a capacidade de deglutir um comprimido) e do quadro da líquidos, sistemas dispersos e sólidos. As formas farmacêuti-
doença que se está tratando. Assim, a administração intrave- cas líquidas incluem as soluções orais de fármacos adiciona-

Liberação pela mucosa Liberação parenteral Liberação oral

Absorção gastrintestinal
Ocular

Circulação porta

Epitélio nasal Primeira


Nasal passagem

Membrana respiratória Fígado


Pulmonar

Circulação sistêmica
Bucal
sublingual Mucosa oral
gengival Tecido-
alvo

Retal Mucosa retal Pele

Vaginal Mucosa vaginal

Liberação transdermal Liberação tópica

Figura 22-2 Diferentes vias de liberação de fármacos.


648 P ATRICK J. S INKO

TABELA 22-3
COMPARAÇÃO DE DIFERENTES VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DA NITROGLICERINA *
Via de administração Sistema de liberação do fármaco Início da ação Duração da ação

Intravenosa Solução parenteral Imediata Vários minutos (dose-dependente)


Translingual Comprimidos de dissolução rápida 2–4 min 30–60 min
Cápsulas e comprimidos de liberação prolongada 20–45 min 8–12 h
Sublingual Comprimidos e gotas 1–3 min 30 min
Transmucosal (bucal) Comprimidos de liberação prolongada 2–3 min 5h
Ungüentos 20–60 min 4–8 h
Transdermal Adesivos transdérmicos 40–60 min 18–24 h
* A nitroglicerina está compreendida dentro da classe de fármacos chamados nitratos. Ela dilata (aumenta) os vasos sangüíneos (veias e artérias). A nitroglicerina é usada na
prevenção de ataques de angina (comprimidos orais, comprimidos bucais) e para tratar ataques que já tenham iniciado (comprimidos sublinguais, comprimidos mastigáveis, spray).

das a substâncias que tornam a preparação farmaceuticamente gem dos pró-fármacos tem sido muito usada para melhorar
estável e esteticamente aceitável. Os fármacos administrados a cedência oral de pequenas moléculas de fármacos como o
nessa forma farmacêutica são mais rapidamente absorvidos aciclovir ou o ganciclovir. Conforme descrito anteriormente
do que os administrados em outras formas, porque o esvazia- neste capítulo, por meio da administração oral do valciclo-
mento gástrico é rápido e o fármaco logo é disponibilizado vir, o pró-fármaco valil-éster do aciclovir, podem-se obter
para absorção. Os sistemas dispersos incluem as emulsões e concentrações sangüíneas de aciclovir que se aproximam da-
as suspensões. Os fármacos na forma de emulsão ou suspen- quelas obtidas após a administração intravenosa. Embora a
são são absorvidos de forma muito mais rápida do que aqueles indústria farmacêutica esteja tendo sucesso com agentes de
nas formas sólidas. As formas farmacêuticas sólidas incluem liberação oral de pequenas moléculas de fármacos, tal suces-
a grande maioria das preparações usadas para administração so é muito limitado se comparado com aquele proveniente de
oral. As formas sólidas mais usadas são os pós, comprimidos, grandes moléculas de fármacos com estruturas secundária e
caplets e cápsulas. Os pós são administrados ocasionalmente ternária mais complexas. Os sistemas de liberação controla-
para obter ação sistêmica rápida. O comprimido é uma forma da de fármacos adequados para liberação oral são discutidos
farmacêutica obtida por compressão do fármaco pulveriza- mais adiante, neste capítulo (ver a seção de Liberação Con-
do juntamente com substâncias terapeuticamente inertes que trolada de Fármacos).
permitem adequada desintegração, dissolução e lubrificação,
entre outros aspectos, da forma farmacêutica. Um comprimi-
do de liberação imediata formulado de maneira correta deve Administração parenteral
desintegrar-se rapidamente e tornar o fármaco disponível para
dissolução e absorção. As exceções são os comprimidos de A palavra “parenteral” (do grego para, “exterior”; enteron,
liberação lenta e retardada. Eles são delineados para liberar o “intestino”), que significa do lado externo do intestino, denota
fármaco de modo contínuo dentro de um determinado período outras vias de administração que não a via oral (principalmen-
de tempo, para retardar a dissolução e liberar o fármaco ao te injetáveis). As vias de administração parenteral são em geral
alvo ou, então, para evitar sua liberação em locais determina- usadas quando a administração dos fármacos pela via oral é
dos do trato GI (p. ex., comprimidos de revestimento entérico inefetiva ou impraticável. Também são adequadas para admi-
para evitar liberação gástrica e inativação dos fármacos). A nistração de fármacos que são inativados ou pobremente absor-
cápsula é uma forma farmacêutica sólida na qual o fármaco, vidos no trato gastrintestinal. Também é usada para fármacos
com ou sem outras substâncias, está contido dentro de um in- que são muito irritantes para serem administrados pela boca.
vólucro mole ou duro, geralmente preparado a partir de tipos Quase todo órgão ou área do corpo pode ser usado para injeção
adequados de gelatina. de fármacos. Contudo, as vias mais usadas para administração
Muitos fármacos novos não podem ser liberados por via injetável incluem as vias intramuscular (IM), intravenosa (IV),
oral porque são muito grandes, altamente carregados ou de- subcutânea (SC) e intradermal (ID) (Figura 22-3). A injeção
gradados por ácidos do estômago ou por várias enzimas do intravenosa gera precisão de dose e ação farmacológica ini-
trato GI. Quantidades insuficientes desses tipos de fármacos cial bastante rápida, além de comportar grandes quantidades
atravessam a barreira intestinal para atingir a corrente san- de soluções medicamentosas. É adequada para a administra-
güínea. Conseqüentemente, as moléculas podem ser liberadas ção de substâncias de elevada massa molecular. Outras formas
somente pela via injetável ou por formas farmacêuticas orais comuns de administração parenteral requerem que o fárma-
não-convencionais. Todavia, a ingestão oral é considerada a co passe através de uma quantidade significativa de tecidos e
forma mais segura, eficiente e econômica de administração de vasos sangüíneos (p. ex., endotélio dos capilares) para entrar
fármacos. Quando comparada a outras alternativas, a aceita- na circulação. Quanto maior o caminho a ser percorrido pelo
ção e a adesão do paciente ao regime posológico são maiores fármaco até a circulação sistêmica, maior será a demora para
entre os medicamentos administrados por via oral. A aborda- iniciar a ação do fármaco. A biodisponibilidade de um fárma-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 649

IM IV

SC
ID

Epiderme
Derme

Tecidos
subcutâneos

Músculos
e veias

Figura 22-3 Vias injetáveis mais comuns: na veia (intravenoso, IV); no músculo (intramuscular, IM); abaixo da pele
(subcutâneo, SC, sub-Q, hipodérmico, hipo); na pele (intradermal, ID, intracutâneo).

co parenteral também depende significativamente das suas ca- liberado durante várias horas. Outra variação de uma nova for-
racterísticas físico-químicas (p. ex., solubilidade, polaridade, mulação mucoadesiva de liberação de fármaco consiste na for-
grau de ionização, tamanho da molécula, etc.). A vantagem mação de complexos H-ligados de ácido poliacrílico (PAA) ou
de usar tais vias compreende a confiabilidade, a precisão de ácido polimetacrílico (PMAA) com o polietilenoglicol (PEG)
dose e o controle do tempo da ação inicial do fármaco. Entre de um par conjugado fármaco-PEG.12,13 Os pró-fármacos PE-
as desvantagens de todas as vias parenterais de administração Guilados foram sintetizados com ligações degradáveis PEG-
de fármacos estão o desconforto, a possibilidade de infecção, anidrido-fármaco, para conseqüente liberação do fármaco livre
os danos teciduais, a necessidade de pessoal treinando para a a partir da formulação. Os complexos foram desenvolvidos
administração e assim por diante. Os sistemas de liberação de para sofrer dissociação inicial à medida que a formulação intu-
fármacos e os dispositivos para uso parenteral são discutidos mesce mediante o contato com a superfície mucosa a pH 7,4.
neste capítulo. A partir daí, é liberado o conjugado fármaco-PEG, cuja liga-
ção hidrolisa-se cedendo o fármaco livre e o PEG livre. Tem-
se verificado que, à medida que a massa molecular do PAA
Liberação de fármacos pela mucosa aumenta, a velocidade de dissociação do complexo diminui,
resultando na diminuição da velocidade de cedência do fárma-
A liberação de fármacos através de mucosas de absorção em co. Por outro lado, a liberação do fármaco a partir somente do
várias cavidades de fácil acesso do corpo, tais como as cavi- conjugado PEG-fármaco e a partir de uma mistura sólida de
dades bucal, nasal, ocular, sublingual, retal e vaginal, oferece PEG-indometacina + PAA foi muito mais rápida do que aquela
diversas vantagens sobre a administração peroral de fármacos observada para os complexos H-ligados. Devido a diferenças
com liberação sistêmica. A principal vantagem do uso dessas na estabilidade térmica, o complexo de PMAA apresenta libe-
vias é que elas evitam o efeito do metabolismo de primeira ração do fármaco um pouco mais rápida do que o complexo
passagem. Algumas das numerosas abordagens que têm sido de PAA de massa molecular semelhante. Esses complexos H-
feitas para facilitar a liberação pela mucosa de fármacos são ligados de fármacos PEGuilados com polímeros bioadesivos
descritas nas seções seguintes. podem ser úteis para a liberação mucosa de fármacos.
As nanopartículas bioadesivas de ácido poliacrílico são
um exemplo de um novo SLF delineado para liberação de fár-
Via mucosa oral
macos pela mucosa.11 Essas nanopartículas foram sintetizadas
usando o processo de microemulsão por polimerização reversa. As mucosas bucal e sublingual da cavidade oral fornecem ex-
As nanopartículas obtidas apresentaram uma faixa de tamanho celente alternativa para a liberação de certos tipos de fármacos.
estreita, em média cerca de 50 nm, sendo estáveis em tampão. A mucosa bucal está localizada sob as bochechas, dentro da
As partículas foram isoladas e liofilizadas na forma pulvérea boca, e a mucosa sublingual está localizada no lado ventral da
e o pó foi redispersado em um tampão. O fármaco maleato de língua e sobre a parte inferior da boca. Ambas constituem uma
timolol foi incorporado às nanopartículas a partir de soluções área de fácil acesso para administração de formas farmacêuti-
aquosas e, quando as partículas contendo o fármaco foram cas tais como comprimidos aderentes. As vias bucal e sublin-
dispersas em uma solução de tampão fosfato, o fármaco foi gual viabilizam uma melhor liberação de certos fármacos que
650 P ATRICK J. S INKO

são inativados pelo metabolismo de primeira passagem hepáti- qualquer outra barreira mucosa, a mucosa bucal também apre-
ca/intestinal ou por enzimas proteolíticas do trato GI. Embora senta limitações. Uma das maiores desvantagens associadas
essa via se mostre promissora, ela somente pode ser usada para à liberação de fármacos por essa via é a lenta velocidade
administração de fármacos potentes porque apresenta baixa de absorção, o que resulta em baixa biodisponibilidade do
área de superfície, cerca de 100 cm2, disponível para absor- fármaco.
ção. A liberação de fármacos dentro da boca também é poten- Devido à baixa permeabilidade relativa da mucosa bucal,
cialmente limitada pelo gosto do fármaco ou dos componentes os SLFs usados nessa via de administração em geral incluem
do sistema de liberação. A liberação de fármacos na cavidade promotores de permeabilidade ou de penetração – substâncias
da mucosa oral pode ser classificada em três categorias: (a) que promovem ou melhoram a absorção dos fármacos através
liberação sublingual, que é a liberação sistêmica do fármaco das mucosas, normalmente pela alteração reversível da perme-
através da mucosa de revestimento da parte inferior da boca; abilidade da barreira. Várias substâncias têm sido investigadas
(b) liberação bucal, que é a administração do fármaco através para uso como promotores de penetração bucal a fim de au-
das mucosas de revestimento das bochechas (mucosa bucal), mentar o fluxo de fármacos através da mucosa. Entre elas es-
e (c) liberação local, que é a liberação do fármaco dentro da tão éteres, colatos, aprotinina, azona, cloreto de benzalcônio,
cavidade oral para ação não-sistêmica. sais de cetilpiridíneo, ciclodextrinas, dextranas, ácido láurico
A mucosa sublingual é relativamente permeável, possibili- e seus sais, propilenoglicol, fosfolipídeos, mentol, salicilatos,
tando rápida absorção e início de ação do fármaco e aceitáveis ácido etilenodiamino tetracético (EDTA), vários sais, sulfóxi-
características de biodisponibilidade para muitos fármacos. Esta dos e vários alquilglicosídeos.14
via de liberação de fármacos também é conveniente, acessível e
comumente bem-aceita. Os sistemas de liberação sublingual de Sistemas bucais de liberação de fármaco
fármacos em geral são apresentados de duas formas: (a) compri-
A maioria dos sistemas bucais de liberação de fármaco tem
midos de desintegração rápida, e (b) cápsulas de gelatina mole
sido desenvolvida para superar duas das maiores limitações
contendo um fármaco em solução. Tais sistemas geram uma
dessa via de administração de fármacos: o baixo fluxo e a falta
concentração bastante elevada de fármaco na região sublingual
de retenção da forma farmacêutica/fármaco no sítio de absor-
antes de ser absorvido através da mucosa. Devido a elevada per-
ção. Esta última está relacionada à presença da saliva produ-
meabilidade e rica vascularização, a via sublingual é capaz de
zida pelas glândulas salivares. A saliva é um fluido protetor
produzir um rápido início de ação, tornando-a apropriada para para todos os tecidos da cavidade oral. Ela protege os tecidos
administração de fármacos que requeiram um curto período de moles da abrasão causada por materiais ásperos e substâncias
liberação e regimes de dose infreqüentes. químicas. Também viabiliza a contínua mineralização do es-
A forma farmacêutica mais usada para administração de malte dos dentes e ajuda a remineralização do esmalte nos es-
fármacos por essa via são os comprimidos pequenos, coloca- tágios iniciais da cárie dentária. A saliva é um fluido aquoso
dos embaixo da língua. Os comprimidos são desenvolvidos com 1% de material orgânico e 99% de materiais inorgânicos.
para dissolverem-se rapidamente, de modo que os fármacos O maior determinante de sua composição é a velocidade de
sejam de pronto absorvidos para a circulação sistêmica. Os fluxo, que depende de três fatores: a hora do dia, o tipo de
comprimidos sublinguais de nitroglicerina são freqüentemente estímulo e o grau de estímulo. A faixa de pH da saliva está
usados para alívio imediato de ataques agudos de angina. Ou- entre 5,5 e 7, dependendo da velocidade de fluxo. A elevadas
tros fármacos desenvolvidos para essa via são a melatonina, velocidades de fluxo há aumento da concentração de sódio e
alguns hormônios como a dehidroepiandrosterona (DHEA), a bicarbonato, levando a um aumento do pH. O volume diário
vitamina C e vários outros sais metálicos. de saliva está entre 0,5 e 2 litros e esta é a quantidade de fluido
A mucosa bucal é consideravelmente menos permeável do disponível para hidratar a mucosa oral e remover o fármaco
que a área sublingual e, em geral, não é capaz de gerar ab- liberado na cavidade bucal. O ambiente rico em água da cavi-
sorção tão rápida e biodisponibilidade maior do que aquelas dade oral é a principal razão da seleção de matrizes hidrofíli-
observadas na via sublingual. Duas principais diferenças entre cas como veículos para sistemas de liberação transmucosal de
as vias sublingual e bucal devem ser observadas ao se desen- fármacos. Há vários tipos de polímeros usados como veículo
volver sistemas de liberação de fármacos adequados à libera- para tal finalidade.
ção na mucosa oral. Primeiro, as duas vias mucosas diferem
significativamente quanto a suas características de permeabili- Polímeros Os polímeros bioadesivos têm sido extensamente
dade. O início de ação na mucosa bucal não é tão rápido quan- usados em sistemas bucais de liberação de fármacos. Eles são
do aquele observado na mucosa sublingual porque a mucosa definidos como polímeros que podem aderir a substratos bio-
bucal é menos permeável e tem absorção mais lenta. Logo, ela lógicos. O termo mucoadesão é usado quando o substrato é um
é mais adequada para fins de liberação sustentada. Segundo, a tecido mucoso. Os polímeros que podem aderir tanto em teci-
mucosa bucal tem uma extensão de músculo liso e é relativa- dos moles quanto em tecidos duros têm sido usados por muitos
mente imóvel, enquanto que a região sublingual não apresenta anos na área odontológica e cirúrgica. Diversas classes de po-
tais características e costuma ser lavada por uma quantidade límeros têm sido investigadas quanto a sua potencialidade de
considerável de saliva. Isso torna a mucosa bucal uma região uso como mucoadesivos, inclusive polímeros sintéticos como:
mais adequada para sistemas de liberação retentivos usados ácido poliacrílico, hidroxipropilmetilcelulose, derivados do po-
na liberação transmucosal de fármacos. Logo, a mucosa bu- limetacrilato, poliuretanos, resinas epóxi, poliestireno, políme-
cal é mais conveniente para aplicação de sistemas de libera- ros de ocorrência natural como cimento natural, ácido hialurô-
ção sustentada, liberação de moléculas menos permeáveis e, nico e quitosana.14 A quitosana é derivada de uma substância
possivelmente, fármacos peptídicos. De modo semelhante a chamada quitina, que é um aminopolissacarídeo extraído de
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 651

Quitosana Glicose

O O
O O
C4 O C4 O
C3 C3
C6 C6
C5 C5

C2 C2

N O O
C1 O C1

Grupo O O
amino

C –Carbono O –Oxigênio –Hidrogênio N –Nitrogênio

Figura 22-4 Fórmulas estruturais da quitosana e da glicose. A quitosana é derivada da quitina, um polissacarídeo
de ocorrência natural que é extraído de exúvias de alguns crustáceos.

pós de conchas de crustáceos, como camarão e caranguejo. A cie da matriz; a liberação do fármaco ocorre, então, através
quitosana tem estrutura química similar à celulose, uma fibra dos espaços e canais que constituem a rede polimérica do gel,
derivada de planta, e tem muitas propriedades similares a ela, assim como por meio da dissolução e/ou desintegração da ma-
exceto pelo fato de a quitosana apresentar uma carga positiva triz. Desenvolveu-se um dispositivo mucoadesivo bucal para
e reter ativamente gorduras (Figura 22-4). A quitosana tem liberação controlada de buprenorfina baseado em um disco co-
sido usada por várias décadas para controle de desastres am- polimérico de hidrogel.16 Esse dispositivo foi aplicado durante
bientais, como derramamento de óleo e substâncias químicas 3 horas e os níveis de estado estacionário foram mantidos du-
tóxicas, e para purificação de água. Quando pulverizada sobre rante o período de tempo da aplicação. Em geral, os sistemas
uma área lisa, tal como uma mancha de óleo, a quitosana age mucoadesivos de liberação de fármaco podem ser usados tanto
como um “magneto de poluição” para embeber os poluentes e para liberação bucal quanto sublingual de fármaco. Eles forne-
facilitar sua remoção. Ela é amplamente usada para tal propó- cem um início de ação entre 1 a 3 minutos e a duração de ação
sito por ser ao mesmo tempo efetiva e natural. A quitosana é de aproximadamente 30 minutos a 5 horas para sistemas de
um bioadesivo e liga-se à membrana mucosa, prolongando o liberação sublingual e bucal, respectivamente.
tempo de retenção da formulação na mucosa. Logo, é usada
como bioadesivo para aumentar o tempo de permanência do Adesivos: Liberação sistêmica pela mucosa. Os adesivos para
fármaco na cavidade oral. liberação sustentada na mucosa geralmente consistem de uma
camada posterior impermeável e uma camada de polímero mu-
coadesiva contendo o fármaco (Figura 22-5a). A forma e o
Hidrogéis. Em geral, as formas farmacêuticas desenvolvidas tamanho podem variar dependendo do local de administração
para administração bucal não podem causar irritação e devem – mucosa bucal, sublingual ou gengival. A duração da adesão
ser pequenas e flexíveis o suficiente para se tornarem aceitá- na mucosa depende do tipo de polímero e da viscosidade do
veis. Esses requisitos podem ser alcançados com o uso de hi- polímero usado. A liberação do fármaco é mais controlada pela
drogéis. Os hidrogéis são matrizes hidrofílicas capazes de in- cinética de dissolução do polímero carreador do que pela difu-
tumescer quando colocadas em contato com o meio aquoso.15 são do fármaco para fora do polímero.
Normalmente, os hidrogéis apresentam ligações cruzadas, de
modo que não se dissolvem no meio e somente absorvem água. Adesivos: Liberação local oral. Um adesivo para liberação
Quando os fármacos são carreados nesses hidrogéis, à medida sustentada oral costuma consistir de três camadas (Figura
que a água é absorvida para dentro da matriz, ocorre o relaxa- 22-5b). A camada superior consiste de um material não-ade-
mento das cadeias poliméricas e as moléculas de fármaco são sivo e de uma cera flavorizada contendo o fármaco. A camada
liberadas entre espaços ou canais dentro da rede do gel. Em intermediária é preparada com material antiadesivo (esteara-
termos gerais, os hidrogéis também podem incluir matrizes hi- to de magnésio). A camada inferior é delineada para aderir à
drossolúveis capazes de intumescer em meio aquoso, como as mucosa oral. O dispositivo de três camadas sustenta na saliva
gomas e os derivados de celulose. Estes “pseudo-hidrogéis” níveis constantes de fármacos (usualmente antiinfecciosos) du-
intumescem e as moléculas dissolvem-se a partir da superfí- rante um período de três horas.14
652 P ATRICK J. S INKO

Camada de polímero tabolismo de primeira passagem intestinal/hepático e a degra-


mucoadesivo contendo fármaco dação pré-sistêmica no trato GI são evitados; (c) a área é bem
Antiadesivo adaptada para reter dispositivos e costuma ser aceitável para o
Parte posterior
impermeável Material ceroso paciente e. (d) com o SLF e a formulação corretamente deline-
Adesivo contendo fármaco ados, a permeabilidade e o ambiente local da mucosa podem
ser controlados e manipulados para viabilizar a permeação do
fármaco.
M M Os sistemas de liberação bucal constituem uma área pro-
U U missora para pesquisas com o objetivo de liberação sistêmica
C C
de fármacos oralmente ineficientes, assim como uma possível
O O
S S alternativa atrativa para a liberação não-invasiva de moléculas
A A de potentes fármacos peptídicos e protéicos. Contudo, a neces-
sidade de promotores de permeação/absorção bucal efetivos e
Sangue B B Saliva
seguros é um componente fundamental para o futuro sucesso
U U dessa área de liberação bucal de fármacos.
C C
A A
Mucosa pulmonar
L L
O trato respiratório (Figura 22-6), que inclui mucosa nasal,
faringe, laringe e as pequenas estruturas da via aérea (traquéia,
brônquios, bronquíolos e alvéolos), fornece uma grande super-
(a) (b ) fície mucosa para a absorção de fármacos. A utilização dessa
Figura 22-5 Adesivos para (a) liberação sistêmica mucosa e (b) liberação ampla superfície pode fornecer uma via mais conveniente para
local oral. a liberação de fármacos se comparada com a via de administra-
ção parenteral. A vantagem dessa via de liberação de fármacos
foi mencionada de forma sucinta por J. S. Patton: “Tirar van-
tagem da habilidade do corpo em transferir grandes moléculas
A mucosa bucal oferece várias vantagens para a liberação através dos pulmões é uma melhor forma de liberar fármacos
controlada de fármacos por períodos de tempo prolongados: do que picar pessoas com agulhas.”17 Tal via de administração
(a) ela tem uma rica drenagem vascular e linfática; (b) o me- é conveniente para o tratamento de patologias pulmonares e

Cavidade
nasal

Faringe

Epiglote Laringe

Traquéia

Pulmão Bronquíolo
Brônquios
terminal

Alvéolos

Figura 22-6 Sistema respiratório humano.


M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 653

Sinus frontal Bulbo olfatório

Sinus esfenoidal

A
B
Cavidade nasal

Nasofaringe

Dentes

Língua
Figura 22-7 Anatomia nasal. A cavidade nasal consiste de três vias de passagem ou meantos: (A) meanto supe-
rior; (B) meanto médio; e (C) meanto inferior. A cavidade nasal é revestida pela membrana mucosa.

para a liberação de fármacos a órgãos-alvo distantes, através dos olhos por meio dos ductos lacrimal e nasolacrimal e de
do sistema circulatório. várias cavidades que drenam no nariz. Uma parte do fármaco
administrado na conjuntiva ocular pode entrar no nariz através
Mucosa nasal desses ductos e cavidades e pode, também, passar para o esô-
fago.18 A mucosa nasal é o único local do corpo que fornece
A porção superior do sistema respiratório, o nariz, é uma ca-
uma conexão entre o sistema nervoso e a atmosfera. Fárma-
vidade de passagem de ar que viabiliza a respiração e o senti-
cos administrados na mucosa nasal atravessam rapidamente
do do olfato. A cavidade nasal umedece e aquece o ar que en-
a placa cribiforme e chegam no sistema nervoso central por
tra, e os pequenos cílios e o muco presente filtram partículas
estranhas e microrganismos. O nariz (Figura 22-7) consiste três vias: (a) diretamente pelo neurônio olfatório localizado
de duas aberturas (narinas) separadas por um septo interme- no bulbo olfatório (Figura 22-7); (b) através das células de
diário. O vestíbulo na entrada de cada narina é coberto por suporte e ao redor do leito capilar e; (c) diretamente ao fluido
cílios que evitam o ingresso de partículas suspensas no ar. A cerebrospinal.18a Logo, além de liberação local e sistêmica de
cavidade nasal é dividida pelo septo em duas câmaras chama- fármacos, a mucosa nasal pode ser usada para liberação de fár-
das fossas, que formam passagens para o ar se movimentar macos no sistema nervoso central.
das narinas para o espaço nasofaríngeo, na parte posterior do Tradicionalmente, a via nasal é usada para fármacos de
nariz. Cada fossa consiste de duas partes: uma região olfató- ação local, mas vem sendo cada vez mais usada para a li-
ria, na frente do nariz, e uma região respiratória, que faz parte beração sistêmica de fármacos peptídicos e protéicos. A ele-
do resto da fossa. vada natureza vascular da cavidade nasal faz dela uma via
A cavidade nasal é coberta por uma membrana chamada alternativa bastante interessante para a liberação sistêmica de
mucosa nasal, que é contínua com a pele das narinas. A por- fármacos. Ela também é útil para fármacos potentes devido a
ção respiratória da cavidade nasal contém projeções ciliares sua pequena área de superfície, cerca de 200 cm2, disponível
(semelhantes a pequenos cabelos) que consistem de células para absorção.
epiteliais colunares. A forma farmacêutica mais usada para administração atra-
A cavidade nasal consiste de três vias de passagem ou me- vés dessa via são as soluções líquidas. Para grandes moléculas
antos: meanto superior, médio e inferior. O ducto nasolacrimal polares, tais como peptídeos e polissacarídeos na forma de fár-
drena no meanto inferior. O nariz é conectado ao ouvido médio macos ou vacinas, a via nasal constitui uma alternativa viável
através da nasofaringe ou espaço pós-nasal e do canal auditi- e não-invasiva às formas injetáveis. Para moléculas convencio-
vo. Os compartimentos do nariz são conectados à conjuntiva nais, a via nasal fornece outros benefícios relevantes a certos
654 P ATRICK J. S INKO

fármacos e grupos de pacientes: perfis plasmáticos pulsáteis ou no comércio. O spray nasal Miacalcin é aprovado para o tra-
sustentados, rápido início de ação, evita o metabolismo de pri- tamento da estabilização da osteoporose em mulheres pós-
meira passagem e evita também desconforto gástrico e vômito menopausa. Ao contrário da calcitocina injetável, esta é re-
freqüentemente observados em pacientes com enxaqueca. comendada mais para uso prolongado do que para uso por
Um dos maiores desafios no desenvolvimento de formu- um curto período de tempo e tem mostrado reduzir o risco de
lações nasais é melhorar a absorção de macromoléculas e fár- novas fraturas vertebrais. A extensão da liberação sistêmica
macos solúveis em água. Outro desafio é o problema do baixo de peptídeos ou proteínas por permeação transnasal pode de-
tempo de retenção na cavidade nasal, resultado dos eficientes pender da estrutura e tamanho das moléculas, do coeficiente
mecanismos fisiológicos de remoção. Pode se atingir uma boa de partição, da suscetibilidade à proteólise por enzimas na-
biodisponibilidade sistêmica após a liberação nasal de molécu- sais, do tempo de residência e das variáveis de formulação
las de fármaco com massa molecular superior a 1.000 daltons (pH, viscosidade e osmolaridade).
quando não se utilizam promotores. Com a inclusão de promo- As seguintes formas farmacêuticas são as mais adequadas
tores, essa boa biodisponibilidade pode ser expandida a massas para a liberação nasal de fármacos: aerossóis, géis, líquidos,
moleculares de pelo menos 6.000 daltons. Muitos métodos têm ungüentos, suspensões e formulações de liberação sustenta-
sido usados para facilitar a absorção nasal de fármacos: da. As formas farmacêuticas para absorção nasal devem ser
aplicadas e permanecer dentro da cavidade nasal pelo maior
1. Modificação estrutural. A modificação química da estru-
tempo possível para garantir uma absorção efetiva. Os mé-
tura molecular de um fármaco tem sido usada para mo-
todos-padrão de administração são as gotas e os sprays. O
dificar suas propriedades físico-químicas podendo, então,
tamanho de partícula nos aerossóis é um fator importante na
melhorar a absorção nasal.
determinação do local de deposição. Partículas com diâmetro
2. Formação de sal ou éster. O fármaco pode ser convertido
menor que 0,5 μm podem passar através do nariz e atingir os
à forma de sal, com solubilidade aumentada, ou à forma
brônquios e alvéolos pulmonares. Um spray nasal necessita
de éster, com melhor permeabilidade nasal, para se obter
que as partículas tenham um diâmetro maior do que 4 μm
melhor absorção transnasal.
para viabilizar a retenção no nariz e minimizar a passagem
3. Delineamento de formulações. A seleção adequada dos
aos pulmões. O spray nasal deposita-se na parte proximal do
adjuvantes pode melhorar a estabilidade e/ou absorção
átrium nasal, enquanto que as gotas nasais são dispersas atra-
nasal de fármacos.
vés da cavidade nasal. O spray é removido mais lentamente
4. Tensoativos. A incorporação de tensoativos a formulações
que as gotas porque ele é depositado nas regiões não-ciliadas.
nasais pode modificar a permeabilidade da mucosa nasal,
Normalmente utilizam-se dispositivos de bombas dosadoras
o que facilita a absorção de fármacos.
(DBD) para administração nasal e pulmonar. Tais dispositi-
Um dos métodos usados na liberação nasal é baseado no vos (Figura 22-8), quando comprimidos de modo manual,
uso de quitosana como promotor de absorção, conforme des- liberam de forma precisa e reprodutível a dose da formulação
crito na liberação de fármacos pela mucosa. A tecnologia de nasal (ou bronquial).
uso da quitosana na liberação nasal pode ser explorada na for- Uma das limitações dos sistemas de liberação nasal de fár-
ma de formulações de solução, pó seco ou microesferas, para macos é a rápida remoção do fármaco do sítio de absorção.
posterior otimização do sistema de liberação a cada substân- Para superar isso, tem-se investigado a adição de substâncias
cia, individualmente. No caso de compostos que necessitam de bioadesivas e de misturas de polímeros. Por meio da adição
uma ação inicial rápida, a tecnologia de uso da quitosana pode dessas substâncias a preparações de fármaco em solução ou
fornecer um rápido pico de concentração se comparada com a na forma de pó, a absorção do fármaco tem sido aumentada
administração oral ou subcutânea.19-21 em função do maior tempo de residência na cavidade nasal.
Dois tipos de medicamentos de natureza orgânica são uti- Quadir e colaboradores25 examinaram o efeito da celulose
lizados para liberação nasal de fármacos: (a) fármacos com microcristalina sobre a biodisponibilidade do cetorolaco. Os
extensivo metabolismo pré-sistêmico (p. ex., progesterona, autores verificaram que, em coelhos, a biodisponibilidade das
estradiol, testosterona, hidralazina) podem ser rapidamente formulações de spray contendo somente cetorolaco foi apro-
absorvidos através da mucosa nasal com biodisponibilida- ximadamente 50% daquela observada após sua administração
de sistêmica de aproximadamente 100%; e (b) substâncias intravenosa (Figura 22-9). A administração de cetorolaco com
orgânicas solúveis em água (p. ex., cromoglicato de sódio) celulose microcristalina aumentou de forma significativa a bio-
são bem-absorvidas. Recentemente, a liberação nasal de fár- disponibilidade absoluta do fármaco a 90% (em comparação à
macos tem sido usada para a liberação sistêmica de medica- com a injeção intravenosa).
mentos à base de peptídeos.22-24 Devido a sua instabilidade Um novo gel nasal contendo fármaco, o Zicam (Gel-Tech
físico-química e suscetibilidade à eliminação após a primeira LLC, Woodland Hill, Calif.), reduz bastante o tempo de res-
passagem hepato-gastrintestinal, os medicamentos peptídicos friados comuns. A substância ativa do Zicam é o íon zinco, que
e protéicos em geral têm baixa biodisponibilidade e são, nor- tem sido usado há muito tempo em pastilhas para resfriado.26
malmente, administrados por vias parenterais. A maioria das Contudo, a formulação em gel permite que o íon permaneça
formulações nasais de medicamentos peptídicos e protéicos na cavidade nasal por tempo suficiente para interagir com o
tem sido preparada na forma de soluções aquosas simples (ou vírus. Pacientes que tomaram Zicam dentro das 24 h iniciais
salinas) contendo conservantes. Atualmente, mais pesquisas do aparecimento de três ou mais sintomas do resfriado recupe-
e trabalhos de desenvolvimento têm sido feitos para desen- raram-se, em média, em 1,5 a 3,3 dias, enquanto que pacientes
volver sistemas de liberação nasal de peptídeos ou proteínas. que receberam placebo apresentaram melhora após 9,8 dias,
Um exemplo é a formulação nasal de calcitocina disponível em média.27
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 655

Aerossol
solução ou TABELA 22-4
suspensão VANTAGENS E LIMITAÇÕES DA LIBERAÇÃO NASAL DE
FÁRMACOS
Vantagens Limitações

Evitar a eliminação causada Possível irritação do tecido local


pelo efeito de primeira
passagem hepática e
Câmara de a destruição no trato
dosificação gastrintestinal

Espaçador Rápida absorção de moléculas Rápida remoção do fármaco a


de fármaco através da partir do sítio de absorção
mucosa nasal

Pode ser usado tanto para Condições patológicas, tais como


Haste da liberação local quanto resfriados e alergias, que podem
válvula sistêmica de fármacos alterar significativamente a
biodisponibilidade nasal
Orifício de Liberação fácil e conveniente
dispersão

Figura 22-8 Dispositivo dosificador para administração de fármacos nas


regiões nasal e pulmonar. (Modificada de P. R. Byron (Ed.), Respiratory Drug As principais vantagens e desvantagens dos sistemas de
Delivery, CRC, Boca Raton, Fla., 1990, p. 171.) liberação nasal de fármacos estão resumidas na Tabela 22-4.

Administração pulmonar
Novas formas farmacêuticas nasais que fornecem libera- O trato respiratório tem uma grande área de superfície e, por-
ção sustentada têm sido pesquisadas. A maioria delas está ba- tanto, pode ser usado para liberação local e sistêmica de fár-
seada no uso de partículas ou micro e nanoesferas encapsula- macos. A superfície aumenta da região exterior (nasofaringeal)
das. Essas partículas são produzidas por secagem por aspersão, para as regiões traqueobronquial e pulmonar (bronquíolos e
processo de moldagem sólida sem intervenção de solvente, alvéolos) (Figura 22-6). Um dos exemplos mais antigos de ad-
coextrusão, evaporação do solvente, polimerização interfacial, ministração pulmonar para liberação sistêmica de fármaco é a
polimerização em meio de dispersão, emulsificação por fusão anestesia por inalação. Uma quantidade cada vez maior de fár-
e outros métodos. Além disso, fármacos encapsulados em li- macos, incluindo betabloqueadores, corticóides, estabilizado-
possomas também estão sendo testados para liberação susten- res de células mastocíticas, antibióticos e agentes antifúngicos
tada de fármacos pela via nasal. e anti-retrovirais estão sendo administrados por essa via para
atingir diretamente os tecidos-alvo do sistema respiratório.
A via pulmonar tem sido usada por décadas com o intuito
de administrar fármacos no pulmão para o tratamento da asma
e de outras patologias locais. Recentemente, essa via tem rece-
100 bido maior atenção para a liberação sistêmica de fármacos. O
início da ação seguido da administração pulmonar de fármacos
80 é muito mais rápido e comparável à administração pela via in-
travenosa. Os pulmões são um local atrativo para a liberação
Biodisponibilidade (%)

sistêmica de fármacos peptídicos e protéicos. Eles têm uma


60
maior área de superfície (70 m2) para a absorção do que outras
vias não-tradicionais de liberação sistêmica de fármacos, tais
40 como bucal, sublingual, retal e vaginal.
O maior desafio para o uso dessa via é a falta de reprodu-
20 tibilidade no local de deposição da dose administrada. A ve-
locidade de absorção do fármaco é supostamente variável nas
várias regiões do pulmão devido à espessura diversificada do
0
Injeção KT KT-MCC epitélio que recobre a árvore bronquial.
intravenosa de KT Os aerossóis são amplamente usados para liberar fármacos
no trato respiratório. O mecanismo de deposição das partícu-
Figura 22-9 Comparação da biodisponibilidade de formulações injetáveis e las depende de muitos fatores, tais como: regime de inalação
nasais de cetorolaco (KT) sozinho e de KT com celulose microcristalina (CMC) e tamanho, forma, densidade, carga e higroscopicidade das
em coelhos. (Retirada de M. Quadir, H. Zia and T. E. Needham, Drug Deliv. 7, partículas. O tamanho das partículas sólidas ou das gotículas
223, 2000.)
656 P ATRICK J. S INKO

líquidas em aerossóis normalmente varia de 1 a 10 μm e é eliminadas através da tosse ou espirro. Conseqüentemente,


expresso como diâmetro aerodinâmico, dae = ρ1/2d, onde ρ é a sistemas de liberação de fármacos em grandes partículas não
densidade da partícula e d é o diâmetro observado. Em geral, podem penetrar mais profundamente e somente podem ser
as partículas são liberadas através de inalação bucal, para en- usados para liberação oral ou nasal. Partículas de tamanho
tão serem repassadas à cavidade nasofaríngea. Contudo, usual- moderado (5–10 μm) são presas ao muco esbranquiçado das
mente a retenção total das partículas costuma ser cerca de 50 a vias aéreas condutoras e movidas em direção à cabeça pelo
60% da dose administrada. movimento ciliar (os cílios movem-se somente em direção à
O desafio-chave para a liberação pulmonar de fármacos é cabeça). No nível da laringe, elas são deglutidas ou expecto-
prover a penetração profunda do medicamento nos pulmões radas. Logo, os sistemas de liberação nessa faixa de tamanho
e nas vias aéreas menores e suas partes terminais, os alvéo- podem transportar fármacos para as vias aéreas superiores.
los. Historicamente, as formulações de aerossóis não têm sido Pequenas partículas de diâmetro aerodinâmico (<2 μm) po-
hábeis em mover a medicação para as partes mais profundas dem penetrar nas vias aéreas inferiores (regiões dos brôn-
dos pulmões de forma eficiente. Ainda recentemente algumas quios e alvéolos) e podem ser fagocitadas pelos macrófagos
companhias desenvolveram sistemas de liberação pulmonar alveolares. Logo, sistemas de liberação de fármacos com
de fármacos que cedem o fármaco nas vias aéreas somente tamanho submicrônico podem ser usados nas vias aéreas in-
para aplicação local. As bombas dosadoras (Figura 22-8), os feriores, alvéolos e circulação sistêmica através da barreira
pós secos inalatórios (PSIs) para ativação da respiração, os ja- gás-sangue (ou seja, barreira alvéolo-capilar). Gases solúveis
tos líquidos e os nebulizadores ultrassônicos têm se mostrado em água tendem a se dissipar nas vias aéreas superiores, en-
úteis no manejo da asma. Contudo, tais dispositivos não são quanto que os insolúveis tendem a se difundir para o pulmão,
delineados para liberar fármacos nas regiões mais profundas onde podem causar grandes danos.
do pulmão. As partículas inaladas podem ser transportadas de uma re-
Como um órgão em contato direto com o meio ambiente, gião para outra dentro do trato respiratório. A duração da ação
os pulmões são dotados de um sofisticado sistema de defesa terapêutica local é uma função complexa, que envolve depo-
que protege o corpo da penetração de partículas exógenas, sição das partículas, eliminação mucociliar, dissolução ou ce-
infecções e agentes irritantes, enquanto permite uma eficien- dência (para aerossóis sólidos) do fármaco, absorção, captação
te troca de gases. Os principais componentes desses meca- pelos tecidos e cinéticas de metabolismo.
nismos estão listados na Tabela 22-5. As vias aéreas superio- Byron28 propôs um modelo matemático para calcular o
res têm mecanismos de filtração que englobam e eliminam tempo de residência do fármaco e as frações de dose nas
partículas com tamanho maior do que 10 μm. Dois reflexos três regiões funcionais do trato respiratório: nasofaríngea,
– o espirro e a tosse – também ajudam a eliminar grandes traqueobronquial e alveolar. A deposição nas vias aéreas ci-
partículas de material estranho. O transporte mucovisciliar liadas não foi afetada pelo ato de reter a respiração, e as par-
nas vias aéreas de condução transporta pequenas partículas tículas mostraram um dae máximo entre 5 e 9 μm (inalação
para fora do trato respiratório, em direção à boca. Além dis- lenta) e 3 e 6 μm (inalação rápida). A deposição alveolar
so, as imunoglobulinas produzidas pelas células plasmáticas dependeu do modo de inalação e da retenção da respiração.
na submucosa ajudam o organismo a lutar contra infecções. Esta última é uma prática comum e permite a deposição de
Os macrófagos alveolares e os neutrófilos provêem defesa pequenas partículas que, de outra forma, seriam exaladas.
contra pequenos materiais estranhos que penetram na área Para determinar o efeito do ato de reter a respiração sobre a
de troca gasosa do sistema respiratório. Os macrófagos e deposição das partículas, definiu-se eficiência de sedimen-
os linfócitos T e B, assim como as imunoglobulinas, são os tação como:
principais atores do sistema de defesa imunológico. Contu-
do, grandes partículas (>10 μm) são filtradas no nariz ou o ato de reter a respiração
aglomeradas na região nasal ou faríngea para serem, então, S
Diâmetro médio da via aérea regional
(22-1)

TABELA 22-5 Os diâmetros médios regionais considerados para


as três áreas são 5 cm para a boca, 0,2 cm para a região
MECANISMOS DE DEFESA DO PULMÃO traqueobronquial e 0,073 cm para a região alveolar (pulmo-
nar). Nos casos em que a eficiência de sedimentação é maior
Nas vias aéreas superiores:
Mecanismos de filtração na cavidade nasal retêm e eliminam
do que 1, o valor de S é fixado em 1. O volume total no pul-
partículas maiores (>10 μm)
mão, Vt, após a inalação de 3.000 cm3 é dividido por 30, 170
Dois reflexos: espirro e tosse
e 2.800 cm3 para a região bucal (M), traqueobronquial (TB) e
Nas vias aéreas de condução: alveolar (P), respectivamente. Para cada tamanho de partícula,
Movimento mucociliar ascendente, imunoglobulina A produzida a fração de dose exalada, E, é dada por:
pelas células plasmáticas na submucosa E 1 − ( fM f TB f P ) (22-2)
Nos alvéolos:
onde os termos fM, fTB e fP representam as respectivas frações
Macrófagos alveolares com alguma interação com os neutrófilos
ou através destes
de deposição nas três regiões. Durante o ato de reter a respi-
Mecanismos imunológicos: interação entre os macrófagos
ração, frações adicionais irão sedimentar, dependendo da efi-
alveolares e os linfócitos T e B; imunoglobulina G ciência de sedimentação e da razão entre o volume regional e o
volume total dos pulmões. A fração de dose de sedimentação,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 657

FDS, após o ato de reter a respiração é calculada a partir da (freqüência de respiração, RF, em ciclos/min). A dose total ad-
expressão: ministrada, D, pode ser dividida em quantidade transferida, A,
SVr que difunde para o perfusato seguindo uma velocidade cons-
SDF E (22-3) tante de primeira ordem, k, e uma quantidade não-transferida,
Vt
U, de acordo com o esquema:
onde Vr é o volume regional das regiões M, TB ou P, e Vt é o U
volume total após a inalação (3.000 cm3).
D
EXEMPLO 22-1 A −→ B
k

Deposição de aerossol no pulmão assumindo instantânea dissolução de A e primeira ordem k. A


Para um aerossol monodisperso com 3 μm, inalado a 22,5 L/ quantidade de perfusato, B, a qualquer ponto de tempo, t, é dada
min, as frações de deposição foram fM = 0,04, fTB = 0,14 e fP = pelo produto da concentração de perfusato e do volume. A quan-
0,55. Calcular a fração não-depositada ou exalada, E, e a se- tidade transferida para B pode ser calculada a partir de*
dimentação adicional da fração não-depositada na boca e nas
1 − e− RF e− RF
nk k
A
regiões traqueobronquial e alveolar, após reter a respiração por B n− for t ≤ 20
1 − e− RF
k
10 segundos. A velocidade de sedimentação das partículas é 20 RF
0,027 cm/s.
(22-4)
A partir da equação (22-2) a fração não-depositada (exalada) é:
e
E = 1 − (0 04 + 0 14 + 0 55) = 0 27 B B20 A20 1 − e−k(t−20) for t > 20 (22-5)
Após reter a respiração por 10 s, a distância de queda das par- onde B20 é calculado a partir da equação (22-4) no tempo t =
tículas é 10 s × 0,027 cm/s = 0,27 cm. A substituição deste valor e 20 min e A20 é calculado usando a seguinte expressão:
do diâmetro médio da região (P) na equação (22-1) dá a eficiência
A
1 − e−20k e− RF 1 − e− RF
k k
de sedimentação na região pulmonar, SP: A20 (22-6)
0 27 20 RF
SP = = 3 70
0 073 O termo A/20 RF nas equações (22-4) e (22-6) é a quanti-
Uma vez que SP > 1, assume-se que o valor de SP = 1. A partir dade transferida depositada após cada inalação. A inalação ou
da (22-3) a fração de dose de sedimentação torna-se: número de dose, n, é igual a t × RF para t ≤ 20, onde RF é a
2800 freqüência respiratória.
SDF P = 0 27 × 1 × = 0 252 A razão entre quantidade transferida e quantidade deposi-
3000
tada aumenta a elevadas freqüências respiratórias, RF, grande
De forma análoga, para a região traqueobronquial (diâmetro volume tidal e menor tamanho de partícula do aerossol. O vo-
médio de 0,2 cm), obtém-se um valor de STB > 1; logo, assume-se lume tidal é a quantidade de ar que entra nos pulmões a cada
que o valor de STB é igual a um e, para a fração de dose de sedi- respiração ou sai dos pulmões a cada expiração.
mentação, temos que:
170
SDFTB = 0 27 × 1 × = 0 0153 EXEMPLO 22-2
3000
Transferência de pequenas partículas
Para a região da boca, M, o diâmetro médio é 5 cm, então:
0 27 Calcular a transferência, B, de partículas de 3 µm a t = 20 min,
SM = = 0 054 sabendo que a quantidade transferida, A, é 37,7µg, a freqüência
5
respiratória, RF, é 28 e k = 0,049 min-1.
e
30 A inalação ou número de dose é n = 20 min × 28 ciclos/min =
SDF M = 0 054 × = 5 4 × 10−4 560 ciclos; a partir da equação (22-4)
3000
−560×0 049 −0 049
Logo, a dose total adicional depositada após reter a respira- 37 7 1−e 28 ×e 28

ção por 10 s é: B= 560 − −0 049


= 13 69 μg
560 1−e 28

SDF = SDF P + SDFTB + SDF M = 0 252 + 0 0153


+ 5 4 × 10−4 = 0 268
A via pulmonar fornece uma administração efetiva de
Esses resultados mostram que, para partículas de 3 μm, reter a agonistas beta-adrenérgicos no tratamento da asma. Os cor-
respiração é um ato adequado para o depósito dessas partículas na ticóides têm sido adicionados aos regimes terapêuticos, em
região alveolar (SDFP = 0,252), enquanto que a retenção da respira- especial a triancinolona acetonida e a beclometasona, e são
ção é inadequada para o depósito das partículas na boca (SDFM = seguros e efetivos nas formulações de aerossóis.30 Contudo,
0,00054) e na região traqueobronquial (SDFTB = 0,0153). essa via tem mostrado utilidade limitada para fármacos anti-
microbianos. A via de administração pulmonar pode ser útil
Byron e colaboradores29 usaram uma preparação isolada no controle da liberação de fármacos para o trato respiratório,
de pulmão de rato perfundido para estudar a deposição e a ab-
sorção da fluoresceína dissódica a partir de aerossóis sólidos
* Em uma comunicação pessoal, Byron comentou que n está incorretamente
com diâmetro aerodinâmico de 3 a 4 μm. Os aerossóis foram usado na equação (2) de Byron e colaboradores.28 A equação (22-4) aqui
administrados por 20 min, sob diferentes regimes de inalação apresentada já é a expressão corrigida.
658 P ATRICK J. S INKO

ração, a difusão do oxigênio do ar para o sangue e as trocas ga-


sosas pulmonares. O alfa-tocoferol também limitou a atividade
das proteínas envolvidas no dano celular pulmonar e aumentou
a eficiência das defesas celulares contra hipoxia, radicais livres
de oxigênio e morte celular. Isso limitou de maneira signifi-
cativa (1,6-2 vezes) a morte das células pulmonares (Figura
22-12). Todas essas mudanças positivas diminuíram a morta-
lidade durante a hipoxia de 60% em animais não-tratados para
30% no grupo de ratos tratados com lipossomas de alfa-tocofe-
rol. Os dados indicam que o alfa-tocoferol lipossomal pode ser
útil na correção da injúria pulmonar causada por hipoxia.

Administração intra-uterina, retal e vaginal

Administração de anéis vaginais. O anel vaginal é um sistema


Figura 22-10 Um lipossoma mostrando uma bicamada lipídica única (lipos- de liberação de fármaco flexível que pode ser inserido dentro
soma unilamelar). da vagina, onde libera lentamente hormônios que são absorvi-
dos para a corrente sangüínea. Com cerca de 2¼″ de diâmetro
e tamanho semelhante à parte externa de um diafragma, o anel
contraceptivo (Figura 22-13a) é um método reversível e de fá-
dependendo das características do fármaco e do dispositivo cil uso que apresenta muitas vantagens sobre outros métodos,
de uso do aerossol. É improvável, contudo, que esta via venha incluindo a auto-inserção e remoção, a administração contínua
a substituir a convencional administração oral ou parenteral do fármaco em doses efetivas e melhor aceitação por parte da
de fármacos no futuro próximo. paciente. Ao contrário dos contraceptivos orais, os anéis não
Recentemente, tem-se obtido resultados promissores requerem atenção diária e podem ser inseridos e removidos
usando lipossomas para liberação pulmonar de fármacos.31 pela paciente após receber instrução de uso de um profissional
Os lipossomas são vesículas uni ou multilamelares de fosfoli- da saúde. Os anéis vaginais consistem de um reservatório de
pídeos, descritos por Bangham e colaboradores.32,33 Eles va- fármaco circundado por uma membrana polimérica (Figura
riam de tamanho na faixa de 250 Å (25 nm) a 10 μm de diâ- 22-13a). A membrana controla a liberação de fármaco, proven-
metro e costumam ser preparados pelo método de reidratação do uma velocidade de cedência constante do princípio ativo.
do filme lipídico.31,34 Conforme esse método, fosfolipídeos Uma vez que a velocidade é constante, a dose diária reque-
como a fosfatidilcolina ou misturas de fosfolipídeos com co- rida é menor do que aquela contida nas formulações orais, o
lesterol e outras substâncias são dissolvidos em clorofórmio e que deve resultar em diminuição dos efeitos colaterais a longo
evaporados em um evaporador rotatório até se obter um filme prazo. Variações de anéis contendo diversas combinações de
fino. A hidratação do filme lipídico seco mediante a adição hormônios estão sendo desenvolvidas para diferentes finalida-
de um tampão (pH = 7,4) e agitação gera grandes vesículas des de uso. Novas moléculas também estão sendo testadas para
multilamelares. A padronização do tamanho dos lipossomas uso nos anéis vaginais.
é geralmente feita mediante sua passagem através de filtros
com diâmetro de poro fixos. Os fármacos são introduzidos Dispositivo intra-uterino (DIU). O DIU é um pequeno dispo-
nos lipossomas por simples mistura de fosfolipídeos e outros sitivo plástico que é colocado dentro da cavidade uterina para
componentes com a solução de fármacos, ou pelo método do liberação sustentada de fármacos e é normalmente usado para
gradiente de pH. Os lipossomas são, então, purificados por contracepção. Um DIU típico tem uma forma de T e contém
filtração em gel para separar fármacos não-ligados. A Figura um fármaco, em geral progesterona, em seu braço vertical (Fi-
22-10 mostra um lipossoma unilamelar. As bicamadas lipídi- gura 22-13b). A progesterona faz com que o muco cervical
cas podem englobar fármacos solúveis em óleo e as camadas torne-se mais viscoso, de modo que o esperma não consegue
aquosas podem dissolver fármacos solúveis em água. Dife- atingir o óvulo. Ele também altera a camada de revestimento do
rentes tipos de lipossomas têm sido estudados para a libera- útero, evitando que ocorra a implantação do óvulo fertilizado.
ção de diversos tipos de fármacos.35-39 Alguns desses siste- O DIU é inserido através da cérvix e colocado no útero. Um
mas de liberação de fármacos serão discutidos mais adiante pequeno fio permite puxar o DIU para fora da parte superior da
neste capítulo. vagina e é usado para verificação periódica do dispositivo. Um
Minko e colaboradores31 usaram lipossomas para promo- fio menor do que o normal pode ser um sinal de alerta de que o
ver a liberação de alfa-tocoferol nos pulmões. O diâmetro mé- DIU não está adequadamente aplicado. A ausência do fio pode
dio dos lipossomas foi de 100 nm (faixa de 20-200 nm). Os significar que o DIU foi expelido.
lipossomas foram usados de forma intratraqueal em ratos com
hipoxia severa (respiração de uma mistura gasosa com 6% de Supositórios e óvulos. Supositórios são formas farmacêuticas
oxigênio, por um período de 2h). Verificou-se que a aplicação sólidas destinadas à inserção em orifícios corporais onde pos-
intratraqueal de lipossomas de alfa-tocoferol normalizou a sam fundir, amolecer ou dissolver, exercendo ação farmacoló-
composição fosfolipídica do pulmão e o dano a radicais livres gica local ou sistêmica (supositório, do latim sup, “inferior”, e
nos tecidos pulmonares, o que, conseqüentemente, diminuiu o ponere, “colocar”). Os supositórios costumam ser usados nas
edema e o dano pulmonar (Figura 22-11) e aumentou a respi- vias retal, vaginal e ocasionalmente, uretral. Uma vez inseri-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 659

Alvéolos

Edema
capilar e
perivascular

Controle

Brônquio

Hipoxia

Infiltração linfóide
do tecido conectivo
Alvéolos peribronquiolar

Hipoxia + alfa-tocoferol
lipossomal
Figura 22-11 Imagem típica de cortes de pulmão de rato ( × 530) coradas com hematoxilina-eosina. Painel supe-
rior: Não tratado – respiração de ar controle. Painel intermediário: pulmões hipóxicos não-tratados. Painel inferior:
pulmões hipóxicos tratados com lipossomas de alfa-tocoferol. As amostras foram coletadas após 120 min de respi-
ração em ar ambiente ou em misturas de gases hipoxiantes. (Modificada de T. Minko, A. Stefanov and V. Pozharov,
J. Appl. Physiol. 93, 1550, 2002.)

dos, sua base funde, amolece ou dissolve, distribuindo o fár- um supositório vaginal à base de hidrogel usado para a libe-
maco nele contido para os tecidos da região. Além da liberação ração local de fármacos pela via vaginal, e o Hycore-R, um
local, as mucosas do reto e da vagina permitem a absorção de sistema de liberação retal usado para a liberação sistêmica de
muitos fármacos solúveis, gerando ação sistêmica. As princi- fármacos.
pais vantagens dos supositórios modernos são a administração
conveniente, simples e sem manchas, e o fato de constituírem
uma alternativa segura e eficaz à via oral, sustentando libera- Administração ocular
ção sistêmica e/ou local de fármacos. A terapia pode ser inter-
rompida pela remoção do sistema a qualquer tempo e iniciada O olho é um exemplo ímpar de proteção à penetração de subs-
a qualquer hora do dia ou noite. O uso de novos materiais do tâncias estranhas feita por barreiras anatômicas naturais. Isso
tipo hidrogéis poliméricos para óvulos fornece características faz com que a liberação efetiva de fármacos dentro do olho
únicas para liberação controlada de fármacos. O hidrogel poli- seja dificultada. Duas principais barreiras protegem o olho: (a)
mérico tem a habilidade de absorver fluidos e intumescer sem a córnea, que protege a parte frontal do olho, e (b) a barreira
perder sua forma física. Na medida em que o hidrogel intumes- sangue-retina, que protege a parte anterior do olho.
ce, o fármaco incorporado é liberado de forma controlada. Va- O olho é uma escolha lógica para a terapia sítio-específica
riando as propriedades físicas e químicas do polímero, assim de fármacos. Medicações tópicas são freqüentemente impedi-
como sua forma, é possível controlar a liberação do fármaco das de atingir seu alvo devido à superfície natural de prote-
durante certos períodos de tempo, desde poucas horas a vários ção do olho. Em muitas situações, menos de 1% da medica-
dias. Um exemplo de sistema de liberação de fármaco a base ção aplicada na superfície do olho realmente atingirá o sítio
de hidrogel é o Hycore (CeNeS Pharmaceuticals, Cambridge, da doença. A solução instilada na cavidade ocular na forma de
U.K.), que possui duas principais apresentações: o Hycore-V, gotas pode desaparecer da área pré-corneal do olho por qual-
660 P ATRICK J. S INKO

600 novos mecanismos têm sido desenvolvidos para remoção dos


materiais aplicados na córnea, visando preservar a acuidade
visual. Isso representa problemas ao desenvolvimento de for-
Hipoxia mulações oftálmicas. Grande quantidade do fármaco aplicado
de forma tópica é imediatamente diluída na lágrima, o excesso
Morte celular (unidades rel.)

de fluido é expelido sobre a margem da pálpebra e a quanti-


400 dade remanescente logo é drenada para o ducto nasolacrimal.
Hipoxia +
alfa-tocoferol Além disso, parte do fármaco não está disponível para ação
lipossomal terapêutica porque se liga a tecidos próximos da órbita ocular.
Tais processos fazem com que o tempo de contato típico das
soluções, em humanos, seja de 1 a 2 minutos e a biodisponibi-
lidade seja em geral menor do que 10%.
200
Para atingir uma concentração de fármaco na parte pos-
terior do olho, as medicações costumam ser administradas de
Controle
forma sistêmica a doses bastante elevadas para sobrepor a bar-
reira sangue-retina. Ocasionalmente, os fármacos são injetados
na parte posterior do olho, mas são de pronto removidos pelo
0 processo circulatório natural do olho, necessitando de aplica-
0 20 4 0 60 80 100 ções freqüentes que trazem riscos de toxicidade.
Tempo (min)
Para otimizar a liberação ocular de fármacos são neces-
sárias as seguintes características: boa penetração na córnea,
Figura 22-12 Morte celular em tecidos pulmonares de ratos com hipoxia tempo de contato prolongado com o epitélio da córnea, simpli-
respiratória, não-tratados e tratados com alfa-tocoferol lipossomal. O nível cidade de instilação para o paciente, forma confortável e não
de morte celular nos ratos-controle respirando ar foi estabelecido em 100 irritante (o sistema não deve provocar lacrimejamento e o re-
unidades. São mostradas a média ± SD para as quatro medidas indepen- flexo de piscar) e propriedades reológicas apropriadas. Vários
dentes, a cada ponto de tempo. Cada ponto da curva dentro de um grupo sistemas novos têm sido desenvolvidos para melhorar a libera-
representa diferentes animais. (Modificada de T. Minko, A. Stefanov, and V. ção de fármacos no olho.
Pozharov,J. Appl. Physiol. 93, 1550, 2002.)
Sistema de liberação controlada de fármacos no olho
A ação de um fármaco na via ocular pode ser prolongada por
quer uma das várias vias que seguem: drenagem nasolacrimal, (a) redução da drenagem, usando-se agentes promotores de
renovação lacrimal, absorção produtiva na córnea e recaptação viscosidade, suspensões, emulsões e matrizes erodíveis e não-
não-produtiva conjuntival (Figura 22-14). As formas farma- erodíveis; e (b) melhoramento da penetração corneal através
cêuticas tradicionais para a liberação de fármacos no olho ain- do uso de pró-fármacos e lipossomas. A faixa ótima de viscosi-
da permanecem sendo as soluções e os ungüentos. Contudo, dade para reduzir a perda de fármaco em função da drenagem
como conseqüência da sua função sobre o mecanismo visual, está entre 12 e 15 cp, quando se utilizam álcool polivinílico40
ou metilcelulose41 como agentes promotores de viscosidade.
Para minimizar irritação potencial, as suspensões oftálmicas
são preparadas mediante técnicas de micronização. A veloci-
(a) (b ) dade de dissolução das partículas grandes é menor do que a
das partículas pequenas, de forma que as partículas grandes
podem ser drenadas para fora do olho antes de iniciar sua dis-
solução, o que, conseqüentemente, leva a uma diminuição de
biodisponibilidade.42 Hui e Robinson43 estudaram o efeito da
Reservatório de fármaco velocidade de dissolução sobre a biodisponibilidade ocular de
fármacos. Após a instilação de uma suspensão, o fármaco pe-
netra na córnea ou conjuntiva a partir da solução saturada. As
partículas restantes dissolvem-se para manter uma reserva de
solução saturada. Para obter a biodisponibilidade desejada, a
velocidade de dissolução do fármaco deve ser maior do que a
eliminação da dose a partir do saco conjuntival e deve ser apro-
Membrana
polimérica ximadamente igual à velocidade de absorção. Muitos fármacos
controladora da não conseguem satisfazer tais requisitos.
velocidade de liberação O uso de matrizes solúveis em água nas quais o fármaco
está disperso ou dissolvido pode aumentar a retenção pré-corne-
Fibra do al e a duração da ação. A liberação de fármacos a partir de ma-
monofilamento
trizes hidrofílicas é mais rápida porque o fluido lacrimal penetra
rapidamente na matriz. A ação prolongada não é controlada pelo
Figura 22-13 Desenho esquemático de um anel vaginal (a) e de um disposi- veículo, mas é causada pela retenção pré-corneal do fármaco.
tivo intra-uterino (b). A penetração de água na matriz pode ser reduzida pelo uso de
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 661

(a) (b )

Liberação Fluido
GOTAS OCULARES
ocular lacrimal
Penetração limitada na
parte frontal do olho
Virtualmente, não há
penetração na parte posterior do olho
Rapidamente diluído
Lavagem pela lágrima
Pouca adesão do paciente Cavidade
pré-corneal
INJEÇÃO
Traumática
Rapidamente diluída
O processo circulatório Canais
reduz rapidamente a lacrimais,
biodisponibilidade ducto
Procedimentos repetidos lacrimal

SISTÊMICO Captação Absorção


Penetração limitada conjuntival na córnea
Elevados níveis de fármaco – toxicidade

Nariz Circulação
sistêmica

Figura 22-14 (a) As desvantagens da abordagem tradicional de liberação de fármacos no olho. (b) O principais
mecanismos de eliminação de fármaco do olho, após administração de gotas dentro da cavidade ocular.

polímeros tais como alquil hemi-ésteres de poli(metilviniléter- entre a força de adesão Y (in g/cm2) e a espessura do filme h (em
anidrido maléico) (PVM-MA). A superfície da matriz é solúvel μm). A falta de adesão, Y0, pode ser obtida extrapolando-se a for-
em água acima de certos valores de pH devido à presença de ça de adesão à espessura de filme igual a zero.
grupos carboxila ionizáveis. Contudo, os grupos hidrofóbicos
alquil-éster evitam a penetração de água na matriz. A difusão EXEMPLO 22-3
do fármaco a partir da matriz é impedida de modo que ele seja
liberado em uma velocidade tal qual à de dissolução da super- Propriedades de adesão da hidroxipropilmetilcelulose
fície do polímero. Em um estudo, a pilocarpina foi cedida de A adesão, Y, da hidroxipropilmetilcelulose à superfície do polietile-
polímeros PVM-MA seguindo uma cinética de ordem zero e no em função da espessura do filme, h, do adesivo é dada a seguir:
a cedência foi controlada pela erosão da superfície do políme- Y (g cm2 ) 3.850 2.800 1.750 700
ro.44 Grass e colaboradores45 prepararam filmes secos erodíveis
e não-erodíveis para liberação sustentada de pilocarpina. Os po- h(μm) 5 10 15 20
límeros usados em ambos os casos foram o álcool polivinílico e Calcular a falta de adesão, Y0. A regressão de Y (variável de-
um carboxi-copolímero (Carbomer 934). A cedência do fárma- pendente) em função de h (variável independente) fornece:
co a partir dos filmes ajustou-se à equação de Hixon-Crowell da
raiz cúbica da dissolução ou à equação da dissolução controlada Y = −210h + 4900
por difusão, proposta por Cobby e colaboradores, 46,47 esta últi- A falta de adesão é obtida no intercepto, Y0 = 4.900 g/cm2.
ma apresentando um melhor ajuste. O trabalho de adesão, Wa (p. 459-460), de um filme seco em
A liberação ocular de fármacos a partir de matrizes pode ser uma superfície sólida pode ser calculado a partir da tensão de su-
melhorada pelo uso de polímeros adesivos. Johnson e Zografi48 perfície do polímero e da superfície sólida: 48
mediram a adesão (ou seja, a força de adesão) da hidroxipropilme- 4γsd γ dp p
4γs γ p
p
tilcelulose a substratos sólidos em função da espessura do filme Wa = + p p (22-7)
γsd + γ dp γs + γ p
polimérico seco. O “teste de adesão de união de extremidades”
usado pelos autores proporcionou uma velocidade de separação onde γs e γp são as tensões de superfície do sólido e do polímero,
do filme lenta e constante para manter a contribuição viscoelásti- respectivamente. Os termos subscritos d e p representam a contri-
ca do filme, referente às medidas de adesão como uma constante. buição das porções não-polar e polar da molécula, respectivamen-
Para uma espessura menor do que 20 μm há uma relação linear te, à tensão superficial total.
662 P ATRICK J. S INKO

EXEMPLO 22-4 Velocidade constante (ordem zero)


Trabalho de adesão 4,0

Velocidade de liberação, dM/dt


A
Calcular o trabalho de adesão de filmes de hidroxipropilmetilce- 3,5

Liberação acumulada de fármaco, M (mg)


lulose sobre uma superfície sólida de polietileno considerando os
seguintes dados: γ ds = 34,2 ergs/cm2; γ ps = 3,4 ergs/cm2; γ dp = 24,7 3,0
ergs/cm2; γ pp = 16,3ergs/cm2.
Temos que: 2,5 Tempo, t (h)
4 × 34 2 × 24 7 4 × 3 4 × 16 3
Wa = + 2,0 A
34 2 + 24 7 3 4 + 16 3
Wa = 68 6 ergs cm2
1,5

1,0
Sistema ocusert
O Ocusert, um dispositivo contendo pilocarpina introduzindo 0,5
no mercado em 1975 pela Alza Corporation, foi a primeira
0,0
forma tópica de liberação controlada vendida para uso ocular. 0 50 100 150 200 250 300
Feito de copolímero de acetato de etilenovinila, o dispositivo
Tempo, t (h)
(Figura 22-15) consiste de um núcleo central ou reservatório
de pilocarpina localizado entre duas superfícies membranosas Figura 22-16 Liberação controlada do fármaco cloranfenicol através da
que controlam a velocidade de liberação do fármaco. O dis- membrana Ocusert. O gráfico reduzido mostra a relação da velocidade de
positivo oval, um pouco maior do que uma lente de contato, é liberação, enquanto que o gráfico principal mostra a quantidade acumulada
colocado embaixo da pálpebra superior ou inferior, onde a pi- liberada em função do tempo.
locarpina é liberada a uma velocidade de ordem zero e absorvi-
da na córnea do olho. Há dois produtos disponíveis: o Ocusert
P-20, que libera uma dose de 20 μg/h, e o Ocusert P-40, que
libera uma dose de 40 μg/h. colaterais e de toxicidade. Contudo, esses sistemas medica-
O sistema de liberação ocular foi delineado para su- mentosos especiais são caros e provavelmente serão usados
perar a ineficiente liberação de pilocarpina a partir das go- somente em pacientes que necessitam medicação contínua,
tas oftálmicas. Devido ao contato próximo com o olho e à toleram a presença do disco dentro do olho e podem pagar
contínua liberação de fármaco a partir do Ocusert por um pela terapia.
período de uma semana, somente um quarto da quantidade Para fármacos que são pouco solúveis em água, com o clo-
de pilocarpina pode ser administrada em comparação com a ranfenicol, a liberação no olho pode ser calculada a partir da
técnica das gotas, e essa redução de dose supera os efeitos lei de Fick (Capítulo 12):
SDKCs
M t (22-8)
h
Anel de dióxido de titânio onde M é a quantidade liberada acumulada, t é o tempo, S é
a área de superfície do dispositivo em contato com o olho,
Fármaco D é o coeficiente de difusão da membrana do Ocusert, K é o
coeficiente de partição líquido-líquido entre o Ocusert e os
fluidos do olho, CS é a solubilidade do fármaco em água e h
é a espessura da membrana do Ocusert. Como se observa na
Figura 22-16, o gráfico de liberação acumulada de fárma-
co em função do tempo é linear, apresentando uma mudan-
ça de direção no ponto A (125 h), onde torna-se horizontal.
Essa mudança indica que o cloranfenicol foi depletado e não
é mais liberado após 125 h. Em vez de quantidade, o gráfi-
co de velocidade de liberação em função do tempo resulta
em uma linha reta horizontal ao ponto A, que tende a zero
(Figura 22-16, gráfico reduzido). A curva não cai de modo
Membrana de
vertical a partir de A, mas é atenuada parabolicamente, como
acetato de etilenovinila
se observa no gráfico reduzido da Figura 22-16. Os gráficos
Figura 22-15 O sistema Ocusert consiste de um núcleo de pilocarpina (fár- indicam que a velocidade de liberação de um fármaco fraca-
maco) localizado entre duas membranas transparentes de acetato de etileno- mente solúvel é quase constante, ou seja, há uma velocidade
vinila que controlam a velocidade de liberação. Quando ele é colocado sobre de liberação de ordem zero durante a maior parte do tempo
a pálpebra superior ou inferior, as moléculas de pilocarpina dissolvidas no de existência do dispositivo mais do que uma liberação de
fluido lacrimal são liberadas a uma velocidade pré-programada, através das primeira ordem, que poderia representar uma velocidade de
membranas controladoras da velocidade. diminuição contínua em função do tempo.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 663

EXEMPLO 22-5 desenvolvida para uso no tratamento de glaucoma.12,13 O PAA


foi neutralizado com hidróxido de sódio para se obter diferen-
Liberação de um análogo de cloranfenicol a partir do
tes proporções de neutralização. Soluções aquosas contendo
ocusert
concentrações de LB × HCl equivalentes ao grau de neutraliza-
O coeficiente de difusão de um novo derivado de cloranfenicol no ção do PAA foram adicionadas a soluções de PAA, formando
dispositivo Ocusert é de 3,77 × 10-5 cm2/h. A área de superfície, S, complexos insolúveis. Os complexos foram preparados com
do Ocusert é 0,80 cm2, o coeficiente de partição, K, entre o Ocusert diferentes proporções de fármaco, de forma que a mesma ca-
e os fluidos oculares é 1,03, a espessura da membrana, h, é 0,007 deia de PAA tivesse grupamentos –COOH livres para mucoa-
cm, e a solubilidade, Cs, em água (25 °C) do novo composto é 3,93 desão junto com complexos de LB × H+ com grupos COO–. A
mg/cm3. Usando a equação (22-8), calcular a quantidade acumu- partir desses filmes de complexos, o fármaco dissociou-se e foi
lada de fármaco liberada em 125 h. liberado por troca iônica com um fluido de lágrima sintética. A
Temos que: espessura do filme foi atenuando-se de forma contínua durante
(0 80 cm2 )(3 77 × 10−5 cm2 h)(1 03)(3 93 mg cm2 )(125 h) a liberação do fármaco e dissolveu-se completamente em 1 h.
M=
0 007 cm Implantes sólidos desses filmes podem ser úteis como sistemas
M = 2 18 mg liberados em 125 h mucoadesivos oftálmicos de liberação de fármacos.

O fluxo ou velocidade por unidade de área para um com- Administração óssea


posto solúvel em água não é horizontal (Figura 22-16, gráfi-
co reduzido), mas torna-se atenuado à medida que a liberação Os vertebrados desenvolveram um endoesqueleto interno mine-
continua. Contudo, por meio da escolha correta das membra- ralizado (na maioria dos casos) composto por osso e/ou cartila-
nas para o Ocusert, a velocidade de liberação da pilocarpina gem. Os músculos estão no lado externo do endoesqueleto. A
pode ser mantida essencialmente constante (ou seja, velocida- cartilagem e o osso são tipos de tecidos conjuntivos. Os tubarões
de de liberação do fármaco próxima à ordem zero) por mais e as arraias têm esqueletos compostos somente por cartilagens;
de sete dias de liberação. Várias novas preparações têm sido outros vertebrados têm o esqueleto cartilaginoso embrionário
desenvolvidas para uso oftálmico. Resultados bem-sucedidos progressivamente substituído por osso à medida que se desen-
foram obtidos com implantes e sistemas de difusão controlada. volvem e sofrem maturação. Contudo, algumas regiões do corpo
Contudo, essas preparações apresentam algumas desvantagens, humano, tais como articulações e estruturas flexíveis como coste-
como falta de adesão, especialmente em pacientes idosos, sen- las, traquéia, nariz e orelhas, retêm cartilagens na fase adulta. O
do que muitos pacientes perdem o dispositivo sem se darem esqueleto e os músculos atuam em conjunto formando o sistema
conta disso. Do ponto de vista da aceitabilidade do paciente, as musculoesquelético. Esse sistema (normalmente tratado como
formas farmacêuticas líquidas são mais aceitáveis. dois sistemas separados, o muscular e o esquelético) desempenha
O Sistema Biodegradável de Liberação de Fármaco (BLF) um papel importante na homeostase, permitindo que o animal se
foi desenvolvido pela Oculex Pharmaceuticals (Sunnyvale, Ca- movimente para obter condições externas mais favoráveis. Certas
lif.). Essa tecnologia de liberação de fármaco é baseada em um células ósseas produzem células imunes, assim como importantes
sistema polimérico de tamanho micrométrico que permite que componentes celulares do sangue. O osso também ajuda a regular
terapias utilizando fármacos microencapsulados sejam implan- os níveis de cálcio e fosfato no sangue, servindo como um dissi-
tadas dentro do olho. Ao contrário de outros sistemas de libe- pador de cálcio. A contração muscular é importante na geração
ração de fármaco intra-oculares, este sistema é completamente interna de calor, outra função homeostática.
A liberação sistêmica e local de fármacos também pode ser
biodegradável. Tal propriedade permite que os microssistemas
utilizada nos ossos. A liberação sistêmica tradicional de fárma-
biodegradáveis liberem agentes diretamente dentro da área que
cos necessita de alta concentração de fármaco no sangue, o que
necessita medicação por um período de tempo pré-determina-
pode induzir à elevada toxicidade sistêmica. Para sobrepor esse
do, viabilizando o tratamento de um amplo espectro de condi-
obstáculo, têm sido desenvolvidos os sistemas de liberação de
ções e doenças que ocorrem dentro da região posterior do olho.
fármacos com vetorização óssea. Eles são chamados sistemas de
O aspecto-chave dessa tecnologia contempla liberação de fár-
liberação esquelética de fármacos (SLEF) ou sistemas de libera-
maco programável e sítio-específica, solução terapêutica bio-
ção osteotrófica de fármaco (SLOF). Além da liberação sistêmi-
degradável, liberação minimamente invasiva, base versátil de
ca, pode-se utilizar a abordagem de liberação local de fármacos.
liberação de fármaco e melhor adesão do paciente. Dois tipos
Aplicar de forma repetida fármacos diretamente dentro dos ossos
de sistemas BLF têm sido desenvolvidos. O primeiro sistema
requer liberação sustentada do fármaco para prevenir administra-
(Surodex BDD) é inserido na frente do olho, enquanto que o
ções freqüentes. Aqui, analisaremos brevemente ambos os tipos
segundo (Posurdex BDD) pode ser inserido na parte posterior
de abordagens atuais de liberação de fármacos nos ossos.
do olho por meio de cirurgia. Os sistemas BLF são delineados
para gerar liberação controlada e contínua do fármaco direta-
Sistemas de liberação osteotrófica de fármaco
mente ao sítio-alvo por períodos de tempo variando de muitos
dias a muitos anos. Vários sistemas de liberação de fármaco A liberação seletiva de fármaco a qualquer órgão torna-se mui-
baseados nessa tecnologia estão sob testes. to importante em certas doenças e manifestações clínicas, es-
Uma nova formulação mucoadesiva de liberação de fár- pecialmente quando o fármaco afeta de maneira adversa outros
maco baseada em um complexo parcialmente neutralizado de tecidos expostos. A importância da ação seletiva do fármaco é
ácido poliacrílico (PAA) com um betabloqueador bastante po- ainda mais significativa quando a parte afetada é pouco perfun-
tente, o levobetaxolol × ácido clorídrico (LB × HCl), tem sido dida. Embora uma rede de vasos sangüíneos esteja presente por
664 P ATRICK J. S INKO

1. Remoção do tecido ósseo lesado incorporado nos ossos, o DIC-BP foi pouco a pouco eliminado,
liberando o diclofenaco dentro do compartimento ósseo. Como
resultado, a concentração óssea de diclofenaco regenerada foi
aparentemente constante durante 28 dias. Além disso, os autores
avaliaram os efeitos antiinflamatórios do DIC-BP em comparação
com o diclofenaco (sal sódico) em ratos com artrite induzida por
adjuvantes. As doses médias efetivas (ED50) foram 9,4 e 5,2 mg/
kg (por período de experimento) para o diclofenaco e o DIC-BP,
respectivamente. Além disso, o DIC-BP não apresentou efeitos
2. Substituição do tecido lesado por um enxerto colaterais de danos gastrintestinais típicos de antiinflamatórios
contendo o fármaco. Se o material do enxerto for
biodegradável, será substituído por tecido ósseo.
não-esteróides. Logo, o SLOF de diclofenaco mostrou ser uma
abordagem promissora em terapias bastante potentes e atóxicas
contendo diclofenaco, com medicação menos freqüente.
Outro sistema de liberação osteotrófica de fármacos ba-
seado em pró-fármaco bifosfônico tem sido desenvolvido para
o 17 betaestradiol (E2) com o objetivo de melhorar a adesão
das pacientes à terapia de reposição de estrógenos na osteo-
porose pós-menopausa.52 Após injeção intravenosa, o E2-BP
foi rapidamente captado para dentro dos ossos e subseqüente-
mente eliminado com um tempo de meia-vida de 13,5 dias. A
concentração de E2 foi mantida durante 28 dias. Ao contrário,
o E2 injetado por via intravenosa apresentou distribuição ós-
sea extremamente lenta e rápida eliminação a partir do tecido
Enxerto contendo fármaco ósseo. O E2 administrado via oral também apresentou menor
Figura 22-17 Visão geral da liberação local de fármacos ao tecido ósseo. distribuição óssea. A disponibilidade terapêutica e a presença
do fármaco no sítio-alvo foram melhores para o BP-E2 do que
para o E2 livre. Esses resultados sugerem que o SLOF é um
sistema potencial para melhorar não somente a potência apa-
rente, mas também o índice terapêutico do E2. Se comparado
todo o tecido esquelético (ou ósseo), ela não é suficiente para com os medicamentos convencionais contendo estrógenos, o
liberar imediatamente o fármaco no sítio de ação desejado e em E2-BP pode melhorar a adesão do paciente com menores efei-
quantidades suficientes durante períodos de tempo apropriados. tos colaterais e menor freqüência de administração da medica-
Logo, a liberação seletiva de fármaco ao sistema esquelético ção na terapia de reposição a longo prazo.
tem constituído um grande desafio a pesquisadores da área far- Outro pró-fármaco de vetorização óssea também foi desen-
macêutica. De qualquer forma, atualmente tem-se dado atenção volvido por Fujisaki e colaboradores.53 O acetoaminometileno
à importância da liberação esquelética de fármacos.49 dissódico (fluoresceína-6-carboniloxi) bifosfonato (CF-BP),
A maioria dos sistemas de liberação de fármacos com veto- um pró-fármaco da 6-carboxi-fluoresceína, é absorvido de for-
rização óssea é delineada utilizando tecnologia de pró-fármacos ma eficiente pelo esqueleto, no qual é hidrolisado à carboxi-
vetorizados (Figura 22-17). Se a combinação de pró-fármaco é fluoresceína. Um sistema osteotrófico de liberação de fármaco
solúvel em água, não é necessário um carreador especial de fár- baseado nesse pró-fármaco bifosfônico tem sido desenvolvido
maco, e o sistema poderá ser simplificado a um sistema de libe- como um novo método para a liberação sítio-específica e con-
ração bicomponente. Um SLOF pode ser feito pela conjugação trolada de fármacos nos ossos.
de um fármaco ou pró-fármaco com agentes ligantes que apre-
sentam elevada afinidade pelos ossos (p. ex., bifosfonatos). Para Liberação local de fármacos ao tecido esquelético
demonstrar a exeqüibilidade desse tipo de tecnologia, o 1-amino-
1,1-difosfonato metano (aminoBP) foi conjugado a uma proteína- Na maioria dos casos, o tecido ósseo lesado e removido é subs-
modelo, a albumina.50 O conjugado de albumina exibiu elevada tituído por um enxerto (Figura 22-17). A mistura do enxerto
afinidade pela hidroxiapatita, afinidade esta proporcional à am- com fármacos gera a liberação local do fármaco diretamente
plitude da conjugação. Os conjugados mostraram alta afinidade no sítio afetado. Se o material do enxerto é biodegradável, ele
pela matriz óssea em um meio in vitro contendo soro. Uma vez passa a ser, finalmente, substituído por tecido ósseo. O auto-
ligados à matriz óssea, os conjugados demonstraram apresentar enxerto ósseo de cerâmica-zinco para liberação de testosterona
uma dessorção mais lenta do que aquela observada para a albu- é um exemplo de tal sistema de liberação esquelética local de
mina não-modificada. Em suma, a conjugação de bifosfonatos fármaco.54 A testosterona tem mostrado estimular o restabele-
à albumina tem mostrado gerar alta afinidade aos ossos, sendo cimento ósseo. Contudo, altas doses de testosterona estão as-
que tais conjugados podem ser potencialmente ligados ao osso. sociadas a danos hepáticos e aumento de próstata. A liberação
Hirabayashi e colaboradores51 sintetizaram recentemente um contínua de testosterona no osso traumatizado pode melhorar o
sistema osteotrófico de diclofenaco com uma porção bifosfôni- restabelecimento ósseo sem induzir efeitos colaterais sistêmi-
ca (DIC-BP), baseado no conceito de SLOF, e investigaram sua cos. O auto-enxerto de cerâmica, sulfato de zinco e fosfato de
potencialidade para sítio-especificidade e liberação controlada de cálcio (SZFCA) com e sem testosterona foi usado para preen-
diclofenaco a ossos de ratos. Após injeção intravenosa, o DIC- cher defeitos ósseos induzidos em ratos. Exames radiográficos
BP foi predominantemente distribuído no esqueleto. Uma vez e morfológicos do local do implante mostraram a integração
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 665

do implante no fêmur de cada rato. Os resultados desse estudo mas de liberação esquelética e periodontal de fármacos. Como na
sugerem que a composição sulfato de zinco, fosfato de cálcio- liberação esquelética de fármaco, a abordagem sistêmica requer
testosterona pode ser usada para reparar ossos traumatizados altas doses de fármacos, que podem potencialmente levar a efei-
sem aumentar os níveis de testosterona na circulação sistêmica. tos adversos tóxicos. Ao mesmo tempo, a liberação periodontal
Lee e colaboradores55 desenvolveram um novo substituto local de fármacos requer liberação sustentada do princípio ativo.
biomimético de osso que pode ser usado como veículo para Os mesmos métodos de liberação sustentada usados para libe-
liberação de fármaco, chamado de alfa-BSM. O alfa-BSM é ração esquelética podem ser usados com sucesso para liberação
um material substituto de osso biomimético, fosfato de cálcio local de fármacos nos dentes. Na maioria dos casos, a liberação
apatítico endotermicamente ajustado. Sua injetabilidade e ha- periodontal local de fármacos não requer intervenção cirúrgica.
bilidade de solidificar à temperatura corporal na presença de Aproximadamente 50 milhões de americanos sofrem de
solução salina e outros agentes tamponantes torna-o um substi- doença periodontal, mesmo que somente 7,5 milhões estejam
tuto de osso e um veículo de liberação de agentes terapêuticos recebendo tratamento para esta doença crônica e potencial-
clinicamente atrativo para aplicações ortopédicas e dentárias. mente grave. Estão sendo esperados vários novos produtos que
Nos tecidos ósseos, o alfa-BSM sozinho remodela-se dentro estimulem mais o tratamento durante as visitas rotineiras ao
do osso e promove o restabelecimento ósseo. Estudos in vi- dentista. Esses tratamentos constituem uma opção fácil e efe-
tro com o alfa-BSM contendo gentamicina mostraram que os tiva para curar essa desordem progressiva antes que ela atinja
antibióticos podem ser incorporados de forma estável no alfa- estágios avançados, e servem para manter a terapia seguida de
BSM. Fatores de crescimento e enzimas também são compatí- tratamento periodontal extensivo. Aprovado pela U.S. Food
veis com a reação de ajuste do alfa-BSM. and Drug Administration (FDA) em 1998, o Atridox (doxicili-
Um sistema biodegradável de liberação de fármaco con- na hiclato, 10,0%) em sistema de liberação Atrigel é aplicado
tendo gentamicina incorporada a um cilindro de quitosana com na forma de gel sobre a área afetada, onde se adapta à forma da
efeito sustentado do antibiótico tem sido estudado.56 A quito- bolsa periodontal e se solidifica, liberando a doxiciclina por um
sana (Figura 22-4) demonstra ser um aminopolissacarídeo período de cerca de sete dias e reduzindo muito a quantidade
biocompatível e uma matriz de liberação controlada para subs- de bactérias associadas à doença periodontal (Figura 22-18a).
tâncias farmacêuticas. Em um teste in vitro, observou-se uma li- O sistema contém um polímero bioadesivo e não precisa ser
beração sustentada de gentamicina dentro do meio circundante. removido. Não é necessário aplicar anestesia. Um segundo
A gentamicina liberada a partir do cilindro mostrou atividade dispositivo de liberação de fármaco, o Peri °Chip (Dexcel
antibacteriana significativa. O cilindro implantado causou uma Pharma, Jerusalém, Israel) é um pequeno fragmento laranja-
baixa concentração sangüínea de gentamicina, mas concentra- amarronzado que é inserido dentro da bolsa periodontal. Cada
ções bem maiores foram geradas no local ósseo e também nos Peri °Chip contém 2,5 mg de gluconato de clorexidina em uma
hematomas. O implante não causou efeitos colaterais sistêmi- matriz biodegradável reabsorvível. O Peri °Chip é usado em
cos. Baseado nos resultados desse teste e no fato de que a qui- conjunto com o procedimento de rasube para a redução da
tosana é um polímero biodegradável, o cilindro de quitosana bolsa periodontal com profundidade de pelo menos 5 mm, em
contendo gentamicina parece ser um método clinicamente pro- pacientes com periodontite avançada. Ele pode ser usado como
fícuo para o tratamento de infecções ósseas. Ele tem vantagem parte do programa de manutenção periodontal, que inclui hi-
em relação a outros sistemas porque evita a necessidade de um giene oral adequada e procedimento de rasube. Mais de oito
segundo procedimento cirúrgico para sua remoção. bolsas podem ser tratadas em uma única visita. Recomenda-se
Zheng e colaboradores57 desenvolveram um novo sistema
de liberação esquelética de fármaco: cápsulas de liberação de
ciprofloxacina/fosfato tricálcico (CLCT). Estudaram-se a ha-
(a) (b)
bilidade inibitória bacteriana e o perfil de liberação do fármaco
in vivo do CLCT. Após implantação no osso lesado, o CLCT é
tratado com ultrassom, o que estimula a liberação do fármaco
a partir da cápsula. Verificou-se que o CLCT apresentou ati-
vidade inibitória forte e prolongada a patógenos de infecções
ósseas e articulares. Estudos de liberação do fármaco in vivo,
em animais, demonstraram elevadas concentrações de cipro-
floxacina nos tecidos ósseos próximos ao CLCT, que foi im-
plantado no trocânter maior de coelhos, e uma liberação con-
tinuada de ciprofloxacina por pelo menos cinco semanas. No
entanto, o nível sangüíneo de ciprofloxacina foi baixo. Estudos
in vivo também mostraram que a irradiação com ultra-som
pode aumentar a quantidade de ciprofloxacina liberada a partir Figura 22-18 Exemplos de sistemas periodontais de liberação de fármaco.
do CLCT, o qual pode ser um método econômico, eficiente e (a) O ATRIDOX (doxiciclina hiclato, 10,0%) em um sistema de liberação ATRI-
seguro de controle da liberação do fármaco a partir do SLF. GEL é aplicado na forma de gel sobre a área afetada, onde se adapta à forma
da bolsa periodontal e solidifica-se, liberando a doxiciclina por um período
de cerca de sete dias a fim de reduzir muito a quantidade de bactérias asso-
Liberação de fármacos via periodontal ciadas à doença periodontal. (b) O Peri °Chip (Dexcel Pharma) é um pequeno
fragmento laranja-amarronzado que é inserido dentro da bolsa periodontal.
Podem-se encontrar certas semelhanças entre dentes e ossos e, Cada Peri °Chip contém 2,5 mg de gluconato de clorexidina em uma matriz
portanto, problemas similares podem ser resolvidos com siste- biodegradável e reabsorvível.
666 P ATRICK J. S INKO

que o tratamento com Peri °Chip seja administrado uma vez a


cada três meses nas bolsas que permanecem iguais ou maiores
Estrato
que 5 mm. O Peri °Chip não necessita remoção porque é com- córneo
pletamente biodegradável. (lipofílico) D s Is

Administração transdérmica K
A pele tem sido usada por séculos como local de administra-
ção de fármacos para tratamento local (tópico), mas só recen- Dv IV

temente tem sido usada como uma via para liberação sistêmica
de fármacos (transdermal). A função de barreira da pele pre-
vine tanto a perda de água quanto a entrada de agentes exter- Tecido
nos. Contudo, alguns fármacos são aptos a penetrar na pele viável
em quantidades suficientes para produzir ação sistêmica. A via (aquoso)
transdérmica é uma via de particular interesse para fármacos
que têm baixa meia-vida de eliminação sistêmica ou que so-
frem elevado metabolismo de primeira passagem, necessitan-
do, assim, doses freqüentes.
O conceito de liberação de fármacos através da pele foi
introduzido no início de 1950. Contudo, o primeiro produto
comercial foi disponibilizado nos Estados Unidos somente
no início de 1980. As primeiras gerações de adesivos trans- Fluxo de Circulação
dérmicos passivos constituíram a base para esta via de libe- sangue capilar sistêmica
ração. Contudo, a primeira geração de adesivos transdérmi- Figura 22-19 A pele representada como bicamadas: o estrato córneo morto,
cos delineados para controlar náusea, vômito e angina não s, e o tecido vivo ou viável, v (derme e parte da epiderme). Os coeficientes
obtiveram sucesso no mercado. A introdução de adesivos de de difusão, Ds e Dv, e os percursos difusionais, ls e lv, juntamente com o
nicotina para o tratamento antitabagismo deu o impulso ne- coeficiente de partição, K, controlam o transporte da substância penetrante
cessário para a tecnologia durante os anos iniciais. Hoje, os através das duas camadas. (Modificada, com permissão, de R. H. Guy and J.
adesivos transdérmicos são amplamente usados para liberar Hadgraft, Pharm. Res. 5, 753, 2185.)
hormônios e medicações para a dor. O processo básico en-
volvido no desenvolvimento de sistemas transdérmicos de
liberação de fármacos (ou seja, adesivos) é a absorção per- to mais rápida através de um tecido viável do que através do
cutânea ou transdermal. Novos sistemas transdérmicos, in- estrato córneo.59 O coeficiente de permeabilidade através da
cluindo iontoforese, termoforese e fonoforese também foram pele, P, pode ser expresso como:60
desenvolvidos para melhorar a liberação transdérmica de di- Dv Ds
ferentes fármacos. P (22-9)
K l v Ds l s Dv
A epiderme da pele consiste de três principais camadas:
o estrato córneo, a camada granular e a camada basal. O es- onde K é o coeficiente de partição do fármaco entre o estrato
trato córneo é considerado a barreira mais importante para a córneo (s) e o tecido viável (v), e lv, ls, Dv e Ds são os percursos
transferência de fármacos. É uma estrutura heterogênea for- difusionais e os coeficientes de difusão, respectivamente. Os
mada por células queratinizadas, células ricas em proteína termos subscritos s e v referem-se ao estrato córneo e ao teci-
e camadas lipídicas intercelulares. A composição lipídica do viável, respectivamente. Se o fármaco difunde lentamente
entre as camadas epidermais é bastante diferente. Os fosfo- através do estrato córneo, KlvDs é muito menor que lsDv, e a
lipídeos polares, que são componentes da membrana celular, equação (22-9) torna-se:
estão ausentes no estrato córneo morto. Esses lipídeos for- Ds
mam bicamadas e suas cadeias acila podem existir nos esta- P (22-10)
ls
dos de “gel” e “líquido cristalino”. A transição entre os dois
estados ocorre em certas temperaturas sem que haja perda Nesse caso, a permeabilidade da pele é controlada somen-
da estrutura da bicamada.58 Os principais lípídeos do estrato te pelo estrato córneo. Se a difusão através do estrato córneo é
córneo são a ceramida (50%) e os ácidos graxos (25%). Em- rápida, KlvDs é muito maior do que lsDv, e a equação (22-9)
bora o estrato córneo não contenha fosfolipídeos, a mistura torna-se:
de ceramidas, colesterol e ácidos graxos é capaz de formar as Dv
bicamadas. Essas camadas lipídicas geram a função de bar- P (22-11)
lv K
reira do estrato córneo.58 Para estudar a transferência percu-
tânea dos fármacos, a pele pode ser considerada como uma Nesse caso, o coeficiente de partição pode exercer in-
membrana bilamelar constituída por estrato córneo morto fluência na permeabilidade. Na medida em que K aumenta, a
(camada lipofílica) e tecidos vivos (camada hidrofílica), que transferência do estrato córneo para a epiderme viável torna-se
compreendem as camadas granular e basal da epiderme e da menos favorável e lenta. A elevados valores de K, o particiona-
derme (Figura 22-19). A difusão de fármacos polares é mui- mento do fármaco é a etapa limitante.60
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 667

EXEMPLO 22-6 tante. De acordo com este modelo, a transferência do fármaco


é dividida em três percursos paralelos: (a) através das regiões
Permeabilidade transdermal
celular-intercelular em série; (b) através dos espaços lipídicos
Calcular a permeabilidade do fármaco através da pele assumindo intercelulares; e (c) através das finas camadas lipídicas locali-
que Ds é 10-10 cm2/s e Dv é 10-7 cm2/s. Os percursos difusionais são zadas entre as achatadas células protéicas do estrato córneo.
ls = 350 μm e lv = 150 μm. O elevado valor de ls é devido ao fato De acordo com o modelo de blocos randomizados, o coefi-
de que as moléculas percorrem um trajeto tortuoso através dos ciente de difusão efetiva, Deff, através da pele é dado por:
espaços intercelulares. O valor de lv é a distância do lado inferior
do estrato córneo até a região capilar da derme. O coeficiente de Deff 2ε(1 − ε)D1 ε 2 D2 (1 − ε)2 D3 (22-12)
partição é tido como K = 1. Os primeiro, segundo e terceiro termos do lado direito re-
Uma vez que a difusão através do estrato córneo é bastante presentam as três possíveis rotas 1, 2 e 3, respectivamente, na
lenta (Ds = 10-10 cm2/s) e KlvDs = 1,0 × 150 × 10-4 × 10-10 = 1,5 ×
Figura 22-20; D1, D2 e D3 são as difusibilidades através das
10-12 é muito menor do que lsDv = 350 × 10-4 × 10-7 = 3,5 × 10-9, a
rotas 1, 2 e 3, respectivamente; ε e (1 - ε) são as frações médias
partir da equação (22-11), tem-se:
da área de difusão de lipídeo e de proteína na pele, respecti-
10−10 cm2 s vamente. Substituindo D1, D2 e D3 por suas correspondentes
P= = 2 86 × 10−9 cm s
350 × 10−4 cm expressões, verificamos que a equação (22-12) torna-se:
Usando a equação (22-10), chegamos a uma magnitude de 2ε(1 − ε)(2n 4) (1 − ε)2 (2n 4)
ordem semelhante: Deff ε 2 KDl
n n 4 2n 4
(10−7 cm2 s)(102 cm2 s) Dp KDl Dp KDl
P =
(1 0 × 150 × 10−4 × 10−10 ) cm · cm2 s
(22-13)
+ (10−7 × 350 × 10−4 ) cm · cm2 s
O termo n está relacionado à fração de volume dos lipí-
= 2 86 × 10−9 cm s
deos na pele e à fração média da área de difusão de lipídeos, ε;
K é o coeficiente de partição lipídeo-proteína e Dp e Dl são os
Tojo61 propôs um modelo de blocos randomizados para coeficientes de difusão através das camadas protéica e lipídica,
a transferência de fármacos através do estrato córneo. Como respectivamente. O fluxo através da pele é dado por:
mostra a Figura 22-20, as células ricas em proteínas, separa- dQ Deff C p
das umas das outras pela fina camada intercelular de lipídeos, J (22-14)
dt h
representam o estrato córneo. O tamanho dos lados das células
varia, mas a área de superfície total é constante. A espessura onde Cp é a concentração de fármaco na camada celular pro-
das células e da camada lipídica também é considerada cons- téica, h é a espessura da pele e Deff é definido pela equação
(22-13).

EXEMPLO 22-7
Modelo de blocos para penetração transdérmica*
Calcular o fluxo no estado estacionário, dQ/dt, de um novo fárma-
co a partir dos seguintes dados: Dl = 1 × 10-10 cm2/s, Dp = 1 × 10-7
cm2/s, Cp = 10 mg/cm3, ε = 0,02, h = 0,0020 cm, K = 0,1, e n = 14,3.
Usar o modelo de bloco randomizado.
Temos que:
(2)(0 02)(1 − 0 020)(2 × 14 30 + 4)
Deff = + (0 02)2 (0 1)(10−10 )
14 3 14 3 + 4
+
1 × 10−7 (0 1)(10−10 )
(1 − 0 02)2 (2 × 14 3 + 4)
+ = 7 89 × 1011 cm2 s
2 × 14 3 4
+
1 × 10−7 (0 1)(1 × 10−10 )
O fluxo é:
(7 89 × 10−11 cm3 s )(10 mg cm3 )
J =
0 0020 cm
= 3 95 × 10−7 mg (cm2 s) = 3 95 × 10−4 μg (cm2 s)

3 2 1
Figura 22-20 Modelo de blocos randomizados para o estrato córneo. As fle-
chas 1, 2 e 3 mostram as três possíveis rotas de difusão do fármaco. (Modifi- * Este exemplo foi gentilmente cedido por K. Tojo, Kyushu Institute of Tech-
cada, com permissão, de K. Tojo, J. Pharm. Sci. 76, 889, 1987.) nology, Japão.
668 P ATRICK J. S INKO

Fatores que afetam a permeabilidade: hidratação bom solvente para a lidocaína e reduz seu particionamento no
estrato córneo, diminuindo a velocidade de penetração. Nesse
A permeabilidade da pele a fármacos depende da hidratação
estudo, o efeito dos tensoativos depende da concentração de
do estrato córneo. Quanto maior for a hidratação, melhor será
propilenoglicol no veículo. A diminuição do fluxo a uma con-
a permeabilidade. O tecido da derme é bastante hidratado, en-
centração de propilenoglicol 40% m/m pode ser explicada pela
quanto que a concentração de água no estrato córneo é muito
solubilização micelar da lidocaína. Geralmente, assume-se que
mais baixa, dependendo da condição ambiente. A hidratação
somente a forma livre do fármaco está hábil a penetrar na pele.
pode promover a passagem de fármacos da seguinte forma:
Logo, a solubilização micelar da lidocaína reduz sua atividade
a água associa-se através de pontes de hidrogênio às cabeças
termodinâmica no veículo e retarda sua penetração. A elevadas
polares das bicamadas lipídicas presentes nos espaços interce-
concentrações de propilenoglicol, 60 e 80%, observou-se au-
lulares. A formação de uma camada hidratada solta os lipídeos
mento no fluxo, possivelmente devido à interação do tensoati-
muito próximos, de modo que a região da bicamada fica mais
vo com o propilenoglicol.
fluida.62 Isso facilita a migração dos fármacos através do es-
trato córneo. A quantidade de água no tecido pode ser obtida
a partir da velocidade de transpiração (ou seja, passagem de Influência do pH
água das camadas internas para o estrato córneo) e da difusibi- De acordo com a hipótese de pH-partição, somente a for-
lidade da água no estrato córneo.63 ma não-ionizada do fármaco pode atravessar as membranas
lipídicas em quantidades significativas. Contudo, em estu-
Solubilidade do fármaco no estrato córneo dos com membranas intestinais isoladas, ambas as formas
(ionizadas e não-ionizadas) de sulfonamidas permearam a
Usando resultados experimentais obtidos a partir de pele intac-
membrana. A difusão do fármaco ionizado através da pele
ta e pele excisada (com camadas de estrato córneo removidas
pode não ser negligenciável, particularmente a valores de pH
por meio fita adesiva), a solubilidade, C, do fármaco no estrato
nos quais um grande número de moléculas ionizadas estão
córneo foi calculada a partir da seguinte expressão:64
presentes.66 Fleeker e colaboradores67 estudaram a influência
1 − 3τ 2ητ 6t2 dQ do pH sobre o transporte de clonidina, um fármaco básico,
C · (22-15)
(1 2η)(1 − η) h 2 dt 2 através de mudas hidratadas de pele de cobra. A contribuição
ao fluxo total, J, em μg cm-2 h-1 das espécies não-ionizadas
onde (dQ/dt)2 é a permeação no estado estacionário através e ionizadas do fármaco básico pode ser escrita da seguinte
da pele intacta, τ é a razão entre dois tempos de latência, (t1/ forma:
t2), e η é a razão (dQ/dt)2/(dQ/dt)1. Os termos subscritos 1 e 2
referem-se à pele excisada e intacta, respectivamente; h2 é a J JB JBH (22-16)
espessura do estrato córneo. onde B e BH+ representam as formas básica (não-ionizada) e
protonada, respectivamente. A dissociação da forma protonada
EXEMPLO 22-8 é representada por:
Ka
Solubilidade da progesterona no estrato córneo [BH ] ←→ [B] [H ] (22-17)
Calcular a solubilidade da progesterona no estrato córneo. Os e
tempos de latência através da pele intacta e excisada são t2 = 5,49
e t1 = 1,55 h, respectivamente, e as velocidades de permeação atra-
[B][H ]
Ka (22-18)
vés da pele intacta e excisada são (dQ/dt)2 = 2,37μg/(cm2 h) e (dQ/ [BH ]
dt)1 = 3,62 μg/(cm2 h), respectivamente. A espessura do estrato
Aplicando-se logaritmo a ambos os lados da equação
córneo é 10 μm (10 × 10-4 cm).
(22-18) e rearranjando-a, obtemos a concentração da forma
Temos que:
protonada:
t1 1 55
τ =
t2
=
5 49
= 0 28 10(pK a −pH)
[BH ] [T] (22-19)
(dQ dt)2 2 37 1 10(pK a −pH)
η= = = 0 65
(dQ dt)1 3 62 onde [T] representa a concentração de ambas as espécies car-
regada e não-carregada,
A partir da equação (22-15),
1 − (3 × 0 28) + (2 × 0 65 × 0 28) 6 × 5 49 [T] [B] [BH ] (22-20)
C= · · 2 37
[1 + (2 × 0 65)](1 − 0 65) 10 × 10−4 A concentração da forma não-ionizada, [B], pode ser
C = 50816 8 μg mL = 50 8 mg mL calculada a partir da equação (22-20). O fluxo total, equação
(22-16), pode ser escrito em termos dos coeficientes de perme-
abilidade multiplicados pelas concentrações das espécies:
Adjuvantes
J PB [B] PBH [BH ] (22-21)
Solventes e tensoativos comuns podem afetar a penetração
A partir das equações (22-19) e (22-20), dado que PB ≅
dos fármacos através da pele. Sarpotdar e Zatz65 estudaram a
PBH+, obtemos os seguintes resultados:
permeação in vitro da lidocaína através da pele de camundon-
gos sem pêlo a partir de veículos contendo várias proporções (a) Quando pKa = pH, [B] = [BH+] e ambas espécies B e BH+
de propilenoglicol e polissorbato 20. O propilenoglicol é um contribuem para o fluxo total.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 669

(b) Quando o pH é muito maior do que o pKa, [B] é muito ser calculados pela inclinação e intercepto do gráfico de J/[B]
maior que [BH+] e o fluxo total, J, é aproximadamente em função de [H+].
PB[B]. A equação correspondente para os ácidos é:
(c) Quando pH é muito menor que pKa, [B] é muito menor que J PHA
[H ] PA− (22-23)
[BH+] e o fluxo total, J, é aproximadamente PBH+[BH+]. [A− ] Ka
A equação (22-21) permite calcular as permeabilidades de A partir da equação (22-23), os coeficientes de permeabi-
ambas as espécies a partir do fluxo total experimental e dos lidade das formas não-ionizada [HA] e ionizada [A-] são cal-
valores de [B] e [BH+] das equações (22-19) e (22-20). culados pela inclinação e intercepto do gráfico de J/[A-] em
função de [H+]. Swarbrick e colaboradores66 verificaram que
EXEMPLO 22-9 ambas as formas, ionizada e não-ionizada, de quatro ácidos
2-cromona carboxílicos permearam a pele, embora a permea-
Permeabilidade transdermal da clonidina bilidade da forma não-ionizada tenha sido cerca de 104 vezes
Calcular os coeficientes de permeabilidade PB e PBH+ correspon- maior.
dentes às formas não-ionizada e protonada da clonidina. Os fluxos
totais em pH 4,6 e pH 7 são 0,208 e 0,563 μg/(cm2 h), respectiva- Ligação do fármaco à pele
mente. O pKa da forma protonada é 7,69. A concentração total*
das duas espécies, [T], é 4 × 103 μg/uv, onde μg/uv é o mesmo que A pele pode atuar como um reservatório para certos fármacos
micrograma/unidade de volume. hábeis em se ligarem a macromoléculas. A fração de fármaco
Em pH 4,6: ligada não está disponível à difusão, e a ligação impede que
haja uma velocidade inicial de permeação das moléculas, re-
10(7 69−4 6)
[BH+ ] = (4 × 103 ) = 3 996 × 103 μg uv sultando em maior tempo de latência. Banerjee e Ritschel68
1 + 10(7 69−4 6) estudaram a ligação da vasopressina e da corticotrofina em
[B] = (4 × 103 ) − (3 996 × 103 ) = 4 0 μg uv pele de rato. A permeação de grandes moléculas, como colá-
Em pH 7: geno, usado em formulações cosméticas, é questionável, mas
porções parcialmente hidrolisadas de colágeno podem atingir
10(7 69−7)
[BH+ ] = (4 × 103 ) = 3 322 × 103 μg uv camadas mais profundas da pele. O processo de sorção pode
1 + 10(7 69−7)
ser representado pela equação de Langmuir:
[B] = (4 × 103 ) − (3 322 × 103 ) = 678 μg uv
c 1 c
A partir da equação (22-21) com fluxo, J, expresso em μg/ (22-24)
x m bYm Ym
cm2 h e coeficiente de permeabilidade, P, expresso nas unidades
de cm/h, a pH 4,6, onde, aqui, c representa a concentração de equilíbrio do fárma-
0 208 μg cm2 = PB (4 μg cm3 ) + PBH+ (3996 μg cm3 )
co, × é a quantidade de fármaco adsorvida por quantidade m de
adsorvente (proteínas da pele, nesse caso), b é a constante de
Em pH 7: afinidade e Ym é a capacidade de adsorção máxima, (x/m)máx.
0 563 μg cm2 = PB (678 μg cm3 ) + PBH+ (3322 μg cm3 ) A isoterma de sorção foi obtida por Banerjee e Ritschel68 equi-
librando-se o peso da epiderme de rato com uma concentração
PB e PBH+ são calculados resolvendo-se as duas equações simulta- conhecida de uma solução de vasopressina radioativa. A análise
neamente: foi feita com um contador cintilográfico (medida da radioativi-
PB = (0 208 − 3996 PBH+ ) 4 dade). O pequeno valor para a constante de adsorção na equação
0 208 − 3996 PBH+ (22-24), b = 6,44 × 10-4 mL/μg, sugere uma baixa afinidade da
0 563 = 678 + 3322 PBH+ vasopressina pelos sítios de ligação da pele.
4
−34 693
PBH+ = = 5 15 × 10−5 cm
−674000 Metabolismo de fármaco na pele
PB = [0 208 − (5 15 × 10−5 × 3996)] 4 = 5 5 × 10−4 cm O metabolismo de fármacos durante o transporte através de
Nota-se que os valores encontrados para PBH+ e PB não mu- pele afeta a biodisponibilidade e pode produzir diferenças sig-
dam com o pH, enquanto que os fluxos, J, são marcadamente dife- nificativas entre os resultados in vivo e in vitro. A oxidação,
rentes em pH 4,6 e pH 7,0. a hidrólise e a conjugação são processos cinéticos que com-
petem com o transporte de fármacos através da pele. Guzek
As equações (22-18) e (22-21) podem ser combinadas e colaboradores69 e Potts e colaboradores70 encontraram dife-
para gerar: renças in vitro e in vivo no grau de clivagem enzimática na
J PBH pele e na distribuição dos metabólitos de derivados diéster do
[H ] PB (22-22) ácido salicílico. Os autores sugeriram que as medidas in vitro
[B] Ka superestimaram o metabolismo devido ao aumento da ativida-
A partir da equação (22-22), os coeficientes de permeabi- de enzimática e/ou diminuição da taxa de remoção do fármaco
lidade das formas ionizada [BH+] e não-ionizada [B] podem na ausência de capilares. O fato de a pele conter esterases e
outras enzimas torna-se conveniente para a administração de
pró-fármacos. A solubilidade e absorção podem ser melhora-
das e o pró-fármaco pode ser clivado pelas enzimas, gerando a
* A “concentração”, expressa em μg/ uv, foi obtida usando-se 0,4 mL de
uma solução com concentração adequada de clonidina. parte ativa do composto na pele.71
670 P ATRICK J. S INKO

Promotores para absorção percutânea duzindo, assim, a resistência da barreira lipídica à difusão dos
fármacos. Experimentos com calorimetria diferencial de var-
O transporte de moléculas através da pele pode ser melhorado
redura indicam que a temperatura de transição dos lipídeos de
com o uso de certos adjuvantes conhecidos como promotores.
uma estrutura ordenada para um estado fluido é diminuída.62
Tensoativos iônicos melhoram a absorção transdermal por
Derivados alcoólicos de aminoácidos N,N-di-substituídos e
desordenar a camada lipídica do estrato córneo e promover a
de hexametileno lauramina também melhoram a permeabili-
desnaturação da queratina. Os promotores podem melhorar a
dade dos fármacos.79,80
penetração por causar o intumescimento e/ou lixívia de alguns
componentes estruturais, reduzindo a resistência difusional e
aumentando a permeabilidade da pele.72 Sistemas controlados por membrana para a via
Nishihata e colaboradores73 propuseram um mecanismo de absorção percutânea
para o efeito promotor de agentes redutores, como o ascorbato Um dispositivo transdérmico é uma estrutura lamelar que con-
e o ditiotreitol. A baixa permeabilidade da pele é devido ao siste de quatro camadas, como mostra a Figura 22-23. São
grau de ordenamento das camadas de lipídeos intercelulares e elas: (a) uma membrana impermeável externa, que confe-
ao baixo conteúdo de água. As proteínas dos tecidos querati- re suporte mecânico ao sistema; (b) uma camada polimérica
nizados são ricas em resíduos de cisteína, e as fortes ligações adjacente, que serve de reservatório para o fármaco; (c) uma
dissulfeto podem ser a razão para a natureza insolúvel dessas membrana microporosa preenchida com material apolar (p.
proteínas. Os agentes redutores causam uma diminuição do ex., parafina); e (d) um filme adesivo que faz contato com a
número de pontes dissulfeto, aumentando a hidratação das pro- pele e mantém o dispositivo na posição desejada. Gienger e
teínas, o que resulta em aumento da permeabilidade. colaboradores81 usaram um programa computacional para cal-
O laurocapram ou azona (1-dodecil-azacicloheptan-2- cular o transporte de fármaco através do dispositivo laminado
ona) (Figura 22-21) é um dos mais eficientes promotores e da pele. Nesse modelo, todas as camadas, exceto a externa,
de absorção percutânea. Ele aumenta muito a penetração de permitem o transporte e difusão do fármaco. Os autores forne-
compostos hidrofílicos e hidrofóbicos (estes em menor ex- cem uma descrição do transporte de fármaco juntamente com
tensão). Wiechers e colaboradores74 estudaram a absorção os perfis de concentração do fármaco dentro de cada camada,
e eliminação da azona em voluntários sadios. A azona é um calculados pelo programa.
líquido oleoso, insolúvel em água, mas bastante solúvel em Guy e Hadgraft82,83 propuseram um modelo para o trans-
solventes orgânicos. A maior parte da azona aplicada perma- porte da clonidina através da pele (Figura 22-24) a partir de
nece na superfície da pele; a pequena fração absorvida loca- um sistema adesivo controlado por membrana. A constante
liza-se principalmente no estrato córneo. A azona não forma k0 representa a constante de velocidade de ordem zero para
reservatórios na pele e é rapidamente eliminada pela circula- a lixiviação do fármaco a partir da membrana controlado-
ção e rins. Isso e o fato de que ela é um composto atóxico em ra, e kR representa a partição entre o adesivo e a superfície
animais indicam que a azona é provavelmente segura para uso da pele. O sistema deve ser delineado de modo que o parti-
humano. O composto tem sido considerado um promotor de cionamento esteja a favor da pele e kR permaneça pequeno,
absorção percutânea mais efetivo do que a diidroergotamina, desprezível. As constantes de primeira ordem, k1 e k2, na Fi-
um fármaco amplamente usado na prevenção e/ou tratamento gura 22-24, servem para o transporte de fármaco através do
da enxaqueca.72 A azona pode ser incorporada em uma formu- estrato córneo e da parte viva da epiderme. Essas constantes
lação contendo fármaco, ou a pele pode ser antes tratada an- são diretamente proporcionais aos coeficientes de difusão
tecipadamente com esse promotor. O efeito da azona aumenta para a passagem através das camadas da pele e, portanto,
na presença de propilenoglicol.75-78 O possível mecanismo de inversamente proporcionais à massa molecular da molécula
ação da azona é a fluidificação da região lamelar dos lipídeos penetrante, como se pode observar a partir da equação de
intercelulares do estrato córneo. Como mostrado na Figura Stokes-Einstein:
22-22, a azona, uma molécula apolar, entra nas bicamadas li-
pídicas e rompe sua estrutura. Ao contrário, o dimetilsulfóxi- RT 3 4π N
D (22-25)
do (DMSO), um solvente fortemente dipolar, entra na região 6π ηN 3M v̄
aquosa e interage com as cabeças polares dos lipídeos para
A constante de velocidade, k3, da Figura 22-24 está in-
formar uma grande camada solvatada e para expandir a região
cluída para expressar qualquer tendência de transporte reverso
hidrofílica entre as cabeças polares. Como resultado, ambos
do fármaco da epiderme para o estrato córneo e, em conjunto
os compostos azona e DMSO aumentam a fluidez lipídica, re-
com k2, pode ser considerada como o coeficiente de partição.
Os autores calcularam os valores de k1 e k2 para o ácido ben-
zóico e usaram-nos para calcular as constantes de velocidade
para outras moléculas de fármaco, utilizando as massas mole-
O
culares apropriadas. As expressões são:
1 3
M BA
N – (CH 2 ) 11 CH 3 k1 k1BA (22-26)
M
1 3
M BA
k2 k2BA (22-27)
Figura 22-21 Azona ou laurocapram (1-dodecil-azaciclo-heptan-2-ona). M
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 671

a
on Azona, inserida
Az entre as
camadas
Cabeças lipídicas
polares
dos
lipídios

Região
lipídica

Região
aquosa
Camada
solvatada
DM
SO Aumento da
região
aquosa rica
em DMSO

a. Ordem relativa b. Desordem relativa


Figura 22-22 Diagrama esquemático da interação dos promotores azona e dimetilsulfóxido (DMSO) com os lipí-
deos intercelulares do estrato córneo. (a) Estrutura relativamente organizada das bicamadas lipídicas. (b) Desorga-
nização da estrutura lipídica devido à ação da azona e do DMSO. (Modificada, com permissão, de B.W. Barry, Int.
J. Cosmet. Sci. 10, 281, 1988.)

onde k1BA, k2BA e MBA são as constantes de velocidade e a na. As constantes de velocidade de primeira ordem, k1BA e k2BA,
massa molecular do ácido benzóico, e M é a massa molecular são 5,11 × 10-5 e 80 × 10-5 s-1, respectivamente. O coeficiente de
do fármaco para o qual são calculadas as constantes k1 e k2. partição octanol-água da clonidina é K = 6,7. A massa molecular
Verificou-se que a razão k3/k2 é uma função do coeficiente de do ácido benzóico é 122,12 g/mol e a massa molecular da clonidina
partição octanol-água, K: é 230,10 g/mol.
K ∼ 5(k2 k3 ) (22-28)
Escrevemos:
k1 = 5 11 × 10−5 (122 12 230 10)1 3
= 4 14 × 10−5 s −1
Usando esse modelo, podemos predizer as constantes k1,
k2 e k3 a partir das propriedades físico-químicas do fármaco. k2 = 80 × 10−5 (122 12 230 10)1 3
= 64 77 × 10−5 s −1
A constante de velocidade k4, na Figura 22-24, representa a
eliminação de primeira ordem do fármaco do sangue, que não A partir da equação (22-28):
pode ser predita, mas sim determinada experimentalmente. Kk2 6 7 × 64 77 × 10−5 s −1
k3 = = = 8 68 × 10−4 s −1
5 5
EXEMPLO 22-10
(b) A concentração plasmática da clonidina no estado estacio-
Liberação de clonidina a partir de um adesivo transdérmico nário, CSS, pode ser calculada a partir de:
(a) Calcular as constantes de velocidade k1, k2 e k3 para o trans- C SS = Ak0 Vd k4 (22-29)
porte de clonidina a partir de um adesivo por controle de membra-
672 P ATRICK J. S INKO

Parte externa

Reservatório de fármaco

Membrana contendo
microporos para controlar
a liberação de fármaco
Pele Camada adesiva para
fixar o dispositivo à pele

Figura 22-23 Esquema de um sistema terapêutico transdérmico. (Modificada de K. Heilmann, Therapeutic


Systems, Georg Thieme, Stuttgart, 1978, p. 53.)

onde A é a área do adesivo, k0 é a constante de velocidade de or- maco, dQ/dt, depende do coeficiente de partição do fármaco,
dem zero para a liberação da clonidina a partir do adesivo, e Vd K, entre o reservatório (r) e as camadas adesivas (a), do coe-
é o volume e distribuição,* ou seja, a quantidade de fármaco no ficiente de difusão, Da, da soma das espessuras das camadas
organismo dividida pela concentração plasmática. Para o mais adesivas, ha, e da concentração do fármaco, Cr, na camada
eficiente adesivo por controle de membrana, contendo 2,5 mg de reservatória:84
clonidina, a área do adesivo, A, é 5 cm2 e k0 é 1,6 μg/cm2 h. O dQ KDa Cr
volume de distribuição, Vd, para a clonidina é 147 litros e a cons- (22-30)
tante de primeira ordem, k4, é 0,08 h-1. dt ha
A partir da equação (22-29), Exemplos desses dispositivos são o Nitrodisc (Searle, Chi-
5 cm2 × 1 6 μg cm2 −4 cago, Ill.) e o Deponit (Swarz Pharma, Monheim, Germany),
C SS
= −1
= 6 8 × 10 μg mL
147 000 cm3 × 0 08 para liberação de nitroglicerina. A liberação in vitro do fármaco,
assim como a permeação in vivo, são processos de ordem zero.
Dentre alguns exemplos de sistemas por controle de
membrana, citam-se o Transderm-Nitro (Ciba, Basel, Swit-
zerland e Alza, MountainView, Calif.) para a liberação de
nitroglicerina; o Transderm-Scop (Alza e Ciba-Geigy) para
liberação de escopolamina84 e o Catapress TTS (Alza e Bo-
ehringer Ingelheim, Germany) para liberação de clonidi-
na.85 k0 k2
k1
Sistemas adesivos de difusão controlada
A diferença básica entre este sistema e o sistema previa- k3
mente descrito é que neste não há membrana microporosa.
A Figura 22-25 é um desenho esquemático de um sistema kR
k4
adesivo. O dispositivo consiste de uma barreira plástica im-
permeável na parte superior, um reservatório de fármaco na
parte intermediária e várias camadas adesivas que controlam
a liberação próxima à pele. A velocidade de cedência do fár-
Sistema de Estrato Epiderme Sangue
* Para compreender Vd , o volume de distribuição, considere o seguinte: liberação córneo viável
se uma quantidade de fármaco, por exemplo, 1,5 μg, é distribuída pelo
Figura 22-24 Liberação transdermal de clonidina em um adesivo por contro-
plasma corporal para gerar uma concentração de fármaco de 9,38 × 10−6
μg/mL, o volume de plasma contendo esta quantidade (1,5 μg) de fármaco le de membrana. (Modificada, com permissão, de R. H. Guy and J. Hadgraft,
é 1,5 μg/(9,38 × 10−6 μg/mL) = 160.000 mL ou Vd = 160 litros. J. Pharm. Sci. 74, 1016, 1985.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 673

Parte externa negativos são postos entre o reservatório de fármaco e a pele. Os


Reservatório íons positivos são introduzidos na pele a partir de um eletrodo
de fármaco positivo, e os íons negativos, a partir de um eletrodo negativo.
Membrana
Adesivo
controladora A Figura 22-26 mostra um circuito iontoforético com um ele-
da velocidade trodo ativo negativo. Um segundo eletrodo, nesse caso, positivo,
é colocado a uma pequena distância do corpo para completar o
Pele circuito. Os eletrodos são conectados a uma fonte de energia.
Quando a corrente flui, os íons carregados negativamente são
transportados através da pele, principalmente pelos poros (ver
Figura 12-18, para discussão sobre poros). O transporte pelos
Figura 22-25 Esquema de um sistema adesivo transdérmico de liberação de poros durante a iontoforese pode ser visualizado usando-se um
fármaco controlada por difusão. microscópio e fluoresceína como corante.88 O uso desse método
em várias doenças foi revisado por Tyle.89
O ponto isoelétrico da pele está entre 3 e 4 unidades de
Dispositivos de controle por matriz pH. Abaixo de pH 3, os poros estão positivamente carregados,
e acima de pH 4, eles têm carga negativa. Devido à carga nega-
Em um dispositivo de controle por matriz, o reservatório de tiva nas camadas superiores da pele, os fármacos básicos são
fármaco consiste de um polímero hidrofílico ou hidrofóbico introduzidos de forma relativamente fácil. Os sistemas in vitro
contendo o fármaco disperso, fixo a uma parte externa plástica delineados para o estudo do transporte iontoforético envolvem
impermeável ao fármaco. O reservatório do fármaco fica em o uso de células de difusão nas quais uma membrana de pele é
contato direto com a pele e a liberação do fármaco é controlada colocada verticalmente entre as duas metades de uma célula. O
pela matriz, ou seja, é uma função da raiz quadrada do tempo. eletrodo “ativo”, chamado de eletrodo positivo para o transpor-
Para se obter uma liberação do fármaco de ordem zero através te dos íons positivos, é colocado no lado epidérmico. O outro
da pele usando-se um sistema controlado pela matriz, o estrato lado da célula contém um eletrodo passivo (carga oposta) em
córneo deve controlar a velocidade de liberação do fármaco. um fluido condutor. Glikfeld e colaboradores90 descreveram
Isso pode ser obtido se a velocidade de liberação a partir do uma célula de difusão aprimorada e reportaram uma melhora
dispositivo for muito maior do que a velocidade de absorção da na liberação iontoforética da clonidina e da morfina através da
pele. Noonan e colaboradores86 estudaram a penetração trans- espessura total da pele de camundongos sem pêlo. A iontofore-
dermal de nitroglicerina 2% incorporada em uma matriz poli- se melhora a absorção transdermal da insulina. A um valor de
mérica geleificada (sistema Nitro-Dur; Schering-Plough Corp., pH abaixo do ponto isoelétrico da insulina (pH 5,3) o fármaco
Kenilworth, N.J.). A farmacocinética de liberação a partir des- age como um eletrodo positivo, enquanto que a um valor de
ses sistemas matriciais foi estudada por Berner.87 pH acima do ponto isoelétrico, o reservatório de fármaco fun-
A iontoforese (do grego ion ou iontos, “tendo carga” e fore- ciona como um eletrodo negativo. Verificou-se um transporte
sis, “sendo carreado, sendo gerado”) é um método eletroquími- maior de insulina em pH 3,68 do que em pH 7 ou 8 devido,
co que melhora o transporte de algumas moléculas solúveis por possivelmente, à baixa agregação e à elevada densidade de
criar um gradiente de potencial através dos tecidos da pele, por carga da insulina a pH 3,68.91 A velocidade de permeação na
meio da aplicação de uma corrente elétrica ou voltagem. A téc- pele depende da concentração do fármaco, da força iônica da
nica é usada para melhorar o transporte transdermal de fármacos solução-tampão, da magnitude da corrente aplicada e da dura-
pela aplicação de uma baixa corrente através de um reservatório ção da iontoforese.91 Del Terzo e colaboradores92 verificaram
contendo espécies ionizadas do fármaco. Eletrodos positivos ou que, em uma série de n-alcalóides, o transporte iontoforético
de derivados mais hidrofílicos foi diminuído se comparado
com a difusão passiva. Os autores sugeriram que o transporte
Controle Bateria tanto de moléculas não-ionizadas quanto ionizadas através dos
poros da pele pode ser melhorado pela iontoforese, enquanto
que o percurso por regiões lipofílicas é inibido pelo uso dessa
técnica. A iontoforese é um método promissor para a liberação
de peptídeos através da pele. Burnette e Marrero93 mostraram
que o fluxo tanto das espécies ionizadas quanto não-ionizadas
do hormônio liberador de tirotrofina foi maior do que o fluxo
obtido somente por difusão passiva. O aumento do fluxo foi
Superfície proporcional à densidade da corrente aplicada. O transporte
da pele através dos poros da pele é favorecido em se tratando de íons
positivos, enquanto que o transporte de íons negativos é pro-
vavelmente menor devido à repulsão eletrostática através da
membrana negativamente carregada da pele. A lei de Faraday
Solução de fármaco Isolamento postula que quantidades iguais de eletricidade irão depositar
Figura 22-26 Esquema de um aparelho de iontoforese colocado sobre a quantidades equivalentes de íons em cada um dos eletrólitos.
pele. Contudo, a correlação entre a predição da lei de Faraday e os
674 P ATRICK J. S INKO

valores experimentais não é boa devido a muitos fatores envol- Logo, podemos ver que o fluxo do fármaco é favorecido pela
vidos no transporte iontoforético. Kasting e colaboradores94 iontoforese cerca de 27 vezes mais do que aquele esperado para a
usaram um modelo de difusão elétrica para estudar o transpor- difusão passiva.
te de etidronato dissódico, um agente de reabsorção óssea com (b) Calcular o fluxo sob a força motriz da iontoforese sabendo
carga negativa, através da pele excisada. No estado estacioná- que o coeficiente de permeabilidade passiva, P, do fármaco é 4,9 ×
rio, o fluxo do fármaco, Ji, através da membrana é descrito pela 10-6 cm/h e a concentração, c, é 1,02 × 105 μg/cm3.
equação de fluxo de Nernst-Planck:95 Uma vez que, a partir da equação (22-33), P = DK/h cm/h:
dci Di z i eEci J0 = 4 6 × 10−6 × 1 02 × 10−5 = 0 5 μg (cm2 h)
Ji Di (22-31)
dx kT A partir da equação (22-35), usando valor de 27 para Ji/J0,
onde Di é o coeficiente de difusão para o íon i (na direção de obtido na parte (a), temos que:
x), zi é a carga e ci é sua concentração. O termo kT é a energia Ji = 0 5 × 27 = 13 5 μg(cm2 h)
térmica do sistema, onde k é a constante de Boltzmann e T é a
temperatura absoluta. A estimativa de Goldman fornece a so-
lução para a equação (22-31): Kasting e colaboradores94 verificaram que a equação (22-32)
aplica mais de 0,25 V. Em voltagens ainda maiores, o fluxo do
−Di K v ci − c0 e−v
Ji (22-32) etidronato de sódio é ainda mais rápido do que os valores preditos
h 1 − e−v devido à alteração da membrana e devido ao fato de o coeficiente
onde K é o coeficiente de partição, h é a espessura da membra- de difusão não ser mais um valor constante, como foi assumido
na e ci e c0 são as concentrações em quaisquer um dos lados da na equação (22-33). Burnette e Bagniefski96 determinaram a re-
membrana. Assumindo que a concentração c0 = 0, no limite, sistência eletroquímica da pele, R, após a iontoforese. A diminui-
como v → 0, a equação (22-32) torna-se um fluxo de difusão ção na resistência sugeriu que a corrente pode alterar o percurso
passiva, J (ver equação [12-32]): de condução dos íons na pele, mesmo a densidades de corrente
−Di Kci clinicamente aceitáveis, levando a danos teciduais.88
Ji (22-33) As principais vantagens da iontoforese são: (a) controle
h das velocidades de liberação através da variação da densidade
O termo v é uma força motriz adimensional, definida como: de corrente, pulsação da voltagem, concentração do fármaco e/
z i eV ou força iônica; (b) eliminação de incompatibilidade gastrintes-
v (22-34) tinal, absorção errática e metabolismo de primeira passagem;
kT
(c) redução dos efeitos colaterais e variabilidade interpaciente;
onde e é a carga elétrica, z é a carga sobre o fármaco, k é a (d) evitar o risco de infecção, inflamação e fibrose associadas
constante de Boltzmann, T é a temperatura absoluta e V é a à injeção ou infusão contínua; e (e) melhoria da adesão do pa-
voltagem aplicada através da membrana. O fator de melhora- ciente por meio de um regime de tratamento conveniente e não-
mento iontoforético, Ji /J0, é dado por: invasivo. A principal desvantagem da iontoforese é a irritação
Ji v (22-35) da pele frente a elevadas densidades de corrente, que podem ser
J0 1 − e−v eliminadas mediante diminuição do fluxo de administração.
A fonoforese (do grego, fono, “som”, e foresis, “sendo car-
Ou seja, a equação (22-35) mede o aumento de transporte regado, sendo gerado”) é o transporte de fármacos através da
do fármaco relativo à difusão passiva devido à corrente elétrica pele usando ultra-som (sinônimos: ultra-som, ultra-sonoforese,
aplicada. Para valores positivos [zi e V com o mesmo sinal na ultrafonoforese). A fonoforese é uma combinação de terapia de
equação (22-34)], a equação (22-32) prediz que a o melhora- ultra-som com terapia de administração tópica de fármacos, usa-
mento do fluxo é proporcional a v. Para valores negativos de v, da para obter concentrações terapêuticas de fármacos em locais
o fluxo irá diminuir de modo exponencial com o aumento da específicos da pele. A unidade ultra-sônica tem um ponto trans-
magnitude de v. dutor de som que emite energia de 1 MHz a 0,5 a 1 W/cm2 (Fi-
gura 22-27). Nessa técnica, o fármaco é misturado a um agente
EXEMPLO 22-11
Fator de melhoramento iontoforético
(a) Calcular o fator de melhoramento iontoforético, Ji/J0, através Transmissor
de pele humana excisada para uma solução de etidronato a 10%. de som
A voltagem aplicada é 0,25 V, o número médio de cargas, z, por
íon é 2,7. A carga sobre o elétron é 1 eV. O valor para kT a 25 °C Fármaco com agente
é 0,025 eV. de transferência
A partir da equação (22-34):
2 7 × 1 × 0 25
v= = 27
0 025
Pele
Usando a equação (22-35), encontramos o fator de melhora-
mento iontoforético:
Ji 27
= = 27
J0 1 − e−27
Figura 22-27 Esquema de um dispositivo fonoforético colocado sobre a pele.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 675

de transferência, geralmente um gel, mas às vezes um creme ou ado; (b) transporte através das células (ou via transcelular). Essa
ungüento, que transfere a energia ultra-sônica do dispositivo fo- via é adequada para gases respiráveis, água e substâncias lipofíli-
noforético à pele. O mecanismo de ação exato da fonoforese não cas. Também pode ser usada para transportar fármacos lipofílicos
é conhecido. para o cérebro; (c) transporte ativo, que está limitado a moléculas
específicas e ocorre mediante processos de endocitose mediada
por receptores ou transporte ativo através de transportadores es-
pecíficos. Uma vez que os tecidos endoteliais das células dos ca-
SISTEMAS DE LIBERAÇÃO CEREBRAL DE FÁRMACOS pilares cerebrais estão conectados uns aos outros por junções do
tipo tight e que há falta de poros e/ou fenestrações, os compostos
Barreira hematoencefálica devem atravessar as membranas das células para entrar no cére-
bro a partir da corrente sangüínea. Logo, os compostos hidrofíli-
As propriedades da BHE não permitem que grandes moléculas cos não podem atravessar a barreira na ausência de mecanismos
passem facilmente através dela. De modo similar, moléculas específicos, tais como transportadores de membrana ou endocito-
pouco solúveis em lipídeos não penetram no cérebro. Contudo, se. Para ter um suprimento suficiente de nutrientes hidrofílicos, a
moléculas altamente solúveis em meios lipídicos (p. ex., fárma- BHE está dotada de sistemas de transporte de membrana. Algu-
cos barbitúricos e álcool) atravessam rapidamente a BHE e pe- mas dessas proteínas transportadoras têm mostrado reconhecer
netram no cérebro. Além disso, o transporte de moléculas com e transportar moléculas de fármacos para o cérebro. Os sistemas
elevada carga elétrica através da BHE é bastante lento. A d- de transporte incluem transportadores para aminoácidos, ácidos
glicose e os aminoácidos neutros, como a fenilalanina atingem carboxílicos, cátions orgânicos, hexoses, nucleosídeos e peptí-
o cérebro por meio de transportadores encontrados em ambas deos. A endocitose mediada por receptor envolve a formação de
as membranas das células endoteliais. Esses transportadores uma vesícula endocítica após ter havido a ligação de uma subs-
permitem aos capilares do cérebro controlar o movimento de tância específica a um receptor correspondente. A célula dobra-se
nutrientes para dento e fora dos tecidos cerebrais. Essas subs- em direção ao interior da sua membrana plasmática para formar
tâncias fluem tanto para dentro quanto para fora do cérebro. uma depressão revestida. A depressão sofre constrição a partir
Alguns dos transportadores meramente facilitam a difusão; ou- da membrana plasmática para formar uma vesícula semelhante a
tros constituem mecanismos “ativos”, que requerem uma fonte uma bolha recoberta por membrana, chamada vesícula endocítica
de energia. O potássio e pequenos aminoácidos neutros, tais ou endossoma. A difusão facilitada é o mecanismo de transporte
como a glicina, movem-se somente do cérebro para o sangue. que envolve carreadores especializados, mas não requer energia.
Eles são bombeados para fora do cérebro por transportadores Esse tipo de transporte necessita de componentes de membrana
ativos encontrados na membrana antiluminal. O movimento que podem ser enzimas ou algum tipo de agente capaz de formar
um complexo com a substância a ser transportada na superfície
da glicina em direção ao cérebro se dá concomitantemente ao
da membrana. Após sua formação, o complexo move-se através
transporte de sódio, o qual provê a energia necessária.
da membrana, onde a substância é liberada e o carreador retorna
Há várias vias de transporte através da barreira hemato-
ao seu estado original.
encefálica (Figura 22-28): (a) Transporte entre as células (via
paracelular). Células do sistema imune e substâncias infecciosas
e hidrofílicas penetram no cérebro usando essa via. As junções Liberação sistêmica de fármacos no cérebro
do tipo tight entre as células capilares sangüíneas endoteliais li-
mitam o transporte paracelular. Logo, o transporte de fármacos As seguintes técnicas são as mais usadas para aumentar a pene-
hidrofílicos através da BHE é quase que completamente bloque- tração de fármacos no cérebro, após terem sido administrados

1. Entre as células
(via paracelular)
– Células
• Infecção
• Imuno
– Substâncias químicas
• Íons
• Resíduos
– Hidrofílico

2. Através das células


(via transcelular)
– Gases
– Água
– Lipofílico

3. Transporte ativo
– D-glicose 1 2 3
– Grandes aminoácidos Figura 22-28 Principais vias de transporte através da barreira he-
neutros, etc. matoencefálica.
676 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO BARREIRA HEMATOENCEFÁLICA


No início de 1900, pesquisadores acharam a primeira evidência de que o rebro. As células que revestem os vasos sangüíneos no cérebro estão
cérebro tinha uma barreira especializada que protegia suas células. Co- mais próximas do que o observado em qualquer outro local do corpo.
rantes vitais injetados no sangue dão coloração aos tecidos da maioria Isso porque há vários agentes que precisam ser mantidos fora do cére-
dos órgãos, mas não ao cérebro. Sabe-se agora que a “barreira hema- bro, tais como agentes infecciosos e resíduos metabólicos. A barreira
toencefálica” (BHE) mantém muitas substâncias fora do cérebro. As pa- hematoencefálica exerce três principais funções: (a) proteger o cérebro
redes dos vasos que conduzem o sangue para dento do cérebro formam contra “substâncias estranhas” presentes no sangue que podem causar
uma barreira. Os permeáveis vasos sangüíneos do corpo permitem que dano cerebral; (b) proteger o cérebro de hormônios e neurotransmissores
muitas moléculas passem para os tecidos, mas a compacta estrutura normais no resto do corpo; e (c) manter o meio ambiente constante para
dos vasos da cabeça protege contra a entrada de substâncias no cé- o cérebro.

pela via sistêmica: tornar os fármacos altamente lipofílicos; sistemas químicos de liberação (SQLs), baseados na conversão
aumentar a entrada passiva de fármacos “restritos” no sistema redox da diidropiridina lipofílica ao sal iônico e insolúvel de
nervoso central; vetorizar fármacos ao cérebro através de siste- piridínio.97,98 O SQL do tipo diidropiridina ou o análogo redox
mas de liberação por redox químico; conjugar fármacos a mo- do fármaco é lipofílico o suficiente para entrar no cérebro por
léculas ativamente transportadas através da barreira hematoen- transporte passivo, sofrendo então uma oxidação enzimática
cefálica; “mascarar” os fármacos usando sistemas especiais de para formar o composto iônico (hidrofílico) piridínio, o qual
liberação de fármaco (nanopartículas, lipossomas, etc.) e usar eleva a retenção no sistema nervoso central (SNC). Logo, tais
vetores para liberação cerebral. sistemas químicos de liberação podem melhorar de forma sig-
O aumento da entrada passiva de fármacos “restritos” ao nificativa o acesso de agentes terapêuticos no SNC.
sistema nervoso central pode ser alcançado pelo rompimento Outra forma promissora de aumentar a habilidade do fár-
da BHE (difusão paracelular aumentada) ou pela modificação maco em penetrar na BHE é conjugar o fármaco ou o siste-
da estrutura dos fármacos “restritos” para aumentar, tempo- ma de liberação de fármacos a substâncias que são ativamente
rária ou permanentemente, sua solubilidade em meio lipídico transportadas através da BHE. Verificou-se que a proteína p97
(permeabilidade transcelular aumentada). A inibição competi- é ativamente transportada através da BHE. Com base nessa ob-
tiva dos mecanismos externamente direcionados de efluxo ati- servação, a Synapse Technologies (Vancouver, Canadá) desen-
vo também pode aumentar de forma significativa o acúmulo de volveu um sistema de liberação de fármacos no qual o fármaco
certos fármacos dentro do sistema nervoso central. estava associado à p97. Tais sistemas de liberação funcionam
As seguintes situações podem “quebrar” a BHE, aumen- como “cavalos de Tróia”, mascarando as substâncias ativas
tando bastante sua permeabilidade para agentes “restritos”: com moléculas que são ativamente transportadas através da
hipertensão (pressão sangüínea elevada); hiperosmolalidade BHE. Outra forma de conjugar sistemas de liberação de fárma-
(elevada concentração de uma substância no sangue); expo- cos com proteínas que penetram a barreira hematoencefálica é
sição a microondas, radiação ou agentes infecciosos; trauma, modificar a superfície de pequenas partículas poliméricas de
isquemia, inflamação, pressão e outras lesões; e injeção de
substâncias irritantes na artéria carótida. Contudo, não é pru-
dente usar tais estímulos internos ou externos para aumentar
de forma não-específica a permeabilidade da BHE, uma vez SANGUE
que isso irá, em última instância, destruir as defesas do cérebro
providas pela BHE contra substâncias indesejadas. Fármaco lipofílico
A solubilidade lipídica de muitas substâncias lipofóbicas
solúveis em água pode aumentar bastante através de modifi- Entrada pela
BHE via transcelular
cações químicas especiais do fármaco ou da sua conjugação
com um fármaco carreador lipofílico. Contudo, as substâncias
lipofílicas podem não somente entrar com facilidade no cére-
bro, mas também sair livremente dele, atravessando a BHE na
direção oposta. Para aumentar o acúmulo de fármaco no cé-
rebro, pode ser conveniente converter um fármaco lipofílico Saída pela
(ou pró-fármaco) em uma substância ativa lipofóbica (hidrofí- via paracelular
lica) após sua entrada no cérebro (Figura 22-29). Nesse caso, Fármaco lipofóbico
a forma lipofóbica do fármaco ou pró-fármaco poderá penetrar Oxidado a
facilmente na barreira hematoencefálica através da via para- um composto
celular e acumular-se dentro do cérebro após a diminuição da lipofílico CÉREBRO
sua solubilidade lipídica, devido à limitada difusão das subs-
tâncias lipofóbicas no sentido contrário, através da via trans- Figura 22-29 Princípio dos sistemas químicos de liberação de fármaco que
celular. Exemplos dessa abordagem sobre pró-fármacos são os alteram a solubilidade do fármaco após sua entrada no cérebro. Legenda:
BHE = barreira hematoencefálica.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 677

modo que as proteínas carreadas pelo sangue na corrente cir- origina-se da otimização de peptídeos antimicrobianos naturais
culatória possam recobri-las. Tal modificação química de par- de mamíferos envolvidos em um sistema ancestral de resposta
tículas poliméricas contendo fármacos incluem a cobertura de imune. Fármacos ligados ao Pep:trans têm, normalmente, uma
suas superfícies com Tween 80 ou polissorbato 80.99,100 Verifi- melhora de mais de 100 vezes na captação cerebral.
cou-se que essas partículas cobertas adsorveram apolipoprotei-
na E (ApoE), mediando a captação pelas células endoteliais da
BHE.101 Elas foram patenteadas nos Estados Unidos.102 Liberação local de fármacos no cérebro
Pesquisadores da University of Maryland School of Me-
dicine, em Baltimore, têm identificado um receptor no cérebro A Guilford Pharmaceuticals (Baltimore, Md.) desenvolveu um
humano que regula a BHE.103 Pesquisas anteriores verificaram sistema polimérico de liberação sustentada de fármacos para
que a ativação da proteína quinase C, tanto pela toxina de Zo- liberação local de agentes terapêuticos. O Gliadel Wafer é um
nula occludens (Zot) quanto por ésteres de forbol, aumenta a wafer pequeno, branco e do tamanho de uma moeda, feito de
permeabilidade paracelular. Tal alteração nas junções epiteliais um polímero biodegradável que contém o medicamento qui-
do tipo tight é uma propriedade recentemente descrita para mioterápico carmustina, ou BCNU. Mais de oito Gliadel Wafer
agentes infecciosos. A toxina A e B do Clostridium difficile são implantados na cavidade criada após a remoção cirúrgica
e os vírus influenza e da estomatite vesicular têm mostrado do tumor cerebral. Lá, eles dissolvem-se lentamente durante
relaxar as junções tight em culturas monocamada de tecidos. um período de 2 a 3 semanas, liberando altas concentrações
Diferente do que ocorre após o estímulo Zot, essas alterações de BCNU diretamente no local do tumor. Em estudos clíni-
parecem ser irreversíveis e estão associadas à destruição das cos, o Gliadel Wafer mostrou prolongar de forma significativa
junções tight entre as células. Com base nessas observações, o tempo de sobrevida dos pacientes.107 Inicialmente aprovado
pesquisadores postularam que o Zot pode mimetizar funcional pelo FDA em 1996 para uso como adjunto à cirurgia a fim de
e imunologicamente o efeito do modulador endógeno das jun- prolongar a sobrevida dos pacientes, o Gliadel Wafer é agora
ções tight. Eles também conseguiram identificar um análogo aprovado para uso no tratamento de pacientes que passam por
Zot intestinal, que foi chamado de zonulin. Entendeu-se que os cirurgia inicial de gliomas com elevado grau de malignidade.
zonulin participam da regulação fisiológica das junções tight Isso expande o número potencial de pacientes que podem rece-
intercelulares não somente no intestino delgado, mas também ber o Gliadel Wafer de aproximadamente 3.000 pacientes por
em toda uma ampla área do epitélio extra-intestinal, assim ano nos Estados Unidos para cerca de 10.000 a 12.000.
como no endotélio vascular ubíquo, incluindo a barreira he-
matoencefálica. As novas pesquisas indicam que o Zot e seu
análogo zonulin também reagem com receptores similares no
cérebro. Conseqüentemente, a ligação do zonulin a fármacos
LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS E SISTEMA
ou sistemas de liberação de fármacos pode aumentar poten- CARDIOVASCULAR
cialmente sua penetração através da BHE.
Certos anticorpos específicos do cérebro também podem ser Os fármacos administrados através da maioria das vias de ad-
usados para “mascarar” fármacos destinados à liberação cere- ministração de fármacos atingem a circulação sistêmica (Fi-
bral. Determinados anticorpos que se ligam a receptores naturais gura 22-2), o que induz efeitos adversos no sistema cardio-
do cérebro têm potencial de liberação de substâncias acopladas vascular e em outros órgãos e tecidos. A maioria dos fármacos
para dentro do cérebro. Tais anticorpos podem ser ligados a um injetáveis delineados para tratar doenças do sistema cardiovas-
carreador de fármaco, por exemplo, lipossomas. Pardridge e co- cular também pode atingir facilmente outros órgãos e induzir
laboradores104,105 revestiram lipossomas com várias centenas de efeitos adversos. Há duas abordagens que podem ser usadas
fibras cerosas que desempenharam a dupla função de fixar os para limitar tais efeitos. Na primeira, o fármaco indicado para
anticorpos cérebro-ligantes aos lipossomas e aumentar a estabi- o tratamento de doenças cardiovasculares pode ser vetorizado
lidade e tempo de circulação dos lipossomas na corrente sangüí- ao coração, aos componentes do sangue e aos vasos sangüí-
nea. Em outros estudos106 foi desenvolvida uma tecnologia de neos. Isso resultará na diminuição da toxicidade do fármaco a
peptídeos quiméricos para vetorização cerebral de fármacos e o outros órgãos e sistemas. Na segunda abordagem, os fármacos
uso de peptídeos quiméricos de fator neutrófico cérebro-deriva- podem ser vetorizados a outros órgãos, que diminuirão sua to-
do (BDNF) para tratar isquemia cerebral investigada. O peptídeo xicidade sistêmica e cardiovascular. Os benefícios e as novas
quimérico BDNF é formado pela conjugação do BDNF a um abordagens usadas na liberação vetorizada de fármacos são
anticorpo monoclonal para o receptor de transferrina da BHE. O descritos mais tarde, neste capítulo. Aqui, discutiremos alguns
anticorpo monoclonal age como um “cavalo de Tróia” molecular sistemas de liberação delineados especificamente para liberar
para transportar o BDNF através da BHE, por meio do transporte fármacos nos vários componentes do sistema cardiovascular.
via receptor endógeno de transferrina da BHE. Esse sistema de
liberação cerebral mostrou resultados promissores para o trata-
mento de isquemia cerebral experimental. Lipossomas e micelas
Uma abordagem diferente para a liberação cerebral de fár-
maco está baseada no uso de vetores. Um vetor (do latim vec- Embora os lipossomas convencionais tenham se mostrado pro-
tor, “carreador”) é uma substância tal como um peptídeo, um missores em liberar alguns fármacos e reduzir a toxicidade de
polímero ou uma proteína, que pode transportar outras substân- forma efetiva, eles são reconhecidos pelo sistema imune como
cias para dentro da célula. Vetores Pep:trans derivados de peptí- sendo corpos estranhos. Portanto, são muitas vezes destruí-
deos, da Synt:em (Nimes, France), são exemplos destes vetores dos antes que quantidades significativas do fármaco atinjam o
usados para liberar fármacos no cérebro. Tal família de vetores pretendido local da doença. Os lipossomas STEALTH (Alza),
678 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS E SISTEMA CARDIOVASCULAR


Os fármacos vetorizados ao sistema cardiovascular estavam entre os pias. Muitos dos novos tratamentos cardiovasculares requerem o uso de
primeiros a se beneficiarem dos sistemas de liberação de fármacos. sistemas de liberação de fármacos para liberar proteínas, peptídeos ou
Desde 1982, quando as formulações transdérmicas contendo nitratos genes a um local específico e proporcionar a presença do agente tera-
foram introduzidas, os sistemas de liberação de fármacos têm sido pêutico a longo prazo no seu sítio de ação. Os sistemas de liberação de
usados para melhorar a efetividade dos fármacos cardiovasculares e as fármacos são usados para conduzir e prover muitas das novas terapias
tecnologias de liberação têm resultado em um espectro de novas tera- cardiovasculares.

patenteados e estericamente estabilizados, evitam o reconheci- crescimento de fibroblastos (FGFs) patenteados e a família das
mento pelo sistema imune devido ao seu exclusivo revestimento proteínas chamadas Jagged, que têm demonstrado uma poten-
com polietilenoglicol (PEG). Os benefícios potenciais da tecno- te ação em melhorar o crescimento de grandes vasos e atuar
logia do lipossoma STEALTH incluem o aumento da estabili- em sinergismo com outros fatores de crescimento, tais como o
dade química do fármaco incorporado ao lipossoma na corrente FGF. A mais avançada tecnologia de liberação da Repair está
sangüínea, o prolongamento do tempo de meia-vida do fármaco baseada na fibrina, uma molécula já aprovada para uso clínico.
na circulação, a redução da captação pelo sistema imune e o au- O crescimento da célula endotelial é estimulado pelo fator 2 de
mento da eficácia no sítio-alvo. “Revestimentos” similares têm crescimento do fibroblasto (FGF-2) e a adesão e proliferação
sido usados para micelas lipídicas que podem ser utilizadas para são moduladas pelas interações com o fibrogênio e a fibrina.
liberar fármacos com baixa solubilidade em água. As micelas O FGF-2 liga-se de modo específico e com alta afinidade ao
estericamente estabilizadas têm sido testadas para a liberação fibrogênio e à fibrina, sugerindo que seus efeitos sobre as cé-
de diferentes fármacos, incluindo agentes biologicamente ati- lulas endoteliais possam estar coordenados. Sahni e colabora-
vos vetorizados ao sistema cardiovascular, tais como o peptídeo dores109 investigaram a habilidade do FGF-2 em ligar-se ao fi-
secretina.108 A secretina, um neuropeptídeo com 27 aminoáci- brinogênio e à fibrina para estimular a proliferação das células
dos, é um membro da superfamília dos peptídeos anfipáticos endoteliais. Células endoteliais do cordão umbilical humano
glucagon, secretina e polipeptídeo vasoativo intestinal (VIP) foram cultivadas na presença de FGF-2, com ou sem fibrogê-
que induz vasodilatação temporária in vivo. Verificou-se que nio, sendo verificada sua proliferação. As células cultivadas na
a associação de secretina humana com micelas fosfolipídicas presença de FGF-2 e fibrinogênio proliferaram mais rapida-
estericamente estabilizadas amplifica os efeitos vasorrelaxantes mente do que aquelas com somente FGF-2, e apresentaram um
do peptídeo na microcirculação periférica in vivo. tempo de duplicação da população diminuído. Em concentra-
Liprostina é o nome de marca dado à prostaglandina E1 ções de FGF-2 maiores do que 150 ng/mL houve uma melhor
(PGE-1), um hormônio de ocorrência natural que age como va- proliferação de células endoteliais na presença de fibrinogênio
sodilatador, abrindo os vasos obstruídos e melhorando a circula- do que na sua ausência, com um efeito mais acentuado abaixo
ção, que é liberada por lipossomas. O fármaco foi desenvolvido de 1 ng/mL. O efeito máximo do fibrinogênio foi observado
pela Endovasc, Inc. (Montgomery, Tx.). A liprostina é usada no a uma razão molar de fibrinogênio: FGF-2 de 2:1, correspon-
tratamento de pacientes com circulação sangüínea periférica dendo à razão máxima de ligação molar. As células endoteliais
diminuída ou bloqueada, uma condição chamada de isquemia proliferaram quando cultivadas sobre a fibrina ou uma superfí-
crítica de membros que estão vulneráveis à amputação. A isque- cie imóvel de fibrinogênio com FGF-2, indicando que o FGF-2
mia crítica de membros, forma avançada da doença arterial peri- liga-se à superfície associada à fibrina(nogênio) preservando a
férica, ocorre quando a circulação nos membros, principalmente atividade. Os autores concluíram que o FGF-2 ligado ao fibri-
pernas, tona-se insuficiente a ponto de ocasionar gangrena ou nogênio ou à fibrina está apto a dar suporte à proliferação de
amputação. De acordo com as estimativas, cerca de 15% da po- células endoteliais e que o fibrinogênio potencializa a capaci-
pulação dos Estados Unidos com mais de 50 anos sofre de al- dade proliferativa do FGF-2. Estudos com tecnologia usando
guma forma de doença arterial periférica. O não-abrandamento fibrina, desenvolvidos pela American Red Cross, têm mostrado
da isquemia que ameaça os membros pode levar, pelo menos, à que ela fornece a estrutura primária que induz a angiogênese,
amputação do membro comprometido. O enxerto de revascula- orquestrando o processo de reparo por ancorar as células a te-
rização é a alternativa cirúrgica mais comum para esses pacien- cidos danificados, e estabilizando e protegendo múltiplos fato-
tes, embora as intervenções cirúrgicas estejam associadas a um res de crescimento, além de funcionar como um reservatório
risco aumentado de outras complicações, incluindo mortalidade. de liberação lenta e permitir a liberação diretamente no local
A liprostina libera a PGE-1 a sítios-alvo do corpo sem aumentar das proteínas angiogênicas.
o risco associado a procedimentos cirúrgicos.

Terapia gênica para parada cardíaca


Vetorização local usando fibrina
Em doenças cardíacas, o corpo libera o hormônio noradrenalina
A Repair Inc. (Boston, Mass.) apresenta um portfólio de tec- (hormônio “luta-ou-fuga”) diretamente no coração, fazendo com
nologias de liberação sustentada com vetorização local e de que este bata cinco vezes mais forte do que o normal. A nora-
fatores angiogênicos. Tais proteínas incluem os fatores de drenalina liga-se a receptores beta-adrenéricos (bAR) presentes
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 679

e nutrição parenteral. Uma vez que o sistema é totalmente im-


Pele plantado abaixo da pele, não requer manutenção diária e, com
Septo Porta aprovação médica, o paciente pode participar da maior parte
das suas atividades diárias e recreacionais.

LIBERAÇÃO VETORIZADA DE FÁRMACOS


Catéter

“Fármaco perfeito”
Vaso sangüíneo Paul Ehrlich, trabalhando no laboratório de Robert Koch, estu-
dou o fenômeno de coloração diferencial de diversas bactérias e
diferentes componentes de células eucarióticas. Ele supôs que,
se um corante químico pudesse ligar-se a uma célula e não a
Para o coração outra, ou a uma substância dentro da célula e não a outra, pro-
vavelmente seria possível encontrar substâncias químicas que
Figura 22-30 Sistema de acesso vascular TheraPORT. pudessem matar seletivamente certos patógenos sem prejudi-
car as células hospedeiras. Tal composto químico poderia agir
como um “fármaco perfeito”, matando seletivamente o “vilão”
e poupando o “inocente próximo”. Ele iniciou a pesquisa de
nas células cardíacas. Inicialmente, a estimulação faz com que um fármaco perfeito para curar a sífilis. Por muitos anos, tes-
o coração aumente o poder de suas contrações, mas no ataque tou centenas de substâncias químicas e finalmente, em 1910,
cardíaco rapidamente torna-se uma autoderrota: os receptores encontrou uma substância, o salvarsan ou composto 606, que
tornam-se dessensibilizados, o que significa que eles não estão matou, na maioria dos casos, os organismos da sífilis sem causar
mais aptos a responder à estimulação hormonal. Para facilitar a morte do hospedeiro. Embora o conceito de fármaco perfeito
a produção de bAR, foi inserido um gene que codifica o bAR tenha sido introduzido há 100 anos por Ehrlich,112 o desafio de
em um adenovírus não-virulento (o mesmo vírus que causa o elaborar fármacos com toxicidade seletiva ainda não tem sido
resfriado comum).110 O material genético do vírus foi removido completamente resolvido. Uma das formas mais promissoras de
e substituído pelo gene de interesse. Quando o vírus infectou as se atingir os resultados desejados é usar um sistema de liberação
células cardíacas debilitadas, o gene bAR produziu mais do que de fármacos que minimize os efeitos tóxicos ou terapêuticos do
15 vezes a quantidade normal de receptores e restaurou os sinais fármaco através (a) do aumento da quantidade e da persistência
cardíacos normais. A mesma técnica foi usada para tratar hiper- do fármaco nas proximidades das células-alvo, e (b) da redução
tensão experimental111 e demonstrou resultados promissores. da exposição de células não-alvo (ou seja, sadias) ao fármaco.

Sistema de acesso vascular TheraPORT Vantagens da liberação vetorizada de fármacos


A liberação segura e efetiva de muitos fármacos quimioterá- A vetorização de fármacos a seus sítios específicos de ação gera
picos usados na atualidade requer segurança, confiabilidade e inúmeras vantagens sobre os fármacos não-vetorizados.3,113–116
acesso prolongado ao sistema venoso do paciente. Os sistemas As principais vantagens são a prevenção de efeitos colaterais
theraPORT da Biocontrol (Indiana, Penna.) são especialmen- sobre os tecidos sadios e a melhor captação do fármaco pelas
te delineados para suprir tal tipo de acesso (Figura 22-30). O células-alvo. Efeitos colaterais, que invariavelmente requerem
theraPORT e o cateter são implantados logo abaixo da pele, redução de dose, protelação do tratamento ou até mesmo des-
em geral na região superior do peito. Usando uma agulha não- continuidade da terapia, devem ser evitados, em especial para
cortante especial, o corpo médico administra no sistema vascu- fármacos atuais que tenham, excepcionalmente, uma atividade
lar do paciente, através do theraPORT, os fármacos quimiote- bastante específica. A otimização da captação do fármaco por
rápicos, assim como outras medicações, transfusões de sangue células específicas permite não somente a internalização das

CONCEITO LIBERAÇÃO VETORIZADA DE FÁRMACO


O principal objetivo da liberação vetorizada é otimizar o índice terapêutico rização de fármacos pode ser realizada por sistemas físicos, biológicos
do fármaco (a razão entre a dose terapêutica e a dose tóxica) mediante a ou moleculares que resultem em elevadas concentrações dos agentes
localização exata da sua atividade no local ou órgão de ação. Os fármacos terapêuticos no sítio-alvo, diminuindo, dessa forma, suas concentrações
podem ser vetorizados a órgãos específicos (vetorização a um órgão), sis- no resto do corpo. A vetorização bem-sucedida de fármacos resulta em
temas (vetorização sistêmica), células (vetorização celular) ou até mesmo limitação significativa da toxicidade do fármaco, redução da sua dose e
a organelas intracelulares ou moléculas (vetorização molecular). A veto- aumento da eficácia do tratamento.
680 P ATRICK J. S INKO

Fármaco vetorizado vetorizar sistemas de liberação de fármacos. Os anticorpos e


antígenos correspondentes são um exemplo. Têm-se desenvol-
Efeito Ligante vido vários sistemas de vetorização que utilizam anticorpos ou
EPR receptor
“Passivo” “Ativo” seus fragmentos. Sistemas de liberação poliméricos que veto-
rizam fármacos anticâncer a células cancerosas usando anti-
corpos (ou seus fragmentos identificados) são exemplos de tais
pH Condições do órgão Pares biológicos Avidina sistemas de vetorização.5,7
biotina A avidina-biotina é um exemplo clássico de par biológico
que é amplamente usado em experimentos biológicos. Uma
Enzimas Anticorpo proposta original invasiva de liberação vetorizada de fármacos
B a ct é r ia Lectina antígeno que usa a biotinilação endotelial e a ligação avidina-biotina
carboidrato tem sido desenvolvida.122 De acordo com esse procedimento,
Figura 22-31 Tipos de vetorização de fármaco. Legenda: EPR = permeabili- inicialmente, as proteínas das células-alvo são diretamente bio-
dade e retenção aumentadas. tiniladas por um reagente de biotinilação, mediante a inserção
de um cateter dentro do órgão-alvo. O fármaco ligado à avidi-
na é, então, injetado dentro do órgão. Os resultados dos expe-
rimentos in vivo mostraram que os fármacos podem ser anco-
substâncias com baixa permeabilidade celular, mas também a
rados à vasculatura biotinilada por meio da avidina, sem serem
manutenção de uma baixa razão de concentração plasma-célu-
removidos pelo fluxo sangüíneo. Não foi encontrado efeito ad-
la. Por meio disso reduzem-se os efeitos colaterais limitantes
verso aparente na função dos rins biotinilados. Tal proposta de
da terapia.
liberação de fármaco parece ser plausível para o tratamento de
algumas condições patológicas dos vasos sangüíneos, como a
Tipos de fármacos vetorizados proliferação microvascular de tumores malignos, e para a libe-
ração contínua de fármacos a determinados órgãos-alvo.
Geralmente, são usadas duas principais propostas de vetoriza- A lectina-carboidrato é outro exemplo clássico de par bioló-
ção: “passiva” e “ativa” (Figura 22-31). gico que pode ser usado para liberação vetorizada de fármacos.
As superfícies das células de mamíferos ou das células micro-
Vetorização ativa bianas contêm moléculas de carboidratos em abundância, prin-
cipalmente oligossacarídeos associados aos lipídeos de mem-
A proposta de vetorização ativa está baseada em interações entre brana, proteínas ou peptideoglicanos. Esse material associado à
um ligante e um receptor, ou entre pares biológicos específicos membrana, rico em carboidratos, refere-se à matriz extracelular
(p. ex., avidina-biotina, anticorpo-antígeno, lectina-carboidrato, ou “glicocalix” (glico + do grego, kalyx, “casca externa, con-
etc.). Sistemas vetorizados ativos de liberação de fármacos em cha”). Os carboidratos da membrana encontram-se quase que
geral contêm um ligante ou uma molécula-alvo correspondente invariavelmente em combinação com proteínas e lipídeos na
a um receptor ou uma molécula “gêmea”. A reação do ligante forma de glicoproteínas e glicolipídeos. De fato, a maioria das
com o receptor correspondente melhora a captação de todo o sis- proteínas integrais, que protundem por toda a extensão da mem-
tema de liberação de fármaco na célula. Um exemlo de proposta brana, é glicoproteínas, e cerca de 1/10 das moléculas lipídicas
de vetorização ativa que faz uso de interações ligante-receptor é são glicolipídeos. A porção “glico” dessas moléculas quase que
a vetorização ao receptor folato. O receptor folato é um proteína invariavelmente protunde para a parte externa da célula, ficando
de 38-kD ancorada ao glicosil-fosfatidilinositol, que apresenta pendente no lado externo da superfície celular. As moléculas de
elevada afinidade de ligação à vitamina ácido fólico (<1 nM).117 carboidratos ligadas à membrana podem ser usadas para veto-
Depois que ocorre a ligação ao receptor, o folato é rapidamente rizar fármacos às células. É comum usar o par semelhante do
internalizado por endocitose nos endossomas, organelas cober- carboidrato, a lectina, para vetorizar carboidratos de membrana.
tas por membranas. Verificou-se que a conjugação do folato a As lectinas são proteínas de origem não-imunológica capazes
substâncias radioativas, pequenas moléculas e macromolécu- de reconhecer e ligar-se a glicoproteínas expressas na superfí-
las, proteínas e lipossomas não altera a habilidade da vitamina cie da célula. As interações da lectina com certos carboidratos
em se ligar ao receptor. Portanto, a captação de tais conjugados são bastante específicas, tanto quanto aquelas observadas para
através da endocitose mediada por receptor é otimizada.118-120 uma enzima e um substrato ou para um antígeno e um anticor-
Com exceção do rim e da placenta, tecidos normais expressam po. As lectinas podem ligar-se a açúcares livres ou a resíduos de
baixos níveis de receptores folato. Ao contrário, esse receptor açúcares de polissacarídeos, glicoproteínas ou glicolipídios que
é superexpressado em muitos tecidos malignos, incluindo tu- possam estar livres ou ligados (na membrana celular). O termo
mores de ovário, rim, mama, células mielóides e pulmão. Além lectina refere-se à especificidade de reação (do latim lego, pp.
disso, a densidade dos receptores folato na membrana celular lectum, “aglutinar” + ina).
parece aumentar conforme o estágio ou severidade do câncer Uma importante propriedade das lectinas são seus sítios
piora. Outro exemplo desse tipo de proposta de vetorização é o específicos de ligação a sacarídeos. Algumas lectinas são com-
uso da biotina e do hormônio de liberação do hormônio lutei- postas por subunidades com diferentes sítios de ligação. Entre
nizante (HLHL) como ligante para vetorizar, respectivamente, elas está a lectina do feijão-vagem, Phaseolus vulgaris, com-
o transportador multivitamínico sódio-dependente e o receptor posta de duas subunidades diferentes combinadas em cinco
HLHL superexpressado em certos tipos de câncer.114,121 formas diversas de tetrâmeros ligados de forma não-covalente.
Vários “pares biológicos” que têm a habilidade de ligar-se Uma vez que as subunidades têm especificidades bem diferen-
um ao outro de forma bem-específica podem ser usados para tes para receptores da superfície celular, considera-se que cada
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 681

combinação tem função diferente. A especificidade dos sítios 30


de ligação das lectinas sugere que há receptores sacarídeos en-
DOX livre P-DOX
dógenos nos tecidos dos quais elas se derivam, ou em outras
células ou glicoconjugados com os quais as lectinas interagem 25
de forma específica.
Por outro lado, algumas lectinas estão presentes na super-
fície das células humanas e, portanto, podem ser usadas como 20

Acumulação de DOX (µg/g)


vetores para a liberação de fármacos. Nos vertebrados têm sido
identificadas duas grandes classes de lectinas.123 As lectinas do
tipo C, como as selectinas e as pentraxinas, necessitam de cál- 15
cio para a ligação ao carbonato. As lectinas do tipo S, hoje co-
nhecidas como galectinas, são cálcio-independentes e encon-
tradas em espécies desde Caenorhabditis elegans até humanos. 10
Muitas lectinas são expressas em alguns tecidos normais (p.
ex., colo) e estão superexpressas em muitas células cancero-
sas.124 Logo, tanto as lectinas quanto os carboidratos podem 5
ser usados como moléculas vetorizadoras para carboidratos
e lectinas, respectivamente, expressos na superfície celular.
Minko124 propôs os termos vetorização “direta” e “reversa” 0
de lectina para distinguir essas duas propostas. A vetorização Cérebro Fígado Bim Pulmão Baço Coração Tumor
direta de lectina ou glicovetorização conta com moléculas car- Figura 22-32 Distribuição da doxorubicina livre (DOX) e DOX conjugada
readoras que possuem carboidratos reconhecidos e internali- com copolímero de N-(2-hidroxipropil)metacrilamida (P-DOX) em tumor e em
zados pelas lectinas da superfície celular de mamíferos. Vários órgãos, determinada por cromatografia líquida de alta eficiência. Xenoen-
tipos de veículos de glicovetorização têm sido delineados com xertos de carcinoma de ovário humano em camundongo nu foram tratados
base na fixação covalente de sacarídeos a proteínas, polímeros com fármaco livre e fármaco ligado ao polímero. São apresentadas as mé-
e outras agliconas. Esses carreadores têm tido sua maior apli- dias ± SE. (Retirada de T. Minko, P. Kopeckova and J. Kopecek, Int. J. Cancer,
cação na terapia anti-retroviral, na imunoativação, na terapia 86, 108, 2000.)
de reposição de enzimas e na terapia gênica.125 A proposta de
vetorização reversa de lectina usa lectinas exógenas como mo-
léculas que vetorizam todo o sistema de liberação de fármacos
a glicoproteínas ou glicolipídios superexpressos na superfície sistema de liberação. Essas condições incluem o pH e deter-
de certas células. Muitos tipos diferentes de lectinas têm sido minadas enzimas ou microflora no órgão específico, mas não
testados como moléculas vetorizadoras para liberação espe- estão limitadas a essas. Muitas dessas propostas e exemplos de
cífica de fármacos no colo. As lectinas de plantas são usadas sistemas de liberação de fármacos já têm sido descritas neste
principalmente para tal propósito. capítulo (ver a seção de propostas de pró-fármacos).
Vários sistemas de liberação de fármacos usando lectinas O segundo tipo de vetorização passiva é baseado no uso de
ou carboidratos têm sido desenvolvidos para vetorização a di- carreadores macromoleculares de fármacos que preferivelmen-
ferentes órgãos.124,126 Em geral, essa proposta tem sido usada te acumulam-se em tumores sólidos. Esse fenômeno é resulta-
para a liberação vetorizada de fármacos a células colônicas do do chamado efeito de permeabilidade e retenção otimiza-
normais e malignas, assim como para fármacos anticâncer. das (EPR).130-132 O efeito EPR é resultante da combinação do
Exemplos de tais sistemas de liberação são o copolímero de aumento da permeabilidade do endotélio vascular do tumor a
N-(2-hidroxipropil)metacrilamida (HPMA) conjugado à aglu- macromoléculas circulantes e da redução da drenagem linfáti-
tinina de germe de trigo (WGA) e à aglutinina de amendoim ca a partir do interstício do tumor. Fármacos com baixa massa
(PNA),127 estruturas poliméricas dendriméricas (glicodendrí- molecular unidos a carreadores com elevada massa molecular
meros128) e lipossomas vetorizados a galectinas da superfície são, de forma ineficiente, removidos pela drenagem linfática e,
da célula.129 portanto, acumulam-se nos tumores (Figura 22-32). Na teoria,
Além dos anticorpos, avidina-biotina e lectinas vetori- qualquer carreador de fármaco solúvel em água e com elevada
zadas, várias moléculas-vetores e abordagens de vetorização massa molecular pode apresentar tal efeito, incluindo políme-
têm sido examinadas para a liberação específica de fármacos ros solúveis em água, lipossomas e assim por diante.
a certos componentes celulares, a fim de suprimir ou melhorar
algumas funções celulares. Essas abordagens são analisadas
brevemente neste capítulo. LIBERAÇÃO CONTROLADA DE FÁRMACOS
Vetorização passiva
Tipos de liberação controlada de fármacos
Além da vetorização ativa, que usa determinadas moléculas
que se ligam especificamente a alvos extra ou intracelulares, Três diferentes tipos de liberação controlada de fármacos são
pode-se usar duas propostas de vetorização passiva para dire- usados, gerando diferentes perfis de concentração plasmática,
cionar um fármaco ao seu sítio específico de ação. A primeira conforme mostra Figura 22-34. O tipo 1 gera liberação sus-
proposta de vetorização passiva usa condições específicas no tentada do princípio ativo, que é constante durante um período
órgão-alvo para facilitar a liberação do fármaco a partir do seu prolongado de tempo. Esse tipo de liberação controlada é usa-
682 P ATRICK J. S INKO

CONCEITO LIBERAÇÃO CONTROLADA DE FÁRMACOS


A liberação controlada de fármaco a partir de um sistema de liberação e, posteriormente, cai a níveis subclínicos. Doses subseqüentes atingem
é definida como a liberação do fármaco ou princípio ativo de forma pré- valores elevados e caem novamente a concentrações inefetivas, em ci-
delineada. A lógica baseia-se em promover benefícios terapêuticos e, ao clos de níveis excessivos-inefetivos. A liberação controlada sustentada
mesmo tempo, minimizar efeitos tóxicos. A dosagem normal do fárma- de fármacos pode reduzir as indesejáveis flutuações de concentração de
co pode seguir um perfil cinético do tipo “serrilhado” (Figura 22-33) no fármaco, melhorando a ação terapêutica e eliminando efeitos adversos
qual, inicialmente, a dose excede bastante o nível terapêutico desejado perigosos.

do quando a concentração sangüínea do fármaco deve ser man- incluem possível toxicidade ou não-biocompatibilidade dos
tida em um nível terapêutico estável durante um longo período. materiais usados no dispositivo ou sistema de liberação contro-
O tipo 2 gera um perfil de liberação cíclico durante um longo lada, subprodutos de degradação indesejáveis, necessidade de
período. Os sistemas de liberação de fármacos que fornecem procedimento cirúrgico para implantar ou remover o sistema,
esse tipo de liberação do princípio ativo podem ser usados para chance de desconforto do paciente com o dispositivo de libe-
tratamentos que requerem um aumento ocasional da concen- ração, e custo mais elevado dos sistemas de liberação contro-
tração do fármaco, seguido de um período de “repouso” (p. lada em relação às formulações farmacêuticas convencionais.
ex., quando a concentração do fármaco diminui rapidamente Tendo como base as vantagens e desvantagens mencionadas
abaixo do nível terapêutico). O tipo 3 de liberação controlada para a liberação controlada, podemos formular os requisitos
de fármacos é ativado pelo ambiente ou outros eventos exter- de um sistema “ideal”, que são descritos a seguir. Tais sistemas
nos. Alterações no pH, temperatura ou concentrações de certas devem ser inertes, biocompatíveis, mecanicamente resisten-
substâncias biologicamente ativas podem servir como estímu- tes, confortáveis para o paciente, capazes de suportar elevada
los para ativar a liberação do fármaco. Por exemplo, no trata- quantidade de fármaco, seguros quanto à liberação acidental
mento do diabete é importante liberar a insulina na corrente de fármaco, simples de administrar e remover, e fáceis de fa-
sangüínea somente quando a concentração sangüínea de gli- bricar e esterilizar.
cose aumenta acima de certo nível crítico. Logo, esse tipo de O objetivo de muitos dos sistemas originais de liberação
dispositivo de liberação pode ter algum tipo de sensor de con- controlada sustentada era obter um perfil de liberação que pu-
centração de glicose sangüínea que ativa a liberação de insuli- desse gerar elevadas concentrações sangüíneas do fármaco
na. As vantagens da liberação controlada de fármacos incluem durante um longo período de tempo. O ponto-chave da admi-
terapias mais efetivas, eliminação do potencial de subdose e nistração tradicional de fármacos é fazer com que a concentra-
sobredose, manutenção da concentração do fármaco dentro de ção sangüínea do agente terapêutico permaneça entre um valor
uma faixa desejada, necessidade de poucas administrações, oti- máximo, que pode representar um nível tóxico, e um valor mí-
mização do uso do fármaco em questão e aumento da adesão nimo, abaixo do qual o fármaco já não é mais efetivo (Figura
do paciente ao tratamento. Ao mesmo tempo, os dispositivos 22-33). Nos sistemas de liberação controlada delineados para
de liberação controlada ou sistemas de liberação de fármaco liberação sustentada e administração a longo prazo, a concen-
podem apresentar algumas desvantagens. Tais desvantagens tração do fármaco no sangue permanece relativamente cons-

Nível de efeitos
colaterais graves
ou toxicidade
Concentração de fármaco

Janela
terapêutica
ótima

Nível
subterapêutico

Tempo
Figura 22-33 Perfil cinético indesejável do tipo serrilhado, sob condições normais de dosagem, e perfil terapêuti-
co ótimo obtido com dispositivos de liberação controlada.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 683

tipo de sistema porque o agente ativo passa a ter uma distância


cada vez maior a percorrer e, portanto, requer um tempo de
difusão maior para ser liberado. Microsferas poliméricas de
2 liberação controlada representam um exemplo de sistema ma-
tricial de liberação prolongada.133
Concentração de fármaco

Para prover uma velocidade de liberação constante ao lon-


go do tempo, têm sido desenvolvidos vários tipos de sistemas
reservatórios de fármacos. Um sistema reservatório típico con-
siste de um reservatório contendo o fármaco sólido ou líquido
1 circundado por uma matriz ou membrana polimérica (Figuras
3 22-13 e 22-15). A membrana é uma estrutura que limita a li-
beração do fármaco do reservatório. Exemplos de tais disposi-
tivos de liberação de fármacos têm sido descritos no decorrer
deste capítulo.
Sistemas que respondem ao ambiente são geralmente de-
lineados para prover liberação de fármacos somente em con-
3 dições ambientais especiais. Uma vez que o sistema seja co-
locado em um ambiente apropriado, será capaz de liberar o(s)
Tempo princípio(s) ativo(s). Os sistemas que respondem ao ambiente
Figura 22-34 Principais tipos de perfis cinéticos de liberação controlada de diferem substancialmente das matrizes e sistemas reservató-
fármacos: (1) constante durante um longo período; (2) cíclico durante um lon- rios antes descritos, os quais são fundamentalmente estáveis
go período; (3) ativado pelo ambiente ou por eventos externos. em meio biológico e não alteram seu tamanho frente ao intu-
mescimento ou degradação.134-137
Os sistemas de liberação controlada intumescíveis são,
tante entre as concentrações mínima e máxima desejadas por inicialmente, sólidos, mas quando entram em contato com o
um período de tempo prolongado. Dependendo da formulação organismo absorvem água ou outros fluidos orgânicos e intu-
e da aplicação, esse tempo pode ser qualquer período, desde 24 mescem. O intumescimento aumenta o conteúdo de solvente
horas (p. ex., o Procardia XL ou nifedipina), 1 mês (p. ex., o aquoso na formulação, assim como o tamanho da estrutura da
Lupron Depot) ou 5 anos (p. ex., o Norplant). rede polimérica, permitindo que o fármaco difunda através da
rede para o meio externo. A maioria dos materiais usados em
sistemas de liberação controlada intumescíveis é baseada em
Mecanismos de liberação controlada hidrogéis, que são polímeros que intumescem, mas não se dis-
solvem quando postos em contato com água ou outros fluidos
Há quatro principais mecanismos de liberação de fármacos a biológicos. Os hidrogéis podem absorver quantidades signifi-
partir de um sistema de liberação: difusão, degradação, intu- cativas de fluido e, no equilíbrio, normalmente contêm entre 60
mescimento seguido de difusão e efluxo ativo. Qualquer um a 90% de fluido e somente 10 a 40% de polímero.138,139 Eles
ou todos esses mecanismos podem ocorrer em um dado siste- podem ser delineados para que o intumescimento seja ativado
ma de liberação. A difusão ocorre quando o fármaco ou outro por uma alteração do ambiente ao redor do sistema de libera-
agente ativo passa através do dispositivo de liberação contro- ção.134,140,141 Essas alterações podem incluir mudanças de pH,
lada. A difusão pode ocorrer em escala macroscópica (p. ex., temperatura, força iônica ou outros fatores (Tabela 22-6). Tais
através dos poros de uma matriz de liberação) ou em nível mo- alterações no ambiente podem levar tanto ao intumescimento
lecular, através da passagem entre as moléculas da matriz. Um quanto à contração, conduzindo, respectivamente, à liberação
polímero e um agente ativo podem ser misturados para formar ou à prevenção da liberação do fármaco. Para a maioria dos
um sistema homogêneo, também chamado de sistema matri- hidrogéis, as alterações estruturais são reversíveis e repetiti-
cial (Figura 22-35). A difusão ocorre quando o fármaco passa vas frente a alterações adicionais do meio externo. Muitos dos
da matriz polimérica para o meio externo. À medida em que a polímeros sensíveis ao pH intumescem em elevados valores
liberação continua, sua velocidade normalmente diminui nesse de pH e colapsam em valores baixos. Portanto, eles são muito
úteis para liberação oral, na qual o fármaco é retido dentro do
núcleo polimérico quando em contato com os baixos valores
de pH do estômago e liberado nos valores de pH mais elevados
do intestino delgado.

Sistemas biodegradáveis
Todos os sistemas previamente descritos são baseados em ma-
trizes que não alteram sua estrutura química devido ao proces-
so de intumescimento. Contudo, os pesquisadores têm se em-
penhado e dado atenção especial aos sistemas biodegradáveis.
Tempo
Esses materiais degradam dentro do corpo como resultado de
Figura 22-35 Difusão do fármaco a partir de um sistema homogêneo de li- processos biológicos naturais, eliminando a necessidade de re-
beração controlada de fármacos.
684 P ATRICK J. S INKO

TABELA 22-6
HIDROGÉIS SENSÍVEIS AO AMBIENTE, USADOS PARA LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS*

Estímulo Hidrogel Mecanismo

pH Hidrogel ácido ou básico Alteração de pH, intumescimento, liberação do


fármaco
Força iônica Hidrogel iônico Alteração na força iônica, alteração na concentração
de íons dentro do gel, alteração no intumescimento,
liberação do fármaco
Substâncias Hidrogel contendo grupos Compostos doadores de elétrons, formação de
químicas aceptores de elétrons complexos de transferência de carga, alteração de
intumescimento e liberação do fármaco
Substrato Hidrogel contendo enzimas Presença de substrato, conversão enzimática, produtos
enzimático imobilizadas que alteram o intumescimento do gel, liberação do
fármaco
Magnético Partículas magnéticas Aplicação de campo elétrico, alteração na porosidade
dispersas em microsferas do gel, alteração de intumescimento, liberação do
de alginato fármaco
Térmico Hidrogel termo Alteração na temperatura, alteração nas interações
responsível, poli(N- polímero-polímero e água-polímero, alteração no
isopropilacrilamida) intumescimento, liberação do fármaco
Elétrico Hidrogel polieletrólito Aplicação de campo elétrico, membrana carregada,
eletroforese do fármaco com carga, alteração no
intumescimento, liberação do fármaco
Irradiação Hidrogél de álcool Irradiação de ultra-som, aumento de temperatura,
ultra-sônica etilvinílico liberação do fármaco
* Baseada em L. Brannon-Peppas, MPB, 11, 34, 1997.

moção do sistema de liberação de fármaco após a completa base nessa tecnologia. Por exemplo, sistemas de liberação de
eliminação do princípio ativo. fármacos baseados nos princípios do L-OROS contêm uma
camada líquida de fármaco, um agente osmótico ou camada
Dispositivos de liberação controlada de efluxo ativo. A bom- propulsora e um revestimento de membrana semipermeável
ba osmótica básica, também conhecida como OROS ou sis- (Figura 22-36). No trato GI, a água passa através da membra-
tema terapêutico gastrintestinal, foi inicialmente descrita por na semipermeável do sistema, expandindo o agente osmótico.
Theeuwes e Yum142,143 e lançada pela Alza Corporation. Vários Este, por sua vez, pressiona a camada de fármaco, liberando-
sistemas de liberação de fármacos têm sido desenvolvidos com o no trato GI através do orifício de liberação. A duração de

Orifício de liberação
Fármaco líquido

Revestimeno com uma Agente osmótico


membrana semipermeável (camada propulsora) H 2O

Figura 22-36 Esquema simplificado do sistema de liberação osmótica L-OROS. A figura mostra a liberação do
fármaco através de um pequeno orifício. A liberação ocorre devido à osmose dos fluidos através da membrana
semipermeável para dentro da camada osmótica propulsora.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 685

2 a 24 h e a velocidade de liberação do fármaco são contro- onde P é o coeficiente de permeabilidade para a passagem de KCl
ladas pela composição da membrana. A liberação controlada através da membrana semipermeável (0,122 × 10-3 cm2/h).
pode trazer vantagens importantes na otimização do perfil de Temos que:
liberação para melhorar a eficácia do fármaco. No sistema L- dM 2 2 cm2
OROS HARDCAP, a camada de fármaco e o agente osmóti- = (330 mg cm3 )(0 686 × 10−3 cm2 h
dt z 0 025 cm
co são colocados em uma cápsula de gelatina dura revestida + 0 122 × 10−3 cm2 h)
por uma membrana semipermeável que controla a liberação.
Uma camada de barreira composta por uma substância inerte dM
= 23 5 mg h
separa a camada de fármaco da camada do agente osmótico, dt z
evitando que o fármaco reaja com este agente. O orifício de
O tempo, tz, no qual a massa de fármaco, Mz, é liberada (des-
liberação perfurado a laser na parte da membrana oposta ao
considerando o tempo inicial necessário para atingir o equilíbrio) é:
agente osmótico fornece a via de saída do fármaco. Nos sis-
temas L-OROS SOFTCAP, a formulação líquida do fármaco Cs 1
tz = Mt 1 − (22-38)
é colocada em uma cápsula de gelatina mole, revestida, nesta ρ dM dt
ordem, por uma camada de barreira, o agente osmótico e uma onde Mt é a massa total de fármaco no núcleo (500 mg KCl) e ρ é
membrana semipermeável. As camadas de barreira separam a a densidade do fármaco (2 g/cm3 ou 2.000 mg/cm3):
cápsula de gelatina mole do agente osmótico, minimizando a 330 mg cm2 1
hidratação da cápsula mole e prevenindo sua mistura com a ca- tz = (500 mg) 1 −
2000 mg cm3 23 5 mg h
mada de fármaco. O orifício de liberação do sistema L-OROS
SOFTCAP é perfurado através da membrana semipermeável, tz = 17 8 h
do agente osmótico e da camada de barreira. Quando o agente Após se atingir tz, o fármaco é liberado seguindo condições
osmótico expande, ele comprime a cápsula de gelatina mole, de ordem zero.
impulsionando o fármaco para fora do orifício de liberação.
Recentemente tem sido descrito um interessante sistema po-
limérico de liberação de peptídeo que apresenta retardo no tempo
EXEMPLO 22-12 de liberação e ausência da fase de pré-liberação em função do
Bomba osmótica básica efeito burst.146 De maneira geral, o sistema consiste de uma mis-
tura de poliarilato derivado de tirosina e de um copolímero de
Inicialmente, Theeuwes144 testou a bomba osmótica básica para li-
degradação rápida do ácido lático-coglicólico (PLGA). Devido
beração de fármacos usando o cloreto de potássio tanto como agen-
à semelhança da cadeia principal do poliarilado ao peptídeo, as
te osmótico quanto como fármaco modelo. Em relatos anteriores,
interações peptídeo-polímero evitam a liberação do peptídeo dos
Theeuwes e colaboradores145 delinearam um sistema terapêutico
filmes puros de poliarilato. O PLGA adicionado age com um ad-
baseado no princípio da bomba osmótica para a liberação de indo-
juvante de “retardo”. À medida que o PLGA degrada, ele gera
metacina em uma velocidade constante de ordem zero. Para veloci-
dade de liberação de ordem zero, os autores usaram a equação:
os produtos de degradação ácida que causam diminuição do pH
interno da matriz de poliarilato. Essa queda de pH reduz as in-
dM S
= k πs Cs (22-36) terações peptídeo-polímero e gera o início da liberação do pep-
dt z h tídeo. A massa molecular inicial do PLGA pode ser usada para
onde (dM/dt)z é a velocidade de liberação do soluto em condições controlar a quantidade de tempo prévia à ocorrência da degrada-
de ordem zero, S é a área da membrana semipermeável (2,2 cm2), ção. Conseqüentemente, esse parâmetro também pode ser usado
h é a espessura da membrana (0,025 cm), k′ é o coeficiente de per- para controlar o tempo de duração do período de retardo antes da
meabilidade, 2,8 × 10-6 cm2/atm h, e πs é a pressão osmótica, 245 liberação do peptídeo. Misturas de poli(DTH adipato) com três
atm, da formulação em condições de ordem zero (solução satura- diferentes copolímeros do ácido lático-coglicólico foram prepa-
da) (k′πs = 0,686 × 10-3 cm2/h). A concentração da solução satura- radas como um sistema-modelo específico e usadas para libera-
da, Cs, a 37 °C é 330 mg/cm3. A velocidade de liberação de ordem ção retardada do eptifibatide, um heptapeptídeo solúvel em água
zero para o sistema é calculada da seguinte forma: (usado clinicamente em injeções antitrombóticas) que age como
dM 2 2 cm2
um potente antagonista da glicoproteína IIb/IIIa. Foram prepara-
= (0 686 × 10−3 cm2 h)(330 mg cm3 ) das misturas compostas de uma razão de massa de 1:1 poli(DTH
dt z 0 025 cm
adipato):PLGA e contendo eptifibatide (15%, m/m). Os estudos
dM de liberação in vitro foram conduzidos em solução tampão fosfa-
= 19 9 mg h to a 37 °C e a liberação do eptifibatide foi determinada por cro-
dt z
matografia líquida de alta eficiência. Como a massa molecular do
Parte do fármaco é liberada do dispositivo por difusão sim- PLGA variou de 12.000 a 62.000, a duração do período de retar-
ples através da membrana. Logo, a equação (22-36) deve ser mo- do antes da liberação aumentou de 5 para 28 dias. Os copolíme-
dificada, como segue: ros de PLGA também têm sido usados para liberação sustentada
dM
=
S S
k πs Cs + PCs
de outros fármacos, incluindo 5-fluorouridina,147 carboplatina,148
dt z h h gentamicina 149 e outros.
ou
Bombas implantáveis
dM S
= (k πs + P)Cs (22-37) O sistema de infusão Medtronic é um sistema implantável para
dt z h
liberação de fármacos que fornece uma infusão com fluxo cons-
686 P ATRICK J. S INKO

tante a pacientes que necessitam de doses estáveis e a longo sultando em aumento da síntese de uma determinada proteína
prazo. Os seguintes fármacos e fluidos têm sido aprovados para existente ou até mesmo de uma nova proteína que normalmen-
uso no sistema de infusão IsoMed: infusão intratecal crônica te não é sintetizada nessas células. Ao contrário, a transferên-
de solução estéril de sulfato de morfina sem conservante para o cia de informação genética pode ser bloqueada levando à dimi-
tratamento de dor crônica intratável, e infusão intravascular crô- nuição ou completa inibição da síntese protéica. Um exemplo
nica de floxuridina para o tratamento de câncer primário ou me- da primeira abordagem foi discutido neste capítulo (ver seção
tastático. A terapia de infusão arterial hepática (IAH), também de terapia gênica para parada cardíaca). Esse tipo de terapia
conhecida como quimioterapia local, é a liberação de agentes gênica também tem sido usado para imunodeficiência combi-
quimioterápicos ao fígado através de um cateter implantado na nada grave, imunodeficiência variada da cadeia gama comum,
artéria hepática, a principal via pela qual os tumores hepáticos granulomatose crônica e outras doenças,150 doenças renais gra-
recebem suprimento sangüíneo. A terapia é baseada no prin- ves e indução da tolerância a transplante de órgãos sólidos,151
cípio da melhoria da ação terapêutica através do aumento da e até para estimular a regeneração de células capilares.152 O
liberação do fármaco diretamente no local do tumor (o fígado) exemplo mais interessante do segundo tipo de terapia gênica é
e diminuição da exposição sistêmica do fármaco e de efeitos co- o uso de “oligonucleotídeos anti-senso” (ASO) para bloquear
laterais. O desenvolvimento de sistemas de infusão totalmente ou limitar significativamente a tradução do RNAm em uma
implantáveis, tais como o sistema de infusão de fluxo constante proteína específica.
IsoMed, tem permitido liberação a longo prazo e maior difusão Os ASO são pequenos filamentos de DNA quimicamente
da aplicação da quimioterapia hepática local. modificados, também chamados de “oligonucleotídeos”, forma-
dos por uma seqüência exatamente oposta (logo, “anti”) ao có-
Campos futuros da liberação controlada de fármacos digo (“senso”) da seqüência do RNAm. Os principais passos no
bloqueio ou diminuição da síntese de proteína através do ASO
As oportunidades mais notáveis em termos de liberação contro- são os seguintes: (a) os oligonucleotídeos anti-senso ligam-se ao
lada de fármacos encontram-se na área de sistemas de liberação segmento de RNAm correspondente para formar a fita do duplex
responsíveis. Com esse tipo de sistema, será possível liberar fár- e prevenir a leitura da informação e síntese da proteína específi-
macos em resposta a concentrações sangüíneas mensuradas ou ca; (b) a degradação enzimática da porção de RNAm da fita do
liberar um fármaco precisamente em um local específico. Gran- duplex libera o ASO para posterior ligação a outras moléculas de
de parte do desenvolvimento de novos materiais na área de libe- RNAm; e (c) após certo período de tempo, os ASO são liberados
ração controlada de fármacos está focada na preparação e uso de pela célula para dentro da corrente sangüínea e excretados (nor-
sistemas responsíveis com características químicas e estruturais malmente não-modificados) pelo rim. As vantagens da terapia
macroscópicas e microscópicas especificamente delineadas. com ASO incluem especificidade extremamente elevada, ataque
seletivo de um único alvo crítico, potencial de aumento da eficá-
cia e probabilidade reduzida de efeitos colaterais. Contudo, são
LIBERAÇÃO DE ÁCIDOS NUCLÉICOS COM FINS encontrados muitos problemas quando os oligonucleotídeos são
usados em sistemas celulares e in vivo. Dois grandes problemas
TERAPÊUTICOS associados ao ASO podem ser resolvidos com o uso de sistemas
de liberação e modificação química dos oligonucleotídeos: (a)
Princípios da terapia gênica rápida degradação nos fluidos biológicos e células por meio de
exo e endonucleases; e (b) baixa penetração por difusão através
Várias abordagens diferentes são usadas na terapia gênica. O da membrana celular. Diferentes estratégias têm sido propostas
DNA ou RNA podem ser transferidos dentro das células, re- para reduzir a degradação e/ou aumentar a penetração intracelu-

CONCEITO TERAPIA GÊNICA


As proteínas em geral controlam a maioria das funções das células e or- omitida), a qual se refere à transferência da informação do DNA para um
ganismos vivos. A informação sobre a estrutura das proteínas está co- tipo especial de RNA chamado de RNA mensageiro (RNAm). Durante a
dificada nos genes, nos filamentos do ácido desoxirribonucléico (DNA). transcrição reversa, que ocorre em alguns vírus, a informação é transferi-
Durante o processo de síntese protéica, a informação codificada no DNA da do RNA para o DNA. O RNAm funciona como uma fotocópia do gene e
é usada para produzir a proteína. Há três principais etapas nesse pro- carrega a informação armazenada no DNA dentro do núcleo para o cito-
cesso: replicação, transcrição e tradução (Figura 22-37). Durante a repli- plasma, onde os ribossomas usam informação para gerar a proteína. Este
cação, a informação genética é transferida entre as mesmas classes de último processo de transferência de informação do RNAm para proteína
ácidos nucléicos. Na maioria dos organismos, a informação é transferida é chamado de tradução. Durante a tradução, a informação é transferida
de DNA para DNA durante a divisão celular. Contudo, alguns vírus podem entre diferentes classes de macromoléculas: RNAm e proteína. Diferente
replicar uma segunda classe de ácidos nucléicos: o ácido ribonucléico da transcrição, a tradução reversa é proibida. Embora a terapia tradicional
(RNA). Durante a transcrição, a informação é transferida entre diferentes seja focada nas proteínas e suas funções, a terapia gênica está focada na
classes de ácidos nucléicos: DNA e RNA. O tipo mais comum de transcri- transferência de informação do DNA para a proteína e nos carreadores
ção é conhecido como transcrição direta (a palavra direta é normalmente dessa informação, ou seja, o DNA e o RNA.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 687

Terapia gênica Terapia tradicional

Replicação Transcrição Tradução

FUNÇÃO

DNA DNA mRNA Proteína

Terapia anti-senso

Figura 22-37 Transferência de informação genética e o foco da terapia tradicional e gênica.

lar e a liberação citoplasmática. Oligonucleotídeos quimicamente causam infecções respiratória, intestinal e ocular em humanos.
modificados, oligonucleotídeos associados a vírus e, mais recen- O resfriado comum é causado por um adenovírus. Os primei-
temente, o uso de carreadores sintéticos, tais como lipossomas ros estudos clínicos de terapia gênica envolvendo vetores virais
catiônicos ou nanopartículas podem aumentar a penetração in- (retrovírus) iniciaram em 1990. Contudo, até hoje ainda não foi
tracelular e a resistência a nucleases. Essas estratégias podem ser aprovado um produto de terapia gênica para humanos. Conse-
usadas sozinhas ou combinadas. A segunda geração de ASO tem qüentemente, a terapia gênica ainda é considerada experimental.
sido delineada para atingir três principais objetivos: (a) elevada Vários fatores limitam o uso bem-sucedido da terapia gênica.
resistência à nuclease; (b) habilidade em atravessar a membrana Primeiro, o efeito positivo de um único tratamento de terapia
celular; e (c) especificidade e elevada afinidade de ligação para gênica não persiste por longo tempo. Vários problemas de inte-
a seqüência-alvo. A resistência à nuclease é geralmente obtida gração do gene terapêutico dentro do genoma e de preservação
mediante modificação da cadeia principal normal fosfodiéster (p. desse gene frente à rápida divisão celular limitam a duração do
ex., fosforotioatos, metil-fosfonatos), incorporação de 2′-O-metil efeito positivo realizado pela terapia gênica. Portanto, o paciente
(OMe) nucleosídeo (2′-OMe-RNA) ou modificações terminais precisa passar por múltiplas seções de terapia gênica. O segundo
diferentes (p. ex., modificação 3′-aminopropila). A melhoria do obstáculo que limita a efetividade da terapia gênica é a resposta
transporte através da membrana celular pode ser obtida pelo uso imune estimulada pelo vetor viral. A resposta limita não somente
de um carreador molecular ligado ao oligonucleotídeo anti-senso a eficácia da terapia, mas também pode ser tão severa a ponto de
(p. ex., colesterol), pelo uso de reagentes de transfecção (Cyto- levar a graves efeitos adversos, causando até mesmo a morte do
fectin, DAC 30, polimina, etc.) ou por modificação da cadeia paciente. A probabilidade da resposta imune aumenta de forma
principal com ligantes mais lipofílicos (metilfosfonato). Contudo, significativa com tratamentos repetidos. De fato, a morte de um
o aumento mais radical da habilidade de penetrar na membrana participante em um estudo clínico de terapia gênica causada por
celular pode ser obtido mediante o uso de sistemas de liberação uma severa resposta imune a um vetor adenoviral reduziu bastan-
de fármacos. Tais SLF devem prover a liberação do DNA a dois te o otimismo frente à terapia gênica na comunidade científica.
principais alvos intracelulares: o núcleo e a mitocôndria.153 A terceira desvantagem da terapia gênica baseada em vetor viral
é a potencial toxicidade dos vetores e a elevada probabilidade
de respostas inflamatórias causadas por esses vírus. Além disso,
Sistemas de liberação de genes virais existe a probabilidade de que, após ter sido introduzido no corpo
humano, o vetor possa recuperar sua habilidade de causar uma
Os vírus evoluíram para encapsular e liberar seus genes dentro doença. Outro estudo de terapia gênica viral foi temporariamente
de células hospedeiras. Logo, essa capacidade dos vírus pode ser cancelado após o desenvolvimento de condições semelhantes à
usada para liberar genes terapêuticos. Tal veículo de liberação de leucemia em duas crianças, depois do tratamento. O quarto obs-
genes é chamado de vetor. Na maioria dos casos, são feitas certas táculo para o uso da terapia gênica está associado ao fato de mui-
manipulações para remover os genes que causam uma doença e tas das desordens de ocorrência comum serem causadas por efei-
substituí-los por genes terapêuticos. Quando as células-alvo são tos combinados de várias mutações genéticas. Logo, esses tipos
infectadas com um vetor viral, o material genético contendo o de desordens podem ser especialmente difíceis de tratar através
gene terapêutico humano é descarregado dentro das células-al- abordagens únicas de terapia gênica.
vo. Diferentes vírus estão sendo usados como vetores de terapia
gênica. Os vetores genéticos mais usados são os retrovírus e os
adenovírus. Os retrovírus são capazes de criar cópias de DNA de Sistemas de liberação de genes não-virais
seus genomas de RNA. Essas cópias podem ser integradas dentro
dos cromossomos das células hospedeiras e causar doenças. O As desvantagens associadas a vetores virais estimularam o
vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) é um exemplo de re- desenvolvimento de carreadores não-virais capazes de liberar
trovírus. Os adenovírus contêm genomas de DNA fita dupla que material genético dentro das células-alvo. A injeção direta do
688 P ATRICK J. S INKO

DNA dentro das células é possível, embora seja limitada a cer-


tos tipos de tecidos, particularmente os que são viáveis para
administração direta de injeções tais como pele e músculos, Mitose
e necessite de grandes quantidades de material genético. Ou-
tra proposta envolve o uso de lipossomas carreadores de DNA
terapêutico ou ASO. Várias novas propostas de terapia gêni-
ca não-viral usando lipossomas têm sido desenvolvidas e têm M
demonstrado resultados promissores.154,155 Exemplos de tais Segunda Primeira
sistemas de liberação não-viral baseados em lipossomas serão fase de G2 G1 fase de
descritos mais adiante neste capítulo. Além dos lipossomas, crescimento crescimento
carreadores poliméricos na forma de nanoesferas,156 nanogéis S
produzidos via microemulsão inversa por polimerização,157
várias estruturas poliméricas complexas,158,159 carreadores
poliméricos termorresponsíveis,160 e sistemas baseados em Fase de síntese
quitosana 161 têm sido recentemente explorados para liberação (replicação do DNA)
gênica e anti-senso.
Uma nova família de carreadores poliméricos de fárma-
cos, que combina a vetorização celular, um componente de
desestruturação de membrana pH-responsível e enxertos de
polietilenoglicol (PEG) estabilizadores de soro, tem mostrado Fase intermediária
facilitar a captação e liberação endossomal de oligonucleotí-
Figura 22-38 As quatro principais fases do ciclo celular.
deos.162,163 Eles são chamados de polímeros criptografados
e são termopolímeros enxertados e consistem de uma cadeia
principal hidrofóbica, que promove a desestruturação de mem-
brana, na qual cadeias hidrofílicas de PEG são enxertadas atra- chamada de terapia biológica, usa o sistema imune do orga-
vés de ligações acetal de um ligante ácido-degradável. Tais po- nismo para atacar as células cancerosas ou proteger o organis-
límeros vetorizam e facilitam a captação celular, assim como mo contra seus efeitos colaterais. Muitas vezes, a combinação
melhoram a liberação citosólica através da ruptura das mem- de vários tipos de tratamento é usada para melhorar a eficácia
branas endossomais de forma pH-dependente. Os resultados da terapia. Na maioria dos casos, a quimioterapia é usada em
dos experimentos mostram que os polímeros criptografados combinação com outros tipos de terapia, em especial com a
facilitam a liberação vesicular e liberam de forma eficiente os cirurgia. De fato, mesmo que os nódulos principais e maiores
oligonucleotídeos ao citoplasma celular, facilitando a captação possam ser removidos por meio cirúrgico, as colônias tumorais
celular e melhorando o transporte biomolecular do compar- micronodulares e móveis que se espalham na cavidade perito-
timento endossomal de baixo pH para o citoplasma. Tem-se neal não podem ser tratadas de modo adequado por cirurgia ou
mostrado que carreadores de polímeros criptografados melho- radiação e necessitam de quimioterapia extensiva.
ram de maneira significativa a liberação de oligonucleotídeos Há duas principais fases no ciclo das células somáticas: mi-
e peptídeos ao citoplasma de culturas de macrófagos, demons- tose (divisão celular) e fase intermediária (Figura 22-38). Du-
trando o potencial de aplicação dessa proposta para a liberação rante a fase intermediária, as células crescem e executam suas
de vacinas e biomedicamentos. funções normais, incluindo a replicação do DNA. A interfase é
subdividida em três fases distintas chamadas G1, S e G2. Em
G1, a primeira fase do crescimento celular, a célula progride
em direção à fase de síntese ou deixa o ciclo celular para se di-
LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS NA TERAPIA DO CÂNCER ferenciar reversível ou irreversivelmente. A célula aumenta seu
tamanho e prepara-se para copiar o DNA. Na fase S, ou fase de
Princípios gerais da terapia do câncer síntese, a célula copia seu DNA e duplica os cromossomas. Em
G2, a segunda fase do crescimento, a célula prepara-se para a
Embora sejam usados vários tipos de tratamento para o câncer, mitose. Nessa fase, é determinada a integridade do DNA. Se
a cirurgia é o tratamento mais efetivo e rápido para tumores que houver danos no DNA, serão reparados durante essa fase. Se
são detectados precocemente e ainda não apresentam metástase. for impossível o reparo do DNA danificado, as células sofrem
Contudo, não há garantia de que todas as extensões microscó- morte celular. A maioria dos agentes quimioterápicos disponí-
picas do tumor sejam removidas. A radioterapia danifica com veis mata as células cancerosas porque afeta a síntese ou a fun-
grande velocidade as células em divisão, principalmente as cé- ção do DNA e, conseqüentemente, age na fase S.
lulas cancerosas, mas também as células sadias que se reprodu- As vias mais comuns de administração de quimioterápicos
zem com grande velocidade, tais como aquelas que recobrem o são as vias oral, intravenosa e intramuscular. Mais recentemen-
trato GI. A quimioterapia usa fármacos anticâncer bastante po- te, outros métodos têm sido usados para aumentar a concen-
tentes e que circulam pela corrente sangüínea, o que a torna útil tração de quimioterápicos no local do tumor. A quimioterapia
em casos de câncer que se espalham. A hormonioterapia é usada pode ser administrada diretamente dentro de uma cavidade es-
para tratar tipos de câncer que dependem muito de hormônios pecífica (intracavitária), no abdômen (intraperitoneal), no pul-
sexuais, evitando que as células cancerosas recebam ou usem mão (intrapleural) ou no sistema nervoso central (intratecal),
os hormônios dos quais necessitam. A imunoterapia, também ou pode ser aplicada diretamente na pele (p. ex., topicamente).
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 689

CONCEITO SISTEMA AVANÇADO DE LIBERAÇÃO DE ANTICÂNCER


Um sistema ideal de liberação de fármacos anticâncer deve preencher te, apesar das intensas pesquisas na área, não há sistemas de liberação
os seguintes requisitos: (a) matar efetivamente as células tumorais; (b) de fármacos anticâncer clinicamente aprovados que cumpram todos estes
ser atóxico a órgãos, tecidos e células sadios; (c) não induzir multirresis- requisitos. Contudo, os intensos esforços da pesquisa na área de libe-
tência a fármacos e superar a resistência a fármacos existente; (d) inibir ração de fármacos anticâncer têm resultado em várias novas propostas
a resistência a fármacos existente; e (e) fornecer o perfil de liberação de para a terapia do câncer, as quais têm se aproximado substancialmente
fármaco necessário a um determinado esquema terapêutico. Infelizmen- dessa meta.

As principais categorias de agentes quimioterápicos são um sistema especial de liberação de fármacos, vetorizado es-
os agentes alquilantes, os antimetabólicos, os alcalóides de- pecificamente a células cancerosas minimiza as concentrações
rivados de plantas, os antibióticos antitumorais e os hormô- de fármaco nos tecidos sadios e melhora a captação e retenção
nios. Cada fármaco é categorizado de acordo com seu efeito do fármaco nas células cancerosas, podendo reduzir de forma
sobre o ciclo celular e sobre os processos químicos celulares. significativa a citotoxicidade do fármaco nos órgãos sadios.
Os agentes alquilantes matam as células por atacar diretamente O segundo fator que limita o sucesso do tratamento qui-
o DNA (ciclofosfamida). As nitrosuréias, tais como a carmus- mioterápico do câncer é o desenvolvimento de resistência a
tina (BCNU) e a lomustina (CCNU), agem de forma similar múltiplos fármacos (MDR),164 que se refere à resistência con-
aos agentes alquilantes e também inibem a reparação do DNA. tra um grande espectro de fármacos anticâncer após o trata-
Esses agentes atravessam a barreira hematoencefálica e são mento com um único agente. As glicoproteínas de membrana,
usados para tratar tumores cerebrais, linfomas, mieloma múl- chamadas de glicoproteínas P, têm-se mostrado responsáveis
tiplo e melanoma maligno. Os antimetabólicos são fármacos pela resistência cruzada a uma ampla gama de agentes citotó-
que bloqueiam o crescimento celular por interferirem em cer- xicos estrutural e funcionalmente diferentes. Essas glicopro-
tas atividades, usualmente a síntese de DNA. Uma vez capta- teínas, codificadas em humanos pelos genes MDR1 e MDR3,
dos pela célula, eles cessam seu desenvolvimento e reprodução funcionam como bombas de membrana energia-dependente
normal. Todos os fármacos dessa categoria afetam a célula que removem agentes citotóxicos das células resistentes. Além
durante a fase S do ciclo celular (p. ex., 6-mercaptopurina e das glicoproteínas P, têm sido identificados outros transporta-
5-fluorouracil [5FU]). Anticorpos tumorais, como a doxorru- dores que contribuem para a MDR das células cancerosas. A
bicina, a mitomicina-C e a bleomicina são um grupo distinto superexpressão dos genes que codificam as bombas de efluxo
de compostos. Em geral, eles agem ligando-se ao DNA e evi- de fármacos e aumentam sua atividade é a principal causa da
tando a síntese de RNA. Os alcalóides originários de plantas resistência a múltiplos fármacos.165,166 Por tal razão, esse tipo
(vinca), tais como vincristina e vimblastina, são agentes anti- de resistência à quimioterapia pode ser definida como “resis-
tumorais derivados de plantas e agem especificamente através tência relacionada à bomba”. 1,34,124
do bloqueio da divisão celular durante a mitose. Os hormônios Vários métodos, incluindo o uso de oligonucleotídeos
são úteis no tratamento de alguns tipos de tumores. Essa classe anti-senso vetorizados contra RNAm derivados de genes
inclui os adrenocorticóides, os estrógenos, os antiestrógenos, codificadores de bombas de efluxo de fármacos, foram de-
a progesterona e os andrógenos. Embora seu mecanismo de senvolvidos para superar ou suprimir a resistência a múlti-
ação específica não seja claro, os hormônios esteróides modi- plos fármacos.167-169 Contudo, mesmo quando essas tenta-
ficam o crescimento de determinados tipos de câncer hormô- tivas levam a um aumento das concentrações intracelulares
nio-dependentes. O tamoxifeno, usado para câncer de mama do fármaco, isso não resulta em melhoria do tratamento.
estrógeno-dependente, é um exemplo. Além disso, existem A principal razão dessa falha é uma ativação adaptativa do
outros fármacos antitumorais cujos mecanismos de ação não mecanismo de defesa de morte celular, que não é associado
permitem categorização ampla. às bombas de efluxo de fármaco. Esse tipo de resistência
celular à quimioterapia pode ser definido como “resistência
não-relacionada à bomba”.1,34,114,124
Fatores limitantes para o sucesso O principal componente da resistência celular não-relacio-
da quimioterapia no câncer nada à bomba é a ativação da defesa celular antiapoptótica.
Cada fármaco anticâncer inicialmente produz certas desordens
Vários novos fármacos anticâncer estão sendo desenvolvidos e importantes dentro da célula, incluindo dano no DNA, nos mi-
testados. Contudo, a eficácia máxima esperada da quimiotera- crotúbulos ou em outras estruturas celulares. Se o dano primá-
pia do câncer não pode ser obtida devido aos efeitos colaterais rio não é acompanhado de morte celular, as células tumorais
nos órgãos sadios e ao desenvolvimento de resistência celular permanecem viáveis quanto a sua habilidade de reparar o dano
ao tratamento. e proliferar. Logo, a citotoxicidade do fármaco e sua efetivida-
Um ponto central na quimioterapia do câncer são os gra- de anticâncer depende da transmissão do dano induzido pelo
ves efeitos tóxicos dos fármacos anticâncer sobre tecidos sa- fármaco à morte celular.
dios, o que leva, invariavelmente, à redução de dose, retardo do Muitos fármacos anticâncer matam as células por induzi-
tratamento ou até mesmo descontinuidade da terapia. O uso de rem um tipo especial de morte celular chamado apoptose, que
690 P ATRICK J. S INKO

é um processo de morte celular programada ou suicídio celular.


Esse processo é um componente normal de desenvolvimento e TABELA 22-7
saúde de organismos multicelulares. É coordenado por meca- REQUISITOS PARA SISTEMAS AVANÇADOS DE LIBERAÇÃO
nismos bastante complicados de sinalização e execução celu- DE FÁRMACOS PARA QUIMIOTERAPIA ANTICÂNCER
lar. Quando uma célula morre por apoptose, ela sofre distintas
1. Liberação vetorizada de fármacos
alterações, inicialmente retraindo-se e removendo-se do meio
a. Liberar o fármaco anticâncer especificamente nas células
das células vizinhas. A esse processo, que lembra a queda das
tumorais e proteger as células normais da ação do fármaco
folhas, foi dado o nome “apoptose”, originário de uma palavra
b.Liberar o fármaco anticâncer no local da sua ação
grega que descreve a queda das folhas de uma árvore. Após
2. Proteger a liberação do fármaco
a retração e remoção, aparecem vesículas (bolhas cheias de
a. Proteger o fármaco da ação de enzimas detoxificantes
fluido) na superfície da célula, e a cromatina condensa-se nas durante seu transporte às células cancerosas
extremidades do núcleo. Além disso, o núcleo, e então a célula b. Proteger o fármaco da ação de enzimas detoxificantes
toda, quebram-se, formando os chamados “corpos apoptóti- durante seu transporte dentro da célula para seu local de ação
cos” que são rapidamente ingeridos por células fagocíticas. 3. Modulação da resistência associada à bomba
A upregulation do sistema antiapoptótico desempenha a. Superar a resistência existente associada à bomba
um papel fundamental no desenvolvimento da resistência b. Prevenir o desenvolvimento de resistência associada à
não-associada à bomba. Verificou-se que a família de proteí- bomba
nas BCL-2 é peça-chave no sistema.170,171 Ao contrário das c. Suprimir bombas de efluxo de fármaco existentes
bombas protéicas de efluxo de fármaco, a superexpressão de 4. Supressão de resistência não-associada à bomba
BCL-2 não interfere na entrada e acúmulo dos fármacos nas a. Prevenir ou suprimir mecanismos de defesa celular
células tumorais. Em vez disso, a BCL-2 evita que o dano in- específicos para o fármaco anticâncer usado
duzido por fármacos seja eficientemente convertido em morte b. Suprimir mecanismos de defesa antiapoptóticos não-
celular mediante a prevenção da liberação do citocromo c da específicos
mitocôndria e, ainda, mediante a prevenção da ativação da cas- 5. Controlar a liberação do fármaco
cata caspase de execução apoptótica. a. Gerar um perfil favorável de liberação do fármaco
Para matar efetivamente as células cancerosas, os fárma- anticâncer
cos anticâncer devem não somente induzir morte celular, mas b. Gerar uma seqüência e regulação de tempo de liberação
também suprimir ou pelo menos superar a resistência celu- favorável dos fármacos e componentes a partir do sistema
lar tanto relacionada quanto não-relacionada à bomba. Além complexo
disso, devem ser evitados vários efeitos adversos graves em
tecidos normais e órgãos. Essa complexa tarefa não pode ser
executada simplesmente pelos fármacos anticâncer e necessi- membranas que, em última instância, fundem-se com lisosso-
ta de sistemas avançados de liberação de fármacos anticâncer. mas para formar lisossomas secundários (Figura 22-39). Isso
Um sistema ideal de liberação de fármacos anticâncer deve permite que o fármaco escape das bombas de efluxo localiza-
possuir cinco principais características e gerar: (a) liberação das na membrana plasmática e proteja-se da ação das enzimas
vetorizada de fármaco do agente anticâncer especificamente
no tumor e no local intracelular de sua ação, evitando danos a
células normais; (b) liberação de fármaco protegida, prevenin-
do a degradação e detoxificação do fármaco durante seu trans- 1.
porte ao tumor e dentro das células cancerosas; (c) modulação Endocitose
da resistência à bomba para suprimir ou ao menos sobrepor
a resistência relacionada à bomba existente e evitar sua sín-
tese de novo; (d) supressão da resistência não-relacionada à
bomba para aumentar a indução à morte celular pelo fármaco Vesícula Bomba de
anticâncer e impedir a ativação adaptativa da defesa apoptótica endocítica efluxo de
celular; e (e) liberação controlada de fármaco para gerar um Endossoma fármaco
perfil favorável de liberação do fármaco e outros componentes
(se houver algum) a partir do SLF dentro das células cancero-
sas e de seu local de ação (Tabela 22-7). Lisossoma

Sistemas de liberação de fármacos anticâncer


DNA
Vários sistemas de liberação de fármaco que preenchem alguns
dos requisitos especiais têm sido desenvolvidos. Carreadores 2. 3.
macromoleculares solúveis em água têm muitas das caracterís- Fusão Liberação
ticas de um SLF ideal. Um exemplo, desenvolvido pelo labo- com do fármaco
ratório Kopecek e colaboradores, é baseado no uso de copolí- lisossomas livre
meros de N-(2-hidroxipropil) metacrilamida (HPMA) solúveis Figura 22-39 Mecanismos de internalização dos fármacos livre e ligado ao
em água.3,6,172-174 O copolímero de HPMA ligado a fármacos polímero. (Modificada de T. Minko, P. Kopeckova and J. Kopecek, in J. Kahovec
entra nas células por endocitose em organelas limitadas por (Ed.), Polymers in Medicine, Wiley-VCH, Weinheim, Germany, 2001, p. 35.)
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 691

de detoxificação citoplasmáticas. Se o fármaco está ligado ao mano têm sido usados como alvos para sistemas lipossomais
polímero via espaçadores lisossomalmente degradáveis, ele é de liberação de fármacos.179 Sistemas carreadores carregados
liberado do lisossoma secundário dentro do citoplasma, na re- com agentes de imagem ou agentes terapêuticos e com ligantes
gião perinuclear. A vetorização ao câncer é obtida pelo efeito de superfície aos receptores VIP podem ser potencialmente ati-
EPR (ver p. 681) e/ou usando-se grupamentos funcionais veto- vados para serem vetorizados ao câncer de mama.
rizados, incluindo fragmentos de anticorpos polimerizáveis que Alguns peptídeos de penetração celular não-específica
também aumentam a citotoxicidade por iniciar a endocitose agem como otimizadores de penetração (p. ex., peptídeo TAT)
mediada por receptor.7 Esse SLF provê vetorização e protege a e têm sido usados para facilitar a captação de lipossomas por
liberação do fármaco, supera a resistência relacionada à bomba, células cancerosas. Os lipossomas-peptídeos TAT captados
supera, de certo modo, a resistência não-relacionada à bomba e para dentro das células permanecem intactos durante as pri-
previne a ativação da defesa celular antiapoptótica. Logo, o co- meiras horas e, então, migram lentamente em direção ao nú-
polímero HPMA vetorizado satisfaz a maioria das necessidades cleo da célula, onde são desintegrados, liberando o fármaco.
dos sistemas de liberação de fármacos anticâncer. Além do TAT, outros peptídeos têm sido usados para facilitar
Micelas mistas estericamente estabilizadas com fosfolipí- a captação de fármacos ou de sistemas de liberação de fárma-
dios têm sido produzidas e avaliadas como novos carreadores cos dentro das células cancerosas. Alguns deles são específi-
para fármacos insolúveis em água (p. ex., paclitaxel).175 Elas cos para o câncer, gerando uma ativa vetorização ao tumor.
são compostas de diestearoil fosfatidiletanolamina enxertada Outros peptídeos melhoram a captação tanto por células nor-
com polietilenoglicol 2000 e fosfatidilcolina de ovo, e podem mais quanto cancerosas. No caso de peptídeos não-específicos
ser usadas como um carreador lipídico aperfeiçoado para fár- ao tumor, a vetorização passiva costuma ser obtida mediante
macos anticâncer insolúveis em água. As imunomicelas, novos o uso de carreadores de fármaco de elevada massa molecu-
carreadores vetorizados para medicamentos contendo fárma- lar. O tetradecapeptídeo bombesina, originalmente isolado
cos anticâncer pouco solúveis, têm sido desenvolvidas para da pele de sapo e seus homólogos anfíbios e mamíferos, tem
fixar quimicamente anticorpos a grupos reativos incorporados sido usado para atingir receptores relacionados à bombesina
na coroa de micelas poliméricas feitas de conjugados de polie- em vários tipos de células cancerosas. A família dos peptídeos
tilenoglicol-fosfatidiletanolamina.176 Os anticorpos fixados a semelhantes à bombesina inclui o peptídeo liberador de gastri-
micelas retêm sua habilidade em interagir de forma específica na, um peptídeo de 27 aminoácidos considerado um homólogo
com seus antígenos. Imunomicelas com anticorpos monoclo- humano da bombesina; a ranatensina de anfíbios e a neurome-
nais antitumorais afixados reconheceram e ligaram efetiva- dina B, que foi encontrada em mamíferos, assim como a classe
mente várias células cancerosas, in vitro, e apresentaram um menos conhecida das filolitorinas. Conjugados de análogos de
acúmulo aumentado em tumores experimentais de camundon- bombesina-doxorrubicina demonstraram um efeito inibitório
gos, quando comparadas a micelas não-vetorizadas. sobre o crescimento do câncer pancreático humano, câncer
O copolímero blocado Pluronic P85 demonstrou inibir o pulmonar humano, câncer prostático humano e linhagens de
transportador de efluxo de fármaco glicoproteína P (Pgp) e au- células gástricas cancerosas humanas que têm receptores para
mentar a permeabilidade de fármacos de amplo espectro na bombesina.185 Os peptídeos da seqüência de internalização an-
barreira hematoencefálica. Verificou-se que os pluronics lipo- tenapedia e do hormônio regulador da liberação do hormônio
fílicos com comprimento intermediário de blocos de óxido de luteinizante também têm sido usados para facilitar a captação
propileno (de 30 a 60 unidades) e um valor de equilíbrio hidró- do fármaco, ou de todo o sistema de liberação de fármaco, pe-
filo-lipófilo menor do que 20 são os mais efetivos em inibir o las células cancerosas.1,113,114,186–188
efluxo por Pgp.177 Os copolímeros blocados pluronic intera-
gem com tumores resistentes a vários fármacos, resultando em
uma drástica sensibilização desses tumores em relação a vários Sistemas pró-apoptóticos de liberação
agentes anticâncer, particularmente os antibióticos do tipo an- vetorizada de fármacos anticâncer
traciclinas. Além disso, os pluronics afetam vários mecanismos
distintos de resistência a fármacos, inibem os transportadores Os sistemas de liberação de fármacos produzem vetorização
de efluxo de fármaco e anulam a captura do fármaco em vesí- passiva e ativa e, na maioria dos casos, uma forma passiva para
culas ácidas, assim como inibem o sistema de detoxificação suprimir a resistência celular associada e/ou não-associada à
glutationa/glutationa S-transferase. Todos esses mecanismos bomba. Um novo sistema pró-apoptótico de liberação de fár-
de resistência a fármacos são dependentes de energia e, por- maco anticâncer que produz vetorização ativa e suprime ati-
tanto, a depleção de ATP induzida por copolímeros blocados vamente tanto a resistência celular associada quanto a não-
pluronic em células resistentes a vários fármacos é considerada associada à bomba foi recentemente desenvolvido por Minko
como um mecanismo de quimiossensibilização dessas células. e colaboradores.1,34,124 Tal sistema inclui cinco componentes
Estudos mecanicísticos adicionais e avaliações clínicas de uma principais: (a) um agente indutor de apoptose (p. ex., um fár-
formulação contendo uma mistura de doxorrubicina e pluro- maco anticâncer); (b) um supressor de resistência associada
nics L61 e F127, SP1049C estão em andamento.178 à bomba; (c) um radical de vetorização/otimizador de pene-
Vários sistemas lipossomais de liberação de fármacos têm tração; (d) um inibidor de resistência não-associada à bomba;
sido desenvolvidos recentemente para a quimioterapia do cân- e (e) um carreador (Figura 22-40). O carreador mantém os
cer.179-184 Tanto estratégias de vetorização de tumores passiva componentes do SLF juntos e facilita a solubilidade de todo o
(p. ex., via efeito EPR) e ativa (p. ex., via imunolipossomas) complexo. O polímero polietilenoglicol e os lipossomas têm
têm sido usadas. Receptores para peptídeos intestinais vasoati- sido usados como carreadores para o SLF.34,114,121 O radical de
vos (VIP) que estão superexpressados no câncer de mama hu- vetorização/otimizador de penetração deve aumentar de forma
692 P ATRICK J. S INKO

fica as principais bombas de efluxo de fármacos, glicoproteí-


nas P e proteínas associadas à resistência a múltiplos fármacos
Radical de têm sido testados como supressores da resistência associada à
vetorização bomba.34,167-169,193,194 Testes experimentais de propostos siste-
mas vetorizados pró-apoptóticos de liberação de fármacos e de
seus componentes confirmaram a viabilidade desta abordagem
e demonstraram que o uso de tais SLF melhorou significativa-
mente a atividade de tradicionais fármacos anticâncer em uma
escala que não pode ser atingida pelos componentes individuais
Supressor Supressor da usados separadamente.1,34,113,114,186 Portanto, os sistemas vetori-
resistência resistência
associada
Carreador zados pró-apoptóticos de liberação de fármacos usam uma nova
não-associada abordagem tríade, atacando simultaneamente múltiplos alvos:
à bomba à bomba
(a) o gene codificador das bombas de efluxo de fármacos, para
suprimir a resistência celular associada à bomba e melhorar a
retenção do fármaco nas células cancerosas; (b) os mecanismos
de inicialização à apoptose, para induzir morte celular; e (c) os
mecanismos que controlam a apoptose, para suprimir a defesa
celular antiapoptótica. Esse ataque triplo com vetorização celu-
Fármaco
lar-molecular sobre o câncer previne a resistência a múltiplos
fármacos e favorece vias celulares que levam à morte de células
cancerosas.
Figura 22-40 Sistema de liberação de fármaco anticâncer pró-apoptótico
com simultânea supressão da resistência associada e não-associada à bom- Referências
ba. (Modificada de T. Minks, Adv. Drug Deliv. Rev., 56, 491, 2004).
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ção do hormônio luteinizante tem sido selecionado como radi- Controlled Release 78, 165, 2002.
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cancerosas e facilitar sua captação celular. 50, 61, 2000.
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EXERCÍCIOS DE REVISÃO*

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO de modo a obter uma linha reta e determinar o valor da


constante k a partir desse gráfico. Expressar o valor da
constante em érgios, joules e calorias.
1-1 A densidade, ρ, de uma partícula de látex é de 2,23 g cm–3.
Converter este valor para unidades SI. Dados para o Exercício 1-13
1-2 Converter 2,736 nm em cm.
1-3 Converter 1,99 × 104 Å3 em nm3. P (atm) 0,25 0,50 1,0 2,0 4,0
1-4 A tensão superficial, γ, de um novo óleo sintético tem V (litros) 89,6 44,8 22,4 11,12 5,60
um valor de 27,32 dina cm–1. Calcular o valor corres-
pondente de γ em unidades SI. 1-14 A distância percorrida por um corpo em queda livre,
1-5 O trabalho realizado pelos rins no transporte de 0,1 mol a partir do estado de repouso, é dada pela equação s =
de uréia do plasma para a urina é 259 cal. Converter (1/2)gt2. Colocar em um gráfico os dados fornecidos de
essa quantidade em unidades SI. modo a obter uma linha reta e determinar o valor de g, a
1-6 O corpo excreta HCl para o estômago em uma con- aceleração gravitacional. A partir desse gráfico, calcu-
centração de 0,14 M a 37 °C. O trabalho gasto nesse lar o tempo transcorrido quando o corpo tiver caído 450
processo corresponde a 3,8 × 1011 erg. Converter essa pés (137,16 m)
energia em unidades SI fundamentais ou primárias,
kg m2 s–2. M expressa molaridade. Dados para o Exercício 1-14
1-7 A constante dos gases, R, é dada em unidades SI como s (pés) 0 16 64 144 256 400
8,3143 J K–1 mol–1. Converter o valor em calorias. t (s) 0 1 2 3 4 5
1-8 Converter 50,237 Pa em unidades torr ou mm Hg, sen-
do que 1 atm = 760 mm Hg = 760 torr. 1-15 A quantidade de ácido acético, em solução, adsorvido
1-9 Converter uma energia de 4,379 × 106 erg em unidades pelo carvão ativado é dada pela equação de Freundlich,
SI. x/m = kcn, onde x é a quantidade de ácido acético (em
1-10 Uma pressão de 1 atm suporta uma coluna de mercúrio milimóis) adsorvida por m gramas de carvão ativado
de 760 mm de altura a 0 °C (Figura 1-8). Que altura de quando a concentração do ácido no equilíbrio de adsor-
espírito mineral (uma fração do óleo mineral) suportará ção vale c (mol/litro) e k e n são constantes empíricas.
uma pressão de 1 atm a 25 °C? A densidade do espírito Converter essa equação na forma logarítmica e cons-
mineral a 25 °C é de 0,860 g/cm3. Expressar os resul- truir um gráfico log (x/m) versus log c. Calcular k e n a
tados tanto em pés** quanto em milímetros de espírito partir do gráfico.
mineral. Sugestão: ver o Exemplo 1-1.
1-11 A que altura uma bomba de água normal (Figura 1-9), Dados para o Exercício 1-15
operada manualmente a 25 °C, pode elevar uma coluna Milimóis de ácido acético Concentração de
de água acima da superfície de uma fonte de água? A por grama de carvão ácido acético
que altura essa bomba pode elevar uma coluna de mer- ativado (x/m) (mol/litro) (c)
cúrio, a 25 °C, a partir de uma fonte cheia de mercúrio?
A densidade do mercúrio a 25 °C é 13,5340 g cm–3. 0,45 0,018
1-12 Derivar a equação (1-15), fazer a demonstração e 0,60 0,03
utilizá-la neste exercício. Escolher a base b para um 0,80 0,06
sistema logarítmico. Para tornar o Exercício mais in- 1,10 0,13
teressante, você pode tomar, por exemplo, a base b 1,50 0,27
= 5,9, assumindo que sua altura seja de 5,9 pés***. 2,00 0,50
Estabelecer uma tabela logarítmica com base b = 5,9 2,30 0,75
para os números 1.000, 100, 10, 0,1 e 0,001. 2,65 1,00
1-13 De acordo com a lei de Boyle para os gases ideais, a
1-16 A equação que descreve o efeito da temperatura sobre a
pressão e o volume de uma massa de gás definida, a
velocidade de reação é a equação de Arrhenius,
temperatura constante, são dados pela equação PV= k
ou P = k(1/V), onde P é a pressão em atm e V o volume
Ea
k Ae RT (1)
em litros. Colocar em um gráfico os dados tabelados
onde k é a constante de velocidade de reação na tem-
* N. de T.: Os valores e algumas unidades utilizadas na obra original foram peratura T (em kelvin), A é uma constante conhecida
transferidos para unidades SI e colocados entre parênteses. como fator de Arrhenius, R é a constante dos gases
** N. de T.: 1 pé = 30,48 cm. (1,987 cal mol–1 K–1) e Ea é denominada energia de
*** N. de T.: 1,80 m. ativação (cal mol–1). Rearranjar equação de modo
696 P ATRICK J. S INKO

a gerar a equação de uma linha reta [ver equação Separando as variáveis e integrando para os limites de s
(1-19)] e calcular os valores de Ea e A a partir dos = s0 no t = 0 e s = s no t = t, obteremos:
seguintes dados: s
ds t
− k dt (3)
Dados para o Exercício 1-16 s0 s 0

t ( °C) 40 50 60 (–ln s) – (–ln s0) = kt e ln s = ln s0 – kt ou, em ter-


mos de logaritmos decimais, log s = log s0 – kt/2,303. A
k 0,10 0,25 0,70
quantidade 2,303 deve ser utilizada porque ln s = 2,303
Sugestão: Trabalhar com logaritmos naturais em am- log s.
bos lados da equação de Arrhenius. Conhecendo a distância que ainda falta, s, em tem-
pos diferentes, pode-se calcular k a partir da inclinação
1-17 (a) Converter a equação FN = η’G na forma logarít-
e, a partir do intercepto, a distância total, s0:
mica, onde F é a tensão de cisalhamento ou força por
unidade de área, G é a velocidade de cisalhamento e η’ Dados para o Exercício 1-18
é o coeficiente de viscosidade. N é um expoente que ex-
pressa o desvio de algumas soluções e pastas da equa- s (km) 259,3 192,0 142,3 105,4
ção newtoniana da viscosidade (ver Capítulo 20, espe- t (h) 1 2 3 4
cialmente as p. 576 e 578). Construir um gráfico de log
G versus log F (logaritmos decimais) a partir da tabela A partir dos dados fornecidos na tabela acima, calcular s0
de dados experimentais fornecida no final deste exercí- e k utilizando valores em termos de ln e log. Discutir as
cio e determinar o valor de N, a inclinação da reta. Uti- vantagens e desvantagens do uso dos logaritmos naturais
lizando os mesmos dados, construir um gráfico de ln G (ln) e dos decimais (log) em um exercício dessa natureza.
versus ln F (logaritmos naturais) e calcular novamente Por que se deve trocar ln para log quando plotamos dados,
o valor de N. O valor de N difere quando calculado a da mesma forma como fazem alguns pesquisadores?
partir dessas duas retas? 1-19 Após preparar uma receita que requer seis cápsulas, cada
(b) Plotar os valores de F e G abaixo tabelados dire- uma delas contendo três grãos* (aproximadamente 195
tamente em escala semilogarítmica ou bilogarítmica mg) de aspirina, os conteúdos dessas cápsulas foram re-
dupla (ou seja, em um papel com escala logarítmica em movidos por completo e depois pesados. Os pesos foram
ambos os eixos). A inclinação dessa linha deve gerar 2,85, 2,80, 3,02, 3,05, 2,95 e 3,15 grãos. Calcular o peso
o coeficiente N obtido a partir da inclinação dos dois médio, o desvio médio e o desvio padrão para o conteúdo
gráficos anteriores? Como se pode obter o valor de N das cápsulas. Um grama equivale a 15,432 grãos (gr).
utilizando uma escala bilogarítmica? 1-20 (a) Usando os dados da Tabela 1-7 e o método dos míni-
(c) Fazer a regressão de ln G versus ln F e log G versus mos quadrados, calcular a inclinação e o intercepto para a
log F e calcular N a partir da inclinação das duas equa- relação linear existente entre o índice de refração e a con-
ções de regressão. Qual dos métodos, (a), (b) ou (c), centração de tetracloreto de carbono expressa em volume
proporciona o resultado mais preciso? por cento. Calcular o coeficiente de correlação, r.
(b) Utilizar os dados da Tabela 1-8 e o método dos míni-
Dados para o Exercício 1-17 mos quadrados para obter a equação da reta projetada na
G (s )–1
22,70 45,40 68,0 106,0 140,0 181,0 272,0
Figura 1-4. Calcular o coeficiente de correlação, r. Com-
parar seus resultados com os obtidos pela equação mostra-
F (dina/cm2) 1.423 1.804 2.082 2.498 2.811 3.088 3.500 da na Figura 1-4. Explicar por que seus resultados, obti-
dos estatisticamente pelo método dos mínimos quadrados,
Sugestão: Converter G e F para ln e log e colocar podem diferir da equação mostrada na Figura 1-4.
esses valores na tabela contendo os valores de G e 1-21 De acordo com o princípio conhecido como Regra de
F. Calcule os valores de log e ln até a quarta casa Trouton, o calor de vaporização molar, ΔHV (cal/mol),
decimal. de um líquido, quando dividido pelo seu ponto de ebuli-
1-18 Na equação ção, Tb, em escala Kelvin e a pressão atmosférica, deve
ds ser igual a um valor constante próximo de 23. Se esta
− ks (2) regra prevalece, o gráfico de ΔHV de vários líquidos
dt
versus as respectivas temperaturas de ebulição absolu-
s é a distância de percurso de um automóvel durante o tas, Tb, deverá formar uma linha reta com inclinação
tempo t, sendo k uma constante de proporcionalidade. igual a 23 e um intercepto em 0.
Neste exercício, a velocidade, ds/dt, é proporcional à (a) Construir um gráfico de ΔHV versus Tb em um pa-
distância, s, a ser percorrida a qualquer tempo. Logo, pel quadriculado simples utilizando todos os dados for-
a velocidade não é constante, pelo contrário, diminui necidos na tabela seguinte. Mediante um programa de
conforme o automóvel alcança o seu destino, talvez regressão pelo método dos mínimos quadrados, calcu-
porque o tráfego tenha se tornado difícil à medida que lar a inclinação e o intercepto. Projetar uma linha sobre
o automóvel se aproximava da cidade. A equação pode o gráfico que corresponda à equação ΔHV = 23Tb.
ser integrada para resolver o valor de k, desde que se
conheça a distância, s, no tempo t, e a distância total, s0. * N. de T.: Grain, unidade de peso do Sistema Avoirpois = 0,06648 g.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 697

Dados para o Exercício 1-21 orgânicos tivesse sido escolhido para testar o princípio
de Trouton. Contudo, em um exercício para estudantes,
Tb ΔHV ΔHV /Tb
uma abordagem como essa não teria sido prática.
Substância (K) (cal mol–1) (cal K–1 mol–1)
1-22 Para avaliar a ação hipnótica em ratos, foi ensaiada uma
Propano 231 4,812 20,8 série de derivados do ácido barbitúrico dissubstituídos
Éter etílico 308 6,946 22,6 na posição 5,5(Ra, Rb). A atividade relativa necessária
Dissulfeto de carbono 320 6,787 21,2 para provocar hipnose foi medida para cada um dos de-
Hexano 342 7,627 22,3 rivados. Assume-se que, para cada derivado do ácido
Tetracloreto de carbono 350 8,272 23,6 barbitúrico, a atividade hipnótica, dependendo da va-
Cicloexano 354 7,831 22,1 riável y, possa estar relacionada de forma linear com
Nitrobenzeno 483 12,168 25,2 o logaritmo do coeficiente de partição, log K, que é
considerado a variável independente x (para a definição
(b) Repetir a regressão retirando o nitrobenzeno dos de K, consultar o Capítulo10). Os valores da ativida-
cálculos. de observada e do coeficiente de partição de cada de-
(c) Repetir a análise utilizando as seguintes combina- rivado dissubstituído estão contidos na tabela abaixo.
ções de dados (o nitrobenzeno não é utilizado em ne- Calcular os valores de log K e colocá-los no espaço
nhuma delas): reservado na coluna com o cabeçalho log K. Construir
um gráfico das atividades relativas observadas versus
(1) Propano (2) Propano (3) Propano
os respectivos valores de log K e calcular a inclina-
Dissulfeto de Éter etílico Tetracloreto de
ção da reta, utilizando dois pontos bem espaçados um
carbono Dissulfeto de carbono
do outro. Determinar o valor do intercepto. A seguir,
Hexano carbono Dissulfeto de
calcular mediante regressão linear a inclinação e o in-
Cicloexano Hexano carbono
tercepto pelo método dos mínimos quadrados, assim
Cicloexano Hexano
como o valor de r, o coeficiente de correlação. Obter a
(d) Comparar as inclinações obtidas nos itens (a), (b), equação da reta pelo método dos mínimos quadrados e
(c1) (c2) e (c3). Qual delas confere melhor com o valor de aplicá-la para obter a atividade relativa de cada um dos
Trouton, que é 23? Por que se consegue uma inclinação derivados. Inserir esses valores calculados na coluna
em (a) bem diferente dos valores das outras inclinações? reservada na tabela e registrar a diferença percentual
(e) Nossa abordagem, que utiliza a equação ΔHV = 23Tb entre as atividades relativas observadas e calculadas
e a análise de regressão linear, parece ser uma prova con- para cada um dos derivados.
vincente da regra de Trouton? É possível sugerir outra 1-23 A atividade anestésica de nove éteres alifáticos foi plo-
abordagem para testar, de forma mais convincente, a va- tada em função do logaritmo do coeficiente de partição,
lidade do princípio de Trouton? (Sugestão: Que resulta- log K. Como medida da ação anestésica foi utilizada a
do seria esperado se ΔHV /Tb fosse colocado no eixo dos razão log 1/C, onde C representa a concentração molar
y e plotado contra Tb no eixo horizontal dos x?) Indepen- de cada fármaco. Um gráfico desses dados não é linear,
dente do método utilizado, os resultados provavelmente e sim uma relação quadrática, o que sugere o uso de
teriam sido melhorados se um número maior de líquidos uma equação parabólica do tipo:

Dados para o Exercício 1-22

Derivado Atividade relativa (AR)


Ra Rb K log K Observada Calculada Diferença %
Etil, etil 4,47 2,79
Etil, fenil 26,3 3,12
Etil, amil 141,3 3,45
Etil, butil 44,7 3,33
Etil, isobutil 28,2 3,28
Alil, ciclopentil 97,7 3,67
Etil, 1-metil-amil 281,8 3,60
Etil, isoamil 89,1 3,50
Etil, ciclopentil 61,7 3,45
Alil, 1-metil-butil 143,3 3,83
698 P ATRICK J. S INKO

log 1 C a b(log K ) c(log K )2 das três variáveis independentes, calcular o coeficiente


de regressão múltipla, r2, o valor de a (intercepto em y)
A atividade observada (log 1/C) e o log do coeficiente e os coeficientes de regressão b, c e d.
de partição de cada éter alifático substituído são dados
na tabela abaixo. Construir um gráfico de log 1/C (eixo Dados para o Exercício 1-24
vertical) versus log K (eixo horizontal) em um papel
Solutos* log S V/100 π β
quadriculado e observar a natureza parabólica da curva.
Utilizando um programa de regressão polinomial, dis- Metanol 1,13 0,405 0,40 0,42
ponível em um computador portátil, ajustar os pontos Etanol 0,69 0,584 0,40 0,45
dos dados à equação polinomial parabólica, 2-Propanol 0,33 0,765 0,40 0,51
1-Propanol 0,12 0,748 0,40 0,45
y a bx cx 2
Isobutanol –0,31 0,920 0,40 0,45
e calcular r2, o intercepto em y e os coeficientes de re- Acetona 0,36 0,734 0,71 0,48
gressão b e c. Substituir os valores de log K e de (log 2-Butanona –0,06 0,895 0,67 0,48
K)2 na equação parabólica e fazer o cálculo de retor- (C2H5)2O –0,31 1,046 0,27 0,47
no dos nove valores de log 1/C. Comparar os valores Benzeno –0,93 0,989 0,19 0,10
calculados com as atividades anestésicas observadas, CHCl3 –0,53 0,805 0,38 0,10
tabeladas para cada um dos éteres substituídos. Quan-
do r2, denominado coeficiente de regressão múltipla, * Valores selecionados a partir da Tabela I de Kamlet e colaboradores 1
é associado a uma regressão múltipla resultando em (b) Utilizar a equação obtida no item (a) para recalcu-
um valor muito próximo de 1,000 e a diferença per- lar os valores de log S para os dez casos tabelados,
centual entre os valores observados e calculados de
log 1/C é pequena, pode-se assumir que a equação log S(exper ) − log S(calc )
× 100
polinomial escolhida é apropriada para ajustar os va- log S(exper )
lores analisados.
e compará-los com os valores de log S determinados
Dados para o Exercício 1-23: de maneira experimental (fornecidos na tabela). Cal-
Anestesia em Camundongos* cular o erro percentual para os dez valores de log S
calculados. Esses erros percentuais parecem aceitáveis
Atividade observada Log coeficiente de para uma regressão linear múltipla? Discutir este pon-
Éter alifático (log 1/C)† partição (log K) to com o professor e com seus colegas. (Para confe-
Metilciclopropil 2,85 0,75 rir quão bem a equação linear múltipla permite ajus-
Metilisobutil 3,00 1,00 tar esses dados, consultar Y. C. Martin, Quantitative
Metilbutil 3,15 1,27 Drug Design, Marcel Dekker, NewYork, 1978, pp.
Etil ter-butil 3,25 1,50 194-198).
Propil-isobutil 3,33 1,75 1-25 O peso específico do etanol é determinado medindo
Metilamil 3,40 2,03 a massa (peso) do etanol a 15,56 °C e comparando-o
Etil isoamil 3,45 2,35 com a massa (peso) de um volume igual de água, to-
Di-sec-butil 3,43 2,57 mada como referência, a 15,56 °C. A temperatura de
Diisobutil 3,35 2,90 15,56 °C é utilizada porque, muitos anos atrás, o go-
verno dos Estados Unidos estabeleceu a temperatura
* Estes dados não são reais e foram selecionados arbitrariamente para mostrar um de 60 °F (15,56 °C) para o teste de produtos contendo
exemplo de relação quadrática (parabólica). Para ver os dados verdadeiros, consulte
W. Glave and C. Hansch, J. Pharm. Sci. 61, 589, 1972, Tabela I.
álcool.2
† A atividade observada é registrada como ED50 em camundongos. Para obter a massa de um volume igual de água, de-
ve-se conhecer a densidade da água na temperatura de
1-24 Kamlet e colaboradores1 constataram que o logaritmo referência – 15,56 °C. A densidade da água a diferentes
da solubilidade (log S) de um soluto no tecido cerebral temperaturas, como se pode ver em diferentes manuais
se relaciona com algumas propriedades físicas segundo de química, é fornecida na tabela abaixo.
o modelo,
Dados para o Exercício 1-25
log S a b(V 100) cπ dβ
t( °C) Densidade (g/cm3) *
onde V é o volume molar intrínseco (de van der Waals),
π é um parâmetro que mede a polaridade e a polarizabi- 10 0,9997026
lidade dos solutos, e β expressa o caráter de base acep- 12 0,9995004
tora na formação de ligações de hidrogênio dos solutos. 14 0,9992474
A equação foi analisada por regressão linear múltipla, 16 0,9989460
na qual a variável dependente é igual ao log S e as três 18 0,9985986
variáveis independentes são V/100, π, e β. 20 0,9982071
(a) Utilizando os seguintes dados e um programa de * Recomenda-se ao leitor a consulta das últimas tabelas com os valores da
computador ou uma calculadora (tipo Hewlett-Packard densidade da água. Os valores acima foram retirados de CRC Handbook of
41V) que permita o cálculo de regressão linear múltipla Chemistry and Physics, 63rd. Ed., pp. F5 e F6.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 699

Construir um gráfico com os dados e obter a equa- (a) Qual a massa molecular desse poluente?
ção que possa reproduzir, de modo exato, os pontos so- (b) Tendo sido esse gás poluente identificado como um
bre a curva. Caso a curva não seja linear, para poder re- derivado do enxofre por testes químicos, qual substân-
presentar esses dados será necessário aplicar equações cia você supõe que seja?
quadráticas ou cúbicas, do tipo: 2-6 Óxido nitroso (N2O), USP, é utilizado na indução rápida
Densidade a bt ct 2 à anestesia (80% N2O, 20% O2) e, em baixas concentra-
ções, em sua manutenção. (a) Utilizando a equação dos
ou gases ideais, calcular a massa molecular deste gás, sa-
Densidade a bt ct 2 dt 3 bendo que 1 litro a 0 °C e a 760 mm Hg de pressão pesa
1,97 g. Verificar seus resultados utilizando a tabela dos
Algumas calculadoras científicas (como a HP41, pesos atômicos. (b) Calcular a velocidade quadrática,
T156 e Casio) e alguns computadores portáteis contêm μ, do N2O. (c) Utilizar a equação (2-12), para calcular a
programas de regressão múltipla. densidade, ρ, do N2O a 1 atm e 0 °C.
Utilizando a equação de melhor ajuste dos dados, 2-7 O pneu de um automóvel foi cheio até uma pressão
calcular a densidade da água a 15,56 °C. É importante manométrica de 30 psi (1 atm = 14,7 psi,* e a pres-
ler a densidade a 15,56 °C diretamente do gráfico. Qual são total de ar é igual à pressão manométrica do pneu
método de obtenção da densidade da água parece ser o mais 14,7 psi) em um dia com temperatura externa
mais exato, o cálculo ou a leitura direta no gráfico? de 10 °C. Após o automóvel ter corrido na estrada
Utilizando a equação selecionada e a leitura direta por várias horas, a temperatura do ar contido no pneu
no gráfico, calcular a densidade da água a 25 °C e a 37 alcançou 26 °C. (a) Qual é a pressão dentro do pneu
°C. Compare seus resultados com os valores tabelados nesse momento, assumindo que o volume do pneu
nos manuais de Química. É seguro extrapolar seus re- não se altera de maneira apreciável com a tempera-
sultados, obtidos para a faixa de 10 a 20 °C, para obter tura? (b) Recorrer a uma tabela de fatores de conver-
resultados entre 25 e 37 °C? são em um manual de Química para se assegurar, por
1-26 Utilizando os dados do Exercício 1-15, calcular o coe- si mesmo, que 1 atm = 14,7 psi (mais exatamente,
ficiente de correlação, r, e o coeficiente angular, b (n no 14,6959 psi). Expressar o valor 14,7 lb/in2 em unida-
Exercício 1-15). des SI, ou seja, Pascal. (c) Seria prudente retirar algo
de ar dos pneus do automóvel, após ter viajado algu-
mas horas no mês de agosto no Sudoeste?** Até que
ponto pode chegar a pressão antes que o pneu corra o
CAPÍTULO 2: ESTADOS DA MATÉRIA perigo de estourar?
2-8 Um pesquisador deseja determinar a pressão parcial
2-1 Um balão meteorológico alcança uma altitude de duas do clorofórmio necessária para anestesiar um camun-
milhas dentro da estratosfera. Seu volume no nível do dongo de 28,0 g, mantido em um frasco de 2,37 litros,
chão é de 2,50 litros, a 1 atm de pressão e a 24 °C. Qual a 20 °C. Se 2,00 cm3 de CHCl3 são introduzidos no
será o volume final se, a duas milhas de altura, a pres- frasco fechado mediante uma válvula, qual é a pres-
são atmosférica é de 8,77 × 10–3 atm e a temperatura são parcial do CHCl3 no frasco? Para isso, assumir
–44,7 °C? que o clorofórmio se evapora completamente. Calcu-
lar a pressão parcial utilizando tanto (a) a equação
2-2 Uma bolha de ar é emitida por um peixe no fundo do dos gases ideais e (b) a equação de van der Waals.
aquário e depois alcança a superfície. Do mesmo modo Considerar a densidade do camundongo como sendo
que o balão meteorológico do Exercício 2-1, o volume 1 g/cm3 e calcular seu volume em litros. Subtrair este
aumenta conforme a pressão sobre a bolha diminui. A resultado do volume do frasco para obter o volume
bolha de ar tem um raio de 0,1 cm no fundo do aquário, disponível para o vapor de clorofórmio. A densida-
onde a pressão é 1,3 atm e a temperatura é 14 °C. Na de do clorofórmio líquido é 1,484 g/cm3 a 20 °C, de
superfície do aquário a pressão é 750 torr e a temperatu- modo que 2,00 cm3 × 1,484 g/cm3 = 2,968 g e, sendo
ra é 27 °C. Qual é o raio da bolha de ar quando ela atin- a massa molecular do clorofórmio igual a 119,4 g/
ge a superfície do tanque? Para a equação do volume de mol, teremos que há 2,096 g ÷ 119,4 g/mol = 0,0249
uma esfera, consultar a capa interna deste livro. móis de clorofórmio dentro do frasco. Os valores das
2-3 Calcular o volume, em litros, ocupado por 1 mol de ni- constantes a e b de van der Waals para o CHCl3 são
trogênio na forma de gás, a 400 atm e 0 °C, utilizando dados na Tabela 2-3.
a equação dos gases ideais. Dar a resposta em mililitros 2-9 Uma amostra de 0,193 móis de éter é confinada den-
de N2. tro de um frasco de 7,35 litros a 295,15 K. Calcular a
2-4 Se 0,50 g de um fármaco no estado de vapor ocupa 100 pressão produzida aplicando (a) a equação dos gases
mL a 120 °C e a 1 atm de pressão, qual é a massa mole- ideais e (b) a equação de van der Waals. Para o éter,
cular aproximada deste fármaco? o valor da constante a de van der Waals é 17,38 litro2
2-5 O laboratório de proteção ambiental de uma grande ci-
dade isolou um novo gás poluente, o qual demonstrou * N. de T.: Psi= pound por square inch (lb/in2) = libras por polegada quadrada.
exercer uma pressão de 1,17 atm quando 6,07 g foram ** N. de T.: O autor se refere ao mês mais quente do ano no Hemisfério Norte
confinados em um recipiente de 2,0 litros a 28 °C. e a uma região quente dos Estados Unidos.
700 P ATRICK J. S INKO

atm mol–2; o de b é 0,1344 L mol–1. Para calcular a suas correspondentes temperaturas, expressas em
pressão, a equação de van der Waals pode ser rearran- kelvin. Utilizando a equação (2-16), fazer a análise
jada da seguinte forma: de regressão para log P versus 1/T e calcular o valor
n RT an 2 de ΔHV geral para a faixa de temperatura de 5 a 100
P − 2 °C. (Seja cauteloso na hora de usar unidades coeren-
V − nb V tes ao longo deste exercício.) Finalmente, responder a
2-10 As equações de cálculo para as constantes a e b de van seguinte questão: ΔHV possui um único valor em toda
der Waals são as seguintes: essa faixa de temperatura de 5 a 100 °C ou é expresso
mais adequadamente por meio de diferentes valores
27R 2 Tc2 RTc
a ;b para as três faixas de temperatura consideradas neste
64Pc 8Pc exercício?
onde Tc é a temperatura crítica e Pc a pressão crítica. 2-15 Um grupo de excursionistas decide escalar uma mon-
Para o clorofórmio, a temperatura crítica e a pressão tanha e esquentar latas de feijão e algumas salsichas
crítica valem Tc = 263 °C e Pc = 54 atm, respectiva- ao chegar ao cume, utilizando, para isso, cozinhas de
mente. R é expressa em unidades de atm L K–1 mol–1. campanha. A montanha tem 3.500 metros de altura e
Calcular os valores de a e b para o clorofórmio. Verifi- a pressão atmosférica no cume é de 506 mm Hg. No
car seus resultados comparando-os com os fornecidos cume da montanha, a temperatura nessa época do ano é
na Tabela 2-3. de –15 °C (5 °F).
2-11 Um extintor de incêndio doméstico, pequeno, de 0,80 li- O calor de vaporização do butano e do propano, duas
tros de capacidade, contém CO2, a uma pressão de 12,3 substâncias voláteis utilizadas como combustível nas co-
atm, a 25 °C. (a) Qual o peso de CO2, em kg, contido no zinhas de campanha, é de 5318 e 4812 cal/mol, respecti-
extintor? (b) Qual o volume ocupado por essa massa de vamente; as temperaturas de ebulição destes gases são de
CO2 a 25 °C quando a pressão é reduzida para 1 atm? (c) –0,50 °C e –42,1 °C (no nível do mar), respectivamente.
Comparar seus resultados com os obtidos a partir da den- Cabe destacar que líquidos inflamáveis como o butano
sidade do CO2 como gás a 25 °C (densidade = 0,001836 e o propano não irão evaporar nem queimar a tempera-
g/cm3). A pressão atmosférica, o CO2 é um gás, não um turas abaixo dos seus pontos de ebulição e, por causa
líquido. A massa molecular do CO2 é 44,01 g/mol. disso, não têm utilidade para cozinhar em aquecedores
2-12 A pressão de vapor da água a 25 °C é 23,8 mm Hg. a baixas temperaturas. (a) Calcular o ponto de ebulição
Entre 25 e 40 °C, o calor de vaporização médio da água do butano e do propano no cume da montanha. As va-
é aproximadamente 10.400 cal/mol. Utilizando a equa- riações da pressão de vapor em função da temperatura
ção de Clausius-Clapeyron, calcular a pressão de vapor são tratadas com auxílio da equação de Clausius-Cla-
a 40 °C. O valor determinado de forma experimental é peyron. (b) Cozinhas à base de butano ou de propano
de 55,3 mm Hg. poderiam ser utilizadas no cume dessa montanha? (c)
2-13 A pressão de vapor do etanol é 23,6 torr a 10 °C, 78,8 Pode ser fervida água para preparar café para os excur-
torr (mm Hg) a 30 °C e 135 torr a 40 °C. Aplicando sionistas no topo dessa montanha? O calor de vaporiza-
a equação (2-16a), construir um gráfico de log P ver- ção da água é de 9717 cal/mol e a sua temperatura de
sus 1/T [ln P da equação (2-16b) pode ser utilizado ebulição é 100 °C a 1 atm de pressão.
em substituição de log P, dispensando o uso do fator 2-16 Isoflurano e halotano são dois líquidos voláteis, não-
2,303] e calcular a pressão de vapor do álcool etílico inflamáveis, utilizados para anestesia geral. (a) Qual
a 20 °C. Qual o valor do calor de vaporização, ΔHV, a é a pressão de vapor, p', do isoflurano a temperatura
essa temperatura? ambiente, 25 °C? O calor de vaporização, ΔHV', do
2-14 (a) A pressão de vapor da água a 100 °C é 76 cm Hg e isoflurano é de 6782 cal/mol no seu ponto de ebuli-
a 90 °C é 52,576 cm Hg. Mediante a equação de Clau- ção. A pressão de vapor, p', do isoflurano é igual a 1
sius-Clapeyron, calcular o calor de vaporização, ΔHV, atm, no seu ponto de ebulição normal de 48,5 °C, de
da água em cal/mol, para tal faixa de temperatura. acordo com a definição do ponto de ebulição normal.
(b) A 20 °C e 30 °C a pressão de vapor da água é de (b) Qual o calor de vaporização, ΔHV', do halotano
17,535 e 31,824 mm Hg, respectivamente. Qual o valor para a faixa de temperatura de 20 a 50,2 °C, seu pon-
do calor de vaporização, ΔHV para essa faixa de tempe- to de ebulição? A pressão de vapor, p', de halotano a
ratura? Fornecer os resultados em cal/mol. 20 °C é de 243 mm Hg. Esses dois anestésicos gerais
(c) A 5 e 10 °C a pressão de vapor da água é 6,543 e possuem uma pressão de vapor levemente superior à
9,209 mm Hg, respectivamente. Quanto vale o calor de do éter (para o éter, p' = 217 torr a 20 °C). Muito mais
vaporização, ΔHV, da água para essa faixa de tempera- importante: essas substâncias não são inflamáveis,
tura? Expressar o resultado em cal/mol. enquanto que o éter é extremamente inflamável. (c)
(d) Os resultados referentes a (a), (b) e (c) podem Que outras vantagens o halotano possui em relação
sugerir que obtivemos – e que assim poderíamos fa- ao éter como anestésico geral? Consultar um livro so-
zer em outros cálculos – diferentes valores de ΔHV bre Farmacologia.
para a água, relativos a essas três faixas de tempe- 2-17 (a) Que pressão é necessária para manter o butano na
ratura. Para testar essa possibilidade, construir uma forma líquida dentro de um recipiente, em um dia em
tabela com esses seis valores de pressão de vapor e que a temperatura do almoxarifado é de 40 °C (104 oF)?
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 701

O calor de vaporização do butano é 5.318 cal/mol e seu g, calcular (a) o peso de cada fase no equilíbrio e (b)
ponto de ebulição a 1 atm é –0,50 °C. o peso verdadeiro de água, em gramas, em cada uma
(b) Repita o exercício utilizando o propano como lí- das fases.
quido volátil. A ΔHV do propano é 4.811,8 cal/mol e 2-21 Sejam A e B dois líquidos parcialmente miscíveis. To-
seu ponto de ebulição, a 1 atm (ponto de ebulição nor- das as seguintes misturas (em peso por cento) formam
mal), é –42,1 °C. duas fases líquidas abaixo e uma fase líquida acima da
(c) A partir dos resultados obtidos em (a) e (b), con- temperatura indicada (em outras palavras, trata-se de
cluir se é possível manter esses gases na forma de temperaturas nas quais um sistema bifásico passa a ser
líquidos a 40 °C dentro de recipientes de plástico. um sistema monofásico). Construir um gráfico com os
A pressão de segurança máxima para recipientes de resultados em um papel quadriculado e descrever as
plástico é 1,75 kg/cm2. Essas substâncias poderiam mudanças de fases observadas conforme A vai sendo
ser mantidas em recipientes de alumínio, que possuem adicionado continuamente a B, considerando as tempe-
uma pressão de segurança máxima de 4,2 a 4,9 kg/ raturas de (a) 25 °C e (b) 45 °C.
cm2? (1 atm= 1,033 kg/cm2.) 2-22 Quando uma mistura de líquidos contendo A (20 g) e
2-18 Se a lâmina do patim para esquiar de um homem de B (30g) é preparada e deixada a 22 °C até alcançar o
175 lb (79,54 kg) tem 12 polegadas (30,5 cm) de com- equilíbrio, (a) qual é a composição das duas fases pre-
primento e 1/64 de polegada (2 mm) de largura, e se sentes e (b) qual o peso de cada uma das fases? Ver o
o calor de fusão da água (gelo) é 6025 J/mol, qual é a Exercício 2-21.
variação no ponto de fusão que provoca a água líquida 2-23 Utilizando os dados do Exercício 2-21, construir um
localizada sob o patim, permitindo que o líquido o lu- gráfico de porcentagem de A, no eixo horizontal, versus
brifique? O volume molar da água líquida (sua massa temperatura ( °C). Dez gramas de uma mistura contendo
molecular dividida pela densidade) é 0,018 L e o volu- pesos iguais de A e de B a 50 °C são resfriados para 10
me molar do gelo é 0,01963 L. °C. (a) A que temperatura será observada uma mudan-
(a) Realizar os cálculos utilizando unidades SI e a for- ça de fases; (b) quanto de B deverá ser adicionado para
ma integrada da equação de Clausius-Clapeyron, obter um sistema de fase única a 10 °C; (c) quanto de A
T P2
deverá ser adicionado para produzir um sistema monofá-
1 V sico a 10 °C? Consultar o Exercício 2-21.
dT dP
273 15K T Hf P1 2-24 Considerando um sistema formado por três líquidos,
construir um gráfico em um papel de coordenadas
(b) Repetir o cálculo utilizando a equação aproximada,
triangulares com os seguintes pontos: a área delimi-
T V tada pela curva binodal compreendendo duas fases
T
P Hf líquidas em equilíbrio; a área externa a essa curva bi-
nodal compreendendo uma única fase líquida. Quando
2-19 Quando um sólido, que pode existir em mais de uma um sistema líquido contendo A (45 g), B (40 g) e C
forma cristalina, é submetido a uma pressão relativa- (15 g) é preparado e deixado em repouso até atingir
mente grande dentro de uma máquina de comprimir, o equilíbrio, a análise de uma das fases forneceu a se-
poderá acontecer a transformação para a forma poli- guinte composição: A = 84% m/m; B = 11% m/m; C =
mórfica mais densa. 5% m/m. (a) A partir do seu conhecimento das linhas
O sulfatiazol pode ser obtido, pelo menos, como de amarre em áreas binodais, determinar qual é a com-
duas formas polimórficas, I e II, sendo a forma I a de posição da fase conjugada. (b) Qual o peso de cada
menor estado energético à temperatura ambiente. As uma dessas duas fases conjugadas? O peso total dos
densidades são 1,50 g/cm3 para a forma I, e 1,55 g/cm3 componentes é 100 g.
para a forma II. A temperatura de transição I → II é 161 2-25 Fazendo uso dos dados fornecidos no Exercício 2-24,
°C e o calor de transição, ΔHt é 1420 cal/mol.3 (a) Qual formular uma solução monofásica de 5 g que contenha
é o efeito exercido por uma pressão normal de 1 atm 50% m/m de B e 35% m/m de C, a qual deverá ser dilu-
sobre a temperatura de transição da forma I para a for- ída até 100 g com A, imediatamente antes de ser utiliza-
ma II do sulfatiazol? A massa molecular do sulfatiazol da. (a) Qual é a seqüência de mudança de fases obser-
é 255,32 g/mol. Utilizar a equação (2-17), substituindo vada, à medida que A vai sendo adicionado? (b) Qual a
ΔHf, Vt e Vs por ΔHt e pelos volumes molares dos dois composição final do sistema?
polimorfos. 2-26 Com base nos dados fornecidos no Exercício 2-24,
(b) Qual a temperatura de transição quando a forma I um sistema contendo A (45 g), B (40 g) e C (15 g)
é comprimida em uma máquina de comprimir a 2812 foi preparado e deixado até alcançar o equilíbrio. (a)
kg/cm2 (2757,6 bar)? Seria a forma I estável durante o Quanto de uma mistura contendo 30% m/m de C e
processo de compressão? (1 bar = 14,5038 psi e 1 kg/ 45% m/m de A será necessário adicionar para obter
cm2 = 14,223343 psi) um sistema monofásico a partir do bifásico? (b) Qual
2-20 Uma mistura contendo 21% (m/m) de fenol em água será a composição desse sistema monofásico? Agora,
(ver Figura 2-22) é preparada e deixada em repou- supondo que sejam adicionadas quantidades crescen-
so a 30 °C para alcançar o equilíbrio. As duas fases tes de B a essa fase, (c) quanto de B deve ser adicio-
líquidas que se separam contêm 7 e 70% de fenol, nado antes que um sistema monofásico se produza
respectivamente. Se o peso total da mistura é de 135 novamente? (d) Qual será a composição dessa nova
702 P ATRICK J. S INKO

fase? (e) Finalmente, ao adicionar quantidades cres- (d) Certamente há um consenso em aceitar que o le-
centes de A, que quantidade de A deverá ser adiciona- vantamento de pesos é um excelente meio de fortale-
da para obter um sistema monofásico? (f) Qual seria cer os músculos do corpo. A partir dos seus cálculos,
a composição desse sistema? Observação: Quando se você acredita que esse exercício também contribui
adiciona um componente ou uma mistura de compo- para a redução de peso, como parte de um regime de
nentes, na realidade estão sendo preparados sistemas emagrecimento?
situados sobre uma linha reta direcionada para o pon- 3-5 Uma mulher adulta e ativa gera aproximadamente 3000
to que representa a mistura que está sendo adiciona- kcal de calor por dia, o qual se perde por meio do seu
da. Assim, quando se adiciona A de modo contínuo metabolismo. Se todo esse calor é perdido na forma de
a qualquer mistura, no fim se acabará chegando ao evaporação de umidade através da pele, quanta água se
ponto A do diagrama. perde nas 24 horas de um dia? O calor de vaporização
da água é ΔHV ≅ 10.000 cal/mol e a densidade da água
é 0,997049 g/cm3 a 25 °C.
CAPÍTULO 3: TERMODINÂMICA 3-6 No início do século XIX, Dulong e Petit determina-
ram a capacidade calorífica, CV, dos elementos sólidos
como sendo próxima de 6 cal mol–1 K–1. Uma barra
3-1 Por que o álcool é utilizado em termômetros para medir de ferro, massa atômica = 55,847 g, cai, por acidente,
temperaturas muito baixas, enquanto que o mercúrio é do topo de um edifício de 93 m de altura. Consideran-
utilizado para medir temperaturas elevadas? Sugestão: do o valor da capacidade calorífica molar, CV, do ferro
Consultar os pontos de fusão do álcool e do mercúrio como sendo aproximadamente 6 cal mol–1 K–1, calcu-
em um manual de Química e Física. lar o aumento de temperatura dessa barra quando cai
3-2 Calcular o trabalho necessário para evaporar 1,73 móis a partir do topo até a calçada. Use unidades do SI nos
de água a 0,68 atm de pressão e a uma temperatura de seus cálculos. Especificamente, se deseja calcular a
373 K. Assumir que o vapor se comporta como um gás capacidade calorífica por grama (ou seja, o calor es-
ideal. Sugestão: O volume pode ser calculado utilizan- pecífico) ou, uma vez que são utilizadas unidades SI,
do a equação dos gases ideais, e o trabalho mediante a calcular a capacidade calorífica por quilograma. Para
equação W = PΔV, onde ΔV é a diferença entre o volu- converter cal/mol para cal/g, a capacidade calorífica
me da água líquida a 373 K, ou seja, 18,795 cm3/mol × molar deve ser dividida pela massa atômica do ferro,
1,73 mol, e o seu vapor a 373 K. que é 55,847 g. Assim, como sugestão, expressar CV
3-3 Mediante cálculo termodinâmico podemos relacio- em J/(kg K).
nar o trabalho feito com o calor produzido em vários 3-7 A capacidade calorífica molar a pressão constante, Cp,
processos, embora esses processos possam estar, apa- varia com a temperatura. Essa variação na capacidade
rentemente, não-relacionados. Considerar o seguinte calorífica, ΔCp, para uma reação realizada a uma tem-
caso: um homem de 30 anos de idade, que pesa 70
peratura definida é dada pela expressão:
kg (154 lb), produz 3600 kcal de calor durante 24 h
trabalhando 8 h como pedreiro e jogando boliche às Cp (nCP )produtos − (nCP )reatantes
noites. Se essa quantidade de calor fosse utilizada
para elevar a temperatura de 200 kg da água (calor onde, Σ representa a “soma de” e n o número de móis
específico da água = 1 cal g–1 K–1), que originalmente de substância.
estava a 25 °C, qual será o aumento da temperatura Cp pode ser calculada para diferentes temperaturas
dessa quantidade de água? utilizando a equação empírica:
3-4 Um atleta deitado com as costas no chão levanta um CP α βT γT2
peso de 80 libras (36,3 kg) a uma altura de 2 pés (61
cm) acima da sua cabeça. Da Física sabemos que força onde, α, β, e γ são coeficientes constantes. Cp e ΔCp são
= massa × aceleração gravitacional e que força multi- expressos, neste caso, em cal K–1 mol–1.
plicada pela distância à qual uma massa é erguida equi- Calcular Cp para CO(g), H2(g), e CH3OH(g) a 25 °C e
vale ao trabalho realizado ou à energia gasta. comparar a variação de capacidade calorífica, ΔCp, para
(a) Quanto trabalho foi realizado se o peso foi levanta- a seguinte reação:
do 500 vezes? CO(g) H2(g) → CH3 OH(g)
(b) Se assumimos que a energia gasta é obtida unica-
mente da queima da gordura corporal, quantas libras Dados para o Exercício 3-9*
poderá ter perdido o atleta durante esse exercício? Para CO(g) H2(g) CH3OH(g)
isso, considerar que por cada grama de gordura quei- α 6,342 6,947 4,398
mada são obtidas aproximadamente 9,0 quilocalorias
de energia metabólica. β × 10 3
1,836 –0,20 24,274
(c) Quantas vezes o peso de 80 libras deverá ser le- γ × 106 –0,2801 0,4808 –6,855
vantado para que uma pessoa possa perder 1 lb de * Dados retirados de: S. Glasstone, Thermodynamics for Chemists, Van
gordura? Nostrand, New York, 1947, pp. 53, 503.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 703

3-8 A equação (3-27), ou equação de Kirchhoff, demonstra o meio circundante a 23 °C? Qual a quantidade de
o efeito da temperatura sobre o calor de reação. A in- calor que deve ser gasta em um quarto com tempe-
tegração da equação (3-27) entre T1 e T2 fica expressa ratura ambiente de 23 °C? O calor de fusão do gelo
como: é de 1438 cal/mol ou 1438/18,016 g/mol = 79,8 cal/g
T2 (para a faixa de 0 °C a 100 °C). Logo, 79,8 cal/g ×
H2 − H1 C P dT 453,6 g de calor deverão ser retirados da água para
T1 poder transformá-la em gelo [de 0 °C ou 273 K (T1)
Para uma faixa estreita de temperatura, ΔCp pode ser para 296 K (T2)].
considerada constante. Dessa forma, a integração ante- O princípio de um refrigerador (ou de um ar-con-
rior pode ser simplificada como: dicionado) é o oposto ao de uma máquina de aqueci-
mento.5 O fluido do refrigerador capta calor do refrige-
H2 − H1 C p (T2 − T1 )
rador a baixa temperatura e o transfere para um meio
Calcuar ΔHo2 para a síntese do metanol a 35 °C, utili- circundante que está a uma temperatura maior (para
zando ΔHo1 a 25 °C = –21,68 kcal/mol, do modo como ver a explicação de uma máquina de aquecimento, con-
foi calculado no Exemplo 3-15, e ΔCp = –9,699 cal/ sultar a p. 82).
(K mol), como calculado no Exemplo 3-12 para uma Uma vez que o calor é descarregado do refrigera-
temperatura de 25 °C. Lembrar de expressar ΔCp como dor (ou no ar-condicionado) e não-captado, como se-
sendo igual a 9,699 × 10–3 kcal/(K mol) para obter ΔHo2 ria o caso de uma máquina de aquecimento, o trabalho
em kcal/mol. possui sinal contrário ao da equação (3-37):
3-9 O calor de reação associado à preparação do hidróxido W T2 − T1
de cálcio é representado como: −
Q1 T1
CaO(s) H2 O(liq) Ca(OH)2(s) ; H25◦ 15 6 kcal
T2 − T1
−W Q1
Qual é o valor do calor de formação-padrão, ΔHo, do T1
Ca(OH)2 a 25 °C? O calor de formação-padrão da água
val ΔHo(H2O(líq)) = –68,3 kcal/mol e o calor de forma- Calcule a eficiência térmica, (Tquente – Tfrio)/Tfrio ou coe-
ção-padrão do óxido de cálcio é ΔHo(CaO(s)) = –151,9 ficiente de eficiência, como às vezes é também denomi-
kcal/mol. nado, do refrigerador.
3-10 A síntese do metanol envolve a reação entre monóxido 3-13 Qual a variação de entropia implícita na fusão de um
de carbono e hidrogênio gás. A reação, junto com os mol de gelo a 0 °C? Qual a variação de entropia do
valores de S° cal K–1 mol–1, ΔHof em kcal mol–1 e ΔGof meio ambiente? O calor de fusão do gelo é de 79,67
em kcal mol–1, a 25 °C, é a seguinte:4 cal/g.
CO(g) 2H2(g) → CH3 OH(g) 3-14 Uma garrafa térmica isolada, de modo que nenhum ca-
lor entra ou saia do recipiente, contém 2 móis de gelo
a –10 °C e 8,75 móis de água líquida a 20 °C. (veja os
Dados para o Exercício 3-12 Exemplos 3-7 e 3-8).
CO(g) H2(g) CH3OH(g) Calcular a variação de entropia, ΔS, que acompanha a
fusão do gelo e o aumento da temperatura a 0,496 °C
S° 47,219 31,208 56,63
para formar água líquida. Do mesmo modo, calcular ΔS
ΔHof –26,416 0 –48,10 para o abaixamento da temperatura da água de 20 °C
ΔG°f –32,78 0 –38,90 até a temperatura final de 0,496 °C. O calor de fusão
molar do gelo vale 1437 cal/mol, o seu valor de Cp 9
(a) Calcular ΔHo para a síntese do metanol sob condi- cal/(K mol) e o valor do Cp para água líquida é de 18
ções-padrão. (b) Calcular ΔG° utilizando os dados da cal/(K mol).
tabela acima. (c) A partir dos valores de ΔG° e ΔHo, Calcular a variação total de entropia, ΔST, e deter-
calcular o valor de ΔS° a 25 °C. Comparar o valor assim minar se o processo é espontâneo.
calculado com o valor de ΔS° fornecido diretamente na 3-15 A 50 °C, uma proteína sofre desnaturação reversível e
tabela anterior. apresenta um calor de reação de 29.288 J mol–1:
3-11 Qual é a eficiência teórica de uma máquina de vapor que proteína natural −→
←− proteína desnaturada;
trabalha entre um aquecedor a 20 atm, em que o ponto de
ebulição da água Tquente = 209 °C (482 K), e um reserva- H50◦ 29 288 J mol −1
tório de água ou sumidouro térmico a baixa temperatura, O sistema está em equilíbrio, de modo que ΔG = 0. Cal-
na qual a temperatura Tfrio = 30 °C (303 K)? 5 cular a variação de entropia para esta reação.
3-12 Qual o trabalho mínimo, em joules, que deve ser 3-16 De acordo com Hill,6 o estômago excreta HCl na con-
realizado por um refrigerador para congelar 1 li- centração de 0,14 M a partir do sangue, onde a sua con-
bra avoirdupois* (453,6 g) de água a 0 °C, estando centração é de 5,0 × 10–8M. Calcular o trabalho reali-
zado pelo organismo para transportar (excretar) 1 mol
* N. de T.: Refere-se ao sistema de pesos e medidas Avoirdupois. de HCl à temperatura de 37 °C.
704 P ATRICK J. S INKO

3-17 Refazer o Exemplo 3-10 convertendo primeiro ΔHV em ácido hipofosfórico (H3PO2), adicionado para preve-
unidades J/mol e P2 em pascal (Pa=Nm–2 =kg m–1 s–2). nir a descoloração da solução aquosa por efeito da
Calcular ΔHV em J/mol e P1 em pascal. luz e do ar.
3-18 Para a ionização do ácido acético em solução aquosa, O ácido iodídrico é preparado em larga escala por
temos: vários processos, principalmente mediante reação en-
tre I2 e H2S. A diluição desse ácido pode ser feita com
CH3 COOH (aq) CH3 COO− (aq) H (aq)
xarope de dextrose, que é utilizado pelas propriedades
G ◦f 95 48 −88 99 0 00 terapêuticas dos iodetos e como veículo de fármacos
expectorantes.
Os valores de energia livre de formação-padrão, G°f, a
25 °C, são dados imediatamente abaixo de cada uma Taylor e Crist9 investigaram a reação entre hidro-
das espécies em kcal/mol. Calcular a variação da ener- gênio e iodo para formar iodeto de hidrogênio a uma
gia livre-padrão, ΔG°f, para essa reação A partir da temperatura de 457,6 °C (730,75 K),
equação termodinâmica referente à constante de equilí- H2 I2 2 HI
brio (constante de ionização), ΔG° = –RT ln K, calcular
o valor de K para o ácido acético. Eles obtiveram os seguintes resultados, onde K é a
constante de equilíbrio:
3-19 Para determinados valores de energia livre de forma-
ção-padrão, ΔG°, e de entalpia de formação-padrão, Dados para o Exercício 3-24
ΔHo, calcular a variação de entropia-padrão, ΔS°, e a
constante de equilíbrio, K, para a reação: [HI]2
K
[H2 ][I2 ]
CO2 (g) H2 HCO3 − (aq) H (aq)
H2 I2 HI
Os valores de ΔG° e ΔHo são obtidos de tabelas de da-
mol/litro mol/litro mol/litro
dos termoquímicos-padrões (Wagman e colaborado-
res)7 para 1 mol a 1 atm de pressão e 25 °C, onde (aq) 3,841 × 10–3 1,524 × 10–3 1,687 × 10–2
indica uma solução aquosa ideal e hipotética. Os valo- 1,696 × 10–3 1,696 × 10–3 1,181 × 10–2
res de ΔGo e ΔHo para H+(aq) tabelados são 0,00. 5,617 × 10–3 0,5936 × 10–3 1,270 × 10–2
Para as várias espécies em solução, os valores de
ΔG° e ΔHo em kcal/mol são os seguintes: (a) Calcular as constantes de equilíbrio para esses três
CO2 (g) H2 HCO3 − (aq) H (aq) experimentos e determinar o valor médio dos três valo-
G ◦ (kcal/mol) −94 254 −56 687 −140 3 00 res de K a 730,75 K.
H ◦ (kcal/mol) −94 051 −68 315 −164 8 00 (b) A 666,8 K, a constante de equilíbrio média, Kav,
3-20 Para a reação entre dióxido de carbono e hidrogênio para a reação entre I2 e H2 e formação de iodeto de hi-
molecular, com formação de monóxido de carbono, drogênio (ácido iodídrico) é igual a 60,8010. Calcular a
variação de entalpia, ΔHo, para essa reação, na faixa de
CO2 (g) H2 (g) CO(g) H2 O(líq) temperatura de 666,8 a 730,75 K.
calcular a energia livre-padrão do processo a 25 °C e a (c) A constante K deve aumentar ou diminuir à me-
constante de equilíbrio, K. O calor de formação padrão dida que a temperatura é aumentada? O que isso
para o CO2(g) é ΔHof = –94,051 kcal/mol e a sua en- significa em relação ao aumento ou diminuição na
tropia-padrão S° = 51,06 cal/K mol. O calor-padrão de produção de iodeto de hidrogênio a partir desses ele-
formação do CO(g) é ΔHof = –26,416 kcal/mol e a sua mentos, conforme a temperatura é aumentada? Há al-
entropia-padrão S° = 47,2 cal/K mol. O calor-padrão gum indício nos resultados que sugira que a reação se
de formação da água (líq) é ΔHof = –68,315 kcal/mol e processa de modo exotérmico ou endotérmico? Qual
sua entropia-padrão S° = 18,5 cal/K mol. Finalmente, a o resultado quantitativo que você deve responder em
entropia-padrão do H2(g) é S° = 31,208 cal/K mol. Por relação a essa última questão? De que forma a equa-
convenção, o seu valor de ΔH°f vale 0,0. ção de van’t Hoff (equação [3-142]) pode ajudar na
resposta a esta questão?
3-21 Para uma das etapas do ciclo do ácido cítrico (ciclo de
Krebs),8 3-23 A equação (3-135) nos permite calcular a variação de
energia livre para a reação entre hidrogênio e iodo, pro-
(a) oxalacetato2− H2 O → piruvato HCO3 − duzindo iodeto de hidrogênio, a três diferentes tempe-
G ◦ (kcal/mol) −190 53 −56 69 −113 32 −140 29
raturas. Considerando os valores de K determinados de
e, para outra das etapas desta complexa série de reações forma experimental e as respectivas temperaturas abso-
químicas necessárias para a produção de energia corpo- lutas, calcular a variação de energia livre-padrão para
ral, temos que essas três temperaturas.
(b) oxaloacetato2− acetato → citrato3− 3-24 Uma estudante não conseguiu achar os valores de
G ◦ (kcal/mol) −190 53 −88 99 −273 90 calor de vaporização, calor de sublimação e calor de
fusão da água no seu manual de Química, mas ela
Para essas duas reações, calcular ΔG° e K a 37 °C. pôde encontrar uma tabela com os valores de pressão
3-22 O ácido iodídrico diluído (HI) é um medicamento de vapor (em mm Hg) para água líquida em equilíbrio
que contém 10% de HI e aproximadamente 0,8% de com o seu vapor para temperaturas de –15 a +20 °C,
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 705

3-25 Na degradação, no músculo humano (metabolismo), do


TABELA 3-1 glicogênio para lactato, a glicose 1-fosfato é convertida
PRESSÕES DE VAPOR PARA A SUBLIMAÇÃO E em glicose 6-fosfato na presença da enzima fosfoglico-
VAPORIZAÇÃO DA ÁGUA, PARA O EXERCÍCIO 3-24 mutase:
Gelo → Vapor (Sublimação) Água líquida →Vapor (Vaporização) glicose 1-fosfato glicose 6-fosfato
Pressão de Pressão de Vapor Esta reação bioquímica foi estudada em detalhe
Vapor (mm Hg) t ( °C) (mm Hg) t ( °C) em vários laboratórios, tendo-se encontrado um valor
0,0296 –50 1,436 –15 de variação de energia livre-padrão, ΔG°, de –1727 cal/
mol. Calcular a constante de equilíbrio, K, a 25 °C.
0,0966 –40 1,691 –13
Sugestão: Aplicando a equação (3-133) se pode
0,2859 –30 2,149 –10 calcular a constante de equilíbrio.
0,476 –25 2,715 –7
0,776 –20 3,163 –5
1,241 –15 3,673 –3 CAPÍTULO 4: DETERMINAÇÃO DAS PROPRIEDADES
1,950 –10 4,579 0
FÍSICAS DAS MOLÉCULAS
3,013 –5 6,593 5
4,579 0 9,209 10 4-1 O comprimento de onda de detecção do lítio, em função
— — 12,788 15 do seu espectro de emissão atômica, é 670,8 nm. Quan-
— — 17,535 20 to vale a energia de um fóton de radiação corresponden-
te à linha de emissão do lítio?
4-2 Descrever pelo menos uma limitação do uso dos mé-
todos de emissão atômica na detecção de resíduos de
e para o gelo em equilíbrio com o seu vapor de –50 a metais dissolvidos no sangue (selênio, p. ex.). (J. A.
0 °C. Dean, Ed., Lange’s Handbook of Chemistry, McGraw-
Os valores referentes à passagem direta de gelo Hill, New York, 1979, contém tabelas com as linhas de
para vapor d’água (sublimação) e à conversão de água emissão).
líquida a vapor constam da Tabela 3-1. 4-3 Uma amostra de urina está sendo analisada para resídu-
(a) Construir um gráfico ln (pressão de vapor) versus os de cobre por emissão atômica. As seguintes intensi-
1/T (K–1) para as curvas de sublimação e vaporiza- dades de emissão (IE) de chama foram obtidas no com-
ção. primento de 324,8 nm para uma amostra de 980 mL de
(b) Com a integral indefinida da equação de Clausius- urina coletada em 24 h. Um conjunto de amostras de
Clapeyron, cobre (CS) proporcionou os valores de IE mostrados na
H 1 tabela abaixo.
ln P constant
R T
Dados para o Exercício 4-3
calcular os calores de vaporização e sublimação para
as faixas de temperatura definidas da Tabela 3-1. ΔH Amostras de cobre (CS) Intensidade de emissão (IE)
representa o calor de vaporização ou o calor de subli- Cu padrão, 0,5 μg/mL 20
mação. A regressão linear para os dados da Tabela 3-1,
plotados como ln (pressão de vapor) versus 1/T, pro- Cu padrão, 1,0 μg/mL 38
porciona (–ΔH/R) a partir da inclinação, valor do qual é Cu padrão, 1,5 μg/mL 61
possível obter ΔHV ou ΔHs. Também é possível estimar
Cu padrão, 2,0 μg/mL 80
o valor da inclinação,
ln P2 − ln P1 Amostra de urina 32
1
T2
− 1
T1 Qual é a concentração de cobre na amostra de uri-
na de 24 h? Considerando que os níveis normais de
construindo um gráfico de ln P versus 1/T em um papel cobre na urina são de aproximadamente 20 μg em
quadriculado. Utilizar a regressão linear pelos mínimos amostras de 24 horas, a concentração de cobre calcu-
quadrados ou a inclinação obtida graficamente para cal- lada pode indicar uma condição patológica inusitada-
cular ΔHV e ΔHs. mente elevada?
(c) Para a transformação de sólido em vapor, a tempe- Sugestão: Fazer a regressão de CS em μg/mL ver-
ratura constante, o processo deverá ser independente do sus IE: CS = a + b × IE. A partir desta equação, caso a
percurso sólido → líquido → vapor. Conseqüentemen- relação seja linear, calcular a concentração em μg/mL
te, ΔHs = ΔHV + ΔHf, onde ΔHf é a variação de entalpia de cobre na amostra de urina que apresentou uma IE de
implícita no processo de fusão. 32. Este será o resultado por mililitro; porém, o volume
Calcular ΔHf (para a transição água → gelo) a partir dos coletado de urina durante 24 h é de 980 mL. Calcular os
valores de ΔHV e ΔHs obtidos em (b). microgramas de cobre na urina para o período de 24 h.
706 P ATRICK J. S INKO

4-4 Um comprimido de colchicina é dissolvido em 100 mL os dados fornecidos na tabela. A massa molecular de
de etanol, sendo a absorbância máxima determinada em nitrazepam é 281,3 g/mol.
243 nm igual a 0,438. Para isso, foi utilizada uma cubeta
de 1 cm de percurso óptico. Utilizando a absortividade Dados para o Exercício 4-9
molar da colchicina dada na Tabela 4-4, determinar a Concentração (C) (mg/L) Absorbância (A)
quantidade em mg de colchicina contida no comprimi-
do. A massa molecular da colchicina é de 399,4 g/mol. 0,394 0,06
4-5 O espectro ultravioleta da sacarina mostra absorções 0,844 0,13
máximas em metanol em 285, 276 e 226 nm, com ab- 1,160 0,25
sortividades molares, ε, de 775, 951 e 8570 L mol–1
cm–1, respectivamente. Assumindo um nível de absor- 4-10 Uma convenção tradicional para descrever a absorbân-
bância mínima de A = 0,002, determinar a concentra- cia através de uma cubeta de 1 cm de percurso óptico
ção mínima detectável de sacarina em cada um desses contendo 1 g de soluto por 100 mL de solução é de-
comprimentos de onda. Qual dos comprimentos de nominada E1% 1%
1cm.O valor de E1cm para a absorbância no
onda é mais apropriado para determinar a quantidade ultravioleta, a 318 nm, da indometacina é 182 por 100
de sacarina de um comprimido, cujo valor declarado mL g–1cm–1. Quanto vale a absortividade molar, ε, cor-
de sacarina sódica é de 0,25 grãos (1 g = 15,432 gr), respondente a esse valor de E1%
1cm? A massa molecular de
dissolvida em 50 mL de metanol? A massa molecular indometacina é igual a 357,81 g/mol.
da sacarina sódica é de 205,16 g/mol. Assumir um per-
4-11* Os prótons do grupo metileno da nicotina têm uma
curso óptico de 1 cm.
constante de proteção (shielding), σ, de –2,2×10–6
4-6 Uma amostra composta de 20 comprimidos de aceta- e, pela espectroscopia de RMN de prótons, um mo-
minofeno foi selecionada para determinar a quantidade mento nuclear magnético, μH, de 1,41062 × 10–26
média desta substância ativa. O peso de cada compri- J/T. O número quântico spin, I, é igual a 1/2. (a) A
mido era 400 mg. Os comprimidos de acetaminofeno que valor de freqüência, νR, verifica-se a ressonân-
foram finamente pulverizados e uma amostra de 400 cia para o grupo metileno da nicotina sob um campo
mg do pó foi transferida para um balão volumétrico magnético, H, com força igual a 1 tesla? (b) Qual
de 250 mL e diluída com etanol, misturada e filtrada. será o deslocamento químico, δ, em ppm, dos pró-
Uma alíquota de 1 mL foi transferida para um segun- tons metílicos da nicotina sob as mesmas condições,
do balão volumétrico de 250 mL diluída e o volume utilizando TMS como referência? O TMS possui
completado com etanol. A absorbância, A, dessa solu- uma freqüência de ressonância, νR, de 4,257707 ×
ção foi de 0,340, a 250 nm, em uma cubeta de 1 cm. A 107 Hz nas condições definidas anteriormente. Ver
absortividade molar, ε, do acetaminofeno é de 13.500 os Exemplos 4-6, 4-7 e 4-8.
e sua massa molecular é igual a 151,2 g/mol. Calcu-
4-12 Uma amostra de soro sangüíneo está sendo analisada
lar a diferença em relação à quantidade declarada de
para isoniazida mediante fluorescência induzida por al-
acetaminofeno (250 mg por comprimido) na amostra
deído salicílico. As intensidades de emissão de fluores-
analisada. A quantidade de acetaminofeno deverá ficar
cência relativa obtidas com um branco da amostra sem
compreendida nos limites entre 90 e 110% da quantida-
o fármaco, um padrão de 0,80 μg/mL e uma amostra de
de declarada.
soro foram de 1,2, 60,5 e 38,4, respectivamente. Assu-
4-7 O gráfico da lei de Beer, como mostra a Figura 4-4, mindo que a intensidade de emissão seja proporcional à
resulta em uma linha reta que relaciona absorção e con- concentração, determinar a concentração de isoniazida
centração. Descrever uma condição experimental na em μg/mL de soro.
qual o gráfico da lei de Beer possa ser uma linha curva
4-13 Uma solução aquosa de maltose, contendo 15,3 g em
cuja inclinação diminua frente a concentrações eleva-
100 mL, apresentou uma rotação de 20° no polarímetro
das. Do ponto de vista molecular, quais são as causas de
a 25 °C e na linha D do sódio. O comprimento do tubo
desvio do comportamento de uma solução ideal quando
do polarímetro era 10 cm. Calcule a rotação específica,
há elevadas concentrações?
{α}D25 °C da maltose. Observação: O comprimento do
4-8 A massa molecular do éter dietílico é 74,12 g/mol e sua tubo deve ser expresso em decímetros.
densidade é 0,7134 g/cm3 a 20 °C. Qual é a polarização
4-14 Calcular a polarização molar total da água utilizando
molar induzida, Pi, do éter dietílico? Consultar a Tabela
seu valor de constante dielétrica a 25 °C, dado na Tabe-
4-6 para ver o valor da constante dielétrica do éter die-
la 4-6, e a equação (4-16).
tílico. Quanto vale a polarizabilidade induzida, αp, para
o éter dietílico a 20 °C? 4-15 Um investigador forense está tentando identificar me-
diante espectroscopia infravermelha se uma amostra
4-9 A seguinte tabela contendo valores de concentrações e
contém codeína ou um sal de cocaína. O espectro infra-
absorbância, A, foi obtida de soluções de nitrazepam em
vermelho não mostra bandas de absorção fortes entre
ácido sulfúrico 0,1 N. A absorbância, A, foi medida em
1600 e 2000 cm–1, mas algumas bandas fortes na região
277,5 nm. Qual o valor da absortividade molar média,
ε, do nitrazepam em ácido sulfúrico 0,1 N, calculada a
partir dos três conjuntos de dados vistos nessa tabela? * Neste exercício aparece tanto o H em letra maiúscula quanto a letra h mi-
No experimento foi utilizada uma cubeta de 1 cm de núscula, mas não devem ser confundidas. H é o campo magnético expresso
percurso óptico. Desenhar o gráfico da lei de Beer com em tesla, enquanto h é a constante de Planck, 6,6262 × 10–27 erg s.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 707

de 1400 a 1500 cm–1 e algumas bandas amplas na re- água. Calcular: (a) a concentração percentual, (b) a
gião entre 3200 e 3700 cm–1. Com base nesses dados, concentração molal e (c) as frações molares para saca-
qual das duas substâncias está associada a esse espec- rose e água na solução.
tro? Utilizar a Tabela 4-9 como guia na resposta. 5-2 Uma solução aquosa de glicerina a 7,00% (m/m) apre-
4-16 O conteúdo de cloridrato de difenidramina de uma cáp- senta uma densidade de 1,0149 g/cm3 a 20 °C. A mas-
sula pode ser determinado por RMN protônica utilizando sa molecular da glicerina é 92,0473 e sua densidade é
álcool t-butílico como padrão interno.11 A integração do 1,2609 g/cm3 a 20 °C. Calcular a molalidade, molarida-
sinal em 2,85 ppm, Iu, referente aos seis prótons N-metí- de e concentração percentual por volume.
licos da difenidramina foi dividida pela integração do si- 5-3 Qual a normalidade de 25 mL de uma solução de ácido
nal em 1,27 ppm, Is, referente aos nove prótons metílicos clorídrico que é capaz de neutralizar 20,0 mL de uma
do álcool t-butílico, de acordo com a equação (4-22). Se solução de hidróxido de sódio 0,50 N?
o conteúdo de uma única cápsula, ν, é determinado utili- 5-4 Quantos gramas de Na2SO4 (massa molecular 142)
zando um valor de W = 25 mg de álcool t-butílico como são necessários para preparar 1,2 litros de uma solu-
padrão interno, e a médias da integração dos sinais em ção 0,5 N?
2,85 e 1,27 ppm foram 1200 e 7059 unidades, respec- 5-5 (a) Qual o número de equivalentes por mol de HCl,
tivamente, qual é a quantidade, C (mg por cápsula), de H3PO4 e Ba(OH)2? (b) Qual o peso equivalente de cada
cloridrato de difenidramina? As massas moleculares do uma dessas substâncias?
cloridrato de difenidramina, EWu, e do álcool t-butílico,
5-6 Qual o peso equivalente do NaAl(SO4)2 anidro (massa
EWs, são 291,9 e 74,1 g/mol, respectivamente.
molecular 242) em relação ao seu conteúdo de sódio,
4-17 Explicar por que o óxido de deutério, e não a água, é alumínio e sulfato, respectivamente?
utilizado para dissolver uma amostra de cloreto de suc-
5-7 Se o plasma humano normal contém aproximadamen-
cinilcolina para análise por RMN, como foi descrito no
te 3 mEq/litro do íon fosfato de hidrogênio, HPO42–,
Exemplo 4-9. Oferecer exemplos de outros solventes
quantos miligramas de fosfato de potássio dibásico,
que sejam apropriados para a análise por RMN protôni-
K2HPO4 (massa molecular 174), são necessários para
ca. (Sugestão: para ver exemplos de solventes apropria-
suprir a quantidade de HPO42– de uma solução de repo-
dos em espectroscopia por RMN, consultar as referên-
sição eletrolítica de um hospital?
cias a livros no final do Capítulo 4).
5-8 Quantos gramas de Ca3(PO4)2 são necessários para pre-
4-18 (a) Calcular a refração molar, Rm, do metanol utilizan-
parar 170 mL de uma solução 0,67 N? A massa molecu-
do os dados da Tabela 4-1 referentes às contribuições
lar do Ca3(PO4)2 é 310.
atômicas e moleculares para a refração molar. Com-
parar o resultado com o obtido aplicando a equação 5-9 A pressão de vapor, pB°, do butano puro é 2,3966 atm,
(4-24). O índice de refração, n, do metanol é 1,326, a 25 °C, e a do n-pentano, pp°, 0,6999 atm, na mes-
sua massa molecular é 32,04 g/mol e sua densidade é ma temperatura. Aplicando a lei de Raoult, calcular a
0,7866 g/cm3 a 25 °C. pressão de vapor parcial para o n-butano (massa mo-
lecular 58,12) e n-pentano (massa molecular 72,15) de
(b) Quais as unidades de Rm?
uma mistura composta por 50 g de cada um desses dois
4-19 Quanto vale a elipticidade molar, [Θ], da penicilina V vapores a 25 °C, expressando os resultados em atm e
em solução, cujo valor de elipticidade específica, [Ψ], libras/polegada2.
vale 1,04 × 105 graus dm, a 230 nm? A penicilina possui
5-10 As pressões de vapor do Freon 11 e do Freon 12,
uma massa molecular de 350 g/mol.
puros e a 25 °C, são 15 e 85 libras/polegada2, res-
4-20 O índice de refração, n, para a quinolina, um fárma- pectivamente.* Na preparação de um aerossol de uso
co antimalárico, é 1,627 a 20 °C, quando a linha D do farmacêutico, esses dois gases propelentes foram
sódio é utilizada como emissão luminosa. Se a luz in- misturados juntos na razão molar de 0,6 para 0,4.
cidente, que viaja através do ar, está em ângulo de 45°, (a) Quais são as pressões de vapor parciais dos vapo-
perpendicularmente ao líquido com a quinolina, qual é res de Freon 11 e Freon 12 na mistura com uma razão
o ângulo da direção da luz dentro da quinolina? molar de 0,6 para 0,4, assumindo que essa mistura
4-21 A rotação específica da digoxina a 20 °C, utilizando obedece à lei de Raoult? (b) Qual a pressão de vapor
a luz da linha D do sódio, {α}D12, é +30,4°. Se é total dessa mistura a 25 °C? (c) Um aerossol pode
obtida uma rotação óptica, α, de +15,2° na mesma ser acondicionado de modo seguro em um recipiente
temperatura e mesmo comprimento de onda, com 10 de vidro protegido por um revestimento de plástico
mL de solução em um tubo de 1 dm de comprimento, desde que a pressão interna não exceda 35 lb/pole-
qual será a concentração, g, de digoxina (em g/mL) gada2 (ou 20 lb/polegada2 de pressão manométrica) a
nessa solução? temperatura ambiente. Pode um recipiente desse tipo
ser utilizado para a formulação descrita neste exem-
plo? Os freons podem ainda ser utilizados em aeros-
sóis de uso farmacêutico?
CAPÍTULO 5: NÃO-ELETRÓLITOS
5-1 Uma solução de sacarose (massa molecular 342) é
preparada mediante a dissolução de 0,5 g em 100 g de * N. de T.: 1 cm = 0,39 polegada; 1 libra = 0,45 kg.
708 P ATRICK J. S INKO

5-11 (a) Definir a lei de Henry e discutir sua relação com torr. Calcular a massa molecular da amostra utilizan-
a lei de Raoult. (b) Como se aplica a lei de Henry no do o abaixamento da pressão de vapor, o aumento do
estudo de gases em solução? ponto de ebulição e a pressão osmótica. O número
5-12* Podemos nos admirar pelo modo como um peixe pode “400” associado ao PEG significa que a massa mo-
respirar oxigênio quando este se encontra dissolvido lecular desse polímero é em torno de 400 g/mol. A
na água. É o peculiar sistema de gelras de um peixe densidade da água a 56 °C é 0,985 g/cm3. Experimen-
que lhe permite retirar oxigênio da água levando-o talmente, o valor de π calculado foi 0,0138 atm.
diretamente para o seu corpo. A solubilidade do oxi- 5-17 Determinar a constante ebulioscópica, Kb, do tetra-
gênio no ar dissolvido na água é calculada utilizando cloreto de carbono. Pode-se obter a massa molecu-
a lei de Henry, pO2 = kXO2. A pressão parcial, pO2, do lar e o ponto de ebulição do CCl4 no Merck Index.
O2 no ar a 25 °C é 0,20 atm e a do N2 é 0,80 atm. As Para obter o calor de vaporização, ΔHV, no ponto de
constantes da lei de Henry a 25 °C são dadas na se- ebulição, será necessário precisar consultar o CRC
guinte tabela: Handbook of Chemistry and Physics ou outras fontes
que forneçam os valores de ΔHV do CCl4 a várias
Dados para o Exercício 5-12 temperaturas. O CRC Handbook proporciona valores
mm Hg por fração atmosferas por de ΔHV em unidades BTU/lb ou em cal/g e tempe-
Gás molar de gás fração molar de gás raturas em graus Fahrenheit ou Celsius até 120 °F
(48,89 °C).
O2 3,30 × 107 4,34 × 104 (a) Construir um gráfico com valores de ΔHV versus
N2 6,51 × 107 8,57 × 104
temperatura e extrapolar a linha até 76,7 °C, o ponto de
ebulição do CCl4. A massa molecular de CCl4 é 153,84
(a) Calcular XO2, a fração molar de oxigênio, e XN2, a
g/mol. Converter ΔHV em cal/g para cal/mol e graus
fração molar de nitrogênio, no ar a 25 °C.
Celsius para Kelvin, depois elevar ao quadrado a tem-
(b) Qual a concentração total das frações molares des- peratura de modo a permitir o uso da equação para a
ses dois gases em água a 25 °C? constante crioscópica, Kb = RTb2M1/(1000 ΔHV).
(c) No ar, o oxigênio contribui com 20%, ou um quin- (b) Ao aplicar uma regressão linear, quadrática ou cú-
to, da pressão total (ver comentário prévio). Qual é a bica de ΔHV versus temperatura, utilizar uma calcula-
contribuição em termos de fração que o oxigênio faz à dora de bolso ou um computador pessoal de modo a
concentração desses dois gases na água? obter o melhor ajuste possível dos dados e, assim, obter
(d) O ar dissolvido que um peixe respira na água é pro- uma extrapolação mais confiável que forneça ΔHV no
porcionalmente maior em oxigênio que o ar que os ani- ponto de ebulição do tetracloreto de carbono.
mais terrestres respiram? 5-18 Uma solução de um fármaco é preparada dissolvendo
5-13 A pressão parcial de vapor de oxigênio dissolvido em 15,0 g em 100 g de água, sendo posteriormente sub-
água que está em equilíbrio com a atmosfera a 25 °C é metida à análise ebulioscópica. A elevação do ponto
200 mm Hg, e a constante da lei de Henry, k, vale 3,3 × de ebulição foi de 0,28 °C. Calcular a massa molecular
107 mm Hg/fração molar de O2. Qual a concentração de desse fármaco.
oxigênio na água, expressa em fração molar? 5-19 No verão, a vaporização do líquido de resfriamento de
5-14 O abaixamento crioscópico de uma solução que contém um automóvel é retardada mediante adição de etilenogli-
1,00 g de um novo fármaco em 100 g de água é 0,573 col, o qual atua aumentando o ponto de ebulição da água.
°C a 25 °C. (a) Qual a massa molecular dessa subs- (a) Para a solução de etilenoglicol e água, discutida no
tância? (b) Qual o ponto de ebulição dessa solução? Exemplo 5-14, calcular a elevação do ponto de ebuli-
(c) Qual a pressão osmótica da solução? ção da água, em graus Fahrenheit, utilizando a equação
5-15 (a) Derivar uma equação que relacione a pressão os- (5-26). O calor de vaporização da água é 9720 cal/mol.
mótica e o abaixamento da pressão de vapor de uma A fração molar, X2, de etilenoglicol na solução aquosa é
solução a 25 °C. Fazer referência à Tabela 5-5 para ver igual a 0,1239. (b) Comparar esse resultado com o obti-
equações que relacionem π a Δp. do aplicando a expressão menos exata: ΔTb = Kbm.
(b) Explicar a maneira como uma membrana osmótica 5-20 (a) Qual o aumento do ponto de ebulição experimen-
funciona. Usar o diagrama de célula e membrana para tado por uma solução 0,437m de antraceno em cloro-
mostrar o fluxo dos componentes líquidos e a geração fórmio? Usar a equação (5-52), (b) A massa molecu-
da pressão osmótica. lar do antraceno é 178,2 g/mol. Aplicando a equação
5-16 Uma amostra de 105 g de polietilenoglicol 400 (PEG (5-53), verificar seu resultado obtido em (a), ou seja,
400) dissolvida em 500 g de água apresentou uma calcular ΔTb.
pressão de vapor de 122,6 torr a 56,0 °C. A elevação 5-21 Uma solução que contém 0,2223 g de penicilina-G ben-
do ponto de ebulição dessa solução em relação à água zatínica em 1.000 g de benzeno apresenta um ponto de
pura (100 °C a 1 atm) foi determinada em 0,271 °C. A congelamento de 0,00124 °C inferior ao do benzeno
pressão de vapor da água pura, p1°, a 56 °C, é 123,80 puro (5,5 °C). Calcular a massa molecular da penicili-
na-G benzatínica.
* O Exercício 5-12 foi modificado de J. W. Moncrief and W. H. Jones, Elements 5-22 Cinco gramas de um novo fármaco (um não-eletrólito)
of Physical Chemistry, Addison-Wesley, Reading, Mass., 1977, p. 115. são dissolvidos em 250 g de água. A solução foi subme-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 709

tida posteriormente à análise crioscópica para calcular em casa. Que outras soluções podem ser cogitadas para
a massa molecular. O abaixamento crioscópico deter- essa emergência, caso a adição de sacarose não proteja
minado foi 0,120 °C. Calcular a massa molecular desse o sistema de resfriamento do automóvel?
fármaco. 5-28 Qual a pressão osmótica de uma solução de uréia (mas-
5-23 (a) Calcular o abaixamento crioscópico de uma solução sa molecular 60) que contém 0,30 g de fármaco em 50
de 1 g de metilcelulose (massa molecular 26.000 g/mol) mL da água a 20 °C? Usar a equação de van’t Hoff.
dissolvido em 100 g da água. (b) Utilizando a equação 5-29 Calcular a pressão osmótica de uma solução aquosa de
de Morse, calcular a pressão osmótica dessa solução a manitol 0,60 m aplicando (a) a equação (5-35) e (b) a
20 °C. Expressar o resultado em cm de solução. Para equação (5-39). A pressão de vapor da solução, p, a 20
converter mm de mercúrio para mm de solução, usar a °C, é 17,349 mm Hg e a pressão de vapor da água, p°, à
equação: mm solução = mm Hg × ρHg/ρsolução. A den- mesma temperatura, é 17,535 mm Hg. O volume molar
sidade do mercúrio a 20 °C é igual a 13,5462 g/mL. da água a 20 °C é 0,0181 L/mol.
Assumir que a densidade da solução vale 1 g/mL. 5-30 Se o ponto de congelamento do sangue é igual a –0,52
(c) Você possui um termômetro que é capaz de medir °C, qual será a sua pressão osmótica a 25 °C? Qual é
com precisão 0,05 °C e de estimar um valor de 0,005 o abaixamento da pressão de vapor do sangue a essa
°C. Seria possível obter o abaixamento crioscópico da temperatura?
solução de metilcelulose para assim determinar a massa 5-31 Um novo alcalóide, a guayusina, foi isolado da planta
molecular desse polímero? Pode-se utilizar a pressão sul-americana Guayusa multiflora. Uma solução que
osmótica para calcular essa massa molecular? contenha 0,473 g desse alcalóide em 500 mL de solu-
5-24 (a) Calcular a constante crioscópica para o benzeno. O ção aquosa produz uma pressão osmótica de 0,060 atm
calor de fusão, ΔHf, é 2360 cal/mol e o ponto de fusão (ou seja, 45,6 mm de Hg ou 619 mm de solução) a 25
do benzeno é 5,5 °C. Sua massa molecular é 78,11 g/ °C. O fármaco não sofre associação nem dissociação
mol. em solução aquosa. Calcular a massa molecular aproxi-
(b) Calcular a constante ebulioscópica do fenol. Seu mada da guayusina.
calor de vaporização é de 9730 cal/mol e sua tempe- 5-32 O abaixamento crioscópico causado por 2,0 g de Antige-
ratura de ebulição é 181,4 °C. A massa molecular do sic, um novo fármaco analgésico e antipirético, em 100
fenol é igual a 94,11 g/mol. Comparar esses resultados mL de solução aquosa foi determinado em 0,198 °C.
com os fornecidos na Tabela 5-4. (a) Calcular a pressão osmótica da solução. (b) Cal-
5-25 Calcular o abaixamento crioscópico de uma solução de cular a massa molecular do fármaco a partir do valor
glicose a 0,20% m/v. A massa molecular da glicose é da pressão osmótica. ΔTf e π são correlacionados por
180 g/mol. meio das equações ΔTf = Kf cg e π = RTcg, onde RT é
5-26 Que concentração de etilenoglicol é necessária para considerado igual a 22,43 a 0 °C, e cg é a concentração
proteger o sistema de resfriamento de um automóvel em g/litro. O fármaco se comporta quase que de forma
de uma temperatura abaixo de –28,9 °C (–20 °F)? Ex- ideal em soluções aquosas diluídas. Ele não se associa
pressar a concentração em gramas de anticongelante nem dissocia em água e, conseqüentemente, a equação
por 100 g de fluido do sistema. A massa molecular do (5-57) é adequada para calcular um valor aproximado
etilenoglicol é 62,07 g/mol. de massa molecular.
5-27 É inverno e você foi surpreendido na sua casa por uma 5-33 Um novo fármaco polipeptídico foi sintetizado e
tormenta de neve e gelo. A temperatura externa é de apresenta massa molecular estimada na faixa de
–28,9 °C (–20 °F). Seu filho está doente e precisa ser 10.000 daltons (1 dalton = 1 g/mol). Que método
levado à farmácia da cidade, a 16 km (10 milhas) de baseado nas propriedades coligativas seria o melhor
distância de da sua casa, para poder receber uma receita para determinar, de modo mais preciso, a sua massa
prescrita para ele. Você acabou de trazer para casa um molecular? A questão é respondida calculando ΔTb,
automóvel novo, mas esqueceu de colocar anticonge- ΔTf, Δp e π a 20 °C para uma solução a 1% do fár-
lante no motor do mesmo. Contudo, você tem em casa maco em água. A pressão de vapor da água, p1°, a 20
um pacote de 2,3 kg (5 lb) de sacarose e sabe que o °C, é 17,54 mm Hg. A densidade da solução foi de-
volume do sistema anticongelante do seu automóvel é terminada em 1,015 g/mL e a densidade do mercúrio,
8,5 L, aproximadamente. necessária para converter mm Hg em mm de solução,
(a) Quanto pode cair a temperatura do seu veículo é 13,5462 g/mL a 20 °C.
durante a noite (na garagem), antes que o sistema de
resfriamento possa congelar após ter adicionado 5 lb
de açúcar na água do radiador e toda ela ter se dis-
solvido completamente? A massa molecular de saca- CAPÍTULO 6: SOLUÇÕES DE ELETRÓLITOS
rose é de 342 g/mol, sendo que 1 lb (avoirdupois) =
0,4536 kg. 6-1 A condutância equivalente, Γ0, de um sal sódico de sul-
(b) Todos os meios de transporte, incluindo táxis, ôni- fonamida em diluição infinita foi determinada em 100,3
bus e ambulâncias não estão circulando por causa da mho cm2/Eq. O valor da Γ0 para o HCl é 426,16 e, para
tormenta. Os pedidos da farmácia, do armazém e das o NaCl, 126,45. Qual o valor de Γ0 da forma ácido livre
lojas são de tal natureza que não podem ser entregues (sulfonamida livre)?
710 P ATRICK J. S INKO

6-2 As condutâncias equivalentes de vários eletrólitos fortes comprimento e 4 pés (1,22 m) de largura se a tempe-
em diluição infinita são as seguintes: Γ0(HCl) = 426,16, ratura do gelo é 10 °F (–12,2 °C)? A massa molecular
Γ0(NaAc) = 91,0 e Γ0(NaCl) = 126,45 mho cm2/Eq. Calcu- do CaCl2 é 110,99 g/mol. A densidade do gelo a 10 °F
lar o valor da condutância equivalente do ácido acético (12,2 °C) é 0,9973 g/mL e o grau de ionização, α, do
em diluição infinita. CaCl2 é 0,8.
6-3 As condutâncias equivalentes, Γc (mho cm2/Eq) do NaCl 6-7 Alguns cozinheiros adicionam sal à chaleira com
em várias concentrações molares, c, são dadas abaixo. água, dentro da qual fervem milho descascado ou
batatas com casca. Além de melhorar o sabor, essa
Dados para o Exercício 6-3 prática tem a reputação de cozinhar e amolecer mais
c 0,09 0,04 0,01 os alimentos. (a) Há algum fundamento científico
que justifique tal prática? Explicar. (b) Qual a con-
c 113,34 117,70 122,08 centração de NaCl, em gramas de sal por kg de água,
√ necessária para conseguir um aumento significativo
(a) Construir um gráfico de Γc versus C, como mos- do ponto de ebulição de, digamos, 5 °C? (c) Pode-
trado na Figura 6-4. Calcular Γ0 e a equação da reta ria essa concentração de NaCl produzir um alimento
(utilizar o método dos quadrados mínimos). (b) O nú- muito salgado ao paladar?
mero de transferência, tc, do Na+ em diluição infinita é
6-8 Os dados para uma solução isotônica de cloridrato de
igual a 0,396. Calcular a condutância equivalente iônica
aureomicina estão contidos na Tabela 9-4, página 238.
para o Na+, Cl– e o número de transferência do Cl– em
O abaixamento crioscópico, ΔTf, para uma solução a
diluição infinita.
1% (1 g/dL) é tabelado em 0,06 °C. (a) Qual o valor
6-4 O hidrato de cloral é um dos fármacos hipnóticos mais do fator i de van’t Hoff e qual o grau de dissociação,
antigos. Foi sintetizado em 1832 e ainda possui certa α, desse antibiótico em uma solução a 1% m/v? A essa
importância na anestesia geral e no tratamento de al- baixa concentração, pode-se assumir que a molaridade
guns tipos de neuroses. A condutância, Γc, de uma so- seja aproximadamente igual à molalidade. (b) Repetir
lução de NaCl 1 M em água a 25 °C diminui com a adi- o cálculo para sulfato de atropina e salicilato de fisostig-
ção de quantidades crescentes de hidrato de cloral. As mina e determinar os valores de i e de α para essas duas
condutâncias medidas, Γc, para uma solução aquosa de soluções.
NaCl 1 M na presença de várias quantidades de hidrato
6-9 Fazendo uso dos dados e dos valores de Γ0 fornecidos
de cloral são mostradas abaixo.
no Exercício 6-3, calcular o grau de ionização, α, o va-
Dados para o Exercício 6-4 lor de i e o abaixamento crioscópico de uma solução de
NaCl 0,09 m.
Hidrato de cloral, c 6-10 A condutância equivalente de uma solução de sulfona-
(conc. molar, M) 0,2 0,4 0,6 0,8 mida com concentração 0,01 M foi determinada de for-
c (mho cm /Eq)
2
78,92 74,30 69,68 65,06 ma experimental como sendo igual a 1,104. A condu-
tância equivalente desse fármaco em diluição infinita é
Bareza e Lenner13 determinaram uma relação direta en- 400,0. Qual o grau de dissociação desse eletrólito fraco
tre Γc e a concentração de hidrato de cloral, c. nessa concentração?
(a) Construir um gráfico com c no eixo dos x versus Γc e 6-11 (a) A pressão de vapor da água sobre uma solução
extrapolar até concentração zero de hidrato de cloral para aquosa de uma sulfonamida é 721 mm Hg a 100 °C.
obter o valor de Γc da solução aquosa de NaCl 1 M. Qual o valor da atividade da água na solução? (b) O
(b) Calcule Γc para uma solução aquosa de NaCl 1 metanol tem um ponto de ebulição de 64,7 °C. A pres-
M utilizando a equação obtida no Exercício 6-3. Seus são de vapor do metanol em uma solução metanólica
resultados mostram correlação com os obtidos no dessa sulfonamida é 703 mm Hg. Qual a atividade do
Exercício 6-3? metanol nessa solução a 64,7 °C? (c) O cloro possui
(c) Por que a condutividade da solução aquosa de uma pressão de vapor de 10,0 atm a 35,6 °C. Em uma
NaCl 1 M diminui à medida que é adicionado hidrato mistura de cloro e tetracloreto de carbono, a pressão de
de cloral? vapor do cloro é de 9,30 atm a 35,6 °C. Qual a atividade
6-5 Uma solução de sacarose 1,0 m apresenta pressão os- do cloro nessa mistura?
mótica de 24,8 atm a 0 °C. Calcular o fator i de van’t (d) O ácido fórmico tem pressão de vapor de 40,0 mm
Hoff para a sacarose nessa concentração. Hg a 24 °C. Em uma mistura de ácido fórmico e ácido
6-6* Cloreto de cálcio pode ser utilizado para fundir o gelo acético, o ácido fórmico apresenta a pressão de vapor
das calçadas. Quantas libras (avoirdupois, 1 lb = 0,45 de 32,2 mm a 24 °C. Qual a atividade do ácido fórmico
kg) de CaCl2 são necessárias para fundir uma camada nessa mistura?
com uma espessura de 0,5 polegadas (1,27 cm) de gelo 6-12* A pressão de vapor, p1°, da água a 25 °C é 23,8 torr.
formada sobre uma calçada de 50 pés (15,24 m) de (a) Calcular o abaixamento da pressão de vapor da
água quando 25 g de CaCl2 são adicionados a 100
* Os Exercícios 6-6 e 6-12 foram modificados de J.W. Moncrief and W. H. g da água. A massa molecular do CaCl2 é 110,99 g/
Jones, Elements of Physical Chemistry, Addison-Wesley, Reading, Mass., mol. (b) Calcular a atividade e o coeficiente de ativi-
1977, pp. 146 e 124, respectivamente. dade da água nessa solução.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 711

6-13 Se 15 g de um eletrólito forte, como NaOH, com 6-21A solução de Ringer USP é formulada de modo a ter
massa molecular de 40,01 g/mol, é adicionado a 100 aproximadamente a mesma força iônica que o sangue
g de água a 25 °C, a pressão de vapor de água pura, normal. Calcular a força iônica do sangue a partir das
que é 23,8 mmHg, sofre abaixamento. (a) Calcular a concentrações dos constituintes da solução de Ringer.
pressão de vapor dessa solução. (b) O coeficiente de 6-22 O abaixamento crioscópico de uma solução contendo
atividade, γ1, da água na solução é dado pela equação 4 g de cloridrato de metapirileno em 100 mL de solu-
γ1 = p1/X1 p1°. Podemos nos certificar disso uma vez ção foi 0,423 °C. O cloridrato de metapirileno disso-
que γ1X1 = a1 = p1/p1°, a equação que permite de- cia em dois íons e possui massa molecular de 297,85.
terminar as atividades de gases e vapores. Calcular o Calcular (a) o fator i de van’t Hoff, (b) o coeficiente
coeficiente de atividade e a atividade da água nessa osmótico, g, e (c) o valor de L para o fármaco nessa
solução. concentração.
6-14 A pressão de vapor de água pura (23,8 torr) a 25 °C é 6-23 A condutância equivalente do ácido acético é de 48,15
abaixada quando são dissolvidos 100 g de glicose, um mho cm2/Eq a uma concentração de 1 × 10–3 mol/litro.
não-eletrólito, em 1.000 g de água. A massa molecular O valor é 390,7, quando calculado para diluições infi-
da glicose é 180,16 g/mol. Qual o valor da atividade e nitas como no Exercício 6-2. Calcular α, i e L para essa
do coeficiente de atividade da água a essa temperatura e concentração.
com essa concentração de glicose? 6-24 O valor de Liso de uma solução de ácido ascórbico é
6-15 Calcular o coeficiente de atividade iônico médio de 1,90 e sua pressão osmótica a 37 °C é π = 1182 mm Hg.
uma solução aquosa de difenilidantoína sódica 0,01 M Calcular i, ΔTf e o grau de dissociação, α.
que contém KCl 0,01 M, a 25 °C. Usar a equação-limite 6-25 Calcular o abaixamento crioscópico e a miliosmola-
de Debye-Hückel. lidade das soluções de iodeto de sódio 0,25 M, bicar-
6-16 Utilizando a equação estendida de Debye-Hückel, cal- bonato de sódio e cloreto de cálcio e das soluções da
cular o coeficiente de atividade iônico médio de uma griseofulvina e pentobarbital com pressão osmótica
solução de cloridrato de adrenalina a 0,05 M que con- equivalente a 340 mm de solução. Qual o valor em
tém KCl 0,05 M. atm da pressão osmótica da solução de bicarbonato
6-17 (a) Qual a quantidade de CaCl2 (em mol/litro) que deve de sódio e de pentobarbital a 25 °C? (Sugestão: O
ser adicionada a uma solução de sulfato de neomicina bicarbonato de sódio, da mesma forma que o NaI,
0,02 M para obter uma força iônica de 0,09? gera duas partículas quando em solução. O pento-
barbital e a griseofulvina podem ser tidos como não-
(b) Calcular a atividade iônica média e o coeficiente eletrólitos; logo, o seu valor de i corresponde a 1.
de atividade iônico médio de uma solução de sulfato Para CaCl2, i = 2,6).
de neomicina 0,02 M com uma força iônica de 0,09, à
6-26 Uma solução de brometo de potássio 0,120 m possui
temperatura de 25 °C. Usar as equações (6-58) e (6-60)
uma miliosmolalidade de 1,86 × 120 mm = 223 mOsm/
e comparar os resultados.
kg (consultar o Exemplo 6-16). A densidade da água
6-18 King e colaboradores14 investigaram as propriedades a 25 °C é 0,997 g/cm3, e o volume molar parcial do
do brequinar sódico, um novo agente anticâncer. A sua KBr v-2° = 33,97 cm3/mol. Calcular a miliosmolalidade,
solubilidade em água à temperatura ambiente (≈ 23 °C) mOsm/(litro solução), dessa solução de KBr utilizando
foi determinada em 0,274 M. A substância é um eletró- a equação (6-66).
lito tipo 1:1. 6-27 Para uma mistura de acetona e clorofórmio, as pres-
(a) Calcular a atividade iônica média e o coeficiente de sões parciais (em mm Hg), p1, da acetona são dadas
atividade iônico médio em solução saturada de (0,274 na seguinte tabela para várias frações molares de
M) a 23 °C. concentração, X1:
(b) Após ter sido adicionado a uma solução de NaCl
0,01 M, a solubilidade do fármaco diminuiu por causa Dados para o Exercício 6-27
do efeito do íon comum, Na+ (ver p. 266). O novo X1 1,000 0,950 0,925 0,878 0,710 0,575
valor de solubilidade foi determinado em 0,245 M.
Calcular os novos valores da atividade iônica média p1(mm) 344,5 327,5* 317,0* 299,7 230,7 173,7
e do coeficiente de atividade iônico médio. Escolher * Estes pontos foram adicionados aos dados originais. Fonte: J. von Zawidzki, como
a equação apropriada que permita o cálculo mais pre- relatado por I. M. Klotz and R. M. Rosenberg, Chemical Thermodynamics, W. A.
ciso de γ±. Benjamin, Menlo Park, Cal., 1972, pp. 355, 356. Alguns pontos foram omitidos e dois
pontos próximos a X1 = 1,000 foram adicionados.
6-19 Uma solução de fenobarbital sódico 0,003 M contém
tampão de acetato de sódio a 0,20 M e ácido acético (a) Calcular a atividade e o coeficiente de ativida-
a 0,30 M. O ácido acético é um eletrólito fraco e seu de para a acetona nos diferentes valores de X1 dessas
grau de dissociação, α, é 0,008 nessa concentração, soluções.
sendo que as espécies não-dissociadas não contri- (b) Construir um gráfico para os valores experimentais
buem para a força iônica. Qual o valor da força iônica de p1 e para os valores das pressões segundo a lei de
da solução? Raoult versus X1. Discutir o desvio da lei de Raoult e
6-20 Seja uma solução de AlCl3 0,05 M e Na2HPO4 0,2 M. suas implicações em relação a possíveis interações in-
Qual o valor de sua força iônica? termoleculares entre acetona e clorofórmio.
712 P ATRICK J. S INKO

6-28 As concentrações em fração molar e as pressões de va- [sódio sulfatiazol sódico]


pH pK a log
por em mm Hg (torr) para um novo anestésico geral, o [sulfatiazol]
teasotrato, em etanol a 45 °C, são fornecidas na tabela
abaixo. Calcular a atividade e o coeficiente de atividade O pKa do sulfatiazol é 7,12.
para esse novo fármaco. 7-3 (a) Qual é a quantidade em percentual molar de fe-
nobarbital livre em solução a pH 8,00? (b) Qual é
Dados para o Exercício 6-28 a quantidade em percentual molar de cocaína livre
X1 1,000 0,942 0,740 0,497
em solução a pH 8,00? (A fração não-ionizada de
fármaco na forma de ácido livre é calculada utili-
p1(mm) 402 377 277 174 zando a equação [13-95] e a base livre com a equa-
ção [13-96].) (Ver também as equações [13-77] e
[13-78] para o caso da fração ionizada, em vez da
não-ionizada.)
CAPÍTULO 7: EQUILÍBRIO IÔNICO 7-4 (a) Qual é o pH de uma solução de 5 g de fenol em 100
mL de solução aquosa? (b) Qual é a concentração de
7-1 Exercitar cálculos envolvendo pH, pOH e concentração íon hidroxila dessa solução?
iônica das soluções aquosas. 7-5 Calcular a concentração de íon hidrônio e o pH de
(a) Converter pH = 2,54 para concentração de íon hi- uma solução de ácido acético 0,001 M utilizando a
drogênio, [H+]. equação aproximada e a equação quadrática mais
(b) Qual é o pH de uma solução 7,93 × 10–4 molar de exata.
um ácido forte? 7-6 Calcular o pH de uma solução de sulfato de morfina a
(c) Se o pH de uma solução de uma base forte vale 1% (m/v). A massa molecular desse sal é 668,76.
8,75, qual é a concentração de íon hidroxila? Qual é a 7-7 Qual é o pH de uma solução aquosa 1:200 de efedrina a
concentração de íon hidrogênio? 25 °C?
(d) Qual é o pH de uma solução de HNO3 0,00379 M? 7-8 Calcular o pH de uma solução de ácido tartárico
Qual é o valor de seu pOH? 0,01 M.
(e) Converter a concentração 0,00915 M de íon hidro- 7-9 Calcular o pH de uma solução de fisostigmina 0,01 M a
xila para pH. 25 °C.
(f) Calcular o pH de uma solução de ácido sulfúrico 7-10 Calcular o pH de uma solução que contenha 0,1 M de
2,37 × 10–3 M. O H2SO4 dissocia completamente como ácido acético e 0,1 M de ácido fórmico.
eletrólito forte em solução diluída, como a apresentada
7-11 Qual é a concentração de íon hidrônio e o pH de uma
neste exercício.
solução a 25 °C que contém 0,01 mol/litro de sulfa-
(g) Uma solução de HCl 0,017 M é misturada com diazina e 0,05 mol/litro de sulfissoxazol? Os dados
uma solução de NaOH 0,017 M. Qual o pH final da necessários para a resposta podem ser encontrados na
mistura?* Tabela 7-2.
(h) Qual o pH de uma solução de NaCl 0,034 M? 7-12 (a) Qual é o valor de PBE (equação de equilíbrio pro-
(i) A solubilidade do fenobarbital em água a 25 °C é tônico) de uma solução de cloreto de amônio?
0,14% (m/v). Qual o pH da solução saturada? (b) Qual é o valor de PBE de uma solução contendo
(j) Se 15 mL de NaOH 0,02 M são adicionados a 15 quantidades equimoleculares de Na2HPO4 e cloreto de
mL de ácido acético 0,02 M, qual o pH da solução re- amônio?
sultante? Fazer a conversão de pH para a concentração
7-13 Qual é o valor do pH isoiônico do anfólito ácido p-
de íon hidrogênio.
aminobenzóico, (+NH3C6H4COO–), que apresenta duas
(k) O pOH da solução de um fármaco é 6,82; qual o constantes ácidas pK1 = 2,3 e pK2 = 4,9?
pH dessa solução? Qual a concentração de íon hidroxila
7-14 Sulfonamidas podem existir em solução aquosa na for-
se a solução refere-se a uma base forte?
ma de anfólitos +NH3C6H4SO2NR–. As duas constantes
(l) Quais os valores de pH e pOH de uma solução de de acidez da sulfadiazina são pK1 = 2,1 e pK2 = 6,5.
HCl 5 × 10–8 M a 25 °C? Calcular o ponto isoiônico desse fármaco.
(m) Calcular o pH de uma solução de ácido fórmico 7-15 Cefroxadina, um antibiótico β-lactâmico, possui dois
0,06 M. grupos ionizáveis, –COOH e NH2 (Nieto e colaborado-
7-2 Se 100 mL de sulfatiazol 0,005 M são misturados com res)15. O equilíbrio para esse anfólito pode ser represen-
57 mL de hidróxido de sódio 0,003 M, qual será o pH tado da seguinte forma:
dessa mistura? Qual é o pOH da solução? −H −H
O sulfatiazol reage em parte com o NaOH para gerar NH3 —R—COOH −→
←− NH3 —R—COO −→

←− NH2 —R—COO−
K2
sulfatiazol sódico. Sugestão: Use a equação de Hender-
son-Hasselbalch (8-8) na forma de: Calcular o pH de uma solução de cefroxadina 4,7 ×
10–3 M a 25 °C. As constantes de dissociação são: K1 =
* N. de T.: Assumir volumes iguais. 6,92 × 10–4 M e K2 = 1,17 × 10–7 M. Utilizar a equação
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 713

(7-115) e a equação mais exata (7-114) para calcular o 7-23* (a) Calcular os valores de Ka e pKa para a ionização do
pH do anfólito. ácido fórmico.
Dados para o Exercício 7-23
HCOOH → HCOO– +H+
ΔHof (kcal/mol) –101,68 –101,71 0
S° (cal/K mol) 39,0 22,0 0

Fonte: Dados retirados de CRC Handbook of Chemistry and Physics, 63rd ed. p. D-60.

Estes pontos de ionização se (b) Calcular o Ka e pKa do ácido fórmico utilizando


tornam NH3+ e COO– os valores das energias livres de formação, onde ΔG°f
Cefroxadina (HCOO–) vale -83,9 kcal/mol e ΔG°f (HCOOH) é –89,0
kcal/mol.
7-24 A ionização da sulfisomidina, pKa = 7,47, está repre-
7-16 Qual é o pH de uma solução contendo ácido acético 0,1
sentada abaixo:
M e acetato de sódio 0,02 M?
7-17 (a) Calcular o pH de uma solução de borato de amônio
0,1 M. (b) Calcular o pH de uma solução de propionato
de amônio 0,1 M.
7-18 Qual é o pH de uma solução de (NH4)3PO4 0,01 M?
7-19 Qual é o pH de uma solução contendo quantidades
equimolares de ácido succínico e citrato de sódio
tribásico?
7-20 Aminofilina é um complexo de teofilina (C7H8N4O2)
e etilenodiamina [C2H4(NH2)2 · 2H2O] e pertence
à categoria terapêutica dos relaxantes do músculo
liso. Comporta-se como uma base fraca com um
pKb = 5,0. Quando administrando por via oral, este fármaco atinge
a concentração aquosa de 0,073 M na porção superior
(a) Calcular a concentração em mol/L de aminofili- do intestino, onde o pH é de 5,83.
na ionizada (BH+) em solução aquosa a 25 °C quan-
do a reação B + H2O Ø BH+ + OH– está em equilí- (a) Calcular o percentual de sulfisomidina presente na
brio. A concentração total de aminofilina é de 0,003 forma iônica na solução dentro do trato intestinal [usar
mol/L. a equação (13-77)].
(b) Qual é o pH dessa solução a 25 °C? (b) Calcular a variação de energia livre-padrão, ΔG°,
para a reação de ionização a 25 °C e explicar o signifi-
7-21 Qual é o pH de uma solução que contém 0,5 móis de
cado do seu resultado.
sulfadiazina sódica em 1000 mL de solução?
(c) Qual é o valor da ΔG° para a ionização no trato
7-22* Um comprimido de aspirina (ácido acetilsalicílico,
intestinal e qual é a sua interpretação para esse re-
pKa 3,49, massa molecular 180,15 g/mol), foi inge-
rido oralmente com água fria para criar uma solução sultado?
de 0,00167 mol/L de aspirina nos fluidos gástricos. A 7-25 O ácido fosfórico ioniza em três etapas, da forma mos-
água fria produz uma temperatura temporária no estô- trada na página 180. No corpo, as espécies H2PO4– e
mago de 25 °C. HPO42– contribuem para manter o pH deste em um
(a) Qual é o percentual de aspirina na forma iônica, valor próximo de 7,4. Calcular os valores de Ka e pKa
C6H4(OOCCH3)COO–, no estômago, no qual o pH dos para o primeira, segunda e terceira etapa de ionização
fluidos é 3,20? Consultar a equação (13–77). do ácido fosfórico. Os dados necessários de ΔHof e S°
constam da seguinte tabela:16
(b) Determinar o valor de ΔG° para o processo de ioni-
zação da aspirina a 25 °C. Dados para o Exercício 7-25
(c) Calcular ΔG para a ionização da aspirina conside-
rando a concentração molar de 0,00167 no estômago ΔHof kcal/mol S° cal/K mol
e assumindo que os fluidos gástricos se encontram a H3PO4 (aq) –308,2 42,1
25 °C. Nessas condições, a ionização da aspirina é um
processo espontâneo? H2PO4– (aq) –311,3 21,3
2–
HPO4 (aq) –310,4 –8,6
PO43– (aq) –306,9 –52,0
* Os Exercícios 7-22 e 7-23 foram modificados de J. W. Moncrief and W. H.
Jones, Elements of Physical Chemistry, Addison-Wesley, Reading, MA., H+ (aq) 0 0
1977, p. 123.
714 P ATRICK J. S INKO

Em termos de cálculo termodinâmico, a ionização padrão de formação e a entropia-padrão absoluta, são


para a primeira etapa é freqüentemente expressa como: dados a seguir:
−→
H3 PO4 (aq) −→ −
←− H2 PO4 (aq) H (aq) MgO(s) 2HCl(aq) ←− MgCl2 (aq) H2 O(líq)
kcal
H ◦f −143,81 2(−39,952) −191,48 −68,315
Essa ionização é mostrada na página 180 da se- mol–1
guinte forma: kcal
G ◦f −136,10 2(−31,372) −171,444 −56,687
mol–1
H3 PO4 H2 O H2 PO4 − [H3 O ] cal K–1
S◦ 6,380 2(13,5) −6,117 16,71
A água líquida é escrita como H2O(líq) e a con- mol–1
centração de íon hidrônio, [H3O+], em solução aquosa Observar que cada um dos valores termodinâmi-
como [H3O+](aq). Os valores de ΔHof e S° para H2O(líq) cos-padrão referentes ao HCl(aq) foi multiplicado por
e [H3O+](aq) são iguais (Bent 21) e podem ser elimina- dois, uma vez que duas moléculas de HCl participam da
dos. Os valores para H+(aq), por convenção, são iguais equação. Tabelas contendo as propriedades termodinâ-
a zero e também podem ser excluídos. micas-padrão podem ser obtidas no National Bureau of
7-26 A equação para a primeira etapa da ionização do áci- Standards e nos apêndices de diversos livros de Termo-
do fosfórico e a energia livre-padrão de formação ΔG°f, dinâmica. O CRC Handbook of Chemistry and Physics
dos reatantes e dos produtos correspondem a: contém muitos desses valores.
H3 PO4 (aq) H2 −→
←− H2 PO4 − (aq) H3 O (aq) (a) Utilizando os valores de ΔG°f para a reação do
G ◦ f (kcal mol) −274 2 −52 69 −271 3 −56 69 óxido de magnésio, calcular variação de energia livre-
padrão, ΔG°, que acompanha a reação quando um com-
(a) Calcular a primeira constante de ionização, K1, a
primido contendo MgO reage com o ácido estomacal.
partir das energias livres-padrão de formação (Bent.)17
Comparar seus resultados com os valores de K1 da Ta- (b) Tendo calculado o valor de ΔG° para essa reação
bela 7-2 e com o valor obtido no Exercício 7-2, utili- e assumindo uma temperatura de 25 °C, determinar a
zando ΔHof e S°. constante K para essa mesma reação.
(b) Calcular a energia livre-padrão de formação do (c) Utilizar os valores de ΔHof e S° para obter os va-
HPO42–, sabendo que o valor de pK2, o “expoente de lores de ΔG° e K para essa reação. Você consegue os
dissociação” da segunda etapa de ionização do ácido mesmos resultados obtidos em (a) e (b)?
fosfórico, é igual a 7,21. (d) Em termos das espécies químicas envolvidas nessa
reação, descrever o que acontece se, após o primeiro
7-27 Carbonato de magnésio é o componente ativo de alguns
comprimido, é ingerido um segundo comprimido de
produtos antiácidos de venda livre. Ele reage com o
óxido de magnésio. De que forma se alteram ΔG° e K?
HCl do estômago neutralizando parte do ácido liberado
O que acontece ao pH do fluido gástrico?
e liberando CO2 de acordo com a reação:
7-29 Os valores de pKa da sulfacetamida foram determinados
K
MgCO3 (s) 2HCl(aq) −→
←−
MgCl2 (aq) CO2 (g) H2 O(líq) por Agrawal e colaboradores 18 em misturas de dioxano e
G ◦f (25◦ C) −241 9 2(−31 372) −171 444 −94 254 −56 687
(kcal mol)
água a 25 °C. Esses valores constam da seguinte tabela:

Nessa equação, s indica sólido, g gás, líq líquido e Dados (a) para o Exercício 7-29
aq solução aquosa. Abaixo de cada termo da reação Fração molar
é dado o respectivo valor da energia livre-padrão de de dioxano 0,083 0,123 0,147 0,175
formação.
Suponha que você acabou de ingerir um com- Temp. ( °C) pKa
primido recém-preparado contendo 100 mg de car- 25 6,75 7,24 7,46 7,75
bonato de magnésio. (a) Se ingerir um segundo 35 6,50 7,00 7,23 7,51
comprimido, em quanto isso irá afetar o equilíbrio
obtido após ter ingerido o primeiro, de acordo com o (a) Calcular a energia livre-padrão, a entalpia-pa-
mostrado na equação acima? (b) Em quanto o equi- drão e a entropia-padrão para a reação de ionização
líbrio será afetado se, em vez de ingerir um segundo HA Ø H+ + A– para essas quatro misturas de dioxano,
comprimido, parte do CO2 formado na reação é ex- nas duas temperaturas da tabela. Preparar uma tabela
pelido ao eructar? (c) Calcular a variação de energia com os resultados, do mesmo modo como mostrado
livre-padrão, ΔG°, dessa reação e utilizar o valor cal- na tabela de dados. (b) A partir dos resultados ter-
culado de ΔG° para obter a constante de equilíbrio modinâmicos obtidos é possível afirmar que essa rea-
da reação. ção é um processo espontâneo? Caso a resposta seja
7-28 Alguns comprimidos antiácidos, que não estão su- negativa, seria impossível que essa reação ocorra?
jeitos a receita médica, contêm óxido de magnésio Sugestão: O valor de ΔH° pode ser obtido aplicando a
como componente ativo, o qual reage com o HCl do equação de van’t Hoff (equação [3-129], página 80).
estômago. A equação para essa reação, junto com os Uma vez que ΔG° e ΔH° sejam conhecidos, é fácil
valores de calor padrão de formação, energia livre- calcular ΔS°.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 715

(b) Construir um gráfico com os valores de pKa (no modo que –50,35 kcal/mol corresponde à energia livre
eixo vertical) versus fração molar de dioxano e extra- de formação, obtida mediante calorimetria. São valo-
polar a reta até concentração zero de dioxano (100% res de calor e energia livre de formação tabelados para
água, 0% dioxano). Obter os valores para pKa em água ΔHof e ΔG°f. O termo ° sobrescrito indica tratar-se de
a 25 °C e 35 °C. valores para elementos no seus estados-padrão.)
(c) Mediante análise de regressão pelos mínimos qua- (b) Utilizando os valores de ΔΗof e S°, calcular ΔG° para
drados, fazer a regressão dos valores de pKa versus fra- essa reação e comparar o valor com aquele obtido em (a).
ção molar de dioxano, a 25 °C e a 35 °C. Comparar os (c) Utilizando valor de ΔG°f de (a) ou (b), calcular a
resultados com os valores de pKa(25 °C) e pKa(35 °C) constante de equilíbrio para a reação a 25 °C.
obtidos mediante extrapolação no item (b). (d) O valor calculado de ΔG°f permite determinar se o
7-30 (a) O pKa do amobarbital a 20 °C é igual a 8,06. Qual processo é espontâneo?
a variação de energia livre-padrão para a dissociação 7-33 Para obter o éster acetato de etila, o ácido acético é le-
desse barbiturato a 20 °C? (b) Se a variação de entropia vado a reagir com álcool etílico a 25 °C, como se mos-
padrão, ΔS°, dessa reação é igual a –3,1 cal/(K mol), tra na tabela abaixo:
quanto vale a variação de entalpia, ΔHo, na mesma tem-
peratura? (a) Usando os valores de ΔG°f e calcule ΔG° e a cons-
tante de equilíbrio K para essa reação a 25 °C
7-31 Considerando a constante de dissociação, Ka, do ácido
acético a 25 °C, calcular a variação de energia livre- (b) Utilizando os valores de ΔH°f e S°, calcular ΔG° e
padrão aplicando a equação ΔG° = –RT ln K. Se o valor K a 25 °C e comparar esses resultados com os obtidos
de ΔHo para essa dissociação é –92 cal/mol a 25 °C, no item (a).
quanto vale ΔS°? (Sugestão: ΔG°. = ΔHo – T ΔS°). (c) De acordo com a equação, se a reação ocorre de
7-32 Cloreto mercuroso (calomelano) é um pó branco utili- modo completo para a direita, 1 mol de ácido acético e
zado no passado como anti-séptico e catártico. A Envi- de álcool etílico renderiam 1 mol de acetato de etila e
ronmental Protection Agency permite o uso de cloreto outro de água. Contudo, a constante de equilíbrio K cal-
mercuroso misturado com cloreto mercúrico como fun- culada em (a) ou (b) mostra que a reação não se processa
gicida para prevenir fungos em certas árvores, grama- de forma completa para a direita, caso contrário teria um
dos, cultivos de grãos e na indústria têxtil. valor infinito. Suponha-se que quantidades equivalentes
A formação de cloreto mercuroso a partir dos seus ele- de 0,0027 M de ácido acético e de álcool etílico reagem
mentos – mercúrio líquido e gás de cloro – é descrita entre si, para formar os produtos acetato de etila e água a
abaixo, junto com os valores de entalpia-padrão de for- 25 °C. As quantidades de ácido acético e de álcool etílico
mação, energia livre-padrão de formação e entropia-pa- são consumidas em iguais quantidades para formar aceta-
drão absoluta: to de etila e água em quantidades iguais. Qual é a concen-
tração de acetato de etila no equilíbrio? Sugestão: Tendo
1 1
Hg(líq) 2
Cl2 (g) 2
Hg2 Cl2 (s) sido calculado o valor de K em (a) e (b), as concentrações
H◦f valores (kcal/mol) 00 00 1
(−63 32) tanto de acetato de etila como de água são indicadas por
2
x. Isso nos permite obter a seguinte expressão:
◦ 1
G f valores (kcal/mol) 00 00 (−50 35) x·x
K ∼40
2
◦ 1 1
(0 0027 − x)(0 0027 − x)
S valores (cal/[K mol]) 18 5 2
(53 286) 2
(46 8)
(a) Calcular ΔGo a partir dos valores de ΔG°f para a Observar que no equilíbrio a concentração original
reação entre mercúrio e cloro para formar calomelano. de 0,0027 M para o ácido acético e álcool etílico é re-
(Observar que o calor e a energia livre de formação dos duzida pela concentração de equilíbrio, x, tanto para o
elementos Hg(líq) e Cl2(g) valem zero. Conseqüente- acetato de etila quanto para a água.
mente, o valor para a formação de Hg2Cl2 [–63,32 kcal/ A equação da reação e as propriedades termo-
mol] corresponde ao calor de formação, do mesmo dinâmicas associadas são fornecidas na tabela apre-

Dados para o Exercício 7-33


CH3COOH(líq) + C2H5OH(líq) = CH3COOC2H5(líq) + H2° (líq)
ΔH f (kcal/mol)
o
–116,4 –66,20* –114,49* –68,317
ΔG°f (kcal/mol) –93,8 –41,77 –79,70** –56,690
S° (cal/[K mol]) 38,2 38,4 62,0 16,716

(Abaixo da equação estão listados os calores de formação-padrão, a energia livre-padrão de formação e a entropia absoluta-padrão).
Fonte: Os valores não-assinalados com asterisco procedem de H. A. Bent, The Second Law, Oxford University Press, Oxford, 1965, pp. 398, 402.
* Dados retirados de: J. A. Dean, Editor, Lange’s Handbook of Chemistry, McGraw-Hill, New York, 1979, Tabela 9-2.
** Valor modificado do Lange’s Handbook.
716 P ATRICK J. S INKO

sentada. O valor assinalado com duplo asterisco foi de modo a perfazer uma concentração de 3% m/v de
modificado do valor original, encontrado no Lange’s antibiótico. (a) Qual é o pH dessa solução, desconside-
Handbook, de –79,52 para –79,70 de modo a chegar rando os coeficientes de atividades? (b) Qual será o re-
a valores de ΔG° coincidentes pelos dois métodos de sultado se usarmos os coeficientes de atividade iônica?
cálculo, necessários para obter as respostas em (a) e (Aplicar a equação de Debye-Hückel).
(b). 7-39 Qual é a concentração de íon hidroxila em uma solução
7-34 Assim que o calor de reação-padrão, ΔHo, é determi- aquosa que contém 0,1 g de reserpina e 9 g de cloreto
nado a 25 °C e a constante K para a reação é conhe- de sódio em 1.000 mL? A massa molecular da reserpina
cida, podemos aplicar a equação de van’t Hoff [equa- é 608. Calcular os resultados (a) sem coeficientes de
ção (3-124)] e assim obter o valor da constante para a atividade e (b) com coeficientes de atividade, com au-
reação de ionização, K, em uma faixa de temperaturas xílio da equação de Debye-Hückel.
de aproximadamente 0 a 50 °C. A ionização do ácido 7-40 Em um estudo sobre oximas inseticidas (R2C = NOH),
acético e o calor-padrão de formação para as espécies Kurtz e D’Silva20 postularam uma relação entre o va-
envolvidas são as seguintes: lor de pKa de uma oxima e o deslocamento químico do
CH3 COOH(aq) −→ CH3 COO− (aq) H próton, δOH (para a descrição de deslocamento quími-
H ◦
f (kcal mol) −116 74319 − 116 843 0 co, consultar as páginas 120 e 121). Para verificar se
seria possível obter os valores de pKa a partir de dados
(a) Calcular ΔH considerando uma temperatura de
o
de RMN, os autores determinaram os deslocamentos
25 °C e, utilizando o valor de Ka do ácido acético a químicos para o próton da hidroxila, δOH, de algumas
25 °C, substituir esses valores dentro da equação de oximas escolhidas, cujos valores de pKa eram previa-
van’t Hoff para determinar Ka a 0 °C e 37 °C. (b) Se mente conhecidos. Os valores de pKa e de δOH são lis-
no gráfico de Ka versus temperatura ocorre uma li- tados na tabela que acompanha este exercício.
nha curva para um ácido como o acético, é possível (a) Construir um gráfico com os valores de pKa sobre o
calcular o valor de Ka a 0 °C e 37 °C, por exemplo, eixo vertical versus os valores de δOH determinados de
conhecendo o valor de Ka a 25 °C? Sugestão: Colo- forma experimental, colocados no eixo horizontal.
car no mesmo gráfico os valores de ln Ka contra 1/T (b) Mediante análise de regressão linear pelo método dos
encontrados no CRC Handbook, página D-174, e os mínimos quadrados, fazer a regressão de pKa versus δOH
valores de ln Ka contra 1/T que você obteve no item para determinar a equação que relaciona essas duas variá-
(a) e comparar os resultados.
veis. Qual é o grau de aproximação entre os valores deter-
7-35 Para a dissociação do sulfatiazol a 35 °C, a energia livre- minados no exercício e os relatados por Kurtz e D’Silva?
padrão, ΔG°, é de 10,26 kcal/mol e o calor-padrão ou con-
(c) Aplicando a equação calculada pela regressão, cal-
teúdo de entalpia, ΔHo, é 19,32 kcal/mol. [O termo padrão
cular o valor de pKa para o δOH = 11,15 da oxima aceto-
em Termodinâmica se refere ao valor de uma propriedade
fenona. Comparar o seu valor calculado de pKa com o
termodinâmica, ΔG°, ΔH° ou ΔS°, a temperatura normal
da literatura, pKa = 11,41, para a oxima acetofenona.
(geralmente 25 °C) e a uma atmosfera de pressão].
(a) Calcular o coeficiente de dissociação, pKa, a 35 °C. Dados para o Exercício 7-40
(b) Os valores de ΔG° a uma temperatura de 35 °C, por
Valores de pKa conhecidos e valores experimentais de δOH
exemplo, podem ser utilizados para calcular valores de
pKa referentes a outra temperatura, por exemplo, a 20 Substância δOH pKa
°C, mediante a equação: 2-Propanona oxima 10,12 12,42
G ◦T1 − ST◦1 (T2 − T1 ) 2-Butanona oxima 10,14 12,45
pK a
2 303RT2
3-Pentanona oxima 10,18 12,60
onde ΔS° na temperatura T1 (35 °C) é calculada a partir Acetofenona oxima 11,15 11,41
dos valores de ΔG° e ΔH° fornecidos anteriormente para
35 °C. Calcular o valor de pKa do sulfatiazol a 20 °C. Benzaldeído oxima 11,19 10,78
7-36 O pH de uma solução aquosa de efedrina na concentra- 4-Nitrobenzaldeído oxima 11,84 9,88
ção de 1:500 foi determinado em 10,70 com auxílio de
2,3-Butanodiona monooxima 12,27 9,34
um potenciômetro. Calcular o pKb da efedrina.
7-37 Calcular o grau de dissociação, α de uma solução de 3-Oximinopentano-2,4-diona 12,92 7,38
fisostigmina a 0,01 M, desconsiderando a ionização se- 2-Oximino-1,3-ditiolano 11,15 10,70
cundária. O valor de α corresponde à concentração da
forma ionizada, [fisostigmínio+] = [OH–]/Cb, onde Cb é 7-41 Kurtz e D’Silva20 utilizaram dados de RMN de desloca-
a concentração da substância. Pode-se empregar [OH–]/ mento químico para calcular os valores de pKa de diversas
Cb ou a equação (12-42). oximas, conforme descrito no Exercício 7-40. Além dis-
7-38 O ácido fraco correspondente ao sal benzilpenicilina- so, os autores observaram que a sensibilidade dos valo-
to de sódio, massa molecular 356,38, possui um pKa res de pKa de fenóis perante alterações no deslocamento
de 2,76 quando esse fármaco é dissolvido em solução químicos do próton, δOH, foi similar à observada para os
isotônica de cloreto de sódio (0,9 g NaCl em 100 mL) valores de pKa das oximas. Ou seja, a inclinação da reta
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 717

do gráfico de pKa versus δOH para as oximas foi aproxi- 7-42 As constantes A, C e D, mostradas para o barbital na
madamente a mesma que para os fenóis. Logo, seria pos- Tabela 7-8, foram obtidas de um estudo de precisão da
sível utilizar uma mesma equação para expressar valores dependência do pKa com a temperatura. Calcular os va-
de pKa versus δOH, tanto para fenóis quanto oximas. Para lores de Tmáx, pKTmáx, ΔG°, ΔH° e ΔS° na temperatura
verificar essa possibilidade, os autores estudaram 20 va- fisiológica, utilizando as equações (7-155) a (7-160) , e
lores de pKa de oximas e 51 valores de pKa para fenóis e inseri-los nos quadrados† da Tabela 7-8.
fizeram a regressão desses valores contra valores de δOH 7-43 As constantes A, C e D para o ácido lático da Tabe-
experimentais. Kurtz e D’Silva adicionaram uma variável la 7-8 foram determinadas utilizando as equações de
indicadora* para explicar a diferença entre os dois grupos (7-155) a (7-160). Calcular os valores de Tmáx, pKT máx,
de substâncias. A variável indicadora, I, é tida como igual ΔG°, ΔH° e ΔS° a 25 °C e inseri-los nos quadrados‡ da
à unidade para cada fenol na equação e como zero para Tabela 7-8.
cada oxima, gerando a expressão:
pK a a b(δOH ) c(I )
Os 20 valores de pKa e de δOH para as oximas e os CAPÍTULO 8: FORÇA ELETROMOTRIZ E
51 valores de pKa e de δOH para os fenóis foram pro- OXIDAÇÃO-REDUÇÃO
cessados com auxílio de um programa desenhado para
cálculo de regressão linear com variáveis indicadoras. À
medida que cada dado referente a uma oxima ou a um fe- 8-1 Calcular a FEM (força eletromotriz) da seguinte célula
nol era alimentado ao sistema, a I era assinalado o valor a 25 °C:
zero para cada oxima e 1 para cada fenol. Os resultados Zn Zn2 (a 0 2) Cu2 (a 0 1) Cu
gerados pelo computador (N. H. Nie, C. H. Hall, J. G.
Jenkins, K. Steinbrenner e D. H. Bent, SPSS: Statistical 8-2 Qual eletrodo deverá ser o cátodo e qual será o ânodo
Package for the Social Sciences, 2nd ed., McGraw-Hill, de uma célula constituída por uma hemicélula com um
NewYork, 1975, p. 373-375) permitiram determinar va- eletrodo de níquel imerso em uma solução de íons Ni2+
lores para as constantes a, b e c da equação anterior. (a = 0,1) e uma segunda hemicélula com um eletrodo
Basicamente, a variável indicadora produz vários de cádmio submerso em uma solução que contém íons
interceptos e, dessa forma, divide os resultados em dois Cd2+ (a = 0,5) a 25 °C?
grupos de linha separados com a mesma inclinação. As 8-3 Calcular o potencial de oxidação de um eletrodo de
linhas, nesse caso, representam os dois grupos de subs- ferro finamente pulverizado, submerso em uma solu-
tâncias, oximas e fenóis. Assim, de acordo com Kurtz ção ácida do íon ferroso. A concentração de íon fer-
e D’Silva, pôde ser obtida uma única equação relacio- roso é 0,50 M e seu coeficiente de atividade é 0,40.
nando os valores de pKa e de δOH para esses dois grupos E°Fe→Fe2+ = 0,440 (para oxidação), como mostrado
de substâncias: na Tabela 8-1. A atividade para os íons ferrosos é
obtida da concentração molar e do coeficiente de ati-
pK a 28 15 − 1 55 δOH − 3 96I r 2 0 97 vidade. O número de elétrons transportado, n, cor-
Construa um gráfico de pKa versus δOH contendo responde a 2. A atividade para o ferro sólido, Fe, é
as duas linhas. Localize os pontos para o benzaldeído igual a 1.
oxima e a 2–3 butanodiona monooxima sobre uma das 8-4 Calcular o valor da FEM da célula ferro-níquel:
linhas e para o fenol e o 2-nitrofenol sobre a outra. Uti-
lizar os valores experimentais (medidos) de δOH para Fe Ni2 → Fe2 Ni
esses quatro compostos, de acordo com a tabela a se- na qual a atividade do íon ferroso é 0,2 e a do íon níquel
guir, e a equação mostrada anteriormente para calcular é 0,4. As duas hemicélulas se combinam da seguinte
os valores de pKa: forma:
Dados para o Exercício 7-41 Fe Fe2 (a 0 2) Ni2 (a 0 4) Ni
Substância δOH medido O número de elétrons transferido, n, é igual a 2.
Benzaldeído oxima 11,19 8-5 Calcular E °Célula para a célula eletroquímica compos-
2,3-Butanodiona monooxima 12,27 ta de um eletrodo de lítio e de um eletrodo de chumbo,
submersos em uma solução desses íons com ativida-
Fenol 9,23*
de igual a 1,00 a 25 °C. (a) Representar os eletrodos
2-Nitrofenol 10,82* desta célula e escrever a reação da célula. (b) Cal-
* Dados retirados de: G. Socrates, Trans. Faraday Soc. 66, 1052, 1966.
cular E °Célula. (c) A oxidação ocorre no eletrodo da
esquerda. Inverter a posição dos eletrodos de modo
que a oxidação da célula se converta em redução e
* Variáveis indicadoras, também denominadas dummy variables, são des-
critas em N. H. Nie, C. H. Hill, J. G. Jenkinsu, K. Steinbrenner and D. H. vice-versa. Calcular E °Célula nessas condições. É pos-
Bent, SPSS: Statistical Package for the Social Sciences, 2nd ed., McGraw- sível que essa reação ocorra? É mais fácil o chumbo
Hill, New York, 1975, p. 373. oxidar do que o lítio?
718 P ATRICK J. S INKO

8-6 Calcular o valor de E °Célula. Para a reação para a qual a FEM padrão é Ecélula = +0,361 volt?
Zn 2
(a 1) Cu → Cu 2
(a 1) Zn Aqui não se trata do potencial-padrão, E °Célula
(p. 206 e 207).
as reações das hemicélulas são: (b) O potencial padrão, E°, de uma célula é +0,379
1
2
Zn2 (a 1) e− → Zn; 1
2
Cu2 (a 1) e− → 12 Cu volt a 25 °C. Qual o valor da conste de equilíbrio, K
(equação [8-11]), e qual o valor de ΔG°?
O cobre pode reduzir o zinco em uma célula como 8-11 Uma célula de concentração a 25 °C é representada
essa? como:
8-7 A FEM-padrão, E°, de uma célula que consiste de um
eletrodo de gás de hidrogênio como ânodo e de um Ag AgBr Br− (a1 0 02) Br− (a2 0 15) AgBr Ag
eletrodo de prata-cloreto de prata como cátodo, imersa Calcular o valor da FEM dessa célula.
em uma solução aquosa de HCl, é 0,223 volts a 25 °C. 8-12 Calcular a força eletromotriz da célula de concentração,
Quando os eletrodos são submersos em uma solução de
HCl 0,50 M, o coeficiente de atividade iônica média, γ±, Zn ZnSO4 (0 01 m)  ZnSO4 (0 1 m) Zn
é 0,77. (a) Escrever a reação geral da célula e a repre- Sugestão: Será necessário converter molalidade
sentação das duas hemicélulas. (b) Calcular a FEM, E, para atividades fazendo referência à Tabela 6-1.
da célula a 25 °C.
8-13 O pH de uma solução contendo benzilpenicinila e seu
8-8 O íon mercuroso pode reduzir o íon férrico a íon fer-
sal de potássio, ambos na concentração de 0,02 mol/
roso a 25 °C quando ambas hemicélulas apresentam
litro, é 2,71 a 25 °C. Calcular a constante de disso-
atividade igual a 1? Esse caso é conhecido como
ciação a esse valor de força iônica, assumindo que o
um sistema de oxidação-redução porque consiste
valor médio de ai é de 3 × 10–8; B vale 0,33 × 108 e A
dos íons mercuroso, mercúrico, ferroso e férrico em
é 0,509 (equação [8-45]; e Tabela 6-4).
solução. As duas reações de redução e seus corres-
pondentes potenciais-padrões a 25 °C são dados na 8-14 Em vez de utilizar o método da “semineutraliza-
Tabela 8-1: ção” para a determinação da constante de dissocia-
ção, também se pode utilizar diretamente a equação
1
Hg2 e− Hg2 2 E◦ 0 907 (8-44), caso as concentrações do ácido e do sal sejam
2 conhecidas. O pH de uma mistura contendo 0,005 M
Fe3 e− Fe2 E◦ 0 771 de um novo derivado do ácido barbitúrico e 0,01 M do
8-9 Considerar uma célula de concentração formada por correspondente sal sódico foi determinado em 7,66 a
dois eletrodos de chumbo submersos em soluções de 25 °C. Calcular a constante de dissociação desse bar-
sulfato de chumbo a 25 °C, com atividades iguais a biturato a 25 °C. O valor médio de ai é 2 × 10–8 e o
0,023 e 0,075: de B é 0,33 × 108. O valor de A a 25 °C é 0,509. (Ver
Tabelas 6-3 e 6-4.)
Pb Pb2 (a1 0 023) Pb2 (a2 0 075) Pb 8-15 No Exemplo 8-7 tínhamos uma célula que consistia de
Calcular (a) o valor de E °Célula e (b) a FEM da um eletrodo de gás de hidrogênio como ânodo e um de
célula, Ecélula. prata-brometo de prata como cátodo, em uma solução
8-10 Como se pode observar na Tabela 3-1, a energia elé- de ácido bromídrico:
trica consiste de um fator de intensidade (força eletro- Pt H2 (1 atm) HBr (0 0004 M ) AgBr Ag
motriz, em volts) multiplicado por um fator de capaci-
dade (quantidade de carga elétrica, em coulombs). Em com uma reação geral para a célula expressa como:
termos de variação de energia livre, a quantidade de 1
trabalho elétrico, –ΔG, realizado por uma célula eletro- AgBr H2 H Ag Br−
2
química operando de modo reversível é igual ao valor
da força eletromotriz, Ecélula, multiplicado pela carga O valor da FEM para a célula, E, foi determinado
transferida, ou seja, n móis ou equivalentes-grama, Eq, em 0,4745 volts, e o valor de E° em 0,071 volts. Uma
vezes a constante de Faraday, F, expressa em coulombs vez que as fases sólidas apresentam uma atividade igual
por mol: a 1 e a pressão do gás é 1 atm, a FEM da célula pode ser
expressa como:
− G E (volt) × (n Eq de carga transferida)
E E ◦ − 0 0592 log aH aBr−
× F (96 500 coulombs Eq)
Calcular o coeficiente de atividade iônico médio,
As unidades resultantes em termos de energia livre
γ±, para a solução de HBr nessa reação.
são, portanto, volts × coulombs, ou joules.
(a) Qual é a variação de energia livre, ΔG, para a rea- 8-16 Ball e Chen21 submeteram à oxidação uma solução de
ção da célula: adrenalina 0,002 M com uma solução de sulfato cérico
0,002 N na presença de ácido sulfúrico 0,5 M. O pH da
I− AgCl AgI Cl− solução foi de 0,29 a 30 °C.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 719

(a) Quando 39,86% de adrenalina foram oxidados, ou 8-23 Calcular a constante de equilíbrio, K, e a variação de
seja, [Ox] = 39,86%, e os remanescentes 60,14% esta- energia livre-padrão, ΔG°, para a redução biológica do
vam na forma reduzida, isto é, [Rd] = 60,14%, o valor acetaldeído para etanol, na qual NADH atua como doa-
observado de ED foi –0,7850 volts. dor de elétrons ou agente oxidante da reação22
(b) Quando [Ox] = 71,5% e [Rd] = 28,5%, o valor de acetaldeído NADH H álcool etílico NAD
ED foi –0,8030 a 30 °C.
Calcular E°⬘ para cada um dos casos a 30 °C. a 25 °C. Os potenciais-padrão E°' são:
8-17 Uma solução contém Fe3+ e Fe2+ na razão aFe2+: aFe3+ CH3 CHO 2H 2e− C2 H5 OH E◦ 0 197
de 10:1. Calcular ED, o potencial de redox a 25 °C. Su- − ◦
gestão: Ver Exemplo 7-35. NAD 2H 2e NADH H E 0 320
8-18 Qual é a faixa útil de ED a 25 °C do indicador de oxi- Sugestão: A subtração dos valores de E°’ dessas
redução difenilamina-4-sulfonato (sal sódico) em so- duas hemicélulas proporciona o valor geral da célula.
lução a pH 8, assumindo que a atividade do íon hidro- E ·E E esquerda − E direita 0,123 v
gênio é igual à concentração? Observação: Pode-se
nFE◦
verificar que o E°⬘ é igual a +0,85 a pH 0, mas se deve K RT
n 2, nFE /RT, n 2.
calcular E°⬘ para pH 8. Logo, adicionar e subtrair
0,0592 para obter a faixa útil. Consultar as equações
(7-54) e (7-55).
8-19 (a) Na oxidação do ácido ascórbico com ferrocianeto CAPÍTULO 9: SOLUÇÕES TAMPONADAS
de potássio a 30 °C, o valor de ED observado quando
35,43% do ácido ascórbico se oxidaram foi –0,1284
E ISOTÔNICAS
volts. Qual o valor de E°⬘?
(b) O valor de ED observado quando 90,79% do ácido 9-1 Queremos ajustar uma solução a pH 8,8 utilizando um
ascórbico se oxidaram foi –0,1670 volts. Calcular E°⬘ tampão de ácido bórico-borato de sódio. Qual é a pro-
para esse caso. porção necessária de ácido e de sal aproximada?
(c) Utilizando o valor médio de E°⬘ assim obtido, cal- 9-2 Qual é o pH de uma solução contendo 0,1 mol de efe-
cular E° para a solução tamponada a pH 4,58. drina e 0,01 mol de cloridrato de efedrina por litro de
8-20 Em um ensaio para ácido ascórbico em suco de laranja, solução?
Ball e Chen21 titularam 10 mL de suco de laranja com 9-3 (a) Qual é o pH de um tampão formado de NaH2PO4
ferrocianeto de potássio 0,1 N, na presença de 40 mL de 0,12 M e Na2HPO4 08 M, o primeiro atuando como áci-
tampão de acetato contendo tionina 0,001 M como me- do e o último como seu sal ou base conjugada (Ver Co-
diador de potencial. A solução de ferrocianeto foi pa- hen e colaboradores)24? (b) Qual será esse valor se as
dronizada utilizando ácido ascórbico como substância correções de força iônica forem introduzidas utilizando
de referência. Cada mililitro da solução de ferrocianeto a equação de Debye-Hückel? Sugestão: Aplicar a equa-
foi equivalente a 0,87 mg de ácido ascórbico no suco ção (9-15). O valor de n em termos de pKn e (2n – 1)
de laranja. Se 6,8 mL de solução de ferrocianeto foram vale 2 neste exercício, uma vez que a segunda ionização
necessários para atingir o ponto de virada, qual a con- do ácido fosfórico já está implícita. Assim, a equação se
centração de ácido ascórbico em uma amostra de 100 transforma em:

mL de suco de laranja? [Na2 HPO4 ] 0 51 × 3 μ
8-21 No Exercício 8-16 foi visto que o valor de E°⬘ para a adre- pH 7 21 log − √
[NaH2 PO4 ] 1 μ
nalina a 30 °C e pH 0,29 é –0,791. O potencial de oxida-
ção do sistema pode ser representado pela equação: 9-4 Qual é o pH de um elixir que contém 0,002 mol/litro
E ◦
E 0 06 pH de sulfisoxazol como ácido livre e 0,20 mol/litro de um
sal 1:1 de sulfisoxazol de dietanolamina? O pKa desse
Calcular E° para adrenalina utilizando esses dados ácido é 5,30. O coeficiente de atividade, γsulfa, pode
e comparar seus resultados com o potencial de oxida- ser calculado utilizando a equação de Debye-Hückel
ção mostrado na Tabela 8-6. própria para essa força iônica. O efeito do álcool pre-
8-22 22,23 Na oxidação de metabólitos nas mitocôndrias de sente no elixir sobre a constante de dissociação pode
células aeróbias, a nicotinamida adenina dinucleotídeo ser desconsiderado.
(NAD+) atua como agente oxidante e é reduzida para 9-5 Ácido ascórbico (massa molecular 176,12) é ácido de-
NADH, como mostrado na reação: O valor de E°⬘ para mais para ser administrado por via parenteral. A sua
a reação a 25 °C é –0,320 volts, com NAD+ e NADH acidez é parcialmente neutralizada mediante a adição
na concentração 1 M (a ∼ 1). Para calcular o valor de de uma substância alcalina, em geral carbonato ou bi-
ED, o potencial de oxirredução, é necessário modificar carbonato de sódio. Por esse motivo, produtos injetá-
a equação de Nernst, especificamente a mostrada na veis contêm ascorbato de sódio, ácido ascórbico e um
equação (8-51). Calcular ED para essa reação em pH agente neutralizante. A massa molecular do ácido as-
1,0 (i. e., [H+] = 0,1). córbico e seu pKa são dados na Tabela 9-2.
720 P ATRICK J. S INKO

(a) Qual é o pH de uma solução injetável contendo 9-12 Qual é a capacidade tamponante de uma solução con-
apenas ácido ascórbico na concentração de 55 g por li- tendo ácido bórico 0,36 M a pH 7,0? Qual é a capaci-
tro de solução? K1 = 5 × 10–5 e K2 = 1,6 × 10–12. dade tamponante a pH 9,24, ou seja, no ponto onde pH
(b) Qual é a razão molar de ascorbato de sódio e ácido = pKa? A que valor de pH ocorre a βmáx e qual o valor
ascórbico e o percentual de cada componente necessá- da βmáx? Qual é a capacidade tamponante a pH 10,8?
rio para preparar uma solução injetável com pH 5,7? Utilizando os valores calculados de β, fazer um grá-
9-6 O salicilato de fisostigmina é utilizado em soluções fico de capacidade tamponante versus pH. Se quiser
oftálmicas midriáticas e para diminuir a pressão intra- atenuar a curva tamponante um pouco mais, pode-se
ocular no glaucoma. calcular o valor de β a pH 8,20 e 10,0. Quando esses
(a) Qual é o pH de uma solução aquosa a 0,5% de sali- seis pontos são colocados no gráfico e é desenhada
cilato de fisostigmina, de massa molecular 413,5? Essa uma linha de tendência por meio deles, se obtém uma
substância é o sal de um ácido fraco e o pH da solução curva tamponante com forma de sino. Consultar a Fi-
pode ser calculado aplicando a equação (9-127), desde gura 9-4 para ver diferentes formas de curvas.
que a concentração do seu sal, Cs, seja bem maior que 9-13 Qual é a capacidade tamponante de uma solução tam-
[H3O+]. A constante de acidez para o cátion fisostig- ponante de fosfatos de Sörensen (a) a pH 5,0 e (b) a pH
mínio, K1, é igual a 10–14/(7,6 × 10–7), e a constante de 7,2? A concentração total de tamponante é 0,067 M e a
acidez do ácido salicílico, K2, é 1,06 × 10–3. O cálculo constante de dissociação é K2 = 6,2 × 10–8.
do pH de um sal de uma base fraca é demonstrado no 9-14 Um tampão de borato contém 2,5 g de cloreto de sódio
Exemplo 9-22. A segunda ionização da fisostigmina (massa molecular 58,5 g/mol), 2,8 g de borato de sódio
pode ser desconsiderada. decaidratado (massa molecular 381,43), 10,5 g de ácido
(b) Qual é o aumento no pH causado pela adição de bórico (massa molecular 61,84) e água q.s.p. 1.000 mL
uma solução a 0,1% de fisostigmina base, cuja massa de solução. Calcular o pH dessa solução (a) desconsi-
molecular é 275,34? Ver a equação de Henderson-Has- derando o efeito da força iônica e (b) levando em conta
selbalch (9-10) para o pH de uma solução de uma base a força iônica.
fraca e seu sal correspondente. 9-15 Calcular a capacidade tamponante de uma solução
9-7 O coeficiente de dissociação termodinâmica, pK1, do aquosa da base forte hidróxido de sódio que contenha
ácido carbônico a 30 °C é 6,33. De acordo com Van uma concentração de íon hidroxila de 3,0 × 10–3M.
Slyke e colaboradores,25 a força iônica do sangue é 9-16 (a) Qual é o pH final de uma solução após misturar 10
aproximadamente 0,16. Calcular o expoente de disso- mL de uma solução de HCl 0,10 M com 20 mL de uma
ciação aparente, pK1, a ser aplicado para o ácido carbô- solução de procaína 0,10 M? O pKb para a procaína é
nico do sangue a 30 °C. Observar que o pH ou –log a+H dado na Tabela 7-2. (b) Essa solução possui capacidade
pode ser derivado da expressão: tamponante?
[HCO3 − ] 9-17 Assumindo que a concentração total do tampão de bi-
pH pK 1 log carbonato no sangue seja de aproximadamente 0,026
[H2 CO3 ] mol/litro, qual seria a capacidade tamponante máxima
[HCO3 − ] desse tampão e a que pH se verifica essa βmáx?
pK 1 log log γHCO3 − 9-18 Descrever em detalhes como você formularia um tam-
[H2 CO3 ]
pão com aproximadamente os mesmos pH, força iônica
Conseqüentemente, e capacidade tamponante que o sangue. A força iônica

pK 1 pK 1 log γ(HCO3 − ) ∼ pK 1 − 0 5 γ do plasma sangüíneo é aproximadamente 0,16 e a ca-
pacidade tamponante no pH fisiológico é 0,03 (p. 232).
9-8 Fazer a curva de capacidade tamponante versus pH Usar o tampão de Na2HPO4/NaH2PO4 e o valor de pK2
para uma solução-tampão de ácido barbitúrico-barbi- do ácido fosfórico. O coeficiente de atividade deve ser
turato de sódio 0,2 M na faixa de pH 1 a 7. Qual é a levado em consideração e o valor do pK2 termodinâmi-
capacidade tamponante máxima e a que valor de pH se co do ácido fosfórico deverá ser aplicado para chegar à
obtém a βmáx? resposta.
9-9 Qual é a capacidade tamponante de uma solução que 9-19 Uma titulação é realizada começando com 50 mL de
contém ácido acético 0,20 M e acetato de sódio 0,10 ácido acético 0,2 N e depois adicionando (a) 10 mL,
M? (b) 25 mL, (c) 50 mL e (d) 50,1 mL de NaOH 0,2 N.
9-10 O diretor de pesquisa de produtos solicitou a prepara- Quais são os valores de pH após ter-se adicionado cada
ção de uma solução-tampão de pH 6,5 com capacidade um desses incrementos de base?
tamponante de 0,10. Selecionar uma combinação apro- 9-20 Construir um gráfico para a curva de titulação em fun-
priada de substâncias tamponantes e calcular as con- ção do pH para a neutralização do ácido barbitúrico 0,1
centrações necessárias. N com NaOH 0,1 N. Qual é o pH da solução no seu
9-11 A um tampão contendo 0,1 mol/litro de formato de só- ponto de equivalência?
dio e ácido fórmico lhe é adicionado 0,01 equivalentes- 9-21 Uma onça fluida (29,573 mL) de uma solução contém
grama por litro de hidróxido de sódio. Qual é a capaci- 4,5 grãos (291,60 mg) de nitrato de prata. Quanto de
dade tamponante média dessa solução para essa faixa nitrato de sódio deve ser adicionado a essa solução para
de pH? torná-la isotônica em relação ao fluido nasal? Assumir
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 721

que o fluido nasal possui o mesmo valor de isotonia que Sugestão: Primeiro, calcular os valores de E do
uma solução de NaCl a 0,9%. cloridrato de clorpromazina e do sulfato de sódio, que
9-22 Calcular o valor de V de Sprowls, o valor de E e o abai- não são dados na Tabela 9-4, utilizando os valores apro-
xamento crioscópico para uma solução de cloridrato de ximados de Liso que constam da Tabela 9-3. A massa
difenidramina a 1%. molecular de cloridrato de clorpromazina é 318,9 dal-
9-23 Uma solução de cloridrato de fenilpropanolamina a tons* e a do sulfato de sódio é 142,06 daltons.
25% foi preparada e o médico deseja que 0,25 onças 9-29 Um novo fármaco de massa molecular 300 g/mol causa
fluidas (7,393 mL) dessa solução sejam tornadas iso- um abaixamento crioscópico de 0,52 °C quando em so-
tônicas. O valor de V de Sprowls V é 12,7. Discutir lução 0,145 M. Quais são os valores de Liso, E e V para
as dificuldades encontradas no atendimento da requi- esse fármaco?
sição médica. Como poderiam ser contornadas essas 9-30 Aplicando o método do equivalente de cloreto de sódio,
dificuldades? calcular os gramas de cloreto de sódio necessários para
9-24 (a) Calcular a concentração isotônica (em molarida- tornar isotônicos 30 mL de uma solução de salicilato de
de) a partir dos valores de Liso fornecidos na Tabela 9-4 fisostigmina a 2%.
para as seguintes substâncias: borato de sódio · 10 H2O 9-31 Calcular a percentagem de aminofilina (pKb = 5,0 e
(tetraborato de sódio), cloridrato de fenilefrina, sulfato massa molecular 421,2 daltons) não-ionizada e sua
de fisostigmina e gluconato de cálcio. concentração molar após injetar intravenosamente 10
(b) Qual é o volume de água a ser adicionado a 0,3 g mL de uma solução aquosa a 2,5% m/v de aminofilina
de cada uma dessas substâncias para obter as respecti- a 25 °C. O pH normal do sangue é próximo de 7,4 e o
vas soluções isotônicas? volume total de sangue é cerca de 5 litros. Aplicar a
9-25 Calcular o abaixamento crioscópico das soluções equação de Henderson-Hasselbalch na seguinte forma:
a 1% dos seguintes fármacos: (a) ácido ascórbi- [BH ]
co, (b) cloreto de cálcio, (c) sulfato de efedrina e pH pK w − pK b − log
[B]
(d) cloridrato de metacolina. Os percentuais de clo-
reto de sódio necessários para tornar 100 mL des- onde [BH+]/[B] é a razão de fármaco ionizado para
sas soluções isotônicas são: 0,81%, 0,48%, 0,76% e não-ionizado.
0,67%, respectivamente. Sugestão: Tomar como refe-
rência o Exemplo 9-11.
9-26 (a) Calcular o equivalente de cloreto de sódio para o
MgO (massa molecular = 40,3 g/mol), ZnCl2 (massa
molecular = 136,3 g/mol), Al(OH)3 (massa molecular
= 77,98 g/mol) e isoniazida (um fármaco tuberculostá-
tico com características de eletrólito fraco, massa mo-
lecular = 137,2 g/mol) utilizando os valores médios de
Liso dados na Tabela 9-3. (b) A partir dos valores de Aminofilina
E encontrados em (a), calcular o abaixamento crioscó-
pico das soluções a 1% de cada um desses fármacos.
(c) É possível, de fato, obter soluções aquosas a 1%
de MgO ou Al(OH)3? CAPÍTULO 10: SOLUBILIDADE E FENÔMENOS DE
9-27 Mediante aplicação do método do equivalente de clo- DISTRIBUIÇÃO
reto de sódio, fazer as seguintes soluções isotônicas em
relação à mucosa do olho (membrana ocular):
10-1 A solubilidade da sulfametoxipiridazina (SMP) em
(a) Cloridrato de tetracaína: 10 g
uma mistura a 10% v/v de dioxano e 90% v/v de água
NaCl: xg é 1,8 mg/mL a 25 °C. Calcular (a) a molaridade,
(b) molalidade e (c) a fração molar de SMP. A den-
Água destilada estéril q.s.p. 1.000 mL
sidade do dioxano líquido é 1,0313 g/mL, a da solu-
(b) Cloridrato de tetracaína: 0,10 g ção é 1,0086 g/mL, a da água é 0,9970 e a da mistura
Ácido bórico: xg de solventes de 1,0082 g/mL. A massa molecular da
SMP é 280,32 g/mol, a do dioxano é 88,10 e a da
Água destilada estéril q.s.p. 10 mL água é 18,015.
9-28 Fazer a seguinte solução isotônica em relação ao sangue: 10-2 Quantos litros de dióxido de carbono, em condições-
padrão de temperatura e pressão (25 °C e 1 atm, respec-
Cloridrato de clorpromazina 2,5 g tivamente) se dissolvem em 1 litro de água a 25 °C, se a
Ácido ascórbico 0,2 g pressão parcial do gás é 0,7 atm?
Bissulfito de sódio 0,1 g
Sulfato de sódio anidro 0,1 g
Água destilada estéril q.s.p. 100 mL * O termo dalton se utiliza associado à massa molecular: 1 dalton = 1 g/mol.
722 P ATRICK J. S INKO

10-3 A lei de Henry, p2 = kX2, discutida no Capítulo 5, foi (d) Como visto no Exercício 10-4, os mergulhadores
utilizada nos Exercícios 5-11, 5-12 e 5-13. Em exer- utilizam com freqüência uma mistura em volume de
cícios referentes à solubilidade de gases em líquidos, 20% de oxigênio e 80% de hélio. Calcular a solubilida-
em vez da constante da lei de Henry, k, costuma-se, às de como fração solubilidade molar de hélio na água [ou
vezes, utilizar seu recíproco, σ = 1/k (p. 249-250). Qual no sangue, na qual a sua solubilidade é basicamente a
é a solubilidade do oxigênio em água a 25 °C e qual a mesma que em água a 1 atm (no ar)] e a 25 °C. A cons-
pressão parcial de 610 mm Hg se o recíproco da lei de tante da lei de Henry para He em água a 25 °C é igual a
Henry, σ = 1/k, é expresso como σ = concentração (g/ 1,45 × 105 (atm/fração molar).
litro H2O)/pressão (mm Hg) = 5,38 × 10–5? (e) A uma profundidade de 30 m nesse lago, a pressão
10-4* Mergulhadores em geral respiram com auxílio de tan- é 3,9 atm e a pressão parcial do He é 0,8 × 3,9 atm
ques de ar contendo 20% de O2 e 80% de N2. Contu- ou 3,12 atm. O valor 0,8 corresponde ao percentual de
do, o hélio, He, é menos solúvel no sangue do que o hélio na mistura, que é 80%. Calcular a fração molar
N2 e atualmente é utilizado com freqüência em subs- solúvel de He no sangue a uma pressão parcial de 3,12
tituição ao N2. atm, ou seja, a uma profundidade de 30 m.
Se a pressão parcial do He no sangue de um mer- (f) Converter a solubilidade para molalidade, isto é,
gulhador que usa um tanque contendo 20% de O2 e móis por quilograma de sangue. O sangue de um adulto
80% de He é 187,5 mm Hg e o percentual de satu- pesa aproximadamente 6 kg. Calcular o total de móis
ração do seu conteúdo nos eritrócitos é 85,5%, qual de He no sangue de um adulto, considerando a profun-
é a quantidade de hélio dissolvido no sangue? Não didade de 30 m no lago.
há He ligado pela hemoglobina do sangue. Expres- (g) Utilizando a lei dos gases ideais, V2 = nRT/P, sendo
sar a solubilidade em móis por quilograma de san- R expresso em atm L mol–1 K–1 e n igual ao número de
gue, assumindo que o sangue se comporta como um móis de He no sangue a uma pressão parcial, P, de 3,12
solvente basicamente igual à água. Para obter os res- atm, calcular o volume de He no sangue a uma profun-
pectivos valores de k, constante da lei de Henry, do didade de 30 m dentro do lago. A temperatura, T, é a
He, consultar a Tabela 10-4. Assumir, também, que temperatura normal do sangue, ou seja, 310 K.
o valor de k a 25 °C se aplica neste caso apenas com (h) Um mergulhador não deve subir muito rápido à su-
um pequeno erro em relação a 37 °C, a temperatura perfície, pois a queda súbita na pressão reduz a solubili-
do corpo. dade do gás, liberando-o do sangue na forma de bolhas
10-5 Qual é a solubilidade em termos de fração molar do que podem causar embolia nos vasos sangüíneos, acom-
N2 em água a 25 °C e a 1 atm de pressão? Qual é panhada de um quadro de dor e de possível risco à vida
a solubilidade molal? A massa molecular da água é por desorientação. Qual é o volume de He liberado re-
18,015 g/mol. pentinamente como bolhas de gás na corrente sangüínea
10-6 Um mergulhador que respira uma mistura de oxigênio se o mergulhador sobe de modo repentino até a superfí-
e hélio desce até uma profundidade de 30 m em um cie, causando uma redução na pressão do He de (2,3 +
lago de água fria, que está ao nível do mar. Para isso, é 1) atm para uma atm (na superfície)? Nesse cálculo, para
necessário que a pressão parcial de oxigênio seja 0,20 determinar o volume de He no sangue na superfície do
atm a tal profundidade. lago pode-se aplicar a equação V2/V1 = P2/P1.
(a) Qual é o percentual, por volume, de oxigênio na 10-7 De acordo com Chiou e Niazi,26 o ácido succínico e
mistura nessa profundidade? Sugestão: A pressão em a griseofulvina formam misturas eutéticas (ver p. 66).
atmosferas a uma dada profundidade pode ser calculada A tabela seguinte mostra as temperaturas de fusão das
pela equação g ρ h, onde ρ é a densidade da água, g a misturas, cuja composição é dada em m/m por cento.
aceleração gravitacional e h a profundidade (Ver Exer- As massas moleculares do ácido succínico e da griseo-
cício 1-10). Assumir que ρ = 1 g/cm3. fulvina são 118,09 e 352,8 g/mol, respectivamente.
(b) A que profundidade o mergulhador estará sujeito
a uma pressão de 2,5 atm, ou seja, a soma de 1 atm Dados para o Exercício 10-7
do ar acima do lago mais 1,5 atm abaixo da superfície Ácido succínico Griseofulvina
do lago?
Temp. ( °C) (m/m) % Temp. ( °C) (m/m) %
(c) Qual é a pressão em atmosferas a uma profundida-
de de 50 m abaixo da superfície do lago? Lembrar de 187,2 98 218 99
adicionar uma atmosfera de pressão devida ao ar sobre 186,6 96 210 90
a superfície do lago. Um mergulhador pode resistir uma
pressão de cerca de 6 atm por um curto período de tem- 183,8 80 200 80
po, o que equivale, aproximadamente, à profundidade 181,0 65 192 70
de 60 m.
177,6 55 – –
173,3 44 – –
* Os Exercícios 10-4 e 10-6 foram modificados de J.W. Moncrief and W. H.
Jones, Elements of Physical Chemistry, Addison-Wesley, Reading, Mass.,
1977, p.122; e de R. Chang, Physical Chemistry with Applications to Bio- * Dr. J. Kieth Guillory sugeriu este exercício e auxiliou gentilmente na pre-
logical Systems, 2nd ed., Macmillan, New York, 1977, pp. 23, 24, 175. paração de exercícios, a partir dos quais este foi derivado.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 723

Construir um diagrama de fases utilizando a tem- 10-13 Calcular a solubilidade como fração molar, X2i, do
peratura em graus Celsius versus fração molar (um ácido benzóico a 25 °C. O ponto de fusão desse ácido
diagrama similar pode ser encontrado na Figura 2-17) é 122 °C (395,15 K) e o calor de fusão molar é 4139
e, a partir dele, determinar os pontos de fusão, To, em cal/mol.
graus Celsius, para as duas substâncias puras, assim 10-14 Os pontos de ponto de fusão (p.f.) e os calores de fusão
como os respectivos calores de fusão, ΔHf, e o ponto das seguintes sulfonamidas são:
eutético para o ácido succínico e a griseofulvina.
A equação para a solubilidade ideal, equação Dados para o Exercício 10-14
(10-12), pode ser aplicada como uma equação de re- Substância p.f. ΔHf
gressão linear e calcular ΔHf para ambas substâncias °C (K) cal/mol
utilizadas nas duas hastes do gráfico. Os dois pontos de
fusão são obtidos diretamente dos interceptos sobre os Sulfametoxipiridazina 180,4 (453,55) 8.110
eixos verticais do gráfico ou podem ser extraídos das Sulfameter 211,6 (484,75) 9.792
duas equações de regressão linear definindo X2i =1. O
Sulfisomidina 242,2 (515,35) 1.0781
ponto eutético se determina extrapolando ambas as li-
nhas até seu ponto de interseção comum. Ao iniciar os
Calcular as solubilidades ideais desses três análo-
cálculos, transformar graus Celsius em Kelvin e (m/m)
gos da sulfonamida a 25 °C.
% em fração molar.
10-15 Em 1893, Schröder30 determinou a solubilidade do naf-
10-8 Na temperatura de dissolução crítica de 65,85 °C, a
taleno em clorobenzeno, obtendo os seguintes dados
composição crítica para o sistema fenol-água é 34%
(m/m) de fenol. Quantos gramas de água estão dissol- para a fração molar solúvel, X2, de naftaleno a diferen-
vidos em 1.000 g de solução, nessa temperatura? tes temperaturas, T, expressas em Kelvin (K).
10-9 Uma mistura de 200 g de fenol e água a 55 °C pos- Os valores de δ (parâmetro de solubilidade) do naf-
sui, na sua composição total, 20% por peso de fe- taleno e do clorobenzeno são, ambos, 9,6 (cal/cm3)1/2.
nol. As duas fases líquidas apresentam a composição Dados para o Exercício 10-15
respectiva de 13 e 60% de fenol. Qual é o peso, em
gramas, da camada aquosa e da camada de fenol? X2i 0,840 0,742 0,482 0,392 0,309 0,232
Quantos gramas de fenol estão presentes em cada T (K) 343,5 337,5 317,5 307,5 297,0 285,5
uma das fases?
10-10 Calcular o valor de Kier-Hall27 1χ para o n-hexano. O ponto de fusão, Tf, do naftaleno é 80,2 °C
Aplicar a equação (10-8) para a solubilidade de hidro- (353,4 K). Assume-se que as solubilidades, X2, da ta-
carbonetos alifáticos em água a fim de obter a solubili- bela sejam solubilidades ideais, uma vez que o valor
dade molar do n-hexano. de δ do solvente é igual ao do soluto. Essa suposi-
10-11 Fazendo uso da equação (10-10) proposta por Amidon e ção permite aplicar a equação (10-11) ou a equação
colaboradores,28 calcular a solubilidade molal em água (10-12) para determinar o calor de fusão e a entro-
a 25 °C (a) do cicloexanol e (b) do n-octano. Calcular pia de fusão a partir da inclinação e do intercepto,
a diferença percentual entre as solubilidades calculadas respectivamente, de um gráfico de 1/T (eixo dos x)
e as observadas de forma experimental. Consultar a Ta- (K–1) versus ln X2i (eixo dos y). O intercepto ao longo
bela 10-6 para obter os valores de HYSA e FGSA do do eixo vertical ln X2i ocorre no momento que 1/T,
grupo hidroxila, assim como as solubilidades observa- disposto no eixo horizontal, torna-se igual a zero, ou
das do cicloexanol e do n-octano. seja, a T infinita!
10-12 Os pontos de fusão e calor de fusão molar de três poli- (a) Mediante regressão linear, determinar o calor de
morfos da indometacina, I, II e VII, são dados na tabela fusão, ΔHf, a partir da inclinação ΔHf /R, onde R é a
a seguir:29 constante dos gases ideais, 1,9872 cal mol–1 K–1. ΔSf/R
permite o cálculo da entropia de fusão a partir da cons-
Dados para o Exercício 10-12 tante de integração da equação (10-12).
Polimorfo da Ponto de fusão ΔHf (b) Compare o valor de ΔHf obtido da inclinação da
indometacina °C (K) cal/mol linha de regressão linear com o valor médio ΔHf calcu-
lado com auxílio da equação (10-11), a qual rende um
I 158 (431) 9550
total de seis valores de ΔHf.
II 153 (426) 9700 10-16 Ácido benzóico forma uma solução ideal em uma mis-
VII 95 (368) 2340 tura de 0,7 partes de etanol e 0,3 partes de acetato de
etila. A solubilidade em termos de fração molar a 25 °C
Calcular as solubilidades ideais em termos de é 0,179 na mistura. O ponto de fusão do ácido benzóico
fração molar, a 25 °C, para os três polimorfos da in- é igual a 122,4 °C. Calcular o calor de fusão do ácido
dometacina e ordenar as solubilidades no sentido de- benzóico a 25 °C.
crescente. Para ordenar as solubilidades desses três 10-17 Calcular a solubilidade em fração molar e a solubi-
polimorfos, o que é mais útil: o ponto de fusão ou o lidade molal do ácido benzóico em acetato de etila
valor de ΔHf? a 25 °C, assumindo um comportamento de solução
724 P ATRICK J. S INKO

regular. Consultar o Exemplo 10-9 e Wenner31 para solvente, água, e para o soluto, ácido benzóico, valem
os cálculos necessários. Quais são os valores para a 23,4 (cal/cm3)1/2 e 11,5 (cal/cm3)1/2, respectivamen-
atividade e para o coeficiente de atividade do soluto te. A constante dos gases ideais, R, é dada em unida-
nesta solução? O parâmetro de solubilidade do áci- des cgs como 1,9872 cal K–1 mol–1. (a) Transformar
do benzóico é 11,3 (cal/cm3)1/2 e o volume molar do cada um desses valores nas respectivas unidades SI.
solvente super-esfriado a 25 °C é 104,4 cm3/mol. O (b) Calcular a solubilidade como fração molar do áci-
parâmetro de solubilidade do acetato de etila pode do benzóico em água a 25 °C, aplicando as unidades
ser determinado a partir do seu calor de vaporização, acima obtidas para a equação de Hildebrand. Assu-
ΔHV = 97,5 cal/g a 25 °C. O volume molar do acetato mir que φ1 =1. Converter fração molar para molali-
de etila a 25 °C é obtido dividindo sua massa mole- dade. Sugestão: Utilizar o fator de conversão obtido
cular, 88,1, por sua densidade a 25 °C, que é 0,90 g/ no Exercício 10-19 para expressar os parâmetros de
cm3. O calor de fusão do ácido benzóico é 33,9 cal/g solubilidade em unidades SI.
e sua massa molecular é 122 g/mol; seu ponto de fu- 10-21 O calor de vaporização do solvente dissulfeto de car-
são é igual a 122 °C. Para fins de cálculo iterativo bono tem um valor de 6682 cal/mol e o seu volume
(de sucessivas aproximações) podemos assumir que molar é 60,4 cm3/mol a 25 °C. Calcular a pressão in-
V1 = V2, de modo que φ1 = 1 – X2, embora a equação terna* e o parâmetro de solubilidade do dissulfeto de
completa para φ, Exemplo 10-9, seja usada normal- carbono.
mente. 10-22 Está estabelecido na literatura que o termo a/V2 da
10-18 Se a solubilidade em fração molar, X2, do naftaleno em equação de van der Waals (equações [2-13] e [2-14])
clorobenzeno é considerada como uma solubilidade é aproximadamente igual à densidade de energia co-
ideal, X2i (para o naftaleno sozinho), e se X2i valesse esiva, ou seja, o quadrado do parâmetro de solubili-
0,444 para o naftaleno em clorobenzeno a 40 °C (313 dade, δ ou a = δ2V2. O CRC Handbook of Chemistry
K), então a determinação da solubilidade como fração and Physics, 63rd Ed., página D-195, fornece um va-
molar em outros solventes a 40 °C poderia permitir o lor de a para o n-hexano de 24,39 e para benzeno de
cálculo do coeficiente de atividade, γ2, para cada sol- 18,00 litro2 atm mol–2. Aplicando os valores encon-
vente. Qual é o valor de γ2 do naftaleno a 40 °C em trados no Handbook para a constante a de van der
cada um dos seguintes solventes? Waals – o valor para as forças de atração intermo-
leculares – calcular o parâmetro de solubilidade, δ,
Dados para o Exercício 10-18 para n-hexano e benzeno.
Solvente X2 (40 °C) Os valores aceitos de δ para esses dois líquidos (ver
Tabela 10-8) são 7,3 e 9,1 (cal cm–3)1/2, respectivamen-
Acetona 0,378 te. Você concorda que a/V2 é uma boa estimativa de δ2?
Hexano 0,222 Sugestão: será necessário o fator de conversão 1 atm
L = 24,2179 cal. Expressar a pressão em atmosferas, o
Metanol 0,0412 volume em litros e R como 0,08206 atm L mol–1 K–1.
Ácido acético 0,117 O volume molar do benzeno é 89,4 cm3 mol–1 e o do
Água 1,76 ×10–5
n-hexano é 131,6 cm3 mol–1.
10-23 Calcular a energia de interação soluto-solvente, Wcalc,
Clorobenzeno 0,444 para uma solução de cafeína em uma mistura de 20%
de água e 80% de dioxano (Tabela 10-10) a 25 °C, utili-
Em relação aos valores de γ2, o que se poderia con- zando a equação (10-44). Com esse valor e o parâmetro
cluir sobre a solubilidade do naftaleno nesses diferentes de solubilidade da mistura de solventes (Tabela 10-10),
solventes? calcular a solubilidade da cafeína nessa mistura. O valor
10-19 As unidades do parâmetro de solubilidade, δ, no siste- de A é 0,09467 cm3/cal, δ2(cafeína) = 13,8 (cal/cm3)1/2,
ma cgs são (cal/cm3)1/2. (a) Obter um fator de conversão e –log X2i = 1,1646.
que permita expressar essas unidades de δ em unidades 10-24 (a) Qual é o valor de Wcalc para a cafeína em uma mis-
SI, (MPa)1/2. (b) Expressar o parâmetro de solubilidade tura de dioxano e água cujo valor de δ1 é 17,07 (cal/
do clorofórmio, cafeína, tolbutamida e da hidrocorti- cm3)1/2? Essa mistura contém 47,5% por volume de
sona em unidades SI. Os parâmetros de solubilidade, dioxano e 52,5% de água. Calcular Wcalc utilizando
expressos em unidades cgs, são 9,3, 14,1, 10,9, e 12,4 tanto a equação quadrática (equação [10-44]) como a
(cal/cm3)1/2, respectivamente. quártica (equação [10-45]).
10-20 O sistema de unidades cgs vem sendo utilizado neste (b) O valor A a 25 °C é 0,093711 cm3/cal. O valor de δ2
capítulo para calcular solubilidades. Contudo, às ve- da cafeína é 13,8 (cal/cm3)1/2. O negativo do log da so-
zes, é útil fazer a conversão para unidades SI. Para lubilidade ideal da cafeína a 25 °C é –log X2i = 1,1646.
uma solução de ácido benzóico em água, os valores Calcular a solubilidade da cafeína em termos de fração
requeridos são expressos em unidades cgs como: vo- molar e de mol/litro, utilizando os resultados para Wcalc
lume molar, V2, do ácido benzóico = 104,3 cm3/mol; (quadrático e quártico) obtidos no item (a). A densida-
para água, V1 = 18,015 cm3/mol; calor de fusão do de, ρ, da solução é de 1,0493 g/cm3. A massa mole-
ácido benzóico = 4302 cal/mol e seu ponto de fusão =
395,6 K; os parâmetros de solubilidades δ1 e δ2 para o * N. de T.: Ou densidade de energia coesiva.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 725

cular, M2, da cafeína é 194,19 g/mol e a do dioxano é (a) Construir um mesmo gráfico para as solubilida-
88,016 g/mol. des molares do ácido sórbico a 20 °C e 37 °C (eixo
1000 ρ (X 2 ) vertical) versus o percentual de glicose dissolvi-
Solubilidade em (mol/litro) do em água (eixo horizontal) e encontrar a relação
M1 (1 − X 2 ) X 2 M2
quantitativa entre ambas variáveis. Comentar seus
M1, a massa molecular média do solvente para a mis- resultados.
tura com um percentual de volume de dioxano de 47,5 (b) A variação na solubilidade molar em água, S, do
pode ser estimada a partir das massas moleculares e das ácido sórbico frente à adição de glicose é determinada
frações volumétricas: usando a energia livre-padrão de transferência do ácido
M1 (88 10 g mol)(0 475) (18 015 g mol)(0 525) sórbico da água (w) para a solução de glicose solução
(s). Demonstrar que as funções termodinâmicas ΔGtr°
51 3 g mol
e ΔHtr° podem ser calculadas a partir das seguintes ex-
10-25 Calcular os valores de W (equação [10-43]), δ1δ2 e a pressões:
razão W/δ1δ2 para o cetoprofeno, um fármaco anal- Ss
gésico, dissolvido em misturas de clorofórmio-etanol G ◦ tr RT ln
Sw
a 70:30 (v/v, %; δ1 = 10,32) e a 50:50 (v/v, %; δ1 =
11,00), a 25 °C. A solubilidade ideal do cetoprofe- e
no é X2i = 0,1516 e seu volume molar V2 = 196 cm3/ (Ss2 Ss1 ) H ◦ tr T2 − T1
mol. As frações volumétricas do solvente, φ1, para as ln
(Sw2 Sw1 ) R T1 T2
duas misturas são 0,6694 e 0,6820, respectivamente;
as solubilidades expressas em fração molar do ceto- (c) Como no exemplo acima, calcular ΔGtr° e ΔHtr°
profeno nas misturas são X2 = 0,1848 e X2 = 0,1622, para a transferência do ácido sórbico da água para uma
respectivamente. O parâmetro de solubilidade do ce- solução a 45% de glicose a 20 °C e 37 °C. Comparar
toprofeno, calculado a partir da sua solubilidade má- os resultados com a variação na solubilidade do ácido
xima nas misturas de clorofórmio-etanol é δ2 = 9,8 sórbico da água para a solução a 45% de glicose em
(cal/cm3)1/2. ambas temperaturas. Sugestão: Observar o sinal e a
10-26 Calcular os valores de A, W, δ1δ2, e W/δ1δ2 para as solu- magnitude das constantes termodinâmicas.
ções de sulfametoxipiridazina (SMP) em benzeno, δ1 = 10-28 Suponha que você viaje para um planeta imaginário,
9,07, e álcool benzílico, δ1 = 11,64 (cal/cm3)1/2, a 25 °C. Ariston, onde as temperaturas oscilam de –100 °C a
A solubilidade ideal X2i da SMP é 9,1411 × 10–3 e seu 0 °C. Você foi convidado para se juntar aos cientistas
volume molar, V2, é 172,5 cm3/mol. As frações volumé- do Ariston National Laboratories para preparar uma
tricas, φ1, dos solventes benzeno e álcool benzílico são solução de dióxido de carbono sólido dissolvido em
0,9999 e 0,9757, respectivamente. O parâmetro de so- etanol a –80 °C (193 K), a qual deverá ser usada em
lubilidade, δ2, do soluto, SMP, é 12,89. As solubilidades um novo foguete propulsor em fase de desenvolvi-
em termos de fração molar, X2, da SMP em benzeno e mento. O ponto de fusão do CO2 é –56 °C e o do
em álcool benzílico são 0,0636 × 10–3 e 14,744 × 10–3, etanol é –114,1 °C. A uma temperatura de –80 °C,
respectivamente. a temperatura ambiente normal em Ariston, o CO2
10-27 A presença de adjuvantes usuais em formulações de xa-
existe como sólido e o etanol como líquido. O ponto
de ebulição do etanol é 78,5 °C e permanece como
ropes, como o agente adoçante, pode afetar a solubili-
líquido entre –114 °C e +78,5 °C, aproximadamente,
dade dos conservantes de modo que pequenas variações
quando se torna um gás.
de temperatura podem desencadear a precipitação, dei-
xando o produto desprotegido. A solubilidade molar do (a) Calcular a solubilidade ideal do CO2 sólido a –80
ácido sórbico utilizada com finalidade conservante foi °C. O calor de fusão do CO2 é 1900 cal/mol.
estudada a 20 °C e 37 °C em função da concentração de (b) A densidade do etanol a diferentes temperaturas é
glicose:32 dada na tabela abaixo:

Dados para o Exercício 10-27: Solubilidade molar Dados para o Exercício 10-28
do ácido sórbico T (K) 273,2 283,2 293,2 298,2 303,2
% Glicose em água 20 °C 37 °C t ( °C) 0 10 20 25 30
0 0,013 0,022 Densidade
15 0,011 0,019 (g/cm3) 0,80625 0,79788 0,78945 0,78521 0,78097

30 0,009 0,016 Fazer a regressão para a densidade (valores de y)


45 0,007 0,014 versus t em °C (valores em x) e calcular a densidade e
o volume molar (cm3/mol) do etanol a –80 °C. A mas-
60 0,005 0,011
sa molecular do etanol é 46,07 g/mol.
726 P ATRICK J. S INKO

(c) O parâmetro de solubilidade de um líquido pode 1/T (T é a temperatura absoluta) no eixo horizontal. A
ser determinado, de forma aproximada, a temperaturas inclinação da reta obtida mediante regressão linear e
diferentes de 25 °C, fazendo uso da densidade desse lí- multiplicada por R = 1,9872 cal mol–1 K–1 proporciona
quido a 25 °C e à nova temperatura. 33 o valor de ΔHsol em cal/mol. Na equação, I é a constan-
1 25 te de integração e corresponde ao ponto de interseção
ρ25◦
δT1 δ25◦ sobre o eixo vertical.
ρT1 Utilizar a equação dada anteriormente para calcular
Usar a densidade do etanol contida na tabela an- ΔHsol., o calor de dissolução, para uma faixa de tem-
terior (a 25 °C) e o seu resultado para –80 °C a fim de peratura de 0 a 20 °C, e para prever a solubilidade do
calcular o δ para o etanol a –80 °C. O valor de δ para o hidróxido de bário octaidratado em água a 30 °C.
etanol a 25 °C é 12,8 (cal/cm3)1/2. 10-31 Se o produto de solubilidade do cromato de prata é 2
(d) Estimar a solubilidade do CO2 sólido em etanol a × 10–12 a 25 °C, qual é a sua solubilidade expressa em
–80 °C, condição na qual se espera que formem uma mol/litro?
solução regular. O calor de vaporização do CO2 é igual 10-32 Qual é a solubilidade do eletrólito hidróxido de mag-
a 3460 cal/mol. A partir desse valor, determine o valor nésio (a) em mol/litro e (b) em g/100 mL, sabendo que
do parâmetro de solubilidade a –80 °C, sabendo que o seu produto de solubilidade vale 1,4 × 10–11? A massa
volume molar a –80 °C é V2 = 38 cm3/mol. O valor de molecular do Mg(OH)2 é 58,34.
δ para o CO2 pode ser calculado utilizando a seguinte 10-33 O bequinar sódico dissocia-se como brequinar– e Na+.
expressão: Seu produto de solubilidade aparente, Ksp, é igual a
H2 v − RT 0,0751.
δCO2 (a) Calcular a solubilidade dessa substância.35 (b) Cal-
V2
cular o produto de solubilidade, Ksp, utilizando o coefi-
onde ΔH2v é o calor de vaporização, R é a constante ciente de atividade médio, γ±. (c) Calcular a solubilida-
dos gases ideais 1,9872 cal/(mol K) e T é a temperatu- de após adição de uma solução M de KCl 0,05.
ra absoluta, 193 K. Será nescessário utilizar o volume 10-34 A energia de retículo cristalino do AgCl é 207 kcal/mol
molar, V1, do etanol e seu parâmetro de solubilidade a e seu calor de hidratação é –192 kcal/mol. (a) Calcular
–80 °C (193 K) (ver as respostas para [b] e [c]). Pode-se o calor de dissolução do AgCl em kcal/mol e em kJ/
assumir, para a primeira série de cálculos, que a fra- mol. (b) A solubilidade do AgCl em água a 10 °C é 8,9
ção volumétrica, φ1, do etanol vale 1,00. Um valor mais × 10–5 g/dL de solução. Qual é a solubilidade do AgCl
correto para a solubilidade se obtém após seis ou mais a 25 °C? O AgCl se dissocia formando duas espécies
iterações (ver p. 258 e 259). iônicas em solução.
(e) Uma vez que se tenha calculado em termos de fra- 10-35 As energias de retículo cristalino do brometo de po-
ção molar a solubilidade do CO2 em etanol a –80 °C, tássio e do cloreto de potássio são 673 e 699 kJ/mol,
converter a solubilidade em unidades de molalidade. A respectivamente. Os valores dos respectivos calores de
massa molecular do CO2 é 44,01 g/mol. hidratação são –651 e –686 kJ/mol. Calcular os valores
10-29 A solubilidade de carbonato de sódio decaidratado, para o calor de dissolução, ΔHsol, do KBr e KCl. Ex-
Na2CO3 10 H2O (soda lavada), é de 21,52 g/100 g de pressar os resultados em kJ/mol e transformá-los depois
água a 0 °C e seu calor de dissolução, ΔHsol, igual a em kcal/mol.
13.500 cal/mol. Quando uma substância, como o car- 10-36 Qual é a solubilidade do sulfato de bário em uma so-
bonato de sódio, é adicionada ao gelo a 0 °C, o ponto de lução que possui uma força iônica, μ, de 0,25 e um
congelamento da água sofre diminuição, formando-se Ksp = 1 × 10–10 a 25 °C? O coeficiente de atividade
uma solução líquida a 0 °C. Calcular a solubilidade do para uma espécie divalente com essa força iônica é
carbonato de sódio decaidratado a 25 °C. igual a 0,23.
10-30 Daniels e Alberty34 relataram as solubilidades do 10-37 A solubilidade do ácido bórico em um solvente aquoso
Ba(OH)2 8H2O em água em três temperaturas, confor- contendo 25% por volume de sorbitol foi determinada
me mostrado na tabela a seguir: em 2,08 m a 35 °C por Sciarra e colaboradores.36 O
calor de dissolução do ácido bórico nessa mistura de
Dados para o Exercício 10-30
solventes é 3.470 cal/mol. Calcular a solubilidade mo-
Temperatura ( °C) 0,0 10,0 20,0 lal do ácido bórico a 50 °C nesse solvente.
Solubilidade molal 0,0974 0,1447 0,227 10-38 A solubilidade molar do sulfatiazol em água é 0,002,
o pKa dessa sulfa é 7,12 e a massa molecular do sulfa-
Utilizando a equação modificada (10-46), ou seja, tiazol sódico de 304. Qual é o pH mínimo necessário
para a dissolução completa de uma solução a 5% des-
Hsoln 1
ln m 2 I se sal?
R T 10-39 Qual é o pHp de uma solução a 2% m/v de fenobarbi-
a qual nos permite determinar o calor de dissolução, tal sódico em uma solução hidroalcoólica que contém
ΔHsol, quando os valores de ln m2 (m2 é a molalidade do 15% v/v de etanol? A solubilidade do fenobarbital na
soluto) são postos no eixo vertical de um gráfico versus solução alcoólica a 15% é 0,22% m/v. O pKa do feno-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 727

barbital nessa solução é 7,6. A massa molecular do fe- equação (10-100). O log K para o ácido benzóico é
nobarbital sódico é 254,22 g/mol e a do fenobarbital é igual a 1,87. De acordo com Leo e colaboradores,37 a
232,23 g/mol. contribuição devida ao grupo OH é –1,16 e ao grupo
10-40 Calcular o pHp para uma solução a 0,5% de cloridrato CH2 0,50.
de cocaína. A massa molecular desse sal é 339,8 e a 10-47 Pinal e Yalkowsky38 ampliaram suas primeiras equa-
solubilidade molar da base livre é 5,60 × 10–3. O pKb da ções39 com o intuito de estimar a solubilidade em água
cocaína é igual a 5,59. de eletrólitos fracos. A nova equação em pauta é:
10-41 Utilizando os dados referentes às Figuras 10-7 e 10-8, S f (Tm − T )
calcular o pH mínimo necessário para obter a dissolu- log S − log K log α 0 8 (4)
2 303RT
ção completa do fenobarbital sódico em uma solução
contendo 3 g desse fármaco em 100 mL de uma mistura onde Tm e T representam as temperaturas absolutas
solvente hidroetanólica. do ponto de fusão e do experimento realizado, res-
(a) Calcular o pHp, o pH mínimo para esse fármaco, pectivamente. Os outros símbolos possuem o mesmo
considerando uma série de solventes contendo 10, significado visto para a equação (10-100); α é o ter-
20, 30, 40 e 50% por volume de etanol. (b) Cons- mo de ionização definido para ácidos monopróticos
truir um gráfico de pHp versus volume percentual de como:
álcool na mistura solvente. O procedimento pode ser 10−pK a
verificado mediante comparação dos resultados com α 1
10−pH
os cálculos feitos no Exemplo 10-17. A massa mole-
cular do fenobarbital vale 232,23 g/mol e a do feno- (a) Calcular a solubilidade aquosa da fenitoína (um
barbital sódico é 254,22. derivado da hidantoína utilizado como fármaco antiepi-
10-42 A solubilidade molar da codeína, So, em água a 25 °C lético) a pH 7,1 e 25 °C. O pKa da fenitoína é 8,30, seu
é aproximadamente 0,0279 mol/L. O pKa da codeína ponto de fusão é 296,9 °C e seu coeficiente de partição,
(na realidade, o do ácido conjugado da base codeína) é K, 208,9. A entropia de fusão pode ser calculada apli-
8,21 a 25 °C e a massa molecular do fosfato de codeína cando a equação (10-101), onde n representa o número
hemiidratado (USP) é 406,37 dalton.* Qual é o maior de carbonos da cadeia hidrocarbonada mais longa ou
pH necessário para conseguir a dissolução completa de do maior anel flexível. A fenitoína tem por estrutura
60 mg de codeína em 5 mL de solução aquosa? molecular:
10-43 Em uma receita se solicita preparar 7 grãos (1 g =
15,432 grãos) de fenobarbital em 60 mL de solução. O
veículo consiste de 20% por volume de glicerina, 5%
por volume de álcool e o resto de água. Como se pode
ver na Figura 10-7, é necessário um conteúdo de apro-
ximadamente 25% por volume de álcool na solução
para dissolver por completo essa quantidade de feno-
barbital. Quanto de álcool USP (95% v/v) deverá ser
adicionado?
10-44 Se um recipiente contendo água pura é agitado na pre- (b) Calcular o coeficiente de partição em um sistema
sença de ar, a água irá dissolver dióxido de carbono da octanol-água para o pentobarbital utilizando a equação
atmosfera até que o gás dissolvido esteja em equilíbrio de Yalkowsky e colaboradores 38 (equação [10-113]).
com o do ar. Na pressão atmosférica, a solubilidade do A solubilidade experimental do pentobarbital a 33 °C e
CO2 foi estabelecida em 1 × 10–5 mol/L. Na constante a pH 8 é 0,01107 mol/litro. O pKa é 8,07, ΔSf = 12,67
de dissociação, K1, do ácido carbônico é aproximada- unidades de entropia (isto é, 12,67 cal/mol K) e seu
mente igual a 4 × 10–7. Calcular o pH da água saturada ponto de fusão é 128,5 °C.
com CO2. 10-48 Se 0,15 g de ácido succínico em 100 mL de éter são
10-45 (a) Calcular a solubilidade a 25 °C do sulfisoxazol em agitados com 10 mL de água, quanto de ácido succínico
um tampão aquoso a pH 5,12. (b) Repetir o cálculo para permanece na fase etérea? O coeficiente de distribui-
essa solução-tampão pH 5,12 após ter sido adicionado ção K = (concentração no éter)/(concentração na água)
o equivalente a 3% de Tween 80. Consultar o Exemplo = 0,125 a 25 °C. Quanto de ácido succínico permanece
10-18 para obter os valores de Ka, K⬘ e K⬘⬘ e a solubi- no éter quando a fase etérea é extraída uma segunda vez
lidade em água a 25 °C do sulfisoxazol não-ionizado. com mais 10 mL de água?
(c) Calcular a fração de sulfisoxazol solubilizado dentro 10-49 Quanto de ácido benzóico, Ka = 6,3 × 10–5, permanece
das micelas de Tween 80 na solução. não-dissociado na fase aquosa de uma emulsão óleo-
10-46 Calcular a solubilidade molar do p-hidroxibenzoato água (50:50), se a concentração inicial de ácido ben-
de butila (p.f. 68 °C) em água a 25 °C, utilizando a zóico na fase aquosa é 0,5%? A fase aquosa está tam-
ponada a pH 5 e o coeficiente de partição O/A é igual
* Relembrando que o termo dalton se refere a unidades g/mol, ou seja, uni- a 5,33. Assumir que o ácido benzóico permanece como
dades de massa molecular. monômero na fase oleosa.
728 P ATRICK J. S INKO

10-50 É adicionado ácido propiônico à fase aquosa de uma termodinâmicas ΔHo, ΔS° e ΔG° utilizando a equação
emulsão O/A (20:80) e, após ter sido alcançado o de van’t Hoff:
equilíbrio entre as duas fases, 0,65 mg/mL de ácido H◦ 1 S◦
livre permanecem na fase aquosa. Para essa emulsão a ln K in
20% em óleo, q = Vo/Vw = 20/80 = 0,25. A fase aquosa R T R
é tamponada a pH 3,5 e o ácido propiônico dimeriza Fazer a regressão linear de ln Kin versus 1/T nas
na fase oleosa, sendo a sua constante de distribuição, três temperaturas absolutas: 27 °C = 300,15 K, 30 °C
K’’ = /[HAw ], igual a 15,0. O valor da Ka do áci- = 303,15 K e 40 °C = 313,15 K. Calcular ΔHo e ΔS°
do propiônico é 1,4 × 10–5. Calcular a concentração e determinar ΔG° para essas três temperaturas. Inter-
inicial, C, de ácido propiônico que foi colocada na pretar como o processo de partição se relaciona com a
fase aquosa. A massa molecular de ácido propiônico magnitude e com o sinal dessas três propriedades ter-
é 74,08 g/mol. modinâmicas.
10-51 Para determinar o coeficiente de partição intrínseco,
Kin, da pilocarpina na forma de base livre durante um
estudo de permeação transcorneal, o valor do coeficien-
te de partição octanol-solução aquosa tamponada foi CAPÍTULO 11: COMPLEXAÇÃO E LIGAÇÃO
determinado experimentalmente, Kobs, a várias tempe- PROTÉICAS
raturas e vários valores de pH (Mitra e Mikkelson).40
Os resultados são mostrados na seqüência, na Tabela
10-1. 11-1 Albert41 estudou a formação de quelatos de íon cád-
(a) Segundo Mitra e Mikkelson,40 o valor observado mio e asparagina. A titulação potenciométrica de uma
para o coeficiente de partição, Kobs, está relacionado solução de asparagina 0,01 M, pKa = 8,85, e de uma
com a concentração de íon hidrogênio da fase aquosa, de sulfato de cádmio 0,005 M foi realizada utilizando
[H3O+], através da equação: amostras de 50 mL, mediante adição sucessiva de so-
lução de KOH 0,1 N. Construir um gráfico dos dados
1 1 1 de n̄ versus p[A] e calcular log K1, log K2 e log β. Os
[H3 O ]
K obs K in K a K in dados da tabela a seguir (n̄, p[A] e β) são definidos nas
onde o coeficiente de partição intrínseco, Kin, da pilo- páginas 293-294.
carpina base livre é independente do pH. O termo Ka
Dados para o Exercício 11-1
é a constante de ionização em água do ácido conju-
gado da pilocarpina, ou seja, do cátion pilocarpínio. mL de 0,1 N NaOH pH n̄ p[A]
Fazer um gráfico do recíproco do valor do coeficiente 0 4,81 — —
de partição observado, 1/Kobs, versus a concentração
de íon hidrogênio [H3O+], utilizando análise de regres- 0,25 6,12 0,10 4,75
são linear, e determinar o valor do coeficiente de par- 0,50 6,50 0,20 4,40
tição intrínseco, Kin, entre octanol e a solução tampão
de fosfatos, para a pilocarpina base, e a constante de 1,0 6,85 0,40 4,10
ionização do ácido, Ka, para o cátion pilocarpínio, nas 1,5 7,20 0,57 3,80
temperaturas de 27 °C, 30 °C e 40 °C. O cátion não 2,0 7,45 0,74 3,62
se particiona no octanol. (b) O coeficiente de partição
intrínseco da pilocarpina base na forma logarítmica, 2,5 7,70 0,93 3,45
ln Kin, pode ser expressa em termos das propriedades 3,0 7,95 1,11 3,30
3,5 8,21 1,26 3,16
4,0 8,50 1,42 3,05
TABELA 10-1
4,5 8,93 1,56 2,92
COEFICIENTES DE PARTIÇÃO OBSERVADOS Kobs A
DIFERENTES VALORES DE pH E DE TEMPERATURA (DADOS 11-2 Calvin e Melchior42 investigaram a formação de que-
PARA O EXERCÍCIO 10–51)
latos entre o íon aldeído salicílico-5-sulfonato e o íon
pH 6,25 6,50 6,70 6,85 7,00 7,25 cúprico e obtiveram os seguintes resultados: log K =
+ 9,79 a 40 °C e log K = 9,27 a 25 °C. Calcular os valores
[H3O ] (× 107) 5,62 3,16 2,00 1,41 1,00 0,56
de ΔHo, ΔG° e ΔSo para a reação de quelação a 40 °C.
T ( °C) Coeficientes de Partição Observados, Kobs Quais os possíveis motivos para o valor da variação de
27 0,24 0,38 0,52 0,63 0,72 0,89 entropia, ΔSo obtido pelos autores?
30 0,31 0,46 0,62 0,78 0,84 1,06 11-3 Os seguintes resultados foram obtidos por Higuchi e
Zuck43 para o complexo formado entre cafeína e áci-
40 — 0,65 0,88 1,06 1,23 1,49
do benzóico. No experimento, o ácido benzóico foi
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 729

particionado entre água e solvente hidrocarbonado 11-6 Higuchi e Zuck46 estudaram a formação de comple-
Skellysolve-C. xos entre cafeína e butilparabeno pelo método da so-
lubilidade. Os resultados obtidos a 15 °C foram os
Concentração molar do ácido 11,94 × 10–3 mol/litro seguintes:
benzóico livre na solução
aquosa de cafeína obtida no Solubilidade do butilparabeno 0,58 × 10–3M
experimento de partição na ausência de cafeína

Concentração molar do 20,4 × 10–3 mol/litro Concentração de cafeína 6,25 × 10–2M


total de ácido benzóico adicionada
não-dissociado calculada
experimentalmente na fase Solubilidade de butilparabeno 3,72 × 10–3M
aquosa, corrigida em ter- após adição da quantidade
mos de dissociação parcial acima de cafeína
(ácido benzóico livre +
Assumindo que o complexo tenha uma razão esteo-
complexado).
quimétrica de 1:1, calcular a constante de estabilidade.
concentração original de 2,69 × 10–2 mol/litro 11-7 A formação de um complexo de inclusão de 1,8 dii-
cafeína adicionada (cafeína droxiantraquinona com γ-ciclodextrina em meio
livre + complexada) aquoso foi estudada mediante o método da solubili-
dade47 (ver p. 296). As concentrações do derivado de
Assumir que a razão esteoquimétrica das duas es- antraquinona determinadas após adição progressiva
pécies no complexo é de 1:1 e calcular a constante de de γ-ciclodextrina a 10 mL de um tampão contendo
associação, K. um excesso dessa antraquinona (1 × 10–3 M) foram as
11-4 Utilizando o método da solubilidade, Higuchi e seguintes:
Lach44 estudaram a complexação entre polietileno-
Dados para o Exercício 11-7
glicol e fenobarbital. Os resultados obtidos a 30 °C
são os seguintes: Ciclodextrina adicionada Antraquinona determinada
(× 103 M) (× 106 M)
Conteúdo em polietilenoglicol 30 × 10–3 mol/litro
no complexo formado na 2,37 2,56
região do platô do diagrama 7,89 8,72
de solubilidade
11,58 12,56
Total de fenobarbital 21,5 × 10–3 mol/litro 15,79 15,60
adicionado
18,95 15,81
Fenobarbital dissolvido no 6,5 × 10–3 mol/litro 22,63 16,41
ponto B no diagrama de
solubilidade, Figura 11-12. 30,0 16,41
38,0 13,84
Calcular a razão esteoquimétrica [PGE]/[feno-
barbital]. (a) Construir um diagrama de fases plotando a con-
11-5 Segundo Higuchi e Lach,45 os seguintes resultados fo- centração de antraquinona determinada (eixo vertical)
ram obtidos para a interação entre cafeína e sulfatiazol contra a concentração de γ-ciclodextrina adicionada (a
a 30 °C: Figura 11-12 mostra um diagrama semelhante).
(b) Calcular a solubilidade da 1,8 diidroxiantraqui-
Concentração total de sulfa- 2,27 × 10–3 mol/litro nona.
tiazol no ponto de saturação
(c) Calcular a constante de estabilidade aparente,
quando não há cafeína
K, para o complexo a partir da inclinação da porção
presente (ver ponto A na
linear inicial do gráfico obtido na parte (a), utilizan-
Figura 11-12)
do os primeiros cinco pontos. O valor de K se obtém
Concentração total de sulfa- 3,27 × 10–3 mol/litro com a equação53 K = inclinação/(intercepto [1 – in-
tiazol no ponto de saturação clinação]).
quando 3,944 × 10–2 mol/ 11-8 A griseofulvina contém dois grupos cetônicos, qua-
litro de cafeína foram adi- tro átomos de oxigênio como função éter e um anel
cionados ao sistema aromático, todos eles capazes de aceitar prótons e de
formar ligações de hidrogênio. A griseofulvina não
Calcular a constante de estabilidade, assumindo a possui grupos doadores de prótons, de modo que
formação de um complexo 1:1. atua apenas como espécie aceptora de prótons, A. A
730 P ATRICK J. S INKO

solubilidade molar da griseofulvina em isooctano, (a) Aplicar logaritmos a ambos lados da equação
[Ao] = 0,9358 × 10–5 mol/litro, aumenta rapidamente (11-53) e, fazendo a regressão de log([At ] – [Ao]),
perante aumento na concentração molar do ácido he- como variável dependente, contra log [Dt ], a variável
xanóico, [Dt ], um doador ácido, devido à formação independente, calcular o número estequiométrico, m,
de um complexo doador-aceptor, ADm: para esse complexo a partir da inclinação.
A mD ADm (b) Determinar a constante de estabilidade do comple-
xo, Km, utilizando o intercepto calculado na parte (a) e
equação (11-54). A constante de dimerização do ácido
hexanóico foi determinada como Kd = 6000 M–1 em um
experimento à parte.
11-9 Al-Obeidi e Borazan49 pesquisaram o complexo por
transferência de carga entre adrenalina e bases do ácido
nucléico (adenina, timina e uracilo) mediante espec-
trofotometria em ultravioleta. A adrenalina atua como
doador de elétrons e se pressupõe que as bases do ácido
GRISEOFULVINA nucléico atuem como aceptores de elétrons. Determi-
nar a absortividade molar, ε, e a constante de equilíbrio,
K (1/molaridade) da equação de Benesi-Hildebrand
onde m representa o número esteoquimétrico referen- (equação [11-28]), plotando Ao/A versus 1/Do. Neste
te a D moléculas em interação com uma molécula A. caso, Ao e Do representam as concentrações totais de
Mehdizadeh e Grant48 determinaram experimentalmen- adenina e adrenalina, respectivamente, e A a absorbân-
te as solubilidades da griseofulvina em isooctano frente cia do complexo a um comprimento de onda definido.
a concentrações crescentes de ácido hexanóico, [Dt ]. Aqui se assume que em solução aquosa ácida a adre-
Os dados estão contidos na tabela abaixo: nalina forme complexos por transferência de carga 1:1
com essas bases do ácido nucléico.
Dados para o Exercício 11-8*
A tabela complementar mostra os valores de Ao/A
[Dt], concentração molar de [At] (M × 105), concentração da e 1/Do para o complexo adenina-adrenalina em quatro
ácido hexanóico (doador) griseofulvina (aceptor) temperaturas diferentes, obtidos por cálculo inverso a
0,1632 2,317 partir dos valores de K e de ε, dados na tabela 1 do tra-
balho de Al-Obeidi e Borazan.49
0,465 4,178
0,784 7,762 Dados para o Exercício 11-9
1,560 20,902 1/Do (litro/mol) 1,0 2,0 3,0
3,118 77,581 Ao/A a 2 °C 0,022 0,034 0,047
4,693 207,16 Ao/A a 18 °C 0,029 0,047 0,066
6,316 435,18 Ao/A a 25 °C 0,031 0,053 0,075
7,855 858,98 Ao/A a 37 °C 0,037 0,065 0,093

* As concentrações aqui fornecidas foram selecionadas entre as 15 concentrações de 11-10 Assumindo complexos 1:1 e utilizando a equação de
ácido hexanóico e griseofulvina referidas no artigo original.
Benesi-Hildebrand, Al-Obeidi e Borazan104 obtiveram
Os autores mostraram que se apenas uma das espé- os seguintes valores para as constantes de estabilidade,
cies participantes do complexo, ADm, for considerada, K (1/molaridade), do complexo timina-adrenalina, uti-
por exemplo, m = 2, o aumento na solubilidade, [At] – lizando três temperaturas diferentes e um comprimento
[Ao], do aceptor (griseofulvina) em isooctano é propor- de onda de 314 nm:
cional à potência m/2 da concentração total do doador
(ácido hexanóico), [Dt ]m/2, o que se expressa mediante Dados para o Exercício 11-10
a seguinte equação: Temperatura ( °C) 2 18 37
[At ] − [Ao ] [ADm ] K [Dt ] m 2
(5) –1
K (M ) 0,97 0,73 0,57
onde K inclui Km, a constante de estabilidade do com-
plexo, Kd, a constante de dimerização do ácido hexa- Calcular as variações de energia livre-padrão (ΔG°),
nóico elevada à potência (–m/2), e o termo adicional entalpia-padrão (ΔHo) e de entropia-padrão (ΔSo) para
2–m/2: essa reação de complexação. Interpretar o significado
das magnitudes e do sinal aritmético dessas proprieda-
K K m K d −m 2
2−m 2
(6) des termodinâmicas.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 731

11-11 Obeidi e Borazan49 pesquisaram o complexo por trans- Nishijo e colaboradores52 estudaram a comple-
ferência de carga entre adrenalina e as bases do ácido xação da teofilina com o aminoácido aromático L-
nucléico, adenina, timina e uracilo, mediante espectrofo- triptofano em solução aquosa utilizando ressonância
tometria no ultravioleta. A adrenalina atua como doador magnética de prótons. O L-triptofano é um compo-
de elétrons e se pressupõe que as bases do ácido nucléico nente da albumina sérica, tendo sido sugerido como
atuem como aceptores de elétrons. Assumindo comple- sítio de ligação de certos fármacos. Os autores adi-
xos 1:1 e utilizando a equação de Benesi-Hildebrand, cionaram L-triptofano a concentrações definidas de
Al-Obeidi e Borazan104 obtiveram os seguintes valores teofilina a 25 °C.
para as constantes de estabilidade, K (1/molaridade), do
complexo adenina-adrenalina, a três temperaturas dife- Dados para o Exercício 11-13
rentes e a um comprimento de onda de 326 nm:
(Triptofano), 25 50 75 100
Dados para o Exercício 11-11 1/CD (M–1)

T ( °C) 2 18 25 37 1/ΔAobs 5,9 9,8 13,7 17,6


–1
K (M ) 0,79 0,52 0,45 0,35
Calcular a constante de equilíbrio aparente, K, e o
deslocamento de complexação, (δcA – δmA), fazendo uso
Calcular as variações de energia livre-padrão (ΔG°),
da equação (5).
entalpia-padrão (ΔHo) e de entropia-padrão (ΔSo). para
essa reação de complexação. 11-14 A constante de ligação ou de associação, K, para o
complexo povidona-ácido 5-hidroxi-salicílico foi de-
11-12 O complexo por transferência de carga entre triptamina
e isoproterenol foi estudado em solução aquosa conten- terminada mediante diálise em equilíbrio, a 25 °C e
do HCl 0,1 M a várias temperaturas.50 As constantes de 35 °C, em misturas de etanol e água. Por meio do
equilíbrio, K, foram determinadas aplicando a equação gráfico recíproco de Klotz (equação [11-39])
de Benesi-Hildebrand. 1 1 1 1
r ν K [D f ] ν
Dados para o Exercício 11-12
T ( °C) 5,0 15,0 25,0 Plaizier-Vercammen e De Nève53 calcularam o va-
lor de vK’ como a inclinação de uma reta quando plo-
K (M–1) 3,50 2,30 1,42 taram 1/r contra 1/[Df ], onde K’ é a constante de liga-
ção em litros/mol, v a capacidade de ligação, ou seja, o
(a) Calcular ΔG°, ΔHo e ΔSo. (b) Calcular a absor- número de sítios de ligação por mol da macromolécula
bância do complexo, A, a 5 °C, a partir da equação povidona, [Df ] representa a concentração molar do li-
de Benesi-Hildebrand. A absortividade molar, ε, do gando livre ou fármaco livre e r é o número de móis
complexo é 66,0; a concentração inicial do aceptor de fármaco ligado por mol de povidona. Os termos v
(triptamina) é 0,02 M e a concentração do doador e K⬘são combinados nesse trabalho para proporcionar
(isoproterenol) é 0,5 M. vK⬘ = K como uma constante de associação que mede
11-13 Hanna e Askbaugh51 derivaram a partir de dados de res- a força de ligação do ácido 5-hidróxi-salicílico à po-
sonância magnética nuclear a equação, para o cálculo vidona. Os valores de K em diferentes concentrações
da constante de equilíbrio aparente de complexos mole- percentuais de etanol em água e das correspondentes
culares π tipo 1:1: constantes dielétricas, D, a 25 °C e 35 °C, são dados na
1 1 1 1 seguinte tabela:
(7)
A
obs K (δcA − δm ) C D
A δcA − δmA Dados para o Exercício 11-14
onde CD é a concentração molal do doador, δcA é o des- % de Etanol em água Constante K × 10–3
locamento químico (ver Capítulo 4) do aceptor na for- dielétrica, D litro/mol
ma de complexo puro, e δmA o deslocamento químico do 25 °C 35 °C 25 °C 35 °C
aceptor na forma não-complexada. Conseqüentemente,
δcA – δmA corresponde ao deslocamento químico devido 2,5 75,2 72,1 20,5 18,0
à complexação. ΔobsA é a diferença entre o deslocamento 5,0 73,9 70,9 19,4 17,1
químico observado e o δmA. 10,0 71,5 68,6 18,0 16,0
A equação requer que a concentração do doa-
dor seja muito maior que a do aceptor e é análoga à 20,0 66,6 63,8 15,9 14,1
equação de Benesi-Hildebrand, exceto pelo fato de o
deslocamento do aceptor de prótons no complexo puro (a) Calcular ΔHo e ΔS° para essa faixa de tempera-
substituir a absortividade molar do complexo e a con- tura e ΔG° em de 25 °C e 35 °C, para cada uma das
centração do aceptor não aparecer. misturas.
732 P ATRICK J. S INKO

(b) Em um mesmo gráfico, colocar os valores de (11-44)], utilizada para descrever as duas classes de
ΔG° e de ΔHo obtidos no item (a) em função da cons- sítios de ligação:
tante dielétrica. Deverão ser obtidas duas linhas para ν1 K 1 [D f ] ν2 K 2 [D f ]
ΔG° versus constante dielétrica, D, uma para 25 °C r
1 K 2 [D f ] 1 K 2 [D f ]
e a outra para 35 °C. Os valores de ΔHo a vários va-
lores de D são os mesmos para 25 °C e 35 °C, pro- Os autores aplicaram o método estatístico deno-
porcionando uma única linha nesse gráfico, como se minado regressão não-linear aos dados abaixo, com
tornará evidente a partir dos resultados obtidos dos a finalidade de calcular os parâmetros v1, v2, K1 e K2.
cálculos. O número dos sítios de ligação, v1 e v2, determinados
(c) Propor uma explicação plausível em termos de para as duas classes de sítios foram 2,26 e 10,20,
interação intermolecular para a ligação do ácido 5-hi- respectivamente. Os valores das respectivas constan-
dróxi-salicílico à povidona, utilizando a magnitude e o tes de associação foram calculados em K1 = 1,32 ×
sinal das propriedades termodinâmicas. Comparar suas 105 M–1 e K2 = 3,71 × 103 M–1. Mediante a equação
respostas com a informação proporcionada nas pági- dada acima, calcular os valores de r (sem unidades)
para as seguintes concentrações de fármaco: [Df ] em
nas 304-305 e 307-309, Tabela 11-11, assim como por
milimol/litro (× 103) = 1,43; 4,7; 16,63; 132,4; 303,4
Plaizier-Vercammen e De Nève.53
e 533,2.
11-15 A ligação da varfarina à albumina sérica humana foi
Construir um gráfico de r/[Df ] (litro/milimol)
estudada a pH 6 e a uma força iônica de 0,170. Os se- versus r para obter o denominado gráfico de Sca-
guintes valores foram relatados por O’Reilly:54 tchard. Comparar seus resultados com os encontrados
por Chan e colaboradores. Para obter uma resposta, é
Dados para o Exercício 11-15
possível comparar os valores de r/[Df ] obtidos com os
[PD] [Df ] r /[Df ] valores de r/[Df ] lidos no eixo das abscissas do grá-
μmol/L μmol/L L/ μmol r fico apresentado por Chan e colaboradores Sugestão:
9,1 3,0 0,13 0,40
Utilizar as mesmas unidades para K1, K2 e [Df ] no
cálculo de r.
17,8 6,4 0,11 0,72 11-18 O número de sítios de ligação e a constante de associa-
30,2 17,2 0,08 1,35 ção para a ligação da sulfametoxipiridazina com a al-
bumina a pH 8 podem ser obtidos a partir dos seguintes
46,1 50,8 0,04 2,00
dados:
(a) Construir um gráfico de Scatchard, equação Dados para o Exercício 11-18
(11-40), utilizando os dados acima. Calcular K e v
mediante regressão linear. v representa o número de r = [Db/Pt ] 0,23 0,46 0,66 0,78
sítios de ligação independentes. Expressar K em li- [Df] × 10 (mol/litro)
4
0,10 0,29 0,56 1,00
tros/mol.
(b) Assumir que a concentração de proteína seja onde [Db] é a concentração de fármaco ligado, também
desconhecida e calcular K a partir de [PD] e [Df ] indicada como [PD], e [Pt] é a concentração total de
(equação [11-41]). Comparar os valores da constante proteína. Qual é o número de sítios de ligação, v, e qual
K obtidos em (a) e (b). Calcular [Pt ], a concentra- o valor da constante de associação, K?
ção total de proteína, utilizando o número de sítios 11-19 O efeito de deslocamento causado pela fenilbutazona
de ligação obtido no item (a). Consultar a equação sobre o acetaminofeno dos seus sítios de ligação na
(11-41). albumina sérica humana (HSA) foi estudado mediante
11-16 Em um estudo realizado por Meyer e Guttman55 sobre a técnica de ultrafiltração, a 37 °C e pH 7,4. A con-
a ligação da cafeína à albumina sérica bovina, baseado centração de acetaminofeno foi mantida constante em
no método da diálise em equilíbrio, deixou-se uma so- [Dt ] = 3,97 × 10–4 mol/litro e a concentração de fenil-
lução de albumina 2,8 × 10–4 M atingir o equilíbrio butazona, [Dt⬘], aumentada progressivamente. Após o
com outra solução de cafeína 1 × 10–4 M. Após ter-se processo de ultrafiltração, foi medida a absorbância,
atingido o equilíbrio, foi determinada uma concentra- A, da fração livre de acetaminofeno referente às dife-
ção de 0,7 × 10–4 M de cafeína na bolsa de diálise e de rentes concentrações de fenilbutazona, obtendo-se os
0,3 × 10–4 M de cafeína na solução externa. Calcular r, seguintes dados:
a razão de proteína total ligada. Qual é a fração ligada,
Dados para o Exercício 11-19
β, de cafeína?
11-17 Chan e colaboradores56 estudaram pelo método da Experimento I II III IV
diálise em equilíbrio, in vitro, a ligação às proteínas Dt' × 104
0 0,65 3,89 6,48
do diclofenaco sódico, um antiinflamatório não-este- mol/litro
róide. Os resultados foram representados em um grá-
A 0,683 0,782 0,809 0,814
fico de acordo com a equação de Scatchard [equação
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 733

A tabela mostra também a absorbância do acetami- 11-17, página 287, para ver a forma geral de um gráfico
nofeno na ausência de fenilbutazona, Dt⬘ = 0. A absorti- de Scatchard.
vidade molar, ε, do acetaminofeno no comprimento de 11-21 Higuchi e Zuck58 estudaram o complexo formado entre
onda de 420 nm, para uma cubeta de percurso óptico b cafeína e ácido benzóico e obtiveram os seguintes re-
= 1 cm, é 2,3 × 103 L mol–1 cm–1. A concentração de sultados: K = 29 a 0 °C e K = 18 a 30 °C. Calcular ΔHo,
HSA, [Pt], foi 5,8 × 10–4 mol/litro. ΔG° e ΔS° a 30 °C. Que significado pode ser atribuído a
Calcular o percentual de decréscimo dos valores cada um desses valores? Consultar a Tabela 11-11.
r para o acetaminofeno, por meio da equação de Sca- 11-22 Os dados apresentados na tabela encontrada no final
tchard, e o percentual de acetaminofeno ligado nas di- deste exercício são similares aos obtidos por Cho e co-
ferentes concentrações de fenilbutazona, Dt⬘, indicadas laboradores,59 que utilizaram o método da diálise em
na tabela acima. equilíbrio para determinar a ligação da bis-hidroxicu-
11-20* Em um estudo sobre ligação a proteínas, realizado por marina à albumina sérica humana (HSA). A concentra-
Meyer e Guttman,57 mediante a técnica da diálise dinâ- ção de HSA foi 0,20% (2,90 × 10–5 mol/litro). O pH
mica, 2 × 10–3 mol/litro de fármaco foram colocados foi mantido em 7,4, com auxílio de um tampão de tris
na bolsa de diálise. Os seguintes valores de [Dt ] foram (hidroximetil)-aminometano-ácido clorídrico, a uma
determinados na ausência de proteína: força iônica constante de 0,15.
Utilizar os dados da tabela a 20 °C e 40 °C e aten-
Dados (a) para o Exercício 11-20 der aos seguintes itens:
Tempo (h) 2,0 4,0 (a) Construir um gráfico de r = [fármaco ligado]/[HSA
total] versus concentração de fármaco livre, [Df ], de
[Dt ] mol/litro × 10 3
0,74 0,27
modo a obter uma isoterma de Langmuir. A concentra-
ção de HSA é 2,9 × 10–5 mol/litro.
A equação (11-45) pode ser expressa como: (b) Construir um gráfico de r /[Df ], no eixo vertical,
ln[Dt ] ln[D f ] − kt e r, no eixo horizontal, para obter um gráfico de Sca-
tchard similar ao representado pela equação (11-40).
Calcular k, a inclinação, a partir da equação de dois
Será obtida uma curva em vez de uma linha reta.
pontos, utilizando os dados fornecidos na tabela.
(c) Determinar o número médio de sítios de ligação
Quando o experimento foi repetido na presença
primários, v, a 20 °C e 40 °C, arredondando esses va-
de 5 × 10–4 mol/litro de proteína, a razão de perda
lores para números inteiros. Utilizar a porção linear da
de fármaco a partir da bolsa de diálise foi determi-
curva do gráfico de Scatchard, que corresponde aos pri-
nada novamente, sendo os dados obtidos ajustados
meiros cinco pontos dados da tabela abaixo. O inter-
mediante computador com a equação (11-46), o que
cepto no eixo das ordenadas corresponde a vK, a partir
permitiu o cálculo dos seguintes valores empíricos
do qual se pode calcular K para as duas temperaturas
para as constantes:
consideradas.
C1 = 1 × 10–3 mol/litro, C2 = 0,2 h–1, (d) Utilizando esses primeiros cinco pontos da tabela,
C3 = 6 × 10–4 mol/litro, C4 = 0,1 h–1, calcular a constante de associação, K, para os sítios de
ligação primários da albumina sérica humana para a
C5 = 4 × 10–4 mol/litro, C6 = 0,05 h–1 bis-hidroxicumarina, a 20 °C e 40 °C. Pode-se utilizar
Os valores de [Dt] determinados experimentalmen- a equação de dois pontos (Exercício 11-20) ou análise
te, na presença de proteína, após 1, 3 e 5 horas foram de regressão.
os seguintes: (e) Os autores obtiveram valores de K = 3,5 × 105 e 1,7
× 105 litros/mol para as constantes de ligação a 20 °C
Dados (b) para o Exercício 11-20 e 40 °C, respectivamente. Fazendo uso desses valores,
Tempo (h) 1 3 5 estime as variações de energia livre-padrão, ΔG°, para
as interações em 20 °C e 40 °C, utilizando a equação
[Dt] mol/litro × 10 3
1,74 1,34 1,04 ΔG° = –RT ln K.
(f) Calcular a variação de entalpia-padrão, ΔHo, utili-
Calcular os três valores para os termos de Sca- zando os valores das constantes de associação referen-
tchard, r e r/[Df ] obtidos a partir desses dados. Não tes a essas duas temperaturas e a equação:
obstante sejam necessários mais do que três pontos para
construir um gráfico de Scatchard apropriado, os três K 20◦ H◦ 1 1
pontos calculados, quando unidos por uma linha suavi- ln −
K 40◦ R 293 15 313 15
zada em um gráfico de r /[Df ] versus r, proporcionam
uma idéia geral da curva resultante. Consultar a Figura (g) Determinar a variação de entropia padrão, ΔS°, para
a complexação mediante a equação ΔG° = ΔHo – TΔSo.
(h) Proporcionar uma explicação plausível para a
* O Exercício 11-20 foi preparado pelo Professor M. Meyer da Universidade magnitude e os sinais das propriedades termodinâmi-
de Tennessee. cas calculadas.
734 P ATRICK J. S INKO

Dados para o Exercício 11-22 Interação da bis-hidroxicumarina com a


albumina sérica humana a 20 °C e 40 °C*
[Db] [Df] 20 °C 40 °C
r r
× 10–5 × 10–5
mol/litro × 106 mol/litro × 106 r† [D f ] r [D f ]
23,20 1,000 0,8 8,0 0,6 4,0
29,00 1,430 1,0 7,0 1,1 3,1
34,80 2,000 1,2 6,0 1,7 2,3
40,60 2,690 1,4 5,2 1,9 1,5
52,20 4,290 1,8 4,2 2,5 1,1
63,80 6,880 2,2 3,2 3,1 0,7
92,80 14,55 3,2 2,2 3,9 0,5
116,0 33,33 4,0 1,2 4,9 0,3
145,0 62,50 5,0 0,8 5,7 0,1
174,0 150,00 6,0 0,4 – –

* Concentração de albumina sérica, 2,9 × 10–5 mol/litro.



r = Db/ concentração de albumina.

CAPÍTULO 12: DIFUSÃO cidade de permeação é dada pela equação da difusão


convectiva (CD):
12-1O coeficiente de difusão para a tetraciclina, incorpora- R 2 157 Da 2 3 Cs α 1 3r 5 3 (8)
da em uma razão molar de 2:98 em um filme de copo-
límero hidroxietilmetacrilato-metilmetacrilato, foi D = onde Da é a difusividade (coeficiente de difusão) do
8,0 (± 4,7) × 10–9 cm2/s, e o coeficiente de partição, K, soluto através da camada aquosa, Cs a solubilidade, α
para a tetraciclina entre a membrana e o reservatório a velocidade de cisalhamento sobre a membrana e r o
foi 6,8 (± 5,9) × 10–3. A espessura de membrana, h, raio da membrana circular. A velocidade de permeação,
do dispositivo trilamelar foi 1,40 × 10–2 cm, e a con- R, expressa como dM/dt em outras partes deste capítulo,
centração da tetraciclina no núcleo, Co, 0,02 g/cm3 de foi considerada a variável dependente, utilizando o raio
material do núcleo. Aplicando a equação (12-103), cal- da membrana como a variável independente. A equação
cular a velocidade de cedência, Q/t, em μg cm–2, de obtida a partir da regressão pelos mínimos quadrados
tetraciclina por dia. indicou uma linha reta para o gráfico de log R versus
12-2 A difusão do acetonido de fluocinolona ocorre a par- log r, mantendo-se os outros parâmetros constantes.
tir de uma solução a 30% de propilenoglicol em água (a) Construir um gráfico de log R versus log r, calcular
através de uma seção circular de uma membrana de po- os valores do intercepto e da inclinação e determinar
lietileno em uma célula bicompartimental de vidro. A a qualidade do ajuste em comparação com os valores
espessura, h, da membrana é 0,076 cm e seu diâmetro calculados pela equação (8). Os valores dos parâmetros
é 2,21 cm. O coeficiente de partição do fármaco entre a conhecidos são: Da = 6 × 10–6 cm2 s–1 = 3,60 × 10–4
membrana e a solução é 1,28 a 25 °C; o valor de CV foi cm2 min–1; Cs = 9,4 × 10–4 mol/litro = 9,4 × 10–7 mol
determinado em 0,025 g/100 cm3. Um gráfico de quan- cm–3; e α = 35,006 min–1. Os valores experimentais de
tidade de fármaco permeante (em gramas) versus tem- R e r para o gráfico são:
po, expresso em horas, mostrou uma linha reta (após o
estado estacionário ter sido alcançado), com um lag- Dados para o Exercício 12-3
time, tL, de 25,0 h. Calcular (a) o coeficiente de difusão,
sabendo os valores de h e tL, e (b) dQ/dt em μg/(cm2 h), R (mol/min) 1,325 × 10–8 2,712 × 10–8 3,881 × 10–8
utilizando a equação dQ/dt = DKCV /h. r (cm) 0,65 1 1,25
12-3 Nelson e Shah76 aplicaram seu modelo de difusão
convectiva (ver Exemplo 12-6) no cálculo da velo- (b) Escolher um dos três valores de r apresentados na
cidade de permeação (velocidade de difusão), R, do tabela e os parâmetros acima dados e substituí-los na
butambeno através de uma membrana de dimetico- equação obtida mediante regressão pelos mínimos qua-
na, sob condições de controle pela camada de difusão drados e na equação de cálculo de CD (equação [8]).
aquosa (p. 326). Para uma membrana circular, a velo- Comparar os resultados obtidos pelos dois métodos de
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 735

cálculo de R. Qual é a porcentagem de erro nesses dois Dm KDa


métodos em relação ao valor experimental de R? J C
h m Da 2h a KDm
(c) O método de que trata este exercício é o do controle
pela camada de difusão aquosa. Calcular a espessura, Os dados obtidos de um experimento a 37 °C são
ha, da camada aquosa estática utilizando r = 1,25 cm os seguintes: Dm =2,7×10–6 cm2/s=0,00972 cm2/h, Da =
e R = 3,881 × 10–8 mol min–1 = 6,47 × 10–10 mol s–1. 6,0 × 10–6 cm2/s = 0,02160 cm2/h, hm = 0,006 cm, ha =
Observação: Assegurar-se, primeiro, na construção do 0,0188 cm e K = 10,3.
gráfico, de converter R e r em seus respectivos logarit- 12-8 Borodkin e Tucker60 estudaram a difusão do ácido sa-
mos. Lembrar que quando convertidas em logaritmos licílico disperso em um filme polimérico. Foi obtida
na equação (8), as quantidades antes multiplicadas são uma cinética de cedência linear em relação ao tempo,
agora adicionadas. Por conseguinte, a equação (8), ou seja, de ordem zero, mediante laminação de um se-
escrita na forma de log R versus r, transforma-se em gundo filme com uma membrana de hidroxipropilcelu-
log(2,157) + 2/3 log Da + log Cs + 1/3 log α + 5/3 log r, lose-acetato de polivinila, de espessura hm = 0,0164 cm,
e, para Da, C e α constantes, obtém-se expressão: tendo como camada-reservatório o lado de cedência do
filme que continha o fármaco.
log R log(2 157 Da 2 3 Cs α 1 3 ) 5 3 log r (9)
A camada com o fármaco controlou a duração da
com o primeiro termo logarítmico do lado direito como cedência, enquanto a camada sem o fármaco, constituída
intercepto e 5/3 = 1,667 do segundo termo logarítmico pela camada de celulose, atuou como membrana contro-
como sendo a inclinação. ladora da velocidade de cedência. A difusão através do
12-4 A cedência de diacetato de etinodiol de uma forma filme mostrou ser o fator limitante da cedência do fárma-
farmacêutica à base de silicone pode ser calculada me- co, o que justifica o uso da equação (12-72). Q, a quanti-
diante a equação de Higuchi, dade de fármaco cedida por unidade de área superficial,
Q t1 2
[D(2A − Cs )Cs ]1 2 é dada na tabela seguinte para diferentes tempos:

uma vez que o fator limitante da liberação do fármaco é Dados para o Exercício 12-8
a difusão. Seja a quantidade de fármaco, A, por unidade Q (mg/cm ) 2
0,46 1,00 1,54 2,19 2,69 3,23 3,54
de volume da matriz de silicone igual a 100 g/(103 cm3),
a solubilidade, Cs, desse fármaco no polímero de silico- tempo (h) 1 2 3 4 5 6 7
ne igual a 1,50 g/(103 cm3) e D, a difusividade do fárma-
co na matriz, 3,4×10–2 cm2/dia. Calcular a velocidade de A equação (12-72) também pode ser escrita da se-
cedência do fármaco a partir dessa forma farmacêutica guinte forma:
de silicone em unidades de g/(103 cm3) por dia1/2. dQ Dm C p
12-5 Quando Cs é muito pequeno em relação a A, como visto (10)
dt hm
no Exercício
√ 12-4, a equação de Higuchi fica reduzida a
Q/t1/2 = 2D ACs . Recalcular os resultados do Exercí- a qual representa a velocidade de cedência instantânea
cio 12-4 utilizando a forma abreviada da equação. de fármaco no tempo t. A integração dessa equação e a
12-6 A permeação do p-aminobenzoato de metila, através de determinação das constantes de integração proporcio-
uma membrana de dimeticona de espessura hm = 0,0254 nam os termos para lag-time, tlag:
cm, foi estudada em uma célula com fluxo laminar a 25 Dm C p Dm C p
°C79. A velocidade de fluxo elevada, as difusividades Q t− tlag (11)
hm hm
através da membrana (Dm) e do solvente aquoso (Da)
foram: Dm = 2,72 × 10–6 cm2 s–1 e Da = 6 × 10–6 cm2 s–1, A equação (11) mostra que um gráfico de Q versus
respectivamente. A espessura da camada aquosa, ha, foi t permite obter uma linha reta com inclinação igual a
0,003 cm, a solubilidade, C, do fármaco foi 1,04 × 10–2 DmCp/hm = ko, que é a constante de velocidade aparente
mol/litro e o coeficiente de partição, K, através da inter- de ordem zero. O intercepto da equação (11) correspon-
face fármaco-membrana, igual a 0,26. de a (DmCp/hm)tlag = kotlag, da qual o valor de tlag pode
(a) Mediante cálculos apropriados, propor se o fluxo ser obtido.
é controlado pela camada de difusão aquosa ou pela (a) Construir um gráfico de Q versus tempo, t, a partir
membrana. dos dados fornecidos na tabela. (b) Fazer a regressão de
(b) Calcular o fluxo, J (mol cm–2 min–1). Consultar a Q contra t, determinar ko = DmCp/hm (mg cm–2) a partir
página 326 a respeito de controle por membrana e por da inclinação e tlag do intercepto. (c) Tendo sido deter-
camada de difusão. minados o lag-time e a espessura, hm, da camada sem
12-7 Uma célula provida de uma membrana tipo Silastic, com fármaco, calcular o coeficiente de difusão, Dm. Para isso,
camadas de difusão de igual espessura em ambos lados, é necessário aplicar a equação (12-14a) do lag-time.
contém aminobenzoato de butila na concentração C = (d) Partindo da inclinação determinada no item (b) e do
1,72 mmol/litro ou 1,72 × 10–3 mmol/cm3 no compar- coeficiente de difusão, Dm, calculado no item (c), calcu-
timento doador. Calcular o fluxo no estado estacionário, lar o valor de Cp, a concentração do ácido salicílico na
J, através da membrana, em milimóis por cm2 por hora. camada-reservatório, localizada na base do filme.
A equação que representa este processo controlado tanto 12-9 Farng e Nelson61 estudaram o efeito de polieletrólitos,
pela membrana como pela camada de difusão é: como a carboximetilcelulose (CMC), sobre a velocida-
736 P ATRICK J. S INKO

de de permeação do salicilato de sódio através de uma na Figura 12-18 e o parâmetro de solubilidade é defi-
membrana de celulose a 37 °C. A lei de Fick pode ser nido na página 258. O fármaco teofilina, cujo valor de
aplicada nesse caso, assumindo a existência de três bar- parâmetro de solubilidade, δ2, é igual a 14 (cal/cm3)1/2
reiras em série: a membrana e as duas camadas de di- e o volume molar, V2, é 124 cm3/mol, foi dissolvido em
fusão líquidas e estáticas, posicionadas em ambos lados uma mistura solvente de polietilenoglicol 400 e água de
da membrana. O recíproco do coeficiente de permeação polaridades diferentes, expressas pelos valores do parâ-
para essas três camadas corresponde a: metro de solubilidades, δ1.
1 P h 1 D1 hm Dm K h 2 D2 K Postula-se que quanto mais semelhantes forem os
valores de delta do fármaco, δ2, e da mistura solvente,
onde h1 = h2 = 82 × 10 cm para as duas camadas está-
–4
δ1, maior poderia ser a atração entre solvente e fármaco
ticas de difusão, hm = 46,6 × 10–4 cm para a espessura e, por conseguinte, a cedência para a absorção do fár-
da membrana de celulose, e D1 =1,33×10–5 cm2/s, D2 maco seria menor. Pelo contrário, quando δ1 e δ2 forem
= 1,11 × 10–5/cm2/s e Dm = 1,69 × 10–6 cm2/s para os bastante diferentes e os parâmetro de solubilidade do
três coeficientes de difusão. O coeficiente de partição, fármaco, δ2, e da mucosa intestinal, δo, forem próximos,
K, para o salicilato entre a solução no compartimento 1 a cedência do fármaco a partir do solvente seria fácil,
(lado esquerdo do reservatório) e a água da membrana favorecendo a sua bioabsorção.
é 1,16. A fração volumétrica, φ, da água na membrana
é igual a 0,667. Calcular a permeabilidade, P, para o O parâmetro de partição, Kp, foi determinado para
salicilato e comparar esse valor com o observado Pobs = o experimento com intestino de rato a partir das cons-
1,86 × 10–4 cm/s. tantes de velocidade de absorção do fármaco, k1, e de
dessorção, k2, sendo Kp = k1/k2. Os dados do experi-
12-10 A sulfadiazina, pKa = 6,50 a 25 °C, como todo ácido
mento para este exercício são dados na tabela seguinte:
fraco, mostra um percentual de dissociação que varia
em função do pH. (a) Preparar uma tabela que mostre Dados para o Exercício 12-12
o percentual dissociado e o percentual não-dissociado
de sulfadiazina a pH 2, 4, 6, 5, 7, 8, 10 e 12. (b) Fazer % de PEG 400 Valor de δ1 (δ1 – δ2) k1 k2 Kp =
um gráfico com os resultados sobre um papel quadricu- em água (cal/cm3)1/2 (δ2 = 14) min–1 min–1 k1/k2 ln Kp
lado. (c) Fazer uma previsão da absorção da sulfadiazi- 90 11,8 –2,2 0,041 0,028 1,464 0,381
na no intestino grosso e no intestino delgado em termos
80 13,1 –0,9 0,040 0,039 1,026 0,026
da teoria do pH-coeficiente de partição e a partir dos
valores obtidos nos itens (a) e (b). 75 13,7 –0,3 0,054 0,083 0,651 -0,429
12-11 Os ácidos biliares são transportados através do íleo me- 70 14,4 0,4 0,048 0,075 0,640 -0,446
diante processos ativos e passivos.62 Para soluções di- 65 15,0 1,0 0,036 0,064 0,0563 -0,574
luídas, não-micelares, de ácidos biliares, a constante de
velocidade de absorção é dada pela equação (12-93): 60 15,7 1,7 0,037 0,036 1,028 0,028

S Paq (a) Construir um gráfico de ln Kp versus (δ1 – δ2) e, a


Ku Paq
V1 ◦ ∗ partir da curva obtida, observar como o parâmetro de
Po X s Pm X s −
partição varia com a diferença dos valores de (δ1 – δ2).
onde Pm* é a constante de permeabilidade para o trans- (b) Fazer a regressão de ln Kp contra (δ1 – δ2) utilizan-
porte ativo dos ânions de ácidos biliares, Po a constante do análise de regressão parabólica (quadrática) pelos
de permeabilidade das espécies não-dissociadas que so- mínimos quadrados ou, melhor ainda, uma regressão
frem difusão passiva, Paq a constante de permeabilidade cúbica. Construir a linha com um número suficiente de
da camada de difusão aquosa e Xs° e Xs– são as frações de pontos obtidos pela equação quadrática ou cúbica so-
espécies não-dissociadas e aniônicas, respectivamente. bre o gráfico obtido no item (a). A análise estatística irá
Para o ácido taurocólico, pKa = 2,0, o ácido biliar proporcionar uma linha de ajuste que suaviza o gráfico
está basicamente todo na forma iônica em pH 6 a 7. angular obtido unindo as linhas retas, traçadas entre os
Conseqüentemente, Xs° ≈ 0, Xs– ≈ 1,0 e Ku transfor- pontos experimentais determinados em (a).
ma-se em: (c) Calcular o parâmetro de partição teórico (lnKp) uti-
S Paq lizando a equação empírica sugerida por Davis:82
Ku Paq
V1 ∗ V2 φ12
Pm
ln K p ≈ [(δ1 − δ2 )2 − (δo − δ2 )2 ] (12)
Se S/V, a razão entre área superficial efetiva e volu- RT
me de solução, for igual a 10 cm–1, Paq = 2 × 10–4 cm/s onde V2, o volume molar da teofilina, é igual a 124 cm3/
e Pm* = 1 × 10–3 cm/s, qual é o valor de Ku, a constante mol; δo representa o parâmetro de solubilidade da mem-
de velocidade de absorção do ácido taurocólico através brana do intestino do rato, 12,6 (cal/cm3)1/2, conforme
do íleo? determinado no trabalho de Adjei e colaboradores;83 R
12-12 Foram realizados experimentos de permeação in situ é a constante dos gases ideais e T a temperatura abso-
com intestino de rato, a 37 °C, para determinar a in- luta para 37 °C (310 K). A fração volumétrica (p. 258),
fluência do parâmetro de solubilidade de Hildebrand, φ1, da mistura solvente é, nesse caso, próxima da uni-
δ. As preparações com intestino de rato são mostradas dade e pode ser desconsiderada na equação (12-120).
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 737

Os valores experimentais de ln Kp se ajustam melhor (b) Com auxílio de uma calculadora de bolso ou de um
aos valores de ln Kp obtidos pelo cálculo com a equação computador, determinar os valores de a e b utilizando
(12-120), ou aos valores de ln Kp obtidos pela regres- os dados antes proporcionados.
são quadrática ou cúbica? Para responder esta parte do (c) Assumir uma relação linear entre y e x na forma de:
exercício, consultar os pontos no gráfico ou os dados do
seu resumo tabular acima. y ax b (14)
12-13 (a) Na continuação do trabalho sobre a permeação e calcular os valores de a’ e b’. Qual das duas equações
transcorneal da pilocarpina (ver Exemplo 12-14), é so- ajusta melhor os dados, a (13) ou a (14)?
licitado construir um gráfico de P versus pH, com os (d) Por que foi sugerido um ajuste bilogarítmico
valores de permeabilidade na membrana corneal, P, uti- (log-log) dos dados utilizando-se a equação da po-
lizando um papel quadriculado comum. tência y = axb?
(b) Calcular o valor de P(teórico) (ver Exemplo 12-14, (e) Como seria possível extrapolar resultados como os
equação [12-98]) utilizando os valores PB = 9,733 × apresentados para a absorção transdérmica de deriva-
10–6 cm/s e PBH+ = 4,836 × 10–6 cm/s. A fração não- dos da progesterona a partir de diferentes bases para
ionizada de pilocarpina, fB, para cada valor de pH é ungüentos, considerando a pele humana intacta, danifi-
calculada aplicando a equação (12-96). Construir um cada ou acometida de doença? Que fatores deveriam ser
gráfico de P(teórico) versus pH sobre o gráfico preparado levados em consideração?
anteriormente no item (a). Observar que, para o ácido 12-15 A absorção percutânea do cloranfenicol através da pele
conjugado da pilocarpina a 34 °C, o pH no ponto de de camundongo foi estudada a temperaturas diferentes.
inflexão da linha sigmóide é aproximadamente igual a Os coeficientes de permeabilidade foram registrados
pKa = 6,67. considerando-se as diferentes temperaturas:
(c) A curva sigmóide sugere algum tipo de relação com
a curva de titulação de um ácido fraco, Figura 8-1, na Dados para o Exercício 12-15
qual a semineutralização verifica-se em pH = pKa?
Temperatura, °C 25 31 37 45
12-14 A penetração da progesterona e dos seus derivados hi-
droxilados através da pele intacta mostrou estar rela- P (cm/min) ×10 4
1,12 1,87 3,01 6,20
cionada com a solubilidade desse fármaco no estrato
córneo, no estado estacionário. A solubilidade no es- Traçar uma curva de Arrhenius e calcular a energia
trato córneo e a velocidade de permeação diminuem de ativação para o processo de permeação. Comparar
conforme a hidrofilia dos derivados da progesterona seus resultados com os obtidos por Aguiar e Weiner,63
aumenta84. Os dados são mostrados na seguinte tabela que, em um estudo similar, determinaram o valor de Ea
para derivados da progesterona numerados de 1 a 7: em 15.000 cal/mol.
12-16 Liron e Cohen64* estudaram a absorção percutânea do
Dados para o Exercício 12-14 ácido propiônico, um ácido de cadeia linear, através da
Derivado n° 1 2 3 4 5 6 7
pele de porco. Eles estabeleceram que o coeficiente de
permeabilidade, P = KD/h (equação [12-11]), aumen-
Solubilidade tou quando a temperatura era aumentada, como mostra-
(mg/mL) 1,09 2,46 7,97 2,82 12,5 32,4 47,7 do na tabela abaixo:
Taxa de
Dados para o Exercício 12-16
permeabilidade
(μg/(cm2 h)) 0,15 0,31 0,97 0,29 0,57 4,73 2,37 Temperatura, °C 15 25 30 37 50
P × 103 cm/min 0,81 1,25 1,64 3,00 6,72
(a) Fazer um gráfico de velocidade de permeação,
dQ/dt, em μg/(cm2 h), no eixo vertical, versus a so-
Construir um gráfico semelhante ao de Arrhenius,
lubilidade dos derivados da progesterona, no eixo
plotando ln P contra o recíproco da temperatura (1/T,
horizontal, utilizando, para isso, um papel log-log de
K–1). Determinar os valores da energia de ativação, Ep,
três ciclos. Em princípio, se poderia postular a exis-
em kcal/mol, e de Po, que é proporcional ao número
tência de uma relação linear entre as velocidade de
de moléculas que penetram no filme e à probabilida-
permeação da progesterona no estado estacionário e
de dessas moléculas possuírem energia suficiente para
sua solubilidade no estrato córneo. Contudo, foi de-
participar no processo de difusão. Po é comparável com
monstrado que uma relação linear apenas é obtida
o fator freqüência A conhecido no campo da cinética
quando os dados são colocados em um gráfico com
química (equação [15-72], p. 423).
escala log-log, o que sugere que a verdadeira relação
é uma curva exponencial. Seja a velocidade de per- 12-17 Liron e Cohen64 aplicaram a lei de Fick e a difusão à ab-
meação, dQ/dt, igual a y e a solubilidade no estrato sorção percutânea de um fármaco. A cedência do ácido
córneo igual a x, e considerando uma curva para a valérico (pentanóico) desde uma solução de n-heptano
relação exponencial: (1 m) para a pele de porco dissecada foi estudada com
auxílio de uma célula de difusão que possuía uma área
y ax b (13)
onde a e b são constantes arbitrárias. * Nossos agradecimentos aos autores pelos Exercícios 12-16 e 12-17.
738 P ATRICK J. S INKO

transversal de 1 cm2. Os autores obtiveram os seguintes 100 mg/cm3, o comprimento, h, do cilindro de silicone
resultados: é 6,0 cm e seu raio, ao, é 1,1 cm.
12-19 A velocidade com que um soluto difunde de uma cé-
Dados para o Exercício 12-17 lula simples do tipo fronteira aberta, Figura 12-30, no
Tempo (h) 0 0,5 1 2 3 4 5 6 tempo t, é igual ao gradiente de concentração, ∂u/∂x, na
fronteira aberta, multiplicado por (D × A), o coeficiente
Q, μmol/cm 2
0 1,4 7,6 19,1 34,1 49,1 64,1 79,1
de difusão do soluto multiplicado pela área, A, da cé-
lula. A velocidade de escape, R, do soluto é dada pela
(a) Montar um gráfico de Q, a massa acumulada de
equação:
ácido valérico que penetrou por unidade de área versus
tempo. ∂u
R (g s) (D · A)
(b) Calcular o fluxo no estado estacionário, Js, a partir ∂x
da inclinação do segmento linear da massa acumula- 2u o π 2 Dt 9π 2 Dt
exp − exp − (D · A)
da de ácido valérico que penetrou, Q, versus tempo, ou h 4h 2 4h 2
seja, para o período de tempo de 2 a 6 horas. (16)
(c) Usar Js e a concentração de ácido valérico na fase
doadora, Cd, 1.000 μmol/cm3, para calcular o coefi- A área, A, da célula é 6,78 cm2, a altura, h, desta
ciente de permeabilidade, P. célula é 3,92 cm, a concentração inicial, uo, de soluto na
solução aquosa a 25 °C é 0,0628 g/cm3, o coeficiente de
(d) A partir da curva de penetração, determinar o valor
difusão do soluto no meio foi de D = 9,81 × 10–6 cm2/s
de lag-time, tL, extrapolando o segmento linear até o va-
e o tempo de difusão, t, é igual a 8560s (2,38 h). Calcu-
lor de penetração zero por unidade de área transversa.
lar a velocidade de escape da célula.
(e) Determinar o valor do coeficiente de difusão, D, a
12-20 Um novo fármaco foi analisado com auxílio de uma
partir de tL e da espessura, h, da barreira dérmica (estra-
célula de difusão de Graham, tipo fronteira fechada
to córneo), sendo h = 15 μm.
(ver Figura 12-29), para determinar o coeficiente de
(f) Partindo dos resultados obtidos, calcular o co- difusão, D, desse fármaco. A concentração inicial do
eficiente de partição aplicando a equação (12-15), fármaco em água a 25 °C, uo, foi o 0,0273 g/cm3. A
Capítulo 12. altura total da célula, H, foi o 3,86 cm e a altura da
(g) Calcular o coeficiente de partição, K, utilizando a solução do fármaco dentro da célula, h, foi 1,93 cm.
equação de Davis:65 Uma amostra foi retirada a uma profundidade de x =
V2 φ12 H/6 no tempo t = 10.523 s (2,923 h) e analisada. A
ln K p ≈ [(δ1 − δ2 )2 − (δ0 − δ2 )2 (Vd Vm )] concentração de fármaco, u, foi calculada em 0,0173
RT
(15) g/cm3. Reorganizar a equação (12-113) de modo que
permita calcular D, o coeficiente de difusão do fárma-
onde V2 é o volume molar do soluto, R e T têm seu co. (Consultar o Exemplo 12-16).
significado usual, δ1 e δ2 são os parâmetros de solu- 12-21 A difusão através da pele pode ser considerada como
bilidade do soluto (fármaco) e do solvente, respecti- uma difusão por multicamada, na qual as camadas são
vamente, Vd é o volume da fase doadora, de 300 μL, constituídas pelo estrato córneo, epiderme e derme.
e Vm o volume da barreira dérmica, que é igual a 1 O estrato córneo representa a maior barreira contra a
cm2 × 0,015 cm = 0,015 cm3 = 15 μL. No Exercício difusão e a epiderme pode ser significativamente me-
12-12, foi aplicada a equação aproximada (12-120), nos permeável que a derme. Yu e colaboradores67 rea-
desconsiderando-se o termo final ln(Vd /Vm). No pre- lizaram experimentos de permeação do pró-fármaco
sente caso esse termo é significativo e não pode ser vidarabina com o intuito de estudar as características
desconsiderado. difusionais nas diferentes camadas da pele. Por meio
12-18 A cedência da hidrocortisona foi estudada utilizando de membranas de derme de camundongos (com espes-
uma matriz de silicone implantada no trato vaginal de sura média de 350 μm), os autores determinaram um
coelhas (consultar as p. 338-339). Calcular a quantida- lag-time, tL, de 152,3 s para a permeação desse pró-fár-
de de hidrocortisona (mg) cedida a partir do implante maco. Em um segundo experimento, o estrato córneo
vaginal após 2,5, 5, 10, 15, 20, 25, 30 e 40 dias. Montar foi removido com auxílio de fita adesiva. O coeficiente
um gráfico da quantidade cedida, m (mg), versus tempo de permeabilidade da pele assim excissada (Pss) (sem o
em dias. Os seguintes dados foram retirados do trabalho estrato córneo) foi calculado em 3,74 × 10–6 cm/s. Fi-
de Ho e colaboradores.66 A solubilidade do fármaco na nalmente, o coeficiente de permeabilidade da pele ín-
matriz polimérica, Cs, 0,014 mg/cm3, o coeficiente de tegra (estrato córneo, epiderme e derme) foi calculado
difusão na matriz, De, é 4,5 × 10–7 cm2/s, o coeficien- em 2,98× 10–8 cm/s.
te de partição silicone/água, Ks, é 0,05, o coeficiente (a) Calcular o coeficiente de permeabilidade para a
de permeabilidade para a membrana vaginal da coelha, derme. Para isso, consultar a equação (12-13).
Pm, é 5,8 × 10–5 cm/s, o valor de Paq é de 7 × 10–4 cm/s, (b) Calcular os coeficientes de permeabilidade do
a concentração de carga (quantidade inicial de fárma- estrato córneo e da derme. Sugestão: Usar a equação
co por unidade de volume do cilindro de plástico), A, é (12-20b) como modelo.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 739

CAPÍTULO 13: LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS E DISSOLUÇÃO 13-3 Uma amostra de 0,625 g de acetoexamida em pó foi dis-
solvida em1.000 cm3 de água dentro de um aparelho de
dissolução de pás, a 30 °C. Os dados de velocidade de
13-1 Esezobo e colaboradores estudaram o efeito da con-
dissolução constam da tabela seguinte. Assuma-se que o
centração de aglutinante sobre as velocidades de dis-
seu comportamento obedeça à lei de Hixson-Crowell.
solução de comprimidos de acetaminofeno aplicando a
forma integrada da equação de Noyes-Whitney, Dados para o Exercício 13-5
Cs
ln kt Quantidade
Cs − C Tempo Concentração não-dissolvida κ
(min) (mg/mL) (g) M01/3 – M1/3 (g1/3/min)
onde Cs é a concentração de soluto no ponto de satura-
ção (solubilidade), C a concentração no tempo t e k a 0 0 Mo = 0,625 0 –
constante de velocidade de dissolução. Os dados expe- 2 0,159 0,466 0,080 0,040
rimentais são dados na seguinte tabela:
4 0,288 0,337 0,159
Dados para o Exercício 13-3 6 0,390 0,235 0,238
t (min) Cs 8 0,468 0,157 0,315
ln
Cs − C
10 0,528 0,097 0,396
sem aglutinante 2,5% PVP 5% PVP
(a) Calcular o valor de κ para cada período de tempo,
5 0,125 0,145 0,10
preenchendo os espaços vazios da última coluna da ta-
10 0,43 0,29 0,20 bela. A seguir, somar os valores de κ calculados e di-
15 0,645 0,453 0,30 vidir pelo número destes para obter o valor médio de κ.
(b) Fazer a regressão linear de (Mo1/3 – M1/3) versus
20 0,86 0,58 0,40
tempo em minutos, sendo κ a inclinação da linha reta
30 1,25 0,87 0,60 obtida pelos mínimos quadrados. Qual desses métodos
40 – 1,16 0,80 é o mais apropriado para calcular κ? Apresentar seus
motivos em favor da sua escolha.
Construir um gráfico de ln(Cs /Cs – C) (eixo vertical) 13-4 Shah e Nelson estudaram a velocidade de dissolução de
contra t e calcular a constante de velocidade de disso- diversos alquil-p-aminobenzoatos por meio do modelo
lução, k, para os comprimidos de acetaminofeno sem da difusão convectiva (ver p. 357 e Exemplo 13-5) uti-
aglutinante e na presença de PVP a 2,5 e 5%, utilizando lizando comprimidos de forma circular com um raio da
o valor da inclinação. superfície r. A equação respectiva para a velocidade de
13-2 Um novo comprimido de dissolução rápida contendo dissolução é:
tolbutamida foi preparado e a sua velocidade de disso- R 2 157 Dα 2 3 Cs α 1 3r 5 3
lução testada. As quantidades de fármaco, m, expressas
em miligramas, dissolvidas em função do tempo foram onde D é a difusividade, Cs a solubilidade do fármaco
as seguintes: e α a velocidade de cisalhamento sobre a superfície do
comprimido em dissolução. R é a velocidade de dissolu-
Dados para o Exercício 13-4 ção do comprimido.
tempo (min) 2 4 6 8 10 15 (a) Se Cs é igual a 9,33 × 10–7 mol/cm3, α é 255 min–1,
r é 0,5012 cm e R, velocidade de dissolução observada,
m (mg) 14,4 18,8 21,3 25,9 28,2 32,9 é 1,553 × 10–8 mol min–1, qual o valor do coeficiente de
difusão?
(a) Com esses dados, montar um gráfico sobre papel
(b) Pode-se querer estudar a variação da velocidade de
quadriculado normal (m versus t) e sobre papel semi-
dissolução, R, em função da variação do raio, r, ou de
logarítmico (log m versus t) e, finalmente, construir um
qualquer outro parâmetro, como a solubilidade, Cs, ou a
gráfico de m versus t1/2. Qual desses três métodos pro-
velocidade de cisalhamento, α. Uma vez que se tem um
porciona a melhor linha reta?
expoente na equação (8), o melhor caminho de fazê-lo
(b) Mediante análise de regressão e fazendo uso dos é por meio de um gráfico de logaritmo de R versus lo-
dados acima, que apresentam uma relação linear, calcu- garitmo de r, mantendo D, Cs, e α constantes. Assim, a
lar o coeficiente de correlação, o intercepto e a inclina- equação resultante será:
ção, k, ou constante de velocidade de dissolução.
2 1 5
(c) O intercepto fornece o valor nas ordenadas do grá- log R log 2 157 log D log Cs log α log r
3 3 3
fico que corresponde ao ponto no qual a quantidade so-
bre o eixo horizontal é igual a zero. Como é possível Fazendo uso dos dados contidos na tabela (a), cons-
que os miligramas de tolbutamida dissolvida no tempo truir um gráfico de log R versus log r sobre um papel
0 min1/2 sejam 3,3872 mg? Apresentar algumas possí- com coordenadas retangulares. Se o gráfico resultar em
veis explicações a esse respeito. uma linha reta, a inclinação será igual a 5/3 = 1,667 ou
740 P ATRICK J. S INKO

algo aproximado, e assim se terá um bom indicativo de significativamente a 4 °C, quando comparada a 37 °C.
que o modelo da difusão convectiva é apropriado para Explicar a razão desse fenômeno.
o estudo da cinética de dissolução. A seguir, pode-se 14-6 Concerted transport é descrito no texto como um fe-
montar um gráfico de log R versus log Cs, por exemplo, nômeno observado claramente na excreção hepática
utilizando os valores da tabela (b), enquanto D, α e r de xenobióticos para a bile. Os transportadores loca-
são mantidos constantes. Qual seria o valor da inclina- lizados basolateralmente (na membrana sinusoidal)
ção da linha assim obtida? atuam como transportadores do tipo de influxo (os que
Os autores mostraram que outras propriedades, transportam substratos para o interior das células) ou
como a viscosidade da solução, também podem ser de efluxo durante o concerted transport no fígado? O
testadas pelo modelo da difusão convectiva quanto aos fígado é a maior fonte de glutationa reduzida (GSH) do
seus efeitos sobre o sistema. plasma sangüíneo. A cedência de glutationa reduzida da
membrana sinusoidal dos hepatócitos para a circulação
sangüínea foi demonstrada como sendo um transporte
mediado por carreadores. Estão envolvidos transporta-
CAPÍTULO 14: BIOFARMÁCIA dores de efluxo ou de influxo nesse processo?
14-7 As células localizadas nos tecidos com função de barreira,
14-1 Definir os processos que conformam ADME (absorção, como intestino, rins, fígado e barreira hematoencefálica
distribuição, metabolismo e eliminação). Quais deles (BHE) são células polarizadas. A que se refere o termo
são reversíveis e quais são irreversíveis? “polarização da célula”? Listar os tipos de células polari-
14-2 Como é a secreção relacionada com ADME? Nomear zadas presentes no intestino delgado, rins, fígado e BHE.
situações nas quais o metabolismo é reversível. 14-8 A que se refere o termo “ciclo êntero-hepático”? Quais
14-3* Com o objetivo de determinar a biodisponibilidade são os principais atores deste processo? Como essa cir-
(BA) de risedronato em diferentes formas farmacêu- culação poderia influir no comportamento farmacoci-
ticas orais, foi administrado risedronato por via oral a nético de um fármaco e na resposta terapêutica a ele?
33 indivíduos, na forma de comprimido e de solução 14-9 Na quimioterapia do câncer, se observa, comumente, que
aquosa (30 mg risedronato), e também por infusão in- a expressão gênica de alguns transportadores de efluxo,
travenosa (0,3 mg risedronato) (Mitchell e col., 2001). como P-gp e MRP, está bastante exacerbada. Nessas cir-
Os valores médios de ASC e de dose padronizada a 1 cunstâncias, é de se esperar que o valor de IC50 de um
mg foram os seguintes: fármaco antitumoral se torne maior ou menor?
14-10 A atividade transportadora do hPepT1 tem demonstra-
Forma farmacêutica ASC ajustada à dose do ser dependente do pH. De que forma a concentração
(ng h/mL) de prótons poderia afetar a atividade transportadora do
hPepT1?
Comprimido 0,91
14-11 Os perfis de concentração plasmática do 5-fluoruracilo,
Solução oral 0,87 após ter sido injetado em ratos nas doses de 127, 63 e
Solução intravenosa 143 49 mg/kg, são apresentados nas figuras seguintes.

A partir dessa tabela, calcular a biodisponibilidade 100,00


relativa para o comprimido de risedronato em compara-
Concentração (mg/L)

10,00
ção com a solução oral e a biodisponibilidade absoluta
para ambas formas farmacêuticas orais. 10,00

14-4 Muitos fármacos são transportados através das mem- 0,10


Grupo único Grupo duplo Grupo triplo
branas biológicas por meio de transportadores de fár-
macos de um modo “competitivo”, similar ao mostrado 0,01
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0
na equação (13-1). Assumir que a constante de absorti- Tempo em horas
vidade, Km, da cefatrizina (500 g/mol), um antibiótico
derivado da cefalosporina, referente ao transportador Friberg e colaboradores ajustaram essas curvas uti-
peptídico do intestino, é em torno de 0,5 mM e que a lizando o programa NONMEM para o modelo farma-
dose é administrada com um copo d’água (240 mL). cocinético de populações em desenvolvimento. A partir
Também assumir que o volume de água administrado do segmento linear do terceiro gráfico foi determinada
com a dose iguala o volume intestinal. A que dose o uma inclinação de 2,13 e, por extrapolação, um valor de
transportador estará 50% saturado? Quando a dose é de intercepto em y de 912 mg/L. Como se pode apreciar no
1 g, qual é o grau de saturação desse transportador? gráfico, o intercepto de y da curva ajustada é 60 mg/L.
14-5 O que significa “ABC” na terminologia de transporta- (a) Quais são os valores de Km e Vmáx para o 5-fluo-
dores? Qual é a força motriz dos transportadores ABC? ruracilo?
Um dos transportadores ABC mais estudados é o P-gp. (b) Qual o valor da meia-vida final para fármaco na
Foi observado que a atividade de efluxo fica reduzida dose de 49 mg/kg?
14-12 Em um estudo com nove pacientes, Toffoli e colabo-
* D. Y. Mitchell,W. H. Barr, R. A. Eusebio, et al., Pharm. Res. 18, 166–170. radores mostraram que, para o verapamil, a concentra-
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 741

ção no estado estacionário em função da velocidade de CAPÍTULO 15: CINÉTICA QUÍMICA E ESTABILIDADE ‡
infusão pôde ser ajustada pela equação de Michaelis-
Menten:
K m Css 15-1 O tempo e a quantidade degradada de uma solução
Css k0 × aquosa de glicose a 0,056 M a 140 °C, a qual continha
Vd · Vmax HCl 0,35 N, foram os seguintes:
Velocidade de Dados para o Exercício 15-1
infusão (mg/h/kg) 0,25 0,30 0,35 0,40
Tempo (h) Glicose remanescente
Css (μg/litro) 590 910 1.320 1.710
(mol/litro × 102)
(a) Se um paciente apresenta tal perfil, qual será o va- 0,5 5,52
lor de Km para esse fármaco? 2 5,31
(b) Qual é o valor de depuração (clearance) des-
3 5,18
se fármaco, caso a velocidade de infusão seja 0,25
mg/h/kg? 4 5,02
14-13 A depuração renal do ciprofloxacino foi relatada por 6 4,78
Jaehde e colaboradores* como sendo igual a 373 ±
8 4,52
79 mL/min. Contudo, quando foi administrado jun-
to com probenecida, a depuração foi diminuída para 10 4,31
134 ± 45 mL/min. O que acontece com o nível plas- 12 4,11
mático sistêmico de ciprofloxacino? Por que isso
ocorre? Qual é a ordem de reação, o tempo de meia-vida
14-14 Ciprofloxacino é um fármaco excretado por via renal e e a velocidade de reação específica dessa degradação?
apresenta velocidade de depuração renal de ≈370 mL/ Pode-se determinar de forma inquestionável a ordem de
min. Por quais processos são eliminadas as moléculas reação a partir dos dados fornecidos?
desse fármaco por via renal? 15-2 De acordo com Connors e colaboradores,68 a constante
14-15 Um determinado fármaco é conhecido por apresentar de velocidade de primeira ordem, k1, para a decompo-
um elevado metabolismo de primeira passagem. Como sição da ampicilina a pH 5,8 e 35 °C, é 2 × 10–7 s–1. A
se poderia aumentar potencialmente a circulação sistê- solubilidade da ampicilina é 1,1 g/100 mL. Caso seja
mica desse fármaco quando (a) a dose é mantida cons- requerido preparar uma suspensão desse fármaco con-
tante e (b) a dose é variável? tendo 2,5 g/100 mL, calcular (a) a constante de veloci-
14-16 Um fármaco é conhecido por sofrer distribuição no dade de ordem zero, k0, e (b) o prazo de validade, ou
tecido adiposo em uma extensão muito maior do que seja, o tempo em dias necessário para que o fármaco
no tecido muscular. Assumindo que a concentração degrade até 90% da sua concentração original (a 35 °C)
plasmática tenha alcançado o equilíbrio e que o fár- estando em solução. (c) Se o fármaco fosse formulado
maco passe agora a ser predominantemente elimina- em solução, em vez de suspensão, a esse pH e tempera-
do, qual tecido irá apresentar a concentração mais tura, qual seria o prazo de validade? Observação: 100
elevada de fármaco após um determinado período de mL = 1 decilitro = 1 dL.
tempo? 15-3 (a) A menadiona (vitamina K3) degrada quando ex-
14-17†
Saquinavir é um substrato do CYP3A4 e do Pgp e é ad- posta à luz mediante um processo denominado fotode-
ministrado com cetoconazol, um inibidor do CYP3A4. gradação ou fotólise. Se a constante da velocidade de
O que provavelmente acontecerá aos parâmetros farma- decomposição é igual a k = 4,863 × 10–3 min–1, calcular
cocinéticos Cmáx, Tmáx e ASC? o tempo de meia-vida para essa vitamina.
14-18 Inulina é um marcador usual na determinação da velo- (b) A formação de um complexo de menadiona com o
cidade de filtração glomerular. Se a concentração plas- derivado de amônio quaternário etossulfato de cetiletil-
mática é 1 mg/mL, e 0,125 g de inulina passam para morfolínio (I), em solução aquosa, diminui a velocidade
a urina a cada minuto, calcular a depuração renal (ou da fotodegradação da menadiona pela luz ultravioleta.
velocidade de filtração glomerular). Os dados para a velocidade de degradação de uma so-
lução 5,19 × 10–5 M contendo 5% (m/v) desse agente
complexante (I) são os seguintes (os dados têm por base
o trabalho de Kowarski e Ghandi):69
* U. Jaehde, F. Sorgel, A. Reiter, et al., Clin. Pharmacol. Ther. 1995, 58(5),
532–41. Tempo (min) 10 20 30 40
† S. Grub, H. Bryson, T. Goggin, et al., Eur. J. Clin. Pharmacol. 2001, 57(2), Menadiona remanescente 5,15 5,11 5,07 5,03
115–21.
(mol/litro × 105)
‡ O Exercício 15-14 foi proporcionado pelo Professor Z. Zheng, Shan-
ghai Medical University, Shanghai, China. Os Exercícios 15-33, 15-34
e 15-35 foram preparados pelo Professor V. D. Gupta, University of
Calcular os valores de k, t1/2, e os percentuais de
Houston. O Exercício 15-36 foi sugerido por J. K. Guillory, University decréscimo de k e aumento de t1/2 na presença do agente
of Iowa. complexante.
742 P ATRICK J. S INKO

(c) Qual é a concentração de menadiona após 5 h, com 15-7 O diacetilnadolol, fármaco usado em preparações of-
e sem a presença do agente complexante? Utilizar ln tálmicas na terapia do glaucoma, hidrolisa segundo
em vez de log ao longo deste exercício. uma série de reações consecutivas representadas como:
k1 k2
15-4 Garrett e Carper70 determinaram a constante de velocidade A → B → C, onde B e C são os produtos intermediá-
de reação de ordem zero para a decomposição de corantes rio e final, acetilnadolol e nadolol, respectivamente.
em uma preparação contendo várias sulfas. Os resultados
obtidos nas diferentes temperaturas foram os seguintes:

°C 40 50 60 70
k 0,00011 0,00028 0,00082 0,00196

(a) Representar esses dados em um gráfico segundo


a equação de Arrhenius e calcular a energia de ativa- Diacetilnadolol
ção, Ea.
(b) Extrapolar os resultados até 25 °C para obter o As constantes de velocidade aparente, k1 e k2, são
valor de k à temperatura ambiente. Você também pode constantes de uma reação de primeira ordem. A veloci-
utilizar a análise de regressão para responder aos itens dade de decomposição A → B é relatada para pH 7,55
(a) e (b). e 55 °C por Chiang e colaboradores71 como:
(c) A velocidade de decréscimo da absorbância de uma
preparação colorida, a um comprimento de onda de 500 Dados para o Exercício 15-7
nm, mostrou seguir uma reação de ordem zero, sendo A (mM) 0,23 0,19 0,16 0,13 0,09 0,06
a absorbância inicial, Ao, igual a 0,470. Essa prepara-
t (h) 5 10 15 20 30 40
ção deverá ser rejeitada se a absorbância espectrofoto-
métrica, A, cair abaixo de 0,225. Conseqüentemente,
onde mM significa milimolar.
para prever a absorbância dessa preparação a qualquer
tempo em horas, t, após ter sido preparada, aplica-se a (a) Calcular k1 utilizando o método dos mínimos
equação de ordem zero A = Ao – kt. Calcular o tempo de quadrados.
vida útil dessa preparação a 25 °C. (b) A constante de velocidade para a segunda etapa,
15-5 Na saponificação do acetato de metila a 25 °C, a con- k2, foi determinada mediante regressão não-linear em
centração molar de hidróxido de sódio remanescente 0,0243 h–1. Sobre um mesmo gráfico, plotar os valo-
após 75 min foi 0,00552 M. As concentrações iniciais res da concentração de A e as concentrações de B e C,
do éster e da base foram 0,01 M em cada caso. Calcular surgidas à medida que A hidrolisa, versus o tempo em
a constante de velocidade da reação de segunda ordem horas dado na tabela. Preparar uma tabela de concen-
e o tempo t50 para essa reação. trações de A, B e C nos vários tempos, t, utilizando as
15-6 Assuma-se que um composto em condições ácidas so- equações apropriadas apresentadas na seção sobre rea-
fra uma reação segundo o mecanismo seguinte: ções complexas deste capítulo, páginas 418-421.
1 (c) Calcular t1/2 para A. Quais são as concentrações de
(1) A H AH B e C nesse tempo?
2
3 15-8 O estágio inicial da decomposição de um novo fárma-
(2) AH → B
4 co que segue uma reação consecutiva foi determinado
(3) B → Produtos como sendo uma reação de primeira ordem. A concen-
(a) Qual é a equação que proporciona a concentração tração inicial, C0, da solução era 0,050 mol/L e, após
de B no estado estacionário? 10 h a 40 °C, a concentração de fármaco, C, ficou em
(b) Qual é a equação que proporciona a concentra- 0,015 mol/L. Calcular a velocidade de reação específica
ção de AH+ no estado estacionário, se a concentração a 40 °C. Qual é a concentração de fármaco após 2 h? Se
total de ácido adicionada à mistura reacional, [HT+], o valor de k para essa reação a 20 °C fosse 0,0020 h–1,
se relaciona com o ácido presente na reação, quer quais seriam os valores da energia de ativação e do fator
seja livre, [H+], ou ligado, [AH+], através da equação de Arrhenius, A, da reação?
[H+T ] = [H+] + [AH+]? 15-9 A hidrólise da atropina base foi estabelecida por Zvir-
(c) Apresentar a equação de velocidade que expressa blis e colaboradores 72 como sendo de primeira ordem
a velocidade de formação dos produtos se, em vez de em relação à base. A constante de degradação, k, foi
determinar a concentração total de ácido adicionado à 0,016 s–1 a 40 °C. Se a energia de ativação, Ea, foi igual
mistura reacional, é utilizado um potenciômetro (pH- a 7,7 kcal/mol, qual o valor do fator de Arrhenius, A? O
metro) para medir a concentração de ácido “livre”, que sugere o valor de Ea em relação à estabilidade da
[H+]. Utilizar os resultados obtidos nos itens (a) e (b). atropina base a 40 °C?
Como forma de auxiliar na resolução deste exercício, 15-10 Os seguintes dados referentes à reação de decomposi-
consulte o tópico Etapa determinante da velocidade, ção de primeira ordem da penicilina foram obtidos de
página 422. Swintosky e colaboradores:73
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 743

Dados para o Exercício 15-10 (a) Calcular a entropia de ativação, ΔS‡, e a velocidade
de reação de primeira ordem, k. Calcular a energia livre
Constante de velocidade de
de ativação, ΔG‡, aplicando a equação (15-91). Assuma
primeira ordem, k, h–1 0,0216 0,0403 0,119
que Ea = ΔG‡ = ΔE‡.
Temperatura ( °C) 37 43 54 (b) Esse fármaco permanece na bexiga durante cerca
de 6 h e a concentração efetiva do formaldeído é próxi-
Construir um gráfico com os resultados e calcu- ma de 20 μg/mL. Calcular a concentração de formalde-
lar a energia de ativação. Qual é o valor do fator de ído na bexiga após 6 h assumindo que a concentração
Arrhenius, A? de metenamina na urina seja a mesma que no plasma
15-11 A constante de velocidade, kOH–, para a catálise alcali- (0,75 mg/mL).
na da cibenzolina, um novo agente antiarrítmico, varia
(c) Quando o formaldeído atinge a concentração efeti-
com a temperatura, como mostrado a seguir:74
va de 20 μg/mL na urina?
Dados para o Exercício 15-11 (d) Observe que ΔH‡ resulta em um valor grande e
positivo; ΔS‡ também é relativamente grande, porém
Temperatura ( °C) 25 35 50 80 negativo e, por conseguinte, ΔG‡ é positivo e o fator
–1 –1
kOH– (M h ) (15,5) 78,0 275 2.100 de Arrhenius pequeno em relação aos valores de A nor-
malmente encontrados. Analisar esses fatores em ter-
Calcular o fator de Arrhenius, A, e a energia de ati- mos de conversão de metenamina para formaldeído no
vação, Ea. corpo. Para auxiliar no seu raciocínio, ver o Exemplo
15-12 A reação de degradação de primeira ordem da glicose 15-8 e o parágrafo que o segue.
em solução ácida resulta na formação de 5-hidroxime- 15-14 Em um experimento por calorimetria diferencial de
tilfurfural (5-HMF). Por sua vez, o 5-HMF gera produ- varredura (DSC) sobre a degradação térmica do naftato
tos de decomposição adicionais responsáveis pela cor de cefamandol, Zheng e colaboradores76 obtiveram os
amarelada das soluções de glicose armazenadas, duran- seguintes resultados:
te longos períodos de tempo, a temperaturas elevadas.
Tais condições existem, por exemplo, nos armazéns do Dados para o Exercício 15-14
Exército e nas unidades médicas.
Velocidade de aquecimento,
Os valores das constantes de velocidade para a de- β ( °C/min) 5 2 1 0,5
composição da glicose em uma solução de HCl 0,35 N,
de 110 a 150 °C, são fornecidos na tabela abaixo: Temperatura do pico de
degradação, Tm (K) 472 466 460 475
Dados para o Exercício 15-12
Seja x’ = 1/Tm e y’ = ln β/Tm2. Colocando os dados
°C K 1/T (K–1) k (h–1) ln k
assim transpostos na tabela a seguir,
110 383 0,00261 0,0040 –5,521
Dados para o Exercício 15-14
130 403 0,00248 0,0267 –3,623
150 423 0,00236 0,1693 –1,776 x = x’ × 103 2,119 2,146 2,174 2,188
y = y’ + 13 2,2955 1,4048 0,7375 0,0575
* Dados retirados de: K. R. Heimlich and A. Martin, J. Am. Pharm. Assoc., Sci.
Ed. 49, 592, 1960.
pode-se fazer a análise por regressão de y para x,
Calcular a energia de ativação e o fator de Arrhe- onde a inclinação corresponde a –Ea/R, o que per-
nius, A, para uma glicose em solução ácida testada de mite calcular Ea. Na DSC, a temperatura do pico de
forma experimental em termos de decomposição acele- degradação, Tm, da molécula desse fármaco depende
rada, na faixa de temperatura de 110 a 150 °C. da velocidade de aquecimento, β. Logo, a inclinação
15-13 A metenamina é utilizada no tratamento de infecções equivale a:
do trato urinário, sendo que a sua atividade antibacte- Ea dy dln( Tm2 )
riana se deriva da formação de formaldeído, produzi- −
do a partir da hidrólise em meio ácido. A concentração R dx d(1 Tm )
fisiológica da metenamina após administração de uma Desse modo se podem obter valores de Ea e ex-
dose normal em humanos é de aproximadamente 0,75 plorar rapidamente uma série de análogos do fármaco
mg/mL. A metenamina circula no sangue (pH 7,4) na enquanto estabilidade ou decomposição. Tal método é
forma de fármaco intacto, sem degradação, mas é ra- denominado abordagem de Kissinger.77
pidamente convertida a formaldeído quando alcança a
15-15 A constante de velocidade específica para a hidrólise
urina ácida.
da procaína a 40 °C é de 0,011 s–1 e a energia de ativa-
A energia de ativação de Arrhenius, Ea = ΔE‡, obti- ção de Ea = 13.800 cal/mol. Fazendo uso da equação
da in vitro a pH 5,1 e em diferentes temperaturas, é 12
kcal/mol, e o fator de Arrhenius, A, a 37,5 °C, é 2 ×107 RT S ‡ R − H ‡ RT
k e e
h–1 (Strom e Jun).75 Nh
744 P ATRICK J. S INKO

onde ΔH‡ ≈ Ea, calcular a entropia de ativação, ΔS‡. 15-18 O efeito da força iônica, μ, sobre as velocidades de
Utilizando a equação ΔG‡ =ΔH‡ – TΔS‡, calcule a degradação observadas para a cefataxima sódica, uma
energia livre de ativação para a hidrólise da proca- potente cefalosporina de terceira geração, foi estudado
ína a 40 °C. Observação: As unidades na equação em solução aquosa, a diferentes valores de pH, com os
devem eliminar R nos termos exp(ΔS‡/R). O R no seguintes resultados:79
termo exp(–ΔH‡/RT) deve ser expresso como 1,9872
cal mol–1 K–1 e em RT/Nh como 8,314 × 107 erg K– Dados para o Exercício 15-18
1
mol–1. Força iônica kobs × 103 h–1 (25 °C)
15-16 A constante de velocidade de primeira ordem, k, para μ
a hidrólise catalisada por ácido da benzocaína é 140 × pH 2,23 pH 5,52 pH 8,94
10–6 s–1, a energia de ativação, Ea, de 8,6 kcal/mol, a 0,2 7,99 3,28 22,6
97,3 °C. Calcular a entropia de ativação, ΔS‡, o fator de 0,4 7,82 3,30 25,6
Arrhenius, A, e o fator probabilidade, P.
15-17* As constantes de velocidade das reações de hidróli- 0,5 7,82 3,24 25,5
se alcalina observadas, kobs, para a maleimida78 em 0,7 8,07 3,25 27,1
misturas de dioxano-água (v/v %) a 30 °C, contendo
0,9 7,79 3,17 28,3
NaOH 0,03 M, são dadas na tabela abaixo, junto com
os respectivos parâmetros de solubilidade98 das mistu- * Dados retirados de: S. M. Berge, N. L. Henderson and M. J. Frank, J. Pharm. Sci. 72,
ras de solventes, δ1 (dioxano-água). Construir um grá- 59, 1983.
fico de kobs (eixo vertical) versus os valores de delta,
δ1. A seguir, plotar os valores de log de kobs versus δ1 (a) Existe um efeito salino primário associado a algum
no mesmo gráfico e encontrar uma relação linear sim- dos valores de pH estudados? Se for assim, calcular a
ples entre essas duas variáveis. A adição de dioxano constante de velocidade,
√ ko, construindo um gráfico de
log kobs versus μ, e extrapolar a linha até μ = 0.
protege a maleimida contra a hidrólise? Explicar. (O √
parâmetro de solubilidade está relacionado com a po- (b) Quando
√ se faz a regressão
√ de log kobs versus [( μ
laridade, como foi visto nas páginas 427 e 428. Quanto /(1 + μ))], em vez de μ a pH 8,94, a inclinação se
maior o valor de δ1, maior será a polaridade da mistura ajusta melhor ao valor teórico, AzAzB, no ponto onde
dioxano-água.) Ateor = 0,51, a 29 °C. Qual a razão disso? Consultar
Carstensen.80
Dados para o Exercício 15-17 15-19 Os seguintes dados foram obtidos de um estudo sobre a
Dioxano % (v/v) δ1(cal/cm3)1/2 kobs × 103 s–1 log kobs
decomposição da glicose 0,056 M a 140 °C e em várias
concentrações do catalítico HCl:
5 22,78 10,68 –1,971
Dados para o Exercício 15-19
10 22,11 9,219 –2,035
15 21,43 7,612 –2,1185 kobs (h–1) Normalidade, [H3O+]

20 20,76 6,572 –2,182 0,00366 0,0108

25 20,09 5,476 –2,262 0,00580 0,0197

30 19,42 4,580 –2,339 0,00818 0,0295

40 18,07 3,217 –2,493 0,01076 0,0394

50 16,73 2,223 –2,653 0,01217 0,0492

60 15,39 1,573 –2,803 Construir um gráfico com os resultados e, a partir


70 14,04 1,199 –2,921 dele, obter o valor de ko e da constante de catálise, kH.
Pode-se assumir a catálise devida ao íon hidroxila como
O uso de dioxano em preparações farmacêuticas sendo inexpressiva nessa solução ácida.
seria impedido por sua toxicidade? † Consultar o Merck 15-20 Os grupos —CH2NHCH3, —CH2N e —CH2NO foram
Index, 11th ed., 1989, p. 521. acoplados a um peptídeo modelo para formar um pró-
fármaco conhecido como sendo uma base de Mannich
(substâncias 7, 8 e 9, respectivamente, de Bundgaard e
Møss)81. Os perfis de velocidade de hidrólise em fun-
* A maleimida reage com os grupos sulfidrila das proteínas e pode se tor-
ção do pH dessas bases de Mannich (Figura 15-24)
nar um fármaco útil no futuro. Este exercício trata da cinética química da apresentam forma sigmóide. Os pontos das três curvas
hidrólise alcalina de uma imida em um solvente aquoso, cuja constante podem ser calculados mediante a equação:
dielétrica é modificada mediante adição de dioxano.

k1K a k2 [H ]
O dioxano é tóxico e não pode ser utilizado em preparações farmacêuticas. k
Consultar o Merck Index, 11th ed., 1989, p. 3297. [H ] K a [H ] K a
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 745

As constantes kH+ e kOH– associadas às concentrações


de [H+] e [OH–], respectivamente, são expressas em M–1
s–1, onde M–1 representa o valor recíproco de móis por li-
tro e ko é dado em s–1. Calcular a constante de velocidade
observada, kobs (s–1), para a decomposição da codeína a
25 °C, a partir de soluções de sulfato de codeína a pH 0,0,
2,0, 8,0 e 10. Powell82 demonstrou que soluções de sul-
fato de codeína estão sujeitas à catálise ácido-base geral
devido ao efeito tamponante dos íons fosfato, Na2HPO4
e NaH2PO4. Construir um gráfico de log kobs versus pH
e compará-lo com a Figura 1, página 902, como descrito
por Powell. Observação: a pH = 0,0, [H+] = 1 M. Acima
dessa concentração (>1 M), os valores de pH se tornam
negativos. Contudo, abaixo de pH = 0 não se costuma
usar valores negativos de pH e sim a função de acidez
denominada Ho (consultar Albert e Serjeant).83
15-22 A hidrólise da prostaglandina fenprostaleno em solução
aquosa foi estudada a 80 °C, variando de sistema-tampão.
Figura 15-1 (Figura 3 de H. Bundgaard and J. Møss, J. Pharm. Sci. 78, 122, A concentração de tampão total e a força iônica foram
1989. Perfis de pH para os derivados da base de Mannich 7 ( ), 8(◦) e 9(•) mantidas constantes. Em algumas soluções foram adicio-
em solução aquosa a 37 °C. (Reproduzida, com permissão, do detentor dos nados íons metálicos (Cu2+ ou Fe3+). Em dependência de
direitos autorais e alterado de acordo com os autores). kobs em relação ao pH é mostrada na seguinte tabela:
(a) Sistemas tamponantes contendo Cu2+ e Fe3+ afetam
a hidrólise?
onde k1 e k2 correspondem às constantes de velocidade
de primeira ordem para a degradação da base de Manni- (b) Fazer um gráfico de log kobs versus pH e calcular
ch, B, e do seu ácido conjugado, BH+, respectivamente. as constantes de catálise, k1 e k2, correspondentes ao
Ka é a constante de ionização da base de Mannich proto- segmento esquerdo e direito, respectivamente, do grá-
nada. Os valores fornecidos pelos autores para a substân- fico em forma de V. Sugestão: serão nescessárias duas
cia 9 são: k1 (min–1) = 2,5 × 10–3, k2 (min–1) = 1,0 × 10–2, equações, uma para o segmento esquerdo da curva e a
pKa = 5,1 e Ka = 7,94 × 10–6, a 37 °C outra para o direito. Por meio de regressão linear, cal-
cular o intercepto para cada segmento. Combinar am-
Calcular k, a constante de velocidade de primeira bos interceptos com as equações (15-123) e (15-130)
ordem para a degradação da substância 9, a base de para obter as constantes de velocidade de segunda or-
Mannich, a pH 4. Verifcar sua resposta para pH 4 fazen- dem para o ácido, k1 = kH+, e para a base, k2 = kOH–. O
do a leitura do valor de log k, obtido da figura anterior, valor de Kw a 80 °C é igual a 12,63 × 10–14.
e transformando-o para constante de velocidade de hi-
drólise, k (min–1). Caso se queira calcular os valores de 15-23 O perfil de velocidade de reação-pH da cefotaxima sódi-
k para as substâncias 7 e 8, os valores para a degradação ca (log kobs versus pH) em força iônica μ = 0,5 mostra,
da substância 7 são os seguintes: k1 = 0,024 (min–1), k2 de modo aproximado, inclinações de –1, zero e +1 nas
= 1,8 × 10–4 (min–1) e pKa = 7,2. Os valores para a subs- faixas de pH de 0 a 4, de 4 a 7 e de 7 a 10, respectiva-
tância 8 são: k1 = 0,42 (min–1), k2 = 1,7 × 10–3 (min–1) mente.79 (a) Que tipo de catálise provavelmente se ve-
e pKa = 7,2. rifica em cada uma dessas três faixas de pH? (b) Qual é
o valor da constante de velocidade pH-independente se
15-21 A constante de decomposição, kobs (s–1) para o sulfa-
kobs é igual a 3,064 × 10–3M–1h–1 a pH 6? (c) Calcular o
to de codeína, a 25 °C, pode ser calculada mediante a valor de kobs a pH 8. As constantes de velocidade espe-
equação: cífica para as catálises ácida e básica são kH+ = 0,4137 e
kobs −1 ) kH [H ] kOH− [OH− ] ko kOH– = 1616,5 M–1 h–1, respectivamente, onde M repre-
2 46 × 10−11 [H ] 3 22 × 10−9 [OH− ] senta molaridade (ver equação [15-136]). A pH 8 e μ =
0,5, a concentração de OH– é igual a 1,38 × 10–6 M.
7 60 × 10−11

Dados para o Exercício 15-22


Tampão HCl Formiato Fosfato Carbonato
3+ 2+ 3+ 2+
Íon metálico — Fe — Cu Fe Cu — —
kobs × 10 s7 –1
3360 35 22,1 21,6 18,6 21,4 84,5 8350
pH 1,15 2,99 3,21 3,22 6,51 6,57 7,21 9,22

* Dados selecionados de D. M. Johnson, W. F. Taylor, G. Thompson and R. A. Pritchard, J. Pharm. Sci. 72, 946, 1983.
746 P ATRICK J. S INKO

15-24 A equação (15-128) pode ser escrita na forma logarít- Smith e Schoenewaldt84 estudaram a estabilida-
mica para gerar a equação (15-130), de do imipenem em solução aquosa a 25 °C e 40
log kobs pH log(K w kOH− ) °C. A reação de primeira ordem de abertura do anel
acontece em solução diluída (1 ou 2 mg/mL) e a de
Ela nos permite calcular kOH– a partir do intercepto segunda ordem torna-se evidente a concentrações
da regressão de log kobs contra pH. Utilizar os dados maiores. As pseudoconstantes de velocidade de pri-
relatados por Khan78 para calcular o efeito do pH sobre meira ordem, k, h–1, a 25 °C e 40 °C, em pH tampo-
a constante de velocidade de hidrólise alcalina de um nado de 5,0 a 8,0, são dadas na tabela seguinte. As
novo fármaco, a maleimida, os quais constam da tabela velocidades de reação mostraram-se independentes
abaixo: do efeito tamponante ácido-base geral. O efeito da
força iônica sobre a velocidade de reação foi insig-
Dados para o Exercício 15-24
nificante.
pH 8,39 8,51 8,84 8,88 9,13 9,36 9,68 9,89 10,08
kobs × 103 0,1514 0,1750 0,330 0,3124 0,6510 0,9310 2,059 2,633 4,057
Dados para o Exercício 15-26
pH tamponado 5,0 6,0 7,0 8,0
(a) Construir um gráfico de log kobs (eixo vertical) –1
versus pH. (b) Utilizar o método dos mínimos quadra- k (h ), 25 °C 0,0315 0,0069 0,0040 0,0083
dos e calcular a constante de catálise específica, kOH–, a k (h–1), 40 °C 0,111 0,0257 0,0169 0,0462
partir do valor do intercepto.
15-25 Strom e Jun75 estudaram a cinética da hidrólise da A equação que descreve os perfis de velocidade de
metenamina, com formação de formaldeído, em um reação desse fármaco em função do pH, a 25 e 40 °C
tampão de citrato-fosfatos de pH 2,0 a 7,4, a 37,5 °C. corresponde a:
O tempo de meia-vida da reação para a conversão da kobs k1 [H ] k2 K w [H ] ko (17)
metenamina em formaldeído mostrou ser dependente
do pH, diminuindo de 13,8 h, a pH 5,8, para 1,6 h, a onde kobs é a constante de velocidade de primeira or-
pH 2,0. dem, k, determinada experimentalmente nos pH es-
(a) Utilizando os dados da tabela abaixo, construir um tabelecidos; k1 e k2 são as constantes de velocidade
gráfico de pH versus velocidade de reação, de pH 2,0 a de segunda ordem para a catálise por íon hidrogênio
pH 5,8, e calcular os valores de t1/2 para essa faixa de pH. e por íon hidroxila, respectivamente; e ko é a cons-
tante de velocidade de primeira ordem da água ou de
Dados (a) para o Exercício 15-25 decomposição “espontânea”. K /[H+] é colocado no
k (h–1 × 102) 43,3 22,4 18,6 8,36 5,01 lugar de [OH–], sendo Kw a constante de ionização
da água. Conhecendo o valor de pH, se pode pro-
pH 2,0 3,4 4,6 5,1 5,8 var, de forma experimental, que [H+] e [OH–] = Kw/
[H+]. Kw ≅10–14,00 a 25 °C e Kw = 10–13,54 a 40 °C
(b) Preparar um gráfico de Arrhenius de ln k versus
(ver p. 179).
1/T para a decomposição da metenamina nas diferen-
tes temperaturas. Calcular a energia de ativação, Ea, Plotar os pontos obtidos de forma experimental
e o fator de Arrhenius, A, a pH 5,1 para a faixa de sobre o perfil de pH para as pseudoconstantes de ve-
temperatura de 37,5 a 67 °C. Os dados necessários locidade de primeira ordem a 25 e 40 °C, fazendo uso
constam a seguir: dos dados da tabela anterior. Desenhar a linha obtida
aplicando a equação (15-150) e assim determinar o
Dados (b) para o Exercício 15-25 grau de ajuste teórico aos resultados experimentais.
Fazendo uso da regressão múltipla pelos mínimos
Temp. ( °C) 37,5 47 57 67
quadrados, calcular os valores de ko, k1, e k2 a 25 e
–1
k (h ) 0,0836 0,111 0,233 0,427 40 °C. Por meio do método estatístico denominado
regressão não-linear, os pesquisadores obtiveram os
15-26 A tienamicina é um antibiótico de estrutura parcialmen- seguintes resultados:
te relacionada com as penicilinas. Sua decomposição
aumenta à medida que a concentração aumenta. Um Dados para o Exercício 15-26
dos seus derivados, a N-formiimidoiltienamicina (imi-
Temperatura ko (h–1) k1 (M–1 h–1) k2 (M–1 h–1)
pemida, imipenen), foi introduzido no mercado visando
aumentar a estabilidade e o espectro de atividade. 40 °C 0,01565 9.730 10.300
25 °C 0,00403 2.780 4.150

Utilizar os valores dos coeficientes k0, k1 e k2 para


calcular por retorno k25 °C e k40 °C.
15-27 Notari85 estudou a desaminação hidrolítica da citosina
arabinosídeo em soluções-tampão de diferentes com-
posições, preparadas de modo a manter o pH e a força
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 747

iônica constantes. O autor relatou os seguintes dados consiste quase que exclusivamente de íons HPO2–4 e,
para a hidrólise a 70 °C: por isso, a equação para kobs é:

Dados para o Exercício 15-27 kobs ko k H [H ] kH2 PO4 − [H2 PO4 − ]

Composição do tampão A dependência de kobs em relação à concentração


de HPO2–4 a pH 3,5 constante é mostrada na tabela
pH NaH2PO4 H2O Na2HPO4 NaCl k, h–1 seguinte:
6,15 0,120 0,012 0,000 0,00311
Dados para o Exercício 15-29
0,048 0,0048 0,094 0,00171 –
[H2PO 4] (M) 0,01 0,05 0,1 0,2 0,3 0,4
0,024 0,0024 0,125 0,00118
kobs × 10 s 3 –1
1,295 1,317 1,344 1,398 1,452 1,56
6,90 0,040 0,040 0,000 0,00113
Dados retirados de: W. J. M. Underberg and H. Lingeman, J. Pharm. Sci. 72, 549, 1983.
0,029 0,029 0,043 0,000872
0,016 0,016 0,092 0,000619 Observação: ko e kH+ são constantes, e como o
pH foi mantido em 3,5, o valor de [H+] fica constante
Utilizando esses dados, determinar quais as espé- também.
cies nas soluções-tampão que atuam como agentes ca- (a) Fazer um gráfico de kobs versus [HPO2–4] e cal-
talíticos. Explicar as razões que levaram à escolha do cular a equação para a curva e o coeficiente catalítico
agente catalítico. Sugestão: Fazer um mesmo gráfico kH2PO–4 a partir da inclinação.
para k versus [NaH2PO4] e k versus [Na2HPO4]. Se uma (b) Calcular kH+ a pH 3,5, sabendo que ko = 1 × 10–6 s–1.
ou outra das espécies configurar linhas paralelas para 15-30 A degradação em metanol da clortalidona, uma sul-
dois valores de pH, poderá se afirmar então que essas fonamida diurética, é catalisada pela presença do íon
espécies agem como agentes catalíticos.* férrico. As constantes de velocidade observadas tendo
15-28 A degradação do cloridrato de fentolamina em tampão metanol como solvente variam com a concentração de
de fosfatos na faixa de pH de 5,9 a 7,2, a 90 °C, é atri- FeCl3, da seguinte forma:
buída às duas espécies tamponantes H2PO–4 /HPO2–4 e
Dados (a) para o Exercício 15-30†
a uma catálise alcalina específica. O valor da constante
de catálise alcalina específica, kOH–, foi determinado [FeCl3] × 104 M 0,64 1,93 3,78 4,96 6,22
em 4,28 × 106 litros mol–1 h–1. Os coeficientes catalíti- kobs, h –1
0,019 0,081 0,21 0,26 0,36
cos das espécies H2PO–4 /HPO2–4 são k1 = 0,036 e k2 =
1,470 litros mol–1 h–1, respectivamente, e a concentra- † Dados retirados de: N. K. Pandit and J. S. Hinderliter, J. Pharm. Sci. 74, 857,
ção total de tampão foi 0,1 mol/litro. A equação para a 1985.
constante de velocidade geral é: A adição de ácido acético a uma solução metanó-
kobs kOH− [OH− ] k1 [H2 PO4 − ] k2 [HPO4 2− ] (18) lica de clortalidona contendo 6,15 × 10–4 mol/litro de
FeCl3 também influi na hidrólise. A variação das cons-
O efeito do solvente é insignificante de modo que k0 tantes de velocidade observadas em função do aumen-
= 0 (baseados parcialmente em Wang e colaboradores).86 to nas concentrações de ácido acético, expressas como
(a) Calcular a constante de velocidade da hidrólise ge- [H+], foram as seguintes:
ral, k, para os valores de pH 6,0, 6,5, 7,0 e 7,2, utilizan-
do a equação apropriada. Para a faixa de pH de 5,9 a 7 Dados (b) para o Exercício 15-30
se pode utilizar a segunda constante de dissociação do +
[H ] × 10 7
0,52 1,60 1,98 2,30
ácido fosfórico, pKa 2 = 7,21, e assim obter a concentra- –1
ção de H2PO–4 e HPO2–4 para cada valor de pH. Descon- kobs, h 0,436 0,672 0,764 0,772
siderar o efeito isolado do solvente. A seguir, calcular os
O valor da kobs total, quando tanto [H+] como
valores de kobs a pH 6,5, 7,0 e 7,2. Finalmente, converter
[FeCl3] variam, pode ser representado como:
os valores de k em log k e plotá-los contra pH.
(b) Construir um gráfico de logaritmo dos valores cal- ktotal ko k M [M] k M [M][H ] (19)
culados de k versus pH. onde ko é a constante de velocidade de primeira ordem
15-29 A hidrólise a pH 3,5 da mitomicina (a estrutura aparece devida ao efeito catalítico do solvente sozinho (me-
na p. 435 e na Figura 11-5b), um antibiótico e antitu- tanol), kM (M–1 s–1) é a constante de pseudo-segunda
moral, é devida ao efeito catalítico da água, à contribui- ordem para a reação catalisada pelo íon, [M] é a con-
ção específica dos íons H+ íons e ao efeito do tampão centração em mol/litro de FeCl3 e k'M (M–2 s–1) é a cons-
de fosfatos. A esse valor de pH, o tampão de fosfatos tante de pseudoterceira ordem para a reação catalisada
pelo íon e pelo ácido.
* Dr. Keith Guillory da Universidade de Iowa sugeriu o teste do Exercício (a) Construir um gráfico de kobs (eixo vertical) contra
12-27 para determinar qual espécie é ou não é catalítica. [FeCl3] a partir dos dados da primeira tabela deste exer-
748 P ATRICK J. S INKO

cício e calcular a equação para a curva a partir da qual No gráfico de kobs (dia–1) versus [H2PO2–4 ], ex-
kM é obtido. (b) Fazer um gráfico de kobs versus [H+] presso em concentração molar, são obtidas linhas retas
com os dados da segunda tabela e calcular k'M. Suges- para os dois valores de pH de 6,35 e 5,90. Com esses
tão: Aplicar a equação geral (19) para cada parte deste valores de pH, é possível determinar os valores de q. As
exercício. Ou seja, incluir nos termos apropriados os inclinações das linhas a pH de 6,35 e 5,90 foram calcu-
valores de inclinação e intercepto calculados nos itens ladas em 0,155 e 0,0556, respectivamente. (a) Calcular
(a) e (b). os valores de k2 e k3.
15-31 Um novo medicamento mostrou ser ineficaz após ter (b) Qual íon do tampão está catalisando essa reação?
sofrido uma degradação de 30%. A concentração origi- 15-36 O monoidrato de ciclofosfamida é comercializado na
nal de uma amostra foi 5,0 mg/mL. Quando analisado forma de uma mistura estéril de fármaco seco e de clo-
20 meses depois, a concentração obtida foi de 4,2 mg/ reto de sódio, acondicionada em frascos apropriados.
mL. Assumindo que a degradação seja uma reação de
Antes de o produto ser utilizado por via parenteral, se
primeira ordem, qual deve ser o prazo de validade a
adiciona um veículo aquoso apropriado e o pó estéril
constar no rótulo desse medicamento?
é dissolvido mediante agitação forte. Contudo, o mo-
15-32 Utilizando as curvas de temperatura da Figura 15-21, noidrato de ciclofosfamida é escassamente solúvel em
determinar o tempo necessário para que um fármaco água e o farmacêutico do hospital indaga sobre a conve-
sofra uma decomposição de 100 até 80% nas tempera-
niência de aquecer brevemente (por 15 min) a solução
turas de 50, 60 e 90 °C. Construir um gráfico de log(t80)
a 70 °C e assim facilitar a dissolução. Brooke e cola-
versus o recíproco da temperatura absoluta (Figura
boradores abordaram este exercício.90 Assumindo que
15-22) e determinar o tempo em dias necessário para
que o fármaco degrade 80% do seu valor original de fosse permitida a degradação de até 95% da quantidade
100%, a 25 °C. rotulada para essa substância, que k a 25 °C = 0,028
dia–1 e Ea = 25,00 kcal/mol, que resposta se daria ao
15-33 A decomposição do ácido etacrínico na presença do
farmacêutico?
íon amônio foi determinada como sendo uma rea-
ção reversível.87 A partir dos seguintes valores de kf
(avanço) e kr (retorno) a 25 °C, determine os valo-
res para kobs, ko e k+NH4. Sugestão: As duas equações CAPÍTULO 16: FENÔMENOS DE INTERFACE
podem ser resolvidas de modo simultâneo. Você irá
precisar das duas equações: kobs = kf /kr e kobs = ko +
k+NH4[NH4+]. 16-1 A água possui uma tensão superficial inesperadamente
elevada e, da mesma forma que outros líquidos, essa
Dados para o Exercício 15-33 tensão diminui perante o aumento da temperatura. Qual
–1 seria a explicação para esses dois fenômenos? Suges-
Valor (h ) Observações
tão: Que tipo de forças intermoleculares podem contri-
kr = 0,101 concentração de [NH4+] buir para essas duas observações?
kf = 0,026 0,04 M 16-2 Você deseja formular um produto com filtro solar que
kr = 0,108 concentração [NH4+] abaixe a tensão superficial e assim possa se espalhar
kf = 0,052 0,08 M com facilidade sobre a pele. Você escolheu o ácido p-
aminobenzóico, um poderoso filtro solar.
15-34 A hidrólise da cefotaxima sódica a 25 °C é de primeira (a) Calcular a tensão superficial de uma solução em
ordem,88 sendo kobs = ko + kH+[H+] + kOH[OH–]. O pH água de ácido p-aminobenzóico a 12,35% m/m, a 25
possui um efeito muito pequeno na faixa de 4,3 a 6,2. °C. A circunferência do anel do tensiômetro de Du-
Nessa faixa de pH, kobs apresenta um valor de 0,056 Noüy é 12,47 cm e o fator de correção, β, de acordo
dia–1. A força iônica e o tampão de fosfatos utilizado com Harkins e Jordan, vale 0,920. A leitura obtida
não possuem efeito sobre a constante de decomposição. de forma experimental mostra no dial um valor de
Os valores de kobs a pH 1,5 e 8,5 são 0,625 e 0,16 dia–1, 1.989 dinas.
respectivamente. Calcular os valores de ko, kH+ e kOH–.
(b) Que adjuvante se pode adicionar para melhorar a
15-35 A hidrólise da cocaína é catalisada pelo tampão de
qualidade de espalhamento desse produto?
fosfatos.89 A hidrólise pode ser expressa pela seguinte
equação: 16-3 A equação (16-1), página 453, considera γ como sen-
do a força por unidade de comprimento (dina/cm) na
kobs k[OH− ] k2 [H2 PO4− ] k3 [HPO42− ] superfície, enquanto que a equação (16-2), página
Ela pode ser reestruturada da seguinte forma: 454, considera γ como a energia por unidade de área
de superfície (erg/cm2). Para essas duas interpreta-
kobs k [H2 PO4− ](k2 k3 q) ções de tensão superficial, demonstrar a equivalência
onde k = k1[OH–] é constante a pH constante, e entre as dimensões, tanto em unidades do sistema cgs
quanto SI.
[H2 PO4− ]
q 16-4 Qual a diferença de pressão, ΔP, em dina/cm2, através
[HPO42− ] de uma bolha de sabão formada a partir da solução de
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 749

sabão do Exemplo 16-1, página 454? O raio da bolha de cm. Calcular o coeficiente de espalhabilidade inicial,
sabão mede 2,50 cm. Sinicial, da solução óleo-tensoativo (a fase oleosa) so-
16-5 Uma bolha de sabão é soprada pela abertura arredon- bre a água.
dada de um cano de cerâmica. A pressão do ar dentro (b) Qual é o significado de um coeficiente de espalha-
da bolha diminui à medida que seu raio aumenta, de bilidade positivo? Sugerir um substrato melhor do que
acordo com a equação: água para testar a espalhabilidade de uma loção cos-
2γ mética. Ver Paruta e Cross para outro tipo de aborda-
P gem.91
r
16-12 A tensão superficial de um líquido orgânico é 25 erg /
onde ΔP é a diferença de pressão através do filme da
cm2, a tensão superficial da água é 72,8 erg/cm2 e a ten-
bolha, γ é a energia livre de superfície ou tensão super-
são interfacial entre esses dois líquidos é 30 erg/cm2 a
ficial da solução de sabão e r é o raio da bolha de sabão.
Se a solução de sabão tem uma tensão superficial de 3,2 20 °C. Qual é o trabalho de coesão do líquido orgânico,
dina/cm (3,2 mN/m) e o raio da bolha expande até 7,6 o de adesão entre o líquido e a água e o coeficiente de
cm, qual é o valor da diferença de pressão em dina/cm2 espalhabilidade inicial sobre a superfície da água a 20
através do filme superficial da bolha de sabão? Expres- °C? (N. de T.: 107 érgios = 1 joule)
sar o resultado em dina/cm2 e em atmosferas. 16-13 A tensão superficial do n-heptanol é 27,0 erg/cm2, a
16-6 Calcular a tensão superficial de uma solução a 2% (m/v) tensão superficial da água é 72,8 erg/cm2 e a tensão
de um agente molhante que possui uma densidade de interfacial entre os dois líquidos é 8,0 erg/cm2 a 20
1,008 g/cm3 e que ascende 6,60 cm dentro de um tubo °C. Calcular Wc, Wa e Sinicial. (N. de T.: 107 érgios = 1
capilar de raio interno igual a 0,02 cm. joule)
16-7 A tensão superficial do benzeno a 20 °C é 28,85 dina/ 16-14 Para uma loção dérmica aplicada sobre o dorso da mão
cm. No tensiômetro capilar, o líquido subiu até uma de várias pessoas foi determinado um ângulo de con-
altura de 1,832 cm. A densidade do benzeno é igual a tato θ médio de 103° a 24 °C. A tensão superficial, γL,
0,8765 g/cm3 a 20 °C. Utilizando a equação da ascen- da loção, determinada a 24 °C em um experimento de
são capilar, calcular o diâmetro do tubo capilar. A ace- ascensão capilar, foi 63,2 dina/cm ou 63,2 mNm-1 em
leração gravitacional é 981 cm/s2. unidades SI (o símbolo m pode significar mili e metros.
16-8 A água tem uma tensão superficial de 71,97 dina/cm No caso de 63,2 mN m-1, trata-se de “63,2 milinewtons
a 25 °C e uma densidade de 0,9971 g/cm3 na mesma per metro”). Qual é o valor do trabalho de adesão, WSL,
temperatura. e qual é o coeficiente de espalhabilidade inicial, Sinicial,
(a) A que altura ascende uma coluna de água dentro de para a loção sobre a pele?
um tubo capilar fino de raio igual a 0,0023 cm? 16-15 Estearato de magnésio e lactose são adjuvantes co-
(b) Se a água sobe por ação capilar apenas 64 cm den- mumente utilizados na formulação de comprimidos.
tro de um tubo estreito, equivalente ao capilar do xile- Os ângulos de contato medidos para água ou solução
ma de uma planta viva, como é possível a condução de aquosa saturada sobre a superfície dos compactos des-
nutrientes aquosos até as partes mais altas dos troncos ses dois pós foram θ = 121° e θ = 30°, respectivamente.
das árvores das florestas? Os respectivos valores de tensão superficial (em rela-
16-9 (a) A que altura ascende uma coluna líquida de tetra- ção ao ar) foram 72,3 e 71,6 dina/cm. A tensão super-
cloreto de carbono dentro de um tubo capilar cujo raio ficial de água (em relação ao ar) a 20 °C é 72,8 dina/
é 0,015 cm, a 20 °C? A densidade do tetracloreto de cm.
carbono é 1,595 g/cm3 e sua tensão superficial é 26,99 (a) Calcular a tensão interfacial entre a água e cada um
dina/cm a 20 °C. (b) Seria possível utilizar esse experi- dos pós compactados. Consultar equação (16-59).
mento para estimar a aceleração, g, causada pela gravi-
(b) Calcular a espalhabilidade da água sobre as res-
dade da Terra?
pectivas superfícies sólidas (dados retirados de Lerk e
16-10 O álcool etílico puro sobe 2,48 cm em um tensiômetro colaboradores92).
de ascensão capilar a 30 °C. O tubo capilar possui um
raio de 0,0230 cm e a densidade do álcool etílico a 30 (c) Como se pode explicar o fato de esses resultados
°C é 0,781 g/cm3. Qual é a tensão superficial do álcool de espalhabilidade sobre os compactos serem comple-
etílico a 30 °C? tamente diferentes para esses dois sólidos?
16-11 (a) Paruta e Cross91 estudaram a espalhabilidade so- 16-16 A p-toluidina é um líquido amarelo usado na produção
bre a água de vários tensoativos (promotores de espa- de corantes escassamente solúvel em água. A tensão
lhamento) adicionados ao óleo mineral como parte de superficial da p-toluidina foi determinada para concen-
um teste laboratorial no desenvolvimento de cremes trações diferentes a 25 °C (298 K) e os resultados lan-
e loções cosméticas. A tensão superficial da água a çados sobre um gráfico. A inclinação, dγ/dc, no ponto
25 °C é ≈72,0 dina/cm. A tensão superficial de uma correspondente a c = 5 × 10-3 g/cm3, foi calculada em
loção testada, constituída de 5 g/dL (5% m/v) de so- -32,800 cm3/s2. Utilizando a equação da adsorção de
lução de monooleato de sorbitano em óleo mineral, Gibbs, calcular a concentração de excesso de superfície
foi 31,2 dina/cm e a tensão interfacial γint da solução em mol/cm2 e em g/cm2. A massa molecular da p-tolui-
óleo-tensoativo, medida frente à água, foi 5,7 dina/ dina é 107,15 g/mol.
750 P ATRICK J. S INKO

16-17 A tensão superficial de ácido aminobarbitúrico em água tiveram os seguintes resultados (retirados da Figura 1
a 25 °C é dada na tabela seguinte em função da concen- dos artigos dos autores):
tração (peso % de ácido aminobarbitúrico):
Dados para o Exercício 16-20
Dados para o Exercício 16-17
π (mN/m) 60 40 20 6 4 2 1 0
Peso % m/m 4,96 9,34 13,43
A × 10 -20
m 2
40 44 50 52 68 94 95 96
γ (dina/cm) 71,91 71,67 71,40
Construir um gráfico de π versus A, como o da Fi-
(a) Construir um gráfico com esses dados e calcular a gura 16-18. Para os vários segmentos da curva, extra-
inclinação ∂γ /∂(peso %) aplicando a equação de dois polar a linha até o eixo dos x para obter as áreas-limites
pontos ou mediante análise de regressão. (Se utilizar das variações de fase observadas. Identificar as varia-
análise de regressão, o intercepto deverá ser próximo ções de fase que ocorrem. Expressar as áreas em nm2
ao valor da tensão superficial da água a 25 °C, 71,97 e Å2.
dina/cm). 16-21 Quando 1 × 10-4 cm3 de ácido esteárico dissolvido em
(b) Calcular o excesso de superfície (coeficiente de ad- benzeno são colocados sobre a superfície da água de
sorção de Gibbs, Γ) do ácido aminobarbitúrico na su- uma tigela, o ácido esteárico se espalha sobre a superfí-
perfície da água para cada uma das três concentrações cie e o benzeno evapora. A camada monomolecular de
(peso %). ácido que se forma cobre uma área de 400 cm2. Calcu-
(c) Qual é a área ocupada por cada molécula de ácido lar o comprimento em angstroms da molécula de ácido
aminobarbitúrico na superfície da água? esteárico.
(d) Levando em consideração seus resultados, o ácido 16-22 O ácido esteárico tem uma massa molecular de 284,3
aminobarbitúrico pode atuar como tensoativo dentro g/mol e uma densidade de 0,85 g/cm3. Utilizando os
dessa faixa de concentração? dados do Exercício 16-21, calcular a área transversal
16-18 A adsorção de proteínas nas interfaces óleo-água é da molécula de ácido esteárico em angstroms quadra-
de interesse biológico, uma vez que várias proteínas dos.
ligadas às regiões bilamelares lipídicas da membrana 16-23 Quando 1 × 10-4 cm3 de álcool miricílico dissolvido
celular controlam agregação e crescimento celulares. em benzeno são espalhados sobre a superfície de água
A adsorção de albumina sérica bovina (BSA) na in- de uma tigela, o benzeno evapora e ocorre a formação
terface óleo de amendoim-água altera-se com a força de uma camada monomolecular que cobre uma área de
iônica e o pH. A 30 °C e a uma força iônica μ = 0,1, a 250 cm2. Calcular o comprimento, em angstroms, da
adsorção máxima (valores em excesso de superfície) molécula de álcool miricílico e a área transversal por
foi determinada em Γ = 2,54 mg m-2, a pH 5, e Γ = molécula em angstroms quadrados. O álcool miricílico
0,70 mg m-2, a pH 4. O ponto isoelétrico da BSA é 5, possui massa molecular de 453 e densidade de 0,70 g/
aproximadamente.93 Calcular a área por molécula de cm3.
BSA nesses dois valores de pH e a inclinação-limite 16-24 Por analogia com os filmes monomoleculares de um
(dγ/d ln c). Por que a área por molécula, A, da BSA gás bidimensional, a massa molecular de uma substân-
é diferente nesses dois valores de pH? Sugestão: A cia pode ser calculada com a balança de Langmuir, uti-
conformação das proteínas varia com o pH? A massa lizando a equação πA = (w/M)RT. Fazendo um gráfico
molecular de BSA é aproximadamente 69.000 daltons. do produto da pressão do filme, π, vezes área, A, versus
Usar as equações para a adsorção de Gibbs, Γ = –1/ π, e extrapolando até π = 0, obtém-se o valor de πA/w
RT(dγ/d ln c) e para a área por molécula, A = 1/(NΓ), = 2,4 × 106 erg/g a 292,15 K, para w gramas de uma
onde N corresponde ao número de Avogadro e Γ ao goma sintética. Calcular a massa molecular, M, dessa
excesso de superfície. Também será preciso converter goma. (Observação: R = 8,315 × 107 erg/mol K.)
Γ (g/m2) em mol/m2, utilizando para isso a massa mo- 16-25 Insulina foi espalhada na forma de um filme sobre uma
lecular (g/mol) da BSA. solução aquosa que tem pH 2,05 e uma força iônica de
16-19 O excesso de superfície, Γ, na faixa de concentração 0,01. O valor de π A/w extrapolado até π = 0 foi deter-
limite de um fármaco tensoativo não-iônico, B-D na minado em 4,02 × 106 erg/g, a 292,15 K. Calcular a
Figura 16-13, página 465, é 5,45 × 10-10 mol cm-2 a massa molecular de insulina utilizando a equação dada
25 °C. Calcular a inclinação limite, (dγ /d ln c2), e a no Exercício 16-24.
área por molécula de fármaco. As equações importan- 16-26* A partir da forma logarítmica da isoterma de Freundli-
tes para esse caso são (dγ /d ln c) = –Γ RT e, para a ch, equação (16-50), página 470, e utilizando concen-
área por molécula, A = 1/(N Γ), onde N é o número de tração, c, em vez de pressão, π, o gráfico de log(x/m)
Avogadro.
16-20 Korazac e colaboradores94 estudaram as isotermas de
pressão de superfície, π, versus área por molécula, A,
para monocamadas insolúveis de dipalmitoilfosfatidil- * Os Exercícios 16-26 a 16-29 foram preparados por B. Hajratwala, Wayne
colina sobre um substrato aquoso de pH 5,2. Eles ob- State University, Detroit.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 751

(eixo dos y) contra log c (eixo dos x) apresenta-se como (b) Construir um gráfico de c/(x/m) (eixo do y) versus
uma linha reta. Quando o valor de c é igual a 1,0, log c (eixo do x) de acordo com o gráfico de Langmuir,
c = 0, o intercepto em y corresponde a log(x/m) = log mostrado na Figura 16-25. Calcular b e ym aplicando a
k. A partir desse valor é possível calcular k. O valor de equação de Langmuir (equação [16-58]). (O valor de ym
n se calcula a partir da inclinação. O emprego de um se calcula da inclinação e b a partir do intercepto.)
gráfico bilogarítmico nos permite fazer a leitura direta (c) Quais as unidades de n, k, ym, e b?
do valor de k como o intercepto no eixo do y, onde c = 16-28 Sellers e colaboradores95 relataram para diferentes fár-
1, no eixo dos x. Cuidado: Em gráficos bilogarítmicos macos as seguintes constantes de adsorção sobre carvão
o valor da inclinação, n, não pode ser obtido mediante ativado a 37 °C:
leitura direta.
Um esteróide recém-sintetizado é adsorvido sobre Dados para o Exercício 16-28
carvão ativado a 37 °C. Os seguintes dados de adsor- Conteúdo no
ção foram obtidos de uma solução-tampão de fosfatos Fármaco ym b comprimido (mg)
a pH 7,4:
Aspirina 262 0,012 300
Dados para o Exercício 16-26 Clordiazepóxido 157 0,010 25
Quantidade de esteróide Concentração de Diazepam 136 0,010 5
adsorvido (mol) por equilíbrio, c, do esteróide
grama de carvão, x/m (mol/litro) Em casos de overdose e envenenamento com fár-
1,585 ×10 -4
3,162 × 10 -5 macos, costuma-se administrar como antídoto uma
suspensão aquosa de 1 g carvão ativado/kg de peso cor-
2,310 ×10 -4
5,012 × 10-5 poral. Para uma overdose de quantos comprimidos de
3,162 ×10-4 7,079 × 10-5 cada tipo é capaz de neutralizar essa suspensão, se o
paciente pesa 72 kg?
5,012 ×10-4 1,122 × 10-4
16-29 Sturgeon e colaboradores96 estudaram a adsorção da
7,943 ×10-4 1,995 × 10-4 doxorrubicina, uma tetraciclina, sobre fosfato de cálcio
1,259 ×10-3 3,162 × 10-4 tribásico, sendo c a concentração de doxorrubicina e
x a sua quantidade (em mg) adsorvida por m mg de
(a) Construir um gráfico de x/m contra c utilizando adsorvente:
papel bilogarítmico e calcular k e n. Sugestão: Usar Dados para o Exercício 16-29
um papel log-log de 6 ciclos × 6 ciclos, porque será
preciso extrapolar a reta e fazer a leitura do intercepto c/(x/m) × 103 (g/mL) c × 103, mg/mL
para c = 1. 1,25 2,0
(b) Fazer a regressão de log(x/m) contra log c e cal-
2,25 3,5
cular k e n a partir do intercepto e da inclinação, res-
pectivamente. 2,90 4,5
16-27 Os seguintes dados foram obtidos para a adsorção do ti- 3,40 5,3
molol, um agente anti-hipertensivo, em solução aquosa
sobre caulim a 37 °C: (a) Construir uma isoterma de Langmuir e determi-
nar ym, a capacidade adsorvente máxima em mg/g, e
Dados para o Exercício 16-27* b, a constante de afinidade ou de ligação, expressa em
x/m (mg adsorvidos c c/(x/m) mL/mg.
por g de adsorvente) (mg/100 mL) (g/100 mL) (b) O fosfato de cálcio tribásico não é utilizado como
antídoto em casos de envenenamento. Por que os auto-
3,1 20 6,45
res escolheram estudar a adsorção da doxorrubicina na
2,8 17 6,07 presença de fosfato de cálcio tribásico?
1,8 9 5,00 16-30 Considerando a constante de afinidade ou de ligação,
b, obtida da isoterma de Langmuir, pode-se calcular a
0,84 3,0 3,57
energia livre-padrão de adsorção mediante a equação
* Dados retirados de: B. C. Walker, B. Pharm. Tese, Universidade de Otago, G◦ RT ln b
Nova Zelândia, 1978.
uma vez que a constante de afinidade b é uma cons-
(a) Construir um gráfico em papel bilogarítmico con- tante de equilíbrio.97 As constantes de Langmuir para
siderando a isoterma de Freundlich e determinar n e k a adsorção do nadolol, um fármaco adrenérgico, sobre
(equação [16-50]) utilizando concentração, c, em vez trissilicato de magnésio, foram determinadas em duas
de pressão, p. temperaturas diferentes:
752 P ATRICK J. S INKO

Dados para o Exercício 16-30 a –8 °C (265,15 K) e 100 °C (373,15 K), obtidos no


CRC Handbook of Physics and Chemistry ou em uma
b
fonte comparável, junto com a análise de regressão li-
T ( °C) ym (mg/g) (litro/g) (litro/mol) near para obter Hs e Ss.
37 °C 58,2 0,33227 102,14 16-34 O ângulo de contato, θ, de um líquido sobre a superfície
de um sólido pode ser calculado aplicando-se as equa-
50 °C 53,8 0,34168 105,457
ções de Girifalco-Good-Fowkes98 e de Hiemenz:99
(a) Calcular ΔG° para essas duas temperaturas;
(1 cos θ)γL 2 γsd γ Ld
(b) usar a forma integrada da equação de van’t Hoff
e calcular ΔH°. (c) Calcular ΔS° a 37 °C e 50 °C. onde γL é a tensão superficial total (tensão de dis-
(d) Utilizando a forma não-linear da equação de Lang- persão mais tensão polar) de um líquido e γds e γLd
muir, ou seja, x/m = ymbc/(1 + bc), junto com os parâ- correspondem à tensão superficial do sólido e à do
metros ym(mg/g) e b (litro/g) dados na tabela para as líquido, respectivamente, as quais são derivadas dos
duas temperaturas, calcular x/m para as seguintes con-
efeitos de dispersão (forças eletrostáticas fracas ou
centrações de c: 0,5, 5, 20 e 50 mg/100 mL. Construir
de London), d. Para líquidos relativamente apolares,
as isotermas de Langmuir para essas temperaturas em
γL ≈γLd.
um mesmo gráfico.
16-31 Usar os dados de tensão superficial, γ, da glicerina nas
(a) Calcular o ângulo de contatos, θ, da água, etileno-
temperaturas de 20, 90 e 150 °C. Esses dados, que po- glicol e benzeno sobre Teflon. As tensões superficiais
dem ser obtidos de um manual de Física e Química,* da água, etilenoglicol e benzeno são 72,8, 49 e 29 dina/
correspondem a 63,4, 58,6 e 51,9 erg/cm2. cm (mN m–1), respectivamente, e os valores correspon-
dentes de γdL são 21,8, 28,6, e 29 dina/cm. Para o Te-
(a) Construir um gráfico de γ versus temperatu-
ra (Kelvin, no eixo horizontal). Usar a análise de flon γds é 19,5 dina/cm a 25 °C.
regressão ou o desenho da tangente para cada uma (b) Qual é o significado desses valores? Consultar
das três temperaturas de modo a obter a inclinação Sharma e Ruckenstein98 e Hiemenz99 para ver o signifi-
(∂γ /∂T )p = –Ss. (b) Conhecendo os valores de γ e cado desses valores.
da entropia de superfície, Ss, calcular a entalpia de 16-35 A tensão interfacial entre óleo e água ou solução aquo-
superfície, Hs, para cada uma das três temperaturas sa pode ser calculada a partir da tensão superficial dos
utilizando a equação própria (p. 454-455). Deve Hs componentes puros por meio da equação de Girifalco-
permanecer constante dentro dessa faixa de tempe- Fowkes:
ratura? (c) Qual é o significado de Hs na química de
superfícies? Como se pode interpretar (explicar) o γo aq γo γaq − 2 γod γaq d
valor de entropia obtido?
16-32 Usar os seguintes dados para calcular a entropia de for- onde os subscritos o e aq significam óleo e fase aquosa,
mação de superfície e a entalpia de superfície a 20, 100 respectivamente, e o sobrescrito d significa dispersão
e 200 °C do tetracloreto de carbono: ou a parcela de interação eletrostática fraca da tensão
superficial da fase aquosa.100
Dados para o Exercício 16-32 Calcular a tensão interfacial entre uma solução
T (K) 293,15 373,15 473,15
aquosa a 10% por volume de etilenoglicol monometi-
léter (γaq = 56,9 mJ/m2 e γaqd = 22 mJ/m2) e parafina
γ (dina/cm) 26,95 17,26 6,53 líquida (γo = 30,8 mJ/m2). Observação: mJ/m2 se en-
tende por “milijoules por metro quadrado”. Observar
Calcular Ss a partir da inclinação de um gráfico de também que, no caso da parafina líquida, γod = γo, por-
γ contra T e, com base nesse valor, calcular Hs para as que se trata de uma substância líquida apolar.
três temperaturas.
16-36 Para fabricar balas de revólver, chumbo derretido é ver-
16-33 Hs pode ser calculada a partir do intercepto de um
tido a partir de certa altura e através de pequenos orifí-
gráfico de γ contra T aplicando a equação abaixo,
cios até cair na água. Durante a queda, o chumbo esfria
desde que a entalpia de superfície, Hs, não se altere
formando esferas. Explicar esse fenômeno.
de modo apreciável dentro de determinada faixa de
temperatura: 16-37 O que acontece a um filme de sabão quando ele arre-
benta? Para onde esse filme vai?
∂γ
γ Hs T H s − TS s 16-38 Calcular a quantidade de trabalho requerido para aumen-
∂T tar em um fator três a área superficial de uma gota de mer-
onde Ss, a entropia de superfície, corresponde à inclina- cúrio (γ = 0,470 N/m, 20 °C) mediante sua deformação.
ção da reta. Usar os dados de tensão superficial da água 16-39 Quanto trabalho é necessário para efetuar, a 20 °C,
a dispersão de 1 kg de água pura em gotículas de
* Os valores são calculados utilizando os dados encontrados no CRC Hand- 10–6 m de diâmetro, na mesma temperatura? A área
book of Physics and Chemistry, 63rd ed., 1982, pp. F-35–F-37. superficial inicial é pequena quando comparada com
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 753

a área superficial final das gotículas e pode ser des- Dados para o Exercício 17-2
considerada.
c × 103 (g/cm3) 2,68 7,58 13,30 22,15
16-40 Considerar duas bolhas de sabão com raios r1 e r2 (r1
< r2) conectadas através de uma válvula. O que acon- τ × 10 (cm )
4 –1
1,09 1,80 2,08 2,31
tece se a válvula é aberta? Sugestão: Aplicar a equação
(16-11). A turbidez, τ, aumenta com a concentração, uma
vez que as moléculas de tensoativo se agregam for-
16-41 A ascensão da água pura foi determinada em um mesmo
mando estruturas de massas moleculares muito maio-
tubo capilar duas vezes. Da primeira vez, a temperatura res que a massa molecular do monômero SDBS, mais
da água foi 35 °C e da segunda vez foi –25 °C. A altura especificamente, 349 g/mol. O valor de H na equação
de ascensão no tubo capilar foi maior na segunda vez. (17-2), página 490, é 4,00 × 10–6 mol cm2 g–2. Fazer um
Explicar. gráfico de Hc/τ versus c e, utilizando a equação (17-2),
calcular a massa molecular dos agregados na solução
aquosa. Calcular também o valor da constante de in-
teração soluto-solvente, B. O grau de agregação é cal-
CAPÍTULO 17: COLÓIDES culado dividindo a massa molecular do agregado pela
massa molecular do monômero SDBS. Qual é o grau
17-1 A condutividade equivalente, A, de uma solução con- de agregação?
tendo um tensoativo diminui abruptamente no ponto 17-3 O deslocamento médio, x , em metros, de uma partícula
da concentração micelar crítica devido à baixa mo- microscópica está relacionado à sua difusão, D (m2/s), e
bilidade das micelas. Um gráfico de A (eixo vertical) ao tempo de movimentação, t. A√ relação, de acordo com
versus concentração ou raiz quadrada da concentração a equação de Einstein103, é x 2Dt . Se a partícula se
do tensoativo mostra um ponto de inflexão na concen- desloca dentro de um meio fluido com um coeficiente
tração micelar crítica (ver Figura 17-3). de difusão D = 2,72 × 10–10 m2/s, qual é o deslocamento
browniano médio considerando um período de tempo
de 2,30 s?
17-4 Podemos expressar a difusão de partículas esféri-
cas em termos do seu raio, r, da viscosidade, η, do
meio e da temperatura absoluta, T (equação [17-7]).
Em 1908, Perrin utilizou essa equação em uma sus-
pensão de partículas de gamboge, cujo tamanho foi
determinado de modo preciso, para calcular o valor
da constante de Avogadro, NA. Ele obteve valores
que ficaram entre 5,5 × 1023 e 8 × 1023 partículas/
Cloridrato de Clorciclizina mol. Atualmente, o valor aceito de NA é 6,022 × 1023
mol–1.104
O cloridrato de clorciclizina (Figura 19-20), um Utilizando a equação (17-7) dentro da expressão
anti-histamínico utilizado no tratamento da urticária √ RT t
x 2Dt , obtém-se a equação x 3π ηr N A para cal-
e da febre do feno, é uma substância tensoativa e for-
ma micelas quando em solução aquosa. A dependên- cular o deslocamento browniano meio de uma partícula.
cia de Λ expressa em mho m√ 2
mol–1 (ver p. 160 para a Para uma partícula de raio r = 10–6 m (10–4 cm) em
unidade mho) em função de c é mostrada da seguin- água (η = 0,01 poise) a 20 °C (T = 293,15 K), observou-
te forma (baseado em parte nos dados de Attwood e se o valor do deslocamento, x , durante um período de 1
Udeala):101 h (t = 3600 s). R representa a constante dos gases ideais,
expressa em 8,3143 × 10–7 erg K–1 mol–1. A unidade
Dados para o Exercício 17-1 poise é expressa em dina s/cm2 ou erg s/cm3. Calcular
o deslocamento browniano médio esperado. Como se
Λ × 103 pode aplicar essa equação para calcular o número de
mho m2 mol–1 4,7 5,1 6,0 6,6 7,0 7,5 8,0 8,7 Avogadro?
√ 17-5 Quando as soluções de insulina são armazenadas a
c (mol/litro)1/2 0,33 0,30 0,26 0,24 0,23 0,20 0,17 0,14 temperatura ambiente, ocorre um processo de auto-as-
√ sociação e as moléculas formam agregados. O grau de
Construir um gráfico de A versus c e estimar o agregação é afetado por pH, força iônica e temperatura.
valor de CMC. O processo de agregação foi estudado para a faixa da
17-2 A turbidez, τ, de uma solução aquosa de dodecilben- temperatura ambiente (20 °C) à temperatura do corpo
zenossulfonato de sódio (SDBS) foi determinada em humano (≈35 °C), em pH 7,5, mantendo-se uma força
um fotômetro de espalhamento da luz a várias concen- iônica μ = 0,1. Os coeficientes de difusão dos agrega-
trações acima da CMC (dados modificado de Tartar e dos nas diferentes temperaturas e as viscosidades do
Lelong):102 solvente estão na tabela a seguir:
754 P ATRICK J. S INKO

Dados para o Exercício 17-5* svedberg = 10–13 s), o coeficiente de difusão é D = 6


× 10–7 cm2/s e o volume específico parcial, v, é igual a
T ( °C) 20 25 30 35
0,607 cm3 g–1 (v é calculado utilizando um picnômetro
D × 10 (cm s )
7 2 –1
7,8 4,6 3,7 3,0 de precisão e uma microbalança).
η (poise) 0,0097 0,0087 0,0076 0,0072 (dados selecionados de Kirschbaum).106
(a) Calcular a massa molecular da saramicetina. A
* Dados retirados de: H. B. Bohidar, Colloid Polym. Sci. 267, 159, 1989. densidade do solvente é de 0,998 g/cm3.
Calcular os raios hidrodinâmicos dos agregados (b) Calcular o raio da partícula da saramicetina. Assu-
na varias temperaturas. Consultar a equação de Stokes- mir que as partículas são esféricas. A viscosidade do
Einstein. Um poise é igual a 1 g cm–1 s–1. solvente é 1,002 × 10–2 poise.
17-6 Uma amostra de albumina sérica eqüina na concentra- 17-13 Calcular a massa molecular de uma fração de nitrato de
ção de cg = 3,20 g/L de solução aquosa foi analisada celulose por meio da equação (17-24), onde K = 4,0 ×
em um osmômetro a 28 °C. A pressão osmótica, π, foi 10–5 e a = 0,990, a 27 °C. A viscosidade intrínseca da
determinada em 0,00112 atm. Qual é a massa molecu- fração é 2,40 cm3 g–1.
lar dessa albumina sérica, assumindo que a solução seja 17-14 (a) Usar a equação de Mark-Houwink, equação
suficientemente diluída para poder aplicar a equação (17-24), para calcular a viscosidade intrínseca, [η], em
(17-11)? A constante dos gases ideais é R = 0,0821 atm dL/g, de um polímero de metilcelulose com massa mo-
L/(mol K). lecular média de 15.200 g/mol. A constante K é igual
17-7 A pressão osmótica, π, de uma fração de poliestireno a 1,1 × 10–3 dL mol g–1, onde dL significa decilitros (1
foi determinada a 25 °C a várias concentrações, cg, ren- dL = 100 cm3). O expoente, a, da equação (17-24) vale
dendo os seguintes resultados: 0,983 e é adimensional.
(b) Neste exercício, as unidades de dL mol g–2 de K
Dados para o Exercício 17-7
não são exatas. Quais são as unidades exatas?
π/cg × 10 (1 atm g–1)
5
12,5 16,3 20,0 23,8 17-15 A variação da viscosidade reduzida, ηsp/c, em relação à
cg (g/litro) 6,0 12 18 24 concentração de um novo tensoativo não-iônico é dada
na tabela seguinte:
Calcular a massa molecular e o segundo coefi-
Dados para o Exercício 17-15*
ciente virial, B, para essa fração de poliestireno. Usar
a equação (17-13) desconsiderando C × cg2 e termos de ηsp/c 8,96 9,39 9,82 10,25 10,69
potência maior. Pode uma massa molecular tão grande
c (mol/kg) 0,005 0,01 0,015 0,02 0,025
ser determinada pelo método da pressão osmótica? Que
outros métodos existem para calcular a massa molecu- * Dados retirados de: D. Attwood, P. H. Elworthy e M. J. Lawrence, J. Pharm.
lar de moléculas desse tamanho? Pharmacol. 41, 585, 1989.
17-8 Uma ultracentrífuga é operada a 6000 rpm. O ponto
central do tubo contendo a amostra é colocado a 1,2 cm Calcular a viscosidade intrínseca, [η], para esse
do centro do rotor. Quais são os valores da aceleração tensoativo.
angular e do número de unidades g que atuam sobre a 17-16 São necessários 40 s para que um volume de água
amostra? de densidade 1,0 g/cm3 escoe através de um viscosí-
17-9 Qual é a velocidade angular, ω, de uma ultracentrífuga, metro capilar e 614 s para que um volume igual de
sabendo que uma micela que está dentro de seu tubo se uma solução de glicerina, com densidade de 1,12 g/
desloca de uma posição x1 = 5,957 cm para x2 = 6,026 cm3, escoe nas mesmas condições. Qual é a visco-
cm em 15 min? (15 × 60 s por min = 900 s.) O coefi- sidade a 25 °C e qual é a viscosidade relativa dessa
ciente de sedimentação, s, é 7,756 × 10–13 s.105 Expres- solução de glicerina? A viscosidade da água a 25 °C
sar o resultado em rpm. é de 0,01 poise ou 1,0 cp (consultar as p. 576-577 e
17-10 Determinar a aceleração angular em rad/s2 para uma 584-585).
ultracentrífuga cujo rotor possui um raio de 6,5 cm e 17-17 A massa molecular de uma proteína esférica é de
que rota a 1200 rpm. Converter a aceleração angular 20.000 g/mol e o volume específico parcial, v, é igual
em unidades g, assumindo que a aceleração devida à a 0,80 cm3/g a 20 °C. A viscosidade do solvente é 0,01
gravidade é igual a 981 cm/s2. poise. Calcular o valor de D, o coeficiente de difusão, a
17-11 Determinar a massa molecular da albumina de ovo a essa temperatura (ver equação [17-8]). Observar que se
partir dos seguintes dados de ultracentrifugação obtidos trabalha com raiz cúbica.
a 20 °C: a constante de Svedberg, s, é igual a 3,6 × 10–13 17-18 Uma amostra de álcool polivinílico foi separada em
s, D = 7,8 × 10–7 cm2/s, o volume específico parcial, v, quatro frações de massas moleculares diferentes por
vale 0,75 cm3/g e a densidade da água a 20 °C é 0,998 meio de uma coluna cromatográfica empacotada com
g/cm3. gel de Sephadex G-150. Calcular, por meio da equa-
17-12 O coeficiente de sedimentação, s, a 20 °C da sarami- ção de Mark-Houwink, a massa molecular dessas fra-
cetina, um antibiótico antifúngico, é 5,3 svedberg (1 ções a partir das viscosidades intrínsecas. O valor de
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 755

a é 0,71 (adimensional) e K vale 2,7 × 10–4 cm3/g–1. de bismuto a 25 °C. Por que há neste exercício valores
Os valores experimentais das viscosidades intrínsecas de zeta tanto positivos quanto negativos?
foram 0,463, 0,875, 1,09 e 1,15 cm3/g.107 17-22 Calcular a razão de concentração de equilíbrio entre
17-19 As viscosidades intrínsecas, [η], de algumas frações por os íons difusíveis de benzilpenicilina fora e dentro
massa molecular, M, de um novo expansor plasmático à de uma membrana semipermeável, quando a concen-
base de celulose foram determinadas plotando ηsp/c de tração dentro da bolsa de diálise de um polieletrólito
cada fração versus a concentração, c, expressa em g/dL aniônico é 12,5 × 10–3 equivalente-grama por litro e a
(onde 1 dL=100 cm3), como na Figura 17-10. As visco- concentração no equilíbrio da benzilpenicilina dentro
sidades intrínsecas resultantes, junto com as respectivas dessa bolsa é 3,20 × 10–3 mol/litro. Aplicar o equilí-
massas moleculares, M, determinadas separadamente brio de membrana de Donnan (ver equação [17-34]) e
por pressão osmótica (equação [17-12]) a 25 °C, são resolver a equação para a razão de concentração entre
dadas na tabela abaixo: os íons difusíveis de benzilpenicilina dentro e fora da
membrana.
Dados para o Exercício 17-19 17-23 O efeito Donnan é importante no processo de concen-
tração de íons nos compartimentos fluidos do corpo. O
M (g/mol) 67.820 153.756 202.200 329.150 fluido intersticial do corpo fica entre o sistema vascular,
[η] (dL/g) 1,21 2,65 3,54 5,56 com seus eritrócitos e plasma, e as células do tecido do
corpo. O plasma e as células contêm ânions protéicos
(a) Construir um gráfico de ln[η] como variável depen- que não difundem, enquanto que o fluido intersticial
dente versus ln M (M = massa molecular) para deter- contém íons difusíveis como K+, Na+ e Cl–. Conse-
minar os valores das constantes K e a da equação de qüentemente, o efeito de Donnan nas membranas do
Mark-Houwink. corpo deve influir na distribuição dos íons difusíveis.
(b) Inserir os valores de K e de a na equação de Ma- Os ânions de proteínas tendem a atrair e reter cátions
rk-Houwink (equação [17-24]) para calcular a massa pequenos (K+ e Na+) nas células dos tecidos e nos va-
molecular do expansor plasmático derivado da celulo- sos sangüíneos, e a repelir pequenos ânions (Cl–) para o
se, recentemente sintetizado. A viscosidade intrínseca fluido intersticial circundante.
deste expansor foi determinada de forma experimental No organismo normal, a concentração das proteí-
em 7,83 dL/g. nas plasmáticas é de 16 mEq/litro e a de íons cloreto
é 113 mEq/litro. Qual é o valor da razão entre íons
17-20 A mobilidade, v/E, de um sol de iodeto de prata a
cloreto através da membrana intersticial (fluido(fora)-
20 °C, dentro de célula eletroforética de Burton, foi
plasma(dentro))? Sugestão: O princípio da membrana de
determinada em 25 × 10–5 cm2 volt–1 s–1. Calcular o
Donnan (equação [17-33]) se aplica para calcular a ra-
potencial zeta desse colóide. zão entre íons cloreto.
17-21 O potencial zeta, ζ, de um sistema coloidal contido 17-24 A difusão de um fármaco solubilizado dentro de uma
dentro de uma solução aquosa eletrolítica é dado pela micela e impedido de passar através dos microporos
equação: das membranas oferece um método para controlar a
4πη v cedência de um fármaco. A razão de o coeficiente de
ζ (9 × 104 ) difusão de uma partícula esférica dentro de um poro
E
cilíndrico (Dp) em relação ao coeficiente de difusão
onde 9 × 104 é um fator que converte unidades eletros- da mesma partícula em uma solução (D) é dada pela
táticas de carga em volts. equação:109
(a) O termo 4πη/ (9 × 104) é dado na equação (17-28),
página 498 como sendo aproximadamente igual a 128 a Dp D (1 − ξ )2 [1 − 2 1044 ξ 2 2 089 ξ 3
25 °C e 141 a 20 °C. Consultar um manual de Física e − 0 948 ξ 5 ] (20)
Química para achar a viscosidade em poise (dina s/cm2) onde ζ é igual a r/rp, a razão entre os raios partícula-
ou g/(cm s) e a constante dielétrica, , a 20 e 25 °C, e poro, e Dp é o coeficiente de difusão dentro do poro.
verificar os valores de 128 e 141 para esses termos da Quando o raio das partículas é bem menor que o raio
equação (17-28). do poro, o coeficiente de difusão dentro do poro é pra-
(b) A mobilidade eletroforética, v/E (em cm/s por ticamente o mesmo que o coeficiente de difusão na
volt/cm), da bentonita em água foi determinada por solução.
Schott108 em –3,39 (± 0,07) × 10–4 a 24 °C. A quan- A difusão do pireno solubilizado dentro das mi-
tidade ± 0,07 entre parênteses indica que o valor 3,39 celas do tensoativo dodecilsulfato de sódio através de
foi medido experimentalmente com uma precisão de uma membrana microporosa, a 25 °C, foi estudada por
(–3,39 – 0,07) × 10–4 a (–3,39 + 0,07) × 10–4. A mo- Johnson e colaboradores.109 O raio da micela mede 26
bilidade eletroforética das partículas de subnitrato de Å e a viscosidade do solvente é 0,089 poise. O raio de
bismuto (13,18% m/m) em água, na temperatura de 24 poro da membrana mede 283 Å.
°C a 25 °C, é +2,20 ± (0,09) × 10–4 cm/s por volt/cm. (a) Calcular o coeficiente de difusão, D, da micela no
Calcular o potencial zeta da bentonita e do subnitrato meio da solução (ver equação [17-7], p. 492).
756 P ATRICK J. S INKO

(b) Calcular o coeficiente de difusão, Dp, da partícu- 17-27 O ponto de turbidez (cloud point) de tensoativos não-iô-
la micelar dentro do poro. Comparar esse valor com nicos tem sido relacionado com algumas propriedades
o coeficiente de difusão do pireno livre (que não está das micelas, como concentração micelar crítica (CMC)
incluído na micela), o qual foi determinado em um e massa da micela. Os efeitos de diferentes concentra-
experimento separado como sendo Dlivre = 5,6 × 10–6 ções de álcool e de sulfato de sódio em soluções de um
cm2/s. O raio da molécula de pireno mede aproxima- tensoativo não-iônico sobre o ponto de turbidez, o valor
damente 2,5 Å. de CMC e o número de agregação são mostrados na
(c) Comentar seus resultados. tabela seguinte:
17-25 A variação da solubilidade molar, S, em função da
Dados para o Exercício 17-27
temperatura do ácido 3-(4-heptobenzil)-benzóico
(HBB) em solução aquosa a pH 7,0 é dada na seguinte Aditivo Na2SO4 Nenhum Álcool etílico
tabela (os dados procedem da Figura 2 do trabalho de Concentração 0,5 N 0,3 N 0,1 N 0 5% v/v 15% v/v
Pandit e Strykowski).110 Esse ácido apresenta ativida- Ponto de turbidez 42,7 49,7 58,0 64,0 75,9 107,0
de tensoativa. ( °C)

Dados para o Exercício 17-25 CMC ×103 (massa %) 4,6 5,4 6,0 6,8 7,5 11,0
N° de agregação (n) 301 192 142 128 106 78
log S –1,208 –2,542 –2,854 –3,833 –4,0 –4,167 –4,375 –4,708
1/T × 103
Construir um único gráfico com CMC e o número
(K–1) 3,05 3,08 3,10 3,19 3,22 3,29 3,37 3,51
de agregação, n, no eixo vertical versus o ponto de tur-
bidez (eixo horizontal). Determinar uma relação linear
Construir um gráfico de log S (eixo vertical) contra
entre número de agregação e ponto de turbidez e entre
1/T (ver Figura 17-17) e estimar o valor do ponto de
CMC e ponto de turbidez. Utilizar qualquer transfor-
Krafft, Kt, desse tensoativo. Para entender o significado
mação das variáveis dependentes (variáveis no eixo
do ponto de Krafft, consultar a página 507.
vertical), como logaritmos, raiz quadrada ou valores re-
17-26 De acordo com Pandit e Strykowski,110 o ponto de Kra- cíprocos, de modo a obter linhas retas. Depois, calcular
fft pode ser estimado a partir de um gráfico de pressão a inclinação e o intercepto. Comentar seus resultados.
de superfície, π, de soluções saturadas do tensoativo Por exemplo, reparar no fato de o sinal da inclinação
em função da temperatura ( °C). A pressão de super- obtida e o número de agregação, n, estarem relaciona-
fície, π, é a diferença entre as tensões superficiais do dos com o tamanho da micela.
solvente e da solução a uma temperatura definida, π = 17-28 A energia livre-padrão de micelização, ΔGm°, está rela-
γsolvente – γsolução. Geralmente, a pressão de superfície cionada com a energia livre-padrão de adsorção, ΔGad°,
aumenta com a temperatura em função de a concen- na interface (ar-monocamada saturada) por meio da se-
tração de tensoativo na solução saturada (a solubili- guinte equação:
dade) aumentar também com a temperatura. Quando
o ponto de Krafft é alcançado, qualquer aumento adi- G ◦ad G ◦m − (πcmc ) (21)
cional na temperatura (e, conseqüentemente, qualquer
aumento na concentração do tensoativo) não provoca onde πcmc é a pressão de superfície na concentração
uma variação adicional da pressão de superfície. Por micelar crítica e o excesso de superfície, Γmáx, repre-
conseguinte, o perfil de pressão de superfície versus senta a adsorção máxima (em número de móis por
temperatura atinge um platô acima do ponto de Krafft. unidade de área) na interface ar-monocamada satu-
O valor de Kf pode ser estimado a partir da intersecção rada.
dos dois segmentos do gráfico. A energia livre-padrão de micelização do n-do-
Os valores de pressão de superfície, π (dina/cm), decil β-D-maltosídeo (DDM) em solução aquosa é
para soluções saturadas de um tensoativo a diferen- ΔGm° = –31,8 kJ mol–1 a 25 °C. A tensão superficial
tes temperaturas são mostrados na tabela seguinte da solução na concentração micelar crítica, medida
(dados a pH 7, extraídos da Figura 3 de Pandit e pelo método do anel de Du Noüy, foi γcmc = 36,22
Strykowski):110 mN m–1 a 25 °C e a tensão superficial da água a 25
°C é de 71,97 mN m–1 (milinewton por metro.) A
Dados para o Exercício 17-26 área mínima por molécula, Amin, na interface ar-mo-
nocamada saturada foi determinada por Drummond
π (dina/cm) 40 40 40 28 21,3 13,8 4,4 1,6 0,3 e colaboradores2 em 49,9 Å2 (1 Å =10–10 m, logo, 1
T ( °C) 54 52 50 42 38 25 18 12 4 Å2 = 10–20 m2.) O valor máximo de Γ, o excesso de
superfície, corresponde à área mínima por molécula
Plotar os valores de π (eixo vertical) contra T ( °C) de DDM, Γmáx = (1/NA)(1/Amin), onde NA é o número
e determinar o ponto de Krafft do tensoativo. de Avogadro. O valor de Γmáx é expresso em mol/m2.
M ARTIN – F ÍSICO -F ARMÁCIA E C IÊNCIAS F ARMACÊUTICAS 757

Calcular a energia livre-padrão de adsorção do n- cie total, G. (b) As partículas sólidas são divididas
dodecil β-D-maltosídeo na interface ar-monocamada de modo a obter 100 partículas a partir de cada uma
saturada. Usar a equação πcmc = γágua – γcmc e Γmáx = (1/ das partículas originais. Calcular o aumento na área
NA)(1/Amin). superficial total e na energia livre de superfície total,
17-29 A bromodifenidramina é um fármaco anti-histamínico G’, para as partículas divididas. Sugestão: Calcular o
que apresenta atividade de superfície e forma micelas volume de uma partícula para obter os novos valores
com número de agregação n = 11 a 303 K. O grau de io- de raio e área superficial. Assumir que a densidade da
nização, α, e a concentração micelar crítica, obtidos por partícula é igual a 1.
espalhamento da luz, são α = Q/n = 0,20 e CMC = 9,5 18-2 Um pó grosseiro com densidade real de 2,44 g/cm3
× 10–4, expressa em termos de fração molar.55 Calcular e um diâmetro médio, d, de 100 μm foi disperso em
a energia livre de micelização por mol de monômero uma dispersão de carboximetilcelulose a 2%, cuja
desse fármaco. Expressar os resultados em kJ/mol. Su- densidade, ρo, é igual a 1,010 g/cm3. A viscosidade
gestão: Usar a equação (17-A8) do Apêndice ao final do meio foi determinada em 27 poise a baixa velo-
do capítulo. cidade de cisalhamento. Utilizando a lei de Stokes,
17-30 Calcular ΔG°, ΔH° e ΔS° de micelização de um alquil- calcular a velocidade de sedimentação média desse
dimetilaminopropanossulfonato (um tensoativo zwitte- pó em cm/s.
riônico). ΔHo e ΔS° podem ser calculadas a partir da re- 18-3 Utilizando a lei de Stokes, calcular a velocidade de se-
gressão de ln (CMC) versus 1/T. O valor de CMC varia dimentação em cm/s de uma amostra de óxido de zinco,
com a temperatura da seguinte forma: de diâmetro médio de 1 μm (raio de 5 × 10–5 cm) e
densidade real, ρ, de 2,5 g/cm3, em um meio suspensio-
Dados para o Exercício 17-30* nante cuja densidade, ρo, é 1,1 g/cm3 e com viscosidade
CMC × 103 (fração molar) 3 2,9 2,7 newtoniana de 5 poise.
18-4 (a) Utilizando a equação de Stokes modificada (equa-
T ( °C) 15 25 35
ção [18-3]), calcular os valores de n e de vs de uma sus-
* Dados baseados em B. Sesta and C. La Mesa, Colloid Polym. Sci. 267, 748, pensão de caulim que contém goma adragante como
1989. agente floculante. A variação na velocidade de sedi-
mentação, v', medida no limite da sedimentação, e a po-
17-31 (a) Calcular ΔGmic° para o tensoativo não-iônico de rosidade inicial, ε (adimensional), são dados na tabela
fórmula C12H25(OC2H4)7OH em solução aquosa a seguinte:
10, 25 e 40 °C, sabendo que CMC em mol/L ≅ mol/
kg água (unidades de molalidade) quando em solu- Dados para o Exercício 18-4
ção diluída. Conseqüentemente, os valores de CMC ε 0,90 0,95 0,97 0,99
nessas três temperaturas podem ser expressos como
12,1 × 10–5 m, 8,2 × 10–5 m e 7,3 × 10–5 m, respecti- v' (cm/s) 0,00164 0,038 0,127 0,415
vamente.63
* Dados estimados a partir de K. S. Alexander, J. Azizi, D. Dollimore and F.
(b) Calcular ΔGmic°, alterando primeiro os valores de A. Patel, Drug Dev. Ind. Pharm. 15, 2559, 1989.
CMC do item (a) em unidades de fração molar. A mas-
sa molecular do meio solvente (água) é 18,015 g/mol. (b) Calcular o diâmetro de Stokes, dst, dos flocos.
O valor de ΔG° depende das unidades utilizadas para A densidade do caulim é 3,15 g/cm3. Assumir que a
CMC? densidade e a viscosidade do meio aquoso são, res-
(c) Calcular ΔHmic° e ΔSmic° utilizando unidades de pectivamente, 1 g/cm3 e 0,01 poise. Sugestão: Con-
fração molar para a CMC da equação (17-50). (Ver sultar o artigo de Alexander e colaboradores ao qual
Apêndice ao final do capítulo.) se refere a tabela anterior. Os autores deduziram n
(d) Discutir a magnitude e o sinal das propriedades ter- da inclinação e vst, a velocidade de sedimentação de
modinâmicas obtidas para esse processo de micelização Stokes, do intercepto de um gráfico de log v’ (eixo
considerando os diferentes tipos de interações mostra- dos y) versus log ε (eixo dos x). Fazendo uso de v e da
das na Tabela 11-11. lei de Stokes (equação [18-2]), obtém-se o diâmetro
de Stokes.
18-5 Utilizando a tabela seguinte e o exemplo mostrado na
Figura 18-3, construir um gráfico de Hu/Ho e poten-
CAPÍTULO 18: DISPERSÕES GROSSEIRAS cial zeta, ζ, no eixo vertical versus a concentração de
AlCl3. Observe que, em vez do volume, neste caso se
18-1 Uma suspensão hipotética contém 103 partículas es- utiliza a altura do sedimento. Hu é a altura final do se-
féricas de diâmetro d =10–3 cm. (a) Assumindo que dimento e Ho a inicial. Desenhar linhas verticais para
a tensão interfacial entre o sólido e o líquido é γSL separar as regiões de caking do diagrama daquelas
= 100 dina/cm, calcular a energia livre de superfí- sem caking. Explicar as variações nos valores de Hu/
758 P ATRICK J. S INKO

Ho, de potencial, ζ, e de sinal da carga de superfície as partículas achatadas e de maior tamanho de subni-
das partículas de sulfamerazina, verificadas à medida trato de bismuto, as quais portam carga positiva. Utili-
que a concentração de cloreto de alumínio foi aumen- zar os dados da tabela abaixo e

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