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Opinião
A garantia da democracia
Mais do que nunca é preciso revigorar a prática jornalística, livrando-a do imediatismo das redes
sociais e restituindo-lhe o sentido de serviço público
O jornalismo está sob ataque em quase todo o mundo, numa ofensiva de proporções e intensidade
inéditas na história. Trata-se de um fenômeno particularmente dramático por ocorrer não apenas
em países com escassa tradição de liberdade, mas também em nações que se orgulham de seu
patrimônio democrático.
Essa expressão, comum em regimes autoritários para calar a oposição e justifcar a segregação e a
aniquilação física dos dissidentes, foi usada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump,
para se referir a jornalistas, como lembrou, em artigo publicado recentemente, o publisher
do jornal The New York Times, Arthur Gregg Sulzberger.
Talvez seja esse o aspecto mais dramático dessa ofensiva mundial contra o jornalismo: sua
inspiração vem justamente do país que fez da liberdade de expressão e de imprensa o cerne de sua
democracia. Mais do que isso: como escreveu Sulzberger, os Estados Unidos sempre foram vistos
como grandes exportadores da ideia de que não há democracia sem jornalismo livre, mas agora,
graças a Trump, passaram a servir de modelo para autocratas dispostos a calar a imprensa.
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,a-garantia-da-democracia,70003026888[30/09/2019 00:03:46]
A garantia da democracia - Opinião - Estadão
Assim, Trump não desmente esta ou aquela reportagem por eventuais problemas, e sim toda e
qualquer reportagem que aponte os desarranjos de sua administração e revele as falcatruas em
que esteve ou está envolvido. Desde a posse, segundo informou Sulzberger, Trump usou a
expressão “fake news” quase 600 vezes em sua conta no Twitter. E de nada adianta demonstrar
que as reportagens que Trump denunciou como “falsas” eram corretas e precisas. Segundo o
publisher, uma pesquisa mostrou que mais de 80% dos eleitores republicanos confam mais em
Trump do que na imprensa.
O presidente norte-americano tem sido tão bem-sucedido em sua ofensiva contra a imprensa que
se tornou modelo para líderes com vocação liberticida ao redor do mundo. O presidente Jair
Bolsonaro, por exemplo, usa o mesmo vocabulário de Trump para se referir aos jornais e aos
jornalistas. Já se referiu a “parte da grande imprensa” como “inimiga” e qualifca o noticiário que
lhe é desfavorável como “fake news” – no que é ecoado por seus fervorosos seguidores nas redes
sociais.
Tudo isso impõe enormes desafos para o jornalismo profssional e independente. Ante a tentativa
de Trump e de seus aprendizes mundo afora de relativizar a verdade dos fatos e desacreditar
aqueles que se dedicam a reportá-la de maneira rigorosa, mais do que nunca é preciso revigorar a
prática jornalística, livrando-a do imediatismo superfcial e irresponsável das redes sociais e
restituindo-lhe o sentido de serviço público. Nas palavras de Sulzberger, deve-se ir “em busca das
histórias que importam, independentemente de serem ou não tendência no Twitter”. Mais do que
isso: “Não podemos nos permitir ser atraídos ou aplaudidos para nos tornarmos oposição ou
‘claques’ de alguém. Nossa lealdade tem de ser para com os fatos, não um partido ou um líder, e
temos de seguir a verdade aonde ela nos leve, sem medo ou favor”. Essa determinação certamente
será apreciada por leitores dispostos a se informar por meio do jornalismo sério – aquele que é
desconfortável justamente porque desfaz ilusões sobre os falsos Messias que escarnecem da
democracia.
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,a-garantia-da-democracia,70003026888[30/09/2019 00:03:46]