Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Resumo
Palavras chave: Fé, Força, Dom Helder Câmara, Experiência religiosa, Sagrado.
Introdução
Na antiguidade clássica ela era relacionada aos mitos; os deuses eram muitos, cada um
tinha sua função e representatividade. Outras continuaram com o politeísmo como a egípcia,
mas religiões como o cristianismo, judaísmo e islamismo passaram a cultuar somente um Deus.
Nessa época, Deus e ciência andavam juntos, a religião era atrelada ao conhecimento, era uma
certeza. Até porque a figura que representava deus estava ali na Terra, com todos os outros: os
reis, os faraós. Assim, a religião era uma instituição muito forte e rígida, se estendia a todos os
cidadãos; seus dogmas eram também as leis.
Durante séculos, a religião foi fator de importância e necessidade na vida do ser humano.
Com o passar dos anos, essa visão foi decaindo até que o pensamento científico passou a deter
maior autoridade e mais legitimidade para responder questões que por falta recursos
tecnocientífico eram mistérios designados ao divino. A objetividade foi ganhando lugar no
mundo moderno e isso abriu espaço para diversos filósofos também manifestarem suas
convicções. No primeiro capítulo do livro O que é Religião (ALVES, 1984, p.8), Rubem Alves
confirma essa ideia dizendo que “A ciência e a tecnologia avançaram triunfalmente,
construindo um mundo em que Deus não era necessário como hipótese de trabalho. ”.
Refletindo a respeito disso, esse artigo tem como objetivo tecer uma análise sobre a
experiência religiosa e o a força da fé, como um instrumento de luta e reivindicação. Sendo
assim tomarei como base o documentário Dom Helder Câmara - O Santo Rebelde” (BAUER,
2004) e os capítulos 5 e 6 do livro O que é Religião (ALVES, 1984) do Rubem Alves.
1. O Santo Rebelde
O filme “Dom Helder Câmara- O Santo Rebelde”, de Erika Bauer conta a história de Helder
Câmara, arcebispo nascido em Fortaleza, Ceará em 1909. Sua trajetória no filme é retratada
através de um narrador, de seu próprio ponto de vista, por meio de passagens audiovisuais junto
com pedaços de entrevistas de escritores e professores que fizeram parte de sua vida em algum
momento.
No seminário, Helder teve contato com o integralismo, movimento de extrema direita que
ganhava força no Brasil. Depois de sua saída e junção ao magistério como professor de religião,
foi ainda mais influenciado pelo movimento. Em contexto do catolicismo, política e religião
agiriam juntos. Sua formação, o período em que saiu do seminário, em 1931, e todo o contexto
histórico que estava impregnado da narrativa que alertava para o “perigo vermelho”, o
impulsionaram a adotar uma postura, a qual acreditava ser o único movimento que fazia frente
ao embate entre capitalismo e comunismo: o integralismo.
Mesmo sob a bandeira integralista, Dom Helder foi responsável por ações que tiveram
impactos sociais positivos como o movimento de Sindicalização Operária Católica Feminina
que sindicalizou, alfabetizou e promoveu a ampliação da educação escolar de lavadeiras,
passadeiras, domésticas e outras mulheres da classe trabalhadora (PILETTI, PRAXEDES,
2010).
Uma mudança de fato grande aconteceu quando Dom Helder chegou ao Rio de Janeiro, muito
bem recebido pelo Cardeal Sebastião Leme Silveira Cintra e pelo Monsenhor Rosalvo Costa Rego,
quando lhe foi pedido que deixasse sua militância partidária no integralismo. O próprio Dom Helder
1
Conferir o documentário Dom Helder Câmara – O Santo Rebelde, minuto: 00:06:40. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=bvURWRz7jlE
mais tarde declarou que quando chegou ao Rio “já interiormente não era mais integralista” (BAUER,
2004).2
“Se algum dia eu visse que aquilo estava caminhando em rumos inaceitáveis eu pularia
fora, sairia”3. E foi o que fez quando abriu os olhos para o que estava causando no mundo essa
ideologia nacionalista e fascista na qual o integralismo foi inspirado. A ascensão de figuras
como Hitler, Mussolini e Salazar era a personificação dessa ideologia que estava levando o
mundo para uma nova guerra mundial. (BAUER, 2004).
2
Dom Helder Câmara – Um santo rebelde, minuto: 00:12:55.
3
Idem: minuto: 00:09:41
4
Congresso realizado pela Igreja Católica afim de celebrar a presença de Jesus Cristo no sacramento da Eucaristia,
sem um intervalo regular cada edição ocorre em um país. Em 1955 o Brasil recepcionou a 36º edição do congresso
no Rio de Janeiro.
5
Dom Helder Câmara – Um santo rebelde, minuto: 00:15:02.
defensor daqueles que sofriam seja de carência financeira ou com as mazelas da época. Ele
lutou pelos direitos humanos e contra injustiças criminosas praticadas na ditadura. No caminho
dessa luta, ele criou projetos e campanhas que viriam a ser de grande ajuda humanitária.
A construção da Cruzada, foi um ato de luta por justiça social e uma tentativa de incluir
camadas populares marginalizadas em meios sociais mais aceitos e consequentemente
aumentar sua qualidade de vida. O conjunto habitacional recebeu como moradores, pessoas que
haviam perdido suas casas em outros locais ou que precisavam de moradia. Ao imaginar a
Cruzada, dom Helder pensava no bem-estar das famílias que ali residiriam e na sua integração
com o resto da cidade.
Ao reconhecer a dignidade humana em todos, mesmo naqueles que por muito tempo
foram excluídos da sociedade, dom Helder acreditou na capacidade de evolução e na
solidariedade humana. Até hoje, a Feira da providência, também de sua criação, é a maior fonte
de renda do projeto social do Banco.
Fé. Religião e Ciência. Três palavras que costumam ser pautas de muitos debates. É
comum para muitas pessoas unir fé a religião e, quase que automaticamente, estabelecer uma
distância entre a ciência e o sagrado. Esse distanciamento nos leva à uma velha oposição: fé x
razão. Mas será que de fato esses temas são totalmente incompatíveis?
De certo que não há uma única resposta para essa pergunta. Entretanto, parece coerente
pensar na ideia de conversação. Para José Funes, astrônomo pela Universidade de Córdoba e
filosofo pela ordem dos jesuítas6, por exemplo, não há contradição no que diz respeito a fé e
ciência, pois ele acredita que as duas de certa forma cooperam. Mesmo com linguagens e
métodos distintos é possível que ambas dialoguem e evoluam nas suas diferenças. Sendo assim,
é fundamental compreender que ideias distintas podem sim ocupar o mesmo lugar, desde que
regidas pelo respeito. A diferença é saudável.
O mundo moderno torna o debate entre ciência e fé ainda mais complexo. O avanço
tecnológico, a difusão das maquinas e as descoberta cientificas parecem dispensar os dogmas
da religião. Seria então esse o momento de exilar de vez o sagrado?
6
Conferir a entrevista que o grupo do jornal O Globo realizou com José Gabriel Funes,
Não há conflitos entre ETs e a Igreja – disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/nao-ha-
conflitos-entre-ets-a-igreja-2690685.
As indagações da humanidade são quase que infinitas. Logo, se pensarmos a religião
como uma busca por respostas, ela sempre irá existir, pois enquanto houver seres pensantes as
perguntas não se cessarão. Sendo assim, é possível dizer que sempre haverá espaço para a Fé
e a as Religiões nas sociedades.
Não é normal uma criança precisar pedir comida no sinal para não morrer de fome. É
preciso resgatar essa sensibilidade que anda em falta em nossa civilização.
7
“Fé Liquida” – expressão utilizada pelo professor Leandro Karnal na palestra Fé Liquida. Palestra promovida
pelo programa Café Filosófico no dia 05.10.2018. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=7eT5NjEoZ3Q
Karl Marx (1818-1883) foi um dos pensadores que mais criticou a religião e a Igreja.
Ao posicionar-se contra a perpetuação da miséria e a exploração do proletariado, ele entendeu
que o discurso religioso alimentava o conformismo das massas. Dessa forma, o proletário
aceitaria sua condição miserável, com a justificativa da vontade divina.
O inconformismo sobre o assunto fez Marx escrever uma de suas frases mais icônicas.
Ela inspiraria muitos seguidores, principalmente no século seguinte, simbolizando a época que
representou uma verdadeira ameaça à religião. “O sofrimento religioso é, ao mesmo tempo,
expressão de um sofrimento real e protesto contra um sofrimento real. Suspiro da criatura
oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito: a religião
é o ópio do povo”. (K. Marx)
Para Marx, Deus é uma invenção da qual o homem precisa, para aliviar o sofrimento
diante de sua condição. A crença na existência divina conserta, por exemplo, a aparente
ausência de sentido da vida. Marx acreditava que, uma vez extirpadas as relações de exploração
entre a burguesia e o proletariado, também cessaria a necessidade da religiosidade. Entretanto,
duzentos anos depois e a religião continua tendo tem impacto na vida das pessoas. (ALVES,
1984)
Assim como Marx, Freud (1856-1939), também fez críticas a experiência Religiosa.
Buscava analisar a religião da perspectiva psicológica. Para ele, Deus é uma manifestação do
desejo do homem, ou seja, um símbolo de suas necessidades adormecidas.
De acordo com Rubem Alves (Alves, 1984) no capítulo 6 do livro O que é Religião, em
seus estudos, Freud faz uma comparação entre a religião e o sonho:
Marx e Freud entendem Deus como invenção do homem e reflexo de seu desejo, seja
como instrumento de controle do outro, ou como consolo para si mesmo. Suas ideias são
relevantes filosófica e sociologicamente, na medida em que questionam o papel da religião na
sociedade e nos ajudam a entender o impacto da fé sobre a Humanidade. Contudo, entender a
experiência religiosa e a força da fé, exige um olhar mais atento, haja vista que a religião atua
nas áreas mais sensíveis do ser humano.
Dom Helder viveu sua fé de maneira admirável, estava atento as mazelas do mundo e
buscava sempre um equilíbrio entre sua vida religiosa e suas posições políticas. É interessante
pensar esse diálogo, já que dom Helder de certa forma desafia Marx, trazendo uma outra
perspectiva; propondo uma releitura para o que é viver uma vida religiosa. Ele tira a religião do
plano das ilusões e propõe uma igreja que encoraje as massas. É possível observar esse fato já
nos primeiros minutos do documentário, Dom Helder Câmara - O Santo Rebelde: quando ele
diz: “As massas vão abrir os olhos. As massas terão a consciência despertada. E se amanhã eles
tiverem a impressão de que o cristianismo teve medo, que não teve coragem de dizer a verdade,
de mostrar a verdade, então acabou-se o cristianismo. ”. (BAUER, 2004)
Além disso, Helder Câmara em oração a são Francisco revela seu desejo de ser
instrumento de paz. Ser mensageiro não de uma paz falsa ou ilusória, mas de uma paz
verdadeira. Diferentemente de Freud, dom Helder buscava na sua fé forças para sonhar e
construir um mundo mais justo, mais humano. Ele nos revela que a experiência religiosa vai
além da alienação, dos desejos e dos sonhos fracassados.
Dom Helder encontrou na fé força para gritar contra as injustiças, caminhos para
denunciar o autoritarismo e fez dela um instrumento de reflexão. Clamava por um mundo
eucarístico, testemunhava e anunciava uma sociedade sem exclusão, sem fome. Quando se
encontrava sem forças, buscava em suas vigílias noturnas inspirações. Meditava, e em oração
refazia sua unidade no senhor.
Não somente sofreu censura da imprensa, do governo, como também da própria igreja,
que, de certa forma, “silenciou” essa voz por vezes incompreendida. Tenho a impressão de que
a igreja não estava preparada para compreender a visão universal de Dom Helder Câmara, essa
percepção tão clara de mundo, que buscava combater as injustiças e elucidar, dar voz e vez ao
povo.
Conclusão
Fé, ciência e religião são temas que aparentemente não se esgotam os debates. Acredito
que o amor pela humanidade talvez seja o alicerce da religião e da ciência, mesmo que muitas
vezes por vias contraditórias.
Marx e Freud entendiam a religião como um fracasso, algo fadado a desaparecer. Dom
Helder os chama para uma dialogo amigável, e através de suas atitudes comprova que a
8
Sobre o Processo de canonização de Dom Helder Câmara, conferir a matéria: Beatificação de Dom Hélder
Câmara é aprovada, disponível em: https://tv.cancaonova.com/igreja-no-brasil/beatificacao-de-dom-helder-
camara-e-aprovada/
compreensão da religião transcende a ideia de que as religiões são somente instrumento de
alienação e ilusão.
Há um ledo engano /
Em não querer ver /
Que é dom: recomeçar!
Fernando Anitelli9
A pratica religiosa é dinâmica, como demostrou dom Helder. Percebia no sacerdócio
uma possibilidade de aproximar-se daquele que talvez fosse sua maior inspiração: Jesus Cristo.
Convertia suas crenças em força, em amor pelo próximo. Demostrando que a experiência
religiosa nasce de um desejo que vai além do próprio tempo humano. E que de alguma forma
liga-nos a uma perspectiva, uma esperança de um mundo no qual prevaleça o amor e a justiça.
A religião pode sim ser o ópio do povo. Mas viver a religião em sua totalidade é seguir
talvez o exemplo de dom Helder Câmara. E, independente de quaisquer ideologias ou dogmas,
estar atento ao mundo, estar aberto aos processos de mudança e transformações exteriores e
interiores do indivíduo e da sociedade. É fazer da fé um instrumento de amor e força para
reivindicar condições mais humanas. E um mundo no qual, os irmãos de lá e os irmãos de cá
percebam, que a canção de lá e canção de cá tem tudo a ver10, e que ideias distintas podem sim
ocupar o mesmo lugar, desde que regidas pelo respeito.
Referências Bibliográficas
9
“Todos Enquantos”, música da banda “O Teatro Mágico”
10
Conferir música “Canção de Lá” – 5 a seco Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IDgu_WcSHjU
PINTO, Tales Dos Santos. "O que é Integralismo?"; Brasil Escola. Disponível em
<https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-integralismo.htm>. Acesso em 30 de
novembro de 2018.
RAMPON, Ivanir Antonio. O Caminho espiritual de Dom Helder Câmera. São Paulo:
Paulinas, 2015. Disponível em <https://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=&id=owFRDwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT2&dq=cruzada+s%C3%A3o+sebasti%C3%
A3o+dom+helder+camara&ots=qZj4AL0efS&sig=YgXKVecB0w2VH3mrHJAZhRwxRUM
#v=onepage&q=cruzada%20s%C3%A3o%20sebasti%C3%A3o%20dom%20helder%20cama
ra&f=false> Acesso em: 30 de novembro de 2018.
CINTRA, Sebastião Leme de Silveira. In: FGV, CPDOC. Disponível em
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/sebastiao-leme-de-silveira-
cintra> Acesso em: 1 de dezembro de 2018.
Cronologia do urbanismo [Online] / A. União Diário Oficial da. - 1958. - 05 de dezembro de
2018. - http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1567.
http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-resistencia/dom-helder-camara/index.html
PGL: http://pgl.gal/helder-camara-as-suas-acoes-humanitarias/
Portal Online Banco da Providência: http://www.bancodaprovidencia.org.br/quemsomos
https://www.ebiografia.com/dom_helder_camara/
CESAR, Julio. Do início de tudo com o Big Bang até os dias atuais. In: Física à sua volta.
Disponível em: <http://www.ufjf.br/fisicaecidadania/conteudo/big-bang/> Acesso em 2 de
novembro de 2018.
SANTOS, Carlos Alberto. A mais velha luz do universo. In: Ciência Hoje. Disponível em:
<http://cienciahoje.org.br/coluna/a-mais-velha-luz-do-universo/> Acesso em 4 de outubro de
2018.
KARNAL, Leandro. Fé líquida. 2018. (1h45m45s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ejLfnLUnuD4> Acesso em 7 de novembro de 2018.
CESAR, Baima. Não há conflitos entre ETs e a Igreja. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/nao-ha-conflitos-entre-ets-a-igreja-2690685>
COSTA, Antônio. O meteoro somos nós. In: Carta Capital: 2016.
CNBB. Beatificação de Dom Hélder Câmara é aprovada. Disponível em: <
https://tv.cancaonova.com/igreja-no-brasil/beatificacao-de-dom-helder-camara-e-aprovada/>
acesso em 7 novembro de 2018
ALVES, Rubem Azevedo 1933. In: O que é Religião. São Paulo - abril Cultura: Brasiliense,
1984.
BAUER, Érica. Dom Helder Câmara - O Santo Rebelde. Documentário de 2004. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=bvURWRz7jlE . Acesso em 09 dezembro de 18.