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FÉ PARA ALÉM DOS MUROS

Thiago Pereira da Silva

Não é nossa tarefa carregar as massas, mas é


preciso encorajá-las.
Dom Helder Câmara

Resumo

O artigo pretende analisar a fé como um fenômeno de força e reivindicação. Para tanto,


tecerei, a partir da vida e obra de Dom Helder Câmara, uma reflexão a sobre a experiência
religiosa como uma filosofia de vida que transcende a condição de alienação e subordinação
aos dogmas das instituições de poder. Além disso, será posto em pauta a questão da fé, um
sentimento de resistência que pode levar o indivíduo a confrontar suas próprias convicções e
amadurecimento em sua vivência com o sagrado.

Palavras chave: Fé, Força, Dom Helder Câmara, Experiência religiosa, Sagrado.

Introdução

É difícil datar precisamente o surgimento da religião já que é atrelada ao homem e sua


subjetividade e imaginação. Porém, podemos afirmar que esta esteve presente desde que a
espécie humana passou a lidar com todos os grandes “porquês” que envolvem a nossa
existência.

Na antiguidade clássica ela era relacionada aos mitos; os deuses eram muitos, cada um
tinha sua função e representatividade. Outras continuaram com o politeísmo como a egípcia,
mas religiões como o cristianismo, judaísmo e islamismo passaram a cultuar somente um Deus.
Nessa época, Deus e ciência andavam juntos, a religião era atrelada ao conhecimento, era uma
certeza. Até porque a figura que representava deus estava ali na Terra, com todos os outros: os
reis, os faraós. Assim, a religião era uma instituição muito forte e rígida, se estendia a todos os
cidadãos; seus dogmas eram também as leis.

Durante séculos, a religião foi fator de importância e necessidade na vida do ser humano.
Com o passar dos anos, essa visão foi decaindo até que o pensamento científico passou a deter
maior autoridade e mais legitimidade para responder questões que por falta recursos
tecnocientífico eram mistérios designados ao divino. A objetividade foi ganhando lugar no
mundo moderno e isso abriu espaço para diversos filósofos também manifestarem suas
convicções. No primeiro capítulo do livro O que é Religião (ALVES, 1984, p.8), Rubem Alves
confirma essa ideia dizendo que “A ciência e a tecnologia avançaram triunfalmente,
construindo um mundo em que Deus não era necessário como hipótese de trabalho. ”.

Com os avanços advindos principalmente de uma revolução industrial e científica, o


mundo dessacralizou-se. Esse fenômeno, também conhecido como “secularização”, separa a
religião da ciência e estabelece a cada uma um modo diferente de estudo. Enquanto a religião
quer entender o porquê da existência do universo e das pessoas, a ciência quer entender o como.

Porém, o pensamento religioso é tão intrínseco à sociedade que mesmo após a


dessacralização, alguns estudiosos discordavam e discordam até hoje sobre o lugar da religião
na sociedade.

Refletindo a respeito disso, esse artigo tem como objetivo tecer uma análise sobre a
experiência religiosa e o a força da fé, como um instrumento de luta e reivindicação. Sendo
assim tomarei como base o documentário Dom Helder Câmara - O Santo Rebelde” (BAUER,
2004) e os capítulos 5 e 6 do livro O que é Religião (ALVES, 1984) do Rubem Alves.

No primeiro momento apresentarei brevemente a vida e obra de Dom Helder, buscando


demostrar a evolução do seu pensamento e amadurecimento de sua fé na pratica religiosa. Em
seguida abordarei o dilema entre fé, religião e ciência, buscando aproximar esses polos e
verificar a validade das afirmativas que possibilitam um encontro entre fé e razão. Por fim,
volto a Dom Helder propondo um diálogo entre as análises de Marx e Freud a respeito da
religião (ALVES, 1984, p 68 a 101), com o intuito de compreender como a trajetória de Helder
Câmara pode trazer uma nova perspectiva de fé e experiência religiosa.

1. O Santo Rebelde

O filme “Dom Helder Câmara- O Santo Rebelde”, de Erika Bauer conta a história de Helder
Câmara, arcebispo nascido em Fortaleza, Ceará em 1909. Sua trajetória no filme é retratada
através de um narrador, de seu próprio ponto de vista, por meio de passagens audiovisuais junto
com pedaços de entrevistas de escritores e professores que fizeram parte de sua vida em algum
momento.

1.1. A influência familiar


Sua mãe, Adelaide Câmara, e seu pai, João Eduardo Câmara, foram de crucial importância
para a decisão de entrar e seguir a vida eclesiástica. Desde cedo frequentou escolas católicas e
com apenas 14 anos entrou no seminário da Prainha de São José em Fortaleza. A figura paterna
teve ainda mais espaço, como é possível observar na passagem:

Meu pai sempre me parecia ser bom e honesto, um dia ele me


chama e diz “meu filho, você continua crescendo e continua
dizendo que quer ser padre. Você sabe o que é ser padre? ” E
aquele homem, que como eu disse, não era ainda um praticante
me apresentou um retrato de padre que eu achei uma maravilha.
Ele começou dizendo: “guarde para toda vida: padre e egoísmo
não podem andar juntos” (BAUER, 2004).1
Além disso, Dom Helder, no documentário, comenta sobre a situação pouco privilegiada
da família, onde eles não podiam arcar com os custos totais da pensão do seminário, sendo
capazes de pagar apenas metade. Sua família se empenhou para que ele pudesse seguir a carreira
desejada.

1.2. A trajetória de Dom Helder: O integralismo e humanismo

No seminário, Helder teve contato com o integralismo, movimento de extrema direita que
ganhava força no Brasil. Depois de sua saída e junção ao magistério como professor de religião,
foi ainda mais influenciado pelo movimento. Em contexto do catolicismo, política e religião
agiriam juntos. Sua formação, o período em que saiu do seminário, em 1931, e todo o contexto
histórico que estava impregnado da narrativa que alertava para o “perigo vermelho”, o
impulsionaram a adotar uma postura, a qual acreditava ser o único movimento que fazia frente
ao embate entre capitalismo e comunismo: o integralismo.

Mesmo sob a bandeira integralista, Dom Helder foi responsável por ações que tiveram
impactos sociais positivos como o movimento de Sindicalização Operária Católica Feminina
que sindicalizou, alfabetizou e promoveu a ampliação da educação escolar de lavadeiras,
passadeiras, domésticas e outras mulheres da classe trabalhadora (PILETTI, PRAXEDES,
2010).

Uma mudança de fato grande aconteceu quando Dom Helder chegou ao Rio de Janeiro, muito
bem recebido pelo Cardeal Sebastião Leme Silveira Cintra e pelo Monsenhor Rosalvo Costa Rego,
quando lhe foi pedido que deixasse sua militância partidária no integralismo. O próprio Dom Helder

1
Conferir o documentário Dom Helder Câmara – O Santo Rebelde, minuto: 00:06:40. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=bvURWRz7jlE
mais tarde declarou que quando chegou ao Rio “já interiormente não era mais integralista” (BAUER,
2004).2

“Se algum dia eu visse que aquilo estava caminhando em rumos inaceitáveis eu pularia
fora, sairia”3. E foi o que fez quando abriu os olhos para o que estava causando no mundo essa
ideologia nacionalista e fascista na qual o integralismo foi inspirado. A ascensão de figuras
como Hitler, Mussolini e Salazar era a personificação dessa ideologia que estava levando o
mundo para uma nova guerra mundial. (BAUER, 2004).

Esse amadurecimento espiritual foi acompanhado de leituras como Humanismo integral


de Jacques Maritain, obra que ficou muito popular entre os cristãos, e São Francisco de Assis e
a revolução social de Ernesto Pinto. O período entre 1936 e 1946 foi decisivo para a formação
de Dom Helder Câmara em um grande humanista, como mais tarde seria reconhecido
(RAMPON, 2013).

Para Dom Mauro Morelli, Bispo de Duque de Caxias, em depoimento para o


documentário Dom Helder Câmara – O santo rebelde, 1955 também foi um ano importante:

Na minha visão de fé, o que foi determinante para Dom Helder


foi preparar um congresso eucarístico4. (...) ele está colocando um
sinal muito forte, não apenas uma visão escatológica, não, mas
aquilo que a sociedade deve ser. Como é que você vai celebrar
comunhão e partilha envolta de uma mesa, de um altar, e fica
passivo, indiferente diante do mundo em que as pessoas não
comem, as pessoas são excluídas. Tanto que logo depois do
Congresso Eucarístico surge a cruzada São Sebastião, se eu não
estou equivocado. É um gesto profundamente eucarístico abrigar
os sem-teto, né? Aí começa a trajetória de Dom Helder, né? É de
perceber que a relevância da sua missão apostólica era construir
um mundo eucarístico, o mundo em que todo mundo participa e
ajuda a colocar o fruto da terra e do trabalho humano em cima da
mesa.5 (BAUER, 2004).
Assim, Dom Helder mostra-se digno da vida religiosa: humilde, fiel as suas crenças
independentemente do contexto social e político nos quais estava inserido. Ele mostrou-se

2
Dom Helder Câmara – Um santo rebelde, minuto: 00:12:55.
3
Idem: minuto: 00:09:41
4
Congresso realizado pela Igreja Católica afim de celebrar a presença de Jesus Cristo no sacramento da Eucaristia,
sem um intervalo regular cada edição ocorre em um país. Em 1955 o Brasil recepcionou a 36º edição do congresso
no Rio de Janeiro.
5
Dom Helder Câmara – Um santo rebelde, minuto: 00:15:02.
defensor daqueles que sofriam seja de carência financeira ou com as mazelas da época. Ele
lutou pelos direitos humanos e contra injustiças criminosas praticadas na ditadura. No caminho
dessa luta, ele criou projetos e campanhas que viriam a ser de grande ajuda humanitária.

Em 1950, apresentou ao Monsenhor Montini seu plano de fundar a Conferência


Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Com seu destaque cada vez maior, em 1952 foi
transformado em bispo e se mudou para o Rio de Janeiro, onde fundou duas de suas principais
obras sociais, A Cruzada São Sebastião e o Banco da Providência, tudo com objetivo de atender
os mais necessitados.

A construção da Cruzada, foi um ato de luta por justiça social e uma tentativa de incluir
camadas populares marginalizadas em meios sociais mais aceitos e consequentemente
aumentar sua qualidade de vida. O conjunto habitacional recebeu como moradores, pessoas que
haviam perdido suas casas em outros locais ou que precisavam de moradia. Ao imaginar a
Cruzada, dom Helder pensava no bem-estar das famílias que ali residiriam e na sua integração
com o resto da cidade.

Segundo o próprio estatuto da Cruzada de 1958, ela tinha como objetivos:

Art. 2.° A Cruzada São Sebastião foi constituída para realizar os


seguintes fins e objetivos:
a) promover, coordenar e executar medidas e providências destinadas a
dar solução racional, humana e cristã ao problema das favelas do Rio
de Janeiro;
b) proporcionar, por todos os Meios ao seu alcance, assistência material
e espiritual às famílias que residem nas favelas cariocas;
c) mobilizar os recursos financeiros necessários para assegurar, em
condições satisfatórias de higiene, conforto e segurança, moradia
estável para as famílias faveladas;
d) colaborar na integração dos ex-favelados na vida normal do bairro e
da cidade;
e) colaborar com o Poder Público e com as entidades privadas em tudo
aquilo que interessar à realização dos objetivos acima enunciados;
f) colaborar em providências para o retorno ao campo de imigrantes de
áreas subdesenvolvidas, atraídos pelas luzes da cidade e aqui
transformados em favelados;
g) exercitar quaisquer outras atividades conexas e correlatas." (UNIÃO,
1958)
Outro projeto encabeçado por dom Helder foi a criação do Banco da Previdência. A
ideia do bispo ao criar esse “banco” era reduzir as desigualdades sociais e permitir a populações
mais pobres terem acesso a um banco para chamar de seu. Sua missão, além de diminuir a
desigualdade, era ajudar o desenvolvimento de famílias que moravam em áreas de risco. Essa
tarefa era feita por meio da capacitação do trabalho, que geraria rendas maiores para tais
famílias e assim melhoraria sua qualidade de vida.

Segundo o portal online do Banco, sua missão é “Contribuir coletivamente para a


redução da desigualdade social e promover o desenvolvimento humano de jovens, adultos e
famílias residentes nas comunidades do Município do Rio de Janeiro por meio do acolhimento,
capacitação para o trabalho, geração de renda e fortalecimento das lideranças locais”. (Portal
Online Banco da Providência).

Ao reconhecer a dignidade humana em todos, mesmo naqueles que por muito tempo
foram excluídos da sociedade, dom Helder acreditou na capacidade de evolução e na
solidariedade humana. Até hoje, a Feira da providência, também de sua criação, é a maior fonte
de renda do projeto social do Banco.

2. Um diálogo entre ciência e Religião

Fé. Religião e Ciência. Três palavras que costumam ser pautas de muitos debates. É
comum para muitas pessoas unir fé a religião e, quase que automaticamente, estabelecer uma
distância entre a ciência e o sagrado. Esse distanciamento nos leva à uma velha oposição: fé x
razão. Mas será que de fato esses temas são totalmente incompatíveis?

De certo que não há uma única resposta para essa pergunta. Entretanto, parece coerente
pensar na ideia de conversação. Para José Funes, astrônomo pela Universidade de Córdoba e
filosofo pela ordem dos jesuítas6, por exemplo, não há contradição no que diz respeito a fé e
ciência, pois ele acredita que as duas de certa forma cooperam. Mesmo com linguagens e
métodos distintos é possível que ambas dialoguem e evoluam nas suas diferenças. Sendo assim,
é fundamental compreender que ideias distintas podem sim ocupar o mesmo lugar, desde que
regidas pelo respeito. A diferença é saudável.

O mundo moderno torna o debate entre ciência e fé ainda mais complexo. O avanço
tecnológico, a difusão das maquinas e as descoberta cientificas parecem dispensar os dogmas
da religião. Seria então esse o momento de exilar de vez o sagrado?

6
Conferir a entrevista que o grupo do jornal O Globo realizou com José Gabriel Funes,
Não há conflitos entre ETs e a Igreja – disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/nao-ha-
conflitos-entre-ets-a-igreja-2690685.
As indagações da humanidade são quase que infinitas. Logo, se pensarmos a religião
como uma busca por respostas, ela sempre irá existir, pois enquanto houver seres pensantes as
perguntas não se cessarão. Sendo assim, é possível dizer que sempre haverá espaço para a Fé
e a as Religiões nas sociedades.

Todavia, os avanços da humanidade trouxeram uma aparente incoerência no que diz


respeito a uma espiritualidade saudável. Vivemos uma espécie de “fé liquida”, 7a qual o homem
customiza suas crenças, colocado seus interesses particulares à frente de tudo e de todos.
Criando uma espécie de “sociedade do Eu”. Esse individualismo, reflexo do mundo moderno,
leva o indivíduo a se adaptar e acomoda-se com problemas inaceitáveis, e simplesmente fazer
olhos mudos a uma parte da população que o tempo todo é sabotada. São muitas as pessoas que
vivem à margem de um sistema cruel e egoísta.

Não é normal uma criança precisar pedir comida no sinal para não morrer de fome. É
preciso resgatar essa sensibilidade que anda em falta em nossa civilização.

É como uma autodestruição. Afinal: somos somente massas e amostras? O problema


não parece estar na religião, nem na fé, nem mesmo na ciência. O problema está no homem,
que ainda não aprendeu a lidar com as diferenças. O homem que insiste num progresso
desregrado, e com isso, muitas vezes aniquila a si próprio. Rubem Alves diz (ALVES, 1984)
que ter fé é apostar na expectativa, é um gesto de esperança. A respeito disso, acredito que
pensar uma espiritualidade saudável, é pensar uma sociedade mais justa. Um lugar onde não
haja espaço para segregação. Buscar um olhar para o coletivo. Porque um dos caminhos para
qualquer sociedade é a tolerância ativa.

No fim das contas encontramo-nos em um belo paradoxo. O que separa Religião, Fé e


Ciência é justamente o que as aproximam. A vontade de conhecer, a busca incessante por
respostas, e o próprio amor leva o homem a crer na ciência, ao mesmo tempo que o aproxima
do divino.

3. Religião: Ópio do Povo – Karl Marx e Dom Helder Câmara

7
“Fé Liquida” – expressão utilizada pelo professor Leandro Karnal na palestra Fé Liquida. Palestra promovida
pelo programa Café Filosófico no dia 05.10.2018. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=7eT5NjEoZ3Q
Karl Marx (1818-1883) foi um dos pensadores que mais criticou a religião e a Igreja.
Ao posicionar-se contra a perpetuação da miséria e a exploração do proletariado, ele entendeu
que o discurso religioso alimentava o conformismo das massas. Dessa forma, o proletário
aceitaria sua condição miserável, com a justificativa da vontade divina.

O homem inventou Deus para que transcenda sobre ele. (Ludwig


Feuerbach, 1804-1872).
Na medida em que a religião aliena e ilude as pessoas, ela atua como um entorpecente,
segundo a visão de Marx. Dessa perspectiva, Rubem Alves reforça que (Alves, 1984, p.80), ela
seria, ainda, um instrumento de alienação que fomentava as desigualdades e condições
desumanas de trabalho:

[...] E é aqui que aparece a religião, em parte para iluminar os


cantos escuros do conhecimento. Mas, pobre dela... Ela mesma
não vê. Como pretende iluminar? Ilumina com ilusões que
consolam os fracos e legitimações que consolidam os fortes. [...]
(Alves, 1984, p.80)

O inconformismo sobre o assunto fez Marx escrever uma de suas frases mais icônicas.
Ela inspiraria muitos seguidores, principalmente no século seguinte, simbolizando a época que
representou uma verdadeira ameaça à religião. “O sofrimento religioso é, ao mesmo tempo,
expressão de um sofrimento real e protesto contra um sofrimento real. Suspiro da criatura
oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito: a religião
é o ópio do povo”. (K. Marx)

Para Marx, Deus é uma invenção da qual o homem precisa, para aliviar o sofrimento
diante de sua condição. A crença na existência divina conserta, por exemplo, a aparente
ausência de sentido da vida. Marx acreditava que, uma vez extirpadas as relações de exploração
entre a burguesia e o proletariado, também cessaria a necessidade da religiosidade. Entretanto,
duzentos anos depois e a religião continua tendo tem impacto na vida das pessoas. (ALVES,
1984)

Assim como Marx, Freud (1856-1939), também fez críticas a experiência Religiosa.
Buscava analisar a religião da perspectiva psicológica. Para ele, Deus é uma manifestação do
desejo do homem, ou seja, um símbolo de suas necessidades adormecidas.

Os desejos que acometem o homem, segundo Freud, “nascem da necessidade de se


defender da força esmagadoramente superior da natureza”: a morte. O ser humano teme a morte
acima de tudo e encontra em Deus um remédio para ela. A religião oferece a promessa da vida
eterna, além do amparo da figura divina: um pai poderoso que cuida de seus filhos e controla
tudo.

De acordo com Rubem Alves (Alves, 1984) no capítulo 6 do livro O que é Religião, em
seus estudos, Freud faz uma comparação entre a religião e o sonho:

Os sonhos são a voz do desejo. E é aqui que nasce a religião, como


mensagem do desejo, expressão da nostalgia, esperança de prazer
(...) Sonhos são as religiões dos que dormem. Religiões são os
sonhos dos que estão acordados. (Alves, 1984, p.91)
3.1. A fé e a experiência religiosa para além das catedrais

Marx e Freud entendem Deus como invenção do homem e reflexo de seu desejo, seja
como instrumento de controle do outro, ou como consolo para si mesmo. Suas ideias são
relevantes filosófica e sociologicamente, na medida em que questionam o papel da religião na
sociedade e nos ajudam a entender o impacto da fé sobre a Humanidade. Contudo, entender a
experiência religiosa e a força da fé, exige um olhar mais atento, haja vista que a religião atua
nas áreas mais sensíveis do ser humano.

Partindo dessa premissa, é possível estabelecer um contraponto com a figura de dom


Helder Câmara e o que Marx e Freud observaram a respeito da religião.

Dom Helder viveu sua fé de maneira admirável, estava atento as mazelas do mundo e
buscava sempre um equilíbrio entre sua vida religiosa e suas posições políticas. É interessante
pensar esse diálogo, já que dom Helder de certa forma desafia Marx, trazendo uma outra
perspectiva; propondo uma releitura para o que é viver uma vida religiosa. Ele tira a religião do
plano das ilusões e propõe uma igreja que encoraje as massas. É possível observar esse fato já
nos primeiros minutos do documentário, Dom Helder Câmara - O Santo Rebelde: quando ele
diz: “As massas vão abrir os olhos. As massas terão a consciência despertada. E se amanhã eles
tiverem a impressão de que o cristianismo teve medo, que não teve coragem de dizer a verdade,
de mostrar a verdade, então acabou-se o cristianismo. ”. (BAUER, 2004)

Além disso, Helder Câmara em oração a são Francisco revela seu desejo de ser
instrumento de paz. Ser mensageiro não de uma paz falsa ou ilusória, mas de uma paz
verdadeira. Diferentemente de Freud, dom Helder buscava na sua fé forças para sonhar e
construir um mundo mais justo, mais humano. Ele nos revela que a experiência religiosa vai
além da alienação, dos desejos e dos sonhos fracassados.
Dom Helder encontrou na fé força para gritar contra as injustiças, caminhos para
denunciar o autoritarismo e fez dela um instrumento de reflexão. Clamava por um mundo
eucarístico, testemunhava e anunciava uma sociedade sem exclusão, sem fome. Quando se
encontrava sem forças, buscava em suas vigílias noturnas inspirações. Meditava, e em oração
refazia sua unidade no senhor.

No documentário, nos chama atenção a cena que evidencia a criação do grupo “O


encontro de irmãos”, uma inciativa própria, onde pessoas simples que se reuniam em comunhão
com o propósito de refletir suas realidades, proporcionando ao povo a oportunidade de assumir
seu protagonismo (BAUER, 2004), mais um exemplo de como a fé pode ser sinônimo de força.

Não somente sofreu censura da imprensa, do governo, como também da própria igreja,
que, de certa forma, “silenciou” essa voz por vezes incompreendida. Tenho a impressão de que
a igreja não estava preparada para compreender a visão universal de Dom Helder Câmara, essa
percepção tão clara de mundo, que buscava combater as injustiças e elucidar, dar voz e vez ao
povo.

3.2.O reconhecimento da Igreja

Atualmente está tramitando o processo de canonização de Dom Helder Câmara. 8A


Igreja que outrora, não compreendia esse “santo rebelde”, hoje, parece caminhar à passos largos
para o reconhecimento de dom Helder como santo. Fazer isso pode nos dizer que compreender
e viver uma determinada religião é acompanhar a dinâmica do mundo. É renovar-se. É repensar
e criar a cada dia uma Igreja, na qual prevaleça a força da fé. Dom Helder é um exemplo de
como a experiência religiosa não é estática.

Conclusão

Fé, ciência e religião são temas que aparentemente não se esgotam os debates. Acredito
que o amor pela humanidade talvez seja o alicerce da religião e da ciência, mesmo que muitas
vezes por vias contraditórias.

Marx e Freud entendiam a religião como um fracasso, algo fadado a desaparecer. Dom
Helder os chama para uma dialogo amigável, e através de suas atitudes comprova que a

8
Sobre o Processo de canonização de Dom Helder Câmara, conferir a matéria: Beatificação de Dom Hélder
Câmara é aprovada, disponível em: https://tv.cancaonova.com/igreja-no-brasil/beatificacao-de-dom-helder-
camara-e-aprovada/
compreensão da religião transcende a ideia de que as religiões são somente instrumento de
alienação e ilusão.

Há um ledo engano /
Em não querer ver /
Que é dom: recomeçar!
Fernando Anitelli9
A pratica religiosa é dinâmica, como demostrou dom Helder. Percebia no sacerdócio
uma possibilidade de aproximar-se daquele que talvez fosse sua maior inspiração: Jesus Cristo.
Convertia suas crenças em força, em amor pelo próximo. Demostrando que a experiência
religiosa nasce de um desejo que vai além do próprio tempo humano. E que de alguma forma
liga-nos a uma perspectiva, uma esperança de um mundo no qual prevaleça o amor e a justiça.

A religião pode sim ser o ópio do povo. Mas viver a religião em sua totalidade é seguir
talvez o exemplo de dom Helder Câmara. E, independente de quaisquer ideologias ou dogmas,
estar atento ao mundo, estar aberto aos processos de mudança e transformações exteriores e
interiores do indivíduo e da sociedade. É fazer da fé um instrumento de amor e força para
reivindicar condições mais humanas. E um mundo no qual, os irmãos de lá e os irmãos de cá
percebam, que a canção de lá e canção de cá tem tudo a ver10, e que ideias distintas podem sim
ocupar o mesmo lugar, desde que regidas pelo respeito.

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10
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