Sie sind auf Seite 1von 15

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/318648848

As origens do Studium de Bolonha

Article · December 2012

CITATION READS

1 27

1 author:

José Domingues
Lusíada University
51 PUBLICATIONS   31 CITATIONS   

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

A Tradição Medieval das Sete Partidas em Portugal View project

Dois séculos de constitucionalismo eleitoral em Portugal (1820-2020): Eleições constituintes e eleições nas constituições. View project

All content following this page was uploaded by José Domingues on 23 July 2017.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


As origens do studium de bolonha

José Domingues
Professor da Universidade Lusíada do Porto
As origens do Studium de Bolonha, pp. 309-322

Resumo

Na última dúzia de anos discutiu-se muito sobre as origens do Ius commune


e o papel desempenhado por insignes juristas como Irnério, Graciano, Bulgarus,
etc. Fica aqui uma súmula dessa controvérsia que, à semelhança do que aconteceu
no século XII, agrupou doutos académicos dos vários quadrantes do planeta.

Palavras-chave
Universidade de Bolonha; Irnério; Direito Romano; Direito Canónico; Ius
Commune.

Abstract

The origin of Ius Commune and the role of insigne jurists like Irnerio,
Graciano, Bulgarus, etc., have been highly debated in the last dozen years. Here
is a summary of this controversy that joined academic scholars from the various
quadrants of the planet, similarly to what happened in the twelfth century.

Key-words
University of Bologna; Irnério; Roman Law; Canon Law; Ius Commune.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 311


As origens do Studium de Bolonha, pp. 309-322

O epicentro do “renascimento” jurídico medieval, localizado na cidade


italiana de Bolonha e ligado à fundação do seu Studium, acabou por se converter
num ingente fenómeno que alastrou o Ius commune por toda a Europa. Ao abordar
o caso português, invariavelmente, acabei por ser conduzido às origens desse
epicentro e aos seus mais “recentes desenvolvimentos de elevado fuste”1. Uma
vez que, para mim, o terreno se revela bastante pantanoso e urdido de múltiplas
ciladas, as linhas à frente pretendem apenas agregar em sinopse alguns dos
protagonistas-autores e algumas das mais recentes altercações impressas sobre
as origens do Studium de Bolonha na primeira metade do século XII, que me foi
possível consultar2.
Desde longa data que se apregoa ter sido em Bolonha, com o ensino do
Direito romano por Irnério, que o estudo do Direito se autonomizou e converteu
em ciência jurídica autónoma. Um depoimento escrito caiu da pena do bolonhês
Odofredus de Denariis († 1265). Segundo este testemunho, consignado pelo jurista
de duzentos, a chegada dos libri legales à escola de artes de Bolonha permitiu a
Pepo ou Pepone encetar, por iniciativa sua, o ensino do Direito. No entanto e
apesar da sua ciência, terá sido Irnério († ca. 1125), que ensinava artes liberais
nessa cidade e começou a estudar Direito a expensas suas, a alcançar grande
fama (maximi nominis), convertendo-se na primeira luz (primus illuminator) da

1
José DOMINGUES, “Recepção do Ius commune medieval em Portugal, até às Ordenações
Afonsinas”, Initium: Revista Catalana d’Història del Dret, 17, 2012, pp. 121-168.
2
Não é minha pretensão fazer um estudo exaustivo do tema e da multitude das matérias conexas, que
obrigaria à consulta de uma bibliografia oceânica, arredada dos singelos propósitos deste trabalho e
dos caminhos de investigação que preferencialmente trilho. Propositadamente, terei que me alhear
de temas actuais de subida importância, que requerem tempo e preparação que, neste momento,
não possuo – v.g., a Redaktiongeschichte do Decretum Gratiani e os excelsos contributos científicos
de Carlos Larrainzar, (posteriormente aceites e confirmados por outros académicos, como José
Miguel Viejo-Ximénez) que infirmaram, por extenso, as arrojadas teorias de Anders Winroth. Para
aprofundar conhecimentos nesta temática, vide Carlos LARRAINZAR, “Métodos para el análises
de la formación literária del Decretum Gratiani. «Etapas» y «esquemas» de redacción”, Monumenta
Iuris Canonici, Series C vol. 14 – Proceedings of the Thirteenth International Congress of Medieval
Canon Law, Città del Vaticano, Biblioteca Apostolica Vaticana, 2010, pp. 85-115; Idem, “L’edizione
critica del Decreto de Graziano”, Folia Canonica, vol. 9, 2006, pp. 69-92; Idem, “La investigación
actual sobre el Decreto de Graciano”, Annaeus – Anales de la Tradición Romanística, vol. 2, Madrid,
2005, pp. 67-92. Nestes trabalhos o autor fornece bibliografia atinente e suficiente para iniciar e
aprofundar esta temática, nomeadamente, os trabalhos de José Miguel Viejo-Ximénez citados nas
notas 11 e 41 do “Métodos para el análises de la formación literária del Decretum Gratiani”.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 313


José Domingues

ciência jurídica. Uma vez que foi o primeiro a fazer glosas ao livros de Justiniano
passou à posteridade como a candeia do Direito (lucerna iuris)3. A mítica escola
dos glosadores acabaria por ser consolidada pelos seus mais directos seguidores,
vulgo conhecidos como os quatro doutores – Bulgarus, Martinus, Hugo e Jacobus.
Em determinado momento, preconiza-se uma “ressureição” da figura de
Pepo. Partindo do cabouco documental fornecido pelo teólogo do século XII,
Radulfo Negro, no seu Moralia Regum (ca. 1180), e conjugando-a com referências
documentais da praxis jurídica de 1072 a 1079, que o identificam como legis doctor
et advocatus, uma corrente jurishistoriográfica evidencia a sua revalorização.
A identificação, na obra de Randulfus Niger, como aurora do Direito romano
(clarum Bononiensium lumen) e como bom conhecedor do Código e das Institutas
de Justiniano (Codicis Iustiniani et Institutionum baiulus), não deixam dúvida que
estamos perante um perfeito conhecedor do Direito romano. Foi nessa qualidade
de jurisperito romanista que, num julgamento na Lombardia, conseguiu impor a
sua opinião – adversa à dos juízes do reino, que se regiam pelo Direito lombardo
– de que a pena aplicável não poderia depender do extracto social da vítima
(servo ou homem livre). Expresso o conhecimento do Código e das Institutas,
o seu contacto com o Digesto ficaria atestado a partir do célebre julgamento de
Marturi (1076)4. O juiz delegado da condessa Beatriz, Nordilo, decide a causa
com base numa citação do Digesto – “Lege digestorum libris inserta considerata,
per quam copiam magistratus non habentibus, restitutionem in integrum pollicetur”5 –
estando presente Pepo legum doctor6.
O que não quer dizer que, no século XI italiano, o Direito romano já tivesse
adquirido preeminência sobre os ordenamentos jurídicos consuetudinários. No
chamado processo de Grafagnolo, perante os juizes da condessa Matilda de

3
“quidam dominus Pepo coepit auctoritate sua legere in legibus; tamen quidquid fuerit de scientia sua nullius
nominis fuit. Sed dominus Irnerius dum doceret in artibus in civitate ipsa, cum fuerunt deportati libri
legales, coepit per se studere in libris nostris, et studendo coepit docere in legibus et ipse fuit maximi nominis
et fuit primus illuminator scientiae nostrae; et quia primus fuit qui fecit glossas in libris vestris, vocamus
eum lucerna iuris” – apud Nuno J. Espinosa Gomes da SILVA, História do Direito Português – Fontes de
Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2011, Nota VII – “Sobre a fundação da Universidade
de Bolonha”.
4
O julgamento de Marturi, do ano 1076 (cf. nota 5), continua ser a mais vetusta referência documental
ao Digesto. Na chancelaria papal, a mais antiga referência ao Digesto surge na carta de Inocêncio II
Tunc pax et charitas (1133-1136). Uma carta do Papa Calisto II, de 1123, já refere uma constituição a
partir do Código (C 1.2.1).
5
“Sed et si magistratus copia non fuit, Labeo ait restitutionem faciendam” (D 4.6.26.4).
Textos do Corpus Iuris Civilis, v. 1. Institutiones, recognovit Paulus Krueger. - Digesta, recognovit
Theodorus Mommsen.- v. 2. Codex Iustinianus, recognovit Paulus Krueger.- v. 3. Novellae,
recognovit Rudolfus Schoell. (Opus Schoellii morte interceptum, absolvit Guilelmus Kroll), em
http://webu2.upmf-grenoble.fr/Haiti/Cours/Ak/ (consultado no dia 10 de Abril de 2012).
6
Sobre o processo de Marturi (1076): Antonio Padoa SCHIOPPA, “Il ruolo della cultura giuridica in
alcuni atti giudiziari italiani dei secoli XI e XII”, Nuova Rivista Storica, n.º 64, 1980, pp. 270-273. Que
acrescenta que a asserção, no dito processo de Marturi, “per quadrainta annorum curricula” teria sido
decalcada do Código: “quadraginta annorum utente curriculis” (C 7.40.1.1c). Francesca ROVERSI-
MONACO, “Il ‘circolo’ Giuridico di Matilde: Da Bonizone a Irnerio”, Bologna nel Medioevo, Storia
di Bologna 2, Bologna, 2007, pp. 387-409.

314 Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012)


As origens do Studium de Bolonha, pp. 309-322

Canossa, ainda se seguiram os termos inerentes à prova do duelo judiciário7.


No entanto – alegando sobretudo o carácter tardio do testemunho de
Odofredo (com mais de século e meio), a míngua de referências documentais
coevas, a falta de obras de sua autoria e a falha na designação de magister –
surgem autores a sublevar-se contra a notável docência desenvolvida por Irnério
e a existência de uma Escola de Direito em Bolonha nas primeiras décadas do
século XII, v. g., Richard W. Southern, Johannes Fried e Anders Winroth. Todos
colocam em dúvida o mítico magister e o seu ensino escolar e sistemático do
Direito romano em Bolonha.
Anders Winroth, alicerçando-se em duas “recensões” diferentes do
Decretum de Graciano, dirige uma severa crítica ao lucerna iuris8 e aventa que o
ensino do Direito romano em Bolonha terá começado no início dos anos 1130 –
estava lançada a polémica. O seu pensamento assenta nas seguintes premissas:
se a primeira versão do Decreto (terminada depois de 1139) ainda denota um
Graciano leigo nos preceitos normativos de Justiniano, já a segunda versão (ca.
1150) apresenta um jurista bem formado nessa matéria. Se Graciano ensinava
Direito canónico em Bolonha, aquando da elaboração da primeira versão, não
podia deixar de estar a par da magnificente renovação do ensino do Direito
Romano. Assim sendo, contrariamente ao que se tem divulgado, o ensino do
Direito romano seria devido à actividade de Bulgarus e não de Irnerius. Para este
investigador de Yale, não existe qualquer prova que ateste a existência de uma
escola de direito em Bolonha no tempo de Irnerius. A escola de Bolonha na década
de 1130 ainda seria um pálido balbucio, que, só a partir do final dessa década, iria
adquirir um acelerado incremento9. Como se constatará de seguida, esta tese não
obteve qualquer acolhimento na comunidade científica hodierna e foi duramente
macerada. No entanto, apesar de abrogada, não deve ser encerrada na tumba do

7
Sobre o processo de Garfagnolo (1098): SCHIOPPA, “Il ruolo della cultura giuridica in alcuni atti
giudiziari italiani dei secoli XI e XII”, pp. 273-275. ROVERSI-MONACO, “Il ‘circolo’ Giuridico di
Matilde: Da Bonizone a Irnerio”, p. 405, nota 28: “Le citazioni romanistiche non avevano però sempre
lo stesso successo, come dimostra l’altrettanto celebre placito di Garfagnolo del 1098, in cui la causa fra
il monastero reggiano di San Prospero e gli homines de vallibus venne risolta per ordine di Matilde ad
pugnam, malgrado l’allegazione di testi romanistici da parte dell’avvocato del monastero” (As citações
da romanistica não tinham sempre o mesmo êxito, como o demonstra a igualmente famosa lide de
Garfagnolo de 1098, onde a causa entre o mosteiro reggiano de San Prospero e homines de vallibus foi
resolvida por ordem de Matilda ad pugnam, apesar do facto de a alegação dos textos romanos pelo
advogado do mosteiro). E também Kenneth PENNINGTON, Roman Law at the Papal Curia in the
Early Twelfth Century, em http://faculty.cua.edu/pennington/PenningtonRomanLawLateranII.
htm (consultado dia 10 de Abril de 2012).
8
As afirmações de Odofredus e da literatura moderna que o seguiu, no que respeita às qualidade
extraordinárias de Irnerius como jurista erudito, não podem ser suportadas e são, na minha opinião,
exageradas (Les affirmations d’Odofredus et de la littérature moderne qui le suite en ce qui concerne les
qualités extraordinaires d’Irnerius en tant que juriste érudit ne peuvent être étayées et sont, à mon Avis,
exagérées) (p. 294).
9
Anders WINROTH, “Les Deux Gratien et le Droit Romain”, Revue de Droit Canonique, 48/2, 1998,
pp. 285-299. Conforme o próprio salienta, trata-se de um resumo do respectivo capítulo da sua
tese de doutoramento The Making of Gratian’s Decretum, Cambridge, 2000. Este entendimento será
manifestado noutros trabalhos de sua autoria.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 315


José Domingues

esquecimento, porque o entendimento dos avanços e conclusões mais recentes e


credíveis pressupõe que seja aqui colacionada.
No intuito de firmar a sua ideia, posteriormente – em Origins of legal
education in medieval Europe10 – Winroth socorre-se de uma carta, não datada, onde
um monge de Saint-Victor de Marseille expressa a sua vontade de prosseguir o
estudo das leges em Pisa11. A crítica tinha colocado como hipóteses mais plausíveis
de datação os anos 1124/1127 ou cerca 1180. No entender de Winroth a data mais
plausível seria a mais recente (1180), permitindo-lhe aventar para essa época a
recepção do Direito romano na Provença e secundar que o ensino desse Direito,
em Bolonha, se teria iniciado com Bulgarus, a partir de 1140, e não com Irnerius,
nos primórdios desse século.
No entanto, Gerard Giordanengo e André Gouron, com argumentos
documentais válidos, acabam por contrariar a datação crítica do professor de
Yale, perseverando na datação de 1124/1127. A argumentação:
(i) Antes de mais, face às várias interdições papais de estudo do Direito aos
monges e clérigos desde 1130 (uma interdição, implica, necessariamente,
uma prática anterior), em data posterior não faria muito sentido o pedido
do monge de S. Victor de Marselha;
(ii) por outro lado, os juristas provençais anteriores a 1180 (os autores

10
Texto consultado em PDF, mas já não disponível on-line em http://law.usc.edu/academics/assets/
docs/winroth.pdf .
11
Vale a pena deixar aqui o conteúdo resumido dessa carta: “Un moine R. écrit, de Pavie, à son abbé B.,
qui vient d’être élu à l’issue d’une période de vacance du siége. Après une captatio benevolentiae, régigée
selon les canons de la rhétorique la plus classique, il explique que, envoyé à Rome par ses frères spirituels pou
une affaire pressante – mais non précisée – concernant l’abbaye, il a voyagé en compagnie de pèlerins. Mais
sa monture est tombée malade et a fini par mourir; il sést trouvé alors bloqué à Pavie. Aprés avoir hésité, il a
décidé, «rougissant de honte» à l’idée d’un retour de mission infructueux, de s’adonner sur place à l’étude des
lettres. Mais il voit sans cesse passer par lá des groupes d’étudiants, notamment provençaux, et parmi eux
des membres de son ordre, qui veulent se consacrer à l’étude des leges. Il propose donc à son abbé de pousuivre
«quelque temps» des études juridiques, ce qui, d’après lui, sera bien utile à un monastère aux prises avec
des voisins, ecclésiastiques comme laïques, attachés à s’emparer des biens de la communauté. Pour ce faire, il
supplie l’abbé de bien vouloir lui envoyer au plus vite quelque argent. Afin de pouvoir à son entretien futur,
il lui demande de s’adresser au prieu que les Victorins ont chargé de diriger leur annexe de Pise, où il compte
étudier” (O monge R. escreve de Pavia ao seu abade B., que tinha acabado de ser eleito na sequência
de uma vacatura na sé. Após uma conquista da benevolência, redigida de acordo com a retórica
mais clássica, ele explica que, tendo sido enviado a Roma pelos seus irmãos espirituais para um
assunto urgente – mas não especificado – respeitante à abadia, tinha viajado na companhia de
peregrinos. Mas tendo o seu cavalo ficado doente, acabando por morrer, ele tinha ficado retido
em Pavia. Após hesitação tinha decidido, «corando de vergonha» perante a ideia de um regresso
infrutuoso, entregar-se ao estudo das letras. Mas ele vê por lá, sem parar, a passagem de grupos
de estudantes, nomeadamente provençais, e de entre eles membros da sua ordem, que querem
dedicar-se ao estudo das leis. Ele propõe por isso ao seu abade prosseguir «durante algum tempo»
os estudos jurídicos, o que, na sua opinião, poderá ser de grande utilidade a um mosteiro às contas
com vizinhos, tanto eclesiásticos como laicos, que se têm apoderado dos bens da comunidade.
Para o fazer ele suplica ao abade que lhe envie o mais cedo possível algum dinheiro. E para a sua
manutenção futura ele pede-lhe que escreva ao prior que os Vitorianos encarregaram de dirigir o
seu anexo de Pisa, onde ele pretende estudar).
Gérar GIORDANENGO e André GOURON, “Sur un moine bénédictin en avance ou en retard sur
son temps”, Revue Historique de Droit Français et Étranger, 85 (2), Abril-Junho de 2007, pp. 315-316.

316 Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012)


As origens do Studium de Bolonha, pp. 309-322

apresentam em anexo uma lista assaz preenchida para 1127-1180);


(iii) o elevado estalão alcançado pela literatura jurídica de meados do séc.
XII (v. g., a Summa Trecensis, o Codi e a Summa de Rogério);
(iv) o testemunho indiciário do Código de Justiniano num acordo de 1152,
presidido pelo próprio abade de Saint-Victor12.

Para os dois autores, trata-se de indícios bastantes e suficientes da


precocidade do Direito romano, em relação ao canónico, em Itália e na Provença
francesa. O documento em causa, acaba por constituir um testemunho iniludível
do fascínio exercido pela cultura jurídica romanística sobre os intelectuais da
época, oriundos das mais diversas regiões da Europa, independentemente de
poder ser tributada à reputação alcançada por Irnério, por outros contemporâneos
desconhecidos13 ou pelos seus imediatos sucessores. Pisa em vez de Bolonha?
Não deixa de ser enigmático que o monge vitoriano, para prosseguir os seus
estudos em leges, tenha escolhido a primeira14.
Em trabalho individual, publicado no mesmo ano, André Gouron acaba por
complementar a sua arguição contra a tese de Winroth, v. g.:
(i) Deprecia a falta do magister, que não pode ser usado para subestimar
a actividade profissional de Irnério, até porque ainda se não conhece a
forma exacta como eram tratados os coevos professores romanistas,
plausivelmente mais identificados por domini do que magistri;
(ii) assevera que Odofredo não é a única fonte documental usada pelos
historiadores actuais, chamando à colação a Crónica de Othon Morena, as
menções ao Guarnerius Teutonicus e a incisiva evocação de Radulfo Negro
(† a. 1189) ao propagante magistro Warnerio juris disciplinam;
(iii) se por um lado, não se pode dizer que sejam insignificante o volume
e interesse alcançado pelas obras legadas (um formulário de sua autoria
seria seguido pelos tabeliães de Bolonha, desde 1116), que lhe são
atribuídas desde Kantorowicz;
(iv) por outro, a propósito das glosas marginais pretensamente mal
atribuídas ao signo y, que colocariam em questão o conhecimento e,
sobretudo, a actividade de ensino de Irnério, conclui que o argumento

12
Idem, pp. 315-322.
13
A propósito do contributo para o “renascimento” jurídico do Direito romano, prestado por outros
juristas, ROVERSI-MONACO, “Il ‘circolo’ Giuridico di Matilde: Da Bonizone a Irnerio”, salienta
que existem, no entanto, mais afinidade para o efeito de vincular Anselmo a Irnerio, Bonizone a
Pepone, Pepone a Irnerio (Non mancano, peraltro, ulteriori affinitá a legare Anselmo a Irnerio, Bonizone
a Pepone, Pepone a Irnerio). Sobre Lanfranco, cf. Nicolás Álvarez de las ASTURIAS, “Lanfranco de Bec
en los Orígenes del «Renascimiento» Cultural del Siglo XII”, Ius Canonicum, XLIII/86, 2003, pp. 581-
601, em http://dspace.unav.es/dspace/bitstream/10171/6826/1/86-03.Alvarez.pdf (consultado
dia 10 de Abril de 2012) http://didattica.pusc.it/file.php/103/Lanfranco.pdf (consultado dia 10
de Abril de 2012).
14
GIORDANENGO e GOURON, “Sur un moine bénédictin en avance ou en retard sur son temps”,
pp. 315-322.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 317


José Domingues

tirado do lugar e da forma do signo y não é determinante15;


(v) sobre o obscuro ensino de Bulgarus em Bolonha não se pode ignorar o
facto de ter endereçado o seu tratado processual De arbitris ao chanceler
papal Haimeric (1123-1141)16;
(vi) insiste que o conhecimento do Direito romano precedeu a difusão do
Decretum na Provença, tal como em Itália.

E, a propósito da relação entre o Direito canónico e o romano, acaba por


concluir que desta coordenação equilibrada, onde o prato romanista pesa tanto
quanto o outro, nascerá o utrumque jus que passará a ser cultivado pelos juristas
europeus a partir de Hugucio († 1210) (De cette coordination balancée, où le plateau
romaniste pese aussi lourd que l’autre, naîtra cet utrumque jus que cultiveront à l’envi
les juristes européens à partir d’Uguccio)17.
Perante assaz convincente inferência, não pode ser depreciado o eminente
papel preenchido por Irnério no delabar do século XII. Nesta senda, o seu
magistério e o contributo iniludível na génese do Studium de Bolonha, fica
bem evidenciado e resguardado no recente trabalho de Andrea Padovani, sem
nenhum “mito”, sem nenhum “expediente artificioso” que, realmente, possa
ofuscar esses os primóridos (“nessun ‘mito’, nessun ‘espediente artificioso’ adombra
davvero quegli esordi”)18.
Não podemos avançar sem deixar bem vincado o novo horizonte rasgado
à visão tradicional. “En suma” – afirma categoricamente Larrainzar – “la
investigación sobre la formación literaria de la Concordia discordantium canonum del
maestro Graciano encierra, hoy por hoy, las claves para progresar en este campo de la
investigación medieval y aportar luces renovadoras al estudio sobre los orígenes del
«renacimiento jurídico» europeo del sigo XII”19. A descoberta de versões antecedentes

15
Raras, mas também curtas e de uma inegável concisão (excepto no que respeita às continuationes
titulorum), estas glosas irnerianas testemunham, sem dúvida, uma atividade professoral que, às
vezes, seria, na melhor das hipóteses, exagerada na sua amplitude. Mas isso não é seguro: como
foi observado por Weimar, os glosadores subsequentes provavelmente apagaram as siglas das
mais antigas glosas (Rares, mais aussi courtes et d’une inégalable concision (sauf en ce qui concerne les
continuationes titulorum), ces gloses irnériennes témoignent sans nul doute d’une activité professorale dont
on a tout au plus exagéré parfois l’ampleur. Encore ceci n’est-il pas sûr: comme le remarque Weimar, les
glossateurs ultérieurs ont sans doute effacé les sigles des gloses les plus anciennes) (236).
16
Cf. a este propósito os avanços de Pennington, infra.
17
André GOURON, “Le droit romain a-t-il été la «servante» do droit canonique?”, Initium: Revista
Catalana d’Història del Dret, 12, Barcelona, 2007, pp. 231-243.
18
Andrea PADOVANI, Alle Origine dell “Universitat” di Bologna: L’Insegnamento di Irnerio, em
http://www.giuri.unibo.it/NR/rdonlyres/E8A63069-10E5-4796-A714-6D866694BE1D/183338/
ALLEORIGINI.pdf (consultado dia 10 de Abril de 2012).
19
Carlos LARRAINZAR, “Las Raíces Canónicas de la Cultura Jurídica Occidental”, Annaeus – Anales
de la Tradición Romanística, vol. 1, 2004, pp. 207-224.
Para uma exegese sobre as etapas de composição do Decreto de Graciano, desde a tese de Winroth
(Siracusa, 1996) até ao XIth International Congress of Medieval Canon Law (Catania, 2000), e as preciosas
contribuições de autores como Winroth, Weigand, Larrainzar, Viejo-Ximénez, Paxton, De León, etc.
vide José Miguel VIEJO-XIMÉNEZ, “«Gratianus Magister» y «Guarnerius Teutonicus». A propósito
del «XIth International Congress of Medieval Canon Law» de 2000 em Catania”, Ius Canonicum,

318 Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012)


As origens do Studium de Bolonha, pp. 309-322

à versão Vulgata do Decretum – por Anders Winroth e Carlos Larrainzar, mas


com posições interpretativas totalmente opostas – veio exumar da tumba do
esquecimento a raiz canónica na origem da tradição jurídica ocidental e sublimar
o nome de Graciano. Para Larrainzar, que reivindica um sério contributo canónico
nos começos do Studium de Bolonha e consequente surgimento da ciência do
Direito, não será válido distinguir, nos começos, entre canonistas e legistas. Para
este erudito académico da Universidade de La Laguna (Tenerife – Canárias),
anteriormente a qualquer especialização, existiu um grupo de mestres que
partilhavam métodos idênticos sobre os mesmos textos, canónicos e civis. Em
suma, o seu contributo permite-lhe, licitamente, concluir que “nuestra tradición
jurídica occidental muestra poseer sus raíces básicamente en esa reflexión crítica sobre los
decreta de la tradición canónica, también auxiliada (desde la primera hora) por el estudio
de las fuentes «nuevas» del Derecho romano”20.
Keneth Penningthon encontra nas Constituições de Roger II, rei da Sicília,
o primeiro argumento válido para contrariar a tese de Winroth. Este corpus
legislativo, concluído ca. 1140 por mão de versado jurista da escola de Bolonha,
revela-se o mais vetusto exemplo da influência exercida pelo incipiente Ius
commune no Direito medieval secular. Entre as suas fontes incontestadas,
Penningthon, identifica o Codex, todo o Digesto e o tratado processual – De
arbitris – da autoria de Bulgarus21.
Dispenso-me de aqui repisar os notáveis pormenores que pejam o trabalho
de Penningthon, aproveitando apenas a argumentação final esgrimida em defesa
do ensino precoce do Direito romano na escola de Bolonha:
(i) A compilação das Constituições de Roger só pode ser tributada a jurista
bem treinado;
(ii) Esse jurista deve ter vindo de Bolonha, a pedido do próprio Roger,
depois de se tornar rei em 1130;
(iii) As Constituições de Roger são o melhor comprovativo da influência da
escola de Direito de Bolonha na Lei secular, na primeira metade do século
XII;
(iv) O que torna evidente que a escola de Bolonha produziu jurisperitos,
que, no curso da década de 1130, vão revelar profundo conhecimento de
todo o corpus de Direito romano;
(v) Assim sendo, nos anos de 1130, Bolonha está longe de ser uma escola a
dar os seus primeiros passos22.

XLI/81, 2001, pp. 47-56, em http://dspace.unav.es/dspace/handle/10171/3668 (consultado dia


10 de Abril de 2012).
20
LARRAINZAR, “Las Raíces Canónicas de la Cultura Jurídica Occidental”, p. 30.
21
Kenneth PENNINGTON, “The Birth of the Ius commune: King Roger II’s Legislation”, Rivista
Internazionale di Diritto Comune, n.º 17, 2006, em http://faculty.cua.edu/pennington/Law508/
NormansPalermoRIDC.htm (consultado dia 10 de Abril de 2012).
22
Cf. a nota 135 que evidencia as passagens em que Winroth afirma textualmente: “I suggest that the
law school of Bologna originated in the 1130s” e “Gratian and Bulgarus taught in Bologna by the 1130s.
There is no evidence for any earlier teaching there”.

Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 319


José Domingues

Salientando o papel desempenhado pelas Constituições de Roger e pela


carta que Bulgarus dirigiu ao chanceler papal Haimeric, Pennington anuncia
um novo estudo, centrado na análise crítica das leis romanas e do tratado
processual de Bulgarus como fontes do Decretum de Graciano, para aprofundar
o entendimento do “Big Bang” do Ius commune23.
Efectivamente, no estudo publicado no ano seguinte, Keneth Penningthon
aventa que o “big bang” do Ius commune – expressão do autor, que deve ser
matizada, tendo em atenção o que ficou dito por Carlos Larrainzar, em tempos
tão precoces ainda não se pode falar em Ius commune – teria sido na década
de 1130, com a conversão do Direito romano numa ciência prática, i. e., que
influencia os sistemas legais canónico e civil e os estatutos locais, bem como as
instituições e a mentalidade jurídica medieval – foi o momento em que nasceu a
jurisprudência do ius commune (It was the momento in which the jurisprudence of
the Ius commune was born). Mas o surgimento dessa jurisprudência – entendida
como o conhecimento da ciência prática de interpretar sabiamente as leis e fazer
a sua justa aplicação a todos os casos concretos (of the practical science of giving wise
interpretation to the laws and making a just application of them to all cases) – pressupõe
a existência de uma escola de Direito antecedente. Por isso, continuando a
contrariar a ideia de Winroth, acrescenta que mesmo antes dos anos 30 do século
XII já existia uma pujante Escola de Direito em Bolonha, donde saiam insignes
juristas versados em todo o Corpus Iuris Civilis24.
Esta ilação de Pennington não se pode desvincular do lapso temporal pré-
definido por este autor para a formação do Decretum (entre a década de 1120
e o ano 1140): o manuscrito St. Gall, descoberto por Carlos Larrainzar25, como
a mais antiga versão do Decretum, teria sido compilado na década de 1120; o
manuscrito florentino, correspondente à versão imediata, teria sido compilado
na década de 1130; a versão Vulgata, por sua vez, estaria terminada muito

23
PENNINGTON, “The Birth of the Ius commune: King Roger II’s Legislation”.
24
As Constituições de Roger II, Bulgarus, Graciano e a legislação Pisana são inseparáveis do
contexto do recente debate sobre quando o direito romano começou a ser ensinado em Bolonha,
as Constituições de Roger, Bulgarus e Graciano fornecem evidências substanciais de que Bolonha
produziu juristas com um elevado desenvolvimento e profunda compreensão de todo o corpus do
direito romano pelos anos 1130. Esta prova constitui um forte argumento para a existência duma
escola que já não estava em período de infância (Roger II’s Constitutions, Bulgarus, Gratian, and Pisan
legislation are separatIn the context of the recent debate about when Roman law began to be taught in Bologna,
Roger’s Constitutions, Bulgarus, and Gratian provide substantial evidence that Bologna was producing
jurists who had a highly developed and deep understanding of the entire corpus of Roman law by the 1130’s.
This evidence argues strongly for a school that was not in its infancy) – Kenneth PENNINGTON, “The
«Big Bang»: Roman Law in the early Tuelfth-Century”, Rivista Internazionale di Diritto Comune, n.º
18, 2007, pp. 43-70 em http://faculty.cua.edu/pennington/BigBangRomanLaw.htm (consultado
dia 10 de Abril de 2012).
25
Carlos LARRAINZAR, “Datos sobre la antigüedad del manuscrito Sg: su redacción de C.27 q.2”,
«Panta Rei» Studi dedicati a Manlio Bellomo, Tomo 3, Roma, 2004, pp. 205-237; Idem, “El Borrador de
la «Concordia» de Graciano: Sankt Gallen, Stiftsbibliothek MS 673 (= Sg)”, Ius Ecclesiae – Rivista
Internazionale di Diritto Canonico, Pontificia Università della Santa Croce, vol 11 n.º 3, 1999, pp.
593-666.

320 Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012)


As origens do Studium de Bolonha, pp. 309-322

pouco depois do ano 1140. Se Graciano absorveu e incorporou na sua obra os


ensinamentos do Direito romano providos pela Escola de Bolonha, melhorando o
seu conhecimento a cada uma das sucessivas versões; se o manuscrito da abadia
de St. Gall se apresenta mais sofisticado numa determinada matéria coincidente
com o tratado de Bulgarus (De arbitris); se este tratado foi composto antes de
1130; sendo muito provável a ligação entre os dois juristas (Graciano e Bulgaro)26;
torna-se plausível que o tratado de Bulgarus seja anterior ao manuscrito de St. Gall
e, necessariamente, terá que concluir-se que a Escola de Bolonha é antecedente
a 113027.
Perseverando no aturado cotejar dos textos da cúria papal com os de Direito
romano, Pennington avança paulatinamente. De certa forma, reforça o contacto
do chanceler papal Haimeric com o ensino do Direito romano em Bolonha, onde
se terá tornado amigo de Bulgarus. O predomínio do Direito romano na praxis da
cúria papal, no dealbar do século XII, instila em documento de Honório II, datado
de 1125, com o relato da contenda entre os bispos de Siena e Arezzo (Itália).
Neste escrito papal foram vertidas as alegações ou peças processuais das partes
(muito raras, para esses tempos recuados), com uma linguagem e referências
expressas que evidenciam experimentado manejo dos textos legais justinianeus.
O cinzelado uso do Direito romano na cúria papal, permite-lhe asseverar que:
(i) No ano 1125, advogados, assessores da cúria papal, e talvez até os juízes
papais tiveram preparação intensiva no Direito romano;

26
Graciano também teve ligação com Irnério, conforme aportou Enrico Spagnesi, apud VIEJO-
XIMÉNEZ, “«Gratianus Magister» y «Guarnerius Teutonicus»”, p. 53: “Graciano e Irnerio son
mencionados eisdem quoque temporibus, al tiempo uno junto al otro, en el Chronicon abbatis urspergensis
de Burcardo de Biberach, preboste del monasterio premonstratense de Ursberg en Suabia (c. 1177,
† post 1231)”. A incorporação no Decretum de Graciano de textos de Direito romano, retirados dos
libri legales e não das colectâneas pré-gracianas, são indiciários da sua estreita relação com os legistas
da escola de Bolonha.
27
As posições de Winroth e Pennington aparecem condensadas na tese de Doutoramento de Harris
Eichbauer: Winroth tem mantido que o ensino do Direito romano não era sério até ao tempo de
Bulgarus, possivelmente no final de 1130 ou início de 1140, e que o trabalho de Irnerius não deve
ser tão enfatizado. Pennington, por outro lado, descobriu que Graciano fornece uma discussão
mais sofisticada da diferença entre árbitros e juízes na Causa 2 de St. Gall do que aquela que consta
em Bulgarus, obra conhecida por Graciano em Bolonha. Tal como as conexões entre o tratado
processual de Bulgarus De arbitris, o chanceler papal Haimeric, e as duas cartas de Inocêncio II
revelam, Bulgarus trabalhou algum tempo antes de 1130 (Winroth has maintained that the teaching of
Roman law was not serious until the time of Bulgarus, possibly in the late 1130s or early 1140s, and that
the work of Irnerius should not be over emphasized. Pennington, on the other hand, has found that Gratian
provided a more sophisticated discussion of the difference between arbiters and judges in Causa 2 of St. Gall
than that offered by Bulgarus, whose work Gratian knew in Bologna. As the connections between Bulgarus’
procedural treaty De arbitris, the papal chancellor Haimeric, and two letters of Innocent II reveal, Bulgarus
worked sometime before 1130) – Melodie Harris EICHBAUER, From Gratian’s Concordia discordantium
canonum to Gratian’s Decretum: The Evolution from Teaching Text to Comprehensive Code of Canon Law,
a Dissertation Submitted to the Faculty of the Department of History School of Arts and Sciences
Of The Catholic University of America, In Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree
Doctor of Philosophy, Washington D.C., 2010, p. 154 nota 180, em http://aladinrc.wrlc.org/
bitstream/1961/9187/1/Eichbauer_cua_0043A_10041display.pdf (consultado dia 10 de Abril de
2012).

Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 321


José Domingues

(ii) Os argumentos dos defensores eram subtis e demonstram um


significativo conhecimento do Direito romano;
(iii) Este conhecimento só poderia ter sido alcançado numa escola de Direito;
(iv) As referências ao Digesto e ao Código não se compatibilizam com um
ensino privado;
(v) O único lugar onde sabemos que a lei romana foi ensinada, na primeira
metade do século XII, é o de Bolonha;
(vi) Consequentemente, o Studium de Bolonha deve ter florescido antes de
112528.

Esta última datação – “before 1125” – para a origem do Studium de Bolonha


acaba, também, por arredar quaisquer suspeitas que recaíam sobre Irnério,
avalizando a afirmação de Odofredus, com que encetamos. Embora arredado
dos propósitos deste singelo artigo, convém não exacerbar demasiado o ensino
do Direito romano em detrimento do canónico – “no hay razones”, assevera Carlos
Larrainzar, “para negar que se dio una íntima y estrecha relación entre canonistas y
legistas en los orígenes del Studium boloñés”29.
Não posso terminar sem, mais uma vez, ressalvar que o tema é bastante
mais complexo e desta singela súmula ficaram arredados imensos autores
acreditáveis e por referenciar trabalhos sublimes e exaustivos na análise de fontes
documentais – v. g., Ennio Cortese, Enrico Spagnesi, Giaccomo Pace, Giuseppe
Mazzanti, Andrea Padovani (Itália), Hermann Lange (Alemanha), André Gouron
(França), Carlos Larrainzar e José Miguel Viejo-Ximénez (Espanha).

28
“By 1125 advocates, assessors in the papal curia, and perhaps even papal judges had extensive training in
Roman law. The arguments of the advocates were subtle and demonstrated significant knowledge of Roman
law. They could have gotten that training only in a law school. One does not find one’s way around in the
Digest or the Codex with home schooling. The only place we know that Roman law was taught in the first
half of the twelfth century was Bologna. Consequently, the Studium at Bologna must have been flourishing
before 1125” – Kenneth PENNINGTON, Roman Law at the Papal Curia in the Early Twelfth Century,
em http://faculty.cua.edu/pennington/PenningtonRomanLawLateranII.htm (consultado dia 10
de Abril de 2012).
29
Carlos LARRAIZAR, “La firma boloñesa del Decreto de Graciano”, Initium: Revista Catalana
d’Història del Dret, 9, Barcelona, 2004, p. 18.

322 Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012)

View publication stats

Das könnte Ihnen auch gefallen