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Saberes da Kalunga – pensando o mundo contemporâneo a partir da


epistemologia bakongo
Autor: Paulo Magalhães

Categories : Cultura, História, Inclusão, Saberes africanos

Data: 16/02/2018

Estabelecer uma epistemologia científica a partir dos saberes milenares do povo bakongo é um dos objetivos do
professor Eduardo Oliveira, do Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC-
UFBA), sediado na Faculdade de Educação.

Iniciado no culto de Ifá, suas pesquisas até então se davam em torno das mitologias dos Orixás (de origem iorubá) e
da perspectiva da transformação destes mitos em conceitos e categorias de análise da realidade social. Vale lembrar
que boa parte do conhecimento científico ocidental, como a filosofia e a psicanálise, baseou-se na mitologia grega
como paradigma e metáfora; logo, a utilização de saberes africanos se constituiria uma perspectiva decolonial de
conhecimento.

“Por conta da predominância da cultura nagô nas pesquisas acadêmicas e na própria religião de matriz africana,
iniciei minhas pesquisas neste campo”, conta o professor, que em seu livro Cosmovisão Africana no Brasil, trabalhou
com três reinos: Mali, Songhai e Ghana. Ao ser cobrado pela própria comunidade do candomblé congo/angola (de
matriz bantu), decidiu pesquisar melhor estes povos que foram historicamente desprestigiados na tradição
antropológica brasileira, em um processo conhecido como “nagocentrismo”.

A linhagem de estudos que vem de Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Édison Carneiro e outros erigiu uma família de
santo de matriz ketu como o modelo de pureza e autenticidade. Privilegiando o modelo nagô nos estudos e pesquisas
e tendo-o como referência no processo de articulação política pela legitimação do candomblé, estes intelectuais
estabeleceram um modelo dominante a ser seguido pelos demais terreiros. Nesta literatura antropológica, os
candomblés congo/angola e de caboclo eram considerados inferiores e descaracterizados.

“Eu comecei por perceber aspectos nagô nas religiões bantu, que é o mais óbvio, mas depois pensei: isso não
respeita o processo histórico, os bantu chegaram dois séculos antes. A tese que desenvolvo hoje é de que o culto
nagô foi bantuizado, os nagôs construíram em cima de uma base bantu. Para compreender melhor este processo, é
necessário fazer uma arqueologia. E os bakongo já faziam arqueologia séculos antes de Foucault”, explica Eduardo.
Pesquisador da filosofia africana e afro-brasileira, Eduardo é coordenador da Rede Africanidades e autor dos livros
“Cosmovisão Africana no Brasil” (2003) e “Filosofia da Ancestralidade” (2007), entre outros.

Aplicação acadêmica

As pesquisas atualmente desenvolvidas pelo professor e pela Rede Africanidades têm como base o trabalho do Dr.
Bunseki Fu-Kiau (1934-2013). Existem atualmente algumas pesquisas em andamento no DMMDC a partir do
cosmograma bakongo e dos escritos do Dr. Fu Kiau. “Não podemos fazer um estudo antropológico da sociedade
bakongo porque isso exigiria um trabalho de campo aprofundado. Estudamos o cronograma sob a perspectiva
epistemológica, de um regime semiótico, um caminho para interpretação da experiência”, explica o professor
Eduardo.

Entre as pesquisas, encontra-se a do doutorando Cinézio Peçanha, mais conhecido como Mestre Cobra Mansa,
intitulada “Renascimento do Engolo do grupo Nyaneka-Humbe em Angola - Como as culturas que têm em seus

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fundamentos o jogo de corpo e ancestralidade passam pelo processo de morte e renascimento de suas práticas”.
Parte dos resultados dessa pesquisa podem ser vistos no documentário “Jogo de Corpo - Capoeira e Ancestralidade”
(2013).

Outro doutorado em andamento no programa é o de Sérgio São Bernardo, professor assistente da UNEB e militante
do movimento negro. Com o título provisório de “Ética do Discurso, Ética da Libertação e Direito Alternativo”, se
propõe a pesquisar experiências de mediação de conflitos e justiça comunitária a partir de experiências africanas. No
artigo “Kalunga e o direito: a emergência de um direito inspirado na ética afro-brasileira”, publicado no portal jurídico
Justificando, ligado à Carta Capital, ele questiona: “ É possível afirmar um direito africano ou afro-brasileiro? Este
direito pode ser universalizável como pressuposto de justiça a outras comunidades não africanas? ” Os debates
perpassam os campos da antropologia jurídica, da filosofia africana e da filosofia do direito.

Para além da produção acadêmica stricto sensu, a Rede Africanidades tem realizado uma série de encontros e
minicursos de filosofia africana que divulgam o pensamento bakongo e inspiram outras articulações intelectuais, nos
campos da arte, espiritualidade, autoconhecimento e militância política. No evento Poética e Ancestralidade, realizado
na Escola de Dança da UFBA em meados de janeiro, aconteceu uma vivência, onde as diferentes reações somáticas
e psicológicas dos participantes são partilhadas e discutidas, visando uma compreensão do cosmograma bakongo.

Cosmograma

Mas afinal, o que é o cosmograma bakongo? Trata-se de uma mandala também conhecida como "Diekenga", uma
representação simbólica dos grandes ciclos do sol, da vida, do universo e do tempo. Ao centro do círculo, uma cruz o
divide em quatro etapas. A linha horizontal separa o mundo do vivo do mundo dos mortos. Chamada Kalunga, ela
também é uma representação do mar como um grande cemitério a conectar mundos.

O cosmograma bakongo, círculo dividido por uma cruz (anterior à chegada do cristianismo nesta região), pensa a
existência humana como um grande ciclo dividido em quatro etapas, integrando o mundo dos vivos e o mundo dos
mortos, divididos pela linha de Kalunga. “A criação do mundo, a vida humana e os grandes processos sociais são
explicados através deste cosmograma, que funciona como uma grande metáfora do ciclo vital”.

“Do ponto mais baixo do círculo, à meia noite do trajeto solar, dá-se a concepção e vem Musoni, em amarelo, o tempo
de germinar, do crescimento silencioso que antecede o nascimento. Após o nascimento acontece Kala, representado
pela cor preta, tempo de crescimento, aprendizado. Com o amadurecimento vem Tukula, em vermelho, o ápice da
liderança, da força, quando a linha vertical faz a conexão direta com o mundo dos ancestrais. Após o sol ao meio dia,
se inicia o processo de decadência que inevitavelmente levará à morte física, Luvemba, representado pelo branco dos
ossos, do pó, deste tempo de silêncio que antecede outro grande ciclo vital”, explica Oliveira.

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