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BONECAS ANATÔMICAS
Tratar da imagem do corpo tem sido assunto nas artes visuais desde sempre.
Ainda que o desenvolvimento de novas tecnologias usadas na medicina tenha ajudado a
modificar a produção imagética nas obras de arte.
Não é preciso muito tempo _ o tempo de uma indagação _ para perceber que o
historiador da arte, em cada u m de seus gestos, por humilde ou co mplexo ou
rotineiro que seja, não cessa de operar escolhas filosóficas (DIDI-
HUBERMAN. 2013,13).
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IA/ Universidade Estadual de Campinas SP Brasil
Seminári o Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worl ds Congress (Anais Eletrônicos),
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Assim, as imagens escolhidas_ como: algumas obras de Louise Bourgeois,
fotografias das histéricas do Salpêtriére e fotografias das bonecas de cera anatômicas,
tal como constam no catálogo da exposição Le corps en morceaux, ocorrida em 1990,
no Musée d´Orsay, Paris_ apesar de terem sido produzidas em épocas diferentes e sob
estilos diferentes, possuem uma relação imagética na qual se destacam algumas
semelhanças. E nos levam a pensar a respeito da relação cultural estabelecida com o
corpo da mulher.
Muito já foi dito a respeito de Louise Bourgeois. Afinal, ela passou o século XX
produzindo obras de destaque, de surrealistas a conceptualistas. Sua primeira exposição
individual, provavelmente, ocorreu em 1945, aos trinta e três anos, na Bertha Schaefer
Gallery em Nova York, ou quando elaborou uma de suas esculturas mais antigas para o
MoMA em 1951, ou ainda quando mostrou suas esculturas experimentais de látex,
juntamente com trabalhos de Bruce Nauman e Eva Hesse em 1966.
Sabe-se que sua vida como escultora deve ter começado quando manipulou sua
primeira escultura de pão ainda criança, ou quando trabalhou como tapeceira na
tecelagem da família na França. Já foram feitas publicações, críticas, entrevistas e teses
sobre a artista e seu trabalho. Mas “o âmago de seu impulso original deve ser
encontrado, caso exista, em seu próprio trabalho. Assim, o artista deve dizer o que
sente...” (BERNADAC & OBRIST, 2000,15). E as obras de Bourgeois dizem muito.
Neste caso, destacamos sua relação com a psicanálise e com a noção de histeria.
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Em 1993, apresentou Cella (Arco da Histeria) na Bienal de Veneza.
Referindo-se aos estudos de Jean-Martin Charcot, que ficou famoso por sua
pesquisa acerca da histeria e que etimologicamente está ligado ao sistema
reprodutivo feminino (a palavra é derivada do grego hystera, significando
útero), os sintomas foram entendidos por ocorrerem principalmente nas
mu lheres (MORRIS, 2007,43).
Esse trabalho da autora teve várias versões com as quais trabalhou. Seu título
demonstra sua referência e seu conhecimento de psicanálise. Pois foi a partir dos
estudos de Charcot que Freud começou a elaborar sua teoria, escrevendo seus primeiros
trabalhos sobre a histeria feminina. Mas mesmo que o título da escultura fosse
desconhecido e que sua referência não fosse assumida pela artista, se compararmos a
imagem de suas obras com as fotografias das histéricas estudadas por Charcot,
evidenciamos características comuns, como podemos conferir.
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BROUILLET, André. Uma aula clínica na Salpêtrière, óleo sobre tela, 1887, Paris, Museu de História da
Medicina
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Fotografia de mu lher de cera Sapêtriére, Paris, séc XIX
No plano filosófico, não é o nada que avança e rói tudo, mas nós que, ao
nascermos, passamos do familiar ao inquietante, do colocado ao deslocado, o
próprio nascimento sendo concebido como queda, exposição ao inseguro.
Enfim, o nada designaria a incongruência entre os chegados ao mundo e as
condições de chegada. O nascimento seria u ma espécie de aborto, exposição
ao não-dado, visita no inquietante, donde a necessidade de estar rodeado de
promessas que, obviamente, não podem sustentar-se (PELBA RT, 2013,150).
Peter Pal Pelbart, analisando o nihilismo nietchziano, explica que esta visão vem
desde o cristianismo com a crença da continuação da vida em outro plano e o
sofrimento nesta existência como etapa necessária para atingir o paraíso. Logo, a visão
de alguém morrendo traz mais expectativa de vida do que a visão de um ser humano
nascendo. Talvez, isso explique o interesse artístico contemporâneo pelas figuras
trágicas. Daí, o tempo que Didi-Huberman dedicou analisando a iconografia fotográfica
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do Salpêtriére. E também a intensidade de expressão do Arch of Hysteria de Louise
Bourgeois.
A maior parte dos pequenos quer sobretudo ver a alma, alguns após certo
tempo, outros logo de início. É mais ou menos rápida invasão desse desejo que
faz a maior ou menor longevidade do brinquedo. Não sinto coragem de
censurar esta mania infantil: é u ma primeira tendência metafísica
(BA UDELA IRE, 1995,495).
Podemos até mesmo imaginar que o ato de abrir o brinquedo para conhecer do
que ele é feito, sempre foi uma curiosidade infantil; porém acreditamos que Baudelaire
trata dos shows que eram frequentes neste momento. Assim, as bonecas de cera
incitavam a imaginação do público, enquanto o mestre de cerimônias as abria como
num ritual maçônico. “Creio que geralmente as crianças agem sobre seus brinquedos, ou
seja, que sua escolha é dirigida por disposições e desejo, vagos, é verdade, não
formulados, mas muito reais” (BAUDELAIRE, 1995,494).
Mostramos na sequência uma das imagens destas bonecas que foi encontrada no
catálogo do Musée d´Orsay em fotografias em preto e branco, porém está no livro
Nudez de Agamben, colorida, conforme colocamos a seguir:
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SUSINI, Clemente. Vênus Anatômica
Museu de História Natural do Grã-duque de Toscana In
AGAM BEN, G. Nudez. 2015,115
Vemos que o corpo feminino parece torcido ou oferecido num caso de histeria à
procura de amor e de atenção, conforme dito por Freud e comentado por Didi-
Huberman:
A histérica, de certo modo, fo menta o desejo do Outro. Mas o alucina, ata o conhecimento do
desejo ao próprio desejo de reconhecimento e se ilude naturalmente (captação neurótica) quanto
ao sentido do desejo do outro. Assim, permanece amarrada às redes da enfatuação, da lei do
coração, do narcisismo, porque toda sua estratégia especula com hipóteses imaginárias (DIDI-
HUBERMAN, G.2015,233).
Nascida em Paris em 1911, Louise Bourgeois foi criada por pais que dirigiam
um negócio de restauração de tapeçarias. Aluna talentosa, ela também ajudou na oficina
desenhando elementos faltantes nas cenas retratadas nas tapeçarias. Durante esse tempo,
seu pai teve um caso com Sadie Gordon Richmond, a tutora inglesa que morava na casa
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da família. Esta traição profundamente preocupante e, em última instância, a traição
definitiva, permaneceu uma memória vívida para Bourgeois pelo resto de sua vida. Mais
tarde, ela estudaria matemática antes de voltar-se para a arte.
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Há em todo historiador um desejo (u m desejo absolutamente justificado) de
empatia; pode chegar às vezes à obsessão, à coerção psíquica, até mesmo a u m
delírio borgiano. Tal desejo nomeia ao mesmo tempo o indispensável e o
impensável da história. O indispensável, pois só se pode compreender o
passado, no sentido literal do termo “co mpreender”; entregando -se a uma
espécie de enlace matrimonial: penetrar no passado e fundir-se nele, em suma,
sentir que o esposamos para possui-lo inteiramente, quando nós mesmos
somos, nesse ato, possuídos por ele: abocanhados, enlaçados, até mesmo
paralisados (DIDI-HUBERMAN, G. 2013,49).
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Baudelaire foi o grande percursor da modernidade na arte. O que volta a nossa
colocação inicial do aprofundamento do olhar na contemporaneidade.
O corpo que eu tenho, corpo-objeto, é o alvo do modelo bio méd ico, o qual,
auxiliado pelo sucesso das novas tecnologias de visualização médica, contribui
para a desincorporação da subjetividade e para a virtualização e objetivação da
corporeidade, tornando obsoleto o corpo (ORTEGA, F.2008,63).
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Logo, para o autor, o esvaziamento da arte contemporânea, de que a abertura e
invasão dos corpos são exemplos, fazem parte do questionamento que o homem
contemporâneo faz dos valores nos quais foi erigida sua sociedade e que, no entanto,
não parecem mais justificados ou adequados diante de tanta injustiça e discriminação de
sexo, cor, etnia, opção sexual. Mas Pelbart acredita que esta insatisfação é positiva
enquanto leva o ser humano a buscar novas possibilidades, novos caminhos, mais
justos, mais adequados às necessidades de cada um e dos grupos.
É p reciso que os valores supremos desmoronem de vez, sem retê-los, não para
que outros possam substitui-los, mas para que se possa engendrar valores a
partir de u m outro elemento, co mo dito anteriormente, e não a partir da
negatividade ou do ressentimento (PELBA RT, 2014,141).
Referências:
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DIDI-HUBERMAN, Georges. Invenção da histeria: Charcot e a iconografia fotográfica da
Salpêtrière. Rio de Janeiro, Contraponto, 1ª ed., 2015.
PELBART, Peter Pal. O Avesso do Niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo, n-1, 1ª ed.,
2013.
https://www.moma.org/explore/collection/lb/about/biography
https://www.moma.org/collection_lb/browse_results.php?object_id=130224
http://mercerieambulante.typepad.com/.a/6a011168cfe7b3970c0134897c2c10970c-
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The body in front of the image: from Louise Bourgeois to the anatomical dolls
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